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  • 8/19/2019 A importância do pensamento hierocrático na consolidação da noção de soberania

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    A IMPORTÂNCIA DO PENSAMENTO HIEROCRÁTICO NA CONSOLIDAÇÃO DA NOÇÃO DE SOBERANIA

    Paulo Henrique FARIA NUNES*

    R ESUMEN: Este artículo tiene por finalidadanalizar uno de los elementos más con-trovertidos en el estudio del derecho inter-nacional: la so beranía. De modo contradic-to rio, pues fue fun damental para elnacimiento del derecho internacional mo-

    derno, en la actualidad re presenta uno delos grandes obstáculos en el incrementode las relaciones internacionales. La discu-sión tie ne como en foque prin ci pal la no-ción de so beranía en su gé nesis, cuan do laIglesia re presenta ba una im portante fuerzacomo modelo político —la hierocracia— para lo cual se toma como punto de parti dala obra de Egí dio Romano ( De ec cle sias ti-ca po tes ta te) que sintetiza la as piración del

    poder eclesiástico medieval. Como es ne-cesaria una com prensión genérica de la no-ción de so beranía en su sentido moderno, la parte introductoria está dedicada a este pro pósito.

    A BSTRACT : This ar ti cle points out theanaly sis of one of the most con tro ver sial elements in the study of in ter na tional law:

    so vereignty. Con tra dic tory, the re fore it was ba sic for birth of the mo dern in ter na -tional law, cu rrently re pre sents one of the

    great obs ta cles to in crea se of in ter na tionalre la tions. The qua rrel has as main ap -

    proach the no tion of so ve reignty in its ori - gin, when the Church still re pre sen ted anim por tant for ce, as well as a po li ti cal mo -del —the hie ro cra cia—, ta king into ac -count the work of Egí dio Ro ma no ( Deecclesiastica potestate ) which synthe ci zesas pira tion of me dieval ec cle sias tical po -wer. Con sidering it is ne ces sary un ders -

    tand so vereignty in its mo dern sen se, thein tro duc tory part of this ar ticle deals with it.

    * Bacharel em direito, es pecialista em relações internacionais, mestre em geografia. Professor daUniversidade Salgado de Oliveira e da Universidade Federal de Goiás (estágio docente). Professor de Direito Internacional e Ciência Política. Home page: http://www.di rei toin ter na cional.cjb.net .

    Núm. 12, enero-junio 2005

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    I. I NTRODUÇÃO

    O presente tra balho tem como ob jetivo a origem da noção do poder deso berania e a im portância do pensamento hierocrático para a sua consoli-dação. Entretanto para chegarmos à discussão so bre a influência da dou-trina hierocrática, apresentamos inicialmente uma discussão geral so bre aso berania (conceito, características, fonte, extensão, titularidade).

    Apresentamos, ainda, as origens históricas do pensamento hierocráticoe fa zemos uma abor da gem so bre a hie rocra cia com base na obra de Egí -dio Romano, pensador que sintetizou esta doutrina quando da querela en-tre Fili pe, o Belo, e o papa Bonifácio VIII, no início do séc. XIV.

    Enfim, é necessário esclarecer que na confecção do presente tra balhooptamos pelo princí pio da continuidade histórica, a que Georg Jellinek fazia referência quando dizia que a so berania é umaca te goria his tórica .

    II. SOBERANÍA

    1. Con cei to

    Com freqüência o nome de Jean Bodin é mencionado quando é ob jetode de bate o conceito de so berania. Este pensador, nascido em Angers,França, sem dúvida, tem im portância ím par na sistematização e na defi -nição da so berania. Em sua céle bre obraOs seis liv ros da re pú bli ca (pu- blicada originariamente em 1576), Bodin chama a atenção para a neces-sidade de uma acurada definição do termo so berania, uma vez quenenhum filósofo ou jurista havia até então se preocu pado em fazê-lo.

    Bodin —no cap. VIII do Livro I ( Da so bera nia ) de Os seis liv ros dare pública — define de forma sintética a so berania com as seguintes pa-lavras: “é o poder absoluto e per pétuo atri buído a uma re pú blica, o qualem latim é denominado ma jes tas ”.1

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    1 Para a transcrição da definição de Bodin, dois textos foram consultados: “La soberanía es el poder absoluto e perpétuo de una república...”. Bodin, Jean, Los seis libros de la República , 3a. ed.,Madrid, Tecnos, 2000, p. 47. “Sovereignty is that absolute and per petual power vested in a common-wealth which in Latin is termedmajestas ...”. Disponível em: http://www.con sti tu-tion.org/bodin/bodin_.htm . Acesso em 17 de novembro de 2002.

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    A so be rania, tema de gran de re levância para a ciên cia política, a par tirda obra de Bodin, foi ob jeto de análise de grandes nomes da história do pensamento, a exem plo de Thomas Hob bes e Jean-Jaques Rousseau.

    Algumas características descritas por Bodin, com maior ou menor in-tensidade, passaram a ser incor poradas aos estudos futuros, dentre elas“per pétua, absoluta, indivisível, intransmissível, indelegável, inalienávele im prescritível”.2 Bodin desenvolve suas idéias, partindo da observaçãodos Estados —naquele momento histórico já consolidados efetivamente,ainda que a personalidade jurídica de direito pú blico internacional nãoestivesse tão clara—.

    Segundo Goyard-Fa bre3

    É com Bodin que, pela primeira vez na história da doutrina política, o concei-to de so berania conota a essência da re pú blica: esse conceito não só definesua es pecificidade, distinguindo-a de qualquer outra comunidade, mas a de-signa como Esta do no sentido moderno da palavra, o que quer dizer que fazdela uma entida de política cuja pre rroga tiva já não é, como para os reis daIdade Média, jurisdicional, mas legisladora.

    Apresentada a concepção de Bodin, tido como o formulador primeirodo conceito de so berania, ve jamos outros conceitos: Jellinek afirma queo “Poder so berano de um Estado é... aquele que não reconhece nenhumoutro su perior a si; é, por conseguinte, o poder su premo e inde penden-te”.4

    Para Mal berg,

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    2 Lupi, André Lipp Pinto Basto,Soberania, OMC e Mercosul , São Paulo, Aduaneiras, 2001, p. 41.3 Goyard-Fabre, Simona,Os principios filosóficos do direito político moderno , São Paulo,

    Martins Fontes, 2001, p. 23.4 Jellinek, Georg,Teoría gen eral del Estado , México, Fondo de Cultura Económica, 2000, p.

    432. A redação da obra consultada traz os seguintes dizeres: “Poder soberano de un Estado es, por tanto, aquel que no reconoce ningún otro su perior a sí; es, por consiguiente, el poder supremo eindependiente”. Muito esclarecedora é a análise que Jellinek faz do conceito elaborado por Bodin:“Pero este concepto, en la forma en que lo formuló Bodin, es de naturaleza esencialmente negativa;el ‘poder absoluto li bre de toda ley sobre ciudadanos y súbditos’ significa, ante todo, la negación delo que quisiera afirmarse como poder independiente, sobre, junto o dentro del Estado: el poder dedominación del papa, del rey y de losestados . El Estado tiene un poder soberano, lo cual quieredecir simplemente que es independiente de todo otro poder, pero no afirma lo que es el Estadoesencialmente, sino más bien lo que no es” (id., p. 415).

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    Tomada em sua acepção exata, a palavra so berania designa não apenas uma potestade, mas uma qualidade, certa forma de ser, certo grau de potestade. Aso berania é o caráter su premo de um poder; su premo, no sentido que dito po -der não ad mite nen hum outro acima dele nem em con corrência com ele. Por -tanto, quando se diz que o Estado é so berano, há que se entender que, na es -fera em que sua au to ridade é cha mada a se exercer, pos sui uma potestade quenão de pende de nenhum outro poder e que não pode ser igualada a nenhumoutro poder.5

    Dos conceitos apresentados, um comentário merece ser feito: inicial-mente, como pode ser observado no conceito de Bodin, a so berania eraconfundida com o pró prio poder do Estado; ao passo que, hodiernamen-te, a so berania é considerada uma característica ou um atri buto do poder estatal. O conceito originário de so berania re presenta o pró prio poder emvirtude de, naquele período histórico (Século XVI), estarem sendo con-solidadas as autoridades nacionais; o poder dos Estados era re presentado pelos monarcas, de forma que havia uma proximidade considerável entreos interesses pú blico e privado.

    Essa questão fica mais evidente quando analisamos sim plesmente oconceito de poder. Apresentamos aqui o conceito encontrado na obra deAcquaviva: “Poder é a ca pacidade de im por obediência. A palavra temorigem no latim arcaico po tis esse , contraída em pos se e, daí, po tere . Po-der, ent ão, é pos sibilida de, é potê ncia , po tencia lida de para a rea li zaçãode algo. O poder não éação , é potê ncia ”.6 Várias formas de poder po-dem ser encontradas nos mais diversos modos de relações sociais taiscomo:7 real (ser) e formal (dever ser); legítimo e ilegítimo; disci plinar econtrolador; macro poder e micro poder; político-jurídico (estatal); social;econômico.

