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Sílvia Mara da SilvaMaria Angélica Olivo Francisco Lucas

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  • I Encontro Paranaense de Psicopedagogia ABPppr nov./2003.

    A IMPORTNCIA DAS INTERAES SOCIAIS NA EDUCAO INFANTIL: UM CAMINHO PARA

    COMPREENDER O PROCESSO DE APRENDIZAGEM

    Slvia Mara da Silva* Maria Anglica Olivo Francisco Lucas**

    Introduo

    Este texto resultado do trabalho desenvolvido ao longo da disciplina Prtica de Ensino em Educao Infantil do 4 ano do Curso de Pedagogia da Universidade Estadual de Maring, no ano letivo de 2002. As atividades desta disciplina iniciaram com a insero dos acadmicos no campo de estgio Centros Municipais de Educao Infantil, atravs de observao e participao das atividades desenvolvidas nestas instituies, com o objetivo de conhecer sua estrutura e organizao pedaggica. Esta prtica possibilitou o levantamento de uma questo (problema de pesquisa) a ser estudada. Nas observaes realizadas, nos instigou uma prtica bastante comum em instituies educativas que trabalham com crianas de 0 a 6 anos: a realizao das atividades em mesas quadradas que comportam 4 crianas.

    A princpio, tnhamos a idia de que o motivo das crianas estarem assim distribudas para trabalhar era conhecido, fazendo parte do senso comum dos profissionais que atuam com esta faixa etria. No entanto, as observaes realizadas foram nos revelando que aquilo que parecia bvio havia se tornado uma prtica institucionalizada, ou seja, feita por todos e repetida sem que se tivesse conscincia do porqu. Podemos fazer tal afirmao por que muitas vezes esta disposio permitia que as crianas estivessem apenas fisicamente prximas, mas no possibilitava que a interao entre elas realmente se estabelecesse. Era comum ouvirmos: Cada um faz o seu! No atrapalhe o coleguinha! Apesar disto, percebamos que uma relativa interao entre as crianas acontecia, pois um pedia para o outro o lpis de uma determinada cor, perguntava como fazia florzinha daquele jeito, admiravam o desenho dos colegas. Alm disso, foi possvel observar que, geralmente, o critrio utilizado para formar os quartetos estava relacionado ao comportamento das crianas e no a possibilidade de enriquecer as interaes. Outro fato observado foi que,

    * Pedagoga UEM e Terapeuta do CEADI Santa Terezinha Maring-PR.

    ** Profa. do DTP UEM. Mestre em Educao.

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    embora as atividades fossem realizadas em grupo, havia uma relativa dificuldade dos professores em integrar os membros do grupo.

    Dois caminhos foram percorridos com o objetivo de encontrar respostas a estas questes que tanto nos instigaram. Primeiramente, foi elaborado um projeto de pesquisa que foi desenvolvido, no decorrer do ano letivo e no desenrolar das demais atividades da disciplina Prtica de Ensino em Educao Infantil, cujos resultados esto aqui apresentados. Num segundo momento, uma oficina pedaggica de modelagem foi planejada e desenvolvida com o objetivo de promover uma atividade significativa para crianas de diferentes faixas etrias, que propiciasse uma troca efetiva de informaes e interaes.

    A Importncia das Interaes Sociais

    Neste trabalho, nos propomos a pensar sobre a importncia das interaes sociais no trabalho de cuidar e educar as crianas de 0 a 6 anos que ficam em instituies para este fim tendo como referencial os pressupostos bsicos da teoria histrico-cultural, aqui representada pelo pensamento de Vygotsky (18961934). A discusso dessa teoria nos remete a constituio do ser humano que implica no relacionamento com o outro, uma vez que so as interaes sociais que fornecem a matria-prima para o desenvolvimento psicolgico do indivduo.

    Oliveira (1997, p. 10) afirma que este desenvolvimento constitui-se um processo de transformao, pois primeiramente o indivduo realiza aes externas que sero interpretadas pelas pessoas ao seu redor, de acordo com os significados culturalmente estabelecidos suas prprias aes e assim desenvolve os seus processos psicolgicos internos. Este processo foi denominado por Vygotsky como internalizao, ou seja, reconstruo interna de uma operao externa.

    Vygotsky (1989, p.64) assevera-nos que todas as funes no desenvolvimento da criana aparecem duas vezes: primeiro, no nvel social, e, depois, no nvel individual; primeiro entre pessoas (interpsicolgica) e, depois, no interior da criana (intrapsicolgica). Para ele, as origens da vida consciente e do pensamento abstrato deveriam ser procuradas na interao do organismo com as condies de vida social e nas formas histrico-sociais da espcie humana, procurando analisar o reflexo do mundo exterior no mundo interior dos indivduos, a partir da interao destes sujeitos com a realidade.

