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1 A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NAS FOLHAS DO JORNAL DO BRASIL Jamile Baiense de Souza Gonzaga 1 A criminalização dos movimentos sociais é muito recorrente no Brasil. Atualmente está nas pautas dos debates a PEC que procura enquadra as manifestações políticas na legislação antiterrorismo. Este tipo de movimento é muito recorrente na história do Brasil, pensaremos este processo na década de 1980 onde estes movimentos somam-se as penalizações da pobreza exercidas pelo regime neoliberal. No campo brasileiro não nos faltam exemplos destas movimentações, seja nos primeiros anos da república em Canudos, seja na década de 1980 com o Movimento Sem Terra. Este tipo de postura perpassam as décadas. Propomos-nos a pensar a luta pela terra no Brasil, o Movimento Sem Terra é o protagonista do movimento social que a partir de meados da década de 1980 protagonizará a luta pela terra no Brasil. Pensaremos sobre uma parte do processo de criminalização do MST. Nossa principal motivação é a luta pela terra no Brasil, a reforma agrária em defesa da redução das desigualdades sociais. Escolhemos pensar como o país concebe a propriedade da terra. Para isto vamos olhar como a legislação brasileira trata o acesso a terra. Neste momento nos deparamos com “a função social da propriedade” 2 , este principio constitucional garante que a propriedade privada esteja primeiramente condicionada ao bem estar social, em caso de descumprimento da sua função a desapropriação para fins da reforma agrária é considerada legal.Além disso é o marco legal e contra-argumentação a criminalização do Movimento Sem Terra, já que legitima as desapropriações de terra. 1 Graduando pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. 2 Na constituição de 1988 não temos uma definição do que seria a função social da propriedade, temos apenas pressupostos que devem ser obedecidos para que a função social seja cumprida.São eles: aproveitamento racional e adequado, utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente, - observância das disposições que regulam as relações de trabalho, exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores- Artigo 186° CF/88

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Page 1: A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NAS FOLHAS DO JORNAL … · 1 A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NAS FOLHAS DO JORNAL DO BRASIL Jamile Baiense de Souza Gonzaga1 A criminalização

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A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NAS FOLHAS DO JORNAL DO

BRASIL

Jamile Baiense de Souza Gonzaga1

A criminalização dos movimentos sociais é muito recorrente no Brasil.

Atualmente está nas pautas dos debates a PEC que procura enquadra as manifestações

políticas na legislação antiterrorismo. Este tipo de movimento é muito recorrente na

história do Brasil, pensaremos este processo na década de 1980 onde estes movimentos

somam-se as penalizações da pobreza exercidas pelo regime neoliberal.

No campo brasileiro não nos faltam exemplos destas movimentações, seja

nos primeiros anos da república em Canudos, seja na década de 1980 com o Movimento

Sem Terra. Este tipo de postura perpassam as décadas.

Propomos-nos a pensar a luta pela terra no Brasil, o Movimento Sem Terra

é o protagonista do movimento social que a partir de meados da década de 1980

protagonizará a luta pela terra no Brasil. Pensaremos sobre uma parte do processo de

criminalização do MST. Nossa principal motivação é a luta pela terra no Brasil, a reforma

agrária em defesa da redução das desigualdades sociais. Escolhemos pensar como o país

concebe a propriedade da terra. Para isto vamos olhar como a legislação brasileira trata o

acesso a terra.

Neste momento nos deparamos com “a função social da propriedade”2 , este

principio constitucional garante que a propriedade privada esteja primeiramente

condicionada ao bem estar social, em caso de descumprimento da sua função a

desapropriação para fins da reforma agrária é considerada legal.Além disso é o marco

legal e contra-argumentação a criminalização do Movimento Sem Terra, já que legitima

as desapropriações de terra.

1 Graduando pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. 2 Na constituição de 1988 não temos uma definição do que seria a função social da

propriedade, temos apenas pressupostos que devem ser obedecidos para que a função social seja cumprida.São eles: aproveitamento racional e adequado, utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente, - observância das disposições que regulam as relações de trabalho, exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores- Artigo 186° CF/88

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Desta forma pensaremos alguns direitos sobre a terra, a luz do princípio

constitucional da função social da propriedade. Serão levadas em conta as interpretações

do Jornal do Brasil, de 1984 a 1989.

Logo após será citada a criminalização dos movimentos sociais na década

de 1980 e como o regime neoliberal contribui para este tipo de movimento. Será abordada

a criminalização do judiciário nas ocupações de terra sob a ótica de Fernanda Vieira. Para

finalizar será mostrada através da legislação específica a função social da propriedade, no

Jornal do Brasil.