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    5 Malberg, R. Carré de,Teoría gen eral del Estado , 2a. ed., México, UNAM, Facultad deDerecho-Fondo de Cultura Económica, 1998. p. 81. Na redação original: “Tomada en su acepción precisa, la palabra soberanía designa, no ya una potestad, sino una cualidad, cierta forma de ser,cierto grado de potestad. La soberanía es el carácter supremo de un poder; supremo, en el sentido deque dicho poder no admite a ningún otro ni por encima de él, ni en concurrencia con él. Por lo tanto,cuando se dice que el Estado es soberano, hay que entender por ello que, en la esfera en que suautoridad es llamada a ejercerse, posee una potestad que no depende de ningún otro poder y que no puede ser igualada por ningún otro poder”.

    6 Acquaviva, Marcus Cláudio,Teoria geral do Estado , 2a. ed., São Paulo, Saraiva, p. 50.7 Cfr . Aguiar, Roberto A. R. de, Estado, direito e opressão , São Paulo, Alfa-Omega, 1980.

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    O po der estatal é sim ples mente uma das muitas formas de po der en-contradas, qualificado como um poder político-jurídico.8 A so berania é, portanto, o elemento que diferencia o poder estatal, assegurando-lhe princi palmente a exclusividade do poder coercivo em determinado terri-tório, ou nos dizeres de Goyard-Fa bre um “princí pio de inde pendência ede onicom petência do Estado moderno”.9 Assim, a so berania não podeser o pró prio poder, mas uma característica ou atri buto do poder estatal.

    Pode-se, tam bém, constatar a dissociação da so berania e do poder es-tatal nos elementos constitutivos do Estado. Usualmente são citados osseguintes elementos: po pulação, território e governo. A so berania —em- bora o governo, para a configuração de um Estado com personalidade ju-rídica de direito pú blico interno e internacional, deva ser um governo in-de pendente— é o amálgama que une os três ingredientes necessários àformação de um Estado. E assim ocorre em virtude dos as pectos internose externos de um poder so berano: o as pecto interno assegura que umEstado tenha plenos poderes para fazer valer sua vontade dentro de seuterritório so bre o con junto de pessoas que ali se encontram, ao passo queo as pecto externo re presenta o reconhecimento dos demais Estados —unidades so beranas— da existência de um poder so berano que deveser res peitado.10

    2. Ca rac terís ticas

    Quando apresentamos o conceito de so berania ela borado por Jean Bo-din, no tó pico anterior, enumeramos as características por ele apontadas: per petuidade, plenitude, indivisi bilidade, intransmissi bilidade, indelega- bilidade, inaliena bilidade e im prescriti bilidade.11

    Algumas dessas características são bem evidentes e reforçam a crença política atual da im pessoalidade do poder estatal. Uma vez que o Estado

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    8 Em relação à postura de considerarmos o poder estatal um poder político-jurídico,esclarecemos que estamos acompanhando a corrente dominante dentro da ciência política. HansKelsen, à sua maneira, considera o Estado, simplesmente, um fenômeno jurídico, isto é, umacorporação que se difere das demais justamente porque está amparado pela soberania — qualidadede uma ordem normativa (Cfr . Kelsen, Hans,Teoria geral do direito e do Estado , 3a. ed., São Paulo,Martins Fontes, 1998)—.

    9 Goyard-Fabre,op. cit ., nota 3, p. 115.10 Cfr . item 2.2.11 Cfr . Os seis livros da república , livro I, cap. X: Dos verdadeiros atributos da soberania .

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    é uma instituição, isto é, algo constituído para viger por prazo indetermi-nado ou que tenha a pretensão de ser eterno, e a so berania é o princi palatri buto de seu poder, conseqüentemente ela será per pétua e im prescrití-vel. Será tam bém intransmissível, indelegável e inalienável, pois, casocontrário, a figura do poder Estatal desa pareceria e por conseguinte oEstado.

    Nos casos de cessões territoriais entre Estados, se jam tem porárias ou permanentes, não há que se falar em aliena bilidade ou delegação. O fatode um Estado sofrer decréscimo territorial não im plica a perda de so bera-nia. Em termos político-jurídicos, todos os Estados são equivalentes, nãoim portando a extensão territorial, o arsenal bélico ou a significância desua economia no plano internacional. Nesse sentido, vale lem brar que te-mas como igualdade entre Estados, não intervenção, inde pendência dosEstados, foram incluídos na Declaração das Nações Unidas so bre Princí- pios do Direito Internacional concernentes às Relações Amistosas entreEstados (Resolução A/RES/2602 (XXV) da Assem bléia Geral, aprovadaem 24 de outu bro de 1970).12

    Um tema que pode suscitar dúvidas em uma abordagem preci pitada éa indivisi bilida de. Para Rousseau, “A so berania é indivisível pela mesmarazão por que é inalienável, pois a vontade ou é geral, ou não o é; ou é ado cor po do povo, ou somente de uma parte. No primeiro caso, essa von-ta de de clarada é um ato de so be rania e faz lei; no segundo, não passa deuma vontade particular ou de um ato de magistratura, quando muito, deum decreto”.13 Rousseau parte do princí pio de que a vontade geral, cons-tituída da soma de todas as vontades individuais, corres ponde à so bera-nia de um Estado, de modo que todos os indivíduos estariam subordina-dos à vontade geral. Uma grande dificuldade reside nesse modelo de

    Estado vislum brado por Rousseau; na verdade, para o pró prio autor talEstado seria im praticável, sendo mera uto pia. Segundo Goyard-Fa bre,

    Rousseau sem pre re petiu: a democracia é um governo “perfeito demais” paraconvir a homens. Ela não pode instalar-se em povos irremediavelmente co-

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    12 Disponível em:http://www.un.org/Depts/dhl/resguide/res ins.htm . Acesso em 16 de janeirode 2003.

    13 Rousseau, Jean-Jacques, “Do contrato social”, en varios autores,Os pensadores: Rous seau ,São Paulo, Nova Cultural, 2000, v. I, p. 87.

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    rrom pidos, de tal forma que a sociedade política nunca poderá ser o que de-veria ser: os verdadeiros “fundamentos do direito político” serão traídos.14

    Além dos pro blemas utó picos e filosóficos de Rousseau, podemosmencionar duas questões so bre a indivisi bilidade da so berania: a primei-ra delas são os as pectos internos e externos da so berania. É realmente possível identificar dois as pectos na so berania de um Estado ou isso con-frontaria sua unidade e indivisi bilidade? Sim, é possível, uma vez queaqui falamos apenas em “as pectos” da so berania ou do poder so berano: a“so berania externa” diz res peito às relações internacionais dos Estados,enquanto a “so berania interna” é referente ao trato dos indivíduos (pes-soas naturais ou jurídicas) no território de um Estado. Os dois as pectos —externo e interno— são convergentes uma vez que buscam enfatizar a plenitude e a dimensão do poder do Estado, que não está subordinado anenhum outro poder. Bonavides15 assim resu me a quest ão:

    A so berania interna significa o im pe rium que o Estado tem so bre o territórioe a po pulação, bem como a su perioridade do poder político frente aos demais poderes sociais, que lhe ficam su jeitos, de forma mediata ou imediata.

    A so berania externa é a manifestação inde pendente do poder do Estado perante outros Estados.

    O reconhecimento de diferentes as pectos da so berania —interno e ex-terno— poderia ense jar confusão quando analisadas as Uniões de Esta-dos organizadas na forma confederativa. Segundo Jellinek, “a confede-ração de Estados é a união permanente de Estados inde pendentes, uniãoque re pousa em um pacto, por meio do qual se unem os Estados com ofim de proteger o território da confederação exteriormente e assegurar en tre eles a paz in terior”.16 A confederação é considerada uma forma se-cundária de Estado, visto que é formada a partir de duas ou mais unida-des so beranas preexistentes e possui personalidade jurídica pró pria; podetam bém ser designada como uma es pécie de Estado com posto por coor-

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    14 Goyard-Fabre,op. cit ., nota 3, p. 248.15 Bonavides, Paulo,Ciência política , 10a. ed., São Paulo, Malheiros, 1994. p. 110. Sobre os

    aspectos interno e externo da soberania,cfr . Malberg,op. cit ., nota 5, pp. 81 y 82.16 Jellinek, op. cit ., nota 4, p. 657. No original: “La confederación de Estados es la unión

    permanente de Estados independientes, unión que descansa en un pacto por el que se unen losEstados con el fin de proteger el territorio de la confederación exteriormente y asegurar en tre ellos la paz interior”.

