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PROMOÇÃO DA CULTURA DE RISCOS DE DESASTRES Relatório Final

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PROMOÇÃO DA CULTURA DE RISCOS

DE DESASTRES

Relatório Final

Universidade Federal de Santa Catarina

Centro Universitário de Estudos e Pesquisas sobre Desastres

PROMOÇÃO DA CULTURA DE RISCOS

DE DESASTRES

Relatório Final

CEPED UFSC

Florianópolis, 2012

PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Dilma Vana Rousseff

MINISTRO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL

Fernando Bezerra de Souza Coelho

SECRETÁRIO NACIONAL DE DEFESA CIVIL

Humberto de Azevedo Viana Filho

DIRETORA DO DEPARTAMENTO DE MINIMIZAÇÃO DE DESASTRES

Rafael Schadeck

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

Reitor da Universidade Federal de Santa Catarina

Professor Álvaro Toubes Prata, Dr.

Diretor do Centro Tecnológico da Universidade Federal de Santa Catarina

Professor Edson da Rosa, Dr.

CENTRO UNIVERSITÁRIO DE ESTUDOS E PESQUISAS SOBRE DESASTRES

Diretor Geral

Professor Antônio Edésio Jungles, Dr.

Diretor Técnico e de Ensino

Professor Marcos Baptista Lopez Dalmau, Dr.

Diretor de Articulação Institucional

Professor Irapuan Paulino Leite, Msc.

FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA E EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA

Superintendente Geral

Professor Pedro da Costa Araújo, Dr.

EDITORA LUA NOVA

Diretor

Luciano Porto

Diretora de Redação - Revista Com Ciência Ambiental

Professora Cilene Victor, Dra.

Universidade Federal de Santa Catarina. Centro Universitário de Estudos e Pesquisas sobre Desastres. Promoção da cultura de riscos de desastres: relatório final / Centro Universitário de Estudos e Pesquisas sobre Desastres. - Florianópolis: CEPED UFSC, 2012. 121 p. : il. color. ; 30 cm. 1. Riscos de desastres. 2. Comunicação. I. Universidade Federal de Santa Catarina. II. Centro Universitário de Estudos e Pesquisas sobre Desastres. III. Título.

CDU 351.862

Catalogação na fonte por Graziela Bonin – CRB14/1191

APRESENTAÇÃO

O presente relatório apresenta os resultados do projeto Promoção da Cultura de Riscos de

Desastres - PCRD, realizado pela Secretaria Nacional de Defesa Civil do Ministério da

Integração Nacional, em cooperação técnica com o CEPED UFSC e parceria com a Editora

Lua Nova, pela Revista Com Ciência Ambiental.

O projeto PCRD sustenta-se no entendimento de que a redução de desastres passa pela

construção de uma sociedade em que prevaleça a cultura de riscos. Por meio de políticas

públicas direcionadas para além da minimização das ameaças ao contemplar a redução de

vulnerabilidades, é essencial investir em ações não estruturais, especialmente direcionadas a

comunidades vulneráveis.

É neste ponto que o projeto PCRD se fez presente, atuando diretamente na capacitação de

agentes de defesa civil, formal e informalmente constituídos. A descrição dos resultados dos

trabalhos e as indicações dos principais pontos de reflexão, a partir das experiências de

campo, objetivam dar transparência ao projeto, ao mesmo tempo em que se cumpra com o

papel da universidade de construir e divulgar conhecimento.

Prof. Antônio Edésio Jungles, Dr.

Diretor Geral do CEPED UFSC

EXECUÇÃO DO PROJETO

CENTRO UNIVERSITÁRIO DE ESTUDOS E PESQUISAS SOBRE DESASTRES

Coordenação do Projeto

Professor Antônio Edésio Jungles, Dr.

Elaboração do Relatório Final

Cilene Victor

Erik Bernardes

Paulo Fernando Costa

Sarah Marcela Chinchilla Cartagena

Corpo Técnico

Cilene Victor, Dra.

Erik Bernardes

Janaina Rocha Furtado

Juliana Frandalozo Alves dos Santos

Paulo Fernando Costa

Sarah Marcela Chinchilla Cartagena

Revisão de Texto

Pedro Paulo Souza

Apoio

Alexandre Souza

Eliane Alves Barreto

Francisco Freire

Michelly Panicio

Nilthon Fernandes

Paulo Roberto dos Santos

RESUMO

O projeto PCRD - Promoção da Cultura de Riscos de Desastres, iniciativa do Departamento de

Minimização de Desastres, da Secretaria Nacional de Defesa Civil (Sedec) do Ministério da

Integração Nacional, foi concebido em 2008 e iniciado em março de 2010.

Para alcançar o objetivo central de promover a cultura de risco de desastres, compreendida

como a cultura de enfrentamento dos riscos de desastres, em detrimento da cultura de

desastres – mais presente na realidade brasileira – o projeto PCRD está estruturado em seis

ações: Oficina de Capacitação em Comunicação e Percepção de Riscos de Desastres;

Caderno Especial na Revista Com Ciência Ambiental – Percebendo Riscos, Reduzindo Perdas;

Seção Especial na Revista Com Ciência Ambiental – Cidades Seguras; Veiculação de

Campanhas de Prevenção; Anuário Brasileiro de Ocorrência de Desastres; Pesquisa-ação em

Comunicação e Percepção de Riscos.

A referência técnico-científica do projeto PCRD está sustentada, majoritariamente, em dois

campos da ciência do risco – a percepção e a comunicação de riscos – e no Sistema Nacional

de Defesa Civil (Sindec). Esse embasamento ajudou a conceber e a conduzir as principais

ações do PCRD.

Outras referências – descritas em detalhes no item 2.6 – também foram necessárias para

subsidiar a análise da cobertura da imprensa sobre fatos relacionados à Defesa Civil e a riscos

de desastres. Entre elas, destacam-se algumas teorias da comunicação, como a Hipótese do

Agenda-setting, segundo a qual os meios de comunicação de massa pautam as conversas

cotidianas.

Durante a execução do projeto, além do referencial técnico científico, a inter-relação das seis

ações foi fundamental para o enriquecimento do trabalho. A realização das oficinas, por

exemplo, foi constantemente aperfeiçoada em conteúdo e dinâmica, a partir dos resultados

obtidos com os grupos focais, ou com novos exemplos de divulgação da temática na imprensa.

Igualmente, a realização da pesquisa-ação pôde ser aprimorada a partir de novos assuntos

discutidos durante as oficinas, configurando-se em um constante processo de melhoria.

De março de 2010 a dezembro de 2011, o PCRD esteve presente nas 27 unidades federativas,

onde realizou, além das oficinas de capacitação, as seguintes atividades: a) entrevista

exploratória com o público presente nas oficinas de 22 estados; b) entrevista exploratória com

comunidades em áreas de riscos de 19 estados; c) 77 entrevistas exploratórias com

coordenadores estaduais e municipais de Defesa Civil, assessores de imprensa das

Coordenarias Estaduais de Defesa Civil (CEDECs) e jornalistas da imprensa local de 23

estados; d) aplicação de 1.221 questionários de opinião; e) análise de 9.528 matérias

jornalísticas publicadas nos jornais de 18 unidades federativas; f) produção e publicação de

reportagens na revista Com Ciência Ambiental sobre iniciativas bem sucedidas de defesa civil

de 23 estados da federação.

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................................................... 11

2. RISCOS DE DESASTRES E COMUNICAÇÃO - A BASE DO PCRD ............................................................. 13

2.1. SOCIEDADE DE RISCOS E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL................................................................................ 13

2.2. O CONTEXTO BRASILEIRO .......................................................................................................................................................... 15

2.3. CIÊNCIA DO RISCO ........................................................................................................................................................................ 18

2.4. PERCEPÇÃO DE RISCOS ............................................................................................................................................................ 21

2.5. COMUNICAÇÃO DE RISCOS ....................................................................................................................................................... 22

2.6. TEORIAS DA COMUNICAÇÃO ..................................................................................................................................................... 23

3. OBJETIVOS E METODOLOGIAS DO PCRD........................................................................................................... 27

3.1. OBJETIVOS E PÚBLICO-ALVO .................................................................................................................................................... 28

3.2. AÇÕES E METODOLOGIAS DO PCRD .................................................................................................................................. 28

4. OFICINA DE CAPACITAÇÃO EM COMUNICAÇÃO E PERCEPÇÃO DE RISCOS DE

DESASTRES ............................................................................................................................................................................. 31

4.1. CONTEÚDO ....................................................................................................................................................................................... 32

4.2. RESULTADOS QUANTITATIVOS................................................................................................................................................. 33

4.3. RESULTADOS QUALITATIVOS ................................................................................................................................................... 34

5. CADERNO ESPECIAL - PERCEBENDO RISCOS, REDUZINDO PERDAS ................................................ 36

5.1. RESULTADOS ................................................................................................................................................................................... 37

6. SEÇÃO ESPECIAL - CIDADES SEGURAS ............................................................................................................. 41

6.1. RESULTADOS ................................................................................................................................................................................... 41

7. VEICULAÇÃO DE CAMPANHAS DE PREVENÇÃO DE DESASTRES ......................................................... 43

7.1. RESULTADOS ................................................................................................................................................................................... 43

8. ANUÁRIO BRASILEIRO DE OCORRÊNCIA DE DESASTRES ........................................................................ 45

8.1. RESULTADOS ................................................................................................................................................................................... 46

9. PESQUISA-AÇÃO EM COMUNICAÇÃO E PERCEPÇÃO DE RISCOS ........................................................ 49

9.1. RESULTADOS DA PESQUISA DE OPINIÃO............................................................................................................................. 50

9.2. RESULTADOS DO GRUPO FOCAL............................................................................................................................................. 53

9.3. RESULTADOS DAS INVESTIGAÇÕES COM COMUNIDADES ............................................................................................ 68

9.4. RESULTADOS DAS ENTREVISTAS EXPLORATÓRIAS ........................................................................................................ 99

9.5. ANÁLISE DA ATUAÇÃO DA IMPRENSA ................................................................................................................................. 113

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................................................................. 121

11 Introdução

1. INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, as questões ambientais ganharam visibilidade e passaram a ocupar lugar de

destaque na agenda dos brasileiros. Essa conquista, no entanto, está associada à urgência

dos problemas decorrentes da ação do homem sobre o meio ambiente, como o desmatamento,

a escassez de água, o esgotamento de recursos naturais não-renováveis, a produção

acentuada e a disposição inadequada de resíduos sólidos.

As mudanças climáticas são, sem dúvida, a principal temática responsável pela retomada do

debate ambiental, como há muito não se via. A visibilidade midiática à causa e aos cientistas

pode ser considerada singular na recente história do desenvolvimento científico brasileiro.

Significa dizer que nunca antes um tema de envergadura científica foi tão popularizado quanto

o das mudanças climáticas.

Os constantes debates sobre o estado da arte das mudanças climáticas, dos seus possíveis

impactos e das medidas mitigadoras, em âmbito local, regional, nacional e mundial, ajudaram a

promover outra temática relevante: a dos riscos de desastres.

Nos últimos três anos, desde a divulgação do quarto relatório do Painel Intergovernamental

para Mudanças do Clima (IPCC, na sigla em inglês), disponível no endereço

(http://www.ipcc.ch/publications_and_data/ar4/syr/en/contents.html) fomentou-se a

percepção de estreita relação entre as mudanças climáticas e os desastres naturais, conforme

a nomenclatura do Sistema Nacional de Defesa Civil, ou desastres ambientais – denominação

mais compatível com o atual contexto.

O aspecto positivo dessa relação dá-se pelo fato de a temática sobre riscos de desastres, por

muito tempo, restrita ao universo da Defesa Civil, conseguir alcançar visibilidade, ainda que

mais modesta, como indicam os resultados da pesquisa em 9.500 matérias, detalhada no

item 9.5 deste relatório.

Deve-se ressaltar que foram necessárias quase duas décadas, do primeiro relatório do IPCC,

em 1991, ao quarto relatório, em 2007, para que a temática sobre mudanças climáticas

alcançasse reconhecimento além do meio científico.

A associação entre mudanças climáticas e riscos de desastres cria o cenário adequado para

promover uma mudança de cultura, ainda que seja um processo lento e custoso. Substituir a

cultura de desastres, enraizada na história e no desenvolvimento do país, pela cultura de riscos

de desastres é um desafio que justifica a concepção do projeto PCRD - Promoção da Cultura

de Riscos de Desastres, objeto deste documento.

O PCRD é destinado a um público de multiplicadores, formado por agentes e gestores de

12 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD

defesa civil, representantes do Corpo de Bombeiros, da academia, dos meios de comunicação

e das demais instituições atuantes na área de riscos de desastres.

Por meio de cooperação técnica entre a Secretaria Nacional de Defesa Civil (Sedec) e o Centro

Universitário de Estudos e Pesquisas sobre Desastres da Universidade Federal de Santa

(CEPED UFSC), e da parceria com a Revista Com Ciência Ambiental, o PCRD foi concebido e

estruturado em seis ações principais:

Oficina de Capacitação em Comunicação e Percepção de Riscos de Desastres;

Caderno Especial na Revista Com Ciência Ambiental – Percebendo Riscos, Reduzindo

Perdas;

Seção Especial na Revista Com Ciência Ambiental – Cidades Seguras;

Veiculação de Campanhas de Prevenção;

Anuário Brasileiro de Ocorrência de Desastres;

Pesquisa-ação em Comunicação e Percepção de Riscos.

13 Riscos de desastres e comunicação – a base do PCRD

2. RISCOS DE DESASTRES E COMUNICAÇÃO - A BASE DO PCRD

A apresentação do projeto Promoção da Cultura de Riscos de Desastres, assim como de suas

ferramentas, ações, objetivos, embasamento técnico-científico e metodologias, objeto deste

relatório, demanda um breve resgate histórico, especialmente da década de 1980, quando os

dois importantes conceitos Sociedade de Riscos e Desenvolvimento Sustentável, que ora se

encontram interligados, foram cunhados pela primeira vez.

A justificativa desse resgate histórico fundamenta-se na proposição de que a maioria dos

desastres que acometeram o mundo nos últimos anos é resultado da relação predatória que o

homem estabeleceu com o meio ambiente em prol do desenvolvimento – foco de discussão da

Primeira Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente Humano, realizada em

Estocolmo, em 1972.

O Sistema Nacional de Defesa Civil (Sindec) classifica o desastre, por origem, em natural,

misto e antropogênico, não recorrendo, portanto, ao termo desastre ambiental.

A classificação do desastre por intensidade (I, II, III e IV), mensurada por meio da soma da

magnitude do evento natural adverso com a vulnerabilidade da fonte receptora (comunidades,

ou pessoas expostas aos riscos), sugere que os desastres registrados no Brasil nos últimos

anos sejam ambientais. Isso porque a vulnerabilidade das comunidades está associada ao seu

grau de exposição aos riscos, como residir em áreas ambientalmente vulneráveis, em

encostas, às margens de rios e córregos - situação típica de um crescimento desordenado e

insustentável das cidades ao longo do desenvolvimento do país.

Por esta razão, a discussão acerca dos dois conceitos ambientais, Sociedade de Riscos e

Desenvolvimento Sustentável, é fundamental para a compreensão do contexto no qual o

projeto PCRD foi concebido.

2.1. Sociedade de Riscos e Desenvolvimento Sustentável

O conceito de Sociedade de Riscos, cunhado pelo filósofo e sociólogo alemão Ulrich Beck, em

1986, sugere a divisão dos tempos em duas modernidades. A primeira, a da revolução

industrial, e a segunda, resultado dos avanços científicos e tecnológicos.

Os impactos da segunda revolução, decorrentes do conforto que a ciência e a tecnologia

proporcionam, delinearam a obra clássica de Beck, Sociedade de Riscos, que propõe a

existência de uma sociedade que, ao mesmo tempo em que desfruta dos benefícios e

possibilidades da ciência, vê-se obrigada a conviver e a gerenciar os riscos impostos por tais

avanços.

O segundo conceito, Desenvolvimento Sustentável, apareceu pela primeira vez no relatório

14 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD

final da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e o Desenvolvimento, instituída pelo Programa

das Nações Unidas para o Meio Ambiente, em 1983 (MAWHINEY, 2005).

Presidida pela primeira-ministra da Noruega, à época, Gro Harlem Brundtland, a Comissão

divulgou, em 1987, o documento Nosso Futuro Comum, também conhecido como Relatório

Brundtland, em alusão à presidente da Comissão. O conceito Desenvolvimento Sustentável

propõe a utilização dos recursos naturais pela presente geração sem comprometer o direito

das próximas gerações de fazê-lo. Em síntese, o conceito defende o desenvolvimento em

harmonia com o meio ambiente.

Durante muito tempo, porém, o debate acerca de ambos os conceitos restringiu-se ao

ambiente acadêmico e aos gabinetes políticos, sobretudo na Europa e nos Estados Unidos.

A realização, em 1992, da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o

Desenvolvimento, a Rio 92, como ficou conhecida, ajudou a popularizar as discussões acerca

da relação do homem com o meio ambiente.

Até os primeiros cinco anos após a Rio 92, as questões ambientais – base dos conceitos

Sociedade de Riscos e Desenvolvimento Sustentável – continuaram a pautar a agenda dos

políticos, dos meios de comunicação, da comunidade científica e do empresariado. Após

aquele período, porém, o tema enfraqueceu e perdeu visibilidade, retornando mais forte e

amadurecido nos primeiros anos deste século.

A retomada da preocupação com o meio ambiente, agora presente em todos os setores da

sociedade, revela uma estreita relação com a popularização de um problema ambiental global:

as mudanças climáticas.

Se a divulgação dos resultados do terceiro relatório do IPCC em 2001 chamou a atenção da

opinião pública sobre os riscos aos quais o mundo encontra-se exposto, em decorrência das

mudanças climáticas, a divulgação do quarto relatório do IPCC, em fevereiro de 2007, reduziu

ainda mais a dúvida sobre tais riscos.

Segundo o documento de 2007, é muito provável, acima de 95% de chance, que o

aquecimento global seja de causa antropogênica. Ao associar a intensificação do efeito estufa,

fenômeno natural responsável pelo aquecimento do planeta, à emissão de gases como o

dióxido de carbono e o metano, os relatórios do IPCC estreitaram a relação entre meio

ambiente e modelo de desenvolvimento econômico. Com isso, duas questões tornaram-se

urgentes, o desenvolvimento sustentável e os riscos ambientais – agora, porém, muito além de

conceitos.

Assim, na sociedade das mudanças climáticas, tornou-se comum, pelo menos nos últimos três

anos, o emprego do termo desastres ambientais ao referir-se aos desastres resultantes da

magnitude de fenômenos naturais adversos sobre a vulnerabilidade das comunidades expostas

15 Riscos de desastres e comunicação – a base do PCRD

aos riscos.

2.2. O contexto brasileiro

A distância entre o surgimento do conceito de Ulrich Beck e o final da primeira década deste

século foi definitivamente reduzida após a ocorrência dos últimos desastres naturais ou

ambientais, forçando todas as nações a compreenderem a urgência do problema e a

conceberem mecanismos de enfrentamento dos riscos pelas comunidades vulneráveis.

Dos riscos de um furacão, de um terremoto ou de um acidente industrial, todas as sociedades

estão expostas em maior ou menor grau. No Brasil, por exemplo, por muito tempo propagou-se

o pensamento de que o país não corria riscos de desastres naturais. Essa ideia, porém,

sustentava-se na falta de memória e na percepção equivocada de considerar somente alguns

fenômenos, como furacões, terremotos, tsunamis e erupções vulcânicas, exemplos de

desastres naturais, dificultando com isso a percepção de outros fenômenos, inclusive aqueles

frequentes no Brasil.

O desastre que acometeu a população de Santa Catarina, em outubro de 2008, foi, sem

dúvida, o marco da discussão sobre desastres e riscos de desastres no país. À época,

expressões como áreas de riscos, mapeamento de áreas de riscos, gerenciamento de riscos e

comunidades vulneráveis passaram a fazer parte do discurso de vários setores.

Meses após a tragédia que vitimou milhares de catarinenses, entre março e maio de 2009,

estados do Nordeste e Norte do país, como Maranhão, Ceará, Piauí, Tocantins e Amazonas,

foram atingidos pela frequência e intensidade de chuvas pouco comuns a uma população que

sempre pareceu mais exposta aos riscos associados aos longos períodos de estiagem.

No ano seguinte, os desastres de Angra dos Reis, em janeiro, do Morro do Bumba, em abril, de

Pernambuco e Alagoas, em junho, fizeram o tema ganhar espaço na agenda da imprensa, dos

governos, do empresariado, da comunidade científica e dos políticos. Espaço reiterado pelo

desastre na região serrana do Rio de Janeiro em janeiro de 2011.

A visibilidade da temática, por sua vez, está diretamente relacionada ao espaço que as

tragédias ocuparam no noticiário brasileiro. As conversas cotidianas eram pautadas à medida

que o tema ganhava espaço, minutos nos telejornais, páginas e mais páginas de revistas e

jornais, e lotavam os diálogos nas redes sociais, como blogs, Twitter e Facebook.

Claramente, o desastre passou a integrar o dia a dia dos brasileiros, mas ainda como evento

concreto e acabado. Essa cultura do desastre favorece, entretanto, a ideia de fatalismo, do que

não é possível evitar, e por isso se aceita passivamente. Promover a cultura de riscos de

desastres é negar a ideia do inevitável, e percebê-lo antes, como risco. Este é hoje o desafio a

que se propõe contribuir o projeto PCRD.

16 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD

Além disto, como referência nos trabalhos de promoção da cultura de riscos de desastres está

a Estratégia Internacional para Redução de Desastres (EIRD), entidade ligada à ONU e que

promove bienalmente a Campanha Mundial de Redução de Desastres, articulada no Brasil pela

Secretaria Nacional de Defesa Civil, do Ministério da Integração Nacional.

Para o período de 2010 a 2015, a Campanha da EIRD, no inglês denominada Making Cities

Resilient, My City is Getting Ready, pauta-se na crescente urbanização mundial e nos

problemas decorrentes de uma ocupação desordenada em contraponto à necessidade de

prever riscos e criar ferramentas de adaptação e de enfrentamento para a construção de

cidades mais seguras.

A campanha utiliza como definição de resiliência a habilidade de um sistema, comunidade ou

sociedade expostos a riscos, resistir, absorver, acomodar-se e reagir aos efeitos de ameaças

de maneira eficiente e em tempo adequado, incluindo preservação e reconstrução de suas

estruturas e serviços essenciais básicos.

No contexto brasileiro, a Campanha Nacional pretende fortalecer a cultura de riscos de

desastres, em detrimento da cultura de desastres, em que a primeira contempla uma visão

mais ampla de causas e consequências, vulnerabilidades e ameaças, prevenção e preparação,

identificação e mapeamento de riscos, e a segunda limita-se a uma abordagem passiva,

notadamente de resposta a desastres e assistência a afetados.

Neste sentido, o projeto PCRD, entendido como parte dessa Campanha Nacional, define como

objeto de trabalho a área de Comunicação e Percepção de Riscos. O seu objetivo,

apresentado mais detalhadamente a seguir, é o de contribuir para a promoção da cultura de

risco com a ampliação da percepção de risco e do desenvolvimento de ferramentas eficazes de

comunicação de risco, com ênfase na questão ambiental, contextualizada, portanto, com a

urgência da sustentabilidade, sobretudo, em tempos de mudanças climáticas.

A proposta do PCRD de focar nos campos da comunicação e da percepção de riscos sustenta-

se, entre outros, nos resultados da quarta pesquisa nacional O que os Brasileiros Pensam do

Meio Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável, disponível no endereço

(http://www.mma.gov.br/sitio/br), que apurou que parte significativa dos brasileiros ainda não

tem informações e conhecimento suficientes que norteiem suas atitudes, decisões e escolhas

na área ambiental. A pesquisa é uma realização do Ministério do Meio Ambiente e da

organização não-governamental Instituto de Estudos da Religião (MMA-ISER, 2006).

Realizado em 1992, 1997, 2001 e 2006, com amostra da população brasileira, o estudo é o

mais completo documento sobre a percepção dos cidadãos em relação às questões

ambientais. Na última edição, realizada quase 15 anos após o Brasil sediar a Conferência das

Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (Rio 92), alguns resultados são

preocupantes.

17 Riscos de desastres e comunicação – a base do PCRD

Para boa parte dos brasileiros, meio ambiente ainda é sinônimo de fauna e flora e, portanto, o

homem não integra essa problemática. Logo, a questão ambiental mais lembrada pelos

entrevistados foi a das florestas, ignorando outras temáticas, principalmente aquelas

relacionadas ao meio urbano, onde se encontram 84% da população brasileira (IBGE, 2010).

A percepção não sofre variação de região para região, porém quando comparadas as

respostas com o grau de formação escolar, as diferenças são significativas. Quanto maior o

nível de escolaridade, maior o conhecimento sobre as questões ambientais.

A pesquisa apresenta também a avaliação da atuação de instituições ou pessoas em prol do

meio ambiente. Surpreendentemente, os meios de comunicação aparecem entre as três

instituições com maior avaliação positiva.

A avaliação de outras instituições, apesar dos esforços públicos e privados em prol do meio

ambiente, mantém-se sustentada em estigmas de que "o governo e os empresários são vilões

do meio ambiente". A principal explicação para esse registro é o nível de informação dos

brasileiros sobre temas ambientais.

O estudo, cujo tema central de 2006 foi Biodiversidade, concluiu, entre outras questões, que os

conceitos biodiversidade e meio ambiente precisam ser mais bem compreendidos,

principalmente suas correlações com o cotidiano das pessoas. Outra conclusão preocupante

do estudo refere-se à relação entre consciência e mudança de atitude. "O crescimento da

consciência espantoso e animador não é acompanhado na mesma medida de comportamentos

que indiquem mudanças significativas de hábitos ou atitudes" (MMA, 2006:10).

Outra pesquisa recente do Ministério do Meio Ambiente, denominada Sustentabilidade: Aqui e

Agora, publicada em parceria com a rede Walmart, em dezembro de 2010, também é fonte

para refletir sobre a relação entre meio ambiente, ocupação urbana e percepção de risco.

A pesquisa registra que “em nove possibilidades de opção [a questão do meio ambiente]

recebe o último lugar, mas outros problemas associados à problemática ambiental, como

esgoto, lixo e enchentes aparecem bem posicionados.” (MMA, 2010:7) Com a análise

específica do item moradia, elemento que melhor se vincula à percepção de risco, verifica-se

que apenas 10% da amostra pesquisada apontam o tema como um entre os três problemas

urbanos mais importantes em sua cidade.

É nesse cenário que se encontram os principais desafios da Defesa Civil para lidar com o

gerenciamento de riscos. No Brasil, ainda são escassos estudos sobre a percepção do

brasileiro diante dos riscos ambientais, naturais e tecnológicos. A ausência de estudos dessa

natureza dificulta ainda mais a formulação de políticas públicas capazes de envolver as

comunidades, por exemplo, nos processos de tomada de decisões acerca de um determinado

risco.

18 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD

2.3. Ciência do Risco

A grave crise ambiental vivida pela humanidade nos tempos atuais explica, em parte, o

aumento da frequência e da intensidade dos eventos calamitosos causados por fenômenos

naturais verificados nas últimas décadas do século XX e no primeiro decênio do XXI.

Tais contingências – quase sempre agravadas pela ação antrópica – fizeram com que a

produção de estudos acadêmicos sobre o tema proliferasse mundo afora, resultando em

múltiplas teorias e conceitos que fomentam a ciência do risco na sociedade pós-moderna.

No entanto, os desastres naturais não são nenhuma novidade. Ao longo da história, desde que

deixamos de ser nômades até a formação dos primeiros aglomerados urbanos, sempre

ocorreram vicissitudes dessa natureza (BRUMES, 2001).

Nos primórdios, a civilização ocupou áreas consideradas ambientalmente vulneráveis, como

terras em regiões de rios e mares, que facilitam o escoamento de safras agrícolas e outras

mercadorias, e sítios próximos a vulcões, onde o solo é naturalmente fértil.

No período medieval e na Idade Moderna, o adensamento populacional das urbes expôs ainda

mais o homem a situações de riscos. No ano de 1332, sete milhões de chineses foram

afogados por uma megainundação, e outros dez milhões morreram em função da fome e das

doenças que sobrevieram ao desastre (BRYANT, 1997). Já o grande terremoto ocorrido em

Lisboa, em 1755, matou mais de 30 mil pessoas (MUNICH RE GROUP, 1999).

Neste século, o exemplo mais proeminente foi a catástrofe provocada pelas ondas sísmicas

marinhas no continente asiático, em 26 de dezembro de 2004. À época, o tsunami, nome

popular do fenômeno, desalojou mais de 1,7 milhão de pessoas e ceifou 170 mil vidas (KOHL,

2005).

Além dos danos materiais, humanos e sociais, os eventos severos também acarretam enormes

prejuízos econômicos. No Brasil, um dos casos mais emblemáticos é o ciclone tropical

Catarina, o único furacão oficialmente registrado no Atlântico Sul, que passou pelo litoral de

Santa Catarina em 2004 e causou perdas de R$ 212 milhões.

Os estudiosos dessa área, que exige a colaboração entre as ciências físicas e sociais,

apontam as mudanças climáticas, o crescimento rápido e descontrolado dos centros urbanos e

a consequente ocupação de áreas de risco – zonas costeiras, margens de rios e córregos,

morros e outros ambientes vulneráveis – como as principais causas agravantes dos efeitos dos

desastres naturais (MARCELINO et al., 2006).

A literatura científica divide os desastres naturais em três grandes categorias – meteorológica,

hidrológica e geológica. Proposta por Tobin e Montz (1997), essa divisão tipológica classifica

furacões, ciclones e tufões, vendavais, granizo, tornados, nevascas, geadas e ondas de frio e

calor como desastres meteorológicos. Inundações, estiagens e incêndios florestais como

19 Riscos de desastres e comunicação – a base do PCRD

desastres hidrológicos. E terremotos, vulcões, tsunamis, escorregamentos e subsidências

como desastres geológicos.

São componentes associados aos riscos de desastres naturais a suscetibilidade, a ameaça e a

vulnerabilidade. Contudo, a ameaça (hazard) é muitas vezes associada erroneamente com o

risco e, para Tobin e Montz (1997), aquela é uma situação potencialmente prejudicial e o

desastre a sua materialização.

Os riscos, por sua vez, dizem respeito à probabilidade dos eventos danosos ocorrerem em

quatro escalas possíveis – global, nacional, regional e local – e, nesse contexto, a abordagem

adotada aqui se centra nos aspectos socioambientais e econômicos desses acontecimentos.

O risco do acidente, o risco de dar errado, o risco iminente, o risco elevado são alguns

exemplos corriqueiramente encontrados nas nossas literaturas técnica ou leiga, cujo

sentido predominante é o de representar certa chance de algo acontecer. Assim,

costumamos dizer que o risco é iminente ou que o risco é elevado para algo que nos

parece certo ou com grande chance de acontecer. Não é difícil intuir que “a chance de algo

acontecer” está relacionada com certo efeito observável sobre um bem que se quer

proteger, podendo ser esse bem o homem, uma espécie vegetal ou animal, ou ainda

propriedades e equipamentos (Cetesb, 2010:22)

Em síntese, o risco também pode ser entendido como a “medida de danos à vida humana,

resultante da combinação entre a frequência de ocorrência e a magnitude das perdas ou danos

(consequências)” (Cetesb, 2010:27). Embora alguns especialistas da ciência do risco avaliem

que é inútil tentar defini-lo (DODERLEIN, 1987), outros autores aprofundaram a investigação

sobre o significado do termo, alcançando múltiplas definições. Cientificamente, o conceito de

risco pode ser empregado em áreas distintas e classificá-lo é um exercício complexo.

Conforme esclarece Nardocci (1999):

Os riscos que têm como sujeito o ser humano, estando associados diretamente com as

atividades antropogênicas, são divididos em tecnológicos, ambientais e epidemiológicos.

Os riscos tecnológicos são os riscos para a saúde humana, decorrente de fenômenos

acidentais não naturais e caracterizados essencialmente por efeitos imediatos. Os riscos

ambientais são os riscos para a saúde humana, causados por fatores ou mudanças

ambientais induzidos por atividades antropogênicas e estão associados aos efeitos

crônicos. Os riscos epidemiológicos são os riscos para a saúde humana, imediatos e de

longo prazo, associados ao estilo de vida da população, doenças epidêmicas, uso de

drogas lícitas ou ilícitas etc. (...) A última classe é a dos riscos naturais. Estes têm como

sujeito também o ser humano, mas são causados por fenômenos naturais como enchentes,

20 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD

terremotos, vulcões e radiação natural (NARDOCCI, 1999:30-31).

