a função da ilustração na literatura infanto-juvenil autor(es

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A navegação consulta e descarregamento dos títulos inseridos nas Bibliotecas Digitais UC Digitalis, UC Pombalina e UC Impactum, pressupõem a aceitação plena e sem reservas dos Termos e Condições de Uso destas Bibliotecas Digitais, disponíveis em https://digitalis.uc.pt/pt-pt/termos. Conforme exposto nos referidos Termos e Condições de Uso, o descarregamento de títulos de acesso restrito requer uma licença válida de autorização devendo o utilizador aceder ao(s) documento(s) a partir de um endereço de IP da instituição detentora da supramencionada licença. Ao utilizador é apenas permitido o descarregamento para uso pessoal, pelo que o emprego do(s) título(s) descarregado(s) para outro fim, designadamente comercial, carece de autorização do respetivo autor ou editor da obra. Na medida em que todas as obras da UC Digitalis se encontram protegidas pelo Código do Direito de Autor e Direitos Conexos e demais legislação aplicável, toda a cópia, parcial ou total, deste documento, nos casos em que é legalmente admitida, deverá conter ou fazer-se acompanhar por este aviso. A função da ilustração na literatura infanto-juvenil Autor(es): Marques, António Soares Publicado por: Universidade Católica Portuguesa, Departamento de Letras URL persistente: URI:http://hdl.handle.net/10316.2/24009 Accessed : 15-Mar-2018 16:04:31 digitalis.uc.pt impactum.uc.pt

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este aviso.

A função da ilustração na literatura infanto-juvenil

Autor(es): Marques, António Soares

Publicado por: Universidade Católica Portuguesa, Departamento de Letras

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UNIVERSIDADE

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MÁlHESlS 3 1994 239-249

A FUNÇÃO DA ILUSfRAÇÃO NA LITERATURA INFANTO-JUVENIL

ANTÓNIO SoARES MARQUES

"Alice começava a sentir-se muito cansada, por estar sentada no banco, ao lado da irmã, e por não ter nada que fazer. Mais do que uma vez espreitava para o livro que a irmã estava a ler, mas este não tinha gravuras nem conversas ... E para que serve um livro que não tem gravuras nem conversas?", pensou Alice.

Lewis Carroll, "ALICE NO PAÍs DAS MARAVILHAS"

AVISO PRÉVIo

Abordar em meia dúzia de páginas toda a problemática que envolve a ilustração nos livros para crianças e jovens, será, com efeito, tarefa tão dificn como "meter o Rossio na Betesga". Daí que, por necessidade metodológica, seja pertinente delimitar as fronteiras subjacentes a este trabalho. Afinal, tudo depende do sítio aonde se pretende chegar, como respondeu o Gato a Alice, quando deambulando no País das Maravilhas, esta lhe perguntou sobre o caminho que deveria seguir para sair dali.

Assim e em primeiro lugar, importará referir que as páginas que se seguem tentam contemplar apenas um punhado de considerações teóricas àcerca do papel da ilustração nos livros, cujo destinatário extra-textual é o público infanto-juvenil. Depois, não cabe neste trabalho qualquer estudo de ordem prática sobre a análise da ilustração "in se" numa perspectiva

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semiológica e/ou epistemológica. Seria, aliás, tarefa interessante e enriquecedora a levar a cabo numa fase posterior, após estes considerandos declaradamente teoréticos. Todavia, o factor tempo, o número limitado de páginas e o caminho que aqui se persegue, são razões que nos fazem "ir por aqui e não por ali".

Finalmente, é de referir ainda que ao debrucar-me sobre esta temática, tal actividade não se circunscreverá apenas a obras de indole pedagógico­-didáctica mas tentará enquadrar "grosso modo" todas as obras que genericamente se destinam às crianças e adolescentes e onde a ilustração tem um papel determinante no que respeita à sua aquisição.

BOSQUEJO HISTÓRICO DA ILUSTRAÇÃO

Se bem que só a partir do 2° quartel do século XIX o livro e a ilustração tenham adregado um grande desenvolvime~to, fruto de múltiplos factores, entre os quais o triunfo do liberalismo e do Romantismo, que obrigam à necessidade de instruir e de cultivar a burguesia nascente, para além dos efeitos advenientes da Revolução Industrial do sec. xvm, é insofismável que a ilustração, sobretudo com intuitos pedagógicos, se perde na lonjura dos tempos.

