sementes da discórdia

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Defendida por alguns e execrada por outros, cultura de transgênicos envolve questões de ordem ética, política, social e econômica, e exige análise criteriosa

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Enquanto você lê este texto, uma guerra de proporções globais está sendo travada. Não, não se trata de batalha étnica no Oriente, da luta contra os cartéis da

droga ou do combate ao terrorismo internacional, mas de algo bem mais pró-ximo, nos campos e plantações do planeta, do país e, talvez, até no prato que você tinha diante de si no jantar de ontem. O estopim do conflito é o cultivo de organismos geneticamente modificados, os chamados transgênicos. Enquanto alguns os apontam como uma grande solução para alimentar a humanidade num futuro bem próximo, para outros os transgênicos são como as pragas que infestam as lavouras, e por isso devem ser combatidos a todo custo. Por trás dessa disputa germina uma questão que ultrapassa as fronteiras da própria ciência: os transgênicos são “do bem” ou “do mal”?

Não é um assunto fácil. Antes de entrar nessa discussão, é bom deixar claro que o maior problema é a ausência de dados e informações mais transparentes e menos passionais no debate. Todo mundo concorda que um trigo natural não tem contraindicação, mas também não se pode afirmar, sem sombra de dúvida, que os transgênicos causem câncer ou que não possam ser consumidos por seres humanos. Seja por falta de fundamentos ou por interesses econômicos,

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Defendida por alguns e execrada por outros, cultura de transgênicos envolve questões de ordem ética, política,

social e econômica, e exige análise criteriosa

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ainda não surgiu nenhum estudo definitivo mostrando isso.

Tanto que, há décadas, eles fazem parte da vida moderna. Com o surgimento da engenharia genética, na década de 1970, medicamentos passaram a ser fabricados a partir do isolamento e da introdução de genes em bactérias. É o caso da insulina — hormônio produzido por bactérias transgênicas —, de vacinas e de proteínas usa-das em suplementos alimentares. Na década de 1980, apareceram também as enzimas utiliza-das na indústria alimentícia, como a quimosina, utilizada na fabricação de queijos.

Ninguém é contra esses produtos, e o bom senso indica que a ciência pode contribuir, e muito, para a produção de mais e melhores alimentos. O problema é quanto ao que cabe dentro da classificação “contribuição” — até porque ninguém acredita que os laboratórios vinculados às grandes coroporações invistam tanto dinheiro em pesquisas por diletantismo ou benemerência pura. A discussão econômica passa necessariamente pela ética.

É inegável o interesse dos produtores, dos distribuidores e das indústrias processadoras de alimentos em aumentar o lucro, e uma das maneiras de alcançar esse objetivo é reduzir os fatores que provocam perdas na produção. Os agrotóxicos, por exemplo, combatem várias pragas, mas pouca gente está convencida de que não causam nenhum tipo de efeito negativo sobre a saúde. A solução mais simples — comer alimentos orgânicos, cultivados de maneira natural — não é para qualquer um: uma verdura orgânica, por exemplo, pode custar o triplo da que foi cultivada com a ajuda de herbicidas.

A alternativa seria melhorar a resistência dos produtos. Um tomate mais resistente a pragas não precisa de agrotóxicos (ou, pelo menos, não em grande quantidade). Mas daí a modificá-lo em sua estrutura genética, a distância é grande, e a maioria das pessoas concorda que essa quilometragem ainda não foi devidamente percorrida. Além disso, a natureza não se deixa

enganar com facilidade. As pragas também se adaptam, descobrem uma nova maneira de atacar e aí recomeça o ciclo.

A ideia de que plantas transgênicas possam produzir alimentos em regiões muito secas ou com solos ruins é muito atraente. Assim como a proposta de aumentar a quantidade de proteínas e vitaminas em algumas culturas. Mas imaginar que isso acabará com a fome mundial é uma ilusão. Primeiro, porque as populações carentes não poderão pagar royalties. Segundo, porque o problema não é propriamente de falta de comida, mas de desigualdade na distribuição de riquezas.