Outros autores, porém, afirmam que essa divisão será cada vez menos empregada, uma vez

que, em função do grau de complexidade de cada risco, não é possível mais diferenciá-los

entre si.

Ainda sobre a ciência do risco, é importante registrar os conceitos trabalhados por Castro, que

vivenciou e construiu a Defesa Civil brasileira durante catorze anos. Sua produção bibliográfica

serve hoje de referência ao Sindec, e é também, em maior parte, a referência do público alvo

do PCRD.

Em seu primeiro volume do Manual de Planejamento em Defesa Civil, Castro registra como

conceito de risco a medida de danos e prejuízos potenciais, expressa nos termos de

probabilidade estatística de ocorrência, e intensidade ou grandeza das consequências

possíveis (CASTRO, 1999:8-9).

Afirma também que o risco pode ser definido como a relação existente entre a probabilidade

estatística de que uma ameaça de evento adverso ou de acidente determinado se concretize

com uma magnitude definida; e o grau de vulnerabilidade do sistema receptor a seus efeitos

(CASTRO, 1999:9). Esta definição pode ser exemplificada pela seguinte representação gráfica,

onde dois eixos constituem as variáveis ameaça e vulnerabilidade, e a linha em diagonal que

representa o risco.

O entendimento do risco sob essa perspectiva, ainda que simplificada, permite compreender

toda a sequência de ações de gestão de risco, uma vez que se baseiam pelas duas variáveis:

ameaça e vulnerabilidade. Significa dizer que a redução de riscos não se dá exclusivamente

pelas medidas estruturais, tampouco pelas não estruturais. Uma articulação entre ambas é

necessária e se dá nos quatro momentos de como é pensado o Sindec – prevenção,

preparação, resposta e reconstrução.

Pensar sob o eixo da ameaça é construir ferramentas de alerta e alarme, por exemplo.

Entretanto, todo investimento em equipamentos não tem efeito se o eixo da vulnerabilidade não

ameaça

vulnerabilidade

RISCO

21 Riscos de desastres e comunicação – a base do PCRD

for considerado. Neste eixo estão as comunidades vulneráveis, que necessitam de

treinamento, capacitação e maior senso de percepção de risco.

2.4. Percepção de Riscos

Iniciadas na década de 1970, nos Estados Unidos, as primeiras pesquisas sobre percepção de

riscos tiveram o propósito de entender os motivos que levavam famílias a residir em áreas de

riscos de inundações e de acidentes naturais.

Estudos de percepção de riscos, tanto nos Estados Unidos como em países europeus,

apresentaram resultados que pareciam já conhecidos, na prática, pelo público das Oficinas de

Capacitação em Comunicação e Percepção de Riscos – uma das ações do PCRD.

Entre esses resultados, destaca-se a constatação de existência de associação entre benefícios

percebidos e riscos aceitáveis, ou seja, as pessoas aceitam a exposição a um determinado

risco se percebem um benefício nessa exposição. Trata-se de uma percepção equivocada,

muitas vezes não compatível com o tamanho da ameaça, uma vez que o risco é real, mas o

benefício é meramente percebido, imaginado.

Outra conclusão desses estudos mostra que as pessoas tendem a aceitar riscos elevados se

eles forem voluntariamente escolhidos e a rejeitar riscos menores se forem percebidos como

imposição.

As pesquisas de percepção revelaram ainda que o nível de informação das pessoas é fator

determinante na sua percepção de risco e de possíveis benefícios associados a ele. Quanto

menor o nível de informação, maior o equívoco para perceber tanto o risco quanto o benefício.

No campo da percepção de riscos, os principais autores, cujas ideias e teorias fundamentam

este projeto, são Chauncey Starr, Lennart Sjöberg, Paul Slovic e Mary Douglas.

Na prática, mais que na pesquisa científica, diversas iniciativas têm sido realizadas na área de

percepção de riscos. São ações que objetivam aumentar o conhecimento de comunidades

vulneráveis, de maneira que sua percepção de risco consiga ser ampliada.

A falta, entretanto, do registro e sistematização de resultados dessas ações faz perder a

possibilidade de se registrar e multiplicar conhecimento. Em geral, os pesquisadores do PCRD

passam a ter conhecimento de trabalhos em percepção de risco pelo relato durante as oficinas

e entrevistas com multiplicadores e comunidades.

Um dos trabalhos registrados nessa área, realizado pelo CEPED UFSC entre dezembro de

2007 e dezembro de 2009, chama-se “Percepção de Riscos: a descoberta de um novo olhar”.

Como atividade de extensão, e não de pesquisa, o projeto trabalhou com escolas estaduais de

Santa Catarina, produzindo material didático de apoio a professores, como vídeos, cartilhas e

livros.

22 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD

Dentro do projeto, destaca-se também a criação da Rede Cooperativa de Comunicação para

Cultura de Prevenção de Desastres “com veículos de mídia, órgãos públicos e instituições

sociais, (...) estimulados a contribuir com a difusão de informações sobre percepção de risco e

cultura de prevenção de desastres, e a promover reflexões sobre o tema em diversos âmbitos”.

(CEPED UFSC, 2010:74).

2.5. Comunicação de Riscos

A comunicação de riscos, segundo campo da ciência do risco empregada neste projeto,

ganhou força na década de 1980 nos Estados Unidos, especificamente em 1987, durante o

evento O Papel do Governo na Comunicação de Riscos à Saúde e Educação Públicas.

Na ocasião, identificou-se que a crescente preocupação do público com os riscos ambientais e

de saúde levou as agências governamentais a buscar formas mais adequadas para informar o

público sobre riscos. Vários problemas envolvendo a comunicação de riscos foram observados,

entre eles, a necessidade de uma comunicação de riscos capaz de ajudar as agências

competentes a reduzir o desnecessário sofrimento humano resultado do alto nível de

ansiedade, medo e preocupação sobre os riscos (VICTOR, 2001).

A comunicação de riscos – por muito tempo tratada como mera transmissão de informações de

especialistas para o público leigo – passou a ser considerada importante ferramenta da gestão

de riscos, sobretudo, porque permite a troca de conhecimento, ideias, percepções e opiniões

entre os diversos atores sociais, incluindo as populações expostas aos riscos.

A comunicação de riscos é entendida como uma condição necessária à realização dos direitos

de toda pessoa em participar das tomadas de decisões que dizem respeito à sua vida e saúde.

Daí a ideia central de considerar a comunicação de riscos importante instrumento de

democratização do processo de tomada de decisão diante de um determinado risco.

A partir da base teórica no campo da comunicação de riscos, o PCRD, por meio de suas

oficinas de sensibilização e capacitação de multiplicadores, apresenta quatro modelos de

comunicação de riscos capazes de horizontalizar as tomadas de decisão, reduzir o medo e a

ansiedade das comunidades expostas, orientar o fluxo de informação, atender a demanda dos

meios de comunicação, inibir a propagação de rumores e melhorar a comunicação entre as

diversas instituições atuantes na gestão de riscos de desastres.

Entre os principais autores desse campo científico estão Peter Sandman, Susan Santos,

Magdalena Gadomska e Vincent Kovello.

23 Riscos de desastres e comunicação – a base do PCRD

2.6. Teorias da Comunicação

O advento da sociedade de massa, no início do século 20, rapidamente tornou-se objeto de

interesse de pesquisadores das diversas áreas do conhecimento.

Quanto aos fenômenos culturais e comunicacionais da sociedade de massa, os primeiros

estudos foram desenvolvidos sob o âmbito de ciências como a psicologia e a sociologia. Por

essa razão, as teorias e estudos da comunicação são dificilmente dissociadas de análises e

abordagens psicológicas, antropológicas e sociológicas.

Um dos exemplos é a pesquisa do psicólogo social, Serge Moscovici, de 1961, que deu origem

à Teoria das Representações Sociais, uma proposta de psicossociologia do conhecimento que,

ao mesmo tempo em que critica o behaviorismo e a psicologia cognitivista, propõe a

investigação da construção do senso comum para que seja possível compreender a reação de

interferência do social, incluindo o papel dos meios de comunicação, nos indivíduos e nos

grupos sociais (Pavarino, 2003).

Para a análise da atuação da imprensa, etapa da pesquisa-ação do PCRD, a Hipótese do

Agenda-setting e a Teoria das Representações Sociais têm em comum o interesse pela

relação do indivíduo com a sociedade, com o seu grupo e a sua identidade e pelo papel de

organizador social dos mass media. Por outro lado, diferem pela forma como analisam os

efeitos dos meios de comunicação: a primeira teoria tem os mass media1 como objeto principal,

e a segunda observa-os como mais um elemento influenciador e não como seu objeto

principal.

Para a Teoria das Representações Sociais, há na sociedade a formação de um pensamento

social resultante de experiências, das crenças e das trocas de informações presentes na vida

cotidiana. Sua análise, segundo Pavarino, foi desenvolvida a partir da confiança de que a

sociedade atual, mais técnica e complexa, necessitaria de outro conceito, menos genérico que

as representações de Durkheim, para acompanhar, explicar e tentar compreender como ocorre

a formação do pensamento e do conhecimento social.

Para Moscovici, dessa forma, o fenômeno das representações sociais é próprio das

sociedades pensantes (thinking society), onde os acontecimentos ocorrem em ritmo acelerado

e onde não há tempo suficiente para que as representações se tornem uma tradição das

sociedades contemporâneas.

Para os behavioristas, a mente era apenas uma lousa branca, onde nossas experiências

sensoriais podem ser escritas. Para os cognitivistas, essa lousa se transforma numa c aixa

preta onde as informações, palavras e pensamentos poderiam ser totalmente manipulados

1 Expressão em língua inglesa para meios de comunicação de massa.

24 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD

ou previsíveis, a depender do estímulo dado... Moscovici defende que indivíduos ou grupos

não são receptores passivos, mas participantes importantes desta sociedade pensante,

elaboradores de um pensamento social onde constantemente (re) avaliam seus problemas

e soluções (Pavarino, 2003:54).

Essa nova significação possui um fim prático ao indivíduo e ao grupo: desenvolver algo que

fosse mais simples de compreender (pela lógica não científica) e que pudesse, ao mesmo

tempo, dar chance às pessoas na resolução de seus próprios problemas e conflitos. Isso

significa facilitar a compreensão de determinado tema pela sociedade.

Quando uma nova significação se torna necessária, então, é porque há conflitos entre o que foi

dito e o efetivamente compreendido. As representações expõem esses conflitos, apresentam

uma nova compreensão e permitem que discursos diferentes convivam em um mesmo

ambiente (Pavarino, 2003: 37).

Para ilustrar a sua teoria, Moscovici desenvolveu alguns conceitos que podem oferecer

algumas contribuições significativas aos trabalhos sobre mass media, como seus processos

formadores (ancoragem e objetivação), o princípio da transformação do não familiar em

familiar, os sistemas de comunicação: difusão, propagação e propaganda, além de serem, ao

mesmo tempo, produto social e parte do processo de construção dessa realidade.

Moscovici desenvolveu esses sistemas de comunicação ressaltando a influência dos

meios de comunicação de massa nas relações simbólicas entre os indivíduos. Essa

divisão reflete o papel da imprensa francesa da época apresentando o seguinte paralelo:

difusão / opinião pública, propagação / atitude e propaganda / estereótipo. A primeira

referindo-se ao controle de opinião (com enfoque político); a segunda, a um instrumento

de regulação de crenças e atitudes (como a religião); e a última, à imprensa jornalística

que, segundo o autor, caracteriza-se por criar um interesse comum sobre determinado

assunto, diminuindo ao máximo a distância entre a fonte e a recepção (Pavarino, 2003:

42).

A Hipótese do Agenda-setting, por sua vez, propõe que aquilo que é comentado, discutido e

pensado na esfera social deve-se, em grande parte, aos mass media. São eles o principal elo

entre os fatos e a opinião pública, entre o real, o compreendido e o imaginado (Kosicki, 1993).

São eles que dizem ao público, portanto, em que pensar e como pensar sobre determinado

assunto, direcionando a opinião pública e dando sentido à realidade social.

Mesmo assim, o poder da imprensa é limitado. Isso porque, no caso da Hipótese do Agenda-

setting, é possível apenas comprovar que os meios de comunicação pautam as conversas

25 Riscos de desastres e comunicação – a base do PCRD

cotidianas, mas nenhum estudo consegue provar que aquilo que a imprensa determinou ou

ditou como pensamento tenha sido acatado por sua audiência.

Em síntese, nem todas as pessoas ou grupos sociais são influenciados pelos meios de

comunicação. A sociedade está exposta ao universo midiático, mas quanto mais conhecimento

um grupo tiver sobre um dado assunto, menos estará exposto ao que diz o noticiário. Essa

característica está relacionada com a distância que o público possui sobre o assunto e não o

contrário: quanto menor a “experiência direta, imediata e pessoal que o público tiver com o

tema, mais influência ele receberá” (Pavarino, 2003:23).

O que se verá nos capítulos posteriores é a tentativa de refletir sobre as teorias aqui

apresentadas, contrapondo-as à realidade dos profissionais de defesa civil, suas expectativas e

experiências de campo; e à realidade de comunidades expostas a riscos, suas crenças e

atitudes.

Tais discussões teórico-práticas estão intercaladas à descrição de cada ação do projeto,

objetivos e propostas; à narrativa dos resultados obtidos; e às reflexões que surgem.

26 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD

27 Objetivos e metodologias do PCRD

3. OBJETIVOS E METODOLOGIAS DO PCRD

A concepção do projeto PCRD faz parte do atendimento de uma demanda de profissionais de

defesa civil, do Corpo de Bombeiros e das demais instituições atuantes nos cenários de riscos

e de desastres.

No Brasil, não muito diferente de como aconteceu nos Estados Unidos, essa demanda de

ações, programas, atividades e compromissos no campo da comunicação de riscos – foco do

PCRD - surgiu dos próprios profissionais de defesa civil, em resposta às necessidades de suas

comunidades.

O processo, como é natural, inicia-se com as comunidades que, ao sentirem-se pouco

informadas sobre os riscos aos quais estão expostas, sejam eles associados a desastres, à

saúde ou à segurança, organizam-se para cobrar das autoridades competentes explicações às

suas inquietações.

O interesse dos agentes de defesa civil pela comunicação de riscos não é recente, mas foi

durante o 5º Fórum Nacional de Defesa Civil, realizado em Camaçari, Bahia, em novembro de

2008, que ele ganhou eco e visibilidade.

Naquela ocasião, a maioria das intervenções dos presentes apontou os seguintes desafios da

gestão de riscos de desastres: a) falta de percepção e informação das comunidades expostas

aos riscos; b) fluxo acentuado e ora desencontrado de informação; c) propagação de rumores;

d) demanda acentuada da imprensa, sobretudo no contexto dos desastres; e) falta de

confiança e credibilidade das autoridades atuantes na área; e f) necessidade de contemplar a

participação das comunidades expostas aos riscos no processo de tomada de decisão acerca

dos problemas que dizem respeito a suas vidas.

Sustentada nessa demanda do público do 5º Fórum, formado majoritariamente por gestores e

agentes de Defesa Civil, e na importância de contemplar a comunicação e a percepção de

riscos nas ações de prevenção e preparação, a diretoria do Departamento de Minimização de

Desastres da Secretaria Nacional de Defesa Civil concebeu o projeto Promoção da Cultura de

Riscos de Desastres, iniciado em março de 2010, com previsão de término em agosto de 2011,

mas concluído em dezembro.

A participação do público no 5º Fórum foi, sem dúvida, decisiva para a concepção de um

projeto com o propósito de explorar as potencialidades da comunicação nas ações, atividades

e programas de gestão integrada de riscos, seguindo as diretrizes do Sistema Nacional de

Defesa Civil – Sindec.

28 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD

3.1. Objetivos e público-alvo

A humanidade não dispõe de nenhum mecanismo capaz de controlar a magnitude dos

fenômenos naturais adversos, restando a ela somente atuar sobre a vulnerabilidade das

comunidades expostas aos impactos desses fenômenos.

Ao partir dessa proposição, o projeto PCRD foi concebido com o objetivo central de contribuir

para a promoção da cultura de riscos de desastres no Brasil, evidenciando a importância da

participação e do envolvimento de todos os setores da sociedade com os temas relacionados a

riscos de desastres. Para tanto, faz-se necessária a transformação dessa temática em

preocupação social e pauta da agenda de políticos, partidos, governantes, administradores

públicos, pesquisadores, acadêmicos, educadores e meios e profissionais de comunicação.

A cultura de riscos, compreendida como a cultura do enfrentamento dos riscos, é inerente à

sociedade de riscos e condição primária para preparar as populações, a defesa civil, a

imprensa, a comunidade científica e os demais setores da sociedade para o gerenciamento

dos riscos, excedendo a ideia de tratar-se de um problema exclusivo de defesa civil.

A promoção da cultura de riscos, porém, é precedida de acesso à informação e da construção

de percepções de riscos mais coerentes com a realidade, ou seja, sem superestimar ou

subestimar os riscos. Assim, para alcançar o seu objetivo central, o PCRD está sustentado em

ações focadas na comunicação e na percepção de riscos, visando, no primeiro momento,

sensibilizar e capacitar multiplicadores.

O projeto PCRD tem como público-alvo profissionais de defesa civil, de comunicação social,

bombeiros, acadêmicos, cientistas, educadores e demais públicos interessados ou atuantes

nas áreas correlatas. Todos são potenciais multiplicadores das ideias, informações e

conhecimentos alcançados com as atividades do projeto.

3.2. Ações e Metodologias do PCRD

O projeto PCRD constitui-se de um conjunto de ações que articuladas pretenderam contribuir

para a formação de cidadãos preparados para participar das tomadas de decisão acerca de

riscos de desastres, por meio do acesso à informação de qualidade e troca de impressões

entre os principais agentes sociais. Trata-se de um processo necessário e capaz de atingir o

objetivo de ampliar o nível de informação da população mais vulnerável aos riscos,

contribuindo com a Defesa Civil no processo de gerenciamento de riscos e redução de perdas

humanas e materiais.

Para alcançar o objetivo central de promover a cultura de riscos de desastres no Brasil e, com

ela, fomentar a percepção e o nível de informação das comunidades, reduzindo, assim, a sua

vulnerabilidade frente às diversas ameaças, o projeto PCRD estruturou-se em seis principais

29 Objetivos e metodologias do PCRD

ações.

Oficina de Capacitação em Comunicação e Percepção de Riscos de Desastres

Caderno Especial - Percebendo Riscos, Reduzindo Perdas

Seção Especial - Cidades Seguras

Veiculação de Campanhas de Prevenção de Desastres

Anuário Brasileiro de Ocorrência de Desastres

Pesquisa-Ação em Comunicação e Percepção de Riscos

Nos capítulos seguintes cada ação será apresentada em detalhes, com descrição da

metodologia e dos resultados do PCRD alcançados no período de março de 2010 a dezembro

de 2011.

Pretende-se que a avaliação dos resultados permita o incremento da atuação na área,

corrigindo falhas e realinhando procedimentos. Mais que isso, tais relatos e avaliações devem

servir de subsídio para continuidade ao diálogo e à discussão da temática, de maneira a

enriquecer o debate sobre políticas públicas de prevenção e redução dos riscos de desastres

no Brasil.

30 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD

31 Caderno especial – percebendo riscos, reduzindo perdas

4. OFICINA DE CAPACITAÇÃO EM COMUNICAÇÃO E PERCEPÇÃO DE RISCOS DE

DESASTRES

As oficinas foram programadas para ocorrer nas 27 capitais brasileiras, e elaboradas com o

propósito maior de ampliar a articulação entre Defesa Civil e as instituições atuantes na gestão

de riscos e de desastres e, assim, fomentar a participação local na construção da cultura de

risco no Brasil.

Entre os objetivos da oficina estão a sensibilização e a capacitação de multiplicadores (agentes

e gestores de defesa civil, comunicadores, pesquisadores e demais públicos) sobre a

importância da comunicação de riscos no processo de gerenciamento de riscos.

Seu conteúdo programático contempla e defende a ideia de que o acesso à informação ajuda a

promover uma percepção mais coerente dos riscos aos quais as comunidades estão expostas.

Com isso, é possível iniciar o processo de construção da cultura de riscos.

Entende-se, portanto, que informações seguras, confiáveis, de qualidade e credibilidade –

condição primária da comunicação de riscos – são de fundamental importância para que as

comunidades expostas aos riscos tenham uma percepção dos riscos compatível com a

magnitude das ameaças e de sua vulnerabilidade.

O modelo teórico de percepção de riscos que fundamenta o conteúdo das oficinas é o

paradigma culturológico. Na chamada sociedade da informação, esse modelo evidencia a

dependência das populações em relação aos meios de comunicação de massa para ter acesso

a informações. Deve-se ressaltar, no entanto, que esse paradigma não precisa os limites da

influência que os media exercem sobre a sua audiência. Com esse embasamento teórico, o

público das oficinas consegue identificar a relação entre a percepção de riscos das suas

comunidades e a atuação da imprensa local, por exemplo.

Com base nos estudos da comunicação de riscos, as oficinas propõem a utilização da

comunicação como ferramenta capaz de democratizar o processo de tomada de decisão,

minimizar os impactos decorrentes da propagação de rumores, do excesso, da escassez ou do

conflito de informação sobre os riscos, além de reduzir a ansiedade e o medo das populações

em situações de incertezas.

Com duração inicialmente de oito horas, a partir da quarta oficina a carga-horária passou a ser

de 12 horas, considerando a necessidade de ampliar a discussão sobre o Sindec e a

participação do público nas discussões durante a capacitação. Após a sensibilização dos

participantes, alcançada por meio de discussões de cunho histórico e teórico-conceitual, o

conteúdo foca na capacitação do público presente para a elaboração de programas e ações de

comunicação de riscos que permitam:

32 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD

a) conhecer e orientar a percepção da comunidade exposta aos riscos;

b) subsidiar a tomada de decisão das comunidades expostas aos riscos;

c) reduzir o grau de preocupação, medo e ansiedade de uma comunidade exposta a riscos;

d) democratizar e humanizar a tomada de decisão acerca de um determinado risco – possível

por meio da participação da comunidade exposta;

e) atender e orientar a demanda da imprensa local e nacional de informações sobre os riscos,

inibindo a propagação de rumores e o fluxo incipiente ou excessivo de informação;

f) atender a demanda interna e interinstitucional no campo da comunicação de riscos,

atenuando o desencontro de informações oficiais.

4.1. Conteúdo

Com base na discussão teórica apresentada no capítulo 2, o conteúdo das oficinas está

dividido em quatro partes, para as quais há referência técnico-científica e metodologias

específicas. No quadro abaixo, encontram-se as principais informações das oficinas, divididas

em blocos de conteúdo.

Parte I

Conteúdo

Estão contemplados os seguintes temas:

Introdução ao Sistema Nacional de Defesa Civil;

A Defesa Civil e as suas Frentes de Atuação;

A Classificação dos Desastres quanto Origem, Evolução e Intensidade;

A Defesa Civil e as Novas Tendências.

Base técnico-científica Sistema Nacional de Defesa Civil

Metodologia Exposição de conteúdo por meio de projetor e discussão com os presentes

Duração De 1 a 2 horas

Responsável Representante do DMD/Sedec

Parte II

Conteúdo

Momento dedicado à discussão com grupo focal, com o propósito de:

Identificar a percepção de riscos do público presente;

Identificar a percepção que o público presente tem acerca da percepção de riscos da sua

comunidade;

Identificar os principais desafios enfrentados nas localidades, com foco na comunicação e

percepção de riscos;

Identificar lendas, estigmas e ideias acerca do comportamento da imprensa, da comunidade

e das autoridades responsáveis.

Base técnico-científica

O conteúdo está fundamentado no Sistema Nacional de Defesa Civil e nas pesquisas dos

principais estudiosos da Ciência do Risco, com foco no campo da percepção e comunicação de

riscos, como Peter Sandman, Susan Santos, Paul Slovic, Lennart Sjöberg e Magdalena

Gadomska

Metodologia Discussão conduzida por uma pesquisadora que estimula, por meio de perguntas, a

participação do público presente.

Duração 1 hora

Responsável Sarah Cartagena, pesquisadora do CEPED UFSC

Parte III

Conteúdo O conteúdo contempla os seguintes temas:

33 Caderno especial – percebendo riscos, reduzindo perdas

Introdução à Ciência do Risco;

Avaliação Objetiva e Subjetiva do Risco;

Percepção de Riscos de Desastres;

Gerenciamento de Riscos de Desastres;

Comunicação de Riscos.

Base técnico-

científica

O conteúdo está fundamentado no Sistema Nacional de Defesa Civil e nas pesquisas dos principais

estudiosos da Ciência do Risco, com foco no campo da percepção e comunicação de riscos, como Peter

Sandman, Susan Santos, Paul Slovic, Lennart Sjöberg e Magdalena Gadomska

Metodologia Exposição de conteúdo por meio de projetor e discussão com os presentes

Duração 5 horas

Responsável Professora Cilene Victor, Dra.

Parte IV

Conteúdo

O conteúdo contempla a análise dos primeiros passos para a elaboração de programas e ações de

comunicação de riscos. Baseia-se em quatro modelos de Comunicação de Riscos:

a) Modelo Midiático, quando a Defesa Civil precisa recorrer aos MCM para disseminar informações

sobre riscos;

b) Modelo Direto (Comunitário), quando a Defesa Civil desenvolve ações de comunicação de riscos

sem o uso da mídia, ou seja, ela dirige-se diretamente ao público de interesse (comunidade/pessoas

expostas aos riscos);

c) Modelo Intrainstitucional, quando a Defesa Civil promove ações de comunicação de riscos para o

público interno, em seus três níveis (Sedec, CEDECs, COMDECs);

d) Modelo Interinstitucional, fomenta a participação das diversas instituições direta ou indiretamente

atuantes na gestão de riscos, visando alcançar uma comunicação de riscos integrada.

Base técnico-

científica Aplicação do conteúdo estudado na parte II da oficina

Metodologia Exibição de vídeos por meio de projetor, seguida de discussão com os presentes, e realização de

exercícios sobre situações comuns ao cenário da comunicação de riscos.

Duração 4 horas

Responsável Professora Cilene Victor, Dra.

4.2. Resultados quantitativos

Iniciadas em março de 2010 e concluídas em dezembro de 2011, as oficinas foram realizadas

nas 27 unidades federativas do país, capacitando cerca de mil multiplicadores, formados por

agentes e gestores de Defesa Civil, profissionais de comunicação (de redação de veículos e de

assessorias de imprensa), pesquisadores e professores das universidades locais, profissionais

de instituições estaduais e municipais de Meio Ambiente, Saúde, Educação e de empresas

públicas e privadas. Para permitir maior participação e interação entre os participantes, o

número de vagas nas oficinas foi limitado a 40 pessoas – oscilando para mais ou menos em

cada oficina.

Como anteriormente registrado, a carga-horária das oficinas passou de oito horas para 12

horas, distribuídas entre o primeiro dia do encontro, ocorrido às quintas-feiras, no período da

tarde, das 14h às 18h, e o segundo-dia, com as atividades das 8h às 12h e das 14h às 18h,

com intervalo de duas horas de almoço.

As três primeiras oficinas, realizadas nos estados do Tocantins e Mato Grosso e no Distrito

Federal, tiveram duração de oito horas. Foi a partir da quarta oficina, ocorrida no Amazonas,

que a carga-horária passou a ser de 12 horas, visando ajustar e adequar o conteúdo

trabalhado à realidade e necessidade do público-alvo.

34 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD

Por tratar-se de uma ação de capacitação, nos mesmos moldes de um processo convencional

de educação, seja ela técnica ou científica, há sempre o desafio de mensurar os resultados

alcançados. As ações de educação, formatadas na troca de informações, ideias, impressões e

conhecimentos, ainda que tenham os seus resultados quantitativos, no caso específico,

observados pelo número de aulas, de horas, de alunos presentes, de adesão etc., dão uma

contribuição maior, de forma mais lenta, porém efetiva, ao processo de mudanças de atitudes

capazes de fomentar o desenvolvimento da sociedade.

Assim, para explicitar o que as Oficinas de Comunicação já alcançaram, além dos números

acima, discorremos a seguir sobre alguns registros importantes.

4.3. Resultados Qualitativos

Durante as oficinas foi possível identificar os primeiros resultados qualitativos, graças ao

estímulo provocado pela atividade de grupo focal.

Essa atividade, momento em que o público era estimulado a participar de um debate sobre

questões relacionadas à comunicação e percepção de riscos, revelou que para a maioria dos

presentes é quase que desnecessária a realização de pesquisas de percepção de riscos com

as comunidades, uma vez que, na visão desse público, as pessoas estão expostas aos riscos

por falta de opção de moradia.

Ao adotarem a tese de que as comunidades estão expostas, quase que única e

exclusivamente, por falta de política habitacional, os multiplicadores, sobretudo agentes e

gestores de Defesa Civil, subestimam as ações de comunicação e percepção de riscos, uma

vez que partem do pressuposto que mesmo sabendo sobre os riscos a comunidade continuaria

exposta a eles.

Após registrarem a sua percepção e visão do problema, os multiplicadores eram sensibilizados

da importância de se conhecer a percepção de riscos das comunidades, visando subsidiar

ações de comunicação e disseminação de informações sobre riscos que possam fomentar a

tomada de decisão daqueles expostos aos riscos.

À medida que o conteúdo programático avançava, era possível fazer um paralelo com a

prática, com foco na realidade brasileira. O público começava, aos poucos, a demonstrar uma

postura mais crítica em relação à sua percepção da comunidade e de sua exposição aos

riscos.

Após a parte teórica, no segundo dia, o público se envolvia intensamente com a realização de

exercícios, análise de reportagens televisivas sobre desastres e com a explicação dos quatro

modelos de comunicação de riscos.

Mesmo após a realização das 27 oficinas não foi possível identificar consenso sobre a relação

35 Caderno especial – percebendo riscos, reduzindo perdas

do público presente com a imprensa local e nacional, no entanto, a grande maioria dos

presentes criticou veementemente a imprensa local, apontando-a como despreparada,

sensacionalista e “vendida”.

Durante os debates, algumas pessoas chegaram a se alterar no momento em que o foco era a

atuação da imprensa. Muitas delas registraram as suas opiniões, impressões e críticas

sustentadas em velhos estigmas, como: “a imprensa manipula a população”, “as pessoas só

assistem a programas sensacionalistas porque não há opção”, “jornalistas são todos burros e

não sabem nada sobre desastres”, “jornalistas, quando querem, perseguem e destroem as

pessoas”, “os jornais da minha cidade são vendidos”.

No momento reservado à apresentação e explicação do modelo direto de comunicação de

riscos, raros foram os casos em que se apontou dificuldade da Defesa Civil de ter acesso às

comunidades, no entanto, poucos municípios reconheceram ter alguma ação efetiva nessa

direção.

Quando explicados os modelos intra e interinstitucional de comunicação de riscos, os

presentes reconheceram poucos problemas com o primeiro, mas muitos com o segundo,

reiterando a ideia tão propagada pela mídia de que muitas vezes as instituições não conversam

entre si.

Nas últimas oficinas, realizadas no segundo semestre de 2011, as discussões sobre os

desafios e limites do modelo de comunicação de riscos interinstitucional foram inflamadas. O

principal alvo de críticas e questionamentos foi o papel do Cemaden (Centro Nacional de

Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais) e do Cenad (Centro Nacional de

Gerenciamento de Riscos e Desastres).

Alguns presentes revelaram não entender muito bem a proposta dos dois centros, vistos como

responsáveis pela mesma função, mas que, para muitos, “não se conversam” – expressão

usada pelos alunos.

As provocações resultantes dos debates acerca do conteúdo teórico revelaram um público

predisposto a conhecer, a aprender e a fazer parte de um processo de mudança de cultura,

mas sem dúvida o interesse maior foi o de aprender a fazer, o de aplicar o que apreendeu na

sua comunidade.

36 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD

5. CADERNO ESPECIAL - PERCEBENDO RISCOS, REDUZINDO PERDAS

O Caderno Especial Percebendo Riscos, Reduzindo Perdas, veiculado na Revista Com Ciência

Ambiental, é uma ação de divulgação do conhecimento técnico, científico e tradicional no

campo da ciência do risco.

O seu principal propósito é promover e ampliar a troca de conhecimento, impressões, opiniões

e ideias entre os diversos atores sociais sobre os temas relacionados à defesa civil, com foco

na promoção da cultura de riscos de desastres.

