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1 A INCIDÊNCIA DE JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA NA CONDENAÇÃO E NA SATISFAÇÃO DE CRÉDITOS EM FACE DA FAZENDA PÚBLICA Pétrick Joseph Janofsky Canonico Pontes 1 Resumo: O artigo analisa a incidência de juros e correção monetária na condenação e na execução de créditos em face da Fazenda Pública, considerando o disposto no art. 100, § 12º, da CF e no art. 1º-F da Lei 9.494/97. Além da inconstitucionalidade de tais disposições, conforme ADI 4.357 e 4.425 e o RE 870.947, analisa-se o caráter supletivo de referido art. 1º- F, bem como a incidência de tais consectários conforme as normas procedimentais específicas para a execução em face da Fazenda Pública. Palavras-chave: Execução. Fazenda Pública. Juros. Correção monetária. Introdução ................................................................................................................................. 2 1. Juros de mora e correção monetária: conceito .................................................................. 4 2. Termo inicial para incidência dos juros moratórios .......................................................... 6 2.1. A regra geral .............................................................................................................. 6 2.2. Peculiaridades quanto ao termo inicial dos juros de mora nas pretensões em face da Fazenda Pública .................................................................................................................... 7 3. A taxa de juros aplicável ................................................................................................... 9 3.1. A regra geral: SELIC ou 1% ao mês? ........................................................................ 9 3.2. Ainda a regra geral: o direito intertemporal ............................................................. 13 4. Consectários na condenação da Fazenda Pública ........................................................... 14 4.1. Regime constitucional da execução contra a Fazenda Pública ................................ 14 4.2. Reflexos do regime constitucional na execução em face da Fazenda Pública: honorários advocatícios ...................................................................................................... 15 1 Graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Especialista e mestrando em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Advogado. E-mail: [email protected].

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Page 1: A INCIDÊNCIA DE JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA NA … · Vol. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 278). 4 Some-se a tais circunstâncias a discussão quanto à possibilidade de execução

1

A INCIDÊNCIA DE JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA NA CONDENAÇÃO E NA

SATISFAÇÃO DE CRÉDITOS EM FACE DA FAZENDA PÚBLICA

Pétrick Joseph Janofsky Canonico Pontes1

Resumo: O artigo analisa a incidência de juros e correção monetária na condenação e na

execução de créditos em face da Fazenda Pública, considerando o disposto no art. 100, § 12º,

da CF e no art. 1º-F da Lei 9.494/97. Além da inconstitucionalidade de tais disposições,

conforme ADI 4.357 e 4.425 e o RE 870.947, analisa-se o caráter supletivo de referido art. 1º-

F, bem como a incidência de tais consectários conforme as normas procedimentais específicas

para a execução em face da Fazenda Pública.

Palavras-chave: Execução. Fazenda Pública. Juros. Correção monetária.

Introdução ................................................................................................................................. 2

1. Juros de mora e correção monetária: conceito .................................................................. 4

2. Termo inicial para incidência dos juros moratórios .......................................................... 6

2.1. A regra geral .............................................................................................................. 6

2.2. Peculiaridades quanto ao termo inicial dos juros de mora nas pretensões em face da

Fazenda Pública .................................................................................................................... 7

3. A taxa de juros aplicável ................................................................................................... 9

3.1. A regra geral: SELIC ou 1% ao mês? ........................................................................ 9

3.2. Ainda a regra geral: o direito intertemporal ............................................................. 13

4. Consectários na condenação da Fazenda Pública ........................................................... 14

4.1. Regime constitucional da execução contra a Fazenda Pública ................................ 14

4.2. Reflexos do regime constitucional na execução em face da Fazenda Pública:

honorários advocatícios ...................................................................................................... 15

1 Graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Especialista e mestrando em Direito Processual

Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Advogado. E-mail: [email protected].

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2

4.3. Reflexos do regime constitucional na execução em face da Fazenda Pública: não

incidência de juros no período compreendido entre a expedição do precatório e o prazo

previsto para seu pagamento ............................................................................................... 16

4.4. Controvérsias em controle concentrado sobre o índice de correção monetária aplicável

nas condenações à Fazenda Pública .................................................................................... 18

4.5. Os critérios de correção monetária e juros fixados pelo art. 1º-F da Lei 9.494/97 .. 20

4.6. Validade da cláusula contratual específica que preveja índices para a correção de

créditos contratuais em face da Fazenda Pública: a natureza dispositiva ou de ordem pública

da regra prevista no art. 1º-F da Lei 9.494/97 ..................................................................... 23

Considerações Finais .............................................................................................................. 25

Referências Bibliográficas ...................................................................................................... 29

Introdução

Os juros e a correção monetária são temas no mais das vezes relevados pelos

litigantes como de menor importância. Na fase de conhecimento, não raro se opta por recorrer

apenas da condenação principal, na esperança de se reverter uma decisão de mérito,

descuidando-se de impugnar, mesmo que subsidiariamente, os critérios de incidência de tais

verbas acessórias. Na fase executiva, por sua vez, o tema passa a receber maior atenção, tendo

as partes afinal começado a ponderar, especialmente após a edição da Lei 11.232/05 e da

afamada multa de 10% prevista no art. 475-J do CPC revogado, sobre o impacto de tais verbas

acessórias na administração das contingências e no processo de tomada de decisão para resolve-

las.

Fossem os processos efetivamente céleres, sua duração razoável não precisaria

ter sido alçada à condição de garantia fundamental (CF, art. 5º, LXXVIII). A verdade, porém,

é que os processos levam considerável tempo para serem concluídos, a ponto de os acessórios,

como os juros e a correção monetária enfim passarem a receber atenção.

O CPC/15, nesse sentido, bem andou ao exigir em seu art. 491 que, em regra,

nas ações relativas à obrigação de pagar quantia, ainda que formulado pedido genérico, “a

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decisão definirá desde logo a extensão da obrigação, o índice de correção monetária, a taxa de

juros, o termo inicial de ambos e a periodicidade da capitalização dos juros, se for o caso”.

Concordamos com a posição de Luiz Henrique Volpe Camargo de que

[...] a novidade é muito bem-vinda, pois tem o mérito de: (a) possibilitar o adequado

cumprimento espontâneo (art. 526) ou forçado (arts. 523 e s.) da sentença; e (b)

eliminar desnecessárias – e muitas vezes longas – discussões na fase de cumprimento

de sentença que, durante a vigência do CPC/73, decorriam da omissão judicial em,

desde logo, já na fase, definir os critérios para a elaboração do “demonstrativo

discriminado e atualizado do crédito” (caput do art. 524) e da inexistência de um

programa oficial de elaboração do demonstrativo discriminado do crédito (§ 3º do art.

510)2.

Os litígios em face da Fazenda Pública3 não fogem a esta lógica; bem ao oposto,

o regime especial da execução foi previsto pelo art. 100 da CF, associado à notória ineficiência

da Fazenda Pública em honrar suas obrigações nos prazos constitucionalmente fixados4, torna

a questão dos juros e da correção monetária ainda mais relevante.

2 CAMARGO, Luiz Henrique Volpe in BUENO, Cássio Scarpinella (coord.). Comentários ao Código de Processo

Civil. v.3. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 440. 3 “Fazenda. Na técnica do Direito Público Administrativo, é o vocábulo representativo de direito, foro, tributo ou

pensão, devidos ao Estado.

Por extensão, passou a designar não somente a soma de rendimentos constitutivos de sua receita, a soma de bens,

que são do domínio do Estado, como a própria organização pública, a que está afeta a administração desses valores.

Desse modo, na técnica do Direito Público Administrativo, fazenda quer significar a soma de interesses financeiros

do Estado, compreendidos por todas as suas riquezas ou bens, inclusive a gestão dos negócios que lhe são inerentes.

Restritivamente, significa erário, fisco ou tesouro público.

E consoante os limites territoriais ou jurisdição abrangida, particularmente, dizem-se Fazenda Federal, Fazenda

Nacional ou Fazenda Pública, Fazenda Estadual e Fazenda Municipal” (SILVA, De Plácido e. Vocabulário

jurídico. Vol. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 278). 4 Some-se a tais circunstâncias a discussão quanto à possibilidade de execução provisória em face da Fazenda

Pública. Parece-nos possível o cumprimento provisório de sentença contra a Fazenda Pública, a qual prosseguirá

até o momento anterior à expedição do precatório ou RPV. Isto porque, se é certo que os §§ 3º e 5º do art. 100

exigem o trânsito em julgado para expedição de RPV e precatório, tais fatos não impedem que o cumprimento da

sentença seja requerido, inclusive possibilitando o oferecimento de impugnação pela Fazenda Pública e o seu

julgamento. Rejeitada a impugnação, bastará aguardar o trânsito em julgado para se expedir o precatório ou RPV.

Leonardo Carneiro da Cunha compartilha de tal entendimento, conforme: “É possível o cumprimento provisório

de sentença contra a Fazenda Pública. O art. 100 da Constituição Federal exige, para expedição de precatório (§

5º) ou de RPV (§ 3º), o prévio trânsito em julgado. Isso, porém, não impede o cumprimento provisório da sentença

contra a Fazenda Pública. O que não se permite é a expedição do precatório ou da RPV antes do trânsito em

julgado, mas nada impede que já se ajuíze o cumprimento da sentença e se adiante o procedimento, aguardando-

se, para a expedição do precatório ou da RPV, o trânsito em julgado” (CUNHA, Leonardo Carneiro. A Fazenda

Pública em juízo. 15.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 410).

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Sensível a tais peculiaridades, o legislador – talvez mais por questões de governo

que de Estado, ousamos cogitar – de tempos em tempos prevê moratórias, parcelamentos e

rearranjos para sanar a famigerada questão dos precatórios e das dívidas das Fazendas Públicas.

O presente artigo propõe debruçar-se apenas sobre uma parte literalmente

acessória desta importante questão, a saber, a incidência de juros e correção monetária na

condenação e na execução de créditos em face da Fazenda Pública, considerando o disposto no

art. 100, § 12º, da CF e no art. 1º-F da Lei 9.494/97. Além da inconstitucionalidade de tais

disposições, conforme ADI 4.357 e 4.425 e o RE 870.947, analisa-se o caráter supletivo de

referido art. 1º-F, bem como a incidência de tais consectários conforme as normas

procedimentais específicas para a execução em face da Fazenda Pública.