Saltando aqui e ali, irei pois, alinhavando e discreteando sobre os marcos que na minha perspectiva se afiguram mais importantes neste domínio.

Assim,já na antiguidade greco-Iatin, a ilustração havia desempenhado um papel importantissimo, sobretudo na função de complementaridade relativamente ao texto, se bem que, em 'muitos casos, só com alguma dose de piedade se possa estar em presença da ilustração. Na verdade, e como referem os dicionários, em rigor, e com propriedade só se pode falar em "ilustração quando se está na presença de uma imagem que acompanha um texto, geralmente literário, a que se refere, e para cuja compreen­são, esclarecimento e exaltação contribui". A talhe de foice, dir-se-á que é uma definição, em minha opinião, algo controversa e redutora por­que, como veremos, ela não contempla apenas aquela triplice finalidade, mas que conviria ser aqui aduzida a fim de sistematizarmos as nossas ideias.

Daí que, a tomarmos à letra tal definição, não seriam de considerar como ilustrações os bolos que em Roma eram cozinhados, sob a configuração de letras, com o objectivo de se proceder à aprendizagem das crianças, como refere Quintiliano. Todavia, este exemplo poderá ser

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bastante demonstrativo da importância da imagem no campo pedagógico, como adiante se verificará.

Também durante a Idade Média a ilustração atingiu períodos de grande florescimento, na continuação aliás dos manuscritos paleo-cristãos e bizantinos que se podem considerar como obras primas do género, onde a aliança escrito-ilustração funcionou tão perfeitamente que "os códigos óptico-grafemáticos utilizados nalguns "scriptoria" medievais ofereciam uma riqueza semântico-simbólica que os sinais tipográficos decorrentes da famosa "galáxia de Gutenberg" não lograram alcançar. (Vítor M. Aguiar e Silva, Teoria da Literatura, Coimbra, Almedina, 7ª ed., pág. 290).

É posição mais ou menos consensual que o primeiro livro ilustrado para crianças se deve ao checo Coménio (1592-1670). Trata-se da obra ORBIS SENSVALIVM PICIVS, publicada em Nuremberga em 1658, sob a forma de um diálogo entre o Puer e o Magister e que consistia na apresentação do vocabulário latino sob a configuração de imagens, preferencialmente a um estudo escolástico, abstracto e livresco à base da memorização. Segundo refere Isabelle Jan (La littérature enfantine, Paris, Les éditions ouvrieres, 1984, pág. 19), a ideia preconizada por Coménio era a de que "toda a coisa nomeada perante a criança, deveria ser-lhe igualmente mostrada" (sublinhado nosso). Daqui deflui naturalmente uma abundante utilização de ilustrações, que fazem com que Coménio seja considerado como o pai da pedagogia "scripto-visual" propugnando por uma prática pedagógica sinestésica, isto é, capaz de se dirigir concomitantemente aos vários sentidos.

Goethe referirá, aliás com entusiasmo, a obra supracitada como tendo sido o seu primeiro livro ilustrado.

Logo de seguida, em 1693, Locke mostrava-se particularmente sensível ao problema da ilustração nos livros para crianças quando escrevia: "as crianças ouvem falar de objectos visíveis mas é tudo vago e sem qualquer satisfação porque não têm qualquer ideia desses objectos. Estas ideias não podem vir dos sons mas das próprias coisas ou da sua imagem. Assim, eu penso que a partir do momento em que elas começam a ler, dever-se­-ia propor-lhes todas as imagens possíveis de animais, com os seus nomes impressos por baixo, o que as motivaria à leitura e lhes traria informação e saber". (Denise Escarpit, La littérature d'enfance et de jeunesse, Paris, PUF, Que sais-je, 1981, pág. 105).

Permita-se-me aqui a inclusão de um parêntesis para referir que ainda assim (não) era no nosso passado recente educativo. Com efeito, quantos de nós não fomos "bovinamente" obrigados a decorar até à exaustão, toda aquela vasta panóplia de linhas e ramais de caminho de ferro, quando, afinal, muitos de nós nunca tinhamos visto o combóio?

