discricionariedade e processo sancionatório versão reduzida para 30 pg

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Discricionariedade Administrativa e Processo Sancionatrio: inconsistncias normativas e possibilidades interpretativas em torno Lei 8.666/93. Jos Carlos Evangelista de Arajo1 Adriana Strasburg2 INTRODUO Este artigo procura compreender aspectos do processo licitatrio no mbito de um Estado Democrtico de Direito institudo por uma Constituio de tipo dirigente3. Constituies polticas dessa natureza tm como caracterstica uma significativa vinculao dos poderes a determinadas normas, visando instituio de um estado de coisas a ser atingido. Trata-se de um padro especfico de normatividade introduzido pelas normas-princpio que, diversamente das normas-regra, no buscam disciplinar condutas, mas instituir tarefas a serem perseguidas sob condies ftico-jurdicas postas (reserva do possvel). A existncia de um sistema constitucional de tipo principiolgico coloca na ordem do dia aspectos importantes do que se define por competncia discricionria 4 e, nesse plano, parece-nos oportuno um debate acerca dessa, no campo do chamado devido processo legal substantivo (substantive due process), incluindo os parmetros normativos que propiciam sua sindicncia. Buscamos ento compreender tal universo confrontando o regime jurdico estabelecido pela CF/1988 com o desenvolvido pelo legislador na Lei Geral de Licitaes (8.666/935), sob o aspecto das sanes reguladas no seu artigo 87.

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Advogado. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Uberlndia. Mestre em Educao tambm pela UFU. Mestre em Direito Constitucional pela PUC-SP. Doutorando em Direito Administrativo (PUC-SP). Professor de Direito Administrativo e Internacional nas Faculdades de Campinas (FACAMP), alm de Direito Constitucional em cursos preparatrios para concursos da rea jurdica http://lattes.cnpq.br/3053738520062767; www.advocaciaemdireitopublico.com.br; 2 Advogada. Graduada em Direito pela FACAMP e em Cincia Poltica pela UNICAMP. Mestre em Economia do Trabalho, pela UNICAMP e Doutora em Economia Aplicada a Polticas Pblicas de Trabalho, tambm pela UNICAMP (CESIT). http://lattes.cnpq.br/1609216195519230; .www.i-jurista.com.br; 3 Ver: CANOTILHO, Jos Joaquim Gomes. Constituio dirigente e vinculao do legislador. Coimbra: Coimbra Editora, 2001. 4 Buscamos evitar a expresso poder discricionrio por entendermos a mesma como pouco apropriada. 5 Regulamenta o art. 37, inciso XXI da carta poltica, instituindo normas para licitaes e contratos da Administrao Pblica.

Contudo, iniciamos a discusso pelas particularidades que envolveram o reconhecimento de certo padro de normatividade conferido s normas de estrutura principiolgica. De simples instrumentos de integrao e colmatao do ordenamento, no bojo dos princpios gerais at sua definitiva incorporao teoria geral da norma jurdica, com Dworkin e Alexy6. Em seguida, passamos a uma rpida anlise do programa constitucional, especialmente, os princpios do caput do artigo 37, buscando analis-los no s a partir de sua moldura jurdico-normativa mais geral, mas aplicando-os especificamente ao processo licitatrio. Nesse ponto pareceu-nos necessrio retomar a discusso acerca do contedo da discricionariedade, limites e possibilidades de controle. Procurando contribuir para o rompimento definitivo de uma lamentvel tradio que, aferrada a uma concepo dogmtica e estreita acerca do princpio da separao dos Poderes, tem conduzido a uma recusa ao controle dessa competncia, nosso ensaio defende a averiguao do mrito a partir de parmetros normativos colhidos da doutrina contempornea7 que, pensamos, possibilitam a eficcia do controle da intersubjetividade presente na fundamentao das decises administrativas. Trata-se dos postulados normativos aplicativos, normas de 2 grau, que se aplicam interpretao e concretizao de outras normas, como se d com os postulados da razoabilidade, proporcionalidade e igualdade, no contexto do que se convencionou chamar por substantive due process.8 Por fim, apontamos as peculiaridades do regramento jurdico de direito pblico e os parmetros constitucionais do procedimento licitatrio, adentrando aos aspectos polmicos que envolvem a aplicao de sanes ablativas do direito dos administrados (Art. 87, L. 8.666/93), que se mostram em desacordo com o sistema constitucional.6

Graas s contribuies desses autores (i) os princpios passam a ser reconhecidos como espcie do gnero norma jurdica e (ii) diferenciam-se, com maior preciso, as caractersticas normativas, peculiaridades (validade e eficcia) e mecanismos de soluo, quando de eventual conflito/coliso entre regras ou princpios. 7 VILA, Humberto. Teoria dos Princpios da definio aplicao dos princpios jurdicos. So Paulo: Malheiros, 2006. 8 NERY JUNIOR, Nelson. Princpios do Processo Civil na Constituio Federal. So Paulo: Revista dos Tribunais,1996.

Ao definir mecanismos de natureza sancionatria, sem a tipificao das condutas ilcitas, entendemos que o legislador abriu nesse ponto enorme espao para prticas de privilgio e/ou perseguio de interessados em licitar, em razo, por vezes, de convenincias polticas/pessoais, em escancarado ato de improbidade e flagrante contrariedade aos princpios constitucionais. o que nos demonstra a anlise da Relao de Apenados, publicada pelo TCE-SP9. Nossa irresignao com este estado de coisas nos incita procurar avanar no debate para a consolidao de um efetivo Estado Democrtico de Direito, pela conscincia e praticas cidads - sugerindo uma via de controle que passa pelo reconhecimento da inconstitucionalidade do referido dispositivo na forma como vem sendo aplicado, e a promoo, em ato contnuo, de uma interpretao conforme a Constituio, na qual a validade das decises discricionrias estaria, no mnimo, condicionada observncia, pelo administrador, de dois fundamentos aplicativos: a) a teoria da fundamentao substancial e, b) a adoo da teoria da reduo da discricionariedade a zero. A NORMATIVIDADE DOS PRINCPIOS NO AMBITO DA MODERNA TEORIA DA NORMA JURDICA. Segundo Bonavides,10 o processo por meio do qual vieram os princpios a ter a sua normatividade reconhecida pode ser dividido em trs etapas. Na primeira11, eles habitariam uma esfera por inteiro abstrata, da qual se deduzia uma normatividade basicamente nula (e duvidosa), em contraste com o reconhecimento da dimenso tico-valorativa (como idia que inspira os postulados de justia)12. Para os positivistas, que constituem a segunda etapa, o ordenamento, em princpio, era pleno, e os princpios deduzidos do plexo normativo eram suficientes9

Tribunal de Contas do Estado de So Paulo. http://www.tce.sp.gov.br/publicacoes/apenados/apenados-proclicitatorio.shtm. 10 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. So Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 255-295. 11 Jus naturalista. 12 O grande representante desta concepo teria sido Del Vecchio, para quem os princpios gerais do direito, como os evocados pelo art. 3 do Cdigo Civil italiano de 1865, deveriam ser interpretados como princpios de direito natural, j que aqueles extrados dos textos legislativos seriam insuficientes para tornar pleno o ordenamento em face das lacunas. Tal crtica teria sido feita em 1921, quando j imperava na Europa a Escola Histrica do Direito, em vias de substituio pelo perodo de hegemonia da tradio positivista.

para responder aos casos mais inusitados. No entanto, talvez com o intuito de silenciar as crticas dos jusnaturalistas, passaram a admitir sua positivao no mbito dos prprios cdigos, regulamentando-os enquanto fonte normativa subsidiria, com o intuito de se criarem vlvulas de segurana, garantes do reinado da lei. Nessa condio ficava claro que no se admitia que possussem normatividade que lhes permitisse sobrepor-se ou anteceder-se Lei, mas somente poderiam ser dela extrados ou introduzidos para se estender a eficcia e impedir-se um vazio normativo. Na terceira etapa, tem-se o ps-positivismo13, onde as Constituies ps Segunda Guerra Mundial teriam acentuado a hegemonia axiolgica dos princpios, convertidos em pedestal normativo sobre o qual assentaria o edifcio jurdico dos novos sistemas. Assim, o reconhecimento da natureza normativa dos princpios passou a originar-se no mbito das Cortes Internacionais14 e acabou por figurar no Tratado de Roma, que instituiu a Comunidade Econmica Europia, em 1957. Esse desenvolvimento terico teria dado origem a uma nova hermenutica onde se destacariam tendncias axiolgicas para as quais a compreenso do fenmeno constitucional mostrou-se cada vez mais atado considerao dos valores e fundamentao do ordenamento jurdico. Conjugaria, sob essas bases, Lei e Direito. Vrios foram os representantes desse desenvolvimento15. Contudo, as contribuies mais expressivas so de V. Crisafulli, R. Dworkin, e R. Alexy que, associados J. Esser, romperam com a tipologia proposta por Kelsen. Uma vez fixados novos parmetros por meio dos quais se busca compreender a dimenso normativa dos princpios, agora definido como espcie do gnero