1. Juros de mora e correção monetária: conceito

Os juros e a correção monetária são comumente tratados em conjunto, quer na

legislação de direito material, quer na legislação processual. Não bastasse a previsão de índices

de juros e correção monetária nos dispositivos em destaque (o art. 100, § 12º, da CF e o art. 1º-

F da Lei 9.494/97), vale citar, a título exemplificativo, que o art. 292, I, do CPC prevê que o

valor da causa na ação de cobrança de dívida será a soma monetariamente corrigida do

principal, dos juros de mora vencidos [...]; o pedido implícito compreende “os juros legais, a

correção monetária e as verbas de sucumbência, inclusive os honorários advocatícios” (CPC,

art. 322, § 1º); o art. 491 do CPC exige que a decisão da ação relativa obrigação de pagar quantia

deverá em regra fixar “desde logo a extensão da obrigação, o índice de correção monetária, a

taxa de juros, o termo inicial de ambos e a periodicidade da capitalização dos juros [...]”; o

requerimento de cumprimento de sentença que reconhece a obrigação de pagar quantia certa

deverá conter “o termo inicial e o termo final dos juros e da correção monetária utilizados” (art.

524, IV), sendo a regra igualmente reproduzida para a execução em face da Fazenda Pública

(art. 534, IV) e nos requisitos para elaboração do demonstrativo de débito em execução (art.

798, parágrafo único); ao dispor sobre os direitos do sócio após a data de resolução, o parágrafo

único do art. 608 refere-se conjuntamente aos juros e à correção monetária; a penhora deverá

recair sobre o montante atualizado do débito e acrescido de juros (art. 831); por fim, a moratória

legal prevista pelo art. 916 demanda o depósito de parcela inicial e o parcelamento do saldo

restante “em até 6 (seis) parcelas mensais, acrescidas de correção monetária e de juros de um

por cento ao mês”.

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Embora os institutos sejam comumente tratados em conjunto, há que distingui-

los, inclusive para se analisar os critérios, termos inicial e final e sua incidência.

Segundo Pontes de Miranda, “entende-se por juros o que o credor pode exigir

pelo fato de ter prestado ou de não ter recebido o que se lhe devia prestar. Numa e noutra

espécie, foi privado de valor, que deu, ou de valor, que teria de receber e não recebeu”5.

O Ministro Luiz Fux, ao analisar a constitucionalidade do art. 1º-F no julgamento

do RE 870.947, também foi instado a distinguir os institutos:

“Em primeiro lugar, aponto um aspecto de ordem lógico-conceitual. Remuneração e

atualização de valores são conceitos jurídicos bem delimitados e distintos. Como o

rótulo sugere, a remuneração da caderneta de poupança representa o retorno devido

ao investidor em razão da perda de disponibilidade sobre capital próprio. Em termos

jurídicos, são os frutos civis do capital, os juros; em linguagem econômica ,

representam o custo de oportunidade do capital. Já a correção monetária traduz-se na

mera recomposição do poder aquisitivo da moeda em virtude do fenômeno

inflacionário. Não se destina a remunerar qualquer coisa, senão apenas a manter

constante o valor real de certa expressão monetária. É possível, pois, que a

remuneração do capital seja, em alguma medida, predefinida. [...] Já a correção

monetária não é jamais prefixada, uma vez que a inflação é insuscetível de captação

apriorística6.

A definição e distinção a correção monetária e os juros também recebeu a

atenção do Min. Ayres Britto ao início do julgamento das ADIs 4.357 e 4.425, conforme:

[...] a correção monetária [...] é instituto jurídico-constitucional, porque tema

específico ou a própria matéria de algumas normas figurantes do nosso Magno Texto,

tracejadoras de um peculiar regime jurídico para ela. Instituto que tem o pagamento

em dinheiro como fato-condição de sua incidência e, como objeto, a agravação

quantitativa desse mesmo pagamento. Agravação, porém, que não corresponde a uma

sobrepaga, no sentido de constituir obrigação nova que se adiciona à primeira, com o

fito de favorecer uma das partes da relação jurídica e desfavorecer a outra. Não é isso.

Ao menos no plano dos fins a que visa a Constituição, na matéria, ninguém enriquece

e ninguém empobrece por efeito de correção monetária, porque a dívida que tem o seu

valor nominal atualizado ainda é a mesma dívida.

[...]

5 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Parte Especial, Tomo XXIV, cap. III, p. 77. 6 RE 870947, Rel. Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 20/09/2017, acórdão eletrônico DJe-262 divulg 17-

11-2017 public 20-11-2017, voto do Min. Luiz Fux.

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Daí me parecer correto ajuizar que a correção monetária constitui verdadeiro direito

subjetivo do credor, seja ele público, ou, então, privado. Não, porém, uma nova

categoria de direito subjetivo, superposta àquele de receber uma prestação

obrigacional em dinheiro. O direito mesmo à percepção da originária paga é que só

existe em plenitude, se monetariamente corrigido7.

Justamente por se prestarem a fins diversos – em suma síntese, a correção

monetária visa assegurar o real valor do crédito no tempo frente à inflação, ao passo que os

juros de mora visam compensar o credor pelo tempo em que foi privado de seu crédito em razão

do inadimplemento – os juros de mora e a correção monetária possuem termos, índices e

critérios de incidência diversos. Tais questões são expostas a seguir, com considerações sobre

a regra geral de tais institutos e as peculiaridades na sua incidência nas execuções em face da

Fazenda Pública.

2. Termo inicial para incidência dos juros moratórios

2.1. A regra geral

O Código Civil e o Código de Processo Civil apresentam disposições

complementares sobre o termo inicial para incidência dos juros de mora.

Para obrigações positivas e líquidas, os juros são devidos a partir do vencimento

(CC, art. 397, caput). Assim, por exemplo, um título de crédito com indicação do valor e data

de vencimento.

Por outro lado, se a obrigação decorrer de ato ilícito, os juros são devidos desde

a data do ato ilícito (CC, art. 398; STJ, Súmula 54). Tais as hipóteses para incidência de juros

na reparação de danos por acidente de veículo ou dano moral.

Por fim, se não houver termo, e nos demais casos, os juros de mora são devidos

a partir de interpelação extrajudicial ou judicial (CC, art. 397, parágrafo único). A hipótese, por

excelência, para interpelação judicial é a citação. Aprimorando a regra antes prevista no art.

219 do CPC/73, o art. 240 do CPC/15 bem andou ao dispor que a citação válida “constitui em

7 STF, ADI 4425, Relator(a): Min. Ayres Britto, Relator(a) p/ Acórdão: Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado

em 14/03/2013, Processo eletrônico DJe-251 Divulg 18-12-2013 Public 19-12-2013 RTJ VOL-00227-01 PP-

00125, voto do Min. Ayres Britto.

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mora o devedor, ressalvado o disposto nos arts. 397 e 398 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de

2002 (Código Civil)”.

A legislação ainda prevê termos específicos segundo a natureza de certos

créditos, como se vê, por exemplo, dos juros moratórios devidos aos honorários fixados em

quantia certa, que têm como termo inicial o trânsito em julgado da decisão (CPC/15, art. 85, §

16).

2.2. Peculiaridades quanto ao termo inicial dos juros de mora nas pretensões em face

da Fazenda Pública

Apesar de o Código Civil de 1916 já dispor sobre o tema de modo semelhante

(arts. 960 a 963), o Decreto 22.785/33 editou regras especiais para reger o termo inicial para

incidência dos juros de mora em face da Fazenda Pública. Nos termos do art. 3º de referido

Decreto, “a Fazenda Pública, quando expressamente condenada a pagar juros da mora por estes

só responde, da data da sentença condenatória, com transito em julgado si, se tratar de quantia

liquida; e da sentença irrecorrível que em execução, fixar o respectivo valor, sempre que a

obrigação for ilíquida”.

Assim o fez considerando “que os juros da mora valem por uma pena em que

incorre o devedor remisso ou a parte que lesa propositadamente um direito e, no tocante aos

prepostos da Fazenda Pública, em regra é de se lhes presumir a boa fé na aplicação das

respectivas leis e regulamentos”, bem como “que, ainda nas hipóteses em que se legitime, a

condenação da Fazenda ao pagamento de tais juros, justo não é corram eles antes de, pela

competente e definitiva manifestação do Poder Judiciário, se tornar certa e liquida a obrigação

da mesma fazenda”.

Este o contexto em que, ainda na vigência do Código Civil de 1916, o Supremo

Tribunal Federal editou a Súmula 163, firmando entendimento no sentido de que “salvo contra

a Fazenda Pública, sendo a obrigação ilíquida, contam-se os juros moratórios desde a citação

inicial para a ação”.

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A promulgação da Lei 4.414/64 enfim promoveu a isonomia para tratamento do

tema, ao vincular a Fazenda Pública à legislação civil comum nas condenações desta ao

pagamento de juros de mora.

Já nos idos de 1987 o Supremo Tribunal Federal reviu seu entendimento para

pacificar que “a primeira parte da Súmula 163 já não subsiste em face da Lei nº. 4.414/64, artigo

1º, e de acordo com a jurisprudência”8 (RE 109.156-8/SP).

Também o STJ reconheceu que “a aplicação dos juros moratórios devidos pela

Fazenda Pública, nas relações jurídicas não tributárias, é regida pela Lei nº 4.414/64, que remete

o intérprete às regras do Código Civil”. E, com base na lei civil, rematou que “a fixação do

termo inicial dos juros depende da liquidez da obrigação. Se a obrigação for líquida, os juros

serão contados a partir do vencimento da obrigação; se for ilíquida, os moratórios terão como

dies a quo a citação válida” (REsp 402.423/RO)9.

