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A EXPERIÊNCIA MÍSTICA U Márcia D`Angelo 13/04/2012 Testemunho de uma mãe que estava com seus filhos enfermos no Hospital Uma busca inacessível do transcendente Emoliente de um emocional à procura do racional Dois pedaços de mim entregues ao Mistério Outro pedaço no encalço, descalço, percalço A me desesperar, sem hesitar Trânsito, muito trânsito a complicar E por fim o encontro, a homilia, A unção, a bênção A figura do padre, abade Um São Francisco a se pronunciar A abertura, a conjectura Uma quase tranquilidade Dentro do possível, do atingível Alguns anjos a destacar, a marcar O motorista do ônibus a avisar Trânsito, muito trânsito A cidade bloqueada, cerceada Um dia muito especial, horizontal Acompanhantes, militantes de horas especiais, espirituais Alguns anjos a destacar ou, quem sabe, um enfermeiro que pronunciava palavras de conforto no retorno da anestesia Vários telefonemas, algumas poucas presenças, Amigas, antigas Mas a grande lição, a redenção Estava por vir De forma contraditória, aleatória Separando irmãos, unindo corações A menina do leito ao lado Cuja beleza da alma contagiava Pouco crescimento, alimento, sofrimento A alegria era um temor expresso, adverso Tanta vontade de viver, de dançar, de correr Interceptada por tantas limitações, alucinações Jéssica, a menina do sorriso triste, A grande experiência mística Catalisadora de todas as demandas Expectativas perenes, solenes Transformou os problemas em questões menores Refletiu todos os temores Manifestou, provocou emoções maiores Pontuadas de ternura e muita compaixão Jéssica, a menina do sorriso triste, Cuja beleza expressava todas as contradições do mundo Ou o grande mistério da moça/criança Que simplesmente quer viver, Sonhar, crescer, se desenvolver Amanhecer de todas as noites escuras E das grandes agruras

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A EXPERIÊNCIA MÍSTICA

U

Márcia D`Angelo 13/04/2012Testemunho de uma mãe que estava com seus filhos enfermos no Hospital

Uma busca inacessível do transcendenteEmoliente de um emocional à procura do racionalDois pedaços de mim entregues ao MistérioOutro pedaço no encalço, descalço, percalçoA me desesperar, sem hesitar

Trânsito, muito trânsito a complicarE por fim o encontro, a homilia,A unção, a bênçãoA figura do padre, abadeUm São Francisco a se pronunciarA abertura, a conjectura

Uma quase tranquilidadeDentro do possível, do atingívelAlguns anjos a destacar, a marcarO motorista do ônibus a avisarTrânsito, muito trânsitoA cidade bloqueada, cerceada

Um dia muito especial, horizontalAcompanhantes, militantes de horas especiais, espirituaisAlguns anjos a destacarou, quem sabe, um enfermeiroque pronunciava palavras de conforto no retorno da anestesiaVários telefonemas, algumas poucas presenças, Amigas, antigas

Mas a grande lição, a redenção Estava por virDe forma contraditória, aleatóriaSeparando irmãos, unindo coraçõesA menina do leito ao ladoCuja beleza da alma contagiava

Pouco crescimento, alimento, sofrimentoA alegria era um temor expresso, adversoTanta vontade de viver, de dançar, de correrInterceptada por tantas limitações, alucinações

Jéssica, a menina do sorriso triste,A grande experiência místicaCatalisadora de todas as demandasExpectativas perenes, solenesTransformou os problemas em questões menoresRefletiu todos os temoresManifestou, provocou emoções maioresPontuadas de ternura e muita compaixão

Jéssica, a menina do sorriso triste,Cuja beleza expressava todas as contradições do mundoOu o grande mistério da moça/criançaQue simplesmente quer viver,Sonhar, crescer, se desenvolverAmanhecer de todas as noites escurasE das grandes agruras

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Ministério amplia assistência a pacientes com AVCPublicado novo protocolo que prevê assistência integral aos pacientes com a doença, inclusive o fornecimento do trombolítico Alteplase, nos serviços do SUS.

