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A INCIDÊNCIA DE JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA NA CONDENAÇÃO E NA
SATISFAÇÃO DE CRÉDITOS EM FACE DA FAZENDA PÚBLICA
Pétrick Joseph Janofsky Canonico Pontes1
Resumo: O artigo analisa a incidência de juros e correção monetária na condenação e na
execução de créditos em face da Fazenda Pública, considerando o disposto no art. 100, § 12º,
da CF e no art. 1º-F da Lei 9.494/97. Além da inconstitucionalidade de tais disposições,
conforme ADI 4.357 e 4.425 e o RE 870.947, analisa-se o caráter supletivo de referido art. 1º-
F, bem como a incidência de tais consectários conforme as normas procedimentais específicas
para a execução em face da Fazenda Pública.
Palavras-chave: Execução. Fazenda Pública. Juros. Correção monetária.
Introdução ................................................................................................................................. 2
1. Juros de mora e correção monetária: conceito .................................................................. 4
2. Termo inicial para incidência dos juros moratórios .......................................................... 6
2.1. A regra geral .............................................................................................................. 6
2.2. Peculiaridades quanto ao termo inicial dos juros de mora nas pretensões em face da
Fazenda Pública .................................................................................................................... 7
3. A taxa de juros aplicável ................................................................................................... 9
3.1. A regra geral: SELIC ou 1% ao mês? ........................................................................ 9
3.2. Ainda a regra geral: o direito intertemporal ............................................................. 13
4. Consectários na condenação da Fazenda Pública ........................................................... 14
4.1. Regime constitucional da execução contra a Fazenda Pública ................................ 14
4.2. Reflexos do regime constitucional na execução em face da Fazenda Pública:
honorários advocatícios ...................................................................................................... 15
1 Graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Especialista e mestrando em Direito Processual
Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Advogado. E-mail: [email protected].
2
4.3. Reflexos do regime constitucional na execução em face da Fazenda Pública: não
incidência de juros no período compreendido entre a expedição do precatório e o prazo
previsto para seu pagamento ............................................................................................... 16
4.4. Controvérsias em controle concentrado sobre o índice de correção monetária aplicável
nas condenações à Fazenda Pública .................................................................................... 18
4.5. Os critérios de correção monetária e juros fixados pelo art. 1º-F da Lei 9.494/97 .. 20
4.6. Validade da cláusula contratual específica que preveja índices para a correção de
créditos contratuais em face da Fazenda Pública: a natureza dispositiva ou de ordem pública
da regra prevista no art. 1º-F da Lei 9.494/97 ..................................................................... 23
Considerações Finais .............................................................................................................. 25
Referências Bibliográficas ...................................................................................................... 29
Introdução
Os juros e a correção monetária são temas no mais das vezes relevados pelos
litigantes como de menor importância. Na fase de conhecimento, não raro se opta por recorrer
apenas da condenação principal, na esperança de se reverter uma decisão de mérito,
descuidando-se de impugnar, mesmo que subsidiariamente, os critérios de incidência de tais
verbas acessórias. Na fase executiva, por sua vez, o tema passa a receber maior atenção, tendo
as partes afinal começado a ponderar, especialmente após a edição da Lei 11.232/05 e da
afamada multa de 10% prevista no art. 475-J do CPC revogado, sobre o impacto de tais verbas
acessórias na administração das contingências e no processo de tomada de decisão para resolve-
las.
Fossem os processos efetivamente céleres, sua duração razoável não precisaria
ter sido alçada à condição de garantia fundamental (CF, art. 5º, LXXVIII). A verdade, porém,
é que os processos levam considerável tempo para serem concluídos, a ponto de os acessórios,
como os juros e a correção monetária enfim passarem a receber atenção.
O CPC/15, nesse sentido, bem andou ao exigir em seu art. 491 que, em regra,
nas ações relativas à obrigação de pagar quantia, ainda que formulado pedido genérico, “a
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decisão definirá desde logo a extensão da obrigação, o índice de correção monetária, a taxa de
juros, o termo inicial de ambos e a periodicidade da capitalização dos juros, se for o caso”.
Concordamos com a posição de Luiz Henrique Volpe Camargo de que
[...] a novidade é muito bem-vinda, pois tem o mérito de: (a) possibilitar o adequado
cumprimento espontâneo (art. 526) ou forçado (arts. 523 e s.) da sentença; e (b)
eliminar desnecessárias – e muitas vezes longas – discussões na fase de cumprimento
de sentença que, durante a vigência do CPC/73, decorriam da omissão judicial em,
desde logo, já na fase, definir os critérios para a elaboração do “demonstrativo
discriminado e atualizado do crédito” (caput do art. 524) e da inexistência de um
programa oficial de elaboração do demonstrativo discriminado do crédito (§ 3º do art.
510)2.
Os litígios em face da Fazenda Pública3 não fogem a esta lógica; bem ao oposto,
o regime especial da execução foi previsto pelo art. 100 da CF, associado à notória ineficiência
da Fazenda Pública em honrar suas obrigações nos prazos constitucionalmente fixados4, torna
a questão dos juros e da correção monetária ainda mais relevante.
2 CAMARGO, Luiz Henrique Volpe in BUENO, Cássio Scarpinella (coord.). Comentários ao Código de Processo
Civil. v.3. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 440. 3 “Fazenda. Na técnica do Direito Público Administrativo, é o vocábulo representativo de direito, foro, tributo ou
pensão, devidos ao Estado.
Por extensão, passou a designar não somente a soma de rendimentos constitutivos de sua receita, a soma de bens,
que são do domínio do Estado, como a própria organização pública, a que está afeta a administração desses valores.
Desse modo, na técnica do Direito Público Administrativo, fazenda quer significar a soma de interesses financeiros
do Estado, compreendidos por todas as suas riquezas ou bens, inclusive a gestão dos negócios que lhe são inerentes.
Restritivamente, significa erário, fisco ou tesouro público.
E consoante os limites territoriais ou jurisdição abrangida, particularmente, dizem-se Fazenda Federal, Fazenda
Nacional ou Fazenda Pública, Fazenda Estadual e Fazenda Municipal” (SILVA, De Plácido e. Vocabulário
jurídico. Vol. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 278). 4 Some-se a tais circunstâncias a discussão quanto à possibilidade de execução provisória em face da Fazenda
Pública. Parece-nos possível o cumprimento provisório de sentença contra a Fazenda Pública, a qual prosseguirá
até o momento anterior à expedição do precatório ou RPV. Isto porque, se é certo que os §§ 3º e 5º do art. 100
exigem o trânsito em julgado para expedição de RPV e precatório, tais fatos não impedem que o cumprimento da
sentença seja requerido, inclusive possibilitando o oferecimento de impugnação pela Fazenda Pública e o seu
julgamento. Rejeitada a impugnação, bastará aguardar o trânsito em julgado para se expedir o precatório ou RPV.
Leonardo Carneiro da Cunha compartilha de tal entendimento, conforme: “É possível o cumprimento provisório
de sentença contra a Fazenda Pública. O art. 100 da Constituição Federal exige, para expedição de precatório (§
5º) ou de RPV (§ 3º), o prévio trânsito em julgado. Isso, porém, não impede o cumprimento provisório da sentença
contra a Fazenda Pública. O que não se permite é a expedição do precatório ou da RPV antes do trânsito em
julgado, mas nada impede que já se ajuíze o cumprimento da sentença e se adiante o procedimento, aguardando-
se, para a expedição do precatório ou da RPV, o trânsito em julgado” (CUNHA, Leonardo Carneiro. A Fazenda
Pública em juízo. 15.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 410).
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Sensível a tais peculiaridades, o legislador – talvez mais por questões de governo
que de Estado, ousamos cogitar – de tempos em tempos prevê moratórias, parcelamentos e
rearranjos para sanar a famigerada questão dos precatórios e das dívidas das Fazendas Públicas.
O presente artigo propõe debruçar-se apenas sobre uma parte literalmente
acessória desta importante questão, a saber, a incidência de juros e correção monetária na
condenação e na execução de créditos em face da Fazenda Pública, considerando o disposto no
art. 100, § 12º, da CF e no art. 1º-F da Lei 9.494/97. Além da inconstitucionalidade de tais
disposições, conforme ADI 4.357 e 4.425 e o RE 870.947, analisa-se o caráter supletivo de
referido art. 1º-F, bem como a incidência de tais consectários conforme as normas
procedimentais específicas para a execução em face da Fazenda Pública.
1. Juros de mora e correção monetária: conceito
Os juros e a correção monetária são comumente tratados em conjunto, quer na
legislação de direito material, quer na legislação processual. Não bastasse a previsão de índices
de juros e correção monetária nos dispositivos em destaque (o art. 100, § 12º, da CF e o art. 1º-
F da Lei 9.494/97), vale citar, a título exemplificativo, que o art. 292, I, do CPC prevê que o
valor da causa na ação de cobrança de dívida será a soma monetariamente corrigida do
principal, dos juros de mora vencidos [...]; o pedido implícito compreende “os juros legais, a
correção monetária e as verbas de sucumbência, inclusive os honorários advocatícios” (CPC,
art. 322, § 1º); o art. 491 do CPC exige que a decisão da ação relativa obrigação de pagar quantia
deverá em regra fixar “desde logo a extensão da obrigação, o índice de correção monetária, a
taxa de juros, o termo inicial de ambos e a periodicidade da capitalização dos juros [...]”; o
requerimento de cumprimento de sentença que reconhece a obrigação de pagar quantia certa
deverá conter “o termo inicial e o termo final dos juros e da correção monetária utilizados” (art.