Por meio de parceira com a Editora Lua Nova, responsável pela revista Com Ciência

Ambiental, o projeto PCRD contemplou o desenvolvimento de conteúdo técnico-científico para

16 edições, entre maio de 2010 e agosto de 2011, com impressão de 10 mil exemplares

mensais exclusivos ao projeto, sendo 9.000 distribuídos pela Sedec e 1.000 pelo CEPED

UFSC. Assim, o conteúdo abordado no caderno especial tinha potencial para alcançar cerca de

240 mil pessoas: público majoritariamente de formadores de opinião (75%) que corresponde ao

perfil dos leitores da revista Com Ciência Ambiental, sendo os outros 25% público específico do

projeto PCRD.

Com conteúdo médio de dez páginas, o Caderno deve servir à Defesa Civil Nacional como

referência teórica, técnica e científica. O conteúdo é de responsabilidade do CEPED UFSC

que, em parceria com a Sedec, define as temáticas e convida os autores, em sua maioria,

pesquisadores, cientistas, técnicos, lideranças políticas e comunitárias, cuja atuação e

experiência profissional tenham relevância para o tema de cada edição.

O Caderno Especial Percebendo Riscos, Reduzindo Perdas almeja dar visibilidade à produção

intelectual de técnicos, cientistas, pesquisadores e demais autores atuantes na área de defesa

civil ou conhecedores das temáticas da área, conforme a tabela abaixo:

Caderno Especial – Percebendo Riscos, Reduzindo Perdas

Objetivo específico

Ampliar o conhecimento de formadores de opinião sobre o tema de defesa civil e de

cultura de risco, visando contribuir com o processo horizontal das tomadas de

decisão centradas na redução de perdas humanas e prejuízos financeiros.

Público alvo

Formadores de opinião, pesquisadores, educadores, empresários dos diversos

setores, instituições de ensino e pesquisa e demais públicos atuantes na área

ambiental e de gerenciamento de riscos.

Duração 16 meses (maio de 2010 a setembro de 2011, com intervalo em agosto)

Responsável Sarah Cartagena (CEPED UFSC)

Abrangência Nacional

37 Caderno especial – percebendo riscos, reduzindo perdas

5.1. Resultados

O Caderno Percebendo Riscos, Reduzindo Perdas teve a primeira publicação em maio de

2010, somando 16 artigos publicados até o mês de setembro de 2011.

Com base apenas nos 10 mil exemplares mensais destinados à Defesa Civil e às instituições

parceiras e atuantes na gestão de riscos de desastres, o Caderno deve ter atingido,

mensalmente, 60 mil leitores. A estimativa é baseada nos dados da ANER, segundo a qual um

exemplar de revista especialista, de conteúdo não perecível, é lido por cerca de seis pessoas.

Desses 10 mil exemplares da revista Com Ciência Ambiental, nove mil são distribuídos pela

Sedec e mil pelo CEPED UFSC.

Os demais exemplares da revista são destinados a bancas de jornal, assinantes, mailing

especializado, instituições parceiras e a eventos das áreas de ciência e meio ambiente.

Somente em 2010, a revista Com Ciência Ambiental esteve presente em dois importantes

eventos, a 21ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo e no 62º Reunião Anual da

Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Em cada um desses encontros, mais de

cinco mil exemplares da revista foram distribuídos ao público, cujo perfil almeja-se alcançar

com o projeto PCRD.

Os exemplares distribuídos pelo CEPED UFSC chegaram mensalmente a 117 instituições de

Santa Catarina, entre Secretarias Estaduais e Municipais de Educação, Saúde, Meio Ambiente,

Desenvolvimento Regional, empresas públicas e privadas, órgãos de meio ambiente,

bibliotecas públicas e de instituições de ensino.

Destaca-se em Florianópolis a circulação das revistas nos terminais urbanos de ônibus.

Iniciativa da Secretaria Municipal de Educação, o projeto “Floripa Letrada - a palavra em

movimento” instalou em agosto de 2010 totens nos terminais urbanos da Ilha de Santa

Catarina. São 185 mil usuários diários que passaram a ter à sua disposição livros e revistas

para ler nos ônibus, levar para casa e devolver no mesmo ou em outro terminal. A Secretaria

Municipal de Educação de Florianópolis recebe mensalmente 200 exemplares da revista CCA,

parte dos quais é destinada ao projeto.

Por sua vez, a produção do conteúdo do caderno seguiu a metodologia prevista para definição

dos temas trabalhados nos artigos e seleção de autores. Assim, o Caderno Percebendo

Riscos, Reduzindo Perdas favoreceu a discussão sobre prevenção de riscos de desastres e

intercalou autores entre pesquisadores do CEPED UFSC e convidados – profissionais de

defesa civil e estudiosos – como se vê na tabela seguinte, e na íntegra, no apêndice deste

relatório.

Temas Autores Nº de

páginas Edição

38 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD

Clima e Desastres Naturais Sarah Cartagena 12 Maio/2010 – Nº 25

Sociedade do Risco – Ulrich Beck Renata Motta 12 Junho/2010 – Nº 26

Cultura de Riscos Diane Guzi

Sarah Cartagena 10 Julho/2010 – Nº 27

Psicologia de Desastres Janaina Furtado

Daniela Lopes 12 Agosto/2010 – Nº 28

Percepção de Riscos em Áreas

Costeiras

Patrícia Silveira

Ana Santos

Thaís Balter

12 Setembro/2010 – Nº 29

Mapeamento de Risco Rafael Schadeck

A. Edésio Jungles 10 Outubro/2010 – Nº 30

Mapeamento de Risco Replicação anterior

Julio Cesar (MA) 16 Novembro/2010 – Nº 31

Evolução histórica de Defesa Civil Erivaldo Mendes (SE) 10 Dezembro/2010 – Nº 32

Gestão de Resposta a Desastres no

Brasil

Marcos de Oliveira

A. Edésio Jungles

Carlos Araujo Gomes

8 Janeiro/2011 – Nº 33

Protagonismo Juvenil

Rejane Lucena

Damares Lopes de

Albuquerque

10 Janeiro/2011 – Nº 33

Riscos Tecnológicos, experiência

sobre Produtos Perigosos

Caroline Margarida

Cristiane do

Nascimento

Marcos Dalmau

8 Fevereiro – Nº 34

Planejamento Nacional para Gestão

de Riscos - PNGR

A. Edésio Jungles

Rafael Schadeck

Bruna Alinne Clansen

8 Março – Nº 35

Proteção civil para redução de riscos

de desastres em contextos urbanos

Janaina Furtado

Rita de Cássia Dutra

A. Edésio Jungles

Jucilei Cordini

10 Abril/2011 - Nº 36

Produção e divulgação de

conhecimento em gestão de risco de

desastres

Marcos Dalmau

A. Edésio Jungles 8 Maio/2011 - Nº 37

Ponderações sobre a Defesa Civil

no Brasil e seus desdobramentos

futuros com base na análise da

legislação existente

Pedro Paulo Souza

A. Edésio Jungles

Sarah Cartagena

Marcos Dalmau

8 Junho/2011 - Nº 38

Indicadores de vulnerabilidade

global – proposta metodológica para

estudos e mapeamentos de risco em

área de encosta.

Rita de Cássia Dutra

A. Edésio Jungles

Jucilei Cordini

Roberto de Oliveira

10 Julho/2011 - Nº 39

Projeto suspenso pelo Ministério da Integração Nacional, artigo não

publicado. Agosto/2011 - Nº 40

A mídia e suas fontes no processo

de gestão de risco de desastres

Sarah Cartagena

A. Edésio Jungles 8 Setembro/2011 - Nº 41

Durante as oficinas de capacitação em Comunicação e Percepção de Riscos, no momento da

apresentação das atividades do projeto PCRD, o público presente demonstra interessante em

participar do Caderno Especial, evidenciando a necessidade de espaços destinados à

39 Caderno especial – percebendo riscos, reduzindo perdas

divulgação da produção técnico-científica na área de gestão de riscos de desastres.

Os presentes nas oficinas também têm citado ideias, teorias e discussões abordadas no

Caderno Especial ou na Seção Cidades Seguras, tema do próximo tópico.

Como o Caderno é de distribuição nacional, os artigos possibilitaram a troca de experiências,

impressões, ideias e conhecimentos entre representantes das defesas civis estaduais e

municipais, do corpo de bombeiro, da academia e das instituições parceiras.

40 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD

41 Seção especial – cidades seguras

6. SEÇÃO ESPECIAL - CIDADES SEGURAS

O processo de promoção de uma cultura de riscos de desastres deve ser composto por uma

série de práticas educativas e participativas que reforcem conceitos, incentivem a ação e

proponham a reflexão para a mudança de comportamento.

Produzir conteúdo jornalístico que retrate boas práticas locais, sobretudo aquelas de potencial

multiplicador e que contemplem a participação das comunidades expostas, é o principal

propósito da Seção Especial Cidades Seguras.

De periodicidade mensal, a Seção Especial aborda a realidade dos estados, municípios e

comunidades nas quais as Oficinas de Capacitação em Comunicação e Percepção de Riscos

são ministradas, constituindo-se na pauta prioritária das matérias jornalísticas dessa seção.

Por meio da publicação de reportagens, especialmente com foco na gestão de riscos, a Seção

Especial Cidades Seguras apresenta-se como mais uma ferramenta de divulgação de práticas,

iniciativas, programas e ações concretas de potencial multiplicador no Brasil.

A tabela abaixo condensa as principais informações sobre essa ação do PCRD.

Seção Especial Cidades Seguras

Objetivo específico Divulgar informações jornalísticas de qualidade sobre ações, projetos e

atividades que privilegiem o preparo da sociedade para a gestão dos

riscos de desastres como ferramenta de reforço ao processo de

promoção da cultura de riscos de desastres.

Público alvo Formadores de opinião, pesquisadores, educadores, empresários dos

diversos setores, instituições de ensino e pesquisa e demais públicos

atuantes na área ambiental e de gerenciamento de riscos.

Duração 16 meses – maio de 2010 a agosto de 2011

Responsável Cilene Victor – Revista Com Ciência Ambiental

Abrangência Nacional

6.1. Resultados

Com a mesma periodicidade e distribuição do Caderno Especial, a Seção Cidades Seguras, ao

longo destes 15 meses, tem conseguido dar visibilidade às práticas de defesa civil, voltadas à

gestão de riscos de desastres, sobretudo aquelas de potencial caráter multiplicador.

As reportagens publicadas em cada edição corresponderam à realidade do estado, ou da

capital, nas quais as oficinas de capacitação foram oferecidas, otimizando o contato com as

lideranças comunitárias, os gestores de defesa civil e os especialistas locais.

O contato com as fontes de informação disponibilizadas pelas Coordenadorias Estaduais de

Defesa Civil em cada Estado revelou que não faltam pautas sobre riscos de desastres e que

em todas as unidades federativas há excelentes experiências que, como sabemos, são fatos

42 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD

invisíveis, não vistos a olho nu, mas que alcançarão resultados efetivos.

A íntegra dos conteúdos publicados entre maio de 2010 e setembro de 2011, compõe o

apêndice deste relatório e estão também disponíveis nos sites da SEDEC (defesacivil.gov.br) e

CEPED UFSC (www.ceped.ufsc.br), conforme tabela abaixo.

Títulos Nº de

páginas Edição

Novas diretrizes para enfrentar e gerenciar riscos 16 Maio/ 2010 – Nº 25

Cresce identificação de áreas de riscos em São Paulo 8 Junho / 2010 – Nº 26

BID e governo do Amazonas revitalizam igarapés de Manaus 16 Julho / 2010 – Nº 27

Participação comunitária fortalece gestão de riscos

--

Lições das chuvas de abril

10 Agosto / 2010 – Nº 28

Ceará abre curso de gestão de desastres

--

Eventos extremos expõem vulnerabilidades

8 Setembro / 2010 – Nº 29

Exploração de aquífero põe em risco cidade paranaense

--

Área de risco é desocupada em Aracaju

12 Outubro / 2010 – Nº 30

Tecnologia prevê enchentes em São Paulo

--

Minas Gerais lança plano para enfrentar o La Niña

8 Novembro / 2010 – Nº 31

Goiás mapeia áreas de riscos

--

Espírito Santo cria plano para enfrentar chuvas

6 Dezembro/2010 – Nº 32

Acre aposta na comunicação de riscos

--

Desastre climático na Austrália

12 Janeiro/2011 - Nº 33

O que a ciência pode fazer? 6 Fevereiro/2011 - Nº 34

Riscos de desastres, respostas da geologia 6 Março/2011 - Nº 35

Gestão integrada de riscos

--

SMS alerta população e salva vidas em Recife

16 Abril/2011 - Nº 36

Educação ambiental reforça ações preventivas em Roraima 10 Maio/2011 - Nº 37

Piauí cria comitê para prevenir Desastres

--

Área de risco é desocupada em Porto Alegre

10 Junho/2011 - Nº 38

Amapá reforça ações contra Desastres

--

Natal reassenta famílias em situação de risco

10 Julho/2011 - Nº 39

Projeto suspenso pelo Ministério da Integração Nacional, seção não

publicada. Agosto/2011 - Nº 40

Bahia mapeia riscos para prevenir Desastres

--

Treinamento evita pânico e intoxicação em área industrial

10 Setembro/2011 - Nº 41

43 Seção especial – cidades seguras

7. VEICULAÇÃO DE CAMPANHAS DE PREVENÇÃO DE DESASTRES

Como a comunicação sugere o agir em comum, a veiculação de campanhas de prevenção

torna-se uma importante ferramenta para a promoção da cultura de riscos de desastres.

Essa ação, focada na divulgação de peças publicitárias, possibilita a propagação e confere

visibilidade nacional às ações de defesa civil realizadas localmente, promove o intercâmbio de

boas práticas e reforça o processo de comunicação e educação que se pretende para a

mudança de cultura.

Como uma estratégia de valorização das iniciativas estaduais e municipais relacionadas à

prevenção e orientação da sociedade acerca dos riscos de desastres, o projeto PCRD propõe

a publicação, na Revista Com Ciência Ambiental, de anúncios e campanhas de comunicação e

educação dos órgãos do Sindec: Sedec, CEDEC e COMDEC, durante as edições de maio de

2010 a agosto de 2011.

Com tiragem de 30 mil exemplares, a revista Com Ciência Ambiental tem como público-alvo

lideranças indígenas e comunitárias, pesquisadores atuantes na área de Ciência, Tecnologia e

Inovação (CT&I), empresários, estudantes, professores de graduação e pós-graduação,

educadores e demais interessados nas questões ambientais do meio urbano, rural e das

florestas, configurando-se como um importante veículo para promoção da cultura de riscos de

desastres.

Destaca-se ainda o conselho editorial da revista, que aloca quatro pesquisadores doutores,

com estudos nas áreas de avaliação de riscos, gerenciamento de riscos, comunicação e

percepção de riscos.

Neste sentido, O Caderno Especial Percebendo Riscos, Reduzindo Perdas e a Seção Especial

Cidades Seguras, além da veiculação de campanhas de prevenção de desastres, com

periodicidade mensal, são também norteados pelo pensamento de contemplar olhares diversos

e de distanciar-se de abordagens meramente negativas que tendem a provocar no leitor um

sentimento de apatia.

Em 2010, a revista foi parceira do Ministério da Ciência e Tecnologia, com produção sobre a

contribuição da comunidade científica brasileira para o desenvolvimento sustentável. E em

2011, Ano Internacional das Florestas, foi concebido o Concurso Ano Internacional das

Florestas – Concurso de Desenhos, Fotografias e Artigos – Uma contribuição à mobilização

mundial em prol das florestas.

7.1. Resultados

44 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD

A proposta de disponibilizar espaço de publicidade na revista Com Ciência Ambiental para

anúncios e campanhas de prevenção de desastres tinha o objetivo de fortalecer as iniciativas

locais de prevenção e preparação. Pretendia também oferecer maior visibilidade às práticas

locais, de maneira a multiplicar conhecimentos e contribuir para ampliação da discussão do

tema.

O espaço, entretanto, foi utilizado em apenas dois momentos. O primeiro, pela campanha

sobre queimadas da Defesa Civil Estadual de Tocantins, veiculada na edição de março de

2010. E o segundo, pela Sedec, para divulgação da Campanha Nacional Cidades Mais

Seguras, e da Semana Nacional de Redução de Riscos de Desastres, veiculadas nas edições

de outubro, novembro, dezembro de 2010.

A baixa adesão a essa ação do PCRD pode ser justificada pela ausência de campanhas de

comunicação e educação voltadas à gestão de riscos, concebidas no âmbito das CEDEC e

COMDEC. Outra explicação pode estar no fato de as defesas civis estaduais, na sua maioria,

não disporem de assessorias de comunicação próprias.

O convite de veiculação das campanhas foi feito pela Sedec, por meio de ofício no qual os

estados são convidados a receber as oficinas de Comunicação e Percepção de Riscos, e

reforçado quando da presença da equipe do PCRD, representada pelos três parceiros, Sedec,

CEPED UFSC e Revista Com Ciência Ambiental.

Quando da abordagem presencial, nota-se o interesse dos coordenadores estaduais de Defesa

Civil na veiculação, mas muitas coordenadorias estaduais não têm recursos para investir em

uma área de comunicação bem estruturada, capaz de criar campanhas de prevenção com

produção de material gráfico.

45 Anuário brasileiro de ocorrência de desastres

8. ANUÁRIO BRASILEIRO DE OCORRÊNCIA DE DESASTRES

Um dos fatores que contribui para a formação da cultura de riscos em uma sociedade é a

organização de dados e informações de forma estruturada e com base metodológica

consistente. Exerce a função de fonte de informação confiável a pesquisadores, gestores

públicos e meios de comunicação, imprensa principalmente, favorecendo os processos de

tomada de decisão.

O Guia de Comunicação Social e Comunicação de Riscos em Saúde Animal discorre sobre a

importância de estruturar fontes respeitáveis de informação, assegurando que na falta de um

fluxo de informação constante de uma fonte respeitável, os rumores preenchem o vácuo e

iniciam um ciclo de vida próprio, além de afirmar que uma cobertura exagerada de uma crise

está mais propensa a acontecer quando a informação oficial é escassa ou considerada não

confiável (OPAS, 2007:71).

Neste sentido, o PCRD se propõe a elaborar o Anuário Brasileiro de Ocorrências de Desastres,

no formato de e-book (publicação online), e disponibilizar ferramentas para que a Sedec passe

a elaborar uma publicação anual semelhante.

A proposta de gerar um anuário surgiu da constatação de que o Brasil ainda não dispõe de um

banco de dados oficial disponível para consulta, capaz de registrar e processar as ocorrências

de desastres, independente de sua origem (natural, mista e antropogênica) e de sua

intensidade (I, II, III e IV).

O que pode explicar a ausência desse recurso é o fato de o desastre não ocorrer no mundo, no

país, na região ou no estado. Ele acontece na rua, no bairro, na cidade e, portanto, demanda

que as instituições locais, como as COMDECs e o Corpo de Bombeiros, duas das principais

instituições atuantes na gestão de desastres, estejam devidamente capacitadas e disponham

de recursos, humanos, tecnológicos e financeiros, para registrar e processar as informações

sobre os desastres ocorridos nos municípios.

A importância de as instituições competentes, a imprensa, os administradores públicos, os

legisladores e demais atores sociais terem acesso a esses dados está no fato de que a partir

dessas informações o país, o estado, a região e o município conceberão políticas públicas de

prevenção de desastres.

Essa primeira versão pretende incluir informações de 2007 a 2010, com base nas informações

do Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres (Cenad) da Sedec. Essa

proposta se integra ao PNGR – Planejamento Nacional para Gestão de Riscos, também

desenvolvido em cooperação técnica entre a Sedec e o CEPED UFSC. O PNGR pretende

construir um Sistema de Informações que estruture os dados relacionados à ocorrência de

46 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD

Desastres Naturais de grande intensidade no território nacional, e a partir do momento que

esse sistema esteja concluído, deverá ser ele a fonte do anuário.

Com informações quantitativas e ilustradas, organizadas por estado, o Anuário Brasileiro de

Ocorrências de Desastres irá apresentar números relacionados a: a) ocorrência anual de

desastres, mês a mês; b) ocorrência anual de desastres, por tipo, conforme CODAR; c)

afetados por desastres, por mês; d) afetados por desastres, por tipo.

O documento deve incluir também uma análise qualitativa dos dados apresentados, apontando

o caráter parcial do registro, que atualmente não é rigorosamente organizado e padronizado

pelos estados e municípios brasileiros ao enviá-los ao Cenad.

8.1. Resultados

Na primeira edição do anuário, a base de dados se dá pelos dados oficiais da Sedec,

disponíveis em sua página principal na internet, no link Ocorrência de Desastres

(http://defesacivil.gov.br/desastres/desastres.asp). Nesse link, as informações, distribuídas em

tabelas, por unidade federativa, correspondem a uma pequena série histórica de ocorrência de

desastres, de 2007 a 2010.

Ainda que os seus dados não sejam verossímeis, pois estão registrados apenas os desastres

que provocaram a decretação de situação de anormalidade e demandaram o preenchimento

do relatório de NOPRED (Notificação Preliminar de Desastre), a organização da série histórica

de forma ilustrada e mais didática, servirá de fonte oficial de informação, ajudando a identificar

os tipos de desastres mais comuns no Brasil, as regiões e os estados com maior ocorrência,

assim como a época do ano em que são mais frequentes.

Para a elaboração do Anuário, os documentos do Cenad registram, de janeiro de 2007 a

dezembro de 2010, 3.657 ocorrências de desastres notificadas à Sedec, conforme distribuição

por ano representada no gráfico abaixo.

521

831

1408

893

0

500

1000

1500

2007 2008 2009 2010

Desastres Notificados à Sedec

Vale registrar que esses números não correspondem ao total de desastres no Brasil, mas sim

47 Anuário brasileiro de ocorrência de desastres

aqueles que a Sedec tem registro de notificação. Isto se demonstra, por exemplo, durante

algumas das oficinas de Capacitação em Percepção Comunicação de Riscos de Desastres,

quando os pesquisadores do projeto PCRD, visando estimular a discussão sobre a importância

de um banco de dados de desastres, perguntaram aos presentes o número de desastres que

acometeu aquele estado, durante o ano de 2010, considerado um período recente na memória

das pessoas. Para a surpresa dos pesquisadores, as respostas eram totalmente divergentes.

Por exemplo, em um dado estado, os alunos responderam que em 2010 houve mais de 15

desastres “graves”, mas na série histórica da Sedec não aparece nenhum desastre naquele

estado, no mesmo período. Situações como essas se repetiram em várias oficinas.

Assim, apenas para ilustrar a discussão de que a série histórica da Sedec, na ausência de um

banco de dados, pode subsidiar as instituições competentes a conceber e a promover ações de

prevenção, apresentamos alguns gráficos com base nessa realidade.

No gráfico seguinte, sobre a incidência de desastres, por estado, de 2007 a 2010, nota-se que

o Rio Grande do Sul respondeu por 24% de todos os desastres notificados, número superior ao

de 17 estados juntos, ou 21% do total.

Como pode ser visto no gráfico anterior, dos quatro estados que compõem a região Sudeste,

apenas São Paulo não aparece entre os dez com o maior número de desastres – fato que

revela a vulnerabilidade das comunidades da região mais rica e desenvolvida do país.

Já no gráfico a seguir, ainda que os números de afetados sejam proporcionais à densidade

populacional de cada região, 63% dos afetados pelos desastres no país (em que há notificação

na Sedec), ou 11.100.838, estão na região Sudeste.

48 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD

49 Pesquisa-ação em comunicação e percepção de riscos

9. PESQUISA-AÇÃO EM COMUNICAÇÃO E PERCEPÇÃO DE RISCOS

Em decorrência da escassez de pesquisas sobre a percepção de risco da população brasileira,

pesquisadores, educadores e gestores públicos têm fundamentado seus estudos e suas

tomadas de decisão em realidades estrangeiras, o que consequentemente pode gerar

distorções e incompatibilidade com o contexto local.

Para fomentar ações, programas e iniciativas que visam promover a cultura de riscos de

desastres, faz-se necessário compreender os aspectos que influenciam a percepção de risco

no contexto da sociedade brasileira, os quais, segundo a Organização Pan-americana da

Saúde, estão diretamente ligados a cinco fatores/agentes: governo, ciência, sociedade, cultura

e os meios de comunicação (OPAS, 2007).

Os valores culturais, por exemplo, podem influenciar essa percepção, assim como a forma

como os meios de comunicação divulgam o risco e outros assuntos relacionados a ele e a

maneira como a ciência e os cientistas de uma forma geral comprometem-se e relacionam-

se com a sociedade (DI GIULIO, 2006:6).

A produção científica no campo da percepção de risco no Brasil encontra-se restrita às áreas

de ciência, meio ambiente e saúde. Sob os aspectos do gerenciamento de riscos de desastres,

quando consultadas as bases de dados de pesquisas sobre comunicação e percepção de

riscos, verifica-se que essa produção praticamente inexiste.

A ausência desses estudos aumenta ainda mais os obstáculos enfrentados pelos gestores de

defesa civil quando se encontram diante da incerteza, do medo, das crenças, dos valores, das

percepções e dos níveis de informações das comunidades expostas a riscos de desastres.

Para subsidiar a atuação da defesa civil e, ao mesmo tempo, contribuir para os avanços da

ciência nessa área, o Projeto PCRD contemplou em suas ações esta pesquisa-ação no campo

da comunicação e percepção de riscos de desastres, a qual está estruturada nos seguintes

procedimentos:

a) revisão bibliográfica;

b) pesquisa de opinião, por meio da aplicação de questionário;

c) discussão com grupo focal com o público presente nas oficinas de capacitação;

d) investigação sobre percepção de riscos das comunidades;

50 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD

e) análise da cobertura da imprensa sobre fatos relacionados a riscos e a desastres;

f) entrevista exploratória com públicos de interesse do projeto.

Os resultados dos seis procedimentos da pesquisa-ação podem contribuir para a

fundamentação técnica de programas de gestão de riscos com foco na percepção e na

comunicação de riscos no contexto brasileiro.

A análise apresentada a seguir refere-se aos resultados alcançados ao longo da vigência do

Projeto PCRD, iniciado em março de 2010 e finalizado em dezembro de 2011.

9.1. Resultados da pesquisa de opinião

O questionário da pesquisa de opinião foi elaborado pelos pesquisadores do projeto e aplicado

durante a 1ª Conferência Nacional de Defesa Civil e Assistência Humanitária – CNDC,

realizada em Brasília, em março de 2010. Na ocasião, 579 dos 1.177 participantes da etapa

nacional da 1ª CNDC aderiram à pesquisa e deram a sua contribuição voluntária, por meio da

resposta ao questionário. (o modelo do questionário consta no apêndice).

Após a 1ªCNDC, a pesquisa passou a ser aplicada nas oficinas de capacitação em

Comunicação e Percepção de Riscos e alcançou a participação de 720 multiplicadores

(qualificação do público-alvo das oficinas). Por fim, a amostra da pesquisa contou com mais 82

questionários, aplicados durante o Seminário Nacional de Bombeiros - SENABOM, ocorrido em

Blumenau, Santa Catarina, em junho de 2010, perfazendo o total de 1.221 respondentes.

Cada oficina teve as suas particularidades e, por esta razão, em alguns estados não houve

tempo hábil para os participantes responderem o questionário da pesquisa de opinião. Assim,

do total de 27 oficinas realizadas, os questionários foram aplicados em 21 delas, não

contemplando as seguintes unidades federativas: Rio de Janeiro, Espírito Santo, Santa

Catarina, Acre, Amapá e Pernambuco.

Deve-se ainda salientar que na primeira oficina do projeto, realizada em Palmas, Tocantins, em

março de 2010, o modelo de questionário não havia passado pela validação do grupo de

pesquisa do Projeto PCRD. Assim, foi aplicada a versão inicial do questionário, composto por

13 questões com respostas em escala de 1 a 10.

Após análise do grupo, o questionário passou a ser composto por 10 perguntas e manteve a

escala de 1 a 10 para as respostas.

Como pode ser observado a seguir, o público total de participantes da pesquisa de opinião foi

de 1.381 pessoas. Do total de respondentes, distribuídos nas cinco regiões do país, a maioria

era do sexo masculino, conforme pode ser verificado no gráfico abaixo:

51 Pesquisa-ação em comunicação e percepção de riscos

69%

23%8%

Total de respostas, por gênero

homens mulheres sem resposta

16%

28%

18%

15%

16%7%

Aplicação de questionários por região

N NE S SE CO SR

A análise da tabulação dos questionários permite destacar algumas inferências. Uma delas é

sobre a afirmativa de que “uma pessoa e/ou comunidade jamais aceita ficar exposta a um

risco” (pergunta 7). Para 21,6% dos participantes da pesquisa, a afirmação está totalmente

errada, mas para 10.3% foi assinalada a casa 9 de concordância, numa escala de 1 a 10. Os

dados demonstram a dificuldade dos respondentes consensuar e compreender as causas que

levam alguém a ocupar uma área sabidamente de risco.

52 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD

Destaca-se também que 77% acreditam que a avaliação social do risco deve ter uma ampla

participação no conjunto total da avaliação de risco (pergunta 2). Ao mesmo tempo, igualmente

77% da amostra atribuem um alto nível de credibilidade aos avaliadores científicos do risco

(pergunta 3).

53 Pesquisa-ação em comunicação e percepção de riscos

Os resultados indicam que é preciso investir no esclarecimento e fortalecimento das

metodologias de avaliação social do risco, para que possam compor os mapeamentos de risco,

e, em consequência, pautar a tomada de decisão para políticas públicas.

9.2. Resultados do grupo focal

A atividade de grupo focal foi desenvolvida em 19 Estados, e introduzida no PCRD a partir da

oficina de São Luís, Maranhão, após os pesquisadores perceberem a importância do

levantamento da percepção de riscos e do conhecimento do público presente acerca do tema

das oficinas.

Trata-se de uma etapa da pesquisa fundamentalmente qualitativa, em que a análise do

discurso prevalece sobre qualquer tipo de dados quantitativos, como amostragem de

participantes, ou quantidade de grupos focais. Assim, foi estabelecida uma metodologia

específica de grupo focal, conforme segue:

Propósito: identificar percepções, opiniões e posições pessoais, técnicas, profissionais

e culturais acerca do objeto central da pesquisa – percepção de riscos de desastres.

Grupo: heterogêneo, formado por cerca de 50 pessoas, representantes do Corpo de

Bombeiros, Defesa Civil, academia, profissionais de comunicação, entre outros

convidados de cada Departamento Estadual de Defesa Civil.

Abordagem: o grupo é abordado no primeiro dia da oficina, de forma a evitar que o

conteúdo ministrado na oficina influencie as percepções e opiniões dos presentes.

Técnica: um moderador faz uma pequena apresentação sobre o propósito da conversa,

acentuando que as falas devem ser livres, sem preocupação com certo ou errado. Após

a apresentação, o moderador faz a primeira pergunta, e com ela, começa a estimular a

participação de todos.

Foco: as perguntas focam três grandes temáticas: riscos, comunicação de riscos e

percepção de riscos.

Roteiro: somente as cinco primeiras perguntas podem seguir um roteiro fixo e

previamente elaborado. Após a quinta pergunta a tendência é ocorrer uma condução

natural da discussão incluindo variáveis locais, que devem ser cuidadosamente

trabalhadas, garantindo espontaneidade e honestidade nas respostas.

54 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD

ROTEIRO DE PERGUNTAS

Foco Riscos Foco Percepção Foco Grupo Foco Retorno

Grupo

1. O que são riscos? 5. Sabemos que

muitas pessoas no

Brasil vivem em

locais que

chamamos “áreas

de riscos”. Na

percepção de vocês,

o que leva essas

pessoas a morar em

tais áreas?

A partir deste

momento as demais

perguntas devem

seguir na direção

das respostas do

grupo, como por

exemplo:

Por ignorância

Por falta de cultura

Para ser

beneficiado,

Porque tem

comodidade,

Por falta de opção,

Por injustiça social...

6. Então, o que

estaria por trás

dessa percepção de

riscos das pessoas? 2. Quais os

principais riscos aos

quais vocês e as

comunidades com

que trabalham estão

expostos?

7. Se as pessoas

receberem

informações sobre

os riscos aos quais

estão expostas,

vocês acham que

elas continuariam

vivendo nessas

áreas?

3. No Brasil como

um todo, quais os

principais riscos?