O Ministério da Saúde vai ampliar a assistência às vítimas de Acidente Vascular Cerebral (AVC), que passarão a ter assistência integral pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Foi publicada a portaria 664/2012, que estabelece novo protocolo de assistência ao paciente com AVC isquêmico e hemorrágico. Entre as novidades, está a incorporação do trombolítico Alteplase e o fornecimento de serviços habilitados para assistência às vítimas de AVC.

A Portaria n° 665/2012 prevê a criação dos Centros de Atendimento de Urgência, classificados em três tipos, dependendo do porte e da capacidade de atendimento. Esses centros desempenharão um papel de referência no tratamento aos pacientes com AVC, e sua criação será articulada entre governo federal, estados e municípios.

“O nosso esforço é ampliar a rede de atenção básica, de prevenção e de tratamento com o objetivo de reduzir casos e óbitos. A linha de cuidado do AVC é uma das nossas prioridades, e a incorporação tecnológica de qualquer procedimento ou medicamentos tem padrões para ser realizada”, explica o ministro da Saúde, Alexandre Padilha.

A meta do Ministério da Saúde é fortalecer a política de atenção a vítimas de AVC. O propósito é assegurar que todos os brasileiros tenham um hospital de referência para o seu atendimento. “É este conjunto de ações, estruturação e incorporação de medicamentos, que irá ampliar a assistência e melhorar o atendimento no SUS”, ressalta o ministro.

VANTAGENS DO TROMBOLÍTICO – O uso do Alteplase, somente em casos de AVC isquêmico agudo, consiste na aplicação de uma medicação por via endovenosa, que percorre a circulação até chegar ao vaso sanguíneo cerebral que está obstruído por um coágulo. Essa medicação desfaz o coágulo, desentupindo a circulação e normalizando o fluxo sanguíneo que chega ao cérebro.

O medicamento será fornecido pelos hospitais habilitados e ajudará a reduzir os riscos de sequelas e de mortalidade. O Alteplase diminui em 31% o risco de sequelas do AVC, significando a recuperação do quadro neurológico de mais pacientes, quando comparado àqueles que não recebem o tratamento com Alteplase.

O atendimento em Unidade de AVC com o uso do Alteplase poderá reduzir em até 18% a mortalidade e em 29% a chance de o paciente ficar dependente de outra pessoa para as atividades diárias.

INVESTIMENTOS – Até 2014, serão investidos R$ 437 milhões para ampliar a assistência às vítimas de AVC. Do total de recursos, R$ 370 milhões financiarão leitos hospitalares. Serão também criados 1.225 novos leitos nos 151 municípios onde se localizam os 231 pronto-socorros responsáveis pelo atendimento de urgência e emergência especializado em AVC. A abertura dos novos leitos será definida entre o governo federal, os estados e os municípios. Outra parcela, R$ 96 milhões, será aplicada na oferta do tratamento com o uso de Alteplase.

REDE – O AVC é uma das mais importantes causas de mortes no mundo. Popularmente conhecida como derrame, a doença atinge 16 milhões de pessoas no mundo a cada ano, das quais cerca de seis milhões morrem. Para enfrentar a epidemia silenciosa que ocorre no mundo, a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda a adoção de medidas urgentes para a prevenção e tratamento da doença, com o objetivo de colocar o tema em destaque na agenda global de saúde.

No Brasil, em 2011, foram realizadas 172.298 internações por AVC (isquêmico e hemorrágico). Em 2010, foram registrados 99.159 óbitos por AVC. De acordo com o documento, a Linha do Cuidado do AVC deve incluir, necessariamente, a rede básica de saúde, SAMU, unidades hospitalares de emergência e leitos de retaguarda, reabilitação ambulatorial, ambulatório especializado, programas de atenção domiciliar, entre outros aspectos.

Neyfla Garcia, da Agência Saúde.

