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A DISCRICIONARIEDADE NAS DECISÕES JUDICIAIS: UMA NOVA “REVOLUÇÃO DOS BICHOS”? THE DISCRETION ON COURT DECISION: A NEW “ANIMAL FARM”? Ana Paula Canoza Caldeira RESUMO O presente trabalho pretendeu analisar a crise do Direito Brasileiro no que tange ao modo de interpretar e aplicar as leis, com enfoque no indevido ativismo judicial, que vem ganhando cada vez mais força nos Tribunais. Discute igualmente os desvios causados na análise dos casos concretos que tem servido de terreno fértil para decisões desprovidas de fundamentação, arbitrárias e desvinculadas de legitimação. Foi intenção demonstrar que é possível o alcance da resposta correta na atribuição de sentido de uma lei pela hermenêutica filosófica heideggeriana-gadameriana e com espeque na tradição e pré-compreensões, conferindo-se, portanto critérios seguros no ato de decidir. Tal análise foi feita a partir da prestigiada obra de George Orwell “A Revolução dos Bichos” onde foi possível traçar um paralelo da discricionariedade dos porcos com o atual estado da arte hermenêutico no Brasil. PALAVRAS-CHAVES: DISCRICIONARIEDADE – ATIVISMO JUDICIAL – RESPOSTAS CORRETAS – HERMENÊUTICA ABSTRACT This study sought to analyze the crisis in Brazilian law regarding the manner of interpreting and applying the law with undue focus on judicial activism that has been gaining increasing power in the Courts. It also considers deviations in the analysis of cases that have provided fertile ground for decisions which lacked legal support, or were arbitrary and illegitimate. Our intention was to demonstrate that the scope of the correct answer in assigning sense of a law is possible via philosophical hermeneutics by Heidegger and Gadamer and through the tradition and pre-understandings, making it a safe criterion to decide upon. This analysis was made by analogy with the prestigious book by George Orwell "Animal Farm" where it was possible to draw a parallel with the discretion of pigs with the current the hermeneutic state of the art in Brazil. KEYWORDS: DISCRETION - JUDICIAL ACTIVISM - CORRECT ANSWERS – HERMENEUTICS 3287

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A DISCRICIONARIEDADE NAS DECISÕES JUDICIAIS: UMA NOVA

“REVOLUÇÃO DOS BICHOS”?

THE DISCRETION ON COURT DECISION: A NEW “ANIMAL FARM”?

Ana Paula Canoza Caldeira

RESUMO

O presente trabalho pretendeu analisar a crise do Direito Brasileiro no que tange ao modo de interpretar e aplicar as leis, com enfoque no indevido ativismo judicial, que vem ganhando cada vez mais força nos Tribunais. Discute igualmente os desvios causados na análise dos casos concretos que tem servido de terreno fértil para decisões desprovidas de fundamentação, arbitrárias e desvinculadas de legitimação. Foi intenção demonstrar que é possível o alcance da resposta correta na atribuição de sentido de uma lei pela hermenêutica filosófica heideggeriana-gadameriana e com espeque na tradição e pré-compreensões, conferindo-se, portanto critérios seguros no ato de decidir. Tal análise foi feita a partir da prestigiada obra de George Orwell “A Revolução dos Bichos” onde foi possível traçar um paralelo da discricionariedade dos porcos com o atual estado da arte hermenêutico no Brasil.

PALAVRAS-CHAVES: DISCRICIONARIEDADE – ATIVISMO JUDICIAL – RESPOSTAS CORRETAS – HERMENÊUTICA

ABSTRACT

This study sought to analyze the crisis in Brazilian law regarding the manner of interpreting and applying the law with undue focus on judicial activism that has been gaining increasing power in the Courts. It also considers deviations in the analysis of cases that have provided fertile ground for decisions which lacked legal support, or were arbitrary and illegitimate. Our intention was to demonstrate that the scope of the correct answer in assigning sense of a law is possible via philosophical hermeneutics by Heidegger and Gadamer and through the tradition and pre-understandings, making it a safe criterion to decide upon. This analysis was made by analogy with the prestigious book by George Orwell "Animal Farm" where it was possible to draw a parallel with the discretion of pigs with the current the hermeneutic state of the art in Brazil.

KEYWORDS: DISCRETION - JUDICIAL ACTIVISM - CORRECT ANSWERS – HERMENEUTICS

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1) DIÁLOGO ENTRE A LITERATURA E O DIREITO: Aportes iniciais de "Revolução dos Bichos"

Inicialmente faz-se necessário estabelecer as bases da discussão e retratar a importância em se criar terreno propício para o intercâmbio entre estas duas Ciências (aparentemente) tão distintas como o Direito e a Literatura.

À primeira vista soa estranho, diante de um cenário jurídico com problemas sistêmicos tão complexos, que se abra espaço no seio acadêmico para a "arte de compor escritos[1]".

Mas é que mesmo parecendo nada terem em comum, as distâncias entre o Direito e Literatura são menores do que se possa imaginar, e é desejável, para o fortalecimento dos dois campos cognitivos, que estas se estreitem ainda mais[2].

Conforme Streck e Bonatto[3]:

a literatura é expressiva em criatividade e está sempre às voltas com o incerto, com o inusitado; permite um mergulho no imaginário, no qual o sujeito vive a sua fantasia para após retornar a sua realidade. O Direito, tido na modernidade como uma ciência de fontes eminentemente normativas, permanece arraigado aos paradigmas da racionalidade, da certeza, da lógica e do positivismo. Tais diferenças demandam uma contribuição mútua, que enriqueça ambas as áreas. O intercâmbio dessas disciplinas é algo ainda por se solidificar; há um terreno fértil que renderá muitos benefícios se devidamente cultivado.

