a evasão universitária em cursos de física: desempenho...

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ENSINO DE FÍSICA: presente e futuro 507 CO-1-006 A Evasão Universitária em Cursos de Física: desempenho dos estudantes e redução da evasão Barroso, Marta F. a [[email protected]] Almeida, Maria Antonieta T. a [[email protected]] Simões, José Antonio M. a [[email protected]] Falcão, Eliane B.M. b [[email protected]] a Instituto de Física – UFRJ b NUTES – Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde - UFRJ No período de 1999 a 2002, foi desenvolvido no IF-UFRJ um projeto de reversão do desempenho dos estudantes do curso de Física da UFRJ. Nele, pretendia-se promover a superação das dificuldades encontradas por estudantes no início do curso universitário, que se manifestam no alto índice de reprovação nas primeiras disciplinas do curso, com objetivo de entender e reduzir a evasão estudantil em cursos com baixa procura. A atuação centrou-se no curso de Física 1. A metodologia pedagógica utilizada nesse projeto teve um sucesso razoável, conseguindo diminuir os índices de reprovação nos períodos iniciais do curso de Física e mudando o caráter do chamado índice de evasão. Apresentamos aqui parte dos resultados do desenvolvimento deste trabalho. A primeira parte, já concluída, tratou da atuação direcionada sobre os estudantes quando em seu primeiro período na universidade; resultados quantitativos e qualitativos, o material didático produzido, os testes e entrevistas estão mostrados. A segunda parte, em andamento, constitui-se na caracterização e análise da evasão universitária. Para isso, montou-se um banco de dados com informações sobre o histórico dos estudantes de Física entre os anos de 1993 a 2002, foram aplicados questionários de informações sócio-econômicas e culturais ao grupo de estudantes de Física ingressantes na UFRJ em 2002, e realizadas entrevistas abertas com alunos que ingressaram em 1999 e concluiram o curso no período previsto, e estão em fase de realização entrevistas e questionários para identificação dos motivos da evasão. 1. Introdução Cursos universitários de baixa procura, em particular os da área de ciências da natureza e de formação de professores, apresentam índices de evasão estudantil bastante altos. Essa evasão, em geral definida como um índice que representa o número de estudantes que abandona o curso, está concentrada nos primeiros períodos do curso, e apresenta uma aparente correlação com o desempenho nas disciplinas iniciais. Com base nesta premissa, foi realizado, no IF-UFRJ, um diagnóstico da situação, com a caracterização do perfil do estudante desses cursos, estudo das metodologias de aprendizagem com capacidade de atingir este público, com a intenção de alterar o quadro de fracasso estudantil e verificação se e qual atuação docente específica seria capaz de provocar essa alteração. Este trabalho iniciou-se precariamente em 1997, efetuando-se com descontinuidades e diferenças decorrentes das condições de atuação em disciplinas de cursos universitários, difi-culdades inerentes a qualquer projeto continuado dentro de estruturas universitárias. No período de 1999 a 2002 foi feita uma atuação consolidada, com metodologia e proposta pedagógica definidas, nas disciplinas de Física 1 e Física Experimental 1 para cursos de Física, com participações eventuais de estudantes de Meteorologia e Astronomia. Resultados parciais desse trabalho já foram apresentados anteriormente [1,2].

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ENSINO DE FÍSICA: presente e futuro

507

CO-1-006

A Evasão Universitária em Cursos de Física:desempenho dos estudantes e redução da evasão

Barroso, Marta F. a [[email protected]]Almeida, Maria Antonieta T. a [[email protected]]

Simões, José Antonio M. a [[email protected]]Falcão, Eliane B.M. b [[email protected]]

a Instituto de Física – UFRJb NUTES – Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde - UFRJ

No período de 1999 a 2002, foi desenvolvido no IF-UFRJ um projeto de reversão dodesempenho dos estudantes do curso de Física da UFRJ. Nele, pretendia-se promover a superaçãodas dificuldades encontradas por estudantes no início do curso universitário, que se manifestam noalto índice de reprovação nas primeiras disciplinas do curso, com objetivo de entender e reduzir aevasão estudantil em cursos com baixa procura. A atuação centrou-se no curso de Física 1. Ametodologia pedagógica utilizada nesse projeto teve um sucesso razoável, conseguindo diminuir osíndices de reprovação nos períodos iniciais do curso de Física e mudando o caráter do chamadoíndice de evasão.

