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A construção desse problema de pesquisa ocorreu de forma a investigar a configuração de políticas públicas para a juventude rural e como está ocorrendo à inserção dessa agenda política do Estado no Brasil. A questão central colocada para a pesquisa é: como ocorreu o processo de configuração das políticas públicas para a juventude rural no âmbito do governo federal? A metodologia acionada para esse estudo é qualitativa e os procedimentos de pesquisa adotados foram à observação participante, entrevistas e análise documental. Ao longo da pesquisa foram evidenciados os atores, as políticas formuladas e de que forma a categoria juventude rural foi expressa ao longo desse processo.Palavras chave: Estado; Políticas Públicas; Juventude rural; Agricultura familiar e camponesa; Configuração

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  • A formulao das polticas pblicas para a juventude rural no Brasil e os elementos constitutivos desse processo social Srgio Botton Barcellos Mundo Agrario, 16 (32), agosto 2015. ISSN 1515-5994 http://www.mundoagrario.unlp.edu.ar/

    Universidad Nacional de La Plata. Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educacin. Centro de Historia Argentina y Americana Esta obra est bajo licencia Creative Commons Atribucin-NoComercial-CompartirIgual 3.0

    ARTICULO/ARTICLE

    A formulao das polticas pblicas para a juventude rural no Brasil e os elementos constitutivos desse processo social

    Srgio Botton Barcellos

    Universidade Federal de Pelotas Brasil [email protected]

    Cita sugerida: Botton Barcellos, S. (2015). A formulao das polticas pblicas para a juventude rural no Brasil e os elementos constitutivos desse processo social. Mundo Agrario, 16(32). Recuperado a partir de http://www.mundoagrario.unlp.edu.ar/article/view/MAv16n32a10

    Resumo A construo desse problema de pesquisa ocorreu de forma a investigar a configurao de polticas pblicas para a juventude rural e como est ocorrendo insero dessa agenda poltica do Estado no Brasil. A questo central colocada para a pesquisa : como ocorreu o processo de configurao das polticas pblicas para a juventude rural no mbito do governo federal? A metodologia acionada para esse estudo qualitativa e os procedimentos de pesquisa adotados foram observao participante, entrevistas e anlise documental. Ao longo da pesquisa foram evidenciados os atores, as polticas formuladas e de que forma a categoria juventude rural foi expressa ao longo desse processo.

    Palavras chave: Estado; Polticas Pblicas; Juventude rural; Agricultura familiar ecamponesa; Configurao

    The formulation of public policies for rural youth in Brazil and the constituent elements of social process

    Abstract The construction of the research problem occurred in trying to investigate the configuration of public policies for the rural youth and how this political agenda was introduced in the State of the Brazil. The main issue in the research is how the process of configuration of public policies for rural youth in federal government has occurred. The methodology for this study used was qualitative research procedures were triggered participant observation, interviews and documentary analysis. During the research the actors, the formulated policies and rural youth category expressed during this process were highlighted.

    Key words: State; Public Policy; Rural youth; Family and peasant agriculture; Configuration

  • Mundo Agrario, 16 (32), agosto 2015. ISSN 1515-5994

    Introduo

    A diversidade das condies de vida e trabalho dos (as) jovens que vivem no meio rural brasileiro se

    configura em diferentes inseres produtivas, de acesso a servios pblicos e padres de

    sociabilidade. Muitos (as) jovens compartilham o desafio de vivenciar a agricultura familiar e

    camponesa atualmente no Brasil e, a partir dela, tentar viabilizar sua autonomia social e econmica.

    A perspectiva geracional de envelhecimento da populao rural, a ciso dos mecanismos de

    sucesso rural, a concentrao da terra e a emigrao desses jovens para as cidades foram alguns

    de seus efeitos histricos. Mesmo frente a essa realidade, atualmente, a juventude considerada

    como um ator importante no desenho das polticas sociais no Brasil, devido difuso do paradigma

    do jovem como sujeito de direitos 1.

    Diante dessa perspectiva, por meio desse artigo sero trazidos alguns aspectos sobre o contexto

    social em que ocorreu a formao das polticas pblicas para a juventude rural, os desafios e as

    possibilidades que a formulao dessas polticas traz para o campo do desenvolvimento rural e dos

    debates sobre juventude no Brasil. Assim, a questo central colocada para esse trabalho : como

    ocorreu o processo de configurao das polticas pblicas para a juventude rural no Brasil no mbito

    governamental? 2

    Desse modo, para desenvolver esse trabalho foram acionadas metodologias qualitativas,

    majoritariamente fontes secundrias, como as bibliografias disponveis no mbito do governo federal,

    das organizaes e movimentos sociais e no espao acadmico. Ao mesmo tempo, sero trazidas,

    de modo complementar, as impresses captadas em fontes primrias, como entrevistas e

    depoimentos 3 que constam em Barcellos (2014).

    Considera-se que esses atores situados na identidade de juventude rural compem um campo

    poltico nas organizaes e movimentos sociais e passam a fazer parte de outro, mais especfico

    ainda, que o campo das polticas pblicas para a juventude rural no Brasil. Levando em

    considerao isso, considero que o fluxo poltico pensado por Kingdon (1995) para refletir sobre as

    polticas pblicas traz ideias que auxiliam a refletir, no na forma de um esquema ou modelo

    interpretativo a ser adotado. Assim, para compreender como as polticas pblicas direcionadas para a

    juventude rural so desenvolvidas atualmente, sero resgatados os principais perodos histricos de

    constituio dessas polticas, pois o processo de elaborao de uma poltica pblica consiste em

    construir um conjunto de relaes interdependentes ao longo do seu processo.

    As reivindicaes sociais de um grupo podem ser abordadas inclusive no que se refere a polticas

    pblicas, sob um prisma que as demandas por justia social so caracterizadas como demandas

    redistributivas, ou seja, que buscam uma distribuio mais justa de recursos e bens. Outra forma de

    reivindicao por justia social ocorreria pela reivindicao do reconhecimento, como por exemplo,

    das perspectivas diferenciadoras de minorias tnicas, raciais, geracionais, sexuais e da diferena de

    gnero. Trata-se de perspectivas que convivem de forma ambivalente. Por um lado, o

  • Mundo Agrario, 16 (32), agosto 2015. ISSN 1515-5994

    reconhecimento representa uma ampliao da contestao poltica e do entendimento da justia

    social, compreendendo questes de representao, identidade e diferena. Por outro lado, no

    dado como certo que as atuais lutas pelo reconhecimento iro contribuir para aprofundar as lutas pela

    redistribuio, podendo resultar em um desenvolvimento social combinado e desigual (Fraser, 2007).

    O jogo poltico estabelecido pode ser interpretado como um jogo sequencial em que cada ator tem

    certo poder de veto e deciso. Foi percebido que a formulao das polticas pblicas para a juventude

    rural em seu processo de debates, construo e execuo ocorreu imersa em relaes de

    cooperao, tenso, conflitos e negociaes. Nesse processo pode se considerar que o Estado

    espera do beneficirio (os e as jovens) e da poltica pblica um determinado resultado, que por vezes

    pode diferir das condies de vida e, por vezes, dos projetos e planos de vida dos atores em seus

    determinados contextos e realidades (Barcellos, 2014).

    Alm das pautas histricas relativas ao trabalho, educao e questo socioambiental, percebem-se,

    ao longo desse processo, tambm reivindicaes por parte das organizaes e movimentos sociais

    em juventude rural relativas participao poltica, o direito cultura, ao esporte e ao lazer, isto ,

    percebe-se que a reivindicao por polticas componente do questionamento aos constrangimentos

    vividos pela condio de ser e estar jovem no contexto rural e desenvolver seus projetos de vida

    (SNJ, 2012). Dessa forma, a formulao e execuo de polticas pblicas ser compreendida como

    um processo que est em constante formulao e que se forma no e pelo exerccio do poder no

    transcorrer da sua constituio.

    Conforme o autor Barcellos (2014) no foi possvel mensurar exatamente o impacto social das

    polticas pblicas do governo federal em relao juventude rural, pois muitos dos dados

    quantitativos, alm de ainda serem escassos, so divulgados de forma confusa. Considera-se que os

    dados disponveis so pouco confiveis e no favorecem o desenvolvimento de estudos tcnicos ou

    acadmicos quali-quantitativos. Assim, essa anlise no foi focada em estabelecer parmetros para

    medir e avaliar a eficcia quantitativa dessas polticas.

    Ao mesmo tempo, considera-se que a questo da juventude rural nas polticas pblicas tambm

    decorrente de um debate mais amplo e que perpassa o processo de formulao das polticas de

    desenvolvimento rural e fomento agrcola na histria do Brasil. Alm disso, essa questo tambm tem

    inter-relaes com as polticas pblicas para a juventude do espao urbano. Em meio a esse

    intercruzamento de processos e perspectivas que ocorre o processo de construo das polticas

    pblicas para a juventude rural organizada politicamente nos setores sociais que se convencionam no

    mbito da agricultura familiar e camponesa. Assim, perceber essa juventude rural implica observar

    como a categoria est configurada a partir da realidade do espao rural brasileiro e como passam a

    ser pauta na agenda do Estado.

    Assim, as condies de desigualdade social e de vida dos (as) jovens no contexto rural brasileiro,

    descritas em diversos estudos, levantamentos demogrficos e inclusive em dados governamentais,

  • Mundo Agrario, 16 (32), agosto 2015. ISSN 1515-5994

    lanam o olhar sobre esse grupo social e as condies de vida no espao rural. Enfocar os estudos

    nas polticas pblicas especficas para esse pblico, dessa maneira, significa dar ateno s polticas

    pblicas disponveis (educao/trabalho/crdito) e que historicamente ganham relevncia na pauta

    das organizaes polticas dos (as) jovens rurais, sem desconsiderar o outro conjunto de polticas

    pblicas que mencionam ou que abordam de forma indireta ou transversal a temtica da juventude

    rural.

    A partir desse conjunto de aspectos explanados, esse artigo ser composto por quatro pontos

    articulados de discusso: contexto social e polticas pblicas, onde se situa a categoria juventude

    rural; A categoria juventude rural na agenda das polticas pblicas no Brasil; A formulao e o

    panorama histrico das polticas pblicas para a juventude rural em discusso e; consideraes

    finais, as possibilidades e desafios das polticas pblicas para a juventude rural.

    1. Contexto social e polticas pblicas: onde se situa a categoria juventude rural?

    A juventude rural tem se mostrado uma categoria que tambm possibilita observar os processos de

    disputa das classificaes na sociedade. Como escreveu Elias (1993), as configuraes sociais

    tecem hierarquias enquanto parte desse processo e essa experincia no linear e nem homognea,

    e ocorre em diferentes espaos sociais (Castro, 2005). Ao mesmo tempo, compreende-se que, para

    pensar as polticas pblicas, para os grupos que se organizam politicamente como juventude rural,

    jovens do campo, jovens camponeses ou da agricultura familiar, necessrio contextualizar

    historicamente, mesmo que de forma breve, o espao urbano e rural brasileiro ao longo desse

    processo social.

