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IV CONGRESSO SERGIPANO DE HISTÓRIA & IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA DA ANPUH/SE O CINQUENTENÁRIO DO GOLPE DE 64 A História Pátria nas Escolas Reunidas de Paripiranga/BA: fontes para o estudo (1950-1970) Márcia dos Santos Bomfim Clotildes Farias de Sousa ** Resumo Este texto destaca a importância de algumas fontes para um estudo sobre a Disciplina História Pátria, no contexto das Escolas Reunidas Professor Francisco de Paula Abreu em Paripiranga/BA, no período de 1950 a 1970. Diferentes fontes bibliográficas, iconográficas, orais e documentais são indicadas porque apresentam informações importantes sobre os métodos de ensino, recursos didáticos e professores, bem como sobre as atividades escolares desenvolvidas, as quais são submetidas à perspectiva da História Cultural e da noção de civilização desenvolvida pelo sociólogo Norber Elias. As fontes revelam peculiaridades de um modelo institucional presente no cenário educacional brasileiro ainda pouco salientado na historiografia que mantém relações com o ideário civilizatório nacional da segunda metade do século XX. Palavras-chave: Cultura escolar. Civilização. História Pátria. Escolas Reunidas. Native History in the Congregated Schools of Paripiranga/BA: sources for the study (1950-1970) Abstract Especialista em Ensino de História pela Faculdade São Luís de França. E-mail: [email protected] ** Mestre em Educação pela Universidade Federal de Sergipe UFS. Email: [email protected]

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O CINQUENTENÁRIO DO GOLPE DE 64

A História Pátria nas Escolas Reunidas de Paripiranga/BA:

fontes para o estudo (1950-1970)

Márcia dos Santos Bomfim

Clotildes Farias de Sousa**

Resumo

Este texto destaca a importância de algumas fontes para um estudo sobre a Disciplina

História Pátria, no contexto das Escolas Reunidas Professor Francisco de Paula Abreu

em Paripiranga/BA, no período de 1950 a 1970. Diferentes fontes bibliográficas,

iconográficas, orais e documentais são indicadas porque apresentam informações

importantes sobre os métodos de ensino, recursos didáticos e professores, bem como

sobre as atividades escolares desenvolvidas, as quais são submetidas à perspectiva da

História Cultural e da noção de civilização desenvolvida pelo sociólogo Norber Elias.

As fontes revelam peculiaridades de um modelo institucional presente no cenário

educacional brasileiro ainda pouco salientado na historiografia que mantém relações

com o ideário civilizatório nacional da segunda metade do século XX.

Palavras-chave: Cultura escolar. Civilização. História Pátria. Escolas Reunidas.

Native History in the Congregated Schools of Paripiranga/BA:

sources for the study (1950-1970)

Abstract

Especialista em Ensino de História pela Faculdade São Luís de França. E-mail:

[email protected]

** Mestre em Educação pela Universidade Federal de Sergipe – UFS. Email: [email protected]

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O CINQUENTENÁRIO DO GOLPE DE 64

This text detaches the importance of some sources for a study on Disciplina Native

History, in the context of the Congregated Schools Professor Francisco de Paula Abreu

in Paripiranga/BA, in the period of 1950 the 1970. Different bibliographical,

iconographic sources, you pray and you register are indicated because they present

important information on the education methods, didactic resources and professors, as

well as on the developed pertaining to school activities, which are submitted to the

perspective of Cultural History and the notion of civilization developed for Norber

sociologist Elias. The sources disclose peculiarities of a present institucional model in

the Brazilian educational scene still little pointed out in the historiografia that keeps

relations with the national civilizatório ideário of the second half of century XX.

Keywords: School culture. Civilization. Homeland History. Gathered Schools.

Introdução

O presente artigo destaca a importância das fontes históricas documentais,

iconográficas e orais para um estudo sobre a Disciplina História Pátria, no âmbito das

Escolas Reunidas Professor Francisco de Paula Abreu, assim como do ideário

civilizatório nacional da segunda metade do século XX. Dentro de um marco temporal

que contempla duas décadas, entre 1950 e 1970, no texto se procura descobrir quais

fontes existentes nos acervos particulares e institucionais da cidade de Pariparanga-

Bahia servem à compreensão daquele componente curricular específico, dos sentidos e

das práticas culturais decorrentes da sua inserção no contexto analisado.

