a dimensão política do pensamento de josé de alencar (1865

185
Rogério Natal Afonso A dimensão política do pensamento de José de Alencar (1865-1868) Liberalismo e escravidão nas cartas de Erasmo Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em História Social na Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre em História Social das Relações Políticas. Orientação: Profª. Drª. Márcia Barros Ferreira Rodrigues. Vitória 2013

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Rogeacuterio Natal Afonso

A dimensatildeo poliacutetica do pensamento de Joseacute de Alencar

(1865-1868)

Liberalismo e escravidatildeo nas cartas de Erasmo

Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Histoacuteria Social na Universidade Federal do Espiacuterito Santo como requisito parcial para obtenccedilatildeo do Grau de Mestre em Histoacuteria Social das Relaccedilotildees Poliacuteticas

Orientaccedilatildeo Profordf Drordf Maacutercia Barros Ferreira Rodrigues

Vitoacuteria 2013

Dados Internacionais de Catalogaccedilatildeo-na-publicaccedilatildeo (CIP) (Biblioteca Central da Universidade Federal do Espiacuterito Santo ES Brasil)

Afonso Rogeacuterio Natal 1969- A257d A dimensatildeo poliacutetica do pensamento de Joseacute de Alencar

(1865-1868) Liberalismo e escravidatildeo nas cartas de Erasmo Rogeacuterio Natal Afonso ndash 2013

153 f il Orientadora Maacutercia Barros Ferreira Rodrigues Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) ndash Universidade Federal

do Espiacuterito Santo Centro de Ciecircncias Humanas e Naturais 1 Alencar Joseacute de 1829-1877 2 Escravidatildeo ndash Brasil 3

Brasil - Histoacuteria - Impeacuterio 1822-1889 I Rodrigues Maacutercia Barros Ferreira II Universidade Federal do Espiacuterito Santo Centro de Ciecircncias Humanas e Naturais III Tiacutetulo

CDU 9399

Rogeacuterio Natal Afonso

A dimensatildeo poliacutetica do pensamento de Joseacute de Alencar (1865-1868)

Liberalismo e escravidatildeo nas cartas de Erasmo

Dissertaccedilatildeo apresentada ao Mestrado em Histoacuteria Social das Relaccedilotildees Poliacuteticas na

Universidade Federal do Espiacuterito Santo como requisito parcial para Obtenccedilatildeo do

Grau de Mestre em Histoacuteria Social

COMISSAtildeO EXAMINADORA

___________________________________________________________________Profa Dra Maacutercia Barros Ferreira Rodrigues

Universidade Federal do Espiacuterito Santo (orientadora)

Profa Dra Maria Cristina Dadalto

Universidade Federal do Espiacuterito Santo (membro titular)

___________________________________________________________________

Prof Dr Thiago Lima Nicodemo

Universidade Federal do Espiacuterito Santo (membro titular)

Prof Dr Jorge Luiz do Nascimento

Universidade federal do espiacuterito Santo (membro externo)

Vitoacuteria______ de _______________ de 2013

Agradeccedilo a todos que me ajudaram na construccedilatildeo deste trabalho

A minha famiacutelia

Aos professores todos

A minha orientadora em particular

Aos amigos que me fizeram sugestotildees e criacuteticas

Agravequeles que dedicaram um pouco de seu tempo me ajudando

E a Deus

RESUMO

Partindo dos textos que compotildeem uma seacuterie de ldquocartas abertasrdquo de Joseacute de Alencar

endereccediladas ao Imperador D Pedro II e a alguns entes poliacuteticos da administraccedilatildeo

do Estado escritas entre 1865 e 1868 busca-se discutir a defesa paradoxal entre a

formaccedilatildeo de uma sociedade liberal dentro de um paiacutes de economia agroexportadora

sustentada pela matildeo de obra escrava

Tomaremos o texto de Alencar como um discurso poliacutetico ideoloacutegico das elites

presentes na corte imperial Entendemos a dimensatildeo ideoloacutegica do discurso poliacutetico

de Alencar no sentido marxista de corte gramsciano ou seja como uma concepccedilatildeo

de mundo que perpassa desde o discurso comum ateacute formas mais elaboradas de

discurso filosoacutefico A partir daiacute buscaremos compreender o modo de vida as

representaccedilotildees poliacuteticas e as formas de dominaccedilatildeo presentes no periacuteodo sob a oacutetica

do pensamento poliacutetico conservador de Joseacute de Alencar dando ecircnfase a anaacutelise de

sua defesa do liberalismo e da escravidatildeo

PALAVRAS CHAVE Poliacutetica discurso liberalismo escravidatildeo

ABSTRACT

Based on the texts that make up a series of open letters addressed to Joseacute de

Alencar to Emperor D Pedro II and some political entities of state administration and

written between 1865 and 1868 seek to discuss the defense of the paradox between

a liberal society within a country agro-export economy sustained by slave labor

We will take the text of a speech Alencar as ideological political elites present at the

imperial court We understand the ideological dimension of political discourse of Joseacute

de Alencar in the sense of cutting Gramscian Marxist as a world view that permeates

from the common speech even more elaborate forms of philosophical discourse

From there we will seek to understand the way of life political representations and

forms of domination present in the period from the perspective of political speech of

Joseacute de Alencar emphasizing the analysis of his defense of liberalism and slavery

KEYWORDS politics speech liberalism slavery

LISTA DE IMAGENS

FIGURA 1 ndash Fac-siacutemile da segunda ediccedilatildeo das cartas ao Imperador183

FIGURA 2 ndash Fac-siacutemile da primeira ediccedilatildeo das Cartas os povo184

FIGURA 3 ndash Folha de rosto da ediccedilatildeo das Cartas ao Marquecircs de Olinda185

FIGURA 4 ndash Paacutegina do Diaacuterio do Rio de Janeiro registrando a aboliccedilatildeo186

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO10

1 A TRAJETOacuteRIA POLIacuteTICA DE ALENCAR22

11 PRIMEIROS ANOS24

12 VIDA NA CORTE27

13 MILITAcircNCIA POLIacuteTICA34

14 UacuteLTIMOS ANOS49

2 CONJUNTURA POLIacuteTICA DO II REINADO55

21 UMA VISAtildeO GERAL56

22 O ESTADO DA ARTE DA IMPRENSA NO OITOCENTOS 64

23 SOBRE AS ELITES NO PODER 70

24 INTELECTUAIS E OPINIAtildeO PUacuteBLICA77

3 LIBERALISMO E ESCRAVIDAtildeO NAS CARTAS DE ERASMO 82

31 LIBERALISMO E ESCRAVIDAtildeO82

32 LIBERALISMO E ESCRAVIDAtildeO O MODELO BRASILEIRO86

33 AS CARTAS DE ERASMO95

331 AO IMPERADOR103

332 AO POVO AO REDATOR DO DIAacuteRIO DO RIO DE JANEIRO121

333 AO MARQUEcircS DE OLINDA AO VISCONDE DE ITABORAHY133

334 NOVAS CARTAS AO IMPERADOR138

4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS162

5 BIBLIOGRAFIA174

6 ANEXOS183

INTRODUCcedilAtildeO

O Brasil do seacuteculo XIX com a chegada da famiacutelia real nos primeiros anos ateacute e

particularmente o periacuteodo imperial eacute caracterizado por um desenvolvimento

econocircmico social e poliacutetico intenso e relativamente acelerado se comparado a

outras naccedilotildees da Ameacuterica Latina (COSTA 1999) Tal desenvolvimento se deve a

construccedilatildeo de um projeto poliacutetico para o paiacutes que deixando de ser uma colocircnia de

Portugal necessitava afirmar sua nova identidade - agora como uma naccedilatildeo

independente - tanto interna quanto externamente O processo tem iniacutecio com a

transferecircncia para a cidade do Rio de Janeiro do Priacutencipe Regente D Joatildeo VI a

famiacutelia real portuguesa e sua Corte em 1808 gerando um consideraacutevel aumento na

populaccedilatildeo residente e a consequente transformaccedilatildeo da cidade com a construccedilatildeo

de escolas museus teatros faculdades e dentre outras novidades a imprensa

A emancipaccedilatildeo poliacutetica em 1822 manteacutem o sistema monaacuterquico ndash ainda sob a casa

de Braganccedila com D Pedro I ndash agora pelo modelo constitucional tendo por base as

ideias liberais importadas da Europa iluminista A presumida liberdade que o paiacutes

vem a construir garantida na constituiccedilatildeo outorgada pelo governante jaacute encontra

um terreno poliacutetico e econocircmico bastante diverso daquele onde surgiu o liberalismo

europeu tendo por base a agricultura de produtos de exportaccedilatildeo assentada na

escravidatildeo - tanto a lavoura tradicional accedilucareira do nordeste como as novas e

proacutesperas plantaccedilotildees de cafeacute do Vale do Paraiacuteba dependiam do escravo O Brasil

logo depois da emancipaccedilatildeo politica em 1822 possui uma das maiores populaccedilotildees

escravas da Ameacuterica e tambeacutem a maior populaccedilatildeo de afrodescendentes livres no

continente (MATTOS H 2000) a quem natildeo eram concedidos os direitos poliacuteticos

de cidadatildeo E uma minoria tida como aristocraacutetica dominava assentados seus

privileacutegios nas relaccedilotildees que possuiacuteam com a coroa ndash uma administraccedilatildeo do Estado

de modelo conservador com D Pedro e a heranccedila do absolutismo portuguecircs

Liberalismo e conservadorismo convivem entatildeo na sociedade brasileira em

formaccedilatildeo como os dois lados de uma realidade complexa e contraditoacuteria Liberal no

sentido de que as lideranccedilas que surgem se mobilizaram nesse sentido para

justificar a separaccedilatildeo da metroacutepole e ao mesmo tempo conservador por precisar

manter a escravidatildeo e a dominaccedilatildeo do senhoriato (NOVAIS 1996)

Para a manutenccedilatildeo da organizaccedilatildeo do Estado a monarquia reforccedila os laccedilos jaacute

seculares do estamento portuguecircs presentes desde a colocircnia criando ndash tambeacutem

inspirado na tradiccedilatildeo portuguesa ndash o modelo brasileiro de nobreza de gentleman

este emerge como um segmento que se solidifica na figura do intelectual morador

da cidade bacharel em direito (tambeacutem alguns poucos meacutedicos raros engenheiros

e matemaacuteticos) filho do fazendeiro ou do comerciante enriquecido filho do

funcionaacuterio portuguecircs fixado no Brasil neto e bisneto dos donos da terra e

representante uacuteltimo das famiacutelias que viriam compor esta ldquoeliterdquo da terra garantindo

uma continuidade na estabilidade poliacutetica Observa-se assim com a absorccedilatildeo

destes elementos pelo Estado um crescimento de algumas cidades portuaacuterias e

principalmente no Rio de Janeiro onde se instala a Corte e o consequente

desenvolvimento de uma burocracia especializada necessaacuteria agrave administraccedilatildeo do

reino Um conjunto de instituiccedilotildees baseadas no modelo portuguecircs ndash quando natildeo

copiadas integralmente de seus pares em Lisboa ndash de funcionalismo puacuteblico para

uma monarquia de moldes absolutistas que recebe poucas adaptaccedilotildees no Brasil

(FAORO 2004)

Boris Fausto em sua Histoacuteria do Brasil (FAUSTO 2001) defende certa estabilidade

no periacuteodo sustentada pelo desenvolvimento das cidades e o aumento de pessoas

com niacutevel superior Costa (1999) afirma que os nuacutecleos urbanos mais importantes

em sua maioria estavam ao longo da costa brasileira coincidindo com os principais

portos exportadores e o desenvolvimento destes tem ndash por conta de sua localizaccedilatildeo

ndash caracteriacutesticas especiacuteficas das ideias trazidas da Europa pelos jornais e livros que

chegam pelos portos Nas demais aacutereas o crescimento urbano era limitado

prevalecendo a grande propriedade rural Mas com as faculdades de direito em Satildeo

Paulo e Recife sendo construiacutedas na primeira metade do oitocentos o processo de

composiccedilatildeo de uma intelectualidade local jaacute tem iniacutecio tendo como palco os nuacutecleos

urbanos Tal periacuteodo eacute marcado tambeacutem pelo desenvolvimento da imprensa onde

as ideias liberais satildeo proclamadas aos quatro ventos pelos diversos jornais e

pasquins que surgem e desaparecem todos os dias (BAHIA 1990) os homens que

se formam ndash de uma maneira integral eacute certo - naquele novo cotidiano iratildeo

inspirados em um periacuteodo recente de administraccedilatildeo ndash jaacute dissemos moldado no

estamento portuguecircs - desenvolver certa predileccedilatildeo pelo cargo puacuteblico e pelas

letras Segundo Faoro (2004) o funcionaacuterio puacuteblico que se forma eacute um dos

responsaacuteveis diretos ndash senatildeo o uacutenico tecnocrata ndash pela reorganizaccedilatildeo (reinvenccedilatildeo)

do antigo modelo no novo paiacutes Leitores dos jornais e ao mesmo tempo formadores

de opiniatildeo estes homens satildeo os comentadores e partiacutecipes do desenvolvimento

poliacutetico e econocircmico das cidades enquanto inspirados pelas ideias liberais que jaacute

tomam corpo por aqui Estes homens que tem acesso agrave informaccedilatildeo e fazem de sua

praacutexis um elemento transformador da sociedade (GRAMSCI 1976) alguns sendo

sustentados pelo abraccedilo do cargo puacuteblico outros escrevendo para os jornais onde

apresentam e defendem suas ideias (liberais ou natildeo) para os outros homens - que

vem a constituir uma opiniatildeo puacuteblica representada pelos agravevidos leitores desses

mesmos jornais

Isto posto destacamos que essa dissertaccedilatildeo que tem como tema o liberalismo no

Brasil e sua relaccedilatildeo com a escravidatildeo no periacuteodo do segundo reinado apresenta

como seu objetivo geral discutir as dificuldades de implantaccedilatildeo deste sistema

poliacutetico - o liberalismo - em uma sociedade dominada por uma elite assentada na

economia agroexportadora baseada na matildeo de obra do escravo percebendo como

paradoxal esta relaccedilatildeo entendendo ser o liberalismo uma doutrina poliacutetica que tem

por base a defesa da liberdade individual nos campos poliacutetico econocircmico religioso e

intelectual conquistada por meio de lutas da sociedade civil contra o absolutismo do

Estado caracteriacutestico do Antigo regime na Europa Acreditamos com Gramsci

(1989) que o discurso que sustenta tal relaccedilatildeo e tenta justifica-la eacute mediado entre as

elites e o povo por meio dos intelectuais Portanto cabem aqui mais algumas

questotildees qual era a visatildeo dos intelectuais sobre a relaccedilatildeo entre liberalismo e

escravidatildeo no Brasil Os intelectuais comungariam com tais ideias Elas estatildeo

presentes em seu discurso

Nossa duacutevida fundamental a qual a pesquisa busca explicar eacute seraacute que estes

intelectuais que se formam nas primeiras faculdades de direito do Brasil filhos de

fazendeiros comerciantes muitos dos quais ligados direta ou indiretamente agrave

economia agroexportadora baseada no trabalho escravo assumiram o discurso

liberal Estaria este discurso presente em suas representaccedilotildees e em seus textos

Para tanto nosso objetivo especiacutefico seraacute analisar o trabalho de um intelectual do

periacuteodo e uma parte de sua produccedilatildeo Joseacute de Alencar

Dessa forma partimos da seguinte hipoacutetese eacute por meio de um discurso poliacutetico

conservador vinculado as propostas ideoloacutegicas das elites escravocratas

disseminado pelos jornais e panfletos do periacuteodo que os intelectuais construiacuteram

uma imagem paradoxal do liberalismo para o Brasil no segundo reinado

Para construirmos nossa narrativa histoacuterica tomamos como fonte para analisarmos

nossa hipoacutetese as ldquocartas de Erasmordquo Um conjunto de cartas abertas publicadas

sob a forma de folhetins no periacuteodo de 1865 a 1868 dirigidas ao Imperador e a

vaacuterios outros entes poliacuteticos Nossa hipoacutetese eacute de que neste texto possamos

identificar a tentativa de Alencar sustentar uma visatildeo liberal para o desenvolvimento

poliacutetico e econocircmico da naccedilatildeo ao mesmo tempo em que faz uma defesa da

manutenccedilatildeo do sistema escravista no Brasil o que nos faz crer que exista uma

postura liberalconservadora como modelo ideoloacutegico a ser construiacutedo pelas elites

atraveacutes de alguns setores da imprensa Buscaremos nas cartas poliacuteticas de Alencar

indiacutecios da sustentaccedilatildeo de um discurso liberal que tambeacutem apresenta caracteriacutesticas

conservadoras e admite (e reafirma) a manutenccedilatildeo da escravidatildeo no Brasil Para

tanto nos propomos a uma anaacutelise de todo o texto das cartas em uma perspectiva

hermenecircutica baseada nos princiacutepios da anaacutelise do discurso Como sustenta

Intildeiguez (2005) a anaacutelise de discurso como aparentemente possa parecer natildeo eacute

uma aacuterea restrita da linguiacutestica e comporta contribuiccedilotildees de vaacuterias aacutereas de estudo

Ao mesmo tempo considerando que uma das caracteriacutesticas da histoacuteria poliacutetica

renovada segundo Remond (2003) eacute ser um ponto de convergecircncia de diversas

disciplinas como a sociologia a linguiacutestica o direito dentre vaacuterias outras o que lhe

possibilita um ganho analiacutetico consistente e consolida sua natureza interdisciplinar a

anaacutelise de discurso apresenta-se como um caminho consistente para a abordagem

de textos poliacuteticos do periacuteodo Neste caso nossa pesquisa busca entender a relaccedilatildeo

do modelo de liberalismo poliacutetico implantado no Brasil com a escravidatildeo e se a

justificaccedilatildeo para tal discurso estaacute presente nos textos de intelectuais do periacuteodo

tendo como fonte o texto das Cartas Poliacuteticas de Joseacute de Alencar

Nossa pesquisa se justifica pela necessidade de entender a dimensatildeo poliacutetica do

segundo reinado por meio de uma fonte impressa que teve grande circulaccedilatildeo no

periacuteodo de nosso recorte e que pode criar uma inter-relaccedilatildeo entre os pontos

descritos Na anaacutelise do texto de um dos mais importantes intelectuais do periacuteodo

Joseacute de Alencar - poliacutetico atuante jornalista romancista e dramaturgo -

conseguimos um elo entre intelectuais imprensa e elites e a confluecircncia desses

ldquopartidosrdquo no projeto ideoloacutegico de construccedilatildeo da naccedilatildeo (GRAMCI 1989) Tais

elementos satildeo comunmente tomados em separado Com Alencar nas cartas de

Erasmo temos um intelectual que usa do seu texto literaacuteriojornaliacutestico1 em uma

miacutedia alternativa no momento para se dirigir a segmentos da elite poliacutetica e

econocircmica na Corte no Rio de Janeiro Essa confluecircncia portanto eacute a proacutepria

ldquoaccedilatildeordquo do objeto enquanto veiacuteculo de comunicaccedilatildeo

A discussatildeo historiograacutefica sobre nosso tema apresenta estudos por vezes

coincidentes por vezes conflitantes Bosi (1988) afirma que o paradoxo entre

liberalismo e escravidatildeo natildeo existiu no Brasil ldquono periacuteodo que se segue agrave

Independecircncia e vai ateacute os anos centrais do Segundo Reinadordquo (BOSI 1998 p 05)

O autor tambeacutem afirma que para entender a articulaccedilatildeo do liberalismo pregado ndash e

assumido ndash no Brasil com o regime escravagista eacute necessaacuterio compreender o modo

de pensar das classes poliacuteticas dominantes no impeacuterio a partir da independecircncia

Neves (2001) sustenta que o liberalismo no Brasil se alavanca a partir da revoluccedilatildeo

ldquovintistardquo em Portugal que vem propondo reformas que pudessem garantir ao

indiviacuteduo direitos de cidadania e liberdade de expressatildeo e buscando o fim do

despotismo como uma soluccedilatildeo para o impeacuterio O movimento segundo a autora eacute

assimilado sem dificuldade pelos elementos das elites poliacutetica e intelectuais no

Brasil A proposta era buscar o novo mas sem abrir matildeo dos antigos privileacutegios

econocircmicos

Para Gorender (2002) os princiacutepios liberais levados adiante pelos comerciantes e

plantadores visava o direito de ter uma representaccedilatildeo no estado fora das limitaccedilotildees

impostas pela poliacutetica colonial que terminaria com o processo de independecircncia Tal

1 Antocircnio Cacircndido (1999) sustenta ser uma das caracteriacutesticas do periacuteodo (segundo reinado) a

influecircncia do texto literaacuterio nos jornais que temos vaacuterios exemplos em Machado de Assis Joseacute de

Alencar Joaquim Nabuco Capistrano de Abreu para citar alguns

processo segundo ele tem inicio com a abdicaccedilatildeo em 1831 Este autor afirma que

o liberalismo europeu defende o trabalho livre mas lembra tambeacutem que o proacuteprio

Adam Smith natildeo era contra a escravidatildeo nas colocircnias Ou seja o liberalismo

europeu segundo um de seus mais importantes representantes jaacute nasce sob esta

contradiccedilatildeo O autor lembra que mesmo com a Revoluccedilatildeo Francesa tendo

decretado a libertaccedilatildeo dos escravos em suas colocircnias francesas Napoleatildeo

restabelece a escravidatildeo oito anos depois Apesar da pregaccedilatildeo pela liberdade na

Europa nas colocircnias a poliacutetica praticada natildeo era a mesma O que nos leva a

entender melhor a relaccedilatildeo liberalismoescravidatildeo no Brasil

Entendemos entatildeo que no processo de formaccedilatildeo do Estado Imperial Brasileiro

havia diferentes leituras e objetivos para o uso do liberalismo ligadas a interesses

especiacuteficos Por um lado como enfatiza Mattos (1987) a accedilatildeo do grupo conservador

no impeacuterio seguia no sentido da construccedilatildeo de monopoacutelios uma continuidade do

praticado no periacuteodo colonial enfatizando as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo sustentadas

pela coroa Costa (1999) identifica certa originalidade no movimento poliacutetico liberal

brasileiro do periacuteodo tentando interpreta-lo como uma figura hiacutebrida onde os

elementos conservadores permanecem e satildeo amalgamados com as praacuteticas liberais

aceitas estruturando as instituiccedilotildees e a visatildeo de mundo pelas elites dominantes

sustentados pelas classes intermediaacuterias que se desenvolvia nas cidades mas que

ao mesmo tempo viam no sistema agroexportador baseado na escravidatildeo uma

dificuldade para o desenvolvimento do capitalismo Por outro lado Carvalho (2007)

chega a subestimar o aspecto liberal sustentando haver um pensamento

conservador dominante sendo a conciliaccedilatildeo entre as correntes de pensamento e os

partidos a poliacutetica da coroa com o intuito de administrar interesses e evitar conflitos

Bosi (1988) sustenta ainda que o traacutefico se apoia por vezes nas proacuteprias

autoridades a quem cabia fazer cessar o traacutefico Satildeo homens ligados a

administraccedilatildeo e a poliacutetica que manteacutem o controle terras do cafeacute e dos escravos o

que faz com que uma defesa da escravidatildeo seja a proposta corrente Nesse

aspecto Prado (2001) concorda que com a produccedilatildeo organizada sob a exploraccedilatildeo

do trabalho escravo sendo muito lucrativa ateacute entatildeo dificilmente teria por parte da

elite qualquer movimento estimulando o seu teacutermino

O liberalismo poliacutetico proposto para o Brasil apresenta assim caracteriacutesticas

diversas conforme os interesses dos diversos grupos das elites poliacuteticas e

econocircmicas no poder Mattos (1987) enxerga no grupo conservador representado

pelos senhores traficantes de escravos e grandes comerciantes um pensamento

contraacuterio agraves ideias liberais e a favor da centralizaccedilatildeo poliacutetica A anaacutelise do sistema

econocircmico agroexportador brasileiro no periacuteodo Imperial tambeacutem nos revela as

muitas contradiccedilotildees da sociedade escravista do seacuteculo XIX o liberalismo econocircmico

e o aumento do fluxo de escravos para o Brasil a defesa da liberdade e o

incremento da escravidatildeo o desenvolvimento do consumo e a pobreza Tacircmis

Parron (2008) sustenta que durante o seacutec XIX toda a defesa do traacutefico e da proacutepria

escravidatildeo como uma instituiccedilatildeo se sustentaram em ideias liberais Agrave medida que

na Europa o sistema econocircmico pregava um livre mercado com o trabalho livre nas

Ameacutericas a escravidatildeo permanecia forte em paiacuteses como os Estados Unidos em

Cuba e no Brasil Emilia Viotti (1999) sustenta para o periacuteodo uma visatildeo hiacutebrida

onde os elementos conservadores presentes no Brasil servem como um equiliacutebrio a

praacuteticas e ideias liberais que poderiam tomar formas mais radicais se acaso

atingissem grupos da populaccedilatildeo estruturando dessa forma as instituiccedilotildees e a visatildeo

de mundo dos principais agentes poliacuteticos no poder no periacuteodo dando ao liberalismo

aqui sua caracteriacutestica ldquocor localrdquo Dessa feita entendemos que o liberalismo

representa distintos interesses da sociedade brasileira e caracteriza-se

diversamente nas diferentes regiotildees do paiacutes e um dos agentes mais importantes na

divulgaccedilatildeo de tais ideias e praticas eacute justamente a imprensa que muito se

desenvolve no periacuteodo como arena de debates de poliacuteticos e intelectuais

Concordando com Bosi (1988) que afirma que o paradoxo entre liberalismo e

escravidatildeo foi somente verbal que o liberalismo simplesmente natildeo existiu enquanto

uma ideologia dominante Segundo ele o que dominou em todo esse periacuteodo no

Brasil foi um ideaacuterio de fundo conservador Um conjunto de normas juriacutedico-poliacuteticas

capazes de garantir a propriedade fundiaacuteria e a escravidatildeo negra ateacute o seu limite E

em nosso entender essa ideologia era difundida por meio dos intelectuais nos

veiacuteculos de comunicaccedilatildeo do periacuteodo como os panfletos pasquins e jornais em

geral

Portanto nosso objetivo aqui para testar nossa hipoacutetese eacute estudar as formas do

discurso poliacutetico em meados do seacuteculo XIX analisando o texto jornaliacutesticoliteraacuterio

de Joseacute de Alencar nas Cartas de Erasmo Acreditamos que Alencar usava seu

texto como um meio para difundir fortalecer e consolidar a ideologia das elites

presentes na corte imperial suas representaccedilotildees e as formas de dominaccedilatildeo

presentes no periacuteodo Alencar toma do discurso liberal alguns princiacutepios para

sustentar a ideologia de grupos vinculados a uma proposta de conservadorismo

poliacutetico em que a manutenccedilatildeo dos privileacutegios desta ldquoaristocraciardquo bem como a

continuidade da escravidatildeo no Brasil satildeo seus pontos principais

A pesquisa se fundamenta tambeacutem na premissa de que a proposta de Alencar era

a de criar um modelo (segundo ele melhor) para a sociedade De tal maneira

podemos designaacute-lo ndash o texto as cartas de Erasmo - como um discurso ideoloacutegico

Um conceito formulado por Chauiacute (revendo Gramsci) nos ajuda de forma elucidativa

Fundamentalmente a ideologia eacute um corpo sistemaacutetico de representaccedilotildees e de normas que nos ensinam a conhecer e a agir A sistematicidade e a coerecircncia ideoloacutegicas nascem de uma determinaccedilatildeo muito precisa o discurso ideoloacutegico eacute aquele que pretende coincidir com as coisas anular a diferenccedila entre o pensar o dizer e o ser e destarte engendrar uma loacutegica da identificaccedilatildeo que unifique pensamento linguagem e realidade para atraveacutes dessa loacutegica obter a identificaccedilatildeo de todos os sujeitos sociais com uma imagem particular universalizada isto eacute a imagem da classe dominanterdquo (CHAUI 1997 p 03)

Dessa feita entendemos a dimensatildeo ideoloacutegica do discurso poliacutetico construiacutedo por

meio das cartas de Erasmo no sentido marxista de corte gramsciano ou seja como

uma concepccedilatildeo de mundo que perpassa desde o discurso comum ateacute formas mais

elaboradas de discurso filosoacutefico Nesse sentido as cartas de Erasmo seratildeo

tomadas como peccedila de anaacutelise enquanto uma dimensatildeo do discurso de Alencar

como ator poliacutetico de seu tempo para uma discussatildeo sobre a relaccedilatildeo entre

liberalismo e escravidatildeo no Brasil Gramsci (1989) nos mostra que os intelectuais se

formaram historicamente em associaccedilatildeo com as elites econocircmicas Seu papel

dentro dos diversos partidos2 eacute a de organizaccedilatildeo e disseminaccedilatildeo da ideologia

Alencar por meio de seu texto busca criticar a administraccedilatildeo vigente e sua relaccedilatildeo

2 Entendendo ldquopartidordquo no sentido mesmo que Gramsci o determinou GRAMSCI Antocircnio

Intelectuais e a Organizaccedilatildeo da Cultura Satildeo Paulo Civilizaccedilatildeo Brasileira 1989

com a coroa por meio de recriminaccedilotildees a poliacutetica econocircmica a administraccedilatildeo da

guerra do Paraguai ao descaso dos poliacuteticos e ndash em nosso caso ndash quanto agraves

propostas para o fim da escravidatildeo

Buscamos nos textos de Gramsci o referencial teoacuterico que ndash acreditamos ndash nos

apresenta uma melhor adequaccedilatildeo a proposta metodoloacutegica aplicada de uma

discussatildeo hipoteacutetico-dedutiva dos textos que se seguem Gramsci nos fornece um

material teoacuterico que - como ele mesmo comenta em sua organizaccedilatildeo inicial para a

escritura dos cadernos - satildeo apontamentos sem uma ligaccedilatildeo serial linear mas que

podem nos fornecer uma base teoacuterica rica conquanto estejam mesmo permitindo-se

uma interpretaccedilatildeo mais heterodoxa das fontes

Gramsci propotildee uma visatildeo ampliada do conceito de Estado em que a relaccedilatildeo entre

sociedade civil e sociedade poliacutetica eacute dialeacutetica A sociedade civil eacute o lugar da luta de

classes pela hegemonia e junto com a sociedade poliacutetica eacute um dos fatores que a

constituem O Estado eacute um elemento aglutinador e como tal formado pela

diversidade de instituiccedilotildees da sociedade civil Eacute uma combinaccedilatildeo de forccedila e

consenso fazendo parecer que os caminhos traccedilados pelo Estado sejam vistos

como consensuais pela maioria expressos pela opiniatildeo puacuteblica em seus diversos

oacutergatildeos (GRAMSCI 1999) Neste conceito ampliado de Estado a sociedade poliacutetica

eacute a definiccedilatildeo de uma esfera na qual se situam os mecanismos de coerccedilatildeo e

dominaccedilatildeo como o aparato policial-militar e a burocracia e a sociedade civil que eacute

formada pelas organizaccedilotildees responsaacuteveis pela elaboraccedilatildeo e difusatildeo das ideologias

como a escola a igreja os partidos poliacuteticos os sindicatos as organizaccedilotildees

profissionais e a miacutedia A cultura para Gramsci estaacute relacionada com a

transformaccedilatildeo da realidade atraveacutes de uma busca e consequente conquista de uma

consciecircncia superior onde cada indiviacuteduo precisa conseguir compreender o seu

valor na sociedade (GRAMSCI 1976) Eacute dessa forma que se daacute a passagem do

momento corporativo ao momento eacutetico-poliacutetico da estrutura agrave superestrutura Isto eacute

expresso por Gramsci atraveacutes do seu conceito ampliado de poliacutetica a catarse O

momento em que a esfera dos interesses corporativos e particulares eleva-se ao

niacutevel da consciecircncia universal e as classes conseguem elaborar um projeto para

toda a sociedade atraveacutes de uma accedilatildeo coletiva Assim sair da passividade para

Gramsci eacute deixar de aceitar a subordinaccedilatildeo que o sistema capitalista impotildee a

alguns estratos da populaccedilatildeo Nesse processo que eacute dialeacutetico podemos observar

um Alencar em sua posiccedilatildeo de aristocrata mas ao mesmo tempo como um

intelectual - um elo para a divulgaccedilatildeo das ideias da elite e a sociedade como um

todo ndash que opta pela reafirmaccedilatildeo de valores tradicionalmente aceitos reafirmando

um modelo adequado que deve perpetuar-se tanto para a famiacutelia como para a

administraccedilatildeo puacuteblica por meio da divulgaccedilatildeo de suas ideias em um veiacuteculo de

comunicaccedilatildeo em detrimento das transformaccedilotildees que acusa como degradadoras

dos valores temos aqui a proacutepria constituiccedilatildeo do bloco histoacuterico Eacute a partir destes

conceitos formulados por Gramsci que buscamos encontrar uma melhor

compreensatildeo do texto de Alencar

No primeiro capiacutetulo nosso trabalho apresenta uma sucinta biografia de Joseacute de

Alencar tentando situar em sua trajetoacuteria os interesses e as escolhas poliacuteticas nas

quais estava inserido e o contexto a que se referia e ndash de certa forma ndash pretendia

criar

No segundo capiacutetulo buscamos mostrar a conjuntura poliacutetica do segundo reinado

junto ao processo de formaccedilatildeo das elites e intelectuais bem como da imprensa no

Brasil A divisatildeo aparentemente estanque tem como elemento agregador a proacutepria

biografia de Alencar Ali se buscam esmiuccedilar os elementos formadores do

intelectual Alencar apresentados anteriormente e como ele se apresenta em seu

campo de batalha

A conjuntura poliacutetica do periacuteodo junto a alguns elementos relevantes que satildeo

tomados pela criacutetica feroz de Alencar

A imprensa - seus primeiros anos no Brasil - na qual Alencar milita como criacutetico e

jornalista sendo este o seu veiacuteculo principal de divulgaccedilatildeo de ideias

As elites que disputam o poder no periacuteodo e tem nos intelectuais seu ponto de

ligaccedilatildeo com as camadas populares

E os intelectuais em si que comeccedilam a se formar nesse periacuteodo no paiacutes

influenciados pelas ideias liberais vindas da Europa e mesmo em parte

compartilhada com os grupos no poder Alencar se apresenta como um intelectual

surgido em uma das primeiras escolas de direito do paiacutes no Largo de Satildeo

Francisco portanto compartilhando de uma relaccedilatildeo direta com os outros elementos

da elite local que estava se formando

Estes elementos apresentados a opiniatildeo puacuteblica a imprensa e as elites formam em

um conjunto o arcabouccedilo do que seria o campo de atuaccedilatildeo do intelectual Alencar e

a proposta de pontuar o ldquoestado da arterdquo em que se apresentam tais segmentos

pode nos auxiliar na construccedilatildeo de um retrato mais niacutetido da superestrutura

(GRAMSCI 1999) no recorte

No terceiro capiacutetulo analisaremos as Cartas de Erasmo dando ecircnfase agraves propostas

de Alencar sobre o problema da escravidatildeo no periacuteodo Natildeo eacute nosso objetivo

debater (ou defender) as questotildees do traacutefico do abolicionismo e das reaccedilotildees em

oposiccedilatildeo dos diversos grupos envolvidos nas questotildees mas a partir da

investigaccedilatildeo da fonte apresentar a questatildeo sob uma oacutetica especiacutefica a de Joseacute de

Alencar como um ator poliacutetico do periacuteodo e seu modelo de representaccedilatildeo poliacutetico e

ideoloacutegico para o Brasil se eacute ou natildeo influenciado pelos ideais do liberalismo

Para tanto apresentamos uma breve exposiccedilatildeo do pensamento de seus principais

representantes na Europa com o intuito de comparar uma possiacutevel similaridade com

o texto das cartas

No quarto e uacuteltimo capiacutetulo nos reservamos a um conjunto de consideraccedilotildees finais

com vistas a uma compreensatildeo do que foi apresentado

As fontes usadas na pesquisa satildeo As cartas de Erasmo publicadas semanalmente

no periacuteodo de 1865 a 1868 e vendidas pelas ruas da Corte do Rio de Janeiro A

publicaccedilatildeo3 com a qual trabalhamos foi organizada por Joseacute Murillo de Carvalho e

conteacutem as seguintes ediccedilotildees

Ao Imperador Cartas de Erasmo de 1865 no caso a segunda ediccedilatildeo de 1866

Uma carta Ao Redator do Diaacuterio (do Rio de Janeiro) de 1865

Ao Povo Cartas Poliacuteticas de Erasmo de 1866 acompanhadas das cartas ldquoAo

Marquecircs de Olindardquo 1866 e ldquoAo Visconde de Itaboraiacute Carta de Erasmo Sobre a

3 ALENCAR Joseacute de Cartas de Erasmo Joseacute de Alencar organizador Joseacute Murilo de Carvalho

ndash Rio de Janeiro ABL 2009

Crise Financeirardquo tambeacutem de 1866

Ao Imperador Novas Cartas Poliacuteticas de Erasmo de 1867-68

Tambeacutem foram de grande auxiacutelio agraves biografias4 pesquisadas e a bibliografia

composta de obras especializadas e baseadas em recentes pesquisas e em textos

de consolidado valor Uma das finalidades da histoacuteria eacute conhecer melhor os

sistemas de representaccedilatildeo das sociedades passando pela literatura e filosofia e

sempre atentando para a produccedilatildeo intelectual (REMOND 2003) Com as cartas de

Erasmo nos apropriamos de um texto criativo coerente e esteticamente belo o que

soacute vem facilitar o trabalho interpretativo Frente a isto aqui temos o Alencar no

comeccedilo da vida puacuteblica se consolidando tanto como artista como um poliacutetico

atuante na Corte - um intelectual Um Alencar que tem muito a nos dizer sobre o

periacuteodo

4 MENEZES Raimundo de Joseacute de Alencar literato e poliacutetico 2a Ed Rio de Janeiro livros teacutecnicos e

cientiacuteficos 1965 NETO Lira O inimigo do rei uma biografia de Joseacute de Alencar ou a mirabolante aventura de um romancista que colecionava desafetos azucrinava D Pedro II e acabou inventando o Brasil Satildeo Paulo Globo 2006 RODRIGUES Antocircnio Edmilson Martins Joseacute de Alencar O poeta armado do Seacuteculo XIX ndash Rio de Janeiro Editora FGV 2001

1 A TRAJETOacuteRIA POLIacuteTICA DE ALENCAR

Eacute um homem de valor poreacutem muito mal educado

D Pedro II referindo-se ao Alencar

Partindo para um esboccedilo sobre a vida de Alencar preferimos trabalhar com uma

biografia criacutetica buscando enfatizar o agente poliacutetico em detrimento do artista Mas

natildeo podemos deixar de ressaltar ser o poliacutetico Joseacute de Alencar tambeacutem um dos

maiores representantes das letras do Brasil no oitocentos Ele ao lado de Machado

de Assis Castro Alves Gonccedilalves Dias e alguns outros natildeo tatildeo notoacuterios tem seu

trabalho caracterizado pela construccedilatildeo de um projeto de modernizaccedilatildeo e a

constituiccedilatildeo de uma identidade para o Brasil O desenvolvimento tecnoloacutegico

cientiacutefico intelectual promovido na Europa era em seu entender um modelo para o

mundo civilizado e o Brasil natildeo poderia ficar fora de tatildeo significativo projeto

A proposta de nossa biografia se daacute na medida em que a pesquisa busca enfatizar

Joseacute de Alencar enquanto poliacutetico O escritor consagrado eacute deixado por um

momento de lado em detrimento dos rumos a que as questotildees relativas agrave histoacuteria

poliacutetica satildeo colocados No caso aqui a histoacuteria da literatura eacute somente um apecircndice

Tendo tambeacutem em mente as advertecircncias deixadas por Remond (2003) sobre o uso

da narrativa factual e subjetivista eminente na biografia de notaacuteveis que cruzavam

o perigoso caminho de avaliar um periacuteodo pelos olhos de um homem apenas ndash

caracteriacutestica da histoacuteria poliacutetica recriminada jaacute pela Escola dos ldquoAnnalesrdquo -

buscamos pelo caminho biograacutefico integrar o Alencar aos diversos agentes poliacuteticos

a fim de desenhar um retrato mais consistente do periacuteodo mas sempre nos

acautelando quanto a direccedilatildeo seguida Neto (2006) e Menezes (1965) sustentam tal

proposta afirmando que o temperamento reservado de Alencar eacute fator determinante

para a anaacutelise de seu texto que no caso das Cartas de Erasmo apresenta

caracteriacutesticas que transitam entre o romantismo literaacuterio e um jornalismo criacutetico

como poderemos ver mais adiante Pocock (2003) justificando uma proposta

biograacutefica comenta que ldquose [temos de ter] uma histoacuteria do pensamento poliacutetico

construiacuteda sobre princiacutepios autenticamente histoacutericos precisamos ter meios de

saber o que um autor ldquoestava fazendordquo quando escrevia ou publicava um texto

ldquo(POCOCK 2003 p28) Ainda na corrente citaccedilatildeo explica que ldquoem inglecircs coloquial

perguntar o que um autor ldquoestava fazendordquo eacute o mesmo que perguntar ldquoo que ele

pretendiardquo ou seja o que ldquoestava tramandordquo ou o que ldquopretendia obterrdquo Quais

seriam as intenccedilotildees de tal autor quando da escritura de seu texto Quais as suas

pretensotildees com tal trabalhordquo (POCOCK 2003 p28) Philippe Levilain (2003) indica

o fim da deacutecada de 1980 como o momento do florescer da biografia na Franccedila

havendo esta sendo reabilitada no meio universitaacuterio ainda na deacutecada de 1960 e jaacute

na deacutecada de 1980 ultrapassa as fronteiras do paiacutes Michael Winock (2003) nos

lembra da emergecircncia de pesquisas sobre os intelectuais e suas ideias no seacuteculo

XX bem como a sua importacircncia para a difusatildeo de modelos poliacuteticos que tem

atraiacutedo agrave atenccedilatildeo de inuacutemeros pesquisadores Com Joseacute de Alencar ampliamos o

horizonte da pesquisa dos intelectuais no Brasil ateacute meados soacute seacuteculo XIX onde

estaacute nosso recorte temporal

Jaacute existem biografias consistentes sobre o Alencar Destaco o trabalho beneditino de

Raimundo de Menezes (1965) ldquoJoseacute de Alencar literato e poliacuteticordquo que recolheu

desde documentos pessoais ateacute fotografias e caricaturas do periacuteodo mas que tenta

natildeo traccedilar uma criacutetica ao trabalho de Alencar sendo um texto predominantemente

factual Eacute para aonde me remeto como uma fonte baacutesica do estudo e que

determina a linha mestra da descriccedilatildeo mas me apoiando tambeacutem em alguns outros

textos5 Ressaltamos aqui que nosso recorte iraacute enfatizar tambeacutem o contexto das

relaccedilotildees sociais que satildeo (ou podem ser) determinadas pelo texto

5Outras biografias satildeo MAGALHAtildeES Raimundo Jr Joseacute de Alencar e sua eacutepoca Satildeo Paulo Ed

Lisa 1971 FILHO Luiz Viana A vida de Joseacute de Alencar Satildeo Paulo Ed UNESPSalvador Edufba 2008 e NETO Lira O inimigo do rei uma biografia de Joseacute de Alencar ou a mirabolante aventura de um romancista que colecionava desafetos azucrinava D Pedro II e acabou inventando o Brasil Satildeo Paulo Globo 2006

11 PRIMEIROS ANOS

No dia 1ordm de Maio de 1829 em uma pequena casa no siacutetio Alagadiccedilo Novo na vila

de Nossa Senhora da Conceiccedilatildeo de Messejana periferia de Fortaleza proviacutencia do

Cearaacute nasce Joseacute Martiniano de Alencar Filho Seu pai um padre que haacute pouco

deixara a batina para se envolver na poliacutetica6 junto com D Baacuterbara de Alencar sua

matildee o irmatildeo Tristatildeo de Alencar e o tio Leonel Pereira de Alencar foi figura de

destaque na revoluccedilatildeo pernambucana Um revolucionaacuterio liberal ldquoexaltadordquo proacute-

repuacuteblica que posteriormente foi eleito deputado constituinte para o congresso

lusitano7 Alencar mantinha relaccedilotildees proacuteximas com os liberais de Minas Gerais e de

Satildeo Paulo como o Padre Joseacute Bento e com Custoacutedio Dias

Os (chamados) rebeldes de Pernambuco eram militares de alta patente

comerciantes senhores de engenho e sobretudo padres (calcula-se em 45 o

nuacutemero de padres envolvidos) Apesar de ter em suas linhas elementos do povo e

escravos natildeo era uma revoluccedilatildeo que pudesse ser chamada de popular Antes

tentava afirmar a dominaccedilatildeo de alguns grupos de elite local Sobe forte influecircncia da

maccedilonaria que disseminava as ideias liberais entre seus grupos os rebeldes

proclamaram uma repuacuteblica independente que incluiacutea aleacutem de Pernambuco as

capitanias da Paraiacuteba e do Rio Grande do Norte chegando com Alencar ateacute o

Cearaacute O movimento chega a controlar o governo durante dois meses Alguns de

seus liacutederes inclusive padres foram fuzilados Alencar consegue o perdatildeo

(CARVALHO 2002)

Com a abdicaccedilatildeo havendo o Senador pelo Cearaacute Joatildeo Carlos Augusto de

Oeynhausen e Gravenburg marquecircs de Aracati acompanhado D Pedro I em sua

volta a Portugal declara o senado a vacacircncia de sua cadeira O nome de Joseacute

Martiniano o pai eacute indicado em lista triacuteplice entregue a apreciaccedilatildeo da Regecircncia-

6 Um padre longe da igreja Menezes (1965) cita em nota que natildeo foram encontrados os registros de

Alencar na arquidiocese de Fortaleza 7 O pai de Alencar poliacutetico ativo e um dos participantes do movimento republicano proclamado no

Cearaacute em 1817 jaacute forneceria uma sedutora monografia Preferimos aqui em funccedilatildeo da metodologia exigida e dos limites da pesquisa buscar uma anaacutelise coerente apesar de firmada em caminhos mais sinteacuteticos

trina Aprovado toma posse em 02 de Maio de 1832 A vida na corte do Rio de

Janeiro o esperava mas natildeo por muito tempo Em 23 de agosto de 1834 eacute nomeado

presidente da proviacutencia do Cearaacute e retorna agrave terra natal com a famiacutelia Passados

alguns anos de uma administraccedilatildeo exemplar com a renuacutencia do Regente Feijoacute ndash

com quem mantinha agora relaccedilotildees proacuteximas - foi exonerado do cargo Alencar e

Feijoacute desde o golpe de estado de 1832 em que se reuniam nas sessotildees do Partido

Moderado jaacute admitiam certa cumplicidade de ideias

A famiacutelia deixa o Cearaacute e ruma novamente agrave corte em meados de 1838 onde o

Alencar reassume sua cadeira no senado O pequeno Joseacute de Alencar entatildeo com

11 anos passa a frequentar o coleacutegio elementar

O pai de Joseacute de Alencar o senador Joseacute Martiniano de Alencar eacute figura chave no

processo de maioridade de D Pedro II Enquanto orador oficial do Senado faz um

discurso durante a coroaccedilatildeo e sagraccedilatildeo do imperador no Paccedilo da cidade clamando

ao povo e a divina providecircncia para que iluminem o futuro monarca (SCHWARCZ

1998) Com a posse de D Pedro II eacute nomeado logo a seguir presidente do Cearaacute

Toma a administraccedilatildeo da proviacutencia por alguns meses mas depois de enfrentar

algumas revoltas populares deixa o governo e retorna agrave Corte em 1841 Neste

ponto o senador Alencar - agora cooptado pelo Estado - provavelmente jaacute estava

bem distante das ideias que proclamava nos movimentos revolucionaacuterios

Joseacute de Alencar o filho tem no Cearaacute - donde passa a infacircncia nessas idas e

vindas - a vida tranquila do interior Ali encontra as imagens que o seguiram pela

vida inteira e ajudaratildeo a criar as representaccedilotildees para uma naccedilatildeo nova esplecircndida

como tudo o mais que havia a sua volta naquele momento

Alencar desembarca em Satildeo Paulo em maio de 1843 ldquoUm mirrado rapazola de

catorze anos Vem completar os exames preparatoacuteriosrdquo (MENEZES 1965 p49) A

falta de livrarias e gabinetes de leitura e a dificuldade de comunicaccedilotildees com a

Europa torna o acesso aos livros uma dificuldade jaacute naquela eacutepoca Os livreiros em

sua maioria se estabelecem no Rio de Janeiro e vendem majoritariamente tiacutetulos

em inglecircs ndash visto a quantidade de residentes ingleses - e francecircs e alguns romances

adaptados e traduzidos mas ainda pouco material (RENAULT 1976)

Alencar eacute uma figura que passaria despercebida em qualquer local Alto magro

moreno de oacuteculos De jeito acanhado ateacute mesmo silencioso Natildeo frequentava as

tabernas ou salotildees o que produzia certo estranhamento natildeo soacute dos colegas da

repuacuteblica mas nos estudantes em geral Durante o Impeacuterio como os cursos

regulares de medicina direito e engenharia ainda natildeo se proliferassem no periacuteodo

tais escolas natildeo se configuravam apenas como um centro de produccedilatildeo de uma

cultura intelectual no Brasil Eram antes espaccedilos para uma consolidaccedilatildeo do poder

nas matildeos de uma elite citadina que comeccedilava a se sobressair (COSTA 1999) A

frequentaccedilatildeo agraves escolas de Direito era a antessala necessaacuteria ao jovem que

buscava a ocupaccedilatildeo em algum cargo puacuteblico A criaccedilatildeo de cursos de niacutevel superior

tambeacutem busca a criaccedilatildeo de um funcionalismo que possa assumir os cargos da

burocracia do Estado Tambeacutem uma parte da formaccedilatildeo da Corte e uma carreira

possiacutevel dentro de um escasso mercado de trabalho

Durante o periacuteodo do curso os estudantes bagunccedilavam a cidade promovendo

reuniotildees serenatas e bebedeiras num tributo a Lord Byron8 em noitadas

ldquosatanistasrdquo Quando Alencar se transfere para Satildeo Paulo esse Byronismo estaacute na

moda (MENEZES 1977 p 50) os estudantes saem pelas ruas blasfemando contra

a vida e o amor de ldquocapa e cabeleirardquo 9 virando a vida de pernas para o ar Alencar

nunca foi dado a esses arroubos da juventude preferindo levar uma vida mais

absorta em seus pensamentos

Em 1846 Alencar se matricula na Academia Ali tem suas primeiras experiecircncias

jornaliacutestico-literaacuterias onde funda junto a alguns colegas primeiranistas a revista

semanal Ensaios Literaacuterios Em comeccedilos de 48 depois de tirar feacuterias em Fortaleza e

no siacutetio Messejana embarca para a cidade de Olinda onde se matricula no 3ordm ano

do curso Juriacutedico A companhia de Alencar ali satildeo os passeios pelas ruas solitaacuterias e

a biblioteca do mosteiro de Satildeo Bento onde funcionava o curso e aonde tem

acesso a exemplares dos cronistas coloniais Natildeo fica ali por muito tempo voltando

8 Poeta romacircntico inglecircs que veio a morrer na primeira metade do seacutec XIX 9 A expressatildeo recolhida por Menezes de um comentaacuterio de Brito Broca estaacute indefinida Parece

remeter aos juristas ingleses e americanos ndash modelos para esta juventude da elite da corte portanto ndash de usarem perucas como um siacutembolo de poder Renault (1976) indica ndash a partir de uma fonte de 1816 - que cada profissatildeo recorre a determinado tipo de cabeleira como forma de distinccedilatildeo

posteriormente para Satildeo Paulo Alencar comeccedila jaacute a sentir os primeiros sintomas da

doenccedila que o acompanharia ateacute o fim da vida e o clima do Nordeste possivelmente

seria um alivio para a tuberculose

Por fim consegue se formar em Direito em 1849 (na turma de 50) na Faculdade de

Direito do Largo de Satildeo Francisco Satildeo Paulo eacute uma ldquocidadezinha de terceira ordem

tristonha e brumosa natildeo possui cerca de 12 a 14 mil almas se tantordquo (MENEZES

1965 p 60) O espaccedilo eacute dividido entre os estudantes grupo entatildeo numerosiacutessimo

ldquoe o restordquo como diziam Meretrizes gente pobre nos corticcedilos alguns emigrantes

que vinham tentar a vida fora do campo e artistas mambembes que buscavam levar

alegria para ali Carvalho (2007) sustenta que a escolha por Satildeo Paulo e Olinda para

o estabelecimento dos cursos de Direito foi uma maneira de unificar os laccedilos entre

as elites dispersas pelas vaacuterias regiotildees para posteriormente associa-las a Corte

Alencar natildeo foge a regra e muda-se para o Rio de Janeiro cidade mais promissora

economicamente onde comeccedila a trabalhar como praticante no escritoacuterio de

advocacia do Dr Caetano Alberto Soares um dos mais procurados chegando a

representar em certas ocasiotildees a Casa Imperial Alencar trabalha ali por quatro

anos onde se inicia nos estudos mais aacuteridos do Direito mas natildeo esquece o

jornalismo

12 VIDA NA CORTE

Em 09 de agosto de 1853 Alencar comeccedila a trabalhar a convite de um amigo na

redaccedilatildeo do jornal Correio Mercantil - chamado ldquoo grande jornal das ideias liberaisrdquo -

com a obrigaccedilatildeo de promover mudanccedilas em sua estrutura que viessem a tornaacute-lo

um pouco mais popular Era tido como um abrigo dos letrados e o mais importante

dos diaacuterios da Corte a eacutepoca Ateacute 1852 o Correio Mercantil era um dos jornais

cariocas com eventual tiragem em francecircs (MENEZES 1965) Alencar passaraacute a

analisar os acontecimentos da semana no rodapeacute da primeira paacutegina da revista

hebdomadaacuteria ldquoPaacutegina Menorrdquo publicada sempre aos domingos No seacuteculo XIX tais

revistas - em formato de folhetins - jaacute satildeo comuns na imprensa nacional

O trabalho de Alencar era reunir diversos assuntos com uma escrita leve e que

chamasse a atenccedilatildeo do puacuteblico Agora mesmo avesso a festas e salotildees de baile -

como o do Cassino Fluminense famoso ponto de encontro onde fluiacuteam amizades e

intrigas liberais e conservadores conversavam serenamente com seu jeito sisudo o

jovem e acanhado jornalista comeccedila a frequentar a sociedade a procura de ideias e

tambeacutem de amigos

Alencar sabia como bom jornalista que por vezes seria preciso natildeo soacute relatar os

fatos mas tambeacutem criaacute-los eacute o caso do desfile de carnaval Desde 1854 a poliacutecia

proiacutebe a praacutetica do entrudo10 no carnaval Em 1855 um grupo de foliotildees animados

por jornalistas do Correio Mercantil em sua maioria resolve por na rua um carnaval

diferente com desfile de banda de muacutesica carros alegoacutericos e cavaleiros nos

moldes do carnaval de Veneza A moda de oacuteperas italianas pelos teatros da cidade

faz com que o estranhamento seja menor pela populaccedilatildeo jaacute familiarizada com os

tipos da comeacutedia italiana como arlequins e colombinas Alencar acompanhando o

entatildeo coronel Polidoro da Fonseca11 e Muniz Barreto proprietaacuterio do Correio

Mercantil vai ao Paccedilo da Quinta da Boa Vista convidar a famiacutelia imperial para o

desfile que viria a passar tambeacutem no Largo do Paccedilo Seria o primeiro destes

desfiles a se apresentar no Rio de Janeiro O imperador comparece e aprecia o

espetaacuteculo D Pedro II poucos anos mais velho que Alencar reconhece naquele

ldquofilho de padrerdquo um pouco da convicccedilatildeo e do ativismo do velho senador Alencar

Poreacutem o fato de Alencar assumir-se ldquoa favor do impeacuteriordquo natildeo quer dizer que morria

de amores por D Pedro II

Em 1855 devido a alguns desentendimentos com a direccedilatildeo do jornal abandona o

Correio Mercantil e sua coluna ldquoAo correr da penardquo que eacute um sucesso na eacutepoca

voltando a militar na advocacia por algum tempo Em outubro do mesmo ano

assume os cargos de gerente e redator-chefe do Diaacuterio do Rio de Janeiro com a

10 O entrudo era uma festa popular oriunda de Portugal Significa literalmente ldquointroduccedilatildeordquo e remonta antigas praacuteticas pagatildes Carnaval de rua que desde os tempos da colocircnia vem sendo proibido pelas autoridades constituiacutedas devido aos constantes excessos do povo Ver por exemplo DAMATTA Roberto Carnavais malandros e heroacuteis Para uma sociologia do dilema brasileiro Rio de Janeiro Rocco 1997 11 Os ldquoFonsecardquo eram uma famiacutelia aleacutem de influente vasta nos quadros do exeacutercito Podemos citar desde alguns heroacuteis da guerra do Paraguai ateacute o grupo que sustenta Deodoro na proclamaccedilatildeo da repuacuteblica Ver para um melhor esclarecimento nota em CARVALHO Joseacute Murilo de A formaccedilatildeo das almas o imaginaacuterio da repuacuteblica no Brasil Satildeo Paulo companhia das letras 1990 p 144

tarefa de reerguer o entatildeo decadente jornal (o primeiro jornal diaacuterio surgido no Rio

de Janeiro12) alavancando suas vendas Jaacute era naquele momento um jornalista com

certo renome e seus textos sugerem influecircncias de autores europeus O modelo

civilizacional francecircs - e isto de comum acordo com a grande maioria dos bachareacuteis

que frequentavam a corte - eram de seu agrado e como muitos outros redatores do

periacuteodo foi dele tambeacutem um divulgador Eacute o ldquoafrancesamentordquo da sociedade

carioca que se manifestava tambeacutem no uso da linguagem pelos jornais Alencar eacute

grande apreciador de Lamartine e leitor de Balzac e Voltaire desde os tempos da

academia em que passava as tardes junto ao dicionaacuterio de francecircs

Nos fins de 1854 vem ao Rio de Janeiro em feacuterias das funccedilotildees de cocircnsul geral na

regiatildeo da Sardenha na atual Itaacutelia o poeta Domingos Joseacute Gonccedilalves de

Magalhatildees - futuro visconde de Araguaia Traz consigo os originais do poema ldquoA

confederaccedilatildeo dos Tamoiosrdquo obra que dizia ele revolucionaria as letras nacionais

Grande amigo de D Pedro II este manda imprimir uma ediccedilatildeo do poema na

conhecida tipografia de Paula Brito13 em rica encadernaccedilatildeo o que jaacute era um motivo

para que o proclamado poema fosse lido O assunto gira em torna das lutas dos

Tamoios com portugueses em meados do seacuteculo XVI no litoral fluminense e paulista

exaltando o quanto podia as figuras histoacutericas do periacuteodo As criacuteticas foram

unacircnimes o poema era ndash segundo comentadores do periacuteodo como Alexandre

Herculano e Gonccedilalves Dias ndash uma grande decepccedilatildeo Alencar oculto pelo

pseudocircnimo Ig14 investe criticamente sobre o poema classificando-o de mediacuteocre

em uma seacuterie de oito cartas publicadas em sua coluna no Jornal Seria este o

primeiro debate substancioso sobre literatura travado no Brasil e de certa forma a

primeira querela envolvendo o artista e o imperador

12 Interessante lembrar que o Diaacuterio do Rio de Janeiro chega a ser apontado como subversivo por

Joseacute Bonifaacutecio que manda averiguar o teor do ldquoescritos incendiaacuteriosrdquo ali publicados em 1822(COSTA 1999 p71) No Diaacuterio seriam publicados artigos contraacuterios agrave monarquia constitucional Alencar era assumidamente um conservador 13 Paula Brito eacute editor e dono de tipografia um conhecido ponto de encontro de intelectuais e poliacuteticos do periacuteodo Mulato de origem pobre assim como Machado de Assis eacute mais um indicativo de que nas letras nacionais a poliacutetica de segmentaccedilatildeo racial era mais amena 14 Menezes comenta em uma nota que tendo o Imperador esquecido de convidar o Alencar para a leitura da ldquoConfederaccedilatildeo dos Tamoiosrdquo em seccedilatildeo no gabinete imperial este viria a se tornar um criacutetico ferrenho de Magalhatildees Nos parece um reducionismo a implicacircncia do Alencar natildeo chega a tanto e sua capacidade como escritor e poliacutetico mostra bem sua capacidade

A carta aberta eacute comum na imprensa do periacuteodo Um comentador coloca suas

opiniotildees de maneira direta e soacutebria com o intuito de publicitar um assunto Um

debate aberto por vezes uma provocaccedilatildeo E o direito de resposta era concedido

prontamente O assunto se tornado interessante era esperado pelos leitores

A maior parte das criacuteticas se refere agrave gramaacutetica e a metrificaccedilatildeo O poeta Arauacutejo

Porto-Alegre cognominado ldquoO amigo do poetardquo sai em defesa de Magalhatildees

Alencar rebate e a esta altura Ig natildeo seria mais um desconhecido Porto-Alegre

chega a transparecer que a peleja do Alencar natildeo seria contra o preterido poeta

mas um ataque indireto ao seu protetor D Pedro II Alguns outros aparecem pelas

paacuteginas do jornal apoiando tropegamente poema e poeta Alencar segue firme e o

imperador assume a pena sob o codinome de ldquoOutro amigo do poetardquo Escreve seis

artigos que Alencar responde com airosidade O imperador pede a opiniatildeo favoraacutevel

de alguns amigos sobre o poema mas nem as criacuteticas encaminhadas por Gonccedilalves

Dias e Alexandre Herculano conseguem convencer D Pedro II do contraacuterio que

Magalhatildees natildeo era tatildeo bom assim Torna-se entatildeo uma guerra puacuteblica de teimosos

Alencar no mesmo ano reuacutene em livro as cartas publicadas sobre A confederaccedilatildeo

dos tamoios No ano seguinte Magalhatildees publica uma segunda ediccedilatildeo do poema

que D Pedro II promove agora chegando a pagar a publicaccedilatildeo de duas traduccedilotildees

para o idioma italiano da obra O imperador incentiva a pesquisa e publicitaccedilatildeo de

trabalhos que enfatizam essa mitologia romacircntica do indigeniacutesmo mas natildeo significa

que esteja preocupado com a esteacutetica literaacuteria Suas razotildees estatildeo mais proacuteximas do

campo poliacutetico como tambeacutem o seria com sua relaccedilatildeo com o instituto histoacuterico e

geograacutefico ao qual era o maior patrocinador Era o momento de solidificar os

siacutembolos da nova naccedilatildeo e o indigeniacutesmo aleacutem de tudo se caracteriza por ser um

movimento antilusitano (ROMANCINI 2007)

Sobre o texto de Magalhatildees o puacuteblico aparentemente se cansa da peleja e Alencar

como redator do jornal precisa procurar mateacuteria mais interessante e a contenda se

dissipa no tempo Mas esta seria a primeira de uma seacuterie de desavenccedilas

envolvendo o Imperador e Alencar

Em dezembro de 1856 Alencar termina seu primeiro livro distribuiacutedo para os leitores

do Diaacuterio do Rio de Janeiro como um presente no Natal No ano seguinte publica o

primeiro folhetim15 de O guarani no Diaacuterio e depois em livro organizado em quatro

volumes e os primeiros capiacutetulos de A viuvinha em folhetim O sucesso de O

guarani eacute tamanho que vaacuterias portas satildeo abertas para o escritor Eacute neste ano que

Alencar ingressa no teatro com sua peccedila ldquoO Rio de Janeiro verso e reversordquo em

novembro estreia com ldquoO democircnio familiarrdquo e ainda em dezembro do mesmo ano a

comeacutedia ldquoO creacuteditordquo A sociedade apresentada nos palcos do Rio de Janeiro para

Alencar natildeo seria aquela que ele via nas ruas Seu modelo era a ldquosociedaderdquo

francesa Comenta assim em uma crocircnica

(hellip) a verdadeira comeacutedia a reproduccedilatildeo exata e natural dos costumes de uma eacutepoca a vida em accedilatildeo natildeo existe no teatro brasileiro Natildeo achando pois em nossa literatura um modelo fui buscaacute-lo no paiacutes mais adiantado em civilizaccedilatildeo e cujo espiacuterito tanto se harmoniza com a sociedade brasileira na Franccedila Fui feliz o puacuteblico ilustrado foi mais beneacutevolo do que eu esperava e merecia O Democircnio Familiar escrito conforme a escola de Dumas Filho sem lances cediccedilos sem gritos sem pretensatildeo teatral agradourdquo (MENEZES 1977 p 135)

No exposto entendemos que Alencar buscava um modelo ldquomelhorrdquo segundo ele

para a sociedade carioca O modelo francecircs de certa forma jaacute impregnado na

sociedade da Corte eacute agora validado pela arte e aplaudido pelo grupo Tal modelo

como afirma natildeo estava na literatura dramaacutetica nacional A vida em accedilatildeo natildeo existe

no teatro A questatildeo eacute qual seria essa vida que Alencar buscava A das ruas

imundas do Rio de Janeiro dos escravos que recolhiam os dejetos na cidade da

incipiente induacutestria nacional Certamente natildeo

A peccedila de maior aceitaccedilatildeo puacuteblica eacute ldquoO democircnio familiarrdquo e a mais divulgada de

suas comeacutedias Machado de Assis em um artigo qualifica a peccedila ldquoO democircnio

familiarrdquo como um retrato da famiacutelia brasileira no periacuteodo com sua caracteriacutestica ndash

segundo ele ndash paz domeacutestica O texto circula tambeacutem em versatildeo impressa com uma

dedicatoacuteria agrave imperatriz D Teresa Cristina o que chega a ser considerado uma gafe

de Alencar sendo a personagem principal o referido democircnio familiar um moleque

chamado Pedro assim como D Pedro II (e tambeacutem D Pedro I ) Na estreia do

espetaacuteculo no Teatro do Ginaacutesio comparecem D Teresa e D Pedro II que chega a

se irritar com os olhares maliciosos e risadas do puacuteblico a cada travessura do

15

Alencar estava - de certa forma - na vanguarda da miacutedia O folhetim foi uma invenccedilatildeo de Gustave

Planche no dececircnio de 1820 na Franccedila introduzindo uma forma diferenciada agrave narrativa do romance Era um modelo que agradou e ajudou a construir popularidade para Alencar Ver CAcircNDIDO Antocircnio Literatura e Sociedade 9ordf Ed Rio de Janeiro Ouro sobre Azul 2006 p 43

escravo no palco Segundo esse autor se origina daiacute e natildeo do episoacutedio da

