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A EXPERIÊNCIA DA REDE SOLIDÁRIA DE PRODUTORES E CONSUMIDORES DE PRODUTOS AGROECOLÓGICOS EMILIANO ZAPATA PONTA GROSSA PR: APROXIMANDO PRODUTORES E CONSUMIDORES Adriano da Costa Valadão 1 André de Souza Fedel 2 Luciane Gomes Pereira 3 Luiz Alexandre Gonçaves Cunha 4 RESUMO Este artigo tem como objetivo discutir a experiência da Rede Solidária de Produtores e Consumidores de Produtos Agroecológicos Emiliano Zapata organizada na cidade de Ponta Grossa no Paraná. Esta rede surgiu com o objetivo de incentivar a agricultura familiar camponesa e a geração de renda através de produtos agroecológicos. Esta experiência tem apoio do Programa de Extensão Incubadora de Empreendimentos Solidários e do Departamento de Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa. Esta Comunidade tem origem em uma ocupação de famílias ligadas ao MST no ano de 2003 em parte da área da Fazenda da Embrapa Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. Após a ocupação foi negociado entre o INCRA- Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária e a EMBRAPA a cessão de uma parte da fazenda para a implantação de um assentamento com capacitada para até 58 famílias. Apesar desta negociação e inclusive da transferência dos recursos referente ao pagamento da área, até o ano de 2014, as famílias ainda aguardam sua regularização que está emperrada por questões burocráticas de regularização de toda a área da EMBRAPA. Desta forma, embora oficialmente a Comunidade seja tratada pelo INCRA como uma ocupação, em diversos trabalhos é tratada com um Pré-assentamento como forma de reafirmar a certeza de que o assentamento será implantado. Por outro lado, essa condição ainda causa uma insegurança nas famílias e impede o acesso as políticas públicas de apoio à implantação e consolidação de assentamentos rurais. A Rede Solidária que trata este trabalho foi formada com base em princípios da economia solidária e produção agroecológica buscando aproximar os produtores dos consumidores, incentivando os chamados circuitos curtos de comercialização, estabelecendo uma relação direta entre os consumidores e os produtores. O modelo escolhido inicialmente com o objetivo de viabilizar a Rede estava ligado ao pagamento antecipado das compras do mês para a realização de entregas semanais. Após a consolidação de um número mínimo de consumidores fixos, a Rede também passou a trabalhar com aquisições eventuais. Da mesma forma os agricultores articuladores da Rede 1 Dr em Sociologia - membro da IESOL/UEPG/PR, prof. UNICENTRO/PR - [email protected] 2 Graduando em Geografia-UEPG membro da IESOL/UEPG/PR - [email protected] 3 Bacharel em Geografia membro da IESOL/UEPG/PR - [email protected] 4 Dr. em Ciências Sociais prof. DEGEO/UEPG/PR membro da IESOL /UEPG/PR - [email protected]

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A EXPERIÊNCIA DA REDE SOLIDÁRIA DE PRODUTORES E

CONSUMIDORES DE PRODUTOS AGROECOLÓGICOS EMILIANO

ZAPATA – PONTA GROSSA – PR: APROXIMANDO PRODUTORES E

CONSUMIDORES

Adriano da Costa Valadão1

André de Souza Fedel2

Luciane Gomes Pereira3

Luiz Alexandre Gonçaves Cunha4

RESUMO

Este artigo tem como objetivo discutir a experiência da Rede Solidária de Produtores e

Consumidores de Produtos Agroecológicos Emiliano Zapata organizada na cidade de Ponta

Grossa no Paraná. Esta rede surgiu com o objetivo de incentivar a agricultura familiar

camponesa e a geração de renda através de produtos agroecológicos. Esta experiência tem

apoio do Programa de Extensão Incubadora de Empreendimentos Solidários e do

Departamento de Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa. Esta Comunidade

tem origem em uma ocupação de famílias ligadas ao MST no ano de 2003 em parte da área da

Fazenda da Embrapa – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. Após a ocupação foi

negociado entre o INCRA- Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária e a

EMBRAPA a cessão de uma parte da fazenda para a implantação de um assentamento com

capacitada para até 58 famílias. Apesar desta negociação e inclusive da transferência dos

recursos referente ao pagamento da área, até o ano de 2014, as famílias ainda aguardam sua

regularização que está emperrada por questões burocráticas de regularização de toda a área da

EMBRAPA. Desta forma, embora oficialmente a Comunidade seja tratada pelo INCRA como

uma ocupação, em diversos trabalhos é tratada com um Pré-assentamento como forma de

reafirmar a certeza de que o assentamento será implantado. Por outro lado, essa condição

ainda causa uma insegurança nas famílias e impede o acesso as políticas públicas de apoio à

implantação e consolidação de assentamentos rurais. A Rede Solidária que trata este trabalho

foi formada com base em princípios da economia solidária e produção agroecológica

buscando aproximar os produtores dos consumidores, incentivando os chamados circuitos

curtos de comercialização, estabelecendo uma relação direta entre os consumidores e os

produtores. O modelo escolhido inicialmente com o objetivo de viabilizar a Rede estava

ligado ao pagamento antecipado das compras do mês para a realização de entregas semanais.

