a fonte da discórdia

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A fonte Autora: VIRGINIA POSTREL Tipo gráfico associado ao modernismo e à falta de criatividade, Helvetica é tema de documentário cult que tem causado polêmica no mundo todo. da Dis cór dia. + tipos + design 10 Quando vai (e volta) de metrô para seu trabalho na Plexifilm, uma produtora de cinema e selo in- dependente de DVDs com sede no Brooklyn [em Nova York], Gary Hustwit vê a mesma coisa por toda parte: a fonte Helvetica. O metrô, diz, "Está co- berto de Helvetica. Eu quis entender o porquê disso".

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Trabalho acadêmico de Design Editorial de Revista

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Page 1: A Fonte da Discórdia

A fonte

Autora: VIRGINIA POSTREL

Tipo gráfico associado ao modernismo e à falta decriatividade, Helvetica é tema de documentário cult que tem causado polêmica no mundo todo.

daDiscórdia.

+ tipos

+ design 10

Quando vai (e volta) de metrô para seu trabalho na Plexifilm, uma produtora de cinema e selo in-dependente de DVDs com sede no Brooklyn [em Nova York], Gary Hustwit vê a mesma coisa portoda parte: a fonte Helvetica. O metrô, diz, "Está co-berto de Helvetica. Eu quis entender o porquê disso".

Page 2: A Fonte da Discórdia

13 + design

+ tipos

+ design 12

+D Por que não um filme sobre a [fonte] Times New Roman? Por que a Helvetica se impõe a tal ponto?

GH A Helvetica é uma questão que realmente po-lariza opiniões dentro da comunidade do design. As pessoas que gostam dela geralmente são pessoas interessadas no modernismo, e as que não gostam são pessoas que o rejeitam.Ela se tornou símbolo do design gráfico modernista posterior e do chamado es-tilo suíço, o estilo internacional que ganhou imensa popularidade mundial nos anos 1960.Na década de 70, todo mundo que se rebelava contra isso odiava a Helvetica, porque ela simbolizava uma lin-guagem visual uniformizada, internacional, corporati-va. Ainda existe uma divisão entre designers, mesmo os jovens: há os que gostam daquele estilo clean, mini-malista, racional, e os que querem que as coisas sejam mais emocionais e expressivas. A Helvetica é a linha divisória que separa esses dois lados.

+D Como se sente, pessoalmente, em relação à questão?

GH Acho que provavelmente me situo entre os moder-nistas. Nos últimos 20 anos, venho gostando dos dois lados. Meu pano de fundo está no punk rock, então gosto

E não é apenas o metrô. Os números dos táxis de Nova York também estão em Helvetica. A fonte está presente nos for-mulários de Imposto de Renda, nas caixas do correio dos EUA e em caminhões da ConEd [empresa de energia]. A fonte “sans serif” criada há 50 anos [completos em 2007] é vista em inúmeras logos: Sears, Fendi, Jeep, Toyota, Energizer, Oral-B, Nestlé.Quando você se dá conta de que a Helvetica está em toda parte, diz Hustwit, “não consegue deixar de pensar nisso”. Para descobrir a razão da onipresença dessa única fonte, Hustwit fez um documentário, seu primeiro como diretor (ele já tinha produzido cinco documentários sobre temas relacionados à música). “Helvetica” estreou em março do ano passado no festival de cinema South by Southwest e, divulgado em grande parte por sites voltados ao design e pelo boca-a-boca, em pouco tempo se tornou sucesso cult internacional. O DVD foi lançado em novembro. Uma semana mais tarde, Hustwit foi indicado ao prêmio Independent Spirit na categoria “Mais Verdadeiro que a Ficção”. Uma fonte tipográfica parece um tema improvável para um filme, mas o tema da Helvetica suscita reações fortes. Para alguns designers, a fonte representa um tipo de beleza transparente, racional e moderna. Para outros, ela é tediosa, opressiva e empresarial demais. Hustwit usa a história da Helvetica para relatar a história do design gráfico no pós-guerra e demonstrar a eterna tensão estética entre o expressivo e o clássico. Abaixo, ele explica seu projeto.

daquele estilo visual anarquista, detonado, mas tam-bém gosto de elementos gráficos “clean”, inspirados na Bauhaus. Minha opinião não chega a ter muita impor-tância no filme, que funciona como vitrine para todos esses diferentes designers gráficos e de fontes. Não gosto de documentários feitos na primeira pessoa. Não me interessam as opiniões do cineasta. O que me inte-ressa é o tema das opiniões expressas no documentário.

Fonte imagens: Documentário “Helvetica”

“Se você pensar na porcentagem de coisas no YouTube que valem a pena em qualquer sentido cultural, verá que ela é minúscula.”

+D Você mesmo desenhou algumas fontes um tanto quanto “grunge” no início dos anos 1990. O que se aprende quando se cria uma fonte?

GH Descobre-se que o trabalho dos designers de fon-tes é espantosamente complexo. O nível de detalhe que entra em todas as decisões tomadas quando se cria uma fonte tipográfica é simplesmente inacreditável. Que dis-tância deve existir entre duas letras dife- rentes quando elas aparecem lado a lado, como, por exemplo, um tê em maiúscula e um ó em minúscula? Que distância aquele ó deve deslizar para baixo da trave horizontal do tê?É preciso tomar essas decisões para cada par de letras que poderia ser formado. É uma coisa capaz de enlou-quecer. Alguém como [o britânico] Matthew Carter é mestre nesse assunto. É uma daquelas formas de arte feitas por pessoas completamente invisíveis. É como se elas não quisessem que seu trabalho fosse notado. Querem apenas que as pessoas leiam a mensagem e compreendam o que o texto diz, sem nenhum tipo de in-terferência da fonte. Quando as pessoas notam a fonte, geralmente é porque há algo de errado com ela: é difícil de ler ou as letras estão próximas demais uma da outra.