    Assim, desde o sculo XIX as pessoas em faixa etria considerada jovem foram alvo de aes do

    Estado no Brasil. Relata-se, que, alm do Exrcito, outras instituies de Estado participaram do

    debate sobre o destino dos jovens pobres, bem como outros setores da sociedade na poca. Por

    exemplo, com a transio do trabalho escravo para o trabalho considerado livre, o destino do

    indivduo considerado jovem e pobre passou a ser de interesse tambm de proprietrios rurais,

    preocupados em criar um mercado de mo de obra para suas lavouras no Brasil Repblica. Nesse

    contexto que parece ser possvel situar os debates que ocorriam acerca da necessidade de se criar

    um ensino primrio aliado agricultura (Cassab, 2010). Muitos jovens em condio de marginalidade

    social na poca tiveram como destino as colnias agrcolas correcionais, a partir de 1890, por meio

    da aplicao do Cdigo Penal 4.

    O fato de ser jovem ou estar jovem no algo fixo, contudo, a singularidade desse momento ou

    circunstncia da vida em uma determinada sociedade deve ser considerada, pois essas figuraes

    possuem peculiaridades estruturais, e os seres humanos singulares convivem uns com os outros em

    figuraes determinadas e que se transformam (Elias, 1993).

    Ao observar esse movimento poltico mais recente da reivindicao da juventude rural, ressalta-se

    que no Brasil a juventude, com uma identidade religiosa e poltica no espao rural, desde a dcada

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    de 1940 j se organizava politicamente como Juventude Agrria Catlica (JAC), com aes no Sul e

    Nordeste do pas, e a partir de 1950 ampliou-se por todo o Brasil (Silva, 2006) e Pastoral da

    Juventude Rural [PJR] (2013).

    Ainda nesse perodo histrico, cabe observar, que em 1947, por intermdio da Igreja Catlica, um

    movimento considerado importante no meio juvenil, passou a atuar no Brasil, a Ao Catlica

    Especializada, utilizando a terminologia juventude, na criao da Juventude Operria Catlica

    (JOC). A Ao Catlica Especializada, considerada mais comprometida com os trabalhadores da

    poca, assumiu na sua ao pastoral o mtodo de reflexo denominado Ver Julgar Agir 5, como

    parte de um mtodo pastoral de transformao da realidade. A juventude catlica passou a se

    organizar por especificidade, na JAC, JEC, JIC, JOC e JUC (agrria, estudantil, independente,

    operria e universitria, respectivamente). Aos poucos, em vrios pases, incluindo o Brasil, comeou

    a surgir uma esquerda catlica que passa a influenciar fortemente essas organizaes de juventude

    (Silva, 2006).

    Ao mesmo tempo, nesse perodo histrico do pas, para Costa (2006, p.18) os grupos de jovens

    denominados gangues juvenis, [...] comearam aos poucos a ter visibilidade, no fim dos anos 1950 e

    incio da dcada de 1960, inicialmente em cidades como Rio de Janeiro e So Paulo, e, a seguir, em

    outras partes do Brasil.

    No Brasil, nesse momento se considera que o grupo social reconhecido como juventude passou a ter

    maior visibilidade, pelo engajamento de jovens de classe mdia, do ensino secundrio e universitrio,

    na luta contra o regime autoritrio, com as mobilizaes de entidades estudantis e no engajamento

    dos partidos de esquerda. Tambm trouxe visibilidade atuao de movimentos com pautas culturais

    que questionavam os padres sexuais, morais, na relao com a propriedade e o consumo, dentre

    outros valores sociais em voga no perodo (Abramo, 1997).

    De acordo com Bango (2003, p. 45), os jovens so vistos como um capital humano que pode

    contribuir potencialmente para os processos de crescimento econmico junto expanso do sistema

    educacional. Na dcada de 1990 ocorreram mudanas de matriz produtiva no sistema capitalista

    internacional e, no Brasil, essa tendncia teve como suportes o processo de ajuste estrutural e

    reestruturao produtiva do sistema capitalista, alm da reforma do Estado, alterando as prioridades

    nas polticas sociais, agora enfocadas sob outra perspectiva.

    Desse modo, o Estado teria o seu papel de executor ou de prestador direto de servios bsicos

    reduzido, mantendo-se como uma espcie de agente regulador e provedor de polticas pblicas,

    principalmente focado nos servios sociais como educao e sade. Por meio dessa concepo de

    um Estado gerencial e regulador, a execuo das aes estatais ainda contaria com outro parceiro

    institucional, formado pelo que foi convencionado como terceiro setor, representado pelas

    Organizaes No-Governamentais (ONGs), os quais so atores evidentemente presentes e que

    atuam com diversas aes tematizadas junto juventude 6.

  • Mundo Agrario, 16 (32), agosto 2015. ISSN 1515-5994

    Dessa forma, em relao ao Estado, o reconhecimento da necessidade de polticas pblicas de

    carter geracional para a juventude, tendo como diretriz a concepo de adolescentes e jovens

    entendidos como sujeitos de direitos considerada recente. No Brasil, o reconhecimento da criana e

    do adolescente como alvo de algum tipo de ao nacional ocorreu por meio de diversas mobilizaes

    a partir dos anos de 1980, como a realizao, em 1985, do Encontro Nacional de Grupos de

    Trabalhos Alternativos e a Criao do Movimento Meninos e Meninas de Rua. Com a Constituio de

    1988, a Conveno sobre os Direitos da Criana de 1989 e o Estatuto da Criana e do Adolescente

    de 1990, introduziu-se, na cultura jurdica brasileira, a concepo da criana e do adolescente (ainda

    no na terminologia jovem/juventude), como sujeitos de direito pelo Estado, em condio peculiar de

    desenvolvimento (Lopes; Silva; Malfitano, 2006).

    Ao fim dos anos 1990 no segundo mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) foi

    alterado o quadro de ausncia das polticas com foco nos jovens a partir do surgimento de aes

    pblicas no mbito do governo federal, desenvolvidas principalmente em formato de parcerias com

    governos estaduais, municipais e organizaes da sociedade civil. Os principais programas/aes

    criados foram, segundo Rodrigues (2006): Assessoria de Juventude do Ministrio da Educao

    (1997), Servio civil voluntrio (1998), Brasil Jovem - Agente Jovem, Centros da Juventude (2000) e

    Paz nas Escolas (2001). Dessa forma, o tema juventude passou a receber maior ateno no final do

    sculo XX e incio do XXI no Brasil, conforme apontaram, por exemplo, os estudos de Spsito (2003)

    e Macedo e Castro (2012) 7. Cabe ressaltar, que at o final do governo FHC, as polticas destinadas

    juventude se situavam notadamente na esfera do poder pblico municipal e eram fragmentadas em

    mbito federal.

    Assim, algumas polticas foram orientadas, sobretudo, mais uma vez pela ideia de preveno, de

    controle ou de efeito compensatrio de desafios que atingiriam a juventude, considerada um

    problema para a sociedade. Como exemplo, cita-se a grande proliferao de programas esportivos,

    culturais e de trabalho, orientados para o controle social do tempo livre dos (as) jovens e destinados

    particularmente para os moradores dos bairros considerados pobres das grandes cidades (Silva;

    Andrade, 2009).

    Em relao ao processo histrico e poltico de constituio das polticas pblicas direcionadas para a

    juventude no Brasil, com a ocorrncia das eleies presidenciais e a formao de outro governo

    conhecido como governo Lula (2003-2010), a temtica da juventude adquiriu maior destaque no incio

    do sculo XXI. Nesse sentido, passou a ser discutida a criao de uma estrutura poltico-

    administrativa especfica para tratar do tema por parte do Estado no Brasil.

    Conforme Brenner et al. (2005), esse processo ocorreu institucionalmente no Brasil em meio a trs

    acontecimentos polticos, considerados importantes na esfera do Estado nesse perodo, que foram: o

    Projeto Juventude, do Instituto Cidadania, que teve incio no primeiro semestre de 2003, no qual

    foram realizados levantamentos, debates e pesquisas sobre a situao da juventude no pas; a

    criao da Comisso Especial de Polticas Pblicas de Juventude da Cmara dos Deputados

  • Mundo Agrario, 16 (32), agosto 2015. ISSN 1515-5994

    (CEJUVENT); e, em 2004, a formao do Grupo Interministerial de Juventude, que foi encarregado

    de definir uma Poltica Nacional Integrada de Juventude. Esse Grupo identificou mais de 150 aes

    federais desenvolvidas em 45 programas e implementadas por 18 Ministrios ou secretarias de

    Estado. Do total de aes identificadas, apenas 19 eram especficas para o pblico jovem (15 a 24

    anos). As demais aes, ainda que contemplassem os jovens, no foram desenhadas

    exclusivamente para eles (CONJUVE, 2011).

    Ainda conforme CONJUVE (2011), essas atividades polticas foram acompanhadas por debates e

    acordos de apoio desenvolvidos por organismos internacionais, como a elaborao do ndice de

    Desenvolvimento Juvenil (IDJ), da UNESCO, e as propostas desenvolvidas nos eventos Vozes

    Jovens I e II, organizado pelo Banco Mundial, em parceria com a Secretaria Geral da Presidncia da

    Repblica e o sistema ONU no Brasil.

    Tambm em 2005 ocorreu a criao do Programa Nacional de Incluso de Jovens (Pro-Jovem) 8, que

    foi considerado pelo governo federal uma das principais polticas pblicas para a juventude

    constitudas nos ltimos anos (SNJ, 2010). Nesse mesmo ano, a linha Jovem no Programa Nacional

    de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e o selo Nossa Primeira Terra (NPT) no Programa

    Nacional de Crdito Fundirio (PNCF) so formulados e passam a vigorar a partir do ano de 2004.

    Assim, um dos principais desdobramentos desse processo que no ano de 2005 foi criada a

    Secretaria Nacional da Juventude (SNJ) 9, rgo que compe a Secretaria Geral da Presidncia da

    Repblica. Junto institucionalizao dessa Secretaria ocorreu a constituio do Conselho Nacional

    da Juventude (CONJUVE), composto por 2/3 de representantes da sociedade civil (diversas

    entidades, organizaes e movimentos sociais rurais e urbanos) e 1/3 de representao de

    representantes governamentais.

    Em meio a esse processo, em um perodo mais recente, em relao aos grupos sociais que so

    reconhecidos ou denominam-se como juventude rural, a questo social que geralmente associada a

    esses grupos a ocorrncia histrica da sua migrao do meio rural para as cidades, fato que pode

    ser considerado comum ou como um destino certo no Brasil.