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Perodo correspondente s ltimas dcadas do sculo XX. A exemplo do art. 38 do Estatuto da Corte Permanente de Justia Internacional (1920), cuja dico foi transposta, em 1945, para o art. 38, I, c, do Estatuto da Corte Internacional de Justia: os princpios gerais do direito, reconhecidos pelas naes civilizadas, so aptos e idneos para solverem controvrsias, ao lado dos tratados e costumes internacionais. 15 J. Esser, Karl Larenz, e Grabitz.

norma jurdica, restava elucidar a natureza e a funo de cada uma dessas espcies. De imediato, deixava-se para trs a indagao acerca da existncia ou no de atributos normativos junto aos princpios substituda pela indagao acerca da natureza e amplitude dessa mesma normatividade. Ou seja, se uma espcie normativa, normatividade possui. Coube a Dworkin e a Alexy o esclarecimento acerca das principais

caractersticas/critrios para diferenciar princpios e regras. Para Dworkin, as regras seriam aplicadas base do tudo ou nada (all or nothing). Ou seja, caso ocorram os fatos nela previstos, sendo vlida, a resposta estar previamente configurada no enunciado, que deve ser aplicado sem maiores consideraes. A idia de tudo ou nada ou a regra vlida e se aplica, ou no vlida, e no se aplica seria, por sua vez, incompatvel com o padro de normatividade dos princpios, cujos parmetros normativos estariam situados na dimenso do peso ou valor. Esta dimenso (peso, importncia, valor) seria exclusiva dos princpios, estabelecendo-se aqui, segundo o autor, o critrio mais seguro de distino. Neste sentido, se um determinado princpio for aplicado em um caso, e nele no prevalecer, nada obsta que noutras circunstncias volte ele a ser utilizado e aceito nos termos inicialmente propostos. De igual, entre princpios, admite-se a possibilidade de que dois ou mais colidam, gerando um conflito que ser resolvido em face do peso ou valor atribudo a cada um no mbito daquele caso especificamente considerado. Assim, um deles poder ser afastado ou ter a sua incidncia reduzida no caso concreto. No entanto, todos continuaro igualmente vlidos e eficazes no plano do ordenamento jurdico. Diversamente, em um sistema de regras, no se pode dizer que uma mais importante do que outra, de modo que, quando duas regras conflitam, no se admite a prevalncia de uma em razo do seu peso. Alis, o conflito sequer poder existir, ser aparente, j que, ou a regra vlida e se aplica, ou no se aplica por ser invlida. O conflito aparente de regras se resolve pelos critrios ou postulados de aplicao da especialidade, cronologia ou hierarquia. Por meio

deles, apenas uma regra poder ser admitida como vlida e eficaz a menos que o sistema tenha introduzido uma regra de exceo. No caso dos princpios, dado que se relacionam no mbito do peso ou valor, se busca uma harmonizao, por meio dos postulados da ponderao de interesses e da concordncia prtica, dentre outros. Ou seja, o conflito entre regras se resolve no plano da validade. A coliso de princpios, na dimenso da eficcia. Alexy, ao desenvolver a sua teoria normativa material, elaborou uma concepo prxima da assinalada por Dworkin, articulando tambm as duas espcies (princpios e regras) no interior do gnero norma jurdica. Para ele, tanto regras como os princpios seriam normas na medida em que se formulam com a ajuda de expresses denticas fundamentais, tais como mandamento, permisso e proibio. Prescreve ento que tanto princpios quanto regras constituem igualmente fundamentos para juzos concretos de dever, no obstante, constituam espcies diversas. Neste sentido, os princpios seriam normas dotadas de um elevado grau de generalidade, ao contrrio das regras, que no obstante sejam tambm normas, possuem um baixo grau de generalidade. Alexy afirma que a distino entre regras e princpios no pode ser reduzida a uma distino de grau, mas seria tambm de qualidade. Prope um critrio gradualista-qualitativo que possui como ponto determinante a compreenso dos princpios como mandados de otimizao mbito no qual se distingue qualitativamente das regras. A principal caracterstica dessas normas de otimizao consistiria na possibilidade de serem cumpridas em graus variados, de forma que a medida de exceo imposta dependeria tanto das possibilidades fticas, quanto jurdicas. As regras seriam normas que podem ser ou no cumpridas. Mas, se uma regra vlida, ter-se-ia que fazer exatamente o que nela est determinado, no se podendo ir alm ou ficar aqum do estipulado. Em razo dessas contribuies, o pensamento ps-positivista, evoluiu

paralelamente ao movimento de positivao dos princpios, no mbito das Constituies na segunda metade do sculo XX.

Nesse itinerrio, o processo de constitucionalizao dos princpios teria sido tambm marcado por duas fases. Uma primeira, programtica, na qual a normatividade reconhecida aos princpios teria sido mnima (onde os princpios foram afastados para um plano constitucional abstrato, sujeitos a um grau de aplicabilidade diferido) e uma segunda, no-programtica, caracterizada por um forte mpeto de concreo e objetividade, na qual se buscou um grau mximo de normatividade (onde os princpios ocuparam um espao de relevo, no qual se vislumbra a aplicao imediata, a dimenso objetiva e concretizadora, tudo ancorado em sua positividade expressa). Contemporaneamente alguns doutrinadores (boa parte de origem alem) comearam a apontar supostas limitaes nas concepes e tipologias de Dworkin e Alexy acerca da teoria da norma jurdica. Entre ns, destacaramos a proposta de Humberto vila,16 em um campo terico referenciado por nomes como Claus-Wilhelm Canaris e Klaus Vogel. vila nos chama ateno para a importncia atribuda nas ltimas dcadas para a interpretao e a aplicao das normas constitucionais. Sobre como devemos conferir construo de sentido e delimitao da funo desenvolvida a partir das normas que prescrevem fins a serem atingidos, como fundamento para a aplicao do ordenamento constitucional. Refere-se forma eufrica pela qual tais normas (princpios jurdicos) passaram a ser recebidas pela doutrina e jurisprudncia de forma a se chegar a cunhar expresses do tipo Estado principiolgico. Segundo o autor, um xtase doutrinrio que acabou por acarretar certos exageros e problemas tericos que, ao final, contriburam para inibir a prpria efetividade do ordenamento, em especial a de elementos tidos por fundamentais. De incio vila situa a discusso no plano da distino entre princpios e regras. Firma que, de um lado, elaboraram-se distines que separam princpios de regras em virtude da estrutura e dos modos de aplicao e coliso, tomando como necessrias qualidades que seriam meramente contingentes nas referidas16

VILA, Humberto. Teoria dos Princpios. So Paulo: Malheiros Editores, 2006.

espcies normativas. Aprofundando, afirma que essas distines exaltam a importncia dos princpios de forma a apequenar a funo das regras. As distines teriam tambm atribudo aos princpios condio de normas que, por estarem relacionadas a valores, demandariam apreciao subjetiva do aplicador, sendo insuscetveis de investigao intersubjetivamente controlvel. Neste sentido, afirma ser imprescindvel a descoberta dos comportamentos a serem adotados para a concretizao dos princpios, visto que, hoje, tal necessidade cedeu lugar a uma investigao circunscrita mera proclamao, muitas vezes desesperada e inconseqente, sobre sua importncia. Os princpios seriam reverenciados como bases ou pilares do ordenamento jurdico sem que isso agregue elementos que permitam melhor compreend-los e aplic-los. O autor critica a falta de clareza conceitual na manipulao das espcies normativas, no apenas pela utilizao de distintas categorias como se sinnimas fossem como a referncia indiscriminada expresso princpio referenciado como regra, axioma, postulado, idia, medida, mxima ou critrio, mas que esses distintos postulados seriam manipulados de idntica forma, como se d com a aluso acrtica proporcionalidade, muitas vezes confundida com justa proporo, dever de razoabilidade, proibio de excesso, relao de equivalncia, exigncia de ponderao, dever de concordncia prtica ou mesmo com a prpria proporcionalidade em sentido estrito. Neste aspecto, a contribuio mais importante de seu trabalho parece ser a maneira como busca simplificar a distino entre as espcies normativas, demonstrando que a dissociao elementar decorre do fato de as regras possurem uma dimenso imediatamente comportamental (devem prever um comportamento e a ele atribuir uma conseqncia jurdica) enquanto os princpios teriam uma dimenso eminentemente finalstica (seriam normas cuja qualidade essencial reside na determinao da realizao de um fim juridicamente relevante) 17.17