Neste sentido é que nos propusemos a trazer o texto "A Revolução dos Bichos" escrito em 1945 por George Orwell para analisar o ativismo judicial, a discricionariedade nas decisões, a possibilidade de alcançar respostas constitucionalmente corretas pelo método hermenêutico filosófico, e também o direito de igualdade, bem como o conceito de alteridade, sob o véu desta fantástica fábula que muito tem a nos dizer sobre o contexto social brasileiro.

A polêmica obra causou incômodo desde a sua publicação, inicialmente por afigurar-se sátira ao regime ditatorial estalinista. Tempos depois o texto foi utilizado como instrumento de combate ao comunismo.

Atualmente vemos no texto muito mais que isso, e desprendendo-nos das reais intenções do autor, a verdade é que "Revolução dos Bichos" pode ser usada como exemplo certo de questões que afetam setores ligados ao Direito.

O livro começa narrando o dia-a-dia de uma fazenda de propriedade do Sr. Jones, que era conhecido pelos maus-tratos cometidos aos animais que integravam aquele ambiente rural.

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Incomodado com tal fato, um velho porco chamado Major conclama todos os demais bichos da fazenda para contar-lhes um sonho que tivera na noite anterior e alertar-lhes sobre a pesada e desigual vida que levam em virtude do tratamento conferido pelos humanos, instando-os a se rebelarem contra o sistema instituído e tomar o poder através de uma revolução (daí o nome do livro)[4], representado por um simbólico hino de luta.[5]

Apesar do mentor Major ter falecido dias após a reunião, a canção ecoou e, liderados pelos porcos Bola-de-Neve, Napoleão e Garganta, culminou com a tomada do poder pela bicharada, a expulsão do Sr. Jones e o compromisso firmado pelos animais de que a fazenda, a partir daquele momento, seria gerida pelos próprios bichos sempre imbuídos dos mais dignos propósito de liberdade, igualdade e fraternidade, à exemplo da tríade da Revolução Francesa. Compromissados com o intento de instituir um regime mais democrático onde todos os animais tivessem direitos iguais, Sete Mandamentos foram escritos[6] nas paredes do curral para sempre lembrar-lhes dos ideais revolucionários, dos princípios do Animalismo, bem como do sangue derramado para a formação desse novo "Estado".

Todavia, muito embora toda a luta travada para a conquista de "espaço" e pela tomada de poder, o que se viu é que em pouco tempo uma nova ordem foi instalada, subvertendo-se todas as regras antes instituídas. E impondo-se, pela força e por critérios de decisão discricionários, um cenário marcado pela opressão e pela insegurança jurídica passou a ser a realidade.

2) O TRIUNFO DOS PORCOS E O CENÁRIO SOCIAL: O perigo do casuísmo dos casos concretos

Fez-se a manhã na "Fazenda dos Bichos", agora liderada por Napoleão e seu assecla Garganta, e eis que os porcos resolvem abandonar suas pocilgas de origem e se mudam para a Casa-Grande[7], onde estabelecem sua residência e passam inclusive (entre outras regalias) a se deitar nas camas dos antigos proprietários humanos.

Ao serem questionados por tal mudança de comportamento pelos demais bichos mais astutos, que se lembram que um dos Mandamentos veda expressamente que os animais durmam em camas, Napoleão diz que não está violando regra alguma.

Constata-se então que na verdade a lei agora estabelece que é vedado dormir em "cama com lençóis" e estando a mesma sem estas peças, não haveria impedimento algum na prática adotada.

Este é só um exemplo, pinçado do livro, da postura dos porcos em "contornar" hermeneuticamente o sentido das leis, subvertendo-as.

Tal fato guarda bastante parecença com o cenário atual na justiça brasileira, quando as leis são manejadas de forma a beneficiar grupos determinados.

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Pior se vê quando o preceito é inequívoco, mas o método hermenêutico é usado fazendo-se abarcar na nova situação posta à decisão a (falsa) impressão que se está diante de um "caso concreto" e, portanto, estar-se-ia autorizado a decidir de forma absolutamente diferente das anteriores já que esse "quê" especializante, seria o bastante para o abandono dos rumos antes tomados...

E é nesse ponto que se concentra o perigo do mau uso da discricionariedade.

O ativismo judicial que tem dominado as decisões hodiernas já começa a despertar a perplexidade e o temor da comunidade jurídica por colocar em xeque a Democracia, sendo certo que os julgadores não podem se "assenhorear do sentido dos textos".[8]

E isto se verifica pelo fato de não poder se delegar ao juiz o poder de "fazer a melhor escolha" sem estar respaldado por um princípio de fundo.

O atual estágio do Direito Brasileiro, pelo que se tem observado, caracteriza-se por decisões absolutamente desprovidas de qualquer fundamentação, onde no mais das vezes, a pretensa alegação de antinomias principiológicas dá azo a que o juiz (solipsista) decida como bem entender, sem lastro algum, em um verdadeiro relativismo e subjetivismo sem precedentes que mais parece uma ressuscitação do que se convencionou denominar outrora de Filosofia da Consciência.

Dentro desse atual panorama jurídico, que estabelece equivocadamente diferenças estruturais entre regras e princípios, as regras são aplicáveis por mera subsunção nos chamados casos fáceis; enquanto que nos casos difíceis, isto é, quando não for identificada de imediato uma regra que se encaixe perfeitamente ao caso, chamam-se subsidiariamente os princípios para resolvê-lo. E na hipótese de existirem dois (ou mais) princípios supostamente aplicáveis ao caso, entraria em campo a técnica da ponderação de interesses, consagrada a partir dos ensinamentos de Robert Alexy[9], que consistiria na atribuição de um peso para os princípios, sendo que nessa situação ficaria a encargo do julgador a escolha de qual princípio teria maior peso ("Lei da Ponderação").