A discussão é iniciada com a exposição dos estudos historiográficos que

abordam a História Pátria, o currículo e as práticas escolares na Bahia e no Brasil. Em

seu trabalho “República, educação cívica e história pátria: Brasil e Portugal”, Angela de

Castro Gomes (2008) trata da escrita da História Pátria no Brasil e em Portugal,

relacionando-a diretamente com a cultura política republicana, com as deficiências do

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Brasil nas questões educacionais e com as dificuldades de trabalho com a disciplina em

virtude da falta de livros adequados aos ideais pedagógicos vigentes à época.

Em pesquisa denominada “Currículo e saber histórico escolar: o ensino de

história pátria nos programas do estado de Santa Catarina no início do século XX”,

Luciana Rossato (2012) aponta o momento em que aquela Disciplina apareceu no

ensino catarinense, relacionando-a com as reformas educacionais e acontecimentos

históricos específicos, a exemplo das Guerras Mundiais que envolveram disputas de

poder e objetivos a inculcar na sociedade.

Marcos Levy Albino Bencostta (2009), em sua obra “Grupos escolares no

Brasil: um novo modelo de escola primária”, não somente estuda a trajetória da escola

primária brasileira e do currículo, como relaciona ambas à intenção de inculcar nas

crianças uma moral cívica e patriótica, sobretudo nos períodos ditatoriais, quando havia

o desejo constante de formar um sentimento de nacionalidade, destacando propostas

educacionais voltadas para formação da sociedade brasileira, de cidadãos

comprometidos com a nação e com o exercício dos seus deveres.

A literatura chama atenção pelos trabalhos já produzidos sobre a História Pátria

e também pela ausência de investigações específicas quando se trata das escolas

reunidas de modo geral e sobre as Escolas Reunidas Professor Francisco de Paula Abreu

particularmente, pois não foram encontradas outras referências além daquelas já

indicadas e também da monografia de Bomfim (2011), denominada “O Templo Paula

Abreu. A trajetória das Escolas Reunidas Professor Francisco de Paula Abreu em

Paripiranga/BA 1948-1971”.

A escassez de estudos não se justifica por falta de fontes, sejam documentais,

orais, ou iconográficas, pois tanto há depoimentos de ex- alunas e ex-professoras quanto

documentos e fotografias úteis ao estudo. Fotografias constituem uma forma importante

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de evidência histórica (BURKE, 2004); quando aliadas a outras fontes, podem revelar a

vivência de um tempo passado ou de uma cultura escolar em que se encontra situado

dado objeto, permitindo o intercruzamento de informações. Assim como a imagem, a

memória é um dos indícios do passado, é um documento de que se serve o historiador

para produzir leituras do vivido, do sentido, do experimentado pelos indivíduos que

lembram e também esquecem a um só tempo (STEPHANOU E BASTOS, 2009).

Nos vários documentos encontram-se respostas para as perguntas norteadoras

deste texto, pois há informações esclarecedoras sobre a inserção da História Pátria na

educação paripiranguense e no processo de formação da sociedade local. As fontes

submetidas aos princípios teóricos e metodológicos da História Cultural permitem

interpretações que colocam o objeto em relação com a cultura escolar e os seus

elementos, seja a prática docente ou o currículo (SANTOS, 2009).

Submetidas à noção de civilização do sociólogo Norbert Elias (2011), as

informações ajudam a explicar o processo de desenvolvimento da cultura e das

representações históricas dos grupos sociais locais ao permitirem pensar que:

A civilização que estamos acostumados a considerar como uma posse

que aparentemente nos chega pronta e acabada, sem que perguntemos

como viemos a possui-la, é um processo ou parte de um processo em

que nós mesmos estamos envolvidos. Todas as características

distintivas que lhe atribuímos – a existência da maquinaria,

descobertas cientificas, formas de Estado, ou o que quer que seja -

atestam a existência de uma estrutura particular de relações humanas,

de uma estrutura social peculiar, e de correspondentes formas de

comportamento (ELIAS, 2011, p. 70).