As regras so normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretenso de decidibilidade e abrangncia, para cuja aplicao se exige a avaliao da correspondncia, sempre centrada na finalidade que lhes d suporte e nos princpios que lhes so axiologicamente sobrejacentes, entre a construo conceitual da descrio normativa e a construo conceitual dos fatos. Os princpios so normas imediatamente finalsticas, primariamente prospectivas e com pretenso de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicao demandam uma avaliao da correlao entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessria sua promoo. As

Como conseqncia, os mecanismos de controle devem ser distintos, requerendo um instrumental conceitual mais sofisticado, que at o momento no havia recebido a ateno necessria, ainda que, de regra, enfrentado no terreno correto do princpio substancial do devido processo legal. Mesmo reconhecendo que o importante no seria saber qual a denominao mais correta desse ou daquele princpio, mas sim o modo mais seguro de se garantir a sua aplicao e efetividade, vila alerta para o fato de que a aplicao do direito dependeria precisamente de processos discursivos e institucionais sem os quais ele no se tornaria realidade. Neste sentido, a transformao de textos normativos em normas jurdicas dependeria da construo de contedos de sentido, em razo do dever de fundamentao que inicialmente os tornaria compreensveis por aqueles que os manipulam. Assim no sendo, ficaria muito difcil a compreenso pelos destinatrios, pela exigncia de clareza e a previsibilidade do prprio direito (elementos que seriam indispensveis ao princpio do Estado Democrtico). Em nossa opinio, uma compreenso acerca da normatividade dos princpios como apontada, se mostra necessria para uma correta interpretao dos princpios constitucionais gerais da Administrao Pblica elencados no caput do art. 37 da CF/88. Tal importncia se ressalta quando pensamos em sua aplicao sob contextos especficos, como seria o caso do processo licitatrio. Neste plano, a compreenso da normatividade a partir da idia de um estado de coisas a ser atingido pode mitigar efeitos no desejados pelo Constituinte originrio, mas infelizmente abertos quando da regulamentao da matria pelo legislador ordinrio.regras podem ser dissociadas dos princpios quanto ao modo como prescrevem o comportamento. As regras so normas imediatamente descritivas, na medida em que estabelecem obrigaes, permisses e proibies mediante a descrio da conduta a ser cumprida. Os princpios so normas imediatamente finalsticas, j que estabelecem um estado de coisas cuja promoo gradual depende dos efeitos decorrentes da adoo de comportamentos a ela necessrios. Os princpios so normas cuja qualidade frontal , justamente, a determinao da realizao de um fim juridicamente relevante, ao passo que caracterstica dianteira das regras a previso do comportamento. As regras podem ser dissociadas dos princpios quanto justificao que exigem. A interpretao e a aplicao das regras exigem uma avaliao da correspondncia entre a construo conceitual dos fatos e a construo conceitual da norma e da finalidade que lhe d suporte. Ao passo que a interpretao e a aplicao dos princpios demandam uma avaliao da correlao entre o estado de coisas posto como fim e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessria. As regras podem ser dissociadas dos princpios quanto ao modo como contribuem para a deciso. Os princpios consistem em normas primariamente complementares e, preliminarmente, parciais na medida em que, sobre abrangem apenas parte dos aspectos relevantes para uma tomada de deciso, no tm a pretenso de gerar uma soluo especfica, mas de contribuir, ao lado de outras razes, para a tomada de deciso. J as regras, consistem em normas preliminarmente decisivas e abarcantes, na medida em que, a despeito da pretenso de abranger todos os aspectos para a tomada de deciso, tm a aspirao de gerar uma soluo especfica para o conflito entre razes, VILA, Humberto. Teoria dos Princpios. So Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 167-168.

Isto porque, a aparente aplicao automtica de regras jurdicas, destitudas de ponderao teleolgica ancorada na normatividade dos princpios pode acabar levando ao abuso de poder e ao desvio de finalidade. O CONTEDO DA DISCRICIONARIEDADE E OS PARMETROS NORMATIVOS PARA O CONTROLE INTERSUBJETIVO DESSA COMPETNCIA: OS POSTULADOS NORMATIVOS APLICATIVOS. Na seara do Direito Administrativo, ao conceito de poder corresponde o de dever. Assim, os poderes que detm o administrador18 s se legitimam na exata medida dos deveres a ele atribudos, no exerccio da funo administrativa, para a tutela do interesse coletivo. A Competncia Discricionria se contrape vinculada19 e se liga ao deferimento Administrao de certo grau de liberdade e vontade na prtica de determinados atos. Assim, diante do caso concreto, por vezes, permite-se um juzo de convenincia e oportunidade do contedo a ser editado por parte do administrador, visando uma melhor satisfao do interesse pblico. Esse juzo se justifica em nome da necessidade de se lidar com as infinitas/distintas situaes cotidianas, j que sempre impossvel ao legislador prev-las em sua inteireza, e tampouco estabelecer normas despossudas das caractersticas de abstrao e generalidade20. Mas a discricionariedade deve respeitar limites. Ou seja, a Lei que deixa ao administrador certo espao de utilizao dos critrios de oportunidade e convenincia, desde que sejam observados os contornos do ordenamento. Assim, nem de longe o ato discricionrio se confunde com poder puramente poltico, sendo decorrncia lgica do princpio da legalidade, devendo, por isso,

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Os poderes administrativos, via de regra, so classificados em vinculados ou discricionrios, hierrquico, disciplinar e normativo ou regulamentar. Sobre o tema ver BANDEIRA DE MELLO, Celso Antnio. 19 aquela conferido pela Lei Administrao, de forma que prvia e objetivamente se sabe acerca do nico comportamento que esta poder ter diante de certas situaes concretas, bem como dos requisitos necessrios formalizao do ato, para o qual no concorre uma vontade subjetiva do administrador. 20 Neste sentido, afirma Fionini que: a discricionariedade , ento, a ferramenta jurdica que a cincia do direito entrega ao administrador para que a gesto dos interesses sociais se realize respondendo s necessidades de cada momento. Apud Maria Sylvia Sanella di Pietro, Discricionariedade Administrativa na Constituio de 1988. So Paulo: Ed. Atlas. p. 69.

estar de acordo com os vetores axiolgicos da Constituio e, ademais, ser manejado sempre e obrigatoriamente em referncia ao caso concreto. Segundo a doutrina, a liberdade do administrador para os atos no vinculados pode estar presente nas etapas de formao, na prpria estrutura da norma jurdica21, no momento da prtica do ato, em seus elementos (sujeito, objeto, motivao22, forma e finalidade)23 ou ainda na valorao dos fatos objetivos que se apresentam administrao24. Questo a tratar, para que no se opere confuso, a da distino, pontuada por parte da doutrina25, entre discricionariedade e interpretao, j que em ambas existe um trabalho intelectivo prvio, por parte da autoridade administrativa, na aplicao da lei aos casos concretos. Na tarefa interpretativa, h uma escolha nica que emana do ordenamento, a partir de um processo intelectivo lgico coerente com a totalidade orgnica. Sendo assim, no h espao para inovao e a tarefa apenas explicativa das valoraes implcitas no sistema. Na discricionariedade, h mais. que para alm das tarefas interpretativa e integrativa existe, de fato, um poder de escolha, uma capacidade de

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Rgis de Oliveira. Sobre os pressupostos de direito e de fato do ato administrativo ver Celso Antnio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, captulo VI, item VII. 23 Maria Sylvia Zanella di Pietro, esclarece que haver discricionariedade quando: 1. a lei no definir o motivo, deixando-o ao inteiro critrio da Administrao; o que ocorre na exonerao ex officio do funcionrio nomeado para cargo de provimento em comisso (exonerao ad nutum); no h qualquer motivo na lei para justificar a prtica do ato; em casos como esse, cabe autoridade escolher o motivo (desde que legal) que a levar a praticar determinado ato; 2. a lei define o motivo utilizando noes vagas, vocbulos plurissignificativos que deixam Administrao a possibilidade de apreciao dos fatos concretos segundo critrios de valor que lhe so prprios; o que ocorre quando a lei manda punir o servidor que praticar falta grave ou procedimento irregular, sem definir em que consistem; ou quando exige, para o provimento de certos cargos, notvel saber; enfim, sempre que a hiptese da norma se refere a conceito de valor, como ordem pblica, moralidade administrativa, boa-f, paz pblica e tantas outras de uso freqente pelo legislador. 24 A realizao do ato pressupe, por outro lado, determinados antecendentes objetivos. A autoridade administrativa no age no vcuo, no atua arbitrariamente. Ela se movimenta em funo de certas situaes de fato ou de direito que determinam a sua iniciativa. A primeira etapa dinmica do ato administrativo , portanto, a constatao da existncia dos motivos. Segue-se imediatamente, a apreciao do valor desses motivos, a fim de que possa a autoridade se orientar no tocante necessidade de sua atuao e aos meios indicados para a obteno de um resultado. precisamente na sucesso dessas duas etapas que se insere o elemento discricionrio. Ao passo que na verificao da existncia material ou legal dos motivos no h seno o processo de apreenso da realidade, na sua valorizao subjetiva-se a tramitao do ato administrativo. A existncia ou no dos motivos matria de ordem objetiva: a sua observao imperfeita provocar um erro de fato ou de direito, sujeito ao controle de legalidade. A ponderao e a medida dos motivos, como causas determinantes da ao do administrador, correspondem a um processo psicolgico, pertencente ao prisma discricionrio. Caio Tcito, Temas de Direito Pblico: estudos e pareceres. Ed. Renovar, RJ, 1997, p. 318-319.25