Muito embora Alexy tenha tentado através de uma intrincada fórmula matemática[10] criar critérios objetivos para resolver tal antinomia, o fato é que em terrae brasilis os juízes se baseiam tão somente em suas opiniões, não indicando a trilha hermenêutica percorrida para a escolha de um princípio em detrimento de outro, o que por certo causa bastante insegurança jurídica.

Tal inconsistência metodológica foi também denunciada por Friedrich Müller[11] e também por Habermas[12] que afirmam que a ponderação, no mais das vezes, remete para áreas alheias à justificação, à correção e à objetividade já que não haveria parâmetros lógicos para que o julgador, portanto intérprete da norma constitucional, manejasse tal técnica e escolhesse este ou aquele princípio.

Esta crítica é feita também por Lenio Streck[13] que afirma que

este é o calcanhar de Aquiles das posturas positivistas: face às insuficiências/limitações das regras, face aos 'casos difíceis', face à pluralidade de regras ou sentidos da(s) regra(s), o positivismo permite que o juiz faça a 'melhor escolha'.

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Em suma, permite-se a instauração de uma verdadeira "katchangada"[14].

Para combater essa irracionalidade praticada pelo julgador, que "se sobressai por sua virtude e acesso privilegiado à verdade"[15], é que talvez, paradoxalmente, seja possível atacar o problema utilizando as bases do clássico Hart[16], mesmo sendo um positivista.

Antes é preciso dizer que o termo positivismo abarca uma série de significados e se subdivide em outras linhas que enfrentam os problemas centrais da Filosofia: positivismo como ontologia jurídica, epistemologia jurídica ou axiologia jurídica[17].

Mas embora haja essa multiplicidade de sentidos do termo positivismo, todas elas têm em comum o fato de verem nessa escola uma contraposição ao jusnaturalismo antes vigente.

Os principais traços caracterizadores do positivismo são dois: i) a separação entre Direito e Moral e ii) a discricionariedade.

Um dos principais corifeus do positivismo é Herbert Lionel Adolphus Hart[18] que em 1961 publica sua obra de maior expressão, "The Concept of Law".

Embora seja um autor positivista que concentra seus esforços na tese da obrigação jurídica onde o sujeito deve introjetar a noção de compulsoriedade da norma, fato é que Hart aumenta o espectro da discussão abraçando, de certa forma, noções do paradigma hermenêutico e bebendo um pouco na fonte da Filosofia da Linguagem Ordinária de Ludwig Wittgenstein.[19]

É de preocupação do autor a questão da "textura aberta" das normas, que impõe que seu significado seja colmatado posteriormente pelo processo interpretativo, já que muitas vezes a linguagem jurídica não se mostra de maneira unívoca.

Diante desse fato é que Hart começa a desenhar sua teoria que visa a estabelecer um padrão de aplicação do Direito pelos tribunais.

Para o autor, as regras contêm uma impossibilidade intrínseca de regular a priori todas as situações de enquadramento. Neste sentido há casos onde essa subsunção da conduta à regra é imediata, porém em determinados casos onde essa identificação fato-regra não seja imediata, está-se diante de uma zona de penumbra normativa.

Nesse caso entraria a discricionariedade judicial[20] onde o juiz poderia "criar direito". Entretanto mesmo com toda a discricionariedade admitida na doutrina de Hart, existiriam limites a que estaria atrelado o julgador.

Esse limite seria conferido pelo Direito preexistente e por demais restrições de índole formal como o respeito aos princípios insculpidos no ordenamento jurídico como um todo.

A restrição formal significa que o juiz só poderia agir valendo-se da discricionariedade nos casos previamente definidos e autorizados pelo próprio ordenamento. Já a restrição material estaria ligada à necessidade de integração e coerência com o sistema. Neste sentido, o juiz não estaria de todo livre para julgar como bem pretendesse.

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Isto é, mesmo valendo-se dos dogmas do positivista Hart, o juiz não estaria "solto" hermeneuticamente no seu ato de julgar, o que de fato, contraria toda a postura atual dos positivistas discricionaristas do direito brasileiro, que pensam ser o "super ego" da sociedade e que podem dizer "qualquer coisa sobre qualquer coisa"[21].

3) A ADOÇÃO DE UM NOVO MODO DE DECIDIR: a influência da hermenêutica filosófica de Heidegger e Gadamer (ou De como a tradição pode ser utilizada como norte para o alcance das respostas corretas)

A principal contribuição heideggeriana se situou no campo hermenêutico promovendo de forma substancial e definitiva o que se convencionou chamar a "viragem lingüística ontológica", mais tarde também seguida por Hans-Georg Gadamer, seu principal discípulo.

Tal virada tem como principal traço caracterizador o fato de desempenhar uma superação do esquema sujeito-objeto, "compreendidas a partir do caráter ontológico prévio do conceito de sujeito e da desobjetificação provocado pelo círculo hermenêutico e pela diferença ontológica"[22].

Heiddeger (junto com Gadamer) lastreou sua tese fazendo pesada crítica ao clássico processo interpretativo, que até então, percebia a interpretação como sendo o produto de uma (oper)ação feita de forma fracionada. Isto é, primeiro seria necessário compreender o texto para, passo seguinte, interpretar, e só depois, ao final aplicar a mesma. Logo, a postura hermenêutica heideggeriana se funda em duas grandes premissas, a saber: a) o círculo hermenêutico e b) a diferença ontológica.