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“Cuidar dos doentes como uma MÃE cuida do seu único filho doente” frase que intitula este editorial é de São Camilo de Lellis. Certamente, ela é conhecida pela maioria dos leitores do São Camilo Pastoral da Saúde, pois se tornou, juntamente com a lema “mais coração nas mãos”, também de Camilo, modelo paradigmático de assistência humanizada aos enfermos. Essa frase dispensa qualquer tentativa de explicação, pois diz por si só, e uma fala explicativa, por menor que seja e com as melhores intenções, tende a enfraquecer a sua riqueza de sentido; riqueza essa que vai se revelando para as pessoas que a leem e a confrontam, no dia a dia, com a realidade fragilizada do ser humano enfermo, esse que, no seu sofrimento, clama por amor, atenção, solidariedade e cuidado.

Se explicar essa frase a torna mais fraca, então todos podem estar se perguntando por que colocá-la no título de um texto. A resposta é simples: escolhi essa frase, não para explicá-la, mas para, a partir dela, falar de todas as mães que deixam seus filhos verdadeiros, para irem cuidar de filhos estranhos, que sofrem devido à enfermidade. Mães que não se contentam apenas em ver seus filhos bons, mas deixam transbordar o amor que possuem para servir os enfermos com o “coração nas mãos”, para cuidarem deles como cuidariam “do seu único filho doente”.

Nos mês das mães, nada mais justo do que falar das mães da Pastoral da Saúde - se assim me permitem, carinhosamente, lhes chamar - que, sem medo de errar, formam a grande força dessa pastoral. Sem elas, não conseguíramos fazer nem um terço do que fazemos, e posso ir além: sem elas, penso que a Pastoral talvez nem existisse, ou se existisse seria muito diferente e perderia muito. Tenho contato diário com o trabalho da Pastoral da Saúde: ou estou trabalhando como agente de pastoral, sobretudo como capelão do Hospital das Clínicas de São Paulo, onde tenho uma bela equipe de agentes voluntários, na qual 90% são mulheres e aproximadamente 80% são mães; ou estou ensinando e formando grupos de pastoral, momento em que também percebo claramente a presença massiva de mulheres, sendo a grande maioria mães. A partir dessa minha experiência, penso que posso testemunhar a grandiosidade do trabalho que elas exercem, na simplicidade do amor e na generosidade da ternura que as conduzem para junto dos que sofrem para cuidar como “uma mãe cuida do seu único filho doente”.

Nos evangelhos, Jesus fala para irmos ao encontro do outro que sofre, “movido[s] de compaixão” (Cf. Lc, 10, 25-37). Essa expressão, “movido de compaixão”, não consegue exprimir toda a profundidade do termo grego usado pelos evangelhos. A palavra grega é o verbo splagchnizomai, que seria “sentir compaixão”. Esse verbo é derivado do substantivo splagchnon, que significa um sentimento vindo das entranhas, do intestino, das vísceras, do coração, do mais profundo do interior de uma pessoa. Tudo isso para dizer que é um sentimento muito forte. O sentido de splagchon, em hebraico, é dado pela palavra hemelet, e é considerado um dos atributos de Deus na tradição judaica. Deus sente compaixão, e com base nesse sentimento é sua ação. Compaixão, nos evangelhos, refere-se a algo muito forte, geralmente utilizado em relação a Jesus, porque em relação a outra pessoa que pede compaixão, os evangelhos usam o termo eleos, também traduzido por compaixão, mas que não tem o mesmo sentido e profundidade. A ação de Jesus é movida pelo splagchon; sua compaixão pelo outro brota das entranhas e o leva a se entregar totalmente ao outro que clama por misericórdia, justiça e libertação.

Quando penso em um sentimento vindo das entranhas, logo me vem à mente o amor da mãe pelo filho que brota do seu útero, onde a vida é gerada. A dor do parto é imensa, mas a alegria pela nova vida que chega faz com que essa dor desapareça, permanecendo apenas o amor e o cuidado dispensados ao filho, extremamente frágil e necessitado desse cuidado maternal. Deus tem esse cuidado conosco, expresso nos atos criador e redentor. Jesus solicita essa força, para irmos ao encontro dos que sofrem, fruto da própria graça de Deus. Como no parto, cuidar dos enfermos não é algo fácil, dói muito, mas quando esse cuidado acontece movido pela compaixão, uma nova vida é gerada, pois aquele que estava entregue à desesperança encontra aquilo que o resgata para uma nova vida, dando-lhe um novo sentido, capaz de fortalecê-lo para não desistir da sua vida, que é única e amada por Deus.