524, IV), sendo a regra igualmente reproduzida para a execução em face da Fazenda Pública
(art. 534, IV) e nos requisitos para elaboração do demonstrativo de débito em execução (art.
798, parágrafo único); ao dispor sobre os direitos do sócio após a data de resolução, o parágrafo
único do art. 608 refere-se conjuntamente aos juros e à correção monetária; a penhora deverá
recair sobre o montante atualizado do débito e acrescido de juros (art. 831); por fim, a moratória
legal prevista pelo art. 916 demanda o depósito de parcela inicial e o parcelamento do saldo
restante “em até 6 (seis) parcelas mensais, acrescidas de correção monetária e de juros de um
por cento ao mês”.
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Embora os institutos sejam comumente tratados em conjunto, há que distingui-
los, inclusive para se analisar os critérios, termos inicial e final e sua incidência.
Segundo Pontes de Miranda, “entende-se por juros o que o credor pode exigir
pelo fato de ter prestado ou de não ter recebido o que se lhe devia prestar. Numa e noutra
espécie, foi privado de valor, que deu, ou de valor, que teria de receber e não recebeu”5.
O Ministro Luiz Fux, ao analisar a constitucionalidade do art. 1º-F no julgamento
do RE 870.947, também foi instado a distinguir os institutos:
“Em primeiro lugar, aponto um aspecto de ordem lógico-conceitual. Remuneração e
atualização de valores são conceitos jurídicos bem delimitados e distintos. Como o
rótulo sugere, a remuneração da caderneta de poupança representa o retorno devido
ao investidor em razão da perda de disponibilidade sobre capital próprio. Em termos
jurídicos, são os frutos civis do capital, os juros; em linguagem econômica ,
representam o custo de oportunidade do capital. Já a correção monetária traduz-se na
mera recomposição do poder aquisitivo da moeda em virtude do fenômeno
inflacionário. Não se destina a remunerar qualquer coisa, senão apenas a manter
constante o valor real de certa expressão monetária. É possível, pois, que a
remuneração do capital seja, em alguma medida, predefinida. [...] Já a correção
monetária não é jamais prefixada, uma vez que a inflação é insuscetível de captação
apriorística6.
A definição e distinção a correção monetária e os juros também recebeu a
atenção do Min. Ayres Britto ao início do julgamento das ADIs 4.357 e 4.425, conforme:
[...] a correção monetária [...] é instituto jurídico-constitucional, porque tema
específico ou a própria matéria de algumas normas figurantes do nosso Magno Texto,
tracejadoras de um peculiar regime jurídico para ela. Instituto que tem o pagamento
em dinheiro como fato-condição de sua incidência e, como objeto, a agravação
quantitativa desse mesmo pagamento. Agravação, porém, que não corresponde a uma
sobrepaga, no sentido de constituir obrigação nova que se adiciona à primeira, com o
fito de favorecer uma das partes da relação jurídica e desfavorecer a outra. Não é isso.
Ao menos no plano dos fins a que visa a Constituição, na matéria, ninguém enriquece
e ninguém empobrece por efeito de correção monetária, porque a dívida que tem o seu
valor nominal atualizado ainda é a mesma dívida.
[...]
5 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Parte Especial, Tomo XXIV, cap. III, p. 77. 6 RE 870947, Rel. Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 20/09/2017, acórdão eletrônico DJe-262 divulg 17-
11-2017 public 20-11-2017, voto do Min. Luiz Fux.
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Daí me parecer correto ajuizar que a correção monetária constitui verdadeiro direito
subjetivo do credor, seja ele público, ou, então, privado. Não, porém, uma nova
categoria de direito subjetivo, superposta àquele de receber uma prestação
obrigacional em dinheiro. O direito mesmo à percepção da originária paga é que só
existe em plenitude, se monetariamente corrigido7.
Justamente por se prestarem a fins diversos – em suma síntese, a correção
monetária visa assegurar o real valor do crédito no tempo frente à inflação, ao passo que os
juros de mora visam compensar o credor pelo tempo em que foi privado de seu crédito em razão
do inadimplemento – os juros de mora e a correção monetária possuem termos, índices e
critérios de incidência diversos. Tais questões são expostas a seguir, com considerações sobre
a regra geral de tais institutos e as peculiaridades na sua incidência nas execuções em face da
Fazenda Pública.
2. Termo inicial para incidência dos juros moratórios
2.1. A regra geral
O Código Civil e o Código de Processo Civil apresentam disposições
complementares sobre o termo inicial para incidência dos juros de mora.
Para obrigações positivas e líquidas, os juros são devidos a partir do vencimento
(CC, art. 397, caput). Assim, por exemplo, um título de crédito com indicação do valor e data
de vencimento.
Por outro lado, se a obrigação decorrer de ato ilícito, os juros são devidos desde
a data do ato ilícito (CC, art. 398; STJ, Súmula 54). Tais as hipóteses para incidência de juros
na reparação de danos por acidente de veículo ou dano moral.
Por fim, se não houver termo, e nos demais casos, os juros de mora são devidos
a partir de interpelação extrajudicial ou judicial (CC, art. 397, parágrafo único). A hipótese, por
excelência, para interpelação judicial é a citação. Aprimorando a regra antes prevista no art.
219 do CPC/73, o art. 240 do CPC/15 bem andou ao dispor que a citação válida “constitui em
7 STF, ADI 4425, Relator(a): Min. Ayres Britto, Relator(a) p/ Acórdão: Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado
em 14/03/2013, Processo eletrônico DJe-251 Divulg 18-12-2013 Public 19-12-2013 RTJ VOL-00227-01 PP-
00125, voto do Min. Ayres Britto.
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mora o devedor, ressalvado o disposto nos arts. 397 e 398 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de
2002 (Código Civil)”.
A legislação ainda prevê termos específicos segundo a natureza de certos
créditos, como se vê, por exemplo, dos juros moratórios devidos aos honorários fixados em
quantia certa, que têm como termo inicial o trânsito em julgado da decisão (CPC/15, art. 85, §
16).
2.2. Peculiaridades quanto ao termo inicial dos juros de mora nas pretensões em face
da Fazenda Pública
Apesar de o Código Civil de 1916 já dispor sobre o tema de modo semelhante
(arts. 960 a 963), o Decreto 22.785/33 editou regras especiais para reger o termo inicial para
incidência dos juros de mora em face da Fazenda Pública. Nos termos do art. 3º de referido
Decreto, “a Fazenda Pública, quando expressamente condenada a pagar juros da mora por estes
só responde, da data da sentença condenatória, com transito em julgado si, se tratar de quantia
liquida; e da sentença irrecorrível que em execução, fixar o respectivo valor, sempre que a
obrigação for ilíquida”.
Assim o fez considerando “que os juros da mora valem por uma pena em que
incorre o devedor remisso ou a parte que lesa propositadamente um direito e, no tocante aos
prepostos da Fazenda Pública, em regra é de se lhes presumir a boa fé na aplicação das
respectivas leis e regulamentos”, bem como “que, ainda nas hipóteses em que se legitime, a
condenação da Fazenda ao pagamento de tais juros, justo não é corram eles antes de, pela
competente e definitiva manifestação do Poder Judiciário, se tornar certa e liquida a obrigação
da mesma fazenda”.
Este o contexto em que, ainda na vigência do Código Civil de 1916, o Supremo
Tribunal Federal editou a Súmula 163, firmando entendimento no sentido de que “salvo contra
a Fazenda Pública, sendo a obrigação ilíquida, contam-se os juros moratórios desde a citação
inicial para a ação”.
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A promulgação da Lei 4.414/64 enfim promoveu a isonomia para tratamento do
tema, ao vincular a Fazenda Pública à legislação civil comum nas condenações desta ao
pagamento de juros de mora.
Já nos idos de 1987 o Supremo Tribunal Federal reviu seu entendimento para
pacificar que “a primeira parte da Súmula 163 já não subsiste em face da Lei nº. 4.414/64, artigo
1º, e de acordo com a jurisprudência”8 (RE 109.156-8/SP).
Também o STJ reconheceu que “a aplicação dos juros moratórios devidos pela
Fazenda Pública, nas relações jurídicas não tributárias, é regida pela Lei nº 4.414/64, que remete
o intérprete às regras do Código Civil”. E, com base na lei civil, rematou que “a fixação do
termo inicial dos juros depende da liquidez da obrigação. Se a obrigação for líquida, os juros
serão contados a partir do vencimento da obrigação; se for ilíquida, os moratórios terão como
dies a quo a citação válida” (REsp 402.423/RO)9.
Como reconheceu o STJ nos autos do AgRg no REsp 524.932/PR10, o enunciado
nº. 163 do C. STF fora editado sob a vigência do Decreto nº. 22.785/3311. A edição da Lei nº.
4.414/64, contudo, alterou tal cenário ao revogar o art. 3º de referido Decreto e dispor que “a
União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e as autarquias, quando condenados a pagar
juros de mora, por êste responderão na forma do direito civil” (art. 1º).
O termo inicial dos juros de mora em face da Fazenda Pública hoje parece estar
pacificado no âmbito dos tribunais, tanto que sua aplicação nos termos da lei civil já é decidido
em sede recursal especial por decisão monocrática, como se vê, a título exemplificativo, no
julgamento do REsp 1.268.244:
Processual Civil. Administrativo. Omissão inexistente. Obrigação contratual.
Inadimplemento. Juros de mora. Termo a quo. Vencimento da obrigação. Inúmeros
precedentes. Recurso especial provido.