Em resumo, pode-se, desde logo, afirmar que na visão do autor, para interpretar é necessário compreender. Para compreender é imprescindível que se tenha uma pré-compreensão, que assente suas bases em uma "estrutura prévia de sentido", entendida como[23]: 1) Posição prévia; 2) Visão prévia, e 3) Concepção prévia.

Isto só é realizável ao tomarmos como verdadeira a tese de que, no processo interpretativo, a linguagem não é um "mero instrumento ou terceira coisa que se interpõe entre um sujeito (cognoscente) e um objeto (cognoscível)".

Por círculo hermenêutico entenda-se o esquema interno de lógica hemenêutico-interpretativo, iniciado por Schleiermacher, mas retomado por Heidegger (principalmente em Ser e Tempo, sua obra de maior relevo) em que reconhece no esquema lógico de compreensão (o círculo hermenêutico) o principal dogma da compreensão hermenêutica bem como o aporte imprescindível para a possibilidade de entendimento/percepção do próprio ser.

Neste sentido, a empreitada principal do processo de compreensão repousaria no marcado dever de "blindar-se" dos caprichos de eventuais visões particulares sobre as coisas.

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Já a diferença ontológica só é alcançável inserida no contexto do círculo hermenêutico: "Eu me compreendo em meu ser e cuido de mim e me preocupo, e nesse preocupar-me eu tenho o conceito de ser, e assim eu compreendo a mim mesmo[24]."

Como afirmado, Heidegger deu profunda importância ao "ser"[25] em seus estudos, rompendo com Epistemologia tida antes como uma referência principal incontestável.

Contudo o que seria, de fato, a noção do 'ser' para Heidegger? O denominado "ser no mundo" refere-se, entre outros sentidos, à figura do ser humano contextualizado, inserido no mundo em que vive, com todas as circunstâncias que o cercam e integram a sua própria essência.

Assim sendo, não haveria uma essência fundamental do ser humano; Heidegger não valora os seres humanos como um todo muito menos o ente como tal, mas sim para o estudo do ser humano, o Dasein[26].

Essa expressão alemã (Dasein), correntemente usada por Heidegger não encontra versão correlata no vernáculo, todavia entende-se como sendo esse "ser humano contextualizado", o ser-aí.

Ou como melhor define Inwood:

Dasein é o modo de Heidegger referir-se tanto ao ser humano como ao tipo de ser que os seres humanos têm. Vem do verbo dasein, que significa 'existir' ou 'estar aí, estar aqui' (...) Por que Heidegger fala do ser humano dessa maneira? O ser dos seres humanos é notavelmente distinto do ser de outras entidades no mundo. 'O Dasein é uma entidade para a qual, em seu Ser, esse Ser é uma questão' (ST, 191). Ao contrário de outras entidades, o Dasein não tem essência definida. (...) O Dasein não é uma coisa atual definida, mas a possibilidade de vários modos de ser.

Ser, que é, portanto "jogado" (Gerworfen) no mundo, integrando-o. Não se trata, pois, de um ente que se porta de forma intermediária entre as outras coisas. O Dasein ocupa o eixo central do mundo, "reunindo os fios deste".[27]

Dentro dessa perspectiva do Dasein, é importante a análise do que permite essa vivência, sendo requisito fundamental argüir as condições de possibilidade o próprio fato de poder viver a vida cotidiana, ultrapassando o mero exame da maneira pela qual vivemos.

Também é de preocupação de Heidegger buscar entender a essência originária da verdade e para tanto, num primeiro momento o autor estabelece que é imprescindível conferir especial atenção à análise dos fenômenos, sendo certo que para o filósofo, a verdade deve ser vista como desvelamento, que, penso, é a grande pedra de toque do estudo das idéias heiddegerianas. Mas para entender esse processo de desvelamento é imprescindível descobrir o que o faz ficar encoberto.

A verdade como se disse é desvelamento e traduz-se na relação de concordância de um conhecimento com o seu objeto. Esta, por sua vez, é a adequação de "algo com algo" (relacional, portanto).

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Chama a atenção o autor, porém, que verdade não pode ser confundida com uma noção de homogeneidade. Ao contrário, considerando que a verdade está(rá) sempre associada aos diferentes entes e seu modo de ser (com todas as suas especificidades), é natural que também tenhamos manifestações diferentes de verdade.

Isto se conjuga também com a ligação que temos uns com os outros. O ser-aí só o é porque trava relações com os demais seres no mundo.[28] Na esteira desse raciocínio, o " 'com' é um modo do próprio ser".

Ainda comentando sobre o desvelamento é preciso que se faça um comentário sobre o deixar-ser[29] (d)as coisas, que situa-se em relação de condição com a verdade. A verdade enquanto produto do desvelamento advém ao ente.

Neste momento o filósofo entra no debate de um tema de suma importância que é o questionamento de que se a verdade deve ser analisada sobre o prisma do ser-aí, se isto não torna a verdade "subjetiva"[30]. Refuta, pois, Heidegger essa idéia afirmando que a verdade pode ser encontrada de forma objetiva pelo seu desvelamento. Afirmar o contrário levaria a discussão para um indesejável relativismo, ou pior, para o profundo ceticismo, que seria a negação do próprio conhecimento e, conseqüentemente, do próprio ser-aí.[31]

Tal caminho seguido por Heidegger é denominada de "encurtamento hermenêutico", onde é expulsa (forclusão) do âmbito de discussão a noção de Deus e do Mundo (natural) do âmbito cognitivo da Filosofia, sendo válido tão-somente o "mundo hermenêutico". Para ele, essa temática (Deus-mundo) seria apenas válida para as teorias da subjetividade com a qual ele justamente pretende romper e criar novo paradigma. Assim, para o filósofo, só através da ruptura do esquema sujeito-objeto é que a Filosofia encontraria parâmetros de validade, razão pela qual Descartes passa a ser o alvo preferencial das críticas heideggerianas.