Estimadas mães da Pastoral da Saúde, muito obrigado por seu testemunho e também por nos ensinarem, por meio dele, a cuidar dos enfermos com a mesma compaixão e cuidado com “que uma MÃE cuida do seu único filho doente”.

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ANÍSIO BALDESSIN

F ernanda era uma jovem de 21 anos de idade, e eu a conheci quando veio participar da missa na capela do hospital. Foi logo após as festividades de final de ano. Depois de uma breve conversa na porta da capela, prometi que faria uma visita ao quarto onde estava internada na clínica de hematologia.

Além de boa aparência, esbanjava simpatia. Ao visitá-la, fiquei sabendo que, no dia 23 dezembro de 1999, quando estava na praia para gozar férias e passar as festas, sentiu dificuldade para respirar. Como sempre acontece, todos pensavam que se tratava de um resfriado ou simplesmente um mal estar. Porém o caso era tão complicado que nem o Natal ela pôde passar em sua casa. Veio para São Paulo e imediatamente foi internada no HC. Após exames detalhados, foi detectado um linfoma. “Linfomas são tumores que se iniciam a partir da transformação de um linfócito no sistema linfático”. O prefixo “linfo” indica sua origem a partir da transformação de um linfócito, e o sufixo “oma” é derivado da palavra grega que significa “tumor”.

Aos poucos, Fernanda foi se restabelecendo e, sempre que podia, acompanhada da mãe, participava da missa na capela. Depois de algum tempo de internação, não me lembro exatamente quando, teve alta e foi para casa. Entretanto, no final do mês de abril do ano 2000, foi internada novamente. Dessa vez já não apresentava mais aquela beleza e a saúde natural de uma menina de 21 anos.

Apesar de manifestar sua crença na religião católica, Fernanda e seus familiares acreditavam em um pouco de tudo. Os folhetos, medalhas e objetos de piedade que ficavam sobre o criado-mudo ou pendurados na parede ou na cabeceira da cama mostravam todo seu sincretismo religioso. Tal postura, ou seja, misturar as crenças, é criticada por alguns líderes religiosos, mas, em momentos de intenso sofrimento, não é anormal que isso aconteça.

Os diálogos, tanto com a paciente quanto com sua mãe, quase sempre recaíam sobre a pergunta: qual era a razão de uma pessoa tão jovem e tão boa sofrer de uma doença tão agressiva?! Eu não me preocupava muito em responder a esses questionamentos. Primeiro porque, ao fazer essas perguntas, nem sempre as pessoas estão querendo uma resposta. Em geral, é apenas um desabafo. Segundo por eu também não ter uma resposta convincente. Terceiro por acreditar que o fato de sabermos a razão do sofrimento não vai diminuí-lo. Todavia, a mãe - e não podia ser diferente - buscava respostas e soluções miraculosas, para não dizer mágicas, nas mais diferentes religiões. Numa dessas buscas, ela foi a uma Igreja onde os líderes lhe prometeram que a filha já estava curada.

Certa manhã, quando fui visitá-la a mãe me disse: “Ah! Ontem eu fui à igreja. (Ela dá o nome da referida igreja). Eles disseram que a Fernanda já está curada”. Eu, de maneira não verbal, devo ter expressado uma fisionomia de quem não acreditava muito naquela história. E ela, ao observar minha reação, fez o seguinte comentário: “o senhor não acredita em milagre, não é padre”? Eu respondi, dizendo: “Helena, não é que eu não acredite. Eu tenho certa resistência para acreditar em soluções fáceis para problemas difíceis”. Ao que ela respondeu: “Pois você vai quebrar a cara, padre. Pois nessa igreja se prega realmente o Deus vivo”. Ciente de que nesses momentos não é conveniente dar conselhos e muito menos acalorar a s discussões, eu disse que o que mais desejava era ver a Fernanda curada. A doença, que parecia ser mais forte do que a fé, ignorava as orações e as crenças da mãe, da filha, bem como dos familiares e amigos.