Apresentamos aqui parte dos resultados do desenvolvimento deste trabalho. A primeira parte,já concluída, tratou da atuação direcionada sobre os estudantes quando em seu primeiro período nauniversidade; resultados quantitativos e qualitativos, o material didático produzido, os testes eentrevistas estão mostrados. A segunda parte, em andamento, constitui-se na caracterização e análiseda evasão universitária. Para isso, montou-se um banco de dados com informações sobre o históricodos estudantes de Física entre os anos de 1993 a 2002, foram aplicados questionários de informaçõessócio-econômicas e culturais ao grupo de estudantes de Física ingressantes na UFRJ em 2002, erealizadas entrevistas abertas com alunos que ingressaram em 1999 e concluiram o curso no períodoprevisto, e estão em fase de realização entrevistas e questionários para identificação dos motivos daevasão.

1. Introdução

Cursos universitários de baixa procura, em particular os da área de ciências da natureza e deformação de professores, apresentam índices de evasão estudantil bastante altos. Essa evasão, em geraldefinida como um índice que representa o número de estudantes que abandona o curso, está concentradanos primeiros períodos do curso, e apresenta uma aparente correlação com o desempenho nas disciplinasiniciais. Com base nesta premissa, foi realizado, no IF-UFRJ, um diagnóstico da situação, com acaracterização do perfil do estudante desses cursos, estudo das metodologias de aprendizagem comcapacidade de atingir este público, com a intenção de alterar o quadro de fracasso estudantil e verificaçãose e qual atuação docente específica seria capaz de provocar essa alteração.

Este trabalho iniciou-se precariamente em 1997, efetuando-se com descontinuidades e diferençasdecorrentes das condições de atuação em disciplinas de cursos universitários, difi-culdades inerentes aqualquer projeto continuado dentro de estruturas universitárias. No período de 1999 a 2002 foi feitauma atuação consolidada, com metodologia e proposta pedagógica definidas, nas disciplinas de Física1 e Física Experimental 1 para cursos de Física, com participações eventuais de estudantes deMeteorologia e Astronomia. Resultados parciais desse trabalho já foram apresentados anteriormente[1,2].

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O levantamento prévio caracterizou os estudantes envolvidos: seu perfil sócio-econô-mico, suasdificuldades conceituais e de aprendizagem. Foram aplicados diferentes testes e questionários, muitasvezes sob a forma de exercícios. Esse diagnóstico fez uso também do trabalho desenvolvido por partedos autores em cursos de aperfeiçoamento de professores em serviço (projeto Pró-Ciências) e dostrabalhos de atendimento a estudantes de ensino superior e médio dentro do Laboratório Didático doIF-UFRJ (LADIF).

A partir desse diagnóstico, foram estruturadas as disciplinas de Física 1 e Física Experimental 1(cujo conteúdo é uma introdução à mecânica da partícula e do sistema de partículas), com material didáticopróprio, metodologia de atuação docente e atendimento aos estudantes discutido e definido pela equipe,com a acessoria de um membro externo ao grupo.

As disciplinas foram ministradas durante quatro anos; outros levantamentos e o acompanhamentodos alunos que participaram do projeto estão sendo feitos, e entrevistas e análises estão sendo encaminhadaspara um aprofundamento maior dos resultados.

2. O perfil dos estudantes do curso de Física da UFRJ

O perfil do grupo de estudantes considerado revela um grupo heterogêneo: alunos com boaformação prévia (provenientes de boas escolas de ensino médio da cidade do Rio de Janeiro) e alunoscom formação deficiente. Para caracterizar o perfil do público alvo do trabalho, apresentamos naFigura 1 um histograma das notas da prova de Física no vestibular no ano 2000 destes estudantes (ovalor máximo das notas é 10) e da nota final no vestibular (valor máximo 50). O desafio docente einstitucional é manter os bons alunos com uma boa formação, e recuperar os estudantes com formaçãodeficiente na entrada na universidade.