Após a consolidação de um número mínimo de consumidores fixos, a Rede também passou a

trabalhar com aquisições eventuais. Da mesma forma os agricultores articuladores da Rede

1 Dr em Sociologia - membro da IESOL/UEPG/PR, prof. UNICENTRO/PR - [email protected]

2 Graduando em Geografia-UEPG membro da IESOL/UEPG/PR - [email protected]

3 Bacharel em Geografia – membro da IESOL/UEPG/PR - [email protected]

4 Dr. em Ciências Sociais – prof. DEGEO/UEPG/PR membro da IESOL /UEPG/PR - [email protected]

também passaram a atuar como intermediários de produtos de outros agricultores

agroecológicos considerando as dificuldades de ampliar a produção e também atuarem na

comercialização e outras atividades, principalmente ligadas à participação nos movimentos

sociais. Verificou-se que a aproximação fortalece a relação de confiança entre estes atores e

proporcionam preços mais justos aos produtores. A Rede revela além de uma dimensão

econômica, ligada à geração de renda, uma dimensão política ao evitar a inserção no mercado

através de atravessadores, o questionamento ao uso de agroquímicos, a busca por alimentação

mais saudável e menos dependente de produtos industrializados e o incentivo à agricultura

familiar camponesa.

Palavras chave: Agroecologia; economia solidária, circuitos curtos de comercialização

INTRODUÇÃO

A agricultura familiar camponesa, historicamente tem sua produção destinada para o

consumo da própria família e/ou para o abastecimento do mercado local. O advento da

agricultura moderna, principalmente a partir da década de 1960, através da chamada

Revolução Verde estimou uma rápida aceleração da migração campo-cidade e milhões de

famílias deixaram suas terras principalmente rumo aos grandes centros urbanos. Por outro

lado, um importante contingente se negou a sair do campo e permaneceram na produção, além

de milhares de pessoas que mesmo perdendo o acesso a terra insistiam em continuar no

campo e se articularam em movimentos sociais de luta pela terra, principalmente no MST –

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. A Partir do ano 2000, este movimento

propõe a agroecologia como modelo para os assentamentos rurais. Com a proposição da

utilização da agroecologia, também a prioridade o abastecimento de mercados locais ganha

relevo. Desta forma, este texto tem como objetivo discutir as experiências de comercialização

de produtos agroecológicos através da constituição de circuitos curtos de comercialização de

produtos de agricultores assentados.

Abordaremos nesta discussão os temas da Agroecologia, Economia Solidária e dos

Circuitos Curtos de Comercialização, a caracterização dos circuitos curtos de comercialização

de produtos agroecológicos, incluindo os programas governamentais, desenvolvidas pela

Comunidade Emiliano Zapata, principalmente com o apoio da IESol/UEPG5, principalmente

5 IESOL – Incubadora de Empreendimentos Solidários é um Programa de Extensão de Universidade Estadual de

Ponta Grossa, sendo parte de um rede de Incubadoras Tecnológicos de Cooperativas Populares, que trabalha

a Feira Agroecológica e a Rede de Consumidores de Produtos Agroecológicos Emiliano

Zapata enquanto espaços de construção de alternativas para expansão da renda e articulação

com outros setores da sociedade. Destacamos ainda que este trabalho é fruto de uma reflexão

sobre a experiência de oito anos de acompanhamento da IESol, Incubadora de

Empreendimentos Solidários, Programa Permanente de Extensão da Universidade Estadual de

Ponta Grossa. Tem como base diversos trabalhos já publicados sobre esta comunidade e

informações coletadas pelas equipes da IESol durante o período de acompanhamento.

ECONOMIA SOLIDÁRIA, AGROECOLOGIA E CIRCUITOS CURTOS DE

COMERCIALIZAÇÃO

A Agroecologia e a Economia Solidária tem se apresentado como dois campos

distintos de contestação social e de construção de alternativas econômico sociais. De acordo

com Schimitt e Tygel (2009), estes campos emergem no Brasil principalmente na segunda

metade da década de 1990 e apresentam o ano de 2002 como marco da articulação nacional.

Neste ano são realizados em momentos distintos o I Encontro Nacional de Agroecologia e a I

Plenária Nacional de Economia Solidária. Os autores ainda destacam que na prática cotidiana

dos diversos grupos e associações “a resistência ao capitalismo e a sobrevivência dentro do

capitalismo fazem parte de uma mesma equação. Em seu agir estão presentes demandas e

contradições de diferentes tipos, refletindo os múltiplos pertencimentos através dos quais se

constroem suas identidades” (SCHIMITT e TYGEL, 2009, p. 106).

A agroecologia vem se consolidando como um campo conceitual e metodológico de

conhecimento de conhecimento que fornece as bases para práticas agrícolas sem a utilização

de agroquímicos, que respeita e busca dialogar com as práticas e saberes dos agricultores

camponeses e busca minimizar os impactos da atividade humana ao meio ambiente. A

compreensão de agroecologia é influenciada pelos múltiplos atores que

participam/participaram de sua construção no Brasil e reflete o pensamento acadêmico, dos

movimentos sociais e dos agricultores camponeses. Como ciência ou campo de conhecimento

no apoio a grupos coletivos que buscam desenvolver atividades econômicas com base nos princípios da Economia Solidária.

tem sido feita a partir de um esforço de diversos pesquisadores, que buscam romper com as

bases epistemológicas da ciência convencional. Autores com Altieri (2001) tendem a destacar

a agroecologia em relação a aspectos técnicos. Sevilla Guzman (2000) por sua vez destaca

elementos da ação coletiva e a incorporação das ciências sociais e os movimentos sociais se

apropriam da temática da agroecologia e passam a demandar políticas públicas de apoio e

realizar críticas mais contundentes ao modelo de agricultura convencional, principalmente ao

agronegócio. Entre as diversas concepções de agroecologia, destacamos que esta pode ser

compreendida como “uma ciência que, ao contrário dos esquemas cartesianos, procura ser

integradora, holística e, por isso mesmo, mais apropriada como orientação teórica e prática

para estratégias de desenvolvimento rural sustentável”. (CAPORAL, COSTABEBER,

PAULLUS, 2006).