Pensar as peculiaridades do processo educacional em Pariparanga-BA é algo

que exige o entendimento e o uso daquele conceito sem perder de vista que a noção de

civilização se refere a um processo maior condicionado pelo Estado, o qual é capaz de

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transformar hábitos rotineiros em simples práticas de um dado grupo, devendo-se

atentar para o fato de que as particularidades locais aproximaram-se também de outras

iniciativas nacionais.

Em seguida a parte introdutória deste artigo, a História Pátria é apresentada

pela via das marcas deixadas ao longo do processo de institucionalização das Escolas

Reunidas Francisco de Paula Abreu que se revelam nas fontes encontradas, sem perder

de vista a relação entre o ensino e o ideário civilizatório nacional da segunda metade do

século XX, abordada na terceira parte do trabalho. O artigo termina após apresentação

das principais considerações desenvolvidas e das perspectivas de novos estudos.

Escolas Reunidas Francisco de Paula Abreu: as marcas da História

Pátria

Bomfim (2011) indica a diversidade de fontes históricas existentes para um

estudo sobre a História Pátria quando trata da institucionalização das Escolas Reunidas

Francisco de Paula Abreu. A autora marca a história de tal instituição com a

inauguração em 1950, conforme o mesmo movimento de implantação das escolas

primárias que tomava conta da Bahia desde o final dos anos 1940, idealizado pelo então

secretário de educação do estado baiano, Anísio Teixeira.

À época da inauguração das Escolas Reunidas Francisco de Paula Abreu ainda

era enorme o número de analfabetismo naquele estado, sendo então uma tentativa

louvável àquela de diminuir o índice de analfabetismo e melhorar a qualidade da

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educação primária, pois a iniciativa não somente reunia parte das escolas isoladas de

Paripiranga-BA como mudava substancialmente o quadro educacional pela estrutura

montada e serviços que passariam a ser prestados.

A implantação do prédio escolar agradou a sociedade local, especialmente o

professorado (MATOS, 2011), porque por mais simples que fosse a sua arquitetura se

comparada aos imponentes grupos escolares da Primeira República, as instalações

constituíram-se importante monumento histórico para a cidade, tendo contribuído com o

processo de urbanização local.

As diferenças entre as Escolas Reunidas Francisco de Paula Abreu e os grupos

escolares não eliminavam sob muitos aspectos as aproximações que mantinham

(PINHEIRO, 2002). Afinal, para além da imponência dos prédios e dos elementos

arquitetônicos que impressionavam os olhares e comprovavam a modernidade do país,

na institucionalização da escola primária brasileira a tentativa de adequação do ensino

às necessidades da época era comum a todas as unidades de ensino.

Os grupos escolares constituíram-se numa nova modalidade de escola

primária, uma organização escolar mais complexa, racional e

moderna. Implantados no Brasil no inicio do período republicano,

tornaram-se ao longo do século XX, no tipo predominante de escola

elementar encarnando o sentido de escola primária no país. (SOUZA

E FARIA FILHO, 2006, p 24-25)

A simplicidade da estrutura física das escolas reunidas era incompatível com a

potencialidade que apresentavam para a democratização do ensino, principalmente para

os municípios baianos sem recursos, pela possibilidade de inserção em seu currículo da

História Pátria (BOMFIM, 2011).

Ao contemplar o estudo da vida e dos costumes dos brasileiros, dos

acontecimentos e dos sujeitos históricos, assim como do sentimento de pertencimento a

sociedade, as escolas reunidades garantiam a tão necessária unidade nacional (GOMES,

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2009). Com o conhecimento e o respeito aos símbolos nacionais e com uma educação

capaz de promover a civilidade do povo brasileiro, aquela Disciplina era um elemento

de construção e difusão da identidade nacional e regional porque condutora da formação

dos cidadãos brasileiros, estando voltada para a organização curricular e para a

formação da sociedade almejada por aqueles que a instituíram (ROSSATO, 2012).