Já era início do mês de junho, e Fernanda ainda não havia conseguido ter alta do hospital. A essa altura, Fernanda definhava a olhos nus. A beleza e o brilho de seu olhar desapareciam a cada dia. Agora, somente os brincos e a maquiagem entre os

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tubos de oxigênio e cateteres conseguiam disfarçar um pouco o rosto desfigurado. Com isso, as idas e vindas para a UTI começaram a ser constantes. A cada passo para frente eram dados dois para trás. Até que, numa quarta-feira, véspera do feriado de Corpus Christi (festa do corpo de Deus), depois de voltar do Instituto do Coração, onde tinha acabado de celebrar a missa, encontrei a mãe e uma das irmãs. Ao interrogá-las sobre qual a razão de estarem lá, pois já eram quase dezenove horas, elas responderam que Fernanda tinha sido transferida novamente para a UTI. Dessa vez, pensei, infelizmente é para não mais sair.

Por volta das duas horas da manhã do sábado, recebi o recado que Fernanda acabara de falecer. Agora, só me restava cuidar dos vivos, pensei. Sua mãe, com certeza, seria a pessoa que mais necessitaria de assistência, pois apesar da gravidade da doença, em nenhum momento sua mãe admitiu a possibilidade de morte da filha.

Na manhã do dia seguinte, fui para o velório. Ao chegar ao local, antes mesmo de ver o corpo, fui ao encontro da mãe que, quando me viu, veio ao meu encontro em tom de desabafo, dizendo: “Eu tive vontade de quebrar todas as coisas da capela e da tua sala. Principalmente as imagens dos santos. Só não quebrei porque respeito muito você e a Fernanda gostava muito de você. Porém você tinha razão quando disse que milagres não existem, e que Deus não cura ninguém”. Depois de ouvir todos seus desabafos fui até o caixão. Fernanda não era nem sombra daquela menina bonita e sorridente que encontrei pela primeira vez na capela do hospital. Porém, depois de tanto sofrimento, sua fisionomia deixava transparecer uma aparente tranquilidade.

Intranquila mesmo estava a mãe. Voltou a dizer que eu tinha razão quando disse que milagres não existem, e que Deus não cura ninguém. Naquele momento fiquei sem saber se deveria responder. E não respondi por uma razão muito simples: nessas horas é sempre mais fácil dizer o que não deveria ser dito. Por isso, permaneci calado. Mas ela continuou: “É, você vive a realidade do dia a dia e sabe que as coisas não são tão simples assim. No entanto, essas pessoas vivem prometendo tudo e nem tomam conhecimento das realidades difíceis pelas quais passam as pessoas nestas circunstâncias. Eles enganam e exploram a boa-fé do povo”.

É profunda a reflexão de um autor anônimo que disse: “qualquer pessoa tem o direito de rezar ou orar a Deus, pedindo a própria cura ou a cura de alguém”. Foi o caso de Helena, que rezou pela filha desde o aparecimento do câncer até sua morte. Todavia não se deve confundir a prática da oração com a prática do pensamento positivo. Na prática do pensamento positivo pretende-se obter a cura por meio de uma energia mental gerada pela proclamação repetida de que a doença já foi debelada. É uma espécie de negação deliberada de um fato que ainda existe, na esperança de que ele deixe de existir. Por meio da

outra prática, a da oração, espera-se confiantemente a intervenção misericordiosa de Deus na cura do enfermo. A energia não vem da mente, mas de Deus. Alguns cristãos, consciente ou inconscientemente, e até mesmo estimulados por algum líder religioso, misturam as duas práticas. Parece que foi o caso de Helena. A mãe se negou a aceitar as evidências de um câncer generalizado e repetia sem parar

que Deus e suas orações salvariam a filha. Talvez tenha se apoiado naquela palavra de Jesus: ‘Tudo o que vocês pedirem em oração, creiam que já o receberam, e assim lhes sucederá’ (Mc 11.24).