    A concepo vygotskyana tem como princpio a dimenso scio-histrica do psiquismo onde, o pensamento construdo aos poucos. Esta abordagem procura explicar o desenvolvimento humano considerando a histria. O objetivo central desta teoria caracterizar aspectos tipicamente humanos do comportamento e elaborar hipteses de como essas caractersticas se formam ao longo da histria humana e como se

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    desenvolvem durante a vida do indivduo, afirma Vygotsky, (1995, p. 38). Assim, ao mesmo tempo em que o homem transforma o seu meio, ele transforma a si mesmo. Portanto, o desenvolvimento humano ocorre atravs de trocas recprocas entre o indivduo e o meio, influindo um sobre o outro, continuamente.

    Segundo a abordagem histrico-cultural a criana nasce em um mundo humano e aos poucos vai se adequando aos objetivos e fenmenos de seu meio cultural1. Segundo Fontana e Cruz (1997, p. 57), seus modos de perceber, representar, se explicar e de atuar sobre o meio, seus sentimentos em relao ao mundo, ao outro e a si mesmo, enfim, seu mundo psicolgico, vo se constituindo nas suas relaes sociais. Desde o nascimento da criana ocorre um processo de interao com os adultos que compartilham com ela o seu modo de viver. Existe, portanto, uma contnua interao entre as condies scio-culturais e a base biolgica do comportamento humano. Por esta razo, para Vygotsky, no existe uma seqncia universal de estgios cognitivos. a interao do indivduo com o meio a caracterstica definidora da constituio humana. Esta constituio depende do desenvolvimento de funes mentais superiores que so mecanismos intencionais, aes conscientes controladas, processos voluntrios que do ao indivduo a possibilidade de independncia em relao s caractersticas do momento e espao presente (Rego, 1994, p. 39).

    A teoria vygotskyana considera que para compreender o desenvolvimento necessrio partir daquilo que a criana consegue realizar sozinha. Isto denominado de nvel de desenvolvimento real, ou seja, capacidade de realizar as atividades sem ajuda de outro. Oliveira (1997, p.59) afirma que o nvel de desenvolvimento real da criana caracteriza o desenvolvimento de forma retrospectiva, ou seja, se refere-se as etapas j conquistadas pela criana. O nvel de desenvolvimento potencial se refere a capacidade da criana desempenhar tarefas com a ajuda de adultos ou companheiros mais capazes. O conceito de zona de desenvolvimento proximal (ZDP), refere-se a distncia entre aquilo que a criana capaz de fazer de forma autnoma (nvel de desenvolvimento real) e aquilo que ela realiza em colaborao com os outros elementos de seu grupo social. (Rego, 1997, p. 73).

    na zona de desenvolvimento proximal que as funes psicolgicas amadurecem para se consolidar em seu nvel de desenvolvimento real. So os adultos e as crianas mais experientes que colaboram para que este processo de maturao ocorra. possvel afirmar que o desenvolvimento pleno do ser humano depende do aprendizado que

    1 Os fenmenos de seu meio cultural aqui so entendidos como seus modos de perceber, representar, explicar-se e de atuar sobre o meio, seus sentimentos em relao ao mundo, ao outro e a si mesmo.

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    realiza num determinado grupo cultural. Por isso, a mediao como processo de interveno de um elemento intermedirio em uma relao constitui um elemento fundamental para o processo de desenvolvimento. Em outras palavras: ela o instrumento que promove o aprendizado e impulsiona o desenvolvimento humano. Esta possibilidade de alterao do desempenho de uma pessoa pela interferncia de outra um dos pressupostos fundamentais da teoria vygotskyana.

    A Mediao no Processo de Ensino-Aprendizagem

    Os centros de educao infantil so por excelncia o local onde a vida coletiva favorece as interaes em grupo, pois so ambientes que recebem, constantemente, influncias das condies scio-culturais, determinantes do processo de aprendizagem e desenvolvimento das crianas. Nas palavras de Abramowiz (1995, p. 39): A creche um espao de socializao de vivncias e interaes. Neste espao as interaes traduzem-se por atividades dirias que as crianas realizam com a companhia de outras crianas sob a orientao de um professor. A partir da compreenso de que estas situaes contribuem para o processo de aprendizagem e desenvolvimento infantil, possvel o professor e demais profissionais da Educao Infantil redimensionar a sua prtica pedaggica e re-significar o papel da interao na educao infantil.