Confederaccedilatildeo dos Tamoios as diferenccedilas entre o imperador e Alencar De qualquer

forma natildeo se pode deixar de ver Joseacute de Alencar como um implicante

Em 30 de maio de 1858 no teatro do Ginaacutesio Dramaacutetico estreia a comedia ldquoAs asas

de um anjordquo Depois da terceira apresentaccedilatildeo puacuteblica o texto eacute proibido pelo chefe

de poliacutecia Alencar vem a puacuteblico atraveacutes do Diaacuterio questionar a arbitrariedade e

apresentar sua defesa Questiona como um espetaacuteculo aprovado anteriormente pela

censura (apresenta-las anteriormente aos censores era o procedimento padratildeo)

poderia ser logo depois proibido Diz o autor ter se baseado em uma peccedila de

Alexandre Dumaacutes Filho sobre uma prostituta jaacute tendo sido o espetaacuteculo

apresentado no mesmo teatro semanas a fio sendo assim bem conhecida do

puacuteblico Apresenta ali seus argumentos e motivos repetindo que natildeo entende como

um texto que ele mesmo admite eacute adaptado de um romance europeu ndash a dama das

cameacutelias - que apresenta jaacute a eacutepoca relativo sucesso de puacuteblico no teatro pocircde ser

censurado Eacute ali que Alencar entende da pior maneira que a sociedade carioca de

entatildeo natildeo aceita ser confrontada com uma caracterizaccedilatildeo tatildeo realista de seus

costumes Havia assuntos ainda difiacuteceis de discutir Eacute interessante nos determos um

pouco aqui para analisar o confronto do autor com a censura Alencar se sente

intimamente ofendido com a proibiccedilatildeo e parte para sua defesa puacuteblica fazendo o

que sabe fazer mobilizar a opiniatildeo puacuteblica atraveacutes do jornal

Em 28 de junho de 1858 Alencar puacuteblica no Diaacuterio do Rio de Janeiro um artigo que

viria a ser uma espeacutecie de ldquodireito de defesardquo a censura do espetaacuteculo16 Eacute

interessante no sentido de que podemos ter uma visatildeo ampla da censura praticada

pelas instituiccedilotildees puacuteblicas no periacuteodo imperial Eacute ndash inicia a carta indicando ndash o seu

direito e dever como escritor Alencar se diz indiferente a ldquopuniccedilatildeordquo e explica que tal

somente serviraacute para ldquoexcitar a curiosidade puacuteblicardquo por isso vem a puacuteblico

defender-se apenas por que se diz um defensor da moral e natildeo quer manchar sua

imagem aceitando passivamente a (afirma) injusticcedila Natildeo pretende fugir a puniccedilatildeo e

afirma que ldquose quiser dar-lhe maior publicidade tenho ainda um meio a imprensa

16

Artigo transcrito na seccedilatildeo ldquoensaios literaacuteriosrdquo em ALENCAR Joseacute de Teatro completo Rio de

Janeiro Serviccedilo Nacional de Teatro 1977 As referecircncias entre aspas satildeo todas do artigo

que natildeo estaacute sujeita agrave censura policialrdquo A peccedila conta havia sido liberada por meio

de despacho especiacutefico pela poliacutecia em 25 de maio e pelo Conservatoacuterio Dramaacutetico

ainda em janeiro o que jaacute indica uma contradiccedilatildeo Dentre as causas estipuladas

pela lei para a proibiccedilatildeo de espetaacuteculo teatral estavam o ataque agraves autoridades

constituiacutedas o desrespeito agrave religiatildeo e a ofensa agrave moral puacuteblica que no entender do

jornalista seria o motivo da proibiccedilatildeo

Alencar afirma ter pensado bastante na reaccedilatildeo que o puacuteblico teria sobre o tema e

afianccedila ter se baseado em obras dramaacuteticas filhas da chamada ldquoescola realistardquo que

vem de Paris e que tecircm sido representadas em nossos teatros sende ele mesmo

um dos espectadores Mas sustenta ldquoesqueci-me que o veacuteu que para certas

pessoas encobre a chaga da sociedade estrangeira rompia-se quando se tratava de

esboccedilar a nossa proacutepria sociedaderdquo (ALENCAR 1977 p 227) Afirma que o puacuteblico

da Corte assistindo a ldquoA dama das Cameacuteliasrdquo ou agraves ldquoMulheres de Maacutermorerdquo cada

um toma Margarida Gauthier e Marce satildeo apenas duas moccedilas um pouco

estravagantes mas quando se transpotildee a questatildeo para o Brasil em As asas de um

anjo o espectador encontra a realidade diante de seus olhos e espanta-se sem

razatildeo de ver no teatro sobre a cena o que vecirc todos os dias na rua e nos passeios

Mas o que seria imoral O que motivaria tal ato da poliacutecia Alencar explica que eacute

imoralidade o ato que a moral reprova Alencar se defende dizendo que sua intenccedilatildeo

era a pretenccedilatildeo de mostrar uma liccedilatildeo para os pais de famiacutelia sobre a necessidade

de cuidarem da educaccedilatildeo moral de seus filhos de constituiacuterem-se enquanto famiacuteias

Sustenta que em sua tese natildeo haacute aiacute uma soacute personagem que natildeo represente uma

ideia social que natildeo tenha uma missatildeo moralizadora Natildeo eacute ele quem nos

apresenta diz eacute a proacutepria sociedade E as instituiccedilotildees puacuteblicas criam um

impedimento para que o grupo possa comfrontar sua realidade eacute mais uma barreira

constriacuteda como podemos observar entre o povo (rebelde inculto imoral) e a elite

que soacute observa isso de sua cadeira ou camarote estando distante de tudo

Alencar se desgosta com aquilo e abandona logo depois o Diaacuterio do Rio de Janeiro

e a dramaturgia (pelo menos por enquanto) voltando a se dedicar ao Direito e a seu

trabalho como advogado no escritoacuterio do Dr Caetano Alberto E agora com clientela

vasta Ao longo do periacuteodo imperial com a estabilidade da economia e um maior

(ainda pouco) desenvolvimentos das cidades aparecem outros caminhos para o

trabalho que natildeo somente a burocracia mas a grande maioria dos profissionais

liberais natildeo consegue manter-se Apesar do desenvolvimento da advocacia do

magisteacuterio da medicina do jornalismo muitos destes profissionais liberais ndash o caso

de Alencar ndash encampam duas profissotildees ao mesmo tempo como forma de

sobrevivecircncia ou de esperar ser alcanccedilado pelo braccedilo sedutor do emprego puacuteblico

Para Neto (2006) a produccedilatildeo literaacuteria de Alencar natildeo estaacute desvinculada de sua

personalidade um tanto depressiva e afastada da vida noturna da capital lugar

comum para poliacuteticos e jornalistas - vaacuterios deles conhecidos por Alencar que

preferia a tranquilidade de sua propriedade na periferia onde recebia alguns poucos

amigos Ali entre seus livros dedicava-se a leitura de cronistas e historiadores e a

pesquisa sobre a histoacuteria poliacutetica dos seacuteculos XVIII e XIX Tais leituras teriam levado

Alencar a um aprofundamento de sua reflexatildeo criacutetica sobre a realidade brasileira e

os padrotildees de comportamento da sociedade e das instituiccedilotildees que a constituem e

da famiacutelia burguesa em particular

13 MILITAcircNCIA POLIacuteTICA

Em dezembro de 1858 quando Nabuco de Arauacutejo assume o cargo de Ministro e

Secretaacuterio de Estado dos Negoacutecios da Justiccedila trata logo de promover uma reforma

interna neste e o nome de Alencar eacute lembrado para uma diretoria de Seccedilatildeo na

Secretaria de Estado dos Negoacutecios da Justiccedila Depois de alguns meses no cargo

solicita a um amigo do partido conservador o entatildeo conselheiro Euseacutebio de Queiroz

uma melhoria em seu cargo Em maio de 1859 seu pedido eacute aceito e agora como

consultor recebe o tiacutetulo de conselheiro com seus 30 anos Comeccedila o gosto pela

poliacutetica que estava desde sempre segundo Alencar em sua famiacutelia No mesmo ano

que entra para o ministeacuterio eacute nomeado professor de direito mercantil do Instituto

Mercantil no Rio de Janeiro Ao mesmo tempo publica vaacuterios trabalhos juriacutedicos de

reconhecido valor que alcanccedilam segundas e terceiras ediccedilotildees o que prova que o

texto de Alencar era procurado e lido que conseguiu sucesso como autor ainda em

sua juventude (algo dificilmente alcanccedilado mesmo hoje)

A poliacutetica assim dizia o Alencar era como uma religiatildeo em sua famiacutelia e o desejo

por uma cadeira na Assembleia jaacute eacute latente Mas em sua primeira candidatura em

1856 para uma cadeira de deputado geral pela proviacutencia do Cearaacute na primeira

eleiccedilatildeo por distritos natildeo eacute eleito na ocasiatildeo (ALENCAR 2009) Em 15 de marccedilo de

1860 tem outro desgosto falece o velho senador Alencar seu pai Talvez a uacuteltima

chance de associaccedilatildeo aos quadros do Partido liberal No mecircs seguinte comeccedila

uma correspondecircncia com amigos no Cearaacute jaacute no intuito de buscar uma candidatura

para deputado Em novembro e ainda trajando luto17 embarca para Fortaleza onde

busca amigos e correligionaacuterios para iniciar sua campanha pelo partido conservador

nas periferias da capital cearense Com a quantidade limitada de eleitores pela

legislaccedilatildeo vigente em poucos dias consegue-se conversar com um significativo

percentual de eleitores Apesar de seu pai ser um grande nome do partido liberal e

mesmo Alencar sendo o redator-chefe do Diaacuterio do Rio de Janeiro folha

declaradamente liberal o partido natildeo sugeriu uma filiaccedilatildeo ou a possibilidade de

concorrer a algum cargo puacuteblico fato que seraacute lembrado posteriormente com certa

amargura Talvez com os liberais Alencar pudesse exercitar melhor sua ojeriza por

D Pedro II que jaacute era manifesta a eacutepoca Talvez pelo mesmo motivo o partido natildeo

o desejasse em suas linhas A tatildeo falada homogeneidade de pensamento entre

liberais e conservadores se aplica aqui onde algueacutem que pudesse desagradar o

imperador seria um filho sem pai O que Alencar jaacute sabia era que se natildeo

conseguisse apoio de alguma lideranccedila poliacutetica ndash de um lado ou de outro -

provavelmente natildeo seria eleito Foi o que aconteceu no primeiro pleito Alencar

entatildeo se ldquoapadrinhardquo de Euseacutebio de Queiroz e com o apoio deste e do grupo

conservador eacute eleito para a Cacircmara em 1861

Os principais partidos do periacuteodo o liberal e o conservador apresentavam algumas

diferenccedilas importantes O professor Bonavides consegue uma caracterizaccedilatildeo

abrangente para o periacuteodo de nosso recorte

17 O traje de luto para meados do seacuteculo XIX era conservado por um tempo relativamente grande

quando se tratava de um familiar proacuteximo Poreacutem pode ter funcionado como uma ferramenta

importante na construccedilatildeo de um personagem para sua campanha poliacutetica Ele eacute praticamente um

desconhecido no Cearaacute Eacute preciso mostrar-se como cristatildeo bom filho etc

Os liberais do Impeacuterio exprimiam na sociedade do tempo os interesses urbanos da burguesia comercial o idealismo dos bachareacuteis o reformismo progressista das classes sem compromissos diretos com a escravidatildeo e o feudo

Os conservadores pelo contraacuterio formava o partido da ordem o nuacutecleo das elites satisfeitas e reacionaacuterias a fortaleza dos grupos econocircmicos mais poderosos da eacutepoca os da lavoura e pecuaacuteria compreendendo plantadores de cana-de-accediluacutecar cafeicultores e criadores de gado (BONAVIDES 2000 p491)

Tambeacutem Ilmar Mattos (1987) afirma que a diferenccedila entre ldquoLuzias e Saquaremasrdquo jaacute

estava demarcada desde as revoltas liberais do periacuteodo regencial Poreacutem como os

partidos poliacuteticos ainda natildeo havia desenvolvido suficiente forccedila enquanto instituiccedilatildeo

e ainda natildeo haviam desenvolvido sua configuraccedilatildeo atual geralmente os interesses

pessoais (e as ideias) determinavam as accedilotildees dos poliacuteticos Joseacute Murillo de

Carvalho (2007) sustenta a posiccedilatildeo dos magistrados tipicamente centrados no

partido conservador tanto quanto o clero no partido liberal tendo o grupo dos

militares preferido manter certa neutralidade e por fim um ldquogrupo ascendente de

profissionais liberais formando a ala ideoloacutegica do Partido Liberal e o nuacutecleo do

Partido Republicano do Rio de Janeirordquo (CARVALHO 2007 p 225) Nas cartas

Alencar sustenta que ldquoera do comeacutercio portuguecircs e aderecircncias que o partido

conservador tirava principalmente sua forccedila e os recursos com que sustentava a

lutardquo e mais adiante afirma que ldquoo partido conservador servia-se da induacutestria para

subir ()rdquo (ALENCAR 2011 p63) Em sua quase totalidade estes homens eram

representantes de uma sociedade patriarcal europeizada escravagista e machista

Tais homens partilhavam desse universo cultural que inclusive os caracterizava

independente do partido a que estavam filiados E quantas vezes tais interesses natildeo

se confundiam com a vontade do imperador - figura maior que muitos queriam

agradar e poucos tinham coragem de desagradar Bonavides (2000) citando Rui

Barbosa diz que os dois partidos na praacutetica se resumiriam em um soacute o partido do

poder Faoro (2004) tambeacutem sustenta que no segundo reinado a partir de 1836 a

histoacuteria poliacutetica brasileira se resumiria aos dois grandes partidos o liberal e o

conservador A conciliaccedilatildeo foi algo como uma orientaccedilatildeo um acordo intrapartidaacuterio

ou mesmo uma coligaccedilatildeo e natildeo outro partido A liga que eacute tida como a associaccedilatildeo

geradora do partido progressista foi uma organizaccedilatildeo primaacuteria dessa lideranccedila que

tem seu teacutermino com a deposiccedilatildeo de Zacarias de Goacuteis em 1868 tendo seus filiados

se rearranjado entre liberais e conservadores As discussotildees entre as diferenccedilas

ideoloacutegicas dentro dos partidos excedem a pretensatildeo deste trabalho O que

modestamente se sustenta aqui eacute que a filiaccedilatildeo partidaacuteria se dava a princiacutepio natildeo

como resultado de um aceite pelo ator poliacutetico da base ideoloacutegica do partido ndash se eacute

que houvesse uma O partido conservador por exemplo nunca chegou a escrever

um manifesto ou coisa que o valha ndash mas a suas necessidades pessoais suas

pretensotildees sociais e para seu favorecimento econocircmico Para efeito geral

acompanharemos a anaacutelise de Carvalho

A complexidade dos partidos se refletia naturalmente na ideologia e no comportamento poliacutetico de seus membros dando agraves vezes ao observador desatento a impressatildeo de ausecircncia de distinccedilatildeo entre eles Um exame embora sumaacuterio de alguns problemas cruciais enfrentados pelos poliacuteticos do Impeacuterio pode no entanto mostrar tanto as divergecircncias interpartidaacuterias como intrapartidaacuterias (CARVALHO 2007 p 219)

Em Janeiro ao se realizarem as eleiccedilotildees secundaacuterias Joseacute Martiniano de Alencar

Filho eacute eleito pelo 1ordm distrito (tendo segundo um comentaacuterio seu obtido tambeacutem 30

votos dos cerca de 220 eleitores liberais) no Cearaacute junto a outros seis candidatos de

seu partido Em 23 de maio inicia seus trabalhos na corte O cargo de deputado eacute

um importante comeccedilo para a vida puacuteblica

Apesar de eleitos por um periacuteodo de quatro anos frequentemente conseguiam ser reeleitos para vaacuterias legislaturas ou detinham importantes cargos administrativos Muitos encontraram na Cacircmara um caminho faacutecil para o Senado e o Conselho de Estado Assim como os conselheiros de Estado e os senadores os deputados pertenciam a uma rede poliacutetica de clientela e patronagem que utilizavam tanto em seu proacuteprio benefiacutecio quanto no de seus amigos e protegidos (COSTA 1999 p 141)

Ainda sobre o assunto uma interessante anotaccedilatildeo de Tavares Bastos em seu diaacuterio

pessoal nos ilustra bem a posiccedilatildeo de ldquoclientelardquo a que os deputados estavam

submetidos Referindo-se ao fim de setembro 1869 comenta sobre uma reuniatildeo dos

senadores liberais autorizando Zacarias de Goacuteis a prosseguir negociaccedilotildees sobre o

orccedilamento com Cotegipe ministro da Marinha Ao redigir a informaccedilatildeo refere-se

aos senadores que compotildee uma fraccedilatildeo do partido denominada progressista ndash critica

ou ceticamente - como ldquoos nossos chefesrdquo (ABREU 2007 p122) Disto podemos

deduzir e ainda segundo o depoimento de Costa que Alencar tambeacutem natildeo eacute

nenhum ldquoheroacuteirdquo do Brasil Quer o cargo puacuteblico como uma seguranccedila que garanta

uma rede de relacionamentos necessaacuteria a permanecircncia nesta periferia da elite

com vistas a uma posterior promoccedilatildeo

Quando do iniacutecio dos trabalhos todos os olhares estavam postos sobre Alencar

Romancista e dramaturgo jaacute famoso jornalista respeitado filho de importante

Senador que chegara a orador do Senado na coroaccedilatildeo do Imperador a casa estava

cheia de expectativa para a fala inicial No calor da hora a emoccedilatildeo lhe sobe a

cabeccedila O discurso proferido tatildeo aguardado foi um grande fiasco com momentos

de indecisatildeo e certa disfemia Eacute aos poucos que a palavra lhe vai acontecendo vai

achando seu lugar na tribuna durante o mandato Os argumentos a reacuteplica sempre

pronta o exerciacutecio parlamentar vai construindo o personagem poliacutetico Joseacute de

Alencar que chega a ser um dos mais respeitados oradores da cacircmara A

humilhaccedilatildeo nos primeiros dias arranha um pouco do orgulho e da habitual

arrogacircncia do escritor para depois se constituir em um aprendizado decisivo do

poliacutetico

Em 13 de maio de 1863 eacute dissolvida a Cacircmara Alencar sentindo a doenccedila faz

algumas viagens de repouso fora do Rio de Janeiro De volta agrave Corte passa a morar

na Tijuca e diminui o ritmo da produccedilatildeo literaacuteria atendendo a conselhos meacutedicos Ali

conhece aquele que viria a ser um grande amigo o meacutedico Dr Thomaz Cochrane18

de quem posteriormente toma a filha em casamento Georgiana Augusta Cochrane

Em 1865 nasce seu primeiro filho Augusto

De temperamento arredio dado mesmo a solidatildeo com a dedicaccedilatildeo ao trabalho

redobrada agora pela necessidade de sustentar uma casa natildeo sendo um associado

do Instituto Histoacuterico e Geograacutefico natildeo sendo frequentador assiacuteduo de salotildees ou da

livraria do Paula Brito como outros literatos vai desligar-se ainda das poucas

relaccedilotildees sociais que tem Fecha-se na famiacutelia e para si Eacute o ano em que publica as

primeiras cartas de Erasmo dirigidas ao Imperador

18

Que natildeo eacute o Almirante Cochrane militar contratado por D Pedro I para ldquomassacrarrdquo rebeldes

revolucionaacuterios pelo Brasil afora

Em novembro de 1865 comeccedilam a aparecer nas livrarias do Rio de janeiro uma

seacuterie de ldquocartas abertasrdquo publicadas sempre as terccedilas-feiras endereccediladas ao D

Pedro II e assinadas com o pseudocircnimo de Erasmo mas logo se soube que o autor

era o deputado Alencar A procura pelos folhetins era imensa Havia quem

esperasse a chegada de um vendedor pelas ruas para adquirir seu exemplar19 O

proacuteprio imperador natildeo deixava de estar atento a cada nova carta era como mais um

sucesso literaacuterio Publica tambeacutem em 1866 ldquoOs partidosrdquo em formato de livro mas

discutindo as mesmas questotildees e de forma menos informal

As cartas continham um conjunto de denuncias sobre as irregularidades na poliacutetica e

no procedimento eacutetico dos poliacuteticos Falam do poder moderador da situaccedilatildeo

financeira do paiacutes natildeo haacute assunto que escape ao jornalista Posteriormente

endereccedila outra carta esta ao Visconde de Itaboraiacute ex-Ministro dos Negoacutecios e da

Fazenda uma carta sobre a crise financeira em que tece vaacuterios elogios a este e

mais uma endereccedilada ao Marquecircs de Olinda De julho a agosto publica uma seacuterie

de cartas ao povo20 Alencar se coloca sempre e antes como um pensador da

poliacutetica Algueacutem que observa e indica um caminho para a naccedilatildeo e sua condiccedilatildeo de

jornalista eacute decisiva passa isso Deve-se ter em conta que um pensador poliacutetico eacute

algueacutem que observa contextos comportamentos e instituiccedilotildees e a partir de disputas

retoacutericas em torno de tais conceitos e que busca criticar o poder instituiacutedo e as

justificativas que este toma para continuar no poder

Alguns fatos satildeo modelares para mostrar o desinteresse de Alencar pela sua

valorizaccedilatildeo enquanto uma personagem social preferindo ser identificado enquanto

escritor Prefere as letras e a tranquilidade de seu recanto agrave vida social que poderia

ter na Corte Um exemplo disto eacute o episoacutedio da condecoraccedilatildeo Em 1867 o Alencar

por decreto imperial eacute agraciado com o oficialato da Ordem da Rosa pelos

relevantes serviccedilos prestados agraves letras no paiacutes Um agrado da parte de D Pedro II

feito sem que houvesse uma solicitaccedilatildeo ou concurso A poliacutetica de condecoraccedilotildees eacute

19 Eacute o depoimento de Barros Pimentel que demonstra como o o folhetim foi um meio importante de

divulgaccedilatildeo no periacuteodo

20 As cartas seratildeo analisadas em capiacutetulo a parte

basicamente a mesma dos tiacutetulos nobiliaacuterquicos brasileiros formas de cooptaccedilatildeo de

elementos da elite para o ldquopartidordquo do Imperador Nos anos finais do impeacuterio D

Pedro II agraciaria vaacuterios fazendeiros com a ordem da Rosa pela iniciativa destes

em libertar seus escravos (NOVAIS 1997) Alencar sem um motivo aparente

recusa a condecoraccedilatildeo publicamente solicitando ao redator do Jornal do Comeacutercio

que publicite sua decisatildeo Eacute mais uma alfinetada em D Pedro II que a princiacutepio

busca trazer Alencar para seu grupo mais proacuteximo A caminhada na carreira poliacutetica

vai se tornando ldquocomplicadardquo com tais atitudes de intransigecircncia pelo menos para

algueacutem dentro do partido conservador que almeja seguir adiante

Em 1868 estaacute agrave frente do governo o gabinete liberal presidido por Zacarias de Goacuteis e

Vasconcelos Por conta de alguns desentendimentos entre Zacarias e o marquecircs de

Caxias jaacute tomado como um heroacutei por sua atuaccedilatildeo na guerra do Paraguai D Pedro

II eacute impelido pela imprensa a tomar algum lado na rinha e cai o gabinete Sobem

entatildeo os conservadores sob a chefia do visconde de Itaboraiacute O nome de Alencar eacute

proposto para o Ministeacuterio da Justiccedila e sob o espanto de muitos aprovado pelo

imperador D Pedro estaria tentando amarrar uma ponta da corda que tinha agraves

matildeos no pescoccedilo do teimoso literato Alencar reluta num primeiro momento mas

depois de seu ego ter sido acariciado por algumas visitas de partidaacuterios como o

baratildeo de Muritiba e o Conselheiro Paulino de Souza - falando em nome do Futuro

presidente do Conselho - resolve por bem aceitar o cargo O ministeacuterio apelidado

ldquogabinete-bombardquo toma posse em 16 de julho Eacute composto por aleacutem da figura do

Presidente do Conselho e Ministro da Fazenda o Visconde de Itaboraiacute Joaquim

Rodrigues Torres Paulino Joseacute Soares de Souza como Ministro do Impeacuterio Joseacute de

Alencar Ministro da Justiccedila Joseacute Maria Paranhos o visconde do Rio Branco

Ministro dos Estrangeiros Joatildeo Mauriacutecio Mariani Wanderley o baratildeo de Cotegipe

Ministro da Marinha Manoel Vieira Tosta o visconde de Muritiba Ministro da Guerra

e Joaquim Antatildeo Fernandes Leatildeo Ministro da Agricultura Comeacutercio e Obras

Puacuteblicas A ascensatildeo dos conservadores eacute um fato consumado Alencar eacute aleacutem de

tudo o ministro mais jovem do gabinete mas aos olhos do Imperador natildeo era um

inexperiente D Pedro II parece natildeo se importar com a presenccedila do autor das

Cartas de Erasmo antes se comporta como um admirador da obra de Alencar

Mudanccedilas haacute mas nem tanto As figuras de Rodrigues Torres e Paulino que ndash

segundo Ilmar Mattos (1987) seriam o braccedilo forte da chamada ldquotrindade saquaremardquo

- por tanto tempo estiveram a frente do poder retornam agora com a

responsabilidade de reorganizar a casa Ao mesmo tempo e ateacute como uma forma

de equiliacutebrio de forccedilas D Pedro II tambeacutem tinha seu jeito de se resguardar das

pressotildees exercidas pelas elites no poder e da influecircncia de seus associados e

apadrinhados Em muitos momentos leva a lideranccedila do gabinete homens sem

propriedades lideres com ascendecircncia humilde portanto natildeo diretamente atrelados

aos interesses de grupos poderosos desatados dos laccedilos familiares ou

ldquopatronagemrdquo com fazendeiros e comerciantes ligados ao traacutefico e a exportaccedilatildeo

como Saraiva Zacarias o Visconde de Ouro Preto o marquecircs de Paranaacute entre

outros Eles que estariam mais proacuteximos ao imperador seriam tambeacutem uma ultima

barreira de contenccedilatildeo dos movimentos em prol da diminuiccedilatildeo dos poderes da

monarquia (COSTA 1999) O movimento republicano soacute toma corpo em 1873 e

adiante mas as rusgas que o poder moderador incita no parlamento jaacute se fazem

presentes Alencar no ministeacuterio trabalha com o afinco que sempre daacute a seus

afazeres Isso natildeo eacute uma novidade No ano de 1868 publica tambeacutem ldquoO systema

representativordquo obra em que discute o processo eleitoral como a base de um

governo representativo Nem seria tambeacutem uma novidade o ministro colecionar

desafetos no periacuteodo em que estaacute no cargo Deputados colegas ministros oficiais

natildeo estatildeo livres do temperamento singular de Alencar

As relaccedilotildees do imperador com seu ministro da justiccedila satildeo cordiais poreacutem

complicadas Alencar reclama que D Pedro II em tudo se intromete ndash mais tarde diraacute

que eacute um haacutebito deste e tambeacutem dos outros ministros ndash nos assuntos do Estado Agraves

vezes como um menino curioso que de tudo quer saber outras vezes como um pai

zeloso que se preocupa com seus filhos sendo ldquomaltratadosrdquo pelo ministro chegado

em alguns casos extremos a lembrar de que ele eacute o imperador e eacute quem manda na

casa (MENESES 1977) Um dos haacutebitos de D Pedro eacute o envio de bilhetes para o

ministro Satildeo comentaacuterios questotildees relevantes (ou natildeo) indiscriccedilotildees e

apontamentos que constantemente acompanham os despachos de Alencar

Algumas vezes se diz preocupado com a imprensa e os assuntos gerais em outras

solicita informaccedilotildees sobre processos de funcionaacuterios puacuteblicos e sobre o andamento

das eleiccedilotildees Alencar natildeo faz por menos redigindo tambeacutem os seus bilhetes em

tom cordial e respeitoso mas sempre como um embate de forccedilas tentando

demarcar seu campo de atuaccedilatildeo ou impor limites ao outro Natildeo eacute esta uma praacutetica

do restante do grupo que na acomodaccedilatildeo burocraacutetica a que o partido conservador

se acostuma acaba deixando reverter uma formula antiga para o imperador que

recostado na condiccedilatildeo que lhe permitia o poder moderador apesar de dizer que

ldquodeixa a maacutequina andarrdquo ainda reina governa e administra (FAORO 2004) A

tambeacutem o fato de que D Pedro II prefere morar no paccedilo de Satildeo Cristoacutevatildeo ao Paccedilo

da cidade e os ministros precisavam cavalgam ateacute laacute duas vezes na semana para

os despachos coisa que Alencar abomina - considera uma perda de tempo - aleacutem

de reclamar das ldquofutilidadesrdquo que satildeo obrigados a discutir no lugar de tomar o tempo

com alguma providecircncia importante para o paiacutes como os rumos da Guerra do

Paraguai

Certa feita o imperador encaminha preocupado um bilhete pedindo esclarecimentos

de notiacutecias vinculadas nos jornais sobre o recrutamento de (in)voluntaacuterios para a

guerra do Paraguai pelo paiacutes afora A prisatildeo para recrutamento era uma realidade e

por vezes usada como uma forma do partido da situaccedilatildeo ldquodesaparecerrdquo com

elementos da oposiccedilatildeo Com tal pretexto satildeo escolhidos no periacuteodo

propositalmente os indiviacuteduos simpatizantes do partido liberal Alencar dias depois

encaminha circular tentando normalizar as coisas e coibir abusos por parte dos

presidentes das proviacutencias e autoridades policiais que usavam de tal artifiacutecio para

uma ldquofaxinardquo poliacutetica no eleitorado As preocupaccedilotildees do imperador se

fundamentavam nestas accedilotildees correntes como bem sugeria em outro bilhete onde

dizia ldquo() eu sei infelizmente o que satildeo as eleiccedilotildees entre noacutesrdquo buscando sempre

providencias para que houvesse alguma melhora dentro do possiacutevel e tambeacutem

buscando ldquo(hellip) inteira liberdade de voto conforme nossos maus haacutebitos o permitem

por hora mas dando a autoridade o bom exemplordquo (MENEZES 1965 p133) Mas o

imperador natildeo desconhecia que as eleiccedilotildees pouco refletem a vontade do povo

oprimido do interior que ainda eacute refeacutem do poder poliacutetico local nas matildeos dos

senhores de terras no interior ndash em sua maioria apoiados pelo partido liberal

(CARVALHO 2007) A praacutetica do voto jaacute previamente indicado com a ceacutedula ldquochapa

de caixatildeordquo21 ainda garantia o patildeo para o sustento das famiacutelias (FAORO 2004)

Vaacuterias mudanccedilas satildeo tentadas no decorrer dos anos com pouco resultado mesmo

uma draacutestica mudanccedila nas regras eleitorais ndash como o foi o caso do gabinete da

conciliaccedilatildeo (1853-57) com o marquecircs de Paranaacute em que foram vetadas as

participaccedilotildees de vaacuterios elementos representantes da poliacutecia justiccedila e da

administraccedilatildeo puacuteblica ndash sempre entrevia um espaccedilo para burlar-se a lei o que jaacute

vinha se constituindo como parte da ldquoculturardquo poliacutetica nacional

Austero com os deputados distante dos outros ministros longe das recepccedilotildees

oficiais Alencar apesar de extremamente competente assegura seu lugar como o

homem ldquomais chatordquo da Corte Essa visatildeo era compartilhada ateacute entre alguns

colegas ministros como no caso de Cotegipe que natildeo admitia ldquoo artistardquo no meio

das altas relaccedilotildees poliacuteticas E isso debaixo de um ciuacuteme natildeo declarado pelo fato de

D Pedro II insistir em entregar ao ministro da Justiccedila a maior parte das atenccedilotildees

Atenccedilatildeo que o grupo buscava e que Alencar repelia com seu temperamento

complicado Houve ocasiotildees em que descumprindo os deveres dados pelo decoro

impotildee ao imperador a papelada de sua exoneraccedilatildeo em cerimocircnia puacuteblica

conquanto este natildeo assinasse os decretos que Alencar lhe propunha D Pedro II

em seus despachos tinha o haacutebito de natildeo deixar nada sem assinar poreacutem

postergava Dizia sobre o que natildeo lhe conviesse (ou natildeo quisesse) dar

encaminhamento que deixaria ldquopara a proacutexima semanardquo Os outros ministros

conhecendo tal procedimento tido ateacute como educado tratavam de arquivar a

papelada referente Alencar voltava semana apoacutes semana com os mesmos papeacuteis

natildeo se dando por vencido Esticava os braccedilos a exaustatildeo ateacute que o imperador

reconsiderasse seu ato Natildeo eacute de se estranhar que D Pedro torcesse o nariz para

uma candidatura de Joseacute de Alencar para o senado entatildeo um cargo vitaliacutecio

evitando assim ter de aguentar o homem perto de si por tanto tempo

Alencar sente pressotildees de vaacuterias formas por seu mau jeito como articulador poliacutetico

O ldquodedordquo de Cotegipe como ele mesmo chegou a dizer estava em grande parte

daquilo Joatildeo Mauriacutecio Mariani Wanderley o baratildeo de Cotegipe era um homem

21 A ceacutedula era marcada com uma cruz indicando o voto a ser dado Caso a ceacutedula natildeo aparecesse

na urna o candidato ou chefe poliacutetico poderia procurar o eleitor para ldquotomar providecircnciasrdquo

prestigiado que sabia emprestar seu prestiacutegio ao Ministeacuterio Encarregado da

Marinha este tinha a predileccedilatildeo pela Justiccedila o que o fazia criar situaccedilotildees de

constrangimento para Alencar Com a legislaccedilatildeo vigente o impeacuterio estaacute centralizado

na figura do ldquo() Ministro da Justiccedila generaliacutessimo da poliacutecia dando-lhe por

agentes um exeacutercito de funcionaacuterios hieraacuterquicos desde o presidente da proviacutencia e

o chefe de poliacutecia ateacute o inspetor do quarteiratildeordquo (FAORO 2004 p 369) e tambeacutem os

juiacutezes funcionaacuterios puacuteblicos de carreira todos ao alcance do longo braccedilo da

dominaccedilatildeo do Estado Qualquer deslize e Cotegipe fornecia o material aos jornais

sobre o Ministro (e o ministeacuterio) da Justiccedila nas reuniotildees com o imperador fazia valer

seus pontos de vistas sobre a pasta do adversaacuterio Zombava alfinetava enfim

politicava Alencar reclama com o presidente que tenta contornar as coisas e

apresenta um pedido de demissatildeo mas este natildeo eacute aceito Dias depois Fernandes

Leatildeo titular da pasta da agricultura por motivos pessoais tambeacutem pede demissatildeo

Na ocasiatildeo o Alencar reapresenta sua solicitaccedilatildeo Itaboraiacute tenta segurar o gabinete

como pode evitando que este tombe para caacute ou para laacute De olho nesta indecisatildeo a

alta cacircmara aumenta a vigilacircncia satildeo os olhos de Zacarias Saraiva Nabuco Ottoni

Silveira Lobo Monte Alegre Abrantes e Itanhaeacutem que os acompanham Os ataques

ao ministro-escritor continuam dia a dia cada um com o seu motivo cada qual com

o seu aparte e nem todos direcionados agrave boa ou maacute administraccedilatildeo da pasta da

Justiccedila mas ao proacuteprio jeito de ser do Ministro chegando ao ponto de Cotegipe criar

e difundir (a pior parte) um apelido para Alencar que para a infelicidade deste eacute

aceito pelo grupo no ato era ele o ldquopirracentordquo

Mas nem tudo estaacute relacionado com as brigas internas Ainda enquanto ministro da

Justiccedila Alencar visita a regiatildeo do Valongo22 no Rio de Janeiro conhecido como

antigo mercado dos ldquopretos novosrdquo e se aterroriza com a situaccedilatildeo ao mesmo tempo

aviltante e promiacutescua a qual aquelas pessoas estavam expostas Alencar natildeo era

um abolicionista acreditava que a escravidatildeo no Brasil deveria terminar por um

processo lento e que natildeo incorresse em ocircnus para os proprietaacuterios Tinha uma

posiccedilatildeo conservadora mas tambeacutem natildeo era um incentivador do comeacutercio de

escravos Em 15 de setembro de 1869 eacute publicado um decreto seu que proiacutebe a

22

O antigo Valongo (rua Camerino) era um depoacutesito e armazeacutem de escravos que funcionou de 1779 a 1831 No periacuteodo o comeacutercio se transfere para a rua Direita atual 1deg de Marccedilo Os escravos ficavam expostos na rua (RENAULT 1976)

exposiccedilatildeo puacuteblica de escravos no mercado e a sua venda sob a forma de pregatildeo e

eacute aplaudido por grande parte da populaccedilatildeo Por esse tempo (senatildeo mesmo antes) eacute

que comeccedila uma sondagem com seus correligionaacuterios com o intuito de concorrer a

uma vaga no senado Com a morte em 1865 do marquecircs de Abrantes e do

conselheiro Cacircndido Batista de Oliveira senadores pela proviacutencia do Cearaacute a

vacacircncia das cadeiras estimulam a cabeccedila de Alencar a trabalhar com tal

perspectiva Chega a fundar com seu irmatildeo uma folha a ldquoDezesseis de Julhordquo para

divulgar ndash segundo uma carta-circular enviada aos membros do Partido Conservador

- os ldquointeresses do nosso partido e defender a ideia conservadora no Brasilrdquo

(MENEZES 1975 p252) As eleiccedilotildees vatildeo sendo adiadas devido agraves brigas entre

partidos e as denuacutencias constantes de fraude eleitoral E haacute quem diga que a

demora eacute alimentada pelo ministro da Justiccedila jaacute cobiccedilando uma sua cadeira no

Senado

Em junho de 1869 Alencar escreve a Itaboraiacute comentando seu interesse em

concorrer a uma cadeira no senado Explica que jaacute havia submetido agrave questatildeo aos

colegas do gabinete e tinha o apoio destes O caso se daacute quando apresenta a

proposiccedilatildeo ao imperador chegando a solicitar a demissatildeo do cargo de ministro para

que se candidatasse sem nenhum impedimento ou favorecimento que seu cargo

como ministro pudesse criar D Pedro II sugere (pede) que Alencar reavalie a

decisatildeo pois acreditava que sua situaccedilatildeo pudesse influir nos rumos da eleiccedilatildeo

chegando a sugerir que a atitude natildeo seria eacutetica Alencar se rebela e escreve logo a

seguir a Paulino Nogueira no Cearaacute apresentando-se como candidato pela

proviacutencia e eacute aceito Esse incidente revela algo interessante visto que Paulino

Nogueira como todas as lideranccedilas partidaacuterias que Alencar podia alcanccedilar sabiam

dos motivos do desentendimento e da opiniatildeo do Imperador relatada pelo proacuteprio

missivista E Paulino aceita a candidatura Podemos deduzir que as lideranccedilas locais

ainda natildeo estavam dispostas a acatar podas as decisotildees do centralismo do Estado

mesmo que fossem vindas de uma vontade expressa do imperador As resistecircncias

locais ainda estavam vivas e prontas para reclamar seus direitos

A eleiccedilatildeo se realiza em 12 de dezembro e os liberais seguindo orientaccedilotildees do

partido na corte23 natildeo apresentam candidatos Alencar eacute o mais votado em uma lista

secircxtupla tendo no segundo lugar o nome de Domingos Joseacute Jaguaribe O resultado

vai entatildeo para D Pedro II que escolheria entre os mais votados qual deveria ser o

proacuteximo senador Ao saber do resultado tendo em matildeos a lista o Imperador se irrita

e permanece irredutiacutevel em sua opiniatildeo Manda chamar o Alencar para uma

entrevista e pergunta sobre o entendimento que tiveram sobre a eleiccedilatildeo o clima

entre os dois soacute piorava Haacute vaacuterias versotildees sobre o acontecido todas parecidas

mas o fato eacute que Alencar consegue o que quer sua exoneraccedilatildeo Eacute substituiacutedo pelo

presidente da Cacircmara dos Deputados conselheiro Joaquim Otaacutevio Neacutebias Retorna

o Alencar a Cacircmara e agrave redaccedilatildeo do Dezesseis de Julho

No fim de abril comeccedila o cochicho em Satildeo Cristoacutevatildeo sobre a escolha para as duas

vagas de senador pelo Cearaacute Ao fim a doutrina que os conservadores - inclusive o

Alencar - pregam nos jornais eacute seguida pelo imperador de que somente a este

pertence sem audiecircncia de nenhum ministro a escolha dos nomes para o Senado

Em uma passagem das cartas ao Imperador Alencar sugere que ldquoos atos do poder

moderador satildeo de exclusiva competecircncia vossa [do Imperador] para exercecirc-los natildeo

dependeis de agentes e atualmente nem de conselhordquo (ALENCAR 2011 p 81)

No dia 27 por carta imperial satildeo escolhidos os nomes de Domingos Joseacute

Jaguaribe e do conselheiro Joseacute de Melo Alencar nunca se recuperaria de tal golpe

Agora seu caminho na Cacircmara de deputados eacute o da oposiccedilatildeo ao governo

Em maio de 1871 jaacute tomada certa distacircncia a guerra do Paraguai o imperador

solicita a Cacircmara o necessaacuterio consentimento para uma viagem a Europa Alencar

se apressa nos protestos lembrando o dinheiro esbanjado pelo Estado com as

comemoraccedilotildees puacuteblicas pelo fim da guerra Chega a dizer que uma viagem pela

Europa naquele momento seria uma demonstraccedilatildeo de ldquoabsolutismordquo e ao mesmo

tempo uma tentativa de se afastar das discussotildees sobre a questatildeo da matildeo de obra

escrava e o abolicionismo que o fim da guerra do Paraguai tornou mais urgentes e

23 A influencia local na escolha de candidatos para as eleiccedilotildees soacute volta a crescer a partir de 1881

com a Lei Saraiva

que D Pedro II havia se comprometido em buscar uma soluccedilatildeo

Alencar eacute deputado combativo aguerrido mas natildeo logra muitas vitoacuterias Na

imprensa chega a ser acusado de incoerecircncia no confronto do conteuacutedo das cartas

de Erasmo e a sua atual situaccedilatildeo de rompimento com o imperador seus ataques

constantes ao trono e a administraccedilatildeo Da vida poliacutetica ateacute a literatura tudo eacute motivo

para denegrir a imagem do ex-ministro Eacute assim com Zacarias depois com Cotegipe

depois com Rio Branco depois com Silveira Martins As ideias de Alencar sempre

sustentadas por seu conhecimento do Direito (como vimos as proposiccedilotildees mais

carregadas de complexidade como as cartas geralmente vinham acompanhadas de

estudos publicados pelo Alencar) afligiam vaacuterios grupos Natildeo o grande coro dos

homens da assembleia que em muitos ldquovivasrdquo e ldquobravosrdquo sequer ouviam a pauta das

reuniotildees O partido que detinha a maioria dos deputados conseguia aprovar o que

propunha na maior das vezes tendo em suas relaccedilotildees de ldquoapadrinhamentordquo

construiacutedo vaacuterios laccedilos de dependecircncias entre deputados e senadores

(CARVALHO 2007) Mas eram geralmente as lideranccedilas que viam em Alencar um

problema (NETO 2006) Algueacutem que poderia ter forccedilas (e competecircncia) para propor

mudanccedilas dentro da estrutura Gramsci coloca essa questatildeo quando fala da

educaccedilatildeo dos ldquojovensrdquo Todas as geraccedilotildees educam seus jovens Pode haver ndash e

sempre haacute ndash atritos questotildees divergecircncias de opiniatildeo mas tudo isto faz parte do

processo educativo Mas alguns ldquojovensrdquo da classe dirigente podem se revelar e

buscar alternativas na classe progressista com o intuito de tomar o poder Eacute o

momento em que os ldquovelhosrdquo de outras camadas passam a direccedilatildeo para tais jovens

(GRAMSCI 1989) Eacute certo que para que a ideologia se constitua eficazmente o

discurso assumido por um grupo deve se manter o mesmo ignorando as mudanccedilas

histoacutericas que possam vir a acontecer (e efetivamente acontecem) garantindo a

continuidade das representaccedilotildees sociais e poliacuteticas preacute-determinadas pela classe

dominante (CHAUI 1997) O temor da ideologia eacute o discurso fundador de novas

ideias e natildeo os grupos que as deteacutem porque estes estatildeo associados agraves classes

dominantes no caso aqui a burguesia e pequena burguesia citadina da Corte com

seus intelectuais atuantes constituindo uma camada perifeacuterica a elite representada

natildeo apenas pelo partido conservador mas em vaacuterios casos tambeacutem pelos liberais

Numa citaccedilatildeo de Faoro agrave Bernardo de Vasconcellos o sistema representativo que

entatildeo os partidos ndash conservadores e liberais ndash desejavam construir com sua gama

de funcionaacuterios bachareacuteis e juiacutezes ldquonatildeo significava a vontade popular mas o

governo dos melhores dos mais esclarecidos dos mais virtuosos Entre o paiacutes real

e o paiacutes legal soacute o segundo estaria apto a destilar a elite o poder capaz de

modernizar civilizar e elevar o povordquo (FAORO 2004 p 371) o que garantiria uma

modernizaccedilatildeo dos quadros mas natildeo o fim das oligarquias O que vinha acontecendo

eacute a solidificaccedilatildeo de um processo de deslocamento do poder dos chefes locais do

interior para a burocracia estatal sediada na capital para a Corte e auxiliada pelo

recente processo de construccedilatildeo de uma elite intelectual local A concepccedilatildeo de um

paiacutes dividido em povo e plebe que distinguia os chamados ldquohomens bonsrdquo cidadatildeos

ativos detentores de plenos direitos poliacuteticos proprietaacuterios profissionais liberais

produtores enfim algueacutem que fosse possuidor de certa renda da massa pobre sem

alfabetizaccedilatildeo e dependente (BASILE 2006) As ideias migram se modificam um

pouco e se acomodam em lados diversos e as lideranccedilas partidaacuterias assinaladas (e

outras tantas) que conhecem tal fenocircmeno e nele se sustentam fariam de tudo para

evitar que aquele poliacutetico ldquofanadinhordquo e mal-educado se transformasse tambeacutem em

uma nova lideranccedila

Alencar nos anos que seguem ao trabalho no ministeacuterio sente a sauacutede lhe escapar

Eacute uma eacutepoca em que a doenccedila novamente o alcanccedila e o refuacutegio de sua casa na

Tijuca mais as caminhadas ateacute a vista chinesa junto com Machado de Assis se

tornam a melhor opccedilatildeo para recuperar-se A eacutepoca ele retoma um projeto deixado

de lado a pouco a Guerra dos Mascates Romance histoacuterico mas eacute denominado

pelo autor de ldquocomeacutedia histoacutericardquo em que satirizava seus companheiros de gabinete

ndash Alencar comenta em uma nota que natildeo faria tal coisa ndash os colegas deputados e

(natildeo poderia faltar em sua lista) D Pedro II Aproveitando-se de partes do episoacutedio

que eacute bastante documentado no periacuteodo cria uma caricatura da corte e suas ilustres

figuras um arremedo da poliacutetica contemporacircnea Algo como uma vinganccedila particular

a que ningueacutem poderia impetra-lhe culpa

Como uma forma de terapia embarca com a famiacutelia em junho de 1873 para uma

viagem ateacute o Cearaacute onde encontra amigos e um clima revigorante Fica ali por

alguns meses longe dos trabalhos na Corte mas sempre encontrando e

conversando com lideranccedilas poliacuteticas locais diversas sem que ldquoa cor partidaacuteriardquo

criasse algum empecilho Era para todos ali o conselheiro Alencar um filho da

terra Conhece durante esse tempo o jovem Capistrano de Abreu com quem

comeccedila uma grande amizade e aonde jaacute profetiza seu sucesso nas letras no Rio de

Janeiro Volta para casa em novembro e para o trabalho A doenccedila o acompanha

sempre

Alencar retorna a Cacircmara em julho para os debates da reforma eleitoral Apesar do

cansaccedilo e da constante fraqueza muscular eacute ainda um orador fervoroso Combate

veementemente a eleiccedilatildeo direta e sustenta que as reformas poliacuteticas e sociais

cabem a uma iniciativa do ministeacuterio sempre visando um centralismo administrativo

Alencar nunca deixa de guiar-se pelas metas do partido conservador e sabe do

crescimento dos liberais no interior onde a massa votante estaacute nas matildeos dos

proprietaacuterios de terra em sua maioria adeptos do liberalismo e da descentralizaccedilatildeo

do poder Alencar eacute um poliacutetico moderado algueacutem que confia em uma monarquia

constitucional que possa garantir a ordem dentro da heterogeneidade de um paiacutes de

enormes dimensotildees que eacute o Brasil desacreditando assim de qualquer forma

republicana que tendesse a uma descentralizaccedilatildeo de poder e fortalecesse os chefes

locais dispersos pelo territoacuterio do paiacutes

14 UacuteLTIMOS ANOS

No ano de 1875 Alencar sofre as primeiras hemoptises Planeja uma viagem para a

Europa na busca de uma cura para sua sauacutede jaacute bastante debilitada Eacute neste

mesmo ano que retorna agrave Corte vindo de Paris Joaquim Nabuco Jovem bem

educado filho do Senador Nabuco Sua primeira accedilatildeo poliacutetica eacute iniciar-se na

imprensa E assim como Alencar o fez em seu iniacutecio de carreira insurgir contra uma

personalidade consolidada no cenaacuterio literaacuterio e poliacutetico com paus e pedras na matildeo

ndash no caso o nosso biografado - em busca de algum reconhecimento Traz da

Europa um livro de poemas publicado em francecircs que consegue certa

consideraccedilatildeo Assume a redaccedilatildeo dos folhetins do jornal ldquoO Globordquo tecendo criacuteticas

mais centradas nos literatos que agrave literatura ldquodos brasileirosrdquo Joaquim Nabuco

tomava para si o lugar do novo da modernidade da esperanccedila e das ideias novas

O lugar que pertencera ao Alencar por algumas deacutecadas e que havia segundo

Nabuco ficado no passado

A polecircmica que se deu veio da necessidade de Nabuco se afirmar no cenaacuterio da

Corte a partir de um modelo intelectual e artiacutestico que se confrontaria com o

romantismo um realismo baseado nas ideias positivistas e evolucionistas Modelo

natildeo assumido somente por ele mas por toda uma geraccedilatildeo que estava se

estabelecendo Pesavento nos mostra o cenaacuterio

Imbuiacuteda das teorias europeias de Darwin Spencer Comte Taine Renan esta geraccedilatildeo buscava o universal de forma expliacutecita assumindo um cosmopolitismo declarado o Brasil deveria acertar o passo com a histoacuteria ingressando na modernidade de seu tempo A Europa fornecia o padratildeo de refinamento civilizatoacuterio e de patamar cultural Dela vinham as ideias a moda as novas teacutecnicas e o Brasil precisava acompanhar o trem da histoacuteria nem que fosse no uacuteltimo vagatildeo (PESAVENTO 1998 p 27)

Assumir um modelo europeu natildeo era uma novidade Mas como tal modelo se

renova as ideias satildeo ldquoassumidasrdquo pelas novas geraccedilotildees como a pouco nos

referimos sustentando uma continuidade do sistema sem que uma mudanccedila radical

seja conseguida (ou pretendida)

O tema central do debate era a ideia de Nabuco de que a literatura de Alencar

estava superada Comeccedila com o fracasso de puacuteblico da peccedila ldquoo jesuiacutetardquo

apresentada ainda naquele ano Alencar rebate e segue na peleja como era de seu

gosto Natildeo eacute nossa intenccedilatildeo aprofundar aqui uma discussatildeo sobre a literatura do

periacuteodo para noacutes importa a questatildeo qual modelo de sociedade era sustentado por

Alencar e qual era defendido por Nabuco e dos grupos que se instalavam ditos a

geraccedilatildeo de 1870 Foi um momento em que viacutenculos foram criados entre intelectuais

brasileiros e europeus Podemos apresentar uma caracterizaccedilatildeo do periacuteodo na

anaacutelise de Antocircnio Cacircndido mostrando que

()o movimento das novas ideias filosoacuteficas e literaacuterias que comeccedilou mais ou menos em 1870 e se estendeu ateacute o comeccedilo do seacuteculo XX tendo como

nuacutecleo inicial a cidade do Recife capital de Pernambuco e sua Faculdade de Direito Laacute e em outros centros como o Cearaacute e sobretudo o Rio de Janeiro desenvolveu-se um agudo espiacuterito criacutetico voltado para analisar de maneira moderna a sociedade a poliacutetica a cultura do Brasil com inspiraccedilatildeo primeiro no Positivismo de Augusto Comte em seguida nas diversas modalidades de Evolucionismo das quais teve aqui maior voga a filosofia de Herbert Spencer Acrescente-se a divulgaccedilatildeo das novas ciecircncias como Biologia Linguiacutestica Etnografia Antropologia Fiacutesica (CAcircNDIDO 1999 p 51)

Natildeo soacute Nabuco mas tambeacutem escritores como Franklin Taacutevora e Feliciano de

Castilho protagonizaram ataques ao Alencar e suas ideias em favor da escravidatildeo

estavam totalmente distantes do modelo sociais e cientiacuteficos apresentados Alencar

era a pedra da vez e seu estado de sauacutede debilitado provavelmente contribui pra

piorar o humor do genioso deputado A literatura precisava deixar o reino do

simboacutelico e chegar-se para a realidade representada pelo cientificismo Alencar

refuta as acusaccedilotildees porque acredita no que escreve natildeo eacute um cientista e nem

pretende ser O que tem em mente natildeo eacute tatildeo somente a anaacutelise do real mas uma

possibilidade de ldquomelhorarrdquo o real moralizando-o Influenciar a sociedade em busca

sempre de um caminho de purificaccedilatildeo do social

O debate aberto interessa aos dois Alencar um pouco desgastado pelos recentes

arranhotildees da poliacutetica e Nabuco buscando ainda o reconhecimento do puacuteblico

Precisam do jornal Precisam de um veiacuteculo que os fortaleccedila frente agrave opiniatildeo

puacuteblica construindo ali sua arena de luta Eacute no jornal que as ideias alcanccedilam um

puacuteblico variado e seleto visto que a alfabetizaccedilatildeo do povo natildeo era um fato mas

tambeacutem natildeo podemos cair no mito do analfabetismo ldquototalrdquo da populaccedilatildeo em que

ainda natildeo seja possiacutevel atingir um grupo tamanho que haacute de se considerar enquanto

uma opiniatildeo puacuteblica como prova disso temos a venda de livros ndash romances de

folhetim em sua maioria para o periacuteodo ndash e a presenccedila de salas de leitura e

bibliotecas onde jaacute se cativava um puacuteblico fiel entre mulheres e estudantes24 e o

proacuteprio Alencar admite ter na infacircncia lido para grupos Era comum em

estabelecimentos comerciais e mesmo em casa de famiacutelia uma leitura coletiva de

24 Eacute interessante uma consulta a o trabalho de Sandra G Vasconcelos sobre a formaccedilatildeo do

romance no Brasil e o levantamento sobre os romances ingleses em circulaccedilatildeo no Brasil no XIX

jornais informando as notiacutecias aos que natildeo satildeo alfabetizados o que possibilitava

que as informaccedilotildees e opiniotildees chegassem a grupos maiores (SCHWARCZ 1999)

A guerra que deixa de ser particular e toma agrave imprensa Nabuco representa a

proposta de um novo liberalismo que vai ganhando corpo a partir do final da deacutecada

de 1860 que se contrapotildee ao nacionalismo conservador concebido na obra de

Alencar Depois de dois meses o debate termina sem necessariamente abalar

quaisquer dos lados Nabuco se retira para tentar a poliacutetica e Alencar deixa-se estar

ateacute maio seguinte quando embarca com a famiacutelia para a Europa Sofrendo de

depressatildeo a viagem o angustia Paris Londres Portugal Alencar estaacute velho

consumido pela doenccedila pulmonar Soacute melhora um pouco com a volta ao Rio de

janeiro Agrave Tijuca

Alencar ainda combate na Cacircmara Eacute eleito para um quarto mandato como

Deputado Com a sauacutede jaacute muito debilitada natildeo comparece a todas as seccedilotildees e

diminui as saiacutedas de sua casa para os costumeiros passeios Uma descriccedilatildeo

construiacuteda por Lira Neto nos daacute uma clara visatildeo de Alencar nesse momento em que

a tuberculose jaacute chegara agrave situaccedilatildeo terminal

() era impressionante como o homem definhara nos uacuteltimos meses Virara uma garatuja

Os olhos miuacutedos haviam perdido o brilho caracteriacutestico e agora praticamente sumiam em meio as negras olheiras Na outrora vasta cabeleira uma entrada pronunciada alongava-lhe a testa e ajudava a conferir-lhe o ar de velhice precoce A barba tomava conta do rosto magro e descera abundante sobre o peito a ponto de os fios desgrenhados esconderem-lhe o noacute da gravata Tinha apenas 48 anos de idade Parecia ter no miacutenimo vinte a mais (NETO 2006 p13)

Jaacute natildeo eacute mais o mesmo poliacutetico agressivo mas ainda encontra focirclego para se

arranhar com Caxias ndash entatildeo chefe do executivo ndash e mais uma vez com Cotegipe

arrancando aplausos e risos do plenaacuterio sempre com suas criacuteticas bem vivas a

famiacutelia real Haacute de se admitir que houvesse um pouco de rancor pela sua natildeo

indicaccedilatildeo para o senado que lhe acompanharia ateacute os uacuteltimos dias de vida

aguccedilando sua ldquoimplicacircnciardquo e por vezes chegando a contradiccedilotildees como quando

ataca seu proacuteprio partido enquanto o Imperador passeava pelo mundo com parte da

famiacutelia A regente Isabel tambeacutem natildeo lhe enchia os olhos Se natildeo era alvo

constante de suas criacuteticas eacute porque pouca importacircncia lhe dava o deputado

Em abril de 1877 chega agrave capital notiacutecia da seca que castiga a proviacutencias do Cearaacute

e vizinhas como natildeo acontecia a deacutecadas Vai agrave tribuna o Alencar para pedir

esclarecimentos aos Ministros sobre a situaccedilatildeo real da regiatildeo e cobrar providecircncias

Os jornais de Fortaleza acusam o conselheiro de descaso ao mesmo tempo em que

este se propotildee a recolher junto a uma comissatildeo donativos para as viacutetimas

Tambeacutem algumas folhas do Rio de Janeiro que divulgam litografias sobre os

retirantes chamam a responsabilidade Vale lembrar que Joseacute do Patrociacutenio um

dos jornalistas responsaacuteveis pela divulgaccedilatildeo do problema da seca no Cearaacute eacute um

abolicionista ferrenho Eacute notoacuterio que Alencar piora dia a dia sentindo-se desprezado

ateacute por seus colegas do partido Natildeo se propotildee mais ao debate puacuteblico e deixa por

menos as provocaccedilotildees dirigidas a ele Sua preocupaccedilatildeo eacute com a famiacutelia com o

desamparo que pode vir a acorrer em funccedilatildeo de sua morte Vai definhando

lentamente abandona de vez a caminhada pelo passeio puacuteblico e tambeacutem se

distancia dos amigos eacute quando a doenccedila finalmente o alcanccedila Aos 12 dias de

dezembro de 1877 falece Joseacute de Alencar Agraves 10 horas da manhatilde do seguinte dia

seu corpo eacute levado em cortejo ateacute o cemiteacuterio de Satildeo Francisco Xavier aonde vem a

ser sepultado por um pequeno grupo de jornalistas e amigos proacuteximos O imperador

se dirigindo agrave Petroacutepolis na ocasiatildeo ndash como o fazia habitualmente - do falecimento

ao ser comunicado reage com uma expressatildeo ressentida ldquoHomem de valor

Poreacutem muito mal-educadordquo (MENEZES 1965)

O necroloacutegio eacute escrito por Capistrano de Abreu e estampado na primeira paacutegina da

ldquoGazeta de Notiacuteciasrdquo mas sem a assinatura do autor Eacute o primeiro trabalho

publicado por Capistrano de Abreu na imprensa carioca O novo jornalista viria a

fazer o sucesso que Alencar profetizara e ainda mais como escritor Poliacutetica eacute

assim Mesmo com sua morte o deputado elege um ldquofilhoterdquo25

25 Na giacuteria eleitoral do periacuteodo filhote era o candidato apadrinhado por algum liacuteder poliacutetico

2 CONJUNTURA POLIacuteTICA DO II REINADO

Os infelizes natildeo andam na rua do Ouvidor

De um Editorial da ldquoGazeta da tarderdquo

Depois de conhecermos por meio de sua biografia o Alencar eacute importante que

possamos nos deter nos campos de atuaccedilatildeo de Alencar enquanto poliacutetico e

enquanto um intelectual que pretende atingir a opiniatildeo puacuteblica com suas ideias

Lembramos aqui que nos baseando nos textos de Gramsci (1989) entendemos o

intelectual como a figura que faz a ligaccedilatildeo entre a da elite com o povo Na verdade

eacute o intelectual que iraacute construir uma relaccedilatildeo de confianccedila com os vaacuterios segmentos

sociais na sociedade para a divulgaccedilatildeo e manutenccedilatildeo da ideologia dos grupos que

formam essa elite no poder Para tanto cabe o exame de tais pontos as elites a

imprensa os intelectuais e a opiniatildeo puacuteblica em uma relaccedilatildeo dialeacutetica que

necessariamente apresenta um discurso em forma de tese e a partir de uma

antiacutetese observada recreia seu discurso na forma de siacutentese Os elementos acima

descritos existem de forma separada o que os agrega eacute tatildeo somente o trabalho de

Alencar Portanto funcionam como em uma pintura feita na forma de um poliacuteptico

onde os de os elementos que a compotildeem tem uma existecircncia individual isolada

mas quando unidas ou justapostas criam um novo conjunto de significaccedilotildees Eacute o

acircmbito da esfera puacuteblica Cabe lembrar que a esfera puacuteblica burguesa eacute uma

categoria tiacutepica de uma eacutepoca caracterizada como sociedade burguesa A esfera

puacuteblica deve ser entendida como categoria histoacuterica drsquoonde seu uso na sociedade

da corte no Rio de Janeiro no segundo reinado A burguesia eacute o fulcro deste puacuteblico

caracterizado fundamentalmente como o puacuteblico que tem condiccedilotildees de ler tem uma

educaccedilatildeo tem direitos e deveres na sociedade bem como consegue ser

reconhecido como um igual entre seus pares E eacute este reconhecimento que permite

com que haja alguma alteridade e suas vozes sejam reconhecidas Para Habermas

algueacutem soacute faz parte de uma esfera puacuteblica enquanto portador de uma ldquoopiniatildeo

puacuteblicardquo (HABERMAS 2003)

Para um entendimento mais consistente do periacuteodo de nosso recorte iniciaremos

aqui apresentando uma visatildeo geral sobre o segundo reinado e os acontecimentos

que formam o complexo cotidiano apresentado por Joseacute de Alencar em suas cartas

poliacuteticas

21 UMA VISAtildeO GERAL

O segundo reinado considerando o periacuteodo regencial se estende de 1831 ateacute 1889

D Pedro II eacute entronado com o golpe da maioridade promovido pelos liberais da qual

o senador Alencar ndash pai de Joseacute de Alencar - fez parte em julho de 1840 Uma

caracteriacutestica marcante que talvez ajude a compreender melhor esse periacuteodo eacute o

fato de o Imperador nunca ter aberto matildeo do poder moderador ndash um adendo incluiacutedo

por seu pai na constituiccedilatildeo liberal de 1824

A alternacircncia de partidos no poder foi uma constante Durante os cinquenta anos em

que governa D Pedro II se sucederam 36 gabinetes ministeriais Nas crises de

governabilidade entre interesses partidaacuterios e as determinaccedilotildees do imperador os

ministeacuterios eram alternados e o partido opositor tornava-se situaccedilatildeo Poreacutem eacute valido

ressaltar que as diferenccedilas entre liberais e conservadores natildeo representavam os

anseios da populaccedilatildeo mas os interesses de elites que disputavam o poder As

eleiccedilotildees para o legislativo eram manipuladas pelo grupo da situaccedilatildeo de acordo com

seus interesses particulares e em geral marcadas por fraudes (FAORO 2004)

O partido liberal fica poucos meses na administraccedilatildeo apoacutes o golpe e logo em 1841

temos a primeira vitoacuteria dos conservadores a restituiccedilatildeo do Conselho de Estado

Abolido pelo Ato Adicional de 1834 este retorna para ampliar mais ainda os poderes

do Executivo em detrimento da autonomia poliacutetica das proviacutencias Em retaliaccedilatildeo os

liberais organizam algumas revoltas contra o governo em Satildeo Paulo Rio de Janeiro

e em Minas Gerais

Em 1844 ordens imperiais afastam os Conservadores do poder e retornam os

Liberais a compor com Pedro II Em 1847 eacute criado o cargo de presidente do

Conselho de Ministros que teria a tarefa de nomear os demais ministros Eacute a

instituiccedilatildeo do parlamentarismo brasileiro Poreacutem o modelo parlamentar adotado no

Brasil era atiacutepico justamente pela accedilatildeo do imperador (o poder moderador) de

tambeacutem nomear ministros ndash ou desautoriza-los ndash a sua vontade D Pedro II escolhia

o presidente do conselho e este por sua vez escolhia os ministros Eacute o chamado

ldquoParlamentarismo agraves Avessasrdquo a consolidaccedilatildeo de uma nova fase de centralizaccedilatildeo

poliacutetica Mas natildeo deixa de ser um progresso na medida em que no periacuteodo anterior

o imperador simplesmente nomeava todos eles Com o ministeacuterio composto restava

a aprovaccedilatildeo dos parlamentares na Cacircmara dos Deputados Poreacutem detendo o

imperador a prerrogativa de dissolver os gabinetes ministeriais como condiccedilatildeo para

formaccedilatildeo de outro ministeacuterio dependendo da ocasiatildeo e da conjuntura poliacutetica e

como o fez D Pedro I ateacute de dissolver a cacircmara tudo era negociado com muita

cautela As reformas buscam agradar os diversos grupos existentes em um sistema

de troca de favores onde o imperador usava da distribuiccedilatildeo de cargos puacuteblicos e a

cooptaccedilatildeo de lideranccedilas da oposiccedilatildeo o que acaba por criar uma aparecircncia de

legalidade ao processo eleitoral e manter certa ordem evitando excessos como do

episoacutedio das ldquoeleiccedilotildees do caceterdquo logo no iniacutecio de sua administraccedilatildeo onde a

violecircncia toma forma de pressatildeo sobre o eleitorado (GRAHAM 1997) A proposta

era inserir o Paiacutes no conjunto das naccedilotildees civilizadas e adeptas da democracia

representativa mas natildeo eacute bem assim que acontecia O presidente da proviacutencia era

uma figura fundamental no processo eleitoral cabendo a ele garantir a vitoacuteria do

governo no pleito Alguns eram trocados estrategicamente pouco tempo antes das

eleiccedilotildees com o poder de afastar substituir e ateacute determinar a aposentadoria

antecipada de juiacutezes anular resultado das apuraccedilotildees e preencher atas eleitorais

com nomes de sua preferecircncia Era comum listarem-se eleitores falecidos ou natildeo

aparecerem eleitores do partido opositor Esse comportamento decorre das

perturbaccedilotildees experimentadas durante o Periacuteodo Regencial onde diversos conflitos

regionais se espalharam pelo paiacutes em oposiccedilatildeo agraves decisotildees tomadas pelo governo

central Enquanto isso a soluccedilatildeo era dissolver e reorganizar o gabinete dando uma

impressatildeo de que as coisas iriam ser ldquodiferentesrdquo Geralmente o conselho de

ministros natildeo chegava a ficar mais de dois anos no poder Ao longo de todo o

governo de D Pedro II os conservadores estiveram agrave frente do gabinete por vinte e

noves anos e os liberais por dezenove anos (CARVALHO 2007) garantindo uma

aparecircncia democraacutetica para um governo conservador Em 1853 Carneiro Leatildeo

estabelece o Ministeacuterio da Conciliaccedilatildeo com a finalidade de ampliar a interaccedilatildeo dos

dois partidos no governo brasileiro O ldquoconluiordquo durou ateacute 1858

Mas o paiacutes eacute pacificado Cessaram as rebeliotildees provinciais que tiveram iniacutecio na

regecircncia e ameaccedilavam a consolidaccedilatildeo do Estado brasileiro Duas dessas rebeliotildees

eclodiram ainda no periacuteodo regencial e tiveram seu termo com D Pedro II a

balaiada em 1841 e a farroupilha em 1845 A uacutenica grande revoluccedilatildeo posterior foi a

praieira em 1848 na proviacutencia de Pernambuco mas durou ateacute 1849 A paz

conseguida favoreceu a consolidaccedilatildeo dos interesses da classe dominante

representada pelos grandes proprietaacuterios rurais dos quais dependia o impeacuterio Tais

grupos defendiam a manutenccedilatildeo da escravidatildeo e a ausecircncia da participaccedilatildeo popular

nas decisotildees poliacuteticas Suas divergecircncias estavam centradas mais nos interesses

econocircmicos e poliacuteticos locais

Durante o Segundo Reinado o Brasil se envolveu em trecircs conflitos armados com

paiacuteses fronteiriccedilos da regiatildeo Platina Em 1851 teve iniacutecio a Guerra contra Oribe e