CONTEXTO HISTÓRICO

Diversos movimentos no campo foram precursores do que hoje é conhecido

como o Movimento Dos Trabalhadores rurais Sem Terra. Stédile3 aponta que o

movimento é resultado do balanço de diversas lutas pela terra anteriores a sua formação.

É importante ressaltar que as lutas no campo, ocupações de terra e os

respectivos assentamentos ocorrem muito antes da formação do MST. Também é muito

recorrente que movimentos como Canudos, Contestado e as Ligas Camponesas assumam

a vanguarda da luta pela terra no Brasil.

Sabemos que a formação do campesinato como sujeito político ocorre desde

a década de 50 (MEDEIROS, 1995).Antes de pensar as experiências do campesinato é

preciso compreender como se davam as relações de poder no campo. Leal lança luzes

sobre os mecanismos de mando e poder no meio rural no Brasil.

Os primeiros anos da república no Brasil é um período conturbado. A política

dos governadores no governo Campos Sales vem resolve dois problemas: A centralização

política a despeito do regime federalista e também serve a rotinização do sistema. A

primeira lei eleitoral da República- o Regulamento Cesario Alvim- foi decretada em

3 STEDILE, João Pedro, FERNANDES, Bernardo Mançano. Brava Gente - A

trajetória do MST e a luta pela terra no Brasil. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo,

1999.

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22.6.1890. Dentre outras prescrições subordina o processo eleitoral a responsabilidade

dos intendentes municipais.

A forma como o processo eleitoral ocorre é muito importante para

compreender a estrutura e o processo do coronelismo. Apesar de ter seu apogeu na

Primeira República a estrutura agrária brasileira contribui para sua continuidade.

Conceitualmente o "coronelismo" é, sobretudo um compromisso, uma troca de proveitos

entre o poder público e os senhores da terra. Não é possível compreender o fenômeno

sem referência à nossa estrutura agrária, que fornece a base de sustentação do poder

privado interior do Brasil, conforme aponta Leal.

É muito importante perceber a importância da comissão pastoral da terra na

articulação das lutas do movimento Sem Terra . Outro fator importante na articulação do

MST foi o trabalho de base feito pela Igreja católica principalmente nas Comunidades

eclesiais de base(CEB´S) e nas Pastorais, nesse caso mais específico a pastoral da terra.

Segundo Lowy(2007) apesar desta conjuntura conservadora vemos no

Brasil aparecimento de uma esquerda cristã, sobretudo católica, que defendia o

cristianismo da libertação. Tratam- se de um conjunto de reflexões e práticas que

questionam a injustiça social e se traduzem em compromissos cristãos- fazem pare

membros do clero e leigos, organizados em comunidades eclesiais de base (CEB´S),

pastorais populares, juventude universitária católica (JUC) e juventude operária

católica(JOC). A questão da pobreza sempre foi preocupação da igreja, agora, porém

passa por uma mudança de ângulos: o pobre deixa de ser objeto de ajuda e passa a atuar

como sujeito histórico, ator de sua própria libertação.

O cristianismo da libertação surge no Brasil como resultado de uma

conjuntura histórica específica, teve consequências em toda América Latina. Nos anos

de 1960 dois processos distintos iram confluir para esta nova percepção cristã, são eles:

a transformação interna da Igreja Católica, com a eleição do papa João XXIII, em 1958,

e os primeiros passos em direção ao concílio do Vaticano II. Em segundo lugar temos o

triunfo da Revolução Cubana em 1959 com um programa anti-imperialista e socialista

que inaugura um novo ciclo de lutas na América Latina.

A oposição da igreja (CNBB) foi um dos fatores que conduziram os

militares, em 1980, a gradual redemocratização. Porém o fator decisivo foi a mobilização

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dos movimentos sociais e políticos que se desenvolveram a partir de 1978, animados em

grande parte por militantes vindos das CEB´S e pastorais populares. São estes o MST, a

Central Única dos Trabalhadores (CUT), o Partido dos Trabalhadores (PT) e outros

movimentos sociais.

A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

A função social da propriedade está presente nas Constituições Brasileiras

desde 1934, no entanto passa a entrar no capítulo sobre direitos sociais e a vira clausula

pétrea a partir da constituição de 1988. Tanto no Estatuto da Terra, a primeira lei da

reforma agrária no Brasil, quanto na Constituição de 1988 não temos uma definição

precisa do que seria a função social da propriedade.