    Entretanto, evidencia-se que na contramo dessa tendncia, diversos estudos acadmicos e a

    prpria organizao social dos grupos que se identificam como juventude rural passaram a ganhar

    visibilidade. Neste sentido, tornou-se evidente que a questo de ficar ou sair do meio rural mobiliza

    mltiplas questes alm da migrao para o meio urbano, processo social que passou a ser

    analisado a partir de diferentes interpretaes (Castro, 2005; 2013).

    Uma declarao pblica de um professor universitrio, que estava apoiando a realizao de um

    seminrio sobre polticas pblicas para a juventude rural no mbito do governo federal, a partir dos

    debates e falas dos (as) jovens participantes elaborou uma sntese que retrata essa questo:

  • Mundo Agrario, 16 (32), agosto 2015. ISSN 1515-5994

    Os jovens desejam permanecer nessas comunidades rurais do campo e da floresta, mas falta

    de suas identidades e aqui obviamente salientando as questes da jovem perspectiva

    concretas de realizao de projetos individuais que gerem essa autonomia de renda, essa

    autonomia financeira, essa independncia para poder ter os seus projetos de vida, para a

    construo mulher, as questes ligadas a todas as comunidades indgenas, quilombolas, os

    povos da floresta, ribeirinhos, extrativistas, enfim, compartilhando ao mesmo tempo de

    diversas dimenses que afetam, ento, questo da juventude. Ento, essa compatibilizao

    desses dois mundos, essa busca dessa identidade dando conta da complexidade que

    envolve a juventude, significa tambm que h conflitos, que h contradies nessa busca da

    juventude. A juventude tambm tem toda a sua gama de problemas subjetivos, problemas

    que so do ponto de vista afetivo, do ponto de vista da realizao dessas identidades, que

    marcam, ento, essa constituio dessas identidades sociais (V.S, 2012).

    Sob essa perspectiva, para Ibarra et al. (2002), os movimentos sociais buscam marcar sua ao

    coletiva em torno de smbolos escolhidos seletivamente em diversas possibilidades culturais (no caso

    da juventude rural), no qual os promotores polticos (representantes polticos do governo e da

    sociedade) trabalham para convert-las em marcos para a ao coletiva (reunies, debates, aes

    polticas e polticas pblicas). Dessa maneira, junto s organizaes e movimentos sociais, tambm

    emerge o discurso da juventude como um possvel elemento mobilizador e agregador de novas

    relaes de poder, acionando recursos de raiz simblica, cultural e cognitiva.

    1.1. Alguns aspectos demogrficos sobre juventude rural na atualidade

    Atualmente no Brasil se observa que demograficamente est ocorrendo a diminuio da porcentagem

    de jovens e de adultos que vivem nas reas rurais. Conforme, o Instituto Brasileiro de Geografia e

    Estatstica [IBGE] (2010), cerca de8 (oito) milhes de pessoas em uma faixa etria considerada

    jovem (15 a 29 anos) esto no rural, representando 27% de toda a populao que vive nesse espao,

    conforme mostram os dados da Tabela 01.

    No que tange a questes como o xodo e a sucesso rural no Brasil, no ano 2000 a populao rural

    registrada era de 31.835.143 habitantes, dos quais cerca de 9 (nove) milhes eram jovens. Em 2010,

    havia 29.830.007 habitantes, com 8.060.454 jovens (IBGE, 2010). Contudo, cabe uma discusso

    mais aprofundada sobre isso em outro estudo, pois segundo os dados do PNAD de 2011, estimou-se

    no referido ano apenas cerca de 7 (sete) milhes de pessoas entre 15 a 29 anos estavam residindo

    no meio rural, sendo a maioria composta por homens. Outro estudo da OIJ, junto com a OIT/ONU,

    em 2010, reafirmou em proporo esses dados no caso do Brasil. Entretanto, Brito (2008) alerta que

    a viso exclusiva do decrscimo proporcional dos (as) jovens pode obscurecer a compreenso da

    sua importncia para a definio das polticas pblicas.

  • Mundo Agrario, 16 (32), agosto 2015. ISSN 1515-5994

    Tabela 01- Populao jovem entre 15 a 29 anos no Brasil / Urbano e Rural. Estimativa feita sobre a porcentagem geral de populao rural de cada regio e do pas

    Regio Urbanos Rurais Total

    Sul 5.966.915 1.061.252 7.028.167

    Norte 3.436.517 1.239.016 4.675.533

    Nordeste 10.940.226 4.025.883 14.966.109

    Centro-Oeste 3.451.703 435.349 3.887.052 Sudeste 19.515.809 1.491.520 21.007.329 Brasil 43.280.019 8.060.454 51.340.473

    Fonte: Elaborada pelo autor com base em IBGE, 2010.

    A regio Sudeste apontada como a regio onde ocorreu o maior xodo da populao rural no

    Brasil, caindo de 6,9 milhes para 5,7 milhes (-17,4%). As regies Sul e Nordeste tambm tiveram

    xodo de populao rural. Tambm cabe destacar, e deve ser um fluxo migratrio a ser mais

    estudado, que nas regies Norte (4,2 milhes) e Centro-Oeste (1,6 milho) ocorreram o aumento da

    populao rural. A regio Norte concentra os quatro estados que tiveram a maior taxa de crescimento

    da populao rural no perodo: Roraima, Amap, Par e Acre. Dentre esse conjunto de dados se

    evidencia que cerca de dois milhes de pessoas deixaram o meio rural, sendo que um milho da

    populao que emigra esto situados em outros grupos etrios (crianas, adultos e idosos) e cerca

    de um milho so os jovens rurais (18-29 anos), isto , metade da emigrao para a cidade de

    jovens.

    Observando a diferenciao entre as regies, verifica-se que h uma concentrao na regio

    Nordeste, onde se localiza a metade dos (as) jovens rurais brasileiros, ou seja, em torno de quatro

    milhes. A regio Nordeste se destaca, portanto, pela concentrao da populao jovem rural bem

    como por uma situao social considerada de extrema pobreza de acordo com os dados gerados

    pelas instituies estatais.

    Ainda, segundo o IBGE (2010), a taxa de xodo rural no pas caiu da tendncia de 1,31% entre 1990-

    2000, para 0,65% entre 2000-2010. Mantendo esta tendncia se estima que entre 2010-2020,

    aproximadamente 81.000 jovens (homens e mulheres) emigraro para as cidades anualmente. Esse

    conjunto de dados e estimativas demogrficas de pessoas em faixa etria jovem de 15 a 29 anos

    que residem em reas rurais se soma ao que se chama bnus demogrfico, isto , ainda vivemos um

    perodo com a maior Populao Economicamente Ativa (PEA) e a mais jovem da nossa histria

    (IBGE, 2010).

    Em pesquisas recentes, como as de Ferreira e Alves (2009) e OIT (2010), h a indicao de que os

    (as) jovens que vivem no meio rural consideram as oportunidades de trabalho e construo de uma

    autonomia para a vida como questes difceis ou pouco viveis, pois, alm de estarem inseridos em

  • Mundo Agrario, 16 (32), agosto 2015. ISSN 1515-5994

    padres culturais que operam com a lgica da continuidade da atividade agrcola, h tambm a

    insuficincia do tamanho da terra, a persistncia da tutela aos padres familiares e comunitrios,

    dificuldades de acesso a emprego e fontes de renda, a servios pblicos e equipamentos de lazer.

    No estudo da OIT (2010) ainda consta que nos pases da Amrica Latina, como no caso do Brasil,

    existe o chamado "eject" populacional. Isto se configura pela caracterstica dos (as) jovens migrarem

    no apenas para buscar novas oportunidades de trabalho ou educao formal, mas porque eles tm

    uma percepo da vida no meio rural como pouco atraente em relao ao contexto urbano, que

    oferece condies consideradas mais atrativas em termos de educao, lazer, esportes, atividades

    culturais, bem como oferece oportunidades de exercer funes laborais diferenciadas das vinculadas

    ao trabalho agrcola.

    Porm, debruando-se sobre os dados demogrficos possvel observar que a populao jovem

    ainda representa uma grande parcela populacional e pode ser considerada como o maior grupo etrio

    no Brasil (IBGE, 2010). Mas ainda notado um crescimento significativo da populao urbana e o

    decrescimento da populao rural.

    Considera-se que esses (as) jovens no se dedicam apenas ao trabalho agrcola. Muitos transitam

    intensamente entre o rural e o urbano, seja para trabalhar, estudar ou encontrar alternativas de

    vivncia, por meio da cultura, esporte e lazer. As trajetrias podem ser diversas e dependem das

    condies de trabalho e renda no meio rural, dos nveis de escolaridade alcanados e das

    caractersticas etnoculturais e socioambientais que esses jovens esto vivenciando.

    Assim, trata-se no apenas de refletir sobre o processo de deslocamento, que pode ser considerado

    uma primeira etapa do que pode ser a migrao, como tambm do processo de identidade e

    identificao, pois o meio pelo qual diferenciaes em um dado plano so determinadas e podem

    ser capazes de se materializar em normas, valores e comportamentos de atores e grupos, como a

    construo poltica da categoria juventude rural.

    Em relao ao foco desse trabalho, que o processo de configurao de polticas pblicas para esse

    grupo social, considera-se que, conforme Castro (2007) os movimentos sociais rurais, que se definem

    como agricultura familiar, trabalhadores ou camponeses, esto se organizando cada vez mais a partir

    da identidade juventude rural e se colocando como ator poltico, para identificar formas organizativas

    que reivindicam questes gerais, como a reforma agrria, mas, tambm, questes especficas de

    como se organizar politicamente enquanto juventude rural.

    Por um lado, ser jovem, seja nos movimentos e organizaes sociais, seja nos espaos institucionais

    de governo tambm carrega possibilidades de visibilidade, expresso e articulao em espaos at

    ento novos para esses jovens, mas, ao mesmo tempo, apresentam-se limitaes quanto a espaos

    de participao, quanto possibilidade de ser ouvido e a dificuldade de poder se colocar em um

    espao de deciso (Castro, 2007).

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    Uma das expresses do que vivenciar essa realidade e que mostra quais so as questes que

    aglutinam politicamente e formam a juventude rural pode ser evidenciada na fala de uma jovem da

    FETRAF: Ento a juventude rural e polticas pblicas vm necessariamente a esse encontro que o

    jovem busca, para que ele consiga permanecer, para que realmente a sucesso acontea, mas que

    ele permanea com boas condies, com acesso ao crdito.

    Segundo a PNAD (2011), cerca de oito milhes de famlias que residem no rural, 6,5 milhes

    sobrevivem com at trs salrios mnimos e apenas 147 mil famlias sobrevivem com uma renda de

    mais de 10 salrios mnimos e at mais de 20 salrios. A desigualdade social no meio rural pode ser

    percebida pelos dados divulgados recentemente sobre a populao considerada em situao de

    misria no Brasil (IBGE, 2011).