Rosas Esse conflito envolveu a Argentina e o Uruguai (paiacutes que pertenceu ao Brasil

ateacute 1828) Em 1851 Oribe liacuteder do Partido Blanco tomou o poder no Uruguai e

com o apoio de Rosas ditador argentino bloqueou o porto de Montevideacuteu

prejudicando o comeacutercio brasileiro na bacia Platina As tropas brasileiras

comandadas por Caxias aliaram-se ao exeacutercito liderado por poliacuteticos rivais a Oribe e

Rosas O Brasil sai por fim como vitorioso da Guerra o ano eacute o de 1852

Em 1864 desponta a Guerra contra Aguirre liacuteder do Partido Blanco e governante do

Uruguai Tem iniacutecio depois que os uruguaios promoveram vaacuterias invasotildees ao Rio

Grande do Sul roubando o gado dos fazendeiros gauacutechos O ministeacuterio organiza o

exeacutercito sob o comando de Tamandareacute e do marechal Mena Barreto Com o apoio

de tropas opositoras do governo de Aguirre o Brasil consegue a vitoacuteria e transfere o

governo para o liacuteder do Partido Colorado Venacircncio Flores O conflito armado mais

longo e violento do periacuteodo foi a Guerra do Paraguai indo de 1864 ateacute 1870 O

Paraguai era o paiacutes mais proacutespero da regiatildeo Contava ainda com uma moeda forte e

uma economia industrial como bases para um bem-sucedido desenvolvimento

nacional

Quando o ditador Solano Loacutepez chegou ao poder colocou em praacutetica uma poliacutetica

expansionista que pretendia ampliar o territoacuterio do Paraguai tomando terras do

Brasil Argentina e Uruguai Solano Loacutepez tinha como objetivo formar o Grande

Paraguai A guerra teve iniacutecio quando tropas paraguaias invadiram o territoacuterio

brasileiro e argentino Formou-se entatildeo a Triacuteplice Alianccedila que unia militarmente o

Brasil Argentina e Uruguai para lutar contra o Paraguai Para Fausto (2001) os

interesses ingleses tambeacutem estavam em pauta com a necessidade de garantirem-

se mais mercados e evitar o desenvolvimento de concorrentes a Inglaterra foi

grande incentivadora do conflito As lutas foram intensas terminando somente em

1870 com a invasatildeo de Assunccedilatildeo e a perseguiccedilatildeo e morte de Solano Loacutepez Para o

Paraguai as consequecircncias da guerra foram desastrosas devido agrave destruiccedilatildeo de sua

economia industrial e a morte de cerca de 80 da populaccedilatildeo (FAUSTO 2001)

Mesmo vitorioso o Brasil saiu com diversos problemas econocircmicos pois teve que

pedir grandes somas de dinheiro emprestadas para a Inglaterra o que aumentou

sua diacutevida externa Tambeacutem a poliacutetica de manutenccedilatildeo da escravidatildeo se viu em um

paradoxo como escravos podem ir para as fileiras lutar pela liberdade de uma

naccedilatildeo se eles individualmente natildeo possuem direito a liberdade Muitos escravos

foram alforriados para lutarem na guerra e tantos outros lutaram na esperanccedila de

receber uma posterior alforria ndash considerando que pela legislaccedilatildeo alguns cidadatildeos

alistados natildeo querendo fugir de suas obrigaccedilotildees para com o paiacutes - poderiam

mandar seus escravos para tomar ldquoseurdquo lugar na guerra (MATTOS 2000)

As dificuldades financeiras do Impeacuterio e a necessidade de apresentar uma soluccedilatildeo

para o problema da escravidatildeo apressaram a queda de D Pedro II visto que seu

uacuteltimo pilar de sustentaccedilatildeo estava no apoio dos fazendeiros que praticavam a

agricultura de exportaccedilatildeo baseada na matildeo-de-obra escrava

Um dos momentos de crise mais aguda na poliacutetica eacute sentido com a deposiccedilatildeo do

gabinete Zacarias de Goacuteis pelo Imperador - atribuiccedilatildeo garantida ao poder

moderador mas natildeo muito bem resolvida na ocasiatildeo D Pedro II vai ao conselho e

os votos depois de uma fala decisiva de Nabuco de Arauacutejo satildeo favoraacuteveis agrave

deposiccedilatildeo do gabinete26 A conciliaccedilatildeo agrupando os partidos em torno do trono

fortalecia o centro do poder em detrimento do poder local nas proviacutencias e logo

apoacutes a regecircncia ela vai desaparecendo em funccedilatildeo do personalismo descolado de

algum programa partidaacuterio Pode-se perceber que ldquoo desenvolvimento econocircmico e

as mudanccedilas sociais que ocorreram no paiacutes a partir dos anos 1850 trouxeram para a

arena poliacutetica novos grupos de interesse tornando impossiacutevel manter a alianccedila entre

os dois partidosrdquo (COSTA 1999 p162) A elite agraacuteria que dirigia os rumos do paiacutes

daacute lugar paulatinamente a uma elite de letrados urbanos uma nova geraccedilatildeo que se

forma lentamente no Brasil associada a uma classe meacutedia dissolvida nas camadas

de um estamento burocraacutetico que vem segundo Faoro (2004) transplantado quase

que integralmente para o Brasil e que lhe daacute o necessaacuterio suporte a existecircncia A

queda do ministeacuterio liberal em 1868 e sua substituiccedilatildeo por um gabinete conservador

gera uma crise que culmina em um manifesto em favor de vaacuterias mudanccedilas no

sistema poliacutetico como a exigecircncia da descentralizaccedilatildeo de eleiccedilotildees diretas contra a

vitaliciedade do senado a favor do sufraacutegio universal da liberdade religiosa e de

muitas outras mudanccedilas pretendidas Eacute a fase aacuteurea do impeacuterio que vecirc seu decliacutenio

iniciar-se depois da guerra do Paraguai

Observando a economia um dos fatores da estabilidade econocircmica e poliacutetica

do paiacutes no periacuteodo imperial foi o desenvolvimento do cafeacute dando um novo

impulso para a economia agroexportadora Durante o primeiro reinado a elite

agraacuteria estava ainda concentrada no nordeste accedilucareiro mas aos poucos a

produccedilatildeo em larga escala do cafeacute - que comeccedilou no Rio de Janeiro em 1930 em

Angra dos Reis e Mangaratiba ndash vem mudando as posiccedilotildees no jogo As plantaccedilotildees

avanccedilam para o vale do rio Paraiacuteba possibilitando pelo volume da produccedilatildeo que

aumentaria gradualmente nos anos seguintes partir para a exportaccedilatildeo Em meados

de 1850 a lavoura cafeeira se expande para o Oeste paulista favorecida pelas

condiccedilotildees do solo (FAUSTO 2001) mas o cultivo exigia a manutenccedilatildeo da matildeo de

obra escrava que ainda era considerada como muito lucrativa Sabe-se poreacutem que 26 A questatildeo colocada se refere (resumidamente) a um desentendimento de Caxias no comando

das tropas no Paraguai e Zacarias de Goacuteis entatildeo na chefia do gabinete Faoro (2004) argumenta

que apesar de D Pedro II ter consultado o conselho sobre o fato e ter seguido a diretriz

recomendada eacute acusado de usar arbitrariamente o Poder Moderador para a retirada dos liberais

com a proibiccedilatildeo do traacutefico negreiro - jaacute exigido pela Inglaterra ao governo brasileiro

ainda no primeiro reinado como uma das condiccedilotildees para aceitaccedilatildeo da

independecircncia - chegar-se-ia inevitavelmente ao fim o trabalho escravo no Brasil

mas a elite dominante adiou o quando pocircde a aboliccedilatildeo da escravidatildeo no paiacutes Para

tanto o impeacuterio relutava em cumprir os acordos leis e tratados firmados Como

forma de solucionar o problema da crescente escassez de matildeo de obra os

fazendeiros recorreram inicialmente ao traacutefico interno de escravos Quando do

agravamento do problema os fazendeiros paulistas comeccedilam uma poliacutetica de

incentivo agrave imigraccedilatildeo de colonos europeus (havia outras opccedilotildees como chineses

aos quais Joaquim Nabuco tinha verdadeira ojeriza) que passariam a trabalhar sob

o regime assalariado A troca foi gradual e lenta Diversas leis foram aprovadas ndash

sob pressatildeo ndash no decurso do tempo como a Lei de 7 de novembro de 1831 ndash Lei

Feijoacute a lei Euseacutebio de Queiroz a Lei do Ventre livre e adiante ateacute a aboliccedilatildeo total

em 1888 Mas o primeiro golpe seacuterio eacute sentido em 1851 como resultado da pressatildeo

inglesa Esta se sente de forma efetiva desde os acordos firmados com D Pedro I

para o reconhecimento da Naccedilatildeo ateacute o iniacutecio da vigilacircncia dos mares pela marinha

inglesa atraacutes de traficantes de escravos em navios de bandeira brasileira

No Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo o escravo era utilizado nas plantaccedilotildees de cafeacute e

cana-de-accediluacutecar aqueles que possuiacuteam ou aprendiam uma profissatildeo bem como

tinham capacidade para desenvolver atividades comerciais eram utilizados nos

chamados ldquotrabalhos de ganhordquo e nos diversos trabalhos domeacutesticos nas cidades

Mas seu trabalho na lavoura no periacuteodo de nosso recorte ainda eacute imprescindiacutevel

para a expansatildeo da cafeicultura O cafeacute viria a tornar-se o principal produto de

exportaccedilatildeo brasileiro estimulando a industrializaccedilatildeo e a urbanizaccedilatildeo Fatores como

a expansatildeo do creacutedito atraveacutes de uma reforma bancaacuteria e ndash com o fim do traacutefico ndash a

aplicaccedilatildeo dos capitais desse comeacutercio em operaccedilotildees financeiras as mais diversas a

qual forneceu recursos para a formaccedilatildeo de novas aacutereas de plantaccedilatildeo e a ampliaccedilatildeo

das redes ferroviaacuterias em Satildeo Paulo que reduziram o custo de transporte para os

proprietaacuterios no interior paulista foram decisivos Para os interesses dessa classe

de ricos proprietaacuterios rurais paulistas que se forma a monarquia centralizadora -

sediada no Rio de Janeiro e apoiada pelos senhores de engenhos nordestinos e

cafeicultores do vale do Paraiacuteba - jaacute natildeo era uacutetil Com isso surgiram novos grupos e

classes sociais portadoras de novas demandas e interesses e de muito dinheiro

Na vida social Renault (1976) sustenta que a invasatildeo do luxo se consolida por volta

da deacutecada de 1850 Cabeleireiros alfaiates modistas perfumistas e floristas

construiacuteam uma realidade de consumo ateacute entatildeo desconhecida aqui O

endividamento tambeacutem toma conta da cidade como forma de se integrar a vida

social o que vem a causar desequiliacutebrios no orccedilamento domeacutesticos Um anuacutencio

assinado por certo ldquoMr Gadetrdquo e publicado ainda na deacutecada de 1840 no Jornal do

Comeacutercio prevenia os negociantes da Rua do Ouvidor que ele natildeo se

responsabilizaria pela vendas de objetos a creacutedito- possivelmente para sua esposa e

familiares - sem seu consentimento (RENAULT 1976)

A cidade se renovava e as pessoas viviam o luxo vindo direto da Europa para as

suas casas na maacutequina a vapor nas primeiras ferroviais na evoluccedilatildeo social com os

bondes e a integraccedilatildeo maior das periferias na iluminaccedilatildeo a gaacutes aleacutem da moda em

si que traz novos haacutebitos As viagens pela Europa para as famiacutelias mais abastadas

se torna algo possiacutevel e ateacute comum Mas o contraste eacute visiacutevel Em crocircnicas dos

jornais apresenta-se o melhor de Paris mas escrito em um ldquopeacutessimo francecircsrdquo pelos

jornalistas As salas de leitura e as livrarias recheadas de obras claacutessicas - algumas

de elevado niacutevel cultural e tiacutetulos em liacutengua estrangeira - esbarram no alto iacutendice de

analfabetismo satildeo 10 livrarias soacute no Rio de janeiro na deacutecada de 1850 (mas que

tambeacutem indica a quantidade de europeus ndash ingleses espanhoacuteis franceses e outros

ndash agora residindo no Brasil) e ao mesmo tempo as casas de famiacutelia ainda natildeo tem

um sistema de aacutegua encanada

Segmentos das elites nas deacutecadas de 60 e 70 passariam a contestar o regime

monaacuterquico atraveacutes dos movimentos republicano e abolicionista Mesmo alguns

fazendeiros que defenderam tenazmente a escravidatildeo progressivamente tornam-se

adeptos dos princiacutepios federalistas contidos nos ideais do movimento republicano

quando a situaccedilatildeo lhes era mais favoraacutevel economicamente Mesmo porque a

oposiccedilatildeo burguesia-aristocracia setores urbanos versus setores rurais caracteriacutestica

de outras sociedades natildeo se manifesta no Brasil com a mesma intensidade que em

paiacuteses europeus visto que o antagonismo que se registrou na Europa e gerou

alguns dos mais importantes movimentos revolucionaacuterios do periacuteodo entre burguesia

empresarial e aristocracia agraacuteria aqui era menos consistente Pela metade do

seacuteculo dezenove jaacute teriacuteamos fazendeiros com uma visatildeo mais progressista

apostando na matildeo de obra livre em melhorias no processo produtivo e ao mesmo

tempo uma parcela da burguesia que passa a comprar terras e participar

(associativamente ou mesmo por laccedilos familiares que viessem a ser criados) da

vida e do trabalho na propriedade rural Haacute uma tendecircncia maior entre as elites a

uma formaccedilatildeo de laccedilos de proteccedilatildeo muacutetuos (COSTA 1999)

Lembramos tambeacutem que o manifesto do Partido Liberal de 1868 previa a aboliccedilatildeo

apesar de natildeo haver um movimento organizado para isto Jaacute o Partido Conservador

silenciou sobre o assunto mas foi sob a administraccedilatildeo de gabinetes conservadores

que as leis abolicionistas vieram a acontecer (SKIDMORE 1989)

Golpe a golpe a monarquia vai perdendo sua legitimidade Aleacutem disso a partir da

deacutecada de 1870 o regime monaacuterquico entra em conflito com duas instituiccedilotildees

importantes que formavam outras duas bases de sustentaccedilatildeo do regime o Exeacutercito

e a Igreja Catoacutelica Entre os militares o positivismo pregava a liberdade e uma

postura moral que natildeo condizia com as antigas ideias escravocratas

O movimento proacute-repuacuteblica no Brasil que cresceu ao longo do periacuteodo tomava

proporccedilotildees irreversiacuteveis mas para que a alteraccedilatildeo na forma de governo se desse de

forma democraacutetica seria necessaacuterio uma Assembleia Geral majoritariamente

republicana o que natildeo deveria ocorrer posto que a populaccedilatildeo ainda apoiasse o

imperador e com a lei aacuteurea tinha-se medo do descontentamento dos escravos

com o possiacutevel fim da monarquia podendo acarretar uma revolta popular

(SCHWARCH 1999) Cientes desse problema os republicanos viram-se obrigados

a apelar para o ataque direto em associaccedilatildeo com militares de alta patente Em 15 de

novembro de 1889 D Pedro II foi deposto do trono e embarca para a Europa com a

famiacutelia no dia 17 de novembro sem alardes e sem despedidas puacuteblicas que

pudessem suscitar manifestaccedilotildees Eacute a partir desta alianccedila entre os proprietaacuterios

rurais do oeste paulista e os quadros da elite militar do Exeacutercito que chega no fim do

seacuteculo XIX a Repuacuteblica ao Brasil

22 O ESTADO DA ARTE DA IMPRENSA NO OITOCENTOS

Mas o oitocentos em meio a toda essa agitaccedilatildeo tambeacutem eacute um periacuteodo de

consolidaccedilatildeo da ldquopropostardquo de um paiacutes chamado Brasil um paiacutes novo natildeo mais

uma colocircnia detentor de um ideal proacuteprio que o substantiva em meio agraves outras

naccedilotildees como um ldquoigualrdquo entre elas D Pedro II em seus melhores anos vecirc e

estimula a extrema agitaccedilatildeo onde se busca em algumas ideias ou programas

poliacuteticos e culturais importados de outras naccedilotildees e (soacute algumas vezes) devidamente

adaptados para a ldquocor nacionalrdquo uma identidade para o Brasil Estamos mesmo

para usar uma expressatildeo de Antony Giddens (1991) na periferia

Apesar disso a identidade que se busca deve estar concernente com os elementos

os quais ela pretende representar que satildeo as elites que deteacutem o poder a partir de

1822 composta por comerciantes traficantes fazendeiros e elementos a estes

ligados interessados na grande propriedade agroexportadora e no traacutefico de

escravos e dos grupos de pressatildeo que com o tempo iram se aproximando e

afastando deste nuacutecleo inicial (COSTA 1999) buscando uma acomodaccedilatildeo

adequada durante todo o impeacuterio Schwarcz (1999) nos lembra de que na confecccedilatildeo

da primeira bandeira do Brasil imperial D Pedro I jaacute apostava nos ramos de cafeacute

ladeando o brasatildeo central como um siacutembolo nacional mesmo antes do cafeacute se

configurar como a riqueza que veio a ser

Os primeiros prelos chegam ao Brasil com D Joatildeo VI e natildeo havia uma imprensa no

Brasil no periacuteodo anterior Sodreacute (1999) registra uma pequena tipografia instalada no

Recife em 1706 sob autorizaccedilatildeo do governador da Proviacutencia Francisco de Castro

Morais mas jaacute em 08 de Junho do mesmo ano uma carta reacutegia potildee fim a empresa

Em 1746 novamente com autorizaccedilatildeo de um governador local ndash Gomes Freire ndash

transfere-se de Lisboa o impressor Antocircnio Isidoro da Fonseca para o Rio de Janeiro

e consegue por um breve tempo colocar em atividade pequena oficina tipograacutefica

que sob uma ordem reacutegia foi fechada e queimada Portugal natildeo queria uma

propagaccedilatildeo de ideias ldquoimproacutepriasrdquo dentro da colocircnia e tudo faria para evitar que isto

acontecesse Em Portugal as Ordenaccedilotildees Filipinas determinavam a proibiccedilatildeo da

impressatildeo de qualquer obra que natildeo passe pela censura dos desembargadores do

Paccedilo e dos oficiais do santo Ofiacutecio da Inquisiccedilatildeo (SODREacute 1999) A partir do

segundo quartel do seacuteculo XVII a igreja intensifica a fiscalizaccedilatildeo do conteuacutedo de

obras impressas ateacute que Pombal toma a frente e substitui a pratica pela instituiccedilatildeo

da ldquoReal Mesa Censoacuteriardquo que vigora de 1768 ateacute 1787 Os livros de conteuacutedo

classificado como proibido constituem bibliotecas particulares de alguns letrados e

geralmente satildeo impressas em outro paiacutes entrando em Portugal da mesma forma

que na colocircnia por meio de navios ingleses e franceses em forma de contrabando

Papeacuteis jornais e livros eram vendidos no cais por marinheiros a poliacutecia fiscalizava

livrarias e livreiros mas talvez toda essa pressatildeo acabasse por incentivar a criaccedilatildeo

de sociedades literaacuterias (e tambeacutem nas lojas maccedilocircnicas onde a natildeo se praticava um

pacircnico por autores franceses) onde era possiacutevel procurar e encontrar tiacutetulos

censurados Com a abertura dos portos em 1808 o comeacutercio ilegal se intensifica e a

situaccedilatildeo soacute melhora com a instalaccedilatildeo efetiva da Imprensa Reacutegia O Correio

Braziliense o primeiro jornal a discutir o cotidiano poliacutetico do Brasil e que tem seu

primeiro nuacutemero em junho de 1808 eacute produzido em Londres onde os olhos da

censura e da inquisiccedilatildeo natildeo alcanccedilam o redator tatildeo facilmente

As razotildees do atraso no desenvolvimento de uma imprensa no Brasil ultrapassam os

limites poliacuteticos descritos para esbarrar tambeacutem no problema tecnoloacutegico e de uma

cultura de censura preacutevia para os jornais Mesmo em Portugal nos conta Romancini

(2007) o jornalismo foi precedido pela publicaccedilatildeo sem periodicidade de folhas

impressas chamadas relaccedilotildees ou notiacutecias avulsas no final do seacuteculo XVI Apesar

das primeiras Gazetas de periodicidade mensal circularem desde a metade do

seacuteculo XVII dando iniacutecio assim a uma periodicidade para a publicaccedilatildeo de notiacutecias

impressas ateacute meados do seacuteculo seguinte ainda se conviveria com gazetas

manuscritas O primeiro jornal diaacuterio em Portugal seraacute o Diaacuterio Lisbonense de 1809

portanto posterior a vinda da famiacutelia real para o Brasil e a todo um conjunto de

mudanccedilas que isto viria a acarretar

Eacute sob a responsabilidade Antocircnio de Arauacutejo futuro Conde da Barca que chega ao

Brasil o material para uma oficina tipograacutefica ndash comprado na Inglaterra para a

Secretaria de Estrangeiros e da Guerra e que natildeo havia sido ainda instalado em

Portugal devido ao periacuteodo conturbado da transferecircncia da Corte para o Brasil D

Joatildeo ao saber do acontecido manda abrir a empresa para atender as necessidades

da coroa e possivelmente conseguir algum rendimento (a impressatildeo de cartas de

baralho para o divertimento das famiacutelias viria a trazer um bom lucro para a coroa)

Em ato real o priacutencipe determinava que uma junta apropriada examinasse os

materiais que solicitassem a impressatildeo e publicitaccedilatildeo para que nada se produzisse

de ofensivo contra a religiatildeo o governo ao aos bons costumes (SODREacute 1999) Em

10 de setembro de 1808 sai o primeiro nuacutemero da ldquoGazeta do Rio de Janeirordquo Um

jornal oficial que apesar de natildeo ter um conteuacutedo inovador marca o momento inicial

dos jornais impressos aqui

O ano de 1821 eacute relevante para a histoacuteria da imprensa brasileira Em 28 de agosto

DPedro entatildeo declarado priacutencipe-regente com o retorno de DJoatildeo VI a Portugal

decreta o fim da censura preacutevia a toda mateacuteria escrita tornando livre no Brasil a

palavra impressa Eacute um ato decorrente das deliberaccedilotildees das Cortes Constitucionais

de Lisboa em defesa das liberdades puacuteblicas e marca uma etapa de liberdade de

expressatildeo do pensamento

Com o passar dos anos tem-se a necessidade de formular uma logiacutestica para a

imprensa devido agraves vendas e ao crescimento das cidades Em 1844 o serviccedilo de

correios passa a entregar correspondecircncias nos domiciacutelios o que possibilitava um

sistema de assinaturas de impressos A partir de 1858 no Rio de Janeiro tem-se a

mobilizaccedilatildeo de negros forros e mulatos para o trabalho de entregadores mediante

pagamento para a venda avulsa regular nas ruas da cidade (BAHIA 1990) A partir

de entatildeo o sistema de distribuiccedilatildeo soacute melhora e o jornal como veiacuteculo de

comunicaccedilatildeo toma conta do Rio de Janeiro e de Satildeo Paulo

A busca por uma identidade para o Brasil tem na imprensa um lugar privilegiado

onde as opiniotildees e doutrinas vaacuterias buscavam conquistar a opiniatildeo puacuteblica como

forma de legitimaccedilatildeo de cada projeto individual (BASILE 2006) Satildeo as primeiras

deacutecadas de um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo que viria a se tornar poderoso no seacuteculo

seguinte como um agente de informaccedilatildeo das massas Segundo Hall

As culturas nacionais satildeo compostas natildeo apenas de instituiccedilotildees culturais mas tambeacutem de siacutembolos e representaccedilotildees Uma cultura nacional eacute um discurso ndash um modo de construir sentidos que influencia e organiza tanto nossas accedilotildees quanto a concepccedilatildeo que temos de noacutes mesmos (HALL 1998 p 50)

A imprensa o jornal diaacuterio eacute o meio por excelecircncia da poliacutetica Lugar onde os

discursos acontecem os debates satildeo esperados as pelejas travadas e a construccedilatildeo

dos sentidos vecircm a acontecer Mais do que no salatildeo da Cacircmara de Deputados eacute

impresso no jornal que o discurso chega ateacute o leitor que formaraacute em seu conjunto

de propostas criacuteticas e reclames a opiniatildeo puacuteblica Eacute a imprensa que faz chegar

notiacutecias e informaccedilotildees a uma plateias bem mais ampla levantando questotildees do

cotidiano trazendo as informaccedilotildees que ateacute entatildeo estavam em domiacutenio privado para

a esfera puacuteblica Os folhetos e panfletos do periacuteodo tem um caraacuteter tambeacutem

didaacutetico divulgando ideias ndash natildeo soacute liberais eacute certo ndash por meio de uma linguagem

acessiacutevel Muitas vezes encadeando textos respondendo a outros jornais ou

publicitando debates Eacute esta literatura poliacutetica que consolida palavras ideias

expressotildees do liberalismo para a maior parte das pessoas (NEVES 2001)

Hobsbawn (2010) falando do periacuteodo compreendido entre 1848 e a deacutecada de 1860

na Europa comenta a importacircncia dos jornais na formaccedilatildeo de um nacionalismo que

se baseia na cultura partilhada pelo maior nuacutemero de cidadatildeos O autor afirma que a

ideia nacional eacute construiacuteda pelos veiacuteculos de comunicaccedilatildeo e os grupos a estes

vinculados

() o movimento nacional tendia a tornar-se poliacutetico apoacutes sua fase sentimental e folcloacuterica com a emergecircncia de grupos mais ou menos expressivos dedicados agrave ideia nacional publicando jornais e literatura nacionais organizando sociedades nacionais tentando estabelecer instituiccedilotildees educacionais e culturais e engajando-se em vaacuterias atividades francamente poliacuteticas Mas de forma geral neste ponto o movimento ainda era carente de um apoio decisivo por parte da massa da populaccedilatildeo Consistia basicamente de um extrato social intermediaacuterio entre as massas e a burguesia ou a aristocracia existentes (se tanto) especialmente os literatos professores camadas inferiores do clero alguns pequenos comerciantes e artesatildeos urbanos (HOBSBAWN 2010 p 105)

Segundo Romancini (2007) eacute a imprensa criacutetica observadora e natildeo comprometida

com os interesses do Estado que tem suas raiacutezes no Correio Brasiliense27 que iraacute

contribuir para a formaccedilatildeo de uma opiniatildeo puacuteblica no Brasil

27

Correio Brazilience ou Armazeacutem Literaacuterio Jornal mensal editado por Hipoacutelito Joseacute da Costa desde 1808 em Londres e importado para o Brasil para fugir da censura da cora portuguesa Apesar de Hipoacutelito daCosta manter relaccedilotildees com a Corte e com o priacutencipe D Joatildeo chegando mesmo a receber ajuda financeira deste para mantecirc-lo relativamente livre de sua redaccedilatildeo criacutetica o Correio foi um modelo para o jornalismo poliacutetico a ser desenvolvido no Brasil (ROMANCINI 2007)

O impeacuterio foi o periacuteodo da histoacuteria brasileira em que a imprensa teve maior liberdade

de expressatildeo (CARVALHO 2004) mas ela natildeo era um poder independente Em sua

maior parte os jornais e panfletos estavam vinculados a organizaccedilotildees que visavam

como os partidos poliacuteticos ao poder

Havia folhas independentes como o Jornal do Commercio e os jornais radicais Mas eram poucos e com raras exceccedilotildees natildeo duravam muito A grande maioria era vinculada a partidos ou a poliacuteticos O governo tinha sempre seus jornais o mesmo acontecendo com a posiccedilatildeo Os jornalistas lutavam na linha de frente das batalhas poliacuteticas e muitos deles eram tambeacutem poliacuteticos Muitos poliacuteticos por seu lado escreviam em jornais nos quais o anonimato lhes possibilitava dizer o que natildeo ousariam na tribuna da

Cacircmara ou do Senado (CARVALHO 2007 p78)

Liberais conservadores progressistas histoacutericos puritanos todos tem o seu ldquooacutergatildeordquo

de comunicaccedilatildeo Todos tem um jornal seu com o intuito de divulgar e defender seus

ideais propostas e tendecircncias

Rodrigues (2008) comenta que os jornais foram importantes para a divulgaccedilatildeo do

liberalismo moderado pelo Brasil e daacute ecircnfase ao ldquoAurora Fluminenserdquo e ao ldquoSete de

Abrilrdquo que tem a frente Bernardo Vasconcelos e Evaristo Ferreira da Veiga

respectivamente Seus editoriais eram reimpressos em outros jornais do interior do

Rio de Janeiro e de outras regiotildees do paiacutes o que serviu como uma rede de

divulgaccedilatildeo para as ideias liberais

Neves (2001) sustenta que bem como os jornais os panfletos e folhetos de caraacuteter

poliacutetico tiveram papel importante para a divulgaccedilatildeo natildeo somente de ideias mas de

um vocabulaacuterio especiacutefico efetivamente didaacutetico com uma linguagem acessiacutevel

para que uma parte maior da populaccedilatildeo pudesse entender o desenvolvimento do

liberalismo mesmo que este soacute tenha enfatizado um parte do arcabouccedilo de ideias

liberais Toda essa estrutura de ldquomiacutediardquo acabava por propiciar o surgimento de uma

opiniatildeo puacuteblica que assimilava ideias discutia propostas e tomava partido O ideaacuterio

que se pretendia construir era a criacutetica ao despotismo como siacutembolo de um passado

que jaacute estava enterrado e o liberalismo como o ideaacuterio poliacutetico para os novos

tempos (NEVES 2001)

A imprensa do seacuteculo XIX de maneira geral tem por caracteriacutestica ser constituiacuteda ndash

em sua maioria ndash por jornais de vida curta geralmente se ocupando de causas

tambeacutem momentacircneas e tem como proprietaacuterio um indiviacuteduo ou um grupo pequeno

de empresaacuterios (natildeo necessariamente jornalistas) e eacute por excelecircncia poliacutetico

(PINTO 2003) O jornal eacute a representaccedilatildeo de fato e dos fatos para a sociedade um

ente poliacutetico dos mais importantes no momento E junto a ele dentro das

possibilidades existentes no seacuteculo XIX folhetos cartazes livros e muitos outros

suportes foram usados com o intuito de difundir discursos de teor ideoloacutegico Isso jaacute

eacute uma percepccedilatildeo de que a participaccedilatildeo de camadas cada vez maiores da populaccedilatildeo

ndash e natildeo somente da burguesia ndash se apresentavam como elementos emergentes para

a poliacutetica Hobsbawn (2011) nesta passagem nos informa sobre a percepccedilatildeo das

elites europeias da necessidade de um jornal que disseminasse suas ideias para o

povo apoacutes a seacuterie de revoluccedilotildees de 1848

Os defensores da ordem social precisaram aprender a poliacutetica do povo Esta foi a maior inovaccedilatildeo trazida pelas revoluccedilotildees de 1848 Mesmo os mais arqui-reacionaacuterios dos junkers prussianos descobriram naquele ano que precisavam de um jornal que pudesse influenciar a opiniatildeo puacuteblica ndash conceito em si proacuteprio ligado ao liberalismo e incompatiacutevel com a hierarquia tradicional (HOBSBAWN 2011 p41)

Para a Corte no Brasil assim como na Europa jaacute na segunda metade do seacuteculo XIX

os jornais do periacuteodo passam a publicar obras literaacuterias em folhetins Autores como

Manoel Antocircnio de Almeida Machado de Assis e Alencar ficaram famosos por conta

desse tipo de veiculaccedilatildeo e tal associaccedilatildeo da imprensa com a literatura que vai se

revelando no jornal impresso - jaacute no periacuteodo de nosso recorte ndash determina

caracteriacutesticas proacuteprias de um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo de massa (PINTO 2003)

Referir-nos-emos entatildeo a estes para uma melhor compreensatildeo da anaacutelise com o

vocaacutebulo ldquomiacutediardquo

Chartier (1991) nos alerta de que natildeo existe um texto fora do suporte que lhe

permita ser lido (ou ouvido) e que natildeo haacute compreensatildeo de um escrito qualquer que

seja que natildeo dependa das formas pelas quais ele atinge o leitor O princiacutepio do

discurso ideoloacutegico eacute o de ldquoalcancerdquo Quanto maior eacute o grupo atingido por uma

proposta maior eacute sua forccedila Eacute uma percepccedilatildeo de base estatiacutestica e natildeo filosoacutefica

Para que o discurso ideoloacutegico venha a surtir efeito eacute preciso que as ideias da classe

dominante se tornem as ideias de todos os membros da sociedade que todos (ou

sua maior parte) se identifiquem com elas E ainda para que a ideologia seja eficaz

o discurso deve se manter sempre o mesmo ignorando as mudanccedilas que possam

vir a acontecer (CHAUI 1997) Para tanto tambeacutem eacute necessaacuterio que a classe

dominante por meio de seus agentes e instrumentos eou instituiccedilotildees especiacuteficas

tratem de aleacutem de produzir suas ideias possam distribuiacute-las o que eacute feito por

exemplo atraveacutes da educaccedilatildeo da religiatildeo dos costumes dos meios de

comunicaccedilatildeo disponiacuteveis As ideias mudam de lugar conforme a interpretaccedilatildeo que

os homens lhe datildeo e no campo poliacutetico essas mudanccedilas nas ldquoorientaccedilotildeesrdquo dos

homens ocorrem com certa frequecircncia Eacute preciso confianccedila como tambeacutem partilhar

as ideias com o grupo e se possiacutevel com quem mais aparecer

23 SOBRE AS ELITES NO PODER

Apesar dos estudos sobre a burguesia e as elites natildeo serem uma novidade entre

noacutes uma pergunta metodoloacutegica insiste em aparecer ndash como nos lembra Flaacutevio

Heinz (2006) Onde comeccedilam e onde terminam as elites - Este mesmo autor

sugere que os limites tradicionais tendem a ficarem menos riacutegidos com o

aparecimento de pesquisas mais recentes e a inclusatildeo de novas categorias

profissionais e de diferentes recortes que modificam a visatildeo tradicional sobre o

assunto integrando outras fontes e apresentando possibilidades para a

interpretaccedilatildeo destas

Temos em mente que mesmo considerando tais limites para o segmento ldquoeliterdquo eacute

preciso lembrar como nos mostra Chauiacute que a elite descrita a que nos referimos

deve ser entendida como a ldquoclasse dominanterdquo e natildeo necessariamente os

ldquomelhoresrdquo homens e mulheres dentro de uma sociedade como o termo pode

sugerir (CHAUI 1997 p 48) Cabem aqui entatildeo algumas consideraccedilotildees agraves quais

tomamos por base a partir o modelo democraacutetico de Schumpeter (1984)

salientando que por se tratar de um modelo este nos permite uma gama maior de

possibilidades de interpretaccedilatildeo e uma flexibilidade em nossa anaacutelise tentando

abarcar um periacuteodo que apresenta contrastes acentuados Consideramos aqui que o

governo eacute exercido por elites poliacuteticas natildeo existe o chamado ldquobem comumrdquo como

uma meta de trabalho ou projeto de administraccedilatildeo do Estado que vaacute agradar ou

interessar a todos os segmentos da sociedade pelo simples fato de que para

indiviacuteduos grupos e classes diferentes este bem comum significa coisas diferentes

Neste caso consideramos a busca deste ldquobem comumrdquo como um fator de

subjetivaccedilatildeo que acaba por deslocar a ideologia partidaacuteria das metas do agente

poliacutetico o que termina dando a impressatildeo de que os partidos (seus integrantes no

caso) liberais ou conservadores democratas ou republicanos ou outros tantos satildeo

uma mesma coisa o objetivo primordial dos partidos poliacuteticos eacute conquistar e manter

o poder e a realizaccedilatildeo do ldquobem comumrdquo eacute um meio para atingir este objetivo

(SCHUMPETER 1984) a soberania popular embora natildeo seja nula eacute reduzida

visto que satildeo as elites poliacuteticas que propotildeem candidatos e alternativas para o eleitor

e no caso das eleiccedilotildees no impeacuterio isso eacute bem marcante E eacute preciso notar que um

importante aspecto da poliacutetica imperial eacute o de conseguir ter mantido a supremacia do

poder civil O exeacutercito e a marinha tiveram influencia reduzida nas decisotildees da

poliacutetica nacional e quando foi o caso seus representantes eram antes poliacuteticos

vinculados a algum dos partidos do que militares em cargos administrativos Um

caso singular eacute a figura de Caxias que mesmo na posiccedilatildeo de um heroacutei de guerra

com o comando geral das tropas no Paraguai teve de passar pelo crivo do conselho

de Estado para que fossem resolvidas seus desentendimentos com Zacarias de

Goacuteis

As decisotildees vimos partem de um grupo civil e eacute para estes civis que Alencar dirige

seu discurso A elite poliacutetica que chega ao poder depois da independecircncia e se

ldquoenraiacutezardquo com o fim do periacuteodo regencial apresentando caracteriacutesticas de unidade

ideoloacutegica de treinamento administrativo e de educaccedilatildeo A Corte no Rio de Janeiro

recebia representantes de todo o Brasil pois a Cacircmara dos deputados e o Senado

satildeo instituiccedilotildees sediadas naquela cidade Natildeo estamos considerando tatildeo somente a

sociedade carioca ou mesmo as oligarquias fluminenses do cafeacute que jaacute dava seus

frutos por ali mas as elites do Brasil na qualidade de seus representantes

Deputados senadores conselheiros altos funcionaacuterios da burocracia magistrados

fazendeiros traficantes de escravos banqueiros e outros mais transitando pelas

ruas estreitas do Rio de janeiro sem considerar os ricos comerciantes estrangeiros

(alguns enriqueceram ali mesmo) e alguns setores da monarquia espanhola que se

estabelecem no Brasil ainda no periacuteodo das revoluccedilotildees republicanas que se

espalharam pelo restante da Ameacuterica Latina encontrando no Rio de Janeiro o abrigo

de uma monarquia constitucionalista

Alfredo Bosi abre um capiacutetulo de sua Dialeacutetica da colonizaccedilatildeo onde se refere agrave

formaccedilatildeo do ldquonovo liberalismordquo com uma citaccedilatildeo de uma crocircnica de Machado de

Assis intitulada ldquoHistoacuteria de quinze diasrdquo na qual o romancista daacute lugar ao criacutetico

cruel do sistema social e poliacutetico do impeacuterio O recorte fala por si

As instituiccedilotildees existem Mas por e para 30 dos cidadatildeos Proponho uma reforma no estilo poliacutetico Natildeo se deve dizer ldquoconsultar a naccedilatildeo os representantes da naccedilatildeo os poderes da naccedilatildeordquo mas ldquoconsultar os 30 representantes dos 30 poderes dos 30rdquo A opiniatildeo puacuteblica eacute uma metaacutefora sem base haacute soacute a opiniatildeo dos 30 (ASSIS apud BOSI 2003 p222)

Cabe-nos demonstrar agora quantos e quais (estatisticamente no caso) seriam os

eleitores os que podiam participar ativamente do processo eleitoral em nosso

periacuteodo de recorte temporal notadamente aqueles a quem Alencar se dirigia em

suas cartas

As primeiras eleiccedilotildees para a composiccedilatildeo das cortes em 1821 adotaram

basicamente o voto universal masculino Jaacute nas eleiccedilotildees para a constituinte

brasileira foi exigida a idade miacutenima de 20 anos e a exclusatildeo de estrangeiros e

assalariados Com a constituiccedilatildeo outorgada por D Pedro I elevam-se as restriccedilotildees

com idade miacutenima de 25 anos exclusatildeo aos criados e adoccedilatildeo do criteacuterio de renda

miacutenima Em 1846 excluem-se os ldquopraccedilas-de-preacuterdquo aleacutem de alterar o caacutelculo de renda

miacutenima baseado na desvalorizaccedilatildeo da moeda em funccedilatildeo da inflaccedilatildeo O formato

determinava que em um primeiro momento designar-se-iam os votantes ndash com

renda superior a 100 mil-reacuteis anuais ndash que escolheriam os eleitores ndash com renda

superior a 200 mil-reacuteis anuais ndash que iriam escolher os deputados ndash com renda

superior a 400-mil reacuteis anuais Mas a limitaccedilatildeo de renda tinha pouca importacircncia a

maioria da populaccedilatildeo trabalhadora ganhava mais de 100 mil-reacuteis por ano Em 1876

o menor salaacuterio registrado no serviccedilo puacuteblico era de 600 mil-reacuteis (CARVALHO

2002) mas era preciso que houvesse alguma comprovaccedilatildeo

Em 1881 temos algumas mudanccedilas a eliminaccedilatildeo da eleiccedilatildeo em dois turnos e eacute

proibido o voto dos analfabetos aleacutem de tornar o voto em si voluntaacuterio Calcula-se

a partir de tais restriccedilotildees para o periacuteodo que estamos tratando um percentual de

13 da populaccedilatildeo total com possibilidades de participaccedilatildeo eleitoral que diminui

para quase 1 a partir da lei de 1881 (CARVALHO 2007) Todas estas medidas

foram tomadas com real intuito de diminuir a participaccedilatildeo popular na votaccedilatildeo

concentrando o sufraacutegio nas elites Hebbe Mattos (2000) nos informa que para ser

eleitor ndash e para conseguir algumas vantagens que a condiccedilatildeo lhe permitia ndash o

cidadatildeo natildeo poderia ter nascido ldquoingecircnuordquo (escravo) Mas analfabetos e ex-escravos

poderiam habilitar-se a eleitores de segundo grau e ateacute mesmo serem eleitos para a

vereanccedila (NOVAIS 1997)

Apesar de haverem algumas estrateacutegias para modificar esse quadro e conseguir

uma renovaccedilatildeo maior dos parlamentares com vistas a uma representaccedilatildeo popular

como a lei dos ciacuterculos e a adoccedilatildeo do voto distrital (que pouco tempo permaneceram

em vigor logo que comeccedilaram a proporcionar tais mudanccedilas) as eleiccedilotildees em sua

forma e dinacircmica estavam cada vez mais sob o controle das elites econocircmicas que

optavam por manter uma estabilidade no poder A forma que a eleiccedilatildeo se dava jaacute

era um complicador com a necessidade de que o eleitor votasse em tantos nomes

quantos houvesse cadeiras em sua assembleia Isto geralmente favorecia ao

candidato que pudesse ter uma representaccedilatildeo aleacutem dos limites locais o que era

conseguido atraveacutes das redes de relaccedilotildees que se compunham pelos demais

representantes ou pelos ldquopadrinhosrdquo poliacuteticos de cada candidato relaccedilatildeo que

geralmente era conseguida pelo partido mesmo que estas fossem descontinuadas

apoacutes a eleiccedilatildeo Para o pai de Alencar corria uma anedota no Cearaacute entre partidaacuterios

que anunciavam a falta de uma relaccedilatildeo com o senador depois de sua partida para a

Corte Quando se recebia uma notiacutecia da qual natildeo se tinha muito creacutedito uma

interjeiccedilatildeo de desconfianccedila prenunciava a frase - Tal coisa vai acontecer ()assim

que o Alencar me escrever ndash anunciavam aludindo a algum acontecimento

impossiacutevel por ali (MENEZES 1965) Com tudo isso acreditamos que Machado de

Assis em sua criacutetica estava sendo bastante otimista com os 30 anunciados

Sobre a formaccedilatildeo intelectual da elite local eacute importante lembrar que a constituiccedilatildeo

de 1824 entregando o ensino fundamental e meacutedio nas matildeos da igreja cria uma

educaccedilatildeo de caraacuteter religioso centrada mais na tradiccedilatildeo filosoacutefica e com certa

indiferenccedila pela pesquisa cientiacutefica mas impregnada pelo estudo das letras

determinada pela tradiccedilatildeo jesuiacuteta (SKIDMORE 1989) Portugal evitou criar em seus

domiacutenios ultramarinos faculdades ou universidades Os textos disponiacuteveis ficavam

restritos agraves bibliotecas dos conventos e agraves poucas escolas mantidas tambeacutem por

religiosos o que garantia certo controle sobre a divulgaccedilatildeo das ideias

ldquoprogressistasrdquo Natildeo havendo jornais em circulaccedilatildeo ou livros impressos visto que os

primeiros prelos chegam com a famiacutelia real em 1808 os leitores se contentavam

com a literatura produzida na Europa ndash traduzida ou natildeo o que jaacute limitava o nuacutemero

de leitores - e que atravessava o Atlacircntico em sua maior parte por via clandestina

Aqueles que tinham condiccedilatildeo econocircmica mandavam seus filhos para Portugal onde

faziam os estudos superiores na Universidade de Coimbra e adquiriam os valores

ditados pela metroacutepole Estes em sua maioria eram aproveitados para compor a

burocracia do impeacuterio em formaccedilatildeo Caiam quase sempre na poliacutetica

Em nuacutemeros temos o percentual de Senadores com educaccedilatildeo superior no periacuteodo

de 1853 a 1871 - portanto pertinente ao nosso recorte temporal - chegando a 80 e

o dos ministros dos diversos gabinetes a 96 do total Considerando que a

educaccedilatildeo militar ndash exeacutercito e marinha aos quais alguns poliacuteticos tambeacutem pertenciam

ndash recebida por um grupo desses parlamentares natildeo entra nesta base para o caacutelculo

final o nuacutemero de poliacuteticos que natildeo recebeu instruccedilatildeo eacute praticamente nulo Para os

conselheiros de Estado de 1840 a 1889 dos 72 homens que estiveram em seus

quadros apenas 02 natildeo possuiacuteam educaccedilatildeo superior O niacutevel educacional dos

deputados gerais se assemelha percentualmente ao dos senadores (CARVALHO

2007)

Depois da elite de Coimbra dominar os primeiros anos do impeacuterio vem o comeccedilo da

nacionalizaccedilatildeo com os cursos de Direito preferecircncia nacional para o ingresso na

elite poliacutetica via cargo puacuteblico Tais cursos satildeo criados no Brasil depois da

independecircncia em 1827 e comeccedilando efetivamente em 1828 Um em Satildeo Paulo e

outro em Olinda - transferindo-se o segundo posteriormente para a cidade do Recife

A presenccedila no poder de egressos da escola de medicina e engenharia tem o peso

relativo proporcional ao dos militares eacute o diferencial estava mesmo na formaccedilatildeo no

Direito O curso superior era o preacute-requisito para tentar um cargo no poder Sobre o

segundo e terceiro escalotildees da burocracia como bem nos mostra Joseacute Murilo satildeo

representados por diretores chefes de seccedilatildeo e uma gama de funcionaacuterios

especializados em sua maioria vinculada a algum ministeacuterio e que buscava nas

cidades principalmente o emprego puacuteblico como forma de sobrevivecircncia visto a

falta de postos de trabalho em outros setores A elite brasileira era em sua quase

totalidade letrada o que a afastava mais ainda da grande massa do povo sem

alfabetizaccedilatildeo

Carvalho (2007) sustenta que a homogeneidade ideoloacutegica eacute um dos importantes

fatores que iriam fornecer a possibilidade de constituir determinados modelos de

dominaccedilatildeo poliacutetica Uma elite homogecircnea tende a uma movimentaccedilatildeo em uma

mesma direccedilatildeo e garante ao menos a possibilidade de um projeto comum E eacute essa

homogeneidade que sugere que se possa conseguir certa estabilidade para

administrar conflitos dentro destes grupos O Brasil jaacute dispunha de tal elite quando

da independecircncia (que apesar de seguir os moldes portugueses jaacute apresentavam

caracteriacutesticas distintas mesmo por que seus grupos eram diversos procedentes de

muitas proviacutencias do Brasil) A composiccedilatildeo da elite vai se transformando lentamente

com o passar dos anos e com o crescimento do quantitativo de pessoas passiacuteveis

de acesso a esta na grande maioria composta de funcionaacuterios puacuteblicos Eacute uma

verdade a afirmaccedilatildeo de que os representantes da sociedade nesse periacuteodo satildeo

tambeacutem representantes do Estado Os estamentos como sustenta Bauman (2001)

lugares a que os indiviacuteduos pertenciam por hereditariedade aos poucos vatildeo dando

lugar as classes onde o pertencimento eacute fabricado pelo esforccedilo do indiviacuteduo por

sua vontade de pertencimento E ao mesmo tempo associadas as caracteriacutesticas

que a sociedade brasileira consegue ter neste momento de uma dinacircmica para a

consolidaccedilatildeo de um sistema liberal e ao mesmo tempo conservador de dominaccedilatildeo

Segundo Alencar o paiacutes tambeacutem eacute ldquoconduzidordquo pelo Estado Estaacute em suas matildeos

considerando que ldquoempresas industriais associaccedilotildees mercantis bancos obras

puacuteblicas operaccedilotildees financeiras privileacutegios fornecimentos todas essas fontes

abundantes de riquezas improvisadas emanam das alturas do poderrdquo (ALENCAR

2011 p99) A centralizaccedilatildeo da elite garantia ao mesmo tempo um Estado forte e

uma homeostase entre os grupos no poder em que os conflitos mais seacuterios e os

movimentos contestatoacuterios ficavam localizados nos municiacutepios onde era mais faacutecil

uma soluccedilatildeo (mesmo que em forma de accedilatildeo militar como no caso das revoltas no

periacuteodo regencial) Uma grande mudanccedila se efetua entre 1855 e 1868 quando o

partido liberal quase desaparece por completo depois de dominar o cenaacuterio poliacutetico

por aproximadamente 10 anos Eacute um periacuteodo de ascensatildeo de liberais histoacutericos e

conservadores dissidentes jovens lideranccedilas que aparecem no periacuteodo da

conciliaccedilatildeo De 1862 a 1868 haacute uma notoacuteria instabilidade no ministeacuterio durando em

meacutedia um ano cada gabinete Tudo isto em um momento de guerra externa que

produzia inflaccedilatildeo e consumia enorme quantidade de recursos puacuteblicos (CARVALHO

2007) Mas isto natildeo eacute sentido no cotidiano das elites econocircmicas que tem no Estado

sua fonte de renda quando natildeo de exploraccedilatildeo das rendas do proacuteprio Estado

Schwarcz (1999) nos daacute uma visatildeo interessante do interior de um sobrado citadino

em meados do seacuteculo XIX o padratildeo de moradia para a elite da corte onde temos

uma ideia de seu cotidiano luxuoso e requintado

() eacute na capital durante os anos de 1840 a 1860 que se cria uma febre de bailes concertos reuniotildees e festas A corte se opotildee agrave proviacutencia arrogando-se o papel de informar os melhores haacutebitos de civilidade tudo isso aliado agrave importaccedilatildeo dos bens culturais reificados nos produtos ingleses e franceses Nas casas os homens jogam voltarete gamatildeo xadrez e whist e os moccedilos o jogo da palhinha Jaacute as mulheres divertem-se com jogos de prenda de flores do bastatildeo do amigo ou amiga e do lenccedilo queimadordquo (SCHWARCZ 1999 p 156)

O teatro por exemplo estaacute entre as diversotildees mais apreciadas do periacuteodo Eacute o lugar

de encontros poliacuteticos flertes e namoros escondidos de encontros e desencontros

um lugar de diversatildeo Natildeo eacute a toa que a expressatildeo teatro poliacutetico tatildeo usado por

Nabuco Alencar e Machado tambeacutem se refira a possibilidade do puacuteblico participar

das seccedilotildees das casas legislativas como expectador Este vecirc se constrange ri

chora pode vaiar pode aplaudir Mas suas accedilotildees natildeo iratildeo modificar

substancialmente o andamento do espetaacuteculo poliacutetico Cabe lembrar que os teatros

(o espaccedilo fiacutesico) tambeacutem satildeo locais onde a propaganda poliacutetica tinha ldquoseu lugarrdquo

Usados como lugares para reuniatildeo geralmente pela localizaccedilatildeo e capacidade de

abrigar vaacuterias pessoas A tiacutetulo de exemplo registramos uma anotaccedilatildeo de Tavares

Bastos em seu diaacuterio sobre o uso do Teatro Phenix Dramaacutetica na Rua da Ajuda

para as ldquoconferecircncias radicais do Clube Radicalrdquo (ABREU 2007 p 129) Os

comiacutecios puacuteblicos soacute seratildeo uma realidade a proximidade do fim do seacuteculo com

homens como Lopes Trovatildeo que conseguiram levar a populaccedilatildeo agraves praccedilas puacuteblicas

em nome do partido republicado (COSTA 1999)

24 INTELECTUAIS E OPINIAtildeO PUacuteBLICA

Gramsci nos mostra que os intelectuais se formaram historicamente associados agraves

elites econocircmicas Sua funccedilatildeo dentro dos diversos ldquopartidosrdquo eacute o de organizaccedilatildeo e

disseminaccedilatildeo da ideologia Alencar eacute algueacutem que nasceu na tradiccedilatildeo da aristocracia

rural mas por sua atividade como jornalista advogado e poliacutetico e por seu ativismo

poliacutetico pode ser enquadrado na categoria de intelectual orgacircnico Aquele que

busca em sua praacutexis transformar ensinar e buscar soluccedilotildees para a sociedade Mas

Alencar estaacute longe de ser um elemento que surge do povo ou das ldquobases

popularesrdquo apesar de ter sido eleito deputado para vaacuterios mandatos Cabe lembrar

que as campanhas poliacuteticas no periacuteodo natildeo exigiam uma presenccedila constante do

candidato junto a sua base eleitoral Os eleitores ndash pouquiacutessimos decerto - satildeo

relativamente abastados (considerando natildeo haver um mercado de trabalho as

diferenccedilas entre os grupos satildeo grandes) configuram uma categoria da elite regional

que tendia a se identificar com um candidato mais pela rede de relaccedilotildees sociais a

que este representava ou estava associado do que propriamente agraves ideias de algum

dos partidos poliacuteticos em atuaccedilatildeo no periacuteodo

Eacute na literatura e no jornalismo aonde floresce a vocaccedilatildeo de Alencar como

intelectual eacute ali que se constitui a sua forma de estudar a realidade e de interagir

com ela Entendemos que para Gramsci (1976) a ideia de participaccedilatildeo na cultura

natildeo significa a simples aquisiccedilatildeo de conhecimentos ou uma atitude passiva do

sentimento humano mas sim posicionar-se frente agrave histoacuteria fazer a histoacuteria

acontecer mesmo que a poder das armas E a luta armada do intelectual vem na

forma de manifestos eacute a sua maneira de interagir com o puacuteblico (BOBBIO 1997)

buscando (incitando) a transformaccedilatildeo da realidade

A cultura estaacute relacionada com esta transformaccedilatildeo da realidade atraveacutes da busca e

da conquista de uma consciecircncia superior onde cada indiviacuteduo precisa conseguir

compreender o seu valor na sociedade (GRAMSCI 1976) Eacute a passagem do

momento corporativo ao momento eacutetico-poliacutetico da estrutura agrave superestrutura Isto eacute

expresso por Gramsci atraveacutes do seu conceito ampliado de poliacutetica a catarse O

momento em que a esfera dos interesses corporativos e particulares eleva-se ao

niacutevel da consciecircncia universal e as classes conseguem elaborar um projeto para

toda a sociedade atraveacutes de uma accedilatildeo coletiva Assim sair da passividade para

Gramsci eacute deixar de aceitar a subordinaccedilatildeo que o sistema capitalista impotildee a

alguns estratos da populaccedilatildeo

Alencar advogado brilhante e poliacutetico combativo eacute antes de tudo um homem das

letras Algueacutem que conhece a forccedila da palavra e como jornalista e editor o alcance

que um perioacutedico pode ter E ele usaraacute isso em seu favor Este intelectual buscaraacute

em suas leituras os conceitos claacutessicos do liberalismo com Adam Smith John Locke

Benjamim Constant e outros poucos livros que tinham em matildeos ndash vaacuterios ainda em

sua liacutengua original (RENALT 1976) - que lhes dariam o suporte para se sustentar

junto a tecnocracia administrativa que se formava situando-se em algum lugar

confortaacutevel entre o absolutismo e a democracia - em alguns casos entre o

constitucionalismo e o voto censitaacuterio entre o liberalismo e a igualdade

A tarefa a que se propotildee o Alencar que pode ser entendida tambeacutem como uma

espeacutecie de educaccedilatildeo ndash senatildeo das massas com os movimentos operaacuterios

principalmente no iniacutecio do seacuteculo XX e que natildeo se percebem ainda no periacuteodo mas

de grupos paulatinamente mais generalizados que se formam como resultado do

desenvolvimento das cidades ndash eacute praticado pelos intelectuais (sendo Alencar um

exemplo) como agentes de ligaccedilatildeo entre as elites e tais grupos visto que o projeto

educacional corresponde a uma necessidade de formaccedilatildeo intelectual e teacutecnica do

povo ateacute mesmo para uma maior qualificaccedilatildeo do trabalhador que pudesse gerar

com seu trabalho um desenvolvimento tecnoloacutegico dos meios de produccedilatildeo de

capital e tambeacutem para o periacuteodo um texto mais ldquoagradaacutevelrdquo e basicamente mais

acessiacutevel que seria um facilitador para que uma maior parte da populaccedilatildeo pudesse

conhecer as ideias liberais O sentido era didaacutetico e ideoloacutegico ao mesmo tempo de

forma que um grupo maior pudesse ser identificado com o movimento e dele

tomasse partido

Observe-se que em Gramsci a supremacia de um grupo social se manifesta de dois

modos como domiacutenio (coaccedilatildeo) e como direccedilatildeo intelectual e moral (consenso) Eacute no

consenso que o trabalho de Alencar busca organizar uma sociedade menos desigual

a partir da divulgaccedilatildeo de uma ideologia liberal (dentro dos limites do que se pode

entender como ldquoiguaisrdquo no liberalismo brasileiro estamos sempre no acircmbito de uma

aristocracia) de uma moral cristatilde que auxilia no projeto de dominaccedilatildeo do povo e da

defesa da propriedade privada esta extensiva ao projeto da escravidatildeo

Um grupo social pode e deve impor-se como dirigente (e seu modo de expressatildeo eacute

em geral o partido poliacutetico) e sua organizaccedilatildeo eacute o que lhe sustenta na busca de

uma posiccedilatildeo no poder Isto vale tanto para as elites como para os grupos de

trabalhadores Mas a maneira para que isto ser levado a cabo seria pela via da

informaccedilatildeo da educaccedilatildeo da politizaccedilatildeo enfim Algumas preocupaccedilotildees de Gramsci

satildeo tais como as de Alencar Como levar a discussatildeo poliacutetica para a maior parte da

populaccedilatildeo enquanto esta natildeo se preocupa com a realidade mas com os modismos

com as influencias externas Como politizar o povo (GRAMSCI 1976) O que se

nota eacute que tal discurso natildeo se dirige propriamente as massas ele jaacute existe ndash anterior

a Marx e Gramsci ndash e eacute usado como forma de dominaccedilatildeo para todos os grupos

sociais Segundo Gramsci (1999) os intelectuais que mesmo na Itaacutelia natildeo estavam

ligados agraves massas ldquodeveriamrdquo ligar-se como uma opccedilatildeo eacutetica e como uma opccedilatildeo

poliacutetica para a transformaccedilatildeo O que muda natildeo eacute necessariamente a forma do

discurso mas a direccedilatildeo e o puacuteblico a que se destina O poder natildeo eacute mantido apenas

atraveacutes da hegemonia de classe ou pela simples difusatildeo de ideias desta classe

que o assume eacute preciso accedilatildeo

Em Alencar natildeo observamos uma radicalizaccedilatildeo neste sentido apenas o uso cada

vez maior das formas de comunicaccedilatildeo disponiacuteveis ndash e de forma cada vez mais

diversa tentando alcanccedilar cada vez mais pessoas ndash no momento A sociedade civil

para Alencar aumentaria sua participaccedilatildeo poliacutetica quanto mais politizada estivesse e

quanto maior fosse desenvolvida sua capacidade criacutetica e o Estado natildeo seria assim

tatildeo somente a sociedade poliacutetica mas o resultado da accedilatildeo poliacutetica da sociedade civil

enquanto nuacutecleo formador da sociedade poliacutetica (GRAMSCI 1999) As ideias da

sociedade poliacutetica satildeo passadas como discurso ideoloacutegico para todo o grupo e em

Alencar percebemos a importacircncia senatildeo do formador mas principalmente do

divulgador de tais ideias algueacutem que por vezes pode efetivamente mudar a direccedilatildeo

do jogo dependendo da capacidade de inserccedilatildeo de propostas valores e ideias nos

diversos grupos Natildeo se trata aqui de buscar uma intencionalidade em Alencar

Este enquanto autor dos discursos existe em integraccedilatildeo com os outros ldquoeusrdquo o

leitor o intertexto A palavra e o enunciado ndash no caso ndash satildeo por natureza

ideoloacutegicos Natildeo haacute um significado que natildeo se refira (natildeo se remeta) ao social Todo

enunciado eacute um evento histoacuterico e ao mesmo tempo um ato social Eacute por meio de

enunciados que os agentes comeccedilam a compreender o mundo e depois agir sobre

ele Qualquer texto constitui uma forma de accedilatildeo verbal calculada para a leitura e

com o intuito de propiciar respostas internas e para uma possiacutevel reaccedilatildeo criacutetica ndash

positiva ou negativa - da sociedade Uma enunciaccedilatildeo eacute uma forma de poder Cada

enunciado eacute dirigido a algueacutem em uma situaccedilatildeo especiacutefica em um momento

especiacutefico do tempo As relaccedilotildees de poder imersas na linguagem determinam

tambeacutem as formas das relaccedilotildees sociais Os enunciados dialogam constantemente

com outros enunciados em sua constituiccedilatildeo O cotidiano natildeo existe em uma ordem

formal somos noacutes que tentamos organizaacute-lo mediante uma narrativa que se

pretende coerente e as relaccedilotildees entre os ldquofalantesrdquo que estatildeo sempre mudando

Tais mudanccedilas nas instituiccedilotildees se datildeo porque satildeo constituiacutedas nesse movimento

dinacircmico (STAN 1992) O texto se constitui como uma forma de accedilatildeo que visa

propiciar respostas internas e uma possiacutevel reaccedilatildeo criacutetica ndash positiva ou negativa - da

sociedade Alencar busca construir em seu texto uma resposta positiva empaacutetica

que pretende sugerir (quando menos) comportamentos determinados aos grupos

sociais a que se referem E quanto mais acessiacutevel eacute o discurso maior a sua

amplitude Eacute a relaccedilatildeo a que se chama dialogismo Os enunciados dialogam

constantemente com outros enunciados em sua constituiccedilatildeo e mesmo depois

quando assimilados por noacutes o que jaacute eacute uma das formas de assimilaccedilatildeo do discurso

dada pelo processo dialoacutegico (STAN 1992)

Essa hipoacutetese se sustenta na observaccedilatildeo de que os grupos poliacuteticos necessitam se

reproduzir e apesar do controle restrito do eleitorado (voto censitaacuterio) e dos

reconhecidos laccedilos de famiacutelia natildeo eacute soacute o nuacutecleo familiar o ldquoberccedilaacuteriordquo aonde poliacuteticos

iram encontrar e formar seus sucessores Os laccedilos de apadrinhamento satildeo comuns

e tambeacutem natildeo satildeo incomuns as escolhas de sucessores poliacuteticos pelo criteacuterio de

amizade tiacutepico do clientelismo em vigor no Brasil A escolha dependia de quem

estivesse disposto a assumir o discurso do poder Lembramos que Chauiacute (1997)

sustenta que a proliferaccedilatildeo dos discursos sobre a naccedilatildeo faz com que existam vaacuterias

ldquonaccedilotildeesrdquo dentro da naccedilatildeo cada uma determinado por um modo de pensar a

realidade a sociedade e a poliacutetica e apresentado a um grupo diferente Eacute no

bacharel um ldquoprotordquo poliacutetico elemento constituinte da opiniatildeo puacuteblica e objeto dos

jornais poliacuteticos que Alencar busca seu interlocutor O objeto de seu discurso que

visa ldquoconstruirrdquo uma opiniatildeo puacuteblica Hobsbawn (2010) afirma que a opiniatildeo puacuteblica

eacute um conceito em si proacuteprio ligado ao liberalismo A informaccedilatildeo eacute um agente

constituinte para a integraccedilatildeo dos novos grupos que passam a participar dos

movimentos poliacuteticos

Para a Europa o autor sustenta que as revoluccedilotildees europeias de 1848 mostraram

que a classe meacutedia o liberalismo a democracia poliacutetica e mesmo as classes

trabalhadoras seriam a partir de entatildeo presenccedilas permanentes no panorama

poliacutetico (HOBSBAWN 2010) E com relaccedilatildeo ao Brasil se ainda natildeo temos uma

classe operaacuteria com poder de luta Fora a classe privilegiada detentora de

educaccedilatildeo leitora de jornais detentora dos cargos poliacuteticos e do funcionalismo

puacuteblico compondo a burocracia a classe formadora de opiniatildeo a que nos referimos

ndash que podemos designar como opiniatildeo puacuteblica ndash muito pouco podemos observar da

interferecircncia popular nos processos poliacuteticos A direito ao voto por exemplo nos

conta Prado (2001) era conseguido (e exercido) pelos homens pobres possuidores

de poucas posses que constituiacuteam o grosso do eleitorado mas que em quase sua

totalidade estavam atrelados aos grandes proprietaacuterios de terras e de escravos

como no exemplo do ldquovoto de caixatildeordquo28 com Nabuco (FAORO 2004) o que

acabava por determinar certo conservadorismo nas eleiccedilotildees com os resultados

sempre tendendo ao continuiacutesmo e a solidariedade pelo chefe poliacutetico local mesmo

estas sendo constantemente vitimadas por fraudes e manipulaccedilotildees

Portanto a imprensa colaborou no processo de constituiccedilotildees e acesso de uma

opiniatildeo puacuteblica no Brasil A opiniatildeo puacuteblica pode ser entendida enfim como a