A partir dos anos 1990, as primeiras plantas geneticamente modificadas começaram a ser cultivadas em larga escala. O milho tornou-se resistente a alguns tipos de insetos e a soja, tolerante a herbicidas. E a briga começou por causa daquilo que vai para a sua boca: enquanto remédios e enzimas são produzidos por microor-ganismos transgênicos, mas não carregam célu-las ou genes deles, as plantas adquirem essas características graças aos genes estrangeiros nelas implantados, que também serão usados na alimentação humana.

O Brasil já planta e comercializa variedades de algodão, milho e soja transgênicos. No caso da soja, estima-se que pelo menos 64% daquilo que é produzido no país sejam transgênicos. E ainda aguardam aprovação outras culturas, como canola, batata, mandioca, cana-de-açúcar, arroz e um tipo de feijão, produzido pela Embra-pa, resistente ao vírus do mosaico dourado, um autêntico pesadelo para os agricultores.

ataque e defesaA discussão passa por vários terrenos, mas

é no da ética comercial e no da bioética que fica mais acalorada. Quem pode garantir, por exemplo, que um empresário menos escrupuloso deixará de usar uma tecnologia pouco testada em termos de efeitos sobre o organismo humano, mas que já se revelou eficaz na redução de prejuízos com a produção de determinados alimentos? Além

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disso, ainda é difícil determinar os limites dessa intervenção humana sobre os processos naturais, bem como suas consequências, inclusive sobre o ecossistema. Perdas sempre existiram, mas o capitalismo deu a elas o status de inimigas do lucro — condição que, em muitos casos, até coloca em segundo plano questões como saúde e fome.

Os dois lados dispõem de vasta munição de argumentos. “As vantagens dos transgênicos são evidentes: há um aumento na produção de alimentos, fibras e combustíveis com maior preservação dos recursos naturais, como água e solo”, afirma Cristina Rappa, gerente de Comuni-cação e Responsabilidade Social da Monsanto, uma das principais empresas produtoras de sementes transgênicas no mundo, e que rece-be royalties pela soja produzida. Segundo ela, desde 1996 os Estados Unidos e a Argentina cultivam a soja geneticamente modificada sem qualquer problema de saúde ou ambiental.

“A coisa não é bem assim”, adverte o enge-nheiro agrônomo Gabriel Bianconi Fernandes, da organização não governamental AS-PTA, uma das coordenadoras da Campanha Um Brasil Livre de Transgênicos. “Apesar de haver diversos estudos e pesquisas que recomendam os transgênicos, há outros que não os apóiam.” Segundo ele, como a inserção dos genes é alea-tória, há riscos de que as plantas geneticamente

modificadas produzam substâncias tóxicas ou alérgicas.

Outro impacto é no ambiente. De fato, duran-te os três ou quatro anos de plantio de culturas transgênicas, estudos mostram uma redução no nível de herbicidas e inseticidas aplicados. Mas depois, naturalmente, as ervas daninhas adquirem resistência, e doses cada vez maiores são necessárias para combatê-las. “O glifosato é um dos venenos mais tóxicos que existem, mata tudo ao redor da soja. As pessoas devem entender que estão consumindo doses cada vez maiores dele”, diz Fernandes.

as contradições da fomeA necessidade de avaliação dos impactos

provocados pelos transgênicos no ambiente e na saúde dos seres humanos é um consenso entre os que defendem e os que atacam essa tecnolo-gia. Por isso, deveria ser fácil chegar a um acordo. Mas não é. “Muitas vezes as próprias pesquisas científicas contradizem umas às outras, dando argumentos para os dois lados”, esclarece a jorna-lista Fátima Cardoso, autora do livro Transgênicos são do bem. Transgênicos são do mal. Entenda de uma vez essa questão (Editora Albatroz).