4. Quando falamos

em desastres no

Brasil, de qual ou

quais, rapidamente

lembramos?

8. Como medir

valores em vida e

moradia?

9. Que mecanismos

poderíamos usar

para retirar as

pessoas das áreas

de riscos?

10. Alguém é

culpado por essa

situação (pessoas

em áreas de

riscos?)

A análise do conteúdo dos grupos focais demonstra que a percepção de risco dos

multiplicadores geralmente está atrelada à vulnerabilidade social da população. Segundo a

opinião da maioria dos participantes, o principal fator responsável pela ocupação de áreas de

risco é a falta de opção. O estímulo à reflexão faz aparecer outros motivos, como: status quo,

cuidados e assistência de terceiros, comodidade e outros benefícios.

O grupo é sempre levado a pensar nas soluções a partir de sua atuação. Em geral, aparecem

como estratégias: educação formal e informal, investimento em políticas públicas e

planejamento urbano ordenado. Dificilmente os participantes relatam, voluntariamente, o papel

dos meios de comunicação, ou as estratégias de comunicação de risco, como parte do

processo de mudança de comportamento e ampliação da percepção de risco.

Talvez, a razão maior para que ferramentas de comunicação de risco não sejam

imediatamente apontadas pelos participantes da oficina esteja no fato desta ser uma

55 Pesquisa-ação em comunicação e percepção de riscos

abordagem recente, posterior à década de 50 (SPINK, 2001). Assim sendo, apreende-se que a

própria cultura de comunicação de riscos, não faz ainda parte do cotidiano dos agentes de

defesa civil. A constatação sustenta e reafirma a importância do PCRD, com as oficinas e

capacitações, salientando o quanto a prevenção de riscos pode ser apoiada pelas ferramentas

de comunicação.

Relatos de Grupo Focal com participantes das Oficinas

De maneira a resguardar os relatos aqui apresentados, os mesmos não identificam as

localidades e os indivíduos participantes da pesquisa. O objetivo é dar liberdade ao registro de

queixas, críticas e avaliações, tornando-os impessoais e buscando similaridades que permitam

construir uma avaliação do todo. No cabeçalho de cada relato apresenta-se apenas a região e

o semestre do ano em que ocorreu a pesquisa.

(Região Sudeste – 2º semestre de 2010)

Dos 92 municípios do Estado, estiveram presentes representantes de 21 deles. A discussão

ocorreu durante a apresentação da representante da SEDEC, de onde se destacam algumas

observações dos participantes:

Sobre a percepção de risco, afirmaram: “a necessidade dos moradores de área de risco é mais

premente que o risco”; “eles têm noção de risco, mas não acreditam que vai acontecer”;

“quanto maior a percepção de risco, maior a minimização”.

Durante a discussão, os participantes apontaram a informação como uma das principais

ferramentas para redução de riscos, considerando também a importância do conhecimento

empírico. Apontaram também a necessidade de trabalhar o tema e capacitar os gestores

públicos, dizendo que é preciso “motivar o gestor público de defesa civil a fazer defesa civil. Os

prefeitos não têm percepção de risco”.

Ao discutir a ocupação desordenada do espaço urbano e o frequente retorno a áreas de risco

depois de remoções e entrega de residências, um dos participantes apontou a difícil relação

com o novo imóvel e muitas vezes a venda destes, dizendo “se vende é porque alguém compra

se compra é porque ganha alguma coisa”.

* * * * *

(Região Nordeste – 2º semestre de 2010)

A discussão teve início a partir de aplicação de dinâmica de grupo, em que cada participante

deveria utilizar uma palavra para representar o conceito de percepção de risco. As palavras

56 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD

apresentadas foram:

Monitoramento (2 vezes); prevenção (4 vezes); perigo (1 vez); observador (1 vez); ação (2

vezes); salvar (2 vezes); conhecimento (2 vezes); solidariedade (2 vezes); experiência (1 vez);

atenção (4 vezes); inteligência (2 vezes); consciência (1 vez); ameaça (1 vez); cuidado (1vez).

Já na condução do grupo focal um dos temas mais enfatizados foi a importância da mudança

cultural, atrelado ao momento de fortalecimento da defesa civil por meio da 1ª Conferência

Nacional de Defesa Civil e Assistência Humanitária.

O grupo foi levado a refletir que instituições são responsáveis por trabalhar ações de

prevenção de riscos, estimulados a pensar sobre seu próprio papel e o papel da imprensa.

Questões como ocupação de áreas de risco por pobres e ricos, risco versus benefício, e

atuação do poder público foram amplamente debatidas. Para a redução de riscos, a solução

mais apontada foi a educação, vinculada ao trabalho de informação e construção de uma

cultura apta a perceber e prevenir riscos.

* * * * *

(Região Sul – 1º semestre de 2011)

Os principais desastres apontados foram enxurradas, tornados e vendavais, num primeiro

momento, aparecendo a estiagem apenas após estímulo aos participantes.

Para os participantes, o entendimento de que a ocupação de áreas de risco se dá a partir de

uma decisão pessoal passa pela falta de opção, pela negligência do gestor público, pela falta

de comprometimento, e pelo descrédito de que o risco possa atingir sua moradia. Além disso, o

grupo discutiu questões culturais para remoção de moradores de área de risco, e destacou que

o risco não está apenas em áreas periféricas, colocando em destaque a ocupação de áreas de

risco por ricos e pobres.

Na discussão sobre possíveis soluções, entraram em pauta temas como as interferências

políticas e econômicas na gestão de risco de desastres, e de interesses pessoais em

detrimento de interesses públicos.

Também teve espaço a discussão sobre corresponsabilidade e participação cidadã, concluindo

que o conhecimento da realidade local é fundamental para a tomada de decisão. Quando se

considera que o motivo para ocupação de áreas de risco é a falta de opção, a tomada de

decisão do gestor público não contempla verdadeiramente o problema em que está inserido,

fazendo com que os moradores muitas vezes retornem para as áreas de risco após terem sido

removidos.

* * * * *

57 Pesquisa-ação em comunicação e percepção de riscos

(Região Nordeste – 2º semestre de 2010)

A reflexão sobre o tema “percepção de risco” frequentemente leva os indivíduos a discorrer

sobre os conceitos de risco e de desastre, sem uma separação mais atenta entre cada um

deles e sem a inclusão dos conceitos de percepção enquanto assimilação da realidade por um

grupo em determinado contexto.

Assim, na dinâmica da oficina, quando indagados sobre a história da percepção de risco no

Estado, os participantes construíram a história com narrativas concentradas nas melhores

práticas de resposta em seu exercício profissional, e na discussão sobre uma atuação que

inclua articulação institucional adequada. As representações, por sua vez, ainda que orientadas

a ocorrer por meio de linguagem não verbal, utilizaram a escrita para apresentar seus

personagens e as instituições que devem atuar em situações de desastres, demonstrando o

quanto uma mensagem mal compreendida pode afetar diretamente o comportamento e

feedback do interlocutor. Também as encenações ilustraram o desastre, a resposta, a área de

risco, o atendimento aos afetados, sem notar a ausência da abordagem específica sobre

percepção de risco. Exceção pode ser feita, entretanto, à encenação do grupo 2, que na

representação de um terremoto destacou dois tipos distintos: um formado por indivíduos com

mais informação, percepção mais apurada e consequente maior capacidade de autoproteção;

em contraste aos mais afetados pelo terremoto que não conseguiram se proteger do mesmo.

O que se percebe até aqui não é a falta de percepção de risco dos participantes da oficina,

mas sim a pouca familiaridade com a expressão e o conceito. O que pode refletir diretamente

nas estratégias que determinam sua atuação e em seus processos decisórios enquanto

gestores de defesa civil. Registram-se frases dos participantes ao final da dinâmica, a

descrever o significado e objetivo de suas encenações:

“demonstrar a importância da articulação das diversas ajudas: prefeito, bombeiros, saúde...”

“é necessária a participação de todos os setores para fomentar a prevenção”

“os setores existem, mas se não se unem, não adianta nada”

“é preciso estimular que as pessoas percebam seu papel de cidadão: direitos e deveres”

Os comentários referem-se, em sua maioria, à necessidade de articulação de agentes para

atendimento em situações de desastres, sem se remeter espontaneamente ao termo

percepção de risco. É possível notar, entretanto, a clareza com que os participantes destacam

as ações de prevenção, o que indiretamente suporta a necessidade de se trabalhar a

percepção. Especialmente a fala que remete ao conceito de cidadania, ao enfatizar direitos e

deveres, passa pelo conceito de Ulrich Beck de sociedade do risco, onde todos são afetados e

fabricantes do risco, conceito fundamental à compreensão de sujeito social diante do risco.

58 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD

A condução da pesquisa-ação seguiu com o estímulo à construção de definições para os

conceitos de risco, desastre e percepção de risco. Os relatos de suas vivências registraram a

insistência de famílias em habitar áreas de risco, mesmo quando o risco é sabido, uma vez que

os indivíduos identificam facilidades e benefícios que não são obtidos em áreas de

reassentamentos, a exemplo do acesso clandestino à eletricidade, água, etc., proximidade ao

trabalho, ou meios consolidados de geração de renda. Neste momento, houve consenso sobre

os motivos que levam à ocupação de áreas de risco: necessidade e vulnerabilidade social. As

narrativas e discussões não incluíram naturalmente a constatação de que não são apenas

pobres que ocupam áreas de risco, e então quando induzidos a pensar sobre a questão de

ocupação de áreas de risco por grupos mais elitizados, os participantes passaram a

exemplificar a existência de condomínios de luxo em áreas sabidamente de risco, e logo

perceberam que os motivos anteriormente listados (necessidade e vulnerabilidade social) já

não mais davam conta de explicar essas ocupações, incluindo a ostentação entre as razões

que levam os indivíduos a aceitarem o risco.

O passo seguinte foi estimular o grupo a pensar em estratégias de ação que consigam

trabalhar a mudança de comportamento com indivíduos que ocupam áreas de risco.

Informação foi o tema central da discussão, chegando à percepção de risco. Para o grupo a

percepção de risco passa também pela percepção dos gestores, apresentados como agentes

pouco atuantes. A atividade de pesquisa-ação foi, entretanto, interrompida devido ao tempo

restrito e atrasos para o início da oficina. A sequência deu-se com a Diretora do Departamento

de Minimização de Desastres da Secretaria Nacional de Defesa Civil, Daniela Lopes, que

discutindo sobre o SINDEC e aproveitando as falas do grupo ponderou que o desastre ocorre

diante da exclusão de políticas públicas, sendo o risco democrático, mas não o acesso a

serviços de educação, saúde, etc., que se associam às melhores práticas de prevenção e

preparação.

* * * * *

(Região Sul – 2º semestre de 2010)

As discussões no Estado tiverem destaque pela presença de profissionais de relacionamento

comunitário da Petrobras, que participaram durante toda a oficina, mas devido à restrição de

horário para execução do grupo focal, o tempo de investigação foi reduzido.

Destacam-se na discussão com os multiplicadores os motivos para ocupação de áreas de

risco, em que pela primeira vez surgiu explicitamente a confiança no cuidado de terceiros para

permanência em áreas de risco, associada a outros fatores já relatados em outros grupos,

como falta de informação, falta de recursos, falta de opção ou desconhecimento do risco.

* * * * *

59 Pesquisa-ação em comunicação e percepção de riscos

(Região Sudeste – 2º semestre de 2010)

O registro do grupo focal ocorrido no Estado apenas relata a tentativa de conduzir um processo

de investigação sobre percepção e comunicação de risco com os presentes, uma vez que

devido aos interesses do grupo não foi possível abordar o tema.

Influenciados por fortes questões políticas o grupo desviou a todo o momento a discussão

sobre percepção de risco para as interferências negativas ocasionadas pela falta de políticas

públicas e ausência de uma administração pública adequada.

Os fatores negativos como burocracia, interferência de interesses pessoais, corrupção e

ganância, apresentados pelos participantes, não permitiu, dentro do tempo disponível, avançar

a discussão para a proposta sobre ocupação de áreas de risco e percepção de risco de

moradores.

Destaca-se a importância em enxergar essa manifestação como ordem da agenda local,

insatisfação profissional de técnicos que buscam produzir resultados localmente, mas que se

esbarram nas dificuldades do sistema.

* * * * *

(Região Centro-Oeste – 2º semestre de 2010)

Ao iniciar a discussão sobre risco, os participantes registraram a perspectiva do risco como

probabilidade e, a partir dele, a possibilidade de obter benefícios. Como principais razões que

levam os indivíduos a assumir riscos, relacionaram a falta de informação e a recusa dos

moradores em deixar o local onde já construíram raízes e relações afetivas. Neste contexto,

um dos participantes afirmou: “é preciso considerar valores, formação histórica e cultural para

os programas de habitação”, referindo-se à dificuldade de desocupar as áreas de risco.

Quando indagados sobre a possibilidade de se conviver com o risco, parâmetros para definição

de riscos aceitáveis, e alternativas para convivência com risco, o grupo silenciou. Em seguida,

um dos participantes afirmou: “ninguém vai levantar e falar sobre isso, porque isso não é feito

(...) a única coisa que fazemos é tapar o olhos e fazer de conta que não está acontecendo”.

A afirmativa, firme e convicta, demonstra mais a preocupação em reconhecer a importância da

preparação de comunidades, do que uma possível negligência que o impacto das palavras

pode levar a deduzir. Trata-se da dificuldade generalizada de implantar políticas públicas

efetivas e pautadas nas realidades locais.

A atividade conduziu à discussão sobre a exploração das possibilidades de ação dos órgãos de

defesa civil, gerando o consenso entre os participantes de que o papel da defesa civil é o de

acionar órgãos públicos. A noção de encadeamento para a mobilização social também se fez

60 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD

presente: “despertar em vocês, para que despertem onde trabalham, para que desperte a

sociedade na prevenção”.

* * * * *

(Região Sudeste – 2º semestre de 2011)

Cerca de 30 profissionais participaram do grupo focal no Estado. Entre eles, representantes de

COMDECs, alguns da Defesa Civil do Estado, e outros de órgãos correlatos ao trabalho de

defesa civil.

Finalizada a apresentação de todos os participantes e ao iniciar a discussão sobre como está

organizada a Defesa Civil no Estado, o então coordenador estadual de defesa civil afirmou que

os 78 municípios possuem decretos de criação de COMDECs, mas que apenas 12 delas são

realmente atuantes, demonstrando a dificuldade de realizar os trabalhos de base. Sobre o

risco, as principais colocações giraram em torno da ideia do indivíduo ser ao mesmo tempo

afetado e fabricante do risco, além da noção de que não é possível garantir a eliminação total

dos riscos.

Para os participantes, uma situação que agrava as dimensões de um desastre é a dificuldade

dos gestores públicos liberarem áreas de risco, uma vez que moradores recusam-se em sair

das áreas ocupadas.

Entre as causas relatadas para ocupação de áreas de risco, foram apontadas: falta de opção,

benefícios, descompromisso público, saques em situação de emergências e falta de

informação.

Ao pensar em soluções para a questão surgiram principalmente estratégias ligadas à educação

formal e informal, capacitação técnica, investimento público e planejamento urbano.

* * * * *

(Região Norte – 1º semestre de 2011)

Participaram da oficina 58 pessoas, representantes da Defesa Civil, corpo de bombeiros,

guarda municipal, rádio, secretaria municipal de meio ambiente, programa de acidentes e

emergências ambientais do IBAMA, Assistência Social, CIPA Companhia de Policiamento

Ambiental, Universidade Federal, Previfogo, entre outros.

O grupo ressaltou que inundações e alagamentos, incêndios florestais e dengues, são os

desastres mais comuns no Estado. Além desses, as falas do grupo salientaram a questão dos

acidentes de trânsito, muito comuns nas rodovias da região.

Logo no início da oficina, a facilitadora colocou a importância de fortalecer as instituições e que,

61 Pesquisa-ação em comunicação e percepção de riscos

além de serem fortes, precisam parecer fortes. O retorno do grupo foi imediato, dizendo que

“não há fomento por parte do Estado e nem por parte do governo em capacitar os profissionais

de Defesa Civil. Os profissionais capazes não sã valorizados e, portanto, é dinheiro mal

empregado”.

Com a mediação de Mateus (SEDEC) como facilitador do grupo focal o grupo definiu risco

como:

“A probabilidade de algo indesejado ocorrer. Diferença entre risco e perigo”.

Acham que não existe risco zero e que o risco pode ser positivo ou negativo.

Matheus pergunta: quais os riscos que vocês estão expostos?

“Enquanto você está em sua casa, na rua você está exposto a outros riscos”.

Diversas vezes exemplificaram suas falas com exemplos de direção defensiva. Acham que as

pessoas precisam minimizar os riscos. “o risco pode ser aumentado ou diminuído por uma

gama de fatores. A informação, neste sentido, é muito importante”.

O grau de informação se alia a aspectos circunstanciais, ressaltam a importância da atitude,

dos atos inseguros. Ainda salientam o risco indireto, com relação ao cigarro e excesso de

confiança que fazem as pessoas pensar que nada vai ocorrer com elas.

Mateus pergunta: no Brasil, quais os principais riscos?

Apesar de identificarem aspectos gerais, também relatam a questão da falta de informação:

“educação, saúde, falta de informação”.

Debate acerca da informação se estabelece, enquanto alguns pensam que falta informação,

outros entendem que as pessoas sabem dos riscos a que estão expostas, mas não fazem

nada a respeito. Alguns acham que é preciso envolver dinheiro. Outros dizem: “informação não

muda comportamento”.

Em tom pejorativo, um dos componentes do grupo afirma que os seres humanos são suicidas e

que são imprudentes porque esquecem os riscos. E completa, “na minha opinião ele não tem

que ter educação, a pessoa só aprende apanhando”.

Quando Mateus pergunta o que leva as pessoas a morarem em áreas de risco, o grupo

salienta a falta de opção. Divergências também aparecem, pois outras pessoas entendem que

no Estado não falta opção. “todos os anos a Defesa Civil e os bombeiros querem tirar as

pessoas de lá. As pessoas vendem suas casas e voltam. As pessoas estão lá porque querem,

porque é próximo do centro”.

“Porque no centro não precisam pagar transportes”.

Há quem afirma que a condição de vida da população é baixa, não tem emprego, não tem

62 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD

água em casa, então vende a casa que ganhou do governo.

Outros acham que faltam políticas públicas, saneamento, informação, e que é um conjunto de

fatores que implica na “decisão” de uma pessoa continuar a viver em áreas de risco.

Em resposta, alguém afirma: “falta vergonha na cara, não falta informação”.

A questão da proximidade do centro da cidade é aspecto reincidentemente levantado. Também

levantam a questão do apego emocional ao lugar, pois muitas pessoas vivem a vida toda em

um local e não querem sair de lá.

Citam que há famílias que passam seis meses em abrigo e seis meses na casa, quando não é

época de chuvas. Acha que os órgãos públicos acostumaram mal as pessoas.

Além das chuvas, falam dos problemas relacionados aos incêndios florestais, que assolam a

região todos os anos, sazonalmente. Falam que as queimadas decorrem dos ciclos de

desmatamento e que também fazem parte do ciclo de desenvolvimento agrícola da região.

“Nem sempre o incêndio é criminoso. Nós somos hipócritas, muitas vezes. Incentivamos as

queimadas e depois reclamamos dos incêndios florestais”.

“o tipo de incentivo, a produção rural é nosso maior problema”, um participante salienta.

Outros afirmam que o maior problema está no plano diretor que não funciona. Não houve

comissões para discutir o plano, apesar da ótima topografia, temos problemas com recursos.

Falta vontade política para apontar onde os recursos precisam ser investidos. Os gestores não

querem saber o que está acontecendo nas áreas de risco. “Falta vontade política e

continuidade das ações”.

Terminam o debate dizendo que no Estado também os riscos habitam áreas de risco e

ninguém faz nada. Querem morar perto do rio porque é bonito.

* * * * *

(Região Nordeste – 1º semestre de 2011)

Participaram da oficina cerca de 60 pessoas de diversas agências e organizações locais.

Agentes de Defesa Civil municipais e Estaduais, representantes de comunidades, professores

da Universidade Federal, CEPED local, Cruz Vermelha, jornalistas, Vigidesastres local, entre

outras instituições, se fizerem presentes.

A diversidade e qualidade de participação do público desde o início da oficina fez com que o

grupo focal não ocorresse como nos outros cursos. As percepções do grupo sobre riscos de

desastre mobilizaram debates contínuos entre os participantes, sem que houvesse a

necessidade de mediar o debate de forma estruturada. Relataram:

“que no Brasil se pensava que não havia ameaças, isso mudou”.

63 Pesquisa-ação em comunicação e percepção de riscos

“nós estamos numa sociedade de riscos”.

Falas que identificam um contexto de transformação no país com relação aos riscos de

desastres e que indicam a relevância dos aspectos culturais na percepção e convivência com o

risco. Ainda relataram que os riscos estão relacionados à cultura de planície, a qual não se

adapta às necessidades de construção em morros. A questão da infraestrutura urbana que não

considera as águas servidas, por exemplo.

Entendem que, muitas vezes, as pessoas não sabem que moram em áreas de risco. “Nossa

sociedade privilegia a abordagem objetiva dos riscos e não os riscos subjetivos. Devemos ter

clareza com relação a esta questão”.

O grupo ressaltou a existência do risco social, a questão da vulnerabilidade social associada ao

risco. Por isso, acredita que se precisa de educação, “procurar saber o que o povo pensa, pois

a cultura do desastre não é só do povo, mas também dos meios de comunicação e dos

técnicos, do poder público”.

Acham que a defesa civil não pode aparecer só no desastre, mas durante todo o ano. “É

preciso que saia na mídia o pensamento da comunidade, junto com a do jornalista”.

Perguntam: “a quem interessa a fragilidade da defesa civil?” e ainda refletem sobre a

autonomia da produção das matérias jornalísticas com relação aos desastres: “quem paga as

matérias?” “política não há para que haja campanhas de prevenção?”. Acham que os meios de

comunicação fazem o que querem. E que “quando não tem vítima, não tem repercussão na

mídia”.

Refletem, também, com relação à própria Defesa Civil e suas dificuldades estruturais e

políticas que “a gente precisa saber que a Defesa Civil quer, pois não temos identidade

alguma. Tem município que tem equipe, outros não têm. A política Nacional de Defesa Civil é

muito bonita no papel, mas na prática não tem recursos para as obras”. Ainda com relação às

obras ressaltam “uso e ocupação do solo, maior problema da defesa civil, precisa de ações

estruturais e não podemos fazer nada”.

A questão dos recursos disponíveis à Defesa Civil se apresenta, mais uma vez, como

dimensão relevante com relação aos entraves que enfrentam seus agentes, analisam que falta

interdisciplinaridade e que não há recursos para impedir algumas situações, como as

construção de casas em locais inadequados. “Como é que eu posso pedir para uma COMDEC

ser mais atuante, mais preparada, se quem tem o dinheiro é a união?” e concluem: “para

fortalecer a Defesa Civil é preciso fortalecer os municípios”. “Vão pensar que a CODECIPE é

risco, risco de não ser bem capacitado, bem preparado”.

* * * * *

64 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD

(Região Nordeste – 1º semestre de 2011)

A discussão teve início após o grupo responder às perguntas do questionário. Assim, para dar

sequência ao contexto, incentivou-se que o grupo opinasse sobre a capacidade de moradores

de áreas de risco em realizar uma avaliação de risco a respeito da área que habitam.

A opinião que mais prevaleceu no primeiro momento foi de que as áreas de risco são ocupadas

em função de falta de opção, ou por conveniência como a proximidade ao trabalho. Por outro

lado, um dos representantes de COMDEC pontuou sobre a dificuldade de compreensão sobre

o risco, dizendo:

“Quando você chega para um morador para falar sobre o risco, ele responde que o local pode

até ser perigoso, mas que não é área de risco, não!”

Outros participantes expuseram a situação de moradores que percebem nos desastres e nos

riscos possibilidades de ganhos, como a obtenção de casas de realocação para depois vendê-

las.

Fato bastante caracterizado pelos participantes foi a dificuldade de articular soluções devido às

interferências político-partidárias, uma vez que as decisões pouco são pautadas em políticas

de estado.

Sobre as dificuldades apontadas para desenvolver um trabalho mais efetivo, registram-se as

decisões tomadas com foco político e não técnico, como por exemplo, a realocação de

pescadores para localidades muito distantes do mar. O que invariavelmente ocasiona retorno

para as áreas de risco.

Os participantes externaram ainda a percepção de que na maior parte das discussões, a

ocupação é feita por moradores de baixo poder aquisitivo. Um deles lembrou que ricos também

ocupam áreas de risco. E acrescentou a reflexão sobre como essas ocupações são

menosprezadas pelo poder público.

* * * * *

(Região Nordeste – 2º semestre de 2011)

Estiveram presentes na oficina 46 pessoas, sendo a maioria do público composta por

bombeiros. Destaca-se a presença de seis representantes de COMDECs, três da área de

comunicação, e cinco de empresas químicas.

A discussão como o grupo teve início com o incentivo à reflexão sobre as razões para que

ocorram as ocupações em áreas de risco. As falas do grupo, entretanto, apresentaram uma

maturidade antes não identificada explicitamente nos demais grupos focais, qual seja a

compreensão da dificuldade em identificar as razões para ocupação das áreas de risco. “Quem

65 Pesquisa-ação em comunicação e percepção de riscos

não precisa não sabe o que é”, afirmou um dos presentes.

* * * * *

(Região Norte – 2º semestre de 2011)

A oficina realizada no Estado contou com a presença principalmente de agentes de defesa civil

e de bombeiros, além de algumas COMDECs, profissionais de comunicação e instituições de

meio ambiente.

Para discussão do grupo focal, apesar do pouco tempo disponível, o grupo enfatizou as

dificuldades para realizar a gestão de risco, devido ao que chamaram de “turismo do desastre”

caracterizado pela atenção exacerbada nos momentos em que ocorrem os desastres e da

pouca atenção para os momentos de prevenção e preparação.

Além disso, o grupo pontuou a necessidade de que as COMDECs possam articular-se para

produzir melhores trabalhos e resultados em prevenção de riscos de desastres.

* * * * *

(Região Nordeste – 2º semestre de 2011)

O grupo focal contou com a participação de 37 multiplicadores, entre bombeiros, em sua

maioria, profissionais da área de geografia, comunicação, saúde, engenharia, além de

representantes de COMDECs.

A primeira fala local, referindo-se à capital do Estado, enfocou a constituição formal das ações

de defesa civil, por meio da afirmativa “Uma cidade de 200 anos onde vai ser fundada, agora, a

Defesa Civil”.

As dificuldades operacionais e burocráticas para institucionalizar as ações de defesa civil,

como em outros grupos, foi um dos pontos mais destacados durante a realização do grupo

focal. Os desastres registrados pelo grupo como os de maior frequência no Estado, foram:

chuvas, seca, sismo, desertificação, ventos e químicos.

Ponto forte durante a fala dos participantes foi a interferência de crenças e mitos na percepção

de risco, com destaque à necessidade dos processos educativos para mudança de

comportamento de comunidades, por meio da construção do conhecimento e considerando-se

o nível de abstração de cada indivíduo.

* * * * *

66 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD

(Região Sul – 2º semestre de 2010)

As discussões com o público foram pouco produtivas em decorrência do momento bastante

turbulento gerado pela alteração da legislação sobre Defesa Civil. Os participantes

questionaram enfaticamente os critérios da nova legislação e muito pouco se envolveram em

questões como percepção de risco, razões para ocupação de áreas de risco, e medidas

preventivas.

Registram-se algumas pontuações sobre a dificuldade de realizar mobilizações e ações de

capacitação com comunidades, em vista da pouca participação; e a noção de inexistência de

risco zero, gerando a necessidade de conhecimento para convivência com o risco.

Em decorrência do momento político e das fortes influências a que estavam expostos os

participantes, as pontuações realizadas no Estado, não serão consideradas na pesquisa ação,

com o objetivo de não comprometer a isenção político-partidária da pesquisa.

* * * * *

(Região Nordeste – 2º semestre de 2011)

Os presentes do grupo focal realizado no Estado apontaram os seguintes desastres como os

mais característicos: incêndios florestais, deslizamentos, chuvas, seca, petróleo, acidentes

rodoviários, drogas, e erosão marítima.

Na discussão, destacaram a convivência com o risco versus enfrentamento ao risco, como

parte da gestão do risco, utilizando a seca, como exemplo. Para os multiplicadores, as

seguintes falas ilustram a percepção de risco das comunidades locais que gira em torno à falta

de opção, desconhecimento, interesse econômico e questões políticas; além disso, os

moradores são influenciados por suas crenças, exemplificadas nas falas: “eu não vou ser

afetado” ou “seja como Deus quiser”.

Estimulados a pensar em soluções para a problemática, planejamento urbano e educação

ambiental são apontados como os principais caminhos, alinhados à atuação de lideranças

comunitárias, empreendedorismo e compartilhamento de responsabilidades. “Como cobrar

uma mudança de cultura em uma comunidade que tem esgoto a céu aberto em frente de

casa?”, questionou um dos participantes. A discussão caminhou para a existência de

interferência política e do interesse na seca como negócio.

Na discussão, apareceram ainda apontamentos sobre a força das crenças na percepção de

risco: “Santo Antônio é muito bom e assim vamos indo”, sobre o apego e amor ao local de

origem, e sobre a necessidade de pensar na convivência com o risco, como instrumento

possível e necessário à gestão de riscos.

67 Pesquisa-ação em comunicação e percepção de riscos

* * * * *

(Região Nordeste – 2º semestre de 2011)

As discussões sobre ocupação de áreas de risco e percepção de risco de comunidades

afetadas por desastres com o grupo de multiplicadores do Estado, apontaram como principais

motivos a proximidade ao centro, a falta de informação e a falta de opção.

Como metodologia de trabalho, após discutir as principais razões para que ocorram as

ocupações em áreas de risco, estimulou-se o grupo a discutir sobre as principais possibilidades

de atuação e principais estratégias para solução dos problemas.

Pela escassez de tempo disponível para execução da atividade no Estado, não foi possível

aprofundar a discussão. O grupo, entretanto, enfatizou a dificuldade de atuação por falta de

recursos a serem investidos diretamente nas instituições de defesa civil, dificultando seu

trabalho de prevenção.

* * * * *

(Região Norte – 2º semestre de 2011)

O grupo de multiplicadores apontou as responsabilidades pelo desastre, discutindo a noção de

sujeito apontada nos estudos do sociólogo alemão Ulrich Beck, afirmando:

“O mesmo que destrói pode prevenir. O mesmo que interfere negativamente pode interferir

positivamente.”.

A ideia da percepção de risco para o grupo está diretamente associada à prevenção dos

desastres, e neste caso no papel fundamental da atuação comunitária.

Na gestão de desastres, a resposta deve funcionar como processo de ajuda aos afetados.

* * * * *

(Região Centro Oeste – 2º semestre de 2011)

Estiveram presentes na oficina e participaram do grupo focal representantes de 19 municípios,

com registro de 47 inscritos. Ao iniciar a discussão o grupo registrou os seguintes desastres

como os de maior ocorrência no Estado: abalos sísmicos, estiagens, vendavais, granizo,

enchente, inundação, alagamento. Destaca-se que apesar de estar localizado na região

Centro-Oeste o grupo não destacou as queimadas como desastre característico da localidade.

Os presentes destacaram a característica climática do Estado como inverno frio e seco, e

verão quente e chuvoso.

68 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD

Para o grupo, a ocupação ou não de áreas de risco se dá fundamentalmente em função da

política habitacional que o município estabelece, citando o município como uma referência em

articulação entre diversos setores responsáveis. Assim, o foco da discussão esteve voltado

para questões apresentadas como “vontade e vergonha política”, e necessidade de

capacitação de gestores públicos, prefeitos, principalmente.

Além disso, os presentes afirmaram a falta de organização comunitária, apontando que os

NUDECs são constituídos “de cima para baixo”, sem que a comunidade se mobilize por

interesse próprio, e assim afetando a permanência e continuidade dos trabalhos de prevenção

comunitários.

Outra dificuldade apresentada foi com relação à remoção e retorno à área de risco, apontando

como solução retiradas que incluam destruição imediata de casas ou cercamento e isolamento

da área. Segundo os presentes, os ribeirinhos destacam-se pelo apego ao local: “acorda e vai

pescar o café da manhã”, contrapondo a retirada desses moradores para áreas longe do rio.

“Muitas vezes, não é necessário remover, mas investir em infraestrutura”.