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    denação. Embora seja inter pretada como um Estado, a constituição polí-tico-jurídica da confederação é dé bil, uma vez que não possui esta bilida-de. O ato constitutivo de uma confederação é um tratado assinado por Estados so beranos e que pode ser ob jeto de denúncia a qualquer momen-to. O con tex to no qual é in seri da a criaç ão de uma confederaç ão é marca-do por um voluntarismo exacer bado já que os Estados mem bros mantêm plena so berania, tanto no as pecto interno quanto no externo. Um Estadomem bro de uma confederação, destarte, não pode ignorar as ações doórgão central, mas pode a qualquer momento denunciar o tratado e nãomais fazer parte daquela personalidade jurídica que é o “Estado confede-rado”. Então, ainda que a confederação tenha personalidade jurídica pró- pria e seja considerada uma forma de Estado por uma quantidade razoá-vel de pu bli cistas, sua criação não pre judi ca a so bera nia de cada Esta domem bro, de modo que a pró pria condição de Estado desta forma de orga-nização política merece ser colocada em cheque. Aparentemente, o idealseria falar ape nas em umaor ga ni zaç ão in ter na cional —su jeito derivadode direito internacional— e não na existência de um Estado confederado.

    Ainda so bre a indivisi bilidade da so berania, fazemos um último co-mentário em razão do incremento das relações internacionais e da reivin-dicação dos Estados so bre áreas que compõem o que hoje chamamos dedomínio marítimo dos Estados. Em 1982, com a Convenção das NaçõesUnidas so bre o Direito do Mar,17 assinada em Montego Bay, Jamaica, foicriada a fi gu ra da zona econô mica exclu siva (ZEE). Trata-se de uma porção de es paço marítimo além do mar territo rial, que pode se es ten der até uma distância de du zen tas milhas marítimas a partir da lin ha de basedos Estados costeiros.

    O texto da Convenção so bre o Direito do Mar,18 quando faz referência

    aos direitos dos Estados costeiros so bre suas res pectivas ZEE enumeraentre eles “Direitos de so berania para fins de ex ploração e aproveitamen -to, conservação e gestão dos recursos naturais, vivos ou não vivos, daságuas so bre jacentes ao leito do mar, do leito do mar e seu subsolo e noque se refere a outras actividades com vista à ex ploração e aproveitamen -to da zona para fins económicos, como a produção de energia a partir da

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    17 Assinada a 10 de novembro de 1982, mas só entrou em vigor no dia 16 de novembro de1994.

    18 Disponível emhttp://www.diramb.gov.pt/data/basedoc/TXT_LI_6815_1_0001.htm . Acessoem 16 de janeiro de 2003.

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    água, das correntes e dos ventos” (art. 56, § 1o.,a). Entre o mar territo-rial, que pode atingir a distância máxi ma de doze milhas marí ti mas a par-tir da lin ha de base, existe uma fai xa de tran siç ão na qual o Esta do cos-teiro pode praticar determinados atos de fiscalização e policiamento afim de: “a) evitar as infracções às leis e regu lamentos aduanei ros, fis cais,de imigração ou sanitários no seu território ou no seu mar territorial; b)re primir as infracções às leis e regulamentos no seu território ou no seumar territorial” (art. 33, § 1o., da Convenção so bre o Direito do Mar).Essa faixa de transição é denominada zona contígua.

    No caso es pecífico da ZEE, temos uma es pécie particular de so beraniae não somente um as pecto da so berania, a exem plo das noções de so bera-nia interna e so berania externa. A Convenção so bre o Direito do Mar prevê uma forma qualificada de so berania, a sobera nia econô mica . Por-tanto, temos aqui uma exceção à plenitude do poder do Estado uma vezque o Estado costeiro sofre restrições —ainda que voluntariamente, jáque a obrigação surge de um tratado internacional— ao exercício de seusdireitos so bre a ZEE.

    Feitas essas observações so bre as características da so berania, passe-mos a discorrer brevemente so bre as princi pais controvérsias doutrináriasenvolvendo o conceito de so berania: a origem (fonte), a extensão (limi-tes) e a titularidade.

    3. Fon te, ex tens ão e ti tula rida de da so bera nia

    A noção do poder so berano como algo intrans ponível, desde a gênesedo conceito de so berania, sem pre foi um ponto pacífico. Todavia, quest-ões como a origem, a extensão e a titularidade do poder so berano nem

    sem pre foram ob jeto de discussões harmoniosas e uniformes. São váriasas correntes doutrinárias que se dedicaram ao assunto, tratando-o sob di-ferentes pontos de vista.

    Quanto à origem ou à fonte do poder so berano, podemos primeira-mente apre sen tá-la dentro de uma divis ão mais am pla, a sa ber: teo ria do poder ascendente; teoria do poder descendente.19 Na pri meira teo ria (po-der ascendente), mais antiga, o poder emana do povo e o governante éapenas o re presentante daqueles que o escolhem. Uma vez que o gover-

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    19 Cfr . Kritsch, Raquel,Soberania: a construção de um conceito , São Paulo, Humanitas(FFLCH/USP)-Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2002, pp. 369-371.

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    nante era mero re presentante, o povo era titular de um legítimo direito deresistência. Nesse modelo, enfim, existe por conseguinte uma considerá-vel li berdade política.

    A teoria do poder descendente, por sua vez, associa a figura do gover-nante a uma entidade su prema e divina. O governante, portanto, re pre-sentava no núcleo político uma autoridade so brenatural que não podia serquestionada ou contrariada. Na teoria do poder descendente não é cogita-da a li berdade política dos indivíduos, ao contrário do poder descenden-te.20 A teoria do poder descendente tinha duas versões princi pais:

    1) Na versão tradicional, mais útil aos pa pas, o sucessor de São Pedro era otransmissor da autoridade concedida por Deus. Esse era o sentido da sagraçãodos governantes seculares pelo papa.

    2) Numa versão alternativa, o poder era concedido por Deus diretamenteaos governantes. Essa doutrina, cu jas raízes remontavam à idéia da teocraciarégia dos antigos, constituiria a base teológica do absolutismo nos séculosXVI e XVII, mas derivava, claramente, das pretensões dos im peradores e dosdefensores do reg num .21

    A partir da dicotomia apresentada (poder ascendente e poder descen -dente), podemos encontrar teorias mais pormenorizadas. Nesses porme-nores reside a titularidade do poder so berano, isto é, a quem pertence oua quem cabe o exer cício da so be rania. As princi pais teorias que de ba tema origem associada à titularidade do poder so berano são: teoria da so be-rania absoluta do rei; teoria da so berania po pular; teoria da so berania na-cional; teoria da so berania do Estado.22

    A teoria da so berania absoluta do rei, ou teoria do direito divino so- brenatural, é uma decorrência da consolidação do Estado moderno e estávinculada diretamente ao processo de construção do conceito de so bera-nia. Trata-se de uma doutrina essencialmente teocrática: o rei era escolhi-do por Deus e não estava subordinado a nenhuma outra autoridade. Esse

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    20 Kelsen apresenta sua classificação das formas de governo (democracia e autocracia) tendo por base semelhante princípio dicotômico. Kelsen,op. cit ., nota 8.

    21 Kritsch, op. cit ., nota 19, p. 370.22 Várias obras de ciência política e teoria geral do Estado tratam desse assunto, dentre elas:

    Bonavides,op. cit ., nota 15; Azambuja, Darcy,Teoria geral do Estado , 41a. ed., São Paulo, Globo,2001; Maluf, Sahid,Teoria geral do Estado , 22a. ed., São Paulo, Saraiva, 1993; Dallari, Dalmo,

    Elementos de teoria geral do Estado , 23a. ed., São Paulo, Saraiva, 2002.

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    princí pio foi defendido princi palmente por Bodin e seus “sucessores”,como Char les Loyser, Car din Le Bret e Riche lieu.23

    A teoria da so berania po pular é uma res posta aos argumentos dos de-fensores da teoria da so berania absoluta do rei. A teoria da so berania po- pu lar tem suas raí zes no século XIV —com autores como Mar sílio de Pá-dua— e ressurge no século XVI —nos tra balhos de teóricos comoBellarmino, Suárez,24 Vitória—. Foi uma tentativa de restringir os pode-res dos monarcas absolutos. O fundamento ma joritário é a providênciadivina: “o poder civil corres ponde com a vontade de Deus, mas promanada vontade po pular — omnis po tes tas a Deo per po pu lum li bere con sen -tien tem —, conforme com a doutrinação do Apóstolo São Paulo e de SãoTomás de Aquino”.25

    A teoria da so berania nacional é desvinculada da concepção teocráticade poder. Trata-se de uma teoria democrática que se manifesta princi pal -mente com o movimento li beral do século XVIII, so bretudo na França.Contra o princí pio da potestade real, a so berania da nação foi formuladacom uma du pla idéia fundamental que consiste, segundo Mal berg,26 em:

    1o. O rei não pode ser pro prietário da so berania; carece de poder para isso. A

    so berania não pode ser bem particular de ninguém. A so berania ou potestadeestatal, com efeito, não é mais que o po der social da nação, um po der es sen -cialmente nacional no sentido e pelo motivo de que se funda unicamente nasexigê ncias do interesse da naç ão e de que não existe a não ser nesse interes senacional... Mais exatamente, em direito deve dizer-se que os governantes, pro priamente falando, não possuem a so berania mesma, visto que, muito di-

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    23 Goyard-Fabre,op. cit ., nota 3, p. 171.