Segundo a Constituição de 1988:

“No artigo 5 ° que falo sobre os direitos e garantias

fundamentais, no inciso abaixo é Definido:

XXII - é garantido o direito de propriedade;

XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;”

São Cláusulas pétreas os direitos que constam no artigo 5° não podendo ser

alterados através de emendas constitucionais, desta forma a propriedade necessariamente

terá de atender sua função social. Temos a definição de função social da propriedade no

capítulo III- Da Política Agrícola e Fundiária da Reforma Agrária:

Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social,

para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua

função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida

agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de

até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será

definida em lei.

§ 1º - As benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em

dinheiro.

§ 2º - O decreto que declarar o imóvel como de interesse

social, para fins de reforma agrária, autoriza a União a propor a ação de

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desapropriação.

§ 3º - Cabe à lei complementar estabelecer procedimento

contraditório especial, de rito sumário, para o processo judicial de

desapropriação.

§ 4º - O orçamento fixará anualmente o volume total de títulos

da dívida agrária, assim como o montante de recursos para atender ao

programa de reforma agrária no exercício.

§ 5º - São isentas de impostos federais, estaduais e municipais

as operações de transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma

agrária.

Art. 185. São insuscetíveis de desapropriação para fins de

reforma agrária:

I - a pequena e média propriedade rural, assim definida em

lei, desde que seu proprietário não possua outra;

II - a propriedade produtiva.

Parágrafo único. A lei garantirá tratamento especial à

propriedade produtiva e fixará normas para o cumprimento dos requisitos

relativos a sua função social.

Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade

rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência

estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:

I - aproveitamento racional e adequado;

II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e

preservação do meio ambiente;

III - observância das disposições que regulam as relações de

trabalho;

IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e

dos trabalhadores.

A função social da propriedade é a contra- argumentação da criminalização

do MST. Essa interpretação cabe muito bem à análise do conflito envolvendo o MST,

percebemos esse processo de criminalização. A ideologia de combate as classes pobres

acontece a medida que há um emparelhamento entre os discursos de policiais, promotoria

e magistratura.(VIEIRA,2006,apud VERANI,1996,p.136).

"O aparelhamento repressivo policial e o aparelho

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ideológico- jurídico integram-se harmonicamente.A ação violenta e criminosa

do policial encontra legitimação por meio do discurso do delegado, por meio

do discurso do promotor, por meio do discurso do juíz.Se as suas tarefas não

estivessem divididas e delimitadas pela atividade funcional, não se saberia

qual é a fala de um e qual é a fala do outro porque todos têm a mesma fala,

contínua e permanente".

Nesse processo é fundamental compreendermos como se dá a

criminalização e a penalização da miséria. O poder judiciário sustenta uma hegemonia

conservadora que é reforçada pelo aumento do tom nos discursos da lei e da ordem como

forma de conter as massas empobrecidas. VIEIRA,2006, p.94)

Vieira irá analisar processos criminais contra integrantes do MST, na

região do Pontal do Paranema, São Paulo, foco de conflitos da terra. Nos processos as

falas de membro do judiciário como o ministério público, os magistrados, e os

desembargadores apresentam o mesmo tom criminalizador. (VIEIRA, 2006,p.95)

Primeiramente o movimento foi tachado como organização criminosa,

sendo comparado com a facção criminosa PCC. Esta prerrogativa em si já sustenta a

penalização do movimento no judiciário, segundo processos analisados. Outra tendência

é enquadrar as ocupações de terra como crime de esbulho possessório. A definição se

encontra no estatuto penal, título II, da parte especial referente aos "crimes contra o

patrimônio".

Alteração de limite

Art. 161- Suprimir ou deslocar tapume, marco ou qualquer

outro sinal indicativo de linha divisória , pra apropriar-se, no todo ou em

parte,da coisa alheia imóvel.

Pena- detenção de um a seis meses e multa.

§ 1º na mesma pena incorre quem:

(...)

Esbulho possesório

II-Invade, com vioência à pessoa ou grave ameaça ou

mediante concurso de mais de duas pessoas, terreno ou edifício alheio, para

fim de esbulho possessório .

§ 2° Se o agente usa de violência, encorre também na pena a

esta cominada.

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§ Se a propriedade é particular e não há emprego de

violência, somente procede diante de queixa.

As ocupações nesse caso serão tipificadas pelo marco penal. Nesse

momento começamos debates acerca da função social da propriedade, da legitimidade

das ocupações, dos mecanismos de pressão exercidos pelos movimentos sociais.

propriedade, ou seja,o papel que a propriedade tem diante da sociedade de promover o

bem estar social.Esse direito constitucional serve para legitimar as ocupações e contrapor

a penalização das ações.(VIEIRA,2006,p.115)

Esse processo ocorre quando as ocupações coletivas (principal estratégia de

luta do movimento, pela terra) são enquadradas no ilícito penal e os integrantes devem

responder na justiça.Neste momento é posta a contra argumentação do discurso

conservador da propriedade, a função social que toda propriedade deve exercer.