Essa mudança paradigmática, esse novo olhar lançado e proposto por Heidegger para compreender o mundo só pode ser alcançado a partir do método.

O encurtamento hermenêutico defendido por Heidegger reside nos seguintes tópicos: a) rejeição de Deus; b) rejeição do mundo e das "leis naturais"; c) como conseqüência disso, a superação da Metafísica; d) superação da relação, esquema sujeito-objeto.

O método heiddegeriano também reside no enfrentamento da questão de identificar o "como" hermenêutico, isto é, o algo como algo do ser-no-mundo, e é isto que desloca a justificação do conhecimento, antes encontrada no esquema sujeito-objeto. Em Heidegger é a condição de possibilidade que será a razão-de-ser de todo o discurso.

Na esteira desse raciocínio, o método fenomenológico proposto pelo filósofo esteia-se em três bases, quais sejam: a) destruição; b) a redução e c) construção.

Frise-se que esse método deve se compatibilizar com a indagação do Dasein em si mesmo por si mesmo.

Destruição já que a adoção das teses de Heidegger implicam na total ruptura com as bases da tradição metafísica já colocadas. Já a redução se explica pela centralização das

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discussões existenciais somente no Dasein, pela abreviação hermenêutica e forclusão do binômio Deus-mundo, guiando o olhar do ente para o ser.

A construção desse novo paradigma é encontrada pela "condução positiva do próprio ser". Vê-se, então, que nesse contexto não sobra espaço para a consciência, pelo menos como tratada anteriormente, mas sim como "ponto de abertura"[32].

Como dito, não é possível a compreensão por etapas, ou seja, o processo interpretativo não pode(ria) ser cindido já que "o ver da visão é sempre compreender e interpretar"[33].

E é em Gadamer, através da inauguração das bases de uma nova corrente do pensamento contemporâneo, qual seja, a hermenêutica filosófica[34] que se fundamenta a razão na compreensão da tradição que deve ser analisada como o processo em que estamos submersos em constante recepção de conceitos, costumes e práticas e a que nos encontramos permanentemente expostos pela linguagem.

Neste contexto, na análise interpretativa da lei deve-se restaurar a autoridade da tradição[35] para buscar o verdadeiro sentido da norma, que é, portanto único não dando margens a subjetivismos do julgador, sendo certo que estar em consonância com a tradição é aquilo que tem validade sem precisar de fundamentação. É a contínua e compulsória transmissão através da linguagem do legado de pré-compreensões que compõem o referido Dasein, já que o sentido da norma pode(ria) ser alcançado pelo método fenomenológico de desvelamento do seu real sentido.

Portanto, para se alcançar o verdadeiro sentido da lei o seu "momento normativo", isto é, aquilo que diz respeito a ela própria, o período histórico investigado não pode ser dissociado do momento cognitivo em que ela será aplicada, formando uma unidade inseparável, dentro da estrutura universal da experiência hermenêutica, sendo um equívoco supor que os elementos da lei estão todos "disponíveis" mesmo antes de qualquer uso que se faça dela.

Aí é que Gadamer põe foco na questão da linguagem como modo de compreensão de ser no mundo já que "ser que pode ser compreendido é linguagem" e "aquele que 'tem' a linguagem tem o mundo". [36]

Não se pode perder de vista que dentro do ambiente hermenêutico gadameriano a lingüisticidade se insere como condição de possibilidade o que inclui a mutualidade, ou seja, a relação do ser-aí também pensada como ser-com-os-outros, observado que a fusão de horizontes da compreensão será a relação entre presente-passado onde se deve buscar o processo hermenêutico.

E quando falamos que interpretar é sempre aplicar vemos que a hermenêutica filosófica de Gadamer se aproxima da filosofia prática de Aristóteles, que se vale do conceito de phronesis (prudência, sabedoria prática) como modelo ideal de compreensão baseado também na ética, como modo de comportar-se no mundo. Isto é, a práxis gadameriana só pode ser lida sob o viés do pôr-se no mundo com solidariedade, sendo esta a condição decisiva e a base de toda a razão social.

Ainda com olhos voltados para os exemplos trazidos pelo texto de Orwell em a " Revolução dos Bichos" é emblemático o episódio que ocorre na fazenda em que, diante

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do clima de terror instalado por Napoleão e seus seguidores, sucessivas mortes são ordenadas àqueles que ousarem contrariar as ordens emanadas pelo novo poder instituído.

Mais uma vez os bichos atordoados se lembram que o sexto Mandamento veda que um animal mate outro, ficando óbvio que a matança ocorrida dias antes não se adequava a esse preceito.

Nessa ocasião eis que alguém se lembra de retornar ao estábulo para ler mais uma vez os dizeres dos Mandamentos que ali se encontravam e qual não é a surpresa ao verem o 'real' conteúdo da norma que estabelece que "nenhum animal matará outro animal, sem motivo".

Apesar de ter escapado à atenção dos bichos essa explicação final justificante da morte de um bicho por outro, resta indubitável que a ação sangrenta ocorrida dias antes não era violadora de norma alguma, já que certamente havia boas razões a justificar a morte dos "traidores" aliados a Bola-de-Neve que ousavam desafiar o governo de Napoleão, que afinal agia sempre em nome do bem estar de todos...