Aquele modelo escolar deixou marcas importantes na educação brasileira e estas

marcas encontram-se visíveis nos suportes que lhes deram forma, nos múltiplos espaços

públicos e privados, como na Câmara Municipal de Paripiranga, na Escola Estadual

Avelino Leite, no Memorial de Simão Dias e nos acervos pessoais. Outras marcas estão

na memória de pessoas que viveram a experiência das Escolas Reunidas Francisco de

Paula Abreu, ex-alunos e ex-professores, as quais remetem aos conteúdos ensinados,

livros didáticos utilizados e atividades cívicas desenvolvidos: “Todo dia cantava-se o

hino na hora da saída, além do hino Nacional, outros hinos... O hino da bandeira, o Dois

de Julho” (MATOS, 2011). A História Pátria aparece nos depoimentos tão forte quanto

estava presente na cultura escolar, especialmente nas várias disciplinas curriculares, na

matéria de Língua Pátria e da Religião Pátria, no ditado, na cópia, na prova oral e

também na prova escrita.

Há marcas presentes nas imagens que ilustram a história daquelas escolas, nas

três fotografias encontradas que revelam aspectos da cultura escolar e da História Pátria,

como aquela do prédio escolar que se pode verificar na fotografia 01.

Foto 01

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Figura 1. Escolas Reunidas Professor Francisco de Paula Abreu. 1950.

Fonte: Arquivo de Carmelita Virgens.

“Independentemente de sua qualidade estética qualquer imagem pode servir

como evidência histórica” (BURKE, 2004, p. 20-21), embora não exclusivamente, pois

também outros documentos são úteis aos estudos, como os mapas de aproveitamento

escolares e de resultados finais que revelam os aspectos didáticos da Disciplina História

Pátria, os registros dos resultados dos alunos, do nível de repetência, das formas de

avaliação, dos nomes, formação e experiência profissional dos professores.

Gravadas, transcritas ou conservadas de outro modo, as informações encontram-

se arquivadas desde as primeiras incursões realizadas em prol da investigação em foco

aqui. Além das fotografias e da memória, outras fontes estão em condições legíveis para

uso investigativo, inclusive os mapas e boletins de resultados de exames das Escolas

Reunidas Professor Francisco de Paula Abreu, assim como as cadernetas dos alunos e o

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livro de atos oficiais da Secretaria de Educação e Cultura referentes à Delegacia Escolar

da cidade de Paripiranga-BA ou o jornal local A Semana.

3 História Pátria e civilização – um projeto educacional brasileiro

A literatura e demais documentos impressos, assim como a iconografia e a

memória, constituem um rico acervo de informações sobre as Escolas Reunidas

Francisco de Paula Abreu e tal acervo serve à compreensão da História Pátria e sua

relação com o processo de transmissão de um ideário civilizador na sociedade de

Paripiranga/BA e no Brasil.

Para uma comunidade que vivia no início dos anos de 1950 basicamente da

cultura agrícola de subsistência e da criação de animais, um prédio escolar se tornaria

facilmente o maior signo de modernidade; era o único monumento da localidade e atraía

a população de toda a região, tanto do município quanto das povoações rurais mais

próximas. Ganhava destaque em relação às escolas isoladas que até então eram as

principais instâncias de transmissão da cultura, tão importantes quanto a Biblioteca

Municipal.

As escolas reunidas geravam expectativas de progresso porque exigiam avanços

compatíveis nas demais redes de serviços prestados e outras ações sociais, como a

instalação de um Hospital Municipal, Talho Municipal e Paço Municipal. Com outras

instituições, as escolas reunidas davam os sinais da modernidade ali, juntamente com as

lojas do centro que constituíram o comércio e a feira.

As Escolas Reunidas Francisco de Paula Abreu contribuíam com o processo de

urbanização local não apenas pela organização física dos seus espaços, mas

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principalmente pelo desenvolvimento de uma cultura escolar específica, baseada nos

pressupostos de uma dada História Pátria. Aquelas escolas foram importante

instrumento civilizador à medida que se puseram a combater os maus exemplos de casa,

os maus costumes da população, quando ainda se acreditava que a nação andava

desviada da civilização, pois “[...] dentre as soluções propostas, destacava-se a

utilização do aluno como intermediário entre os saberes científicos dos professores e os

costumes vigentes nos lares.” (CUNHA, 2000, p. 461).

Aquele projeto adequava-se às transformações sociais porque o Brasil passava

durante o século XX, mas também as mudanças políticas verificadas, principalmente de

cunho patriótico, a qual se desenvolvia em relação à independência do país, tomando os

símbolos nacionais como exemplares do ponto de vista da sua autonomia e da formação

do homem republicano.