A exemplo de Gaetano Azzariti, Emilio Betti e, entre ns, Maria Sylvia Zanella di Pietro.

autodeterminao, segundo critrios administrativos, entre certo nmero de solues igualmente vlidas. Mas qual o limite conferido ao administrador? Uma resposta adequada indagao s se pode obter por meio de um estudo mais rigoroso dos chamados postulados normativos aplicativos da razoabilidade e da proporcionalidade. Nesse sentido, contestando a doutrina em geral, que se refere proporcionalidade e razoabilidade ora como princpios, ora como regras, Humberto vila26 nos prope essa nova categoria (postulados normativos aplicativos) que dissocia a equiparao entre razoabilidade e proporcionalidade. Isto porque, a doutrina em geral entenderia a razoabilidade como um topos sem estrutura ou fundamento normativo, quando, em sua opinio, a tal conceito seria devida uma nobre dignidade dogmtica. Da mesma forma, igualaria proibio de excesso e proporcionalidade em sentido estrito quando, em sua opinio, tais conceitos permitiriam espcies distintas de controle argumentativo. No entanto, operadas certas correes, acredita o autor que poderiam ser criadas as condies para incorporar a justia no debate jurdico sem comprometer-se a racionalidade argumentativa27. Esta questo (controle intersubjetivo da argumentao) da maior importncia, dado que os fundamentos jurdico-constitucionais que autorizam e requerem a interveno da Administrao, de forma a promoverem procedimentos administrativos, tais como o licitatrio, assim como os mecanismos normativos que estabelecem seus limites, esto institudos na forma de norma-princpio. Assim, por exemplo, a acepo formal do princpio da igualdade (enquanto mera isonomia) contrape-se sua acepo material e dessa forma adquire a natureza26 27

VILA, Humberto. Teoria dos Princpios. So Paulo: Malheiros Editores, 2006. Sua finalidade clara, manter a distino entre princpios e regras, mas estrutur-la sob fundamentos diversos dos comumente empregados pela doutrina. Demonstrar-se-, de um lado, que os princpios no apenas explicitam valores, mas, indiretamente, estabelecem espcies precisas de comportamentos; e, de outro, que a instituio de condutas pelas regras tambm pode ser objeto de ponderao, embora o comportamento preliminarmente previsto dependa do preenchimento de algumas condies para ser superado. Com isso, ultrapassa-se tanto a mera exaltao de valores sem instituio de comportamentos, quanto automtica aplicao de regras. Prope-se um modelo de explicao das espcies normativas que, ademais de inserir uma ponderao estruturada no processo de aplicao, ainda inclui critrios materiais de justia na argumentao, mediante a reconstruo analtica do uso concreto dos postulados normativos, especialmente da razoabilidade e da proporcionalidade. Tudo isso sem abandonar a capacidade de controle intersubjetivo da argumentao, que, normalmente, descamba para um caprichoso decisionismo. Op. Cit., p. 25-26.

de parmetro de controle para a sindicncia dos procedimentos, que se dar no mbito do chamado devido processo legal substancial. Neste plano, no podemos deixar de reconhecer que impera uma significativa aleatoriedade e impreciso conceitual no manuseio dos institutos que dificulta a avaliao da racionalidade argumentativa. Por isso entendemos oportuno descrever sinteticamente sua contribuio dogmtica da interpretao e aplicao das normas constitucionais, em especial as de natureza principiolgica. De sada, expomos o conceito de postulado normativo aplicativo, que no comporia o rol das espcies normativas propriamente ditas (regras e princpios), mas estaria situado em outra dimenso e enquanto regras e princpios seriam espcies normativas de 1 grau, tais postulados constituiriam espcies de 2 grau. Os princpios, como espcie normativa de 1 grau, constituem normas que estabelecem fins a serem buscados. Instituem, portanto, um dever de promover a realizao de um estado de coisas. A passagem de um plano (estabelecimento de fins e o dever de promov-lo) para outro (modo de aplicao e controle da efetivao desse comando) implica na superao do mbito das normas para adentrar-se no terreno das metanormas. Teramos aqui deveres situados em um 2 grau, cujo escopo seria o estabelecimento de uma estrutura para a aplicao de outras normas (princpios e regras). Dessa forma, as metanormas permitiriam a verificao dos casos em que ocorre violao s normas cuja aplicao elas estruturam e apenas elipticamente, admite vila, poder-se-ia afirmar que ocorre violao aos postulados da razoabilidade, proporcionalidade ou eficincia. Em sentido mais exato, violadas seriam as normas (princpios e regras) que deixaram de ser devidamente aplicadas. Com isso se quer dizer que os postulados normativos situam-se em um plano distinto das normas cuja aplicao estruturam. A violao dos postulados consistiria na sua interpretao em desacordo com a estruturao.

Todavia, o qualificativo 2 grau no nos deve conduzir concluso de que tais postulados funcionariam como qualquer norma que fundamente a aplicao de outras normas, como ocorreria com os chamados sobreprincpios tais como os do Estado de Direito ou do Devido Processo Legal, visto que esses estariam situados no prprio plano das normas objeto de aplicao, e no no plano das normas que estruturam a aplicao de outras normas. Ademais, os sobreprincpios atuariam como fundamento formal e material para a instituio e atribuio de sentido s normas hierarquicamente inferiores, diferentemente dos postulados normativos que funcionariam como estrutura previamente disposta para a aplicao de outras normas. Por isso vila entende que eles (enquanto deveres estruturantes de aplicao de outras normas) no poderiam ser considerados como princpios ou regras28. O autor reconhece que esse apartamento dos postulados normativos aplicativos (mesmo para os que o reconhecem) da categoria de regras e princpios , para muitos, problemtica. Para alguns seria, ao lado dos chamados deveres de otimizao, uma forma especfica de regras (eine besondere form regeln). Outros, adeptos de sua compreenso como princpios, reconheceriam que eles funcionam como mxima ou topos argumentativo, que mescla o carter de regras e de princpios. H tambm os que os enquadrariam, com slida argumentao, na categoria de princpios distintos, denominados princpios de legitimao. Existiriam, por fim, aqueles que os definiriam como normas metdicas. No28

Como os postulados situam-se em um nvel diverso do das normas objeto de aplicao, defini-los como princpios ou como regras contribuiria mais para confundir do que para esclarecer. Alm disso, o funcionamento dos postulados difere muito do dos princpios e das regras. Com efeito, os princpios so definidos como normas imediatamente finalsticas, isto , normas que impem a promoo de um estado ideal de coisas por meio da prescrio indireta de comportamentos cujos efeitos so havidos como necessrios quela promoo. Diversamente, os postulados, de um lado, no impem a promoo de um fim, mas, em vez disso, estruturam a aplicao do dever de promover um fim; de outro, no prescrevem indiretamente comportamentos, mas modos de raciocnio e de argumentao relativamente a normas que indiretamente prescrevem comportamentos. Rigorosamente, portanto, no se podem confundir princpio com postulados. As regras, a seu turno, so normas imediatamente descritivas de comportamentos devidos ou atributivas de poder. Distintamente, os postulados no descrevem comportamentos, mas estruturam a aplicao de normas que o fazem. Mesmo que as regras fossem definidas como normas que prescrevem, probem ou permitem o que deve ser feito, devendo sua conseqncia ser implementada, mediante subsuno, caso a sua hiptese seja preenchida, como o fazem Dworkin e Alexy, ainda assim a complexidade dos postulados se afastaria desse modelo dual. A anlise dos postulados de razoabilidade e de proporcionalidade, por exemplo, est longe de exigir do aplicador uma mera atividade subsuntiva. Eles demandam, em vez disso, a ordenao e a relao entre vrios elementos (meio e fim, critrio e medida, regra geral e caso individual), e no um mero exame de correspondncia entre a hiptese normativa e os elementos de fato. A possibilidade de, no final, requerer uma aplicao integral no elimina o uso diverso na preparao da deciso. Tambm os princpios, ao final do processo aplicativo, exigem o cumprimento integral. E a circunstncia de todas as espcies normativas serem voltadas, em ltima instncia, para o comportamento humano no elimina a importncia de explicar os procedimentos completamente distintos que preparam e fundamentam sua descoberta. Op. Cit., p. 123-124.