DIREITO A TERRA NAS FOLHAS DO JORNAL DO BRASIL

A ideia do trabalho era encontrar nos Jornais, no caso o Jornal do Brasil,

discursos de representantes do Governo sobre a função social da propriedade no período

escolhido. Ao analisar as fontes, vimos outro tipo de resultado que também elucida sobre

a questão da propriedade no Brasil. No período de 1984-89 encontramos 51 ocorrências

mencionando a função social da propriedade. É interessante observar que a expressão

invasão de terras aparece 91 vezes no mesmo período e em nenhuma delas é citada a

função social da propriedade, como o jornal PE de orientação liberal esse tipo de resultado

já era de se esperar.

No entanto a orientação católica deste periódico abre espaço para que se

fale em função social da propriedade, segundo alguns clérigos. O assunto, em raras

exceções apresenta matéria de destaque, sendo citado em reportagens, em fontes muito

pequenas quase passando despercebido. No período de 1987 é que encontraremos mais

ocorrências (21), pois teremos debates intensos sobre a reforma agrária na elaboração da

nova Constituinte.

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Sobre a definição de Função social da propriedade temos a fala de João

Vicente, deputado estadual de Porto Alegre e filho de João Goulart. (JB, 19/02/1984, p.8)

Explicou João Vicente que o socialismo é um sistema

democrático de organização da produção, da distribuição e do consumo. No

socialismo a propriedade privada também tem uma função social. A

propriedade é bem individual, mas a riqueza que ela gera deve ser justamente

distribuída na forma de salários compatíveis, impostos, e ser fator de

crescimento do consumo interno.

Só encontramos esta ocorrência que de certa forma define o que seria função

social, mesmo assim está sendo vinculado ao socialismo. Veremos que o jornal silencia

sobre este tema, não o discute, apesar de estar nas pautas de discussão política da época,

guardando apenas espaço para os clérigos que engajados na luta pela terra trazem o tema

a tona. Na matéria “ A igreja e a Reforma Agrária” vejamos como a questão é tratada.

(JB, 26/06/85, p.11)

b) a reforma agrária deve ser moralmente justa.Caso

contrário peca por consertar um erro com outro erro.Não está certo permitir

continuar existindo um sistema antiquado e injusto da propriedade e

exploração de terras; mas, tampouco está certo tentar uma reviravolta total

sem respeito algum para com direitos de proprietários nacionais ou

estrangeiros.Impedir uma reforma agrária justa e necessária é pecado tanto

quanto precipitá-la sem atentar sua moralidade, segundo os princípios da

função social da propriedade.

Sobre o engajamento político da Igreja católica na luta pela terra, a

reportagem do dia 20/09/1986 , p. 6 trata bem deste aspecto.Fala sobre o seminário”igreja

e Constituição” que reuniu mais de 100 mil pessoas.Se reuniram no colégio Assunção em

Santa Thereza- RJ.A orientação da igreja foi de que se apoiasse candidatos que apoiassem

princípios, dentre eles o da função social da propriedade( que só foi citado).

Após vermos o posicionamento da igreja acerca do tema, vamos olhar como

o tema é articulado por outras partes da sociedade. A partir de 1987 temos a articulação

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da Assembleia Nacional Constituinte que irá propor e votar sobre a construção da nova

constituição brasileira, democrática. Observamos movimentos em toda a sociedade para

pressionar os parlamentares que vão propor e votar os textos. De um lado da disputa temos

os movimentos sociais, protagonizados pela CONTAG, MST, PT do outro a entidade

patronal União Democrática Ruralista.

Encontramos em uma matéria sobra a constituinte o ministro da reforma

agrária e desenvolvimento, articulando em torno da função social. .(JB, 06/02/1987, p.7)

O ministro da reforma agrária e desenvolvimento, Dante de

Oliveira, está articulando uma frente antipartidária para incluir na nova

constituição, por exemplo, o 2º artigo do estatuto da terra, que define a função

social da propriedade rural. O ministro assinou dois convênios, um contra a

Universidade de Brasília e outro com o centro de Estudos Contemporâneos,

de São Paulo, para ter uma assessoria permanente na conquista dos

parlamentares. Ele sabe que terá pela frente mais de 40 fazendeiros

A CONTAG também se posiciona quando a função social da propriedade,

pedra de toque para a reforma agrária no país. (JB, 13/02/1987, p.6)

A CONTAG, que elaborou o documento do 4° Encontro

Nacional dos Trabalhadores Rurais, ao qual compareceu o próprio Ulysses

Guimarães, dendê que” a função social da propriedade deve ser um princípio

que obrigue a todos os proprietários” e que seja abolido “o privilégio das

empresas rurais não sofrerem desapropriação”. A entidade propõe que a

reforma agrária seja ampla, massiva, eliminando o latifúndio, com a

participação dos trabalhadores.