28

Conf Nota 21

participaccedilatildeo da populaccedilatildeo (ou de uma parte desta como vimos) na criacutetica aos

rumos de um determinado estado ou mesmo assunto relevante Apesar de alguns

comentadores negarem veementemente a possibilidade de uma opiniatildeo puacutebica

como no caso de Bourdier (1981) se baseando principalmente no fato de que

quando se coloca a mesma questatildeo para todo um grupo (por mais homogecircnio que

este possa vir a ser) estaacute impliacutecita assegura a hipoacutetese de que exista um consenso

sobre os problemas e que jaacute hajam acordos sobre as questotildees que merecem ser

colocadas e uma manipulaccedilatildeo nos caminhos a que tais propostas de opiniatildeo devam

revelar caracterizando o discurso da opiniatildeo puacuteblica como algo jaacute previamente

moldado preferimos nos basear em Becker (2003) que afirma que a opiniatildeo puacuteblica

se caracteriza exatamente pela diversidade o que lhe distingue como um estudo

mais aprofundado da sociedade que eacute capaz de indicar a atitude e o

comportamento dos homens enquanto em conjunto (enquanto massa) diante de sua

eacutepoca

3 LIBERALISMO E ESCRAVIDAtildeO NAS CARTAS DE ERASMO

31 LIBERALISMO E ESCRAVIDAtildeO

Pudemos observar no capiacutetulo anterior uma visatildeo geral do oitocentos no segundo

reinado e a intrincada relaccedilatildeo dos intelectuais e elites tendo suas ideias divulgadas

por meio da imprensa Mas quais seriam essas ideias Em nosso caso aqui

sustentamos que Alencar fez uma opccedilatildeo pelas ideias liberais que jaacute se

apresentavam por aqui desde antes do impeacuterio As ideias de liberdade chegam de

carona com a independecircncia americana em 1776 e a revoluccedilatildeo francesa em 1789 e

influenciam os movimentos abolicionistas pelo Brasil desde a inconfidecircncia mineira

e a conjuraccedilatildeo baiana29 ateacute os uacuteltimos movimentos revolucionaacuterios no periacuteodo

regencial

O termo liberalismo bem como liberdade tem sua raiz no termo ldquolivrerdquo Cunha

(1997) apresenta-nos as variaccedilotildees livre do latim libegraver liberal do latim libeacuteralis

liberdade do latim libertas ndashaacutetis que etimologicamente formaram o francecircs

libeacuteralisme Bobbio (1998) afirma que a definiccedilatildeo histoacuterica de liberalismo oferece

dificuldades especiacuteficas a menos que possamos admitir a existecircncia de diversos

liberalismos Em primeiro lugar porque o liberalismo se manifesta em diferentes

paiacuteses em tempos histoacutericos diversos e em funccedilatildeo disso o liberalismo se confronta

com problemas especiacuteficos que acabam por determinar sua fisionomia e conteuacutedos

Abbagnano (2007) explica que o liberalismo eacute uma doutrina que tem origens na

idade moderna no seacuteculo XVIII e se caracteriza por tomar para si a defesa da

liberdade no campo poliacutetico O liberalismo pode ser classificado em duas fases uma

primeira fase no seacuteculo XVIII caracterizado pelo individualismo e uma segunda

fase no seacuteculo XIX caracterizada pelo estatismo

A primeira fase eacute caracterizada pelas seguintes linhas doutrinaacuterias que constituem os instrumentos das primeiras afirmaccedilotildees poliacuteticas do Liberalismo a) jusnaturalismo que consiste em atribuir aos indiviacuteduos direitos originaacuterios e inalienaacuteveis b) contratualismo que consiste em considerar a sociedade humana e o Estado como fruto de convenccedilatildeo entre indiviacuteduos (ABBAGNANO 2007 p604)

Na economia o liberalismo combate a intervenccedilatildeo do Estado na sociedade

tentando fazer com que o mercado siga seu caminho Bem como negando o

absolutismo estatal definindo a accedilatildeo deste definindo seu papel em cada lugar

mediante a divisatildeo dos poderes

Jusnaturalistas e moralistas como Bentham acreditavam que bastava ao indiviacuteduo buscar inteligentemente sua proacutepria felicidade para estar buscando simultaneamente a felicidade dos demais A doutrina econocircmica de Adam Smith baseia-se no pressuposto anaacutelogo da coincidecircncia entre o interesse econocircmico do indiviacuteduo e o interesse econocircmico da sociedade (ABBAGNANO 2007 p604)

29

Haacute de se observar a diferenccedila entre as vertentes do pensamento liberal jaacute aqui A conjuraccedilatildeo baiana pregava o fim da escravidatildeo ao passo que entre os participantes da inconfidecircncia mineira a aboliccedilatildeo da escravidatildeo negra natildeo era uma meta

Essas ideias aparecem no campo poliacutetico com os filoacutesofos iluministas como John

Locke Thomas Hobbes e Rousseau que tentaram estabelecer os limites do poder

poliacutetico ao afirmar que existiam direitos individuais que nem os reis poderiam

ultrapassar Bastos (1999) afirma tambeacutem que a busca pelo modelo de Estado

Liberal eacute o coroamento de toda a luta do indiviacuteduo contra alguma tirania do Estado

ldquoSeu pressuposto fundamental eacute que o maacuteximo de bem-estar comum eacute atingido em

todos os campos com a menor presenccedila possiacutevel do Estadordquo (BASTOS 1999

p139) A construccedilatildeo desse Estado liberal em contraposiccedilatildeo ao Estado absoluto eacute

dada pelo jusnaturalismo que eacute

() a doutrina segundo a qual o homem todos os homens indiscriminadamente tem por natureza e portanto independente de sua proacutepria vontade e menos ainda da vontade de alguns poucos ou de apenas um certos direitos fundamentais como o direito a vida agrave liberdade agrave seguranccedila agrave felicidade ndash direitos estes que o Estado ou mais concretamente aqueles que num determinado momento histoacuterico detecircm o poder legiacutetimo de exercer a forccedila para obter a obediecircncia a seus comandos devem respeitar e portanto natildeo invadir e ao mesmo tempo proteger contra toda possiacutevel invasatildeo por parte de outros (BOBBIO 1998 p11)

A segunda fase comeccedila quando esse postulado entre em crise na medida em que o

liberalismo individualista parecia defender os interesses de uma classe determinada

de cidadatildeos a burguesia que se consolidava nas cidades Teoacutericos contratualistas

como Rousseau e Burke e mesmo Hegel posteriormente afirmam que a teoria da

infalibilidade da vontade geral resultante da alienaccedilatildeo total de cada associado com

todos os seus direitos em favor de toda a comunidade transforma aquilo que para o

individualismo eacute do interesse individual como interesse estatal e de certa forma

absorvendo-o Dessa feita ia-se afirmando a superioridade do Estado sobre o

indiviacuteduo contra o que o liberalismo tinha lutado em sua primeira fase

(ABBAGNANO 2007)

As ideias de liberdade poliacutetica combinaram com as propostas de liberdade

comercial algo que se entendia ser beneacutefico a todos sendo assim posteriormente

associadas a defesa e desenvolvimento do capitalismo (HOBSBAWM 2010) O

chamado liberalismo econocircmico prega o fim da intervenccedilatildeo do Estado na produccedilatildeo

de riquezas o fim dos monopoacutelios e outras medidas protecionistas e incentivava a

livre concorrecircncia no mercado No Brasil as ideias liberais tomam forccedila a partir do

iniacutecio do seacuteculo XIX notadamente a partir da independecircncia em 1822 sob influecircncia

tambeacutem da revoluccedilatildeo liberal do Porto de 1820 mas tomando aqui suas

caracteriacutesticas proacuteprias Costa (1999) sustenta que o liberalismo brasileiro deve ser

entendido com referecircncia a realidade brasileira Tendo entre seus adeptos homens

ligados a economia agroexportadora ao traacutefico de escravos e os grandes

proprietaacuterios de terras que buscavam maior espaccedilo para seus produtos fora do

controle de Portugal Para tanto a situaccedilatildeo de colocircnia natildeo poderia ser aceita de

forma alguma

O liberalismo eacute uma corrente de pensamento vastiacutessima e que abrange vaacuterios

campos do pensamento humano Natildeo pretendemos aqui esgotar sequer algumas de

suas possibilidades nem tampouco discutir os valores filosoacuteficos do liberalismo

Este nos eacute apresentado como um movimento que busca a realizaccedilatildeo da liberdade

as garantias da propriedade privada e da vida humana Poreacutem nem sempre a

organizaccedilatildeo do pensamento liberal estaacute associada da ideia democraacutetica A

discussatildeo das ideias liberais no Brasil por exemplo exerceu influecircncia na Carta de

1824 A questatildeo eacute quais seriam as ideias que Alencar buscava apresentar em seu

discurso Satildeo as ideias desse poliacutetico caracterizadas como ideias liberais Haacute uma

comunhatildeo entre o liberalismo e a escravidatildeo Para comeccedilar a responder a tais

questotildees os intelectuais brasileiros se detiveram nas propostas do liberalismo

claacutessico representado pelo pensamento de ndash entre outros ndash T Hobbes Locke

Adam Smith Rousseau Bentham e Mill tentando traccedilar entre eles um caminhos

que justifique a implantaccedilatildeo do liberalismo poliacutetico no Brasil Esse caminho tambeacutem

seraacute trilhado por Alencar Vejamos como foi a adequaccedilatildeo do liberalismo agrave realidade

brasileira

32 LIBERALISMO E ESCRAVIDAtildeO O MODELO BRASILEIRO

A tiacutetulo de complementaccedilatildeo depois desse esboccedilo que natildeo se pretende exaustivo

podemos observar tambeacutem como bem nos diz Schwartz (1991) citando um panfleto

antiescravagista do segundo reinado um dos princiacutepios da economia poliacutetica eacute o

trabalho livre E no Brasil temos portanto o fato ldquoimpoliacuteticordquo da escravidatildeo O autor

adverte que o que se configurava como uma ideologia para as classes em ascensatildeo

na Europa vem a converte-se no Brasil em ideologia que constituiacutea o pano de

fundo dos interesses de uma elite escravocrata Dessa feita o liberalismo perderia

seu caraacuteter universalista passando a defender prioritariamente interesses

particulares

Durante o impeacuterio temos a formaccedilatildeo de dois grupos poliacuteticos distintos que

caracterizariam o periacuteodo com suas lutas e conciliaccedilotildees inclusive com a ldquotroca de

ladordquo de figuras relevantes satildeo eles o partido conservador e o partido liberal Muitas

das ideias que poderiam ser tomadas como liberais foram implantadas no Brasil

pelos conservadores mas nenhuma delas deixava de buscar a realizaccedilatildeo de

interesses particulares de uma elite social e poliacutetica e a manutenccedilatildeo da exploraccedilatildeo

do trabalho

Apoacutes a Independecircncia em 1822 o formaccedilatildeo do Estado Brasileiro toma corpo com

os princiacutepios de um estado regulador baseado em um governo de tradiccedilatildeo

absolutista poreacutem nascido sob a aclamaccedilatildeo de alguns preceitos especiacuteficos do

liberalismo Os processos de independecircncia dos Estados Unidos em 1776 a

Revoluccedilatildeo Francesa (1789-1799) e os movimentos de independecircncia que ocorriam

nas colocircnias espanholas no periacuteodo satildeo influecircncias determinantes

Segundo Costa (1999) o liberalismo estaacute vinculado ao desenvolvimento do

capitalismo e a criacutetica ao ldquoantigo regimerdquo Surge do enfretamento entre a burguesia

e o abuso da autoridade real como a concessatildeo de privileacutegios ao clero e da nobreza

e a manutenccedilatildeo de monopoacutelios Os liberais defendiam os teoacutericos do contrato social

afirmavam a soberania do povo e a supremacia da lei Lutavam ainda pela

representatividade frente ao governo e o direito a propriedade e a liberdade de

comercio e de trabalho No Brasil as elites poliacuteticas se julgavam aptas a gerir este

novo modelo de soberania Tais elites viam na monarquia constitucional o caminho

para se conseguir manter o povo sob controle restringir o poder do imperador e

conseguir a unidade e a estabilidade poliacutetica (COSTA 1999) O ideal liberal

proposto tambeacutem pela revoluccedilatildeo do Porto em 1820 segundo Carvalho (2007) foi o

fomento necessaacuterio para o processo de independecircncia da colocircnia Ao mesmo

tempo a heranccedila do pensamento poliacutetico portuguecircs assimilado pela elite brasileira

fora a responsaacutevel pela homogeneizaccedilatildeo de seus princiacutepios o que muito contribuiu

para a feitura de um projeto comum de naccedilatildeo coesa aos interesses da elite

A assimilaccedilatildeo dos ideais liberais de por alguns atores poliacuteticos que participaram do

processo de independecircncia advecircm de sua formaccedilatildeo intelectual concluiacuteda nas

universidades europeias principalmente em Coimbra o que lhes possibilitou um

contado direto com os fundamentos do liberalismo europeu Esses homens tinham

seus interesses relacionados a economia agroexportadora eram em geral

proprietaacuterios de grande extensatildeo de terras e elevado nuacutemero de escravos Portanto

tencionavam manter as tradicionais estruturas de produccedilatildeo ao mesmo tempo em

que se libertariam de Portugal e das restriccedilotildees que a relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo da

metroacutepole lhes impunha Significava enfim determinar a sobrevivecircncia de um

sistema de clientela e patronagem que representava os ideias que as revoltas

liberais europeias tentavam destruir Esse era o principal problema lidar com a

contradiccedilatildeo entre o liberalismo e a manutenccedilatildeo do trabalho escravo (COSTA 1999)

Podemos distinguir segundo Carvalho (2007) dois tipos de liberalismo no Brasil

Um deles ligado aos proprietaacuterios rurais ligados a economia de exportaccedilatildeo e trafico

de escravos e aquele dos profissionais urbanos que comeccedilas a aparecer a partir

das deacutecadas de 185060 com o maior desenvolvimento urbano e o aumento do

niacutevel de escolaridade nas cidades com a criaccedilatildeo das primeiras faculdades

Faoro (2004) tambeacutem argumenta que podemos identificar duas formas distintas de

liberalismo ao longo do seacuteculo XIX no Brasil O primeiro liberalismo vem de uma

ideologia de longa duraccedilatildeo e pode identificar seu marco fundamental em 1808 com

a abertura dos portos por D Joatildeo libertando das amarras de Portugal a produccedilatildeo

agriacutecola que agora busca ndash sem intermediaacuterios diretos - o comeacutercio internacional

poreacutem com acentuado favorecimento agrave Inglaterra As medidas satisfazem a uma

exigecircncia da Inglaterra e ao mesmo tempo aos produtores locais que se sentiam

limitados pelo pacto colonial Outro marco eacute a Independecircncia e a posterior outorga

da constituiccedilatildeo por D Pedro I que estabelece as normas para a representaccedilatildeo

poliacutetica o voto censitaacuterio e o funcionamento dos poderes legislativo e executivo

mediante uma combinaccedilatildeo de parlamentarismo e monarquia O segundo liberalismo

chega com as ideias de Joaquim Nabuco encabeccedilando um grupo reformista que

pretende as eleiccedilotildees diretas busca a limitaccedilatildeo dos poderes do Senado e do Poder

Moderador e em certa medida a defesa da aboliccedilatildeo da escravidatildeo para um futuro

proacuteximo (FAORO 2004)

a realidade socioeconocircmica no Brasil era muito diferente da europeia o que

acarretava em uma dificuldade na disseminaccedilatildeo dos ideais liberais para as camadas

populares visto que os niacuteveis de analfabetismo eram altos e os meios de

comunicaccedilatildeo poucos o que determinava uma marginalizaccedilatildeo do povo na vida

poliacutetica Tambeacutem o fato de que no Brasil o predomiacutenio de uma sociedade estamental

formada por donos de latifuacutendio que controlavam trabalhadores comuns e escravos

e a ausecircncia de uma burguesia dinacircmica que pudesse servir de suporte a esses

ideais Tudo isto fazia com que se esvaziasse o conteuacutedo dos manifestos em favor

das formas representativas de governo da soberania do povo da liberdade e

igualdade como direitos de todos os homens quando o que se via era a maior parte

da populaccedilatildeo alienada da vida poliacutetica e a manutenccedilatildeo da escravidatildeo (COSTA

1999 p29)

Em um dos periacuteodos mais conturbados da Histoacuteria do Brasil que eacute o periacuteodo da

regecircncia que vai de 1831 com a abdicaccedilatildeo de D Pedro I ateacute 1840 com o golpe da

maioridade podemos identificar uma seacuterie de movimentos poliacuteticos e trecircs facccedilotildees

que disputavam o poder os restauradores os liberais exaltados e os liberais

moderados

O grupo restaurador representava uma parte da classe dominante que apoiara D

Pedro I Com a abdicaccedilatildeo em favor de seu filho passaram a batalhar por seu

retorno ao trono brasileiro agitando os primeiros anos da Menoridade Acreditavam

que soacute uma monarquia com um regente de pulso forte e autoritaacuterio conseguiria

manter a uniatildeo do impeacuterio Seu braccedilo principal estava no senado e no Clube militar

Com a morte de D Pedro I em 1834 os caramurus ndash como eram chamados -

passaram a compor com os moderados o ldquoregresso conservadorrdquo

Os liberais moderados representavam a outra parcela da aristocracia Buscavam a

monarquia mas pelo vieacutes constitucionalista uma vez que a Constituiccedilatildeo de 1824

assegurava a sua continuidade no poder O liberalismo que rotulava essa facccedilatildeo era

apenas de fachada adequado agraves suas necessidades de classe dominante Este

grupo predominou durante os primeiros anos das Regecircncias tendo como um de

seus liacutederes principais Evaristo da Veiga Empenharam-se no combate aos

restauradores e exaltados federalistas na defesa da ordem e da centralizaccedilatildeo

fornecendo subsiacutedios para a orientaccedilatildeo governista

Os liberais exaltados que pretendiam-se uma esquerda liberal (um pouco mais a

esquerda do que os outros grupos) tambeacutem tinham viacutenculos com algumas parcelas

da aristocracia rural mas conseguiam alcanccedilar alguns outros grupos chegando

mesmo a arregimentar uma camada de homens livres destituiacutedos de propriedades

ou pequenos proprietaacuterios Variando de regiatildeo para regiatildeo desenvolviam atividades

nos centros urbanos ou nos campos oscilando numa relaccedilatildeo de dependecircncia entre

a classe dominante e a classe trabalhadora livre (FAUSTO 2001)

Enquanto os moderados defendiam a manutenccedilatildeo da ordem e das instituiccedilotildees

opondo-se a qualquer alteraccedilatildeo mais radical no contexto poliacutetico os liberais

exaltados eram reformistas Defendiam a liberdade ndash em alguns locais para

realmente todos os homens ndash e as reformas poliacuteticas chagando mesmo a defesa

do republicanismo Defendiam tambeacutem maior autonomia das proviacutencias em

contraproposta a tendecircncia centralista que se fortalecia (FAUSTO 2001)

Os membros do grupo moderado eram os regente e deputados Padre Diogo

Antocircnio Feijoacute Evaristo da Veiga Bernardo Pereira de Vasconcelos e o grande

proprietaacuterio de terras e escravos Honoacuterio Hermeto Carneiro Leatildeo

Jaacute o grupo de liberais exaltados (ou radicais) tinha como uma das principais

lideranccedilas Miguel de Frias (que ficou famoso por ter recebido a carta com a

abdicaccedilatildeo de D Pedro I) Eram favoraacuteveis agrave repuacuteblica desejavam a aplicaccedilatildeo das

ideias liberais mesmo que a custa de luta armada Agrave frente do grupo de

restauradores estavam os irmatildeos Andrada

Segundo Rodrigues (2008) a violecircncia social foi caracteriacutestica da regecircncia e com a

maioridade os uacuteltimos resquiacutecios de dissenccedilotildees foram resolvidos institucionalmente

com o fim das revoltas populares pelo interior do Brasil afastando assim os focos de

tendecircncias mais radicais Eacute a partir da ascensatildeo desse grupo moderado que se

solidifica a vertente conservadora que

() admitia a escravidatildeo a participaccedilatildeo poliacutetica restrita aos proprietaacuterios de terras e o modelo de organizaccedilatildeo juriacutedico-poliacutetico monaacuterquico Desse modo os liberais conservadores da regecircncia lutavam pela aboliccedilatildeo das instituiccedilotildees coloniais contra o despotismo o poder da aristocracia portuguesa contra a interferecircncia do Estado na vida econocircmica e pela defesa da propriedade incluindo os escravos (RODRIGUES 2008 p158)

A base de sustentaccedilatildeo do grupo moderado que se apresentava entatildeo como um

representante dos cafeicultores incluiacutea proprietaacuterios e comerciantes e tambeacutem o

grupo dos intelectuais urbanos ciando um ponto de aglutinaccedilatildeo para os outros

setores da classe proprietaacuteria

Bosi (1988) afirma que o paradoxo entre liberalismo e escravidatildeo foi somente verbal

O liberalismo ativo do trabalho ndash e do trabalhador ndash livre ldquosimplesmente natildeo existiu

enquanto ideologia dominante no periacuteodo que se segue agrave Independecircncia e vai ateacute

os anos centrais do Segundo Reinadordquo (BOSI 1998 p 05) O autor tambeacutem afirma

que para entender a articulaccedilatildeo liberal com o regime escravagista eacute necessaacuterio

compreender o modo de pensar das classes poliacuteticas dominantes no impeacuterio que se

impocircs a partir da independecircncia e se consolida entre 1831 e 1860

aproximadamente Segundo ele o que dominou em todo esse periacuteodo no Brasil foi

um ideaacuterio de fundo conservador Um conjunto de normas juriacutedico-poliacuteticas capazes

de garantir a propriedade fundiaacuteria e a escravidatildeo negra ateacute o seu limite Para que

possamos nos inteirar deste paradoxo eacute preciso entender a ascensatildeo dos grupos

que defendiam o trabalho escravo e seus liacutederes

Formado ao longo das crises da Regecircncia o nuacutecleo conservador definiu-se pela voz dos seus liacutederes Bernardo Pereira de Vasconcelos Arauacutejo Lima e Honorio Hermeto como o Partido da Ordem no ano criacutetico de 1837 e logo apoacutes a renuacutencia de Feijoacute A sua histoacuteria eacute a de uma alianccedila estrateacutegica flexiacutevel mas tenaz entre as oligarquias mais antigas do accediluacutecar nordestino e as mais novas do cafeacute no Vale do Paraiacuteba as firmas exportadoras os traficantes negreiros os parlamentares que lhes davam cobertura e o braccedilo militar chamado sucessivas vezes nos anos de1830 e 40 para debelar surtos de facccedilotildees que espocavam nas proviacutencias Ao radicalismo impotente desses grupos locais opocircs-se desde o comeccedilo o chamado liberalismo moderado que exerceu de fato o poder tanto na fase regencial quanto nos anos iniciais do Segundo Impeacuterio As divisotildees internas natildeo tocaram sua unidade profunda na hora da accedilatildeo (BOSI 1998p05)

Rodrigues (2008) tambeacutem sustenta que Bernardo de Vasconcelos e Evaristo

Ferreira da Veiga com mandatos de deputados durante a regecircncia ldquolideravam o

grupo dos liberais moderados que representava os interesses dos proprietaacuterio de

terras e dos cafeicultores Naquele momento o cafeacute era o principal produto na pauta

de exportaccedilatildeo do Brasil a partir de 1831rdquo (RODRIGUES 1988 p155) Nesse

contexto estes representantes dos cafeicultores dificilmente iriam contra a poliacutetica

da escravidatildeo visto a falta de braccedilos para a lavoura e os lucros advindos do

trabalho escravo O liberalismo praticado pelo grupo vai se tornando cada vez mais

conservador visto a necessidade de manter os interesses e o predomiacutenio do grupo

dominante Admite esta autora que ldquoo liberalismo poliacutetico posto em praacutetica pelo

grupo moderado teve como objetivo a defesa dos interesses dos proprietaacuterios e natildeo

a alteraccedilatildeo da ordem vigenterdquo (RODRIGUES 1988 P157) Com o advento da

Regecircncia os uacuteltimos focos de um liberalismo mais radical foram suprimidos com o

fim dos movimentos revoltosos pelo paiacutes o que abriu espaccedilo para a consolidaccedilatildeo

do modelo liberal conservador com alguns ajustes e concessotildees que o ajudaram a

aglutinar as dissidecircncias dos outros grupos

A importacircncia de Bernardo de Vasconcelos e Evaristo da Veiga como divulgadores

do liberalismo pode ser observada principalmente em seu trabalho como jornalistas

a frente dos jornais ldquoO Sete de Abrilrdquo e o ldquoAurora Fluminenserdquo respectivamente Tal

influencia natildeo se limita a Corte visto que outros perioacutedicos reeditavam seus

editoriais chegando o seu alcance desde o interior do Rio de Janeiro ateacute outras

proviacutencias particularmente agrave regiatildeo centro-sul do paiacutes Daiacute podemos ter uma ideia

do poder da imprensa como divulgadora de ideias ndash liberais ou natildeo ndash para os grupos

letrados Bernardo Vasconcelos chega a estabelecer uma diferenciaccedilatildeo entre os

dois liberalismos identificando os radicais como aqueles que norteavam-se pelas

ideias de Rousseau e acreditavam na luta armada e os liberais conservadores como

adeptos da conciliaccedilatildeo e a compatibilizaccedilatildeo dos novos com os antigos valores

(RODRIGUES 2008)

Neves (2001) sustenta que o liberalismo no Brasil se alavanca a partir da revoluccedilatildeo

vintista em Portugal erguida ldquoem nome da Constituiccedilatildeo da naccedilatildeo do rei e da

religiatildeo catoacutelicardquo (NEVES 2001 p76) propondo reformas que pudessem garantir ao

indiviacuteduo direitos de cidadania liberdade de expressatildeo de imprensa dentre outros

buscando o fim do despotismo como uma soluccedilatildeo para o impeacuterio O movimento tem

a adesatildeo do Paraacute e da Bahia seguidos posteriormente pelo Rio de Janeiro sendo

segundo a autora assimilada sem dificuldade pelos elementos das elites poliacutetica e

intelectuais no Brasil A proposta era buscar o novo mas sem abrir matildeo dos antigos

privileacutegios econocircmicos Esta autora sustenta que os jornais panfletos e pasquins

editados no periacuteodo auxiliaram a tomada de um vocabulaacuterio ldquoliberalrdquo pelo grande

puacuteblico que acompanhava as criacuteticas de intelectuais contra o regime divulgadas nas

diversas publicaccedilotildees criando uma rede de ideias que se multiplicava por vaacuterias

partes do paiacutes

Para Gorender (2002) os princiacutepios liberais levados adiante pelos comerciantes e

plantadores era o direito de ter uma representaccedilatildeo no estado fora das limitaccedilotildees

impostas pela poliacutetica colonial Esse processo segundo ele tem inicio apenas com a

abdicaccedilatildeo em 1831 visto que D Pedro I ainda era um representante de Portugal

aqui em nossas terras Gorender afirma que o liberalismo europeu defende o

trabalho livre a eliminaccedilatildeo das injunccedilotildees feudais do pagamento da corveia e de

todos os demais tributos que caracterizaram o sistema feudal Mas lembra tambeacutem

que o proacuteprio Adam Smith natildeo era contra a escravidatildeo nas colocircnias Ou seja o

liberalismo europeu segundo um de seus mais importantes representantes jaacute nasce

sob esta contradiccedilatildeo O autor tambeacutem sustenta que mesmo com a Revoluccedilatildeo

Francesa tendo decretado a libertaccedilatildeo dos escravos em suas colocircnias francesas

Napoleatildeo restabelece a escravidatildeo oito anos depois (GORONDER 2002) Apesar

da liberdade ser um valor importante na Europa aparentemente nas colocircnias a

poliacutetica praticada natildeo era a mesma O que nos leva a entender melhor a relaccedilatildeo

liberalismoescravidatildeo no Brasil Tambeacutem podemos lembrar aqui que mesmo as

instituiccedilotildees religiosas natildeo foram totalmente contraacuterias a escravidatildeo visto que as

ordens religiosas no Brasil mantinham escravos negros

Por tudo isso podemos entender que no processo de formaccedilatildeo do Estado Imperial

Brasileiro havia diferentes leituras e objetivos para o uso do liberalismo ligadas a

interesses especiacuteficos Por um lado como enfatiza Mattos (1987) a accedilatildeo do grupo

conservador no impeacuterio seguia no sentido da construccedilatildeo de monopoacutelios como uma

certa continuidade da poliacutetica que era praticada no periacuteodo colonial enfatizando as

relaccedilotildees de dominaccedilatildeo sustentadas pela coroa Costa (1999) identifica uma certa

originalidade no movimento poliacutetico brasileiro do periacuteodo tentando interpreta-lo

como uma figura hiacutebrida onde os elementos conservadores permanecem criando

uma amalgama com as praacuteticas liberais aceitas estruturando as instituiccedilotildees e a

visatildeo de mundo dos agentes poliacuteticos das elites dominantes sustentados pelas

classes intermediaacuterias que se desenvolvia nas cidades mas que ao mesmo tempo

viam no sistema agroexportador baseado na escravidatildeo uma dificuldade para o

desenvolvimento do capitalismo E haacute mesmo aqueles que como Carvalho (2007)

que chega a subestimar o aspecto liberal enfocando o periacuteodo na perspectiva de

que havia um pensamento conservador dominante prevalecendo no pensamento

poliacutetico local sendo a conciliaccedilatildeo entre as correntes de pensamento e os partidos a

poliacutetica da coroa com o intuito de administrar interesses e evitar conflitos e o

liberalismo sendo apenas uma face da mesma moeda Prado (2001) ainda enfatiza

que o pacto liberal era difiacutecil de ser compreendido no impeacuterio brasileiro que se

forma sob a tradiccedilatildeo ibeacuterica caracterizada pela valorizaccedilatildeo da tradiccedilatildeo e por uma

resistecircncia para as novas ideias que soacute eram experimentadas quando

extremamente necessaacuterias e sob a condiccedilatildeo de que natildeo desestruturassem a ordem

vigente Bosi (1988) sustenta ainda que o traacutefico esta apoiado por vezes pelas

proacuteprias autoridades a quem cabia fazer cessar o traacutefico Mantendo sob seu controle

terras o cafeacute e os escravos tais homens ligados a administraccedilatildeo e a poliacutetica como

o grupo ldquosaquaremardquo de Euzeacutebio Paranaacute Uruguai e Itaboraiacute apoiavam o ldquocomeacutercio

livre Primeira e principal bandeira dos colonos patriotas [ que ] natildeo significava

necessariamente e natildeo foi efetivamente sinocircnimo de trabalho livrerdquo (BOSI 1988 p

07) O que resulta segundo o autor que os moderados cedo ou tarde mostrariam

sua verdadeira face que eacute a conservadora

Os traficantes foram poupados e os projetos iluministas raros e esparsos de aboliccedilatildeo gradual foram reduzidos ao silecircncio Deu-se ao Exeacutercito o papel de zelar pela unidade nacional contra as tendecircncias centriacutefugas dos clatildes provinciais Vencidos os uacuteltimos Farrapos estava salva a sociedade no caso o Estado aglutinador de latifundiaacuterios seus representantes tumbeiros e burocracia A retoacuterica liberal trabalha seus discursos em torno de uma figura redutora por excelecircncia a sineacutedoque pela qual o todo eacute nomeado em lugar da parte impliacutecita (BOSI 1988 09)

Podemos entender com o que foi visto que o liberalismo acaba por adaptar suas

caracteriacutesticas gerais dependendo do local onde se estabelece Prado (2001) lembra

ainda que o impeacuterio no Brasil herdeiro da tradiccedilatildeo poliacutetica ibeacuterica era tambeacutem

avesso a novas ideias no campo poliacutetico que pudessem vir a desestruturar a ordem

estabelecida o que faz com que as ideias liberais assumidas sejam

preferencialmente as de cunho mais conservador Aleacutem do que Prado (2001)

concorda que com a produccedilatildeo organizada sob a exploraccedilatildeo do trabalho escravo

(altamente lucrativo no momento) era muito difiacutecil empreender qualquer movimento

em prol da igualdade e liberdade individuais

A partir da apresentaccedilatildeo deste conjunto de ideias acreditamos que seja possiacutevel

verificar se no texto de Alencar haacute ou natildeo alguma identidade com o liberalismo e a

defesa da escravidatildeo Concordando com o que diz Bosi (1988) acreditamos que

Alencar em seu texto busca uma defesa para o conservadorismo pregado pelos

latifundiaacuterios e traficantes de escravos em que a economia agroexportadora

baseada no braccedilo escravo deveria permanecer como a base econocircmica do Brasil

mantendo assim os privileacutegios dessas elites O liberalismo defendido por Alencar eacute ndash

como afirma Bosi(1988) ndash uma sineacutedoque em que a parte apresentada escolhida

determinada eacute tomada como um todo uniforme desvirtuando assim as ideias

originais do liberalismo e criando novo discurso ideoloacutegico para sustentar um grupo

que se apresenta no poder E eacute para esse discurso disseminado no texto de

Alencar que nos remetemos agora

33 AS CARTAS DE ERASMO

A carta aberta integra os gecircneros textuais caracterizados pelo caraacuteter

argumentativo Sua proposta eacute permitir que o missivista expusesse para o puacuteblico as

suas opiniotildees ou reivindicaccedilotildees acerca de um determinado assunto O gecircnero

difere-se da carta pessoal a qual trata em geral de assuntos que dizem respeito

apenas aos interlocutores nela envolvidos A carta aberta faz referecircncia a assuntos

de interesse coletivo ou que se queira coletivizar De tal modo a carta aberta pode

ser utilizada como forma de protesto contra esse problema como alerta e ateacute

mesmo como meio de conscientizaccedilatildeo da populaccedilatildeo ou de algueacutem com certa

influecircncia como por exemplo um representante de uma entidade ou do governo

acerca da problemaacutetica em questatildeo

As cartas em geral tem uma importacircncia grande como fontes para a historiografia

brasileira A epistolae era forma de comunicaccedilatildeo habitual entre os jesuiacutetas

registrando o cotidiano das primeiras deacutecadas da colocircnia Os jesuiacutetas escreviam-se

dos lugares mais distantes incentivando-se e sugerindo formas de abordagem para

os diferentes grupos aos quais tinham contato No Brasil as primeiras cartas de

Anchieta em sua maioria escritas em latim relatam detalhes da paisagem dos

costumes e das pessoas em Satildeo Paulo entatildeo Vila de Piratininga A primeira carta

do padre Joseacute Anchieta30 escrita em Setembro de 1554 e endereccedilada a Inaacutecio de

Loyola fundador da Companhia de Jesus fala da primeira missa realizada na regiatildeo

(PARIS 1997) As chamadas ldquoCartas Chilenasrdquo atribuiacutedas a Tomaacutes Antocircnio

Gonzaga e escritas em meados do seacuteculo XVIII compondo um longo e irreverente

poema satiacuterico satildeo um documento importante para auxiliar-nos na compreensatildeo da

Inconfidecircncia Mineira Famosas tambeacutem ficaram as cartas de D Pedro I a Condessa

Domitila de Castro nos mostram sete anos (1822 a 1829) de romantismo e do

cotidiano da Corte Na cultura cristatilde mais identificada conosco temos o conjunto de

cartas que Paulo escreve para as igrejas (eccleacutesia ecclesiam ἐκκλησίαν31) na Aacutesia

menor que segundo suas instruccedilotildees poderiam ser lidas para a comunidade

A carta aberta era um meio comum de participar o debate poliacutetico com o puacuteblico nas

primeiras deacutecadas da imprensa Sua publicaccedilatildeo nos jornais no caso dos deputados

como Alencar que moravam na Corte e representavam proviacutencias distantes servia

como uma prestaccedilatildeo de contas puacuteblica O jornal apesar do pouco tempo de vida no

Brasil alcanccedila no segundo reinado a qualidade de um importante agente de

agitaccedilatildeo poliacutetica Entendia-se ali que apesar da verborragia caracteriacutestica do

romantismo e presente em praticamente todos os textos natildeo oficiais o poliacutetico

estava efetivamente trabalhando por alguma coisa Oficializando para a sociedade

suas opiniotildees e posiccedilatildeo no palco poliacutetico da Corte Vaacuterias cartas abertas foram

redigidas no periacuteodo o trabalho de Alencar eacute apenas um exemplo entre muitos

outros E a liberdade de opiniatildeo e de imprensa jaacute eacute presente (e utilizada) desde o

reinado de D Pedro I garantida pela constituiccedilatildeo de 1824 Apesar de D Pedro I natildeo

ter se notabilizado por seu ldquoapoiordquo a imprensa O priacutencipe sempre foi alvo de duras

criacuteticas ateacute mesmo por sua conduta na vida privada

30 Uma ediccedilatildeo de ldquoCartas Avulsasrdquo de Jesuiacutetas - escritas no periacuteodo de 1550 a 1568 - pela Biblioteca da Cultura Nacional publicada jaacute em 1931 registra a importacircncia desse gecircnero 31

As comunidades religiosas do periacuteodo criadas sob a supervisatildeo de Paulo satildeo ainda estaacutegios

de formaccedilatildeo de uma ldquoigrejardquo cristatilde No latim claacutessico eccleacutesia apresenta uma grande variante graacutefica nos textos portugueses do seacutec XIII ao XVI Conforme CUNHA Antocircnio Geraldo da Dicionaacuterio etimoloacutegico da liacutengua portuguesa Rio de Janeiro Nova Fronteira 1982

Alencar publica as cartas e as endereccedila a vaacuterios entes poliacuteticos segundo o assunto

a que iraacute referir e dependendo do efeito e do ldquodestinataacuteriordquo que pretenda atingir Sua

posiccedilatildeo conservadora frente a escravidatildeo talvez tenha sido o tema que mais chama

a atenccedilatildeo Eacute onde centraremos o foco de nossa pesquisa na tentativa de analisar a

defesa de um projeto liberalconservador baseado na matildeo de obra escrava que vai

de encontro as pressotildees externas da Inglaterra de intelectuais franceses e mesmo

internas como a disposiccedilatildeo anunciada por D Pedro II na fala do trono de 1867 para

dar um fim a escravidatildeo no Brasil O pseudocircnimo escolhido foi Erasmo32 No periacuteodo

do recorte ainda natildeo havia um movimento abolicionista consistente vindo da opiniatildeo

puacuteblica Em publicaccedilatildeo recente33 Tacircmis Parron reedita a seacuterie das ldquoNovas Cartasrdquo

endereccediladas ao Imperador no periacuteodo de 196768 aonde procura detalhar este

ponto

Nosso objetivo com a leitura das cartas aleacutem de descobrir se houve uma defesa das

ideias liberais no Brasil ao mesmo tempo em que se tentava conciliar o ideal de

liberdade com a escravidatildeo eacute tambeacutem conseguir uma visatildeo geral do cotidiano

poliacutetico do II reinado na oacutetica de um importante intelectual do periacuteodo enquanto um

analista da dinacircmica das accedilotildees poliacuteticas e como um agente de justificaccedilatildeo do poder

da elite sobre a populaccedilatildeo como um elemento de ligaccedilatildeo das ideias (da ideologia)

desses grupos dominantes com suas vaacuterias camadas perifeacutericas Dado os limites da

pesquisa como observado anteriormente nos concentraremos na posiccedilatildeo de

Alencar frente a escravidatildeo

Apesar de ter jaacute experiecircncia como redator de jornais e manter relaccedilotildees com a

imprensa Alencar prefere publicar as cartas em forma de folhetins que eram

vendidos nas ruas e em livrarias e entregues em casa apenas por meio de 32 Uma referecircncia os filoacutesofo humanista Erasmo de Roterdatilde (1466-1536) As ideias de Erasmo teriam

sido precursoras da reforma protestante que inicia efetivamente com Lutero Dentre seus muitos

trabalhos destacamos o ldquoInstitutio Principis Christianirdquo escrito como uma seacuterie de conselhos

poliacuteticos e morais ao Rei Carlos da Espanha (mais tarde Carlos V do Sacro Impeacuterio Romano)

Acreditamos que o conhecimento de tal obra tenha sido o que sugeriu a Alencar assumir o

pseudocircnimo Erasmo

33 Ediccedilatildeo das ldquoNovas cartas poliacuteticas ao Imperadorrdquo em ALENCAR Joseacute de Cartas a favor da

escravidatildeo Org Tacircmis Parron Satildeo Paulo Heacutedra 2008

solicitaccedilatildeo anterior feita ao editor O que jaacute demonstra que Alencar natildeo pretendia

manter viacutenculos com a imprensa sobre suas opiniotildees poliacuteticas que acabariam

trazendo louros (ou problemas) para o jornal a que ele estivesse vinculado Apesar

do pseudocircnimo natildeo era difiacutecil descobrir o autor dos textos visto que o grupo de

agentes poliacuteticos era reduzido na Corte no periacuteodo imperial e o estilo literaacuterio de

Alencar jaacute fazia sucesso

Tomaremos aqui para a nossa anaacutelise a nova ediccedilatildeo das cartas publicada pela

Academia Brasileira de Letras em 2009 tendo a organizaccedilatildeo do professor e

historiador Joseacute Murilo de Carvalho que se baseou para esta publicaccedilatildeo nos

exemplares originais da biblioteca da Cacircmara dos Deputados em Brasiacutelia o que nos

proporciona uma visatildeo iacutentegra do texto Segundo R Chartier (2009) eacute preciso ter

cuidado com as possiacuteveis adaptaccedilotildees que editores realizam para que determinada

obra natildeo tenha sua leitura ldquofacilitadardquo para o grande puacuteblico podendo mesmo admitir

cortes Acreditamos que natildeo seja o caso aqui A publicaccedilatildeo com a qual

trabalharemos conteacutem as seguintes cartas

Ao Imperador Cartas de Erasmo de 1865 no caso a segunda ediccedilatildeo de 1866

Uma carta ldquoAo Redator do Diaacuteriordquo (do Rio de Janeiro)

Ao Povo Cartas Poliacuteticas de Erasmo de 1866 acompanhadas das cartas ldquoAo

Marquecircs de Olindardquo e ldquoAo Visconde de Itaboraiacute Carta de Erasmo Sobre a Crise

Financeirardquo

Ao Imperador Novas Cartas Poliacuteticas de Erasmo de 1867-68

Eacute preciso explicar uma diferenccedila baacutesica entre as cartas e os folhetins O chamado

ldquoromance de folhetimrdquo chega ao Brasil por volta do iniacutecio do seacuteculo XIX e assim

como na Inglaterra e na Franccedila cai no gosto popular e eacute responsaacutevel por uma parte

importante do desenvolvimento intelectual da populaccedilatildeo Visto que a educaccedilatildeo era

um bem muito caro os romances divulgavam ideias e uma moral

caracteristicamente burguesa para uma parte importante da populaccedilatildeo o que era

desejaacutevel e estimulavam o prazer da leitura A maioria dos tiacutetulos vem traduzida do

original inglecircs (ou francecircs) No Rio de Janeiro salas de leitura (gabinetes) foram

criadas as bibliotecas constituiacutedas (natildeo somente para brasileiros mas para muitos

ingleses que aqui tinha organizado sua vida) emprestavam livros a preccedilos moacutedicos

e pelo seu desenvolvimento cabe questionar o mito de que a maioria da populaccedilatildeo

natildeo tenha nenhum tipo de alfabetizaccedilatildeo O prazer das histoacuterias e a seduccedilatildeo que

estas apresentavam jaacute comenta o Alencar eram muito apreciadas Ele quando

ainda menino lia romances em voz alta para as pessoas em uma sala de estar

acalenta o coraccedilatildeo do povo que por tantos motivos foi privado da alfabetizaccedilatildeo

(NETO 2006)

Alencar se aproveita da praacutetica da publicaccedilatildeo de tais romances em colunas de

jornais regulares Ele mesmo teria oferecido nas paacuteginas da Gazeta do Rio de

Janeiro o romance O Guarani entatildeo um sucesso Os leitores confiantes na

periodicidade aguardavam os proacuteximos capiacutetulos dos romances em dias

determinados Sabendo disso Alencar cria tambeacutem uma ldquoperiodicidaderdquo para as

suas cartas anunciada desde a primeira e veiculada por meio de uma nota do

editor O missivista trata do tema como em uma novela usando sua retoacuterica

romacircntica para alcanccedilar os gostos mais diversos Vem daiacute a procura das cartas

pelos leitores nas terccedilas-feiras dia de sua circulaccedilatildeo A questatildeo da impressatildeo da

carta em folhetim eacute justificada por ser este um meio barato e de raacutepida finalizaccedilatildeo

As cartas satildeo pois impressas em folhetins este eacute o seu suporte Poreacutem natildeo

constituem um romance de folhetim gecircnero tambeacutem relativamente novo no periacuteodo

Folhetim aqui eacute formato do veiacuteculo um pequeno caderno com folhas encartadas

mais parecido com um jornal em tamanho modesto como eram comuns os jornais

na primeira metade do oitocentos Outro sentido dado ao termo (que ajuda na

confusatildeo) ldquofolhetimrdquo indica um texto publicado no rodapeacute da paacutegina do jornal com

comentaacuterios sobre os fatos correntes no meio caminho entre o texto informativo e a

crocircnica em que o jornalista geralmente emitia sua opiniatildeo sobre o assunto tratado

Alencar com sua coluna semanal ldquoao correr da penardquo se especializa nesse estilo de

escrita Por fim lembramos que com as cartas em tais suportes Alencar retoma de

certa forma a tradiccedilatildeo dos pasquins como um tipo de publicaccedilatildeo criacutetica escrita por

uma pessoa apenas e jaacute presente no Brasil mesmo antes da independecircncia em

forma satiacuterica e ateacute mesmo panfletaacuteria (BAHIA 1990)

Eacute mesmo possiacutevel que algueacutem um funccedilatildeo dessas caracteriacutesticas do suporte tenha

chegado a pensar nas cartas como uma ficccedilatildeo em que o imperador e o congresso

figurassem como personagens em mais um drama ou comeacutedia do autor mas isto eacute

soacute uma suposiccedilatildeo deixaremos essas questotildees para a vertente de romancista do

Alencar com suas anotaccedilotildees na pasta da gaveta Mesmo assim sendo esta uma

possibilidade entendemos que a releitura e emprego de fontes tradicionais podem

mesclar-se a partir do meacutetodo utilizado com a invenccedilatildeo de novas fontes que nos

possibilitem uma interpretaccedilatildeo do pensamento dos atores de determinado periacuteodo

(CHARTIER 1990) O jornalismo como instrumento de convencimento poliacutetico

caracteriza a imprensa brasileira na primeira metade do seacuteculo XIX e continua

assim mesmo que de forma mais branda no segundo reinado (ROMANCINI 2007)

Eacute desta forma que caracterizaremos inicialmente o texto das cartas de Erasmo

Joseacute Murilo de Carvalho (2007) sustenta que a despeito da tradiccedilatildeo familiar tendo

sido seu pai um importante poliacutetico representante do partido Liberal as ideias de

Alencar tendiam mais para a proposta conservadora Mas como jaacute comentamos

tais diferenccedilas ndash apesar de existirem ndash eram tatildeo somente maneiras de se posicionar

frente a um mesmo sistema de dominaccedilatildeo o que nos faz crer que exista uma

postura liberalconservadora como modelo para a manutenccedilatildeo do poder a ser

construiacutedo pelas elites e nesse momento tambeacutem atraveacutes de alguns setores da

imprensa Eacute o que buscaremos aqui atraveacutes de uma anaacutelise criacutetica do texto

tentando formular hipoacuteteses em seu curso e deduccedilotildees a partir dos dados obtidos

Cabe lembrar que as cartas de Erasmo satildeo publicadas no periacuteodo entre 17 de

novembro de 1865 e 15 de marccedilo de 1868 portanto antes de Alencar assumir o

ministeacuterio da Justiccedila Talvez a leitura das cartas tenha influenciado a opiniatildeo de

Itaboraiacute na ocasiatildeo do convite de Alencar para compor o ministeacuterio e mesmo na

decisatildeo de D Pedro II para o aceite do ministro Aqui surge uma questatildeo Sustenta-

se que uma das razotildees de D Pedro natildeo ter escolhido Alencar para ser ldquopremiadordquo

com uma cadeira no senado se daria em funccedilatildeo de seu temperamento impulsivo

Que o imperador natildeo podia ldquoconfiarrdquo no Alencar por natildeo saber que tipo de ideais

poderiam sair daquela cabeccedila em dias de arroubo - eacute o que consideram Schwarcz

(1999) e Menezes (1965) Acreditamos tendo por base a pesquisa que D Pedro II

jaacute teria reconhecido no Alencar uma possibilidade para a cooptaccedilatildeo do intelectual haacute

muito tempo E seu ideal conservador e monarquista eacute determinante O imperador

conhecia o Alencar estudou suas accedilotildees por meio das cartas conhecia seus

romances e assistiu aos espetaacuteculos de teatro que o artista criara A ideia de uma

sociedade liberal assentadas na base escravista vinha a calhar com o pensamento

necessaacuterio para a manutenccedilatildeo do Estado no periacuteodo Dom Pedro II era - de certa

forma segundo sustenta Menezes - um seu ldquofatilderdquo E quando do aceite de seu nome

para o ministeacuterio da justiccedila o imperador sabia muito bem onde pisava

As cartas nos mostram a situaccedilatildeo poliacutetica do paiacutes a escravidatildeo e a opiniatildeo de

Alencar sobre como deveria funcionar uma monarquia representativa Um ponto

importante a ser levado em conta eacute o diacronismo caracteriacutestico da seacuterie Sua

publicaccedilatildeo semanal com respeitaacutevel regularidade entre 1965 e 1968 permite a

Alencar uma visatildeo do cotidiano da Corte e suas transformaccedilotildees inclusive as

respostas (muitas vezes diretas de interlocutores que se apresentavam em outras

veiacuteculos ou mesmo na cacircmara) agraves suas criacuteticas o que conduzia a reavaliaccedilotildees eou

reafirmaccedilotildees de posiccedilatildeo do missivista sempre para um proacuteximo nuacutemero

Admitindo que uma sociedade da corte como lembra Chartier (1990) citando um

estudo de Norbert Elias eacute uma formaccedilatildeo social caracterizada por um estatuto de

dependecircncia das relaccedilotildees sociais existentes entre os sujeitos esta constitui

portanto uma forma particular de sociedade onde a Corte desempenha um papel

central que se caracteriza por um conjunto especiacutefico de relaccedilotildees de poder nesse

dado momento Natildeo somente a Corte brasileira no segundo reinado mas a

sociedade caracterizada (construiacuteda pode-se dizer) na e pela Corte como um

modelo para o restante do paiacutes criar um modelo (ou um conceito) na Corte seria

uma forma de agenciamento de tais modelos para os grupos perifeacutericos

Eacute preciso esclarecer por fim que o conteuacutedo das cartas natildeo eacute novo como natildeo eacute

nova sua apresentaccedilatildeo e estudo feitos por comentaristas de renome como por

exemplo os citados Raimundo Menezes e Joseacute Murilo de Carvalho O que se

propotildee aqui eacute buscar nas indicaccedilotildees nas proposiccedilotildees enfim nos iacutendices deixados

no texto uma visatildeo mais abrangente que as caracteriacutesticas de Joseacute de Alencar ndash

com seu estilo marcante ndash propotildeem na escritura - o que trataremos aqui como

documento Vale a ressalva de que as ldquocartas poliacuteticasrdquo natildeo a satildeo a primeira

experiecircncia de Alencar no gecircnero A polecircmica sobre a ldquoConfederaccedilatildeo dos Tamoiosrdquo

com Gonccedilalves de Magalhatildees (e com o grupo que o apoiava) lhe garante uma

experiecircncia soacutelida no debate aberto Cabe tambeacutem enquanto delimitaccedilatildeo do objeto

a caracterizaccedilatildeo dos leitores Alencar escreve para as elites (natildeo que soacute membros

da elite carioca tivessem acesso aos textos tambeacutem funcionaacuterios puacuteblicos diversos

pequenos comerciantes profissionais liberais mesmo um puacuteblico leigo que se

interessava pelo cotidiano poliacutetico do Rio de Janeiro ndash como o demonstramos em

toacutepico anterior - e que deveria ser consideraacutevel visto a quantidade de pequenos

jornais e folhetos impressos para a divulgaccedilatildeo de ideias de poliacuteticos e partidos Mas

estes natildeo eram entatildeo seu principal alvo) tendo a imprensa ndash a miacutedia impressa visto

que a impressatildeo do texto foi feita em folhetins ndash como veiacuteculo que o permitiria levar

suas ideias a um grupo maior detentor de uma opiniatildeo que pode ser mobilizadora

ou mobilizada aqui temos clara a afirmativa de Chartier (1990) que sustenta que a

proacutepria cultura da elite eacute constituiacuteda em grande parte por um trabalho operado em

material que lhe seja proacuteprio que por esta eacute reconhecido Sendo assim sobre tais

elites definimo-las com o apoio de Boacutebbio

() uma minoria que por vaacuterias formas eacute detentora do poder em contraposiccedilatildeo a uma maioria que dele estaacute privada () Em todas as sociedades a comeccedilar por aquelas mais mediocremente desenvolvidas e que satildeo apenas chegadas aos primoacuterdios da civilizaccedilatildeo ateacute as mais cultas e fortes existem duas classes de pessoas a dos governantes e a dos governados A primeira que eacute sempre a menos numerosa cumpre todas as funccedilotildees puacuteblicas monopoliza o poder e goza as vantagens que a ela estatildeo anexas enquanto que a segunda mais numerosa eacute dirigida e regulada pela primeira de modo mais ou menos legal ou de modo mais ou menos arbitraacuterio e violento fornecendo a ela ao menos aparentemente os meios materiais de subsistecircncia e os que satildeo necessaacuterios agrave vitalidade do organismo poliacutetico (BOBBIO1998 p385)

Alencar tinha conhecimento do alcance das cartas Mas o seu destinataacuterio o ldquoleitorrdquo

referencial eacute o imperador D Pedro II A figura do homem bom protetor dos

inocentes iacutentegro e saacutebio mecenas das artes amigo dos intelectuais e tudo o mais

que ficou caracterizado para a posteridade jaacute estava constituiacutedo no periacuteodo o

homem que por tudo se interessava mas natildeo se interessava pelo Brasil

(CARVALHO 2007) E a criacutetica a uma atitude passiva do imperador frente aos

problemas da poliacutetica da administraccedilatildeo puacuteblica ao seu papel constitucional de

mediador de contendas de apaziguador de disputas de fiel da balanccedila eacute o mote

para o conjunto de cartas a que se entrega mui respeitosamente o Alencar

331 AO IMPERADOR (ALENCAR 2009 p09-113)

Na primeira carta endereccedilada ao Imperador um tratamento respeitoso eacute justo e

necessaacuterio Alencar se dirige a D Pedro II como ldquoSenhorrdquo e anuncia-se logo na

primeira linha por um anunciador da verdade Escreve ldquoA verdade filha do ceacuteu

como a luz natildeo se apagardquo (ALENCAR 2009 p09) que natildeo eacute uma ldquofigura de estilordquo

que sugere a referecircncia inicial Alencar se apresenta como portador desta verdade

encarnada que passaraacute a analisar os problemas da sociedade Continua entatildeo

marcando seu territoacuterio entre os grandes quando diz que ldquoagraves vezes eacute um historiado

como Taacutecito ou um poeta como Juvenal outras eacute Demoacutestenes o orador ou

Secircneca o filoacutesofordquo (ALENCAR 2009 p09) E estre eles o nosso autor Alencar

apresenta-se como figura conhecedora do pensamento claacutessico colocando-se como

argumentador que se basearaacute nos princiacutepios do Direito e conhecedor dos princiacutepios

de ciecircncia poliacutetica para sua anaacutelise Apresenta-se como uma autoridade elevando o

debate natildeo a uma reclamaccedilatildeo pessoal sobre o governo mas a condiccedilatildeo de um

criacutetico consciente do sistema de governo que estaacute posto

A posiccedilatildeo de Alencar eacute de apoio agrave monarquia As primeiras cartas satildeo um apelo ao

imperador para que intervenha no executivo e no legislativo para tirar o paiacutes do

momento de crise poliacutetica social e econocircmica que o teriam levado o Partido Liberal

e a poliacutetica de conciliaccedilatildeo Segundo Alencar haacute uma distinccedilatildeo entre as tarefas do

Imperador como titular do Poder Moderador e como chefe do Executivo Cita

Montesquieu em O espiacuterito das Leis em uma passagem que fala da falta de

participaccedilatildeo popular na poliacutetica mas apenas para lembrar ao imperador a teoria da

separaccedilatildeo e independecircncia dos poderes Natildeo chega a citar os argumentos deste

autor contra a escravidatildeo

Defende Alencar que o poder moderador seria um mediador entre a constituiccedilatildeo e o

povo Eacute possiacutevel pensar na accedilatildeo do Poder Moderador como algo que permitia

conquanto suas interferecircncias uma modificaccedilatildeo nas formaccedilatildeo das facccedilotildees das

elites no poder permitindo uma alternacircncia de grupos e partidos (CARVALHO

2007) mas tambeacutem como Alencar aprovava e propotildee na carta o poder moderador

como um instrumento de ldquotomada do poderrdquo pelo monarca com o consentimento do

povo Cabe lembrar que fato parecido ocorre com D Pedro I com a destituiccedilatildeo da

Assembleia Constituinte em 1823 e a outorga de uma nova Constituiccedilatildeo Chega

mesmo a afirmar em um trecho a caracteriacutestica liberal da constituiccedilatildeo quando diz

que ldquoo primeiro reinado em oito anos legou-nos a constituiccedilatildeo belo padratildeo de

sabedoria e liberalismordquo (ALENCAR 2009 p19) esquecendo-se de citar o anterior

fechamento da Assembleia constituinte

Alencar escreve sobre o momento de singular impopularidade pelo qual passa D

Pedro II satirizado ldquopelos teatros e praccedilas a vozeria da gente leviana que entre

hinos e flores vos sauacuteda como o heroacutei da Uruguaiana34rdquo (ALENCAR 2009 p12)

devido agrave longevidade que alcanccedila a guerra e proclama-se um seu defensor frente

aos acontecimentos poliacuteticos que este segundo Alencar ldquodesconhecerdquo E iraacute tornar

puacuteblica ldquoa verdade inteira a respeito do paiacutes sobre os homens como sobre as

coisas ()rdquo (ALENCAR 2009 p14) A culpa na opiniatildeo de Erasmo natildeo seria de D

Pedro II mas da administraccedilatildeo Eacute certo que os gastos com a guerra atrapalham ou

impossibilitam uma seacuterie de investimentos necessaacuterios para o desenvolvimento do

Brasil As despesas provenientes do conflito foram enormes ldquo614 mil contos de

reacuteis onze vezes o orccedilamento governamental para o ano de 1864 criando um

deacuteficit que persistiu ateacute 1889rdquo (SCHWARCZ 1999 p459)

Alencar termina a primeira carta citando Salomatildeo ldquoMisericordia et veritas custodiunt

regem35rdquo (ALENCAR 2009 p15) Apelando para a honra e seguindo a citaccedilatildeo para

34 D Pedro II assistiu a rendiccedilatildeo dos paraguaios no chamado ldquocerco de Uruguaianardquo

35 A misericoacuterdia e a verdade protegem o rei

a sabedoria de D Pedro II justifica a intervenccedilatildeo que este deveria fazer e garante

que o povo lhe veria novamente como um restaurador (palavra cara ao Alencar) da

normalidade Para tanto desenha um ldquopanteatildeordquo poliacutetico ideal da restauraccedilatildeo

proclamando-os defensores da honestidade e da honra Satildeo citados ldquoos Feijoacutes

Vergueiros Andradas Paulas Souzas Limpos Torres e Paulinos36rdquo (ALENCAR

2009 p17) Jaacute na primeira carta podemos observar a predominacircncia da pregaccedilatildeo

de uma sociedade conservadora monarquista aristocraacutetica onde o imperador

ldquogoverna e administrardquo e precisa mostrar que tem tal poder concordando assim com

a tendecircncia do liberalismo moderado que defende que a sociedade soacute poderaacute viver

em paz com um poder forte e centralizado (BOSI 2013) Alencar chega a criticar a

liberdade de imprensa em sua narraccedilatildeo algo que chega a ser discutiacutevel na posiccedilatildeo

de algueacutem que edita um panfleto poliacutetico

A crise na governanccedila proclamada pelo panfletista pode ser entendida de modo

diverso O discurso de Alencar eacute ideoloacutegico no sentido de tentar fazer com que as

transformaccedilotildees histoacutericas sejam negadas e entendidas como uma crise no sistema

O momento (o surgimento digamos) da sociedade ideal eacute dado pela fixaccedilatildeo dos

ldquomaacutertiresrdquo a que Alencar se refere ndash indicando a clara presenccedila de uma aristocracia -

e qualquer mudanccedila neste modelo ideal eacute determinada como uma crise Numa

leitura da teoria de Gramsci por Chauiacute essa construccedilatildeo eacute tida como uma

representaccedilatildeo e uma ideologia ldquoA ideologia eacute um discurso que se desenvolve sob o

modo da afirmaccedilatildeo da determinaccedilatildeo da generalizaccedilatildeo () trazendo a garantia da

existecircncia de uma ordem atual ou virtualrdquo (CHAUI 1997 p33) Quando essa

ordem necessaacuteria ao discurso eacute contestada temos uma crise

A crise eacute imaginada entatildeo como um movimento de irracionalidade que invade a racionalidade gera desordem e caos e precisa ser conjurada para que a racionalidade anterior ou outra nova seja restaurada A noccedilatildeo de crise permite representar a sociedade como invadida por contradiccedilotildees e simultaneamente toma-las como um acidente um desarranjo pois a harmonia eacute pressuposta como sendo de direito reduzindo a crise a uma desordem fatual provocada por enganos voluntaacuterios ou involuntaacuterios dos agentes sociais ou por mau funcionamento de certas partes do todo A crise serve assim para opor uma ordem ideal a uma desordem real () (CHAUI

36 Diogo Antocircnio Feijoacute Nicolau Pereira de Campos Vergueiro Joseacute Bonifaacutecio de Andrada e Silva

Francisco de Paula Souza e Melo Antocircnio Paulino Limpo de Abreu Joaquim Joseacute Rodrigues

Torres e Paulino Joseacute Soares de Souza

1997 p37)

O discurso de Alencar sugere o momento ideal no qual os indiviacuteduos devem se

remeter para aceitar as instituiccedilotildees puacuteblicas a vida e as relaccedilotildees de poder que os

conduzem Um discurso que partindo do social se torna poliacutetico e degenerando-se

dominador

Tornando ao texto na segunda carta Alencar critica a relaccedilatildeo dos ministros com

seus representantes nas proviacutencias ndash delegados ndash os quais acusa de abuso de

poder Repete-se aqui nada mais que o sistema estamental de que nos fala

Raimundo Faoro em que o poder se apresenta na figura do funcionaacuterio do governo

como o governo Natildeo um representante do Rei mas se tornando um rei local em

miniatura (FAORO 2004) Alencar chama particular atenccedilatildeo para as financcedilas que

nomeia como ldquoforccedilas musculares da naccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p24) Alude aos

gastos com armamentos supeacuterfluos (no caso armamentos jaacute sem valor para uso)

destinados a uma raacutepida deterioraccedilatildeo e as dificuldades tambeacutem em consequecircncia

da guerra de conseguir alguma credibilidade financeira das naccedilotildees europeias o que

afetaria ndash e oneraria ndash as importaccedilotildees de maneira geral e tambeacutem as negociaccedilotildees

dos empreacutestimos contraiacutedos no exterior que datavam da eacutepoca de D Pedro I

referentes ao reconhecimento do Brasil como independente e a indenizaccedilatildeo de

Portugal Reconhece que a alta no preccedilo do algodatildeo e a receita gerada natildeo chegam

para sustentar tantas e tatildeo altas despesas visto que as boas safras natildeo satildeo

constantes e a paz conseguida nos Estados Unidos acabaria por determinar uma

queda de preccedilos Esclarece ainda sobre uma crise nas duas maiores fontes de

renda do Estado o comeacutercio ldquojungido a uma liquidaccedilatildeo forccedilada que principiou em

10 de setembro de 1864 e terminaraacute ningueacutem sabe quandordquo (ALENCAR 2009 p25)

e a agricultura ldquoameaccedilada pela questatildeo magna da emancipaccedilatildeo que avanccedila a

grandes passos e estremece ateacute o intimo a sociedaderdquo (ALENCAR 2009 p 25)

O missivista acha por bem terminar a segunda carta com um leve ldquosolavancordquo no

imperador conclamando-o agrave luta em dois paraacutegrafos exemplares

Quando um povo livre abdica o pleno exerciacutecio da soberania eacute dever imperioso do monarca seu primeiro representante assumir essa grande massa inerte de poder para evitar que ela seja dissipada por um grupo de ambiciosos vulgares

Ache ao menos a liberdade que desertou a alma sucumbida da paacutetria um abrigo agrave sombra do manto imperial para que natildeo morra conspurcada nos tripuacutedios da anarquia (ALENCAR 2009 p 26)

Faltava que D Pedro II tomasse as reacutedeas da situaccedilatildeo Alencar entende que essa

sociedade constitucionalista eacute responsabilizada pela maacute administraccedilatildeo visto que os

governantes tambeacutem fazem parte do contrato e devem dar conta de suas accedilotildees sob

pena de serem substituiacutedos Afirma novamente o Alencar que o povo apoiaria o

Imperador em sua accedilatildeo e esperava mesmo por isso Alencar alude mais uma vez

a uma velha foacutermula conservadora de que o imperador reina governa e administra

(Carvalho 2007)

O missivista eacute duro na criacutetica com o periacuteodo chamado conciliaccedilatildeo Uma ldquocorrupccedilatildeo

geral dos partidos () dissoluccedilatildeo dos princiacutepiosrdquo (ALENCAR 2009 p30) da proacutepria

existecircncia da democracia Classificando conciliaccedilatildeo como um termo honesto e

decente para qualificar ldquoa prostituiccedilatildeo poliacutetica de uma eacutepocardquo (ALENCAR 2009

p30) Alencar enxergava aleacutem de sua criacutetica uma dificuldade criada pela

conciliaccedilatildeo para a eleiccedilatildeo de novos quadros para a Cacircmara e consequentemente

os ldquoarranjosrdquo eleitorais para o Senado cargo a que ele pretenderia poucos anos

depois (sua situaccedilatildeo como bacharel lhe garantiu ateacute o momento um emprego como

jornalista e uma mesa em um escritoacuterio de advocacia)

Os partidos segundo ele seriam a miliacutecia da naccedilatildeo entende ele que o povo deve

participar e fiscalizar o legislativo satildeo eles que garantem a existecircncia e a preservam

instituiccedilotildees da monarquia e do povo Em outro momento ao se referir novamente

agraves coalizotildees que se seguem ano apoacutes ano no parlamento questiona com espanto

como pode ser que ldquocidadatildeos individualmente probos e cordatos se consolidam

assim com a escoacuteria em uma liga monstruosa que humilha a cada um no recesso

da consciecircnciardquo (ALENCAR 2009 p36) A criacutetica de Alencar mostra menos sua

preocupaccedilatildeo com a democracia sustentada pelas ideias de partidos diversos em

uma luta pelo poder princiacutepio baacutesico do liberalismo que a preocupaccedilatildeo com a

homogeneizaccedilatildeo das ideias que pode dar mais espaccedilo para grupos diversos

alcanccedilarem cargos na administraccedilatildeo puacuteblica

Segundo Carvalho (2007) a liga natildeo foi propriamente um partido mas uma

orientaccedilatildeo poliacutetica e Alencar a considerava como um ldquomomentordquo da conciliaccedilatildeo

Nada mudaria afinal As eleiccedilotildees continuariam a serem compradas com as

ldquoceacutedulas pagas agrave vista ou descontadas com promessas de pingues empregos e

depreciadas condecoraccedilotildeesrdquo (ALENCAR 2009 p37) O circo estava posto os

comiacutecios apresentados como espetaacuteculos nos teatros puacuteblicos a imprensa tatildeo

ldquobem desenhada nesta grande capital que mata as folhas poliacuteticas e soacute fomenta as

gazetas industriaisrdquo37 (ALENCAR 2009 p37)