Com vistas a compreender melhor os alunos, um questionário de informações foi passado aosalunos, após duas semanas de aula, com apresentação dos motivos e utilizações que seriam feitos destequestionário. Os alunos tiveram a opção de identificar-se ou não ao responder, e o sigilo foi garantido porparte dos autores do levantamento.

Algumas informações sobre o perfil desses alunos estão sumarizadas a seguir. Três perguntas,em particular, têm suas respostas apresentadas na Tabela 1: Pergunta 1: “Você cursou o EnsinoFundamental de quinta a oitava séries (todo, ou a maior parte) em: escola pública, escolaparticular, supletivo?”; Pergunta 2: “Você cursou o Ensino Médio (todo, ou a maior parte) em:escola pública, escola particular, supletivo?”; Pergunta 3: “Qual a renda familiar aproximada:menos de R$ 200, entre R$ 201 e R$400, entre R$401 e R$1000, entre R$401 e R$ 2000, entre R$2001 e R$3000, entre R$3001 e R$5000, mais de R$5000?”. O número de respostas, entre alunosde Física, foi de 97.

Tabela 1-a - Tipo de escola de origem do estudante de Física (ano 2002)

escola pública escola privada

Pergunta 1 - ensino fundamental

Pergunta 2 - ensino médio

31 (32%) 66 (68%)

74 (76%)23 (24%)

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Tabela 1-b - Renda familiar aproximada do estudante (declarada)

Esses resultados indicam que os alunos de Física tem um perfil sócio-econômico diferente damaior parte dos alunos da UFRJ; cerca de 1/4 deles é proveniente do ensino médio público, e cerca de30% do total tem renda familiar declarada inferior a R$ 1000.

3. A fase inicial

A primeira fase desse trabalho, além do levantamento do perfil do estudante mencionada na seçãoanterior, envolveu a obtenção de dados quantitativos, o diagnóstico e categorização dos problemas deaprendizagem no primeiro período do curso universitário, a análise do material didático disponível para oensino de segundo e terceiro graus e um levantamento bibliográfico sobre as questões relacionadas ao tema.

Com relação a dados quantitativos, foi montado um banco de dados contendo o histórico dovestibular e o histórico escolar dos estudantes de Física a partir de 1993.

O motivo da escolha dos estudantes de Física para a realização desse levantamento corresponte,em primeiro lugar, à percepção de que este grupo embute em si, pela heteroge-neidade de sua composição,a maior parte dos problemas envolvidos nos cursos de Física do terceiro grau: ser atrativo e envolventepara os alunos de boa formação, permitindo um salto qualitativo em sua formação; permitir um trabalhode recuperação dos estudantes com formação escolar deficiente; envolver estudantes que têm dúvidas emrelação à carreira a seguir. Em segundo lugar, a considerações de cunho mais institucional: o fato queexperiên-cias em disciplinas de Física são melhor aceitas para estes grupos do que para carreiras de escolaspara as quais os departamentos de Física prestam serviços. O último motivo é que esse curso apresentaum número grande de vagas no vestibular (120 ao todo), permitindo análises estatísticas significativas. Operíodo considerado corresponde ao fato que o projeto começou a ser desenvolvido em 1997, esistematizado a partir de 1999, com duração prevista de quatro anos; o período de 1993 a 1996 foiconsiderado para comparação.

O processo de diagnóstico e categorização dos problemas de aprendizagem dos estudantes dasituação envolveu várias questões: as dificuldades apresentadas pelos alunos, o motivo da presença destasdificuldades, que nos permitisse compor um diagnóstico e propor a forma de atuação. Este processodesenvolveu-se com uso de testes, questionários, exercícios específicos, conversas assistemáticas com osestudantes, entre outros. A seguir, passou-se à aplicação de uma metodologia que permitisse abordartodos os pontos levantados nestes diagnósticos. Posteriormente, correções de rumo foram feitas com baseem novos questionários, exercícios e discussões com estudantes e com outros profissionais.