    24 Goyard-Fabre nos fornece (Goyard-Fabre,op. cit ., nota 3, p. 175) uma breve e interessanteanálise do pensamento de Francisco Suárez (1548-1617): “Como todo jesuíta, Suárez acreditava naorigem divina da soberania, assim declarada ‘de direito natural’. Mas, se, no seu De legibus (1612),ele acompanha a tradição tomista ao caracterizar o Estado como potência pública e lhe reconhecer como critério essencial ser supremus in suo ordine —isto é, absolutamente soberano ‘em suaordem’, portanto, neste mundo—, insiste particularmente, talvez seguindo Marsílio de Pádua, emdois pontos: em primeiro lugar, a soberania se insere por natureza nocor pus politicum , isto é, noconjunto do povo que, ainda que por via consuetudinária, se limita a confiar o seu exercício aomonarca; em segundo lugar, essa soberania, suprema e absoluta, da qual o corpo público é o lugar por excelência, longe de fazer com que o príncipe seja solutus legibus , impõe-lhe obediência às leisdo Estado: em conformidade com a finalidade da ‘coisa pública’, que é o ‘bem comum’, a soberania,apesar de ser absoluta, é por isso mesma limitada”.

    25 Maluf, op. cit ., nota 22, p. 32.26 Suárez, citado en nota 24.

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    ferentemente, somente têm o exercício dela; não estão investidos mais que deuma sim ples com petência, e neste sentido, são apenas administradores de um bem estranho, de um poder que é puramente da nação. Este é o primeiro sen-tido do princí pio da so berania nacional.

    2o. De outro lado, a Assem bléia nacional formula e consagra a idéia, nãomenos im portante, de que entre os homens que compõem a nação, nenhum pode pretender o exercício do poder so berano fundando-se em um direito demando inato em sua pessoa, ou alegando, bem seja uma su perioridade pes-soal, bem uma vocação pes soal para este exercício. Em efeito, a so be rania é pro priamente o direito que tem a comunidade nacional de fazer res peitar seusinteresses su periores por meio de sua potestade, tam bém su perior; é, por con-seguinte, um direito que só pertence à nação.27

    O princi pal teórico da so berania nacional foi Jean-Jacques Rousseau,que a as so ciava à vontade geral, equi valente à soma de todas as vontadesindividuais, a so berania. Para este pensador francês, ao indivíduo ca beriaum du plo pa pel: de súdito, uma vez que todo indivíduo é subordinado ao poder so berano que detém a mais am pla forma de jurisdição dentro deum território, a jurisdição nacional nos as pectos administrativo, legisla-tivo e judiciário; e decidad ão , pois integra e ajuda a com por a vontadegeral.A so berania do Estado foi am plamente defendida pelas escolas alemãe austríaca, re presentadas princi palmente por Georg Jellinek e Hans Kel-sen. Para essa teo ria, a so berania não pertence nem ao governante nemaos governados, mas ao Estado, que tem a exclusividade na criação dodireito. Assim não haveria nenhum direito alheio à figura do Estado. Je-

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    27 No original: “1o. El rey no puede ser propietario de la soberanía; carece de poder para ello.

    La soberanía no puede ser el bien propio de nadie. La soberanía o potestad estatal, en efecto, no esmás que el poder social de la nación, un poder esencialmente nacional en el sentido y por el motivode que se funda únicamente en las exigencias del interés de la nación y de que no existe sino en eseinterés nacional... Más exactamente, en derecho debe decirse que los gobernantes, propiamentehablando, no poseen la soberanía misma, sino que, y es muy distinto, sólo tienen el ejercicio de ella;no están investidos más que de una sim ple competencia, y en este sentido, sólo son administradoresde un bien extraño, de un poder que es puramente el de la nación. Este es el primer sentido del principio de la soberanía. 2o. Por otra parte, la Asamblea nacional formula y consagra la idea, nomenos importante, de que entre los hom bres que componen la nación, ninguno puede pretender elejercicio del poder soberano fundándose en un derecho de mando innato en su persona, o alegando, bien sea una superioridad personal, bien una vocación personal para este ejercicio. En efecto, lasoberanía es propiamente el derecho que tiene la comunidad nacional de hacer respetar sus interesessuperiores por medio de su potestad, también su perior; es, por consiguiente, un derecho que sólo pertenece a la nación”.

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    llinek afirma que “a so berania é um poder jurídico”28 e Kelsen de ou traforma não pensa, uma vez que defende o Estado como uma ordem nor-mativa e só admite a so berania dentro do domínio do normativo.29

    Essa teoria se fundamenta, princi palmente,30 em uma visão monista darelação en tre Esta do e direito, isto é, Esta do e direito formam uma reali-dade única. Assim, não seria conce bível qualquer forma de direito quenão fosse aquele criado pelo Estado, o direito positivo. Do mesmo modo,não seria conce bível um Estado que não fosse um Estado de direito.

    Feitas essas abordagens so bre a origem e a titularidade do poder so be-rano, cabe a nós ain da, a fim de encerrar o presen te tó pico, a dis cuss ãoso bre a extensão da so berania. Essa extensão diz res peito aos limites im- postos ao poder so berano.

    Uma primeira face de tal quest ão e que jus tifi ca a ne cessidade da im- posição de limites ao poder so berano está relacionada à pró pria gênesede conceito de so berania. E assim ocorre porque a so berania é conscien-temente perce bida como algo indis pensável ao Estado moderno a partir do surgimento deste; portanto a so berania encontra antes de tudo limitesterritoriais e fronteiriços, ou seja, existe uma dis posição es pacial e geo -gráfica dos vários poderes so beranos que compõem a sociedade interna-cional. Trata-se do chamado “princí pio da coordenação”, que busca asse-gurar na sociedade internacional a boa convivência entre as muitasunidades so beranas de modo que uma não desres peite as demais, ou,melhor dizendo: temos aqui odirei to in ter na cional como um dos limitesdo poder so berano, já que este ramo do direito pú blico é que se ocu pa daregulamentação e disci plina das relações internacionais.31 Cum pre-nosainda ressaltar que não existe nenhuma fórmula ou procedimento que in-dique que um novo Estado que sur ja na sociedade internacional —seja

    da união de dois ou mais, seja da divisão de um Estado em mais de uma

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    28 Jellinek,op. cit ., nota 4, p. 434.29 Kelsen, op. cit. , nota 8.30 Utilizamos o termo “principalmente” em virtude de alguns autores incluírem Georg Jellinek

    na corrente monista sobre a relação en tre Estado e Direito (Cfr . Maluf,op. cit ., nota 22). Entretanto,é importante lembrar que o pensador alemão desenvolve sua obra até chegar a uma concepçãodualista, considerando o Estado, de um lado, uma construção social e, de outro, um sujeito dedireito.

    31 Kelsen defende o monismo tanto em uma ordem jurídica interna, quanto em uma ordem jurídica inernacional, que, na hipótese de conflito entre a norma interna e a internacional, deverá prevalecer a internacional.Cfr . Losano, Mario G. (org.). Direito internacional e Estado soberano: Hans Kelsen e Umberto Campagnolo , São Paulo, Martins Fontes, 2002.

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    unidade so berana— é um Estado so berano: será sem pre necessário para aconstatação efetiva de uma nova so berania o reconhecimento dos demaisEstados que compõem a sociedade internacional.

    Outro fator que re presenta uma barreira ao exercício do direito de so- berania é o direito natural. O ob jetivo maior do Estado é o bem comum eo titular do poder so berano “só poderá fazê-lo res peitando os princí pios permanentes e naturais do Direito e da Moral. Desde que o Estado infrin-gis se o Direi to e a Moral, não pode ria mais rea li zar o bem à sociedade,ne gar-se-ia a si mesmo, não seria mais uma for ça le gí ti ma, não pode riamais ser reconhecido nem obedecido”.32 A noção de bem comum comoob jetivo do Estado remonta aos escritos de Aristóteles, quem entendiaque, não im porta qual seja a forma de governo (monarquia, aristocracia,re pú blica), o Estado deve buscar a satisfação e a felicidade do cidadão.Mesmo Maquiavel, ao te cer seus comentários so bre a condu ta a ser cum- prida por um prínci pe, chama a atenção do prínci pe para evitar a inter-ferência na “posse dos bens e das mulheres dos cidadãos e dos súditos”33 pois medidas dessa natureza poderiam fazer brotar o sentimento de ódionos indivíduos para com o governante. Ainda que não tenha admitido ex- pressamente, o pensador florentino parece deixar trans parecer atravésdesses elementos a preocu pação em garantir um limite ao exercício do poder so berano; todavia tal assertiva nunca poderá ser com provada.