* * * * *

9.3. Resultados das investigações com comunidades

A partir da oficina de Fortaleza, Ceará, a atividade de investigação com comunidades passou a

fazer parte da programação de viagem junto às oficinas. A proposta de inclusão da técnica de

investigação com comunidades se deu pela avaliação de que seria possível enriquecer o

trabalho de pesquisa, utilizando os recursos já empregados, e assim atribuir maior grau de

conhecimento local das realidades de cada estado.

Neste sentido, a investigação com comunidades foi acordada com cada Coordenadoria

Estadual de Defesa Civil, que indicou uma localidade para a realização da atividade.

Orientados pelos pesquisadores do PCRD a equipe técnica de cada Defesa Civil Estadual

selecionava, sempre que possível, ao menos uma área de risco considerada relevante, ou uma

comunidade que tenha sido retirada de área de risco, e instalada em um novo bairro, por

exemplo. Foram visitadas ao todo 28 localidades, com 79 pessoas participando diretamente

desta etapa da pesquisa, como ilustram os gráficos abaixo.

69 Pesquisa-ação em comunicação e percepção de riscos

A abordagem junto às comunidades foi sempre realizada com o acompanhamento de um

profissional de defesa civil local. Considerando-se que existe uma diversidade natural de

formas de organização social e receptividade aos pesquisadores, a condução da pesquisa

variou entre conversas de casa em casa, ou constituição de grupo focal, como se vê no gráfico

abaixo. O tipo de abordagem realizado, em sua maioria de casa em casa, tendem a evidenciar

a falta de organização comunitária, de um lado, e de outro a falta de articulação entre os

agentes de defesa civil e as comunidades de área de risco.

70 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD

Todas as abordagens seguiram a seguinte metodologia:

Propósito: identificar percepções, opiniões e posições pessoais, técnicas, profissionais

e culturais acerca do objeto central da pesquisa – percepção de riscos de desastres.

Grupo: heterogêneo, formado por lideranças comunitárias das áreas visitadas.

Abordagem: Na visita conhece-se a comunidade e realiza-se a investigação com as

lideranças comunitárias ou moradores locais, identificados pelos agentes locais de

defesa civil.

Técnica: um moderador faz uma pequena apresentação sobre o propósito da conversa,

acentuando que as falas devem ser livres, sem preocupação com certo ou errado.

Foco: as perguntas focam em três grandes temáticas: riscos, comunicação de riscos e

percepção de riscos.

Roteiro: somente as cinco primeiras perguntas podem seguir um roteiro fixo e

previamente elaborado. Após a quinta pergunta a tendência é ocorrer uma condução

natural da discussão incluindo variáveis locais, que devem ser cuidadosamente

trabalhadas, garantindo espontaneidade e honestidade nas respostas.

ROTEIRO DE PERGUNTAS

Foco Riscos Foco Percepção Foco Comunicação Foco Tomada de Decisão

1. A quais riscos sua

comunidade está

exposta?

2. Desses, quais são os

que mais preocupam a

comunidade? Por quê?

3. Alguém fez a avaliação

desses riscos ou essa

avaliação é da própria

comunidade?

4. Vocês concordam com

essa avaliação de riscos?

Por quê?

5. O que explica

algumas famílias,

pessoas ou a sua

comunidade como um

todo vir a residir em

uma área de risco?

6. Como a

comunidade convive

com esses riscos?

7. Qual o maior

problema da

comunidade?

8. Você conhece os

riscos aos quais está

exposto?

9. Como você avalia a

noção de risco de sua

comunidade?

10. Você se sente

suficientemente informado

sobre os riscos aos quais

está exposto?

11. Como essas

informações chegam até

você? Quem faz essa

comunicação?

12. O que você acha que

poderia mudar nessa

comunicação?

13. Você ou alguém da

comunidade já teve algum

tipo de dificuldade para

obter informações sobre

riscos?

14. Como você avalia o

papel dos meios de

comunicação?

15. Já aconteceu de alguma

família ter de sair de casa?

Por quê?

16. Como ocorre o processo

de negociação para retirada

de uma pessoa ou família?

17. A comunidade tem

participado das decisões

relacionadas a uma situação

de risco?

18. Como você avalia essas

decisões. Como você s

acham que deveriam ser?

71 Pesquisa-ação em comunicação e percepção de riscos

Visitando comunidades expostas aos mais variados riscos, a equipe de pesquisa do projeto

investigou a percepção de risco de moradores de área de risco. Infelizmente, fatores como

exclusão social e violência ainda desvirtuam o olhar das comunidades para o risco. No

levantamento, problemas com drogas, traficantes, violência e insegurança, estavam acima do

risco de inundações ou deslizamentos na escala de preocupação dos moradores

A partir dessas investigações apreende-se que as percepções dos moradores sobre o risco são

variadas e em poucos casos observou-se o entendimento do risco e a organização comunitária

para conviver com o mesmo. Os contatos revelam que a grande parte dos moradores resiste

em deixar o local, mas quando se tratam daqueles que deixaram o local há algum tempo, a

demonstração é de grande satisfação com a retirada.

Apresentamos a seguir alguns destaques, comentários e impressões pertencentes a essa

etapa da pesquisa a partir de cada atividade desenvolvida com as comunidades de áreas de

risco.

Relatos das investigações com comunidades

De maneira a preservar os relatos aqui apresentados, os mesmos não identificam as

localidades e os indivíduos participantes da pesquisa. O objetivo é dar liberdade ao registro de

queixas, críticas e avaliações, tornando-os impessoais e buscando similaridades que permitam

construir uma avaliação do todo. Ao final de cada relato, apresenta-se apenas a região e o

semestre do ano em que ocorreu a pesquisa.

(Região Nordeste – 2º semestre de 2010)

A atividade foi realizada na sede do Núcleo Comunitário de Defesa Civil (NUDEC), espaço

compartilhado com a Associação de Moradores. Em formato de grupo focal, participaram da

pesquisa a presidente do NUDEC e mais três líderes comunitárias, além do acompanhamento

do representante da Defesa Civil Estadual.

A discussão teve início com a indagação sobre quais os principais riscos que afetam a

comunidade, procedida do relato dos riscos associados ao transbordo do rio Maranguapinho,

que alaga as casas da comunidade e já provocou óbitos por afogamento ou choque elétrico.

A líder comunitária, no entanto, ponderou: “é o povo que entra no rio, não é o rio que entra nas

casas”, informando que são cerca de 2 mil pessoas morando há cerca de 30 anos no local,

área invadida que não seria deixada voluntariamente pelos moradores. O grupo foi enfático ao

afirmar que esses moradores preferem seus três dias anuais de água dentro de casa, em troca

da garantia de “escola, emprego e comida” nos demais dias do ano.

72 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD

Naquele momento obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) urbanizavam a

margem do rio para desocupação da área, realocando as famílias para apartamentos. A

ausência, entretanto, de diálogo entre os responsáveis pela tomada de decisão e os moradores

de áreas de risco, fez com que os moradores se negassem a ocupar os apartamentos

denominados de “caixinhas de fósforo” e localizados a cerca de dois quilômetros do local. “O

projeto já veio pronto”, afirmou a líder comunitária, e há dúvida sobre a adaptação das famílias

aos novos lares: “são famílias acostumadas a quintal, horta e galinha”.

Questionado sobre outros tipos de riscos que podem afetar a comunidade, o grupo citou meio

ambiente e risco social: violência com mulheres e idosos, principalmente. As constatações das

integrantes do NUDEC baseiam-se em sua experiência como líderes comunitárias, que durante

o ano de 2010 conseguiram realizar duas palestras para a comunidade, uma sobre dengue e

outra sobre meio ambiente. Mas ainda há queixas. Para o grupo a “Defesa Civil podia

aumentar o trabalho de vir e conversar”, referindo-se à dificuldade de encontrar pessoas que

possam realizar trabalhos de mobilização e informação com a comunidade.

As queixas denotam o contraste entre a compreensão da realidade e a capacitação do grupo.

A presidente do NUDEC, que junto com outra líder comunitária esteve na 1ª Conferência

Nacional de Defesa Civil e Assistência Humanitária, que ocorreu em Brasília em março de

2010, contou que o NUDEC foi criado pois ela “achava que tinha de ter prevenção”, ao mesmo

tempo em que todo o grupo ficou sem resposta quando instigado a pensar sobre quais

motivações seriam capazes de mudar o comportamento dos moradores de área de risco. O

incentivo à reflexão acabou em soluções relacionadas à necessidade de informação e

mudança de cultura.

Interessante destacar o relato sobre a mudança de comportamento em relação a temas

ambientais, quando uma das lideranças deu-se conta que sua mudança de uso de copos

plásticos para canecas não descartáveis, por exemplo, foi porque “pegou no bolso”.

Para o grupo, no entanto, as motivações para mudança cultural perpassam também pela

participação dos gestores públicos. As lideranças registraram a ausência de posto de saúde e

de áreas de lazer, além de deficiências no sistema de recolhimento do lixo. E ao tentar

descrever sobre o papel da Defesa Civil nesse contexto, afirmaram que a função da “Defesa

Civil é detectar onde está o risco”, desejando que ela tivesse um fundo próprio para que

pudesse investir em trabalhos com as comunidades. O que se percebe nos discursos da

comunidade é uma quase impotência para solucionar problemas visíveis e bem

compreendidos, ao mesmo tempo em que lhes falta informação e capacitação.

Apesar das dificuldades apresentadas pelas lideranças comunitárias, o diálogo manteve-se

todo o tempo em tom positivo. “Felicidade e orgulho” são os sentimentos que descrevem a

satisfação da presidente do NUDEC pelos resultados e conquistas de um trabalho iniciado em

73 Pesquisa-ação em comunicação e percepção de riscos

2001, em parceria com a Defesa Civil e a Polícia Militar por meio dos Conselhos Comunitários

de Defesa Social (CCMS). “Eu não me sinto derrotada”, disse a líder comunitária.

* * * * *

(Região Nordeste – 2º semestre de 2010)

A pesquisa foi realizada na comunidade denominada Conjunto 17 de Março, um bairro novo no

município, construído com recursos do PAC, numa parceria entre a Prefeitura Municipal, o

Governo do Estado, e o Governo Federal, articulando-se às Defesa Civil municipal e estadual.

Neste bairro, 404 famílias que antes ocupavam o Morro do Avião, haviam sido recentemente

realocadas para casas ou apartamentos novos de 40m².

Segundo relato dos profissionais de Defesa Civil, o Morro do Avião era uma das piores

ocupações do município e frequentemente afetado pelas fortes chuvas, quando os barracos

eram levados pela lama. A realocação das famílias, que ocuparam o morro durante mais de 10

anos, começou com o processo de cadastramento e acompanhamento da Secretaria Municipal

de Assistência Social e Cidadania – SEMASC e da COMDEC, até a entrega oficial das novas

residências em 10 de junho de 2010. Apesar de a desocupação ter se completado, a Defesa

Civil permanecia fiscalizando a área, para evitar novas ocupações.

No bairro novo conversamos com alguns moradores que haviam chegado ao local há menos

de dois meses. O objetivo era conhecer suas percepções sobre a localidade que antes

ocupavam, comparativamente à sua nova realidade. Claudiane, José Domingos e Jaci dos

Santos foram convidados para um bate-papo quando caminhavam pelas ruas do novo bairro,

ao que prontamente aceitaram o convite.

Claudiane, de 28 anos, que durante toda a conversa permaneceu com o seu bebê de dois

meses no colo, morou no Morro durante cinco anos; o senhor José Domingos residiu no local

por três anos; e Jaci dos Santos por oito. Quando questionados sobre as principais dificuldades

de morar no Morro, as queixas foram com relação à violência e drogas, revelando que muitas

vezes era preciso trancar-se em casa. Voluntariamente os relatos não abordaram as questões

relacionadas a uma ocupação irregular em área de risco, denotando uma percepção de que os

prejuízos provocados por fenômenos, como enxurradas e vendavais, têm origem muito mais

natural que antrópica. Estimulados a refletir sobre as consequências das chuvas nos seus

barracos, a moradora afirmou “Pedia a Deus que não caísse”.

A felicidade é visível e declarada quando passamos a conversar sobre a nova moradia. As

mulheres relataram que não trabalham, pois dependem do Programa Bolsa Família, mas

eventualmente ganham algum dinheiro com faxina. Mesmo assim, se mostram satisfeitas com

a nova vida, um lugar tranquilo, onde é possível caminhar, deixar as casas abertas, sem

74 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD

preocupações. “Não tenho medo de nada”, disse Jaci dos Santos. O senhor José Domingos,

por sua vez, encontrou na localidade uma nova fonte de renda. Transformou o quarto da nova

casa em uma mercearia. Passou a dormir na varanda, mas mostrou-se contente em ter seu

próprio comércio para atender ao bairro que começa a crescer com a entrega de novas casas e

apartamentos para moradores de outras áreas de risco do município.

Outro aspecto, frequentemente relatado pelos profissionais de defesa civil como uma das

principais dificuldades de seu trabalho, foi abordado com os moradores: famílias que ocupam

áreas de risco para receber moradias e aquelas que comercializam casas recebidas em

processos de realocação. O relato dos moradores reforça essa difícil realidade.

Segundo eles, alguns moradores, ao ouvirem falar do cadastramento para recebimento de

novas residências, tentaram ocupar o Morro do Avião. Os moradores mais antigos do local

tentavam impedir as novas ocupações que, segundo os relatos, foram evitadas. Não foi

possível evitar, no entanto, a comercialização das novas residências. Alguns moradores que já

possuíam outro local para morar acabaram vendendo suas residências, principalmente para

comércios, mesmo cientes de que o cadastro da prefeitura impedirá a participação em outros

projetos de realocação.

No novo conjunto residencial, conversamos também com Marcelo Rocha síndico de oito blocos

de prédios onde residem famílias provenientes de diversas áreas do município. Marcelo, um

dos primeiros contemplados com moradia no local, há cerca de cinco meses, mora com a

esposa e o filho Marcelo Vinícius, nascido depois de sua mudança para o novo apartamento. O

morador relatou algumas impressões bem diferentes do primeiro grupo.

Apesar de também satisfeito com a casa própria, o morador precisa gerenciar as dificuldades

de ser síndico de 128 apartamentos. São vazamentos de água e entupimentos de caixa de

gordura por conta de uma construção com duvidoso controle de qualidade. Assaltos e violência

por conta de usuários de drogas que percebem uma crescente movimentação no local. Contas

de água e luz para serem rateadas pelos moradores, exigindo a cobrança de taxas de

condomínio de uma população em grande parte desempregada.

São os desafios do Conjunto 17 de Março, enfrentados por Marcelo Rocha, não sem o apoio

da defesa civil municipal, que frequentemente visita o bairro para acompanhar sua ocupação.

O que se percebe nestes relatos é a necessidade de se trabalhar questões culturais novas

para os moradores, uma vez que o sistema de convivência com vizinhos passa a ser alterado

ao serem retirados de áreas de risco.

* * * * *

75 Pesquisa-ação em comunicação e percepção de riscos

(Região Sul – 2º semestre de 2010)

A pesquisa foi realizada em um município onde, segundo os profissionais de defesa civil, 85%

de sua área estão sob influência do Aquífero Karst, “que nada mais é, do que um reservatório

subterrâneo de águas em terrenos de rochas carbonáticas, uma área extremamente frágil que

requer cuidados quanto a sua ocupação.”

Os contatos com os moradores do município não foram realizados em forma de grupo focal,

devido as visitas terem ocorrido em diferentes locais para visualização das formações de

dolinas. A primeira visita foi realizada na localidade denominada Tranqueira, onde há cerca de

três anos abriu-se uma enorme cratera (dolina de cerca de 230 metros de diâmetro).

Segundo o relato dos moradores, o terreno cedeu de um dia para o outro. “Começou com um

pequeno buraco e no dia seguinte virou atrativo turístico. Tivemos de cercar o local com postes

de concreto para evitar a aproximação da imprensa e de curiosos”, contam os bombeiros e

profissionais de defesa civil do município. Trata-se de um local isolado, de mata, sem ocupação

urbana.

Na caminhada até o alto do morro, onde a dolina se formou, encontramos com moradores

locais que costumavam plantar na região, mas depois do ocorrido passaram a evitar a

permanência na área.

No dia seguinte visitamos, acompanhados da equipe de Defesa Civil do município, uma

residência em área urbana, bem próxima ao centro da cidade. O proprietário, que mora no local

há 23 anos, havia comunicado o aparecimento de uma dolina nos fundos de sua casa há

poucos dias e por conta disso recebeu areia para cobrir o buraco. O contato mostrou um

senhor sério, que quando perguntado sobre sua experiência em morar em uma área com

permanente risco de subsidência, ou sobre a vontade de se mudar para um local mais seguro,

ponderou: “Tudo aqui embaixo é calcário e a gente não sabe o quanto tão tirando de água... vai

levar uns 50 anos, mas vai cair”. E indicando para o sobrado ao lado de sua casa, acrescentou:

“só não pode fazer construção alta”.

Em seguida, visitamos uma escola estadual abandonada. Uma construção utilizada apenas

durante um ano pelos alunos e logo interditada por causa das grandes rachaduras surgidas

nas paredes, teto e até pela descida do chão. Na sequência, a visita foi em uma área cercada

pela companhia de saneamento do Estado que ocorreu após a retirada de moradores,

pagamento de indenização e demolição de residências afetadas pelo fenômeno em

consequência das atividades da companhia nas proximidades. No local, não foi possível

conversar com os moradores, mas interessante foi perceber que inúmeras outras residências,

vizinhas à área cercada, permanecem na rotina da cidade - mais uma localidade próxima ao

centro afetada pela subsidência do solo.

No município há também um Parque Ambiental. Logo na entrada do parque, um grande lago

76 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD

natural formado, segundo informação dos profissionais de defesa civil, por uma dolina. Os

administradores do parque também informam que é comum o surgimento de novas aberturas

no solo, fato com o qual lidam com normalidade e sem grandes preocupações aparentes.

A última visita do dia foi ao Bairro Botiatuba, área rural do município. Recebidos pelo

proprietário de um pequeno sítio, fomos levados aos fundos da casa onde uma nova dolina

havia surgido.

Chamou a atenção a naturalidade com que todos tratavam do assunto. O proprietário contou

que durante 13 anos a área foi ocupada por água, como um lago. Um dia acordou e a área

estava seca, com um pequeno buraco no solo. “Secou um dia depois do temporal forte”. E

quando da nossa visita, o buraco já se transformara em uma abertura mais profunda e de

cavidade circular. Sérios, os profissionais de defesa civil recomendaram:

“Procure não ocupar a área e isolá-la de animais domésticos”.

“Vou queimar” – respondeu o proprietário, referindo-se aos tocos de madeira que ficavam no

fundo do extinto lago.

“Cuidado! Amarre uma corda na cintura” – respondeu o Sargento, prevenindo o morador para o

risco de a abertura no solo ampliar-se.

Quando questionado sobre sua familiaridade com o fenômeno, o proprietário informou que

assim que a água secou, comunicou à Defesa Civil, que por sua vez levou até o local

pesquisadores da universidade federal. “Estiveram aqui um professor e um outro senhor. Me

pediram para acompanhar e avisar caso o buraco aumentasse. Acho que tenho de chamar eles

de novo porque aqui estamos em uma zona de muito calcário e muita água por baixo”.

Bem próxima à dolina está a casa de um vizinho. O proprietário conta: “Quantas noites não

dormiram. Sabe lá o que tem aí por baixo”. Durante os dois dias de visita às áreas, esse foi o

primeiro relato que demonstrou realmente preocupação. Em geral, as falas carregavam certa

tranquilidade e extrema familiaridade com o fenômeno, diferentemente da percepção dos

pesquisadores.

Os profissionais de defesa civil, por outro lado, demonstraram preparação e conhecimento

precisos sobre o assunto. Conhecem os moradores por nome, os caminhos de acesso, e as

principais dolinas no município, e demonstraram responder rapidamente aos chamados.

O que se percebe claramente é que estão todos bastante acostumados a viver em uma

permanente área de risco, onde, a qualquer momento, novas cavidades podem aparecer. Mas

os contatos com os moradores e agentes de defesa civil deixou a dúvida de quanto o costume

com o fato realmente reflete em preparação ou se o sentimento de “isso não acontece comigo”

ainda prevalece.

* * * * *

77 Pesquisa-ação em comunicação e percepção de riscos

(Região Sudeste – 2º semestre de 2010)

A pesquisa foi realizada na comunidade da Vila São José, que se localiza em área de

inundação. A Defesa Civil do município escolheu a comunidade em função da estrutura do

NUDEC, que conta com 20 integrantes e tem na igreja católica uma forte aliada.

Acostumados com as frequentes enchentes que atingem o bairro, os moradores passaram a se

organizar, conjuntamente, para minimizar os efeitos e consequências da água que invade as

casas. Muitos moradores, por exemplo, fizeram adaptações nas residências, como comportas

nos portões, que evitam a entrada de água; ou elevaram a disposição de móveis e

eletrodomésticos, construindo suportes de concreto para fogões, geladeiras, camas e sofás.

Organizados em atividades diversas, os moradores possuem um estoque estratégico de kits e

donativos para a ocorrência de desastres, e se dividem em grupos para o primeiro

atendimento. “A comunidade está acostumada, todo mundo vai pro salão da igreja”. No salão,

os moradores que não foram atingidos pela enchente organizam o abrigo e a cozinha. “Sempre

foi uma área de enchentes, sempre teve risco (...) o bombeiro não dá conta” afirmam os líderes

comunitários ao contar a história de como e porque surgiu o NUDEC na localidade.

O contato com a equipe de Defesa Civil é permanente, que informa ao padre a previsão de

chuvas no bairro, e a informação vai para o quadro de avisos da paróquia que tem uma seção

exclusiva para assuntos de defesa civil.

O trabalho dos integrantes do NUDEC, entretanto, tem suas dificuldades. A principal delas é a

necessidade de educar a população para a coleta de lixo, que é diária no bairro, mas muitos

moradores não respeitam. O bairro é dividido entre casas de classe média e cortiços onde

várias famílias dividem um espaço pequeno, e os corredores estreitos entre as casas dificultam

o acesso ou a saída no caso de enchentes. As lideranças dizem que há pouca solidariedade

entre os moradores e que é preciso trabalhar para “enraizar [na comunidade] a cultura de

apoio.” “Vamos encarar o problema, não adianta querer fugir.”, dizem em tom otimista, e

complementam “Na enchente você se sente bem, você ajuda a mulher grávida”

Outra dificuldade está no receio dos moradores que têm suas casas inundadas em sair para o

abrigo. “O pessoal não vai sair das casas porque, se sair, tem assalto”, relata o líder

comunitário. Há também aqueles que buscam se aproveitar da situação de afetado,

provocando, por exemplo, incêndios criminosos para receber indenização. “Não é vantagem, é

negócio”, disseram os participantes do grupo de discussão.

Para o grupo, a importância do NUDEC está no seu permanente contato com a comunidade,

de maneira que numa situação de desastres eles saibam a quem se reportar para pedir auxílio

adequado. “A comunidade conhece as pessoas mais vulneráveis, mas sem conhecimento pode

78 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD

acabar prejudicando.”

Participaram do grupo focal o Padre Fernando Valadares, José Cláudio – líder comunitário;

Diogo, Veloso, Eduardo – agentes de defesa civil.

* * * * *

(Região Sudeste – 2º semestre de 2010)

O grupo focal foi realizado com três integrantes do NUDEC que desenvolvem um extenso

trabalho de prevenção com a comunidade local: Foguinho, de 22 anos; Wellington Marcos dos

Santos de 29; e Antonio Carvalho de Oliveira de 25 anos. Os principais riscos na comunidade

estão associados a chuvas e vendavais, como inundações, queda de taludes, e destelhamento

de casas.

O trabalho dos líderes comunitários começou há cerca de dois anos e meio, quando passaram

a fazer parte do NUDEC, existente desde 2002, mas que sofre frequente alteração de

lideranças em decorrência de questões políticas.

A conversa teve início com a narrativa dos jovens líderes sobre como começaram suas

atividades e como surgiu o interesse pelo NUDEC. Nos três casos, o envolvimento com outras

organizações comunitárias os levou à atuação em prevenção de riscos. Igreja, pastoral da

criança e associação de moradores foram seus vínculos, além de uma boa estrutura familiar e

educação, que segundo um deles, contribui para a melhor percepção das necessidades de

uma comunidade. Convivo com isso “desde criança, com meu pai socorrendo aqui, socorrendo

ali.”

Para os participantes do grupo focal, a comunidade é bastante receptiva às iniciativas do

NUDEC, e os resultados são perceptíveis, uma vez que, segundo eles, desde 1998 não há um

registro de ocorrência com vítimas na localidade. As maiores dificuldades observadas estão na

mudança de comportamento e cultura, como se vê em algumas falas:

“Eu quero que alguém faça pra mim. O nosso povo nunca pensa que tem que fazer alguma

coisa.”

“Eu tenho que saber onde plantar um pé de banana.”, referindo-se aos barrancos.

“Quando você começa a conhecer a realidade, começa a trabalhar, começa a despreocupar

um pouco, ao mesmo tempo preocupando.”

O apoio da prefeitura e da defesa civil foi mencionado várias vezes, como instituições que

incentivam o trabalho de prevenção e envolvimento com o tema, a exemplo da realização de

visitas, registro de fotos, retirada de famílias de áreas de risco, e instalação de placas de

orientação. O trabalho é integrado. “Eles ajudam, têm mais credibilidade” comentou Carlos –

79 Pesquisa-ação em comunicação e percepção de riscos

agente de Defesa Civil e que acompanhou o grupo focal – ao referir-se ao trabalho de

prevenção dos líderes.

Apoiados pela pastoral da criança os líderes fazem visitas nas residências e distribuem

cartilhas. As principais orientações são sobre a troca de pedras por lonas nos telhados, as

maneiras de evitar a dengue, e sobre o lixo. “As pessoas procuram a gente para nos perguntar

se está certo. Tem muito tempo que a gente não é chamado para socorro de urgência e

emergência”.

Na casa de Foguinho está instalado um pluviômetro, a leitura é diária, sempre pela manhã.

“Em função do pluviômetro tomam as decisões. A defesa civil liga para saber a leitura.”

Após o grupo focal os agentes de Defesa Civil levaram o grupo de pesquisa para uma volta

pelo bairro, onde foi possível verificar que muitas casas ainda mantêm pedras nos telhados. As

pedras fazem muito peso e mesmo que evitem que as telhas saiam voando, prejudicam a

segurança das residências quando as chuvas são fortes. No caminho, uma obra da prefeitura

para retirada de casas próximas a um córrego. Entulho, esgoto a céu aberto, e lixo doméstico

compartilhavam o espaço com os acessos às casas. Elisângela Dias da Conceição, de 25

anos, e moradora da localidade desde que nasceu, divide sua casa com mais cinco pessoas, e

está satisfeita com as obras da prefeitura. Diz que gosta de morar no local, e não gostaria de

ser retirada, apesar dos ratos e do fedor de esgoto. “Os ratos diminuíram bastante. Antes, na

hora do almoço, as panelas tinham que ficar fechadas. Se a gente bobeasse ficava sem.

Também entrava muita água e bicho, todo ano.”

* * * * *

(Região Centro-Oeste – 2º semestre de 2010)

O trabalho de investigação com comunidades foi feito em áreas de risco e de realocação de

famílias indicadas pela Defesa Civil do município e do Estado. Como não havia contato com

lideranças comunitárias e o tempo de permanência da equipe no município era curto para uma

mobilização, os contatos com os moradores foram realizados de casa em casa.

Com risco de alagamento, a primeira localidade caracterizava-se por uma ocupação irregular

às margens de um córrego, com muito lixo nas esquinas e à beira do corpo hídrico. Os relatos

de convivência com o risco de alagamento, feito por José Gomes, que mora no local há 12

anos, demonstram o apego ao local. O morador apontou a proximidade com o centro e com o

trabalho como pontos positivos, informando que não gostaria de se retirar do local. “As casas

enchem por poucas horas, a gente levanta tudo e espera abaixar”, afirmou o morador

acostumado às enchentes.

Jéssica, que mora com o marido e um filho há 17 anos no bairro, diz que quando os

80 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD

alagamentos ocorrem, a única solução é correr para um local seco, afirmando que inundações

sempre aconteceram. Quando questionada sobre a quantidade de lixo e o sistema de coleta do

município, a moradora afirmou que há recolhimento três vezes por semana, o que leva à

conclusão de que a falta de educação em práticas básicas de higiene e bem-estar acaba

ampliando a situação de risco a que os moradores estão expostos.

* * * * *

(Região Centro-Oeste – 2º semestre de 2010)

Em outra localidade, está Jesuína, há 20 anos moradora do bairro e que ficou sozinha com sua

casa numa área em que houve remoção de famílias e demolição das casas. A moradora

afirmou que se recusou a sair do local, principalmente em função de seu trabalho. Onde mora,

diz gastar R$10,00 diariamente com transporte para trabalhar, ao passo que gastaria R$50,00

se aceitasse a proposta de remoção. Jesuína mora com o filho e vive de costura e venda de

roupas. Diz não ter medo de morar no local, e que não vale a pena sair de um lugar central

para transformá-lo em parque. A situação remete à frequente discussão sobre o poder da

Defesa Civil para realizar retirada de moradores sem sua anuência, ponto de frequentes

discordâncias entre os próprios agentes de defesa civil.

Visitando Jesuína, encontramos Raimunda, que saiu do local há 8 meses atendendo à

proposta de remoção, e hoje mora em um bairro novo com duas netas e o marido. O filho de

Raimunda arrumou outra casa para morar em lugar próximo à área de risco, pois “gosta muito

de pescar e pra onde fomos não tem jeito.” As netas, de 11 e 12 anos, também não gostaram

da mudança, e tiveram que procurar outra escola em função da distância da nova residência.

Por fim, mais duas visitas foram realizadas na área para onde as famílias que residiam em área

de risco foram removidas. A rua não estava movimentada e os moradores pouco quiseram

conversar. Cleiton e Joselina, que conversaram por poucos minutos, afirmaram que no início

não queriam se mudar, mas que com o tempo acostumaram-se ao novo local. “O córrego

enchia e não havia lazer”, afirmou Joselina referindo-se à antiga moradia, mas ponderou sobre

as dificuldades atuais “a escola e o posto de saúde estão longe, e só este ano é que passou a

ter ônibus”.

Ao fim da conversa com os moradores, e já com a equipe de pesquisa se retirando do local, os

agentes de Defesa Civil afirmaram que na localidade há uma residência de traficantes e por

isso os moradores ficam inibidos em conversar com pessoas de fora, além de evitarem que

crianças permaneçam na rua.

* * * * *

81 Pesquisa-ação em comunicação e percepção de riscos

(Região Sudeste – 2º semestre de 2010)

Acompanhada pela COMDEC do município a equipe de pesquisa visitou algumas áreas de

risco e conversou com moradores isoladamente. Um dos pontos visitados foi uma grande

favela, com características comuns a esse tipo de ocupação: “gatos” na rede elétrica, lixo,

esgoto a céu aberto e caminhos estreitos para passagem de moradores num quase labirinto

morro acima. A visita foi feita na área mais afetada pelos vendavais ocorridos poucos dias

antes, quando os ventos chegaram a 120 km/h e os registros marcaram 70 mm de água em

uma hora de chuva, o que ocasionou o destelhamento de diversas casas.

Uma das moradoras mais atingidas foi a senhora Vanuza Pires, que reside no local há 8 anos,

e divide três pequenos cômodos no alto da favela com quatro filhos. A casa ficou toda

destelhada, fazendo com que perdesse o pouco que tinha (cama, televisão, guarda-roupas). O

atendimento do município foi imediato, com uma equipe trabalhando para recuperar o telhado,

e o CRAS (Centro de Referência da Assistência Social), articulando o atendimento às

necessidades da família e providenciando as doações de colchões, cesta básica e outros itens

de primeira necessidade. “A gente pensa que nunca vai acontecer” afirmou Vanuza referindo-

se ao destelhamento da casa, e com os filhos em volta durante toda a conversa. Quando

questionada sobre o interesse em sair do local, uma das filhas de Vanuza, com cerca de 6

anos, antecipou-se “não vamos sair daqui não, mamãe”, sendo completada pela mãe “As

crianças gostam, eu gosto também”. A moradora recebe bolsa família, e o marido mudou-se

para outra cidade em busca de emprego, mas desde então não contribuiu mais com as

despesas da casa.