Termina a carta de 03 de dezembro desiludido mas natildeo sem lanccedilar seu bilhete da

sorte

O povo inerte os partidos extintos o parlamento decaiacutedo Restam eacute verdade alguns cidadatildeos eminentes abrigados na tribuna vitaliacutecia como as reliacutequias do senado romano esperam tranquilos em suas curules o momento de morrer com a liberdade que amaram (ALENCAR 2009 p37)

O Senado eacute visto aqui como a instituiccedilatildeo merecedora de creacutedito dentro de tudo o

mais que foi criticado Mas seraacute que os olhos do missivista natildeo procuravam jaacute por

uma cadeira naquela casa

A carta datada de 09 de dezembro inicia derramando louros sobre a cabeccedila de D

Pedro II Alencar chega a chama-lo pelo epiacuteteto de Rei sol logo depois se corrigindo

(se eacute que isso seja possiacutevel) e tratando de conduzir a luz do imperador do Brasil

para longe da referecircncia de Luiz XIV ndash seria ele ldquoo foco brilhante que rege todo um

sistema e dardeja luz e calor para a naccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p39) O foco

realmente estaacute em criacuteticas puacuteblicas de que haja certa interferecircncia do imperador na

37 Alencar sabe que o leitor de poliacutetica busca os folhetos e pasquins comuns no periacuteodo O leitor de

jornais regulares busca outros atrativos Ele mesmo aumentou a venda da ldquoGazeta do Rio de

Janeirordquo enquanto seu soacutecio e editor com a publicaccedilatildeo de um romance de folhetim O Guarani

administraccedilatildeo (na maacute administraccedilatildeo) o que Alencar chama de modo de governo

pessoal responsabilizando o imperador pelos atos dos ministros apesar da

responsabilizaccedilatildeo expressa pela doutrina liberal de que o governante estaacute laacute para

exercer a soberania dada a ele pelo povo Cabe lembrar que pela constituiccedilatildeo do

Impeacuterio o Imperador natildeo poderia ser responsabilizado por suas accedilotildees A referecircncia

ao Rei Sol se daacute neste sentido pois a constituiccedilatildeo brasileira de 1824 no seu artigo

99 diz claramente que a pessoa do Imperador eacute sagrada e inviolaacutevel38 Ele natildeo estaacute

sujeito a responsabilidade alguma Eacute enquanto do exerciacutecio do Poder Moderador

que adviriam as responsabilidades Por vezes temos a impressatildeo de que Alencar

exagera sua veia romacircntica como uma forma pessoal de provocaccedilatildeo No momento

defende a postura de D Pedro

Minha convicccedilatildeo vai muito aleacutem Natildeo somente nenhuma influecircncia direta exerceis no governo mas vosso escruacutepulo chega ao ponto de frequentes vezes concentrar aquele reflexo que uma inteligecircncia satilde e robusta como a vossa deve derramar sobre a administraccedilatildeo (ALENCAR 2009 p 39)

Depois de alguns anos jaacute como Ministro Alencar se arrependeraacute dessas palavras

enquanto observa os muitos ldquobilhetinhosrdquo de D Pedro sobre sua mesa indagando e

bisbilhotando na pasta da Justiccedila Mas a verdade eacute que Alencar eacute um dos

defensores da responsabilizaccedilatildeo do monarca por seus atos recaindo esta (sendo

dividida) tambeacutem sobre o ministeacuterio O que determinaria o poder moderador como

limitado longe do despotismo de Luiz XIV Como um bom conservador Alencar eacute

dogmaacutetico e pessimista quanto as mudanccedilas que poderiam acontecer se o

Imperador natildeo se impusesse

Em um segundo momento compara D Pedro II a Jorge III da Inglaterra pela

inflexibilidade do caraacuteter e poder39 cita o episoacutedio em que depois de muitas

tentativas consegue sucesso com um ministeacuterio em que liberais e conservadores

trabalhassem juntos ldquona ceacutelebre coalizatildeo de North Fox Cavendish Keppel Burke e

outrosrdquo (ALENCAR 2009 p41) Mas laacute sustenta formaram-se ldquopartidos vigorosos

38

Conforme a CONSTITUICAtildeO POLIacuteTICA DO IMPERIO DO BRAZIL (DE 25 DE MARCcedilO DE 1824)

Disponiacutevel por exemplo em wwwplanaltogovbrccivil_03constituiccedilatildeo24htm 39 Jorge III foi cognominado ldquoo loucordquo por apresentar problemas de sanidade mental durante seu

reinado

que agrave inflexibilidade da coroa opunham a firmeza e rigidez de seus princiacutepiosrdquo No

Brasil ndash segundo Alencar - o parlamento estaacute entregue a homens preocupados com

seu poder e capacidade de enriquecimento esquecendo-se do povo e mesmo da

eacutetica que os deveria conduzir

Nesta carta volta a criticar as coalisotildees que se operam nas casas poliacuteticas inclusive

no conselho de Estado aonde chega a sugerir que estes (os conselheiros) estejam

em busca por ldquoapenas uma aliagem [sic] de individualidades na esperanccedila de

engrandecimento pessoalrdquo (ALENCAR 2009 p42) Critica tambeacutem a instituiccedilatildeo dos

Voluntaacuterios da Paacutetria acreditando ser uma forma de fragmentar a hierarquia dentro

do exeacutercito sugerindo algo feito a revelia de D Pedro II e a que este se aliaria

depois para agradar ao grupo

Apreciais devidamente o exeacutercito que ama com entusiasmo seu monarca e zeloso protetor Natildeo era possiacutevel que cogitaacutesseis um meio de desgostaacute-lo profundamente estabelecendo preferecircncias a favor de bisonhos soldados com pretericcedilatildeo de bravos veteranos cheios de serviccedilos e jaacute traquejadas pela vitoacuteria (ALENCAR 2009 p 43)

O imperador foi para Uruguaiana como o primeiro voluntaacuterio da paacutetria em um

exemplo de patriotismo e espiacuterito de lideranccedila e tentando tambeacutem criar um estado

de acircnimo geral no oficialato Aqui ainda natildeo estaacute o Alencar a se referir ao

recrutamento forccedilado de homens pelos presidentes das proviacutencias que viria mesmo

a criticar enquanto ministro como uma violaccedilatildeo da liberdade E por falar em

ministros a incompetecircncia destes ndash chamados por ele de ldquoefecircmerosrdquo - eacute ponto

paciacutefico Em sua criacutetica tambeacutem natildeo deixa de alfinetar o imperador garantindo que

os ministros fraacutegeis que satildeo ldquonatildeo ousariam tanto sem a certeza do apoio da coroardquo

(ALENCAR 2009 p42) Acusaccedilotildees de corrupccedilatildeo preenchem as vaacuterias paacuteginas das

cartas e indicam senatildeo cumplicidade ao menos consciecircncia do imperador sobre tal

situaccedilatildeo Alencar encena uma defesa mas ao mesmo tempo critica a praacutetica da

(podemos chamar) natildeo-interferecircncia no executivo por parte do Imperador Ao fim

qualquer atitude da coroa de accedilatildeo ou omissatildeo eacute objeto para o jogo de poder que se

daacute no parlamento

Em certo ponto da carta faz uma alusatildeo a Caxias chamado para o comando de

tropas no Rio da Prata A figura de Caxias - da parte que interessava ao Alencar -

era um poliacutetico respeitado vinculado ao partido conservador Surgindo como um

salvador da paacutetria exigia atenccedilatildeo do ministeacuterio e do Imperador No episoacutedio do

desentendimento com Zacarias de Goacuteis em 1868 entatildeo presidente do gabinete o

primeiro sairia vencedor mas sua vitoacuteria mudaria em muito os rumos da poliacutetica

nacional Mas por agora o ocircnus de um desenvolvimento deficiente das tropas na

guerra recaiacutea sobre o imperador Esta era a fala de Alencar e segundo ele ldquoesta eacute a

verdaderdquo (ALENCAR 2009 p47)

Na quita carta Alencar toma as figuras de Maquiavel e de Dacircmocles - uma

personagem da mitologia grega a quem se atribui uma faacutebula sobre a precariedade

do poder Nota-se ateacute aqui a facilidade com que Alencar se refere a mitologias

diversas indicando que o texto se dirige a um puacuteblico seleto No impeacuterio era uma

praacutetica a menccedilatildeo a mitologia greco-romana e a figuras biacuteblicas como forma de

demonstrar o domiacutenio de uma cultura letrada (o que eacute particularmente importante

para o Alencar que segundo Neto (2006) era visto com certo preconceito por ter se

formado em uma faculdade de Satildeo Paulo e natildeo na Europa como os membros mais

antigos do parlamento) A referecircncia a Maquiavel novamente serve para lembrar a

D Pedro II que o fim justifica meios e se omitir natildeo eacute a melhor atitude Ainda que

tratado em ldquocarta abertardquo a alusatildeo constante a capacidade intelectual do imperador

funciona como um indicativo (velado) da distacircncia cultural que o separa do povo

Natildeo soacute ele mas praticamente a totalidade da burocracia

A liberdade com que o texto constroacutei o periacuteodo criticando-o natildeo seria encontrada

(tampouco permitida) novamente tatildeo cedo Na repuacuteblica no Estado Novo e mesmo

em periacuteodos bem mais proacuteximos de noacutes a liberdade de imprensa natildeo seria algo

possiacutevel Um trecho da carta apresenta uma criacutetica agrave postura dos jornais sobre a

esquiva poliacutetica do imperador por ser tratado sem o devido respeito No Brasil do

segundo reinado o povo detinha a informaccedilatildeo ndash apresentada pelos veiacuteculos de

comunicaccedilatildeo - mas natildeo conseguia entende-la ou efetiva-la dada sua falta de

instruccedilatildeo O povo tambeacutem neste sentido vive agrave margem das discussotildees poliacuteticas

natildeo podendo entrar em suas aacuteguas tumultuadas Ou em suas margens natildeo se

preocupa com problemas abstratos mas com a realidade que observa no cotidiano

No trecho

Na parte natildeo editorial satildeo frequentes os artigos pagos com endereccedilo a vossa augusta pessoa Conteacutem eles queixas de indiviacuteduos de todas as classes sobre minudecircncias do expediente de empregados subalternos Apelam os suacuteditos para vossa autoridade agrave qual parecem ter devolvido

toda confianccedila e todo poder (ALENCAR 2009 p 53)

Nota-se aqui a preocupaccedilatildeo com o favor real O favorecimento individual O suacutedito e

D Pedro II deixava isto de certa forma impliacutecito poderia procurar o Imperador como

a um balcatildeo de queixas sobre as instituiccedilotildees puacuteblicas Alencar sabia que o povo

estava com D Pedro ldquoEste povo apaacutetico e indiferente agraves mais nobres funccedilotildees da

soberania ainda sente por vossa pessoa sinceros transportes () [sente no

imperador] o estandarte capaz de nestes tempos inertes levantar entusiasmos em

prol de uma causardquo (ALENCAR 2009 p50) quando da partida para Uruguaiana

alude a populaccedilatildeo que ldquo se aglomerou em vossa passagem agrave hora da despedida e

da voltardquo (ALENCAR 2009 p52) Mas o povo pouco importa para a elite Aqui o

povo ainda eacute visto como uma massa ignorante sendo mais uma questatildeo de poliacutecia

do que de poliacutetica Talvez este seja o sentido da frase em que se refere agraves elites

localizadas ldquonas camadas superiores da sociedade onde a luz penetra mais clarardquo

(ALENCAR 2009 p54) Se D Pedro II natildeo tiver uma atitude eneacutergica frente aos

acontecimentos e sobre a corrupccedilatildeo que assola o periacuteodo ndash utilizando-se do Poder

Moderador o que a constituiccedilatildeo permitia ndash seraacute responsabilizado no tempo Alencar

ainda profetiza ldquoA naccedilatildeo vos ama mas a histoacuteria vos julgaraacute com severidaderdquo

(ALENCAR 2009 p56) E continua em tom provocador aproveitando o momento

da guerra como mote para o discurso afirmando que ldquoo trono que a naccedilatildeo vos

confiou eacute um posto de honra Deveis a Deus e ao povo sua guarda severa Natildeo

podeis esquivar-vos a ela sob pena de deserccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p58)

Novamente Alencar afirma concordando com Hobbes a relaccedilatildeo da soberania que

eacute dada pelo povo ao soberano e dele espera um rumo para a sociedade

Para a sexta carta Alencar prefere iniciar em um tom mais ameno novamente

aludindo a ilustraccedilatildeo do imperador em contraposiccedilatildeo com a ldquoatoniardquo do povo O

problema continua no combate eacute ldquoa depravaccedilatildeo do organismo poliacutetico de que

resultou o amortecimento das crenccedilas a extinccedilatildeo dos partidos e a corrupccedilatildeo

espantosardquo (ALENCAR 2009 p59) que estaacute por toda a parte Qual seria questiona

agrave D Pedro II a causa do mal que assola o paiacutes A resposta que propotildee eacute a da falta

de educaccedilatildeo poliacutetica Nesse momento Alencar faz uma breve exposiccedilatildeo sobre a

monarquia parlamentar e o regime republicano e suas relaccedilotildees enquanto

representaccedilotildees do povo justificando que o povo brasileiro ldquoeste povo nobre e digno

das instituiccedilotildees que o regem este povo precoce para a liberdade pois ainda na

infacircncia colonial jaacute se eletrizava com ela natildeo foi educado como merecia para a

monarquia representativardquo (ALENCAR 2009 p61) Alencar tenta amalgamar as

propostas de educaccedilatildeo para o povo com o persistente discurso da tutela do povo

que caracteriza um traccedilo fortemente conservador Eacute o mesmo discurso que Alencar

propotildee para a manutenccedilatildeo da escravidatildeo de que o sistema escravagista teria a

funccedilatildeo de educar o escravo para o conviacutevio social Aqui preferimos acreditar que se

trata de uma estrateacutegia discursiva Este ldquopovordquo de quem fala parece ser o descrito no

paraacutegrafo seguinte

Em 1821 a independecircncia se fez no entusiasmo da liberdade O Brasil conquistou simultaneamente o governo dos brasileiros pelos brasileiros e o governo do povo pelo povo

Desde 1808 com a vinda do rei e a invasatildeo de Portugal a emigraccedilatildeo da metroacutepole para a colocircnia fora muito crescida havia pois ao lado da populaccedilatildeo nata uma populaccedilatildeo adventiacutecia mas jaacute ligada agrave outra por identidade de liacutengua laccedilos de sangue e relaccedilotildees domeacutesticas (ALENCAR 2009 p 62)

O povo eacute o modelo civilizacional trazido de Portugal (modelo europeu) e no caso da

independecircncia as elites que a sustentaram Percebemos que Alencar acreditava na

diferenccedila jaacute demonstrada anteriormente entre povo e plebe (BASILE 2006) A

imprensa segundo ele tenta trabalhar essa educaccedilatildeo poliacutetica para o povo

notadamente com ideias liberais Haacute de se considerar para o periacuteodo jaacute uma

geraccedilatildeo como o Alencar de poliacuteticos formados no Brasil com influecircncia de ideias

liberais A homogeneidade garantida pelo estudo em Coimbra havia sido deixada

nos tempos da colocircnia e os laccedilos entre os indiviacuteduos de proviacutencias diferentes que se

juntavam nas faculdades criadas no Brasil tendiam a aumentar o que deixava de

caracterizar um estamento e passava a transferecircncia das decisotildees para os grupos

socializados de forma diversa nos nuacutecleos brasileiros ndash principalmente o Direito para

a formaccedilatildeo das novas elites da burocracia Este foi o elemento de formaccedilatildeo poliacutetica

para a elite brasileira baseado na educaccedilatildeo Mas o povo soacute tinha acesso aos jornais

e outras poucas miacutedias impressas

Ao mesmo tempo mas tambeacutem sustentando o intelectual como parte da elite

poliacutetica Alencar traccedila um perfil da aristocracia brasileira Esta seria

Composta em geral de duas classes de pessoas os abastados de inteligecircncia e escassos de cabedais e os ricos de haveres mas pobres de ilustraccedilatildeo raros bem raros satildeo os que tecircm a forccedila de se conservar em sua oacuterbita Aqueles urgidos pela seduccedilatildeo do luxo e mesmo pela necessidade buscam nos altos empregos puacuteblicos e elevadas posiccedilotildees uma renda ou as facilidades de alianccedilas e estabelecimentos avantajados Estes pruridos pela vaidade se oferecem aos desejos dos primeiros em compensaccedilatildeo de graccedilas e consideraccedilatildeo (ALENCAR 2009 p6465)

Alencar confirma a necessidade de que (alguns elementos) sua geraccedilatildeo de

ldquobachareacuteisrdquo precisem vincular-se ao governo atraveacutes de cargos na burocracia como

uma questatildeo de sobrevivecircncia e associar-se a alguns grupos econocircmicos ldquoem

compensaccedilatildeo de graccedilas e consideraccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p65) Alencar tambeacutem

eacute um deles o que desmente seu discurso sobre os bens de o que chama de uma

ldquoempregocraciardquo (ou a fundamenta) Os grupos se modificam os poliacuteticos podem

mudar mas a situaccedilatildeo permanece uma aristocracia que manipula o povo inerte

Sobre a imprensa esta se tornou ldquoum luxo entre noacutes as leis fiscais a fizeram tal O

povo eacute pobre e natildeo pode pagaacute-la Alguns perioacutedicos aparecem com sacrifiacutecios

enormes que vegetam em estreito ciacuterculo e afinal acabam inanidosrdquo (ALENCAR

2009 p67) Eacute bem verdade que os pequenos natildeo conseguem sobreviver e

() as folhas diaacuterias de grande formato e circulaccedilatildeo essas constituem o feudalismo da publicidade Suas colunas abertas agrave concorrecircncia mal chegam para os abastados a emissatildeo das ideias ali importa uma despesa natildeo soacute de inteligecircncia e estudo mas do grosso cabedal (ALENCAR 2009 p68)

Esta imprensa ldquoque tem suas raiacutezes como suas ramificaccedilotildees na aristocracia

burguesardquo (ALENCAR 2009 p67) natildeo iraacute atacar a aristocracia Antes a ela se une

Entendemos aqui que a mesma imprensa que serviria a educaccedilatildeo do povo (segundo

Alencar) estaacute vinculada a aristocracia Reafirmamos que o povo que a tanto se

refere Alencar satildeo aqueles que possuem a cidadania confirmada certo grau de

educaccedilatildeo e renda Natildeo o grosso da populaccedilatildeo As ideias liberais pregadas natildeo satildeo

possiacuteveis para todos os homens Termina afirmando que ldquoo uacutenico meio eficaz de

salvar o paiacutes senhor eacute uniatildeo firme dos homens de bem de que sois o chefe

legiacutetimo contra a imoralidaderdquo (ALENCAR 2009 p67) Para onde deveremos ir se

Alencar deixou aqui poucas opccedilotildees para descobrir quem satildeo afinal os chamados

homens de bem Seriam estes os ldquohomens bonsrdquo do municiacutepio no periacuteodo colonial

(FAORO 2004) em uma roupagem mais nobre

Na seacutetima carta Alencar propotildee um estudo sobre a estagnaccedilatildeo em que se encontra

o paiacutes e sustenta que tal estudo deva abranger ldquoa importante questatildeo do sistema

segundo o qual deve funcionar a coroa na monarquia representativardquo (ALENCAR

2009 p69) Isto sem mexer na legislaccedilatildeo Seus fundamentos se assentariam sobre

a praacutetica e experiecircncia (uma experiecircncia que o teoacuterico Alencar ainda natildeo tem)

Busca uma justificaccedilatildeo baseando-se na ldquoliccedilatildeo fecunda do povo mestre em ciecircncia

governamental inventor do sistema representativo e seu modelordquo (ALENCAR 2009

p70) que sendo o imperador constitucionalmente o chefe do poder executivo

exerce sua qualificaccedilatildeo ldquohonoriacuteficardquo por meio dos ministros Investido de majestade

eacute chefe tambeacutem do judiciaacuterio o que se sustenta pelo simples fato de que em todos

os tribunais as sentenccedilas satildeo expedidas em nome do imperador No executivo os

ministros trabalham como um corpo uacutenico e ldquopodem levar para o conselho vaacuterios e

encontrados alvitres a respeito de uma questatildeo importante Na discussatildeo os

argumentos satildeo desenvolvidos e ponderadas as objeccedilotildees Afinal () constroem

uma opiniatildeo meacutedia que natildeo sendo de nenhum ministro individualmente seja a do

ministeacuteriordquo (ALENCAR 2009 p71) A solidariedade eacute o princiacutepio de coesatildeo do

grupo

Em todo momento propiacutecio Alencar toma a Inglaterra como o princiacutepio exemplar

Natildeo por ser a naccedilatildeo mais poderosa e comercialmente mais proacutexima do Brasil nem

mesmo pelo modelo civilizacional que a burguesia brasileira do periacuteodo toma da

Inglaterra mas pela reduzida forccedila que o monarca tem frente ao parlamento que eacute a

tocircnica de Locke Rousseau e Mill Apesar das palavras elogiosas e galanteadoras do

missivista seu intuito eacute o de fazer ver a D Pedro II sua ldquoobrigaccedilatildeordquo de interferir no

sistema quando este estivesse falindo e reorganiza-lo para novamente deixa-lo

seguir sozinho Possibilidade que Alencar natildeo encontra tatildeo facilmente na Inglaterra

O que Erasmo quer afinal eacute a mudanccedila do grupo dirigente porquanto alude aos

atos do Imperador indicando uma postura eacutetica deste quanto ao uso do poder

Moderador Alencar tenta construir a ideia de que natildeo eacute o Imperador quem demite

um ministeacuterio mas ao curso de algum problema maior ldquoa dignidade de homens e

sinceridade de poliacuteticos exigem que incontinente deem e natildeo peccedilam sua demissatildeo

respeitosardquo (ALENCAR 2009 p73) em vista de que o poder lhes eacute delegado e o

Estado deve ter uma accedilatildeo menor em tal processo Eacute a soberania constituiacuteda na

figura do Imperador a consciecircncia ilustrada do povo Eacute para que ldquoo poder moderador

acompanhe de perto a trilha da administraccedilatildeo e observe seus rumos que ele foi

instituiacutedo chefe titular do executivordquo (ALENCAR 2009 p73) Alencar entende que o

poder emana do povo e o Estado deve funcionar antes como um organizador do

desenvolvimento da naccedilatildeo mais uma proposta liberal para a administraccedilatildeo do paiacutes

Para Alencar os dois partidos se alternavam nos gabinetes mas nenhum deles

consegue tempo bastante para realizar seus projetos Alternavam-se e quando no

poder veem-se ldquoesterilizados pela resistecircncia demasiada que encontravam na

moderaccedilatildeo e prudecircncia da coroardquo (ALENCAR 2009 p77) para a realizaccedilatildeo de

necessaacuterias mudanccedilas que pudessem criar um dinamismo na administraccedilatildeo puacuteblica

Um dinamismo que oferecesse uma maior liberdade de investimentos para o

desenvolvimento da naccedilatildeo Mas isso tambeacutem eacute culpa segundo ele da

desorganizaccedilatildeo ideoloacutegica dos partidos e de sua situaccedilatildeo de distanciamento das

bases populares (se eacute que houvesse) O monarca representa o poder nacional

situado acima do sistema que ldquoplaina sobre os outros meros poderes poliacuteticosrdquo

(ALENCAR 2009 p79) O termo poder nacional explica Alencar eacute usado para

designar ldquoa quase comunidade em que se acha com a naccedilatildeo Nele reside uma parte

da soberania popular que se isolou em princiacutepio e se consolidou nessa grande

individualidade a fim de resistir aos desvarios da opiniatildeordquo (ALENCAR 2009 p79)

Alencar falando das instituiccedilotildees lembra os liberais de 1834 que extinguiram o

conselho de Estado eliminando assim o elemento aristocraacutetico que se agarrava a

coroa Alencar sugere que ldquoos atos do poder moderador satildeo de exclusiva

competecircncia vossa [do Imperador] para exercecirc-los natildeo dependeis de agentes e

atualmente nem de conselhordquo (ALENCAR 2009 p81) Mas se observarmos bem

como nos mostra Carvalho (2009) o conselho de Estado apesar de natildeo muito

solicitado e de a despeito de tudo tratar de assuntos em sua maioria sem uma

significacircncia maior era um oacutergatildeo consultivo importante que garantiria uma visatildeo

realista de problemas praacuteticos a que o Imperador provavelmente natildeo tinha acesso

como na deposiccedilatildeo do ministeacuterio Zacarias de Goacuteis Ali o conselho foi olvido e

opinou apesar da decisatildeo final ser de D Pedro II este seguiu o voto dos

conselheiros Mesmo sendo a escolha para o cargo de conselheiro uma

competecircncia exclusiva da coroa e provavelmente D Pedro II natildeo viria a escolher

algueacutem de quem natildeo quisesse ouvir a opiniatildeo tendendo assim a formaccedilatildeo do

conselho para um formato que estivesse mais proacuteximo do temperamento do

imperador e de suas pretensotildees o proacuteprio ato de consulta sugere uma anaacutelise mais

apurada das diversas situaccedilotildees e assuntos (CARVALHO 2007)

O poder moderador eacute uma das bandeiras de Alencar E segundo ele emana

tambeacutem do povo Escreve que ldquo() o poder moderador eacute a consciecircncia ilustrada do

povo [Esse povo] que aceitou a lei fundamental de 25 de marccedilo de 1824 tinha sem

contestaccedilatildeo o direito soberano de a revogar apenas se convencesse que natildeo era a

mais proacutepria para sua felicidaderdquo (ALENCAR 2009 p82) Novamente colocando o

ldquopovordquo enquanto seus representantes A defesa da monarquia constitucional

baseada na lei com os poderes cedidos pelo povo a um governante escolhido Mas

os senadores e mesmo os deputados com poder constituinte estavam muito

distantes do proclamado povo das cartas de Erasmo Em determinado ponto

Alencar chega a defender que ldquoa forccedila ativa do poder moderador eacute

sobreconstitucionalrdquo (ALENCAR 2009 p88) o que parece incoerente com uma

monarquia constitucional Admitindo que este possa dissolver o legislativo demitir

ministeacuterios afirma que ldquonenhum poder nem mesmo o povo tem no domiacutenio da

constituiccedilatildeo faculdade igualrdquo (ALENCAR 2009 p89) D Pedro I aprovaria tais

medidas

Todos os atos do soberano se entendidos como atos do povo soacute levariam o paiacutes

novamente para o absolutismo para a ideia gasta que o proacuteprio Alencar sugere na

carta anterior de que ndash o povo sou eu - o Estado sou eu E todo o resto quando

chama D Pedro II pelo epiacuteteto de rei sol Aqui temos a face do intelectual utilizando-

se de seu texto complexo como uma arma totalmente associado com as elites

dirigentes e servindo de instrumento para sua justificaccedilatildeo Em uma das romacircnticas

figuras que toma compara D Pedro II ao profeta biacuteblico Josueacute indicando que ldquoo

profeta recebia sua possanccedila de Deus o imperador a recebe da leirdquo (ALENCAR

2009 p92) Mas de qual lei se jaacute indica anteriormente ser o poder moderador

sobreconstitucional O que se vecirc eacute que a lei eacute mais um instrumento modificaacutevel pra

justificar a permanecircncia no poder mais uma caracteriacutestica de adequaccedilatildeo do

liberalismo as necessidades das elites locais no poder Alencar como advogado

bem sabe o que escreve

Ao iniciar a nona carta Alencar se apresenta como a voz da consciecircncia do

Imperador o seu pensamento em forma sensiacutevel uma intimidade que o desperta O

tom pressupotildee uma intimidade que jaacute teria sido conquistada com na sequencia das

cartas Faz uma apologia da aristocracia tomando-a como ldquoum elemento infaliacutevel e

salutar no governo e na sociedaderdquo (ALENCAR 2009 p95) Acredita que sem este

estiacutemulo a ldquoelevaccedilatildeo a humanidade ficaria eternamente jungida agrave sua animalidaderdquo

(ALENCAR 2009 p95) Mas eacute preciso conter o poder da aristocracia A monarquia

deve tirar ldquoa esse elemento o privileacutegio de casta que o torna odioso e absurdordquo

(ALENCAR 2009 p95) Defende aqui a aristocracia burocraacutetica com vistas agrave

defesa da monarquia constitucional visto que o monarca a serviccedilo das leis estaria

limitado por esta aristocracia que determina tais leis e essa aristocracia seriam os

elementos do povo fazendo parte do legislativo

Jaacute eacute passado o tempo de D Pedro I que entendia dever seguir a constituiccedilatildeo se

esta estivesse a sua altura (querendo dizer se estivesse conforme seu gosto

pessoal) Os tempos satildeo outros e o Imperador eacute uma peccedila do sistema poliacutetico

escolhido pelas elites para a naccedilatildeo que se forma a partir da independecircncia

(CARVALHO 2007) Eacute preciso dar elementos legais para que o paiacutes se desenvolva

e crie mais riqueza com uma intervenccedilatildeo menor do Estado e ao mesmo tempo natildeo

se modifiquem as condiccedilotildees estaacuteveis conquistadas pelas elites no poder Eacute o traccedilo

que caracteriza o periacuteodo uma postura liberal e ao mesmo tempo conservadora

como modelo ideoloacutegico a ser construiacutedo Um traccedilo caracteriacutestico eacute o sistema de

captaccedilatildeo de intelectuais para os quadros da burocracia que segundo Alencar eacute

uma necessidade Explica ele que

A nossa aristocracia eacute burocraacutetica natildeo que se componha somente de funcionaacuterios puacuteblicos mas essa classe forma a sua base agrave qual adere por alianccedila ou dependecircncia toda a camada superior da sociedade brasileira

Para o desenvolvimento espantoso que tem esse corpo oficial entre noacutes natildeo concorre como pensam o nuacutemero dos empregos mas sim a tendecircncia absorvente da administraccedilatildeo a par da falta de iniciativa particular (ALENCAR 2009 p96)

O Estado gera os empregos para absorver a oferta que cria com os cursos

superiores eacute preciso que se crie uma elite que vaacute administrar o paiacutes eacute certo mas

tudo depende da accedilatildeo do Estado Alencar em um feliz paraacutegrafo delineia suas

pretensotildees poliacuteticas com um pedido que elogiando anteriormente as geraccedilotildees mais

jovens e sua capacidade de adaptaccedilatildeo a adversidade sugere

Volvei os olhos em torno senhor e procurai um homem superior que se tenha elevado do seio do povo na robustez de suas crenccedilas na virgindade de sua inteligecircncia na amplitude enfim de sua personalidade

Natildeo o encontrareis eu vos garanto (ALENCAR 2007 p 97)

Quando sugere um novo nome a sugestatildeo jaacute estaacute feita Mesmo acrescentando no

paraacutegrafo seguinte que natildeo se conseguiria encontrar a construccedilatildeo coloca o criacutetico

como a escolha acertada para a resoluccedilatildeo do problema Eacute um efeito da carta aberta

todos tecircm direito a uma opiniatildeo A opiniatildeo ldquopuacuteblicardquo que tanta preocupaccedilatildeo leva ao

Imperador E mesmo esta pode ser manipulada (se natildeo o eacute) visto que segundo

sua criacutetica ldquoa burocracia fabrica a opiniatildeo puacuteblica no Brasil [considerando que] os

jornais como tudo neste impeacuterio vivem da benevolecircncia da administraccedilatildeordquo

(ALENCAR 2009 p96) com subvenccedilotildees que lhe indicam o caminho dos editoriais

A aristocracia tomada aqui por Alencar se refere ao que chama de melhores

indiviacuteduos escolhidos entre todos e o criteacuterio para a escolha seria o voto A elite

portanto eacute determinada pelo voto pela democracia representativa concordando

com as propostas do liberalismo com os tracircmites que a lei determina caccedilando e

permitindo o exerciacutecio do voto para um grupo determinado a quem eacute possiacutevel

exercer ldquofraccedilatildeo de soberania ativa reservada a cada individualidaderdquo (ALENCAR

2009 p98) a partir de uma seacuterie de regras estas tambeacutem determinadas por esta

aristocracia burocraacutetica

Alencar sugere que o gabinete estaacute dominado por esta burocracia Apesar das

escolhas dos ministros incidirem em uacuteltima instacircncia sobre o Imperador qualquer

que seja ela ldquoquaisquer que sejam os nomes por voacutes escolhidos senhor caracteres

iacutentegros vontades riacutegidas o corpo oficial logo os absorve e amalgama () [pois soacute]

vive pensa e governa no Brasil o espiacuterito burocraacuteticordquo (ALENCAR 2009 p99) O

parlamento impede que haja mudanccedilas que natildeo sejam de interesse das elites no

poder esta eacute a base da corrupccedilatildeo de que fala nosso missivista

Na uacuteltima carta desta seacuterie Alencar sugere que o cidadatildeo comum espera do

imperador atitude firma e severa frente ao estado de coisas que se apresenta Haacute

segundo ele uma necessidade de rdquorestauraccedilatildeo dos costumes e das leisrdquo

(ALENCAR 2009 p106) E eacute papel de D Pedro II comandar este movimento de

centralizaccedilatildeo ldquoA flor do paiacutes se reuniraacute ao redor do trono Esse haacute de ser vosso

partido o grande partido nacional da regeneraccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p107) eacute o

movimento a que aludimos da tradiccedilatildeo inventada outro lugar no tempo em que

sendo ldquoo Brasil () menor haacute vinte anos poreacutem estava entatildeo mais alto porque na

sumidade que domina o trono brilhavam os grandes nomes de nossa histoacuteriardquo

(ALENCAR 2009 p112) Eacute ali que o modelo de monarquia parlamentar

constitucional brasileiro cria um momento ilusoacuterio de estabilidade de cuja substacircncia

segundo o missivista devem sair os novos partidos poliacuteticos Eacute o periacuteodo

demarcado nos vinte anos nos conduz a 1845 onde o partido conservador volta

novamente a direccedilatildeo do Estado O apelo ao princiacutepio moral fundador de uma naccedilatildeo

que deve ser representado pela figura do imperador como seu protetor perpeacutetuo

define o modelo para os novos partidos que a partir daiacute seriam criados Partidos que

soacute poderatildeo refletir nesse caso as direccedilotildees dadas pelo trono Natildeo haacute no discurso

de Alencar a existecircncia de um lugar fora da ideologia

332 AO POVO AO REDATOR DO DIAacuteRIO DO RIO DE JANEIRO (ALENCAR

2009 p114-220)

Em junho de 1866 Alencar inicia outra seacuterie de cartas agora endereccediladas ao povo

Apesar de tratarmos do gecircnero ldquocarta abertardquo e sua funccedilatildeo primordial seja a

informaccedilatildeo do ldquopovordquo (no caso de um grupo relativamente grande) determinar

assim o destinataacuterio pressupotildee que a seacuterie de cartas anteriores endereccediladas ao

Imperador formam um todo com o novo conjunto em que Alencar se propotildee a ser o

elo entre o povo e o poder (GRANSCI 1989) Como Alencar havia sugerido no

conjunto anterior das cartas o poder moderador ndash nas matildeos do Imperador ndash seria o

instrumento de representaccedilatildeo do povo Em suas palavras ldquoO poder moderador eacute o

eu nacional a consciecircncia ilustrada do povordquo (ALENCAR 2011 p75) Entatildeo eacute das

obrigaccedilotildees e dos limites do poder moderador que tratamos

A estrateacutegia eacute a mesma Inicia seu discurso profetizando o fim da forccedila vital que

sustenta a naccedilatildeo afirmando que houve um tempo em que se poderia esperar do

trono soluccedilatildeo para segundo Alencar tamanha calamidade que vem afligindo o paiacutes

A guerra do Paraguai segue com quantidade enorme de baixas e percebe-se a

tristeza dos ldquochefes das famiacutelias brasileiras () como pais que geram a prole para a

desgraccedilardquo (ALENCAR 2009 p128) Os gastos com a guerra trazem ldquoa miseacuteriardquo para

esse paiacutes de tantos recursos ldquoRumores surdos assomos de impaciecircncia das

classes inferiores circulam a cidade () tais ecos anunciam profundos

ressentimentos do espiacuterito puacuteblicordquo (ALENCAR 2009 p128) Alencar acusa ao

gabinete de indiferenccedila frente agrave situaccedilatildeo contando com a conivecircncia (passiva) do

trono o que gera insatisfaccedilatildeo por parte da populaccedilatildeo pelos rumos da guerra O

apelo direto a famiacutelia aqui eacute muito representativo Carlo Buacutessula (1997) lembra que a

famiacutelia - e o indiviacuteduo pertencente a tal famiacutelia - existem antes do Estado E que a

autoridade deste lhe eacute outorgada pela famiacutelia e pelos indiviacuteduos que a compotildeem O

vocaacutebulo naccedilatildeo ainda segundo Buacutessula eacute derivaccedilatildeo do latim ldquonatiordquo que

entendemos por nascer Refere-se a um conjunto das famiacutelias ndash e suas lideranccedilas ndash

nascidas em determinada regiatildeo constituindo um grupo social de certa

homogeneidade e que partilha de uma cultura um domiciacutelio uma condiccedilatildeo de

pertencimento Podemos observar mesmo em textos mais antigos como em

Aristoacuteteles (1998) a afirmaccedilatildeo de que o Estado eacute uma reuniatildeo de famiacutelias Daiacute

podemos estender o pensamento e considerar as bases legais (neste periacuteodo) para

um ldquopaacutetrio poderrdquo O liacuteder de uma famiacutelia com sua extensatildeo a parentes agregados

e escravos tem sua autoridade como senhor depois a autoridade material que se

apresenta tambeacutem em relaccedilatildeo a sua mulher e a procriaccedilatildeo dos filhos e a

acumulaccedilatildeo de riqueza para o sustento do grupo ao qual eacute responsaacutevel Chegando

mais proacuteximo as relaccedilotildees entre Estado e Famiacutelia e seu pertencimento a terra ao

domiciacutelio e a busca pela liberdade podem ser relacionadas com as lutas dos barotildees

na Idade Meacutedia com o rei Joatildeo sem terra pelo reconhecimento de seus direitos da

liberdade e da aplicaccedilatildeo da justiccedila Aqui temos um contiacutenuo processo histoacuterico e

poliacutetico de superaccedilatildeo e no mesmo tempo conservaccedilatildeo dessa comunidade natural

que culmina no Estado nacional como um resultado da vontade desta comunidade

(CHAUIacute 1997)

Da mesma forma que Alencar se dirigiu ao Imperador comenta ele agora se dirige

ao povo para que este se levante de sua letargia e por fim ldquoacorde para defender o

patrimocircnio sagrado de suas liberdades e gloriosas tradiccedilotildeesrdquo (ALENCAR 2009

p131) No momento se define como um arauto que iraacute ldquofalar ao povo brasileiro e

proferir verdades que ele nunca ouviu nem de seus ditadores nem de seus

tribunosrdquo (ALENCAR 2009 p131) O interessante ndash devemos ressaltar - eacute que natildeo

haacute uma seacuterie de cartas endereccedilada ldquoao legislativordquo ou mesmo ldquoao senadordquo Tanto

Hobbes quanto Locke e Rousseau ndash cada qual a seu modo ndash defendiam a presenccedila

do parlamento O movimento em Alencar parece passar do povo diretamente ao

imperador deixando ao largo as instituiccedilotildees democraacuteticas40 como no absolutismo

em que o trono justifica todas as suas accedilotildees despoacuteticas justificada como para o

bem do povo a revelia de uma constituiccedilatildeo abonando sua intenccedilatildeo como a de

ldquorenovar a alianccedila da realeza com a democracia Quero restituir o monarca e o povo

um ao outrordquo (ALENCAR 2009 p131)

A primeira estrateacutegia de Alencar eacute delimitar o que acredita ser o povo ldquopor povo

entendo o corpo da naccedilatildeo sem distinccedilatildeo de classes excluiacutedos unicamente os

representantes e depositaacuterios do poderrdquo (ALENCAR 2009 p133) Apesar da

distacircncia que o vocabulaacuterio rebuscado constroacutei do povo a fala eacute justificada Os

depositaacuterios do poder deixam de ser uma categoria do povo por estar distante diste

econocircmica e culturalmente distante mas por que os representantes Nas cartas ao

imperador a camada de poliacuteticos (representantes) era a chaga que deveria ser

extinta ndash pelo menos alguns mas a atividade representativa natildeo deve distinguir o

poliacutetico do povo pelo menos eacute o que sustenta No paraacutegrafo seguinte toma o tom de

paraacutebola anunciando que mesmo os de menor capacidade no seio do povo

poderiam compreendecirc-lo

Aos grandes como aos pequenos falarei a linguagem que me deu a natureza compreendam-me os capazes pelo raciociacutenio os ignorantes pela intuiccedilatildeo misteriosa que em todos os tempos haacute inoculado a verdade no seio das massas

Carecia dizer-vos estas coisas (ALENCAR 2009 p 133)

Alencar se potildee acima das instituiccedilotildees para anunciar que o povo como no

movimento de 1834 ndash e provavelmente atraveacutes das verdades que este lhes diraacute nas

proacuteximas cartas ndash eacute o agente da mudanccedila do paiacutes corrompido Eacute bom lembrar o

conteuacutedo ideoloacutegico que tais afirmaccedilotildees carregam

As Ideologias surgem normalmente em periacuteodos de crise quando a visatildeo do mundo dominante natildeo consegue satisfazer novas e pressionantes necessidades sociais e pedem imperiosamente aos proacuteprios seguidores uma transformaccedilatildeo total da sociedade ou um afastamento dela (BOBBIO

40 Natildeo trata aqui das habituais ldquovisitasrdquo que o Imperador recebia de seus suacuteditos pedindo

empregos pedindo vetos a algum projeto ou perdatildeo de diacutevidas O discurso de Alencar eacute

intencional e bem planejado Indica realmente uma criacutetica agrave intromissatildeo de D Pedro em

determinados assuntos de responsabilidade do parlamento

1998 p 588)

Alencar conclama o povo para que este busque com sua forccedila pressionar as

instituiccedilotildees e mesmo a monarquia na figura de D Pedro II a fim de encontrar

soluccedilotildees para os problemas que apresenta nas cartas A associaccedilatildeo feita pelo

primeiro conjunto (cartas ao Imperador) indica que ldquoo povordquo eacute tambeacutem responsaacutevel

e o discurso lembra sua soberania frente a seus representantes Como afirmamos

anteriormente uma das caracteriacutesticas da prosaiacutestica utilizada eacute a afirmaccedilatildeo de que

tudo depende de uma ordem interna e Alencar constroacutei por via do discurso tal

ordem O impacto que isso tem eacute provavelmente grande O espiacuterito conciliador do

brasileiro (CARVALHO 2007) jaacute comeccedila a ser construiacutedo junto com a estabilidade

vinda depois do periacuteodo regencial e o controle (para)militar das revoltas tendo seu

uacuteltimo suspiro na Revolta da Praia Todos detidos alguns assimilados vaacuterios mortos

e esquecidos a centralizaccedilatildeo eacute uma meta e esta segue o caminho ditado pela

Corte no Rio de Janeiro

Alencar natildeo deixa sequer por um momento de fazer a associaccedilatildeo da coroa com o

povo sendo ele a justificaccedilatildeo para o poder moderador ldquodevo agrave majestade popular a

mesma franqueza que usei com a majestade imperialrdquo (ALENCAR 2009 p134)

Critica a condiccedilatildeo da populaccedilatildeo que natildeo recebe respeito por parte do Estado

afirmando que ldquoo cidadatildeo natildeo vale na medida de seus direitosrdquo (ALENCAR 2009

p135) o que eacute inaceitaacutevel para a teoria liberal claacutessica que vem da busca pela

liberdade Alencar afirma que soacute os que detecircm algum poder econocircmico possuem

direitos civis A liberdade do povo natildeo eacute respeitada Fala da guerra que

aparentemente deve continuar e da situaccedilatildeo moral e econocircmica que esta constitui

O governo toma da liberdade do povo tomando-lhe ldquoa substacircncia da vida ndash o

sangue o fruto do trabalho ndash o suorrdquo (ALENCAR 2009 p136) A poliacutetica do

recrutamento forccedilado da populaccedilatildeo eacute o tema inicial que leva o povo para ldquoeste

abismo para sorver milhares de vidas e os recursos de talvez um seacuteculo de

existecircnciardquo (ALENCAR 2009 p137) O povo aceitou ldquoa guerra com dignidade ()

mas no acircmago da consciecircncia nacional estaacute latente a indignaccedilatildeordquo (ALENCAR 2009

p137) Alencar nessa carta explora as ideias do liberalismo claacutessico quando fala da

relaccedilatildeo do povo com o Estado A busca da liberdade civil e poliacutetica os impostos

forccedilados para a manutenccedilatildeo da guerra o direito a vida e a felicidade tatildeo caros agrave

Bentham e Mill Como eacute possiacutevel um recrutamento forccedilado e como eacute possiacutevel que

algueacutem ndash praacutetica comum ndash possa mandar um escravo em seu lugar para sal a paacutetria

na qual o escravo natildeo tem direito a cidadania

O povo ldquocordato e brioso almejava eacute certo pela mudanccedila de nossa poliacutetica no Rio

da Pratardquo (ALENCAR 2009 p137) Alencar sustenta que

a poliacutetica de intervenccedilatildeo fora sobretudo filantroacutepica exprimia a caridade internacional de um povo por seus irmatildeos dilacerados () [que] o Brasil natildeo precisa do territoacuterio de seus vizinhos pois o tem de sobra e ubeacuterrimo tambeacutem natildeo eacute essencial para seu bem-estar a paz e equiliacutebrio das repuacuteblicas americanas (ALENCAR 2009 p138)

Eacute o momento da indignaccedilatildeo mas Alencar natildeo chega admitir que concorda com a

poliacutetica da coroa para a manutenccedilatildeo do territoacuterio tanto com guerras internas como

defendendo a fronteira sul do Brasil contra o inimigo externo Apresenta em favor

deste uacuteltimo argumento a ideia de que havia pendencias em aberto com as

Repuacuteblicas do Prata e que enfim a guerra poderia ser a soluccedilatildeo Mas tal guerra foi

incentivada pelo governo brasileiro sendo um de seus episoacutedios a missatildeo chefiada

por Joseacute Antocircnio Saraiva em maio de 1864 o executivo ldquosem ter obtido da

assembleia geral com os meios essenciais a aprovaccedilatildeo legislativardquo (ALENCAR

2009 p142) decide pela guerra e a populaccedilatildeo deve arcar com as consequecircncias

do ato apelando para a honra da naccedilatildeo sacrificada Alencar afirma que o legislativo

natildeo toma providecircncias (exigi-las do executivo) para tentar evitar a continuidade da

guerra ocupando-se de discursos vazios de sentido ldquoenquanto o paiacutes estorteja

deleitam-se na compostura de frases perluxas e nos guizos de suas ocas palavrasrdquo

(ALENCAR 2009 p145 A falta de accedilatildeo do Estado cria situaccedilotildees de

constrangimento para o paiacutes como os episoacutedios da questatildeo inglesa que jaacute

anunciavam a falta de tato poliacutetico da administraccedilatildeo puacuteblica De certo ldquoa eacutepoca

infeliz que vamos atravessando natildeo eacute realmente outra coisa senatildeo um grande e

longo desvario da razatildeo puacuteblicardquo (ALENCAR 2009 p146) a quem Alencar culpa

enfim a ascensatildeo da liga progressista entatildeo no governo

A guerra que sustentamos eacute desde sua origem um tecido de incongruecircncias

e desacertos Soacute haacute em toda ela de nobre digno e consolador a intrepidez de nossos marinheiros e soldados Virtude espontacircnea do homem e do povo produziu-se independente do governo e apesar dos esforccedilos adrede empregados para abafaacute-la (ALENCAR 2009 p 146)

A administraccedilatildeo da guerra para Alencar leva a inuacutemeros problemas Como a falta

de uma resposta de forccedila as humilhaccedilotildees sofridas pelo paiacutes as frentes de batalha

que enquanto lutam em uma fronteira

deixam o governo ao desamparo e franca aos paraguaios outra e importante fronteira abandonando assim criminosamente Mato Grosso agrave ruiacutena e assolaccedilatildeo () [Depois da] rendiccedilatildeo de Uruguaiana que fizemos ainda para desafronta da dignidade nacional agravada (ALENCAR 2009 p149)

A lenta marcha do exeacutercito agraves margens do Paranaacute daacute tempo agraves tropas inimigas de

abandonarem o local onde permanecem os aliados Aos jornais eram enviadas

notiacutecias de batalha para segundo Alencar acalentar a impaciecircncia puacuteblica sobre os

seus Quando enfim se alcanccedila o campo paraguaio

avanccedilamos apenas duas leacuteguas em territoacuterio inimigo e estacamos Invasor queda-se o grande exeacutercito agrave sombra da esquadra e natildeo avanccedila um passo Criou raiacutezes ali nos charcos pestiacuteferos que envenenam diariamente nossos bravos soldados (ALENCAR 2009 p152)

Falta comando agraves tropas de terra e mar o que acarreta maiores perdas humanas e

econocircmicas Alencar critica o tratado da triacuteplice alianccedila e o comando das tropas

brasileiras por militares argentinos sob as ordens do presidente Mitre e a falta de

empenho para a ldquopuniccedilatildeo dos desacatos feitos agrave nacionalidade brasileirardquo

(ALENCAR 2009 p155) chegando mesmo a acusar o estado de fechar os olhos

frente aos assassinatos perpetrados no acampamento contra os soldados

brasileiros e natildeo exigiam a pronta e severa puniccedilatildeo do crime com receio de

estremecer a alianccedila Eacute bom lembrar que um dos traccedilos do conservadorismo eacute o

nacionalismo Um nacionalismo que tem em certa medida ligaccedilatildeo com a

democracia

Falando da liberdade de pensamento

() eacute forccediloso que o Brasil mantenha seu nome de naccedilatildeo culta e de segunda grande potecircncia da Ameacuterica () [poreacutem] a poderosa liberdade do pensamento garantida pela constituiccedilatildeo brasileira a voz solene e vibrante do povo natildeo eacute de nosso paiacutes A imprensa e a tribuna existem entre noacutes por mera complacecircncia (ALENCAR 2009 p158)

A censura eacute constante em publicaccedilotildees desde a imprensa reacutegia uacutenica instalada no

paiacutes quando da vinda da Famiacutelia Real mas com D Pedro II isso se abreviou muito

a ponto do republicanismo ser discutido publicamente em clubes e jornais O

problema segundo ele eacute a incapacidade do povo em compreender os problemas

visto que ldquoa populaccedilatildeo jaz na indolecircncia ou estaacute ainda em geral submergida na

ignoracircncia o pensamento natildeo pode livremente circular Por maior forccedila que o

revista ele natildeo penetra jamais a flaacutecida superfiacutecie da indiferenccedilardquo (ALENCAR 2009

p159) o que faz com que natildeo seja possiacutevel uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees

sociais Alencar cumpre seu papel de intelectual como nos mostra Gramsci

enquanto busca incentivar o debate poliacutetico para elevar intelectual e moralmente

camadas cada vez mais amplas da populaccedilatildeo ou seja para dar personalidade a

massa Mas o que se tem quando da posiccedilatildeo completamente externa que Alencar

toma frente agrave populaccedilatildeo ele nega uma praacutexis transformadora desta e acaba por

atualizar a ideologia Quando critica o parlamento por exemplo em

Quanta influiccedilatildeo tem no paiacutes a aluviatildeo de palavras que diariamente se despenha da tribuna parlamentar ou se espraia na imprensa

Que peso exercem no espiacuterito puacuteblico as liccedilotildees da sabedoria e experiecircncia do conselho dos anciatildeos ou a palavra magistral e ungida pela sinceridade de um veneraacutevel Itaboraiacute ou de um provecto Pimenta Bueno (ALENCAR 2009 p 159)

A alusatildeo aos parlamentares que defendem os direitos do povo natildeo visa uma

transformaccedilatildeo mas apenas uma mudanccedila no grupo da elite que estaacute no poder

Visto que ndash no caso ndash tais direitos satildeo concessotildees Natildeo haacute uma discussatildeo com a

populaccedilatildeo sobre suas necessidades haacute - como pudemos notar - a resoluccedilatildeo de

problemas com vistas aos interesses das elites como por exemplo no caso do fim

do traacutefico de escravos e a aboliccedilatildeo que soacute vem a acontecer quando as elites

diretamente ligadas ao problema o permitem Ainda se vecirc traccedilos de preconceitos

herdados de uma aristocracia portuguesa no texto como uma natildeo valorizaccedilatildeo do

trabalho que natildeo seja intelectual como quando adverte ser necessaacuterio que o Brasil

mantenha-se frente aos problemas da guerra como um paiacutes civilizado ldquoou entatildeo se

reduza a uma terra de mercadoresrdquo (ALENCAR 2009 p152)

Alencar adverte ainda que ldquoo governo descansa pois tranquilo a este respeito [da

liberdade de pensamento] imprensa e tribuna satildeo inocentes folguedos para o nosso

povo menino Brincando esse jogo de liberdaderdquo (ALENCAR 2009 p160) que leva

somente a um vazio de accedilotildees Ilustra seu argumento dizendo que a Franccedila e ndash

querendo imita-la a Pruacutessia brevemente ndash concede aos suacuteditos o voto universal

Para o autor o voto universal ldquoeacute uma teteia poliacutetica semelhante agrave nossa imprensa

livrerdquo (ALENCAR 2009 p160) O autor defende o modelo de restriccedilotildees ndash censitaacuterio

no caso ndash para o sufraacutegio o que eacute mais um iacutendice de que o ldquopovordquo a quem Erasmo

dirige suas cartas eacute restrito e que a liberdade natildeo eacute para todos E ele mesmo

justifica afirmando que se for da vontade dos ldquodominadoresrdquo qualquer atitude ndash ou

projeto de revolta ndash que saia do povo poderia ser controlada mesmo ele

Um exemplo Estas cartas parecem a alguns dos nossos senhores inconvenientes a outros extravagantes Nenhum deles poreacutem afianccedilo ousaraacute contestaacute-las E para quecirc Basta-lhes soprar na doacutecil consciecircncia dos sateacutelites e em breve um sussurro se derrama pela cidade Esse sussurro natildeo diz mas infiltra de uma banda que estou fazendo a propaganda do absolutismo da outra que provoco o povo agrave revoluccedilatildeo (ALENCAR 2009 160)

E confirma a seguir em outro paraacutegrafo sua afirmaccedilatildeo mostrando que seu texto

natildeo tem tanta infiltraccedilatildeo como a ideologia reinante

A verdade poreacutem eacute que tais infiltraccedilotildees subterracircneas da aleivosia no espiacuterito pensante do paiacutes satildeo mais poderosas que a palavra eneacutergica do escritor atirada agraves turbas A chama desta se apaga caindo de arremesso no chatildeo a faiacutesca da outra vai se propagando sempre e surdamente O povo lecirc pouco mas escuta muito o que se diz em voz submissa (ALENCAR 2009 p161)

Em suma segundo Alencar eacute preciso ofertar uma educaccedilatildeo para o povo de forma

que este tenha maior consciecircncia de seu papel o que eacute um traccedilo liberal e ao

mesmo tempo sugere que no decorrer do processo o povo seja tutelado enquanto

natildeo alcanccedila uma maturidade intelectual e poliacutetica uma proposta decididamente

conservadora Alencar afirma que o povo teve sua histoacuteria recente marcada pela

revoluccedilatildeo e pela opiniatildeo Em todos os movimentos revolucionaacuterios teve de arcar

com consequecircncias que restringiriam sua liberdade Em 1824 a revolta de

Pernambuco foi logo contida Como consequecircncia D Pedro I com sua constituiccedilatildeo

liberal profana a liberdade prometida e cria as juntas militares Em 1831 com a

revoluccedilatildeo na Corte o povo triunfa sem um combate armado e aderia ao jovem

imperador Em 1837 o paiacutes sucumbe agrave anarquia que o partido liberal - entatildeo no

poder - natildeo consegue conter sendo salva a naccedilatildeo ndash segundo ele - pelo partido

conservador Em 1840 a revoluccedilatildeo imperial e o partido que a promove logo se vecirc

retirado do poder Levantando-se Minas e Satildeo Paulo em favor do partido Liberal

logo foram vencidos e ldquodas cinzas da revolta nasceram todas as leis homicidas da

liberdade que hoje nos parecem opressivas e naquele tempo foram salvadorasrdquo

(ALENCAR 2009 p163) Em 1842 a liberdade comeccedila a declinar vendo seu fim

proacuteximo em 1848 A liberdade eacute uma ilusatildeo ldquosagaz eacute a oligarquia que domina o

paiacutes [porque consegue] manter o povo na doce ilusatildeo de que eacute livrerdquo (ALENCAR

2009 p165) e assim sustentar uma poliacutetica de dominaccedilatildeo opressiva e constante

Ao povo falta a consciecircncia que gera a opiniatildeo

Alencar relata o episoacutedio das tropas inglesas na guerra da Crimeacuteia e a presenccedila de

um repoacuterter do jornal ldquoTimesrdquo no acampamento Sua presenccedila por um momento

censurada depois foi aceita como forma de ligaccedilatildeo entre a opiniatildeo puacuteblica e o

comando da guerra o que por fim salvaria a honra da Inglaterra na batalha com o

relato fiel do que via em seu cotidiano no campo de batalha Mas no Brasil a critica

natildeo eacute assim Aquele que ousa levantar ldquoa voz para arguir os erros deploraacuteveis

cometidos em uma guerra infauta eacute logo coberto com o baldatildeo e o insulto Seja

banido da paacutetria esse reacuteprobo poliacutetico ()rdquo (ALENCAR 2009 p170) desacreditada

sua accedilatildeo Para que natildeo sejam criados embaraccedilos ao governo sustenta ldquonatildeo se

deve preferir uma palavra ou balbuciar um receio [sobre a administraccedilatildeo da guerra]

() Esta heresia se escreveu na imprensa de um Estado livre ecoou em uma

tribuna que ainda chamam parlamentordquo (ALENCAR 2009 p171) funcionando como

uma poliacutetica de Estado que tenta manter a consciecircncia do povo distante dos

acontecimentos Eacute o tatildeo conhecido medo da revolta popular que assombra as elites

desde antes da independecircncia e tambeacutem para encobrir

o esbanjamento dos dinheiros puacuteblicos a dissipaccedilatildeo das forccedilas do Estado o atropelo erigido em atividade a ineacutercia com foros de prudecircncia [chegando a tanto descaso que] depois de um esbanjamento louco dos dinheiros puacuteblicos natildeo ter canhotildees para bombardear o inimigo e a ele () natildeo faltam armas aperfeiccediloadas de longo alcance (ALENCAR 2009 p177)

Eacute tal a quantidade de erros observados que causam extremo desacircnimo ao paiacutes O

atual gabinete41 eacute um dos responsaacuteveis ndash senatildeo o maior ndash devido ldquoa incoerecircncia

levada agrave infantilidade as contradiccedilotildees incessantes a negaccedilatildeo eterna de si mesmordquo

(ALENCAR 2009 p186) enquanto um grupo coeso causado por intrigas e

desafetos novos e antigos entre seus membros a falta de certo cuidado para tratar

com as possiacuteveis reaccedilotildees aos acontecimentos Natildeo deixa de criticar D Pedro II

novamente por natildeo tomar providecircncias para que tais conflitos internos e do gabinete

com a cacircmara dos deputados tenham um fim e o porquecirc disso tudo que ldquoeacute um

assunto digno da seacuteria meditaccedilatildeo do povordquo (ALENCAR 2009 p188) A

administraccedilatildeo da guerra foi deixada nas matildeos de seus agentes enquanto o

gabinete diz ter nestes a sua confianccedila tal o eacute que se permitem deixar-lhes livres

para desenvolver suas taacuteticas militares confirmam os ministros Estes uacuteltimos

estariam mais preocupados ndash segundo Alencar ndash em defender tais atitudes frente

aos parlamentares Sentindo-se esgotado desabafa em tom increacutedulo ldquoSoacute no

Brasilrdquo (a interjeiccedilatildeo faraacute histoacuteria)

Soacute no Brasil Escapou-me a palavra Soacute nesta eacutepoca desgraccedilada em que o Brasil desapareceu para deixar o lugar ao impeacuterio da alucinaccedilatildeo e desatino soacute durante esta siacutencope da razatildeo social torna-se possiacutevel a existecircncia de semelhantes desvarios e a jactacircncia de os haver praticado (ALENCAR 2009 p 194)

Desvarios permitidos senatildeo pela coroa e pela passividade do povo ldquoO governo natildeo

quer saber do que se passa nem faz a miacutenima exigecircncia Delegou sua razatildeo seu

dever seu pundonor no aacuterbitro supremo da Triacuteplice Alianccedilardquo (ALENCAR 2009

p196) a quem o tesouro brasileiro auxiliou ateacute na compra de armamentos

D Pedro II se guiaria pela opiniatildeo puacuteblica medida na publicitaccedilatildeo dos atos do

governo pelos jornais E os jornais da Corte nos garante Alencar jaacute estatildeo todos nas

41 Presidido pelo Marquecircs de Olinda Dura de 12051865 a 03081866

matildeos do ministeacuterio os partidos conservador e liberal a muito natildeo detecircm espaccedilos

nessas miacutedias Mas o imperador ldquoreconhece e sente mais no iacutentimo a crise perigosa

que oprime o paiacutesrdquo (ALENCAR 2009 p201) mas eacute tolerante com o executivo em

sua forma de administrar a coisa puacuteblica mesmo por que veria uma dificuldade de

montar outro gabinete no conturbado periacuteodo que se atravessa onde o partido

conservador se recolhe segundo ele ao silecircncio e ao repouso

Na nona carta Alencar anuncia por fim a dissoluccedilatildeo do gabinete de 12 de maio e a

subida de Zacarias de Goacuteis vinculado agrave liga progressista em 02 de agosto O que

resultaria em nenhuma mudanccedila significativa na conduccedilatildeo da poliacutetica do Estado e

confirmaria a ldquocompleta identificaccedilatildeo da coroa com a poliacutetica vigenterdquo (ALENCAR

2009 p210) Volta ao gabinete Acircngelo Muniz da Silva Ferraz que teve

desentendimentos anteriormente com Caxias sobre a conduccedilatildeo da guerra e que

aprovara - tambeacutem como ministro da guerra ndash o tratado da Triacuteplice Alianccedila e ldquoos

outros escolhidos entre os mais dedicados aderentes da poliacutetica progressista

presidente ou chefes da maioriardquo (ALENCAR 2009 p213) sob a forma de uma

grande conciliaccedilatildeo Zacarias entatildeo liderando o gabinete em 1864 que daacute o

ldquoultimatum de 4 de agostordquo (ALENCAR 2009 p218) iniciando - por assim dizer - os

trabalhos na guerra do Paraguai eacute justo estar ele ali para dar-se um fim a guerra

sugere Alencar conclui essa seacuterie de cartas a 06 de agosto afirmando que acredita

no fim da passividade do povo brasileiro e que se afastaraacute por algum tempo para

ver os resultados conseguidos pelo atual gabinete Mas natildeo muito tempo

Um aparte eacute necessaacuterio para o comentaacuterio a carta endereccedilada ldquoAo Redator do

Diaacuterio do Rio de Janeirordquo (ALENCAR 2009 p114-123) uacutenica datada de 12 de

janeiro de 1866 A resposta de Alencar a criacutetica sobre suas preferecircncias pelo

absolutismo Eacute uma carta breve na qual natildeo nos deteremos

Alencar ndash depois de um breve alento sempre educado ndash indica o teor da conversa

com seu sempre generoso adversaacuterio o redator do Diaacuteriordquo adversaacuterio pois no

momento se encontram em posiccedilotildees opostas e como os ponteiros de um reloacutegio

apontam suas ideias em direccedilotildees diferentes

Alencar escreve ao redator em resposta a uma criacutetica que recebe - enquanto

Erasmo - pelo conteuacutedo das cartas Acusado de fomentador do absolutismo vai a

puacuteblico em defesa proacutepria Indica com seu estilo caracteriacutestico ter sido viacutetima de

acusaccedilotildees como

Sou nada menos do que - ltlt o crocodilo feroz do despotismo disputando a admiraccedilatildeo dos poucos creacutedulos que ainda restam e os tecircnues almejos do magnacircnimo coraccedilatildeo do rei insonegtgt A reticecircncia natildeo eacute minha sim do indignado escritor que some-se por ela e logo apoacutes surge para mandar-me literalmente ao diabo sob a conduta de Erasmo (ALENCAR 2009 p 116)

Eacute a antiga histoacuteria do feiticcedilo contra o feiticeiro Alencar se expotildee publicamente mas

como jaacute pudemos perceber ateacute mesmo pela anaacutelise de sua curta biografia natildeo

admite criacuteticas a seu trabalho Manteacutem-se distante em uma posiccedilatildeo decididamente

superior aos outros (decidida por ele) mesmo em se tratando de seus iguais Tenta

ao longo da carta melhorar sua situaccedilatildeo admitindo que

Estes ecos da imprensa partidos de vaacuterios pontos e condensados aos surdos rumores que burburinham nos ciacuterculos da Corte satildeo indiacutecios de uma crise salutar Anunciam eles que a pena de Erasmo natildeo fez a autoacutepsia de um cadaacutever operou sobre corpo vivo e robusto onde satildeo prontas as reaccedilotildees (ALENCAR 2009 p116)

Admite que o absolutismo esteja presente mas vindo das elites no poder e em seus

mecanismos de comunicaccedilatildeo como a imprensa E talvez certa complacecircncia de D

Pedro II com a situaccedilatildeo quando afirma que

O absolutismo Quem natildeo o vecirc Natildeo convive ele conosco Onde a minoria subjuga a maioria aiacute estaacute a tirania seja de um seja de muitos Repimpado nas poltronas ministeriais espreguiccedilando-se nos sofaacutes da assembleia pedante nas reparticcedilotildees puacuteblicas risonho e sedutor na imprensa empertigado nos fardotildees mostra-se em toda a parte esse Proteu da nossa poliacutetica (ALENCAR 2009 p 118119)

Afirma que em resposta a acusaccedilatildeo releu o conteuacutedo de suas cartas e natildeo encontra

motivos ali para tal O que apenas admite eacute que

Quero a constituiccedilatildeo como foi escrita natildeo como a aleijaram Na constituiccedilatildeo aparecem bem distintos os trecircs princiacutepios cardeais da monarquia representativa a Coroa o povo e o elemento intermeacutedio ou misto que em falta de melhor termo chamo aristocraacutetico (ALENCAR 2009 p120)

Afirmando que de sua postura criacutetica visa os povos livres Infelizmente a criacutetica soacute

pocircde ser feita (ou admitida) de um dos lados De qualquer forma como jaacute viacutenhamos

demonstrando no decurso das cartas algumas similaridades do texto de Alencar

com as ideias de Hobbes podem fazer com que o Redator do Diaacuterio natildeo perca de

todo sua razatildeo Eacute visiacutevel mesmo para os contemporacircneos que Alencar toma o

partido de uma intervenccedilatildeo forte do Imperador em detrimento dos direitos e da

liberdade da maior parte da naccedilatildeo

333 AO MARQUEcircS DE OLINDA AO VISCONDE DE ITABORAHY (ALENCAR

2009 p223-254)

A carta endereccedilada ao Marquecircs de Olinda (ALENCAR 2009 p243-254) entatildeo

presidente do conselho e ministro dos negoacutecios do Impeacuterio inicia com a objetiva

epiacutegrafe ldquovou te interrogar e tu me instruiraacutesrdquo42 (ALENCAR 2009 p243) e se dirige

ao marquecircs com toda a reverecircncia que o romantismo da uacuteltima fase lhe permite