entanto a denominao , em si, secundria, na medida em que o decisivo seria constatar e fundamentar sua diferente operacionalidade. Os postulados normativos aplicativos diferenciar-se-iam dos princpios e das regras quanto ao nvel e funo, cabendo-lhes o estabelecimento dos critrios de aplicao desses. Ao contrrio dos princpios e das regras, que servem de comandos para determinar condutas obrigatrias, permitidas ou proibidas, bem como, condutas cuja adoo seria necessria para atingir certos fins, os postulados serviriam como parmetros para a realizao de outras normas, de modo que, em todos os casos de sua utilizao, haveria necessariamente um raciocnio relativo aplicao de outras normas do ordenamento jurdico. Neste sentido, por exemplo, no exame da razoabilidade-equivalncia, analisa-se a norma que institui a interveno ou exao com a finalidade de verificar se h equivalncia entre sua dimenso e aquilo que ela visa punir ou financiar. No exame da proporcionalidade, investiga-se uma norma que institui interveno ou exao para verificar se o princpio que justifica sua instituio seria promovido e em que medida os outros princpios sero restringidos. No exame da proibio de excesso analisar-se-ia a norma que institui a interveno ou exao para comprovar se algum princpio fundamental no estaria sendo atingido em seu ncleo essencial. Tais premissas so de grande valia quando da apreciao de litgios envolvendo o processo licitatrio, visto que, com base em uma avaliao nelas fundamentada que se colocar a questo referente existncia ou no de uma restrio excessiva de algum dos princpios fundamentais da administrao pblica. Para vila, a definio de postulados como normas estruturantes da aplicao de princpios e regras requer a adoo de quatro procedimentos de investigao e anlise, para que se possa delimitar seu exato sentido no ordenamento. 1) a necessidade de levantamento de casos cuja soluo tenha sido tomada com base em algum postulado o que ir requerer: a) investigao da jurisprudncia dos Tribunais em busca de decises que tenham mencionado e utilizado de postulados; b) a obteno da ntegra dos acrdos. 2) anlise da fundamentao

das decises para verificao dos elementos ordenados e a forma como foram relacionados o que ir requerer: a) anlise das decises e verificao dos elementos/grandezas manipuladas; b) verificao das relaes consideradas essenciais. 3) investigao das normas objeto de aplicao e fundamentos para a escolha de determinada aplicao o que ir requerer: a) verificao dos elementos/grandezas manipuladas; b) encontrar os motivos que levaram os julgadores a entender existentes ou inexistentes determinadas relaes. 4) realizao do percurso inverso: descoberta a estrutura exigida na aplicao do postulado, verificao da existncia de outros casos que deveriam ter sido decididos com base nele o que ir requerer: a) refazer a pesquisa jurisprudencial mediante a busca de outras palavras-chave; b) anlise crtica das decises, reconstruindo-as argumentativamente de acordo com o postulado em exame, de modo a evidenciar a falta ou o uso inadequado. Ao final dessa reconstruo, analisando os dados recolhidos, vila nos prope uma classificao para os postulados normativos aplicativos em espcies. Inicialmente define todos como deveres estruturais, deveres que estabelecem uma vinculao entre elementos e que impem determinada relao entre eles. Da porque tambm os define como formais, visto que, dependem da conjugao de razes substanciais para a sua aplicao. Mas ainda assim, alerta para o fato de que os postulados no funcionariam todos da mesma forma. Em parte seriam aplicados independentemente dos elementos objeto de relacionamento. Por exemplo, a ponderao, exige sopesamento de quaisquer elementos (bens, interesses, valores, direitos, princpios, razes) e no indicaria a maneira como deve ser procedido esse sopesamento. Os elementos e os critrios no lhe seriam especficos. Tambm a concordncia prtica funcionaria de modo semelhante, caracterizando-se como um postulado inespecfico, visto que, exige a harmonizao entre elementos, mas no diz qual a espcie desses elementos. Neste sentido, os elementos objeto de harmonizao seriam indeterminados. Igualmente a proibio de excesso estabeleceria que a realizao de um elemento no resultasse no aniquilamento do outro. No entanto,

os elementos objeto de preservao mnima no so indicados. No mesmo sentido teramos o postulado da otimizao ao estabelecer que determinados elementos devam ser maximizados sem dizer quais e nem como. Em situaes como essas os postulados normativos exigiriam o relacionamento entre elementos, sem, contudo, especificar quais so os elementos e os critrios que devem orientar sua relao. Seriam postulados normativos de aplicao eminentemente formais, constituindo meras idias gerais, despidas de critrios orientadores da aplicao. Exatamente por isso, vila os conceitua como postulados inespecficos ou incondicionais. Em contrapartida, o autor identifica outros postulados cuja aplicao requereria determinados elementos e sua orientao por intermdio de alguns critrios especficos. o caso de extrema importncia para este trabalho do postulado da igualdade. Como pormenorizaremos mais adiante, diferentemente de como concebe vila neste particular, os postulados normativos de aplicao so princpios e o princpio da igualdade, dada a sua peculiar especificao constitucional, nele se manifesta tanto como postulado normativo de aplicao (igualdade formal ou isonomia), como quanto preceito fundamental decorrente da Constituio (igualdade material/substancial). Mas, segundo o autor, enquanto postulado, a igualdade s aplicvel em um plano no qual tenhamos ao menos dois sujeitos perante algum critrio discriminador vinculado a alguma finalidade, razo pela qual s se tornar aplicvel na presena de elementos especficos, tais como sujeitos, critrios de discrmen, alm de algum objetivo especificado. Situao semelhante se daria com outros postulados, tais como da

razoabilidade, opervel apenas a partir da relao estabelecida entre um plano geral e outro individual, ou da proporcionalidade, cuja aplicao se vincula existncia de uma relao de causalidade entre meios e fins. Em todos esses casos, de extraordinria importncia, so os postulados normativos de aplicao que, por excelncia, so utilizados no mbito da

jurisdio constitucional para efeitos de implementao do princpio substancial do devido processo legal. Constituem aquilo que vila define como postulados especficos ou

condicionais. Isto porque exigem o relacionamento entre elementos especficos como critrios que devem orientar a relao entre eles. Seriam eles tambm postulados normativos formais, todavia, relacionados a elementos com espcies determinadas. Resumindo, alguns postulados aplicar-se-iam sem a necessidade de se pressupor a existncia de critrios e elementos especficos. o que acontece com a ponderao de bens, na qual se institui um mtodo destinado atribuio de um peso a elementos que se entrelaam sem, contudo, fazer referncia a pontos de vista materiais. Igualmente no caso de aplicao do postulado da concordncia prtica, exigir-se-ia a realizao ao mximo de valores que necessariamente se imbricam. Ou ainda no caso do postulado da proibio de excesso, por meio do qual se veda a aplicao de uma norma jurdica que restrinja de tal forma um direito fundamental que acaba por lhe subtrair um mnimo de eficcia. De outro lado, h aqueles postulados cuja aplicabilidade depende de determinadas condies. Como acabamos de demonstrar, seria o caso do postulado da igualdade, que deve estruturar a aplicao do direito quando existe uma relao jurdica entre dois sujeitos em funo de certos elementos (critrio de diferenciao e finalidade de distino) e da relao entre eles (congruncia do critrio em razo do fim). Em nossa opinio, o conceito de postulados normativos de aplicao, na estrutura e grau de detalhamento fornecidos por essa doutrina contempornea se constitui em importantssima contribuio terica para o aperfeioamento do mecanismo de aplicao e controle de normas e outros atos estatais institudos como decorrentes do desenvolvimento e concretizao de princpios constitucionais. Ao mesmo tempo em que orientam e estruturam a sua aplicao, permitem um controle mais tcnico e isento ou ao menos intersubjetivamente controlvel da sua apreciao.