Como reconheceu o STJ nos autos do AgRg no REsp 524.932/PR10, o enunciado

nº. 163 do C. STF fora editado sob a vigência do Decreto nº. 22.785/3311. A edição da Lei nº.

4.414/64, contudo, alterou tal cenário ao revogar o art. 3º de referido Decreto e dispor que “a

União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e as autarquias, quando condenados a pagar

juros de mora, por êste responderão na forma do direito civil” (art. 1º).

O termo inicial dos juros de mora em face da Fazenda Pública hoje parece estar

pacificado no âmbito dos tribunais, tanto que sua aplicação nos termos da lei civil já é decidido

em sede recursal especial por decisão monocrática, como se vê, a título exemplificativo, no

julgamento do REsp 1.268.244:

Processual Civil. Administrativo. Omissão inexistente. Obrigação contratual.

Inadimplemento. Juros de mora. Termo a quo. Vencimento da obrigação. Inúmeros

precedentes. Recurso especial provido.

(STJ, REsp 1.268.244 – MT, Rel. Min. Humberto Martins, decisão monocrática, j.

31/03/2014).

8 STF, RE 109.156-8/SP, Rel. Min. Aldir Passarinho, 2ª T., j. 16/06/1987. 9 STJ, REsp 402.423/RO, Rel. Min. Castro Meira, 2ª T., j. 02/02/2006. 10 STJ, AgRg no REsp 524.932/PR, Rel. Min. Denise Arruda, 1ª T, j. 08/08/2006. 11 Decreto 22.785/33, art. 3º. "A Fazenda Pública, quando expressamente condenada a pagar juros de mora, por

estes só responde , da data da sentença condenatória, com trânsito em julgado, se se tratar de quantia líquida; e da

sentença irrecorrível que, em execução, fixar o respectivo valor, sempre que a obrigação for ilíquida”.

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3. A taxa de juros aplicável

3.1. A regra geral: SELIC ou 1% ao mês?

Muito já se discutiu acerca da taxa de juros aplicável como regra geral,

especialmente a depender da fixação, pelas partes, do índice de correção monetária aplicável

ou dos termos do pedido constante da demanda.

Se o Código Civil de 1916 era inequívoco em determinar a incidência de juros à

taxa de 6% ao ano (art. 1.062), o art. 406 do Código Civil de 2002 deu ensejo a divergências ao

se referir à “taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda

Nacional”. De um lado, sustentava-se que referida taxa estaria prevista pelo art. 161, § 1º, do

CTN, no percentual de 1% ao mês. A segunda interpretação do art. 406 do Código Civil buscou

fundamento na taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia - SELIC para

títulos federais, acumulada mensalmente, nos termos do art. 13 da Lei 9.065/95, dentre outros

dispositivos.

A divergência foi dirimida pela Corte Especial do STJ12 quando do julgamento

dos ERESP 727842/SP, concluindo pela aplicação da SELIC, por oposição à taxa de 1% ao

mês. Conforme:

CIVIL. JUROS MORATÓRIOS. TAXA LEGAL. CÓDIGO CIVIL, ART. 406.

APLICAÇÃO DA TAXA SELIC.

1. Segundo dispõe o art. 406 do Código Civil, "Quando os juros moratórios não forem

convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de

12 Será? No julgamento da ADI 4425, o Ministro Luiz Fux, de passagem, ao analisar a constitucionalidade do § 12

do art. 100, volta a fazer menção à aplicação da taxa de juros de 1% ao mês. Conforme: “Sem embargo das

diferentes visões sobre o tema, a análise da constitucionalidade do dispositivo requer atenção à tese jurídica

encampada pela Corte no julgamento do RE nº 453.740, rel. Min. Gilmar Mendes. Naquela oportunidade, discutia-

se a constitucionalidade da antiga redação do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, que estabelecia que “os juros de mora,

nas condenações impostas à Fazenda Pública para pagamento de verbas remuneratórias devidas a servidores e

empregados públicos, não poderão ultrapassar o percentual de seis por cento ao ano”. O cerne da controvérsia

era saber se o aludido patamar de juros violava o princípio constitucional da isonomia (CF, art. 5º, caput), na

medida em que o Código Civil, ao remeter à legislação tributária, fixa, como regra geral, o percentual de doze por

cento ao ano para fins de compensação da mora (ex vi do seu art. 406 c/c art. 161, §1º, do Código Tributário

Nacional). Diante desse cenário, enquanto os devedores em geral se sujeitariam ao Código Civil e ao Código

Tributário Nacional, a Administração Pública, quando estivesse em mora perante seus servidores e empregados,

estaria obrigada a pagar juros pela metade do percentual codificado, configurando suposto privilégio odioso”.

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determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora

do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional".

2. Assim, atualmente, a taxa dos juros moratórios a que se refere o referido dispositivo

é a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia - SELIC, por ser

ela a que incide como juros moratórios dos tributos federais (arts. 13 da Lei 9.065/95,

84 da Lei 8.981/95, 39, § 4º, da Lei 9.250/95, 61, § 3º, da Lei 9.430/96 e 30 da Lei

10.522/02).

3. Embargos de divergência a que se dá provimento.

(EREsp 727842/SP, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, CORTE

ESPECIAL, julgado em 08/09/2008, DJe 20/11/2008)

O trecho a seguir transcreve a síntese dos argumentos que compõe a divergência,

nos termos do voto do Ministro Teori Albino Zavascki:

Quanto à taxa dos juros moratórios legais, previstos no art. 406 do CC, há duas

correntes doutrinárias e jurisprudenciais. A primeira é na linha adotada pelo voto da

Ministra relatora, e alega-se, em síntese, que

(a) apesar de ter sido reconhecida pelo STF a eficácia limitada do art. 192, § 3º, da

CF, não pode a norma infraconstitucional afrontar o texto ali expresso, sendo

inconstitucional o art. 406 do CC (editado antes da revogação da referida norma

constitucional pela EC 40/2003);

(b) verifica-se, a partir de uma interpretação sistemática do CC, que o legislador tem

como ideal a taxa de juros de 1% ao mês, pois o seu art. 1.187, parágrafo único, II,

prevê taxa de juros de 12% ao ano ao tratar da escrituração, no direito de empresa e o

art. 1.336, § 1º fixa juros de 1% ao mês nas dívidas condominiais;

(c) a taxa SELIC não se apresenta como critério seguro, transparente ou de fácil

compreensão que possa ser aplicável às obrigações civis;

(d) conjugando-se o art. 406 do CC com o 192 da CF (que estava em vigor quando da

sua edição), bem como o art. 161, § 1º, do CTN, a taxa deve ser de 1% ao mês, pois é

a que melhor reflete a segurança jurídica e o equilíbrio nas relações obrigacionais;

(e) a SELIC tem natureza remuneratória, não servindo como taxa de juros moratórios,

especialmente porque engloba juros e correção monetária, sendo que qualquer dívida,

além dos juros de mora, será ainda corrigida pelos índices da inflação;

(f) seria incoerente que o CC, ao regular a taxa de juros legais - ou seja, aquela

aplicável por determinação de lei -, deixasse ao encargo da autoridade administrativa

(COPOM) a sua fixação. [...] Na esteira dessa orientação, é o Enunciado nº 20,

formulado na I Jornada de Direito Civil, organizado pelo Conselho de Justiça Federal,

assim redigido: "A taxa de juros remuneratórios a que se refere o art. 406 é a do art.

161, § 1º, do CTN, ou seja, 1% ao mês ('§ 1º Se a lei não dispuser de modo diverso,

os juros de mora são calculados à taxa de 1% ao mês').

[...]

Mas há outra linha de entendimento, segundo a qual a taxa de juros legais, atualmente,

é calculada pela SELIC, pelos seguintes fundamentos:

Page 11: A INCIDÊNCIA DE JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA NA … · Vol. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 278). 4 Some-se a tais circunstâncias a discussão quanto à possibilidade de execução

11

(a) o art. 406 do CC, ao remeter à "taxa que estiver em vigor", expressa a opção do

legislador em adotar uma taxa de juros variável, que poderá ser modificada de tempos

em tempos, já que aplicável a vigente em cada momento dado;

(b) o CTN, em seu art. 161, § 1º, dispõe que a taxa de juros será de 1%, "se a lei não

dispuser de modo diverso", o que caracteriza uma norma supletiva, que pode ser

afastada por lei ordinária;

(c) o art. 13 da Lei 9.065/95, fazendo referência ao art. 84 da Lei 8.981/95, estabeleceu

que nos casos de mora no pagamento de tributos arrecadados pela SRF serão

acrescidos juros equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e

Custódia - SELIC;

(d) a utilização da taxa SELIC como juros de mora em matéria tributária foi

confirmada em outras normas, tais como os arts. 39, § 4º, da Lei 9.250/95 (repetição

ou compensação de tributos), 61, § 3º, da Lei 9.430/96 e 30 da Lei 10.522/02;

(e) o STJ tem aplicado a SELIC em demandas tributárias, não reputando-a

inconstitucional;

(f) conforme o entendimento do STF na ADIn 4-DF, a expressão "juros reais" contida

no já revogado art. 192, § 3º, da CF, é de eficácia limitada, não havendo que se falar,

portanto, em vedação constitucional à previsão de juros superiores a 12% ao ano;

(g) apesar de a SELIC englobar juros moratórios e correção monetária, não se

verifica bis in idem, pois sua aplicação é condicionada à não-incidência de quaisquer

outros índices de atualização.

Mesmo após ter decidido pela SELIC, o STJ já se deparou com situações em que

o pedido foi expresso em requerer a incidência de juros à base de 1% ao mês, o que seria

incompatível com a aplicação da SELIC, que cumula os juros à correção monetária. Com efeito,

não raro as sentenças continuam a aplicar a fórmula "correção monetária mais juros legais de

1% ao mês" ou “a correção pela Tabela Prática do Tribunal de Justiça mais juros legais”

Ao deparar-se com tais hipóteses, a Corte Especial do STJ foi instada a decidir

pela aplicação criteriosa de sua jurisprudência, sendo relevante fazer referência ao quanto

decidido nos autos do EREsp 935.608/SP13, de cujo acórdão se extrai o seguinte trecho:

13 PROCESSO CIVIL. JUROS DE MORA. SENTENÇA ANTERIOR AO CÓDIGO CIVIL DE 2002.

EXECUÇÃO. CLÁUSULA REBUS SIC STANTIBUS. APLICAÇÃO DO NOVEL DIPLOMA LEGAL APÓS

SUA VIGÊNCIA. POSSIBILIDADE.