Os movimentos sociais se apropriam da temática da agroecologia e passam a

demandar políticas públicas de apoio e realizar críticas mais contundentes ao modelo de

agricultura convencional, principalmente ao agronegócio. Estes movimentos e organizações

além de incorporarem estas demandas, acabam por constituir um Movimento Agroecológico

(BRANDENBURG, 2002). Este Movimento, em geral, possui uma organização em rede,

onde cada participante mantém sua autonomia, e é um espaço de busca de diálogo, de busca

de convergências e de diversos pontos de contato, principalmente em grandes questões

relacionadas à agroecologia. Da mesma forma é um espaço que pode apresentar tensões,

conflitos e processos de negociações. A operacionalização nacional deste movimento esta

ligada a ANA – Articulação Nacional de Agroecologia, apesar da independência e autonomia

de cada movimento.

Desta forma, a agroecologia oscila entre conceituações que de um lado a definem no

campo da ciência ou de um conhecimento, e de outro lado, como ação coletiva ou modo de

vida como visto pelos movimentos sociais (SCHMITT, 2009).

Por outro lado, a Economia Solidária é uma expressão que ganhou forma ao longo dos

anos 1990 a partir de uma grande variedade de experiências que retomam tradições

associativas dos trabalhadores, tendo como fonte de inspiração as experiências cooperativas

dos trabalhadores do século XIX. Estas iniciativas estão ligadas a constituição de uma

variedade de grupos onde a solidariedade estejam no centro das relações sociais, predomine a

socialização dos meios de produção e princípios de equidade. Estes grupos adotam diversas

formações que podem ser associações e cooperativas, grupos informais, empresas com a

gestão dos trabalhadores. Essas experiências são desenvolvidas a partir de práticas de

autogestão como forma de resistência à pressão do capital e também como forma de construir

alternativas frente ao modelo capitalista e busca construir uma nova racionalidade baseada na

solidariedade (GAIGER, 2013).

Schimitt e Tyger (2009) destacam que sem querer reduzir as experiências de

agroecologia e economia solidária a um único campo de conhecimento ou práticas sociais,

pois ambos ao mesmo tempo em que possuem confluências, também apresentam impasses e

desafios comuns e específicos, às vezes até contraditórios entre si. Os autores destacam

algumas complementariedades e possibilidades de fortalecimento mútuo ligados a integração

entre as diversas fases de um processo produtivo e sua disponibilização ao consumidor final, a

maior ênfase em geral dada a questão ambiental e o tema da segurança alimentar e nutricional

que sempre se faz presente. Por outro lado uma questão em aberto está ligada ao fato de

estabelecimentos familiares rurais que não considerados empreendimentos de economia

solidária e nem sempre se constituem em grupos ou organizações com gestão coletiva.

Entre os dilemas da economia solidária e da agroecologia está, de acordo com Schimitt

e Tyger (2009) a questão do mercado, por um lado busca-se uma desenvolver uma prática

baseada em uma lógica distinta de valores mercantis e desenvolver a produção agropecuária

sem vistas a um produtivismo e busca de aumento de rentabilidade em um contexto de uma

economia capitalista, mesmo que outras lógicas ainda estejam presentes de forma

praticamente invisíveis, mas que ainda fazem parte do cotidiano de um grande contingente

populacional. Desta feita, a problematização em torno da questão da construção de e da

relação com mercados, trata-se uma um “núcleo de problematização de grande relevância

tanto para os empreendimentos de Economia Solidária como para as organizações do campo

agroecológico” (SCHIMITT e TYGER, 2009, P. 123). Destacamos então a seguir alguns

modelos potenciais que podem fornecer elementos para o desenvolvimento de novas

experiências de relação entre a produção agroecológica, a economia solidária e a relação com

os mercados.

Entre estas propostas, destaca-se a experiência histórica da venda direta. Com a

modernização da agricultura, hegemônica a partir de meados da década de 1960, procurou

impor, principalmente em um contexto brasileiro o modelo empresarial como única forma

possível de exploração agropecuária. A atividade agropecuária passa a ser desenvolvida a

semelhança de um processo industrial. Estas transformações afetaram a relação entre os

produtores agrícolas e consumidores, romperam a ligação entre estes que ao longo dos séculos

era muito estreita, Dalrot (2013) aponta a venda direta de produtos agrícolas como uma

atividade milenar. Com as mudanças da modernização da agricultura, os agricultores passam

em grande medida a trabalhar para grandes redes industriais ou varejistas.

A agroecologia também problematiza a inserção da produção dos agricultores no

mercado e aponta que a necessidade de pensar o local, de priorizar o abastecimento da região

que os produtos são produzidos. A comercialização através de grandes redes traz embutido o

custo de transação das diversas operações envolvidas, como o a lucratividade dos agentes

intermediários e a logística de transporte. Uma discussão apresentada neste debate é a

distribuição através de circuitos curtos de comercialização. Dalrot (2013) destaca que no

Brasil não existe uma definição para este conceito e o mesmo é pouco utilizado. O autor

aponta que em geral este conceito está ligado a uma literatura francesa, e que define circuito

curto não em relação a distancia, mas em relação à existência de no máximo um intermediário

entre o produtor e o consumidor e esta bastante ligado à produção e consumo de produtos de

uma determinada região e a tradições culturais locais, os chamados produtos do terroir.