Uma das perguntas realizadas em todas as conversas com moradores em áreas de risco

refere-se à principal preocupação do morador. O objetivo é saber se as questões relacionadas

ao risco registram-se naturalmente em suas falas. Mas a primeira ponderação de Vanuza

esteve atrelada às drogas e ao medo que seus filhos, à medida que cresçam, envolvam-se

com o problema. Em um tom de voz baixo, para que os demais não ouvissem, e ressabiada

com as consequências de sua fala, Vanuza pediu para manter em sigilo sua afirmação,

demonstrando medo e insegurança, e afirmando que muitas brigas ocorrem na comunidade em

função das drogas. Também por isso Vanuza nunca quis se envolver com a Associação de

Moradores do bairro. Ela fica sabendo das reuniões, mas não gosta de participar.

Já fora da favela, ao comentar sobre as dificuldades de remoção de famílias em áreas de risco,

o agente de Defesa Civil que acompanhava a equipe de pesquisa afirmou que a resistência se

dá em função de que muitas vezes o morador sente vergonha de mostrar aos vizinhos que não

tem opções de moradia e depende do auxílio dos órgãos públicos.

* * * * *

82 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD

(Região Sudeste – 2º semestre de 2010)

No município da região metropolitana do Estado foram visitadas duas comunidades: Vila Nova

de Colares e Feu Rosa, afetadas por recorrentes enchentes. A conversa com os moradores foi

rápida, devido ao pouco tempo que o coordenador municipal de Defesa Civil dispunha para

acompanhar a equipe de pesquisa. Assim, foi apenas possível conversar com Dejanira

Florêncio de Oliveira que entre as principais preocupações registrou a violência, e o medo da

chuva, afirmando que “Não dormia quando chovia” e que, se pudesse, sairia do local, como fez

uma irmã que conseguiu construir uma casa.

* * * * *

(Região Nordeste – 1º semestre de 2011)

Foi realizada uma entrevista com o senhor Olvídio, 75 anos, liderança comunitária de Chão de

Estrelas, comunidade reassentada de uma área de risco de alagamento.

Brevemente seu Olvídio contou como ocorreu o processo de reassentamento da comunidade,

enfatizando as questões políticas relacionadas à tomada de decisão de quem receberia nova

casa e quem não receberia. A comunidade Chão de Estrelas se formou após a realocação das

famílias que habitavam as margens do Rio Bibiri, antiga comunidade Cabo do Gato.

Comunidade ribeirinha que sofria com alagamentos constantes quando as chuvas provocavam

a subida do nível do rio. Muitas vezes as pessoas perdiam seus bens pessoais, mas,

acostumados, foram criando seus próprios mecanismos de enfrentamento, levantando os

móveis e retirando suas coisas das áreas alagadas.

Apesar de sofrer com este problema, seu Olvídio não queria, a princípio, deixar a comunidade

Cabo do Gato, pois gostava da região e havia se habituado a morar ali. Como liderança

comunitária, acabou se tornando representante dos problemas locais da comunidade e se

tornou ator importante no processo de reassentamento. Hoje, após 30 anos de fundação da

sua ONG, na comunidade Chão de Estrelas, seu Olvídio desenvolve projetos relacionados ao

desenvolvimento sustentável, preservação ambiental e leitura e escrita. Como tem vínculo

estreito com o CEPED local e desenvolve constantemente ações e cursos com o grupo, tem

clareza da importância da Defesa Civil na proteção das pessoas e da relevância de debater

sobre preservação ambiental e desenvolvimento sustentável junto à comunidade.

Salienta que a Defesa Civil pouco vai à comunidade que enfrenta problemas com água,

alagamento, vinculado aos problemas de saneamento básico e pobreza. Bem organizada, a

comunidade vem lutando pelo centro comunitário, criaram uma padaria escola, e fizeram um

curso com CEPED local sobre prevenção de desastres.

* * * * *

83 Pesquisa-ação em comunicação e percepção de riscos

(Região Nordeste – 1º semestre de 2011)

Foi realizada uma visita em uma das principais áreas de risco do município, denominada Ibura.

Lá foi realizada uma conversa com Alcedésio, agente da Defesa Civil local e integrante do

NUDEC. Há em torno de 130 casas em áreas de risco. A topografia da região é feita de morros

com casas em áreas de alta declividade.

Alcedésio trabalha como agente de defesa civil com mais 22 pessoas e entre suas ações faz

visitas domiciliares, repassa informações, atende as demandas da comunidade, agencia a

limpeza das ruas e calhas. Pessoas da própria comunidade atuam fazendo a limpeza em

parceria com o NUDEC. Ele acha que a comunidade percebe os riscos, mas não fala porque

não quer sair de casa. Grande parte dos eventos se refere a deslizamentos por conta da

ocupação. Acha que a população sabe que mora em área de risco, mas tem a necessidade e a

teimosia também. Arrancam as placas colocadas pelo NUDEC. A área é muito vulnerável

socialmente, afirma Alcedésio, e, por isso, enfrentam muitos problemas com drogas.

Iraci, de 60 anos, mora em uma das áreas sujeitas a deslizamentos mapeadas pelo NUDEC.

Ali estão utilizando uma nova tecnologia, um gel que evita que o solo encharque com as

chuvas e deslize. Há oito anos ela vem sofrendo com o risco de deslizamento ao lado de sua

casa, construída em um corte de talude mal feito, em área de alta declividade. O acesso a sua

casa é feita por escadas. Mora na comunidade há 16 anos, mas há oito ocorreu o primeiro

deslizamento em sua casa. Desde então entra em contato com a defesa civil e com o NUDEC.

Ela e Alcedésio brigavam muito e com o tempo foram se tornando amigos, pois um precisava

da ajuda da outro. Quando foi morar ali não tinha medo de deslizamento, havia se separado do

marido e precisava de um local barato para viver. Era um rancho de madeira que ela foi

reformando e se transformou em uma casa de alvenaria.

Quando deslizou um pouco de terra, ela escutou um enorme barulho, saiu do quarto e ficou na

cozinha esperando. Tinha medo de sair de casa e chamou a Defesa Civil. Até hoje tem medo

de morar ali, quando chove muito teme que volte a deslizar como ocorreu mais algumas vezes

depois. Diz que não pode sair, pois é a única casa que tem e gosta da comunidade. Trabalha

como costureira em sua própria casa. Depois que passaram a utilizar o gel não deslizou mais,

acha que melhorou um pouco, uma vez que as lonas aumentaram o número de insetos e ratos

próximos a sua casa. Diz que não gosta das lonas por conta disso, mas sabe que são

importantes para evitar os deslizamentos.

Apesar da melhoria na qualidade de vida com o uso do gel, sabe que o problema não está

resolvido e continua com medo. Por isso, há muito tempo solicita que a prefeitura faça a

contenção da encosta com cimento, o que se pode observar em diversos pontos da

comunidade onde estão fazendo estas contenções.

84 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD

* * * * *

(Região Norte – 1º semestre de 2011)

Localizada às margens do rio Branco, a comunidade Beiral - Caetano Filho foi o foco da

atividade de pesquisa de campo, onde todos os anos, sazonalmente, ocorrem inundações e

alagamentos devido às cheias do rio.

As casas do bairro são precárias, quase todas de madeira, localizadas a poucos metros do rio,

que guarda grande distância entre suas margens. Trata-se de uma das comunidades mais

antigas da capital, onde, segundo os relatos, teve início a ocupação da cidade. Também por

isso as famílias, antigas na localidade, são bastante apegadas ao lugar.

Cisângela, 27 anos, é moradora da comunidade desde que nasceu e acostumou-se a todo

inverno sofrer com inundações, e ter de permanecer por três ou quatro meses em abrigos

provisórios. A moradora conta que os abrigos são rotativos e ficam distantes do centro, mas

que os moradores recebem alimentação e transporte durante o período que lá permanecem.

O relato da moradora mostra que apesar de estar acostumada às inundações a comunidade

não se organiza sozinha, ficando na dependência dos agentes de defesa civil e à espera da

decisão para retirada dos moradores e direcionamento aos abrigos.

Mas o vínculo de Cisângela com o local é visível, o que a leva a não buscar outro local para

moradia, além das facilidades de estar em um bairro próximo ao centro da cidade. E mesmo

afirmando que não gosta dos abrigos, a moradora diz não ver solução para o problema, uma

vez que está habituada e não tem o desejo de se mudar.

O que se vê na narração de Cisângela é o conformismo com a situação e a ausência de se

perceber como corresponsável por gerar o risco. A visão passa a ser apenas de vítima, o que

pode se confirmar pelo relato de que os moradores, sempre que percebem a elevação do nível

do rio, chamam a Defesa Civil. É a instalação do mecanismo de apoio permanente, sem

perspectiva de mudanças.

* * * * *

(Região Nordeste – 1º semestre de 2011)

A equipe de pesquisa viajou até o município de Barras acompanhando o coordenador do

conselho municipal de Defesa Civil, que retornava ao município para confirmar uma ligação

que recebera durante a Oficina sobre o rompimento de uma barreira e o isolamento de duas

comunidades.

Ao chegar à localidade do Riacho das Traíras, a 130 km da capital, a equipe de pesquisa

85 Pesquisa-ação em comunicação e percepção de riscos

conversou com alguns moradores à medida que percorria sua principal estrada de acesso. A

estrada, paralela ao rio, estava bastante prejudicada pelas chuvas dos últimos dias, com vários

pontos de estreitamento, toda esburacada e com acesso interrompido após cerca de 20

quilômetros percorridos. No rio, meninos e meninas divertiam-se e refrescavam-se na tarde de

sol de sexta-feira. As crianças estavam sem aula há semanas, desde que o ônibus que as

levava à escola não conseguia mais transitar pela única via de acesso.

Na localidade, segundo o relato dos agentes de defesa civil, há o costume de se referir a

inverno bom quando o inverno vem com bastante chuva, e quando os moradores já sabem da

cheia do rio e estão acostumados a ela. Segundo o coordenador do conselho municipal de

Defesa Civil é diálogo bastante comum entre casais na região: “Tô indo pra roça muié, se o rio

enchê corre e atrepa as coisa.”

Na primeira parada, a equipe conversou com Jerusa Maria, de 27 anos, e Maria Rita, de 35.

Jerusa relatou, com naturalidade, que a comunidade já está acostumada à cheia do rio, e uma

creche num ponto mais alto serve de abrigo durante a noite que o rio entra nas casas.

Pelas falas da moradora e do agente de Defesa Civil, é possível perceber como a cheia do rio

faz parte do cotidiano das famílias, não sendo percebido como algo destrutivo, mas sim natural.

Os relatos demonstram a agilidade em proteger móveis e aparelhos domésticos sem que

sejam destruídos pela água, e igualmente o preparo em lidar com a inundação utilizando como

meios de locomoção câmaras de pneus de caminhão.

Menos preparado está o município no fornecimento de serviços básicos e infraestrutura. A

estrada encontrava-se em péssimas condições, prejudicando o acesso a postos de saúde e

escolas, instalados em bairros distantes do local afetado. Também o município não estava em

condições de fornecer uma resposta rápida aos afetados. Quando questionado sobre como e

quando seria feito o AVADAN, o responsável ficou em dúvida, como se não tivesse se

lembrado de que seria necessário preencher o documento e expôs sua dificuldade sobre como

descrever o evento, de acordo com o CODAR.

A ausência do poder público na resposta ao desastre se vê, por exemplo, no relato de

Francisco Silva, 62 anos que havia dois dias que tentava contato com alguém da prefeitura

para relatar sobre sua casa que foi destruída pela força das águas e não conseguia. “Quando

fui levantar a geladeira, a parede caiu.” Visivelmente embriagado, Francisco tentava entender o

que aconteceu, afirmando que durante toda sua vida morou no local e as cheias do rio nunca

derrubaram nenhum muro. Afirmou que bebia para esquecer o problema, e chegou a oferecer,

em segredo, uma galinha para a pesquisadora em troca de auxílio. O morador pedia ajuda para

reconstruir sua casa, no mesmo local, para não ficar longe dos familiares e porque tem a

propriedade do terreno, mas o agente de defesa civil que acompanhava a equipe não chegou a

registrar os dados do morador e apressou a todos para prosseguir o caminho, como quem

86 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD

fugisse de um contato direto com Francisco.

* * * * *

(Região Nordeste – 2º semestre de 2011)

No município foram visitadas as localidades de Porto Moinho e Porto do Cacete, e a

investigação foi feita de casa em casa, cujos relatos estão transcritos abaixo:

José Nascimento - 76 anos, mora desde os 22 na localidade e já passou por várias casas.

Explica que a localidade passou a encher quando alteraram o caminho do rio, substituindo-o

por outro. A solução seria fazer retornar o rio antigo para o seu lugar original. é analfabeto. A

localidade nunca encheu tanto como agora. Quando perguntado se tem vontade de sair do

lugar, responde que se ganhasse uma casa boa sairia. É analfabeto e é aposentado.

Lucilene e Darlene - não gostam de morar no local, pois têm medo da enchente. “Quem gosta

de morar num lugar desses?" Darlene recém se mudou, pois ganhou a casa da sogra, mas não

gosta do local mesmo sem ainda ter passado por fortes chuvas. Lucilene antes pagava

aluguel, e há dois anos invadiu o local. “Antigamente enchia de 4 em 4 anos, agora tá mais

frequente, todo ano”. Mesmo assim as moradoras afirmam que as ocupações e invasões

cresceram muito no local, afirmando que "já não tem mais para onde crescer ou onde invadir".

* * * * *

(Região Norte – 1º semestre de 2011)

Na cidade foram visitadas duas comunidades em conjunto com os agentes da Defesa Civil do

Estado. A primeira delas, Aturiá, fica às margens do Rio Amazonas e recentemente foram

retiradas as casas mais próximas à margem, atingidas sempre que o nível do rio subia. Na

localidade, foram feitos contatos de casa em casa.

Amauri Miranda, que reside com a esposa e dois filhos há 12 anos no local, diz que não tem

medo de que o rio avance para a residência, apesar de nunca ter imaginado que subiria tanto,

como de uns quatro anos para cá. A residência é bem construída, de padrão médio, e está no

início do bairro, onde ainda não há palafitas. O morador, funcionário público federal, faz

reformas na casa, sem a intenção de mudar-se dali.

Percorrendo o bairro, o contraste entre a beleza natural do rio, e a degradação que a ocupação

humana provoca torna-se cada vez mais gritante. As palafitas dominam toda a área e abaixo

das passarelas e corredores o acúmulo de lixo e esgoto assusta. Ana mora há 7 anos no local,

vive de Bolsa Família e conta que quando chegou quase não havia mais espaço vazio para

construir sua palafita. Sua maior preocupação é com os cinco filhos, pela insegurança da

87 Pesquisa-ação em comunicação e percepção de riscos

localidade, drogas, e também pelo lixo que se acumula. Incomoda-se com a área que alaga,

mas diz que não tem opção para morar em outro local, e que os apartamentos são sempre

muito pequenos e caros.

Nazaré, moradora há 5 anos na localidade, também aceitaria ir para outro lugar se tivesse

oportunidade. A moradora e seu marido sustentam seus três filhos com o benefício Bolsa

Família e com bicos como faxineira, ela, e pedreiro, ele. Possuem um filho cadeirante e

reclamam das dificuldades de acesso que enfrentam diariamente.

Divergindo da ideia de sair do local, e talvez porque conviva com a realidade há apenas um

mês, está Manuel que trabalha em um restaurante também de frente ao rio, já na saída da

comunidade e um pouco mais distante das palafitas. Quando perguntado se gostaria de residir

no local, Manuel não desfaz da ideia, apontando a permanente brisa do rio como ponto

positivo, e não manifestando medo de que a maré invada ou destrua o restaurante.

* * * * *

(Região Norte – 1º semestre de 2011)

Na outra localidade, denominada Mucajá, está uma favela que será futuramente removida para

496 apartamentos em construção em uma área vizinha. Segundo o relato dos agentes de

defesa civil, entretanto, a entrega dos prédios deve ser atrasada em função da má gestão dos

recursos. Em visita aos prédios, foi possível perceber como são pequenos, além de verificar

que alguns já se encontram danificados, mesmo antes de serem entregues. São vidraças

quebradas e muita umidade nos apartamentos térreos.

Na favela, poucos moradores pelos corredores, denotando certa apreensão, talvez pela

violência ou inibidos por traficantes. O cenário se repete: muito lixo, “gatos” em redes elétricas,

mau cheiro do esgoto a céu aberto, e cachorros maltratados pelo caminho.

Um grupo de jovens empina pipa no alto do morro, e parecem esconder cigarros quando os

pesquisadores, junto à Defesa Civil do Estado, se aproximam. Emilson, de 18 anos, é o único

que aceita conversar. Diz que se preocupa com a violência no local, mas acredita que após a

mudança para os prédios o problema vai melhorar.

* * * * *

(Região Nordeste – 1º semestre de 2011)

A pesquisa de campo na cidade ocorreu com abordagens individuais em que a equipe de

pesquisa esteve acompanhada pela Defesa Civil do município. O primeiro ponto visitado foi o

Morro do Careca, um dos pontos turísticos mais importantes da cidade, à beira mar. Paulo

88 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD

Rodrigues, de 60 anos, é proprietário de uma pousada ao lado do morro. Segundo seu relato o

morro foi muito degradado pela movimentação de pessoas que costumavam subir e escorregar

até a praia. A cidade foi invadida por estrangeiros que começaram a investir em negócios e

pousadas. Mas com o tempo o morro foi descendo, até que a subida foi proibida e hoje a área

é interditada. “No meio tinha muita vegetação. O povo começou a subir desenfreadamente. O

homem é predador, subia e pegava as plantas. Agora [o morro] não desce mais”, afirmou o

dono da pousada.

Para Paulo, a proibição da subida ao morro resolveu o problema do deslocamento do solo, e

sua pousada, que está ao pé do morro não corre risco algum. “No Rio [de Janeiro] desliza, aqui

não” afirmou.

* * * * *

(Região Nordeste – 1º semestre de 2011)

Em seguida, a equipe conversou com moradores do bairro Mãe Luiza, um bairro pobre em que

a ocupação cada vez mais avança morro acima. A Defesa Civil monitora o local, mas pouco

consegue investir em ações estruturais para prevenção dos deslizamentos.

Irene Crispim Almeida, aposentada, com 75 anos e há 20 morando no local, abriu sua casa

para a equipe de pesquisa. Um quarto e sala pequenos, e nos fundos da casa as tentativas

frustradas de conter a descida do morro. “Tá diminuindo a distância do morro para a casa.” A

moradora, que tem os filhos como vizinhos do barraco ao lado, afirma que gostaria de ir para

outro lugar, mas não tem condições de pagar por nada. “Eu queria que me tirassem daqui, se

os filhos não quiser, eu vou só”. E preocupada com a ladeira que tem que subir para chegar em

casa, a moradora continua “Eu espero ou o muro de arrimo, ou uma casinha em outro bairro.”

Os agentes de defesa civil que acompanhavam a equipe de pesquisa informaram sobre a

dificuldade de construir muros de arrimo, pois a população passa a usá-los para avançar mais

acima do morro, e os muros tornam-se paredes ou suporte para erguer novas casas.

Do outro lado do bairro, a beleza da vista para o mar contrasta com as casas pobres na rua.

Neste ponto foi possível confirmar a informação da defesa civil e ver as casas construídas em

cima dos muros de arrimo anteriormente edificados pelo poder público. Lucas, de 26 anos,

visivelmente drogado, não quer sair do local. Apontando para o mar, responde a pergunta se

gosta de morar no local “imagine se eu não gosto de morar.” Segundo os agentes de defesa

civil Lucas já foi beneficiado por programas de inclusão social do município, inclusive de

geração de renda, mas por causa das drogas, não consegue manter-se em emprego algum. O

morador ainda contou que “de dez anos para cá é que os problemas começaram a surgir”, as

famílias foram crescendo e construindo mais casas “de repente, explodiu” afirmou.

89 Pesquisa-ação em comunicação e percepção de riscos

A última visita ocorreu em uma localidade vizinha à Petrobras, área plana, de classe média,

com casas de alvenaria e asfalto. Segundo o agente de defesa civil que mora no bairro, a

empresa não faz nenhum tipo de treinamento, mas há projetos para tirar as casas mais

próximas às instalações industriais. “Ter medo, a gente tem”, diz o agente de defesa civil, mas,

em geral, a população prefere continuar no local, “porque é perto de tudo: escola, hospital.”

* * * * *

(Região Sul – 1º semestre de 2011)

A pesquisa de campo foi realizada com uma visita à localidade Chocolatão, situada no centro

da cidade, e de onde 125 famílias haviam sido removidas há 10 dias; seguida pela visita à

Nova Chocolatão, para onde os moradores foram levados.

O que se viu na Vila Chocolatão, após os barracos serem colocados abaixo, foram os restos de

30 anos de ocupação: muito lixo, entulho, camas, sofás, aparelhos de televisão, colchões e

brinquedos despedaçados. Foram três anos de trabalho com a comunidade até a efetivação da

remoção. Segundo o relato dos agentes de Defesa Civil, as principais dificuldades estavam na

resistência dos traficantes moradores do local, uma vez que o ponto para venda de drogas era

central; e a angústia dos catadores de lixo, que também ocupavam a área, em residir em um

local longe dos principais pontos onde faziam coleta.

Mais uma vez, como em outras localidades, a dificuldade de retirar moradores de áreas de

risco instaladas próximas aos centros urbanos denota um dos principais motivos à ocupação

dessas áreas, qual seja, a necessidade de estar próximo aos serviços básicos e à fonte de

renda. O trabalho da defesa civil do município se destaca como boa prática, uma vez que a

negociação com os moradores foi permanente e os espaços de diálogo existiram todo o tempo.

Foi possível perceber claramente os resultados dessa gestão participativa na visita à Nova

Chocolatão, onde os pesquisadores foram recebidos pela líder comunitária. Bem articulada e

com um plano de atividades para adaptação dos moradores ao novo local, a líder comunitária

apresentou os equipamentos já instalados na comunidade: Posto de Saúde, Creche, Escola de

Ensino Fundamental e pontos comerciais prontos para serem ocupados.

A ocupação dos pontos comerciais foi planejada em conjunto com os moradores, por meio de

um cadastro prévio feito durante o processo de preparação para remoção da antiga Vila

Chocolatão. A instalação desses pequenos pontos comerciais no bairro, que acabava de se

formar, torna-se fundamental para facilitar acesso dos moradores a produtos diversos sem

necessidade de grandes deslocamentos, além de gerar renda à própria comunidade. É o

resultado de um processo de remoção pensado em conjunto com a comunidade, bem

articulado e participativo.

90 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD

Sobre a dificuldade de adaptação ao novo local, a líder tem claro que será necessário um

trabalho de mudança cultural com os moradores que antes viviam em barracos. Alguns se

adaptam mais facilmente, outros, entretanto, precisam receber orientações básicas de

convivência em comunidade. A líder relata que muitos moradores não têm costume de lavar

roupa. “Ganham muita roupa, usam e jogam fora” afirma. Há dificuldades também no uso do

vaso sanitário, por exemplo. Mas não é uma regra, algumas donas de casa são dedicadas e

caprichosas. “Tem casa que você tem que limpar o pé para entrar, outras para sair (...) ou

aprende a viver em comunidade, ou é excluído, infelizmente.”

Junto à associação de moradores a líder comunitária tem planos de desenvolver oficinas de

capacitação em parceria com a prefeitura e cuidar para que a comunidade, recém-criada, não

retorne às condições de risco, falta de higiene e pobreza presentes na ocupação anterior.

* * * * *

(Região Nordeste – 2º semestre de 2011)

Na capital, a pesquisa ocorreu com uma líder comunitária do bairro Pontal da Barra, vizinho à

empresa Braskem. Em Branquinha, a pesquisa foi realizada com os afetados pela grande

enchente de junho de 2010, que ainda permanecem alojados em barracas.

Edna, de 53 anos, presidente da Associação de Moradores do bairro Pontal da Barra na

capital, mora no local há mais de 30 anos e conta que no início era uma pequena vila com

casas de taipa e palha. O bairro é urbanizado, com ruas asfaltadas, casas de alvenaria,

dezenas de lojinhas de rendas e artesanato produzidos pelas mulheres que residem no local, e

movimentado por turistas em épocas de temporada. Há uma parte do bairro formada por

favela, denominada Alto do Cuscuz, mas a maioria da comunidade trabalha fora.

A líder comunitária afirma que gosta de morar no local, pela tranquilidade e amizade com a

vizinhança. A localidade tem também escola, posto de saúde e transporte, e como lazer

organizam todo ano o carnaval de rua, não havendo grandes problemas com violência. A

preocupação maior da moradora é com o aumento do uso de drogas e prostituição infanto-

juvenil.

A Braskem, empresa que produz resinas e matéria-prima para fabricação de plásticos, está

localizada no início da comunidade e desenvolve há cerca de cinco anos o programa APELL

(Awareness and Preparedness for Emergencies at Local Level) com as comunidades em seu

entorno. No Pontal da Barra, o NUDEC foi instalado há cinco anos, e 13 lideranças ficam

constantemente com um celular da empresa para contato em caso de emergências. Edna é

uma delas.

São quatro sistemas de alerta instalados na comunidade e um ponto de encontro. O sistema é

91 Pesquisa-ação em comunicação e percepção de riscos

testado toda quarta-feira, obedecendo a uma sequência em que primeiro toca o alarme, depois

testam o viva-voz e, por fim, a sirene para evacuação. Ao final dos testes os coordenadores de

área ligam para confirmar se todo o sistema está funcionando.

As reuniões do NUDEC ocorrem mensalmente, em que são discutidas as principais dúvidas

dos moradores e algumas solicitações à Braskem. Uma das solicitações atuais é a instalação

de pontos de luz no ponto de encontro, que desde que foi instalado não tem energia elétrica, e

também a instalação de um pluviômetro. Segunda Edna, a Braskem também ajuda muito a

comunidade, apoiando festas, gerando emprego aos moradores locais e fazendo palestras nas

associações de moradores, de artesãos, de pescadores, de mulheres e grupo escolar.

Edna relatou que um mês antes houve vazamento, mas o vento levou o produto para o

Trapiche, comunidade do lado oposto ao Pontal da Barra. No Trapiche a comunidade não foi

treinada pela Braskem e por isso houve certa confusão. “O pessoal do trapiche tava vulnerável

porque não sabia de nada”.

* * * * *

(Região Nordeste – 2º semestre de 2011)

No município foi visitado um condomínio residencial de classe média, construído e

comercializado pela Caixa, regularizado e em boas condições. As casas possuem 2 quartos,

sala, cozinha e banheiro. Os agentes de defesa civil afirmaram que região é área de paú –

terra encharcada semelhante a um mangue – e que o rio “está procurando o que é dele”.

Abaixo, destaque dos relatos de cada morador:

Claudiana Gomes de Oliveira – Mora na casa com marido e filho e relata que quando comprou

a casa não imaginava que podia encher. A moradora conta que no dia da cheia (acompanhada

de muita lama) deu tempo de subir algumas coisas, mas não foi possível salvar tudo, como o

guarda-roupa, por exemplo. Hoje a moradora vive apreensiva sempre que chove, e afirma que

a Caixa está fazendo avaliação do local com um perito.

Duda - mora no local há 2 anos, e divide a casa com mais duas pessoas. Quando comprou a

casa, alguns vizinhos da rua comentaram sobre as cheias, “mas o construtor garantiu que não

tinha perigo”. Conta que no dia da enchente "só deu tempo de correr" e que a água "estourava

pela cerâmica". Afirma que gostaria de sair, mas não tem outro local para morar.

* * * * *

(Região Nordeste – 2º semestre de 2011)

No município foi visitada a Comunidade de Santa Rita, no centro da cidade, em que os relatos

92 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD

dos moradores seguem abaixo:

Irlei - mora há 38 anos no local e tem medo da enchente, que é bastante recente no bairro,

com registro no semestre corrente. Na casa residem três crianças e quatro adultos, registrando

como maior preocupação a existência de um rio que passa atrás de sua casa. O morador

relatou que as enchentes são recentes no bairro, e que “nas outras vezes a água não entrava”

na casa.

Severino Borges - mora no local há 3 anos, com sua esposa. Quando se mudou para a

localidade já tinha a informação de que havia enchentes, mas decidiu permanecer no local,

pois não tinha outro para instalar-se. Apesar das cheias, agradece a Deus por não ter perdido

nada.

Antonio Ferreira Nascimento – senhor de 71 anos que há 22 mora no local. A casa é grande e

bem estruturada, em que divide com mais cinco pessoas. Relatou que já passou por três

enchentes, e que quando percebe a água chegando sobe tudo o que pode para não perder

nada. No período de cheia fica sozinho na casa para garantir a segurança de seus pertences,

enquanto a mulher e toda a família vão dormir fora. Apesar de todas as ocorrências, e de ter a

cheia como maior preocupação, afirma que gosta de morar no local: "Seca ligeiro demais. É o

melhor lugar para viver, é perto de tudo (...) prefiro tá aqui dentro da água (...) passou 10 anos

sem encher".

* * * * *

(Região Norte – 2º semestre de 2011)

A ilha é território da capital e o acesso é feito apenas por embarcações ou aeronaves. A equipe

de pesquisa chegou à ilha de helicóptero, acompanhada pela equipe da Polícia Rodoviária. Do

alto foi possível ver claramente a área em que a margem do rio avança sobre a ilha, colocando

em risco suas construções ribeirinhas, entre elas a igreja, algumas casas e pontos comerciais.

A viagem de barco da ilha à capital dura 12 horas.

Tereza – chegou na ilha em 2009, mas tem intenção de se mudar dali, e diz: “Gostar, gostar,

não é o termo bom de morar.” Trabalha numa farmácia bem na entrada da ilha onde ocorrem

os deslizamentos, mas tem a esperança de que a terra pare de cair. “Se cair, a frente da

cidade vai embora”. Suas maiores preocupações são com a educação, com a falta de médicos

e com a frente da cidade que pode desaparecer. A moradora conta que no local habitam mais

idosos e crianças, pois a juventude acaba indo embora. Outro problema da ilha é o lixo. “Cada

um dá seu jeito”, afirma a moradora.

Nazau – senhor de 47 anos, há 40 na ilha, relata que durante sua infância tinha praia, mas que

93 Pesquisa-ação em comunicação e percepção de riscos

hoje, por conta das constantes quedas de terra, “todo mundo vem tirar foto.”

João – mora na ilha há 24 anos e afirma que depois da construção da usina o rio não enche

mais, e quando enche não há muito peixe. Afirma que a usina prejudicou o rebanho, desde o

último ano, pois nunca sabe quando o rio vai encher. “Antes vinha água de deus. Hoje vem

água do homem, já perdi umas 6 canoas esse ano, e ninguém pode falar nada. Para eles ficou

bom, mas pra quem tá pra baixo nunca se sabe o que vai acontecer.” A reclamação do

morador refere-se à falta de comunicação entre os operadores da usina e a comunidade, que

não consegue reconhecer nenhum tipo de aviso. O morador afirma que não tem preocupações,

acha o local tranquilo e diz “a galinha que eu como aqui é caipira”. Os filhos moram na capital,

e o Sr. João pensa que talvez um dia tenha que ir morar com eles por conta da idade e para

poder receber atendimento médico, algo que falta na ilha. O morador também reclama da

dificuldade de transporte e da ausência de bancos ou caixas eletrônicos na ilha.

Abelha – nasceu no local, foi para a capital e voltou para a ilha há um ano e meio. Conta que a

energia elétrica chegou à ilha em 1984, disponibilizada diariamente das 18h às 24h. Hoje é

proprietário de uma pousada que hospeda aqueles que trabalham durante a semana e aos fins

de semana voltam para a capital. Conta que muita gente que morava na ilha foi embora e que

hoje as comunidades é que vieram para o local. Abelha gosta da ilha pela tranquilidade e

qualidade de vida, como a ausência de trânsito, por exemplo. Os maiores problemas são o

posto de saúde e o lixo, “exigem e não é dão a solução”, afirma.

* * * * *

(Região Nordeste – 2º semestre de 2011)

A equipe visitou uma das áreas mais afetadas pela enchente de junho de 2010. O rio que

margeava a cidade avançou sobre todas as casas, destruindo quase toda a cidade de 10.500

habitantes. Muito pouco foi reconstruído na localidade. Somente os habitantes da parte mais

alta, onde as casas foram menos afetadas, é que retomaram a normalidade. Os demais

moradores permanecem alojados em barracas de lona, que expostas a sol e chuva durante um

ano inteiro estão em péssimas condições. “Quando pensa que tá na lona, tá na chuva”, afirmou

uma jovem referindo-se ao mau estado das barracas.