(STJ, REsp 1.268.244 – MT, Rel. Min. Humberto Martins, decisão monocrática, j.
31/03/2014).
8 STF, RE 109.156-8/SP, Rel. Min. Aldir Passarinho, 2ª T., j. 16/06/1987. 9 STJ, REsp 402.423/RO, Rel. Min. Castro Meira, 2ª T., j. 02/02/2006. 10 STJ, AgRg no REsp 524.932/PR, Rel. Min. Denise Arruda, 1ª T, j. 08/08/2006. 11 Decreto 22.785/33, art. 3º. "A Fazenda Pública, quando expressamente condenada a pagar juros de mora, por
estes só responde , da data da sentença condenatória, com trânsito em julgado, se se tratar de quantia líquida; e da
sentença irrecorrível que, em execução, fixar o respectivo valor, sempre que a obrigação for ilíquida”.
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3. A taxa de juros aplicável
3.1. A regra geral: SELIC ou 1% ao mês?
Muito já se discutiu acerca da taxa de juros aplicável como regra geral,
especialmente a depender da fixação, pelas partes, do índice de correção monetária aplicável
ou dos termos do pedido constante da demanda.
Se o Código Civil de 1916 era inequívoco em determinar a incidência de juros à
taxa de 6% ao ano (art. 1.062), o art. 406 do Código Civil de 2002 deu ensejo a divergências ao
se referir à “taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda
Nacional”. De um lado, sustentava-se que referida taxa estaria prevista pelo art. 161, § 1º, do
CTN, no percentual de 1% ao mês. A segunda interpretação do art. 406 do Código Civil buscou
fundamento na taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia - SELIC para
títulos federais, acumulada mensalmente, nos termos do art. 13 da Lei 9.065/95, dentre outros
dispositivos.
A divergência foi dirimida pela Corte Especial do STJ12 quando do julgamento
dos ERESP 727842/SP, concluindo pela aplicação da SELIC, por oposição à taxa de 1% ao
mês. Conforme:
CIVIL. JUROS MORATÓRIOS. TAXA LEGAL. CÓDIGO CIVIL, ART. 406.
APLICAÇÃO DA TAXA SELIC.
1. Segundo dispõe o art. 406 do Código Civil, "Quando os juros moratórios não forem
convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de
12 Será? No julgamento da ADI 4425, o Ministro Luiz Fux, de passagem, ao analisar a constitucionalidade do § 12
do art. 100, volta a fazer menção à aplicação da taxa de juros de 1% ao mês. Conforme: “Sem embargo das
diferentes visões sobre o tema, a análise da constitucionalidade do dispositivo requer atenção à tese jurídica
encampada pela Corte no julgamento do RE nº 453.740, rel. Min. Gilmar Mendes. Naquela oportunidade, discutia-
se a constitucionalidade da antiga redação do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, que estabelecia que “os juros de mora,
nas condenações impostas à Fazenda Pública para pagamento de verbas remuneratórias devidas a servidores e
empregados públicos, não poderão ultrapassar o percentual de seis por cento ao ano”. O cerne da controvérsia
era saber se o aludido patamar de juros violava o princípio constitucional da isonomia (CF, art. 5º, caput), na
medida em que o Código Civil, ao remeter à legislação tributária, fixa, como regra geral, o percentual de doze por
cento ao ano para fins de compensação da mora (ex vi do seu art. 406 c/c art. 161, §1º, do Código Tributário
Nacional). Diante desse cenário, enquanto os devedores em geral se sujeitariam ao Código Civil e ao Código
Tributário Nacional, a Administração Pública, quando estivesse em mora perante seus servidores e empregados,
estaria obrigada a pagar juros pela metade do percentual codificado, configurando suposto privilégio odioso”.
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determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora
do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional".
2. Assim, atualmente, a taxa dos juros moratórios a que se refere o referido dispositivo
é a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia - SELIC, por ser
ela a que incide como juros moratórios dos tributos federais (arts. 13 da Lei 9.065/95,
84 da Lei 8.981/95, 39, § 4º, da Lei 9.250/95, 61, § 3º, da Lei 9.430/96 e 30 da Lei
10.522/02).
3. Embargos de divergência a que se dá provimento.
(EREsp 727842/SP, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, CORTE
ESPECIAL, julgado em 08/09/2008, DJe 20/11/2008)
O trecho a seguir transcreve a síntese dos argumentos que compõe a divergência,
nos termos do voto do Ministro Teori Albino Zavascki:
Quanto à taxa dos juros moratórios legais, previstos no art. 406 do CC, há duas
correntes doutrinárias e jurisprudenciais. A primeira é na linha adotada pelo voto da
Ministra relatora, e alega-se, em síntese, que
(a) apesar de ter sido reconhecida pelo STF a eficácia limitada do art. 192, § 3º, da
CF, não pode a norma infraconstitucional afrontar o texto ali expresso, sendo
inconstitucional o art. 406 do CC (editado antes da revogação da referida norma
constitucional pela EC 40/2003);
(b) verifica-se, a partir de uma interpretação sistemática do CC, que o legislador tem
como ideal a taxa de juros de 1% ao mês, pois o seu art. 1.187, parágrafo único, II,
prevê taxa de juros de 12% ao ano ao tratar da escrituração, no direito de empresa e o
art. 1.336, § 1º fixa juros de 1% ao mês nas dívidas condominiais;
(c) a taxa SELIC não se apresenta como critério seguro, transparente ou de fácil
compreensão que possa ser aplicável às obrigações civis;
(d) conjugando-se o art. 406 do CC com o 192 da CF (que estava em vigor quando da
sua edição), bem como o art. 161, § 1º, do CTN, a taxa deve ser de 1% ao mês, pois é
a que melhor reflete a segurança jurídica e o equilíbrio nas relações obrigacionais;
(e) a SELIC tem natureza remuneratória, não servindo como taxa de juros moratórios,
especialmente porque engloba juros e correção monetária, sendo que qualquer dívida,
além dos juros de mora, será ainda corrigida pelos índices da inflação;
(f) seria incoerente que o CC, ao regular a taxa de juros legais - ou seja, aquela
aplicável por determinação de lei -, deixasse ao encargo da autoridade administrativa
(COPOM) a sua fixação. [...] Na esteira dessa orientação, é o Enunciado nº 20,
formulado na I Jornada de Direito Civil, organizado pelo Conselho de Justiça Federal,
assim redigido: "A taxa de juros remuneratórios a que se refere o art. 406 é a do art.
161, § 1º, do CTN, ou seja, 1% ao mês ('§ 1º Se a lei não dispuser de modo diverso,
os juros de mora são calculados à taxa de 1% ao mês').
[...]
Mas há outra linha de entendimento, segundo a qual a taxa de juros legais, atualmente,
é calculada pela SELIC, pelos seguintes fundamentos:
11
(a) o art. 406 do CC, ao remeter à "taxa que estiver em vigor", expressa a opção do
legislador em adotar uma taxa de juros variável, que poderá ser modificada de tempos
em tempos, já que aplicável a vigente em cada momento dado;
(b) o CTN, em seu art. 161, § 1º, dispõe que a taxa de juros será de 1%, "se a lei não
dispuser de modo diverso", o que caracteriza uma norma supletiva, que pode ser
afastada por lei ordinária;
(c) o art. 13 da Lei 9.065/95, fazendo referência ao art. 84 da Lei 8.981/95, estabeleceu
que nos casos de mora no pagamento de tributos arrecadados pela SRF serão
acrescidos juros equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e
Custódia - SELIC;
(d) a utilização da taxa SELIC como juros de mora em matéria tributária foi
confirmada em outras normas, tais como os arts. 39, § 4º, da Lei 9.250/95 (repetição
ou compensação de tributos), 61, § 3º, da Lei 9.430/96 e 30 da Lei 10.522/02;
(e) o STJ tem aplicado a SELIC em demandas tributárias, não reputando-a
inconstitucional;
(f) conforme o entendimento do STF na ADIn 4-DF, a expressão "juros reais" contida
no já revogado art. 192, § 3º, da CF, é de eficácia limitada, não havendo que se falar,
portanto, em vedação constitucional à previsão de juros superiores a 12% ao ano;
(g) apesar de a SELIC englobar juros moratórios e correção monetária, não se
verifica bis in idem, pois sua aplicação é condicionada à não-incidência de quaisquer
outros índices de atualização.
Mesmo após ter decidido pela SELIC, o STJ já se deparou com situações em que
o pedido foi expresso em requerer a incidência de juros à base de 1% ao mês, o que seria
incompatível com a aplicação da SELIC, que cumula os juros à correção monetária. Com efeito,
não raro as sentenças continuam a aplicar a fórmula "correção monetária mais juros legais de
1% ao mês" ou “a correção pela Tabela Prática do Tribunal de Justiça mais juros legais”
Ao deparar-se com tais hipóteses, a Corte Especial do STJ foi instada a decidir
pela aplicação criteriosa de sua jurisprudência, sendo relevante fazer referência ao quanto
decidido nos autos do EREsp 935.608/SP13, de cujo acórdão se extrai o seguinte trecho:
13 PROCESSO CIVIL. JUROS DE MORA. SENTENÇA ANTERIOR AO CÓDIGO CIVIL DE 2002.
EXECUÇÃO. CLÁUSULA REBUS SIC STANTIBUS. APLICAÇÃO DO NOVEL DIPLOMA LEGAL APÓS
SUA VIGÊNCIA. POSSIBILIDADE.