1. Não se discute no apelo a aplicação da Taxa Selic. A divergência suscitada cinge-se à aplicabilidade das normas

do Código Civil de 1916 e daquelas instituídas pela codificação de 2002, considerando-se que a sentença foi

prolatada em 04.02.1992 e determinou a aplicação de juros moratórios no percentual de 0,5% ao mês, nos termos

do art. 1.062 do CC/16.

2. A Corte Especial, no julgamento do REsp 1.111.117/PR, Rel. p/ acórdão Min. Mauro Campbell Marques, DJ.

02.09.10, decidiu que o percentual de 6% ao ano deve incidir até 11 de janeiro de 2003. A partir daí, deve-se

observar o disposto no art. 406 do CC/02, "seguindo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de

impostos devidos à Fazenda Nacional" (atualmente, a taxa SELIC).

3. Os juros moratórios, assim como a correção monetária, são consectários legais da obrigação principal e estão

submetidos à claúsula rebus sic stantibus, o que implica reconhecer ter a sentença eficácia futura desde que mantida

Page 12: A INCIDÊNCIA DE JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA NA … · Vol. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 278). 4 Some-se a tais circunstâncias a discussão quanto à possibilidade de execução

12

A Corte Especial, no ano de 2010, já teve a oportunidade de discutir hipótese similar

a dos autos, ocasião na qual prevaleceu o entendimento que a Primeira Seção havia

exarado sobre a matéria, nos autos do RESP 1.112.746/DF.

Nesse contexto, à luz do direito intertemporal, a fixação dos juros moratórios deve

observar o que foi traçado na sentença exequenda, de acordo com a seguinte

orientação:

(a) se esta foi proferida antes do CC/02 e determinou juros legais, deve ser observado

que, até a entrada em vigor do Novo CC, os juros eram de 6% ao ano (art. 1.062 do

CC/1916), observando-se, a partir de então, o disposto no art. 406 do CC/02,

‘seguindo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos

à Fazenda Nacional’ (atualmente, a taxa SELIC).

(b) se a sentença exequenda foi proferida antes da vigência do CC/02 e fixava juros

de 6% ao ano, também se deve adequar os juros após a entrada em vigor dessa

legislação, tendo em vista que a determinação de 6% ao ano apenas obedecia aos

parâmetros legais da época da prolação;

(c) se a sentença é posterior à entrada em vigor do novo CC e determinar juros legais,

também se considera de 6% ao ano até 11 de janeiro de 2003 e, após, o disposto no

art. 406 do CC/02, ‘seguindo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento

de impostos devidos à Fazenda Nacional’ (atualmente, a taxa SELIC); e

(d) se a sentença é posterior ao Novo CC e determina juros de 6% ao ano e não houver

recurso, deve ser aplicado esse percentual, eis que a modificação depende de iniciativa

da parte.

Cabe, outrossim, destacar a ressalva constante da fundamentação do acórdão

proferido nos EREsp 727.842/SP, de que “apesar de a SELIC englobar juros moratórios e

correção monetária, não se verifica bis in idem, pois sua aplicação é condicionada à não-

incidência de quaisquer outros índices de atualização”.

Note-se que, não havendo pedido expresso quanto à utilização da SELIC, o

próprio STJ já acolheu o entendimento pela aplicação da metodologia acima referida, como se

lê, v.g., do acórdão proferido no EREsp 935.608/SP, acima mencionado, e no REsp

1.111.117/PR14.

a situação de fato e de direito na época em que ela foi proferida. Assim, se o título judicial transitado em julgado

aplicou o índice vigente à época, deve-se proporcionar a atualização do percentual em vigor no momento do

cumprimento da obrigação.

4. Embargos de divergência providos.

(EREsp 935.608/SP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, CORTE ESPECIAL, julgado em 24/11/2011, DJe

06/02/2012) 14 EXECUÇÃO DE SENTENÇA. TAXA DE JUROS. NOVO CÓDIGO CIVIL. VIOLAÇÃO À COISA

JULGADA. INEXISTÊNCIA. ART. 406 DO NOVO CÓDIGO CIVIL. TAXA SELIC.

1. Não há violação à coisa julgada e à norma do art. 406 do novo Código Civil, quando o título judicial exequendo,

exarado em momento anterior ao CC/2002, fixa os juros de mora em 0,5% ao mês e, na execução do julgado,

determina-se a incidência de juros previstos nos termos da lei nova.

Page 13: A INCIDÊNCIA DE JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA NA … · Vol. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 278). 4 Some-se a tais circunstâncias a discussão quanto à possibilidade de execução

13

3.2. Ainda a regra geral: o direito intertemporal

A entrada em vigor do Código Civil de 2002 suscitou discussões sobre a

aplicação da nova taxa legal de juros às obrigações e condenações havidas antes de sua

promulgação. Ao decidir de forma favorável à aplicação imediata da nova legislação, o STJ

considerou os juros “consectários legais da obrigação principal e estão submetidos à claúsula

rebus sic stantibus, o que implica reconhecer ter a sentença eficácia futura desde que mantida a

situação de fato e de direito na época em que ela foi proferida. Assim, se o título judicial

transitado em julgado aplicou o índice vigente à época, deve-se proporcionar a atualização do

percentual em vigor no momento do cumprimento da obrigação”, como se lê do acórdão

proferido no EREsp 935.608/SP15, como se vê do seguinte trecho:

A Corte Especial, no ano de 2010, já teve a oportunidade de discutir hipótese similar

a dos autos, ocasião na qual prevaleceu o entendimento que a Primeira Seção havia

exarado sobre a matéria, nos autos do RESP 1.112.746/DF.

Nesse contexto, à luz do direito intertemporal, a fixação dos juros moratórios deve

observar o que foi traçado na sentença exequenda, de acordo com a seguinte

orientação:

2. Atualmente, a taxa dos juros moratórios a que se refere o referido dispositivo [ art. 406 do CC/2002 ] é a taxa

referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia - SELIC, por ser ela a que incide como juros moratórios

dos tributos federais (arts. 13 da Lei 9.065/95, 84 da Lei 8.981/95, 39, § 4º, da Lei 9.250/95, 61, § 3º, da Lei

9.430/96 e 30 da Lei 10.522/02)' (EREsp 727.842, DJ de 20/11/08)" (REsp 1.102.552/CE, Rel. Min. Teori Albino

Zavascki, sujeito ao regime do art. 543-C do CPC, pendente de publicação).

Todavia, não houve recurso da parte interessada para prevalecer tal entendimento.

3. Recurso Especial não provido.

(REsp 1111117/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Rel. p/ Acórdão Ministro MAURO CAMPBELL

MARQUES, CORTE ESPECIAL, julgado em 02/06/2010, DJe 02/09/2010) 15 PROCESSO CIVIL. JUROS DE MORA. SENTENÇA ANTERIOR AO CÓDIGO CIVIL DE 2002.

EXECUÇÃO. CLÁUSULA REBUS SIC STANTIBUS. APLICAÇÃO DO NOVEL DIPLOMA LEGAL APÓS

SUA VIGÊNCIA. POSSIBILIDADE.

1. Não se discute no apelo a aplicação da Taxa Selic. A divergência suscitada cinge-se à aplicabilidade das normas

do Código Civil de 1916 e daquelas instituídas pela codificação de 2002, considerando-se que a sentença foi

prolatada em 04.02.1992 e determinou a aplicação de juros moratórios no percentual de 0,5% ao mês, nos termos

do art. 1.062 do CC/16.

2. A Corte Especial, no julgamento do REsp 1.111.117/PR, Rel. p/ acórdão Min. Mauro Campbell Marques, DJ.

02.09.10, decidiu que o percentual de 6% ao ano deve incidir até 11 de janeiro de 2003. A partir daí, deve-se

observar o disposto no art. 406 do CC/02, "seguindo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de

impostos devidos à Fazenda Nacional" (atualmente, a taxa SELIC).

3. Os juros moratórios, assim como a correção monetária, são consectários legais da obrigação principal e estão

submetidos à claúsula rebus sic stantibus, o que implica reconhecer ter a sentença eficácia futura desde que mantida

a situação de fato e de direito na época em que ela foi proferida. Assim, se o título judicial transitado em julgado

aplicou o índice vigente à época, deve-se proporcionar a atualização do percentual em vigor no momento do

cumprimento da obrigação.

4. Embargos de divergência providos.

(EREsp 935.608/SP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, CORTE ESPECIAL, julgado em 24/11/2011, DJe

06/02/2012)

Page 14: A INCIDÊNCIA DE JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA NA … · Vol. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 278). 4 Some-se a tais circunstâncias a discussão quanto à possibilidade de execução

14

(a) se esta foi proferida antes do CC/02 e determinou juros legais, deve ser observado

que, até a entrada em vigor do Novo CC, os juros eram de 6% ao ano (art. 1.062 do

CC/1916), observando-se, a partir de então, o disposto no art. 406 do CC/02,

‘seguindo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos

à Fazenda Nacional’ (atualmente, a taxa SELIC).

(b) se a sentença exequenda foi proferida antes da vigência do CC/02 e fixava juros de

6% ao ano, também se deve adequar os juros após a entrada em vigor dessa legislação,

tendo em vista que a determinação de 6% ao ano apenas obedecia aos parâmetros

legais da época da prolação;

(c) se a sentença é posterior à entrada em vigor do novo CC e determinar juros legais,

também se considera de 6% ao ano até 11 de janeiro de 2003 e, após, o disposto no

art. 406 do CC/02, ‘seguindo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento

de impostos devidos à Fazenda Nacional’ (atualmente, a taxa SELIC); e

(d) se a sentença é posterior ao Novo CC e determina juros de 6% ao ano e não houver

recurso, deve ser aplicado esse percentual, eis que a modificação depende de iniciativa

da parte.