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Continuando nesta peregrinação temporal, refIra-se, pois, que em 177 4, Basedow, com a sua obra ELEMENTARWERK pretendia melhorar a educação, o ensino e o conhecimento factual da língua, através do recurso à ilustração. Todavia, por esta altura, foi BERTUCH com "O LIVRO DE IMAGENS PARA CRIANÇAS" em 12 volumes (1790-1830) e na esteira de LOCKE, quem demonstrou uma aguda perspicácia quanto ao papel relevante da ilustração nos livros infantis. Na verdade, pretendia ele, habituar "o olho das crianças, logo desde o início, a uma verdadeira apresentação das coisas, acompanhada de impressões e conceitos, com o objectivo de formar e apurar o gosto".

A fIm de não se tomar fastidioso, enumeram-se aqui apenas estas três referências, porquanto elas são paradigmáticas não apenas da importância que a ilustração assume nos livros para crianças, mas porque elas vieram preparando o terreno para o grande incremento que o livro ilustrado irá ter, fundamentalmente, como se disse, a partir de meados do século passado, sobretudo com um carácter mais sistemático, mau grado, ainda em 1910, Paul Claudel considerar chocante o facto de o escritor ter por companhia a presença desonrosa do ilustrador.

ILUSTRAÇÃO E EDUCACÃO

O titulo poderá, à primeira vista, indicar o carácter redutor da ilustração, ao circunscrever o papel desta ao âmbito da educação. É óbvio que se a imagem tem uma força capital no dominio educativo, nem de perto nem de longe ela aí se esgota. É uma verdade tão apodítica que ela não mereceria sequer ser referenciada. Todavia, achei por bem, incluir aqui um capítulo sobre a dimensão que a imagem assume e vem assumindo como precioso auxiliar no processo ensino/aprendizagem.

A criança desde muito cedo é um "homo imageticus". Ela começa por ver imagens, antes mesmo de se exprimir verbalmente. Ela vive num universo em que a imagem está omnipresente e é dotada de uma carga atractiva tão forte, tão interpelante, tão apelativa que a leitura pictórica, antecede logicamente a leitura verbal. É que a imagem fala, signiflca, e é ponto de partida para o imaginário. Na verdade, a criança (e o adulto também) capta a ilustração num ápice mas a sua capacidade de retenção é de longe superior. Ela esvai-se lentamente. Ela atrai o olhar durante décimos de segundo mas permanece retida durante alguns segundos. Com efeito, "a carga afectiva da imagem é, por vezes, mais forte do que a do texto. Ela toca o universo inconsciente da criança: afectividade, violência,

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OS valores morais e sociais. Ela constitui uma linguagem, uma aprendizagem, uma emoção vital. Representa por um lado, mas por outro deve sugerir". (Bérnard Planque, Des images pour les enfants, Paris, Casterman, 1977)

Daqui se infere a necessidade de o ilustrador estar atento à concepção evolutiva da criança, ou seja, ele não pode estar umbilicalmente ligado às recordações do seu mundo infantil. Por outro lado há, que ter em consideração todo um "background" de domínios importantes de que o da psicologia do desenvolvimento será quiçá o mais relevante. Como refere. Bérnard Planque (op. cit pág. 97) "é com o olhar, os gostos das crianças de agora que é preciso obselVar, desenhar, personalizar as imagens".

É indubitável, pois, que há muito que a imagem se transformou numa verdadeira iconosfera para o homem e toda a nossa sociedade se encontra imersa num complexo conjunto de comunicação icónica de que esse micro-cosmos que é a Escola apanha por tabela Só que a Escola tradicional tem dado maior relevo à leitura e à escrita fonéticas do que à leitura pictórica. Daí resulta uma situação de desequilíbrio, que urge corrigir e de cujo processo a Escola não pode lavar as suas mãos, ou seja, eximir-se das suas responsabilidades.

Nesta conformidade, competir-Ihe-á, proceder a uma efectiva e sensata educação para a imagem, que, diga-se, é tarefa nem sempre fácil de adregar, na medida em que, se por um lado, há por parte de alguns professores um forte desejo de "aggiornamento pedagógico" por outro, encontramos um grupo de docentes, autênticos "Velhos do Restelo", fortemente atávicos, a obstaculizar qualquer processo inovatório.

Como quer que seja, julgo que não será demasiada ousadia afIrmar que hoje se deverá pôr o mesmo interesse, sistematização e seriedade a orientar as crianças a "ler" a pluralidade de imagens com que são atingidas, como aquele que se verifIca nos processos de iniciação à leitura e à escrita.