1. Não se discute no apelo a aplicação da Taxa Selic. A divergência suscitada cinge-se à aplicabilidade das normas
do Código Civil de 1916 e daquelas instituídas pela codificação de 2002, considerando-se que a sentença foi
prolatada em 04.02.1992 e determinou a aplicação de juros moratórios no percentual de 0,5% ao mês, nos termos
do art. 1.062 do CC/16.
2. A Corte Especial, no julgamento do REsp 1.111.117/PR, Rel. p/ acórdão Min. Mauro Campbell Marques, DJ.
02.09.10, decidiu que o percentual de 6% ao ano deve incidir até 11 de janeiro de 2003. A partir daí, deve-se
observar o disposto no art. 406 do CC/02, "seguindo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de
impostos devidos à Fazenda Nacional" (atualmente, a taxa SELIC).
3. Os juros moratórios, assim como a correção monetária, são consectários legais da obrigação principal e estão
submetidos à claúsula rebus sic stantibus, o que implica reconhecer ter a sentença eficácia futura desde que mantida
12
A Corte Especial, no ano de 2010, já teve a oportunidade de discutir hipótese similar
a dos autos, ocasião na qual prevaleceu o entendimento que a Primeira Seção havia
exarado sobre a matéria, nos autos do RESP 1.112.746/DF.
Nesse contexto, à luz do direito intertemporal, a fixação dos juros moratórios deve
observar o que foi traçado na sentença exequenda, de acordo com a seguinte
orientação:
(a) se esta foi proferida antes do CC/02 e determinou juros legais, deve ser observado
que, até a entrada em vigor do Novo CC, os juros eram de 6% ao ano (art. 1.062 do
CC/1916), observando-se, a partir de então, o disposto no art. 406 do CC/02,
‘seguindo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos
à Fazenda Nacional’ (atualmente, a taxa SELIC).
(b) se a sentença exequenda foi proferida antes da vigência do CC/02 e fixava juros
de 6% ao ano, também se deve adequar os juros após a entrada em vigor dessa
legislação, tendo em vista que a determinação de 6% ao ano apenas obedecia aos
parâmetros legais da época da prolação;
(c) se a sentença é posterior à entrada em vigor do novo CC e determinar juros legais,
também se considera de 6% ao ano até 11 de janeiro de 2003 e, após, o disposto no
art. 406 do CC/02, ‘seguindo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento
de impostos devidos à Fazenda Nacional’ (atualmente, a taxa SELIC); e
(d) se a sentença é posterior ao Novo CC e determina juros de 6% ao ano e não houver
recurso, deve ser aplicado esse percentual, eis que a modificação depende de iniciativa
da parte.
Cabe, outrossim, destacar a ressalva constante da fundamentação do acórdão
proferido nos EREsp 727.842/SP, de que “apesar de a SELIC englobar juros moratórios e
correção monetária, não se verifica bis in idem, pois sua aplicação é condicionada à não-
incidência de quaisquer outros índices de atualização”.
Note-se que, não havendo pedido expresso quanto à utilização da SELIC, o
próprio STJ já acolheu o entendimento pela aplicação da metodologia acima referida, como se
lê, v.g., do acórdão proferido no EREsp 935.608/SP, acima mencionado, e no REsp
1.111.117/PR14.
a situação de fato e de direito na época em que ela foi proferida. Assim, se o título judicial transitado em julgado
aplicou o índice vigente à época, deve-se proporcionar a atualização do percentual em vigor no momento do
cumprimento da obrigação.
4. Embargos de divergência providos.
(EREsp 935.608/SP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, CORTE ESPECIAL, julgado em 24/11/2011, DJe
06/02/2012) 14 EXECUÇÃO DE SENTENÇA. TAXA DE JUROS. NOVO CÓDIGO CIVIL. VIOLAÇÃO À COISA
JULGADA. INEXISTÊNCIA. ART. 406 DO NOVO CÓDIGO CIVIL. TAXA SELIC.
1. Não há violação à coisa julgada e à norma do art. 406 do novo Código Civil, quando o título judicial exequendo,
exarado em momento anterior ao CC/2002, fixa os juros de mora em 0,5% ao mês e, na execução do julgado,
determina-se a incidência de juros previstos nos termos da lei nova.
13
3.2. Ainda a regra geral: o direito intertemporal
A entrada em vigor do Código Civil de 2002 suscitou discussões sobre a
aplicação da nova taxa legal de juros às obrigações e condenações havidas antes de sua
promulgação. Ao decidir de forma favorável à aplicação imediata da nova legislação, o STJ
considerou os juros “consectários legais da obrigação principal e estão submetidos à claúsula
rebus sic stantibus, o que implica reconhecer ter a sentença eficácia futura desde que mantida a
situação de fato e de direito na época em que ela foi proferida. Assim, se o título judicial
transitado em julgado aplicou o índice vigente à época, deve-se proporcionar a atualização do
percentual em vigor no momento do cumprimento da obrigação”, como se lê do acórdão
proferido no EREsp 935.608/SP15, como se vê do seguinte trecho:
A Corte Especial, no ano de 2010, já teve a oportunidade de discutir hipótese similar
a dos autos, ocasião na qual prevaleceu o entendimento que a Primeira Seção havia
exarado sobre a matéria, nos autos do RESP 1.112.746/DF.
Nesse contexto, à luz do direito intertemporal, a fixação dos juros moratórios deve
observar o que foi traçado na sentença exequenda, de acordo com a seguinte
orientação:
2. Atualmente, a taxa dos juros moratórios a que se refere o referido dispositivo [ art. 406 do CC/2002 ] é a taxa
referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia - SELIC, por ser ela a que incide como juros moratórios
dos tributos federais (arts. 13 da Lei 9.065/95, 84 da Lei 8.981/95, 39, § 4º, da Lei 9.250/95, 61, § 3º, da Lei
9.430/96 e 30 da Lei 10.522/02)' (EREsp 727.842, DJ de 20/11/08)" (REsp 1.102.552/CE, Rel. Min. Teori Albino
Zavascki, sujeito ao regime do art. 543-C do CPC, pendente de publicação).
Todavia, não houve recurso da parte interessada para prevalecer tal entendimento.
3. Recurso Especial não provido.
(REsp 1111117/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Rel. p/ Acórdão Ministro MAURO CAMPBELL
MARQUES, CORTE ESPECIAL, julgado em 02/06/2010, DJe 02/09/2010) 15 PROCESSO CIVIL. JUROS DE MORA. SENTENÇA ANTERIOR AO CÓDIGO CIVIL DE 2002.
EXECUÇÃO. CLÁUSULA REBUS SIC STANTIBUS. APLICAÇÃO DO NOVEL DIPLOMA LEGAL APÓS
SUA VIGÊNCIA. POSSIBILIDADE.
1. Não se discute no apelo a aplicação da Taxa Selic. A divergência suscitada cinge-se à aplicabilidade das normas
do Código Civil de 1916 e daquelas instituídas pela codificação de 2002, considerando-se que a sentença foi
prolatada em 04.02.1992 e determinou a aplicação de juros moratórios no percentual de 0,5% ao mês, nos termos
do art. 1.062 do CC/16.
2. A Corte Especial, no julgamento do REsp 1.111.117/PR, Rel. p/ acórdão Min. Mauro Campbell Marques, DJ.
02.09.10, decidiu que o percentual de 6% ao ano deve incidir até 11 de janeiro de 2003. A partir daí, deve-se
observar o disposto no art. 406 do CC/02, "seguindo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de
impostos devidos à Fazenda Nacional" (atualmente, a taxa SELIC).
3. Os juros moratórios, assim como a correção monetária, são consectários legais da obrigação principal e estão
submetidos à claúsula rebus sic stantibus, o que implica reconhecer ter a sentença eficácia futura desde que mantida
a situação de fato e de direito na época em que ela foi proferida. Assim, se o título judicial transitado em julgado
aplicou o índice vigente à época, deve-se proporcionar a atualização do percentual em vigor no momento do
cumprimento da obrigação.
4. Embargos de divergência providos.
(EREsp 935.608/SP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, CORTE ESPECIAL, julgado em 24/11/2011, DJe
06/02/2012)
14
(a) se esta foi proferida antes do CC/02 e determinou juros legais, deve ser observado
que, até a entrada em vigor do Novo CC, os juros eram de 6% ao ano (art. 1.062 do
CC/1916), observando-se, a partir de então, o disposto no art. 406 do CC/02,
‘seguindo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos
à Fazenda Nacional’ (atualmente, a taxa SELIC).
(b) se a sentença exequenda foi proferida antes da vigência do CC/02 e fixava juros de
6% ao ano, também se deve adequar os juros após a entrada em vigor dessa legislação,
tendo em vista que a determinação de 6% ao ano apenas obedecia aos parâmetros
legais da época da prolação;
(c) se a sentença é posterior à entrada em vigor do novo CC e determinar juros legais,
também se considera de 6% ao ano até 11 de janeiro de 2003 e, após, o disposto no
art. 406 do CC/02, ‘seguindo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento
de impostos devidos à Fazenda Nacional’ (atualmente, a taxa SELIC); e
(d) se a sentença é posterior ao Novo CC e determina juros de 6% ao ano e não houver
recurso, deve ser aplicado esse percentual, eis que a modificação depende de iniciativa
da parte.
Tal discussão será relevante para se compreender as controvérsias em torno do
índice de correção monetária nas condenações impostas à Fazenda Pública, tema do qual se
passa a tratar.