+D O cinema está passando por algo semelhante à transformação que atingiu a tipografia no início dos anos 90, com ferramentas digitais barateando muito a produ-ção e distribuição. Existe algo que os cineastas possam aprender com o que aconteceu na área das fontes?

GH A democratização da tecnologia, seja ela a tecnolo-gia do design gráfico ou a da cinematografia, é uma faca de dois gumes. Ela abaixa as barreiras de entrada, de modo que muitos designers ou cineastas novos podem se expressar.Ao mesmo tempo, enche a paisagem de muito lixo. Há algumas coisas interessantes que o YouTube levou à atenção de um público maior, mas, se você pensar na porcentagem de coisas no YouTube que valem a pena em qualquer sentido cultural, verá que ela é minúscula.O trabalho envolvido na criação de um documentário é muito maior do que pensa a maioria das pessoas quando

assistem a um programa de meia hora ou a um documen-tário de uma hora na TV. É preciso muito mais trabalho em termos da edição, do som, da fotografia e tudo o mais.

+D Você foi a 90 sessões de seu filme em todo o mun-do, algumas com públicos amplos e outras com platéias formadas por designers gráficos. Quão diferentes fo-ram as reações? Quais eram as perguntas que faziam?

GH “Por que fazer um filme sobre uma fonte tipográfica?” é a pergunta mais freqüente. O que acho da Helvetica, como escolhi os designers que trabalham no filme: essas foram as perguntas feitas com mais freqüência. Mesmo quando mostramos “Helvetica” em festivais de cinema em que o público era formado não por designers, mas por pessoas que simplesmente gostam de documentários, a reação foi a mesma. Uma coisa que descobri foi que os estudantes de design gráfico são exatamente iguais em todos os países, até sua aparência é igual. Eles usam as mesmas roupas. É uma rede verdadeiramente global de designers. Eu me senti como se estivesse mostrando o filme 90 vezes diferente para o mesmo grupo de pessoas.

+D Uma das coisas divertidas do filme é que ele mostra tantos usos diferentes da Helvetica. Qual é sua favorita?

GH No cartaz da Copa do Mundo de Berlim. Estávamos passando de carro, por acaso, olhamos para cima e vimos

um sujeito suspenso de cordas a 15 metros de altura, costurando as letras gigantes em Helvetica no cartaz da Copa do Mundo, que devia ter um quarteirão de com-primento. Quase todas as imagens de Helvetica que fil-mamos em cidades foram encontradas aleatoriamente, por puro acaso. A meta era encontrar usos interessantes da fonte ou pessoas interagindo com ela. A bandeira da Copa do Mundo foi a Helvetica em letras grandes, e as do cartaz estão entre as maiores que encontramos.

+D O filme discute se a Helvetica pode continuar a ser neutra, depois de ser tão usada.

GH É verdade que as fontes tipográficas vão acumulando bagagem em decorrência de como são usadas. Quando olho para a Helvetica, penso em em American Airlines. Uma das coisas espantosas da Helvetica é que ela vem sendo usada há décadas, inclusive usada em excesso, mas, mesmo assim, ainda a vemos por toda parte. E alguns designers gráficos jovens, muito voltados ao futuro, ainda a usam da mesma maneira como ela era usada nos anos 1960.

Não consigo explicar por que, com os milhares de fontes das quais as pessoas dispõem hoje, uma grande porcen-tagem delas ainda opta por usar a Helvetica.

+D Como você financiou seu filme?

GH Foi financiado por meu próprio dinheiro, meus car-tões de crédito, meus amigos e minha família. Uma firma canadense de design chamada Veer entrou como patroci-nadora, quanto o projeto já estava perto de ser finalizado.

+D Teria custado muito mais fazer o filme 20 anos atrás?

GH Provavelmente. Rodamos 60 horas de filme. Se tivés-semos filmado com película de celulóide, o custo teria sido maior. E o processo de edição custa muito menos hoje. Dá para fazê-lo num sistema Mac sofisticado. A maior despe-sa ainda é a que se tem com as pessoas -conseguir um bom diretor de fotografia, um bom editor e bons técnicos de som. Isso é algo que não muda. Se você quer fazer um ótimo trabalho, precisa chamar ótimas pessoas.

+D Você já sabe qual será seu próximo projeto?

GH Os filmes de música com os quais trabalhei, e “Helve-tica”, com toda certeza, tratam da criatividade -do proces-so criativo- e também da comunicação. Acho que esses dois temas vão reaparecer em meu próximo filme. Nos

últimos cinco a dez anos, percebe-se uma tendência nas pessoas em acharem que um documentário precisa ser político para valer a pena. Para mim, isso é lamentá-vel. Há esse outro lado do cinema documental que anali-sa a criatividade e outras questões não ligadas à justiça social ou à guerra, que são igualmente merecedoras de análise. É como se não pudéssemos ter literatura de não--ficção, como se nunca pudéssemos ter romances.

Gary Hustwit