    Ao apresentar os pressupostos vygotskyanos do processo ensino-aprendizagem, nossa inteno destacar a importncia de valorizar a mediao neste processo, e trazer reflexes para a prtica dos professores que atuam na Educao Infantil. Diante das premissas bsicas apresentadas acima, o papel do professor muda radicalmente, pois o coloca alm do centro do processo, como aquele que ensina enquanto as crianas aprendem passivamente; e alm da postura de aguardar que as crianas digam o que, como e quando querem aprender. Ao contrrio, de acordo com a perspectiva aqui defendida, o professor torna-se o agente mediador do processo de ensino-aprendizagem, propondo desafios s crianas a orientando-as a resolv-los. Assim, por meio de intervenes, o professor pode contribuir para o fortalecimento de funes que ainda no esto consolidadas, e para o desenvolvimento de outras. Este processo torna-se mais rico, sobretudo na Educao Infantil, quando so proporcionadas atividades grupais, em que os alunos mais adiantados podero cooperar com os demais.

    Esta concepo rompe com a idia de que o aluno deve descobrir sozinho as respostas, e principalmente que a aprendizagem uma atividade individual e independente do grupo cultural. A aprendizagem escolar implica uma constante reorganizao de experincias, por isso importante que o professor tenha domnio do quanto a criana ainda necessita para chegar a produzir determinadas atividades com autonomia.

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    O professor poder avaliar no apenas as aquisies conceituais por parte das crianas, mas tambm o nvel e o tipo de interao que ele, como membro mais experiente do grupo est proporcionando ao desenvolver o trabalho pedaggico.

    Amassando, Modelando e Interagindo: Relato de uma Experincia

    O plano de trabalho da disciplina Prtica de Ensino em Educao Infantil previa a organizao de uma oficina pedaggica para a qual tivemos liberdade de escolher o tema a ser desenvolvido: modelagem com argila. Nosso objetivo foi desenvolver um trabalho de modelagem tendo como referncia os estudos que estvamos realizando no projeto de pesquisa. O critrio utilizado para tal escolha foi a possibilidade de promover interaes por meio de uma atividade significativa tanto para as crianas menores (2 a 3 anos), quanto para as maiores (5-6 anos).

    Para tanto, foi necessrio planejar diversas intervenes que atendessem diferena de idade das diferentes turmas, uma de cada vez. As crianas eram acomodas em bancos colocados sobre longas mesas de forma que cada uma estivesse sempre ladeada e a frente de outras,. Isso facilitou a troca de informaes que as vezes acontecia de forma verbal, e outras vezes apenas por meio da observao do que o outro estava fazendo com seu pedao de argila.

    Para a maioria das crianas, esta era a primeira vez que brincavam com argila. Em quase todas as turmas, foi necessrio explicar o que era argila, para que ela servia, em que era utilizada. Algumas crianas afirmavam: igual barro! Outras, a princpio apresentaram um pouco de receio em mexer na argila, trabalhando com as pontinhas dos dedos, havendo at quem perguntasse se era coc. Aps amassarem e modelarem o que desejavam, e conversarem com os colegas vizinhos sobre o que estavam fazendo, cada criana colocou seu trabalho numa bandeja feita de caixa de leite com uma etiqueta com seu nome. Por fim, os trabalhos de todas as turmas ficaram expostos para que os demais pudessem verificar o que os outros fizeram com argila.

    Algumas Consideraes Finais

    A elaborao deste trabalho possibilitou a reflexo e a ampliao de nossos conhecimentos sobre a possibilidade de desenvolver atividades significativas com crianas de 0 a 6 anos em instituies educativas com o objetivo de promover interaes aluno-aluno e aluno-professor.

    Pode-se afirmar que a vivncia com outras crianas e adultos nos centros de educao infantil, importante para o desenvolvimento infantil, pois provoca novas experincias, permite adquirir novos hbitos, atitudes, valores e tambm a linguagem daqueles que interagem com a criana.

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    desta forma que os seres humanos se integram na histria e na cultura de uma determinada forma de organizao social.

    Ficou claro que promover interaes muito mais do que aproximar fisicamente as crianas e que a disposio das carteiras, mesas e cadeiras apenas uma condio que pode facilitar tal tarefa. Muito mais do que a organizao do ambiente, necessrio que o professor e demais profissionais que atuam na educao infantil conheam as premissas bsicas da teoria histrico-cultural sobre o processo de aprendizagem e desenvolvimento das crianas, e em razo disso, se reconheam como os membros mais experientes de um grupo cujas funes so a promoo de interaes e a mediao do conhecimento.

    Referncias

    ABRAMOWIZ, A. e WAGKOP, G. Creche: atividades para crianas de zero a seis anos. So Paulo: Moderna, 1995.

    OLIVEIRA, M. K. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento: um processo scio-histrico. So Paulo: Scipione, 1993.

    REGO, T.C. Vygotsky: uma perspectiva histrico-cultural da educao. Rio de Janeiro: Vozes, 1995.

    VYGOTSKY, L. S. A formao social da mente. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1988.

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    Endereo para correspondncia: Universidade Estadual de Maring / Departamento de Teoria e Prtica da Educao Av. Colombo, 5790 CEP: 8720-900 Maring-PR E-mail: [email protected]