4. Consectários na condenação da Fazenda Pública
4.1. Regime constitucional da execução contra a Fazenda Pública
A Constituição Federal estabelece um regime diferenciado para a execução de
créditos em face da Fazenda Pública. Embora se possa criticar a técnica legislativa, que desce
a minúcias ao tratar do tema – respondendo a anseios e interesses transitórios de governo e não
a compromissos de Estado – fato é que o art. 100 da Carta da República, em sua redação original
e nas emendas que lhe sucederam, estabelece que os pagamentos devidos pela Fazenda Pública
em virtude de sentença judiciária far-se-ão na ordem cronológica de apresentação dos
precatórios e à conta de créditos orçamentários respectivos.
Tal disposição ensejou a previsão, pelo legislador ordinário, de rito próprio para
a execução dos créditos em face da Fazenda Pública, que encontrava previsão no art. 730 do
15
CPC/73 e hoje tem fundamento nos arts. 534 e 535 do CPC/15, no que toca ao cumprimento de
sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de pagar quantia certa16.
Humberto Theodoro Jr. denomina tal procedimento de execução imprópria,
“visto que se faz sem penhora e arrematação, vale dizer, sem expropriação ou transferência
forçada de bens”17. Trata-se de opção do legislador constituinte, adotada segundo a mesma
razão que se levou a declarar a inalienabilidade dos bens públicos (CC, art. 100).
Dinamarco atribui ao cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade
de obrigação de pagar quantia certa pela Fazenda Pública a alcunha de falsa execução, já que a
única medida constritiva cabível, ainda excepcionalmente, é o sequestro. Não obstante, sem
prejuízo de destacar a intenção do legislador constituinte em zelar “pelo serviço público, o qual
não deve ser truncado ou interrompido ainda quando haja legítimas expectativas dos credores
do Estado”, o autor reconhecia, ainda na vigência do CPC/73, o cabimento de execuções para
entrega de coisa e de obrigações de fazer e não fazer, cogitando também do cabimento da
execução de título extrajudicial em face da Fazenda Pública, hoje positivadas pelo art. 910 do
CPC, sendo incisivo em registrar que “não são éticas essas tentativas de deixar o Estado acima
do sistema de tutela jurisdicional efetiva, do qual ele se vale impiedosamente quando credor,
mas quer ficar imune quando o credor é outro”18.
4.2. Reflexos do regime constitucional na execução em face da Fazenda Pública:
honorários advocatícios
Com efeito, a Fazenda Pública não é citada em execução para pagar o débito,
mas sim para, querendo, impugnar a execução. Tal procedimento possui repercussões para além
da satisfação do crédito principal. Nesse sentido, por exemplo, o § 7º do art. 85 do CPC/15
estabelece que “não serão devidos honorários no cumprimento de sentença contra a Fazenda
Pública que enseje expedição de precatório, desde que não tenha sido impugnada”. Sobre o
tema, Leonardo Carneiro da Cunha comenta que
16 Registre-se, de início, que não se adentrará aqui nas discussões quanto ao cabimento da ação monitória e da
execução de título extrajudicial em face da Fazenda Pública, vez que tais questões foram dirimidas pelo STJ com
a edição das Súmulas 339 e 279 e a positivação de tal entendimento pelos arts. 700, § 6º, e 910 do CPC/15. 17 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. V.2. 41.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007,
p. 404. 18 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. V.4. 3.ed. São Paulo: Malheiros, 2009,
p. 707/711.
16
Nem poderia ser diferente, visto que o pagamento de uma condenação judicial há de
ser feito mediante precatório. Logo, a execução intentada contra a Fazenda Pública
não decorre da existência desta em não pagar o valor constante da sentença, mas sim
da necessidade de se obedecer à ordem cronológica de inscrição dos precatórios.
Como o regime de precatórios é o meio normal de satisfação da pretensão, não há
insatisfação nem causalidade, afastando-se, bem por isso, a exigência de fixação de
honorários no cumprimento de sentença não impugnado19.
Diversa é a solução quanto à execução de título extrajudicial não embargada pela
Fazenda Pública. Em tal hipótese os honorários são devidos, não se aplicando o § 7º do art. 85
do CPC. Leonardo Carneiro da Cunha justifica a distinção pelo fato de que a existência de título
executivo extrajudicial pressupõe obrigação conhecida da Fazenda Pública, para a qual havia
ou deveria haver dotação orçamentária, e cujo descumprimento deu ensejo à execução20. Esta
também foi a conclusão do enunciado 240 do FPPC21.
4.3. Reflexos do regime constitucional na execução em face da Fazenda Pública: não
incidência de juros no período compreendido entre a expedição do precatório e o
prazo previsto para seu pagamento
A incidência contínua de juros de mora a partir do termo inicial até a data do
efetivo pagamento constitui outra particularidade que demanda análise na execução em face da
Fazenda Pública.
Dispõe o art. 100, § 5º, da Constituição Federal que “é obrigatória a inclusão, no
orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos,
oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários
apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando
terão seus valores atualizados monetariamente”.
19 CUNHA, Leonardo Carneiro. A Fazenda Pública em juízo. 15.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 132. 20 CUNHA, Leonardo Carneiro. A Fazenda Pública em juízo. 15.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 135. 21 FPPC, Enunciado 240. (arts. 85, § 3º, e 910) São devidos honorários nas execuções fundadas em título executivo
extrajudicial contra a Fazenda Pública, a serem arbitrados na forma do § 3º do art. 85. (Grupo: Advogado e
Sociedade de Advogados. Prazos).
17
A menção apenas à atualização monetária associada à prerrogativa de que os
precatórios sejam pagos até o final do exercício seguinte levam ao entendimento de que não
haverá a incidência de juros de mora no período compreendido entre a apresentação do
precatório e o prazo constitucional estipulado para seu pagamento. Sobre o tema, Leonardo
Carneiro da Cunha sustenta que
Em primeiro lugar, a previsão contida no § 5º do art. 100 da Constituição Federal
alude, apenas, a correção monetária, não se referindo a juros moratórios. Logo, não
seria possível o cômputo dos juros no período entre a inscrição do precatório e a data
do efetivo pagamento.
Demais disso, os juros incidem em razão da mora do devedor; o atraso no pagamento
acarreta a necessidade de se computarem juros no valor da dívida. No caso do
precatório, já se viu que, uma vez inscrito até o dia 1 de julho, o crédito correspondente
deve ser pago até o final do exercício seguinte. Então, a Fazenda Pública dispõe desse
prazo para efetuar o pagamento. Realizado o pagamento nesse período
constitucionalmente fixado, não há mora; assim, não havendo falar em cômputo de
juros.
[...]
Na verdade, os juros moratórios somente incidem a partir do atraso no pagamento, ou
seja, decorrido o exercício financeiro, e não tendo sido pago, a partir de janeiro do ano
seguinte é que deve iniciar o cômputo dos juros. Assim, tome-se como exemplo um
precatório que tenha sido inscrito até o dia 1º de julho de 2017. Deverá, como se viu,
ser efetuado o pagamento até o dia 31 de dezembro de 2018, respeitada a ordem
cronológica de inscrição. Sendo o pagamento realizado até aquele dia 31 de dezembro,
não haverá cômputo de juros moratórios, pois não houve inadimplemento. Passado,
contudo, o dia 31 de dezembro de 2018, sem que tenha havido o pagamento, incidirão
juros moratórios a partir de 1º de janeiro de 2019 até a data em que ocorrer o efetivo
pagamento22.
O tema foi objeto de Súmula Vinculante neste mesmo sentido, enunciando que
“durante o período previsto no parágrafo 1º do artigo 100 da Constituição, não incidem juros
de mora sobre os precatórios que nele sejam pagos” (Súmula Vinculante 17).
A mesma sistemática aplica-se no pagamento das requisições de pequeno
valor23. Conforme decidido pelo STF no julgamento do ARE 638.195, “é devida correção
22 CUNHA, Leonardo Carneiro. A Fazenda Pública em juízo. 15.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 390/391. 23 Nos termos do § 1º do art. 100 da CF, “os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de
salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por
18
monetária no período compreendido entre a data de elaboração do cálculo da requisição de
pequeno valor - RPV e sua expedição para pagamento”24, assim como entre sua expedição e
seu pagamento. Contudo, no prazo previsto para o pagamento da RPV, não haverá que se falar
na incidência de juros, já que de mora não se cuida.
Para além de reflexos quanto aos honorários e um intervalo na incidência dos
juros de mora, há uma questão final a ser analisada, com impactos ainda mas relevantes sobre
o credor da Fazenda Pública: a taxa de juros moratórios e o índice de correção monetária a
serem aplicados em face da Fazenda Pública.
4.4. Controvérsias em controle concentrado sobre o índice de correção monetária
aplicável nas condenações à Fazenda Pública
A Emenda Constitucional 62/2009 inseriu o § 12 ao art. 100 da Constituição
Federal para dispor que “a partir da promulgação desta Emenda Constitucional, a atualização
de valores de requisitórios, após sua expedição, até o efetivo pagamento, independentemente
de sua natureza, será feita pelo índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança,
e, para fins de compensação da mora, incidirão juros simples no mesmo percentual de juros
incidentes sobre a caderneta de poupança, ficando excluída a incidência de juros
compensatórios”.
As regras contidas em tal dispositivo foram objeto de arguição de
inconstitucionalidade nas ADI 4.425 e 4.35725, com destaque para as discussões em torno do
arbitramento da remuneração básica da caderneta de poupança como índice de correção
morte ou por invalidez, fundadas em responsabilidade civil, em virtude de sentença judicial transitada em julgado
[...]”.