No decorrer do ano de 1987 vemos que existem disputas em torno dos

movimentos sociais organizados e a bancada ruralista quanto à definição do status de

propriedade. Na Assembleia Nacional Constituinte essas disputas se dão em torno da

aprovação e propostas de artigos para o texto constitucional. Sobre a propriedade temos

duas propostas: a primeira fala sobre obrigação social, proposta pelos movimentos

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sociais e partidos de esquerda. A segunda é a função social da propriedade proposta por

ruralistas e partidos de centro- direita e direita.4

Conforme já foi dito uma das motivações desta parte do trabalho é entender

a falta de caracterização da função social da propriedade na constituição. Sobre o Assunto

Temos a seguinte reportagem ( JB, 30/05/1987).

Perosa criticou também a irredutibilidade do relator da

subcomissão da reforma agrária. Oswaldo Lima Filho, que insistiu em

delimitar em 100 módulos o tamanho máximo da propriedade rural, atraindo

a ira dos conservadores. Segundo Perosa, o que Lima Filho deveria ter feito

era insistir na caracterização da função social da propriedade.Para o vice

líder, o que importa não é o tamanho, mas a justa exploração racional da

terra, e o respeito aos direitos dos que nela trabalham: “Temos que parar de

jogar para a plateia e cair na real.

Partidários conservadores propõem negociar mandato de 5 anos de Sarney

com o líder da ala esquerda do PMDB, Senador Mario Covas. Segundo os covistas havia

dois caminhos a serem seguidos: o confronto direto com o grupo que defende os cinco

anos do mandato e o da definição dos pontos básicos dos quais o partido não abrirá mão

na constituição.

O posicionamento de Perosa é o da caracterização da função social da

propriedade como ponto irredutível nas negociações da constituinte. Para o deputado era

preciso se encarar com realidade a composição da maioria parlamentar ser a favor da

bancada ruralista, a caracterização do que seria a função social da propriedade era

importante.

Observamos na reportagem seguinte uma organização social ampla em

torno da definição de propostas de emendas que falem sobre a propriedade. Essa

4 Para saber mais sobre a composição política da época e sobre as propostas

apresentadas a Assembleia sobre reforma agrária, sobretudo função social, ver BUTTÓ.M. Mecanismos deliberativos da Assembleia Nacional Constituinte: a polarização simbólica da Reforma Agrária. 2009. 128 dissertação (mestrado) Departamento de Ciência Política. Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009.

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composição de formas mostra a força da concepção liberal e a força dos fazendeiros na

política brasileira.

CONCLUSÃO

Após analisar as legislações específicas percebemos que a função social da

propriedade não tem uma definição, o que encontramos são critérios que a define. A

comissão pastoral da Terra e o MST vão endossar as lutas pela terra no Brasil a

apresentam o mesmo tipo de discurso no que diz respeito à função social da propriedade.

Trabalhos deste tipo são importantes para a compreensão progressista do

direito que está na Constituição Brasileira e serve a contra argumentação do discurso do

judiciário e da mídia sobre o MST.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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decadência da Primeira República brasileira. São Paulo: Vértice, 1988.

LOWY, M. As esquerdas na ditadura militar: o cristianismo de libertação .

In:FERREIRA, Jorge; REIS, Daniel Aarão (org.). Revolução e democracia (1964). AS

ESQUERDAS NO BRASIL .vol. 3. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.

MARIETA,; FICO, C. ARAÚJO, Maria Paula. Esquerdas, juventude e

radicalidade na América Latina nos anos de 1960 e 1970. In: . Ditadura e democracia

na América Latina. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2008. 300p.

MEDEIROS, L. S. Lavradores,Trabalhadores agrícolos,camponeses: Os

comunistas e a constituição de classes no campo. 1995. 303f. Tese (Doutorado em

Ciências Sociais) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1995.

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VIEIRA, F. M. C. Presos em nome da lei.Estado Penal e criminalização

do MST. Rio de Janeiro: Dom Quixote, 2006. 163p.