Tal discussão será relevante para se compreender as controvérsias em torno do

índice de correção monetária nas condenações impostas à Fazenda Pública, tema do qual se

passa a tratar.

4. Consectários na condenação da Fazenda Pública

4.1. Regime constitucional da execução contra a Fazenda Pública

A Constituição Federal estabelece um regime diferenciado para a execução de

créditos em face da Fazenda Pública. Embora se possa criticar a técnica legislativa, que desce

a minúcias ao tratar do tema – respondendo a anseios e interesses transitórios de governo e não

a compromissos de Estado – fato é que o art. 100 da Carta da República, em sua redação original

e nas emendas que lhe sucederam, estabelece que os pagamentos devidos pela Fazenda Pública

em virtude de sentença judiciária far-se-ão na ordem cronológica de apresentação dos

precatórios e à conta de créditos orçamentários respectivos.

Tal disposição ensejou a previsão, pelo legislador ordinário, de rito próprio para

a execução dos créditos em face da Fazenda Pública, que encontrava previsão no art. 730 do

Page 15: A INCIDÊNCIA DE JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA NA … · Vol. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 278). 4 Some-se a tais circunstâncias a discussão quanto à possibilidade de execução

15

CPC/73 e hoje tem fundamento nos arts. 534 e 535 do CPC/15, no que toca ao cumprimento de

sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de pagar quantia certa16.

Humberto Theodoro Jr. denomina tal procedimento de execução imprópria,

“visto que se faz sem penhora e arrematação, vale dizer, sem expropriação ou transferência

forçada de bens”17. Trata-se de opção do legislador constituinte, adotada segundo a mesma

razão que se levou a declarar a inalienabilidade dos bens públicos (CC, art. 100).

Dinamarco atribui ao cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade

de obrigação de pagar quantia certa pela Fazenda Pública a alcunha de falsa execução, já que a

única medida constritiva cabível, ainda excepcionalmente, é o sequestro. Não obstante, sem

prejuízo de destacar a intenção do legislador constituinte em zelar “pelo serviço público, o qual

não deve ser truncado ou interrompido ainda quando haja legítimas expectativas dos credores

do Estado”, o autor reconhecia, ainda na vigência do CPC/73, o cabimento de execuções para

entrega de coisa e de obrigações de fazer e não fazer, cogitando também do cabimento da

execução de título extrajudicial em face da Fazenda Pública, hoje positivadas pelo art. 910 do

CPC, sendo incisivo em registrar que “não são éticas essas tentativas de deixar o Estado acima

do sistema de tutela jurisdicional efetiva, do qual ele se vale impiedosamente quando credor,

mas quer ficar imune quando o credor é outro”18.

4.2. Reflexos do regime constitucional na execução em face da Fazenda Pública:

honorários advocatícios

Com efeito, a Fazenda Pública não é citada em execução para pagar o débito,

mas sim para, querendo, impugnar a execução. Tal procedimento possui repercussões para além

da satisfação do crédito principal. Nesse sentido, por exemplo, o § 7º do art. 85 do CPC/15

estabelece que “não serão devidos honorários no cumprimento de sentença contra a Fazenda

Pública que enseje expedição de precatório, desde que não tenha sido impugnada”. Sobre o

tema, Leonardo Carneiro da Cunha comenta que

16 Registre-se, de início, que não se adentrará aqui nas discussões quanto ao cabimento da ação monitória e da

execução de título extrajudicial em face da Fazenda Pública, vez que tais questões foram dirimidas pelo STJ com

a edição das Súmulas 339 e 279 e a positivação de tal entendimento pelos arts. 700, § 6º, e 910 do CPC/15. 17 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. V.2. 41.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007,

p. 404. 18 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. V.4. 3.ed. São Paulo: Malheiros, 2009,

p. 707/711.

Page 16: A INCIDÊNCIA DE JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA NA … · Vol. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 278). 4 Some-se a tais circunstâncias a discussão quanto à possibilidade de execução

16

Nem poderia ser diferente, visto que o pagamento de uma condenação judicial há de

ser feito mediante precatório. Logo, a execução intentada contra a Fazenda Pública

não decorre da existência desta em não pagar o valor constante da sentença, mas sim

da necessidade de se obedecer à ordem cronológica de inscrição dos precatórios.

Como o regime de precatórios é o meio normal de satisfação da pretensão, não há

insatisfação nem causalidade, afastando-se, bem por isso, a exigência de fixação de

honorários no cumprimento de sentença não impugnado19.

Diversa é a solução quanto à execução de título extrajudicial não embargada pela

Fazenda Pública. Em tal hipótese os honorários são devidos, não se aplicando o § 7º do art. 85

do CPC. Leonardo Carneiro da Cunha justifica a distinção pelo fato de que a existência de título

executivo extrajudicial pressupõe obrigação conhecida da Fazenda Pública, para a qual havia

ou deveria haver dotação orçamentária, e cujo descumprimento deu ensejo à execução20. Esta

também foi a conclusão do enunciado 240 do FPPC21.

4.3. Reflexos do regime constitucional na execução em face da Fazenda Pública: não

incidência de juros no período compreendido entre a expedição do precatório e o

prazo previsto para seu pagamento

A incidência contínua de juros de mora a partir do termo inicial até a data do

efetivo pagamento constitui outra particularidade que demanda análise na execução em face da

Fazenda Pública.

Dispõe o art. 100, § 5º, da Constituição Federal que “é obrigatória a inclusão, no

orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos,

oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários

apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando

terão seus valores atualizados monetariamente”.

19 CUNHA, Leonardo Carneiro. A Fazenda Pública em juízo. 15.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 132. 20 CUNHA, Leonardo Carneiro. A Fazenda Pública em juízo. 15.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 135. 21 FPPC, Enunciado 240. (arts. 85, § 3º, e 910) São devidos honorários nas execuções fundadas em título executivo

extrajudicial contra a Fazenda Pública, a serem arbitrados na forma do § 3º do art. 85. (Grupo: Advogado e

Sociedade de Advogados. Prazos).

Page 17: A INCIDÊNCIA DE JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA NA … · Vol. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 278). 4 Some-se a tais circunstâncias a discussão quanto à possibilidade de execução

17

A menção apenas à atualização monetária associada à prerrogativa de que os

precatórios sejam pagos até o final do exercício seguinte levam ao entendimento de que não

haverá a incidência de juros de mora no período compreendido entre a apresentação do

precatório e o prazo constitucional estipulado para seu pagamento. Sobre o tema, Leonardo

Carneiro da Cunha sustenta que

Em primeiro lugar, a previsão contida no § 5º do art. 100 da Constituição Federal

alude, apenas, a correção monetária, não se referindo a juros moratórios. Logo, não

seria possível o cômputo dos juros no período entre a inscrição do precatório e a data

do efetivo pagamento.

Demais disso, os juros incidem em razão da mora do devedor; o atraso no pagamento

acarreta a necessidade de se computarem juros no valor da dívida. No caso do

precatório, já se viu que, uma vez inscrito até o dia 1 de julho, o crédito correspondente

deve ser pago até o final do exercício seguinte. Então, a Fazenda Pública dispõe desse

prazo para efetuar o pagamento. Realizado o pagamento nesse período

constitucionalmente fixado, não há mora; assim, não havendo falar em cômputo de

juros.

[...]

Na verdade, os juros moratórios somente incidem a partir do atraso no pagamento, ou

seja, decorrido o exercício financeiro, e não tendo sido pago, a partir de janeiro do ano

seguinte é que deve iniciar o cômputo dos juros. Assim, tome-se como exemplo um

precatório que tenha sido inscrito até o dia 1º de julho de 2017. Deverá, como se viu,

ser efetuado o pagamento até o dia 31 de dezembro de 2018, respeitada a ordem

cronológica de inscrição. Sendo o pagamento realizado até aquele dia 31 de dezembro,

não haverá cômputo de juros moratórios, pois não houve inadimplemento. Passado,

contudo, o dia 31 de dezembro de 2018, sem que tenha havido o pagamento, incidirão

juros moratórios a partir de 1º de janeiro de 2019 até a data em que ocorrer o efetivo

pagamento22.

O tema foi objeto de Súmula Vinculante neste mesmo sentido, enunciando que

“durante o período previsto no parágrafo 1º do artigo 100 da Constituição, não incidem juros

de mora sobre os precatórios que nele sejam pagos” (Súmula Vinculante 17).

A mesma sistemática aplica-se no pagamento das requisições de pequeno

valor23. Conforme decidido pelo STF no julgamento do ARE 638.195, “é devida correção

22 CUNHA, Leonardo Carneiro. A Fazenda Pública em juízo. 15.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 390/391. 23 Nos termos do § 1º do art. 100 da CF, “os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de

salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por

Page 18: A INCIDÊNCIA DE JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA NA … · Vol. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 278). 4 Some-se a tais circunstâncias a discussão quanto à possibilidade de execução

18

monetária no período compreendido entre a data de elaboração do cálculo da requisição de

pequeno valor - RPV e sua expedição para pagamento”24, assim como entre sua expedição e

seu pagamento. Contudo, no prazo previsto para o pagamento da RPV, não haverá que se falar

na incidência de juros, já que de mora não se cuida.

Para além de reflexos quanto aos honorários e um intervalo na incidência dos

juros de mora, há uma questão final a ser analisada, com impactos ainda mas relevantes sobre

o credor da Fazenda Pública: a taxa de juros moratórios e o índice de correção monetária a

serem aplicados em face da Fazenda Pública.

4.4. Controvérsias em controle concentrado sobre o índice de correção monetária

aplicável nas condenações à Fazenda Pública

A Emenda Constitucional 62/2009 inseriu o § 12 ao art. 100 da Constituição

Federal para dispor que “a partir da promulgação desta Emenda Constitucional, a atualização

de valores de requisitórios, após sua expedição, até o efetivo pagamento, independentemente

de sua natureza, será feita pelo índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança,

e, para fins de compensação da mora, incidirão juros simples no mesmo percentual de juros

incidentes sobre a caderneta de poupança, ficando excluída a incidência de juros

compensatórios”.