O § 3º do art. 100 da CF remete a definição de obrigações de pequeno valor ao legislador infraconstitucional. O §
4º do mesmo art. 100 também estabelece que “para os fins do disposto no § 3º, poderão ser fixados, por leis
próprias, valores distintos às entidades de direito público, segundo as diferentes capacidades econômicas, sendo o
mínimo igual ao valor do maior benefício do regime geral de previdência social”.
Até que se dê a publicação das leis definidoras do tema por cada ente federativo, o art. 87 do ADCT fixa em 40
salários mínimos o valor das requisições de pequeno valor perante a Fazenda dos Estados e do Distrito Federal, e
em 30 salários mínimos o valor das requisições de pequeno valor perante as Fazendas municipais. A Lei 10.259/01,
que trata do rito das ações em trâmite perante Juizados Especiais Federais, elevou este limite para 60 salários
mínimos (arts. 3º e 17, § 1º). 24 ARE 638195, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, julgado em 29/05/2013, acórdão eletrônico
repercussão geral - mérito DJe-246 divulg 12-12-2013 public 13-12-2013. 25 Dentre outras discussões igualmente relevantes.
19
monetária e da fixação de índice único de atualização dos créditos (“independentemente de sua
natureza”).
Quanto à utilização da remuneração básica da caderneta de poupança como
índice de correção monetária, concluiu o STF que este não reflete a perda de poder aquisitivo
da moeda, de modo que sua utilização “implica indevida e intolerável constrição à eficácia da
atividade jurisdicional. Uma afronta à garantia da coisa julgada e, por reverberação, ao
protoprincípio da separação dos Poderes”. Como bem registrou o Ministro Ayres Britto, “basta
ver que, nos últimos quinze anos (1996 a 2010), enquanto a TR (taxa de remuneração da
poupança) foi de 55,77%, a inflação foi de 97,85%, de acordo com o IPCA”.
A inconstitucionalidade da atualização monetária dos débitos fazendários
inscritos em precatórios segundo o índice oficial de remuneração da caderneta de poupança,
nos termos do § 12º do art. 100 da CF, na redação dada pela EC 62/2009, também foi
reconhecida com fundamento na violação ao direito fundamental de propriedade (CF, art. 5º,
XXII), “na medida em que é manifestamente incapaz de preservar o valor real do crédito de
que é titular o cidadão. A inflação, fenômeno tipicamente econômico-monetário, mostra-se
insuscetível de captação apriorística (ex ante), de modo que o meio escolhido pelo legislador
constituinte (remuneração da caderneta de poupança) é inidôneo a promover o fim a que se
destina (traduzir a inflação do período)”.
Quanto ao arbitramento de um índice independente da natureza do crédito em
discussão, também prevista pelo § 1º do art. 100 da CF, concluiu o Supremo Tribunal Federal
que tal disposição viola a isonomia, especialmente no que toca à repetição de créditos tributários
em face da Fazenda Pública. Com efeito, se a exigibilidade do crédito tributário pela Fazenda
se faz segundo índices próprios (v.g. a SELIC, para tributos federais, o IPCA + 1% para tributos
municipais em São Paulo), não seria justo aplicar-se ao particular, quando credor do Estado em
sede de repetição de indébito, critérios diferentes para a atualização de tal crédito. Conforme
voto do Ministro Relator Ayres Britto na ADI 4.425,
Já no tocante à “compensação da mora”, estabeleceu o novo § 12 do art. 100 da
Constituição Federal que “incidirão juros simples no mesmo percentual de juros
incidentes sobre a caderneta de poupança”. Incidência que se dará sobre os valores
dos ofícios requisitórios, após sua expedição e até o efetivo pagamento,
“independentemente de sua natureza”. Pelo que a autora argui violação ao princípio
20
da isonomia, devido a que foi adotado critério de discriminação, sem motivo razoável,
entre a aplicação de juros aos débitos do Estado e aos do contribuinte.
Muito bem. Este Supremo Tribunal Federal já se debruçou sobre o tema no RE
453.740. Naquela oportunidade, o Plenário desta nossa Corte julgou constitucional o
art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, em sua redação originária, que dispunha não poderem
ultrapassar o percentual de seis por cento ao ano os juros de mora, “nas condenações
impostas à Fazenda Pública para pagamento de verbas remuneratórias devidas a
servidores e empregados públicos”. Lembro que fiquei vencido, na honrosa
companhia da Ministra Cármen Lúcia e dos Ministros Marco Aurélio e Sepúlveda
Pertence, por entender preterido o princípio da isonomia, pela discriminação que se
abria entre a parte processual privada credora e a parte estatal eventualmente credora,
também em Juízo, sabido que, pelo § 1º do art. 161 do Código Tributário Nacional,
os juros de mora são calculados à taxa de 1% ao mês em favor do Estado, salvo
expressa determinação legal em contrário.
Ora, no caso dos autos, as mesmas razões me parecem socorrer a requerente. Há,
porém, uma outra: no julgamento do RE 453.740, esta nossa Corte julgou
constitucional o art. 1º-F da Lei nº 9.494, em sua redação originária, porque o
dispositivo legal se referia à específica condenação do Estado ao pagamento de verbas
remuneratórias devidas a servidores e empregados públicos. Aduziu o eminente
relator, Ministro Gilmar Mendes, no que foi acompanhado pela maioria deste
Supremo Tribunal, que a situação não era comparável aos juros incidentes sobre o
crédito tributário. Isso porque, “o indébito tributário é resolvido por meio de
compensação ou restituição, nos termos do § 4º do art. 39 da Lei nº 9.250, de 1995,
que nos remete à taxa SELIC”. “Remunera-se do mesmo modo como se exige o
pagamento”, asseverou Sua Excelência. Sucede que o § 12 do art. 100 da Constituição
da República, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 62/2009, ordenou
que se aplicassem os juros de mora incidentes sobre a caderneta de poupança aos
valores constantes de ofícios requisitórios, “independentemente de sua natureza”.
Logo, até mesmo aos precatórios concernentes a restituições tributárias. Daí porque
tenho por inconstitucional, se não todo o § 12 do art. 100 da Constituição, pelo menos
o fraseado “independentemente de sua natureza”, para que aos precatórios de
natureza tributária se apliquem os mesmos juros de mora incidentes sobre todo e
qualquer crédito tributário.
A conclusão pela inconstitucionalidade do art. 100, § 12º, da CF resultou na
inconstitucionalidade, por arrastamento, da regra prevista no art. 1º-F da Lei 9.494/97, na
redação dada pela Lei 11.960/09. A extensão de tal declaração de inconstitucionalidade,
contudo, foi limitada, o que demanda a análise do tema em conjunto com o que decidiu a
Suprema Corte desta vez em controle difuso, no julgamento do RE 870.947. Este o tema de que
se passa a tratar.
4.5. Os critérios de correção monetária e juros fixados pelo art. 1º-F da Lei 9.494/97
21
Na mesma esteira da EC 62/2009 foi promulgada a Lei 11.960/09, que conferiu
a seguinte redação ao art. 1º-F da Lei 9.494/97:
Art. 1o-F. Nas condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua
natureza e para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação
da mora, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices
oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança.
A constitucionalidade do art. 1º-F da Lei 9.494/97, declarada por arrastamento
pelo STF por ocasião do julgamento das ADIs 4.357 e 4.425, foi também analisada em controle
difuso e em maior extensão no julgamento do RE 870.947. Como consignou o Ministro Relator
Luiz Fux ao início de seu voto, em sede de controle concentrado o Plenário “julgou
inconstitucional a fixação dos juros moratórios com base na remuneração da caderneta de
poupança apenas quanto aos precatórios de natureza tributária”.
Com efeito, no que concerne aos juros moratórios, o mesmo entendimento
esposado pelo Plenário nas ADIs 4.357 e 4.425 aqui prevaleceu pelo argumento da isonomia,
ali tratado. Assim,
1. Quanto aos juros moratórios incidentes sobre condenações oriundas de relação
jurídico-tributária, devem ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a
Fazenda Pública remunera seu crédito tributário, em respeito ao princípio
constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput);
2. Quanto aos juros moratórios incidentes sobre condenações oriundas de relação
jurídica não-tributária , devem ser observados os critérios fixados pela legislação
infraconstitucional, notadamente os índices oficiais de remuneração básica e juros
aplicados à caderneta de poupança, conforme dispõe o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97,
com a redação dada pela Lei nº 11.960/09.
Por sua vez, a análise da correção monetária sob o prisma do art. 1º-F da Lei
9.494/97 se deu em maior extensão do que aquela realizada em controle concentrado, tendo por
objeto o art. 100, § 12º, da CF, incluído pela EC 62/2009. Como bem observou o Ministro Luiz
Fux,
As expressões “uma única vez” e “até o efetivo pagamento” dão conta de que a
intenção do legislador ordinário foi reger a atualização monetária dos débitos
fazendários tanto na fase de conhecimento quanto na fase de execução. Daí por que o
STF, ao julgar as ADIs nº 4.357 e 4.425, teve de declarar a inconstitucionalidade por
22
arrastamento do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97. Essa declaração, porém, teve alcance
limitado e abarcou apenas a parte em que o texto legal estava logicamente vinculado
no art. 100, §12, da CRFB, incluído pela EC nº 62/09, o qual se refere tão somente à
“atualização de valores de requisitórios”.
Tomando por base a premissa de que a correção monetária só efetivamente
cumprirá o papel de assegurar o mesmo poder de compra, afastando os efeitos nefastos da
inflação, Sua Excelência propõe a adoção de índice de preços para a correção dos débitos da
Fazenda Pública.