Olinda teve participaccedilatildeo no processo de independecircncia havia sido regente e

ministro Era uma figura respeitaacutevel no cenaacuterio poliacutetico brasileiro Formado em

Coimbra fazia parte de um grupo ao qual Alencar acreditava estar tempo demais no

42 Natildeo pudemos deixar de notar o erro indicado pelo revisor da epiacutegrafe Pois bem A epiacutegrafe

em latim refere ao livro de Joacute 33-3 como ldquoCinge como um valente os teus lombos vou te

interrogar e tu me instruiraacutesrdquo O revisor prontamente corrige a referecircncia que estaacute na verdade

em Joacute 38-3 Mas se entendermos a epiacutegrafe como mais uma das armadilhas de Alencar a

referecircncia dada por ele (incorreta no caso) mostra em Joacute 33-3 uma resposta ao versiacuteculo

anterior ou mesmo um indicativo para a continuidade da leitura da epiacutegrafe onde se vecirc ldquoAs

minhas razotildees sairatildeo da sinceridade do meu coraccedilatildeo e a pura ciecircncia dos meus laacutebiosrdquo Que eacute o

apregoado pelo missivista desde as primeiras cartas ao Imperador Ele como o arauto da

verdade Mas se quisermos acreditar no radicalismo e perversidade do Alencar seguiremos ateacute

Joacute 33-33 onde se lecirc ldquo escuta-me tu cala-te e ensinar-te-ei a sabedoriardquo Para Alencar filho de

um padre e extremamente conservador eacute possiacutevel entender o jogo de relaccedilotildees com os versiacuteculos

como um iacutendice para o iniacutecio de uma criacutetica ferrenha ao Marquecircs Eacute interessante lembrar sem

pretender se extender em tal ponto (que natildeo cabe aqui devido as limitaccedilotildees do trabalho) nas

observaccedilotildees de Chartier (1999) sobre o texto como forma literaacuteria e sua impressatildeo todo o

processo que acompanha o texto ateacute alcanccedilar o seu suporte as intervenccedilotildees de tipografia

graacutefica editores e mesmo erros que afetam o texto A recepccedilatildeo eacute sempre algo que deve ser

observado junto a uma criacutetica do texto e natildeo como um simples derivado deste

poder Compara seu trabalho com o de Vasconcelos Joseacute Clemente e Paranaacute

invoca Evaristo Feijoacute e Vergueiro tecendo uma trama de modelos ideais na qual

tentaraacute capturar Olinda Se apresenta ao Marquecircs afirmando que seu ldquoempenho

sincero tem sido reparar os estragos do tempordquo (ALENCAR 2009 p244) buscando

e indicando caminhos para a administraccedilatildeo puacuteblica como em uma espeacutecie de

jornalismo criacutetico e investigativo Compara o poliacutetico em sua astuacutecia a Luiz XVIII de

Franccedila novamente consolidando o modelo europeu como marco de uma civilizaccedilatildeo

ldquomais avanccediladardquo cultural e politicamente mas tambeacutem aludindo ao seu longo tempo

de permanecircncia nos grupos entatildeo no poder E esta permanecircncia Alencar sugere

que eacute devida a capacidade de adequaccedilatildeo que possui o Marquecircs acompanhando a

mareacute dos fatos e acomodando-os agraves suas necessidades - como em decisotildees

polecircmicas como na partida de D Pedro II para Uruguaiana ou sobre a deposiccedilatildeo do

gabinete O tato poliacutetico que teria o Marquecircs lhe permite sempre estar em

consonacircncia com a opiniatildeo puacuteblica pelo menos com a parte elogiosa da opiniatildeo

Com certo tom de gracejo Alencar brinca com a idade avanccedilada do Marquecircs e

sugere que ele escreva uma biografia Biografia que estaria rica de assuntos e

informaccedilotildees poliacuteticas jaacute que ndash falando com uma ponta de sarcasmo conservador

sobre a mobilidade partidaacuteria no periacuteodo ndash o Marquecircs ldquohavendo pertencido a todos

os partidos modernos e antigos a datar da constituinte vossa autobiografia deve ser

um tesouro inexauriacutevel de liccedilatildeo e conselhordquo (ALENCAR 2009 p247) E qualquer

poliacutetico continua encontraraacute ldquonesse novo evangelho poliacutetico um tema um exemplo

uma epiacutegrafe para adornar sua doutrinardquo (ALENCAR 2009 p248) Mas Olinda

apesar da idade continua firme no poder aparentemente natildeo querendo abrir matildeo

disto como muito bem nos sugere Alencar ldquopara voacutes poreacutem natildeo chegou ainda o

tempo das memoacuterias estais com as matildeos na obrardquo (ALENCAR 2009 p248) em

todas as obras em que consegue esgueirar suas matildeos era o que queria dizer

Mesmo quando os resultados natildeo lhe satildeo promissores como em 1851 com o

episoacutedio do Prata

Em 1857 alude o partido conservador comeccedila a perder forccedila apesar da presenccedila

de lideranccedilas importantes que poderiam seguir com uma administraccedilatildeo competente

Tendo homens como o dissera ldquode talhe para a empresa uns pela ilustraccedilatildeo

outros pela popularidade Itaboraiacute Uruguai Euseacutebio Caxias Pimenta Buenordquo

(ALENCAR 2009 p249) natildeo consegue encontrar um norte com algum destes e ao

clongo de alguns anos o partido perde sua forccedila de combate

Olinda foi presidente do conselho de ministros e ministro em diversas pastas e

diferentes gabinetes Seu nome nos conta enche o livro do Segundo reinado ldquorara

eacute a paacutegina em que natildeo figure ele no alto Estreastes regente era natural que

acabaacutesseis vice-rei43rdquo (ALENCAR 2009 p249) Mas o paiacutes sofre por demais neste

momento e o Marquecircs eacute o signo (senatildeo o culpado) dessa administraccedilatildeo

equivocada incompetente oriunda de uma oligarquia irresponsaacutevel que lanccedila o paiacutes

na ldquocorrupccedilatildeo infrene o descreacutedito puacuteblico a ruiacutena das financcedilas o aniquilamento da

induacutestria e finalmente a guerra ladeada a uma pela vergonha e pela miseacuteriardquo

(ALENCAR 2009 p250) A paacutetria exige um esclarecimento que Olinda ponha a

matildeo na consciecircncia e admita ndash na impossibilidade de corrigi-los ndash seus erros a

quem lhe creditou agrave administraccedilatildeo O paiacutes sofre e Olinda dorme ldquoagrave sesta e consente

que os convivas de teu banquete tripudiem sobre meu corpo exacircnimerdquo (ALENCAR

2009 p252) Natildeo a paacutetria exige sua salvaccedilatildeo E o instrumento para tanto eacute ldquoo

mesmo que serviu em 1837 aiacute jaz atirado ao poacute e desdenhado Eacute o grande Partido

Conservador numeroso ateacute na imobilidade forte ainda no abandonordquo (ALENCAR

2009 p252) Olinda deve indicar ao monarca um novo gabinete constituiacutedo pelo

partido conservador Alencar acena para a permanecircncia de grupos no poder mesmo

com a mudanccedila de gabinetes e vertentes poliacuteticas onde lideranccedilas transitam pelos

dois lados - conservador e liberal ndash e adaptam suas ideias as correntes de

pensamento vigentes em cada momento

Na sequencia das cartas (ALENCAR 2009 p223-239) outro destinataacuterio ilustre tem

a sua vez O Visconde de Itaborahy - carta de Erasmo sobre a crise financeira

Homem probo poliacutetica e civilmente ldquoum dos poucos contra quem natildeo se atreveu

ainda a maledicecircnciardquo (ALENCAR 2009 p223) Esse fiel monarquista esteve por

um breve periacuteodo distante da militacircncia na reorganizaccedilatildeo de partidos e gabinetes

quando do periacuteodo da liga para retornar logo em seguida fortalecido pelos

descaminhos da administraccedilatildeo em uma defesa da instituiccedilatildeo imperial e dos

43 O uacuteltimo vice-rei do Brasil foi o Conde dos Arcos em 1808 O tiacutetulo impotildee certo respeito mas eacute

evidente que Alencar o toma em um tom jocoso

destinos do paiacutes em discursos inflamados no Senado junto agrave outros conservadores

Itaborahy comeccedila a carreira poliacutetica no partido liberal e tambeacutem como jornalista

Assume o ministeacuterio da marinha e em 1837 se transfere para o partido conservador

Foi deputado geral e presidente do Banco do Brasil causa pela qual a segundo

Alencar assustadora perspectiva econocircmica do paiacutes leva o missivista - cheio de

elogios - agrave pessoa do Visconde pedir conselhos a este sobre os rumos que a

administraccedilatildeo puacuteblica deveria seguir admitindo natildeo ter a necessaacuteria ciecircncia para o

assunto nem sequer pretende ldquoao tiacutetulo de disciacutepulo da escola que vos reconhece

por mestrerdquo (ALENCAR 2009 p225) mas se propotildee a analisar o momento de crise

iniciando pelos problemas com o creacutedito As duas espeacutecies de creacutedito indicadas

pelo analista satildeo o mercantil e o predial Os dois estatildeo como que envolvidos um no

outro como uma sustentaccedilatildeo de garantia muacutetua a que os bancos se remetem no

sistema implantado no Brasil E as transaccedilotildees financeiras ldquose prendem por

filamentos mais ou menos longos e tortuosos agrave lavourardquo (ALENCAR 2009 p227)

base da economia no momento O investimento hipotecaacuterio afugenta os capitais

particulares visto que o comeacutercio e a induacutestria inspiram maior confianccedila

considerados seguros e lucrativos por uma maioria Com a deficiecircncia do credito

predial atrelado a lavoura o comeacutercio vai a seu auxiacutelio na tentativa de achar certo

equiliacutebrio que natildeo acontece devido as diferenccedilas proacuteprias de cada modalidade44

O problema de conseguir creacutedito para as lavouras comenta eacute comum em vaacuterios

paiacuteses do mundo e natildeo seria diferente no Brasil mas a soluccedilatildeo para nosso paiacutes

determinada pelo governo associado ao Banco do Brasil eacute a de extravasar os limites

da emissatildeo bancaacuteria o que acarreta financiamentos impossiacuteveis de serem tolerados

pela grande maioria dos que dele necessitam A recente implantaccedilatildeo do sistema de

creacutedito cede lugar a problemas de imperiacutecia financeira e junto a isso certos abusos

praticados por integrantes da associaccedilatildeo comercial constroem com a imobilizaccedilatildeo

de grande soma de capitais um caminho para a derrocada do sistema Ao mesmo

tempo a lavoura tambeacutem atravessa uma crise com a escassez de matildeo de obra e a

introduccedilatildeo de teacutecnicas dispendiosas acrescidas da carestia de gecircneros e das

44 Alencar usa de seu conhecimento como advogado especializado em direito administrativo e

comercial para equilibrar a narrativa com os argumentos da economia e administraccedilatildeo puacuteblicas

uacuteltimas maacutes colheitas Tambeacutem o fato de estarmos em periacuteodo de guerra acarretou

dois fenocircmenos preocupantes o ldquoescoamento dos depoacutesitos bancaacuterios para o

tesouro [e tambeacutem a ] monetizaccedilatildeo do papel bancaacuterio como um meio sub-reptiacutecio

de fornecer recursos ao governordquo (ALENCAR 2009 p230) criando o que chamou

de uma moeda simboacutelica natildeo tendo reservas que os garantam

Anunciado esse quadro desolador (aqui simplificado) Alencar questiona o Visconde

sobre qual seria o remeacutedio visto que a crise se alastrara por todo o sistema

financeiro Alencar responde afirmando ser necessaacuteria a separaccedilatildeo do creacutedito

agriacutecola do mercantil chegando a sugerir agrave fundaccedilatildeo de um banco agriacutecola

brasileiro que aliviaria o Banco do Brasil de garantir suporte a avultada diacutevida

agriacutecola a impontualidade do agricultor no pagamento de suas diacutevidas resultado da

imprevisibilidade do sistema de colheitas e a constante oscilaccedilatildeo no valor da

propriedade rural A proposta de Alencar indica a emissatildeo pelo governo de apoacutelices

para o banco agriacutecola transformando o agricultor ndash ou seu qualquer portador ndash em

acionista Algo como uma auto gerecircncia do sistema em que uma hipoteca de terras

garantiria o saldo devedor Proposta avanccedilada para a eacutepoca aqui mais uma vez

podemos observar a distorccedilatildeo que se deu no Brasil para as propostas de

implantaccedilatildeo de uma poliacutetica liberal tendo o Estado que se tornar distante das

soluccedilotildees econocircmicas mas ao mesmo tempo garantindo um lucro faacutecil para uma

aristocracia Eacute o que vecirc aqui onde a grande propriedade foi formada pelo sistema

de distribuiccedilatildeo de sesmarias e seus proprietaacuterios como os da antiga colocircnia soacute

querem explorar sem ter que arcar com quaisquer diacutevidas ou prejuiacutezos Mas Alencar

condena-os afirmando que ldquoa lavoura natildeo pode esquivar-se a garantir o Estado

quando este contrai grandes compromissos para auxiliaacute-lardquo (ALENCAR 2009

p235) Os tempos satildeo outros mas seraacute que satildeo de verdade O governo durante a

mudanccedila proposta tambeacutem deve arcar com o prejuiacutezo dos tiacutetulos sem valor que

emitiu sendo alguns de empreacutestimos que ele mesmo cedeu No fim o prejuiacutezo eacute

sempre grande Alencar sustenta uma regulaccedilatildeo do mercado provavelmente

influenciado pelas ideias de Adam Smith em que o mercado consegue trabalhar

melhor sem uma interferecircncia direta do Estado (KENNY 1998) Smith entatildeo muito

em voga nos meios acadecircmicos mas para Alencar manter a criacutetica lhe falta alguma

experiecircncia como financista para o tratamento de assuntos tatildeo especiacuteficos o que

pode ter sido interpretado como arrogacircncia de jornalista Da carta fica a opccedilatildeo por

uma estrutura administrativa baseada nas ideias liberais de fomento a livre

empresa creacutedito bancaacuterio em uma tentativa de diminuir a intervenccedilatildeo contiacutenua do

Estado na economia segunde ele ateacute entatildeo necessaacuteria O que fica para a histoacuteria

poliacutetica eacute a questatildeo com a pressatildeo para ao fim efetivo do traacutefico de escravos e a

implementaccedilatildeo da matildeo de obra assalariada ndash qualquer que fosse esta imigrante ou

natildeo europeia ou natildeo ndash em todo o paiacutes quem arcaraacute com o custo final disso tudo o

Estado ou as elites entatildeo no poder

334 NOVAS CARTAS AO IMPERADOR (ALENCAR 2009 p257-389)

A uacuteltima seacuterie de cartas datadas de junho de 1867 e endereccediladas novamente ao

Imperador tem uma intenccedilatildeo bem menos louvaacutevel ndash em um comentaacuterio de Tacircmis

Parron (2008) - que eacute a defesa da escravidatildeo negra no Brasil aleacutem de retomar

temas como a guerra e a poliacutetica no paiacutes O exame do texto nos auxiliaraacute nas

afirmaccedilotildees Eacute bem verdade que na fala do trono de 1867 (cerimocircnia que abre os

trabalhos no parlamento) D Pedro II teria mostrado disposiccedilatildeo em resolver o

problema do elemento servil problema que se arrasta na necessidade de uma

soluccedilatildeo jaacute com seu pai assegurando o fim do traacutefico como uma das condiccedilotildees para

o apoio da Inglaterra a independecircncia do Brasil O imperador tambeacutem se sentindo

pressionado por uma elite intelectual europeia que via na escravidatildeo (neste

momento depois da guerra de secessatildeo talvez natildeo antes) um insulto ao modelo

de civilidade que pretendia o Brasil como uma naccedilatildeo moderna alguns destes

intelectuais e artistas satildeo muito caros agrave D Pedro II como no caso de Victor Hugo A

proposta seria resolver gradativamente sem ferir os interesses daqueles que ainda

atrelados agraves culturas de exportaccedilatildeo necessitavam de braccedilos para o trabalho

atentos a condiccedilatildeo de que a imigraccedilatildeo europeia ainda natildeo era um fato substancial

Bosi comenta que

Algumas atitudes poliacuteticas de D Pedro II pareciam indicar que embora hesitantemente ele passou do polo nacional-conservador para o polo nacional-reformista guiado pelo religioso respeito que lhe inspiravam as culturas inglesa e francesa (BOSI 2003 p 239)

Resta saber em que ponto da estrada D Pedro II teria pegado o bonde reformista e

ateacute onde este poderia levar-lhe O decliacutenio da monarquia o que sugerem alguns

comentadores como Boris Fausto (2001) e Faoro (2004) jaacute estaacute batendo nos

portotildees de Satildeo Cristoacutevatildeo Alencar como bom conservador que eacute defende os

interesses ndash mesmo que natildeo textualmente ndash da oligarquia agriacutecola escravista que

sustentava o paiacutes (leia-se o impeacuterio) com sua produccedilatildeo para exportaccedilatildeo Alencar

antevecirc em seu texto as mudanccedilas sugeridas pelos novos tempos em que o ldquonovo

liberalismordquo ndash termo de Joaquim Nabuco com quem Alencar travaria discussotildees

inflamadas - vai tomando conta do parlamento e a proposta de renovaccedilatildeo da matildeo

de obra por colonos europeus jaacute estava em debate apesar de ainda natildeo termos as

campanhas abolicionistas Mas em sua opiniatildeo tais mudanccedilas ndash que aconteceriam

inevitavelmente - precisam ser combatidas no momento visto que uma mudanccedila

draacutestica poderia trazer prejuiacutezos para as colheitas devido agrave falta de trabalhadores Eacute

o ideal conservador que deve ser salvo A proposta das cartas enquanto veiacuteculo de

divulgaccedilatildeo ideoloacutegico eacute esta chegar o mais longe possiacutevel e alcanccedilar a quantos

pudessem com as ideias conservadoras

Eacute pontual que coloquemos ndash diga-se assim - uma questatildeo ante a defesa do trabalho

escravo por Alencar e tambeacutem uma resposta agrave interferecircncia direta da coroa no

assunto jaacute que estariacuteamos sob a vigecircncia de uma monarquia constitucional

parlamentarista A posiccedilatildeo de Alencar eacute criticada no periacuteodo como ideia jaacute superada

Tavares Bastos eacute um exemplo jaacute aludia agraves melhorias na produccedilatildeo advindas do

trabalho assalariado que tatildeo bem estava no periacuteodo se adaptando e trazendo

frutos principalmente no Nordeste com peculiar atenccedilatildeo ao Cearaacute a terra do

Deputado Alencar (BOSI 2003) Eacute um sinal de que o missivista estava mais

preocupado com a corte do que com suas bases ou desconhecia deliberadamente

esses dados

A escravidatildeo eacute um ponto complexo visto que a instituiccedilatildeo desde a colocircnia permeia

praticamente todas as outras instituiccedilotildees De maneira geral observamos que

(hellip) toda pessoa com algum recurso possuiacutea um ou mais escravos O Estado os funcionaacuterios puacuteblicos as ordens religiosas os padres todos eram proprietaacuterios de escravos Era tatildeo grande a forccedila da escravidatildeo que os proacuteprios libertos uma vez livres adquiriam escravos A escravidatildeo penetrava em todas as classes em todos os lugares em todos os desvatildeos

da sociedade a sociedade colonial era escravista de alto a baixo (CARVALHO 2002 p20)

Alencar tem uma posiccedilatildeo particular sobre a escravidatildeo Quer acabar com ela mas

de forma lenta e segura sem arroubos libertaacuterios que pudessem trazer prejuiacutezos ao

Brasil Parece em alguns momentos um produtor rural paulista preocupado com

seu lucro em outros um tecnocrata arrecadador de impostos Nas novas cartas

poliacuteticas Alencar jaacute natildeo se apresenta - podemos dizer assim - ao Imperador Ele de

certa forma jaacute teria conquistado o seu ouvinte e tomado sua atenccedilatildeo Sua opiniatildeo jaacute

consegue certo respeito dos leitores enxergando-o natildeo apenas como um artista um

escritor de romances (como fazia o Cotegipe) mas como um poliacutetico combativo com

capacidade de influenciar um grupo importante atraveacutes da imprensa Eacute aqui que

podemos observar de maneira mais integrada as propostas liberais sendo

mescladas ao conservadorismo na defesa da escravidatildeo

Alencar nesse novo conjunto de cartas pocircde usar em suas criacuteticas de uma

ldquolinguagem [que] seraacute minimamente severardquo (ALENCAR 2009 p259) e que ele

mesmo admite ser talvez improacutepria para um suacutedito que se dirige ao soberano

A primeira das cartas trata da ameaccedila de abdicaccedilatildeo de D Pedro II O episoacutedio se daacute

devido agrave proposta de uma negociaccedilatildeo de paz com Lopes considerada interessante

ateacute por Caxias dando fim a longa guerra O imperador discorda Uma crise que

abala ldquonatildeo jaacute a cidade mas o impeacuteriordquo O texto de Alencar eacute brilhante

Seraacute real que vossos laacutebios selados sempre pela reserva e prudecircncia se abriram para soltar a palavra fatal Eacute possiacutevel que suacutebita alucinaccedilatildeo desvaire a tal ponto um espiacuterito soacutelido e reto Natildeo creio natildeo posso natildeo devo crer Recebendo a nova incriacutevel a populaccedilatildeo ficou atocircnita (ALENCAR 2011 p257-258)

A expressatildeo ldquopalavra fatalrdquo natildeo determina se o missivista estaacute falando da proposta

da abdicaccedilatildeo ou de seu posicionamento contra uma negociaccedilatildeo de paz com Solano

Lopes E continua com ldquo() a populaccedilatildeo ficou atocircnita () O espanto lhe embarga a

falardquo (ALENCAR 2009 p258) Somente quando vem aludir posteriormente a D

Pedro I que cita a palavra abdicaccedilatildeo

Rara vez e soacute em circunstacircncias muito especiais pode a abdicaccedilatildeo tornar-se um ato de civismo admiraacutevel D Pedro I vosso augusto pai logrou um lance destes que o consagrou heroacutei da paz e da liberdade Sua missatildeo estava concluiacuteda havia fundado a monarquia brasileira e criado um povo (ALENCAR 2009 p258)

Apesar do elogio D Pedro I eacute portuguecircs e figura inaceitaacutevel com suas ideias

absolutistas na naccedilatildeo que surge E o povo que D Pedro I cria eacute uma aristocracia

local que tenta desvincular-se de Portugal

D Pedro I era ldquoum obstaacuteculo uma anomalia A mais veemente das paixotildees

populares o patriotismo sublevou-se contra o princiacutepio estrangeiro encarnado na

sua pessoa O Sr Pedro II eacute americano [sic] como seu povordquo (ALENCAR 2009

p259) e a abdicaccedilatildeo seria um crime de lesa naccedilatildeo Seriam os rumos incertos da

guerra pergunta o missivista motivo para uma abdicaccedilatildeo Alencar acusa

duramente o Imperador de ser o responsaacutevel pela ldquotemeridade com que nos

precipitamos sem refletir em uma situaccedilatildeo irremissiacutevel dilema cruel entre a ruiacutena e a

vergonhardquo (ALENCAR 2009 p260) A guerra tem nele seu responsaacutevel Tu ldquofostes

o princiacutepio e sois a alma da guerra Vosso pensamento a inspirou vossa convicccedilatildeo

a alimentardquo (ALENCAR 2009 p260) em busca de uma vitoacuteria que significaria

Humaitaacute arrasado Lopes deposto e o franqueamento da navegaccedilatildeo ribeirinha mas

apesar de compreensiacuteveis as razotildees e do patriotismo brasileiro que ndash segundo ele ndash

tende a apoiar a guerra ldquonenhum homem tem o direito de arrastar sua matildee paacutetria agrave

ruiacutena para vatilde satisfaccedilatildeo de seus brios revoltadosrdquo (ALENCAR 2009 p261)

Alencar argumenta (lembrando-o) que o imperador natildeo pode agir como uma pessoa

comum que ele natildeo tem o direito do simples cidadatildeo que eacute o de ter uma opiniatildeo

que natildeo considere a naccedilatildeo em primeiro lugar A soberania soacute existe porque eacute dada

ao Imperador e seus atos satildeo justificados pelo cidadatildeo E esse contrato impede

mesmo que haja qualquer ideia de renuncia pois os atos do imperador satildeo os atos

de todos os cidadatildeos A honra do Imperador segundo ele eacute a honra da naccedilatildeo e a

partir do modelo de monarquia constitucional entatildeo vigente enquanto defensor

perpeacutetuo da naccedilatildeo

quando o povo entenda que chegou o momento de acabar a guerra e exprima seu voto pelos meios constitucionais haveis de pensar do mesmo modo senatildeo como homem infalivelmente como soberano Em voacutes estaacute encarnado e vivo o grande eu nacional (ALENCAR 2009 p263)

Alencar repreende o Imperador severamente determinando que ldquoqualquer que seja

o desfecho da guerra [ele natildeo teria] o direito de separar vossa dignidade da causa

nacionalrdquo (ALENCAR 2009 p264) Vecirc-se nas palavras de Alencar a defesa natildeo do

imperador nem mesmo da monarquia mas do principio constitucionalista liberal Jaacute

aqui se percebe uma criacutetica ao que Alencar indicava como omissatildeo mas era de

certa forma um caminhar que D Pedro II mantinha nos tracircmites da legalidade que a

proacutepria constituiccedilatildeo lhe impunha sabia onde colocar seus peacutes E apesar das criacuteticas

Alencar sabia que os atos do imperador natildeo pedem contestaccedilatildeo visto que a

representaccedilatildeo deste eacute coletiva e todas as verdades se alinham em seu nome (em

nome da soberania) D Pedro II sabia o que poderia fazer e ateacute aonde confrontar a

burocracia que a casa de Braganccedila lhe tinha deixado por heranccedila Em outros

tempos mesmo sem buscar referecircncias anteriores a D Pedro I o texto de Alencar jaacute

estaria sujeito ao silecircncio

Uma das constantes reclamaccedilotildees de Alencar eacute a da falta de notiacutecias da guerra no

sentido de previsotildees reais sobre o andamento dos trabalhos sobre a movimentaccedilatildeo

das tropas sobre enfim quando iraacute terminar o supliacutecio Segundo ele haacute por parte

do governo um velamento da realidade no campo para o puacuteblico existe uma

censura ndash senatildeo oficializada mas efetiva ndash sobre os reais rumos da guerra dada em

funccedilatildeo da relaccedilatildeo que os jornais tecircm com o gabinete ministerial E a falta de atenccedilatildeo

para tais assuntos junto a posiccedilatildeo equivocada frente agrave guerra estatildeo aiacute por culpa

de D Pedro II

Termina essa carta anunciando o erro do Imperador na fala de ldquoabdicaccedilatildeo quando a

senha do dia para todos os brasileiros e para voacutes primeiro que todos eacute dedicaccedilatildeordquo

(ALENCAR 2009 p274) O sarcasmo de Alencar brinca com os brios de D Pedro

II com seu orgulho de intelectual ndash tiacutetulo o qual preferia algumas vezes ao de

Imperador (SCHWARCZ 1999) ndash indicando que a imprensa do mundo inteiro o

proclama ldquoum saacutebiordquo e cita o artigo publicado nos jornais em que ldquoo presidente dos

Estados Unidos aludindo agrave franquia do Amazonas vos considerou entre os

primeiros estadistas do mundordquo (ALENCAR 2009 p277) o que provavelmente natildeo

aconteceria se este tomasse medidas protecionistas no paiacutes o que jaacute funcionavam

como uma poliacutetica de Estado desde os fins da guerra de Secessatildeo nos Estados

Unidos mas era duramente criticado por este para toda a Ameacuterica Latina eacute possiacutevel

que seja isto que Alencar quer dizer quando escreve logo a seguir que terminado

estaacute ldquoo tempo em que os povos eram instrumento na matildeo dos reis que os

empregavam para obter a satisfaccedilatildeo de suas paixotildees e a conquista de um renome

vatildeordquo porque aqui ldquorasga-se o manto auriverde da nacionalidade brasileira para

cobrir com os retalhos a cobiccedila do estrangeiro [Natildeo existe] para voacutes senhor outra

fama liacutecita e pura senatildeo aquela poacutestuma que eacute a verdadeira gloacuteriardquo (ALENCAR

2009 p278) e que dispor das reservas econocircmicas tanto quanto das pessoas de

forma displicente e buscando uma valorizaccedilatildeo pessoal eacute sinal de um despotismo

que jaacute natildeo cabe mais aqui Eacute o Alencar liberal que fala

A partir daqui Alencar passa depois de construir a narrativa em um tom duro de pai

que repreende o filho teimoso a falar da questatildeo da emancipaccedilatildeo mais diretamente

D Pedro II coloca a discussatildeo na pauta pela fala do trono e os progressistas ndash

chamados vacircndalos no texto de Alencar ndash a aceitam como uma plataforma Alencar

toma a proposta de emancipaccedilatildeo do escravo pelo menos para o momento como

um erro do Imperador Segue a referecircncia

Libertando uma centena de escravos cujos serviccedilos a naccedilatildeo vos concedera distinguindo com um mimo especial o superior de uma ordem religiosa que emancipou o ventre estimulando as alforrias por meio de mercecircs honoriacuteficas respondendo agraves aspiraccedilotildees beneficentes de uma sociedade abolicionista de Europa e finalmente reclamando na fala do trono o concurso do poder legislativo para essa delicada reforma social sem duacutevida julgais ter adquirido os foros de um rei filantropo (ALENCAR 2009 p280)

Alencar acreditava que o momento com a economia debilitada por conta da guerra

e tambeacutem por conta desta a falta de braccedilos para a constituiccedilatildeo de um sistema de

matildeo de obra diferenciado e sem o apoio ainda da prometida imigraccedilatildeo (apesar das

muitas propostas tanto de europeus como de asiaacuteticos nenhum projeto de vulto

havia sido executado) o paiacutes essencialmente agraacuterio se precipitaria no caus Os

argumentos de Alencar apesar de bem trabalhados sugerem mais suas ligaccedilotildees (e

preocupaccedilotildees) com a aristocracia rural do que propriamente com o povo afirmando

seu ideal de manutenccedilatildeo dos privileacutegios das elites em detrimento de medidas mais

imediatas Alega que a escravidatildeo eacute um fato social tendo como exemplo ldquoo

despotismo e a aristocracia como jaacute foram a coempccedilatildeo da mulher a propriedade do

pai sobre os filhos e tantas outras instituiccedilotildees antigas45rdquo (ALENCAR 2009 p282)

Argumentos que Alencar potildee no passado mas que reconhece presentes quando

trata deles em suas obras Eacute o direito a escravidatildeo como uma instituiccedilatildeo legal que

segue em sua argumentaccedilatildeo lembra que satildeo as naccedilotildees em suas leis que justificam

a escravidatildeo Que sob a lei haacute a justificativa e que ningueacutem pode ser obrigado a

fazer ou deixar de fazer algo a menos que isso esteja expresso na lei

Alencar lembra que a ldquoescravidatildeo caduca mas ainda natildeo morreu ainda se prendem

a ela graves interesses de um povo Eacute quanto basta para merecer o respeitordquo

(ALENCAR 2009 p283) O respeito que se daacute sustenta enquanto instituiccedilatildeo E

satildeo os progressistas com o apoio formal do imperador que tratam de desqualificar

a instituiccedilatildeo lanccedilando ldquoo odioso sobre as instituiccedilotildees vigentes qualificando seus

defensores de espiacuteritos mesquinhos e retroacutegradosrdquo (ALENCAR 2009 p283) Isto

em mateacuteria de reforma natildeo tem propriamente um fim eleitoreiro ndash ainda natildeo seria o

caso - mas tentando fortalecer outros grupos aos quais as ideias abolicionistas

vinham a calhar como os financistas e banqueiros que esperavam por um

liberalismo mais econocircmico e burguecircs que poliacutetico e aristocraacutetico Alencar se

protege como bom advogado enquanto defende a escravidatildeo sobre o vieacutes da lei

Para ele ldquoa escravidatildeo se apresenta hoje ao nosso espiacuterito sob um aspecto

repugnante Esse fato do domiacutenio do homem sobre o homem revolta a dignidade da

criatura racional Sente-se ela rebaixada com a humilhaccedilatildeo de seu semelhanterdquo

(ALENCAR 2009 p284) mas sua opiniatildeo natildeo pode prevalecer O missivista busca

o que seria a melhor alternativa para a economia do paiacutes jaacute prontamente

argumentada na carta ao Visconde de Itaborahy A instituiccedilatildeo da escravidatildeo eacute legal

e justa ldquoquando realiza um melhoramento na sociedade e apresenta uma nova

situaccedilatildeo embora imperfeita da humanidade () Neste caso estaacute a escravidatildeo ()

45 Jaacute eacute um comentaacuterio de Aristoacuteteles na poliacutetica

um instrumento da civilizaccedilatildeo como foi a conquista o municiacutepio a glebardquo

(ALENCAR 2009 p284) Eacute uma das fazes do desenvolvimento pelo qual passaram

diversas naccedilotildees

Sempre apelando para a histoacuteria europeia Alencar apresenta a escravidatildeo como ldquoo

primeiro impulso do homem para a vida coletiva o elo primitivo da comunhatildeo entre

os povosrdquo (ALENCAR 2009 p285) Ao menos admite adiante que possam parecer

estranhas tais proposiccedilotildees mas sempre sustentado pelo estudo de textos

canocircnicos46 (cita o Gecircnesis de Moiseacutes quando da admissatildeo da escravidatildeo pela

Biacuteblia) segue o argumento admitindo que por exemplo a escravidatildeo pela guerra

com a conquista dos povos haveria um constante holocausto infligido as sociedades

derrotadas Na Ameacuterica resultaria no extermiacutenio das populaccedilotildees indiacutegenas Mas

isso que aconteceu de qualquer forma um argumento injustificado

Alencar eacute um dos defensores da ideia de que a ldquoraccedila negrardquo eacute a que melhor se

adapta ao trabalho agriacutecola (apesar de afirmar que o colono portuguecircs aguenta

firmemente o trabalho dos troacutepicos) Sendo esta mais disponiacutevel e apta e ndash segundo

ele ndash baacuterbara e necessitando de um processo civilizatoacuterio que o tirasse da

selvageria aproveitando sua energia vital ldquopara lutar com uma natureza giganterdquo

(ALENCAR 2009 p289) Natildeo fosse a escravidatildeo ndash toma isso como um acaso

valoroso - a Ameacuterica ldquoseria hoje um vasto desertordquo (ALENCAR 2009 p289)

Alencar nos lembra do fato de que a moderna escravidatildeo ressurgida na peniacutensula

ibeacuterica - com o haacutebito de presentear o Rei com escravos negros - natildeo se estabelece

na Europa mas mesmo os ingleses franceses e holandeses portanto natildeo soacute os

portugueses e espanhoacuteis servem-se dela na colocircnia Adam Smith admitia a

escravidatildeo nas colocircnias inglesas ((WEFFORT 2001) Como se explica pergunta

ele ldquoessa anomalia de povos repelindo na metroacutepole uma instituiccedilatildeo que adotam e

protegem no regime colonialrdquo (ALENCAR 2009 p290) Tal pressatildeo internacional

a que comeccedila a ceder o Imperador eacute comum nesse periacuteodo e seraacute assim ateacute hoje

Carvalho (2007) estudando as atas do conselho de Estado do Impeacuterio comenta que

46

A igreja possuiacutea escravos negros e ara um grupo que natildeo se pronunciava ateacute entatildeo a favor da aboliccedilatildeo

apesar do modelo poliacutetico para o Brasil - de Inglaterra e Franccedila ndash serem uma

unanimidade entre os conselheiros chegando estes a citar de memoacuteria frases e

anedotas dos poliacuteticos mais conhecidos como o faz tambeacutem o Alencar o bom senso

prevalecia sobre o modelo e as accedilotildees poliacuteticas tomadas (sugeridas e votadas) ali

tinham uma real preocupaccedilatildeo com a realidade do paiacutes Mas o que observamos na

criacutetica de Alencar eacute que a realidade do paiacutes passava pelos interesses desses

mesmos grupos representados pelo conselho

A questatildeo a que se chega eacute a escravidatildeo jaacute teria cumprido seu papel no Brasil

Segundo Alencar natildeo E ele o afirma ldquocom a consciecircncia do homem justo que

venera a liberdade com a caridade do cristatildeo que ama seu semelhante e sofre na

pessoa delerdquo (ALENCAR 2009 p293) Para o bem de todos afirma ele ateacute mesmo

dos escravizados ainda natildeo eacute o tempo para a aboliccedilatildeo Mas os ldquotodosrdquo aqui

assinalados tecircm uma clara linha que distingue o escravizado do escravizador

Alencar natildeo chega a defender nem mesmo uma proximidade entre eles Usando o

discurso da etnia afirma que ldquoningueacutem desconhece todavia quanto eacute lenta essa

coesatildeo ou amaacutelgama de raccedilas Demanda seacuteculos e seacuteculos semelhante operaccedilatildeo

etnograacutefica e traz graves abalos agrave sociedaderdquo (ALENCAR 2009 p295) Mas ao

mesmo tempo com uma imigraccedilatildeo europeia e a amalgama o problema tambeacutem se

resolveria pois

Em trecircs e meio seacuteculos o amaacutelgama das raccedilas se havia de operar em larga proporccedilatildeo fazendo preponderar a cor branca Trecircs ou quatro geraccedilotildees bastam agraves vezes no Brasil para uma transformaccedilatildeo completa (ALENCAR 2009 p292)

O contato que Alencar defende eacute tatildeo somente social como forma civilizatoacuteria ldquoA

raccedila africana tem apenas trecircs seacuteculos e meio de cativeiro Qual foi a raccedila europeia

que fez nesse prazo curto a sua educaccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p310) A raccedila

branca diz ele ldquoembora reduzisse o africano agrave condiccedilatildeo de uma mercadoria

nobilitou-o natildeo soacute pelo contato como pela transfusatildeo do homem civilizadordquo47

(ALENCAR 2009 p296) Embranquecer seria um destino e uma meta a ser

cumprida para chegar-se enfim a uma futura civilizaccedilatildeo da Aacutefrica A soluccedilatildeo 47 Mesmo velado preconceito racial sempre houve no Brasil Nota-se em textos natildeo soacute de Alencar

mas de intelectuais como Silvio Romero e o proacuteprio Joaquim Nabuco (SKIDMORE 1989)

proposta eacute resolver a escravidatildeo pela absorccedilatildeo de uma raccedila por outra mas

aparentemente por outras as raccedilas e categorias sociais como o indiacutegena e o

imigrante pobre que chegaria em alguns anos Pois cada ldquomovimento coesivo das

forccedilas contraacuterias eacute um passo [a] mais para o nivelamento das castasrdquo (ALENCAR

2009 p296) ateacute o amalgama quando da geraccedilatildeo anterior findasse com a morte

mas sempre enquanto castas Sempre com uma marca social (in) visiacutevel que as

distinguisse

Chegado o termo fatal produzido o amaacutelgama a escravidatildeo cai decreacutepita e exacircnime de si mesma sem arranco nem convulsatildeo como o anciatildeo consumido pela longevidade que se despede da existecircncia adormecendo Mas antes do seu prazo quem fere mortalmente uma lei derrama sangue como se apunhalara um homem (ALENCAR 2009 p296)

Alencar usa como argumento que o escravo seria um inimigo se emancipado Os

povos que emanciparam seus escravos estavam em superioridade numeacuterica quanto

a estes e natildeo era o caso do Brasil Nos Estados Unidos do periacuteodo da guerra de

secessatildeo o norte tinha uma superioridade muito grande de homens livres sobre a

quantidade de escravos ao contraacuterio do sul o que os levaram a apoiar a

emancipaccedilatildeo Foi tambeacutem o caso da Inglaterra com suas colocircnias Libertar uma

quantidade tatildeo grande de escravos como haacute no Brasil de uma soacute vez pode criar

uma situaccedilatildeo de descontrole social alerta Alencar Comentando ainda sobre os

movimentos abolicionistas que vem se sucedendo na Ameacuterica Latina desde as

primeiras deacutecadas do seacuteculo XIX ndash o que aparentemente viria a reforccedilar a instituiccedilatildeo

nos paiacuteses que natildeo aderiram ao processo de emancipaccedilatildeo aleacutem de considerar que

a populaccedilatildeo escrava no Brasil consegue se reproduzir muito mais que em outros

paiacuteses O mais certo seria que a escravidatildeo natildeo se extinguisse ldquopor ato do poder e

sim pela caduquice moral pela revoluccedilatildeo lenta e soturna das ideiasrdquo (ALENCAR

2009 p306) E aparentemente sem muita pressa Mesmo porque haacute tambeacutem o

movimento contraacuterio do senhor de escravos que quer manter sua propriedade

O processo de emancipaccedilatildeo segundo ele jaacute se iniciou no Brasil a ponto de afirmar

que jaacute natildeo temos mais ldquoa verdadeira escravidatildeo poreacutem um simples usufruto da

liberdade ou talvez uma locaccedilatildeo de serviccedilos contratados implicitamente entre o

senhor e o Estado como tutor do incapazrdquo (ALENCAR 2009 p309) Cabe lembrar

que natildeo temos no periacuteodo um movimento abolicionista encapado pelos partidos ou

mesmo pela opiniatildeo puacuteblica Alencar lembra que quantidade de escravos eacute grande

demais para arriscar uma emancipaccedilatildeo por decreto

Trecircs seacuteculos durante a Aacutefrica despejou sobre a Ameacuterica a exuberacircncia de sua populaccedilatildeo vigorosa Calcula-se em cerca de quarenta milhotildees o algarismo dessa vasta importaccedilatildeo Nesse mesmo periacuteodo a Europa concorria para a povoaccedilatildeo do Novo Mundo com um deacutecimo apenas da raccedila negra (ALENCAR 2009 p292)

Alencar sugere que natildeo foi o Brasil do seacuteculo XIX que inicia o processo de

escravizaccedilatildeo nessas terras mas o Europeu o portuguecircs aacutevido de lucros com a

exploraccedilatildeo da colocircnia Exigir que se corrigisse um erro de uma hora para a outra eacute

uma sandice mesmo por que este (o europeu) espera ainda os produtos tropicais

com preccedilos baixos o que uma brusca mudanccedila no processo de produccedilatildeo natildeo

conseguiria manter o que acarretaria perdas tanto para os produtores como para os

mercados consumidores O escravo natildeo entrou na conta A passagem eacute

esclarecedora nesse sentido

O filantropo europeu entre a fumaccedila do bom tabaco de Havana e da taccedila do excelente cafeacute do Brasil se enleva em suas utopias humanitaacuterias e arroja contra estes paiacuteses uma aluviatildeo de injuacuterias pelo ato de manterem o trabalho servil Mas por que natildeo repele o moralista com asco estes frutos do braccedilo africano Em sua teoria a bebida aromaacutetica a especiaria o accediluacutecar e o delicioso tabaco satildeo o sangue e a medula do escravo Natildeo obstante ele os saboreia (ALENCAR 2009 p307)

Alencar explica que um necessaacuterio crescimento da populaccedilatildeo livre deve ser

incrementado para que a partir desta (sugere como a melhor forma a imigraccedilatildeo)

poderaacute haver a substituiccedilatildeo do trabalho escravo Nos Estados Unidos nos conta foi

assim Eacute a imigraccedilatildeo que colocaraacute uma nova ldquocorrdquo no paiacutes e lhe daraacute novo vigor E

coloca a culpa na Europa novamente por natildeo facilitar o envio de imigrantes para

nosso paiacutes Estes viriam de bom grado considerando mesmo ndash e ateacute como

argumento comparativo ndash a qualidade de vida aqui eacute bem melhor que laacute Na

verdade como afirma Prado (2001) os princiacutepios liberais erigiam a liberdade com

base em direitos do homem e natildeo pelo ponto de vista religioso Contestar a

escravidatildeo era tambeacutem contestar todo o antigo regime

A amaacutelgama de raccedilas proposta por Alencar tem por base o fluxo intenso de

imigrantes lusitanos para a Corte do Brasil a partir de 1850 com o fim do traacutefico de

escravos Por conta disso a populaccedilatildeo eacutetnica se altera mas o contingente

populacional se manteacutem praticamente o mesmo entre 1850 e 1872 ldquoa populaccedilatildeo

escrava diminui e a populaccedilatildeo lusitana quase dobrardquo (NOVAIS 1997 p30) Ainda

acompanhando este autor temos a indicaccedilatildeo de que ao fim da deacutecada de 1860

metade da populaccedilatildeo masculina da Corte era estrangeira vinda principalmente de

Portugal Alencar ainda coloca em um comparativo um operaacuterio europeu

trabalhando 12 15 18 horas soacute almeja a liberdade para tentar um outro caminho

que a cidade natildeo lhe oferece A ldquocondiccedilatildeo do nosso escravo comparada com a do

operaacuterio europeu eacute esmagadora para a civilizaccedilatildeo do Velho Mundo [essa liberdade]

eacute o meio um direito o fim eacute a felicidade48 e desta o escravo brasileiro tem um

quinhatildeo que natildeo eacute dado sonhar ao proletaacuterio europeurdquo (ALENCAR 2009p324)

O que se viu dando um breve espaccedilo ao tempo eacute que as criacuteticas de Alencar a

forma como o governo processa o problema da emancipaccedilatildeo (ou seria tambeacutem a

emancipaccedilatildeo a soluccedilatildeo do problema em outro ponto de vista) acabam encontrando

um espaccedilo vazio onde podiam criar raiacutezes visto que as promessas de aboliccedilatildeo no

fim da guerra de forma progressiva e por meio da estimulaccedilatildeo da emigraccedilatildeo ainda

estatildeo na forma como promessas no periacuteodo e a dificuldade de se encontrar uma

soluccedilatildeo (ateacute a aboliccedilatildeo completa claro) abrem precedentes para que o pensamento

de Alencar ndash se natildeo o mais eacutetico ndash acabe se apresentando como o mais coerente A

libertaccedilatildeo como o quer o governo sem um projeto que forneccedila condiccedilotildees de

inserccedilatildeo no novo projeto socioeconocircmico para o receacutem-libertado acabaraacute por

coloca-lo em situaccedilatildeo de miseacuteria caindo na mendicacircncia ou criminalidade A ideia

central de Alencar eacute que mesmo que haja aboliccedilatildeo geral e irrestrita se consiga

garantir que o escravo ldquose for libertado permaneceraacute em companhia do senhor e se

tornaraacute em criadordquo (ALENCAR 2009 p329) De qualquer forma para o senhor de

escravos na economia monocultora exportadora com um mercado flutuante

48 Natildeo eacute difiacutecil encontrar referecircncias aos textos do Utilitarismo de Jeremy Bentham em uma leitura

de Alencar

qualquer justificativa era boa contanto que a escravidatildeo natildeo terminasse naquele

momento nem em um futuro proacuteximo Nesse sentindo o argumento que Ilmar Mattos

(1987) defende eacute de que a relaccedilatildeo do Estado com os interesses da classe

ldquosenhorialrdquo faz com que a coroa assuma o papel de Partido ( nos termos de Gramsci)

natildeo se reduzindo assim agrave figura do Imperador que mesmo acuado pela criacutetica de

Alencar sabe que ele (e mesmo o missivista) satildeo peccedilas de uma organizaccedilatildeo mais

complexa dentro da sociedade Mas a coroa deve resolver tambeacutem os problemas

internos como convergecircncias e divergecircncias garantindo sempre que esta se

atualize

Como parte de um jogo de relaccedilotildees entre poliacuteticos e opiniatildeo puacuteblica eram

aplaudidos ateacute mesmo argumentos romantizados ao estremo como quando Alencar

defende que

A uacutenica transiccedilatildeo possiacutevel entre a escravidatildeo e a liberdade eacute aquela que se opera nos costumes e na iacutendole da sociedade Esta produz efeitos salutares adoccedila o cativeiro vai lentamente transformando-o em mera servidatildeo ateacute que chega a uma espeacutecie de orfandade o domiacutenio do senhor se reduz senatildeo a uma tutela beneacutefica (ALENCAR 2009 p113)

As soluccedilotildees que se propotildeem satildeo muitas mas uma breve reflexatildeo faz cair por terra

todo o conteuacutedo ideoloacutegico que estas carregam Uma situaccedilatildeo se daacute quando da

publicaccedilatildeo em marccedilo de 1868 tambeacutem de uma carta aberta endereccedilada ao

presidente do Conselho e lida perante a cacircmara dos deputados em fins do ano

anterior o Imperador declara abrir matildeo da quarta parte de sua dotaccedilatildeo Conta-nos

Alencar que a imprensa noticiando o caso ldquoem nome da opiniatildeo puacuteblica vos

retribuiu com bonitos e merecidos elogiosrdquo (ALENCAR 2009 p331) o ato que

busca devido agrave deficitaacuteria condiccedilatildeo do Estado auxiliar na organizaccedilatildeo da economia

senatildeo economicamente ao menos simbolicamente Notiacutecia que o parlamento

recebe com aplausos Alencar encontra aiacute uma possibilidade de contestaccedilatildeo do ato

afirmando ainda que natildeo aceita enquanto suacutedito e contribuinte tal donativo visto

que a dotaccedilatildeo natildeo eacute um ordenado pago ao Imperador e a famiacutelia real Eacute o ldquodecoro

do trono e a dignidade da naccedilatildeo como diz-nos a lei fundamental (art 108) que

determina a dotaccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p332) coisas de que este eacute depositaacuterio

enquanto representante da naccedilatildeo e natildeo proprietaacuterio Mais uma vez Alencar estaacute

assumindo a participaccedilatildeo do soberano no contrato O missivista usa seu

conhecimento do direito constitucional para denunciar as accedilotildees da coroa visando agrave

manipulaccedilatildeo ideoloacutegica do povo visto que tais atitudes propriamente simboacutelicas

como o ato de abrir matildeo da dataccedilatildeo (visto que os valores pouco ou nada influenciam

no ressarcimento das perdas do eraacuterio puacuteblico resultantes das uacuteltimas maacutes gestotildees

e dos custos com a guerra chegando mesmo Alencar classifica-las como migalhas)

satildeo uma forma de tranquilizar por meio dos jornais a opiniatildeo puacuteblica quanto a

realidade econocircmica por que passa o paiacutes e refrear as ameaccedilas de contestaccedilatildeo a

ordem estabelecida Sugere que se D Pedro II realmente quiser ajudar a naccedilatildeo que

seja

pondo um termo a esse esbanjamento desordenado que tem exaurido todas as reservas do paiacutes e vai sorver os uacuteltimos recursos do futuro natildeo satildeo os Vossos duzentos contos de reacuteis que vatildeo suprir o vaacutecuo aberto no orccedilamento por uma administraccedilatildeo imprevidente e desasada (ALENCAR 2009 p333)

Natildeo poderatildeo resolver o problema do Rio da Prata que garantiratildeo o creacutedito puacuteblico

ou evitaratildeo uma possiacutevel bancarrota do impeacuterio brasileiro Alencar entatildeo aconselha

que o Imperador continue fazendo uso do dinheiro em suas obras de caridade pois

a recusa dos valores soacute seraacute ldquoum foco de imoralidade e corrupccedilatildeo Carniccedila atirada

ao tempo que a podridatildeo logo decompotildeerdquo (ALENCAR 2009 p334) visto que tal iraacute

fluir para poliacuteticos corruptos e suas necessidades pessoais Se quiser ajudar o paiacutes

evitai que a administraccedilatildeo continue com a guerra que arruinaraacute enfim o paiacutes e

termina solicitando a demissatildeo do ministeacuterio ndash uacutenica soluccedilatildeo ndash como uacutenica forma de

salvar o Brasil e com sua integridade Eacute importante lembrar que D Pedro II conhece

bem a constituiccedilatildeo e apesar dos ataques de Alencar nunca toma uma atitude

defensiva eacute preciso registrar sua permissividade e respeito agrave liberdade de imprensa

como um traccedilo liberal mas como bem anuncia Alencar a criacutetica feita pela imprensa

natildeo encontra respaldo junto a opiniatildeo puacuteblica e as mudanccedilas natildeo satildeo

implementadas impossibilitando mudanccedilas na base administrativa o que pode ser

visto como um traccedilo de totalitarismo

Segundo Carvalho (2007) no modelo parlamentar que se desenvolve no Brasil o

parlamentarismo francecircs eacute a base apesar das constantes referecircncias ao

parlamentarismo inglecircs O gabinete ministerial eacute o elo entre a cacircmara e o imperador

a referenda do poder moderador A carta magna eacute influenciada pelas Constituiccedilotildees

francesa de 1791 e espanhola de 1812 e uma das mais liberais da eacutepoca Nesse

modelo eacute o gabinete que deve explicar-se com a cacircmara sobre os atos da

administraccedilatildeo puacuteblica evitando que se perceba algum resquiacutecio de absolutismo

Sem o gabinete o poder moderador instituiria um ldquodespotismo legalrdquo nas palavras do

senador Vergueiro (CARVALHO 2007) Eacute uma vitoacuteria dos liberais que tentam

garantir que D Pedro II reine e natildeo governe mas natildeo eacute assim que sempre funciona

O senado vitaliacutecio eacute a sombra do imperador - natildeo importando se eacute

predominantemente conservador ou abriga um e outro liberal moderado - que

manda e desmanda com sua influencia dentro dos partidos para garantir apoio a um

ou outro deputado do interior Eacute o tempo que iraacute solidificar as estruturas e o poder e

isto a cacircmara dos Deputados natildeo tinha para si A essecircncia do mecanismo eacute povo

dominado pelos poliacuteticos e poliacuteticos tutelados pelo imperador dentro do quadro

burocraacutetico instituiacutedo (FAORO 2004)

Zacarias de Goacutees e Vasconcelos defendia que o rei absoluto deveria ser distinguido

do rei constitucional natildeo cabendo mais o primeiro no seacuteculo XIX A garantia de

constitucionalidade dos atos do poder moderador estava na referenda feita pelos

ministros que prestavam contas agrave cacircmara O ministeacuterio deve contar entatildeo com a

confianccedila do parlamento Eacute um dado interessante que a maioria dos ministros saiacutesse

do senado e natildeo da cacircmara dos deputados o que garantia que as propostas

administrativas dos gabinetes estivessem mais afinadas com o modelo de governo

esperado pelo imperador O senador escolhido em uma lista triacuteplice apresentada ao

imperador eacute referendado por ele Natildeo havia nesse modelo formas de burlar o

domiacutenio da oligarquia ldquo() calccedilada na vitaliciedade no Senado e no Conselho de

Estadordquo (FAORO 2004 p 354)

A sexta carta datada de 23 de setembro de 1867 portando logo em seguida agrave

publicaccedilatildeo da carta anterior (o que permite aceitar que os textos sejam de certa

forma complementares visto a dificuldades de comunicaccedilatildeo com as frentes de

batalha) que tem a data de 20 de setembro Intitulada estaacute como uma carta ldquosobre a

guerrardquo e visto que a guerra eacute assunto presente em todas as cartas eacute preciso deter-

se um pouco no assunto Alencar inicia seu argumento afirmando de forma

progressiva que ldquoa paz eacute uma grande vergonha () a paz eacute um ato de miseacuteria

() a paz eacute uma vilaniardquo (ALENCAR 2009 p343) mas que o momento torna a

guerra algo insustentaacutevel Culpa o ministeacuterio por natildeo conseguir mais alistar homens

para a batalha e com a consequente falta de braccedilos para a lavoura a economia se

retrai dia apoacutes dia pois o escravo negro cada dia mais eacute presente nas fileiras da

guerra O alistamento feito para a guerra a princiacutepio voluntaacuterio comeccedila a encontrar

resistecircncia O governo forccedila o alistamento e o alistado poderia mandar um escravo

em seu lugar Eacute um impasse complexo para o liberalismo no Brasil Como pode

algueacutem que natildeo dispotildee de sua liberdade ndash nem disporaacute ndash pode lutar pela liberdade

Aproveita ainda o Alencar para dar alfinetadas nos liberais por meio da figura de

Zacarias de Goacuteis afirmando que o temor da guerra (ou mesmo de se responsabilizar

por seus rumos que seria efetivamente o caso) afasta a possibilidade de outro

partido tomar as reacutedeas da politica nacional garantindo a permanecircncia do partido

liberal no poder Critica veementemente a situaccedilatildeo de alistamento de escravos ndash

alguns cedidos por seus senhores para que combatam por eles - no exeacutercito regular

A questatildeo eacute como algueacutem que natildeo goza da liberdade pode lutar pela liberdade

ldquoPor entusiasmo espontacircneo esposando a causa de seus senhoresrdquo (ALENCAR

2009 p350) afirma Sua sugestatildeo eacute que se decirc fim agrave guerra pelo menos por

enquanto para que se resolvam os maiores problemas que satildeo os da poliacutetica

interna comeccedilando pela reorganizaccedilatildeo (ou deposiccedilatildeo claro) do gabinete e o

problema da escravidatildeo e completa consagrando seu momento maacutegico no tempo

a afirmaccedilatildeo de que soacute assim ldquoo paiacutes haacute de recuperar as forccedilas inertes os brios

abatidos O impeacuterio seraacute outra vez o Brasil da independecircncia o Brasil de 1851rdquo

(ALENCAR 2009 p354) Pronto para dar uma soluccedilatildeo os problemas do paiacutes

afirma somente o partido conservador Este ldquonatildeo tem a cumplicidade desta guerra

natildeo o tolhem compromissos do passado Entraria no poder com a imparcialidade do

juiz [e com] bastante civismo para arrostar as dificuldades da guerrardquo (ALENCAR

2009 p355) Um pouco de partidarismo ao fim da carta faz bem o estilo de nosso

missivista

O intervalo entre a penuacuteltima carta publicada em 23 de setembro de 1867 e a Uacuteltima

Carta49 datada de 15 de marccedilo de 1868 eacute grande se comparado ao restante do

conjunto Uma nota ao final (indicada como post-scriptum) assinala que ldquomotivos

imperiosos retardaram a publicaccedilatildeo desta cartardquo (ALENCAR 2009 p389) O uso do

termo ldquoimperiososrdquo eacute um indicio que pode se referir agrave condecoraccedilatildeo oferecida ao

Alencar pelo Imperador no ano de 1867 o oficialato da Rosa pelos serviccedilos

prestados ao paiacutes por meio da literatura Com seu habitual jeito mal educado

Alencar recusa a comenda e D Pedro II consegue uma inteligente cartada de

manipulaccedilatildeo aceitando desta forma as criacuteticas e tirando o Alencar do centro do

universo O episoacutedio da comenda oferecida sem que haja qualquer pretensatildeo de

agradar (assim o diz) ao Alencar mostra publicamente que haacute na figura do

imperador um interlocutor para as cartas E que este sabe muito bem o que lecirc e

sabe tambeacutem responder quando necessaacuterio for

Inicia Alencar aludindo a seu recolhimento explicitando o motivo na ideia de que

tambeacutem a situaccedilatildeo parece ter tido uma pausa Eacute o periacuteodo de encerramento do

trabalho das cacircmaras em Janeiro Caxias assume o comando das tropas aliadas

Alguns rumores correm a cidade conta de que o ministeacuterio pretende mudanccedilas e

encontra certa resistecircncia de D Pedro II A verdade segundo ele eacute que a situaccedilatildeo

deve ter fim A corrupccedilatildeo toma conta do Estado e natildeo se consegue uma

intervenccedilatildeo estando todos preocupados com a guerra natildeo se enxerga a corrupccedilatildeo

na administraccedilatildeo do Paiacutes Alencar sugere que a devassidatildeo que se daacute soacute terminaraacute

quando a consciecircncia do povo mudar ou quando o paiacutes natildeo tiver mais o que ser

corrompido

O corretivo da desmoralizaccedilatildeo sairaacute de seu proacuteprio seio quando natildeo haja mais nada a corromper e a dissoluccedilatildeo tenha-se operado no paiacutes todo entraremos necessariamente no periacuteodo embrionaacuterio de uma nova existecircncia poliacutetica em uma era de reorganizaccedilatildeo (ALENCAR 2009 p358)

Essa visatildeo pessimista tem um pouco de rancor por conta da manobra da comenda

oferecida ao missivista pelo Imperador mas natildeo deixa de levar em conta a proposta

de que agora com as mudanccedilas na direccedilatildeo da Guerra do Paraguai esta encontre

49 Intitulada ldquoUltima cartardquo Alencar dava por fim seu projeto

seu termo e tenha um fim o deacuteficit puacuteblico (que soacute se ampliava e seguiria D Pedro II

ateacute sua deposiccedilatildeo em 1889) e que agora eacute o momento em que D Pedro II natildeo deve

intervir A escolha por Caxias sugerida ateacute mesmo por Alencar poderia mudar os

rumos ateacute aqui e jaacute havia os rumores de que finalmente o Imperador iria ceder aos

apelos do Conde Drsquoeu ndash marido ldquoestrangeirordquo de Isabel ndash para que o enviasse ao

Paraguai e virasse tambeacutem um heroacutei do Brasil (ou encontrasse alguma atividade

qualquer para sua real pessoa) O interesse na guerra chega a ser observado por

Isabel em carta recolhida por Schwarcz No recorte Isabel indica seus medos

Papai me disse que a paixatildeo eacute cega Que a sua paixatildeo pelos negoacutecios da guerra natildeo o tornem cego Aleacutem disso Papai quer matar o meu Gaston Feijoacute recomendou-lhe muito que natildeo apanhasse sol nem chuva nem sereno e como evitar-lhe isso quando se estaacute na guerra (SCHWARCZ 1999 p 485)

Alencar natildeo estava errado haja vista as opccedilotildees que tinha o Imperador em sua

famiacutelia Mas seu conselho eacute a cautela Resolve nesta uacuteltima carta fazer um

apanhado de suas criacuteticas citando o problema da especulaccedilatildeo financeira que

ldquoassalta a riqueza puacuteblica e particular que potildeem em siacutetio todos os interesses

legiacutetimos da sociedaderdquo (ALENCAR 2009 p368) O avanccedilo dos progressistas

dilapidando as bases do governo estruturadas em um modelo de democracia que se

baseia na disputa entre os dois partidos entatildeo majoritaacuterios o liberal e o conservador

a inexperiecircncia dos parlamentares e demais dirigentes chamados por ele crianccedilas

as quais ldquoquase que saiacuteram dos cueiros para as cadeiras da Cacircmara dos Deputados

e para as poltronas ministeriaisrdquo (ALENCAR 2009 p369) lembrando a situaccedilatildeo do

golpe da maioridade com que D Pedro II chega ao poder quando afirma que ldquovoacutes

sabeis senhor e ningueacutem melhor do que voacutes que moralmente eacute a verdaderdquo

(ALENCAR 2009 p369) Critica a gastanccedila e a dilapidaccedilatildeo do tesouro a

depravaccedilatildeo dos costumes e da ordem puacuteblica afirmando que o gabinete eacute corrupto

e que tal corrupccedilatildeo se espalha com o conhecimento e por vezes o apoio da casa

imperial quando permite ldquolanccedilar agraves enxurradas tiacutetulos e condecoraccedilotildees por todo o

paiacutes [onde] com dois contos de reacuteis um aventureiro se condecorava com a fita que

voacutes trazeis ao peito como gratildeo-mestre das ordens brasileirasrdquo (ALENCAR 2009

p370) tatildeo somente com o intuito de captaccedilatildeo de dinheiro Culpa novamente o

Partido Progressista como o verme que destroacutei o paiacutes se vende ao comeacutercio e ldquoo

comeacutercio satildeo alguns indiviacuteduos ou mais atilados ou mais decididos que dirigem o

pensamento dos outrosrdquo (ALENCAR 2009 p371) aprovando ideias projetos e

mudanccedilas na poliacutetica

A situaccedilatildeo do periacuteodo na opiniatildeo de Alencar natildeo eacute de tranquilidade e

desenvolvimento mas de corrupccedilatildeo e descontrole As figuras que aviltam o paiacutes e

estatildeo por toda a parte seguem na narrativa satildeo eles

o parlamentar sem escruacutepulos nem convicccedilotildees que se faz servo de todos os governos () o poliacutetico cheio de cobiccedila que errou sua natural vocaccedilatildeo de agiota () o ministro que para conservar-se no poder natildeo duvida associar-se a indignos instrumentos () o funcionaacuterio puacuteblico sem dignidade ()o negociante que em vez de desenvolver sua atividade no campo livre da induacutestria anda farejando pelas cercanias do poder algum pingue contrato de fornecimentordquo (ALENCAR 2009 p 373-374)

Todos estes constituem o conjunto de forccedilas que atuam dentro do sistema

correndo-o A soluccedilatildeo seria um processo de moralizaccedilatildeo do Estado Por outro lado

sendo atingida em seus preceitos a famiacutelia que ldquoassiste sem querer a essa

representaccedilatildeo da comeacutedia perigosardquo (ALENCAR 2009 p374) que seria o uacuteltimo

refuacutegio da moralidade e a base da sociedade se sente ameaccedilada Cabe lembrar

que essa recusa de Alencar em aceitar mudanccedilas na estrutura dos partidos natildeo

condiz com o pensamento liberal (KENNY 1998) Segundo Alencar

O domiacutenio progressista devido agrave vossa niacutemia complacecircncia natildeo atuou unicamente sobre a poliacutetica sua decidida influecircncia na sociedade na vida privada estaacute bem patente As maacuteximas de governo adotadas nestes uacuteltimos tempos foram insinuando na domesticidade do cidadatildeo ideias e tendecircncias ateacute agora desconhecidas (ALENCAR 2009 p 373)

A deturpaccedilatildeo dos valores morais do ser humano eacute reconhecida nos personagens da

famiacutelia No pai no marido no filho que assistem a tudo e ndash se natildeo se reconhecem ndash

se inspiram A instituiccedilatildeo forte ldquoque repelia com indignaccedilatildeo as mais brilhantes

seduccedilotildees do mal agora flaacutecida e lacircnguida recebe quanto lhe deitam amolda-se a

qualquer pressatildeordquo (ALENCAR 2009 p374) E este eacute o retrato que se ldquoobserva em

geral na vida domeacutestica deste paiacutes Eis o segredo de todas estas defecccedilotildees de

caracteres que diariamente registra a opiniatildeo puacuteblicardquo soacute se tem apreccedilo pelo

dinheiro a cobiccedila ao ldquolar brasileiro onde outrora pendiam com as alegrias da

famiacutelia os penates da religiatildeo e do amor [agora] soacute haacute presentemente um iacutedolo o

bezerro de ourordquo (ALENCAR 2009 p377) E que ouro Eacute ali que ldquotodos os dias se

formam almas progressistas que devem mais tarde substituir os corifeus da

atualidaderdquo (ALENCAR 2009 p377) A moral base da sociedade estaacute subvertida

Vale lembrar que o argumento eacute legal A moral catoacutelica pregada eacute a ordem presente

para todos e assumida na lei dentro do projeto conservador de Alencar Mesmo o

herdeiro do trono jaacute rezava a constituiccedilatildeo poliacutetica do impeacuterio do Brasil de 1824 no

juramento que prestaria perante o senado ao aniversaacuterio de quatorze anos como

indica o artigo 106 se comprometia a manter a religiatildeo Catoacutelica Apostoacutelica Romana

observar a Constituiccedilatildeo Politica da Naccedilatildeo Brasileira e ser obediente aacutes leis e ao