Com efeito, competirá à Escola exercer uma acção pedagógica sobre os alunos no sentido destes não aceitarem acritica ou passivamente toda a imensa gama de imagens com que são maciçamente bombardeados. É preciso que eles saibam evitar as falácias e as manipulações da imagem já que, por impreparação, os jovens não são capazes, muitas vezes, de desmascarar os seus enganos, nem captar o seu conteúdo intelectual, estético, apelativo, etc .. O ideal seria que os "mass-media" se convertessem em "self-media" como refere J. Ooutier. (citado por Miguel Angel Santos Guerra em Imagen y Educación).

Na verdade, hoje em dia, a maior parte das mensagens chega ao homem através de uma multiplicidade de imagens ou ilustrações em que o texto é relegado para posição secundária, dado o seu carácter hedonísta,

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em confronto muitas vezes com a "chateza" enfastiante da mancha tipográfica É por isso que competirá também à Escola exercer a tal acção pedagógica, no sentido de não se cometerem excessos, quantos deles mais tarde irreversiveis e irredutíveis.

Ao nivel escolar e para evitar tais dislates, o ideal seria que um ilustrador fosse simultaneamente pedagogo, psicólogo, sociólogo, etc., só que a realidade é geralmente bem outra, ou seja, a ilustração é habitualmente determinada mais por necessidades e iniciativas dos editores do que por indicações dos agentes de educação.

Não seria despiciendo neste capitulo, ainda que telegraficamente, fazer alusão a uma enorme multiplicidade de funções que a imagem pode oferecer no acto educativo, já que tradicionalmente a ilustração tem sido utilizada apenas como muleta da palavra, se bem que não seria de todo dessarrazoável perguntar se, o texto não tem sido também subsidiário da imagem. Ou melhor, será o texto necessário porque a ilustração não é suficientemente expressiva, e então a palavra potencializa a interpretação? Ou será a ilustração tão polissémica que o texto se toma indispensável para jugular a enorme proliferacão de sentidos?

Como quer que seja e segundo Rodriguez Diéguez, citado por Miguel Angel Santos Guerra em IMAGEN Y EDUCACION, Madrid, Ediciones Anaya, 1984, pp. 122-123, a imagem ou a ilustração poderia apresentar as funções que a seguir se enumeram e caracterizam.

FUNÇAO CARACTERIZAÇAo

A imagem tenta captar a atenção, cortar a monotonia do MOTIVADORA texto gráfico, introduzir uma variante que desperte interesse

no aluno.

A ilustração substitui a própria realidade. Por exemplo, a Torre Eiffel pode ser introduzida na sala de aula graças ao

VICARIAL poder da imagem. Pode ainda suprir a própria palavra, já que, como dizia Confúcio, uma imagem diz mais que mil palavras.

Aqui, a imagem ocupa o 1 o lugar. A palavra desempenha INFORMATIVA apenas uma função de explicitação ou de descodificação da

mensagem icónica

Esta função não está enraizada no conteúdo intrínseco da ESTÉTICA imagem, mas decorre de critérios· de carácter que lhe são

exógenos.

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FUNçAo CARACfERIZAÇAo

Acontece sempre que a imagem é utilizada para provocar uma experiência didáctica, dado o poder que possui de

CATAliSADORA reorganizar o real. Como vimos, esta função estava presente quer em Coménio quer em Locke com a finalidade de facilitar a compreensão,a análise e a relação entre os fenómenos.

A imagem pode explicar um processo, uma relação, uma EXPUCATNA sequência temporal, Um diapositivo (ou uma série) pode

expor o processo de obtenção de energia, por exemplo.

Nesta função, as interacções texto/ilustração seriam de cariz tautológico. A palavra pode ter (e tem frequentemente) nos textos didácticos uma função explicitadora de carácter

FACILITADORA redundante. Por exemplo, quando junto de uma imagem do REDUNDANTE rio Mondego tendo ao fundo Coimbra, o texto repetisse

exactamente o conteúdo da própria ilustração, ou seja referisse assim: "O Rio Mondego que passa por Coimbra".

COMPROVADORA Verifica-se quando a jmagem tem por escopo verificar uma determinada ideia, um processo ou uma operação.

À guisa de conclusão deste capítulo, dir-se-á que o "cardápio" apresentado está longe de esgotar as vastas e diversificadas potencialidades decorrentes do recurso à ilustração.

Com efeito, apenas aqui se enumeram, a meu ver, aquelas funções que mais comummente são resultantes de uma interpretação hermenêutica e exegética dos vários tipos de ilustrações. Importará ainda referir que numa mesma imagem podem coexistir várias funções, as quais, por norma, não se encontram compartimentadas entre si, antes se interpenetram, se completam e, às vezes, se confundem.