Mas se a própria ciência ainda é insuficiente para acabar com as dúvidas, o que fazer? Proibir as pesquisas e o cultivo dos transgênicos não é uma alternativa razoável. Vale repetir: a ciência pode contribuir para o desenvolvimento de ali-mentos mais fortes e saudáveis. Essa polêmica está longe de ser um debate meramente cientí-fico. Não tanto pelo fato de a ciência ainda não ter respostas precisas e definitivas, mas porque envolve opções políticas e morais.

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A ideia de que plantas transgênicas possam produzir alimentos em regiões muito secas ou com solos de alta salinidade é atraente [...] Mas imaginar que isso acabará com a

fome mundial é uma ilusão.

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Num dia típico, acordamos cedo, tomamos café e saímos de casa para trabalhar. Na hora do almoço, aproveitamos o tempo

para resolver algo no banco, pagar contas ou fazer algumas compras. Ainda paramos no mer-cado ou na padaria e, ao chegarmos em casa, iniciamos o turno de trabalho doméstico, que inclui a preparação do jantar, conferir as tarefas das crianças. Vamos para a cama ansiando por uma noite relaxante e restauradora.

No entanto, basta nos deitarmos para um sensação estranha, esquisita mesmo, difícil de definir tomar conta das pernas, dos pés e das coxas. Por alguma razão inexplicável, ao movimentá-los, sentimos um alívio. Solução fácil, simples e lamentavelmente fugaz, já que entre vinte e quarenta segundos a sensação estranha se apoderará novamente dos membros inferiores e os moveremos na tentativa desesperada de libertação.

O movimento geralmente consiste na flexão do pé, do joelho e do quadril, realizado rápida e intensamente, algo como um chute. Persiste por toda a noite, principalmente na primeira metade do sono, e não se interrompe mesmo quando adormecemos. Não bastasse o incômodo causa-do ao cônjuge, os movimentos impedem você de atingir as etapas mais profundas do sono, que são as mais restauradoras. Com isso passamos o dia cansados, sonolentos e, ao longo do tempo, tere-mos queda de rendimento, irritabilidade e fadiga.

A essas alterações, que podem afetar cerca de 15% da população adulta, dá-se o nome de síndrome das pernas inquietas (SPI). Essa síndrome é conhecida desde 1944, mas com os estudos do sono passou a ser mais com-preendida. Para as pessoas que não sofrem do distúrbio, essa síndrome passa como invenção ou exagero da pessoa afetada, já que os sintomas são subjetivos, pouco definidos (cansaço, desconforto, coceira, sensação estranha etc.), e não ha exame especifico que faça o diagnóstico.

Contudo, sofrer de SPI causa um grande impacto negativo na vida do portador. Depen-dendo do grau da síndrome (que varia conforme a intensidade e a frequência do desconforto), o indivíduo vai desde o incômodo até ideias suici-das. Pode ter problemas conjugais e sonolência diurna. Casos mais severos acontecem durante o dia, durante um momento de repouso, leitura ou em viagens, atrapalhando a vida social e o lazer da pessoa.

É mais comum em mulheres e idosos, e há uma tendência a piorar com a idade. Apesar das causas serem desconhecidas, o uso de medicação (agentes dopaminérgicos, opióides e benzodiazepínicos, entre outros) proporciona grande alívio dos sintomas e satisfação dos pa-cientes; no entanto, não promove a cura.

Se você conhecer alguém que diz que tem síndrome das pernas inquietas, acredite, isso existe e não é uma desculpa. Caso tenha se identificado com os sintomas, saiba que você não e o único no mundo. Procure ajuda.

MICHELEMadEira

Médica

síndrome daspernas inquietasSofrer de SPI causa um grande impacto negativo na vida do portador. Dependendo do grau da síndrome, o indivíduo vai desde o incômodo até ideias suicidas.

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