Possibilitam assim a superao de um modus operandi marcado por certo voluntarismo e arbitrariedade no uso dos conceitos que, no obstante o manejo j consagrado pela jurisprudncia e doutrina, ainda no haviam logrado obter o grau de clareza e previsibilidade jurdica de que tanto necessitamos. Pensamos que sua aplicao na avaliao de procedimentos de licitao, quando colocadas sob o crivo do devido processo legal substancial, pode contribuir para um melhor equacionamento dos litgios que deles se originem. AS PECULIARIDADES DO REGRAMENTO JURDICO DE DIREITO PBLICO E OS PARMETROS CONSTITUCIONAIS DO PROCEDIMENTO LICITATRIO. Normas de Direito Pblico so as que tratam da organizao do Estado brasileiro na sua relao com os indivduos (servidores, pessoas fsicas e jurdicas), alm da relao deste para com outros Estados. A especificidade dessas normas est no seu valor social diferenciado, conferido em funo da necessidade de imposio de institutos destinados persecuo e realizao do bem comum, de sorte que so os indivduos coletivamente considerados o bem maior a ser tutelado. Cabe a essas normas estabelecer mecanismos capazes de garantir o cumprimento dos direitos Constitucionais, por meio da submisso da Administrao aos parmetros norteadores de um Estado Democrtico de Direito. Objetivam, assim, estabelecer uma rede de proteo, cerceando formas autoritrias de exerccio do poder. Dois critrios so postos por esse regramento: o do sujeito e o do interesse. Assim, o Direito Pblico o que tem por sujeito o Estado. E ainda o que tutela uma classe de interesses de natureza diferenciada, sendo que a noo de interesse pblico deve ser extrada do conjunto do ordenamento, ou seja, da forma como determinados bens so tratados, segundo um interesse juridicamente distinto, excepcional, que os submete a um regime prprio quanto s obrigaes, sanes, formas de contratao e responsabilidade, etc. preciso lembrar tambm que o Estado pauta-se por fins mediatos e imediatos. Os mediatos (fins pblicos) so aqueles que legitimam sua prpria existncia.

Por isso detm carter de permanncia, estando expressos nos princpios e objetivos fundamentais da Repblica Federativa do Brasil. J os imediatos, que definem o interesse pblico em sentido estrito, ligam-se s necessidades mais prementes, definidas e objetivadas por meio do exerccio da funo poltica, seja pela via da escolha eleitoral, seja pela atuao dos Poderes na implantao de seus programas29. O que se tem, portanto, que o Interesse Pblico inexiste fora do Estado Democrtico de Direito e se constitui como conceito indeterminado, abstrato e varivel. Assim, no a Administrao quem define o que Interesse Pblico, mas este formal e previamente estipulado, quer pela aplicao de normas constitucionais, quer pela edio de leis ou atos de governo em sentido estrito, pelos rgos polticos competentes e na forma constitucionalmente prevista. Da constatao de que h um Interesse Pblico que no se confunde com a somatria dos interesses individuais, mas antes, se identifica com esses, sendo a expresso de todo o corpo social, surge o primeiro trao distintivo do regime jurdico-administrativo, que a supremacia sobre o interesse privado, a partir da qual o Estado assume posio privilegiada, que se traduz em um poder-dever de zelar pela persecuo e proteo do Interesse, atravs da instrumentao de seus rgos, o que se traduz por privilgios e prerrogativas atribudos por Lei Administrao30. Da conjugao dos privilgios e prerrogativas, como expresso da supremacia do interesse pblico, resulta a exigibilidade dos atos administrativos e a autotutela, que representa a possibilidade de revogao dos prprios atos por manifestao unilateral, bem como decretao de nulidade, quando viciados. Mas o Estado no est s em posio privilegiada, mas tambm subordinada, j que o segundo trao do regime jurdico-administrativo consiste na indisponibilidade quanto proteo e promoo do interesse pblico. que,29

Por meio dos representantes eleitos, que se concretizam em leis ou em atos de governo em sentido estrito. Veja-se, por exemplo, art. 48 c/c art. 59, e art. 84, V e 84, XXIII, da CF 1988. 30 Por privilgios entende-se, por exemplo, o benefcio de prazos processuais mais longos, alm da presuno de veracidade e legitimidade dos atos administrativos. Por prerrogativas, que o Poder Pblico se encontra em posio autoridade relativamente aos particulares, o que permite a imposio de obrigaes por ato unilateral, ou ainda, o direito de modificar, igualmente, relaes j estabelecidas.

sendo esses prprios da coletividade so insuscetveis de apropriao pessoal, afastados da esfera de livre disposio da vontade do administrador estabelecidos como obrigao da funo administrativa, nos termos da finalidade disposta pelo ordenamento. A supremacia do interesse pblico e sua indisponibilidade constituem

peculiaridades do regime jurdico de direito pblico prprias do regramento constitucional, sendo parmetros discricionariedade. Submete todas as pessoas de direito pblico de capacidade poltica, bem como as entidades da administrao indireta, obedincia aos princpios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficincia e da licitao pblica. A licitao um procedimento administrativo destinado a selecionar a proposta mais vantajosa, como expresso da realizao desses princpios. No se aceita derrogaes, salvo as autorizadas, a exemplo da dispensa e inexigibilidade. Assim, o administrador est, a despeito da discricionariedade, vinculado a essa moldura, da publicao do edital concluso do contrato, nos desdobramentos do procedimento, de modo que, no mbito de um Estado Democrtico de Direito (dado o princpio da supremacia da Constituio), todo seu desenvolvimento deve respeitar esses postulados sob pena de invalidade. A ampla margem de ao conferida Administrao em face das demandas e imperativos colocados por uma sociedade cada vez mais complexa, na qual se assiste transio de um paradigma produtivo industrial para outro ora definido como ps-industrial31, requer a contrapartida de uma ampla processualizao dos mecanismos referentes tomada de decises. Segundo autores como Jrgen Habermas32, o prprio fundamento de legitimidade dessa concepo de Estado prende-se estrita observncia dos procedimentos, por meio dos quais se limita a discricionariedade e, eventualmente, a arbitrariedade dos agentes.

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CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. So Paulo: Paz e Terra, 2005. HABERMAS, Jrgen. Direito e Democracia entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.

Este o contexto jurdico-normativo no interior do qual a CF/8833 impe a necessidade de o legislador ordinrio regular de forma genrica o processo administrativo (como o fez com a Lei 9784/99, e Lei 10.177/9834) e de modo especfico, certos procedimentos dotados de maior singularidade. Compreend-lo no interior da ordem jurdico-estatal contempornea, bem como as questes de natureza constitucional envolvidas, determinante para uma adequada tutela dos direitos e garantias fundamentais estabelecidos no texto constitucional. ASPECTOS POLMICOS DA LEI 8.666/93: ART. 87. A Lei 8.666/93, aps tramitar no Congresso por praticamente dois anos, foi promulgada em 1993, para regulamentar o inciso XXI do art. 37 da CF. O cenrio que a viabilizou foi, de um lado, o crescimento considervel da colaborao entre o Estado e a iniciativa privada, operado a partir da implantao de um modelo de reduo do aparato estatal, sobretudo, no incio dos anos 90. De outro, a necessidade poltica de efetivao das garantias constitucionais na gesto da coisa pblica. As normas nela contidas representam, assim, o resultado de uma evoluo histrica e o diploma contm regras e princpios, amoldados ao sistema Constitucional. Nessa legislao: a) ampliaram-se as responsabilizaes pela incluso de sanes de natureza penal; b) incluiu-se a previso da participao popular nos procedimentos; c) algumas modalidades de licitao adquiriram maior complexidade; d) passou-se a privilegiar critrios de menor preo e reduo no tempo de durao dos contratos, com vistas a obter-se uma maior eficincia; e) reduziu-se a possibilidade de contratao pela melhor tcnica; f) especificaram-se regras de publicidade.33

A CF/88 estabeleceu parmetros gerais que caracterizam as peculiaridades do regime jurdico de direito pblico, tema especialmente afeto ao tema da licitao. Disciplinou questes referentes competncia para legislar (art. 22, XXVII), o regime geral para as fundaes a autarquias (art. 37, XXI) e estabeleceu a necessidade de se instituir um regime especfico para as empresas pblicas, sociedades de economia mista e subsidirias (art. 173, III). 34 No mbito do Estado de So Paulo.

Todos, mecanismos que corresponderam a um aumento no grau de formalismo e no volume dos processos, com a conseqente reduo do espao de discricionariedade. A doutrina crtica argumentou que a aplicao da Lei acabaria por gerar maiores custos para a mquina estatal, engessando o administrador na tomada de decises, fato que comprometeria a eficincia na utilizao dos recursos. Contudo, com o foco voltado para a realizao de outros princpios fundamentais (igualdade, publicidade, moralidade e dever de probidade), h muitos que entendem que, ao menos em tese, a Lei possibilitou uma superao da tradio (de obteno de servios atravs de instrumentos jurdicos autoritrios), promovendo-se um avano em termos de efetivao do Estado Democrtico de Direito. Por certo que isto ocorreu. Mas, at que ponto e de que maneira a discricionariedade foi reduzida, adequando-se aos princpios constitucionais, especialmente os da isonomia, da proposta mais vantajosa e da eficincia? Em que medida o procedimento garante a indisponibilidade do interesse pblico? O Artigo 87 se coloca como um ponto importante da questo porque, tal como hoje se encontra redigido35, permite que o administrador ao seu juzo de convenincia e oportunidade, decida entre a aplicao das penalidades de suspenso ou declarao de inidoneidade, por exemplo. Isso porque no h norma que tipifique as condutas que seriam afetas aplicao de cada uma dessas sanes.