Como se observa, os índices criados especialmente para captar o fenômeno
inflacionário são sempre obtidos em momentos posteriores ao período de referência e
guardam, por definição, estreito vínculo com a variação de preços na economia. A
razão aqui é simples: não é possível a qualquer ser humano saber ex ante o verdadeiro
valor da inflação, que somente é conhecido ex post. Essa constatação prática serve
para ilustrar que índices de correção monetária devem ser, ao menos em tese, aptos a
refletir a variação de preços que caracteriza o fenômeno inflacionário. Do contrário,
não se prestam aos objetivos visados com a sua utilização.
Em decorrência de tal premissa e considerando o direito de propriedade
garantido pelo art. 5º, XXII, da CF – já invocado por ocasião do julgamento das ADIs 4.357 e
4.425 –, concluiu a Suprema Corte que “a remuneração da caderneta de poupança não guarda
pertinência com a variação de preços na economia, sendo manifesta e abstratamente incapaz de
mensurar a variação do poder aquisitivo da moeda”.
Em suma síntese, o Supremo Tribunal Federal reputou inconstitucional o art. 1º-
F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina os
juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, ao incidir sobre débitos oriundos
de relação jurídico-tributária. Em atenção à isonomia, tais créditos devem ser acrescidos dos
mesmos juros moratórios pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito tributário. O
Tribunal reputou, no mais, constitucional o índice de remuneração da caderneta de poupança
para as condenações oriundas de relação jurídica não-tributária. Quanto à atualização monetária
das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de
poupança, o STF decidiu por sua inconstitucionalidade, por impor restrição desproporcional ao
direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), “uma vez que não se qualifica como medida
adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que
se destina”.
23
4.6. Validade da cláusula contratual específica que preveja índices para a correção de
créditos contratuais em face da Fazenda Pública: a natureza dispositiva ou de
ordem pública da regra prevista no art. 1º-F da Lei 9.494/97
A declaração de inconstitucionalidade do § 12º do art. 100 da CF e do art. 1º-F
da Lei 9.494/97 tem ensejado a aplicação arbitrária do IPCA-E para toda e qualquer condenação
à Fazenda Pública, desrespeitando inclusive a coisa julgada, a natureza tributária dos créditos
em discussão ou a previsão dos índices de juros e correção monetária nos contratos em que o
poder público é parte. Dados os efeitos nefastos de tal interpretação, em contrariedade à própria
isonomia, convém que o tema seja analisado com o devido vagar.
Longe de constituir uma interpretação do quanto decidiu o STF em sede de
controle concentrado e difuso, cabe destacar que a questão foi ressalva pela Suprema Corte em
várias passagens. A título exemplificativo, em voto proferido na ADI 4.425 o Ministro Ayres
Britto foi claro ao ressalvar que
[...] o § 12 do art. 100 da Constituição Federal não se reporta à correção monetária já
aplicada pelo Juízo competente. Trata, isto sim, de atualização dos valores constantes
de ofícios requisitórios, após sua expedição e até a data do efetivo pagamento.
No mesmo sentido, por ocasião do julgamento do RE 870.947 o Ministro Luiz
Fux lembrou que o art. 40, XI, da Lei 8.666/93 estabelece que os editais deverão prever “critério
de reajuste, que deverá retratar a variação efetiva do custo de produção, admitida a adoção de
índices específicos ou setoriais, desde a data prevista para apresentação da proposta, ou do
orçamento a que essa proposta se referir, até a data do adimplemento de cada parcela”, e assim
o faz pela simples razão de que “dificilmente um agente econômico aceitaria submeter-se
voluntariamente a um regime de atualização contratual desvinculado de um verdadeiro índice
de preços”.
O debate entre os Ministros Dias Toffoli e Luiz Fux no RE 870.947 é deveras
elucidativo:
O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI: Senhor Presidente, William Lamb,
historicamente conhecido como Lord Melbourne, em 1837, tornou-se tutor de Vitória,
24
depois, Rainha Vitória. Ela, ainda muito jovem, questionou Melbourne: o que é
governar? Como se faz um bom governo? E Lord Melbourne, então, respondeu –
Basicamente são só duas obrigações, dois deveres, duas funções: governar é manter o
cumprimento dos contratos – os pactos devem ser cumpridos – e a autoridade da
moeda; todo governante deve fazer cumprir os pactos e manter a autoridade da moeda.
É a questão, no fundo no fundo, de o Estado manter a estabilidade das relações sociais,
econômicas, políticas e institucionais – a segurança jurídica, ao fim e ao cabo.
A decisão tomada pela Corte – e ontem revisitamos esse tema nas ações diretas sobre
os precatórios – levou recentemente, o Tribunal Superior do Trabalho a fazer uma
leitura daquela declaração de inconstitucionalidade do art. [1º-F], na qual eu fiquei
vendido – votei pela constitucionalidade, na íntegra, da Emenda Constitucional nº 62.
Aquela decisão pertinente à aplicação da TR aos precatórios, levou o TST, em um
recurso em execução, a alterar o índice fixado na sentença de conhecimento da
repercussão geral e estabelecer que todas as ações trabalhistas, as reclamações
trabalhistas e execuções trabalhistas em curso passassem a não mais ser corrigidas
pela TR e sim pelo IPCA-E, inclusive aquelas com trânsito em julgado, o que nos faz
relembrar a célebre frase do ex-Ministro da Fazenda Pedro Malan: “no Brasil até o
passado é instável”. Fui sorteado relator de uma reclamação, suspendi essa decisão e,
inclusive, suspendi a reformulação do cálculo que o TST já tinha providenciado para
toda a Justiça Trabalhista.
De tal sorte que este tema está sob minha relatoria em uma reclamação. Evidentemente
que não diz diretamente com o tema aqui tratado. Não é o mesmo tema, mas é reflexo,
como lembrou o Ministro Teori, da declaração de inconstitucionalidade desse
dispositivo, que surtirá reflexos em causas, em contratos, em relações jurídicas, e nós
não temos o domínio de quantas elas sejam.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (RELATOR) – Ministro Toffoli, sem querer
interromper, já interrompendo. A verdade é a seguinte: nós estamos julgando um
recurso com repercussão geral que trata da correção monetária nas condenações da
Fazenda.
O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI: Eu sei bem do que trata.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (RELATOR) – Não tem contrato, não tem
cataclisma, não tem nada disso.
O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:E até porque eu sei bem do que trata, vou
pedir vista.
Vê-se, pois, que o colendo STF ressalvou que os critérios de correção monetária
e juros estipulados no art. 1º-F da Lei 9.494/97 não se aplicam aos casos em que tais critérios
de atualização tenham sido ajustados contratualmente.
Ora, se as partes livremente acordaram sobre os efeitos da mora no negócio
jurídico celebrado, não haverá que se falar na incidência dos critérios previstos pelo art. 1º-F da
Lei 9.494/97.
25
O art. 1º-F da Lei 9.494/97 possui natureza supletiva, isto é, somente prescreve
os critérios de correção monetária e juros de mora nas hipóteses que não houver outra
disposição legal (e em matéria tributária, como bem reconheceu o C. STF no julgamento das
ADI’s nºs. 4.357 e 4.425) ou contratual que trate do tema.
Assim, data máxima vênia, a discussão em torno da inconstitucionalidade do art.
1º-F ou a aplicabilidade da nova sistemática aos processos em curso em nada afeta a execução,
tendo em vista que a mesma funda-se em relação contratual, na qual as partes estipularam, de
forma livre e consensual, os critérios de correção monetária e a incidência de juros moratórios.
Assim nos parece porque o artigo 406 do Código Civil expressamente reserva à
vontade das partes contratantes a deliberação acerca da “taxa de juros moratórios”, sendo que,
somente na omissão contratual, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora
do pagamento26.
A se admitir a aplicação irrestrita dos índices previstos pelo art. 1º-F da Lei
9.494/97, a Fazenda Pública dificilmente poderia obter empréstimos e financiamentos junto a
instituições financeiras e organismos de fomento, tampouco a iniciativa privada – e no caso em
tela, a Recorrente – manifestaria qualquer interesse no parcelamento de créditos detidos perante
o poder público, na medida em que quaisquer contratos e suas respectivas cláusulas de reajuste
e incidência de juros moratórios e remuneratórios seriam ignorados por ocasião da exigência
de tais créditos em juízo, resultando em um cenário de que mesmo o eufemismo denominaria
irresponsabilidade contratual.
Entendimento em sentido contrário, assim nos parece, viola expressamente a
garantia constitucional constante do inciso XXXVI, do art. 5º, da Constituição Federal, segundo
o qual “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. A
previsão de que a Lei não prejudicará a coisa julgada e o ato jurídico perfeito busca justamente
proteger as relações contratuais estabelecidas, conferindo-lhes segurança jurídica em face de
eventuais alterações legislativas.
Considerações Finais
26 CC, art. 406. “Os juros moratórios, quando não convencionados, serão fixados segundo a taxa que estiver em
vigor para a mora do pagamento de imposto devido à Fazenda Nacional.
26
Os juros e a correção monetária, temas no mais das vezes relevados pelos
litigantes como de menor importância, devem receber maior atenção em razão de seu impacto
na administração das contingências e no processo de tomada de decisão para resolve-las. O
CPC/15, nesse sentido, bem andou ao exigir em seu art. 491 que, em regra, nas ações relativas
à obrigação de pagar quantia, ainda que formulado pedido genérico, “a decisão definirá desde
logo a extensão da obrigação, o índice de correção monetária, a taxa de juros, o termo inicial
de ambos e a periodicidade da capitalização dos juros, se for o caso”.