A partir da experiência prévia didática dos docentes envolvidos no projeto e da bibliografia consultada[3], foram elaborados vários exercícios específicos, preparados testes qualitativos e quantitativos, e feitasestatísticas em torno de pontos específicos em provas e exercícios. Com isto, fomos capazes de identificar

faixa de renda

menos de R$ 200

entre R$ 201 e R$ 400

entre R$ 401 e R$ 1000

entre R$ 1001 e R$ 2000

entre R$ 2001 e R$ 3000

entre R$ 3001 e R$ 5000

acima de R$ 5001

número

0

5

24

22

19

20

7

percentual

0,0%

5,2%

24,7%

22,7%

19,6%

20,6%

7,2%

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algumas das questões que emperravam o processo de aprendizagem, como a incapacidade de uso coerentedas técnicas vetoriais, do cálculo matemático, da utilização de modelos, de aplicação de leis de formacorreta. Ao final desta análise, as dificuldades estudantis foram categorizadas como de três tipos:

- falta de domínio da linguagem (tanto a de expressão escrita e oral quanto da linguagemmatemática específica para o uso em física);

- falta de percepção da existência de um método científico (o que provoca o uso acrítico edesestruturado das leis da física, transformando o processo de aprendizagem num processo dememorização de tipos de problemas);

- inadequação de hábitos e métodos de estudo.

Uma descrição mais detalhada do diagnóstico consta em Almeida et al [1].

Este diagnóstico foi feito a partir de testes, exercícios específicos e entrevistas que não se restringiramaos estudantes de Física 1 dos cursos de Física, Astronomia e Meteorologia. Os mesmos testes, ousimilares, foram aplicados a professores em cursos de aperfeiçoamento (dentro do âmbito do projeto Pró-Ciências do IF-UFRJ) e a alguns dos freqüentadores do Laboratório Didático do Instituto de Física daUFRJ (alunos de segundo e terceiro graus e professores do ensino médio). Neste trabalho de diagnóstico,a conclusão (preliminar) a que chegamos é que os problemas são mais gerais, não apenas do grupo aquiestudado. Esta conclusão preliminar, porém, merece ser objeto de estudo independente.

O diagnóstico feito nos fez promover uma avaliação do material didático disponível para o ensinomédio e universitário de Física. Observamos que na maior parte dos livros utilizados no nível médio jáestão presentes as dificuldades dos estudantes universitários. Como exemplo, a dificuldade em utilizaçãode vetores ocorre (com a confusão apresentada entre componentes de vetores e módulo de vetores emódulo das componentes) nos textos do ensino médio e em alguns textos universitários. A dificuldade naaprendizagem das leis de conservação para sistema de partículas está presente na forma não potencialmentedotada de significado [4] da análise dos problemas de conservação aproximada de momento linear emmuitos dos livros do ensino superior.

4. O desenvolvimento do trabalho docente e os indicadores utilizados em sua avaliação

Para este grupo de estudantes, promoveu-se uma reformulação nas disciplinas de Física 1 com asseguintes características:

- o conteúdo da disciplina foi dividido em duas partes (dinâmica de uma partícula e de umsistema de partículas) com 7 grandes temas (módulos) que eram abordados de forma unificadanas disciplinas teórica e experimental;

- cada um destes tópicos começava com uma grande aula demonstrativa, onde os aspectosconceituais e experimentais eram discutidos; esta aula era preparada em conjunto pelosprofessores da disciplina com o uso intensivo de recursos áudio-visuais e experimentais doLaboratório Didático do Instituto de Física (vídeos, simulações de computador, experimentos esimilares); a seguir, os alunos eram divididos em turmas menores para atividades teóricas eexperimentais;

- a avaliação a mesma que a de cursos tradicionais, permitindo comparação.

Foi escolhido um livro texto que se adequasse à proposta de abordagem pedagógica escolhida [5],e foram preparados guias de estudo e guias de laboratório para todos os módu-los da disciplina. Estesguias desempenhavam o papel de auxiliares no processo de aprendiza-gem, apresentando o que se esperavaque o aluno aprendesse a cada módulo, sugerindo a forma de leitura do texto e intercalação com exemplos

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e exercícios, apresentando exercícios que abordassem e promovessem o aparecimento dos problemasdiagnosticados. Tinham também como objetivo começar a promover um processo de aprendizagemautônoma do estudante, funcionando como guias para um estudo individual e não presencial, se o alunoassim o desejasse. Finalmente, eles também indicavam atividades extras para estímulo aos alunos quetivessem condições de progresso mais rápidas. (Esses guias estão disponíveis na página da disciplina nainternet, www.if.ufrj.br/~marta/fisica1).