Soler e Calle (2010), analisando o caso da Andaluzia na Espanha, apontam os canais curtos

são identificados como as inter-relações entre atores envolvidos de forma direta na produção,

transformação, distribuição e consumo dos produtos. Estes canais formam redes articuladas

com base em elementos como proximidade, sustentabilidade, confiança e equidade e que tem

por base o vinculo entre as pessoas que cooperam e transformam a alimentação cotidiana em

um exercício livre de criação de cidadania com base em critérios de cooperação, confiança e

apoio mútuo.

Experiências de destaque, principalmente no âmbito da Europa e da América do Norte,

estão ligadas a organizações de apoio a produtores por parte de consumidores. Conhecidas

como Agricultura Apoiada pela Comunidade ou pelo Consumidor, os exemplos mais

conhecidos são as AMAP - Association pour le Maintien de l’agricultura Paysanne6. Como .

No Brasil existem iniciativas pioneiras nos Estados do Ceará, Paraná, Santa Catarina e Rio

Grande do Sul. Estes grupos têm como pano de fundo a preocupação com a qualidade dos

alimentos relacionados a questões de segurança alimentar e ligados a recentes problemas que

a agricultura industrial desencadeou (como o mal da vaca-louca, contaminação por dioxinas e

agrotóxicos, transgênicos e outros). Ainda existem os consumidores que procuram um estilo

de vida mais saudável e/ou produzidos com menor agressão ao meio ambiente. Da mesma

forma, produtores que buscam maior autonomia e renda, procurando não se subordinar ao

mercado convencional caracterizado por vendas a atravessadores e grandes redes varejistas

(DAROLT, 2013).

Com base em autores franceses e a prática brasileira, Dalrot (2013) propõe uma

tipologia de Circuitos Curtos de Comercialização (FIGURA 01), a qual está divida em venda

direta e venda indireta. A venda direta pode ser feita no próprio estabelecimento agrícola o

que possibilita o desenvolvimento de serviços complementares como o turismo rural e

gastronomia, a entrega de cestas para grupos ou compradores individuais, em um sistema que

os próprios consumidores colhem os produtos a serem adquiridos entre outras possibilidades.

Já as vendas fora do estabelecimento rural podem ser feitas em feiras de produtores ou pontos

de vendas específicos controlados pelos produtores e/ou consumidores. Também podem ser

feitos em eventos organizados por instituições em datas pré-determinadas que podem

proporcionar uma certa visibilidade e divulgação dos produtos. Nas venda fora da propriedade

ainda são incluídas as vendas diretas ao governo como os Programas de Aquisição de

Alimentos e Programa de Alimentação Escolar.

Nas vendas indiretas, que são caracterizados pela existência de apenas um

intermediário, estas podem ser feitas em lojas especializadas, restaurantes, pequenos

mercados e lojas pela internet, lojas das próprias organizações dos trabalhadores ou dos

consumidores.

6 Associação para a manutenção da agricultura camponesa.

Figura 1 – Tipologia de circuitos curtos de comercialização de produtos ecológicos no Brasil

FONTE: Darolt (2013, p. 143)

Darolt (2013) destaca no Brasil a complementariedade das experiências nos circuitos

curtos no Brasil, com os produtores utilizando pelo menos dois canais curtos de

comercialização de forma complementar. Destaque a venda a programas governamentais

aliado realização de feiras. Mas aponta que os outros modelos (vendas na propriedade,

turismo, restaurantes, lojas, etc) tem apresentado um crescimento com o aumento da

demanda.

A Comunidade Emiliano Zapata – luta pela regularização e estratégias de viabilização

Comunidade Emiliano Zapata, que é um pré-assentamento composto por famílias

ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). Esta comunidade esta localizada

no município de Ponta Grossa, Estado do Paraná, Região Sul do Brasil, em uma área faz parte

de uma fazenda da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - EMBRAPA, distante

aproximadamente 12 km do centro urbano do município. A ocupação da área foi realizada em

maio de 2003 pelo MST com aproximadamente 150 famílias acampadas na região no

processo de luta pela terra. Estas famílias são oriundas principalmente de municípios da

Região de Ponta Grossa e da Região Metropolitana de Curitiba. Após negociações entre o

MST e órgãos públicos, 660 hectares da área foram cedidos para o INCRA – Instituto

Nacional de Colonização e Reforma Agrária, com a finalidade de realizar a implementação de

um assentamento rural com capacidade para até 58 famílias.

Entretanto, problemas com a documentação da área, conflitos com vizinhos da área,

que não concordaram com a realização de serviços de medição e a morosidade burocrática,

têm sistematicamente impedido a legalização da área. Isto acaba por configurar esta

Comunidade ainda como pré-assentamento, ou seja, uma transição de acampamento para

assentamento. Esta fase se caracteriza pela existência da decisão política da implantação do

assentamento, mas este ainda precisa de regularização perante os órgãos públicos

relacionados ao processo de Reforma Agrária. Para as famílias moradoras do local, esta

condição se traduz na sua condição precária de vida devido à impossibilidade de acesso as

políticas públicas de apoio aos assentamentos rurais. Estas famílias não tem acesso a créditos

rurais, aos financiamentos para construção de moradias e água tratada, estradas em boas

condições, entre outras, o que resulta numa série de dificuldades cotidianas.