Em suma síntese, a correção monetária visa assegurar o real valor do crédito no
tempo frente à inflação, ao passo que os juros de mora visam compensar o credor pelo tempo
em que foi privado de seu crédito em razão do inadimplemento.
Os juros e a correção monetária dos débitos em face da Fazenda Pública
sujeitam-se a regras próprias, em especial conforme o disposto no art. 100, § 12º, da CF e no
art. 1º-F da Lei 9.494/97. Sua incidência segue em vários aspectos a teoria geral da legislação
civil, como por exemplo no tocante ao termo inicial dos juros moratórios, consoante dispõe a
Lei 4.414/64, que ensejou a revisão da Súmula 163 pelo STF. De outra parte, no período
compreendido entre a expedição de precatório e o prazo constitucional para seu pagamento, não
haverá a incidência de juros moratórios (Súmula Vinculante 17), mas apenas de correção
monetária (CF, art. 100, § 5º).
Os critérios para correção monetária e incidência de juros de mora dos créditos
em face da Fazenda Pública, dispostos no § 12º do art. 100 da CF, com redação dada pela EC
62/2009, tiveram sua inconstitucionalidade declarada no âmbito das ADIs 4.357 e 4.425, com
destaque para as discussões em torno do arbitramento da remuneração básica da caderneta de
poupança como índice de correção monetária e da fixação de índice único de atualização dos
créditos (“independentemente de sua natureza”).
Quanto à utilização da remuneração básica da caderneta de poupança como
índice de correção monetária, concluiu o STF que este não reflete a perda de poder aquisitivo
da moeda, de modo que sua utilização “implica indevida e intolerável constrição à eficácia da
atividade jurisdicional. Uma afronta à garantia da coisa julgada e, por reverberação, ao
protoprincípio da separação dos Poderes”. A inconstitucionalidade da atualização monetária
27
dos débitos fazendários inscritos em precatórios segundo o índice oficial de remuneração da
caderneta de poupança, também foi reconhecida com fundamento na violação ao direito
fundamental de propriedade (CF, art. 5º, XXII), na medida em que é manifestamente incapaz
de preservar o valor real do crédito de que é titular o cidadão.
Quanto ao arbitramento de um índice independente da natureza do crédito em
discussão, também prevista pelo § 1º do art. 100 da CF, concluiu o Supremo Tribunal Federal
que tal disposição viola a isonomia, especialmente no que toca à repetição de créditos tributários
em face da Fazenda Pública.
A conclusão pela inconstitucionalidade do art. 100, § 12º, da CF resultou na
inconstitucionalidade, por arrastamento, da regra prevista no art. 1º-F da Lei 9.494/97, na
redação dada pela Lei 11.960/09. A extensão de tal declaração de inconstitucionalidade,
limitada em sede de controle concentrado, foi analisada em sede de controle difuso no
julgamento do RE 870.947. Nesta oportunidade, o Supremo Tribunal Federal reputou
inconstitucional o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na
parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, ao
incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária. Em atenção à isonomia, tais
créditos devem ser acrescidos dos mesmos juros moratórios pelos quais a Fazenda Pública
remunera seu crédito tributário. O Tribunal reputou, no mais, constitucional o índice de
remuneração da caderneta de poupança para as condenações oriundas de relação jurídica não-
tributária. Quanto à atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública
segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, o STF decidiu por sua
inconstitucionalidade, por impor restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB,
art. 5º, XXII), “uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de
preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina”.
A declaração de inconstitucionalidade do § 12º do art. 100 da CF e do art. 1º-F
da Lei 9.494/97 tem ensejado a aplicação arbitrária do IPCA-E para toda e qualquer condenação
à Fazenda Pública, desrespeitando inclusive a coisa julgada, a natureza tributária dos créditos
em discussão ou a previsão dos índices de juros e correção monetária nos contratos em que o
poder público é parte. O respeito à força vinculante dos contratos foi externado tanto no
julgamento da ADI 4.425 como no julgamento do RE 870.947, inclusive com destaque à
previsão de estipulação de índices específicos na celebração de contratos administrativos (art.
28
40, XI, da Lei 8.666/93), tendo o colendo STF ressalvado que os critérios de correção monetária
e juros estipulados no art. 1º-F da Lei 9.494/97 não se aplicam aos casos em que tais critérios
de atualização tenham sido ajustados contratualmente.
Destarte, o art. 1º-F da Lei 9.494/97 possui natureza supletiva, isto é, somente
prescreve os critérios de correção monetária e juros de mora nas hipóteses que não houver outra
disposição legal ou contratual que trate do tema. Entendimento em sentido contrário, assim nos
parece, viola expressamente a garantia constitucional constante do inciso XXXVI, do art. 5º, da
Constituição Federal, segundo o qual “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico
perfeito e a coisa julgada”. A previsão de que a Lei não prejudicará a coisa julgada e o ato
jurídico perfeito busca justamente proteger as relações contratuais estabelecidas, conferindo-
lhes segurança jurídica em face de eventuais alterações legislativas.
Atribui-se a Pedro Malan a máxima de que “no Brasil até o passado é incerto”.
É neste contexto que, não bastassem as discussões havidas em torno da constitucionalidade das
disposições acerca dos juros e correção monetária, bem como da modulação de efeitos no
reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 100, conforme redação dada pela EC 62/2009,
o STF recentemente reconheceu a repercussão geral da discussão em torno da possibilidade de
revisão dos critérios de correção monetária e juros em face da Fazenda Pública fixados por
decisão transitada em julgada.
Com efeito, discute-se no RE 1.086.58327 a constitucionalidade de decisão do
TST que determinou a revisão de cálculos de precatório expedido para reduzir os juros de mora
de 1% para 0,5% após a edição da Medida Provisória nº 2.180-35/01, convertida na Lei nº
9.494/1997.
27 COISA JULGADA - SENTENÇA DE LIQUIDAÇÃO - PRECLUSÃO - MODIFICAÇÃO POSTERIOR -
TÍTULO JUDICIAL CONDENATÓRIO - RELAÇÃO JURÍDICA - REGIME - MODIFICAÇÃO -
ADMISSIBILIDADE NA ORIGEM - RECURSO EXTRAORDINÁRIO - REPERCUSSÃO GERAL
CONFIGURADA. Possui repercussão geral a controvérsia alusiva à intangibilidade da coisa julgada no tocante
aos juros estabelecidos em processo de conhecimento ou de execução contra a Fazenda Pública, bem como a
relativa à mitigação de título judicial condenatório, ante a transformação de empregos públicos em cargos sob o
regime estatutário.
(STF, RE 1086583 RG, Relator(a): Min. Marco Aurélio, julgado em 07/12/2017, Processo eletrônico DJe-038
Divulg 27-02-2018 Public 28-02-2018 )
29
Tratando-se, como já apontado na Introdução, de uma velha discussão sempre
presente, convém citar os comentários de Cássio Scarpinella Bueno em atenção ao art. 1º-E da
Lei 9.494/9728:
[...] Não é difícil verificar que, no foro, haverá aqueles que sustentarão que essa
‘limitação dos juros moratórios” tem aplicação imediata nos feitos em curso,
independentemente do trânsito em julgado. Para que não haja dúvida a respeito disso,
dirão os mentores dessa tese, é que o novo art. 1º-E da Lei n. 9.494/97 previu a
atividade, oficiosa até, do Presidente do Tribunal para “corrigir” eventuais excessos
nos valores já requisitados para pagamento. Coisa julgada? Só se for para estabilizar
as ações relativas a direito privado, em que inexiste um “interesse público” que quer,
a todo custo, sobrepairar a ordem jurídica.
A meu ver, o art. 1º-E da Lei n. 9.494/97 não serve para desconstituir essa “coisa
julgada”. Justamente porque, se já houve condenação, e nela estavam imputados juros
superiores ao limite agora imposto pelo art. 1º-F do mesmo diploma legal, há inegável
direito adquirido. A nova norma só poderá ter aplicação plena para os novos casos,
ainda não julgados ou, quando menos, ainda pendentes de recursos que admitam a
incidência da regra do jus superveniens do art. 462 do Código de Processo Civil29.
Dada a expectativa de que a discussão não perderá o seu objeto em razão do
pagamento do precatório em questão, caberá ao STF decidir o tema – a favor do respeito à coisa
julgada, do Estado, do Governo ou do credor – mas certamente a favor da segurança e da
estabilidade das relações jurídicas entre o particular e a Fazenda Pública, a menos até que
sobrevenha uma nova Emenda Constitucional que pretenda pôr fim à questão dos precatórios
pelos mais variados métodos, inclusive, se o caso, pela previsão de que caberá ao Estado
finalmente honrar suas obrigações.
Referências Bibliográficas
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BUENO, Cássio Scarpinella (coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. v.3. São
Paulo: Saraiva, 2017.
______. O poder público em juízo. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
28 Lei 9.494/97, art. 1o-E. São passíveis de revisão, pelo Presidente do Tribunal, de ofício ou a requerimento das
partes, as contas elaboradas para aferir o valor dos precatórios antes de seu pagamento ao credor. 29 BUENO, Cássio Scarpinella. O poder público em juízo. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 294.
30
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DIDIER Jr., Fredie. Curso de direito processual civil: execução. V.5. 8.ed. Salvador:
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STF, ADI 4425, Relator(a): Min. Ayres Britto, Relator(a) p/ Acórdão: Min. Luiz Fux, Tribunal
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