Tais fatos só vêm a ilustrar o atual estado da arte hermenêutico no Brasil onde os juízes vem sendo chamados a se manifestarem sobre as questões mais diversas e decidem, nem sempre pautados em critérios seguros. A situação fica ainda mais evidente quando se tem em conta a jurisdição constitucional no país em que o personagem principal é a própria Corte Suprema, que diante dos pólos de tensão com os demais poderes, tem avançado progressivamente, ocupando um espaço indevido que já começa a preocupar até a setores mais conservadores do Direito e que inclusive foi recentemente denominado de "Supremocracia"[37].

É neste contexto que a resposta hermeneuticamente correta[38] para a interpretação dos Sete Mandamentos da Fazenda dos bichos poderia ser encontrada através da busca histórica do contexto em que as leis foram encontradas e das razões motivadoras destas.

Assim agindo-se, não restaria espaço de discricionariedade para o juiz (porcos, no caso) na atividade judicante, pois estes estariam necessariamente atrelados aos pré-juízos / pré-compreensões da lei, o que não daria azo a uma postura dissociada dos ideais democráticos do bom convívio entre os animais da fazenda, e de ruptura com o status quo ante opressor e desigual.

4) REFLEXÕES FINAIS

Chegamos ao final do nosso trabalho e com ele à conclusão de que é preciso aceitar-se a redefinição do papel do Judiciário, sobretudo com o estabelecimento de métodos seguros que pautem o ato de decidir, evitando-se com isso que os juízes constantemente, ao colocarem-se diante da necessidade de compreensão do sentido da lei, atribuam "grau zero" de sentido a estas sem o respeito ao contexto em que foram elaboradas e para a qual foram projetadas, em flagrante discricionariedade.

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Neste contexto é "possível dizer, sim, que uma interpretação é correta e a outra é incorreta; movemo-nos no mundo exatamente porque podemos fazer estas interpretações".[39]

Afirmamos, pois que pelo o que se viu, é possível valer-se da tradição como bússola segura para o alcance das respostas corretas e para a imposição de uma nova postura e modo de decidir e analisar o Direito, sem apostar de forma cega nas concepções e "visões de mundo" do juiz.

Empenhar toda a crença na discricionariedade judicial (e mais que isso, no ativismo judicial) e suas "boas intenções" é fragilizar a Democracia no que ela tem de mais caro que é justamente a deliberação das questões públicas e preservação dos bens jurídicos e interesses da comunidade envolvida, em ambiente seguro de consenso.

Portanto, é preciso nessa quadra da história a ruptura do atual estado da arte hermenêutico no Direito brasileiro que merece ser realinhado sob pena da instauração do "império dos porcos"...

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STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica: Uma nova crítica do Direito. 2ª ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2004

_________. Verdade e Consenso. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.

_________. Hermenêutica Jurídica e(m) crise: Uma exploração hermenêutica da construção do direito. 7ª ed. rev. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.

_________. A crise paradigmática do Direito no contexto da resistência positivista ao (Neo)Constitucionalismo. In: Vinte Anos da Constituição Federal de 1988. SOUZA NETO, Cláudio Pereira, SARMENTO, Daniel e BINENBOJM, Gustavo. (Coord.) Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

_________. Os obstáculos ao acesso à justiça e a inefetividade da Constituição: passados vinte anos, (ainda) o necessário combate ao velho positivismo.

Disponível na Internet. http://www.estacio.br/mestrado/docs/artigo_lenio.pdf > (p.7). <Acesso em 03 de abril de 2009.>

_________. verbete sobre "Hermenêutica Jurídica" In: Dicionário de Filosofia do Direito. Coord. BARRETO, Vicente de Paulo. Porto Alegre: Unisinos, 2006.

_________ e BONATTO, Tatiana. "O Senhor das Moscas" e o fim da inocência. In: Direito e Literatura: Ensaios Críticos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.

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TRINDADE, André. Os Direitos Fundamentais em uma perspectiva autopoiética. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 200

[1] Literatura, segundo a definição do léxico Michaelis

[2] Mister ressaltar, pois, que a conciliação entre o Direito e a Literatura foi muito bem pontuado por Germano Schwartz quando afirma que: "Quando o Fausto de Goethe diz que 'não me interessa mais do Direito a Ciência", a Literatura dá vazão a um sentimento que vem permeando uma série de juristas, notadamente aqueles desapegados e, talvez, desapontados, com as fórmulas clássicas de análise da ciência jurídica, quaisquer que sejam elas. Um dos grandes fatores deste fastio se deve, em grande parte, ao abandono da humanidade no Direito, ou, como bem assevera Warat, à profanação do sagrado feita pelos operadores jurídicos hodiernos. (...) Nessa esteira, a relação entre Direito e Literatura aparece como forma diversa de abordagem da ciência do Direito, calcada na superação do modelo heteropoiético/positivista, procurando novas formas de observação transdisciplinares (observação de segundo grau) que possibilitem a constatação e a superação do já referido distanciamento temporal para com a sociedade na qual se insere. "

SCHWARTZ, Germano. A Constituição, a Literatura e o Direito. (Estado e Constituição 6). Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 17/18.

[3] STRECK, Lenio Luiz e BONATTO, Tatiana. "O Senhor das Moscas" e o fim da inocência. In: Direito e Literatura: Ensaios Críticos. Porto Alegre:Livraria do Advogado, 2008. p. 113.