Contudo, não foi sem resistências que se deu aquele processo, pois os

educadores reagiram ao conduzirem os seus trabalhos a sua maneira, mesmo sob a

vigilância dos olhares da inspeção escolar e dos ditames da concepção predominante da

educação.

Contrariamente às ideias recebidas, o estudo histórico das disciplinas

escolares mostra que, diante das disposições gerais atribuídas pela

sociedade a escola, os professores dispõem de uma ampla liberdade de

manobra: a escola não é o lugar da rotina e da coação e o professor

não é agente de uma didática que lhe seria imposta de fora. (JULIA,

2001.p. 33).

A cultura escolar vista do interior da escola é constituída por um conjunto de

práticas e sentidos distintos, inclusive baseados nas influências da religião, da família,

da cultura local, dos projetos idealizados pelo poder público, da concepção de formação

dos profissionais que nela atuam e dos projetos pedagógicos desenvolvidos dentro do

espaço escolar. Esses elementos se apresentam de acordo com os tempos históricos em

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que predominam determinadas tendências políticas, sociais e culturais que são inerentes

aos sujeitos atuantes no contexto. De acordo com Dominique Julia:

(...) cultura escolar não pode ser estudada sem a análise precisa das

relações conflituosas ou pacíficas que ela mantém, a cada período de

sua história, como conjunto das culturas que lhe são contemporâneas:

cultura religiosa, cultura política ou cultura popular. (JULIA, 2001.p.

10)

O currículo é parte constituinte da cultura escolar e também precisa ser

entendido a partir da diversidade que lhe é pertinente, do conjunto de disciplinas a ser

desenvolvido em dado curso, tanto oficial quanto real. O currículo oficial refere-se ao

planejado para ser trabalhado nas disciplinas e séries do curso, conforme as práticas

políticas, econômicas e sociais. O currículo real diz respeito ao executado nas escolas e

se aproxima dos sujeitos atuantes no processo educacional: professores com sua

formação e ideologias, alunos com histórias familiares e comunidade. Ambos são

“artefatos culturais” que traduzem valores, pensamentos e perspectivas de uma

determinada época ou sociedade (ZOTTI, 2004).

A História Pátria integrou o currículo das Escolas Reunidas Francisco de Paula

Abreu que visava à formação dos cidadãos e não somente sua instrução; um currículo

pautado na educação e criação do sentimento nacional de amor à pátria, na transmissão

dos ensinamentos sobre a vida e os costumes dos brasileiros, dos acontecimentos

históricos do Brasil que as crianças deveriam aprender.

Considerações finais

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Documentos, imagens e depoimentos diversos constituem acervo importante

para conhecimento da História Pátria e sua relação com o ideário civilizatório nacional

do período de 1950 a 1970. São fontes úteis à compreensão da cultura escolar

desenvolvida no interior das Escolas Reunidas Professor Francisco de Paula Abreu, na

cidade de paripiranga-BA, ainda não exploradas suficientemente para conhecimento do

processo de formação da sociedade baiana e da diversidade que marca o contexto

educacional brasileiro.

Fotografias e documentos impressos de vários tipos encontram-se à disposição

da pesquisa histórica educacional, assim como a memória que se torna útil à

investigação pelas possibilidades de informações sobre a História Pátria e de

compreensão de um modelo de organização escolar que perdurou no Brasil por bastante

tempo e ficou conhecido como escolas reunidas; um modelo que prosperou nos

municípios que não puderam investir imediatamente na construção dos grupos escolares

e terminaram por adotar outras vias de democratização do ensino e de disseminação dos

sentimentos patrióticos.

As fontes revelam um currículo escolar composto pela História Pátria que visava

à formação dos cidadãos e não somente sua instrução, para difusão do sentimento

nacional de amor à pátria pelo estudo dos acontecimentos históricos do Brasil. Abre-se

a partir das fontes um leque diversificado de possibilidades investigativas, a exemplo

dos desdobramentos da Disciplina História Pátria em épocas distintas, inclusive quando

passou a ser chamada Educação, Moral e Cívica ou Estudos Sociais ou, simplesmente,

História. Chamam atenção para a Disciplina Comportamento sobre a qual não há

referências na literatura pesquisada, assim como para a própria História Pátria que

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compõe a cultura escolar de outras instituições ainda não investigadas e passíveis de

comparação histórica.

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