O trabalho sofreu várias correções de rumo à medida que testes e entrevistas demons-traram anecessidade de uma abordagem diferenciada de um tópico.

Os indicadores quantitativos levantados para avaliação do projeto foram:

- índice de abandono dos estudantes no primeiro período – o número de abandonos é o númerode estudantes inscritos que têm nota final zero;

- índice de aprovação efetivo do curso, isto é a relação entre o número de aprovados e o númerode alunos efetivos (ingressantes menos abandonos);

- índice de sucesso, caracterizado pela relação entre o número de aprovados e o número total deingressantes;

- índice de recuperação dos estudantes, correspondendo à fração de estudantes com desempenhofraco no vestibular aprovados em Física 1;

- os índices de correlação entre notas de Física do vestibular e de Física 1.

Dentre os índices qualitativos, apontamos a avaliação de (alguns) coordenadores de curso sobre amaior atividade de iniciação científica realizada pelos estudantes egressos deste tipo de projeto; a melhorados resultados dos estudantes em cursos posteriores; a avaliação da melhor formação dos estudantesegressos deste projeto pelos professores de disciplinas subseqüentes destes mesmos estudantes; as entrevistasfeitas com alguns alunos que entraram com resultado fraco no vestibular relativo à discussão de como elesconseguiram reverter seu desempenho; a constatação que o índice de evasão universitária do curso deFísica diminuiu sensivelmente dentro do IF-UFRJ.

Alguns destes dados são apresentados como sendo qualitativos por falta de estatística suficiente(tanto numérica, quanto de número de entrevistas). Os resultados devem se consolidar quando estesgrupos começarem a concluir seus cursos; esta parte de acompanhamento está sendo feita atualmente. Foitambém feita uma entrevista com os estudantes que ingressaram em 1999 (o primeiro grupo do projeto)que se formaram no prazo previsto de 8 períodos. A análise técnica desse trabalho será apresentada embreve.

5. Resultados

Apresentamos a seguir, na forma de gráficos, os resultados quantitativos associados ao trabalhoaqui mencionado. Os dados de 2002 não estão incluídos (a greve docente realizada no ano anterior trouxedificuldades de análise ainda não inteiramente sanadas).

Na Figura 2, mostramos o número de estudantes de Física, Astronomia e Meteorologia cursandoFísica 1 no primeiro período de cada ano. O número total de vagas é de 180 (120 para Física, 30 paraAstronomia e 30 para Meteorologia). Em 2000 pela primeira vez nos últimos tempos as vagas são todaspreenchidas; há várias hipóteses para a causa deste preenchimento: é aberto o curso de Física Médica,houve expansão no ensino médio, entre outras. Em 2001, há uma eliminação excessiva de estudantes novestibular, fazendo com que cerca de 70% das vagas dos cursos das áreas de ciências matemáticas e danatureza (licenciaturas noturnas incluídas) fiquem ociosas – um problema associado ao processo vestibular,

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cujas causas não foram por nós avaliadas. Os gráficos indicam que temos em média um total de 168estudantes, sendo 121 destes calouros – isto é, cerca de 47 estudantes em média estão cursando Física 1pela terceira vez.

Na Figura 3, apresentamos os índices de abandono – o número de estudantes com nota zerona disciplina de Física 1 em relação ao total de inscritos, para o conjunto total de alunos e apenaspara os calouros. A média deste índice de “abandono” – não podemos ter um indicador maispreciso pois a freqüência estudantil não é sempre controlada, e portanto este índice é subestimado– é em média 23% entre os calouros e de 27% entre os veteranos. Isto representa um índice muitoalto. O patamar de abandono devido a problemas sócio-econômicos e de escolha equivocada decarreira deve ser inferior a este valor, como os dados dos últimos anos indicam (a pesquisa sobreesta hipótese está em andamento). No entanto, observamos que os anos de efetivação deste projeto(1999, 2000 e 2001) são anos em que consistentemente este índice de abandono é reduzido paraum valor inferior a 20%.

Na Figura 4, apresentamos os índices de aprovação em Física 1 no primeiro período de cada ano,ao longo do tempo. Este índice mascara de alguma forma o fracasso estudantil, pois ele é obtido com aexclusão do total de alunos dos estudantes com nota zero (abandono). Mesmo com esta exclusão, vemosque a média destes índices é de 44% entre todos os alunos, e 49% entre os calouros.