    III. A IMPORTÂNCIA DO PENSAMENTO HIEROCRÁTICO NA CONSOLIDAÇÃO DA NOÇÃO DE SOBERANIA

    As várias formas de governo estão relacionadas diretamente à origeme/ou titularidade do poder do Estado.34 Na de mocracia o poder é exerci-do, direta ou indiretamente pelo povo; na aristocracia, por um gru po deindivíduos; e na monarquia, pela pessoa do monarca unicamente.

    Entretanto, nem sem pre as obras que se dedicam ao estudo da CiênciaPo lítica ou da Teo ria Ge ral do Esta do conferem a atenção de vi da a um

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    32 Azambuja,op. cit ., nota 22, p. 82.33 Maquiavel, Nicolau, “O príncipe”, en varios autores,Os pensadores: Maquiavel , São Paulo,

    Nova Cultural, 2000, p. 107.34 Neste trabalho, em função de suas particularidades, apresentamos apenas as principais

    formas de governo que remontam à clássica divisão de Aristóteles. Portanto, não faremos menção àsmais modernas formas ou sistemas de governo.

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    modelo de pensamento político que foi fundamental para a estruturaatual do Estado moderno: a hierocracia.

    O termo hie ro cracia é de ori gem gre ga (hie rós , sagrado + kra teía , po-der), em bora a origem da utilização medieval da ex pressão tenha origem bizantina.35 A hierocracia pode ser definida como uma forma de governoem que os sacerdotes exercem o poder ou interferem de modo considerá-vel nos assuntos do Estado.

    O pensamento hierocrático, enquanto doutrina política, surge dadisputa de poder travada entre o Império e a Igre ja em um período emque a figura do Estado moderno não estava totalmente consolidada. To-davia, a não consolidação do Estado moderno não reduz a im portânciaím par que a hierocracia possui na constituição docon cei to de so bera nia ,uma vez que todos os traços marcantes danoç ão de so bera nia foram ob- jeto de acurados tra balhos de investigação de teóricos partidários da su- premacia do poder pa pal so bre o poder im perial. Assim, para uma com- preensão am pla do conceito de so berania é de bom tom situá-lo em umcontexto que nos permita entender a sua formação em um processo histó-rico.

    Kritsch defende a análise do conceito de so berania tendo em vista um“princí pio de continui dade” em substituição à prática comum da ruptura.Jelli nek, por sua vez, já havia es crito que “a so be rania é, em sua ori gemhistórica, uma concepção de índole política, que só mais tarde foi con-densada em uma índole jurídica”.36

    Na busca de uma melhor com preensão dos argumentos dos defensoresda doutrina hierocrata, faz-se necessária uma breve ex posição histórica,que possa esclarecer parcialmente o início da partici pação da Igre ja Ca-tólica na política euro péia medieval e os reflexos resultantes dessa ação

    eclesiástica.1. Bre ve ex po sição his tórica da ori gem do po der hie ro cra ta

    O pensamento hierocrata tem suas origens na partici pação da Igre jaem assun tos tem porais. Essa atuaç ão da Igre ja em assun tos que ultra pas-sam questões meramente eclesiásticas teve um desenvolvimento gradual

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    35 Cfr . Repertório português de ciência política. Centro de Estudos do Pensamento Político.Disponível em:http://www.iscsp.utl.pt/cepp . Acesso em 12 de janeiro de 2003.

    36 Kritsch, op. cit ., nota 19, p. 401.

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    a partir, princi palmente, da institucionalização efetiva do poder eclesiás-tico, o que garan tiu à Igre ja au tono mia em sua organi zação e uma ad mi-nistração altamente organizada e hierarquizada, juntamente com a con -versão dos povos e reis bár baros ao catolicismo.37

    Essa estruturação da Igre ja ganha contornos mais bem definidos a par-tir do final do século VI, com o pontificado gregoriano.

    Gregório Magno (590-604), primeiro pontífice da Igre ja latina, “foi na verda-de o último grande romano e o primeiro re presentante da civilizaçãocristã-oci dental”. A ele se deve a codi ficação da liturgia utilizada até hoje etam bém a introdução do canto gregoriano nos cultos. Além disso, foi um se-

    vero regulador da vida disci plinar da Igre ja e guardião da tradição dogmática.Consolidou a estrutura da Igre ja Católica, reforçando a instituição episco pal esubordinando-lhe o pró prio monasticismo, que até então tinha muitas vezescerta autonomia em relação às organizações eclesiásticas.38

    Vale ain da res saltar a im portância de dois fatos de suma relevância para a constituição da Igre ja como instituição governamental com am placa pacidade e “legitimidade” para interferir em assuntos políticos: “a in -serção da atividade missionária no esquema organizativo episco pal deRoma; e a constituição do pa pado como um poder político pro priamentedito, por meio da formação de um Estado pontifício. A justificação da posse seria logo for jada por meio da falsificação da famosa Doação deConstantino”.39 A Doação de Constantino ( Do na tio Cons tan tini) su posta-mente confere à Igre ja o direito de pro priedade so bre o es paço corres- pondente ao Estado pontifício —então re presentado pelo Papa Silvestre I(314-335)— mas foi escrita entre o final do século VIII e primeira meta-de do século IX.40

    As relações mais próxi mas entre o Império e a Igre ja, contu do, se in -tensificam início no século IX, quando Estevão IV (816-817), então pon-tífice, “coroou pessoalmente Luís I, filho de Carlos Magno, em 816. Nacerimônia, ofereceu-lhe a Coroa de Justiniano e ungiu-o com os óleos sa-

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    37 Cfr . Kritsch,op. cit ., nota 19.38 Ibi dem, p. 54.39 Ibi dem, p. 55.40 Encontra-se referência ao ano de 754 aquele em que tenha sido confeccionada a Doação de

    Constantino.Cfr . Russell, Bertrand, História do pensamento ocidental: a aventura das idéias dos pré-socráticos a Wittgenstein , Río de Janeiro, Ediouro, 2002, p. 197.

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    grados”.41 Este ato de coroação foi realizado na Fran ça,42 mas o coroa-mento subseqüente —de Lotário I, filho de Luís I— foi realizado emRoma, ato que foi re petido posteriormente e logo transformado em umaforte tradição. Nesse segundo coroamento, Lotário rece beu do papa umaes pada que sim bolizava a força física. Esse ato es pecífico na cerimôniade coroamento re presentou um dos fundamentos que vieram posterior-mente servir à doutrina hierocrática: “o im perador passava a rece ber ago -ra sua ‘for ça’ das mãos do pon tífi ce e teria assim o dever de pro-tegê-lo”.43

    Esse princí pio pas sou a incor porar a doutrina eclesiástica desde entãoe com o papa Nicolau I (858-867) ganhou contornos ainda mais pu jantes.Esse pontífice se manifestou baixando instruções aos prínci pes taiscomo: o com ba te e ex ter mínio das he resias; a su jeição dos reis ao papa,com a conseqüente “imunidade eclesiástica diante dos poderes secularese reais”,44 o que significou a subsidiariedade das leis seculares em relaçãoàs eclesiásticas. Daí começa a pretensão eclesiástica de manter um poder de im perium .

    Tamanha pacificidade do poder secular frente às ações e manifestaç-ões doutrinárias do pa pado medieval é justificada pelos benefícios auferi-dos pelos prínci pes com a proximidade entre poder tem poral e eclesiásti-co.

    Cada governante passava a ser qualificado como Rex gra tia dei . Ou seja, coma unç ão, os reis re ce biam diretamente de Deus o be ne fício de es tar acima do povo para nele mandar e para governá-lo. A figura do chefe político distan-ciava-se mais e mais da forma de governo tí pica dos povos bár baros, na qualo rei era eleito dire tamen te pelos mem bros da tri bo.

    A unção pelo papa não apenas distinguia o monarca do resto dos mortais,como tam bém evidenciava a legitimidade de seu governo, sancionado peladivindade. Todo poder, tanto do clero quanto dos monarcas, provinha deDeus diretamente aos seus re presentantes, sem intermediações. Essa era a

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    41 Ibi dem, p. 62. Antes da coroação de Luís I, seu pai —Carlos Magno— já havia sido coroadoImperador no Natal do ano de 800 e Pepino —pai de Carlos Magno e avô de Luís I— tevereconhecida oficialmente sua realeza pelo Papa Estevão III.Cfr . idem .

    42 No texto foi utilizado o termo “França” em sentido amplo, posto que os Estados nacionaiseuropeus ainda estavam em processo de formação e conseqüente delimitação territorial. Portanto, aleitura deve ser contextualizada.