No entanto, esse versículo deve ser entendido à luz de outros textos e da experiência cristã. Às vezes, mesmo não havendo fé, Deus cura. É uma manifestação da sua imensa graça. Outras vezes, mesmo havendo fé, Ele não cura. É uma manifestação da sua imensa soberania. Deus tem poder para curar qualquer enfermidade e em qualquer estágio. Mas nem sempre Ele o faz, por razões que mais tarde viremos a entender e, quem sabe, a agradecer. A vontade de Deus deve ser respeitada. Portanto devemos orar como o leproso: ‘Se quiseres, podes purificar-me’

(Mc 1.40). Precisamos da fé e da submissão. Não só da fé.

Todas as vezes que anunciamos, forçada e prematuramente, uma cura que não aconteceu nem vai acontecer, estamos aumentando a incredulidade dos incrédulos e atiçando sua zombaria. Quando a boa fé não é uma fé boa, ela pode nos deixar cegos para a realidade. “E o pior cego não é aquele que não enxerga senão aquele que não quer ver”.

Anísio Baldessin é padre camiliano, capelão do Hospital das Clínicas de São Paulo e Coordenador da Pastoral da Saúde da Arquidiocese de São Paulo.

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Transplante de Órgãos: de Transplantador a Transplantado

o ano de 1977, na Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, tive o privilégio de participar do primeiro transplante renal daquele hospital, que hoje conta com o maior complexo de transplantes de órgãos do país. Na época era médico residente de urologia, na enfermaria 30. Então, após retornar a Passo Fundo, em 1980, juntamente com a equipe de nefrologistas e cirurgiões vasculares, eu e o Prof. Donadussi realizamos o 1º Transplante Renal inter-vivos de Passo Fundo em 1981. E nestes mais de 25 anos a evolução da medicina na nossa cidade foi de ponta, não deixando nada a desejar com relação aos maiores centros médicos do país. Várias equipes médicas de transplante renal aqui se formaram, tanto no Hospital São Vicente,quanto no Hospital da Cidade. E hoje, além do transplante Renal, temos os de Córnea, de Fígado e o Banco de Tecidos e músculo esquelético, para o Transplante de ossos e articulações.

Depois de 25 anos de profissão, no ano de 2001, fui surpreendido com o diagnóstico de Hepatite C, a conhecida epidemia silenciosa. A descoberta foi por acaso, pois sintoma não tinha nenhum, e a doença já estava bem avançada inclusive, provocando certo grau de Cirrose Hepática, quadro que, quando presente no momento do diagnóstico, o tratamento só é totalmente eficaz (cura total) em 25% dos casos. E eu felizmente estava com a minoria e fiquei completamente curado da Hepatite C. Porém lá ficou a cirrose, que como consequência leva, com o passar dos anos, a uma Hipertensão Portal (aumento da pressão dentro da veia principal do fígado). Então, em 2007, em decorrência dessa pressão alta na veia, tive varizes no esôfago, que em junho se romperam, provocando um sangramento intenso, sendo então internado às pressas no HSVP. Fui submetido a várias transfusões sanguíneas e plasmáticas. E entre ligaduras de veias esofágicas e exames, foi então diagnosticada a mais temida doença pós Hepatite C: o Hepatocarcinoma.

O diagnóstico me foi informado pelo Dr. Paulo Reichert, que disse também que a única opção para a cura deste câncer era o Transplante Hepático. De Transplantador a futuro Transplantado.

No ensino da Bioética na Faculdade de Medicina, orientamos nossos alunos que o médico deve desenvolver a arte da empatia, isto é se colocar no lugar do outro.

No meu caso, este fato se tornara real naquele momento, e conhecedor de todos os benefícios do transplante, mas também de todos os riscos desta cirurgia de altíssima complexidade, o medo era inevitável. Porém, com o apoio e o amor da minha mulher Adriana e dos meus filhos Felipe e Augusto, encarei com muita fé e confiança o que teria que enfrentar desde o momento em que entrei para a “fila” de espera de uma doação compatível.