TEXTO E ILUSTRAÇÃO: COABITAÇÃO OU DNÓRCIO?

Qualquer livro ilustrado, que tenha como destinatário extra-textual o mundo infanto-juvenil será sempre uma obra ancilosada e depauperante se texto e ilustração não viverem em regime de intima imbricação. Com efeito, é da interdependência de tais elementos que dependerá, em grande parte, o sucesso de qualquer livro infantil.

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llustração e texto gráfico estão fatalmente condenados a entenderem­se em situação de paridade e de equilíbrio. Falar-se hoje de livro ilustrado é falar-se da resultante de dois mundos: o da imagem e o do escrito, "incompatíveis e inseparáveis", passe o oximoro, para retomar aqui uma imagem criada aquando do Concilio de Calcedónia (451) e a propósito da dupla natureza de Cristo.

Como refere Miguel Angel Santos Guerra (op. cit pág. 268), "palavra e ilustração não vivem divorciados na familia dos signos. É preciso conhecer as suas mútuas interacções. O texto deve adequar-se à imagem (ou a imagem ao texto), não se devendo converter a palavra em mera redundância do que a imagem já expressa". E tem razão o autor espanhol, já que muitas vezes a ilustração foi considerada como um simples bordão da palavra, um complemento e/ou um ornamento. Foi a partir deste falso pressuposto, que se tem feito da imagem uma utilização demasiadamente simplista e redutora, designadamente ao nível escolar, onde a ilustração surge nos livros de textos apenas com a finalidade de quebrar a monotonia da mancha gráfica e muitas vezes de uma maneira aleatória e desequilibrada

É óbvio, que nem sempre o equilíbrio texto/ilustração é fácil de conseguir. Basta, com efeito, atentar-se numa mancheia de livros do mundo infanto-juvenil para se confirmar tal asserção. É que há uma tendência para se cair em dois extremos, igualmente condenáveis. Por um lado, ilustradores há que nada têm a ver com o texto, por outro, limitam­se a conter o texto e a traduzi-lo quase especularmente.

Esta última atitude afigura-se-me, então, marcadamente castrante da fantasia da própria criança, para quem, a ilustração deveria ser o caminho radiante para o mundo do sonho, da recriação e da plurivalência de significações. É que a ilustração permite ao imaginário a capacidade de se manifestar. A sua carga afectiva é de longe mais forte do que a do texto, porquanto vai até ao universo inconsciente da criança e constitui uma aprendizagem e uma emoção vital. Se ela tem por finalidade representar, deve também ter a capacidade de sugerir. Como refere Miguel Angel Santos Guerra (op. cit pág. 24), "a ilustração dirige-se em primeiro lugar à sensibilidade e só depois à mente, enquanto que a palavra parece percorrer o caminho inverso".

Daqui se infere que a polissemia da imagem é inquestionavelmente maior do que a da palavra, ou seja, a ilustração é dotada de fortes marcas conotativas, na medida em que tem em si enormes potencialidades gené­sicas ao nível da evocação, da imaginação, do ludismo, da estesia, etc. A este factor não será alheio o facto de nos livros para crianças os códigos prevalentes não serem primacialmente os códigos semânticos-pragmáticos.

Quem bem detectou o poder estético subjacente à ilustração foi Abraham Moles com a sua célebre teoria da "Estética informacional".

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Segundo ele, na recepção da mensagem visual há dois elementos sempre em jogo: o semântico e o estético. Enquanto o primeiro consiste no seu conteúdo explícito, o segundo apoia-se nos elementos implícitos da percepção que, às vezes, são do domínio do ínconsciente. Ora, na sua opínião, a "Estética ínformacional" tem por objectivo estudar os efeitos que uma mensagem artistica provoca sobre o individuo e que, na sua perspectiva são efeitos de carácter estético, (Teoria da Imagem, Colecção Grandes Temas, Biblioteca Salvat, pág. 103).

Poder-se-ia falaciosamente concluir, quicá num raciocínio "a contrario sensu" que a capacidade do texto (palavra + ilustração) fosse limitativa ao nível percepcionaI e que, portanto, atingisse a obturação. Ora, a literatura, seja ela a infantil, seja a "canónica ou ínstitucionalizada" não hipertrofia um canal perceptivo em detrimento dos restantes, nem o texto literário reduz o leitor a uma atitude de passivo consumidor e de frouxa ou nula participação. O texto literário é dotado de um grande coeficiente de indeterminação, que, como tal, implica o leitor no processo de descodificação do texto.