Imperador

Voltando ao texto a sugestatildeo de Alencar eacute a de civilizar o negro ndash influecircncia

perniciosa dentro da famiacutelia - pelo trabalho e em seu contato com o branco - a ldquoraccedila

cultardquo O escravo domeacutestico eacute aquele que estaacute mais proacuteximo dos patrotildees do contato

direto com o branco partilhando de seus segredos seus problemas e suas

deficiecircncias Conhece o cotidiano da casa e partilha de um espaccedilo de limitaccedilotildees

com mulheres e crianccedilas entes de menor valor na sociedade patriarcal do seacuteculo

XIX Natildeo eacute nunca um igual algueacutem que partilha dos mesmos direitos de seus

senhores Eacute sempre um ser inferior que nunca mereceria ser elevado a dignidade

de seus senhores Gorender (2002) nos conta que Thomas Jefferson que foi o

redator da declaraccedilatildeo da Independecircncia dos Estados Unidos segundo a qual todos

os homens satildeo iguais era um grande proprietaacuterio de escravos e natildeo via nenhuma

incoerecircncia nisto pois julgava que os negros pertenciam a uma raccedila de inteligecircncia

inferior Eacute como se Alencar abraccedilasse o princiacutepio juriacutedico baacutesico de diferenciaccedilatildeo

entre naccedilatildeo e populaccedilatildeo onde sua defesa do liberalismo se refere a naccedilatildeo

brasileira e como se a escravidatildeo referisse aos elementos da populaccedilatildeo ndash os

desvinculados a naccedilatildeo brasileira mas de nacionalidade africana transportados para

o Brasil por meio da escravidatildeo Todos dentro de um mesmo territoacuterio mas com

realidades diferentes determinadas pela lei

Tornando ao texto percebe-se aqui uma associaccedilatildeo da cultura negra cooptada

para ldquodentrordquo da famiacutelia e nas relaccedilotildees do patriarcado em oposiccedilatildeo ao elemento

externo tanto o europeu (inglecircs ou portuguecircs ou outro mais) que se estabelece e

passa a usufruir das condiccedilotildees propiacutecias que a coroa ainda permite como o

imigrante com seus valores e idiossincrasias um elemento externo agrave famiacutelia mas

totalmente associada ao contexto das relaccedilotildees econocircmicas do periacuteodo Alencar

sugere uma escolha entre a escravidatildeo e a imigraccedilatildeo os dois males presentes e ao

mesmo tempo as duas soluccedilotildees possiacuteveis para a manutenccedilatildeo tanto do trabalho

como das elites

Podemos admitir que o Rio de Janeiro do periacuteodo se caracteriza como uma

sociedade onde o maior distanciamento social se manifesta com a maior

proximidade social entre os pares senhorescravo (CHARTIER 1999) e eacute a proacutepria

concepccedilatildeo ndash ou usufruto ndash da liberdade que os diferencia Um caso particular eacute o do

escravo domeacutestico Um escravo domeacutestico natildeo eacute um trabalhador do campo um

escravo do eito ndash diretamente ligado agrave produccedilatildeo Pertence ao mundo urbano ao

ambiente da casa-grande e natildeo da senzala O tratamento modelar que propotildee

deriva da questatildeo para a adaptaccedilatildeo do modelo econocircmico escravo para o trabalho

livre a partir da demanda criada pela cidade com novos empregos devido ao

desenvolvimento do capitalismo O modelo que propotildee seria para um escravo da

cidade se adaptar as relaccedilotildees econocircmicas dali para a constituiccedilatildeo talvez de um

proletariado urbano enquanto a massa de matildeo-de-obra agriacutecola permaneceria da

mesma forma enquanto conviesse ao produtor rural ao Senhor de escravos E a

transformaccedilatildeo do modelo deve ser tambeacutem tutelada e monitorada pela Elite Alencar

defende veementemente a tutela posterior do escravo liberto pelo antigo senhor Em

Alencar mesmo que haja o fim do viacutenculo da escravidatildeo os laccedilos criados

permanecem com a tutela e a manutenccedilatildeo da matildeo de obra No fim nada muda

nem mesmo as condiccedilotildees de trabalho O elemento branco masculino europeu

cristatildeo se torna tambeacutem aqui no Brasil o modelo a ser seguido e obedecido

mesmo porque a percentagem de escravos na cidade natildeo era pequena Novais

(1997) informa que a Corte abriga em 1849 em nuacutemeros absolutos a maior

concentraccedilatildeo de escravos urbanos no mundo desde o impeacuterio romano Em 1850

de um total de 206 mil habitantes em aacuterea urbana 79 mil (portanto 36) eram

escravos Sabemos que os padrotildees de comportamento da sociedade acompanham

as mudanccedilas no cenaacuterio poliacutetico que vem a acontecer no Brasil desde o iniacutecio do

seacuteculo XIX isso foi sentido tambeacutem no modelo da famiacutelia Com o fortalecimento

econocircmico do Rio de Janeiro ndash capital do reino ndash a riqueza passa a fazer parte da

cidade e o comeacutercio se desenvolve grandemente A escravidatildeo ainda eacute uma questatildeo

mal resolvida dentro e fora de casa para o desenvolvimento de um liberalismo

poliacutetico e econocircmico Mas essa amalgama proposta por Alencar eacute seu projeto

liberalconservador com a moralizaccedilatildeo do Estado a diminuiccedilatildeo da intervenccedilatildeo

deste nos negoacutecios privados um desenvolvimento do capitalismo ainda ldquoperifeacutericordquo

onde haacute consumidores e natildeo existe produccedilatildeo e a manutenccedilatildeo da escravidatildeo como

base para a agricultura agroexportadora se faz necessaacuteria para a manutenccedilatildeo dos

privileacutegios da elite e garantia de uma induacutestria (agricultura) lucrativa Alencar

concorda com a pregaccedilatildeo dos liberais moderados em que os privileacutegios dos grupos

ligados a propriedade de terra deve ser mantido mesmo que a custo da manutenccedilatildeo

da escravidatildeo pois eacute o que garante o desenvolvimento da economia e da proacutepria

naccedilatildeo O argumento contra a mudanccedila eacute expresso por Evaristo da Veiga em uma

ediccedilatildeo do Aurora Fluminense em 1829 quando diz que os moderados satildeo contra

toda espeacutecie de ldquotiraniardquo contra todos os excessos que possa haver (PRADO

2001) Mas aqui ldquoexcessosrdquo para Evaristo quer dizer atitudes que possam mudar

as condiccedilotildees de produccedilatildeo de forma brusca Extremismos dos liberais radicais que

possam deturpar a ordem estabelecida

Alencar sugere que o clima percebido no paiacutes (na opiniatildeo puacuteblica) anuncia

mudanccedilas revolucionaacuterias talvez E natildeo estamos muito distantes aqui das uacuteltimas

revoluccedilotildees liberais do periacuteodo regencial Zacarias de Goacuteis entatildeo no gabinete eacute um

dos grandes defensores da proposta de que o Imperador reina mas natildeo governa

(chega a publicar um livro sobre o assunto) que D Pedro II natildeo deve interferir

diretamente na administraccedilatildeo ndash leia-se poder moderador Mas segundo Alencar o

gabinete do jeito que estaacute tambeacutem natildeo consegue levar o governo O que haacute de se

esperar Propotildee jaacute que somente com a pressatildeo popular conseguiraacute mudar tal

gabinete ldquodai reacutedeas ao ministeacuterio Quanto mais breve provoque ele o motim com

seus erros menos sofreremosrdquo (ALENCAR 2009 p382) A questatildeo em Alencar

contudo natildeo eacute a defesa do modelo de trabalho escravo A lei garante isto Sua

defesa visa a opiniatildeo puacuteblica e a manutenccedilatildeo dos valores em um quadro em que eacute

preciso ldquoadministrarrdquo o conteuacutedo liberal a ser mostrado sob um filtro conservador

Concordando entatildeo com o que diz Bosi (1988) afirmamos que o liberalismo

defendido por Alencar se apresenta como uma sineacutedoque em que um conteuacutedo

escolhido se torna representativo do todo desvirtuando assim as ideias originais do

liberalismo e criando discurso ideoloacutegico que visa sustentar uma elite no poder

representada pelos latifundiaacuterios ricos comerciantes e traficantes de escravos para

quem a economia agroexportadora baseada no braccedilo escravo trazia lucros e

portanto deveria permanecer como a base econocircmica do Brasil

No uacuteltimo capiacutetulo anuncia a despedida de Erasmo certo de que sua identidade eacute

conhecida Justifica o seu pseudocircnimo dizendo que para se dirigir a figura do

Imperador com um conjunto de criacuteticas poderoso ndash escolhe entatildeo o pseudocircnimo

baseando-se na figura do filoacutesofo e intelectual renascentista que natildeo casualmente

foi tambeacutem professor - como o fez ldquoera necessaacuterio ter um nome respeitado cheio de

prestiacutegio e autoridade Faltando [-me] esse tiacutetulo soacute me restava o da verdaderdquo

(ALENCAR 2009 p385) e eacute a verdade (sob sua oacutetica a de um intelectual do

periacuteodo claro) que foi descrita aqui A soluccedilatildeo para o cidadatildeo comum eacute rir disto

tudo da comeacutedia que se tornou o paiacutes O cidadatildeo cordado diz ou chora ou

gargalha E parece cada vez mais ser isolado de uma efetiva participaccedilatildeo poliacutetica

extremamente necessaacuteria nesse regime constitucional Anuncia que natildeo acredita ser

tudo isto culpa de D Pedro II mas das elites que dominam o povo Termina com

letras garrafais afirmando que ldquoa liberdade nos paiacuteses constitucionais natildeo depende

do rei e soacute do povo () Mas infelizmente do povo que natildeo sabe governar-serdquo

(ALENCAR 2009 p389)

A resposta de D Pedro II viria logo depois com a queda do gabinete Zacarias de

Goacuteis Para o novo ministeacuterio a pasta da justiccedila eacute entregue a Alencar por sugestatildeo

do presidente do gabinete Itaboraiacute no chamado gabinete-bomba sob a presidecircncia

de Itaboraiacute A soluccedilatildeo eacute bem simples para o Imperador e pode parecer como uma

pequena vinganccedila pessoal como Alencar parece conhecer tatildeo bem os problemas

do Brasil ele que os resolva

4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A histoacuteria das antigas religiotildees e escolas como a dos partidos e revoluccedilotildees modernas nos ensina que o preccedilo da sobrevivecircncia eacute o envolvimento praacutetico a transformaccedilatildeo de ideias em dominaccedilatildeo

Adorno e Horkheimer

Para o conjunto das cartas - aqui analisado de forma natildeo exaustiva - haacute muitos

outros aspectos relevantes que dada a dimensatildeo do trabalho natildeo pudemos

alcanccedilar Natildeo se pretende aqui um diagnoacutestico geral e futuro da sociedade brasileira

mas sobretudo a partir do texto a compreensatildeo da situaccedilatildeo poliacutetica econocircmica e

social do periacuteodo na visatildeo de um agente poliacutetico que se apresenta como um

intelectual orgacircnico Sua praacutexis transformadora eacute a criacutetica ao sistema em forma de

mobilizaccedilatildeo da opiniatildeo puacuteblica Esse eacute um exemplo do processo ao qual Gramsci

(1999) chama de catarse a elaboraccedilatildeo da estrutura em superestrutura quando da

tomada de consciecircncia destes leitores da capacidade de transformaccedilatildeo social que

lhes eacute possiacutevel conseguir e que soacute se efetiva a partir da participaccedilatildeo de cada

indiviacuteduo Alencar consegue mobilizar-se (e usar) em um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo

com um novo formato e distribuiccedilatildeo com as cartas e alcanccedilar um puacuteblico leitor que

caracteriza a maior parte da opiniatildeo puacutebica do periacuteodo Dissemos anteriormente que

o alcance eacute dado importante na consolidaccedilatildeo da ideologia que eacute preciso partilhar

com o grupo o discurso Deixamos claro tambeacutem que discurso em favor da

manutenccedilatildeo da escravidatildeo natildeo era novo estaacute em debate jaacute com as ideias de Joseacute

Bonifaacutecio no primeiro reinado com os produtores de cana nordestinos e seus

representantes com Euzeacutebio de Queiroz com o grupo saquarema e vaacuterios outros

deputados e senadores que se apresentavam com seus proacutes e contras Alencar

poderia escrever livros e livros justificando a escravidatildeo mas tinha a clareza de que

seu argumento eacute injustificado ndash considerando-se algueacutem que se propotildee um liberal -

e que a aboliccedilatildeo era mais dia menos dia inevitaacutevel Diferindo da accedilatildeo de Gramsci

que pretendia reduzir desigualdades entre todos os homens o nuacutecleo transformador

de Alencar era mais segmentado (afinal ele nunca deixou de ser um representante

da aristocracia) como pudemos observar examinando dos dados sobre o niacutevel de

formaccedilatildeo intelectuais desses grupos mas eacute a disseminaccedilatildeo de suas ideias que as

tornaraacute comum a todos (era esta a sua proposta) determinando assim o curso

contiacutenuo da ideologia

Pudemos observar que o diferencial de Alencar foi identificar uma mudanccedila na

conjuntura poliacutetica com grupos de pressatildeo os mais diversos alimentando a ideia de

uma aboliccedilatildeo da escravidatildeo em um momento que a imprensa ndash entatildeo em

emergecircncia na Corte do Brasil ndash traz novas ideias baseadas no liberalismo poliacutetico e

econocircmico europeu para os grupos perifeacutericos da elite que se configuram como

uma opiniatildeo puacuteblica centrada em uma burguesia citadina que se desenvolve

grandemente no periacuteodo Com isso Alencar busca usar um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo

de grande alcance para tentar mobilizar esta opiniatildeo puacuteblica em seu favor no caso

aqui tratado em favor das ideias de manutenccedilatildeo da escravidatildeo Dessa feita

observamos tambeacutem que as cartas poliacuteticas de Alencar objeto de nosso estudo satildeo

uma obra de teor criacutetico poliacutetico-social mas tambeacutem tem como objetivo divulgar o

pensamento de Alencar e consolida-lo como figura valorosa no cenaacuterio poliacutetico da

Corte Seu caminho jaacute foi escolhido eacute o do partido conservador ser-lhe-aacute fiel ateacute o

fim Mas como pudemos observar as diferenccedilas entre os dois partidos natildeo eram

tatildeo acentuadas e os dois acabavam por defender o sistema monaacuterquico O Rio de

Janeiro com a onda de independecircncia poliacutetica nos seacuteculos XVIII e XIX eacute o reduto

monarquista da Ameacuterica Latina eacute bom lembrar

O que tambeacutem pudemos observar no texto de Joseacute de Alencar eacute a tentativa a partir

de estrateacutegias discursivas muacuteltiplas de disseminar um conteuacutedo ideoloacutegico

sugerindo a manutenccedilatildeo de um conservadorismo de molde monarquista e baseado

no regime escravagista Tais estrateacutegias buscam um ldquolugarrdquo diferenciado para o

discurso longe das disputas partidaacuterias longe da possibilidade do debate direto

Isso eacute mostrado na opccedilatildeo para a publicaccedilatildeo das cartas em ldquofolhetinsrdquo textos

impressos tambeacutem em graacuteficas mas natildeo no ldquocorpordquo de um jornal (o que poderia ter

sido relativamente faacutecil para Alencar no momento visto sua posiccedilatildeo como editor de

um importante jornal na Corte) Deslocar o texto da miacutedia ldquojornalrdquo para um veiacuteculo

alternativo desloca tambeacutem o discurso e cria uma situaccedilatildeo confortaacutevel de

hegemonia podemos assim dizer ndash mesmo porque era ele o uacutenico a fazecirc-lo no

momento Um traccedilo do manifesto de Alencar no texto eacute acreditar que o intelectual

tem o dever de iluminar o caminho do desenvolvimento e o desenvolvimento poliacutetico

e econocircmico pregado nas ideias de Alencar tem base nas ideias liberais D Pedro II

se guiaria pela opiniatildeo puacuteblica que pode ndash segundo dados de Alencar ndash ser medida

na publicitaccedilatildeo dos atos do governo pelos jornais E os jornais da Corte nos garante

ele jaacute estatildeo todos nas matildeos do ministeacuterio e o Imperador prefere sempre o caminho

da conciliaccedilatildeo os partidos conservador e liberal natildeo detecircm espaccedilos na imprensa de

grande circulaccedilatildeo e seus pequenos jornais poliacuteticos natildeo satildeo de grande alcance o

que apresenta um campo aberto para o texto de Alencar Eacute dessa forma que

entendemos o que pode ser aqui descrito pelo conceito de bloco histoacuterico

(GRAMSCI 1999) que eacute a articulaccedilatildeo de um conjunto de praacuteticas e concepccedilotildees

para garantir a manutenccedilatildeo de uma situaccedilatildeo histoacuterica determinada

Cabe lembrar que para que a ideologia seja eficaz o discurso deve se manter o

mesmo ignorando as mudanccedilas que possam vir a acontecer (CHAUI 1997) Mesmo

com o fim da escravidatildeo que Alencar sugere eminente eacute preciso que ela se

mantenha por mais algum tempo (e enquanto for possiacutevel) A decorrente captaccedilatildeo

de Alencar para o ministeacuterio vem disso Sua capacidade de reflexatildeo e mobilizaccedilatildeo

foi reconhecida e este que jaacute foi deputado e pertence agraves fileiras do partido

conservador seria devidamente enquadrado nos quadros do governo onde sua

ldquoliacutenguardquo pudesse ser reduzida via cargo puacuteblico juntando-o agrave burocracia passando

assim a fazer parte do governo que criticara Natildeo eacute de todo correto o que os

bioacutegrafos pesquisados aqui como Menezes (1965) Neto (2006) e Aguiar (1984)

dizem sobre a relaccedilatildeo de desconfianccedila ideoloacutegica que D Pedro II teria por Alencar

quando natildeo escolhe em lista triacuteplice seu nome para uma cadeira no senado o

motivo natildeo eacute somente este Com as cartas o imperador vecirc que Alencar eacute mesmo

um elemento importante do conservadorismo e que poderia confiar em suas ideias

e em suas atitudes colocando-o sob os braccedilos do governo A captaccedilatildeo de Alencar

para o ministeacuterio apesar de ele revelar-se extremamente competente segue o

mesmo caminho das condecoraccedilotildees e concessotildees de tiacutetulos que eacute criar uma

aristocracia dependente dos favores da coroa tendo no caso da burocracia o

elemento controlador e deixando o ldquoperigordquo bem a vista do imperador Os motivos

tambeacutem parecem ser de ordem pessoal em um relacionamento que nunca teve

tanta cordialidade D Pedro II como mostramos sequer queria demitir o Alencar do

cargo de Ministro da Justiccedila atestando assim a competecircncia deste

Novamente com Gramsci entendemos que o discurso desenvolvido nas cartas de

Erasmo tem todas as caracteriacutesticas da ideologia partilhada pelas classes

dominantes Alencar tenta se localizar acima do lugar comum acima das outras

miacutedias como o jornal ou mesmo os folhetins que ajudou a popularizar acima ateacute dos

partidos reafirmamos que essa proposta conservadora ndash baseada em uma eacutetica

moral cristatilde ndash eacute parte de um conjunto ideoloacutegico partilhado pelas classes dominantes

(mesmo por segmentos liberais e conservadores) e que tem em vista ndash agora com

Alencar ndash a criaccedilatildeo de uma utopia

A partir de nossa anaacutelise sustentamos aqui que - segundo Chauiacute - a utopia nasce

como gecircnero na literatura constituindo a narrativa sobre uma sociedade perfeita e

feliz e ao mesmo tempo como discurso poliacutetico na exposiccedilatildeo sobre uma forma para

a cidade justa (CHAUIacute 2008) O termo topos em grego significa lugar e o prefixo ldquourdquo

indica um sentido negativo como um ldquonatildeo lugarrdquo ou lugar desconhecido ou ainda

no sentido da obra o diferente do que conhecemos e praticamos eacute a possibilidade

de interaccedilatildeo com a alteridade (CHAUIacute 2008) Eacute esta a proposta de Alencar a utopia

no sentido possiacutevel alcanccedilaacutevel por meio de um conjunto de ideias baseadas no

liberalismo claacutessico com traccedilos marcantes de conservadorismo Seu texto ndash natildeo

lugar ndash eacute lugar de passagem rumo a construccedilatildeo de um fim possiacutevel que ele

acredita indicar como uma postura para a sociedade que comeccedila a se desenvolver

no paiacutes Mas uma sociedade em que as classes satildeo bem definidas a elite o povo e

os outros50 Vale argumentar como jaacute comentado anteriormente no capiacutetulo que

refere a biografia de Alencar sua praacutetica de leitura para um grupo de pessoas Em

Chartier (1999) por exemplo observamos tal praacutetica (dentro da famiacutelia ateacute com

grupos proacuteximos ao nuacutecleo familiar) na Europa ainda nos seacuteculos XVII e XVIII com a

venda avulsa de livros sobre a vida dos santos contos de fadas e romances de

cavalaria ndash para citar os gecircneros com maior venda - por toda a parte para as

50

Um dado interessante eacute o de que Tomas Morus autor do claacutessico Utopia a que nos referimos aqui

natildeo chega a publicar seu livro sendo decapitado a mando de Henrique VIII em 1535 O livro seria publicado poucos anos depois na Basileacuteia (Suiacuteccedila) por Erasmo a quem este estava ligado por laccedilos de amizade

camadas populares natildeo soacute nas cidades mas tambeacutem em lugares os mais distantes

As ideias de Alencar poderiam chegar a mais e mais pessoas sem que o proacuteprio

autor tivesse condiccedilotildees de mensurar tal alcance Mas por outro lado natildeo podemos

ser ingecircnuos e acreditar que tais condiccedilotildees de leitura natildeo fossem - mesmo que

parcialmente - conhecidas por Alencar sendo este um jornalista e autor literaacuterio de

renome e um dos poucos que puderam dizer ainda em vida que vendiam suas

obras

Alencar estava ciente da forccedila de seu projeto e tinha consciecircncia da repercussatildeo

que conseguiu logo depois da publicaccedilatildeo da primeira carta Na segunda ediccedilatildeo das

cartas ao Imperador datada de 1866 e impressa na Typographia de Cacircndido

Augusto de Mello no Rio de Janeiro Alencar escreve na advertecircncia ao texto ndash

referindo-se a publicitaccedilatildeo da primeira ediccedilatildeo que ldquoa tentativa foi bem decidida O

favor puacuteblico a acompanhou e deu-lhe forccedilas e estiacutemulos para progredirrdquo

(ALENCAR 2009 p08) Natildeo haacute uma poetizaccedilatildeo da poliacutetica nem a utopia romacircntica

nesse momento apenas as estrateacutegias discursivas no texto com o objetivo

especiacutefico de disseminar um discurso ideoloacutegico para a construccedilatildeo da verdadeira

utopia O seu modelo de naccedilatildeo que como advogado segue o princiacutepio geral do

Direito e apresenta uma clara separaccedilatildeo entre povo e populaccedilatildeo

Alencar bem sabia o que estava a fazer com as cartas e sabia tambeacutem que estava

sendo acompanhado pelos leitores e tinha condiccedilatildeo de sugerir ldquoopiniotildeesrdquo para esse

puacuteblico enquanto reafirma constantemente sua opccedilatildeo pela aristocracia e a

monarquia ndash confirmando tambeacutem as ideias em defesa da escravidatildeo Em seu

modelo de transformaccedilatildeoconservaccedilatildeo opta pela afirmaccedilatildeo de valores

tradicionalmente aceitos pela burguesia pela moral cristatilde e a preservaccedilatildeo do

modelo da famiacutelia cristatilde do patriarcado e pelo liberalismo econocircmico Um modelo

que deve ndash segundo suas convicccedilotildees - perpetuar-se mesmo com as transformaccedilotildees

sociais que o desenvolvimento da cidade e da sociedade brasileira prenuncia

Cabe lembrar que pode ser observado que os grupos representativos das elites no

Rio de Janeiro jaacute demonstravam um misto de preconceito racial e econocircmico tanto

com a populaccedilatildeo livre e mesticcedila como a populaccedilatildeo de escravos e ex-escravos que

se multiplicava vendo nessas pessoas apenas instrumentos para o trabalho e

obtenccedilatildeo de lucros E sua ideia nos parece claro eacute que permanecessem assim

Cabe lembrar que quando da publicaccedilatildeo das ldquonovas cartas ao Imperadorrdquo entre

186869 a Inglaterra paiacutes que exercia forte influencia na sociedade brasileira tanto

poliacutetica quanto economicamente jaacute dava os primeiros sinais das mudanccedilas de

relaccedilotildees trabalhistas com a liberaccedilatildeo dos sindicatos trabalhistas e o direito de greve

e outros direitos que viriam a integrar o conjunto ateacute 1875 (HOBSBAWN 2011) e

com certa resistecircncia tambeacutem na Franccedila o que consequentemente poderia se

estender e chegar aqui junto com trabalhadores imigrantes europeus modificando

as relaccedilotildees entre patratildeo e empregado - que seriam inevitavelmente muito diferentes

da anterior relaccedilatildeo senhorescravo Acreditamos que nessa perspectiva o estudo

do trabalho de Alencar e suas ideias frente agrave escravidatildeo se torna pertinente visto

que as teorias que se podem classificar como ldquoracistasrdquo e de valorizaccedilatildeo da raccedila

branca soacute vem a se instalar no Brasil em uma eacutepoca senatildeo posterior ao menos

contemporacircnea ao nosso recorte Destacamos aqui baseado no que mostra

Skidmore (1989) o trabalho do historiador inglecircs Henry Thomas Buckle a ldquoHistoacuteria

da civilizaccedilatildeo na Inglaterrardquo publicada em vaacuterios volumes entre 1857 e 1861 que

defendia uma filosofia do determinismo climaacutetico onde as raccedilas oriundas de lugares

de climas mais quentes seriam mais bem adaptadas para o trabalho braccedilal Seu

contemporacircneo Arthur de Gobineau um francecircs que chega a trabalhar no Brasil

como diplomata em 1869 edita seu ldquoEssai sur lrsquoInegaliteacute des Races Humainesrdquo em

1853 aonde defende que a sociedade multirracial que se via aqui soacute servia para a

degeneraccedilatildeo tanto de negros como de europeus criando uma mesticcedilagem fraca e

esteacutereo Outras teoacutericos tiveram suas ideias divulgadas em um periacuteodo posterior e

alguns ficaram bastante conhecidos aqui como no caso do argentino Joseacute Inginieros

e do francecircs Louis Couty que publica um diaacuterio de sua viagem pelo Brasil em 1868

feita com o auxilio de sua esposa trecircs anos antes (SKIDMORE 1989) Cabe

lembrar tambeacutem que a questatildeo do preconceito eacute somente uma parte da histoacuteria

A defesa da instituiccedilatildeo familiar em seu modelo cristatildeo catoacutelico tambeacutem eacute uma

caracteriacutestica do pensamento do missivista Segundo Alencar faz-se necessaacuterio

dentro deste projeto submeter-se a instituiccedilatildeo a certos ajustes optando pela

reafirmaccedilatildeo de valores tradicionalmente aceitos reafirma todo seu modelo como o

adequado e defende que este deve perpetuar-se em detrimento das

transformaccedilotildees sociais que vem ocorrendo com o desenvolvimento da cidade e que

acusa como degradadoras dos valores morais Que eacute preciso acabar com a ineacutercia

do povo (talvez se referindo a necessidade de braccedilos para a lavoura natildeo a

revoluccedilotildees populares) com o egoiacutesmo dos estadistas e a distacircncia que o Estado ndash

na figura do Imperador ndash tem da administraccedilatildeo puacuteblica A constante criacutetica a ineacutercia

do povo configura a afirmaccedilatildeo de que no constitucionalismo todo participam do

processo decisoacuterio a partir do ldquocontrato socialrdquo Entatildeo todos devem se mobilizar

pois satildeo corresponsaacuteveis por tudo na sociedade

A tiacutetulo de organizaccedilatildeo das ideias podemos afirmar que Alencar um intelectual

militante no oitocentos busca na imprensa uma forma de educaccedilatildeo e ao mesmo

tempo de mobilizaccedilatildeo de determinadas camadas sociais que estatildeo na periferia da

elite e que vem estruturando-se como uma opiniatildeo puacuteblica na Corte com um

discurso ideoloacutegico e moralizante marcado pela valorizaccedilatildeo das tradiccedilotildees e pelo

pensamento liberal ndash devidamente adaptado para a realidade escravagista do Brasil

o que vem a se tornar um sistema com caracteriacutesticas ao mesmo tempo liberais e

conservadoras No caso Alencar serve como instrumento para uma multiplicaccedilatildeo da

ideologia da elite aristocraacutetica que se forma no Brasil depois da independecircncia

tendo na Corte do Rio de Janeiro e na defesa das instituiccedilotildees seu nuacutecleo de poder e

seu norte de dominaccedilatildeo Alencar se forma no curso de Direito em 1849 (na turma de

50) e jaacute no iniacutecio de sua militacircncia jornaliacutestica observa os reflexos da restauraccedilatildeo

da Europa depois das malsucedidas accedilotildees da primavera dos povos E segundo

Hobsbawn (2011) as economias se recompuseram e a partir daiacute paiacuteses como a

Alemanha Itaacutelia o impeacuterio dos Habsburgos (para citar alguns) tiveram um

desenvolvimento econocircmico acelerado Era esta a referecircncia direta observada pelo

Alencar para a defesa da monarquia e este deveria ser o modelo para o Brasil

Monarquia e constitucionalismo

Observa-se assim concordando com o que propotildee Foucault (2004) que o poder

natildeo se restringe ao Estado a uma pessoa determinada ou a um grupo de pessoas

este eacute muacuteltiplo e diversificado aparecendo de modo diferente em diferentes esferas

da sociedade O poder no sentido aqui descrito eacute algo que se manteacutem a partir do

aceite do grupo a que este se refere Norberto Bobbio apresenta um conceito de

poder que vai ao encontro do que procuramos Poder eacute ldquoa capacidade do homem

em determinar o comportamento do homemrdquo (BOBBIO 1998 p933) Mais adiante

o autor alarga seu conceito de poder explicitando

O conceito em que conveacutem basear este alargamento da noccedilatildeo de Poder eacute o conceito de interesse tomado em sentido subjetivo isto eacute como estado da mente de quem exerce o Poder Diremos entatildeo que o comportamento de A que exerce o Poder pode ser associado mais que agrave intenccedilatildeo de determinar o comportamento de B objeto do Poder ao interesse que A tem por tal comportamento As relaccedilotildees de imitaccedilatildeo por exemplo onde falta a intenccedilatildeo no imitado de se propor como modelo se incluem em Poder se a imitaccedilatildeo corresponde ao interesse do imitado (como em certas relaccedilotildees entre pai e filho) mas natildeo se incluem se agrave imitaccedilatildeo natildeo corresponde o interesse do imitado (BOBBIO 1998 p 934)

Entendemos que haacute sempre algueacutem predisposto a aceitar o poder Mas como se daacute

tal aceite Eacute justamente nas relaccedilotildees interpessoais as quais se constituem por meio

da internalizaccedilatildeo de discursos alheios No caso de um texto como o apresentado por

Alencar nas ldquoCartas de Erasmordquo eacute por meio de uma relaccedilatildeo de confianccedila que o

leitor passa a ter com o autor como algueacutem que compreende a realidade e a mostra

para este o que sustenta uma relaccedilatildeo de confianccedila entre as partes Entendemos

tambeacutem que essa construccedilatildeo subjetiva da realidade que passa a ser ldquosocialrdquo a partir

do compartilhamento de sua leitura eacute histoacuterica porquanto assume significaccedilatildeo para

os grupos a que se referem A obra eacute entendida como uma conceptualizaccedilatildeo do

mundo onde se constitui como conjuntos de enunciados e eacute o enunciado o portador

da significaccedilatildeo (MORSON 2008) Isso se daacute a partir da construccedilatildeo de uma

representaccedilatildeo social onde haacute sempre a perspectiva da alteridade em forma de

resposta imediata ao texto ou retomada posteriormente Eacute por meio desta leitura das

representaccedilotildees e do poder que entendemos - na concepccedilatildeo de Gramsci - a funccedilatildeo

do intelectual de disseminar ideias propostas e conceitos E mesmo de forma

indireta como um agente de mobilizaccedilatildeo Eacute preciso lembrar que os reflexos da

ldquoprimavera dos povosrdquo ainda estavam presentes na memoacuteria de uma elite que

desenvolvera laccedilos econocircmicos e sociais com naccedilotildees europeias e as elites tinham

a dimensatildeo do que poderia acontecer com a mobilizaccedilatildeo da massa Hobsbawm

(2010) nos mostra a importacircncia dos intelectuais na revoluccedilatildeo de 1848 enquanto

sujeitos de uma praacutexis poliacutetica que senatildeo imprescindiacutevel eacute relevante na

caracterizaccedilatildeo do que tais movimentos viriam a apresentar

Eles [os intelectuais] natildeo eram mais importantes nesta revoluccedilatildeo que em quaisquer das outras que ocorreram assim como nesta em paiacuteses

relativamente atrasados onde o melhor do estrato meacutedio consistia de pessoas caracterizadas por sua escolarizaccedilatildeo e comando da palavra escrita graduados de todos os tipos jornalistas professores funcionaacuterios Mas natildeo havia duacutevida de que os intelectuais eram proeminentes poetas tais como Petoumlfi na Hungria Herwegh e Freiligrath na Alemanha (que pertencia ao corpo editorial da Neue Rheinische Zei-tung) Victor Hugo e o consistente moderado Lamartine na Franccedila (os professores franceses ainda que suspeitos para os governos permaneceram quietos sob a monarquia de julho e supotildee-se terem feito frente com a ordem em 1848) acadecircmicos em grande nuacutemero na Alemanha (a maioria no lado moderado) meacutedicos como C G Jacoby (1804-51) na Pruacutessia Adolf Fischhof (1816-93) na Aacuteustria cientistas como F V Raspail (1794-1878) na Franccedila e uma vasta quantidade de jornalistas e publicistas dos quais Kossuth era entre todos o mais celebrado e Marx provava ser o mais formidaacutevel Como indiviacuteduos tais homens podiam exercer um papel decisivo como membros de um estado social especiacutefico ou como membros de uma pequena-burguesia radical natildeo o podiam

51 (HOBSBAWN 2010 p36)

Tornando ao texto de nossa anaacutelise pudemos perceber como Alencar se aproveita

dos veiacuteculos de comunicaccedilatildeo a que tem acesso para divulgar suas ideias e como

consegue adapta-las aos diferentes formatos que tais miacutedias exigem conseguindo

assim alcanccedilar natildeo somente uma maior quantidade de pessoas mas uma variedade

grande de camadas sociais e a propalada ldquoopiniatildeo puacuteblicardquo com maior intensidade

tentando fomentar a ampliaccedilatildeo da participaccedilatildeo poliacutetica ativa (ao menos enquanto

conscientizaccedilatildeo de um maior grupo tirando a exclusividade da atividade poliacutetica

apenas do recinto parlamentar) podendo ndash e por isso mesmo - ampliar as

possibilidades de alcance do conjunto da dominaccedilatildeo Essa mesma opiniatildeo puacuteblica

que temos alguma dificuldade de representar numericamente mas que eacute elemento

fundamental no periacuteodo E eacute tambeacutem com intenccedilatildeo de ldquoconstruirrdquo uma opiniatildeo natildeo

somente na elite mas em seus representantes mais diretos como o funcionaacuterio

puacuteblico representante de uma administraccedilatildeo centralizadora que fatalmente deveria

promover pelo paiacutes a ideologia do Estado No dizer de Uruguai o agente da

administraccedilatildeo puacuteblica eacute efetivamente um agente da centralizaccedilatildeo (MATTOS I

1987) D Pedro II chega a escrever agrave princesa Isabel em um dos momentos que

esta assume a regecircncia prevenindo-a contra uma possiacutevel maacute interpretaccedilatildeo das

notiacutecias e criacuteticas publicadas nos vaacuterios jornais da Corte considerando que o

ldquosistema poliacutetico do Brasil funda-se na opiniatildeo nacional que muitas vezes natildeo eacute

manifestada pela opiniatildeo que se apregoa como puacuteblicardquo (FAORO 2004 p 343)

Mas natildeo podemos esquecer que ateacute o momento (estamos no segundo reinado) natildeo

51

O grifo eacute meu

haacute como mensurar tal opiniatildeo puacuteblica ou a dimensatildeo das accedilotildees que esta possa

alcanccedilar A preocupaccedilatildeo imediata de D Pedro II seria com o que poderiacuteamos

chamar de os ldquoformadoresrdquo de uma opiniatildeo puacuteblica Com o texto dos agentes

poliacuteticos publicados em jornais ou outras miacutedias em um momento privilegiado de

liberdade de imprensa

Fica claro que a defesa da escravidatildeo eacute para Alencar necessaacuteria no momento -

tendo mesmo a certeza de a aboliccedilatildeo natildeo tardaria - funcionando como um discurso

que busca retardar a disseminaccedilatildeo de ideais progressistas e abolicionistas para o

conjunto da opiniatildeo puacuteblica conquanto esta passa a ser um elemento de pressatildeo

sobre as elites que controlavam o sistema econocircmico vigente e ele busca seus

argumentos nos teoacutericos liberais europeus O que se vecirc em Alencar natildeo eacute uma

discussatildeo sobre o direito de propriedade de um ser humano sobre o outro isto estaacute

posto pela legislaccedilatildeo a praacutetica do cativeiro eacute legitimada pelo Estado brasileiro O

que temos satildeo as criacuteticas de Alencar a forma como o governo trata o problema

inevitaacutevel da emancipaccedilatildeo com promessas de aboliccedilatildeo ao fim da guerra de forma

progressiva e por meio da estimulaccedilatildeo da emigraccedilatildeo Tais promessas natildeo se

efetivam o que abre um precedente para que o pensamento de Alencar ndash se natildeo o

mais eacutetico ndash acabe se apresentando como o melhor aceito pelas elites e sendo

reproduzo Outro ponto a ser lembrado eacute que com o fim do traacutefico a partir de 1850 e

a expansatildeo das lavouras cafeeiras no interior do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo haacute

tambeacutem uma transferecircncia gradual de escravos urbanos para essas regiotildees Com o

aumento do valor do escravo no mercado interno vaacuterias famiacutelias venderam seus

cativos para as fazendas causando uma consequente diminuiccedilatildeo no percentual da

escravaria na corte e outros nuacutecleos urbanos (NOVAIS 1997) A pulverizaccedilatildeo da

posse de escravos na cidade regride o que em pouco tempo pode levar a uma

mudanccedila de consciecircncia da opiniatildeo puacuteblica centrada na Corte sobre a escravidatildeo

Em uma foacutermula simples Quando todos possuiacuteam escravos isto era visto como algo

comum Quando soacute os ricos cafeicultores passaram a possuiacute-los isto se tornava

errado e antiquado para um paiacutes em desenvolvimento Alencar vai contra isto e

confirma em seu texto os valores do conservadorismo assumindo uma postura que

podemos chamar de liberalconservadora Admitindo isto concordamos com o que

propocircs Bosi (1988) que o liberalismo defendido por Alencar pode ser resumido em

uma figura de linguagem uma sineacutedoque em que uma parte do conteuacutedo eacute tomada

como um todo uniforme desvirtuando assim as ideias originais do liberalismo e

criando novo discurso ideoloacutegico e conservador para sustentar um grupo que se

impotildee no poder Em Alencar se vecirc a escolha da ldquoparte pelo todordquo como em uma

sineacutedoque Alencar defende que se uma parte da populaccedilatildeo estaacute na direccedilatildeo do

Estado e da economia e tem privileacutegios eacute porque essa parte conseguiu consolidar

seu poder pessoal e pode organizar um projeto poliacutetico de desenvolvimento para

que o todo da naccedilatildeo se desenvolva entatildeo satildeo essas pessoas que tem o ldquodireitordquo de

representar a naccedilatildeo Eacute o que pudemos observar

Constatou-se tambeacutem que a situaccedilatildeo do Brasil no periacuteodo segundo Alencar natildeo eacute

de tranquilidade e desenvolvimento mas de corrupccedilatildeo e descontrole Com o

parlamento repleto de elementos sem escruacutepulos ou convicccedilotildees que tomam as

riquezas o paiacutes com sua cobiccedila Alencar defende um Estado de leis com pulso forte

e mesmo a interferecircncia do Imperador para garantir que isto natildeo mais acontecesse

Era apenas assim que se garantiria a ordem puacuteblica e as ldquonecessidades puacuteblicasrdquo

seriam supridas o que natildeo era apenas uma opiniatildeo de Alencar mas uma visatildeo do

Estado compartilhada por boa parte dos homens que passaram pela administraccedilatildeo

puacuteblica no segundo reinado (MATTOS I 1987) Os gabinetes que se seguem sem

estrutura ou conhecimento administrativo levam o paiacutes agrave bancarrota com seus erros

constantes devido a sua ineacutepcia com a coisa puacuteblica O conjunto de instituiccedilotildees que

atuam dentro do sistema estatildeo corroendo-o por conta da ganancia da elite com o

dinheiro do Estado Do outro lado sendo atingida em seus preceitos a famiacutelia que

ldquoassiste sem querer a essa representaccedilatildeo da comeacutedia perigosardquo O que seria o

uacuteltimo refuacutegio da moralidade e base da sociedade

Por fim entendemos que como o sugeriu Carvalho (2007) em uma reflexatildeo sobre o

impeacuterio os fatos mostrados aqui podem ateacute ser reconhecidos pelos estudiosos e jaacute

trilhados mas as explicaccedilotildees tendem a ser insatisfatoacuterias por isso a necessidade

constante de revisitar textos do periacuteodo e teorias Ao mesmo tempo lembrando

Norberto Bobbio (1997) em uma reflexatildeo sobre seus escritos ao enfrentar o tema da

relaccedilatildeo entre os intelectuais e a poliacutetica em frente ao oceano de textos sobre o

tema dizia sentir-se como a crianccedila que despejando um copinho drsquoagua no mar

acreditava estar aumentando o seu niacutevel Eacute como nos vemos aqui Poreacutem

acreditamos ter conseguido demonstrar a presenccedila de um discurso

liberalconservador nas cartas de Erasmo como estrateacutegia discursiva de

disseminaccedilatildeo ideoloacutegica Os dados obtidos nos permitem dizer que nossa hipoacutetese

de que por meio de um discurso poliacutetico conservador vinculado as propostas

ideoloacutegicas das elites escravocratas disseminado pelos jornais e panfletos do

periacuteodo os intelectuais construiacuteram uma imagem paradoxal do liberalismo para o

Brasil no segundo reinado pocircde ser confirmada

As confluecircncias entre tais extremos (liberalismo x conservadorismo) natildeo satildeo

ineacuteditas visto que Hobsbawn (2010) por exemplo pode demonstrar a mobilidade de

agentes poliacuteticos partiacutecipes de movimentos liberais moderados e ateacute mesmo

radicais para as linhas dos partidos conservadores quando os movimentos

revolucionaacuterios da ldquoprimavera dos povosrdquo em 1848 tendiam a modificar a ldquoordem

socialrdquo organizando liberais e conservadores em movimentos unificados ndash onde as

ideias de ambos os lados acabavam por se adaptar as necessidades de

sobrevivecircncia de tais grupos - para uma retomada do poder para as elites europeias

No Brasil a elite nem por um minuto descuidou de estar com as duas matildeos nas

reacutedeas do poder

Por fim esperamos tambeacutem que nosso trabalho tenha sido uacutetil para exemplificar

algumas das muitas relaccedilotildees de poder que existiram (e existem) na relaccedilatildeo Estado

ndash cidadatildeo mediadas pela ideologia atraveacutes de um de seus muitos colaboradores

os intelectuais e ajudar na compreensatildeo de tema tatildeo complexo como a relaccedilatildeo dos

intelectuais com a elite e o poder

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6 ANEXOS

Figura 1 Fac-siacutemile da segunda ediccedilatildeo das Cartas ao Imperador impressa na

Typographia de Candido A de Mello em 1866 Alencar era um autor reconhecido

ainda em vida conseguindo publicar ndash e vender ndash natildeo somente obras literaacuterias mas

tambeacutem estudos sobre poliacutetica e legislaccedilatildeo

Figura 2 Fac-siacutemile da ediccedilatildeo das Cartas ao Povo impressa na Typographia de

Pinheiro e Companhia em 1866 Logo abaixo texto da contra capa indicando pelo

editor o modo de distribuiccedilatildeo do material

Figura 3 Folha de rosto da carta ao M de Olinda onde se vecirc a citaccedilatildeo de Joacute 333

O Diaacuterio do Rio de Janeiro apesar de sustentar uma postura apoliacutetica exibia

cotidianamente (desde seus primeiros exemplares) em suas primeiras paacuteginas o

resumo das seccedilotildees da cacircmara dos deputados e do Senado

Dados Internacionais de Catalogaccedilatildeo-na-publicaccedilatildeo (CIP) (Biblioteca Central da Universidade Federal do Espiacuterito Santo ES Brasil)

Afonso Rogeacuterio Natal 1969- A257d A dimensatildeo poliacutetica do pensamento de Joseacute de Alencar

(1865-1868) Liberalismo e escravidatildeo nas cartas de Erasmo Rogeacuterio Natal Afonso ndash 2013

153 f il Orientadora Maacutercia Barros Ferreira Rodrigues Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) ndash Universidade Federal

do Espiacuterito Santo Centro de Ciecircncias Humanas e Naturais 1 Alencar Joseacute de 1829-1877 2 Escravidatildeo ndash Brasil 3

Brasil - Histoacuteria - Impeacuterio 1822-1889 I Rodrigues Maacutercia Barros Ferreira II Universidade Federal do Espiacuterito Santo Centro de Ciecircncias Humanas e Naturais III Tiacutetulo

CDU 9399

Rogeacuterio Natal Afonso

A dimensatildeo poliacutetica do pensamento de Joseacute de Alencar (1865-1868)

Liberalismo e escravidatildeo nas cartas de Erasmo

Dissertaccedilatildeo apresentada ao Mestrado em Histoacuteria Social das Relaccedilotildees Poliacuteticas na

Universidade Federal do Espiacuterito Santo como requisito parcial para Obtenccedilatildeo do

Grau de Mestre em Histoacuteria Social

COMISSAtildeO EXAMINADORA

___________________________________________________________________Profa Dra Maacutercia Barros Ferreira Rodrigues

Universidade Federal do Espiacuterito Santo (orientadora)

Profa Dra Maria Cristina Dadalto

Universidade Federal do Espiacuterito Santo (membro titular)

___________________________________________________________________

Prof Dr Thiago Lima Nicodemo

Universidade Federal do Espiacuterito Santo (membro titular)

Prof Dr Jorge Luiz do Nascimento

Universidade federal do espiacuterito Santo (membro externo)

Vitoacuteria______ de _______________ de 2013

Agradeccedilo a todos que me ajudaram na construccedilatildeo deste trabalho

A minha famiacutelia

Aos professores todos

A minha orientadora em particular

Aos amigos que me fizeram sugestotildees e criacuteticas

Agravequeles que dedicaram um pouco de seu tempo me ajudando

E a Deus

RESUMO

Partindo dos textos que compotildeem uma seacuterie de ldquocartas abertasrdquo de Joseacute de Alencar

endereccediladas ao Imperador D Pedro II e a alguns entes poliacuteticos da administraccedilatildeo

do Estado escritas entre 1865 e 1868 busca-se discutir a defesa paradoxal entre a

formaccedilatildeo de uma sociedade liberal dentro de um paiacutes de economia agroexportadora

sustentada pela matildeo de obra escrava

Tomaremos o texto de Alencar como um discurso poliacutetico ideoloacutegico das elites

presentes na corte imperial Entendemos a dimensatildeo ideoloacutegica do discurso poliacutetico

de Alencar no sentido marxista de corte gramsciano ou seja como uma concepccedilatildeo

de mundo que perpassa desde o discurso comum ateacute formas mais elaboradas de

discurso filosoacutefico A partir daiacute buscaremos compreender o modo de vida as

representaccedilotildees poliacuteticas e as formas de dominaccedilatildeo presentes no periacuteodo sob a oacutetica

do pensamento poliacutetico conservador de Joseacute de Alencar dando ecircnfase a anaacutelise de

sua defesa do liberalismo e da escravidatildeo

PALAVRAS CHAVE Poliacutetica discurso liberalismo escravidatildeo

ABSTRACT

Based on the texts that make up a series of open letters addressed to Joseacute de

Alencar to Emperor D Pedro II and some political entities of state administration and

written between 1865 and 1868 seek to discuss the defense of the paradox between

a liberal society within a country agro-export economy sustained by slave labor

We will take the text of a speech Alencar as ideological political elites present at the

imperial court We understand the ideological dimension of political discourse of Joseacute

de Alencar in the sense of cutting Gramscian Marxist as a world view that permeates

from the common speech even more elaborate forms of philosophical discourse

From there we will seek to understand the way of life political representations and

forms of domination present in the period from the perspective of political speech of

Joseacute de Alencar emphasizing the analysis of his defense of liberalism and slavery

KEYWORDS politics speech liberalism slavery

LISTA DE IMAGENS

FIGURA 1 ndash Fac-siacutemile da segunda ediccedilatildeo das cartas ao Imperador183

FIGURA 2 ndash Fac-siacutemile da primeira ediccedilatildeo das Cartas os povo184

FIGURA 3 ndash Folha de rosto da ediccedilatildeo das Cartas ao Marquecircs de Olinda185

FIGURA 4 ndash Paacutegina do Diaacuterio do Rio de Janeiro registrando a aboliccedilatildeo186

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO10

1 A TRAJETOacuteRIA POLIacuteTICA DE ALENCAR22

11 PRIMEIROS ANOS24

12 VIDA NA CORTE27

13 MILITAcircNCIA POLIacuteTICA34

14 UacuteLTIMOS ANOS49

2 CONJUNTURA POLIacuteTICA DO II REINADO55

21 UMA VISAtildeO GERAL56

22 O ESTADO DA ARTE DA IMPRENSA NO OITOCENTOS 64

23 SOBRE AS ELITES NO PODER 70

24 INTELECTUAIS E OPINIAtildeO PUacuteBLICA77

3 LIBERALISMO E ESCRAVIDAtildeO NAS CARTAS DE ERASMO 82

31 LIBERALISMO E ESCRAVIDAtildeO82

32 LIBERALISMO E ESCRAVIDAtildeO O MODELO BRASILEIRO86

33 AS CARTAS DE ERASMO95

331 AO IMPERADOR103

332 AO POVO AO REDATOR DO DIAacuteRIO DO RIO DE JANEIRO121

333 AO MARQUEcircS DE OLINDA AO VISCONDE DE ITABORAHY133

334 NOVAS CARTAS AO IMPERADOR138

4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS162

5 BIBLIOGRAFIA174

6 ANEXOS183

INTRODUCcedilAtildeO

O Brasil do seacuteculo XIX com a chegada da famiacutelia real nos primeiros anos ateacute e

particularmente o periacuteodo imperial eacute caracterizado por um desenvolvimento

econocircmico social e poliacutetico intenso e relativamente acelerado se comparado a

outras naccedilotildees da Ameacuterica Latina (COSTA 1999) Tal desenvolvimento se deve a

construccedilatildeo de um projeto poliacutetico para o paiacutes que deixando de ser uma colocircnia de

Portugal necessitava afirmar sua nova identidade - agora como uma naccedilatildeo

independente - tanto interna quanto externamente O processo tem iniacutecio com a

transferecircncia para a cidade do Rio de Janeiro do Priacutencipe Regente D Joatildeo VI a

famiacutelia real portuguesa e sua Corte em 1808 gerando um consideraacutevel aumento na

populaccedilatildeo residente e a consequente transformaccedilatildeo da cidade com a construccedilatildeo

de escolas museus teatros faculdades e dentre outras novidades a imprensa

A emancipaccedilatildeo poliacutetica em 1822 manteacutem o sistema monaacuterquico ndash ainda sob a casa

de Braganccedila com D Pedro I ndash agora pelo modelo constitucional tendo por base as

ideias liberais importadas da Europa iluminista A presumida liberdade que o paiacutes

vem a construir garantida na constituiccedilatildeo outorgada pelo governante jaacute encontra

um terreno poliacutetico e econocircmico bastante diverso daquele onde surgiu o liberalismo

europeu tendo por base a agricultura de produtos de exportaccedilatildeo assentada na

escravidatildeo - tanto a lavoura tradicional accedilucareira do nordeste como as novas e

proacutesperas plantaccedilotildees de cafeacute do Vale do Paraiacuteba dependiam do escravo O Brasil

logo depois da emancipaccedilatildeo politica em 1822 possui uma das maiores populaccedilotildees

escravas da Ameacuterica e tambeacutem a maior populaccedilatildeo de afrodescendentes livres no

continente (MATTOS H 2000) a quem natildeo eram concedidos os direitos poliacuteticos

de cidadatildeo E uma minoria tida como aristocraacutetica dominava assentados seus

privileacutegios nas relaccedilotildees que possuiacuteam com a coroa ndash uma administraccedilatildeo do Estado

de modelo conservador com D Pedro e a heranccedila do absolutismo portuguecircs

Liberalismo e conservadorismo convivem entatildeo na sociedade brasileira em

formaccedilatildeo como os dois lados de uma realidade complexa e contraditoacuteria Liberal no

sentido de que as lideranccedilas que surgem se mobilizaram nesse sentido para

justificar a separaccedilatildeo da metroacutepole e ao mesmo tempo conservador por precisar

manter a escravidatildeo e a dominaccedilatildeo do senhoriato (NOVAIS 1996)

Para a manutenccedilatildeo da organizaccedilatildeo do Estado a monarquia reforccedila os laccedilos jaacute

seculares do estamento portuguecircs presentes desde a colocircnia criando ndash tambeacutem

inspirado na tradiccedilatildeo portuguesa ndash o modelo brasileiro de nobreza de gentleman

este emerge como um segmento que se solidifica na figura do intelectual morador

da cidade bacharel em direito (tambeacutem alguns poucos meacutedicos raros engenheiros

e matemaacuteticos) filho do fazendeiro ou do comerciante enriquecido filho do

funcionaacuterio portuguecircs fixado no Brasil neto e bisneto dos donos da terra e

representante uacuteltimo das famiacutelias que viriam compor esta ldquoeliterdquo da terra garantindo

uma continuidade na estabilidade poliacutetica Observa-se assim com a absorccedilatildeo

destes elementos pelo Estado um crescimento de algumas cidades portuaacuterias e

principalmente no Rio de Janeiro onde se instala a Corte e o consequente

desenvolvimento de uma burocracia especializada necessaacuteria agrave administraccedilatildeo do

reino Um conjunto de instituiccedilotildees baseadas no modelo portuguecircs ndash quando natildeo

copiadas integralmente de seus pares em Lisboa ndash de funcionalismo puacuteblico para

uma monarquia de moldes absolutistas que recebe poucas adaptaccedilotildees no Brasil

(FAORO 2004)

Boris Fausto em sua Histoacuteria do Brasil (FAUSTO 2001) defende certa estabilidade

no periacuteodo sustentada pelo desenvolvimento das cidades e o aumento de pessoas

com niacutevel superior Costa (1999) afirma que os nuacutecleos urbanos mais importantes

em sua maioria estavam ao longo da costa brasileira coincidindo com os principais

portos exportadores e o desenvolvimento destes tem ndash por conta de sua localizaccedilatildeo

ndash caracteriacutesticas especiacuteficas das ideias trazidas da Europa pelos jornais e livros que

chegam pelos portos Nas demais aacutereas o crescimento urbano era limitado

prevalecendo a grande propriedade rural Mas com as faculdades de direito em Satildeo

Paulo e Recife sendo construiacutedas na primeira metade do oitocentos o processo de

composiccedilatildeo de uma intelectualidade local jaacute tem iniacutecio tendo como palco os nuacutecleos

urbanos Tal periacuteodo eacute marcado tambeacutem pelo desenvolvimento da imprensa onde

as ideias liberais satildeo proclamadas aos quatro ventos pelos diversos jornais e

pasquins que surgem e desaparecem todos os dias (BAHIA 1990) os homens que

se formam ndash de uma maneira integral eacute certo - naquele novo cotidiano iratildeo

inspirados em um periacuteodo recente de administraccedilatildeo ndash jaacute dissemos moldado no

estamento portuguecircs - desenvolver certa predileccedilatildeo pelo cargo puacuteblico e pelas

letras Segundo Faoro (2004) o funcionaacuterio puacuteblico que se forma eacute um dos

responsaacuteveis diretos ndash senatildeo o uacutenico tecnocrata ndash pela reorganizaccedilatildeo (reinvenccedilatildeo)

do antigo modelo no novo paiacutes Leitores dos jornais e ao mesmo tempo formadores

de opiniatildeo estes homens satildeo os comentadores e partiacutecipes do desenvolvimento

poliacutetico e econocircmico das cidades enquanto inspirados pelas ideias liberais que jaacute

tomam corpo por aqui Estes homens que tem acesso agrave informaccedilatildeo e fazem de sua

praacutexis um elemento transformador da sociedade (GRAMSCI 1976) alguns sendo

sustentados pelo abraccedilo do cargo puacuteblico outros escrevendo para os jornais onde

apresentam e defendem suas ideias (liberais ou natildeo) para os outros homens - que

vem a constituir uma opiniatildeo puacuteblica representada pelos agravevidos leitores desses

mesmos jornais

Isto posto destacamos que essa dissertaccedilatildeo que tem como tema o liberalismo no

Brasil e sua relaccedilatildeo com a escravidatildeo no periacuteodo do segundo reinado apresenta

como seu objetivo geral discutir as dificuldades de implantaccedilatildeo deste sistema

poliacutetico - o liberalismo - em uma sociedade dominada por uma elite assentada na

economia agroexportadora baseada na matildeo de obra do escravo percebendo como

paradoxal esta relaccedilatildeo entendendo ser o liberalismo uma doutrina poliacutetica que tem

por base a defesa da liberdade individual nos campos poliacutetico econocircmico religioso e

intelectual conquistada por meio de lutas da sociedade civil contra o absolutismo do

Estado caracteriacutestico do Antigo regime na Europa Acreditamos com Gramsci

(1989) que o discurso que sustenta tal relaccedilatildeo e tenta justifica-la eacute mediado entre as

elites e o povo por meio dos intelectuais Portanto cabem aqui mais algumas

questotildees qual era a visatildeo dos intelectuais sobre a relaccedilatildeo entre liberalismo e

escravidatildeo no Brasil Os intelectuais comungariam com tais ideias Elas estatildeo

presentes em seu discurso

Nossa duacutevida fundamental a qual a pesquisa busca explicar eacute seraacute que estes

intelectuais que se formam nas primeiras faculdades de direito do Brasil filhos de

fazendeiros comerciantes muitos dos quais ligados direta ou indiretamente agrave

economia agroexportadora baseada no trabalho escravo assumiram o discurso

liberal Estaria este discurso presente em suas representaccedilotildees e em seus textos

Para tanto nosso objetivo especiacutefico seraacute analisar o trabalho de um intelectual do

periacuteodo e uma parte de sua produccedilatildeo Joseacute de Alencar

Dessa forma partimos da seguinte hipoacutetese eacute por meio de um discurso poliacutetico

conservador vinculado as propostas ideoloacutegicas das elites escravocratas

disseminado pelos jornais e panfletos do periacuteodo que os intelectuais construiacuteram

uma imagem paradoxal do liberalismo para o Brasil no segundo reinado

Para construirmos nossa narrativa histoacuterica tomamos como fonte para analisarmos

nossa hipoacutetese as ldquocartas de Erasmordquo Um conjunto de cartas abertas publicadas

sob a forma de folhetins no periacuteodo de 1865 a 1868 dirigidas ao Imperador e a

vaacuterios outros entes poliacuteticos Nossa hipoacutetese eacute de que neste texto possamos

identificar a tentativa de Alencar sustentar uma visatildeo liberal para o desenvolvimento

poliacutetico e econocircmico da naccedilatildeo ao mesmo tempo em que faz uma defesa da

manutenccedilatildeo do sistema escravista no Brasil o que nos faz crer que exista uma

postura liberalconservadora como modelo ideoloacutegico a ser construiacutedo pelas elites

atraveacutes de alguns setores da imprensa Buscaremos nas cartas poliacuteticas de Alencar

indiacutecios da sustentaccedilatildeo de um discurso liberal que tambeacutem apresenta caracteriacutesticas

conservadoras e admite (e reafirma) a manutenccedilatildeo da escravidatildeo no Brasil Para

tanto nos propomos a uma anaacutelise de todo o texto das cartas em uma perspectiva

hermenecircutica baseada nos princiacutepios da anaacutelise do discurso Como sustenta

Intildeiguez (2005) a anaacutelise de discurso como aparentemente possa parecer natildeo eacute

uma aacuterea restrita da linguiacutestica e comporta contribuiccedilotildees de vaacuterias aacutereas de estudo

Ao mesmo tempo considerando que uma das caracteriacutesticas da histoacuteria poliacutetica

renovada segundo Remond (2003) eacute ser um ponto de convergecircncia de diversas

disciplinas como a sociologia a linguiacutestica o direito dentre vaacuterias outras o que lhe

possibilita um ganho analiacutetico consistente e consolida sua natureza interdisciplinar a

anaacutelise de discurso apresenta-se como um caminho consistente para a abordagem

de textos poliacuteticos do periacuteodo Neste caso nossa pesquisa busca entender a relaccedilatildeo

do modelo de liberalismo poliacutetico implantado no Brasil com a escravidatildeo e se a

justificaccedilatildeo para tal discurso estaacute presente nos textos de intelectuais do periacuteodo

tendo como fonte o texto das Cartas Poliacuteticas de Joseacute de Alencar

Nossa pesquisa se justifica pela necessidade de entender a dimensatildeo poliacutetica do

segundo reinado por meio de uma fonte impressa que teve grande circulaccedilatildeo no

periacuteodo de nosso recorte e que pode criar uma inter-relaccedilatildeo entre os pontos

descritos Na anaacutelise do texto de um dos mais importantes intelectuais do periacuteodo

Joseacute de Alencar - poliacutetico atuante jornalista romancista e dramaturgo -

conseguimos um elo entre intelectuais imprensa e elites e a confluecircncia desses

ldquopartidosrdquo no projeto ideoloacutegico de construccedilatildeo da naccedilatildeo (GRAMCI 1989) Tais

elementos satildeo comunmente tomados em separado Com Alencar nas cartas de

Erasmo temos um intelectual que usa do seu texto literaacuteriojornaliacutestico1 em uma

miacutedia alternativa no momento para se dirigir a segmentos da elite poliacutetica e

econocircmica na Corte no Rio de Janeiro Essa confluecircncia portanto eacute a proacutepria

ldquoaccedilatildeordquo do objeto enquanto veiacuteculo de comunicaccedilatildeo

A discussatildeo historiograacutefica sobre nosso tema apresenta estudos por vezes

coincidentes por vezes conflitantes Bosi (1988) afirma que o paradoxo entre

liberalismo e escravidatildeo natildeo existiu no Brasil ldquono periacuteodo que se segue agrave

Independecircncia e vai ateacute os anos centrais do Segundo Reinadordquo (BOSI 1998 p 05)

O autor tambeacutem afirma que para entender a articulaccedilatildeo do liberalismo pregado ndash e

assumido ndash no Brasil com o regime escravagista eacute necessaacuterio compreender o modo

de pensar das classes poliacuteticas dominantes no impeacuterio a partir da independecircncia

Neves (2001) sustenta que o liberalismo no Brasil se alavanca a partir da revoluccedilatildeo

ldquovintistardquo em Portugal que vem propondo reformas que pudessem garantir ao

indiviacuteduo direitos de cidadania e liberdade de expressatildeo e buscando o fim do

despotismo como uma soluccedilatildeo para o impeacuterio O movimento segundo a autora eacute

assimilado sem dificuldade pelos elementos das elites poliacutetica e intelectuais no

Brasil A proposta era buscar o novo mas sem abrir matildeo dos antigos privileacutegios

econocircmicos

Para Gorender (2002) os princiacutepios liberais levados adiante pelos comerciantes e

plantadores visava o direito de ter uma representaccedilatildeo no estado fora das limitaccedilotildees

impostas pela poliacutetica colonial que terminaria com o processo de independecircncia Tal

1 Antocircnio Cacircndido (1999) sustenta ser uma das caracteriacutesticas do periacuteodo (segundo reinado) a

influecircncia do texto literaacuterio nos jornais que temos vaacuterios exemplos em Machado de Assis Joseacute de

Alencar Joaquim Nabuco Capistrano de Abreu para citar alguns

processo segundo ele tem inicio com a abdicaccedilatildeo em 1831 Este autor afirma que

o liberalismo europeu defende o trabalho livre mas lembra tambeacutem que o proacuteprio

Adam Smith natildeo era contra a escravidatildeo nas colocircnias Ou seja o liberalismo

europeu segundo um de seus mais importantes representantes jaacute nasce sob esta

contradiccedilatildeo O autor lembra que mesmo com a Revoluccedilatildeo Francesa tendo

decretado a libertaccedilatildeo dos escravos em suas colocircnias francesas Napoleatildeo

restabelece a escravidatildeo oito anos depois Apesar da pregaccedilatildeo pela liberdade na

Europa nas colocircnias a poliacutetica praticada natildeo era a mesma O que nos leva a

entender melhor a relaccedilatildeo liberalismoescravidatildeo no Brasil

Entendemos entatildeo que no processo de formaccedilatildeo do Estado Imperial Brasileiro

havia diferentes leituras e objetivos para o uso do liberalismo ligadas a interesses

especiacuteficos Por um lado como enfatiza Mattos (1987) a accedilatildeo do grupo conservador

no impeacuterio seguia no sentido da construccedilatildeo de monopoacutelios uma continuidade do

praticado no periacuteodo colonial enfatizando as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo sustentadas

pela coroa Costa (1999) identifica certa originalidade no movimento poliacutetico liberal

brasileiro do periacuteodo tentando interpreta-lo como uma figura hiacutebrida onde os

elementos conservadores permanecem e satildeo amalgamados com as praacuteticas liberais

aceitas estruturando as instituiccedilotildees e a visatildeo de mundo pelas elites dominantes

sustentados pelas classes intermediaacuterias que se desenvolvia nas cidades mas que

ao mesmo tempo viam no sistema agroexportador baseado na escravidatildeo uma

dificuldade para o desenvolvimento do capitalismo Por outro lado Carvalho (2007)

chega a subestimar o aspecto liberal sustentando haver um pensamento

conservador dominante sendo a conciliaccedilatildeo entre as correntes de pensamento e os

partidos a poliacutetica da coroa com o intuito de administrar interesses e evitar conflitos

Bosi (1988) sustenta ainda que o traacutefico se apoia por vezes nas proacuteprias

autoridades a quem cabia fazer cessar o traacutefico Satildeo homens ligados a

administraccedilatildeo e a poliacutetica que manteacutem o controle terras do cafeacute e dos escravos o

que faz com que uma defesa da escravidatildeo seja a proposta corrente Nesse

aspecto Prado (2001) concorda que com a produccedilatildeo organizada sob a exploraccedilatildeo

do trabalho escravo sendo muito lucrativa ateacute entatildeo dificilmente teria por parte da

elite qualquer movimento estimulando o seu teacutermino

O liberalismo poliacutetico proposto para o Brasil apresenta assim caracteriacutesticas

diversas conforme os interesses dos diversos grupos das elites poliacuteticas e

econocircmicas no poder Mattos (1987) enxerga no grupo conservador representado

pelos senhores traficantes de escravos e grandes comerciantes um pensamento

contraacuterio agraves ideias liberais e a favor da centralizaccedilatildeo poliacutetica A anaacutelise do sistema

econocircmico agroexportador brasileiro no periacuteodo Imperial tambeacutem nos revela as

muitas contradiccedilotildees da sociedade escravista do seacuteculo XIX o liberalismo econocircmico

e o aumento do fluxo de escravos para o Brasil a defesa da liberdade e o

incremento da escravidatildeo o desenvolvimento do consumo e a pobreza Tacircmis

Parron (2008) sustenta que durante o seacutec XIX toda a defesa do traacutefico e da proacutepria

escravidatildeo como uma instituiccedilatildeo se sustentaram em ideias liberais Agrave medida que

na Europa o sistema econocircmico pregava um livre mercado com o trabalho livre nas