Na noite de 13 de novembro de 2007, perto da meia-noite, toca o telefone e minha mulher atende: era o Dr. Paulo, me comunicando que tinha chegado a hora do meu transplante. Foi um momento de alegria e de angústia, porém com a confiança que estávamos na equipe cirúrgica e fé em Deus, dormimos tranquilos, já que o Dr. Reichert pediu para estar no hospital cedo, na manhã do dia 14, pois a cirurgia estava prevista para ter início ao meio-dia. Pela manhã, saí cedo da cama e fui fazer uma visita a um paciente que eu havia operado no dia anterior, para informá-lo de que eu estava, naquela manhã, indo para o meu transplante.

Algumas pessoas de outras capitais ficam admiradas pelo fato de eu ter escolhido fazer o meu transplante aqui em Passo Fundo, no entanto em momento algum tive qualquer dúvida sobre onde eu faria esta cirurgia. O HSVP, juntamente com o Dr. Paulo Reichert e toda sua equipe, é centro de referência em Transplante Hepático.

Neste momento de júbilo, não posso esquecer que, no mesmo dia em que eu estava muito feliz por ter a chance de uma nova vida, alguém em algum lugar estava pranteando a perda de um ente querido. E que cada ano de comemoração por esta vitória minha, dos médicos, da minha família será um ano de saudade e tristeza de alguém ou de uma família que perdeu o filho, o irmão, a esposa; porém estas mesmas pessoas que choram esta perda súbita, com muita dor e sofrimento, ainda tiveram o altruísmo de demonstrar um grande amor à humanidade, fazendo da morte um ato sublime e divino, entregando os órgãos daquele ser para salvar vidas. Peço a Deus, todos os dias da minha vida, que abençoe e dê forças a todos os familiares dos doadores, pois a nossa morte é o último ato de viver, porém podemos fazer da morte um fim menos doloroso para quem aqui fica com o consolo de que ela não foi totalmente em vão, apesar de ser, na maioria das vezes, precoce.

Peço também a Deus que, na esfera celestial, haja um lugar especial para as almas de todos os doadores do mundo, pois a sua morte, de humana, com certeza passa a ser divina, no momento da doação. Obrigado, meu doador, obrigado, querida e anônima família.

Douglas Pedroso

Urologista e Professor de Bioética

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Anote aí!!!

XXXII Congresso Brasileiro de Humanização e Pastoral da SaúdeA PRESENÇA DA PASTORAL DA SAÚDE NA SOCIEDADE BRASILEIRA:

DESDOBRAMENTOS DA CAMPANHA DA FRATERNIDADE 2012

07 e 08 de setembro de 2012

Local: Centro Universitário São Camilo, campus Ipiranga I, São Paulo –SP

Para mais informações entre em contato com a Secretária do ICAPS: (11) 3862-7286 ou pelo e-mail: [email protected].

Taxa: R$ 25,00 até o dia 27 de agosto / R$ 40,00 até o dia 31 de agosto (data limite para inscrição).

Rede São Camilo apresenta ações sociais em evento de lançamento de sua Nova Marca em

comemoração aos 90 anos da entidade no Brasil

Rede São Camilo apresentou oficialmente à sociedade brasileira, no dia 17 de abril, sua nova logomarca unificada, em comemoração aos 90 anos da chegada dos primeiros camilianos ao país (1922-2012). Nesse mesmo evento, também serão apresentadas suas atividades sociais, realizadas em prol dos mais vulneráveis. A tradição camiliana no mundo da saúde será demonstrada em evento que reunirá autoridades, lideranças, acadêmicos e profissionais da saúde.

A nova marca nasceu da necessidade de modernização e, principalmente, da unificação de todas as áreas de atuação das entidades camilianas, por meio de um símbolo único. O objetivo primordial foi tornar as entidades reconhecidas, por meio de uma mesma identidade visual.

Atualmente, a Rede São Camilo é composta por 11 entidades filantrópico-comunitárias que, juntas, administram 52 hospitais próprios e públicos, presentes nas regiões sul-sudeste, norte-nordeste e centro- sudeste, que prestam serviços especializados em educação e saúde e realizam programas de ações sociais e humanização. As entidades camilianas mantêm, hoje, no Brasil, 4.214 leitos, 18.011 colaboradores, 12.547 médicos; realizam 135.264 cirurgias e 47.736 partos por ano. As entidades não visam ao lucro, e o resultado atingido é sempre revertido para a melhoria da qualidade dos serviços, com investimentos em infraestrutura, aperfeiçoamento profissional e melhoria da qualidade de atendimento.