[4] Afirma Major: "O homem é a única criatura que consome sem produzir. Não dá leite, não põe ovos, é fraco demais para puxar o arado, não corre o que dê para pegar uma lebre. Mesmo assim, é o senhor de todos os animais. Põe-nos a mourejar, dá-nos de volta o mínimo para evitar a inanição e fica com o restante. Nosso trabalho amanha o solo, nosso estrume o fertiliza e, no entanto nenhum de nós possui mais que a própria pele. (...) Não está, pois, claro como a água, camaradas, que todos os males da nossa existência têm origem na tirania dos humanos? Basta que nos livremos do Homem para que o produto do nosso trabalho seja só nosso. Praticamente, da noite para o dia, poderíamos nos tornar ricos e livres. Que fazer, então? Trabalhar dia e noite, de corpo e alma, para a derrubada do gênero humano. Esta é a mensagem que eu vos trago, camaradas: rebelião! Não sei dizer quando será esta revolução, pode ser daqui a uma semana ou daqui a um século, mas uma coisa eu sei, tão certo quanto vejo esta palha sob meus pés: mais cedo ou mais tarde, justiça será feita. Fixai isso, camaradas, para o resto de vossas curtas vidas! E, sobretudo, transmiti esta minha mensagem aos que virão depois de vós, para que as futuras gerações continuem na luta até a vitória"

ORWELL, George. A Revolução dos Bichos. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 14.

[5] "Bichos da Inglaterra e da Irlanda, daqui, dali e acolá, escutai a alvissareira novidade que virá. Mais hoje e mais amanhã, o Tirano vem do chão, e os campos da Inglaterra só os bichos pisarão. Não mais argolas nas ventas, dorsos livres dos arreios, freio e espora

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enferrujando e relho em cantos alheios. Riqueza incomensurável, terra boa, muito grão, trigo, cevada e aveia, pastagem, feno e feijão. Lindos campos da Inglaterra, ribeiros com águas puras, brisas leves circulando, liberdade nas alturas. Lutemos por esse dia, mesmo que nos custe a vida. Gansos, vacas e cavalos, todos unidos na lida. Bichos da Inglaterra e da Irlanda, daqui, dali e acolá, levai esta minha mensagem, e o futuro sorrirá".

[6] I) Qualquer coisa que ande sobre duas pernas é inimigo; II) O que andar sobre quatro pernas, ou tiver asas, é amigo; III) Nenhum animal usará roupa; IV) Nenhum animal dormirá em cama. V) Nenhum animal beberá álcool; VI) Nenhum animal matará outro animal; VII) Todos os animais são iguais.

[7] ORWELL, p. 57.

[8] Conforme explica Lenio Streck, "Aliás, tenho deixado igualmente claro que não se pode - e não se deve - confundir a adequada/necessária intervenção da jurisdição constitucional com a possibilidade de decisionismos por parte de juízes e tribunais. Seria antidemocrático. Em síntese, defender um certo grau de dirigismo constitucional e um nível determinado de exigência de intervenção da justiça constitucional não pode significar que os tribunais se assenhorem da Constituição".

STRECK, Lenio. Verdade e Consenso. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 142.

[9] ALEXY, Robert. Ponderação, Jurisdição Constitucional e Representação Popular. In: A Constitucionalização do Direito: Fundamentos Teóricos e aplicações específicas. (Coord. Cláudio Pereira Souza Neto e Daniel Sarmento). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 296.

[10] ALEXY, Robert. Op. Cit. p. 298.

[11] MÜLLER, Friedrich Apud SARMENTO, Daniel.

SARMENTO, Daniel. A Ponderação de Interesses na Constituição Federal. 1ª ed. 2ª tiragem. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. p. 142.

[12]HABERMAS, Jürgen Apud ALEXY, Robert. Op. Cit. Lumen Juris, 2007. p. 300.

[13] STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso. 2ª ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 173.

STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica: Uma nova crítica do Direito. 2ª rev. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 156.

[14] Para entender a expressão, remeto o leitor ao site abaixo onde George Marmelstein Lima faz crítica ao decisionismo judicial, denunciado em seu blog sobre Direitos Fundamentais.

LIMA, GEORGE MARMELSTEIN. ALEXY À BRASILEIRA OU A TEORIA DA KATCHANGA.

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<http://direitosfundamentais.net/2008/09/18/alexy-a-brasileira-ou-a-teoria-da-katchanga/> Acessado em 03 de abril de 2009.

[15] STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 7ª ed. rev. atual. Porto alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 41.

[16] Hart também preleciona sobre a necessidade da transparência das "regras do jogo" (que ele exemplifica à luz do críquete).

HART, Herbert L. A. O conceito do direito. 1994, 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1994. p. 98/99.

E também conforme ressalta Streck.

STRECK, Lenio Luiz. Op. Cit. p. 216.

STRECK, Lenio Luiz. Os obstáculos ao acesso à justiça e a inefetividade da Constituição: passados vinte anos, (ainda) o necessário combate ao (velho) positivismo.

Disponível na Internet. <http://www.estacio.br/mestrado/docs/artigo_lenio.pdf > (p.7)

< Acesso em 03 de abril de 2009.>

[17] BARZOTTO, Luís Fernando. Verbete sobre "Positivismo Jurídico" In: Dicionário de Filosofia do Direito. Coord. BARRETO, Vicente de Paulo. Porto Alegre: Unisinos, 2006. p. 642.

[18] KOZICKI, Kátya. Verbete sobre "Herbert Lionel Adolphus Hart" In: Dicionário de Filosofia do Direito. Coord. BARRETO, Vicente de Paulo. Porto Alegre: Unisinos, 2006. p. 409.

[19] KOZICKI, Kátya. Op. Cit. p. 411.

[20] Por isso, entre outros motivos, a classificação do autor como positivista.

[21] Fato esse sempre lembrado e denunciado por Lenio Streck em diversas passagens nas suas obras anteriores mencionadas.