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Art. 87. Pela inexecuo total ou parcial do contrato a Administrao poder, garantida a prvia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanes: I advertncia; II - multa, na forma prevista no instrumento convocatrio ou no contrato; III - suspenso temporria de participao em licitao e impedimento de contratar com a Administrao, por prazo no superior a 2 (dois) anos; IV - declarao de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administrao Pblica enquanto perdurarem os motivos determinantes da punio ou at que seja promovida a reabilitao perante a prpria autoridade que aplicou a penalidade, que ser concedida sempre que o contratado ressarcir a Administrao pelos prejuzos resultantes e aps decorrido o prazo da sano aplicada com base no inciso anterior. 1o Se a multa aplicada for superior ao valor da garantia prestada, alm da perda desta, responder o contratado pela sua diferena, que ser descontada dos pagamentos eventualmente devidos pela Administrao ou cobrada judicialmente. 2o As sanes previstas nos incisos I, III e IV deste artigo podero ser aplicadas juntamente com a do inciso II, facultada a defesa prvia do interessado, no respectivo processo, no prazo de 5 (cinco) dias teis. 3o A sano estabelecida no inciso IV deste artigo de competncia exclusiva do Ministro de Estado, do Secretrio Estadual ou Municipal, conforme o caso, facultada a defesa do interessado no respectivo processo, no prazo de 10 (dez) dias da abertura de vista, podendo a reabilitao ser requerida aps 2 (dois) anos de sua aplicao.

Poderia se argumentar que a lei no necessitaria - ou no poderia exaurir a previso do tipo e dos pressupostos da sano e que seria possvel uma mera instituio da ilicitude e da sano em termos genricos. Assim, o administrador, a partir dos princpios da razoabilidade e da proporcionalidade, como tambm no da culpabilidade, pautado, sobretudo, pela impessoalidade e sem desviar a ateno do interesse pblico teria amplas condies de editar o ato, segundo a gravidade e reprovabilidade da conduta, com mnimas possibilidades de cometer injustias, que seriam apenas residuais, cabendo ao judicirio corrigir os desvios. Para Maral Justen Filho o artigo afigura-se inconstitucional36 e incompatvel com a ordem jurdica, no sendo cabvel e tampouco aceitvel que o administrador possa dispor da faculdade de escolher, no caso concreto, qual a sano cabvel37. E os dados colhidos da realidade de nossa administrao ao menos do estado de So Paulo demonstram que essa instituio (da ilicitude/sano) em termos genricos no implicou nem na superao da tradio (de obteno de servios atravs de instrumentos jurdicos autoritrios), nem a reduo do espao de discricionariedade do administrador nos casos de aplicao de sanes aos prestadores/fornecedores (de obras e servios). E, embora a doutrina nos fornea instrumentos para tanto, pela manipulao de certos princpios, em especial, da isonomia, da razoabilidade e proporcionalidade, na prtica, os mesmos no so aplicados, ainda que os atos administrativos sejam motivados e, portanto, se afigurem formalmente perfeitos. o que se pode ver dos dados extrados da relao de Apenados, publicada pelo Tribunal de Contas do Estado de So Paulo. A tabela abaixo apresenta o percentual de penalidades impostas aos prestadores/fornecedores (de obras e servios), em outubro de 2010, pelos distintos rgos de administrao pblica do Estado de So Paulo.

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Por violao aos incisos XXXIX e XLVI, do art. 5 da Constituio Federal. Para o autor, a soluo consistiria em exigir que, por meio de ato regulamentar ou no corpo do prprio edital, fossem estabelecidos pressupostos bsicos delimitadores do sancionamento, sem o que se torna impossvel a aplicao de qualquer das sanes previstas no artigo.

Veja que a comparao entre os mesmos demonstra que no h qualquer equivalncia na aplicao das penalidades de suspenso do direito de licitar (inciso III, do art. 87) e de declarao de inidoneidade (inciso IV, do art. 87). Assim que as Secretarias e Servios de Sade e Educao, a Fundao Para o Desenvolvimento da Educao (FDE), as penitencirias e o Ministrio Pblico (MP), simplesmente no aplicam a declarao de inidoneidade. Por outro lado, h rgos, como a Unicamp38 ou o TJSP39, que praticamente s se utilizam de tal espcie.Percentual de aplicao de sanes, por tipo de penalidade (art. 87, L. 8.666/93), por rgos da Administrao - So Paulo.UNICAMP Municpios Depto. gua/esgoto FDE Servios de sade Serv. Transmisso de energia Penitenciria TJSP Ministrio Pblico Cia. metropolitana Polcia Civil e Militar Outros Art. 87, III (suspenso) 22,5 69,2 88,0 100,0 100,0 85,7 100,0 36,4 100,0 100,0 80,0 73,3 Art. 87, IV (decl. de inidoneidade) 77,5 29,9 8,0 Art. 7, L. 10.520/02* 0,9 4,0 %

14,3 63,6

100,0

20,0 26,7

Considerando tratar-se basicamente do mesmo universo de fornecedores, era de se esperar certa uniformidade e no h como deixar de constatar, em contrapartida, que o administrador, ao menos no Estado de So Paulo, em geral, ignora haver gradao na aplicao dessas penalidades. Ou pior, por muitas vezes usa sua competncia discricionria para escolher, segundo critrios subjetivos quem pode ou no lhe prestar colaborao. Inclusive, como o caso da UNICAMP, em parecer lavrado pela procuradoria, quando instada a franquear vista de processos licitatrios com declarao incidental de inidoneidade de fornecedor, a fim de se verificar a motivao do ato sancionatrio, assim se manifesta: em que pese a estrita finalidade acadmica para obteno de vistas dos autos dos processos sancionatrios, o fato que a Universidade tem o dever de preservar os direitos dos fornecedores penalizados e mantendo38 39

Universidade Estadual de Campinas. Tribunal de Justia do Estado de So Paulo.

em sigilo as informaes, fatos e atos que ensejaram a penalidade. Assim sendo, considerando a necessidade de preservao de direitos individuais e do interesse pblico, no h possibilidade de atender o que foi pleiteado. o parecer, sub censura. Veja que nessa fundamentao, paradoxalmente, o verdadeiro interesse pblico de fiscalizao da atuao da administrao (pela verificao da motivao) pelo administrado ou at mesmo para que se conhea de fato como se d a atuao cotidiana da administrao, cede ao suposto interesse pblico de preservar-se a intimidade de pessoas jurdicas (prestadoras de servios ou fornecedora de obras). E no se est aqui a exigir que todos os rgos interpretem a lei exatamente da mesma maneira, ajustando milimetricamente a aplicao das sanes previstas a um universo pr-delimitado de condutas cuja previso o legislador no fez constar. Mas no se pode ignorar, sobretudo levando-se em considerao a natureza patrimonialista que marcou a formao e a evoluo do Estado brasileiro40, que a aplicao indiscriminada de sanes ao talante do administrador de planto pode dar azo a todo o tipo de perseguies e favorecimentos em contrariedade aos princpios da impessoalidade, moralidade e eficincia. FUNDAMENTAO SUBSTANCIAL E A ADOO DA TEORIA DA REDUO DA DISCRICIONARIEDADE A ZERO. A situao tende a se tornar ainda mais embaraosa na medida em que o Poder Judicirio, quando provocado, demonstra ainda forte tendncia a renunciar prtica do controle da discricionariedade no mbito do devido processo legal substancial. Manifesta-se muitas vezes de forma rasa quanto observncia da legalidade estrita, e afasta a possibilidade de adentrar no mrito da deciso. Ora, ocorre que nem o administrador pode continuar aplicando sanes de contedo ablativo, tpicas do chamado Direito Administrativo Repressivo ou Sancionador, a cujos contedos a doutrina majoritria41 vm exigindo o respeito aos princpios fundamentais do Direito Penal (sobretudo, legalidade, tipicidade40

FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder a formao do patronato poltico brasileiro. Rio de Janeiro: Editora Globo, 1984. 41 JUSTEN FILHO, Maral. Comentrios lei de Licitaes e Contratos Administrativos. So Paulo: Dialtica, 2005, p. 615.

estrita e culpabilidade), nem o Judicirio pode continuar ignorando o importante referencial do direito constitucional e administrativo contemporneo de controle da discricionariedade no mbito de um devido processo legal substantivo. Nestes termos, apontamos uma soluo possvel dentro da tcnica de controle da constitucionalidade pela interpretao conforme a Constituio. Por esse meio, o Tribunal Constitucional limita as possibilidades interpretativas disponveis aos aplicadores do direito, de forma a excluir as interpretaes desconformes com o sistema constitucional. Em nossa opinio, a interpretao conforme poderia ser utilizada, exigindo-se a observncia estrita do princpio da fundamentao em todos os atos administrativos praticados no uso de competncias discricionrias. Tal medida seria complementada pela adoo da chamada teoria da discricionariedade reduzida zero, formulada no mbito da doutrina alem. No estamos a advogar apenas a obrigatoriedade da utilizao por todos os poderes estatais do dever de fundamentar decises pautadas em competncias discricionrias. O que de fato propomos a adoo de uma concepo peculiar de fundamentao, conhecida como teoria da fundamentao substancial dos atos discricionrios, que se d a partir de uma distino entre fundamentao meramente formal e fundamentao substancial. Do dever de motivao expressa previsto genericamente no possvel esclarecer qual a "extenso e profundidade" dessa motivao. Discute-se ento se toda fundamentao expressa pode ser considerada como "suficiente" do ponto de vista do contedo. A questo, a saber, se nos atos discricionrios (que permitem a adoo de mais uma deciso perante o caso concreto), a motivao estritamente formal seria suficiente.