Na Figura 5, apresentamos o que denominamos “índice de sucesso”, isto é, o total de estudantes deFísica, Astronomia e Meteorologia que consegue ser aprovado em Física 1 no primeiro período de cadaano em relação ao total dos estudantes que se inscreveu na disciplina. Neste índice, portanto, estãopresentes as informações combinadas dos gráficos da Figura 3 (abandonos) e Figura 4 (índices de aprovação).A média deste índice é de 32% para todos os alunos, e 37% para os calouros. No entanto, destes gráficosfica claro que o patamar de 40% de sucesso é atingido nos anos de 1999, 2000 e 2001. Em 1999 e 2001,o patamar de 50% é superado pela primeira vez. Os motivos para este desempenho são conhecidos: oprojeto começou a ser realizado em 1999, com uma equipe fortemente integrada (teoria e laboratório); em2000, não foi possível a integração real da equipe (muitos professores de laboratório não faziam parte doprojeto); em 2001, o total de estudantes era menor (o número de estudantes com formação deficiente foibem inferior ao habitual).

Estes resultados indicam que o trabalho está apresentando um resultado melhor no que se refere àreversão do desempenho. No entanto, estes dados apenas não são muito conclusivos.

No acompanhamento feito, no período de 1993 a 1999, com o desempenho subsequente dosestudantes (em Física 2) verificamos que o índice de aprovação de Física 2 aumentou da média de 45%para o valor de 65% - e portanto a melhora dos estudantes não se restringiu ao desempenho na disciplinados professores envolvidos no projeto. A partir de 2000, porém, resolvemos continuar com odesenvolvimento do projeto incluindo a Física 2, e portanto os dados de desempenho posterior não podemainda ser verificados.

Uma análise qualitativa, feita por meio de conversas realizadas com professores do Instituto deFísica que ministraram disciplinas posteriores (do ciclo básico e do ciclo profissional) para estes estudantesindica que os alunos apresentaram uma aprendizagem do conteúdo de Física 1 melhor do que o costumavaser apresentado.

Outra informação interessante está apresentada na Figura 6. Nela, indicamos o número de estudantesque está cursando Física 1 no primeiro período e que não é calouro – isto é, já se inscreveu em Física 1pelo menos 2 vezes anteriormente. Este gráfico indica que a partir de 2000 deixou de ser necessária umaturma para repetentes. Ou seja, os alunos que não foram aprovados em sua primeira tentativa ou foramaprovados na segunda tentativa ou decidiram abandonar o curso.

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Na Figura 7, mostramos o “índice de recuperação” de estudantes. Este índice mostra o conjuntode estudantes com formação prévia deficiente que consegue ser aprovado em Física 1 na primeira vez quea cursa. Este índice fornece um primeiro indicador de nossas perspectivas de recuperação de estudantescom formação fraca. Apresentamos os gráficos relativos aos estudantes de Física e Astronomia, e apenasaos estudantes de Física, um universo maior. Destes gráficos, vemos que em 1999 e 2001 conseguimosrecuperar mais de 40% dos estudantes com nota baixa na prova de Física do vestibular.

Na Figura 8, vemos as conseqüências mais claras do trabalho desenvolvido. Neste gráfico,com estudantes (calouros) de Física, Astronomia e Meteorologia no ano 2000, temos a correlaçãoentre as notas de Física no vestibular e a nota do estudante em Física 1. Os alunos com boa notadevem manter a correlação; os alunos com formação deficiente devem ter a nota descorrelacionada.Estes são os objetivos explícitos do projeto desenvolvido. Gráficos de correlação em anos anterioresforam apresentados em M.A.T.Almeida et al [1], indicando que historicamente uma correlação existe– alunos com formação deficiente continuam fracassando na universidade, alunos com boa formaçãoem geral têm sucesso. Os gráficos deste tipo para todos os anos estão disponíveis, mas todos indicama mesma tendência apresentada neste – que é o que tem a maior estatística: há um grande número deestudantes com formação deficiente que consegue superar este problema com um trabalho como oaqui descrito.