[22] STRECK, Lenio Luiz. verbete sobre "Hermenêutica Jurídica" In: Dicionário de Filosofia do Direito. Coord. BARRETO, Vicente de Paulo. Porto Alegre: Unisinos, 2006. p. 431

[23] Idem, ibidem.

[24] STRECK. Op. Cit. p. 427.

[25] "Mas por que ser? O termo 'ser' entra numa variedade de contrastes. Contrasta em primeiro lugar com 'conhecimento' e 'ciência'. Muitos filósofos, na época de Heidegger

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a antes dela, especialmente os que alegavam seguir Kant, preocupavam-se principalmente com a epistemologia, ou teoria do conhecimento, fazendo perguntas como 'O que podemos saber?' e 'Quais são os fundamentos das ciências?' Heidegger era avesso à epistemologia; esta 'afia continuamente a faca, mas nunca efetua o corte'.

INWOOD, Michael. Heidegger. São Paulo: Edições Loyola, 2004. p. 23.

[26] INWOOD. Op. Cit. p. 29.

Termo antes já empregado por Kant, Hegel, Jaspers e Sartre.

[27] "Logo ao escolher o Dasein como ponto de partida de sua investigação, Heidegger não se concentra numa entidade com exclusão das outras; o Dasein traz consigo o mundo inteiro"

INWOOD. Op. Cit. p. 33.

"Em outros termos, o Dasein é a própria possibilidade para o homem de interrogar o ser, ao mesmo tempo em que a condição para que o ser esteja presente e seja interpretável."

HUISMAN, Op. Cit. p. 103.

[28] "O ente que possui nosso modo de ser, mas que nós mesmos não somos, o ente que é cada vez o outro, o outro ser-aí, o ser-aí dos outros, não está simplesmente ao nosso lado como um ente por si subsistente e, entrementes, talvez ainda ao lado de outras coisas. Ao contrário, um outro ser-aí está conosco aí: ele é um co-ser-aí. Nós mesmos somos determinados por um ser com os outros. Ser-aí e co-ser-aí são um-com-o-outro."

HEIDEGGER, Martin. Introdução à Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2008. p. 88.

[29] "Deixamos as coisas serem como elas são, entregamo-las e elas mesmas, mesmo se e justamente se nos ocupamos delas com a maior intensidade possível. Sim, justamente no uso e para o uso, preciso deixa a coisa ser o que ela é. Se eu não deixasse o giz ser o que é, se o triturasse, por exemplo, em um pilão, então não ousaria."

Ibidem. p. 107.

[30] "Deparamo-nos, assim, com o seguinte resultado: a tese acerca do pertencimento da verdade ao sujeito não explica a verdade como algo "subjetivista", mas determina justamente a subjetividade em seu ser junto ao ente por si subsistente, que é desvelado".

Ibidem. p. 121.

[31] O que tornaria estéril todo o pensamento não só heideggeriano como filosófico de um modo geral, bem como fazer inútil toda discussão travada até agora.

[32] NUNES, Op. Cit. p. 11.

[33] HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. 3ª ed. Petrópolis: Vozes, 2008. p. 210.

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[34] DUQUE-ESTRADA, Paulo César. verbete sobre "Hans-Georg Gadamer" In: Dicionário de Filosofia do Direito. Coord. BARRETO, Vicente de Paulo. Porto Alegre: Unisinos, 2006. p. 373

[35] GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método I: Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. 9ª Ed. Petrópolis: vozes, 2008. p. 372.

[36] Ibidem, p. 585.

(...) As palavras que usamos na linguagem nos são a tal ponto familiares, que estamos aí por assim dizer, nas palavras. Elas não se tornam o objeto. O uso da língua não é de modo algum o uso de algo. Nós vivemos em uma língua como em um elemento, como o peixe na água. Na lida lingüística e em tudo aquilo que nós denominamos um diálogo, nós buscamos as palavras. GADAMER, Hans-Georg. Hermenêutica em Retrospectiva. v. IV: A posição da Filosofia na sociedade. Petrópolis: Vozes, 2007. p. 95.

"A linguagem desponta como elemento de ligação entre o meio e o observador; a linguagem é a abertura para o mundo; é, enfim, condição de possibilidade."

TRINDADE, André. Os Direitos Fundamentais em uma perspectiva autopoiética. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 58.

[37] Jornal Folha de São Paulo de 04 de maio de 2009 em artigo intitulado "Omissão do Legislativo dá espaço à 'Supremocracia'"

[38] Sempre possíveis de serem alcançadas para Dworkin, Lenio Streck e Rodolfo Arango, entre outros.

Em Arango destacamos que: "De vuelta a la pregunta incial, podemos señalar que la tesis de la única respuesta correcta invierte El punto de vista, de uno externo a uno interno, para acceder al estudio del derecho. Esta inversión de la perspectiva, socava lãs bases de la objetividad de lãs proposiciones normativas (su adecuación exclusiva a lãs normas jurídicas), la cual, sin embargo, es recuperada em El proceso de justificación de lãs decisisines. Los limites de la actividad judicial em El casos dificiles no radican ya más em lãs virtudes personales del juez sino, además em la sujeción a lãs reglas del discurso práctico general y em la concordância com los princípios y valores sustantivos que subyacen al ordenamiento."

ARANGO, Rodolfo. ¿Hay respuestas correctas em el derecho? Bogotá: Siglo Del Hombres Editores, 1999. p.157

[39] STRECK, Lenio Luiz. A crise paradigmática do Direito no contexto da resistência positivista ao (Neo)Constitucionalismo. In: Vinte Anos da Constituição Federal de 1988. SOUZA NETO, Cláudio Pereira, SARMENTO, Daniel e BINENBOJM, Gustavo. (Coord.) Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 218.

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