As regras contidas em tal dispositivo foram objeto de arguição de

inconstitucionalidade nas ADI 4.425 e 4.35725, com destaque para as discussões em torno do

arbitramento da remuneração básica da caderneta de poupança como índice de correção

morte ou por invalidez, fundadas em responsabilidade civil, em virtude de sentença judicial transitada em julgado

[...]”.

O § 3º do art. 100 da CF remete a definição de obrigações de pequeno valor ao legislador infraconstitucional. O §

4º do mesmo art. 100 também estabelece que “para os fins do disposto no § 3º, poderão ser fixados, por leis

próprias, valores distintos às entidades de direito público, segundo as diferentes capacidades econômicas, sendo o

mínimo igual ao valor do maior benefício do regime geral de previdência social”.

Até que se dê a publicação das leis definidoras do tema por cada ente federativo, o art. 87 do ADCT fixa em 40

salários mínimos o valor das requisições de pequeno valor perante a Fazenda dos Estados e do Distrito Federal, e

em 30 salários mínimos o valor das requisições de pequeno valor perante as Fazendas municipais. A Lei 10.259/01,

que trata do rito das ações em trâmite perante Juizados Especiais Federais, elevou este limite para 60 salários

mínimos (arts. 3º e 17, § 1º). 24 ARE 638195, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, julgado em 29/05/2013, acórdão eletrônico

repercussão geral - mérito DJe-246 divulg 12-12-2013 public 13-12-2013. 25 Dentre outras discussões igualmente relevantes.

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monetária e da fixação de índice único de atualização dos créditos (“independentemente de sua

natureza”).

Quanto à utilização da remuneração básica da caderneta de poupança como

índice de correção monetária, concluiu o STF que este não reflete a perda de poder aquisitivo

da moeda, de modo que sua utilização “implica indevida e intolerável constrição à eficácia da

atividade jurisdicional. Uma afronta à garantia da coisa julgada e, por reverberação, ao

protoprincípio da separação dos Poderes”. Como bem registrou o Ministro Ayres Britto, “basta

ver que, nos últimos quinze anos (1996 a 2010), enquanto a TR (taxa de remuneração da

poupança) foi de 55,77%, a inflação foi de 97,85%, de acordo com o IPCA”.

A inconstitucionalidade da atualização monetária dos débitos fazendários

inscritos em precatórios segundo o índice oficial de remuneração da caderneta de poupança,

nos termos do § 12º do art. 100 da CF, na redação dada pela EC 62/2009, também foi

reconhecida com fundamento na violação ao direito fundamental de propriedade (CF, art. 5º,

XXII), “na medida em que é manifestamente incapaz de preservar o valor real do crédito de

que é titular o cidadão. A inflação, fenômeno tipicamente econômico-monetário, mostra-se

insuscetível de captação apriorística (ex ante), de modo que o meio escolhido pelo legislador

constituinte (remuneração da caderneta de poupança) é inidôneo a promover o fim a que se

destina (traduzir a inflação do período)”.

Quanto ao arbitramento de um índice independente da natureza do crédito em

discussão, também prevista pelo § 1º do art. 100 da CF, concluiu o Supremo Tribunal Federal

que tal disposição viola a isonomia, especialmente no que toca à repetição de créditos tributários

em face da Fazenda Pública. Com efeito, se a exigibilidade do crédito tributário pela Fazenda

se faz segundo índices próprios (v.g. a SELIC, para tributos federais, o IPCA + 1% para tributos

municipais em São Paulo), não seria justo aplicar-se ao particular, quando credor do Estado em

sede de repetição de indébito, critérios diferentes para a atualização de tal crédito. Conforme

voto do Ministro Relator Ayres Britto na ADI 4.425,

Já no tocante à “compensação da mora”, estabeleceu o novo § 12 do art. 100 da

Constituição Federal que “incidirão juros simples no mesmo percentual de juros

incidentes sobre a caderneta de poupança”. Incidência que se dará sobre os valores

dos ofícios requisitórios, após sua expedição e até o efetivo pagamento,

“independentemente de sua natureza”. Pelo que a autora argui violação ao princípio

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da isonomia, devido a que foi adotado critério de discriminação, sem motivo razoável,

entre a aplicação de juros aos débitos do Estado e aos do contribuinte.

Muito bem. Este Supremo Tribunal Federal já se debruçou sobre o tema no RE

453.740. Naquela oportunidade, o Plenário desta nossa Corte julgou constitucional o

art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, em sua redação originária, que dispunha não poderem

ultrapassar o percentual de seis por cento ao ano os juros de mora, “nas condenações

impostas à Fazenda Pública para pagamento de verbas remuneratórias devidas a

servidores e empregados públicos”. Lembro que fiquei vencido, na honrosa

companhia da Ministra Cármen Lúcia e dos Ministros Marco Aurélio e Sepúlveda

Pertence, por entender preterido o princípio da isonomia, pela discriminação que se

abria entre a parte processual privada credora e a parte estatal eventualmente credora,

também em Juízo, sabido que, pelo § 1º do art. 161 do Código Tributário Nacional,

os juros de mora são calculados à taxa de 1% ao mês em favor do Estado, salvo

expressa determinação legal em contrário.

Ora, no caso dos autos, as mesmas razões me parecem socorrer a requerente. Há,

porém, uma outra: no julgamento do RE 453.740, esta nossa Corte julgou

constitucional o art. 1º-F da Lei nº 9.494, em sua redação originária, porque o

dispositivo legal se referia à específica condenação do Estado ao pagamento de verbas

remuneratórias devidas a servidores e empregados públicos. Aduziu o eminente

relator, Ministro Gilmar Mendes, no que foi acompanhado pela maioria deste

Supremo Tribunal, que a situação não era comparável aos juros incidentes sobre o

crédito tributário. Isso porque, “o indébito tributário é resolvido por meio de

compensação ou restituição, nos termos do § 4º do art. 39 da Lei nº 9.250, de 1995,

que nos remete à taxa SELIC”. “Remunera-se do mesmo modo como se exige o

pagamento”, asseverou Sua Excelência. Sucede que o § 12 do art. 100 da Constituição

da República, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 62/2009, ordenou

que se aplicassem os juros de mora incidentes sobre a caderneta de poupança aos

valores constantes de ofícios requisitórios, “independentemente de sua natureza”.

Logo, até mesmo aos precatórios concernentes a restituições tributárias. Daí porque

tenho por inconstitucional, se não todo o § 12 do art. 100 da Constituição, pelo menos

o fraseado “independentemente de sua natureza”, para que aos precatórios de

natureza tributária se apliquem os mesmos juros de mora incidentes sobre todo e

qualquer crédito tributário.

A conclusão pela inconstitucionalidade do art. 100, § 12º, da CF resultou na

inconstitucionalidade, por arrastamento, da regra prevista no art. 1º-F da Lei 9.494/97, na

redação dada pela Lei 11.960/09. A extensão de tal declaração de inconstitucionalidade,

contudo, foi limitada, o que demanda a análise do tema em conjunto com o que decidiu a

Suprema Corte desta vez em controle difuso, no julgamento do RE 870.947. Este o tema de que

se passa a tratar.

4.5. Os critérios de correção monetária e juros fixados pelo art. 1º-F da Lei 9.494/97

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Na mesma esteira da EC 62/2009 foi promulgada a Lei 11.960/09, que conferiu

a seguinte redação ao art. 1º-F da Lei 9.494/97:

Art. 1o-F. Nas condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua

natureza e para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação

da mora, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices

oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança.

A constitucionalidade do art. 1º-F da Lei 9.494/97, declarada por arrastamento

pelo STF por ocasião do julgamento das ADIs 4.357 e 4.425, foi também analisada em controle

difuso e em maior extensão no julgamento do RE 870.947. Como consignou o Ministro Relator

Luiz Fux ao início de seu voto, em sede de controle concentrado o Plenário “julgou

inconstitucional a fixação dos juros moratórios com base na remuneração da caderneta de

poupança apenas quanto aos precatórios de natureza tributária”.

Com efeito, no que concerne aos juros moratórios, o mesmo entendimento

esposado pelo Plenário nas ADIs 4.357 e 4.425 aqui prevaleceu pelo argumento da isonomia,

ali tratado. Assim,

1. Quanto aos juros moratórios incidentes sobre condenações oriundas de relação

jurídico-tributária, devem ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a

Fazenda Pública remunera seu crédito tributário, em respeito ao princípio

constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput);

2. Quanto aos juros moratórios incidentes sobre condenações oriundas de relação

jurídica não-tributária , devem ser observados os critérios fixados pela legislação

infraconstitucional, notadamente os índices oficiais de remuneração básica e juros

aplicados à caderneta de poupança, conforme dispõe o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97,

com a redação dada pela Lei nº 11.960/09.

Por sua vez, a análise da correção monetária sob o prisma do art. 1º-F da Lei

9.494/97 se deu em maior extensão do que aquela realizada em controle concentrado, tendo por

objeto o art. 100, § 12º, da CF, incluído pela EC 62/2009. Como bem observou o Ministro Luiz

Fux,

As expressões “uma única vez” e “até o efetivo pagamento” dão conta de que a

intenção do legislador ordinário foi reger a atualização monetária dos débitos

fazendários tanto na fase de conhecimento quanto na fase de execução. Daí por que o

STF, ao julgar as ADIs nº 4.357 e 4.425, teve de declarar a inconstitucionalidade por

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arrastamento do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97. Essa declaração, porém, teve alcance

limitado e abarcou apenas a parte em que o texto legal estava logicamente vinculado

no art. 100, §12, da CRFB, incluído pela EC nº 62/09, o qual se refere tão somente à

“atualização de valores de requisitórios”.

Tomando por base a premissa de que a correção monetária só efetivamente

cumprirá o papel de assegurar o mesmo poder de compra, afastando os efeitos nefastos da

inflação, Sua Excelência propõe a adoção de índice de preços para a correção dos débitos da

Fazenda Pública.