Edenilson, que se mudou para o município com a esposa e a filha três meses antes do

desastre, conta que já não consegue mais abrigar-se da chuva, pois sua barraca está em

pedaços. Nem os moradores, nem os agentes de Defesa Civil do Estado souberam precisar

quantas famílias vivem nas barracas, mas visualmente mais de uma centena de barracas

parecem ocupar a área mais alta destinada provisoriamente aos afetados.

Por ter uma estrutura provisória, pouca coisa funciona no local. Algumas barracas possuem

94 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD

antena de TV e fogão. Mas os banheiros são coletivos, menos de dez portas apenas com um

buraco no chão. Em frente aos banheiros, o caminhão pipa abastece diariamente um tanque, e

do outro lado quatro chuveiros sem qualquer privacidade servem para atender todos que

permanecem nas barracas, utilizados também por algumas famílias para lavar roupas. Por fim,

uma cozinha comunitária serve refeições três vezes ao dia.

Os afetados afirmam que não têm qualquer contato com os órgãos públicos, e boatos divergem

sobre a data de entrega das casas que estão sendo construídas a poucos quilômetros dali,

com uma previsão não mais otimista que no mínimo seis meses. Quando questionados sobre

algum tipo de organização ou associação para acompanhar o processo de entrega das casas,

uma jovem diz, “É perigoso desabafar, vai que leva um tiro.”, comentando sobre o constante

estado de apreensão e medo que todos vivem no local. Segundo os moradores, ocorrem

saques nas barracas, e já houve assassinato por desentendimentos, fazendo com que muitas

famílias tenham medo inclusive de dormir durante a noite.

O que se vê é o total descaso dos órgãos públicos competentes com a situação local,

chegando a intimidar a população por meio de violência. Ilustra a situação o comentário de

uma das pessoas com quem os pesquisadores conversaram logo que chegaram ao local,

admirando-se de como ninguém da prefeitura havia se aproximado para pedir a retirada da

equipe, como sempre ocorre quando a imprensa tenta divulgar a situação.

Apesar de tudo, os moradores não demonstram revolta ou descontentamento. Ao contrário,

contam suas impressões com alegria e sorrisos. A maioria não trabalha e vive de programas de

auxílio social do governo federal. É um verdadeiro estado de apatia que domina a localidade, à

espera de que algo venha a acontecer.

Para finalizar a visita ao município, a equipe foi conhecer as casas que estão sendo

construídas. Segundo os agentes de Defesa Civil, a demora para a entrega se dá

principalmente porque foram contratadas empreiteiras locais para a construção da nova cidade,

e que não conseguiram sustentar financeiramente o tamanho do projeto que assumiram, como

faria uma grande empreiteira, por exemplo.

Igualmente, como no caso das barracas, não foi possível obter uma informação oficial de

quantas casas estão sendo construídas, nem a metragem das mesmas. Algumas já estão

edificadas e com telhados, faltando apenas o acabamento. Outras ainda estão com as paredes

sendo erguidas. São casas de dois quartos, sala e cozinha. Um tamanho bom, principalmente

quando comparadas às barracas em que atualmente grande parte da população do município

vive. A data de entrega, entretanto, ninguém sabe informar.

* * * * *

95 Pesquisa-ação em comunicação e percepção de riscos

(Região Nordeste – 2º semestre de 2011)

O grupo de discussão ocorreu com integrantes do NUDEC do bairro Bosque Real, onde

ocorreu o Simulado organizado pela Defesa Civil Nacional. Participaram da atividade Demétrio,

líder comunitário; Nívea, estagiária de serviço social e outras quatro integrantes do NUDEC:

Joilda, Vania, Simone e Luzia.

A comunidade está localizada em área de morro, algumas casas são de alvenaria, mas há

também muitos barracos, principalmente na parte baixa, e segundo informação dos

participantes do grupo de discussão mais de 60% do bairro é considerado como área de risco

alto. Na localidade, prevalece a ocupação de famílias carentes, ou “querentes” como relatou

um dos agentes de defesa civil, referindo-se ao mau costume da comunidade em sempre

depender de projetos assistenciais e estar permanentemente pedindo auxílio.

A presença da estagiária de serviço social ligada à Defesa Civil do município demonstra como

a gestão da defesa civil local é atuante, e segundo os próprios moradores, a Defesa Civil do

município serve de meio para cobrar ações do poder público, uma vez que os outros órgãos

“não são tão efetivos quanto a Defesa Civil do município”.

Para os participantes do grupo de discussão a realização do simulado teve pontos positivos,

pois muitos deles passaram a conhecer melhor uma área do bairro que antes não conheciam

mesmo trabalhando no NUDEC. Por outro lado, as lideranças cobram por retorno a algumas

promessas feitas pelos organizadores do Simulado, sem o qual fará com que a comunidade

coloque em descrédito o compromisso dos gestores púbicos em minimizar os riscos na

localidade. Demétrio citou como exemplo a promessa que foi feita por representantes da

SEDEC de construir uma escadaria para acesso à parte baixa do bairro, onde o risco de

deslizamento é maior, e o acesso é difícil e perigoso.

Segundo Gilberto, agente de defesa civil que também participou da discussão, uma reunião de

avaliação do Simulado será agendada com a comunidade. O agente de defesa civil destacou

também os resultados do trabalho do NUDEC desde 2007: “Hoje quem é de fora percebe

melhorias. São pequenas, por exemplo: lixo, e pessoas que saíram da área baixa.”

Joilda é moradora da parte de cima da comunidade há quatro anos, onde o risco de

deslizamento é menor. Referindo-se à parte de baixo comentou, “quando chove tem muita

lama, depois do simulado comecei a perceber.” Segundo o relato dos integrantes do NUDEC a

parte baixa é bem mais pobre e vive em condições precárias de habitação, como relatou Vania,

que há 20 anos mora também na parte alta “Não conhecia a parte baixa, fiquei muito triste. Eu

nem sabia se estava fora ou dentro de casa”, referindo-se aos barracos com paredes de

papelão ou madeira, onde, quando chove, tudo fica molhado, “no inverno é lama, no verão é

poeira”, completou.

Vania conta que o bairro precisa de melhor infraestrutura como posto de saúde, farmácia,

96 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD

creche, escola e transporte. Além disso, há também problemas com a coleta de lixo e dengue.

Na parte baixa são cerca de 60 famílias em piores condições, que em épocas de alagamento,

ficam sem dormir, e precisam levantar tudo o que têm para não perder ou estragar com a água

que invade as casas.

O NUDEC na comunidade foi fundado em 2007, e conta hoje com 28 membros. Na época,

conta Demétrio, a associação discutia sobre campo de futebol e áreas de lazer no bairro, mas

o líder comunitário enfatizou a questão da segurança. As reuniões ocorriam em cima da laje,

“eram 125 pessoas lá em cima, se a defesa civil tivesse lá não deixava a gente fazer a

reunião”, demonstrando que o trabalho em parceria com a Defesa Civil já resulta na percepção

de risco ampliada.

Hoje a comunidade paga a policiais militares por segurança privada, entregando ao “chefe de

segurança” uma taxa mensal que é recolhida entre os moradores que se mobilizaram para a

contratação do serviço. Mas nem todos pagam, “alguns dizem que segurança é dever do

estado, mas acho que a gente tem que fazer a nossa parte”, conclui o líder.

Sobre o trabalho da defesa civil no local, a estagiária de serviço social enfatiza que “as

pessoas que estão em vulnerabilidade maior têm mais dificuldade de participar”. No local, a

defesa civil já realizou capacitações durante dois meses, sobretudo sobre risco geológico, e

cria uma agenda com demandas da comunidade para o poder público. A tentativa é organizar o

trabalho de forma participativa com prioridades definidas pela própria comunidade. Mas a

estagiária deixa transparecer sua angústia diante a dificuldade de conseguir resultados e

investimentos em longo prazo, com a maior parte das ações acabando por ter cunho paliativo.

“Tem momento que a gente consegue, tem outros que têm questões maiores.”

Sobre os principais motivos que levam as pessoas a permanecerem em área de risco a

estagiária lista três principais razões, quais sejam: (a) os moradores não se percebem em área

de risco; (b) os moradores têm medo de sair do local; (c) os moradores têm estima pelo local

onde moram e pelos vínculos criados.

* * * * *

(Região Centro Oeste – 2º semestre de 2011)

Na cidade a investigação foi realizada na Vila Popular, localizada no Parque Liberal Imbirussu.

No local onde hoje é um parque foram retiradas 850 famílias e realizadas obras de drenagem

para evitar novas inundações. Abaixo, o relato dos moradores:

Braz – mora no local há 20 anos e conta que ali sempre houve inundações. A inundação era

lenta fazendo com que fosse possível levantar os móveis, e após cerca de 1 hora a água

abaixava. Uma das piores inundações ocorreu há 3 anos. O morador afirmou que depois das

97 Pesquisa-ação em comunicação e percepção de riscos

obras de drenagem, “encheu só um pouquinho”, mas que não se importa que encha, pois se

tivesse que vender a casa para ir para outro lugar, não haveria ninguém interessado em

comprar. São duas casas construídas no terreno para o casal e dois filhos; uma delas, mais

alta nos fundos, que em 2006, durante a maior enchente, chegou a ser atingida. Os moradores

gostam de morar no local, pela infraestrutura, escolas e posto, e sobre as cheias concluem:

“Tem em todo lugar, se tiver que sair por isso... A gente tá na área que pertence ao rio; tinha

que tá pelo menos 1000 metros para longe do rio.”

Paulo Sérgio – morou no local durante três anos com a família de quatro pessoas, e foi

realocada para outra área mais distante da área de risco. Afirma estar satisfeito com a

mudança, destacando que o local agora é “mais bonito”.

Luzinete – Já morava na área utilizada para realocamento desde 1983. Sua maior preocupação

é o matagal que ficou do outro lado da rua, onde as casas foram retiradas, pois agrava a

violência no local. Os filhos que moravam na área de risco ganharam casa.

Marisete – morou por cinco anos na área de risco, dividindo a casa com mais nove pessoas.

Contou que, na última cheia passou no local cinco minutos antes de ocorrer um

desmoronamento. Agora, na casa nova, não tem nenhuma preocupação: “agora vai dar tudo

certo. Deus ajude”

* * * * *

(Região Nordeste – 2º semestre de 2011)

A investigação foi feita na localidade de Timbó, conhecida como bairro dos bancários, em que

o rio está seco. Pelo relato dos agentes de defesa civil, a área era utilizada como jazida de

solos, e com o tempo, transformou-se em um “buraco cercado de paredes que a qualquer

momento podem deslizar”. A partir dos anos 1980 a jazida foi abandonada e começou a ser

invadida para ocupação residencial. No contato com os moradores foi possível notar muito diz

que me diz sobre as ações do poder público no local, urbanização, entrega de casas, abertura

de ruas, etc., mas pouca informação oficial. Abaixo, relato dos moradores:

Ilza – mora no local há 34 anos, não trabalha e sobrevive pelos recursos do bolsa família.

Afirma que apenas sairia “se fosse para ir para casa grande.” A moradora afirma que não tem

nenhum tipo de preocupação, e que chegou no local pois “na época fiquei sabendo que

estavam invadindo e invadi também”.

Luciana – mora no local há 10 anos e afirma que tem receio do paredão, que dá para os fundos

da casa. “Quando é tempo de chuva não deixo as crianças brincar”. A chuva é comum no mês

de junho, característico na localidade pelas festas de São João. A moradora afirma que gosta

de morar no local porque fica perto da escola dos filhos, "tem gente que tá pior que eu, e tá

98 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD

vivendo", afirma a moradora mesmo depois da última chuva forte, em que o morro desceu e

atingiu os fundos de sua casa.

Rúbia – jovem de 22 anos, que nasceu e criou-se na localidade, vizinha de Sr. José que mora

no local há pouco mais de 5 anos. Cobrando promessas feitas por gestores públicos sobre

entrega de novas casas, a moradora conta que na última vez de chuva forte o morro

escorregou e aterrou a cozinha, mas não quer sair do local. "O que tinha que cair já caiu",

conclui. A jovem – que mora com três filhos e tem outros dois que moram em outras casas no

mesmo local – diz que sua maior preocupação é a violência.

* * * * *

(Região Norte – 2º semestre de 2011)

A localidade visitada caracteriza-se por palafitas à beira do rio, uma área quase de mangue,

com poucas casas espalhadas desordenadamente pelo terreno úmido, e que sofre inundações

frequentes. Segundo a informação dos agentes de defesa civil a malária é comum entre os

moradores, que muitas vezes se curam de uma e pegam outra em seguida. Os moradores

foram abordados de casa em casa, pois no local não há qualquer tipo de organização

comunitária. Abaixo, os relatos:

Maria Jandira – jovem de 25 anos, que há quinze mudou-se para o local, principalmente pela

proximidade com o centro. Tem medo da malária, dengue e cobra. O marido trabalha na área

de construção civil e ela fica em casa cuidando das três crianças do casal.

Wilcilane – jovem de 22 anos que se mudou com a família de cinco pessoas para o local há

cerca de 3 ou 4 anos. Gosta do local pela tranquilidade e proximidade ao centro. Mas se

preocupa com as frequentes doenças. Conta que, na época de cheia, a água permanece na

casa durante duas semanas, e que quando a barragem é aberta não há tanta cheia.

Neoma – mudou-se do Amazonas com a família de quatro pessoas há 6 anos. O marido

trabalha na área de construção civil, e escolheram o local pela proximidade ao centro, apesar

de saber que durante todo inverno ocorrem alagamentos. Afirma que sairia do local se

houvesse algum programa de remoção.

Maria – mora no local há 15 anos, com mais 2 pessoas, mas reclama da água, de cobra,

mosquito e alagação. Conta que durante as cheias dorme pouco, e que aceitaria sair do local

se recebesse outra casa da prefeitura. “Apartamento ou casa, tanto faz. Mas não longe daqui

do centro. Aqui, se a gente quer ir na boate, sobe 3 quadras, ou pro shopping”.

Sueli – mãe de 2 filhos mudou-se para os apartamentos fornecidos pela prefeitura há um ano,

“lugar novo, vida toda”, afirma. A moradora vende lanche e gosta do novo local de moradia

principalmente pela proximidade da escola dos filhos. Afirma que por conta própria nunca teria

99 Pesquisa-ação em comunicação e percepção de riscos

condições de morar em outro local, mas que agora está satisfeita com o local que tem mais

segurança e que nunca alagou.

Tânia – morou durante 8 anos na área de alagamentos e há um ano ganhou o apartamento da

prefeitura. “Mudou muita coisa. Era muito nojento, era quase uma lixeira.”, conta a moradora

referindo-se ao local de que foi retirada, e onde a cheia durava de dezembro a março. Hoje sua

maior preocupação é a dificuldade de viver em condomínio, “água para dividir e limpeza.”

* * * * *

9.4. Resultados das entrevistas exploratórias

No período compreendido entre agosto de 2010 e dezembro de 2011, foram realizadas 77

entrevistas exploratórias com coordenadores estaduais e municipais de Defesa Civil,

assessores de imprensa das Coordenadorias Estaduais de Defesa Civil (CEDECs) e jornalistas

da imprensa local, nos 23 estados da federação visitados nos 16 meses dessa atividade,

introduzida ao PCRD a partir do mês de agosto de 2010.

As unidades federativas contempladas pela atividade foram Acre, Alagoas, Amapá, Amazonas,

Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará,

Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul,

Rondônia, Roraima, Santa Catarina, São Paulo e Sergipe.

A abordagem aos entrevistados deu-se, em sua grande maioria, pessoalmente e nos mesmos

dias em que foram promovidas as oficinas de Comunicação e Percepção de Riscos de

Desastres. As entrevistas foram previamente agendadas com os entrevistados, mas em

decorrência de alguma mudança na agenda do entrevistado, a atividade foi feita por telefone

ou correio eletrônico.

O propósito das entrevistas exploratórias do PCRD é identificar as impressões e opiniões

profissionais e técnicas dos coordenadores da Defesa Civil, jornalistas e assessores de

imprensa dos órgãos de interesse acerca das questões relacionadas à gestão de riscos de

desastres no estado visitado.

Os profissionais entrevistados foram divididos em três grupos de interesse, sendo:

Grupo I – Coordenadores da Defesa Civil (Estado e municípios);

Grupo II – Jornalistas de pelo menos dois dos principais veículos de comunicação do Estado;

Grupo III – Assessores de Imprensa dos órgãos de interesse (Defesa Civil e Corpo de

Bombeiros).

Devido ao fato de as perguntas serem dirigidas a profissionais com atuações distintas, para

cada grupo foi definido um foco específico no questionário, conforme mostram as tabelas a

100 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD

seguir:

Perguntas ao Grupo I - Coordenadores de Defesa Civil

1. Quais os principais riscos de desastres aos quais a população do Estado/Município está exposta?

2. Nos últimos dois anos, quais as principais ocorrências de desastres no Estado?

3. Há mapas de riscos no Estado? Na capital ou em algum município?

4. Como se dá o registro das ocorrências de desastres no Estado? Há algum banco de dados?

5. Como são gerenciados os riscos de desastres no Estado? Há um gerenciamento integrado com outros órgãos

(Secretarias, órgãos de meio ambiente etc.)?

6. Como tem sido a relação entre a Defesa Civil e as comunidades vulneráveis aos desastres?

7. As pessoas ou comunidades que vivem nas áreas de riscos sabem que estão expostas a riscos? Com base na sua

experiência, por que essas pessoas moram em tais áreas?

8. A Defesa Civil tem encontrado resistência das comunidades em situações de riscos de desastres? Quais?

9. Que mecanismos a Defesa Civil tem usado para desenvolver uma comunicação efetiva com a comunidade, com a

imprensa e com outras instituições de interesse, como Corpo de Bombeiros e Ibama?

Perguntas ao Grupo II - Jornalistas da imprensa local

1. Você se recorda dos últimos desastres que acometeram o Estado? Quais foram?

2. Que dificuldades os jornalistas encontram para a cobertura no cenário dos desastres.

3. O jornal tem pautado mais fatos relacionados a desastres ou a riscos de desastres?

4. Vocês recebem informações (pautas) sobre ações de prevenção aos desastres?

5. Como é a relação entre os jornalistas com os órgãos de prevenção e resposta (Defesa Civil, Bombeiros...)?

6. Quais as principais dificuldades para cobrir essa área?

7. Com base na atuação de vocês, é possível identificar o motivo que leva as pessoas a residirem em áreas de riscos?

Vocês acham que elas têm informações suficientes sobre os riscos?

8. Geralmente o jornalismo é criticado por cobrir situações de riscos e de desastres com sensacionalismo. Qual a opinião

de vocês a respeito?

9. O que falta para a imprensa conseguir produzir matérias sobre riscos e, com elas, ajudar na orientação das

comunidades?

Perguntas ao Grupo III - Assessores de Imprensa – Defesa Civil ou Corpo de Bombeiros

1. Como se dá a relação entre a assessoria e os meios de comunicação locais?

2. A assessoria de imprensa costuma pautar a imprensa ou praticamente só atende a demanda dos veículos?

3. Quais as principais dificuldades para atender a imprensa?

4. Como se dá a comunicação interna nesse órgão com foco na gestão de riscos e de desastres?

5. Há na instituição um setor ou uma pessoa responsável pela coordenação das informações em situação de riscos e de

desastres?

6. Como se dá a comunicação com as demais instituições de interesse e atuação na área?

7. Em cenários de riscos e de desastres as informações muitas vezes são desencontradas e há muitos ruídos e rumores. A

que você atribui esse fato?

8. A assessoria tem um banco de dados com o registro dos últimos desastres no Estado?

9. O que poderia ser melhorado para a construção de uma comunicação entre a assessoria e os diversos órgãos e

instituições?

As percepções dos entrevistados

Em todas as ocasiões, foi ressaltado ao entrevistado o propósito da entrevista exploratória

sem, no entanto, influenciar a espontaneidade de suas respostas.

101 Pesquisa-ação em comunicação e percepção de riscos

A postura adotada pelo entrevistador foi muito semelhante à do repórter diante de sua fonte de

informação, ou seja, primou-se sempre pela distância e pelo respeito profissional.

Os resultados obtidos com a metodologia proposta pelo roteiro de entrevistas revelam as

múltiplas percepções desses três importantes grupos de atores sociais sobre os riscos,

conforme mostram os trechos dos depoimentos a seguir.

O material levantado até o momento poderá, no futuro, servir de base para a formulação de

políticas públicas voltadas à comunicação e percepção de riscos.

O olhar dos coordenadores – Grupo I

Com base nos relatos abaixo, é possível identificar o reconhecimento, por parte dos

coordenadores das defesas civis estaduais e municipais, da importância da atuação da

imprensa local na gestão de riscos e de desastres.

Observa-se que na maioria das respostas a imprensa é vista como parceira da defesa civil,

auxiliando-a com a disseminação de informações sobre desastres e situações de riscos, como

a divulgação de boletins meteorológicos, medidas preventivas, entre outras ações.

Curiosamente, as opiniões divergem das registradas pela maioria dos participantes das oficinas

de Comunicação e Percepção de Riscos, para os quais a imprensa, na situação de desastres,

mais atrapalha que ajuda, ampliando socialmente o desastre, e, diante das ações de

prevenção, os meios de comunicação são indiferentes.

Com o propósito de manter o anonimato dos entrevistados e, assim, garantir respostas mais

verdadeiras, ao final de cada depoimento, a identificação do respondente dá-se apenas pelas

iniciais dos seus nomes. A seguir, alguns dos depoimentos das entrevistas exploratórias com o

Grupo I são registrados.

* * * * *

Temos um papel importante [para as comunidades que vivem em áreas de risco], porque, num

primeiro momento, somos nós que nos preocupamos em identificar essas áreas e, numa

segunda etapa, fazemos um trabalho educativo, levando informação a essas comunidades.

(JNM, major)

* * * * *

Nossa relação [com a imprensa] é muito amigável, mas nossa Defesa Civil precisa de espaço

próprio e reestruturação organizacional, além de mais autonomia e equipamentos, para

atendermos melhor as demandas da população e dos jornalistas.

(CR, tenente-coronel)

* * * * *

102 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD

Quando precisamos articular qualquer informação relacionada à Defesa Civil, nossa assessoria

de imprensa consegue espaço em qualquer tipo de mídia – TV, jornal, internet, rádio.

(GLR, coronel)

* * * * *

Nós temos uma comissão permanente de atendimento a emergências, que funciona com as

secretarias e departamentos do município e é coordenada pela Defesa Civil. A imprensa

procura bastante essa comissão.

(LAB, coronel)

* * * * *

Nós precisamos trazer os meios de comunicação de nosso estado para perto de nós, para nos

ajudar a informar a população e todos os envolvidos com a Defesa Civil. [...] A Defesa Civil é

assistencialista e esse modelo está ultrapassado. Só assistir quando o desastre acontece não

adianta. Temos de trabalhar a prevenção. Para isso, temos de celebrar convênios, contatos e

trazer a imprensa para perto da Defesa Civil.

(WL, coronel)

* * * * *

[A comunicação de risco] precisa ser melhor trabalhada em nosso estado. Aqui, há veículos

contra e a favor do governo, e isso gera conflito, pois somos uma unidade federativa pequena.

[...] Aqui, as pessoas são alertadas [sobre os riscos de desastres] pelas emissoras AM e rádios

comunitárias. O rádio é eficiente e nossa população tem a cultura de ouvi-lo, até porque outros

meios de comunicação são de difícil acesso, devido, principalmente, à falta de energia elétrica.

(CLS, coronel)

* * * * *

Ainda não conseguimos construir uma relação solidária com a imprensa. Os meios de

comunicação são importantes, mas priorizam fatos negativos. As medidas preventivas e a

conscientização das comunidades não têm espaço na cobertura.

(SBSJ, administrador)

* * * * *

A percepção de risco varia de pessoa para pessoa. Quem vive numa situação de risco pode

considerá-la uma coisa normal. Temos uma área de alto risco ocupada há 30 anos, mas nada

aconteceu lá até agora. Então, os moradores vivem no local tranquilamente. Em outras áreas,

qualquer barulho faz com que a população evacue imediatamente o local. [...] É necessário que

as pessoas tenham essa percepção sobre os riscos a que se expõem, e esse trabalho da

Defesa Civil deveria começar nas escolas. [...] A imprensa também nos ajuda muito.

103 Pesquisa-ação em comunicação e percepção de riscos

Conhecemos praticamente todos os repórteres daqui e, logo que começa a chover, eles nos

procuram e nos ajudam monitorando [as áreas de risco] e divulgando informações.

(NMN, engenheiro civil)

* * * * *

Os meus 29 anos de carreira de bombeiro militar mostram que a maioria das pessoas que

moram em áreas ambientalmente vulneráveis não tem noção do risco [a que está exposta].

Nesse sentido, quero dar um ponto positivo à imprensa, que em nosso estado publica todas as

nossas ações de prevenção e resposta aos desastres, mantendo a população informada sobre

nossos trabalhos. Aqui, a imprensa está ao nosso lado em todas as situações, tanto na

normalidade quanto na anormalidade.

(CRS, coronel)

* * * * *

Nosso relacionamento com a imprensa é o melhor possível. Em 2009, durante uma grande

enchente que enfrentamos, a imprensa foi importantíssima para nós, principalmente em função

da parceria que fizemos com o Ministério Público. Todas as doações enviadas às regiões

afetadas eram filmadas antes de embarcarem nos caminhões e as imagens foram entregues

aos promotores de justiça, evitando, dessa forma, os desvios.

(JV, coronel)

* * * * *

A nossa prioridade deve ser trabalhar com as Comdecs, para que elas sejam atuantes nas

comunidades, por meio de seus Nudecs. Temos de ramificar a Defesa Civil para nos

aproximarmos da população. E a imprensa tem um papel importante nesse processo.

(OJB, major)

* * * * *

A imprensa tem de ser nossa aliada para repassar as informações e deixar a população

informada do que acontece. [...] Hoje em dia, essa relação [entre a imprensa e a Defesa Civil] é

indispensável, assim como nossa relação com os órgãos de meteorologia.

(EE, major)

* * * * *

Acredito que o rádio consegue atingir o grosso das nossas comunidades – o ribeirinho, o

produtor rural e o homem que fica no meio do mato. Apesar do esforço para se implantar o

[programa] Floresta Digital e a internet livre, muitas aldeias e municípios não dispõem desses

serviços. Portanto, é o rádio que atinge o coração das pessoas.

(JJOS, coronel)

104 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD

* * * * *

Temos uma Diretoria de Comunicação Social dentro da Defesa Civil. Trabalhamos muito com a

Secretaria de Comunicação do estado. Toda e qualquer notícia que é divulgada para a

imprensa, com exceção dos alertas meteorológicos, acaba sendo de comum acordo. Isso faz

com que as notícias cheguem mais rápido aos seus destinatários. (SF, major)

* * * * *

Os desastres sempre têm mais destaque, mas nossas vistorias em áreas de risco, tanto na

capital quanto no interior, nossos programas e operações de prevenção, além de outras ações,

recebem cobertura da imprensa, ajudando a nós e a própria população.

(JAB, tenente-coronel)

* * * * *

O olhar dos jornalistas – Grupo II

Os depoimentos que serão registrados neste tópico revelam parte da opinião da imprensa

sobre o tema central da entrevista exploratória. Muitos dos jornalistas entrevistados

reconheceram falhas no seu trabalho, mas dividiram responsabilidades com as defesas civis

estaduais e municipais.

Em muitas respostas, observa-se a dificuldade dos entrevistados de manterem a fronteira entre

duas situações distintas: gerenciamento de desastres e gerenciamento de riscos de desastres.

Ao abordarem o seu papel na cobertura de pautas relacionadas à prevenção, muitos jornalistas

misturaram as dificuldades em lidar com a defesa civil e com outras situações no momento de

resposta aos desastres. Essa constatação sugere que os jornalistas ainda têm dificuldade de

identificar o que significa gestão de riscos e gestão de desastres e, sobretudo, diferenciá-las na

prática.

Essa dificuldade pode ajudar a explicar parte da crítica à defesa civil, no que diz respeito ao

atendimento à imprensa, uma vez que no cenário dos desastres as instituições envolvidas na

resposta estão focadas na ajuda às vítimas e na urgência de devolver a normalidade às

comunidades atingidas.

Para muitos dos profissionais de imprensa ouvidos pelos pesquisadores do projeto, os

principais desafios para produzir boas matérias sobre riscos são a falta de dados e de

especialistas no assunto, e as informações desencontradas, como o conflito de informações

entre Corpo de Bombeiros e Defesa Civil.

Ao citarem a falta de especialistas, os jornalistas tentam também dividir a culpa com a defesa

civil, porém, trata-se de uma demonstração de desconhecimento da existência e da atuação da

105 Pesquisa-ação em comunicação e percepção de riscos

comunidade científica local, cujos pesquisadores estão alocados nas universidades privadas,

públicas (estaduais e federais) e nas instituições de pesquisa e têm, em menor ou maior

escala, produzido pesquisas e estudos nas áreas correlatas com as questões dos riscos de

desastres.

Um registro interessante dos entrevistados refere-se à falta de conhecimento sobre as ações

de prevenção da defesa civil. Para muitos, o desastre ocupa mais espaço porque ele é factual

e trata-se de um acontecimento que todos ficam sabendo, até porque, segundo os jornalistas,

as comunidades expostas têm sempre procurado a imprensa. Os relatos nessa direção

sugerem que a defesa civil não está conseguindo “pautar” a imprensa, que no jargão

jornalístico chama-se “cavar pauta”, ou seja, fazer um fato virar notícia.

Como já registrado, a maioria das defesas civis não dispõe de assessorias próprias de

comunicação, o que pode explicar as lacunas de pautas sobre ações de prevenção. A seguir,

os relatos de alguns dos jornalistas entrevistados são destacados.

* * * * *

As principais [dificuldades enfrentadas pelos jornalistas que cobrem situações de risco] são a

obtenção de dados técnicos e o acesso aos locais dos desastres [...], embora as defesas civis

da capital e do estado mantenham equipes que nos ajudam nessas ocasiões. [...] O Centro de

Meteorologia do nosso estado agora também divulga alertas. Isso é uma coisa recente. Há

pouco tempo, éramos atingidos [por deslizamentos e enchentes] e nem sabíamos de onde ela

[a chuva] tinha vindo. [...] Por isso, as sugestões de pauta [da Defesa Civil] são sempre bem-

vindas e aceitas. Quando isso ocorre, sempre publicamos.

(GM, editor)

* * * * *

Pelo próprio vício do jornalismo, de dar a notícia quando o desastre ocorre, e não quando ele

pode ser evitado, creio que não só no jornal onde trabalho, mas em todos eles, o desastre está

presente em maior número de páginas. [...] [Nos momentos de desastres] a maioria dos

gestores de órgãos que lidam diretamente com os acidentes naturais, principalmente a Defesa

Civil, se limita a falar de sua estreita área de atuação, alegando ser de outra repartição a

responsabilidade pelo que foge da sua alçada. Para mim, isso é um sinal claro da falta de

integração entre as secretarias ou órgãos. A Defesa Civil do estado é distante dos jornalistas, e

só aparece quando faz reuniões ou quando é chamada a se pronunciar. A municipal, que é a

mais procurada, por termos a cobertura jornalística voltada – erroneamente – principalmente

para a capital, tem uma relação boa com os meios de comunicação, constituindo uma das

melhores fontes para a descoberta de problemas em áreas de risco. Os Bombeiros não

“provocam” os jornais a pensar matérias sobre sua área de atuação, um problema presente na

maioria das assessorias de comunicação compostas exclusivamente por militares, que

106 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD

possuem um jeito diferente de pensar em gestão e uma hierarquia muito mais rígida. Pelo

menos entre as pessoas com quem convivo, nós vamos diretamente ao comandante, quando

temos o telefone ou damos a sorte de encontrá-lo sem a blindagem da assessoria. Quando

ligamos, o serviço de emergência [193] também avisa sobre acidentes que ocorrem. [...] Da

parte das assessorias de comunicação, é preciso entender que um técnico competente servirá

melhor à entrevista que um gestor político; que respostas de informação por e-mail,

principalmente quando se trata de órgãos federais – mesmo entendendo a grande demanda

que se recebe no dia a dia –, torna a matéria limitante, porque não há uma conversa direta com

a pessoa responsável pelo tema exposto; que informações desencontradas ou "picotadas"

podem ser evitadas pela integração entre as pastas; que a interação com os jornalistas de

redação podem ser desenvolvidas através de cursos de formação voltados a estes

profissionais; e que, finalmente, os órgãos assessorados efetivamente realizem um trabalho

eficaz nessas comunidades [expostas a riscos].