Enquadrados como trabalhadores sem terra-acampados, os mesmos recebiam uma

cesta básica do INCRA com vistas a garantir seu sustento básico, mas esta cesta era entregue

em períodos irregulares e em muitos casos não era suficiente para todas as famílias.

Inicialmente pequenos roçados e hortas foram realizados principalmente para suprir a

alimentação básica das famílias. Essa produção era insuficiente, considerando a falta de

recursos para investir na produção. Estas famílias encontravam-se descapitalizadas e não

tinham condições de adquirir sementes em quantidade suficiente, insumos e implementos para

suprir suas necessidades.

Destacamos ainda que estas famílias, ao optarem por entrarem para o movimento

social, já se encontravam em condições precárias de vida, sem recursos para investir ou iniciar

alguma produção no local. Com a falta de regularização e diversas necessidades a serem

supridas, as próprias famílias dividiram a área em lotes, cabendo a cada uma cerca de 10 ha.

Da mesma forma os agricultores trabalham com base nos princípios da agroecologia, em uma

decisão baseada nas propostas do MST que defende a agroecologia como base para a

produção dos assentamentos rurais principalmente a partir do seu IV Congresso Nacional

realizado em 2000 (VALADÃO, 2005). Para certificar a produção os agricultores se

participam da Rede Ecovida de Certificação Participativa.

A primeira experiência desta comunidade, após a realização de pequenas culturas para

a subsistência, está ligada a sua inserção no PAA – Programa de Aquisição de Alimentos.

Este programa é gerido pelo Governo Federal através da CONAB – Companhia Nacional de

Abastecimento e consiste na compra de alimentos com destinos como a doação à instituições

sociais e formação de estoque governamental7. A Comunidade Emiliano Zapata inseriu-se no

subprograma Compra Direta com Doação Simultânea com um primeiro projeto no valor total

de R$ 45.000,00 (quarenta e cinco mil reais). Este primeiro projeto beneficiou 33 famílias.

Militantes do MST na região já tinham fundado uma Associação, a ATERRA – Associação

dos Trabalhadores da Reforma Agrária, a qual ficou encarregada de representar as famílias

perante os órgãos públicos e que foi a proponente deste primeiro projeto. Santos (2010)

destaca que neste momento diversas famílias não deram credibilidade ao programa,

principalmente por desconhecer sua dinâmica e receio do não pagamento após a entrega dos

produtos.

Após o primeiro projeto mostrar proporcionar renda às famílias participantes, o

restante da Comunidade também se inseriu na próxima proposta. Em 2007 o PAA na

comunidade Emiliano Zapata beneficiava as 58 famílias, com um projeto de R$ 221.480,35

(duzentos e vinte e um mil, quatrocentos e oitenta reais e trinta e cinco centavo) (ROCHA,

2010). De acordo com dados da CONAB (2014), em 2010, foi apresentada uma nova

proposta no valor de 375.316,41 (trezentos e setenta e cinco mil, trezentos e dezesseis reais e

quarenta e um centavos) beneficiando 64 famílias. Destaca-se que esta proposta também

incluía sete famílias do Assentamento Palmares II situada a 20 km do local, já no município

de Palmeira. No ano de 2012 foi apresentado mais um projeto no valor de R$ 364.819,15

(trezentos e sessenta e quatro mil, oitocentos e dezenove reais e quinze centavos). Esta

proposta incluía 71 famílias da Comunidade Emiliano Zapata e mais oito famílias do

Assentamento Palmares II e sete famílias do Assentamento Ernesto Che Guevara em Teixeira

Soares. (TABELA 1)

7 Para maiores informações sobre o PAA entre outros vide Conab (2014) ou Santos (2010).

Tabela 1 – Valores e famílias beneficiadas na Comunidade Emiliano Zapata.

Ano

Valor total da proposta

(R$)

Total de famílias beneficiadas na

proposta*

Total de famílias

beneficiadas na

Comunidade Emiliano

Zapata

2004 45.000,00 33 33

2007 221.480,35 58 58

2010 365.316,41 71 64

2012 364.819,15 71 86

FONTES: SANTOS (2010) ROCHA FILHO (2010) CONAB (2014)

*Inclui famílias dos Assentamentos Palmares II (Palmeira) e Ernesto Che Guevera (Teixeira Soares).

Ainda em relação aos produtos entregues, os projetos previam uma grande

diversidade, no caso do projeto de 2012 somente a Comunidade Emiliano Zapata, que

entregava produtos agroecológicos, foi previsto um total de 52 produtos orgânicos diferentes,

(QUADRO 1). Apesar de alguns produtos apresentarem quantidades maiores por terem

plantios realizados especialmente para atender o projeto, outro produtos em quantias menores

e que dificilmente teriam comercialização também são entregues no Programa, ou seja o

PAA, os agricultores também podem comercializar pequenos excedentes de culturas que não

são atrativas comercialmente, mas que fazem parte da dieta alimentar familiar e que assim

podem dispender um cuidado maior e proporcionar uma maior diversidade alimentar à sua

família e continuar a reproduzir tradições culturais ligadas a alimentação ao mesmo tempo

que pode proporcionar renda. Essa diversidade também melhora a qualidade da alimentação

dos consumidores destes produtos. Os produtos do PAA são destinados a instituições

assistenciais ou educacionais da região, com uma amplitude maior de alimento os usuários

destas instituições tem à disposição nutrientes que em poucas oportunidades teriam mais

dificuldade no acesso.

O PAA se constituiu na principal fonte de renda agrícola da comunidade, no ultimo

projeto apresentado em 2012 cada família recebeu um valor médio de R$ 375,008 ao mês.