Respond-la conduziria conseqncia prtica da possibilidade do exame do "mrito" (via razoabilidade e proporcionalidade), especialmente pelo Poder Judicirio (mas tambm pela prpria administrao via recurso hierrquico). Conforme mencionado, tem sido caracterstica da jurisprudncia brasileira o afastamento do exame do "mrito" desses atos. Na prtica, significa dizer que sua motivao meramente formal, bastando Administrao apontar os dispositivos legais que lhe conferem a "competncia discricionria". No entanto, se reconhecemos que a prtica desses atos envolve problemas de motivao substancial (tese acima descrita, em conexo com os postulados normativos aplicativos da razoabilidade e/ou proporcionalidade), ento a simples referncia a dispositivos legais insuficiente e, por isso, invlida. Vlida seria somente a motivao com descrio expressa (escrita) das razes da adoo de uma daquelas tantas conseqncias jurdicas possveis. Prope-se aqui uma interpretao sistemtica e teleolgica do princpio da motivao com os princpios da razoabilidade e/ou proporcionalidade. Tal fundamentao substancial propiciaria a elaborao de um mecanismo mais sofisticado de controle das decises administrativas fundadas em competncias discricionrias, e teria uma aplicao especialmente bem vinda, em atos de natureza ablativa e penal. Pela motivao substancial o administrador estaria obrigado a tecer consideraes mais profundas, no apenas acerca de questes ligadas convenincia e oportunidade, mas a criao de parmetros mais estveis de orientao de suas decises para casos semelhantes constituindo-se assim critrios mais seguros para a orientao dos administrados que intentam contratar com a Administrao. Complementando o procedimento (fundamentao substancial), poderamos aplicar a chamada teoria da discricionariedade reduzida zero. Trata-se de criao doutrinria e jurisprudencial alem - mais recentemente recepcionada pela jurisprudncia do Tribunal da Unio Europia42 - destinada a42

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Juridicidade, Pluralidade Normativa, Democracia e Controle Social reflexes sobre alguns rumos do Direito Pblico neste sculo. In Fundamentos do Estado de Direito. VILA, Humberto

solver o problema da adoo de padres e critrios mnimos para o uso da discricionariedade. No mbito do nosso sistema constitucional, a adoo da teoria da reduo da discricionariedade a zero teria por fundamento bsico a aplicao do princpio da igualdade (no caso brasileiro: impessoalidade como igualdade, art. 37, caput, CF 1988). Se toda a atividade administrativa est submetida ao princpio da igualdade, ento disso no se exclui a discricionariedade administrativa. Nestes termos, medida que a Administrao usa da discricionariedade, o princpio da igualdade exigir que nos prximos casos concretos assemelhados, a prtica da discricionariedade seja tambm semelhante. Isso significa que a discricionariedade vai sendo reduzida zero, porque a aplicao do princpio da igualdade vai vedar a discricionariedade dessemelhante frente a casos assemelhados. A Administrao Pblica, medida que desenvolve a prxis discricionria, produz sua prpria vinculao a essa. A atividade discricionria se transformar pouco a pouco - via aplicao do princpio da igualdade - em atividade vinculada. Por meio de um procedimento no qual se observem tais postulados, cremos ser possvel uma soluo mais adequada aos problemas graves que hoje envolvem a aplicao das sanes de suspenso e declarao de inidoneidade. Parece-nos, ento, que a soluo advinda pela interpretao conforme a Constituio, realizada pelo STF, por meio da qual se vincula a aplicao dos dispositivos acima referidos tcnica da fundamentao substancial e da reduo da discricionariedade a zero poderiam ser at mais satisfatrias do que a mera tipificao estrita de condutas por manifestao legislativa visto que essa no poderia ser nunca exaustiva, limitando-se a exemplificar algumas condutas, sem soluo definitiva do problema.

(org.). So Paulo: Malheiros, 2005.

A soluo que propomos permite uma adaptao mais objetiva dos casos recorrentes em cada unidade administrativa, ao esprito do sistema constitucional, inspirado pelo princpio da igualdade e da impessoalidade. Ademais, parece-nos tambm adequada aos postulados de nosso pacto federativo, evitando-se manifestao legislativa da Unio que, a pretexto de produzir normas gerais, acabe por produzir uma legislao dotada de grande especificidade, invadindo reas de competncia reservada a outros entes. Pensamos, por fim, que o mecanismo poder significar um avano na consolidao de um novo patamar de moralidade e probidade administrativa no Brasil, reforando os fundamentos do Estado Democrtico de Direito e contribuindo para a consolidao de uma cultura de respeito cidadania por parte da Administrao Pblica no mbito de todos os poderes estatais.Bibliografia: AFONSO DA SILVA, Jos, Comentrio Contextual Constituio. So Paulo: Malheiros Editores, 2005. ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Politicos y Constitucionales, 2001. VILA, Humberto. Teoria dos Princpios: da definio aplicao dos princpios jurdicos. So Paulo: Malheiros, 5 ed., 2006. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antnio. Curso de Direito Administrativo. So Paulo: Malheiros Editores, 2006. BOBBIO, Norberto. O Futuro da Democracia: uma defesa das regras do jogo. ed. Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1986. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. So Paulo: Malheiros Editores, 2006. BORGES DE CASTRO, Carlos. A lei de licitaes. Direito Administrativo na Dcada de 90: estudos em homenagem ao prof. J. Cretella Junior. Ed. Revista dos Tribunais. So Paulo, 1997. CANARIS, Claus-Wilhelm. A influncia dos direitos fundamentais sobre o direito privado na Alemanha. In: Constituio, direitos fundamentais e direito privado. CANOTILHO, Jos Joaquim Gomes. Constituio dirigente e vinculao do legislador. Coimbra: Coimbra Editora, 2001. CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. So Paulo: ed. Paz e Terra, 2005. COELHO, Paulo Magalhes da Costa. Manual de Direito Administrativo. So Paulo: Ed. Saraiva, 2004. CRETELLA JNIOR, Jos. Direito Administrativo na Dcada de 90. Ed. RT, So Paulo, 1997. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade Administrativa na Constituio de 1988. So Paulo, Atlas, 2007. DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a srio. So Paulo: Martins Fontes, 2002. FAGUNDES, Seabra. Controle Jurisdicional dos Atos Administrativos. Ed. Forense, 1979, 5 Ed. FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder: a formao do patronato poltico brasileiro. Rio de Janeiro: Ed. Globo, 1984. GORDILLO, Augustin. Princpios gerais de direito pblico. So Paulo, RT, 1977. HABERMAS, Jrgen. Direito e Democracia entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. JUSTEN FILHO, Maral. Comentrios lei de Licitaes e Contratos Administrativos. So Paulo: Dialtica, 2005. MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. ed. Rt, 7 ed., 2003. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. So Paulo. Malheiros Editores,1964. MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Juridicidade, Pluralidade Normativa, Democracia e Controle Social reflexes sobre alguns rumos do Direito Pblico neste sculo. In Fundamentos do Estado de Direito. VILA, Humberto (org.). So Paulo: Malheiros, 2005. NERY COSTA, Nelson. Processo Administrativo e suas Espcies. Ed. Forense, 4 ed., Rio de Janeiro, 2005, p. 14-15. NERY JUNIOR, Nelson. Princpios do Processo Civil na Constituio Federal. So Paulo: Revista dos Tribunais,1996. TCITO, Caio. Temas de Direito Pblico: estudos e pareceres. Ed. Renovar, RJ, 1997, p. 318-319.