(SV, repórter)

* * * * *

Não estamos fazendo a cobertura ideal [sobre os riscos de desastres], a que eu gostaria de ver

publicada em nossas páginas. Eu ainda não consegui fazer uma matéria sobre a aparelhagem

[técnica] das nossas defesas civis [...], mostrando o que o estado e os municípios possuem em

termos de equipamentos e de estrutura para atendimento em uma situação emergencial de

grande porte. Como as enchentes só ocorrem de vez em quando, fazemos apenas uma

cobertura momentânea. [...] E como não recebemos subsídios para cobertura acerca das

ações preventivas, também vamos deixando o assunto de lado. Algumas agências de notícias

nos alimentam [com informações], nos provocam. Mas falta essa “provocação” por porte da

Defesa Civil, embora a cobrança seja uma questão da responsabilidade social da nossa

profissão.

(EF, chefe de reportagem)

* * * * *

Por estarem vinculadas à Secretaria de Comunicação do estado, que por sua vez está ligada

diretamente ao gabinete do governador, as assessorias de imprensa do Corpo de Bombeiros e

da Defesa Civil deixam muito a desejar. As informações acabam sendo muito filtradas

politicamente. [...] Para melhorar a relação entre a Defesa Civil e a imprensa, sugiro um site

exclusivo, decente, atualizado, com uma área de imprensa e cadastro de repórteres e outra

área para que as pessoas possam postar vídeos, fotos e textos sobre o que está acontecendo

em sua cidade, em seu bairro, na sua rua. Na era digital, isso ajuda muito o trabalho da

imprensa.

(CJ, repórter e produtor)

107 Pesquisa-ação em comunicação e percepção de riscos

* * * * *

Para conscientizar as comunidades sobre os riscos que correm, precisamos fazer mais

matérias educativas. Constantemente, temos alertado sobre os riscos de desastres, assunto

que sempre está em nossa agenda. E em é preciso acontecer uma grande chuva [para o tema

entrar pauta]; basta alagar uma rua e já estamos reclamando. Não esperamos a cidade inteira

ser alagada.

(LGC, editora)

* * * * *

A TV tem pautado mais os fatos [desastres] do que os riscos. Talvez isso aconteça por

incompetência nossa, mas também não recebemos informações sobre prevenção. [...] A

relação entre nós e a Defesa Civil é pontual. Nem se você mostrasse-me uma foto eu saberia

identificar quem é o coordenador da nossa Defesa Civil estadual. [...] Durante os desastres,

nossa maior dificuldade é encontrar alguém que fale sobre ele e nos forneça uma explicação

lógica. [...] Esperamos que todo o Brasil acorde para o problema da Defesa Civil. O Brasil vive

um clima de desastre e, por isso, precisamos fortalecer as instituições da área.

(VP, chefe de reportagem)

* * * * *

Quanto mais houver feedback entre os órgãos de Defesa Civil e a mídia, o resultado será muito

importante, porque isso vai gerar pauta e iniciativa no próprio governo. [...] O papel da mídia é

muito difícil. Se você sai do assunto, as pessoas te cobram; se você martela, as pessoas te

cobram também. [...] O que eu acho que falta [para a imprensa produzir mais matérias sobre

riscos de desastres] é chegar até nós esse tipo de informação; porque chegando, a gente faz [a

reportagem]. O assunto interessa, e muito. Se a informação de prevenção chegar, é mais do

que pauta, fica registrada e serve de prova, no caso de algum desastre futuro.

(RP, chefe de redação)

* * * * *

[Sobre o sensacionalismo] creio que existem extremos que devem ser repensados. Pergunto

de que forma vamos contar a história de centenas, milhares de famílias que perderam tudo

sem que a emoção não seja usada. Ela é necessária, para que a gente não esqueça do

sofrimento alheio. É preciso fazer o leitor chorar e se identificar com aquela mãe que segura

um bebê envolto em um trapo, porque as poucas roupas do enxoval foram embora com a água

da enchente. Caso contrário, seríamos frios e trataríamos das pessoas não como humanos,

mas como números, estatísticas. E o jornalismo, para mim, não se trata de mera observação e

relato da realidade, como um burocrata que faz um relatório sobre dada situação. Se trata, sim,

de contar histórias, aproximar mundos e vidas diferentes, dar sua versão, filtrada por seus

108 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD

olhos, bagagem e talento para aquele meio de comunicação.

(VC, editora)

* * * * *

Saber sobre os perigos de desastres intrínsecos à sociedade contemporânea é fundamental

para a formulação de políticas públicas de prevenção e, inclusive, para o planejamento

empresarial. Afinal de contas, quem vai investir em infraestrutura ou construir uma planta

industrial numa área suscetível a tragédias? Nesse contexto, os meios de comunicação podem

contribuir para disseminar esse tipo de informação preventiva.

(LM, repórter)

* * * * *

As portas da Defesa Civil sempre estiveram abertas para nós. Portanto, nossa maior

dificuldade em cobrir desastres é de caráter físico; trata-se do acesso a esses locais. [...] E se

tivéssemos acesso a mais informações técnicas, pautaríamos [as ações preventivas] com mais

frequência. Precisamos de informações de qualidade, provenientes de especialistas que

possam traduzir com clareza esse tipo de assunto para o nosso leitor. [...] Já está claro que a

remediação custa mais do que a prevenção. Se você reparar no orçamento do Ministério da

Integração Nacional, você perceberá essa disparidade.

(DM, chefe de reportagem)

* * * * *

O que eu percebo é que não há medidas preventivas. No Brasil, todas as tragédias são

anunciadas. E se não existe prevenção, não há como colocá-la na pauta. Aliás, é a própria

população [exposta a riscos] que nos informa sobre a situação onde vive.

(RB, diretor de jornalismo e programação)

* * * * *

Temos de cobrar das autoridades – e isso a imprensa sabe fazer como ninguém – mais

agilidade em relação à implementação de políticas públicas preventivas. Não basta apenas dar

resposta aos desastres. As notícias sobre as mudanças climáticas deixam claro que nossas

cidades precisam ser reorganizadas para enfrentarmos as chuvas e demais fenômenos

climáticos que serão mais intensos e frequentes. Mas o que a chamada grande imprensa está

fazendo? Nada, praticamente nada. Ela só coloca esse assunto em pauta respeitando sua

sazonalidade. E, assim, as tragédias vão se repetindo.

(EN, repórter)

* * * * *

A maior dificuldade [para cobrir desastres] é conseguir algumas informações de especialistas,

109 Pesquisa-ação em comunicação e percepção de riscos

como de um meteorologista que possa explicar o fenômeno que originou uma tragédia, ou de

um ambientalista que explique o que causou determinado alagamento. É claro que precisamos

mostrar o drama do morador, mas também devemos divulgar as causas e as soluções para o

problema. [...] Nessas situações, não temos uma fonte que nos forneça informações seguras.

[As autoridades] sempre negarão os problemas e exaltarão a qualidade dos serviços. [...]

Muitas vezes, só conseguimos mobilizar o poder público com o choro de uma pessoa. Somos

jornalistas e temos de cobrir os fatos. Se uma senhora que perdeu tudo nos procura, nós, como

sendo uma emissora popular, vamos contar essa história e ficar em cima [das autoridades]

para ver se ela consegue outra casa.

(RA, apresentador e editor)

* * * * *

Risco ambiental, mudança climática e perigo das encostas em tempos de chuvas são assuntos

que sempre estão em pauta [...] e entendemos que o trabalho [da Defesa Civil] é complicado

em situações de tragédia, mas acredito que a atenção dada à imprensa poderia ser melhor.

Ficamos o dia todo aguardando, para no final recebermos a resposta. Também há muita

informação desencontrada. A Defesa Civil fala uma coisa, e os Bombeiros, outra. Falta

centralizar tudo isso, para depois repassar à imprensa.

(RCJ, repórter)

* * * * *

É importante que tenhamos uma base sólida para fazermos boas reportagens e, assim,

esclarecer para a população que os problemas [desastres] que nos afetam no dia a dia são

provocados por nossas próprias ações.

(LB, repórter e produtor)

* * * * *

Há tempos, os desastres vêm despertando a atenção do público, tanto no Brasil como no

mundo. Mas essas tragédias estão se tornando rotina. Quando acontece um desastre, logo em

seguida acontece outro. Não dá tempo para os leitores, internautas, ouvintes e telespectadores

“digerirem” a notícia. Isso é muito triste e, por isso, a imprensa deve ser cada vez mais atuante

em relação a esse tipo de pauta.

(BV, repórter)

* * * * *

Uma grande dificuldade [enfrentada pela imprensa] é chegar aos locais atingidos [por

desastres]. Muitas vezes, precisamos do acompanhamento da Defesa Civil, e seus agentes

ficam ocupados e preocupados com o serviço deles. Mas dentro do possível, temos

conseguido chegar a esses locais. Outra dificuldade é a falta de dados. Como trabalhamos

110 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD

muito com estatísticas, precisamos de números.

(VR, subeditora)

* * * * *

O Corpo de Bombeiros tem colaborado muito conosco. Inclusive enviando fotografias quando

não conseguimos acessar [os locais de desastres]. Isso nos ajuda muito.

(RH, editor)

* * * * *

Por sermos uma TV pública, estamos sempre acompanhando e divulgando as ações de

prevenção [de desastres], tanto os programas do estado como os da prefeitura [da capital]. É

claro que, quando os desastres acontecem, também os pautamos, já que não podemos

abandonar o fato.

(RRR, coordenadora de pauta)

* * * * *

Estamos mais vulneráveis aos desastres. Os relatórios do IPCC [sigla em inglês do Painel

Intergovernamental de Mudanças Climáticas] deixam isso bem claro. Por isso, sua cobertura

tende a ser mais rotineira na imprensa. Na verdade, já estamos vendo isso acontecer e, por

isso, serão cada vez mais necessários jornalistas e assessores de imprensa [dos órgãos de

prevenção e respostas aos desastres] mais preparados para lidar com o assunto.

(FA, repórter)

* * * * *

O olhar dos assessores de imprensa – Grupo III

Os depoimentos dos entrevistados do Grupo III, formado por assessores de imprensa atuantes

na defesa civil ou nas instituições parceiras, como Corpo de Bombeiros e secretarias de

comunicação dos estados e dos municípios, seguem na mesma direção daqueles registrados

no Grupo I.

Significa dizer que, assim como os diretores de defesa civil, os assessores de imprensa tanto

reconhecem a importância do trabalho da imprensa como elogiam a sua atuação – divergindo

da maioria dos presentes nas oficinas de Comunicação.

Como foi acordado com todos os entrevistados que o anonimato seria mantido, não é possível

afirmar que as respostas não sejam fiéis ao pensamento dos respondentes ou que elas

correspondam a uma tentativa de manter-se simpático aos olhos da imprensa, sobretudo a

local.

Verifica-se, portanto, que as respostas dos jornalistas atuantes nos meios de comunicação

local foram mais críticas e, portanto, parecem mais verossímeis. Isso não significa dizer que as

111 Pesquisa-ação em comunicação e percepção de riscos

respostas dos dois grupos I e III não foram verdadeiras. O fato curioso é a discrepância entre

tais respostas e aquelas registradas durante as oficinas.

Com alguns dos depoimentos a seguir, é possível identificar o pensamento dos assessores de

imprensa.

* * * * *

Temos um bom vínculo com os meios de comunicação. Sempre que mandamos releases ou

sugestões [de pauta], eles nos atendem, tanto o Corpo de Bombeiros quanto a Defesa Civil.

[...] Diariamente, também publicamos pelo menos uma notícia sobre nossas ações em nosso

site. Mas nossos equipamentos poderiam ser mais modernos e a internet mais eficiente, para

que pudéssemos postar vários documentos, fotos, releases e vídeos ao mesmo tempo. É

preciso valorizar a tecnologia, e isso é complicado no setor público.

(SR, tenente)

* * * * *

A imprensa pode e deve nos ajudar a criar uma cultura voltada à prevenção dos desastres,

para substituir a atual cultura da reação que ainda impera em nossa sociedade, apesar das

lições e erros do passado e do presente. Por isso, é importante estreitarmos nosso vínculo com

os jornalistas, mantendo-os sempre informados sobre o assunto e conscientes dessa

necessidade.

(AB, tenente)

* * * * *

A imprensa só nos procura nos momentos trágicos, apesar de sempre disponibilizarmos em

nosso site um leque muito amplo de informações exclusivas e de caráter preventivo. Tentamos

pautá-la enviando releases e sugestões, mas, como disse, a procura ocorre mesmo durante as

adversidades.

(PM, tenente-coronel)

* * * * *

De forma geral, temos um bom relacionamento com a imprensa, mas sinto que a maioria dos

repórteres e produtores que nos procuram não está plenamente preparada para lidar com o

assunto. Nesse momento, cabe a nós fornecer o máximo de subsídios para sua pauta – dados,

imagens, fontes, informações e sugestões – e orientá-los com o cuidado de não atingir o seu

ego, aquela vaidade que muito jornalista pseudointelectual tem.

(JR, jornalista)

* * * * *

Nossa relação com a imprensa é muito boa, mantemos um relacionamento muito estreito e

112 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD

sempre enviamos boletins [aos meios de comunicação] sobre a situação meteorológica do

nosso estado. [...] Na maior parte das vezes, atendemos às demandas dos jornalistas.

Releases e sugestões de pautas são enviados apenas quando há lançamento dos planos de

contingência. [...] Nosso trabalho [em situações de emergência] muitas vezes é interrompido,

porque são muitos veículos – rádio, TV, jornal e internet – e cada um tem seu tempo de

fechamento.

(AP, capitão)

* * * * *

Os jornalistas são nossos parceiros e o trabalho deles é extremamente importante. Não temos

problemas [com os jornalistas], já que eles tratam as informações da Defesa Civil com carinho

e seriedade. [...] Nós pautamos a imprensa, mas não com aquele release tradicional com o

qual os meios de comunicação estão acostumados. Pautamos com alertas, com notas e

boletins diários, fazendo com que tenhamos um vínculo mais forte com a imprensa. [...] E a

parceria com a Secretaria de Comunicação do estado é bem forte, ela nos dá todo suporte

necessário em situações mais difíceis.

(FPC, jornalista)

* * * * *

Nossa relação com a imprensa é muito próxima. Quando solicitamos ou sugerimos

reportagens, somos atendidos. Sempre que temos algo novo para divulgar, comunicamos as

mídias do nosso estado. A imagem da Defesa Civil e do Corpo de Bombeiros é muito boa. Por

isso, a imprensa sempre nos atende. Na maioria das vezes, somos nós que “provocamos” a

imprensa e chamamos os jornalistas para nossos eventos e operações.

(AVF, tenente-coronel)

* * * * *

Nossa relação com a imprensa é muito próxima. Quando solicitamos ou sugerimos

reportagens, somos atendidos. Sempre que temos algo novo para divulgar, comunicamos as

mídias do nosso estado. A imagem da Defesa Civil e do Corpo de Bombeiros é muito boa. Por

isso, a imprensa sempre nos atende. Na maioria das vezes, somos nós que “provocamos” a

imprensa e chamamos os jornalistas para nossos eventos e operações.

(AVF, tenente-coronel)

* * * * *

A falta de uma unificação dos dados [contribui para a formação de ruídos e rumores na

comunicação], pois nesses casos não pode haver mais de uma pessoa para falar ou divulgar

as informações. Em caso de crise, as informações precisam ser reunidas para que uma única

fonte, e de preferência com horários certos, esteja apta a divulgá-las.

113 Pesquisa-ação em comunicação e percepção de riscos

(RLG, terceiro sargento)

* * * * *

Estou aqui há dois meses e fiz visitas às redações para conhecer o pessoal [da imprensa] e só

recebi elogios a respeito da nossa equipe. Inclusive, alegam que nossa comunicação é melhor

que a de outros órgãos de segurança. Nosso tempo de resposta é melhor, porque mantemos

uma equipe ligada em dois computadores e ao telefone, e as informações [da Defesa Civil] são

repassadas em tempo real para a mídia. (MFS, tenente-coronel)

* * * * *

A imprensa tem mostrado cada vez mais interesse em captar matérias relacionadas à Defesa

Civil. E nós temos interesse em informar a comunidade. Isso gera matérias e faz com que

tenhamos sempre um bom relacionamento.

(MFA, major)

* * * * *

Procuramos ter o contato mais estreito possível com a imprensa. Ela é o nosso canal para

sensibilizar de imediato a população. [...] Temos um laço estreito e de muita sinceridade e

fidelidade [com a imprensa]. E também realizamos reuniões periódicas com outros órgãos do

estado, para alinharmos as informações [a serem divulgadas em situações de crise].

(BCR, relações públicas)

* * * * *

Necessariamente, o trabalho de comunicação implica uma política de mão dupla com a

imprensa, com a constante troca de informações. Dentro do sistema de comunicação integrado

que temos, as secretarias e os órgãos vinculados ao estado assumem uma postura pró-ativa

de comunicação, não só atendendo as demandas levantadas pela imprensa, mas,

principalmente, colocando em pauta assuntos e temas de interesse popular.

(VT, jornalista)

9.5. Análise da atuação da imprensa

No Brasil, pode-se afirmar que os riscos de desastres encontram-se divididos em dois grandes

períodos, o de escassez de chuva e o de maior precipitação pluvial.

A escassez de chuva provoca períodos de estiagem que expõem as comunidades a riscos de

incêndios florestais, de falta de água para suprir as necessidades básicas, de baixa umidade

do ar, que aumenta a ocorrência de doenças respiratórias, de redução do nível dos rios e, com

isso, o comprometimento da mobilidade por meio hídrico e da produção e abastecimento de

energia elétrica.

114 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD

Equivocadamente mais associada às regiões Norte e Nordeste do Brasil, por serem as que

registram temperaturas mais elevadas, a estiagem tem impactado cidades de todo o país,

inclusive as da região Sul.

Durante o período de maior precipitação pluvial, as comunidades ficam expostas a riscos de

deslizamentos de terra, enchentes, inundações, enxurradas e alagamentos, provocando perdas

humanas e impactos à saúde, à mobilidade nas cidades, às moradias, sobretudo as localizadas

nas chamadas áreas de riscos, ao fornecimento de serviços básicos.

É no período das chuvas que se concentra o maior número de óbitos, a maioria vítima de

afogamento e de soterramento de suas casas.

A imprensa, exercendo a função que possui de fiscalizar e transmitir os fatos à sociedade

marca forte presença nos locais de ocorrência dos desastres. A qualidade da informação

veiculada, no entanto, tem sido questionada.

De certa forma, o repórter faz seu papel quando expõe os riscos e dramas da população. Por

outro lado, explicar corretamente o que desencadeou a situação seria, no mínimo, o

cumprimento do dever jornalístico de revelar todos os lados de um acontecimento.

Por outro lado, não se pode esperar que um jornalista seja especialista em clima, em solo, em

habitação, em urbanismo e em todas as outras áreas do conhecimento envolvidas com a

problemática dos desastres, tanto em situação de risco quanto de resposta.

Desta forma, as fontes, os entrevistados dessa área, capacitados tecnicamente e

conhecedores do assunto, têm a sua responsabilidade dobrada.

O bom relacionamento entre a defesa civil e os órgãos de imprensa, por esse motivo, torna-se

fundamental, sobretudo, frente ao processo de construção da credibilidade da defesa civil.

Em momentos de crise, ao mesmo tempo em que se apresentam como aliados, ao repassarem

informações úteis à população atingida, aos amigos e familiares das vítimas e à sociedade em

geral, os veículos de comunicação podem também dificultar o processo, sobretudo, quando as

suas críticas comprometem a imagem e a credibilidade da Defesa Civil.

No entanto, acreditar que a imprensa é sempre vilã quando divulga informações equivocadas

é, no mínimo, uma tentativa de ignorar a necessidade de treinamento e melhor preparo dos

jornalistas, pois a cobertura de temas relacionados a riscos e a desastres demanda

conhecimento prévio por parte desses profissionais.

A Defesa Civil, porém, precisa estar preparada e capacitada para atender às demandas da

imprensa, dispondo sempre de dados e informações seguras, devidamente apuradas.

Transmitir credibilidade e segurança ao repórter encarregado da notícia é, sem dúvida, parte

desse preparo.

115 Pesquisa-ação em comunicação e percepção de riscos

Se a fonte, nesse caso o representante da Defesa Civil, estiver despreparada, os erros,

equívocos e deslizes que cometer durante a entrevista serão multiplicados para milhares de

pessoas. Isso porque o jornalismo brasileiro é majoritariamente declaratório, ou seja,

sustentado na fala dos entrevistados. Se a fonte errar, o erro será reproduzido e multiplicado

exponencialmente, em especial na sociedade das redes sociais.

O mau jornalismo, nesse caso, seria resultado do despreparo tanto do jornalista quanto do

entrevistado. O primeiro porque não se preocupou em estudar a pauta, em buscar informações

tanto para subsidiar a produção da matéria quanto para a condução da entrevista, e o segundo

porque, na maioria das vezes, ignora a falta de conhecimento do jornalista e não se esforça

para traduzir termos ou informações técnicas.

O modo como a imprensa cobre as ações de defesa civil, por sua vez, ganha relevância em

decorrência do papel dos meios de comunicação de massa (MCM) na construção da imagem

da entidade. “Os meios de comunicação de massa têm posição privilegiada na organização da

sociedade e na construção da realidade social contemporânea” (Pavarino, 2003, 24).

Para Wolf (1999), aquilo que é veiculado na imprensa, em filmes e em outros meios de

comunicação de massa fará parte da realidade na qual a sociedade acreditará.

Os mass media, descrevendo e precisando a realidade exterior, apresentam ao público

uma lista daquilo sobre que é necessário ter uma opinião e discutir. O pressuposto

fundamental é que a compreensão que as pessoas têm de grande parte da realidade

social lhes é fornecida, por empréstimo, pelos mass media (Wolf, 1999:72).

Muitos estudos têm confirmado a tese de que os meios de comunicação de massa constroem

realidades. A seguir, apresentamos os resultados de uma pesquisa sobre a atuação da

imprensa na cobertura de fatos relacionados a riscos e a desastres.

O material da análise foi adquirido por meio de levantamento feito nos arquivos dos veículos

jornalísticos, pela internet, ou solicitados ao veículo. Para possibilitar a identificação das

matérias de interesse da pesquisa, foi feito um filtro por meio do uso dos termos chave defesa

civil e risco de desastre, entre os anos de 2007 e 2009.

Foram escolhidos para a pesquisa os dois jornais impressos de maior relevância de cada

estado e do Distrito Federal. Ao todo, foram analisadas 9.528 matérias de 25 veículos. Em

seguida, as matérias foram divididas em duas categorias: sobre desastres e riscos de

desastres.

Em cada uma dessas duas categorias, os tipos de fontes foram divididos e identificados com

letras: Defesa Civil (A); Outras fontes oficiais, como MI, MCT, prefeituras e governos estaduais

116 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD

(B); Especialistas, categoria representada por professores, pesquisadores e cientistas (C) e

População diretamente afetada pelo desastre (D).

Tipo de pauta Tipo de fonte consultada

Cobertura de risco de

desastre

A – fonte oficial, exclusivamente representante da Defesa Civil

B – outras fontes oficiais, como representantes do MI, MCT,

prefeituras e governos estaduais

C – especialistas, representantes de universidades e centros de

pesquisa

D – população diretamente afetada pelo desastre

Tipo de pauta Tipo de fonte consultada

Cobertura de desastre

A – fonte oficial, exclusivamente representante da Defesa Civil

B – outras fontes oficiais, como representantes do MI, MCT,

prefeituras e governos estaduais

C – especialistas representantes de universidades e centros de

pesquisa

D – população diretamente afetada pelo desastre

Tabela – tipos de fontes

Das matérias analisadas, apenas 665, ou 6,97% do total, abordaram o tema risco de desastre.

Em nenhuma dessas matérias a Defesa Civil foi fonte de informação, prevalecendo a categoria

C (especialistas).

Nas matérias sobre desastres, as categorias A e B (Defesa Civil e Outras Fontes Oficiais)

foram mais frequentes e estiveram presentes em 4.982 matérias, ou seja, em 52,28% do total.

A fonte C (especialistas) respondeu por 14,57%, ou seja, 1389 matérias. Os afetados pelos

desastres (Categoria D) estiveram presentes em 2492, ou 26,15%.

117 Pesquisa-ação em comunicação e percepção de riscos

Análise da Cobertura

Os trabalhos foram iniciados com o levantamento bibliográfico nas áreas de representação

social, construção de imagem e hipótese do Agenda Setting. Essa etapa se fez necessária

para melhor compreensão dos conceitos envolvidos na proposta.

A partir da referência teórico-conceitual definida, passou-se então ao levantamento das

reportagens sobre o tema. A busca aconteceu via internet, identificando os principais jornais,

ou seja, aqueles com maior circulação e maior vendagem em cada capital (ver tabela 2). Após

a identificação dos veículos, foi iniciada a pesquisa via internet nos bancos de dados dos

jornais. Para aqueles que possuíam um banco de dados sistematizado na web, a pesquisa se

deu sem dificuldades, já para os que não possuíam o processo a busca foi um pouco mais

demorada.

Nesse caso, era feito um contato com o responsável pelo arquivo do veículo, que muitas vezes

disponibilizava-se para fazer o levantamento. Quando não havia essa possibilidade, realizava-

se um levantamento das notícias publicadas no site do jornal na web. Em outros casos, porém,

não foi possível nem o acesso ao arquivo físico do jornal, nem o levantamento via internet das

notícias publicadas no veículo, nem o acesso ao conteúdo publicado no site em anos

anteriores. Nesses casos, o veículo não foi incluído no levantamento por não dispor de

nenhuma forma de arquivamento de suas reportagens.

Após a leitura, as matérias foram separadas nas duas categorias já citadas, aquelas que

cobrem riscos de desastres e matérias sobre desastres. Em cada categoria, por sua vez, houve

118 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD

a divisão por tipos de fontes conforme, conforme a Tabela 1, já apresentada.

A classificação das matérias está sustentada no pressuposto de que a imprensa cobre,

majoritariamente, os fatos relacionados a desastres, e confere pouca atenção às ações de

prevenção que as diversas instituições, incluindo a Defesa Civil e a comunidade científica, têm

promovido.

Em todos os veículos analisados, a cobertura foi predominantemente sobre desastres, o que

correspondeu a 93,03% das matérias levantadas. Esses números sugerem ainda uma

cobertura meramente factual, ou seja, ocorreu o desastre a imprensa cobriu.

Não há dúvidas sobre a importância da cobertura dos desastres, porém, com raras exceções,

após o desastre a imprensa tem muito pouco a fazer. Na maioria das situações analisadas os

veículos passaram a ser repetitivos e a apelar para histórias isoladas, explorando a dor das

vítimas.

Ao considerar que o jornalismo tem a função social de transmitir informações de interesse

público à sociedade, poder-se-ia esperar maior cobertura das ações de prevenção nas páginas

dos noticiários. Com essa atuação, a imprensa contribuiria com o trabalho de alertar as

comunidades sobre os riscos aos quais estão expostas, fornecendo, inclusive, argumentos

para que a população possa exigir ações do poder público capazes de reduzir e gerenciar tais

riscos.

Com base na análise das matérias publicadas sobre prevenção (riscos de desastres), ou seja,

6,97% do total das matérias encontradas, constatou-se que a Defesa Civil não foi reconhecida

como fonte de informação, recorrendo, majoritariamente, a especialistas alocados nas

universidades mais prestigiadas do país.

Os especialistas, sem dúvida, são importantes fontes de informação em matérias sobre riscos

de desastres. Nota-se, porém, que ao não recorrer a representantes da Defesa Civil como

fontes de informação, os veículos contribuíram para dissociar a Defesa Civil das ações de

prevenção (gestão de riscos), reforçando a ideia de tratar-se de uma “instituição” de resposta

aos desastres.

Essa análise dá origem a dois novos pressupostos: a) a Defesa Civil não organiza ações de

prevenção; b) a Defesa Civil não divulga de forma eficaz as suas ações de prevenção.

Essas duas hipóteses podem ser parcialmente confirmadas por meio dos resultados obtidos

com as entrevistas exploratórias com diretores de defesa civil, jornalistas de veículos de

comunicação e assessores de imprensa alocados nas instituições atuantes nas áreas de

prevenção e resposta aos desastres.

Como registrado nos resultados da entrevista exploratória, a imprensa demonstra desconhecer

as ações de defesa civil voltadas à prevenção. Ao comentarem sobre os desafios de cobrir os

119 Pesquisa-ação em comunicação e percepção de riscos

fatos relacionados a riscos, os jornalistas apontaram como o principal deles a falta de

especialistas no assunto. Essa constatação reforça a percepção dos jornalistas de que a

Defesa Civil não atua na gestão de riscos e, por isso, ela não é fonte de informação nessa

área.

A tabela a seguir, com a quantidade total de matérias analisadas e a separação por

abordagem, ilustra essas informações.

A B C D

Amapá Folha do Amapá 7 0 0 2 5

Bahia Tribuna da Bahia 509 3 86 312 108

Diário do Nordeste 77 3 6 56 12

O Estado do Ceará 119 9 19 49 42

Distrito Federal Correio Braziliense 557 42 111 208 196

A Gazeta 267 21 38 125 83

A Tribuna 316 28 57 113 118

Diário da Manhã 462 42 77 211 132

O Popular 332 30 59 87 156

Maranhão O Imparcial 106 6 15 58 27

Mato Grosso A Gazeta de Cuiabá 566 35 72 307 152

Correio do Estado 30 5 3 12 10

A Crítica 7 0 1 3 3

Minas Gerais O Estado de Minas 536 56 68 234 178

Pará Diário do Pará 280 28 54 121 77

Gazeta do Povo 570 48 86 311 125

O Estado do Paraná 100 4 9 65 22

O Globo 865 68 86 546 165

Jornal do Brasil 623 28 36 423 136

Rio Grande do

NorteTribuna do Norte 630 23 74 412 121

Correio do Povo 611 36 86 325 164

Diário Gaúcho 243 12 41 154 36

Santa Catarina Diário Catarinense 100 8 11 60 21

Folha de S. Paulo 701 76 165 351 109

O Estado de S. Paulo 836 48 104 401 283

Paraíba Jornal da Paraíba 78 6 25 36 11

18 Estados 25 Veículos 9528 665 1389 4982 2492

Quantidade de matérias com os termos "Defesa

Civil" e "Risco de Desastre"

Abordagem

Ceará

Espírito Santo

Goiás

Paraná

Rio de Janeiro

Mato Grosso do

Sul

São Paulo

Rio Grande do

Sul

EstadoPrincipais veículos

impressos

Outro ponto importante constatado na pesquisa foi a presença maciça das fontes oficiais,

representadas nesta pesquisa pelas categorias A (Defesa Civil) e B (Outras Fontes Oficiais),

nas 9.528 matérias sobre desastres.

Essas duas fontes estiveram presentes em 52,28% do total de matérias, seguida da categoria

D (Afetados), com 26,15% do total. Curiosamente, a categoria C (Especialistas) esteve

presente em apenas 14,57% das matérias. Os números reforçam a análise de uma cobertura

polarizada, dramática, em que de um lado estão as vítimas (fonte D) e do outro os culpados

(fonte A e B).

Deve-se ressaltar que recorrer à Defesa Civil e a outras fontes oficiais, como representantes do

Corpo de Bombeiros, governos federal, estadual e municipal, é condição primária para inibir a

120 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD

propagação de rumores e garantir a procedência e a qualidade das informações no cenário dos

desastres. A consulta a outras fontes, porém, como climatologistas, geólogos, engenheiros,

assistentes sociais e psicólogos é de fundamental importância para a construção de uma

cultura de riscos de desastres. Isso porque os especialistas, em suas áreas de atuação,

contribuem para ampliar o olhar acerca desses acontecimentos historicamente construídos e

que, portanto, demandam uma análise mais crítica, interdisciplinar e, portanto, integrada.

A cobertura polarizada, sustentada nos discursos daqueles vistos como culpados e vítimas, ao

explorar a dor das populações afetadas e ao buscar culpados, contribui com a ampliação social

do desastre, fomentando o medo, a angústia e o sentimento de incerteza dos afetados. Essa

atuação, por sua vez, distancia-se dos preceitos da comunicação de riscos e inibe a exploração

do potencial dos meios de comunicação de massa tanto no cenário dos riscos quanto no dos

desastres.

121 Referências bibliográficas

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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