Destacando ainda que grande parte da alimentação da família é produzida por ela própria,

apontamos que, embora insuficiente para atender as necessidades das famílias, a renda

8 Até 2014 cada família poderia apresentar projetos de até R$ 4500,00, sendo que, respeitado este limite os

agricultores ecológicos recebem um prêmio de 30% sobre os preços básicos praticados ela CONAB.

proporcionada pelo PAA e a produção de auto sustento com outras fontes de renda eventuais,

são uma importante contribuição para satisfazer necessidades alimentes mínimas.

Quadro 1 – Relação e quantidade dos produtos previstos na Proposta PAA 2012 pela

Comunidade Emiliano Zapata.

Nº Produto Quantidade Nº Produto Quantidade

1. Abóbora> ecológica 7.265 28. Feijão> orgânico(a), anão preto tipo 1 4.182

2. Abobrinha> orgânico(a) 8.702 29. Jiló> orgânico(a) 421

3. Acelga> orgânico(a) 746 30. Limão> orgânico(a), rosa 702

4. Agrião> ecológico 60 31. Maracujá> orgânico(a) 550

5. Alface> ecológica 5.692 32. Melancia> orgânico(a) 287

6. Alho> ecológico 30 33. Melão> orgânico(a) 100

7. Almeirão> orgânico(a) 3.227 34. Milho> em espiga com palha,

orgânico(a), verde

22.431

8. Amendoim> orgânico(a) 358 35. Milho> orgânico(a), de pipoca 4.925

9. Arroz> ecológico 190 36. Moranga> ecológica 490

10. Batata> ecológica, doce 5.909 37. Nabo> orgânico(a) 6.044

12. Batata> orgânico(a), yacon 50 38. Ovos de galinha> ecológico (s) 150

13. Berinjela> orgânico(a) 1.898 39. Pepino> orgânico(a) 3.057

14. Beterraba> ecológica 7.691 40. Pêssego> ecológico 730

15. Brócolis> ecológico 2.098 41. Pimentão> ecológico 909

16. Cará> orgânico(a) 30 42. Pimentão> verde 400

17. Caxi> orgânico(a) 700 43. Quiabo> orgânico(a) 279

18. Cebola> ecológica 850 44. Quirera de milho> orgânico(a) 30

19. Cenoura> ecológica 11.274 45. Rabanete> orgânico(a) 986

20. Cheiro verde> orgânico(a) 5.089 46. Radiche> orgânico(a) 140

21. Chuchu> orgânico(a) 4.145 47. Raiz de mandioca> orgânico(a), com

casca

7.957

22 Couve> ecológica 3.556 48. Repolho> ecológico 7.634

23. Couve-flor> orgânico(a) 403 49. Rúcula> ecológica 674

24. Doce de abóbora>

orgânico(a)

400 50. Tomate> orgânico(a) 250

25. Doce de fruta> orgânico(a) 90 51. Tomate> orgânico(a), cereja 519

26. Escarola> orgânico(a) 2.690 52. Vagem> orgânico(a) 380

27. Espinafre> orgânico(a) 2.222

FONTE: CONAB (2014).

Para complementar sua renda as famílias desenvolvem outras estratégias de geração

de renda, algumas famílias eram passíveis de enquadramento em políticas sociais como bolsa

família e alguns aposentados e mesmo a realização de vendas eventuais. Por outro lado, uma

articulação da Universidade Estadual de Ponta Grossa e da Comunidade Emiliano Zapata e

com participação da IESol apresentou projetos para a implantação de horta comunitárias. O

primeiro projeto foi aprovado através do Programa USF – Universidade Sem Fronteiras9,

onde foi instalada uma horta comunitária na sede da Comunidade Emiliano Zapata. Esta horta

chegou a ter a participação de 34 famílias da comunidade. A produção desta horta era

comercializada em feiras agroecológicas na cidade, principalmente realizadas nos Campus da

Universidade Estadual de Ponta Grossa. Em um momento de pico de movimentação a horta

chegou a gerar um valor de R$ 800,00 (oitocentos reais) por semana. Mas alguns problemas

apareceram como a demora na instalação da horta, recursos insuficientes, burocracia para

aquisição dos equipamentos e insumos, valor total das vendas considerado baixo, dificuldades

de relacionamento entre os membros da comunidade e finalmente com o encerramento do

projeto a equipe da Universidade desmobilizou-se e rompeu-se o apoio oferecido às famílias.

Desta forma, a articulação entre as famílias desestruturou-se e apenas um pequeno grupo

variando entre 3 a 5 famílias permaneceram trabalhando na horta. A IESol rearticulou este

apoio e apresentou um novo projeto junto a Cáritas para apoiar o grupo remanescente. A feira

semanal foi retomada em 2012 e até 2014 tem se consolidado como um espaço de

comercialização e geração de renda, principalmente após a interrupção das entregas ao

Programa de Aquisição de Alimento.

As dificuldades com a interrupção do PAA estimularam as famílias a buscar outras

formas de geração de renda, uma foi a busca por serviços fora do estabelecimento agrícola, no

fenômeno que tem sido descrito como pluriatividade, destacando trabalhos eventuais na

construção civil. Ainda antes da interrupção e cientes da dependência em relação ao PAA,

outro grupo de agricultores propôs a instituição de uma rede de consumidores de produtos

agroecológicos fixos como veremos a seguir.