    Dentre os 16 milhes de habitantes da populao que foram considerados em uma situao de

    extrema pobreza, estima-se que 7,9 milhes destes, esto no espao rural. Estima-se que 48% dos

    domiclios considerados rurais esto em situao considerada de extrema pobreza, sem acesso

    rede geral de distribuio de gua e com ausncia de poo ou nascente na propriedade (IBGE,

    2010).

    Ainda, no acesso ao Cadnico, da Secretaria Nacional de Renda de Cidadania (setembro, 2012)

    foram encontrados dados que mostram o alto ndice de pobreza das pessoas em faixa etria jovem

    no meio rural. Mais de 58%, ou seja, 4.691.131 de jovens vivem em situao de pobreza e extrema

    pobreza no que tange s possibilidades de obter suas rendas mensais no contexto rural. Destes,

    2.885.041 vivem no Nordeste brasileiro, ou seja, 61,5 %, e s o estado da Bahia tem 16,5 % dos

    considerados pobres na mdia nacional.

    2. A categoria juventude rural entrando na agenda das polticas pblicas no Brasil

    Antes de iniciar a descrio dos principais fatos e polticas formuladas ao longo desse processo,

    acredito que se faz necessrio contextualizar que a formulao de polticas pblicas para a juventude

    rural se d em um contexto em que no Brasil os grupos que se situam sociohistoricamente no mbito

    da agricultura familiar e camponesa ainda vivenciam grandes dificuldades de acesso a terra, de

    efetivar a produo agropecuria e acessar as polticas pblicas (reforma agrria, assistncia tcnica,

    crdito rural e dentre outras).

    Essa condio se constituiu historicamente, seja em funo da alta concentrao fundiria no Brasil,

    que contribuiu para gerar em grande medida a desigualdade social no meio rural, seja pela

    concentrao do poder poltico e econmico, em restritos grupos sociais (por exemplo, latifundirios e

    grandes corporaes do ramo do agronegcio), que agrupam a maior parte dos recursos pblicos

    aplicados em infraestrutura, crdito, assistncia tcnica e pesquisa.

    Assim, ao longo do processo de modernizao do meio rural no Brasil foi observado que os principais

    beneficiados destas polticas foram: a) o sistema bancrio comercial, que utilizou recursos que de

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    outra forma seriam recolhidos pelo Banco Central e remunerados com taxas inferiores s do

    mercado; b) os grandes proprietrios de terras, que tiveram acesso facilitado ao crdito altamente

    subsidiado e controlaram a maior parte do seu valor, possibilitando que estes diversificassem os seus

    investimentos para outros setores da economia; c) as culturas comerciais, normalmente exploradas

    pelos grandes produtores, que acessaram um volume de crdito bastante superior sua participao

    na produo agrcola nacional; d) as regies Sul e Sudeste, onde estavam situados os produtores

    mais integrados s formas modernas de produzir; e) o setor industrial vinculado produo agrcola,

    que foi o destinatrio final de grande parte do crdito subsidiado nas trs modalidades, custeio,

    investimento e comercializao (Bergamasco, 2003).

    Nesse contexto, cabe considerar que a percepo que associa a categoria jovem a problema e

    transformao social tambm recorrente em programas governamentais ou de ONGs e outros

    atores (como a igreja catlica) que tm o jovem como objeto central. Alm disso, jovem, juventude,

    jovem rural so categorias aglutinadoras de atuao poltica: jovens do MST, juventudes partidrias,

    juventudes vinculadas a Organizaes No-Governamentais (ONGs), Pastoral da Juventude,

    Pastoral da Juventude Rural, Grupo de Jovens de igrejas evanglicas, Juventude do Movimento

    Sindical de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (Castro, 2005; 2013).

    Desse modo, em meio a esses espaos institucionais de debate e formulao de polticas pblicas,

    observou-se que as organizaes e movimentos sociais que atuavam e ainda atuam nos espaos de

    discusses, debates e decises em relao constituio das polticas pblicas direcionadas para a

    juventude rural no mbito do governo federal so as seguintes: Confederao Nacional dos

    Trabalhadores e Trabalhadoras da Agricultura (CONTAG), Federao dos Trabalhadores da

    Agricultura Familiar (FETRAF) e a Pastoral da Juventude Rural (PJR). No caso das organizaes que

    integram o Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentvel e Solidrio (CONDRAF)

    vinculado ao Ministrio do Desenvolvimento Agrrio (MDA): a Coordenao Nacional de Quilombos

    (CONAQ); a Coordenao das Organizaes Indgenas da Amaznia Brasileira (COIAB); o Instituto

    Aliana (IA); a Escola de Formao Quilombo dos Palmares INSTITUTO EQUIP; a REDE CEFFAs;

    o Servio de Tecnologia Alternativa (SERTA); e a Unio Nacional das Cooperativas de Agricultura

    Familiar e Economia Solidria (UNICAFES).

    Tambm participam desses espaos, como convidados ou no papel de assessores tcnico-

    acadmicos, pesquisadores de universidades e ONGs. A Via Campesina tambm atua nesses

    espaos, por meio do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Movimento dos

    Atingidos por Barragem (MAB), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Movimento das

    Mulheres Camponesas (MMC) e da PJR (Barcellos, 2014).

    Nesse processo de formulao de polticas pblicas para a juventude no Brasil h uma crescente

    presena das organizaes de juventude, formando e conquistando espao na sociedade civil e nos

    espaos polticos de participao social de governo. A partir dos arranjos polticos que promoveram

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    essa participao, foi possvel reconhecer uma mudana no tipo de relacionamento estabelecido

    entre Estado e sociedade civil.

    Vale destacar que, conforme Feng (2007), a mobilizao de organizaes e movimentos sociais,

    focando o caso da juventude rural, aliada ausncia histrica de polticas pblicas por parte do

    Estado para esse pblico, contribuiu para que iniciativas educacionais e de qualificao social-

    profissional fossem protagonizadas pela sociedade civil ao longo da histria no Brasil, a exemplo de

    experincias dos Centros de Formao por Alternncia (CEFFAs), por meio da implantao de Casas

    Familiares Rurais (CFRs) e Escolas Famlia Agrcola (EFAs).

    Diante desse processo social de mobilizao pelo tema da educao do campo, dois anos depois da

    promulgao da Lei de Diretrizes e Bases da Educao no Brasil (LDB), em 16 de abril de 1998, foi

    criado o Programa Nacional de Educao e Reforma Agrria (PRONERA) no Ministrio Extraordinrio

    de Poltica Fundiria pela Portaria n 10/98, o que significou para as organizaes e movimentos

    sociais uma conquista na luta por uma educao do campo. O PRONERA teve seu processo iniciado

    um ano antes, no ano de 1997, quando foi realizado o I Encontro Nacional das Educadoras e

    Educadores da Reforma Agrria (ENERA) 10. Em 2000, o PRONERA foi incorporado ao INCRA 11.

    Consta no escopo do PRONERA que se trata de uma poltica pblica de educao direcionada para

    os assentados das reas de Reforma Agrria que tambm abrangem os (as) jovens rurais. Os (as)

    jovens e adultos de assentamentos participam de cursos de educao bsica (alfabetizao, ensinos

    fundamental e mdio), tcnicos profissionalizantes de nvel mdio e diferentes cursos superiores e de

    especializao. Essa poltica est articulada junto a diversos ministrios e, no atual governo, a

    diferentes esferas governamentais, instituies, movimentos sociais do campo e sindicatos dos

    trabalhadores rurais.

    Mais recentemente, em 2003, a linha jovem no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura

    Familiar (PRONAF Jovem) e a linha Nossa Primeira Terra no Programa Nacional de Crdito

    Fundirio (PNCF NPT) trazem tona em forma de poltica pblica e nos espaos de debate

    institucional o tema da juventude rural.

    Durante essa conjuntura de lutas e manifestaes (Seminrios e os Gritos da Terra Brasil) para a

    implementao de polticas pblicas para a juventude, dois programas foram lanados em 2004 pelo

    Governo Federal: o "Pronaf Jovem" (crdito para produo) devido a mobilizao das organizaes

    identificadas com as pautas jovens (como a CONTAG e a FETRAF) e o PNCF com a linha Nossa

    Primeira Terra (crdito para compra de imvel) feita em conjunto com agncias internacionais como o

    Banco Mundial. Pode-se afirmar serem esses os primeiros projetos de dimenso nacional que

    aparecem como uma resposta das demandas dos movimentos sociais do meio rural junto ao governo

    (Castro, 2009).

    Nessa perspectiva, segundo Kingdon (1995), o incio de um novo governo considerado um dos

    momentos mais propcios para mudanas e entrada de novos temas na agenda das polticas pblicas

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    e isso converge com o cenrio poltico naquele momento no Brasil, com a eleio do Governo de Lus

    Incio Lula da Silva (2003-2010). No fluxo de formao de polticas pblicas para a juventude

    tambm se considera que com o novo governo ocorreram mudanas de pessoas em posies

    estratgicas dentro da estrutura governamental, de gesto, na composio do Congresso e em

    chefias de rgos e de empresas pblicas. Contudo, ao mesmo tempo em que esses fatores podem

    potencializar a introduo de novos itens na agenda, tambm podem bloquear a entrada ou restringir

    a permanncia de outras questes.

    Em meio a esse cenrio, ocorreu a mobilizao poltica da juventude rural que, alm de estar sendo

    refletida em toda a sociedade, tambm chega ao Estado e traduzida em um processo constante de

    reivindicao de polticas pblicas. Um exemplo disso a criao de uma SNJ, no Brasil, como j

    havia ocorrido em pases europeus e outros pases latino-americanos, conforme j descrito, e de

    Comisses Parlamentares de Juventude no mbito federal e estaduais. Antes disso, o ministrio que

    debatia as pautas da juventude rural era o MDA que desenvolvia aes e polticas pblicas com

    enfoque para esses atores sociais.

    Destaca-se que as aes de governo identificadas e efetivas com o recorte juvenil no espao rural,

    entre os anos de 2003 a 2010, como j descrito, foram realizadas pelo MDA priorizando a

    disponibilizao de crdito para aquisio de terra ou para a realizao de projetos tcnicos, de

    formao em educao do campo e de produo agropecuria, centrados no PNCF-NPT e PRONAF-

    Jovem. Alm disso, cabe mencionar a criao de uma Assessoria de Juventude no MDA em 2003, as

    aes do Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria (INCRA) com a realizao do

    PRONERA, do Ministrio da Educao (MEC) na realizao do Pro jovem Campo e do Ministrio do

    Trabalho e Emprego (MTE), com o Consrcio Rural da Juventude em conjunto com as organizaes

    sindicais.