    43 Idem .44 Ibi dem, p. 64.

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    base da doutrina do poder que afirmava o caráter divino do rei e do Santo Pa-dre: o povo nada tinha a ver com a concessão divina da graça.45

    A associação formal entre Igre ja e Império só aconteceria mais tardecom a criação do Sacro Império Romano do Ocidente, quando o im pera-dor Oto I (936-973), em acordo com o pontífice João XII (955-963), sedispõe a proteger o Estado eclesiástico das investidas bizantinas.

    As relações en tre Igre ja e Império começam a se desgas tar quan do oImperador Oto III, no ano de 1001, afirma ser oCodex de Justiniano “averdadeira origem romana do Império” e, descontente e duvidoso da va-lidade da Doação de Constantino, renova a transmissão dos domínios te-rritoriais da Igre ja. “Pela reiteração da concessão, o papa passava agora aser beneficiário do im perador, invertendo a posição até então sustentada pela Igre ja”.46

    Uma vez confrontado o po der pa pal, a Igre ja pas saria a lutar pela con -firmação de sua ple nitudo po tes ta tis. O conflito entre reg num e sa cer do-tium teve como mais relevantes momentos o período com preendido entremeados do século XI e fim do século XII —mormente na querela entre oImperador Frederico I, o Bar ba Ruiva, e o pa pado— e o final do século

    XIII e início do XIV —marcado pela disputa acirra da en tre o rei francêsFili pe IV, o Belo, e o pontífice Bonifácio VIII, que culminou na prisão ena morte des te—.

    O século XIII teve im portância decisiva para a cons truç ão do pen sa-mento hierocrático bem como para a estruturação política hodierna euro- péia. Con forme descreve Kritsch, “na ten tativa de se im por aoreg num ,cuja figu ra máxima era o im perador, a Igre ja selava alianças com reis e poderosos locais e, com isso, os fortalecia indiretamente”.47 O fortaleci-

    mento dos poderes locais já re presenta os indícios de mais um elementoque entraria na disputa política —já preenchida pela Igre ja e pelo Impé-rio— e que iria posteriormente reivindicar sua pró pria plenitude de po-der.48

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    45 Ibi dem, p. 67.46 Ibi dem, p. 68.47 Ibi dem, p. 207.48 Jellinek confere considerável valor ao fortalecimento dos poderes locais que iriam

    posteriormente dar forma aos Estados modernos europeus. Para o autor alemão “faltava ao mundoantigo o que unicamente poderia trazer à consciência o conceito de soberania:a oposição do poder do Estado a outros poderes ”. Jellinek,op. cit ., nota 4, p. 405. No original: “faltaba al mundo antiguo

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    A contenda entre Feli pe, o Belo, e o papa Bonifácio VIII tem um graumaior de im portância para o presente tra balho, pois neste momento é quetemos a mais com pleta sistematização da doutrina hirocrática com a obrade Egídio Romano —So bre o poder Eclesiástico ( De ec cle sias tica po tes-ta te, 1302)—, que será ob jeto de análise no tó pico seguinte. Portanto,discorremos agora so bre a céle bre pele ja.

    A razão do desentendimento entre Feli pe, o Belo, e Bonifácio VIIIestá na co brança de tri butos do clero francês por parte do rei. A medidareal foi com batida, sem sucesso, pelo papa na bulaCle ri cis lai cos , de1296.49

    A disputa continuou por vários anos, entre tentativas frustradas de ob-tenção de um acordo entre as duas partes envolvidas. A fase final do con-flito foi ense jada por um ato de Feli pe IV: a prisão do bis po francês Ber-nado Saisset, acusado e condenado pelo crime de lesa-ma jestade. Emres posta o papa Bonifácio VIII editou, em 1302, uma nova bula — Aus-cul ta fili cha ris sime — por meio da qual afirmava ex pressamente ser o reisubordinado à autoridade eclesiástica, não dis pondo, portanto, de juris-dição alguma para julgar mem bros da igre ja.

    Consta que o jurista real Pierre Flotte, ao re ce ber a bula, des truiu-a e falsifi -cou um novo documento, Deum time , no qual se afirmava ex plicitamente de -ter o pontífice jurisdição tem poral so bre o rei e so bre todos os súditos france-ses. Flotte e seus co legas, entre os quais o as ses sor do rei, Guilher me de Nogaret, ordenaram aos funcionários da Coroa a divulgação da falsa “bula”em todo o território, com o ob jetivo de voltar a opinião pú blica francesa con-tra o sumo pontífice. A querela abarcava, de fato, duas visões conflitantes:

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    lo que únicamente podía traer a la conciencia el concepto de la soberanía:la oposición del poder del Estado a otros poderes ”.49 Com o escopo de melhor elucidar a razão do desentendimento entre o poder real e

    eclesiástico, ora tratado, transcrevemos o trecho de Kritsch, baseado em Souza e Barbosa (O reinode Deus e o reino dos homens , Porto Alegre, Edipucrs, 1997): “A origem do confronto, recordamSouza e Barbosa, remontava à disputa, que já ocorria desde 1294, entre Filipe IV e o rei inglês Edu-ardo I pelo controle dos territórios da Gasconha, Flandres e outras regiões nominalmente sob asuserania do rei francês. Para financiar a guerra, os monarcas passaram a exigir do clero o pagamento de imposto à Coroa, do qual estes eram isentos, de acordo com um cânone do IVConcílio de Latrão (1215). O pontífice inicialmente ignorou o fato, mas as constantes reclamaçõesdo clero francês levaram-no a promulgar, em 1296, a bulaClericis laicos , na qual proibia os prelados e as pessoas eclesiásticas —religiosas ou seculares— de pagar qualquer tipo decontribuição ao rei sem a expressa autorização da Santa Sé, sob pena de excomunhão”. Kritsch,op.cit ., nota 19, pp. 384 y 385.

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    para o rei francês, não era possível exer cer um contro le ade quado so bre seuterritório se não lhe fosse lícito, num caso de emergência nacional, taxar seuclero ou levar um bis po local a julgamento. Para o papa, a autonomia da Igre- ja não poderia ser preservada se os governantes leigos pudessem taxar o cleroou julgar bis pos em cortes reais quando bem entendessem.50

    No ano seguinte, em setem bro de 1303, ocorreu o desfecho da conten-da: Bonifácio VIII, refugiado em Anagni, foi preso e, em decorrência dosmaus tratos sofridos, morreu poucos dias de pois.

    Com a derrocada de Bonifácio VIII, a doutrina hierocrática começa aruir e teve início a construção de uma nova ordem política que definiria a

    estrutura da Euro pa em um futuro próximo, com o reconhecimento dosEstados como unidades plenamente so beranas.

    2. O Pen sa mento de Egí dio Ro mano. Sín te se da dou tri nahie ro crá tica

    Egídio Romano (1243?-1315) sou be ex pressar com muita com petê-ncia a essência da doutri na hierocráti ca. Frei da ordem dos agos tinia nos,Egídio Romano foi preceptor de Fili pe, o Belo. No exercício dessa funç-ão, escreveu De re gimine Prin ci pum .

    Esteve diretamente ligado à disputa de poder entre Fili pe IV e Bonifá-cio VIII e se viu obrigado a tomar uma posição diante do im passe. A po-sição de Egídio Romano foi de apoio ao poder eclesiástico, opinião ma-terializada em sua obra De ec cle sias tica po tes ta te, dedicada ao papa.

    Egídio Romano, a quem se faz referência tam bém como Doutor Fun-datíssimo, desenvolve seu pensamento na defesa do poder eclesiásticotendo como ponto de partida a existência de dois gládios, o material e oes piritual; entretanto, advoga su perioridade do segundo em relação ao primeiro. Egídio Romano ex pressa que a finalidade de sua obraSobre o poder ecle siás tico “é instruir todo o povo cristão, porque é preciso que o povo conheça o poder eclesiástico, para que no juízo final não seja igno-rado pelo Senhor por causa de tão perigosa ignorância”51 e o Cap. I doLivro I traz o títu lo Para que não se ja mos ig nora dos pelo Sen hor, nãodevemos ig norar o po der do sumo pon tí fice.

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    50 Ibi dem, p. 391.51 Romano, Egídio,Sobre o poder eclesiástico , Petrópolis, Vozes, 1989, p. 135.