6. Conclusões e Perspectivas

Os resultados apresentados caracterizam que a metodologia utilizada nesta disciplina foi maisadequada para redução do fracasso inicial na Universidade do que as metodologias anteriormente adotadas.Também os resultados preliminares indicam que a evasão universitária pode ser reduzida através de trabalhosdocentes apropriados.

Os levantamentos realizados indicam a necessidade de aprofundamento, usando técnicas deentrevistas e questionários, para melhor avaliação dos motivos da evasão e das formas técnicas emetodologias melhor apropriadas para a melhoria destes indicadores.

O projeto tinha a duração prevista de 4 anos, e sua fase de atuação foi concluída. Os resultadospreliminares, de nosso ponto de vista, são animadores. Pretendemos a partir de agora sistematizar váriosdos trabalhos de pesquisa realizados no decorrer do processo (analisando e categorizando, com maiorestatística, os testes diagnósticos), desenvolvendo melhores materiais didáticos (do ponto de vista dateoria da aprendizagem significativa de Ausubel e Novak [6]) e desenvolvendo mais acuradamente oslevantamentos sobre as razões da evasão neste público.

Referências

[1] M. A. T. de Almeida, M.F. Barroso, E.B.M. Falcão e E.A.M. González (2001), Reversão do Desempenhode Estudantes em um Curso de Física Básica, em Revista Brasileira de Ensino de Física vol. 23, pág.

83.

[2] M.A. T. de Almeida, M.F. Barroso, E.B.M. Falcão (2002), A Reversão no Desempenho dos Alunos deFísica Básica e a Evasão nos Cursos Universitários, Atas do VIII EPEF.

[3] L.M. McDermott (1991), Millikan Lecture 1990: What we teach and what is learned – Closing thegap”, em American Journal of Physics 59 (1991) 301-315, e referências aí citadas.

[4] M.A.T. de Almeida, M.F. Barroso, E.B.M. Falcão (2002), Aprendizagem versus Memeorização: comonão se Privilegia uma Aprendizagem Significativa, Atas do VIII Encontro de Pesquisa em Ensino deFísica.

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[5] H.M. Nussenzveig, Curso de Física Básica – vol. 1 – Mecânica, Editora Edgar Blücher.

[6] D.P. Ausubel, J.D. Novak, H. Hanesian (1998), Educational Psyychology: a Cognitive View. NewYork, Holt, Rinehart and Winston.

Figuras

Figura 1

Notas na prova de Física no vestibular (valor máximo 10) e nota global do vestibular (valormáximo 50) dos 180 estudantes aprovados e classificados para os cursos de Física, Astronomia eMeteorologia no ano 2000.

Figura 2

Número total de alunos inscritos em Física 1 ao longo do tempo (estudantes de Física, Astronomiae Meteorologia) – todos (incluindo repetentes) e apenas calouros.

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Figura 3

Índice percentual de “abandonos” em Física 1 ao longo do tempo (estudantes de Física, Astronomiae Meteorologia) – todos (incluindo repetentes) e apenas calouros.

Figura 4

Índice de aprovação em Física 1 ao longo do tempo (estudantes de Física, Astronomia eMeteorologia) – todos (incluindo repetentes) e apenas calouros; para o cálculo deste índice, não sãoincluídos os alunos que abandonaram a disciplina.

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Figura 5

Índice de “sucesso” em Física 1 ao longo do tempo (estudantes de Física, Astronomia eMeteorologia) – todos (incluindo repetentes) e apenas calouros; este índice corresponde à fração dosestudantes que entra e consegue passar em Física 1 no primeiro período, não sendo reprovado nemabandonando a disciplina.

Figura 6

Número de estudantes matriculados em Física 1 no primeiro período e que não são ingressantesno curso (estudantes de Física, Astronomia e Meteorologia) – isto é, número de repetentes de Física 1.

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Figura 7

Índice de recuperação dos estudantes – definido como o número de estudantes aprovados emFísica 1 com nota de Física no vestibular inferior a 5, para os estudantes de Física e Astronomia e paraos estudantes de Física.

Figura 8

Correlações entre a nota de Física no vestibular e a nota de Física 1 para os calouros dos cursosde Física, Astronomia e Meteorologia no ano 2000.