Como se observa, os índices criados especialmente para captar o fenômeno

inflacionário são sempre obtidos em momentos posteriores ao período de referência e

guardam, por definição, estreito vínculo com a variação de preços na economia. A

razão aqui é simples: não é possível a qualquer ser humano saber ex ante o verdadeiro

valor da inflação, que somente é conhecido ex post. Essa constatação prática serve

para ilustrar que índices de correção monetária devem ser, ao menos em tese, aptos a

refletir a variação de preços que caracteriza o fenômeno inflacionário. Do contrário,

não se prestam aos objetivos visados com a sua utilização.

Em decorrência de tal premissa e considerando o direito de propriedade

garantido pelo art. 5º, XXII, da CF – já invocado por ocasião do julgamento das ADIs 4.357 e

4.425 –, concluiu a Suprema Corte que “a remuneração da caderneta de poupança não guarda

pertinência com a variação de preços na economia, sendo manifesta e abstratamente incapaz de

mensurar a variação do poder aquisitivo da moeda”.

Em suma síntese, o Supremo Tribunal Federal reputou inconstitucional o art. 1º-

F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina os

juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, ao incidir sobre débitos oriundos

de relação jurídico-tributária. Em atenção à isonomia, tais créditos devem ser acrescidos dos

mesmos juros moratórios pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito tributário. O

Tribunal reputou, no mais, constitucional o índice de remuneração da caderneta de poupança

para as condenações oriundas de relação jurídica não-tributária. Quanto à atualização monetária

das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de

poupança, o STF decidiu por sua inconstitucionalidade, por impor restrição desproporcional ao

direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), “uma vez que não se qualifica como medida

adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que

se destina”.

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4.6. Validade da cláusula contratual específica que preveja índices para a correção de

créditos contratuais em face da Fazenda Pública: a natureza dispositiva ou de

ordem pública da regra prevista no art. 1º-F da Lei 9.494/97

A declaração de inconstitucionalidade do § 12º do art. 100 da CF e do art. 1º-F

da Lei 9.494/97 tem ensejado a aplicação arbitrária do IPCA-E para toda e qualquer condenação

à Fazenda Pública, desrespeitando inclusive a coisa julgada, a natureza tributária dos créditos

em discussão ou a previsão dos índices de juros e correção monetária nos contratos em que o

poder público é parte. Dados os efeitos nefastos de tal interpretação, em contrariedade à própria

isonomia, convém que o tema seja analisado com o devido vagar.

Longe de constituir uma interpretação do quanto decidiu o STF em sede de

controle concentrado e difuso, cabe destacar que a questão foi ressalva pela Suprema Corte em

várias passagens. A título exemplificativo, em voto proferido na ADI 4.425 o Ministro Ayres

Britto foi claro ao ressalvar que

[...] o § 12 do art. 100 da Constituição Federal não se reporta à correção monetária já

aplicada pelo Juízo competente. Trata, isto sim, de atualização dos valores constantes

de ofícios requisitórios, após sua expedição e até a data do efetivo pagamento.

No mesmo sentido, por ocasião do julgamento do RE 870.947 o Ministro Luiz

Fux lembrou que o art. 40, XI, da Lei 8.666/93 estabelece que os editais deverão prever “critério

de reajuste, que deverá retratar a variação efetiva do custo de produção, admitida a adoção de

índices específicos ou setoriais, desde a data prevista para apresentação da proposta, ou do

orçamento a que essa proposta se referir, até a data do adimplemento de cada parcela”, e assim

o faz pela simples razão de que “dificilmente um agente econômico aceitaria submeter-se

voluntariamente a um regime de atualização contratual desvinculado de um verdadeiro índice

de preços”.

O debate entre os Ministros Dias Toffoli e Luiz Fux no RE 870.947 é deveras

elucidativo:

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI: Senhor Presidente, William Lamb,

historicamente conhecido como Lord Melbourne, em 1837, tornou-se tutor de Vitória,

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depois, Rainha Vitória. Ela, ainda muito jovem, questionou Melbourne: o que é

governar? Como se faz um bom governo? E Lord Melbourne, então, respondeu –

Basicamente são só duas obrigações, dois deveres, duas funções: governar é manter o

cumprimento dos contratos – os pactos devem ser cumpridos – e a autoridade da

moeda; todo governante deve fazer cumprir os pactos e manter a autoridade da moeda.

É a questão, no fundo no fundo, de o Estado manter a estabilidade das relações sociais,

econômicas, políticas e institucionais – a segurança jurídica, ao fim e ao cabo.

A decisão tomada pela Corte – e ontem revisitamos esse tema nas ações diretas sobre

os precatórios – levou recentemente, o Tribunal Superior do Trabalho a fazer uma

leitura daquela declaração de inconstitucionalidade do art. [1º-F], na qual eu fiquei

vendido – votei pela constitucionalidade, na íntegra, da Emenda Constitucional nº 62.

Aquela decisão pertinente à aplicação da TR aos precatórios, levou o TST, em um

recurso em execução, a alterar o índice fixado na sentença de conhecimento da

repercussão geral e estabelecer que todas as ações trabalhistas, as reclamações

trabalhistas e execuções trabalhistas em curso passassem a não mais ser corrigidas

pela TR e sim pelo IPCA-E, inclusive aquelas com trânsito em julgado, o que nos faz

relembrar a célebre frase do ex-Ministro da Fazenda Pedro Malan: “no Brasil até o

passado é instável”. Fui sorteado relator de uma reclamação, suspendi essa decisão e,

inclusive, suspendi a reformulação do cálculo que o TST já tinha providenciado para

toda a Justiça Trabalhista.

De tal sorte que este tema está sob minha relatoria em uma reclamação. Evidentemente

que não diz diretamente com o tema aqui tratado. Não é o mesmo tema, mas é reflexo,

como lembrou o Ministro Teori, da declaração de inconstitucionalidade desse

dispositivo, que surtirá reflexos em causas, em contratos, em relações jurídicas, e nós

não temos o domínio de quantas elas sejam.

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (RELATOR) – Ministro Toffoli, sem querer

interromper, já interrompendo. A verdade é a seguinte: nós estamos julgando um

recurso com repercussão geral que trata da correção monetária nas condenações da

Fazenda.

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI: Eu sei bem do que trata.

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (RELATOR) – Não tem contrato, não tem

cataclisma, não tem nada disso.

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:E até porque eu sei bem do que trata, vou

pedir vista.

Vê-se, pois, que o colendo STF ressalvou que os critérios de correção monetária

e juros estipulados no art. 1º-F da Lei 9.494/97 não se aplicam aos casos em que tais critérios

de atualização tenham sido ajustados contratualmente.

Ora, se as partes livremente acordaram sobre os efeitos da mora no negócio

jurídico celebrado, não haverá que se falar na incidência dos critérios previstos pelo art. 1º-F da

Lei 9.494/97.

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O art. 1º-F da Lei 9.494/97 possui natureza supletiva, isto é, somente prescreve

os critérios de correção monetária e juros de mora nas hipóteses que não houver outra

disposição legal (e em matéria tributária, como bem reconheceu o C. STF no julgamento das

ADI’s nºs. 4.357 e 4.425) ou contratual que trate do tema.

Assim, data máxima vênia, a discussão em torno da inconstitucionalidade do art.

1º-F ou a aplicabilidade da nova sistemática aos processos em curso em nada afeta a execução,

tendo em vista que a mesma funda-se em relação contratual, na qual as partes estipularam, de

forma livre e consensual, os critérios de correção monetária e a incidência de juros moratórios.

Assim nos parece porque o artigo 406 do Código Civil expressamente reserva à

vontade das partes contratantes a deliberação acerca da “taxa de juros moratórios”, sendo que,

somente na omissão contratual, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora

do pagamento26.

A se admitir a aplicação irrestrita dos índices previstos pelo art. 1º-F da Lei

9.494/97, a Fazenda Pública dificilmente poderia obter empréstimos e financiamentos junto a

instituições financeiras e organismos de fomento, tampouco a iniciativa privada – e no caso em

tela, a Recorrente – manifestaria qualquer interesse no parcelamento de créditos detidos perante

o poder público, na medida em que quaisquer contratos e suas respectivas cláusulas de reajuste

e incidência de juros moratórios e remuneratórios seriam ignorados por ocasião da exigência

de tais créditos em juízo, resultando em um cenário de que mesmo o eufemismo denominaria

irresponsabilidade contratual.

Entendimento em sentido contrário, assim nos parece, viola expressamente a

garantia constitucional constante do inciso XXXVI, do art. 5º, da Constituição Federal, segundo

o qual “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. A

previsão de que a Lei não prejudicará a coisa julgada e o ato jurídico perfeito busca justamente

proteger as relações contratuais estabelecidas, conferindo-lhes segurança jurídica em face de

eventuais alterações legislativas.

Considerações Finais

26 CC, art. 406. “Os juros moratórios, quando não convencionados, serão fixados segundo a taxa que estiver em

vigor para a mora do pagamento de imposto devido à Fazenda Nacional.

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Os juros e a correção monetária, temas no mais das vezes relevados pelos

litigantes como de menor importância, devem receber maior atenção em razão de seu impacto

na administração das contingências e no processo de tomada de decisão para resolve-las. O

CPC/15, nesse sentido, bem andou ao exigir em seu art. 491 que, em regra, nas ações relativas

à obrigação de pagar quantia, ainda que formulado pedido genérico, “a decisão definirá desde

logo a extensão da obrigação, o índice de correção monetária, a taxa de juros, o termo inicial

de ambos e a periodicidade da capitalização dos juros, se for o caso”.

Em suma síntese, a correção monetária visa assegurar o real valor do crédito no

tempo frente à inflação, ao passo que os juros de mora visam compensar o credor pelo tempo

em que foi privado de seu crédito em razão do inadimplemento.