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    A divisão do poder es boçada por Egídio Romano é fundamental para acom preensão da doutrina hierocrática. Para ele, havia um poder es piritual — univer sal— e um poder terreno ou material — par ticular ; bem comoum gládio es piritual (para o uso do sumo pontífice) e um gládio material(à dis posição)—. A distinção entre cor po e alma é outro ponto relevanteda argumentação do Doutor Fundatíssimo: a carne nada pode sem a men-te ou a alma, muito menos a salvação. Egídio Romano se vale da passa-gem bí blica para ex plicitar a relação de subordinação que os homens de-vem reconhecer perante os poderes instituídos: “Toda alma este ja su jeitaaos poderes su periores” ( Rm 13,1 ). Desses dois pontos —a relação da su- jeição dos homens aos poderes su periores e a im portância da alma— conclui que o poder eclesiástico terá uma jurisdição universal, pois é po-der es piritual, isto é, aquele poder que cuida dos assuntos da alma.52

    Os poderes seculares têm poder so bre o homem todo, porquanto devemosservi-los não só pelo cor po, mas tam bém pela vontade, entretanto tal autori-dade não lhes com pete, a não ser em razão do cor po, ou seja, em razão dascoisas cor porais, porque o gládio material, que não sem motivo as autorida-des portam, por si e diretamente, só pode atingir as coisas cor porais. Mas aautoridade es piritual, cujo instrumento é o gládio es piritual, que atinge a pró- pria alma, tem autoridade no ho mem todo em razão da alma. E como entre asautoridades es pirituais a autoridade do sumo pontífice é a mais excelente esublime, foi muito bem dito que o poder do sumo pontífice é aquela autorida-de sublime à qual toda alma deve su jeitar-se, pois, como é evidente pelo quese viu, é tanto mais ex celsa e no bre que toda autoridade terrena e secu lar,quanto a alma é mais excelente e mais no bre que o cor po, e quanto a vida es- piritual é mais excelente que a terrena.53

    Egídio Romano desenvolveu em sua argumentação a tese que os abso-lutistas modernos utilizariam séculos mais tarde: a da personificação do poder na figura do governante. No título do ca pítulo III do livro I, encon-tramos: O sumo pon tí fice tem tan to po der que ele é aque le po der sub li-me, ao qual toda alma deve su jei tar-se ,54 isto é, a plenitude do poder re-sidia na figura do papa, que pode julgar tudo e não pode ser julgado por

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    52 Sobre a divisão entre o corpo e a alma, o argumento de Egídio Romano se aproxima da idéiaaristotélica de separação da física e da metafísica.

    53 Romano, Egídio,op. cit ., nota 51, pp. 43 y 44.54 Ibi dem, p. 41.

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    ninguém.55 Essa visão personificada do poder, que irá influenciar o con-ceito de so berania, tam bém aparece na definiç ão que o autor dá ao prin -ci pado: “o princi pado nada mais é do que o poder de reger e governar ascoisas governáveis que estão colocadas sob ele”.56

    A noção de poder no sentido de potência tam bém é presente na obrade Egídio Romano. É em torno dela que o autor justifica a titularidadedos dois gládios (material e es piritual) numa mesma pessoa, o sumo pon-tífice. Todavia, como dito anteriormente, o gládio es piritual seria desti-nado ao uso ao passo que o gládio es piritual ficaria à dis posição da auto-ridade eclesiástica su prema.

    Os prínci pes seculares que têm o gládio material para o uso, têm o domínio eo poder so bre ele e tem o exercício dele. Mas o po der sa cerdo tal, e prin ci pal -mente o do sumo pontífice, que tem o gládio material à dis posição, tem o do-mínio so bre ele, ou seja, so bre o pró prio prínci pe, a quem com pete o uso dogládio material. Pois é isto que significa ter o gládio material não para uso,mas à dis posição: não exercer tal gládio pessoalmente, mas ter o domínio so- bre quem o exerce. E como é muito mais excelente e im portante o domínioso bre quem exerce o gládio do que o poder so bre o pró prio gládio, fica claro,da parte do pró prio poder, que é mais perfeito e mais excelente ter o gládiomaterial à dis posição do que para uso.

    ...De fato, não fica bem aos es píritos su perio res ter ação direta so bre as coi-

    sas cor porais. Assim tam bém não convém ao poder es piritual, uma vez que ésu perior e excelente, ter o reconhecimento imediato so bre o gládio material,nem convém que tenha tal gládio para uso, mas à dis posição. É, pois, demaior conveniência e, por conseguinte, de maior excelência e perfeição.57

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    55 Figura na doutrina hierocrática a defesa da unidade da sociedade cristã que só deve ter umúnico governante, o “monarca eclesiástico”. Neste sentido é a lição de Álvaro Paes em seu textoSobre o poder da Igreja (en Souza, José Antônio de Camargo Rodrigues de (org.). Leopoldianum:revista de estudos e comunicações: temas de filosofia me di eval , Santos, vol. VXII, núm. 48,novembro de 1990, p. 226): “Visto efetivamente que a sociedade cristã é simplesmente una, então éfácil concluir que um só é o príncipe que a governa, porque uma sociedade una só possui umgovernante supremo, pois a existência de muitos governantes não é boa, conforme está escrito no fi-nal do livro XI da Metafísica ( Metaph. XI, 10). Ora, a sociedade cristã é simplesmente una, como foidefinido. Logo, um apenas é o seu governante”.Cfr . Meyrrones, Francisco, “Questão acerca dasubordinação do imperador ao sumo pontífice”, en Boni, Luís A. de (org.), Lógica e linguagem naidade média, Atas do 4o. Encontro de Filosofia Me dieval do Brasil, Porto Alegre, 8-12 de novembrode 1993 , Porto Alegre, Edipucrs, 1995, pp. 179-196.

    56 Romano,op. cit ., nota 51, p. 202.57 Ibi dem, pp. 65-67.

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    Assim, o poder eclesiástico, devido à sua perfeição e excelência, équem institui o poder tem poral, que deve obediência ao primeiro. Os prínci pes, portanto, eram meros mandatários, ca bendo a plenitude do po-der somente ao sumo pontífice: o poder dos prínci pes vêm do sumo pon-tífice, cujo poder deriva diretamente de Deus.58

    a relação en tre os dois pode res —o se cu lar e o eclesiás ti co—, e a fa-culdade que tem a Igre ja de interferir nos assuntos mundanos, tem comoalicerce a cau sa pela qual é instituída os dois poderes.

    O rei é ministro de Deus, vingador da ira de Deus, contra aquele que agiumal. O poder régio tem por ob jeto os homens e princi palmente os maus; con-

    tudo, tem por causa a Deus, porque todo poder vem de Deus como causaagente, tanto o poder real como qualquer outro. Mas o poder sacerdotal temDeus tanto por causa como por ob jeto: por causa, porque tal poder vem deDeus; por ob jeto, porque é para as coisas que se referem a Deus. E porque aordenação a Deus, tanto quanto ao tem po, como quanto à dignidade, é ante-rior à or denação às outras coisas, por que a orde nação às outras coisas se ori-gina da ordenação a Deus, segue-se que o poder sacerdotal, quanto ao tem poe à dignidade, é anterior ao poder régio. Dizemos que o sacerdócio tem Deus por causa, porque vem de Deus, e tem Deus como ob jeto, porque é para ascoisas de Deus e ofe rece sacrifícios a Deus.

    Nesse contexto, o poder eclesiástico poderia policiar o poder secular, posto que lhe com pete diretamente os assuntos ligados a Deus, enquantoaos prínci pes com petia apenas indiretamente. Assim, o sumo pontíficeestaria autorizado a destituir a autoridade real sem pre que esta se voltassecontra os princí pios cristãos, ob jeto de inter pretação exclusiva do poder eclesiástico.

    Na concepção hierocrática, o poder eclesiástico tem jurisdição univer-sal, não se atendo a um único território. A idéia de bem comum, necessá-

    IMPORTÂNCIA DO PENSAMENTO HIEROCRÁTICO 181

    58 “Todo poder emana de Deus, ou por ordem ou por permissão, porque todo poder é algo bom,enquanto que o uso ou exercício pode ser bom ou mau. Por isso, nem todos têm merecimento por tal poder que lhes for dado por Deus, como também pelas riquezas, pelos membros do corpo equaisquer outras coisas boas que temos da parte de Deus. Todo poder provém pois de Deus, comomandado ou como permitido; ou todo poder provém de Deus porque é algo de bom. O uso —ouexecução— do poder é que pode ser bom ou mau. Nem todos têm merecimento por este poder quelhes é dado por Deus e que são riquezas, os membros de todos os demais bens que dele recebemos. Nem sempre temos merecimento por tais bens, porque nem sempre usamos bem de tais bens”. Ibi -dem , p. 118.