    At esse momento histrico descrito, por meio do Quadro 01, foram sistematizadas as aes e

    polticas pblicas que abordaram de forma direta e indireta a temtica da juventude rural, do jovem do

    campo ou jovem rural, de 1998 at 2006:

    Quadro 0- Aes e polticas pblicas no governo federal direcionadas para a juventude rural de 1998 a 2006

    Instituio Programa Ano de Incio Tema de atuao Abrangncia

    INCRA

    Programa Nacional de Educao na Reforma Agrria

    (PRONERA)

    1998 Educao Nacional

    Min. do Desenvolvimento

    Social (MDS)

    Projeto Agente Jovem de

    Desenvolvimento Social e Humano

    1999 Educao e Social Nacional

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    Min. do Desenvolvimento

    Agrrio Secretaria de

    Reordenamento Agrrio

    (MDA/SRA)

    Programa Nacional de Crdito Fundirio

    (PNCF)/ Nossa Primeira Terra

    2003 Cultura, Educao e Trabalho Nacional

    Min. do Desenvolvimento

    Agrrio Secretaria de

    Reordenamento Agrrio

    (MDA/SRA)

    Arca das Letras 2003 Educao, Lazer e Cultura Nacional

    Min. da Educao Secretaria

    Extraordinria Nacional de

    Erradicao do Analfabetismo (SEEA/MEC)

    Brasil Alfabetizado 2003 Educao Nacional

    Min. do Desenvolvimento

    Agrrio Secretaria de

    Agricultura Familiar

    (MDA/SAF)

    PRONAF Jovem 2004 Desenvolvimento Rural Nacional

    Min. do Desenvolvimento

    Agrrio Ministrio do Trabalho e Emprego

    (MDA/MTE)

    Consrcio Social da Juventude Rural 2004

    Acesso a bens e servios Nacional

    Min. da Educao (MEC)

    Programa Nacional de Transporte

    Escolar (Pnate) 2004 Educao Nacional

    Min. da Educao

    (MEC/SETEC)

    Programa de Integrao da

    Educao Profissional ao

    Ensino Mdio e na Modalidade EJA

    (PROEJA)

    2005 Educao Nacional

    Min. do Desenvolvimento

    Agrrio; Ministrio da Educao;

    Ministrio do Trabalho e Emprego

    (MDA/MEC/MTE)

    Saberes da Terra 2006 Educao Nacional

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    Min. da Educao;

    Ministrio do Trabalho e Emprego

    (MEC/MT E)

    Programa de Expanso da

    Educao Profissional (PROESP)

    -

    Educao Nacional

    Fonte: Castro, (2005) adaptado pelo autor.

    Em um perodo posterior, mais um evento foi considerado um marco importante nesse processo,

    tanto para o Estado como para as organizaes e movimentos sociais ao longo desse processo

    institucional de reconhecimento da categoria juventude rural: a I Conferncia Nacional de Juventude

    (I CNJ), realizada em 2008. Nesse espao foi iniciada a discusso do Estatuto da Juventude (PL n.

    4.530, 2004), que o documento que atualmente faz menes categoria jovens do campo.

    Para ressaltar a relativa importncia e a dimenso que o tema da juventude rural progressivamente

    passou a ter nos espaos de discusso sobre a juventude no Brasil nos ltimos anos, por exemplo,

    durante a I CNJ, dentre as 22 demandas aprovadas em sua plenria final em relao juventude,

    duas foram relativas juventude rural. Ainda nesse mesmo ano ocorreu, no ms de junho, em Olinda

    (PE), a I Conferncia Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentvel e Solidrio (CNDRSS) que

    trouxe tona as pautas das organizaes e movimentos sociais em juventude rural.

    Outro evento importante passou a ocorrer aps a VII Reunio Especializada sobre Agricultura

    Familiar (REAF) 12 (Assuno, Paraguai maio de 2007), que foi o Curso Regional de Formao de

    Jovens Rurais. O curso teve como objetivos capacitar/formar lderes juvenis de organizaes da

    agricultura familiar como agentes de desenvolvimento; fortalecer o debate sobre a juventude rural no

    interior da REAF e valorizar as identidades e a autoestima da juventude rural. Esse curso atualmente

    est na sua quarta edio 13. Cabe considerar, que esse espao de Cursos e Reunies de jovens no

    mbito da REAF seguem ativos com periodicidade constante, seja em seu mbito nacional junto ao

    MDA, como no mbito do Mercosul.

    Ainda no ano de 2009, ocorreu o reativamente do Grupo de Trabalho da Juventude Rural (GTJR) do

    CONDRAF e, a pedido da SNJ, realizaram-se debates para a reviso do contedo do Plano Nacional

    de Juventude (PNJ) e a construo de uma proposta que articulasse diversos atores para

    participarem desse debate. O Grupo, naquele contexto, teve o papel de articular os diversos atores e

    tambm pensar a pauta, as prioridades e estratgias de atuao para o plano.

    O GTJR, em relao ao PNJ, naquele ano, props diversas alteraes ao longo do texto,

    incorporando e dando nfase juventude rural e sua diversidade regional e cultural. Em meio ao

    conjunto de proposies realizadas pelo GTJR ao documento, obteve-se como resultado a incluso

    na proposta final da Poltica de Desenvolvimento do Brasil Rural (PDBR), aprovada na plenria do

    CONDRAF em 2010.

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    Ao longo desse processo, conforme consta em Secretaria Nacional de Juventude [SNJ] (2010), o

    conjunto das aes de governo identificadas e efetivas com o recorte juvenil no espao rural, entre os

    anos de 2003 a 2010, foram realizadas pelo MDA, INCRA, MEC e MTE (Quadro 02) e ainda

    continuaram priorizando a disponibilizao de crdito para aquisio de terra ou para a realizao de

    projetos tcnicos, de formao em educao do campo e de produo agropecuria.

    Quadro 2- Aes e polticas pblicas para a juventude rural de 2006 a 2010 no governo federal

    POLTICAS PBLICAS/PROGRAMAS ORGOS GOVERNAMENTAIS 1. Reunio Especializada sobre Agricultura Familiar (REAF) MERCOSUL

    Assessoria para Assuntos Internacionais e de Promoo Comercial (AIPC) - MDA

    2. Territrios Rurais da Cidadania Secretaria de Desenvolvimento Territorial (SDT) MDA 3. Programa Nacional de Crdito Fundirio -Selo Nossa Primeira Terra

    Secretaria de Reordenamento Agrrio (SRA) - MDA.

    4. Pronaf -Linha JOVEM Secretaria de Agricultura Familiar (SAF) MDA 5.Programa Nacional de Educao na Reforma Agrria (PRONERA) Instituto Nacional de Reforma Agrria (INCRA)

    6. Consrcio Rural da Juventude

    * Essa poltica pblica foi um projeto que j foi encerrado.

    Ministrio do Desenvolvimento Agrrio (MDA) e o Ministrio do Trabalho e Emprego (MTE)

    7. Pro Jovem CAMPO - Saberes da Terra

    * No momento esta poltica pblica est sendo reformulada.

    Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao e Diversidade (SECAD) - Ministrio

    da Educao, SRA e SDT - MDA.

    8. Agenda Nacional de Trabalho Decente para a Juventude (ANTDJ)

    OIT/ONU em nvel internacional e o conjunto de ministrios do governo, inclusive o MDA no Brasil.

    9. Poltica de Ateno Integral Sade de Adolescentes e Jovens Ministrio da Sade (MS)

    10. Grupo de Trabalho de Juventude Rural (CPJR) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentvel (CONDRAF)

    Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentvel (CONDRAF)

    Fonte: Barcellos (2014).

    Mesmo em meio a essa conjuntura e formao de espaos para a categoria juventude rural no

    mbito do governo federal juntamente com os grupos da sociedade civil que participam dos

    espaos de participao promovidos pelo governo , ocorreu a constituio de diversos espaos de

    discusso e formulao de aes polticas direcionadas para a juventude rural, como o GTJR e, aps

    2011, o Grupo passou a ter o status de Comit Permanente de Juventude Rural (CPJR) do

    CONDRAF 14, aps um longo processo de debates 15.

    No segundo semestre de 2011, as demandas de polticas pblicas para a juventude rural foram

    apresentadas para a SNJ por uma pluralidade de movimentos do campo: sindicais, camponeses, de

    jovens mulheres rurais e da agricultura familiar. A SNJ constituiu um Grupo de Trabalho de Polticas

    Pblicas para a Juventude Rural (GTPPJR) com a participao de ministrios (Desenvolvimento

    Agrrio, Trabalho e Emprego, Mulheres, Desenvolvimento Social, Educao, Comunicaes e

    Cultura) identificados como importantes para a construo de uma Poltica Nacional para a Juventude

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    Rural, e de representantes da sociedade civil 16, tanto os mais estruturados quanto aqueles em

    processo de articulao nacional, como as juventudes quilombola e assalariada rural (SNJ, 2012).

    Em julho de 2011 foi apresentada a Agenda Nacional de Trabalho Decente para Juventude (ANTDJ)

    que promoveu debates e espaos para contribuies sobre o tema do trabalho decente para os (as)

    jovens no Brasil 16. O documento foi elaborado pelo Subcomit de Trabalho Decente e Juventude,

    que foi coordenado pelo MTE e pela SNJ, e contou com o apoio tcnico da OIT. Essa atividade

    tambm mobilizou algumas das organizaes e movimentos sociais com pautas em juventude rural

    (MTE, 2011).

    Nesse mesmo ano, no ms agosto, aconteceu na Cmara dos Deputados, o Seminrio Nacional da

    Juventude Rural, intitulado A Permanncia do Jovem no Campo e a Continuidade da Agricultura

    Familiar no Brasil, o qual abordou temas como sucesso nas propriedades familiares, agenda

    poltica e os desafios para a consolidao da Agricultura Familiar e o Desenvolvimento Rural

    Sustentvel, com a participao dos representantes do governo como da SNJ e MDA e das

    organizaes e movimentos sociais, como CONTAG, FETRAF e Juventude da Via Campesina.

    Ainda nesse ano foi elaborado e aprovado o Programa Autonomia e Emancipao da Juventude

    no Plano Plurianual do Governo Federal (PPA 2012-2015), no qual em uma de suas linhas tambm

    constava o tema da juventude rural. O oramento anual disponibilizado para a juventude rural foi de

    R$ 5 milhes. Apesar desse oramento ser considerado insuficiente, a criao do Programa na poca

    foi considerada pelos representantes polticos da SNJ como uma conquista histrica, pois pela

    primeira vez em um Plano Plurianual do governo federal constou um programa especfico para os

    (as) jovens. Tambm em novembro de 2011 foi lanada a Chamada Pblica para o Programa

    Incluso Digital da Juventude Rural realizado pela Secretaria de Incluso Digital (SID) do MiniCom e

    pela SNJ com o objetivo de apoiar projetos de extenso orientados incluso digital da juventude

    rural e aes para fortalecer a institucionalizao das polticas pblicas de incluso 17.