Os juros e a correção monetária dos débitos em face da Fazenda Pública

sujeitam-se a regras próprias, em especial conforme o disposto no art. 100, § 12º, da CF e no

art. 1º-F da Lei 9.494/97. Sua incidência segue em vários aspectos a teoria geral da legislação

civil, como por exemplo no tocante ao termo inicial dos juros moratórios, consoante dispõe a

Lei 4.414/64, que ensejou a revisão da Súmula 163 pelo STF. De outra parte, no período

compreendido entre a expedição de precatório e o prazo constitucional para seu pagamento, não

haverá a incidência de juros moratórios (Súmula Vinculante 17), mas apenas de correção

monetária (CF, art. 100, § 5º).

Os critérios para correção monetária e incidência de juros de mora dos créditos

em face da Fazenda Pública, dispostos no § 12º do art. 100 da CF, com redação dada pela EC

62/2009, tiveram sua inconstitucionalidade declarada no âmbito das ADIs 4.357 e 4.425, com

destaque para as discussões em torno do arbitramento da remuneração básica da caderneta de

poupança como índice de correção monetária e da fixação de índice único de atualização dos

créditos (“independentemente de sua natureza”).

Quanto à utilização da remuneração básica da caderneta de poupança como

índice de correção monetária, concluiu o STF que este não reflete a perda de poder aquisitivo

da moeda, de modo que sua utilização “implica indevida e intolerável constrição à eficácia da

atividade jurisdicional. Uma afronta à garantia da coisa julgada e, por reverberação, ao

protoprincípio da separação dos Poderes”. A inconstitucionalidade da atualização monetária

Page 27: A INCIDÊNCIA DE JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA NA … · Vol. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 278). 4 Some-se a tais circunstâncias a discussão quanto à possibilidade de execução

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dos débitos fazendários inscritos em precatórios segundo o índice oficial de remuneração da

caderneta de poupança, também foi reconhecida com fundamento na violação ao direito

fundamental de propriedade (CF, art. 5º, XXII), na medida em que é manifestamente incapaz

de preservar o valor real do crédito de que é titular o cidadão.

Quanto ao arbitramento de um índice independente da natureza do crédito em

discussão, também prevista pelo § 1º do art. 100 da CF, concluiu o Supremo Tribunal Federal

que tal disposição viola a isonomia, especialmente no que toca à repetição de créditos tributários

em face da Fazenda Pública.

A conclusão pela inconstitucionalidade do art. 100, § 12º, da CF resultou na

inconstitucionalidade, por arrastamento, da regra prevista no art. 1º-F da Lei 9.494/97, na

redação dada pela Lei 11.960/09. A extensão de tal declaração de inconstitucionalidade,

limitada em sede de controle concentrado, foi analisada em sede de controle difuso no

julgamento do RE 870.947. Nesta oportunidade, o Supremo Tribunal Federal reputou

inconstitucional o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na

parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, ao

incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária. Em atenção à isonomia, tais

créditos devem ser acrescidos dos mesmos juros moratórios pelos quais a Fazenda Pública

remunera seu crédito tributário. O Tribunal reputou, no mais, constitucional o índice de

remuneração da caderneta de poupança para as condenações oriundas de relação jurídica não-

tributária. Quanto à atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública

segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, o STF decidiu por sua

inconstitucionalidade, por impor restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB,

art. 5º, XXII), “uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de

preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina”.

A declaração de inconstitucionalidade do § 12º do art. 100 da CF e do art. 1º-F

da Lei 9.494/97 tem ensejado a aplicação arbitrária do IPCA-E para toda e qualquer condenação

à Fazenda Pública, desrespeitando inclusive a coisa julgada, a natureza tributária dos créditos

em discussão ou a previsão dos índices de juros e correção monetária nos contratos em que o

poder público é parte. O respeito à força vinculante dos contratos foi externado tanto no

julgamento da ADI 4.425 como no julgamento do RE 870.947, inclusive com destaque à

previsão de estipulação de índices específicos na celebração de contratos administrativos (art.

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40, XI, da Lei 8.666/93), tendo o colendo STF ressalvado que os critérios de correção monetária

e juros estipulados no art. 1º-F da Lei 9.494/97 não se aplicam aos casos em que tais critérios

de atualização tenham sido ajustados contratualmente.

Destarte, o art. 1º-F da Lei 9.494/97 possui natureza supletiva, isto é, somente

prescreve os critérios de correção monetária e juros de mora nas hipóteses que não houver outra

disposição legal ou contratual que trate do tema. Entendimento em sentido contrário, assim nos

parece, viola expressamente a garantia constitucional constante do inciso XXXVI, do art. 5º, da

Constituição Federal, segundo o qual “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico

perfeito e a coisa julgada”. A previsão de que a Lei não prejudicará a coisa julgada e o ato

jurídico perfeito busca justamente proteger as relações contratuais estabelecidas, conferindo-

lhes segurança jurídica em face de eventuais alterações legislativas.

Atribui-se a Pedro Malan a máxima de que “no Brasil até o passado é incerto”.

É neste contexto que, não bastassem as discussões havidas em torno da constitucionalidade das

disposições acerca dos juros e correção monetária, bem como da modulação de efeitos no

reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 100, conforme redação dada pela EC 62/2009,

o STF recentemente reconheceu a repercussão geral da discussão em torno da possibilidade de

revisão dos critérios de correção monetária e juros em face da Fazenda Pública fixados por

decisão transitada em julgada.

Com efeito, discute-se no RE 1.086.58327 a constitucionalidade de decisão do

TST que determinou a revisão de cálculos de precatório expedido para reduzir os juros de mora

de 1% para 0,5% após a edição da Medida Provisória nº 2.180-35/01, convertida na Lei nº

9.494/1997.

27 COISA JULGADA - SENTENÇA DE LIQUIDAÇÃO - PRECLUSÃO - MODIFICAÇÃO POSTERIOR -

TÍTULO JUDICIAL CONDENATÓRIO - RELAÇÃO JURÍDICA - REGIME - MODIFICAÇÃO -

ADMISSIBILIDADE NA ORIGEM - RECURSO EXTRAORDINÁRIO - REPERCUSSÃO GERAL

CONFIGURADA. Possui repercussão geral a controvérsia alusiva à intangibilidade da coisa julgada no tocante

aos juros estabelecidos em processo de conhecimento ou de execução contra a Fazenda Pública, bem como a

relativa à mitigação de título judicial condenatório, ante a transformação de empregos públicos em cargos sob o

regime estatutário.

(STF, RE 1086583 RG, Relator(a): Min. Marco Aurélio, julgado em 07/12/2017, Processo eletrônico DJe-038

Divulg 27-02-2018 Public 28-02-2018 )

Page 29: A INCIDÊNCIA DE JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA NA … · Vol. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 278). 4 Some-se a tais circunstâncias a discussão quanto à possibilidade de execução

29

Tratando-se, como já apontado na Introdução, de uma velha discussão sempre

presente, convém citar os comentários de Cássio Scarpinella Bueno em atenção ao art. 1º-E da

Lei 9.494/9728:

[...] Não é difícil verificar que, no foro, haverá aqueles que sustentarão que essa

‘limitação dos juros moratórios” tem aplicação imediata nos feitos em curso,

independentemente do trânsito em julgado. Para que não haja dúvida a respeito disso,

dirão os mentores dessa tese, é que o novo art. 1º-E da Lei n. 9.494/97 previu a

atividade, oficiosa até, do Presidente do Tribunal para “corrigir” eventuais excessos

nos valores já requisitados para pagamento. Coisa julgada? Só se for para estabilizar

as ações relativas a direito privado, em que inexiste um “interesse público” que quer,

a todo custo, sobrepairar a ordem jurídica.

A meu ver, o art. 1º-E da Lei n. 9.494/97 não serve para desconstituir essa “coisa

julgada”. Justamente porque, se já houve condenação, e nela estavam imputados juros

superiores ao limite agora imposto pelo art. 1º-F do mesmo diploma legal, há inegável

direito adquirido. A nova norma só poderá ter aplicação plena para os novos casos,

ainda não julgados ou, quando menos, ainda pendentes de recursos que admitam a

incidência da regra do jus superveniens do art. 462 do Código de Processo Civil29.

Dada a expectativa de que a discussão não perderá o seu objeto em razão do

pagamento do precatório em questão, caberá ao STF decidir o tema – a favor do respeito à coisa

julgada, do Estado, do Governo ou do credor – mas certamente a favor da segurança e da

estabilidade das relações jurídicas entre o particular e a Fazenda Pública, a menos até que

sobrevenha uma nova Emenda Constitucional que pretenda pôr fim à questão dos precatórios

pelos mais variados métodos, inclusive, se o caso, pela previsão de que caberá ao Estado

finalmente honrar suas obrigações.

Referências Bibliográficas

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BUENO, Cássio Scarpinella (coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. v.3. São

Paulo: Saraiva, 2017.

______. O poder público em juízo. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

28 Lei 9.494/97, art. 1o-E. São passíveis de revisão, pelo Presidente do Tribunal, de ofício ou a requerimento das

partes, as contas elaboradas para aferir o valor dos precatórios antes de seu pagamento ao credor. 29 BUENO, Cássio Scarpinella. O poder público em juízo. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 294.

Page 30: A INCIDÊNCIA DE JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA NA … · Vol. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 278). 4 Some-se a tais circunstâncias a discussão quanto à possibilidade de execução

30

CUNHA, Leonardo Carneiro. A Fazenda Pública em juízo. 15.ed. Rio de Janeiro: Forense,

2018.

DIDIER Jr., Fredie. Curso de direito processual civil: execução. V.5. 8.ed. Salvador:

Juspodivm, 2018.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. V.4. 3.ed. São Paulo:

Malheiros, 2009.

MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Parte Especial, Tomo XXIV.

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STF, RE 870947, Rel. Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 20/09/2017, acórdão

eletrônico DJe-262 divulg 17-11-2017 public 20-11-2017.

STF, ADI 4425, Relator(a): Min. Ayres Britto, Relator(a) p/ Acórdão: Min. Luiz Fux, Tribunal

Pleno, julgado em 14/03/2013, Processo eletrônico DJe-251 Divulg 18-12-2013 Public 19-12-

2013 RTJ VOL-00227-01 PP-00125.