Rede de Produtores e Consumidores de Produtos Agroecológicos Emiliano Zapata

Com a consolidação das feiras semanais na universidade, novos agricultores e

agricultoras da comunidade manifestaram interesse em comercializar seus produtos com

9 O Programa Universidade Sem Fronteira é uma ação do Governo do Estado do Paraná com o objetivo de apoiar

ações de extensão universitária. O programa financia bolsas de extensão, materiais de consumo e equipamentos.

apoio da IESol, alguns já tinham participado do primeiro momento da horta e da feira e agora

manifestavam interesse em retornar a feira ou desenvolver novas formas de comercialização.

Da mesma forma detectava-se a dificuldade de conseguir um rápido crescimento no

número de consumidores da feira e nas dificuldades que esta ainda apresentava ou que o

próprio formato da feira apresenta. O aumento de famílias na feira não necessariamente

proporcionaria uma renda minimamente satisfatória para todos. Outra questão está

relacionada ao risco da própria feira em apresentar um movimento baixo e os agricultores e os

agricultores perderem produtos já colhidos e não vendidos, podendo acarretar outras

dificuldades como a renovação do plantio e em muitos casos uma relação estritamente

comercial.

A equipe da IESol, retomou a proposta da constituição de uma rede de produtores e

consumidores que já tinha sido discutida em diversos momentos, mas ainda não havia tido um

interesse ou disponibilidade por parte dos agricultores. Ao final de 2012 um grupo de

agricultores decidiu iniciar a articulação da Rede de Produtores e Consumidores de Produtos

Agroecológicos Emiliano Zapata de forma gradativa, iniciando com um pequeno número de

agricultores. Foi escolhido um modelo em que os agricultores indicassem quais os produtos

agroecológicos que teriam disponíveis para a próxima semana e os consumidores informavam

quais queriam comprar. Dentro de uma lógica de consumo solidário ou responsável, o qual

considera que “quem consome um produto ou serviço cuja a elaboração ou oferecimento

impliquem em exploração de seres humanos ou dano ao ecossistema é corresponsável por

seus efeitos” (MANCE, 2009, p. 74). Os consumidores que aderem à rede concordavam em

pagar um valor de R$ 50,00 (cinquenta reais) no início de cada mês e ao longo do mês

pegariam em produtos o crédito disponível. Foi discutido a possibilidade da entrega de uma

cesta com produtos fixos, mas considerando as características dos potenciais consumidores e

que nem todos desejariam todos os produtos disponíveis por questões de tamanho de família e

gosto pessoal.

Para a realização dos pedidos, após a análise das formas possíveis e verificado a

disponibilidade de acesso a internet pelas famílias, foi estipulado que os pedidos seriam

realizados de forma eletrônica. Verificando a sua rotina e possibilidades, os membros da Rede

estabeleceram que até a sexta-feira ou sábado, um e-mail era enviado aos membros

consumidores cadastrados e estes teriam até às 12 horas da segunda-feira para informar os

produtos que pretendiam. Após este período os pedidos eram sistematizados e realizada a

colheita ou preparo dos mesmos. E a entrega era realizada na terça feira nos pontos pré-

determinados.

Uma das agricultoras ficou responsável pela gestão dos pedidos, com auxílio eventual

de membros da Universidade. O projeto ainda contou com a parceria do Departamento de

Jornalismo e do Sindicato dos Docentes da Universidade que ficaram responsáveis por

articular os locais para entrega. Da mesma forma esses atores buscaram os primeiros 20

consumidores que era considerado o número mínimo para viabilizar as vendas e o início das

atividades devido aos custos de transporte da produção. Foi desenvolvida uma logo para a

Rede e uma página em rede de relacionamento na internet além da articulação com meios de

comunicação locais e regionais. Esta articulação proporcionou a realização de reportagens em

veículos da mídia local e estadual, seja em jornal ou na televisão.

Este modelo foi inspirado em uma Rede semelhante que funcionou no município de

Irati/PR, a qual avançou para a articulação de um Armazém Solidário. Da mesma forma é

inspirado nas propostas europeias, principalmente francesas, como as AMAP. Onde foi

escolhida uma forma de pagamento antecipado mensal no valor de R$ 50,00. Inicialmente

uma ou duas família produziriam entregariam produtos para 20 consumidores. Neste modelo

também foi considerado que os agricultores possuem outras atividades, que não somente as

ligadas a agricultura, destacando-se neste caso a militância no Movimento Social, participação

em diversos Conselhos de Políticas Públicas do Município de Ponta Grossa e outros canais de

comercialização, como o PAA. Darolt (2013) destaca que em geral estes grupos começam

com um pequeno número de agricultores e que segundo Lamine (2008 apud Darolt, 2013, p.

158) “uma propriedade familiar com duas pessoas trabalhando em tempo integral, com uma

área média de cultivo de 2,5 hectares pode atender até 80 pessoas, com uma diversidade de

mais de 40 tipos de hortaliças e frutas”. Desta forma, foi articulada a Rede Solidária

Produtores e Consumidores Agroecológicos Emiliano Zapata tem chegado a cerca de 30

consumidores semanais. A produção dos alimentos agroecológicos desta rede foi assumida

inicialmente por três famílias da Comunidade em tempo parcial que atualmente já incluiu

mais um produtor. No primeiro semestre de funcionamento da rede, entre março e junho de

2013, foram entregues geralmente entre 9 e 10 produtos. Uma média de oito itens eram

produtos in natura e dois minimamente processados (geralmente queijo e mandioca

descascada). Já no segundo semestre de funcionamento, devido a um rígido período de

inverno, esta média caio para oito produtos semanais, mantendo dois produtos beneficiado,

principalmente nos meses de agosto e setembro, a partir de outubro a produção começou a se

recuperar e a o final do período houve um aumento nos produtos entregues. Já no terceiro

semestre de funcionamento, entre janeiro e junho de 2014, esta média foi aumentando para

uma valor entre 13 e 14 produtos, chegando no final do período a 19 produtos entregues.