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    ria a qualquer forma de governo, tam bém está inserida nessa jurisdiçãouniversal, sem fronteiras. Algumas atri buições do poder eclesiástico che-gam a lem brar as moder nas atri buições da Orga ni zação das Nações Uni-das, organização de caráter universal. Segundo o autor

    Como cabe à vir tude celeste e ge ral atrair as coi sas na tu rais, para evi tar a des -continuidade, cabe ao poder celeste e eclesiástico, que é católico e universal,no governo dos homens, unir as partes e os litígios das partes para que nãohaja guerras e não se sus penda a paz, que é o vínculo da caridade a unir osfiéis, isso para que o prínci pe eclesiástico possa bem governá-los.59

    Para melhor enaltecer a semelhança dos pro pósitos entre as duas insti-

    tuiç ões, trans creve mos os arts. 1 e 2 da Carta das Naç ões Unidas:Artigo 1. Os pro pósitos das Nações unidas são:

    1. Man ter a paz e a segu ran ça internacionais e, para esse fim: tomar, co letiva -men te, medidas efe tivas para evitar ameaças à paz e re primir os atos de agress ãoou outra qualquer ruptura da paz e chegar, por meios pacíficos e de conformida-de com os princí pios da justiça e do direito internacional, a um ajuste ou soluçãodas controvérsias ou situações que possam levar a uma pertur bação da paz;

    2. Desenvolver relações amistosas entre as nações, baseadas no res peito ao

    princí pio de igualdade de direitos e de autodeterminação dos povos, e tomar ou -tras medidas apro priadas ao fortalecimento da paz universal;3. Conseguir uma coo peração internacional para resolver os pro blemas inter-

    nacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário, e para promo-ver e estimular o res peito aos direitos humanos e às li berdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião; e

    4. Ser um centro destina do a harmoni zar a ação das naç ões para a con secuç ãodesses ob jetivos comuns.

    Artigo 2. A Organização e seus Mem bros, para a realização dos pro pósitos

    mencionados no Artigo 1, agirão de acordo com os seguintes Princí pios:1. A Organização é baseada no princí pio da igualdade de todos os seus Mem - bros.

    2. Todos os Mem bros, a fim de assegurarem para todos em geral os direitos evantagens resultantes de sua qualidade de Mem bros, deverão cum prir de boa féas obrigações por eles assu midas de acordo com a pre sen te Carta.

    3. Todos os Mem bros deverão resolver suas controvérsias internacionais por meios pa cíficos, de modo que não se jam ameaçadas a paz, a segu ran ça e a jus tiçainternacionais.

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    59 Ibi dem, pp. 210 y 211.

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    4. Todos os Mem bros deverão evitar em suas relações internacionais a amea-ça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a de pendência política dequalquer Estado, ou qualquer outra ação incom patível com os Pro pósitos das Nações Unidas.5. Todos os Mem bros dar ão às Naç ões toda assistência em qualquer ação aque elas reco rre rem de acor do com a pre sen te Carta e se abs terão de dar auxílio aqual Estado contra o qual as Nações Unidas agirem de modo preventivo ou coer-citivo.

    6. A Organização fará com que os Estados que não são Mem bros das NaçõesUnidas ajam de acordo com esses Princí pios em tudo quanto for necessário àmanutenção da paz e da segurança internacionais.

    7. Nenhum dis positivo da presente Carta autorizará as Nações Unidas a in-

    tervirem em assuntos que de pendam essencialmente da jurisdição de qualquerEstado ou obrigará os Mem bros a submeterem tais assuntos a uma solução,nos termos da presente Carta; este princí pio, porém, não pre judicará a apli -cação das medidas coercitivas constantes do Ca pitulo VII.60

    O direito real, isto é o direito à posse e à pro priedade, é uma constanteno Livro II do De ec cle sias tica po tes ta te. Destacamos aqui duas questõesque consideramos mais relevantes em relação aodominium : o direito daIgre ja e dos clérigos de possuírem coisas tem porais; o direito de uso, posse e pro priedade de todas as pessoas, inclusive dos prínci pes, está su- jeito à autoridade eclesiástica.

    Egídio Romano refuta o argumento daqueles que, baseando-se nas Sa-gradas Escrituras, condenavam a posse de bens por parte da Igre ja. Parao autor, buscando res paldo na teleologia,

    Quando no Evangelho ou em outros lugares da Sagrada Escritura se proí bemaos clérigos posses e coisas tem porais, porque devemos renunciar a tudo que possuímos, todas as coisas ditas devem referir-se à intenção final, porque nãodeve mos ter como meta final de nossa intenç ão possuir coisas terre nas e tem- porais. Contudo, de um modo es piritual, os clérigos devem evitar os benstem porais, porque em sentido es piritual, como se aludia, a palavra “clérigo”vem da palavra grega “cleros”, em latim “sors” (quinhão), porque se diz queDeus é a parte e o quinhão dos clérigos. Mas quando dizemos que em sentidoes piritual os clérigos devem renunciar aos bens tem porais, não se deve enten-der quanto à intenção final, porque a isto estão obrigados tanto os leigoscomo tam bém os clérigos. Com efeito, como acenamos, é ver dade a res peito

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    60 Relativo às medidas de intervenção aprovadas pelo Conselho de Segurança da ONU.

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    de am bos que, se as riquezas afluí rem, não de vem pren der o co ração. Nem sedeve entender quanto à posse e ao domínio porque, como ficará claro abaixo,os clérigos dominam as coisas tem porais não só tanto como os leigos, masainda mais do que eles. Deve-se, pois, entender quanto ao cuidado e à solici-tude, por que “ninguém que es te ja em armas pela cau sa de Deus se em baraçacom os negócios da vida civil” (2Tm 2,4 ).61

    O Doutor Fundatíssimo não só rechaça a idéia contrária à posse de bens por parte da Igre ja, como condiciona a posse de bens materiais por qualquer pessoa à doutrina cristã, e, conseqüentemente, à autoridade dosumo pontífice. Isso conferia ao papa um extremo poder, uma vez que a

    excomunhão poderia excluir qualquer pessoa do universo da cristandadee, portanto, não seria um legítimo possuidor. E vai ainda mais longe aoafirmar que:

    Para a posse justa e dig na das coisas, mais faz o renascimento pela Igre ja, queé es pi ritual, do que a geração pa terna, que foi carnal. Pelo fato de alguém ser gerado carnalmente pelo pai, é por natureza filho da ira, conforme diz oApóstolo ( Ef 2,3 ): “Éra mos por na tureza filhos da ira”;62 e emSl 50,7 se diz:“Fui conce bido das iniqüidades”. Nascidos carnalmente, somos por naturezafilhos da ira, fomos conce bidos nas iniqüidades e, conseqüentemente, não es-tamos sob Nosso Senhor. É justo que seja privado de todo seu domínio esseque é gerado carnalmente pelo pai, e nem pode suceder justamente no domí-nio da herança paterna, se não for renascido pela Igre ja: renascimento peloqual se coloca sob Cristo seu Senhor. Por causa disso não se priva de seu do-mínio, mas com justiça se lhe deve o domínio de sua herança. Portanto, por seres filho do pai, por esse fato podemos argüir que o pai é mais dono daque-la herança do que tu; mas, para possuir justamente qualquer posse, mais faz aIgre ja —que, pelo batismo, te faz estar sob Cristo, teu Senhor, sob o qual, senão estiveres, não podes possuir nada justamente, e sob a qual e pela qual ésfilho da misericórdia— do que teu pai carnal, sob o qual foste conce bido eminiqüidade e és filho da ira: logo, a Igre ja será mais dona de tuas posses doque tu mesmo.63

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    61 Ibi dem, p. 79 y 80.62 Thomas Hobbes, séculos depois, utilizará raciocínio semelhante àquele que considera os

    homens “filhos da ira”, negando a concepção aristotélica de que o homem é naturalmente é um ser social. Esse raciocínio lhe servirá de subsídio para desenvolver sua doutrina contratualista, na qualos homens, para deixar a situação de violência típica do meio natural, firmariam um contrato artifi-cial, racional, capaz de estabelecer a paz e a ordem en tre os homens.

    63 Ibi dem, pp. 109 y 110.

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    Destarte, não há para Egídio Romano, qualquer es pécie de domínio —seja útil, seja potestativo— que não este ja subordinado à autoridadeeclesiástica e os infiéis, obviamente, são indignos de qualquer um dessesdomínios.

    IV. CONSIDERAÇÕES FINAIS

    Como afirmado anteriormente, a so berania foi um elemento funda-mental para a consolidação do direito internacional e, conseqüentemente, para o desenvolvimento das relações internacionais.

    Infere-se da análise da obra de Egídio Romano que as princi pais ca-racterísticas do poder so berano moderno, encontradas largamente nasobras dos defensores do absolutismo monárquico, já apareciam clara-mente nos textos daqueles teóricos que endossavam o poder pa pal e suasu perioridade frente ao poder régio. Desta forma, é possível verificar quea teoria do poder ascendente, isto é, a justificativa do poder so berano ab-soluto de origem divina buscou elementos na doutrina hierocrática. A partir do momento em que a disputa política entre os poderes secular eeclesiástico termina com a consagração do poder régio frente ao poder daigre ja, os teóricos do absolutismo puderam se valer de argumentos antesem pregados pelos pensadores hierocratas.

    O conhecimento das bases doutrinárias que sustentam a doutrina hie-rocrática é de fundamental im portância para a com preensão do surgimen-to da so berania moderna, so bretudo para aqueles que se dedicam ao estu-do do direito internacional e das relações internacionais.

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