    Em meio a essas aes, em dezembro desse ano ocorreu outra atividade que foi considerada de

    destaque nas articulaes e aes em polticas pblicas para a juventude rural pelos atores tanto de

    governo como das organizaes e movimentos sociais, que foi a II Conferncia Nacional de

    Juventude (II CNJ). Essa Conferncia, desde as fases regionais e territoriais contou com uma

    participao expressiva dos grupos politicamente organizados como juventude rural reivindicando

    reconhecimento poltico, direitos sociais e elegendo delegados (as).

    Evidenciou-se que esse foi o espao poltico escolhido para ser o palco do conjunto de reivindicaes

    pela formulao de polticas pblicas que abrangessem de maneira apropriada as caractersticas do

    que ser um (a) jovem no contexto rural brasileiro. Como um dos resultados dessa mobilizao,

    foram elaboradas e aprovadas trs propostas como temas prioritrios e constou em uma grande

    quantidade de propostas a meno ao reconhecimento da juventude rural ou, como h nas

    resolues dessa Conferncia, Jovens do campo. Um dos desdobramentos da II CNJ que foi

  • Mundo Agrario, 16 (32), agosto 2015. ISSN 1515-5994

    reforada a necessidade de que a SNJ atuasse diretamente na construo de uma poltica nacional

    para a juventude rural.

    Nesse processo foi notado que o sentido dado categoria juventude rural, ou jovens do campo, os

    quais o Estado passou a selecionar como pblico-alvo ou beneficirio para as polticas pblicas,

    tentou unificar grupos sociais e indenitrios distintos que tm como unidade a identidade cultural com

    a terra e o direito ao reconhecimento como cidado, e que vivem do campo e da floresta, como

    extrativistas, seringueiros/as, quebradeiras de coco babau, pescadores/ras, marisqueiros/as,

    agricultores/as familiares, trabalhadores/as assalariados/as rurais, meeiros, posseiros, arrendeiros,

    acampados e assentados da reforma agrria, artesos/s rurais.

    Contudo, em diversos espaos no governo essa denominao ampla adotada foi questionada por

    organizaes e movimentos sociais vinculados aos povos e comunidades tradicionais. Esses grupos

    especficos, em muitos momentos, por exemplo, na II CNJ, foram chamados a participarem dos

    espaos em juventude rural, inclusive sendo denominados como jovens do campo e das florestas.

    Entretanto, no momento da Conferncia manifestaram que no aceitariam serem chamados assim,

    reivindicando as identidades as quais entendiam serem as suas, com destaque para os indgenas e

    dos povos de terreiro. Uma jovem, durante uma discusso em plenria sobre essa questo declarou

    que,

    Olha s, aqui tem juventude de terreiro, jovens da floresta, jovens indgenas, jovens

    quilombolas, jovens ribeirinhos e mais um monte de gente de vrios lugares. Nem todo

    mundo jovem rural e pode ser simplesmente chamado assim, pois a gente negar o que

    somos e isso no constar em nenhum lugar, ou lei s vai nos levar ao desaparecimento (I,

    2012).

    Aps a Conferncia, o conjunto dos debates sobre juventude rural foi encaminhado pelo GTPPJR e

    aps alguns meses de articulaes polticas, reunies e dilogo entre governo e as organizaes e

    movimentos sociais, em maio de 2012, foi organizado o I Seminrio Nacional de Polticas Pblicas

    para Juventude Rural, promovido pela SNJ em parceria com o MDA, que contou com a participao

    de cerca de 50 organizaes e movimentos sociais em juventude, pesquisadores e atores

    governamentais que atuavam na temtica.

    Os debates e as elaboraes polticas realizadas neste I Seminrio foram considerados, tanto pelos

    atores de governo como das organizaes e movimentos sociais, uma construo conjunta 18 dos

    diferentes atores sociais que representaram as principais foras que articularam a temtica da

    juventude no rural no Brasil (jovens da agricultura familiar camponesa, trabalhadores assalariados,

    povos das florestas e das guas, extrativista, indgenas e quilombolas, as principais lideranas dos

    movimentos sindical, dos movimentos sociais e pastorais) 19.

    Em relao juventude rural, em 2012 foi debatido, no mbito do MTE, pela Secretaria de Economia

    Solidria (SENAES) uma iniciativa que abrangia a juventude rural. Foi realizada uma chamada para

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    projetos scio produtivos envolvendo a juventude rural em parceria com a SNJ, que apoiou 03 (trs)

    projetos para fomentar e fortalecer empreendimentos econmicos solidrios e redes de cooperao

    em cadeias de produo, comercializao e consumo por meio do acesso ao conhecimento, crdito e

    finanas solidrias e da organizao do comrcio justo e solidrio.

    Dessa forma, entre 2010 at o ano de 2012, observou-se que no espao institucional do governo, as

    principais articulaes e movimentaes polticas que possivelmente influenciaram na reconfigurao

    poltica e temtica das polticas pblicas para a juventude rural na agenda de Estado foram:

    - A mudana de status do Grupo de Trabalho em Juventude Rural para Comit de polticas pblicas

    para a Juventude Rural no CONDRAF-MDA e o retorno da Assessoria de Juventude no MDA em

    2011;

    - Entrada da atual Secretria Nacional de Juventude, que tem sua trajetria forjada na organizao de

    juventude da FETRAF e do PT. Aps isso, tambm ocorreu a estruturao da Coordenao-Geral

    de Polticas Transversais sob a coordenao de uma referncia acadmica na temtica;

    - Formao do Grupo de Trabalho em Juventude Rural da Secretaria Nacional de Juventude;

    - Realizao da II Conferncia Nacional de Juventude e do I Seminrio Nacional de Juventude Rural;

    - Organizao de audincias e reunies promovidas pelas organizaes e movimentos sociais com a

    Secretaria Geral da Presidncia da Repblica (Barcellos, 2014).

    Ao longo desse processo de formulao de polticas para a juventude rural, at esse momento, foi

    percebido que um dos principais desdobramentos desse conjunto de atividades no mbito do governo

    federal foi a articulao poltica para a disponibilizao e publicao dos editais de programas e

    projetos, com a participao da SNJ em conjunto com alguns ministrios, nas reas da incluso

    digital, gerao de trabalho e renda e economia solidria, com ateno para as demandas da

    juventude rural.

    Em 2013, no caso especfico das polticas pblicas para a juventude rural, as iniciativas realizadas

    pelo MDA e SNJ foram consideradas pelo governo federal como as principais estratgias em poltica

    pblica os grupos de juventude esto participando. No MDA, por exemplo, foram realizados ajustes

    em alguns trmites burocrticos e no percentual de juros sobre o PRONAF-Jovem e o PNCF linha

    Jovem, bem como o lanamento do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Tcnico e Emprego

    para o campo para os (as) jovens que vivem no meio rural.

    Ainda nesse ano, a SNJ iniciou a articulao poltica de um programa emergencial 20 com foco no

    fortalecimento da autonomia econmica e social da juventude rural ancorada na formao, gerao

    de renda e ampliao do acesso s polticas pblicas. Foram lanadas duas iniciativas: Estao

    Juventude Itinerante (cinco estaes conveniadas - programa em expanso) 21 e o Curso de

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    Formao Agroecolgica e Cidad para a Gerao de Renda (SNJ/UNB/UNILAB Projeto piloto em

    andamento nos estados do Centro Oeste e Cear com 600 jovens) 22.

    Nesse mesmo ano, aps 10 anos de negociaes polticas e trmite no Congresso, o Estatuto da

    Juventude (Lei n 12.852/2013) foi sancionado em 05 de agosto, com previso de entrar em vigor 180

    dias a partir dessa data. Essa lei tambm d aporte a "PEC da Juventude 42/2008, que incluiu o

    termo JOVEM no Captulo VII da Constituio Federal.

    A partir dessa lei, est ocorrendo o processo de criao do Sistema Nacional de Juventude

    (SINAJUVE) que est em discusso e j est em processo de elaborao da sua minuta. Nesse

    Estatuto, em relao juventude rural, h trs menes especficas: uma quando se refere ao

    transporte escolar, outra quando se refere ao que se denomina fruio cultural e outro artigo que se

    refere insero produtiva da juventude nos mercados de trabalho e econmico.

    Aps isso, em 2014, o evento que mobilizou as organizaes e movimentos sociais em juventude

    rural foi a II Conferncia Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentvel e Solidrio (II CNDRSS), em

    Braslia DF. Decorrente desse processo de mobilizao ocorreu como uma das etapas do processo

    nacional a Conferncia Setorial de Juventude Rural no ms de junho, em Glria de Goit/PE. O tema

    desse evento foi Autonomia e Emancipao da Juventude Rural e a conferncia setorial foi

    anunciada tendo o objetivo de debater questes estratgicas dos (as) jovens do campo, relacionadas

    ao desenvolvimento rural sustentvel e solidrio para contribuir nas conferncias territoriais,

    estaduais e na nacional 23.

    No transcorrer desse conjunto de aes, mais pautas foram se tornando tema de debate em relao

    s polticas pblicas para a juventude rural, que so: polticas de crdito e os seus problemas de

    acesso; polticas de fomento produtivo e financeiro; sustentabilidade e prticas associadas

    agroecologia; falta de infraestrutura no campo; educao do e no campo vinculadas geralmente ao

    PRONERA e a recente constituio do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Tcnico e Emprego

    (PRONATEC) com um parte denominada de PRONACAMPO. Desses debates, recentemente foi

    observado que a discusso sobre fomento ou crdito no-reembolsvel foi iniciada como um tipo de

    alternativa ao debate de crdito, tanto pela avaliao das organizaes e movimentos sociais em

    juventude rural de que o PRONAF-Jovem e o PNCF NPT tm pouca efetividade e apresentam

    excessiva burocracia (Barcellos, 2014).

    3. A formulao e o panorama histrico das polticas pblicas para a juventude rural em discusso

    Considera-se que a incorporao do termo juventude rural ou jovens do campo nas polticas

    pblicas abre uma janela de oportunidade do ponto de vista da reflexo crtica no campo das

    polticas (KINGDON, 1995). Com isso, possvel observar, no fluxo poltico das polticas pblicas, os

    objetivos e as estratgias implementadas nesse processo, o feixe de conceitos que vem sendo

    acionados no mbito das polticas pblicas e os estudos produzidos na rea do desenvolvimento rural

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    acerca das condies de vida da juventude no espao rural brasileiro para a formulao e

    implementao de aes e polticas pblicas para a juventude rural.

    Ao adentrarmos na discusso sobre a categoria juventude rural ou jovem do campo, inicialmente,

    para a questo das geraes, a discusso sobre jovem permite ter um olhar sobre essa categoria

    com pelo menos dois tempos diferentes. Um deles pode ser o do curso da vida do ator social (jovem)

    em seus contextos, e outro que o da sua experincia histrica enquanto ator-pblico, alvo de aes

    nas organizaes e movimentos sociais e polticas pblicas por parte do Estado.