Tais razões fazem com que McLuhan, não tenha razão ao considerar o livro como um "meio quente" de comunicação.

Voltando ao tema da interacção texto/ilustração, também a imagem leva a palma sobre a palavra sobretudo no que toca à capacidade que ela detém de reter ínformação. Com efeito, o limite máximo de que o cérebro humano dispõe para registar e percepcionar uma mensagem ilustrada é da ordem dos 40/45 "bits" por segundo, entendendo-se por "BIT" (abreviatura do inglês "binary digit") a unidade de informação apreendida E mesmo assim, segundo Robert Escarpit, o que fica retido na memória depois de alguns segundos ou mesmo minutos, representa apenas uma 511

ou uma 711 parte dessa ínformação. É evidente que não se toma aqui partido pela dignificação

desmesurada da ilustração em detrimento do texto. Apenas se vão alínhavando alguns considerandos sobre as enormes potencialidades subjacentes à imagem e que até agora têm sido ignoradas. Aliás, e nunca é de mais repeti-lo, já aqui se disse que a ínteracção texto/ilustração nos livros infanto-juvenis. se deve processar como um todo harmónico e sobretudo tendo em consideração os níveis etários dos destinatários das obras, de quem não se pode desconhecer as suas características idiossíncrásicas, e as diversas fases do seu desenvolvimento psicológico, afectivo, cognitivo etc ..

Segundo Fernando Guedes (Aspectos Editoriais do Livro In­fantil, MEN - D.G.E.P., Lisboa, 1973), a interpenetração proporcional texto/ilustração poderia ser representada graficamente do seguinte modo:

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TEXfO

- Romances 14-16 anos.

- Romances 12-14 anos.

- Enciclopédias, livros documentário

- Oássicos, contos e poemas tradIclonais.

- Quadradinhos.

- Albuns 7-10 anos.

- Albuns até 7 anos.

ILUSTRAÇAo

É importante, ressalvar desde já que este quadro não deverá ser aceite sem algumas medidas cautelares. Com efeito, desde a sua publicação em 1973 "muita água correu debaixo das pontes". As alterações produzidas foram, nalguns domínios, verdadeiramente significativas. O sistema educativo também foi abalado. A criança começou a ser um pólo de interesse, ela que, até então, vivia num estatuto de menoridade. A explosão da educação pré-escolar (embora se esteja longe do ideal) acrescida de um acesso mais prematuro à Escola Primária, terão contribuído, em parte, para se poder falar de uma maior precocidade sob o ponto de vista etário.

Daqui se conclui a necessidade de as idades cronológícas acíma consignadas, descerem para patamares mais baixos, tendo pois, também em consideração factores do âmbito da psicología do desenvolvimento. Aquele quadro terá, assím, apenas um efeito balizador, já que "a delimitação dos grupos etários não é aconselhável: em primeiro lugar porque os critérios de fixação dos limites etários é vaga, fluida e muito discutível; em segundo lugar porque a inflincia e adolescência se caracterizam por serem períodos de evolução rápida e assímétrica: crianças e jovens da mesma idade reagem de forma totalmente diferente à leitura do mesmo livro" (Carlos Correia, art° do Jornal da Educação).

É preciso, pois, rejeitar a "normatividade estreita" de que falava Mário Sacramento, já que hoje ninguém aceita uma concepção estandardizada do ser humano.

Para terminar, dir-se-á que texto e ilustração são duas entidades declaradamente siamesas, nos livros infanto-juvenis, onde, segundo Eurico Gonçalves, "a ímagem ajuda a ler o texto que ilustra e a leitura do texto ajuda a ver a imagem". Assím, a convivência ímbricada da ímagem e do

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texto só poderá sobreviver se ilustradores e escritores estiverem perspectivamente sintonizados quanto ao papel que a cada um é cometido na feitura do livro ilustrado.

CONCLUSÃO

De tudo o que anteriormente ficou exposto, uma conclusão se me afigura prudente e parafraseando Umberto Eco: "Ser apocalíptico perante a ilustração é uma postura negativista; ser ingenuamente integrado é também uma posição insuficiente".

BffiUOGRAFIA

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