Os hospitais camilianos são as únicas instituições de saúde presentes em mais de 80% dos municípios onde estão sediados e atendem basicamente pelo SUS. “Isso significa que se não tivessem sido instalados ou assumidos, parcela significativa da população dessas localidades, em especial as mais vulneráveis, teriam suas vidas com maior risco de enfermidades e até mesmo mortes. Há, também, o fato de que, se as entidades camilianas não tivessem assumido a administração dos hospitais do Estado, esses não teriam mais condições de se manterem abertos”, explica o Prof. Dr. Pe. Léo Pessini, Presidente das Entidades Camilianas Brasileiras, que enfatiza: “Podemos afirmar que as entidades camilianas da área da saúde desempenham uma atividade sobremaneira importante e muito expressiva. Se fossem, nisso, imitadas por outras instituições, a saúde do povo brasileiro seria, sem dúvida, de fato universalizada, igualitária e de muito boa qualidade”, declara Pessini.

A área hospitalar realiza programas de Ações Sociais, Humanização e Meio Ambiente, entre os quais estão as Feiras e a Carreta da Saúde, Reciclagem, Doação de Mudas (entregues para cada família de crianças que nascem no hospital), Palhaços da Alegria, Acolhimento aos Familiares Enlutados, Amamentação e Parto, Projeto Mãe Canguru e Teste do Pezinho, Terapia Ocupacional e Natal no Leito. Outra atividade que permeia todos os hospitais camilianos são as ações de espiritualidade realizadas pela Pastoral da Saúde com o intuito de promover, recuperar, defender e cultivar os valores da vida.

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ICAPS - Instituto Camiliano de Pastoral da Saúde e Bioética

Tel: (11) 3862-7286

E-mail: [email protected]

Avenida Pompeia, 888

Cep: 05022-000

São Paulo-SP

impresso

A Pastoral da Saúde e a Campanha da Fraternidade 2012

tempo da Quaresma foi marcado pelo vigor da Campanha da Fraternidade 2012 que, como todos sabem, refletiu sobre Fraternidade e Saúde Pública. A Pastoral da Saúde colocou todas as suas energias para fazer essa CF acontecer, e o que vimos foi algo muito bonito. Em todo o Brasil, a Igreja se mobilizou em prol do conhecimento do mais concreto e aprofundado da realidade brasileira da saúde e do seu sistema público de saúde, isto é, o SUS. Os grupos de Pastoral da Saúde estiveram à frente da maioria dessas ações ligadas a CF 2012, liderando as comunidades na organização de eventos formativos e de ações em prol da saúde pública, sem medo de ser profeta nesse campo de extrema necessidade no Brasil, para assim atuar, desejando “que a saúde se difunda sobre a terra”.

O desafio agora é que toda essa mobilização ocorrida durante o tempo da Quaresma não perca a força, mas que esse tempo tenha sido apenas um impulso para o comprometimento de todos com o controle social do SUS e o início de um novo tempo de luta para o avanço qualitativo e de ofertas de serviços do SUS, com uma gestão honesta e participativa.

O Boletim São Camilo Pastoral da Saúde apresenta algumas fotos de ações da Pastoral da Saúde na CF 2012 e faz um convite para que as lideranças de grupos de pastoral enviem, para a sua redação, fotos e relatos das ações desenvolvidas pela Pastoral da Saúde em sintonia com a CF 2012, de modo que possamos divulgá-las, mostrando, assim, o que tem sido feito, e motivando cada vez mais grupos a agirem para “que a saúde se difunda sobre a terra”.

Seminário da Pastoral da Saúde de Campo Verde-MT

Encontro da Pastoral da Saúde para refletir sobre a CF-2012

Palestra sobre a Cf 2012 para publico Acadêmico do UNISAL

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