    Conforme Castro (2010), atualmente, ao identificar o campo das polticas pblicas para a juventude

    no Brasil, pode ser possvel observar o alargamento ou a retrao das possibilidades de atuao

    poltica dos (as) jovens como atores polticos que se constituem para alm dos limites propostos nos

    marcos institucionalizados pelo Estado, e que se movimentam no necessariamente de forma linear.

    Essas posies seriam referentes, por exemplo, ao que o projeto de vida do ator social (jovem) em

    seus contextos de vivncia com configuraes e nuances singularese, ao mesmo tempo, que o da

    sua experincia histrica enquanto ator, ou para o Estado uma espcie de pblico alvo/beneficirio de

    polticas pblicas que tenciona esse grupo social para relativos graus de enquadramento e

    uniformizao

    Essas posies seriam referentes, por exemplo, ao que o projeto de vida do ator social (jovem) em

    seus contextos de vivncia com configuraes e nuances singulares e, ao mesmo tempo, a sua

    experincia como representao de uma experincia histrica enquanto ator poltico disputando no

    mbito do campo das polticas pblicas de juventude recursos e formulaes que efetivamente

    incluam essa populao jovem. Ou, ainda, para o Estado, o jovem geralmente visto como uma

    espcie de pblico alvo/beneficirio de polticas pblicas o que gera relativos graus de uniformizao.

    Dessa maneira, essas posies polticas assumidas pelos atores na constituio das polticas

    pblicas para a juventude rural no podem ser compreendidas de forma separada, mesmo que

    distintas. Ao analisar esse conjunto de aspectos, conforme Castro (2009) h de se considerar uma

    juventude rural que ainda vista como classe object (Bourdieu, 1983), formada por imagens

    urbanas sobre o campo. Entretanto, ao contrrio dessa imagem, esse jovem rural se apresenta

    longe do isolamento, dialoga com o mundo globalizado e reafirma sua identidade como trabalhador,

    campons, agricultor familiar, acionando diversas estratgias de disputa por terra e por seus direitos

    como trabalhadores e cidados. Em suma, essa reordenao da categoria vai de encontro imagem

    de desinteresse dos (as) jovem pelo meio rural (Castro, 2009, p.183).

    Mesmo que a categoria jovem rural esteja diretamente associada a uma determinada populao rural

    no Brasil, que abrange pequenos produtores pauperizados e sem terra, a chamada agricultura

    familiar, assentados de reforma agrria, camponeses e trabalhadores rurais assalariados, outros

    grupos de jovens que vivem no espao que considerado rural se organizam politicamente e

    reivindicam outras identidades veiculadas a formaes histricas, culturais e ambientais especficas.

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    Desse modo, necessrio analisar suas interconexes e dimenses histricas vinculadas ao

    individual e social, no a definio de uma identidade associada mecanicamente execuo de

    funes sociais (Abrams, 1982).

    Para Abrams (1982) a sociedade e a identidade so geradas reciprocamente. Uma gerao (no caso

    os/as jovens) o perodo de tempo durante o qual as identidades (juventudes da cidade, do campo,

    com deficincia, privados de liberdade, indgenas, de terreiros, extrativistas, ribeirinhos, negros/as e

    quilombolas, entre outras comunidades tradicionais) so construdas a partir de recursos e

    significados que esto socialmente e historicamente disponveis em uma determinada conjuntura e

    contexto. Assim, possvel que com o passar dos anos novas geraes iro criar novas identidades

    e novas possibilidades para a ao, seja ela de cunho poltico, cultural, ambiental etc.

    Em relao a esse aspecto, em entrevista, uma dirigente da CONTAG falou sobre a sua opinio

    sobre o processo de constituio das polticas pblicas para a juventude rural

    De maneira geral, as polticas pblicas enxergam os jovens mais como um problema social e

    menos como sujeitos com direitos, importantes para construir um pas justo, sustentvel e

    forte. O Pronaf Jovem estabelece critrios que s os jovens precisam comprovar 100 horas

    de capacitao, alm de outras exigncias, tratando-os como beneficirios de risco. H uma

    srie de programas para a juventude rural, mas as polticas estruturantes nas reas de

    educao e sade, por exemplo, ainda so bem precrias. preciso criar ainda instncias

    que esses espaos devem dialogar com as organizaes e movimentos juvenis (E. A., 2011).

    A partir dessa fala possvel perceber que os atores que vivenciam as geraes participam e

    vivenciam experincias sob um determinado recorte do processo histrico no qual esto situados e

    partilham as mesmas formas de manifestao, o que pode possibilitar uma situao comum a

    determinados grupos, inclusive na sua organizao e mobilizao poltica acerca das questes

    relativas ao seu tempo. Relacionado a isso, alm da organizao poltica da juventude rural,

    perceptvel a influncia do Estado na formao da categoria juventude rural e do que se espera

    desses atores em faixa etria considerada jovem e que vivem no espao rural.

    Sob essa perspectiva, os relatos dos grupos que se reconhecem como juventude rural presentes

    nesse estudo expressam que alm de estarem inseridos (com inmeras variveis sociais) em

    padres culturais - que muitas vezes demandam estritamente a lgica da atividade agrcola - h

    relao desses elementos com outras questes, como o acesso terra e a persistncia da tutela aos

    padres familiares e comunitrios.

    Dentre essas possibilidades e projetos de vida atualmente, evidencia-se que os movimentos sociais

    rurais no Brasil se constituem como espaos de surgimento de organizaes de juventude como ator

    poltico. Isto pode ser observado em movimentos como o MST, o Movimento Sindical de

    Trabalhadores Rurais (CONTAG e FETRAF), em organizaes religiosas evanglicas e catlicas e

    espaos como o Levante Popular da Juventude (Castro, 2009).

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    Observou-se que os movimentos sociais no Brasil e em muitos pases da Amrica Latina tm

    recorrido formao de organizaes de juventude rural como atores polticos. Isto percebido em

    movimentos que se identificam como camponeses e de agricultura familiar. Uma expresso da

    importncia dessa categoria evidenciada nos muitos eventos regionais, nacionais e internacionais

    identificados como espaos de representao dos (as) jovens rurais no Brasil e em outros pases da

    Amrica Latina, como descrito no item anterior.

    A criao de instituies, polticas e programas com referncia especfica aos jovens situados no

    meio urbano e rural prospectam um marco institucional diferenciado no mbito das relaes de

    acordo e disputa poltica ao longo da histria do Estado no Brasil. Conforme Macedo e Castro (2012),

    na arena brasileira dos programas sociais ou das chamadas polticas pblicas termo empregado

    ultimamente para designar uma srie de aes desenvolvidas por meio das instncias

    governamentais - os projetos e as aes direcionados ao jovem ganharam maior visibilidade e

    expresso nos anos 1990.

    Essa questo de acesso e singularidade das polticas pblicas para grupos ou setores especficos

    advm de um debate sobre um Estado de bem estar social, percebido de especial maneira a partir de

    2003 no Brasil, com a criao de instituies e polticas pblicas especficas para esses pblicos e

    com os pactos sociais formulados por aquele governo. Ao mesmo tempo em que as organizaes e

    movimentos sociais assimilaram essas pautas e tentaram atuar na equalizao da desigualdade

    social junto a esse pblico, tm as suas linhas e zonas de autonomia em relao ao Estado

    constantemente questionadas e at desestabilizadas.

    Dessa forma, o reconhecimento, neste caso, no deve ser entendido como apenas um

    reconhecimento normativo da categoria, pautado em leis e polticas pblicas, mas como um processo

    complexo de construo de grupos ou categorias sociais rurais inferiorizadas historicamente e em

    luta por se fazer reconhecer frente a outros atores e perante o Estado (PICOLOTTO, 2011).

    Assim, observou-se que nos espaos polticos (Grupos de Trabalho, Conferncias, Seminrios e

    Comits) promovidos pelo governo onde ocorreram os debates sobre a questo da juventude rural,

    alguns temas foram pautas recorrentes, como: a falta de oramento para polticas pblicas para a

    juventude rural; a falta de prioridade no tema por parte do governo; quem so e aonde esto esse

    jovens rurais?; como trabalhar com esses jovens na sua diversidade?; como fugir de um esquema

    burocrtico que promova o acesso a poltica?; preconceitos com o(a) jovem quando vai acessar

    polticas ou participar de espaos de deciso; a falta dos ministrios e secretarias firmarem

    compromissos polticos mais efetivos com as polticas pblicas para a juventude rural, dentre outros

    temas. De acordo com Elias (1993) necessrio estudar essas relaes, considerando inclusive as

    contingncias dos processos polticos.

    Relacionado a isso, perceptvel tambm a influncia do Estado na formao da categoria juventude

    rural e do que se espera desses atores em faixa etria considerada jovem, seja na discusso sobre

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    sucesso rural, seja na perspectiva de beneficirio de polticas compensatrias ou de crdito, ou seja,

    ainda como mo de obra para a produo agropecuria.

    Uma declarao nesse sentido foi feita pelo militante M. R. durante um Seminrio de do governo:

    No h polticas especficas para jovens que vo conseguir fazer com que a gente d esse

    salto de qualidade e faa com que a juventude passe a permanecer no campo. Esse para

    mim o primeiro grande desafio. O segundo, a sim, tornar o jovem o centro do debate para

    que ns tenhamos a incluso produtiva do jovem sim, mas a incluso no pleno direito, como

    bem disse o professor, ns precisamos tornar esse debate dentro de um modelo diferenciado

    de desenvolvimento como que a gente inclui o jovem como centro [...].

    A partir dessa fala, possvel perceber que o redirecionamento de algumas pautas passou a ocorrer

    devido s reivindicaes dos (as) jovens por polticas pblicas no campo mais efetivas e vinculadas

    as suas vocaes regionais, culturais e tnicas, pois a ausncia ou a falta de polticas apropriadas

    passam a ser um dos principais motivos que no tornam viveis as condies de viabilizar projetos de

    vida para os (as) jovens em seus territrios. Esse redirecionamento e essa influncia so vistos tanto

    no discurso dos atores de governo, como das organizaes e movimentos sociais pelas pautas

    defendidas na II Conferncia Nacional de Juventude, no I Seminrio de Juventude Rural e Polticas

    Pblicas e nas articulaes recentes realizadas pelo MDA e SNJ com fundos sociais e empresas

    estatais.

    Assim, as posies polticas assumidas pelos distintos atores na constituio das polticas pblicas

    para a juventude rural neste campo social no podem ser compreendidas de forma separadas,

    independentes, mesmo que distintas. Deve ser levada em conta a complexidade do processo de

    formao de uma poltica pblica e as posies assumidas pelos atores no mbito dos espaos de

    Estado e nos demais espaos de sociabilidade que esses ocupam.