Outras mudanças foram a maior presença de produtos beneficiados, como morango embalado

em alguns momentos e principalmente produtos de padaria (pães e broas em diversas

apresentações e pão de queijo e rosca). Os produtos de padaria estão ligados a adesão de um

agricultor com conhecimento na área e que conseguiu instalar alguns equipamentos de

panificação em sua casa. (Quadro 2)

Quadro 2: Número de produtos disponibilizados pelos agricultores para os

consumidores da Rede

Produtos

Período

Março a junho de

2013

Julho a Dezembro de

2013

Janeiro a junho de

2014

In natura 7 a 8 6 8

Beneficiados 2 2 5 a 6

Total 9 a 10 8 13 a 14

FONTE: Levantamento dos produtos ofertados pela Rede através de e-mail.

Obs: os valores representam as maiores frequências pois existe a variação sazonal da produção e problemas

climáticos. Não representa o número médio.

Com o crescimento da Rede, e a garantia de um número mínimo de produtores, outros

consumidores passaram a ser admitidos, sem a obrigatoriedade do pagamento antecipado de

R$ 50,00 (cinquenta reais) mensais. Considerando que o público majoritário é formado por

membros da UEPG, viu-se que existia um público que não consumiria este valor

mensalmente, principalmente estudantes e professores, devido a muitas refeições fora de casa

ou a pequena demanda por morarem sozinhos mas que manifestaram interesse em consumir

alimentos agroecológicos. Desta forma, passou-se a aceitar encomendas eventuais, pois os

agricultores verificaram que os custos de transporte (os mais onerosos) seriam cobertos com

os consumidores que já participavam da Rede.

Esta articulação em rede tem garantido a geração de uma renda mínima a estas

famílias que evitam perdas na produção, uma vez que as famílias somente vão colher os

produtos já previamente vendidos. Até o momento a rede tem sido avaliada positivamente

pelos agricultores que pouco a pouco tem expandindo sua produção. Ainda surge a

possibilidade da rede intermediar outros produtores. Seguindo a lógica dos circuitos curtos, os

membros entregam produtos de outros agricultores de comunidade que possuem excedentes.

Assim os produtores não precisam se deslocar constantemente até o centro urbano para

realizar a comercialização e amplia o número de produtos oferecidos e cada produtor pode se

especializar em determinados produtos como forma de melhorar sua qualidade. Inclusive já

existe a intermediação de produtos de outros assentamentos como o caso do arroz orgânico

produzido e comercializado por um agricultor assentado do município de Querência do Norte,

que repassa os produtos aproveitando os momentos de encontros dos movimentos sociais.

Na dimensão política destacamos que as formas de comunicação da rede, como o e-

mail e a página na rede social também são utilizadas para a divulgação de informações a

respeito das lutas dos movimentos sociais, principalmente MST e a lembrança de

acontecimento ou datas históricas da luta dos trabalhadores. Destaca-se ainda no objetivo

político que a Rede aproveitou a articulação em torno de um dos agricultores da Rede que nas

eleições municipais de 2012 lançou sua candidatura à vereador e em torno de se nome se

juntou um grupo de militantes de movimentos sindicais e sociais e que parte dos membros

desta articulação se tornou membro da Rede.

Em relação a aproximação da agroecologia com a economia solidária, a principal

limitação está ligada ao contexto que as famílias estão inseridas, em uma região que o

agronegócio é totalmente hegemônico e pressiona para a não regularização da área. Assim,

como ressalta Rocha Filho (2009), a agricultura agroecológica estabelecida pelos agricultores

e agricultoras da comunidade Emiliano Zapata proporciona a propagação e inserção da

Economia Solidária, mais especificamente através do trabalho da IESol e outros parceiros.

Busca resolver o problema do mercado, através da criação de um canal alternativo e baseado

em valores e princípios diferentes da economia capitalista. Busca soluções para problemas

imediatos, mas sem perder de vista processos mais amplos de lutas sociais. Sem a

regularização da área as famílias têm poucas possibilidades de realizar investimentos mais

substanciais e ampliar a produção, assim como arcar com os custos de transporte da produção.

Destacamos ainda que a relação entre consumidores e produtores vai além de uma

mera relação de consumo. Buscou-se estabelecer relações de confiança entre ambos. Além

disso, existe uma dimensão política, considerando que grande parte dos consumidores milita

em diversos movimentos sociais e/ou sindicais. Os agricultores, que também são militantes do

MST aproveitam o espaço da Rede para divulgar questões relativas ao MST ou mesmo

relembrar datas e acontecimento considerados relevantes na luta dos trabalhadores. Essas

práticas começou a ganhar consistência principalmente após o segundo ano da Rede.

Assim, a Rede de Produtores e Consumidores de Produtos Agroecológicos Emiliano

Zapata, revela suas dimensões econômicas ao proporcionar renda a um grupo de agricultores

da Comunidade, colocando os agricultores em contato direto com os consumidores

eliminando a figura do atravessador. Em sua dimensão política, está a proximidade com os

consumidores, o questionamento à alimentação industrializada, o apoio dos membros

consumidores da Rede as demandas dos movimentos sociais e o incentivo a geração de renda

para a agricultura familiar camponesa.

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