    Assim, noto que um dos desafios colocados na formulao das polticas pblicas para a juventude

    rural reconhecer e abordar a diversidade interna dessa juventude rural, que pode se identificar ou

    no com a agricultura familiar e como pblico-alvo ou no de uma poltica pblica. Mesmo que a

    categoria jovem rural esteja diretamente associada a uma determinada populao que no vive no

    espao urbano, que abrange pequenos produtores pauperizados e sem terra, a chamada agricultura

    familiar, assentados de reforma agrria, camponeses e trabalhadores rurais assalariados, h outros

    grupos de jovens que vivem em outros territrios e se organizam politicamente, bem como

    reivindicam outras identidades veiculadas a formaes histricas, culturais e ambientais especficas

    (indgenas, quilombolas, povos de terreiro, ribeirinhos, povos da floresta etc.).

    Desse modo, nesse processo de formulao faz-se necessrio analisar suas interconexes e

    dimenses histricas vinculadas s dimenses individuais e sociais, no a definio de uma

    identidade associada mecanicamente execuo de funes sociais, como por exemplo, ser

    pblico-alvo de uma poltica pblica. Assim, sugiro que h a afirmao sobre uma suposta realidade

  • Mundo Agrario, 16 (32), agosto 2015. ISSN 1515-5994

    no espao rural brasileiro, por meio de dados, estudos acadmicos e tcnicos ou at mdia, alguns

    tratados nesse artigo, que consideram que a diversidade de projetos de vida que no estejam

    inclusas no modelo do agronegcio ou da agricultura familiar, tendem a ser reconhecidos pobres,

    possveis portadores de miserabilidade e so um pblico-alvo prioritrio a ser atendido por polticas

    sociais, por no terem uma renda monetria considerada adequada para o consumo de bens

    materiais ou por adotar estilos de produo agrcola no rentveis na lgica do mercado capitalista e

    do Estado.

    Mesmo assim, ficou perceptvel que o tema da juventude rural, na confluncia dos seus fluxos

    polticos nesse momento histrico, diante do MDA, da SNJ e demais espaos de governo, no obteve

    o acmulo de fora poltica necessria para obter um protagonismo na agenda das polticas pblicas

    de desenvolvimento rural no Brasil e nem para provocar a criao de polticas pblicas que possam

    produzir as condies necessrias para o desenvolvimento de projetos de vida da maioria da

    populao que vive no espao rural ou mesmo polticas que atendam as pautas histricas das

    organizaes e movimentos sociais.

    4. Consideraes finais: as possibilidades e desafios das polticas pblicas para a juventude rural

    Considera-se que as geraes participam e vivenciam experincias sob um determinado recorte do

    processo histrico no qual esto situados, partilham das mesmas formas de manifestao, o que

    tende a criar elementos em comum, inclusive sua organizao e mobilizao poltica acerca das

    questes relativas ao seu tempo. Sob essa perspectiva, os diversos relatos dos (as) jovens rurais

    expressos em Castro (2013) e Barcellos (2014) apontam para questes como estarem inseridos em

    padres culturais - que muitas vezes demandam a lgica da atividade agrcola - articulada

    dificuldade em continuar no espao rural devido dificuldade de acesso a terra em condies

    apropriadas para produzir e viver, bem como, em alguns casos, a persistncia da tutela aos padres

    familiares e comunitrios.

    No caso das polticas pblicas direcionadas para a juventude rural, considera-se que as organizaes

    e movimentos sociais atuam em variados graus de interdependncia ora em oposio, ora em acordo

    em relao ao Estado, seja em meio ao conjunto de opes polticas feitas, ou pela implantao

    considerada tardia de programas no mbito da agricultura familiar, ou na precariedade para a

    formulao e acesso das polticas.

    Nessa relao de tempo e espao social na formulao de polticas pblicas para a juventude rural,

    que foi exposta parcialmente nesse artigo, vai tambm se configurando o reconhecimento e a

    formao da identidade e da categoria poltica: juventude rural, jovens do campo, ou juventude da

    agricultura familiar e camponesa. E a partir dessa identidade que os atores esto se organizando

    para reivindicar polticas pblicas que atendam as suas demandas sociais e polticas.

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    Do mesmo modo tambm perceptvel que em cada perodo histrico e de governo no interior do

    Estado brasileiro so formulados e constantemente disputados discursos, preceitos e formas de

    interveno diferenciadas para os grupos sociais em faixa etria jovem ou que so classificados

    como em situao social considerada de pobreza.

    Atualmente, esse processo percebido com a diminuio da pequena propriedade, pois o

    agronegcio avana, por meio da ao das transnacionais e as crescentes monoculturas da soja, do

    eucalipto e da cana de acar, bem como pelo domnio da pecuria em algumas regies. Com isso, o

    Estado no Brasil ainda pode ser considerado um impulsionador e indutor de processos sociais de

    desenvolvimento agrcola e agrrio de acumulao capitalista permeado pela marginalizao do

    espao rural e dos estilos de vida vinculados aos povos e comunidades tradicionais.

    A chegada do tema da juventude rural na agenda poltica do governo federal pode ser considerada

    uma conquista poltica, mas o paradigma produtivista, agroexportador e de manuteno do latifndio

    no desenvolvimento rural parece ser um dos fatores que impede o desenvolvimento de polticas

    pblicas que atendam as demandas e reivindicaes das organizaes e movimentos sociais em

    juventude rural.

    Relacionado a isso, alm da organizao poltica da juventude rural, perceptvel tambm a

    influncia do Estado na formao da categoria juventude rural e do que se espera desses atores em

    faixa etria considerada jovem e que vivem no espao rural, seja na discusso sobre sucesso rural,

    ou na perspectiva de beneficirio de polticas compensatrias ou de crdito, ou mesmo como mo de

    obra a ser qualificada para a produo agropecuria.

    Considera-se que para compreender a questo da juventude rural no processo de formulao de

    polticas pblicas tambm necessrio captar suas interconexes e dimenses histricas vinculadas

    s dimenses individuais e sociais, no definio de uma identidade associada somente

    execuo de funes sociais, como por exemplo, ser pblico-alvo de uma poltica pblica.

    Da mesma forma em que se tm algumas polticas pblicas com uma capilaridade social considerada

    insuficiente, o Estado tem engendrado historicamente um esquema interburocrtico o qual dificulta o

    acesso a elas. Um exemplo expressivo em relao s demais polticas pblicas foi a dificuldade de

    obteno pelos (as) jovens da Declarao de Aptido ao PRONAF (DAP) atualmente, que est

    condicionado ao (a) jovem no ter unio estvel ou matrimnio, ou no ter 30 anos de idade, estar

    vinculado famlia e a DAP do pai comumente. Dessa forma, esses aspectos implicam no que as

    organizaes e movimentos sociais consideram como falta de autonomia dos (as) jovens em acessar

    o crdito e elaborarem projetos tcnicos, alm das outras dificuldades de acesso DAP registradas

    nas pautas das organizaes e movimentos sociais.

    Mesmo com a reivindicao e mobilizao nos ltimos anos das organizaes e movimentos sociais

    em juventude rural e ao expressarem uma demanda/ questo como pauta que chama a ateno da

    sociedade civil e do governo, isso no foi o suficiente para que suas pautas compusessem a agenda

  • Mundo Agrario, 16 (32), agosto 2015. ISSN 1515-5994

    de formulao de polticas pblicas, diante a diversidade de temas e enfoques que permeiam o tema

    da juventude no mbito do Estado brasileiro. Diante desse conjunto de decises polticas a serem

    tomadas, alguns atores polticos, em especial no mbito do MDA, optaram pela construo dessa

    agenda poltica, insistindo em questes transversais ao tratar do tema ou mesmo em temas

    constantes na histria das polticas pblicas de desenvolvimento rural no pas, como formao

    tcnica/trabalho/crdito.

    Ao mesmo tempo, observei em Barcellos (2014) que a ausncia de polticas pblicas de juventude

    rural a no pode ser percebida apenas como desconsiderao do governo ou sob uma perspectiva de

    opresso, pois elas foram elaboradas de forma relacional, contingente e varivel junto com as

    organizaes e movimentos sociais nesse processo poltico.

    Por fim, a ideia com esse artigo no foi esgotar ou trazer um apontamento considerado conclusivo

    sobre o tema e essa discusso proposta, pelo contrrio, a partir desse exerccio de pesquisa e com

    sua continuidade trazer tona provocaes para que o tema prossiga em debate em outros espaos

    acadmicos e polticos.

    Notas

    1 As aspas, nesse trabalho sero utilizadas nas citaes e para destacar determinados sentidos de palavras ou expresses e para indicar expresses de autores citados no decorrer do texto.

    2 Uma perspectiva mais ampla e analtica desse processo de formulao das polticas pblicas podem ser encontrados nos estudos desenvolvidos para a elaborao da tese de doutorado do autor, bem como esse artigo contm algumas partes que foram publicadas recentemente em Castro e Barcellos (2015), em um perodo posterior ao envio deste artigo para a Revista.

    3 Todos (as) os (as) entrevistados (as) nesse trabalho foram identificados (as) por meio de siglas ou a pedido dos (as) mesmos (as) foram denominados (as) como no identificados no intuito de preservar ou manter sigilo da identidade de quem participou.

    4 No Cdigo Penal de 1890, previa-se o encaminhamento dos jovens acusados de vadiagem ou de outros crimes para as instituies de correo. Os dispositivos, presentes no Livro III do Cdigo Penal, estipulavam as penas para aqueles que praticassem a vadiagem: mendigos, brios, vadios e capoeiras. Era explcita a inteno de inibir a ociosidade e estimular o trabalho como valor e garantia da cidadania.

    5 A Igreja estava tendo dificuldade de acesso aos operrios. Para que ela pudesse sair do templo e ir ao encontro do povo, necessitava de uma nova metodologia, pois a dedutiva tradicional no servia mais. Este mtodo de evangelizao, voltado aos jovens dentro das fbricas, partia da realidade da vida dos jovens (ver), confrontava os desafios levantados com a f (julgar) e da apontava para uma ao de transformao do meio como compromisso da f (agir) (PJR, 2013).

    6 Dentre as funes dessas ONGs, ou dessa forma de poder pblico no-estatal, h a de assumir a execuo ou apoiar o Estado na execuo das polticas pblicas de forma focal e descentralizada (repassando aes para os municpios e estados) junto sociedade.

    7 Conforme consta em Brasil (1995, p. 43), as mudanas por parte do Estado tambm teriam que ser [...] relacionadas s formas de propriedade. Ainda que vulgarmente se considerem apenas duas

  • Mundo Agrario, 16 (32), agosto 2015. ISSN 1515-5994

    formas, a propriedade estatal e a propriedade privada existe no capitalismo contemporneo uma terceira forma, intermediria, extremamente relevante: a propriedade pblica no-estatal, constituda pelas organizaes sem fins lucrativos, que no so propriedade de nenhum indi