Ameacutericas a escravidatildeo permanecia forte em paiacuteses como os Estados Unidos em

Cuba e no Brasil Emilia Viotti (1999) sustenta para o periacuteodo uma visatildeo hiacutebrida

onde os elementos conservadores presentes no Brasil servem como um equiliacutebrio a

praacuteticas e ideias liberais que poderiam tomar formas mais radicais se acaso

atingissem grupos da populaccedilatildeo estruturando dessa forma as instituiccedilotildees e a visatildeo

de mundo dos principais agentes poliacuteticos no poder no periacuteodo dando ao liberalismo

aqui sua caracteriacutestica ldquocor localrdquo Dessa feita entendemos que o liberalismo

representa distintos interesses da sociedade brasileira e caracteriza-se

diversamente nas diferentes regiotildees do paiacutes e um dos agentes mais importantes na

divulgaccedilatildeo de tais ideias e praticas eacute justamente a imprensa que muito se

desenvolve no periacuteodo como arena de debates de poliacuteticos e intelectuais

Concordando com Bosi (1988) que afirma que o paradoxo entre liberalismo e

escravidatildeo foi somente verbal que o liberalismo simplesmente natildeo existiu enquanto

uma ideologia dominante Segundo ele o que dominou em todo esse periacuteodo no

Brasil foi um ideaacuterio de fundo conservador Um conjunto de normas juriacutedico-poliacuteticas

capazes de garantir a propriedade fundiaacuteria e a escravidatildeo negra ateacute o seu limite E

em nosso entender essa ideologia era difundida por meio dos intelectuais nos

veiacuteculos de comunicaccedilatildeo do periacuteodo como os panfletos pasquins e jornais em

geral

Portanto nosso objetivo aqui para testar nossa hipoacutetese eacute estudar as formas do

discurso poliacutetico em meados do seacuteculo XIX analisando o texto jornaliacutesticoliteraacuterio

de Joseacute de Alencar nas Cartas de Erasmo Acreditamos que Alencar usava seu

texto como um meio para difundir fortalecer e consolidar a ideologia das elites

presentes na corte imperial suas representaccedilotildees e as formas de dominaccedilatildeo

presentes no periacuteodo Alencar toma do discurso liberal alguns princiacutepios para

sustentar a ideologia de grupos vinculados a uma proposta de conservadorismo

poliacutetico em que a manutenccedilatildeo dos privileacutegios desta ldquoaristocraciardquo bem como a

continuidade da escravidatildeo no Brasil satildeo seus pontos principais

A pesquisa se fundamenta tambeacutem na premissa de que a proposta de Alencar era

a de criar um modelo (segundo ele melhor) para a sociedade De tal maneira

podemos designaacute-lo ndash o texto as cartas de Erasmo - como um discurso ideoloacutegico

Um conceito formulado por Chauiacute (revendo Gramsci) nos ajuda de forma elucidativa

Fundamentalmente a ideologia eacute um corpo sistemaacutetico de representaccedilotildees e de normas que nos ensinam a conhecer e a agir A sistematicidade e a coerecircncia ideoloacutegicas nascem de uma determinaccedilatildeo muito precisa o discurso ideoloacutegico eacute aquele que pretende coincidir com as coisas anular a diferenccedila entre o pensar o dizer e o ser e destarte engendrar uma loacutegica da identificaccedilatildeo que unifique pensamento linguagem e realidade para atraveacutes dessa loacutegica obter a identificaccedilatildeo de todos os sujeitos sociais com uma imagem particular universalizada isto eacute a imagem da classe dominanterdquo (CHAUI 1997 p 03)

Dessa feita entendemos a dimensatildeo ideoloacutegica do discurso poliacutetico construiacutedo por

meio das cartas de Erasmo no sentido marxista de corte gramsciano ou seja como

uma concepccedilatildeo de mundo que perpassa desde o discurso comum ateacute formas mais

elaboradas de discurso filosoacutefico Nesse sentido as cartas de Erasmo seratildeo

tomadas como peccedila de anaacutelise enquanto uma dimensatildeo do discurso de Alencar

como ator poliacutetico de seu tempo para uma discussatildeo sobre a relaccedilatildeo entre

liberalismo e escravidatildeo no Brasil Gramsci (1989) nos mostra que os intelectuais se

formaram historicamente em associaccedilatildeo com as elites econocircmicas Seu papel

dentro dos diversos partidos2 eacute a de organizaccedilatildeo e disseminaccedilatildeo da ideologia

Alencar por meio de seu texto busca criticar a administraccedilatildeo vigente e sua relaccedilatildeo

2 Entendendo ldquopartidordquo no sentido mesmo que Gramsci o determinou GRAMSCI Antocircnio

Intelectuais e a Organizaccedilatildeo da Cultura Satildeo Paulo Civilizaccedilatildeo Brasileira 1989

com a coroa por meio de recriminaccedilotildees a poliacutetica econocircmica a administraccedilatildeo da

guerra do Paraguai ao descaso dos poliacuteticos e ndash em nosso caso ndash quanto agraves

propostas para o fim da escravidatildeo

Buscamos nos textos de Gramsci o referencial teoacuterico que ndash acreditamos ndash nos

apresenta uma melhor adequaccedilatildeo a proposta metodoloacutegica aplicada de uma

discussatildeo hipoteacutetico-dedutiva dos textos que se seguem Gramsci nos fornece um

material teoacuterico que - como ele mesmo comenta em sua organizaccedilatildeo inicial para a

escritura dos cadernos - satildeo apontamentos sem uma ligaccedilatildeo serial linear mas que

podem nos fornecer uma base teoacuterica rica conquanto estejam mesmo permitindo-se

uma interpretaccedilatildeo mais heterodoxa das fontes

Gramsci propotildee uma visatildeo ampliada do conceito de Estado em que a relaccedilatildeo entre

sociedade civil e sociedade poliacutetica eacute dialeacutetica A sociedade civil eacute o lugar da luta de

classes pela hegemonia e junto com a sociedade poliacutetica eacute um dos fatores que a

constituem O Estado eacute um elemento aglutinador e como tal formado pela

diversidade de instituiccedilotildees da sociedade civil Eacute uma combinaccedilatildeo de forccedila e

consenso fazendo parecer que os caminhos traccedilados pelo Estado sejam vistos

como consensuais pela maioria expressos pela opiniatildeo puacuteblica em seus diversos

oacutergatildeos (GRAMSCI 1999) Neste conceito ampliado de Estado a sociedade poliacutetica

eacute a definiccedilatildeo de uma esfera na qual se situam os mecanismos de coerccedilatildeo e

dominaccedilatildeo como o aparato policial-militar e a burocracia e a sociedade civil que eacute

formada pelas organizaccedilotildees responsaacuteveis pela elaboraccedilatildeo e difusatildeo das ideologias

como a escola a igreja os partidos poliacuteticos os sindicatos as organizaccedilotildees

profissionais e a miacutedia A cultura para Gramsci estaacute relacionada com a

transformaccedilatildeo da realidade atraveacutes de uma busca e consequente conquista de uma

consciecircncia superior onde cada indiviacuteduo precisa conseguir compreender o seu

valor na sociedade (GRAMSCI 1976) Eacute dessa forma que se daacute a passagem do

momento corporativo ao momento eacutetico-poliacutetico da estrutura agrave superestrutura Isto eacute

expresso por Gramsci atraveacutes do seu conceito ampliado de poliacutetica a catarse O

momento em que a esfera dos interesses corporativos e particulares eleva-se ao

niacutevel da consciecircncia universal e as classes conseguem elaborar um projeto para

toda a sociedade atraveacutes de uma accedilatildeo coletiva Assim sair da passividade para

Gramsci eacute deixar de aceitar a subordinaccedilatildeo que o sistema capitalista impotildee a

alguns estratos da populaccedilatildeo Nesse processo que eacute dialeacutetico podemos observar

um Alencar em sua posiccedilatildeo de aristocrata mas ao mesmo tempo como um

intelectual - um elo para a divulgaccedilatildeo das ideias da elite e a sociedade como um

todo ndash que opta pela reafirmaccedilatildeo de valores tradicionalmente aceitos reafirmando

um modelo adequado que deve perpetuar-se tanto para a famiacutelia como para a

administraccedilatildeo puacuteblica por meio da divulgaccedilatildeo de suas ideias em um veiacuteculo de

comunicaccedilatildeo em detrimento das transformaccedilotildees que acusa como degradadoras

dos valores temos aqui a proacutepria constituiccedilatildeo do bloco histoacuterico Eacute a partir destes

conceitos formulados por Gramsci que buscamos encontrar uma melhor

compreensatildeo do texto de Alencar

No primeiro capiacutetulo nosso trabalho apresenta uma sucinta biografia de Joseacute de

Alencar tentando situar em sua trajetoacuteria os interesses e as escolhas poliacuteticas nas

quais estava inserido e o contexto a que se referia e ndash de certa forma ndash pretendia

criar

No segundo capiacutetulo buscamos mostrar a conjuntura poliacutetica do segundo reinado

junto ao processo de formaccedilatildeo das elites e intelectuais bem como da imprensa no

Brasil A divisatildeo aparentemente estanque tem como elemento agregador a proacutepria

biografia de Alencar Ali se buscam esmiuccedilar os elementos formadores do

intelectual Alencar apresentados anteriormente e como ele se apresenta em seu

campo de batalha

A conjuntura poliacutetica do periacuteodo junto a alguns elementos relevantes que satildeo

tomados pela criacutetica feroz de Alencar

A imprensa - seus primeiros anos no Brasil - na qual Alencar milita como criacutetico e

jornalista sendo este o seu veiacuteculo principal de divulgaccedilatildeo de ideias

As elites que disputam o poder no periacuteodo e tem nos intelectuais seu ponto de

ligaccedilatildeo com as camadas populares

E os intelectuais em si que comeccedilam a se formar nesse periacuteodo no paiacutes

influenciados pelas ideias liberais vindas da Europa e mesmo em parte

compartilhada com os grupos no poder Alencar se apresenta como um intelectual

surgido em uma das primeiras escolas de direito do paiacutes no Largo de Satildeo

Francisco portanto compartilhando de uma relaccedilatildeo direta com os outros elementos

da elite local que estava se formando

Estes elementos apresentados a opiniatildeo puacuteblica a imprensa e as elites formam em

um conjunto o arcabouccedilo do que seria o campo de atuaccedilatildeo do intelectual Alencar e

a proposta de pontuar o ldquoestado da arterdquo em que se apresentam tais segmentos

pode nos auxiliar na construccedilatildeo de um retrato mais niacutetido da superestrutura

(GRAMSCI 1999) no recorte

No terceiro capiacutetulo analisaremos as Cartas de Erasmo dando ecircnfase agraves propostas

de Alencar sobre o problema da escravidatildeo no periacuteodo Natildeo eacute nosso objetivo

debater (ou defender) as questotildees do traacutefico do abolicionismo e das reaccedilotildees em

oposiccedilatildeo dos diversos grupos envolvidos nas questotildees mas a partir da

investigaccedilatildeo da fonte apresentar a questatildeo sob uma oacutetica especiacutefica a de Joseacute de

Alencar como um ator poliacutetico do periacuteodo e seu modelo de representaccedilatildeo poliacutetico e

ideoloacutegico para o Brasil se eacute ou natildeo influenciado pelos ideais do liberalismo

Para tanto apresentamos uma breve exposiccedilatildeo do pensamento de seus principais

representantes na Europa com o intuito de comparar uma possiacutevel similaridade com

o texto das cartas

No quarto e uacuteltimo capiacutetulo nos reservamos a um conjunto de consideraccedilotildees finais

com vistas a uma compreensatildeo do que foi apresentado

As fontes usadas na pesquisa satildeo As cartas de Erasmo publicadas semanalmente

no periacuteodo de 1865 a 1868 e vendidas pelas ruas da Corte do Rio de Janeiro A

publicaccedilatildeo3 com a qual trabalhamos foi organizada por Joseacute Murillo de Carvalho e

conteacutem as seguintes ediccedilotildees

Ao Imperador Cartas de Erasmo de 1865 no caso a segunda ediccedilatildeo de 1866

Uma carta Ao Redator do Diaacuterio (do Rio de Janeiro) de 1865

Ao Povo Cartas Poliacuteticas de Erasmo de 1866 acompanhadas das cartas ldquoAo

Marquecircs de Olindardquo 1866 e ldquoAo Visconde de Itaboraiacute Carta de Erasmo Sobre a

3 ALENCAR Joseacute de Cartas de Erasmo Joseacute de Alencar organizador Joseacute Murilo de Carvalho

ndash Rio de Janeiro ABL 2009

Crise Financeirardquo tambeacutem de 1866

Ao Imperador Novas Cartas Poliacuteticas de Erasmo de 1867-68

Tambeacutem foram de grande auxiacutelio agraves biografias4 pesquisadas e a bibliografia

composta de obras especializadas e baseadas em recentes pesquisas e em textos

de consolidado valor Uma das finalidades da histoacuteria eacute conhecer melhor os

sistemas de representaccedilatildeo das sociedades passando pela literatura e filosofia e

sempre atentando para a produccedilatildeo intelectual (REMOND 2003) Com as cartas de

Erasmo nos apropriamos de um texto criativo coerente e esteticamente belo o que

soacute vem facilitar o trabalho interpretativo Frente a isto aqui temos o Alencar no

comeccedilo da vida puacuteblica se consolidando tanto como artista como um poliacutetico

atuante na Corte - um intelectual Um Alencar que tem muito a nos dizer sobre o

periacuteodo

4 MENEZES Raimundo de Joseacute de Alencar literato e poliacutetico 2a Ed Rio de Janeiro livros teacutecnicos e

cientiacuteficos 1965 NETO Lira O inimigo do rei uma biografia de Joseacute de Alencar ou a mirabolante aventura de um romancista que colecionava desafetos azucrinava D Pedro II e acabou inventando o Brasil Satildeo Paulo Globo 2006 RODRIGUES Antocircnio Edmilson Martins Joseacute de Alencar O poeta armado do Seacuteculo XIX ndash Rio de Janeiro Editora FGV 2001

1 A TRAJETOacuteRIA POLIacuteTICA DE ALENCAR

Eacute um homem de valor poreacutem muito mal educado

D Pedro II referindo-se ao Alencar

Partindo para um esboccedilo sobre a vida de Alencar preferimos trabalhar com uma

biografia criacutetica buscando enfatizar o agente poliacutetico em detrimento do artista Mas

natildeo podemos deixar de ressaltar ser o poliacutetico Joseacute de Alencar tambeacutem um dos

maiores representantes das letras do Brasil no oitocentos Ele ao lado de Machado

de Assis Castro Alves Gonccedilalves Dias e alguns outros natildeo tatildeo notoacuterios tem seu

trabalho caracterizado pela construccedilatildeo de um projeto de modernizaccedilatildeo e a

constituiccedilatildeo de uma identidade para o Brasil O desenvolvimento tecnoloacutegico

cientiacutefico intelectual promovido na Europa era em seu entender um modelo para o

mundo civilizado e o Brasil natildeo poderia ficar fora de tatildeo significativo projeto

A proposta de nossa biografia se daacute na medida em que a pesquisa busca enfatizar

Joseacute de Alencar enquanto poliacutetico O escritor consagrado eacute deixado por um

momento de lado em detrimento dos rumos a que as questotildees relativas agrave histoacuteria

poliacutetica satildeo colocados No caso aqui a histoacuteria da literatura eacute somente um apecircndice

Tendo tambeacutem em mente as advertecircncias deixadas por Remond (2003) sobre o uso

da narrativa factual e subjetivista eminente na biografia de notaacuteveis que cruzavam

o perigoso caminho de avaliar um periacuteodo pelos olhos de um homem apenas ndash

caracteriacutestica da histoacuteria poliacutetica recriminada jaacute pela Escola dos ldquoAnnalesrdquo -

buscamos pelo caminho biograacutefico integrar o Alencar aos diversos agentes poliacuteticos

a fim de desenhar um retrato mais consistente do periacuteodo mas sempre nos

acautelando quanto a direccedilatildeo seguida Neto (2006) e Menezes (1965) sustentam tal

proposta afirmando que o temperamento reservado de Alencar eacute fator determinante

para a anaacutelise de seu texto que no caso das Cartas de Erasmo apresenta

caracteriacutesticas que transitam entre o romantismo literaacuterio e um jornalismo criacutetico

como poderemos ver mais adiante Pocock (2003) justificando uma proposta

biograacutefica comenta que ldquose [temos de ter] uma histoacuteria do pensamento poliacutetico

construiacuteda sobre princiacutepios autenticamente histoacutericos precisamos ter meios de

saber o que um autor ldquoestava fazendordquo quando escrevia ou publicava um texto

ldquo(POCOCK 2003 p28) Ainda na corrente citaccedilatildeo explica que ldquoem inglecircs coloquial

perguntar o que um autor ldquoestava fazendordquo eacute o mesmo que perguntar ldquoo que ele

pretendiardquo ou seja o que ldquoestava tramandordquo ou o que ldquopretendia obterrdquo Quais

seriam as intenccedilotildees de tal autor quando da escritura de seu texto Quais as suas

pretensotildees com tal trabalhordquo (POCOCK 2003 p28) Philippe Levilain (2003) indica

o fim da deacutecada de 1980 como o momento do florescer da biografia na Franccedila

havendo esta sendo reabilitada no meio universitaacuterio ainda na deacutecada de 1960 e jaacute

na deacutecada de 1980 ultrapassa as fronteiras do paiacutes Michael Winock (2003) nos

lembra da emergecircncia de pesquisas sobre os intelectuais e suas ideias no seacuteculo

XX bem como a sua importacircncia para a difusatildeo de modelos poliacuteticos que tem

atraiacutedo agrave atenccedilatildeo de inuacutemeros pesquisadores Com Joseacute de Alencar ampliamos o

horizonte da pesquisa dos intelectuais no Brasil ateacute meados soacute seacuteculo XIX onde

estaacute nosso recorte temporal

Jaacute existem biografias consistentes sobre o Alencar Destaco o trabalho beneditino de

Raimundo de Menezes (1965) ldquoJoseacute de Alencar literato e poliacuteticordquo que recolheu

desde documentos pessoais ateacute fotografias e caricaturas do periacuteodo mas que tenta

natildeo traccedilar uma criacutetica ao trabalho de Alencar sendo um texto predominantemente

factual Eacute para aonde me remeto como uma fonte baacutesica do estudo e que

determina a linha mestra da descriccedilatildeo mas me apoiando tambeacutem em alguns outros

textos5 Ressaltamos aqui que nosso recorte iraacute enfatizar tambeacutem o contexto das

relaccedilotildees sociais que satildeo (ou podem ser) determinadas pelo texto

5Outras biografias satildeo MAGALHAtildeES Raimundo Jr Joseacute de Alencar e sua eacutepoca Satildeo Paulo Ed

Lisa 1971 FILHO Luiz Viana A vida de Joseacute de Alencar Satildeo Paulo Ed UNESPSalvador Edufba 2008 e NETO Lira O inimigo do rei uma biografia de Joseacute de Alencar ou a mirabolante aventura de um romancista que colecionava desafetos azucrinava D Pedro II e acabou inventando o Brasil Satildeo Paulo Globo 2006

11 PRIMEIROS ANOS

No dia 1ordm de Maio de 1829 em uma pequena casa no siacutetio Alagadiccedilo Novo na vila

de Nossa Senhora da Conceiccedilatildeo de Messejana periferia de Fortaleza proviacutencia do

Cearaacute nasce Joseacute Martiniano de Alencar Filho Seu pai um padre que haacute pouco

deixara a batina para se envolver na poliacutetica6 junto com D Baacuterbara de Alencar sua

matildee o irmatildeo Tristatildeo de Alencar e o tio Leonel Pereira de Alencar foi figura de

destaque na revoluccedilatildeo pernambucana Um revolucionaacuterio liberal ldquoexaltadordquo proacute-

repuacuteblica que posteriormente foi eleito deputado constituinte para o congresso

lusitano7 Alencar mantinha relaccedilotildees proacuteximas com os liberais de Minas Gerais e de

Satildeo Paulo como o Padre Joseacute Bento e com Custoacutedio Dias

Os (chamados) rebeldes de Pernambuco eram militares de alta patente

comerciantes senhores de engenho e sobretudo padres (calcula-se em 45 o

nuacutemero de padres envolvidos) Apesar de ter em suas linhas elementos do povo e

escravos natildeo era uma revoluccedilatildeo que pudesse ser chamada de popular Antes

tentava afirmar a dominaccedilatildeo de alguns grupos de elite local Sobe forte influecircncia da

maccedilonaria que disseminava as ideias liberais entre seus grupos os rebeldes

proclamaram uma repuacuteblica independente que incluiacutea aleacutem de Pernambuco as

capitanias da Paraiacuteba e do Rio Grande do Norte chegando com Alencar ateacute o

Cearaacute O movimento chega a controlar o governo durante dois meses Alguns de

seus liacutederes inclusive padres foram fuzilados Alencar consegue o perdatildeo

(CARVALHO 2002)

Com a abdicaccedilatildeo havendo o Senador pelo Cearaacute Joatildeo Carlos Augusto de

Oeynhausen e Gravenburg marquecircs de Aracati acompanhado D Pedro I em sua

volta a Portugal declara o senado a vacacircncia de sua cadeira O nome de Joseacute

Martiniano o pai eacute indicado em lista triacuteplice entregue a apreciaccedilatildeo da Regecircncia-

6 Um padre longe da igreja Menezes (1965) cita em nota que natildeo foram encontrados os registros de

Alencar na arquidiocese de Fortaleza 7 O pai de Alencar poliacutetico ativo e um dos participantes do movimento republicano proclamado no

Cearaacute em 1817 jaacute forneceria uma sedutora monografia Preferimos aqui em funccedilatildeo da metodologia exigida e dos limites da pesquisa buscar uma anaacutelise coerente apesar de firmada em caminhos mais sinteacuteticos

trina Aprovado toma posse em 02 de Maio de 1832 A vida na corte do Rio de

Janeiro o esperava mas natildeo por muito tempo Em 23 de agosto de 1834 eacute nomeado

presidente da proviacutencia do Cearaacute e retorna agrave terra natal com a famiacutelia Passados

alguns anos de uma administraccedilatildeo exemplar com a renuacutencia do Regente Feijoacute ndash

com quem mantinha agora relaccedilotildees proacuteximas - foi exonerado do cargo Alencar e

Feijoacute desde o golpe de estado de 1832 em que se reuniam nas sessotildees do Partido

Moderado jaacute admitiam certa cumplicidade de ideias

A famiacutelia deixa o Cearaacute e ruma novamente agrave corte em meados de 1838 onde o

Alencar reassume sua cadeira no senado O pequeno Joseacute de Alencar entatildeo com

11 anos passa a frequentar o coleacutegio elementar

O pai de Joseacute de Alencar o senador Joseacute Martiniano de Alencar eacute figura chave no

processo de maioridade de D Pedro II Enquanto orador oficial do Senado faz um

discurso durante a coroaccedilatildeo e sagraccedilatildeo do imperador no Paccedilo da cidade clamando

ao povo e a divina providecircncia para que iluminem o futuro monarca (SCHWARCZ

1998) Com a posse de D Pedro II eacute nomeado logo a seguir presidente do Cearaacute

Toma a administraccedilatildeo da proviacutencia por alguns meses mas depois de enfrentar

algumas revoltas populares deixa o governo e retorna agrave Corte em 1841 Neste

ponto o senador Alencar - agora cooptado pelo Estado - provavelmente jaacute estava

bem distante das ideias que proclamava nos movimentos revolucionaacuterios

Joseacute de Alencar o filho tem no Cearaacute - donde passa a infacircncia nessas idas e

vindas - a vida tranquila do interior Ali encontra as imagens que o seguiram pela

vida inteira e ajudaratildeo a criar as representaccedilotildees para uma naccedilatildeo nova esplecircndida

como tudo o mais que havia a sua volta naquele momento

Alencar desembarca em Satildeo Paulo em maio de 1843 ldquoUm mirrado rapazola de

catorze anos Vem completar os exames preparatoacuteriosrdquo (MENEZES 1965 p49) A

falta de livrarias e gabinetes de leitura e a dificuldade de comunicaccedilotildees com a

Europa torna o acesso aos livros uma dificuldade jaacute naquela eacutepoca Os livreiros em

sua maioria se estabelecem no Rio de Janeiro e vendem majoritariamente tiacutetulos

em inglecircs ndash visto a quantidade de residentes ingleses - e francecircs e alguns romances

adaptados e traduzidos mas ainda pouco material (RENAULT 1976)

Alencar eacute uma figura que passaria despercebida em qualquer local Alto magro

moreno de oacuteculos De jeito acanhado ateacute mesmo silencioso Natildeo frequentava as

tabernas ou salotildees o que produzia certo estranhamento natildeo soacute dos colegas da

repuacuteblica mas nos estudantes em geral Durante o Impeacuterio como os cursos

regulares de medicina direito e engenharia ainda natildeo se proliferassem no periacuteodo

tais escolas natildeo se configuravam apenas como um centro de produccedilatildeo de uma

cultura intelectual no Brasil Eram antes espaccedilos para uma consolidaccedilatildeo do poder

nas matildeos de uma elite citadina que comeccedilava a se sobressair (COSTA 1999) A

frequentaccedilatildeo agraves escolas de Direito era a antessala necessaacuteria ao jovem que

buscava a ocupaccedilatildeo em algum cargo puacuteblico A criaccedilatildeo de cursos de niacutevel superior

tambeacutem busca a criaccedilatildeo de um funcionalismo que possa assumir os cargos da

burocracia do Estado Tambeacutem uma parte da formaccedilatildeo da Corte e uma carreira

possiacutevel dentro de um escasso mercado de trabalho

Durante o periacuteodo do curso os estudantes bagunccedilavam a cidade promovendo

reuniotildees serenatas e bebedeiras num tributo a Lord Byron8 em noitadas

ldquosatanistasrdquo Quando Alencar se transfere para Satildeo Paulo esse Byronismo estaacute na

moda (MENEZES 1977 p 50) os estudantes saem pelas ruas blasfemando contra

a vida e o amor de ldquocapa e cabeleirardquo 9 virando a vida de pernas para o ar Alencar

nunca foi dado a esses arroubos da juventude preferindo levar uma vida mais

absorta em seus pensamentos

Em 1846 Alencar se matricula na Academia Ali tem suas primeiras experiecircncias

jornaliacutestico-literaacuterias onde funda junto a alguns colegas primeiranistas a revista

semanal Ensaios Literaacuterios Em comeccedilos de 48 depois de tirar feacuterias em Fortaleza e

no siacutetio Messejana embarca para a cidade de Olinda onde se matricula no 3ordm ano

do curso Juriacutedico A companhia de Alencar ali satildeo os passeios pelas ruas solitaacuterias e

a biblioteca do mosteiro de Satildeo Bento onde funcionava o curso e aonde tem

acesso a exemplares dos cronistas coloniais Natildeo fica ali por muito tempo voltando

8 Poeta romacircntico inglecircs que veio a morrer na primeira metade do seacutec XIX 9 A expressatildeo recolhida por Menezes de um comentaacuterio de Brito Broca estaacute indefinida Parece

remeter aos juristas ingleses e americanos ndash modelos para esta juventude da elite da corte portanto ndash de usarem perucas como um siacutembolo de poder Renault (1976) indica ndash a partir de uma fonte de 1816 - que cada profissatildeo recorre a determinado tipo de cabeleira como forma de distinccedilatildeo

posteriormente para Satildeo Paulo Alencar comeccedila jaacute a sentir os primeiros sintomas da

doenccedila que o acompanharia ateacute o fim da vida e o clima do Nordeste possivelmente

seria um alivio para a tuberculose

Por fim consegue se formar em Direito em 1849 (na turma de 50) na Faculdade de

Direito do Largo de Satildeo Francisco Satildeo Paulo eacute uma ldquocidadezinha de terceira ordem

tristonha e brumosa natildeo possui cerca de 12 a 14 mil almas se tantordquo (MENEZES

1965 p 60) O espaccedilo eacute dividido entre os estudantes grupo entatildeo numerosiacutessimo

ldquoe o restordquo como diziam Meretrizes gente pobre nos corticcedilos alguns emigrantes

que vinham tentar a vida fora do campo e artistas mambembes que buscavam levar

alegria para ali Carvalho (2007) sustenta que a escolha por Satildeo Paulo e Olinda para

o estabelecimento dos cursos de Direito foi uma maneira de unificar os laccedilos entre

as elites dispersas pelas vaacuterias regiotildees para posteriormente associa-las a Corte

Alencar natildeo foge a regra e muda-se para o Rio de Janeiro cidade mais promissora

economicamente onde comeccedila a trabalhar como praticante no escritoacuterio de

advocacia do Dr Caetano Alberto Soares um dos mais procurados chegando a

representar em certas ocasiotildees a Casa Imperial Alencar trabalha ali por quatro

anos onde se inicia nos estudos mais aacuteridos do Direito mas natildeo esquece o

jornalismo

12 VIDA NA CORTE

Em 09 de agosto de 1853 Alencar comeccedila a trabalhar a convite de um amigo na

redaccedilatildeo do jornal Correio Mercantil - chamado ldquoo grande jornal das ideias liberaisrdquo -

com a obrigaccedilatildeo de promover mudanccedilas em sua estrutura que viessem a tornaacute-lo

um pouco mais popular Era tido como um abrigo dos letrados e o mais importante

dos diaacuterios da Corte a eacutepoca Ateacute 1852 o Correio Mercantil era um dos jornais

cariocas com eventual tiragem em francecircs (MENEZES 1965) Alencar passaraacute a

analisar os acontecimentos da semana no rodapeacute da primeira paacutegina da revista

hebdomadaacuteria ldquoPaacutegina Menorrdquo publicada sempre aos domingos No seacuteculo XIX tais

revistas - em formato de folhetins - jaacute satildeo comuns na imprensa nacional

O trabalho de Alencar era reunir diversos assuntos com uma escrita leve e que

chamasse a atenccedilatildeo do puacuteblico Agora mesmo avesso a festas e salotildees de baile -

como o do Cassino Fluminense famoso ponto de encontro onde fluiacuteam amizades e

intrigas liberais e conservadores conversavam serenamente com seu jeito sisudo o

jovem e acanhado jornalista comeccedila a frequentar a sociedade a procura de ideias e

tambeacutem de amigos

Alencar sabia como bom jornalista que por vezes seria preciso natildeo soacute relatar os

fatos mas tambeacutem criaacute-los eacute o caso do desfile de carnaval Desde 1854 a poliacutecia

proiacutebe a praacutetica do entrudo10 no carnaval Em 1855 um grupo de foliotildees animados

por jornalistas do Correio Mercantil em sua maioria resolve por na rua um carnaval

diferente com desfile de banda de muacutesica carros alegoacutericos e cavaleiros nos

moldes do carnaval de Veneza A moda de oacuteperas italianas pelos teatros da cidade

faz com que o estranhamento seja menor pela populaccedilatildeo jaacute familiarizada com os

tipos da comeacutedia italiana como arlequins e colombinas Alencar acompanhando o

entatildeo coronel Polidoro da Fonseca11 e Muniz Barreto proprietaacuterio do Correio

Mercantil vai ao Paccedilo da Quinta da Boa Vista convidar a famiacutelia imperial para o

desfile que viria a passar tambeacutem no Largo do Paccedilo Seria o primeiro destes

desfiles a se apresentar no Rio de Janeiro O imperador comparece e aprecia o

espetaacuteculo D Pedro II poucos anos mais velho que Alencar reconhece naquele

ldquofilho de padrerdquo um pouco da convicccedilatildeo e do ativismo do velho senador Alencar

Poreacutem o fato de Alencar assumir-se ldquoa favor do impeacuteriordquo natildeo quer dizer que morria

de amores por D Pedro II

Em 1855 devido a alguns desentendimentos com a direccedilatildeo do jornal abandona o

Correio Mercantil e sua coluna ldquoAo correr da penardquo que eacute um sucesso na eacutepoca

voltando a militar na advocacia por algum tempo Em outubro do mesmo ano

assume os cargos de gerente e redator-chefe do Diaacuterio do Rio de Janeiro com a

10 O entrudo era uma festa popular oriunda de Portugal Significa literalmente ldquointroduccedilatildeordquo e remonta antigas praacuteticas pagatildes Carnaval de rua que desde os tempos da colocircnia vem sendo proibido pelas autoridades constituiacutedas devido aos constantes excessos do povo Ver por exemplo DAMATTA Roberto Carnavais malandros e heroacuteis Para uma sociologia do dilema brasileiro Rio de Janeiro Rocco 1997 11 Os ldquoFonsecardquo eram uma famiacutelia aleacutem de influente vasta nos quadros do exeacutercito Podemos citar desde alguns heroacuteis da guerra do Paraguai ateacute o grupo que sustenta Deodoro na proclamaccedilatildeo da repuacuteblica Ver para um melhor esclarecimento nota em CARVALHO Joseacute Murilo de A formaccedilatildeo das almas o imaginaacuterio da repuacuteblica no Brasil Satildeo Paulo companhia das letras 1990 p 144

tarefa de reerguer o entatildeo decadente jornal (o primeiro jornal diaacuterio surgido no Rio

de Janeiro12) alavancando suas vendas Jaacute era naquele momento um jornalista com

certo renome e seus textos sugerem influecircncias de autores europeus O modelo

civilizacional francecircs - e isto de comum acordo com a grande maioria dos bachareacuteis

que frequentavam a corte - eram de seu agrado e como muitos outros redatores do

periacuteodo foi dele tambeacutem um divulgador Eacute o ldquoafrancesamentordquo da sociedade

carioca que se manifestava tambeacutem no uso da linguagem pelos jornais Alencar eacute

grande apreciador de Lamartine e leitor de Balzac e Voltaire desde os tempos da

academia em que passava as tardes junto ao dicionaacuterio de francecircs

Nos fins de 1854 vem ao Rio de Janeiro em feacuterias das funccedilotildees de cocircnsul geral na

regiatildeo da Sardenha na atual Itaacutelia o poeta Domingos Joseacute Gonccedilalves de

Magalhatildees - futuro visconde de Araguaia Traz consigo os originais do poema ldquoA

confederaccedilatildeo dos Tamoiosrdquo obra que dizia ele revolucionaria as letras nacionais

Grande amigo de D Pedro II este manda imprimir uma ediccedilatildeo do poema na

conhecida tipografia de Paula Brito13 em rica encadernaccedilatildeo o que jaacute era um motivo

para que o proclamado poema fosse lido O assunto gira em torna das lutas dos

Tamoios com portugueses em meados do seacuteculo XVI no litoral fluminense e paulista

exaltando o quanto podia as figuras histoacutericas do periacuteodo As criacuteticas foram

unacircnimes o poema era ndash segundo comentadores do periacuteodo como Alexandre

Herculano e Gonccedilalves Dias ndash uma grande decepccedilatildeo Alencar oculto pelo

pseudocircnimo Ig14 investe criticamente sobre o poema classificando-o de mediacuteocre

em uma seacuterie de oito cartas publicadas em sua coluna no Jornal Seria este o

primeiro debate substancioso sobre literatura travado no Brasil e de certa forma a

primeira querela envolvendo o artista e o imperador

12 Interessante lembrar que o Diaacuterio do Rio de Janeiro chega a ser apontado como subversivo por

Joseacute Bonifaacutecio que manda averiguar o teor do ldquoescritos incendiaacuteriosrdquo ali publicados em 1822(COSTA 1999 p71) No Diaacuterio seriam publicados artigos contraacuterios agrave monarquia constitucional Alencar era assumidamente um conservador 13 Paula Brito eacute editor e dono de tipografia um conhecido ponto de encontro de intelectuais e poliacuteticos do periacuteodo Mulato de origem pobre assim como Machado de Assis eacute mais um indicativo de que nas letras nacionais a poliacutetica de segmentaccedilatildeo racial era mais amena 14 Menezes comenta em uma nota que tendo o Imperador esquecido de convidar o Alencar para a leitura da ldquoConfederaccedilatildeo dos Tamoiosrdquo em seccedilatildeo no gabinete imperial este viria a se tornar um criacutetico ferrenho de Magalhatildees Nos parece um reducionismo a implicacircncia do Alencar natildeo chega a tanto e sua capacidade como escritor e poliacutetico mostra bem sua capacidade

A carta aberta eacute comum na imprensa do periacuteodo Um comentador coloca suas

opiniotildees de maneira direta e soacutebria com o intuito de publicitar um assunto Um

debate aberto por vezes uma provocaccedilatildeo E o direito de resposta era concedido

prontamente O assunto se tornado interessante era esperado pelos leitores

A maior parte das criacuteticas se refere agrave gramaacutetica e a metrificaccedilatildeo O poeta Arauacutejo

Porto-Alegre cognominado ldquoO amigo do poetardquo sai em defesa de Magalhatildees

Alencar rebate e a esta altura Ig natildeo seria mais um desconhecido Porto-Alegre

chega a transparecer que a peleja do Alencar natildeo seria contra o preterido poeta

mas um ataque indireto ao seu protetor D Pedro II Alguns outros aparecem pelas

paacuteginas do jornal apoiando tropegamente poema e poeta Alencar segue firme e o

imperador assume a pena sob o codinome de ldquoOutro amigo do poetardquo Escreve seis

artigos que Alencar responde com airosidade O imperador pede a opiniatildeo favoraacutevel

de alguns amigos sobre o poema mas nem as criacuteticas encaminhadas por Gonccedilalves

Dias e Alexandre Herculano conseguem convencer D Pedro II do contraacuterio que

Magalhatildees natildeo era tatildeo bom assim Torna-se entatildeo uma guerra puacuteblica de teimosos

Alencar no mesmo ano reuacutene em livro as cartas publicadas sobre A confederaccedilatildeo

dos tamoios No ano seguinte Magalhatildees publica uma segunda ediccedilatildeo do poema

que D Pedro II promove agora chegando a pagar a publicaccedilatildeo de duas traduccedilotildees

para o idioma italiano da obra O imperador incentiva a pesquisa e publicitaccedilatildeo de

trabalhos que enfatizam essa mitologia romacircntica do indigeniacutesmo mas natildeo significa

que esteja preocupado com a esteacutetica literaacuteria Suas razotildees estatildeo mais proacuteximas do

campo poliacutetico como tambeacutem o seria com sua relaccedilatildeo com o instituto histoacuterico e

geograacutefico ao qual era o maior patrocinador Era o momento de solidificar os

siacutembolos da nova naccedilatildeo e o indigeniacutesmo aleacutem de tudo se caracteriza por ser um

movimento antilusitano (ROMANCINI 2007)

Sobre o texto de Magalhatildees o puacuteblico aparentemente se cansa da peleja e Alencar

como redator do jornal precisa procurar mateacuteria mais interessante e a contenda se

dissipa no tempo Mas esta seria a primeira de uma seacuterie de desavenccedilas

envolvendo o Imperador e Alencar

Em dezembro de 1856 Alencar termina seu primeiro livro distribuiacutedo para os leitores

do Diaacuterio do Rio de Janeiro como um presente no Natal No ano seguinte publica o

primeiro folhetim15 de O guarani no Diaacuterio e depois em livro organizado em quatro

volumes e os primeiros capiacutetulos de A viuvinha em folhetim O sucesso de O

guarani eacute tamanho que vaacuterias portas satildeo abertas para o escritor Eacute neste ano que

Alencar ingressa no teatro com sua peccedila ldquoO Rio de Janeiro verso e reversordquo em

novembro estreia com ldquoO democircnio familiarrdquo e ainda em dezembro do mesmo ano a

comeacutedia ldquoO creacuteditordquo A sociedade apresentada nos palcos do Rio de Janeiro para

Alencar natildeo seria aquela que ele via nas ruas Seu modelo era a ldquosociedaderdquo

francesa Comenta assim em uma crocircnica

(hellip) a verdadeira comeacutedia a reproduccedilatildeo exata e natural dos costumes de uma eacutepoca a vida em accedilatildeo natildeo existe no teatro brasileiro Natildeo achando pois em nossa literatura um modelo fui buscaacute-lo no paiacutes mais adiantado em civilizaccedilatildeo e cujo espiacuterito tanto se harmoniza com a sociedade brasileira na Franccedila Fui feliz o puacuteblico ilustrado foi mais beneacutevolo do que eu esperava e merecia O Democircnio Familiar escrito conforme a escola de Dumas Filho sem lances cediccedilos sem gritos sem pretensatildeo teatral agradourdquo (MENEZES 1977 p 135)

No exposto entendemos que Alencar buscava um modelo ldquomelhorrdquo segundo ele

para a sociedade carioca O modelo francecircs de certa forma jaacute impregnado na

sociedade da Corte eacute agora validado pela arte e aplaudido pelo grupo Tal modelo

como afirma natildeo estava na literatura dramaacutetica nacional A vida em accedilatildeo natildeo existe

no teatro A questatildeo eacute qual seria essa vida que Alencar buscava A das ruas

imundas do Rio de Janeiro dos escravos que recolhiam os dejetos na cidade da

incipiente induacutestria nacional Certamente natildeo

A peccedila de maior aceitaccedilatildeo puacuteblica eacute ldquoO democircnio familiarrdquo e a mais divulgada de

suas comeacutedias Machado de Assis em um artigo qualifica a peccedila ldquoO democircnio

familiarrdquo como um retrato da famiacutelia brasileira no periacuteodo com sua caracteriacutestica ndash

segundo ele ndash paz domeacutestica O texto circula tambeacutem em versatildeo impressa com uma

dedicatoacuteria agrave imperatriz D Teresa Cristina o que chega a ser considerado uma gafe

de Alencar sendo a personagem principal o referido democircnio familiar um moleque

chamado Pedro assim como D Pedro II (e tambeacutem D Pedro I ) Na estreia do

espetaacuteculo no Teatro do Ginaacutesio comparecem D Teresa e D Pedro II que chega a

se irritar com os olhares maliciosos e risadas do puacuteblico a cada travessura do

15

Alencar estava - de certa forma - na vanguarda da miacutedia O folhetim foi uma invenccedilatildeo de Gustave

Planche no dececircnio de 1820 na Franccedila introduzindo uma forma diferenciada agrave narrativa do romance Era um modelo que agradou e ajudou a construir popularidade para Alencar Ver CAcircNDIDO Antocircnio Literatura e Sociedade 9ordf Ed Rio de Janeiro Ouro sobre Azul 2006 p 43

escravo no palco Segundo esse autor se origina daiacute e natildeo do episoacutedio da

Confederaccedilatildeo dos Tamoios as diferenccedilas entre o imperador e Alencar De qualquer

forma natildeo se pode deixar de ver Joseacute de Alencar como um implicante

Em 30 de maio de 1858 no teatro do Ginaacutesio Dramaacutetico estreia a comedia ldquoAs asas

de um anjordquo Depois da terceira apresentaccedilatildeo puacuteblica o texto eacute proibido pelo chefe

de poliacutecia Alencar vem a puacuteblico atraveacutes do Diaacuterio questionar a arbitrariedade e

apresentar sua defesa Questiona como um espetaacuteculo aprovado anteriormente pela

censura (apresenta-las anteriormente aos censores era o procedimento padratildeo)

poderia ser logo depois proibido Diz o autor ter se baseado em uma peccedila de

Alexandre Dumaacutes Filho sobre uma prostituta jaacute tendo sido o espetaacuteculo

apresentado no mesmo teatro semanas a fio sendo assim bem conhecida do

puacuteblico Apresenta ali seus argumentos e motivos repetindo que natildeo entende como

um texto que ele mesmo admite eacute adaptado de um romance europeu ndash a dama das

cameacutelias - que apresenta jaacute a eacutepoca relativo sucesso de puacuteblico no teatro pocircde ser

censurado Eacute ali que Alencar entende da pior maneira que a sociedade carioca de

entatildeo natildeo aceita ser confrontada com uma caracterizaccedilatildeo tatildeo realista de seus

costumes Havia assuntos ainda difiacuteceis de discutir Eacute interessante nos determos um

pouco aqui para analisar o confronto do autor com a censura Alencar se sente

intimamente ofendido com a proibiccedilatildeo e parte para sua defesa puacuteblica fazendo o

que sabe fazer mobilizar a opiniatildeo puacuteblica atraveacutes do jornal

Em 28 de junho de 1858 Alencar puacuteblica no Diaacuterio do Rio de Janeiro um artigo que

viria a ser uma espeacutecie de ldquodireito de defesardquo a censura do espetaacuteculo16 Eacute

interessante no sentido de que podemos ter uma visatildeo ampla da censura praticada

pelas instituiccedilotildees puacuteblicas no periacuteodo imperial Eacute ndash inicia a carta indicando ndash o seu

direito e dever como escritor Alencar se diz indiferente a ldquopuniccedilatildeordquo e explica que tal

somente serviraacute para ldquoexcitar a curiosidade puacuteblicardquo por isso vem a puacuteblico

defender-se apenas por que se diz um defensor da moral e natildeo quer manchar sua

imagem aceitando passivamente a (afirma) injusticcedila Natildeo pretende fugir a puniccedilatildeo e

afirma que ldquose quiser dar-lhe maior publicidade tenho ainda um meio a imprensa

16

Artigo transcrito na seccedilatildeo ldquoensaios literaacuteriosrdquo em ALENCAR Joseacute de Teatro completo Rio de

Janeiro Serviccedilo Nacional de Teatro 1977 As referecircncias entre aspas satildeo todas do artigo

que natildeo estaacute sujeita agrave censura policialrdquo A peccedila conta havia sido liberada por meio

de despacho especiacutefico pela poliacutecia em 25 de maio e pelo Conservatoacuterio Dramaacutetico

ainda em janeiro o que jaacute indica uma contradiccedilatildeo Dentre as causas estipuladas

pela lei para a proibiccedilatildeo de espetaacuteculo teatral estavam o ataque agraves autoridades

constituiacutedas o desrespeito agrave religiatildeo e a ofensa agrave moral puacuteblica que no entender do

jornalista seria o motivo da proibiccedilatildeo

Alencar afirma ter pensado bastante na reaccedilatildeo que o puacuteblico teria sobre o tema e

afianccedila ter se baseado em obras dramaacuteticas filhas da chamada ldquoescola realistardquo que

vem de Paris e que tecircm sido representadas em nossos teatros sende ele mesmo

um dos espectadores Mas sustenta ldquoesqueci-me que o veacuteu que para certas

pessoas encobre a chaga da sociedade estrangeira rompia-se quando se tratava de

esboccedilar a nossa proacutepria sociedaderdquo (ALENCAR 1977 p 227) Afirma que o puacuteblico

da Corte assistindo a ldquoA dama das Cameacuteliasrdquo ou agraves ldquoMulheres de Maacutermorerdquo cada

um toma Margarida Gauthier e Marce satildeo apenas duas moccedilas um pouco

estravagantes mas quando se transpotildee a questatildeo para o Brasil em As asas de um

anjo o espectador encontra a realidade diante de seus olhos e espanta-se sem

razatildeo de ver no teatro sobre a cena o que vecirc todos os dias na rua e nos passeios

Mas o que seria imoral O que motivaria tal ato da poliacutecia Alencar explica que eacute

imoralidade o ato que a moral reprova Alencar se defende dizendo que sua intenccedilatildeo

era a pretenccedilatildeo de mostrar uma liccedilatildeo para os pais de famiacutelia sobre a necessidade

de cuidarem da educaccedilatildeo moral de seus filhos de constituiacuterem-se enquanto famiacuteias

Sustenta que em sua tese natildeo haacute aiacute uma soacute personagem que natildeo represente uma

ideia social que natildeo tenha uma missatildeo moralizadora Natildeo eacute ele quem nos

apresenta diz eacute a proacutepria sociedade E as instituiccedilotildees puacuteblicas criam um

impedimento para que o grupo possa comfrontar sua realidade eacute mais uma barreira

constriacuteda como podemos observar entre o povo (rebelde inculto imoral) e a elite

que soacute observa isso de sua cadeira ou camarote estando distante de tudo

Alencar se desgosta com aquilo e abandona logo depois o Diaacuterio do Rio de Janeiro

e a dramaturgia (pelo menos por enquanto) voltando a se dedicar ao Direito e a seu

trabalho como advogado no escritoacuterio do Dr Caetano Alberto E agora com clientela

vasta Ao longo do periacuteodo imperial com a estabilidade da economia e um maior

(ainda pouco) desenvolvimentos das cidades aparecem outros caminhos para o

trabalho que natildeo somente a burocracia mas a grande maioria dos profissionais

liberais natildeo consegue manter-se Apesar do desenvolvimento da advocacia do

magisteacuterio da medicina do jornalismo muitos destes profissionais liberais ndash o caso

de Alencar ndash encampam duas profissotildees ao mesmo tempo como forma de

sobrevivecircncia ou de esperar ser alcanccedilado pelo braccedilo sedutor do emprego puacuteblico

Para Neto (2006) a produccedilatildeo literaacuteria de Alencar natildeo estaacute desvinculada de sua

personalidade um tanto depressiva e afastada da vida noturna da capital lugar

comum para poliacuteticos e jornalistas - vaacuterios deles conhecidos por Alencar que

preferia a tranquilidade de sua propriedade na periferia onde recebia alguns poucos

amigos Ali entre seus livros dedicava-se a leitura de cronistas e historiadores e a

pesquisa sobre a histoacuteria poliacutetica dos seacuteculos XVIII e XIX Tais leituras teriam levado

Alencar a um aprofundamento de sua reflexatildeo criacutetica sobre a realidade brasileira e

os padrotildees de comportamento da sociedade e das instituiccedilotildees que a constituem e

da famiacutelia burguesa em particular

13 MILITAcircNCIA POLIacuteTICA

Em dezembro de 1858 quando Nabuco de Arauacutejo assume o cargo de Ministro e

Secretaacuterio de Estado dos Negoacutecios da Justiccedila trata logo de promover uma reforma

interna neste e o nome de Alencar eacute lembrado para uma diretoria de Seccedilatildeo na

Secretaria de Estado dos Negoacutecios da Justiccedila Depois de alguns meses no cargo

solicita a um amigo do partido conservador o entatildeo conselheiro Euseacutebio de Queiroz

uma melhoria em seu cargo Em maio de 1859 seu pedido eacute aceito e agora como

consultor recebe o tiacutetulo de conselheiro com seus 30 anos Comeccedila o gosto pela

poliacutetica que estava desde sempre segundo Alencar em sua famiacutelia No mesmo ano

que entra para o ministeacuterio eacute nomeado professor de direito mercantil do Instituto

Mercantil no Rio de Janeiro Ao mesmo tempo publica vaacuterios trabalhos juriacutedicos de

reconhecido valor que alcanccedilam segundas e terceiras ediccedilotildees o que prova que o

texto de Alencar era procurado e lido que conseguiu sucesso como autor ainda em

sua juventude (algo dificilmente alcanccedilado mesmo hoje)

A poliacutetica assim dizia o Alencar era como uma religiatildeo em sua famiacutelia e o desejo

por uma cadeira na Assembleia jaacute eacute latente Mas em sua primeira candidatura em

1856 para uma cadeira de deputado geral pela proviacutencia do Cearaacute na primeira

eleiccedilatildeo por distritos natildeo eacute eleito na ocasiatildeo (ALENCAR 2009) Em 15 de marccedilo de

1860 tem outro desgosto falece o velho senador Alencar seu pai Talvez a uacuteltima

chance de associaccedilatildeo aos quadros do Partido liberal No mecircs seguinte comeccedila

uma correspondecircncia com amigos no Cearaacute jaacute no intuito de buscar uma candidatura

para deputado Em novembro e ainda trajando luto17 embarca para Fortaleza onde

busca amigos e correligionaacuterios para iniciar sua campanha pelo partido conservador

nas periferias da capital cearense Com a quantidade limitada de eleitores pela

legislaccedilatildeo vigente em poucos dias consegue-se conversar com um significativo

percentual de eleitores Apesar de seu pai ser um grande nome do partido liberal e

mesmo Alencar sendo o redator-chefe do Diaacuterio do Rio de Janeiro folha

declaradamente liberal o partido natildeo sugeriu uma filiaccedilatildeo ou a possibilidade de

concorrer a algum cargo puacuteblico fato que seraacute lembrado posteriormente com certa

amargura Talvez com os liberais Alencar pudesse exercitar melhor sua ojeriza por

D Pedro II que jaacute era manifesta a eacutepoca Talvez pelo mesmo motivo o partido natildeo

o desejasse em suas linhas A tatildeo falada homogeneidade de pensamento entre

liberais e conservadores se aplica aqui onde algueacutem que pudesse desagradar o

imperador seria um filho sem pai O que Alencar jaacute sabia era que se natildeo

conseguisse apoio de alguma lideranccedila poliacutetica ndash de um lado ou de outro -

provavelmente natildeo seria eleito Foi o que aconteceu no primeiro pleito Alencar

entatildeo se ldquoapadrinhardquo de Euseacutebio de Queiroz e com o apoio deste e do grupo

conservador eacute eleito para a Cacircmara em 1861

Os principais partidos do periacuteodo o liberal e o conservador apresentavam algumas

diferenccedilas importantes O professor Bonavides consegue uma caracterizaccedilatildeo

abrangente para o periacuteodo de nosso recorte

17 O traje de luto para meados do seacuteculo XIX era conservado por um tempo relativamente grande

quando se tratava de um familiar proacuteximo Poreacutem pode ter funcionado como uma ferramenta

importante na construccedilatildeo de um personagem para sua campanha poliacutetica Ele eacute praticamente um

desconhecido no Cearaacute Eacute preciso mostrar-se como cristatildeo bom filho etc

Os liberais do Impeacuterio exprimiam na sociedade do tempo os interesses urbanos da burguesia comercial o idealismo dos bachareacuteis o reformismo progressista das classes sem compromissos diretos com a escravidatildeo e o feudo

Os conservadores pelo contraacuterio formava o partido da ordem o nuacutecleo das elites satisfeitas e reacionaacuterias a fortaleza dos grupos econocircmicos mais poderosos da eacutepoca os da lavoura e pecuaacuteria compreendendo plantadores de cana-de-accediluacutecar cafeicultores e criadores de gado (BONAVIDES 2000 p491)

Tambeacutem Ilmar Mattos (1987) afirma que a diferenccedila entre ldquoLuzias e Saquaremasrdquo jaacute

estava demarcada desde as revoltas liberais do periacuteodo regencial Poreacutem como os

partidos poliacuteticos ainda natildeo havia desenvolvido suficiente forccedila enquanto instituiccedilatildeo

e ainda natildeo haviam desenvolvido sua configuraccedilatildeo atual geralmente os interesses

pessoais (e as ideias) determinavam as accedilotildees dos poliacuteticos Joseacute Murillo de

Carvalho (2007) sustenta a posiccedilatildeo dos magistrados tipicamente centrados no

partido conservador tanto quanto o clero no partido liberal tendo o grupo dos

militares preferido manter certa neutralidade e por fim um ldquogrupo ascendente de

profissionais liberais formando a ala ideoloacutegica do Partido Liberal e o nuacutecleo do

Partido Republicano do Rio de Janeirordquo (CARVALHO 2007 p 225) Nas cartas

Alencar sustenta que ldquoera do comeacutercio portuguecircs e aderecircncias que o partido

conservador tirava principalmente sua forccedila e os recursos com que sustentava a

lutardquo e mais adiante afirma que ldquoo partido conservador servia-se da induacutestria para

subir ()rdquo (ALENCAR 2011 p63) Em sua quase totalidade estes homens eram

representantes de uma sociedade patriarcal europeizada escravagista e machista

Tais homens partilhavam desse universo cultural que inclusive os caracterizava

independente do partido a que estavam filiados E quantas vezes tais interesses natildeo

se confundiam com a vontade do imperador - figura maior que muitos queriam

agradar e poucos tinham coragem de desagradar Bonavides (2000) citando Rui

Barbosa diz que os dois partidos na praacutetica se resumiriam em um soacute o partido do

poder Faoro (2004) tambeacutem sustenta que no segundo reinado a partir de 1836 a

histoacuteria poliacutetica brasileira se resumiria aos dois grandes partidos o liberal e o

conservador A conciliaccedilatildeo foi algo como uma orientaccedilatildeo um acordo intrapartidaacuterio

ou mesmo uma coligaccedilatildeo e natildeo outro partido A liga que eacute tida como a associaccedilatildeo

geradora do partido progressista foi uma organizaccedilatildeo primaacuteria dessa lideranccedila que

tem seu teacutermino com a deposiccedilatildeo de Zacarias de Goacuteis em 1868 tendo seus filiados

se rearranjado entre liberais e conservadores As discussotildees entre as diferenccedilas

ideoloacutegicas dentro dos partidos excedem a pretensatildeo deste trabalho O que

modestamente se sustenta aqui eacute que a filiaccedilatildeo partidaacuteria se dava a princiacutepio natildeo

como resultado de um aceite pelo ator poliacutetico da base ideoloacutegica do partido ndash se eacute

que houvesse uma O partido conservador por exemplo nunca chegou a escrever

um manifesto ou coisa que o valha ndash mas a suas necessidades pessoais suas

pretensotildees sociais e para seu favorecimento econocircmico Para efeito geral

acompanharemos a anaacutelise de Carvalho

A complexidade dos partidos se refletia naturalmente na ideologia e no comportamento poliacutetico de seus membros dando agraves vezes ao observador desatento a impressatildeo de ausecircncia de distinccedilatildeo entre eles Um exame embora sumaacuterio de alguns problemas cruciais enfrentados pelos poliacuteticos do Impeacuterio pode no entanto mostrar tanto as divergecircncias interpartidaacuterias como intrapartidaacuterias (CARVALHO 2007 p 219)

Em Janeiro ao se realizarem as eleiccedilotildees secundaacuterias Joseacute Martiniano de Alencar

Filho eacute eleito pelo 1ordm distrito (tendo segundo um comentaacuterio seu obtido tambeacutem 30

votos dos cerca de 220 eleitores liberais) no Cearaacute junto a outros seis candidatos de

seu partido Em 23 de maio inicia seus trabalhos na corte O cargo de deputado eacute

um importante comeccedilo para a vida puacuteblica

Apesar de eleitos por um periacuteodo de quatro anos frequentemente conseguiam ser reeleitos para vaacuterias legislaturas ou detinham importantes cargos administrativos Muitos encontraram na Cacircmara um caminho faacutecil para o Senado e o Conselho de Estado Assim como os conselheiros de Estado e os senadores os deputados pertenciam a uma rede poliacutetica de clientela e patronagem que utilizavam tanto em seu proacuteprio benefiacutecio quanto no de seus amigos e protegidos (COSTA 1999 p 141)

Ainda sobre o assunto uma interessante anotaccedilatildeo de Tavares Bastos em seu diaacuterio

pessoal nos ilustra bem a posiccedilatildeo de ldquoclientelardquo a que os deputados estavam

submetidos Referindo-se ao fim de setembro 1869 comenta sobre uma reuniatildeo dos

senadores liberais autorizando Zacarias de Goacuteis a prosseguir negociaccedilotildees sobre o

orccedilamento com Cotegipe ministro da Marinha Ao redigir a informaccedilatildeo refere-se

aos senadores que compotildee uma fraccedilatildeo do partido denominada progressista ndash critica

ou ceticamente - como ldquoos nossos chefesrdquo (ABREU 2007 p122) Disto podemos

deduzir e ainda segundo o depoimento de Costa que Alencar tambeacutem natildeo eacute

nenhum ldquoheroacuteirdquo do Brasil Quer o cargo puacuteblico como uma seguranccedila que garanta

uma rede de relacionamentos necessaacuteria a permanecircncia nesta periferia da elite

com vistas a uma posterior promoccedilatildeo

Quando do iniacutecio dos trabalhos todos os olhares estavam postos sobre Alencar

Romancista e dramaturgo jaacute famoso jornalista respeitado filho de importante

Senador que chegara a orador do Senado na coroaccedilatildeo do Imperador a casa estava

cheia de expectativa para a fala inicial No calor da hora a emoccedilatildeo lhe sobe a

cabeccedila O discurso proferido tatildeo aguardado foi um grande fiasco com momentos

de indecisatildeo e certa disfemia Eacute aos poucos que a palavra lhe vai acontecendo vai

achando seu lugar na tribuna durante o mandato Os argumentos a reacuteplica sempre

pronta o exerciacutecio parlamentar vai construindo o personagem poliacutetico Joseacute de

Alencar que chega a ser um dos mais respeitados oradores da cacircmara A

humilhaccedilatildeo nos primeiros dias arranha um pouco do orgulho e da habitual

arrogacircncia do escritor para depois se constituir em um aprendizado decisivo do

poliacutetico

Em 13 de maio de 1863 eacute dissolvida a Cacircmara Alencar sentindo a doenccedila faz

algumas viagens de repouso fora do Rio de Janeiro De volta agrave Corte passa a morar

na Tijuca e diminui o ritmo da produccedilatildeo literaacuteria atendendo a conselhos meacutedicos Ali

conhece aquele que viria a ser um grande amigo o meacutedico Dr Thomaz Cochrane18

de quem posteriormente toma a filha em casamento Georgiana Augusta Cochrane

Em 1865 nasce seu primeiro filho Augusto

De temperamento arredio dado mesmo a solidatildeo com a dedicaccedilatildeo ao trabalho

redobrada agora pela necessidade de sustentar uma casa natildeo sendo um associado

do Instituto Histoacuterico e Geograacutefico natildeo sendo frequentador assiacuteduo de salotildees ou da

livraria do Paula Brito como outros literatos vai desligar-se ainda das poucas

relaccedilotildees sociais que tem Fecha-se na famiacutelia e para si Eacute o ano em que publica as

primeiras cartas de Erasmo dirigidas ao Imperador

18

Que natildeo eacute o Almirante Cochrane militar contratado por D Pedro I para ldquomassacrarrdquo rebeldes

revolucionaacuterios pelo Brasil afora

Em novembro de 1865 comeccedilam a aparecer nas livrarias do Rio de janeiro uma

seacuterie de ldquocartas abertasrdquo publicadas sempre as terccedilas-feiras endereccediladas ao D

Pedro II e assinadas com o pseudocircnimo de Erasmo mas logo se soube que o autor

era o deputado Alencar A procura pelos folhetins era imensa Havia quem

esperasse a chegada de um vendedor pelas ruas para adquirir seu exemplar19 O

proacuteprio imperador natildeo deixava de estar atento a cada nova carta era como mais um

sucesso literaacuterio Publica tambeacutem em 1866 ldquoOs partidosrdquo em formato de livro mas

discutindo as mesmas questotildees e de forma menos informal

As cartas continham um conjunto de denuncias sobre as irregularidades na poliacutetica e

no procedimento eacutetico dos poliacuteticos Falam do poder moderador da situaccedilatildeo

financeira do paiacutes natildeo haacute assunto que escape ao jornalista Posteriormente

endereccedila outra carta esta ao Visconde de Itaboraiacute ex-Ministro dos Negoacutecios e da

Fazenda uma carta sobre a crise financeira em que tece vaacuterios elogios a este e

mais uma endereccedilada ao Marquecircs de Olinda De julho a agosto publica uma seacuterie

de cartas ao povo20 Alencar se coloca sempre e antes como um pensador da

poliacutetica Algueacutem que observa e indica um caminho para a naccedilatildeo e sua condiccedilatildeo de

jornalista eacute decisiva passa isso Deve-se ter em conta que um pensador poliacutetico eacute

algueacutem que observa contextos comportamentos e instituiccedilotildees e a partir de disputas

retoacutericas em torno de tais conceitos e que busca criticar o poder instituiacutedo e as

justificativas que este toma para continuar no poder

Alguns fatos satildeo modelares para mostrar o desinteresse de Alencar pela sua

valorizaccedilatildeo enquanto uma personagem social preferindo ser identificado enquanto

escritor Prefere as letras e a tranquilidade de seu recanto agrave vida social que poderia

ter na Corte Um exemplo disto eacute o episoacutedio da condecoraccedilatildeo Em 1867 o Alencar

por decreto imperial eacute agraciado com o oficialato da Ordem da Rosa pelos

relevantes serviccedilos prestados agraves letras no paiacutes Um agrado da parte de D Pedro II

feito sem que houvesse uma solicitaccedilatildeo ou concurso A poliacutetica de condecoraccedilotildees eacute

19 Eacute o depoimento de Barros Pimentel que demonstra como o o folhetim foi um meio importante de

divulgaccedilatildeo no periacuteodo

20 As cartas seratildeo analisadas em capiacutetulo a parte

basicamente a mesma dos tiacutetulos nobiliaacuterquicos brasileiros formas de cooptaccedilatildeo de

elementos da elite para o ldquopartidordquo do Imperador Nos anos finais do impeacuterio D

Pedro II agraciaria vaacuterios fazendeiros com a ordem da Rosa pela iniciativa destes

em libertar seus escravos (NOVAIS 1997) Alencar sem um motivo aparente

recusa a condecoraccedilatildeo publicamente solicitando ao redator do Jornal do Comeacutercio

que publicite sua decisatildeo Eacute mais uma alfinetada em D Pedro II que a princiacutepio

busca trazer Alencar para seu grupo mais proacuteximo A caminhada na carreira poliacutetica

vai se tornando ldquocomplicadardquo com tais atitudes de intransigecircncia pelo menos para

algueacutem dentro do partido conservador que almeja seguir adiante

Em 1868 estaacute agrave frente do governo o gabinete liberal presidido por Zacarias de Goacuteis e

Vasconcelos Por conta de alguns desentendimentos entre Zacarias e o marquecircs de

Caxias jaacute tomado como um heroacutei por sua atuaccedilatildeo na guerra do Paraguai D Pedro

II eacute impelido pela imprensa a tomar algum lado na rinha e cai o gabinete Sobem

entatildeo os conservadores sob a chefia do visconde de Itaboraiacute O nome de Alencar eacute

proposto para o Ministeacuterio da Justiccedila e sob o espanto de muitos aprovado pelo

imperador D Pedro estaria tentando amarrar uma ponta da corda que tinha agraves

matildeos no pescoccedilo do teimoso literato Alencar reluta num primeiro momento mas

depois de seu ego ter sido acariciado por algumas visitas de partidaacuterios como o

baratildeo de Muritiba e o Conselheiro Paulino de Souza - falando em nome do Futuro

presidente do Conselho - resolve por bem aceitar o cargo O ministeacuterio apelidado

ldquogabinete-bombardquo toma posse em 16 de julho Eacute composto por aleacutem da figura do

Presidente do Conselho e Ministro da Fazenda o Visconde de Itaboraiacute Joaquim

Rodrigues Torres Paulino Joseacute Soares de Souza como Ministro do Impeacuterio Joseacute de

Alencar Ministro da Justiccedila Joseacute Maria Paranhos o visconde do Rio Branco

Ministro dos Estrangeiros Joatildeo Mauriacutecio Mariani Wanderley o baratildeo de Cotegipe

Ministro da Marinha Manoel Vieira Tosta o visconde de Muritiba Ministro da Guerra

e Joaquim Antatildeo Fernandes Leatildeo Ministro da Agricultura Comeacutercio e Obras

Puacuteblicas A ascensatildeo dos conservadores eacute um fato consumado Alencar eacute aleacutem de

tudo o ministro mais jovem do gabinete mas aos olhos do Imperador natildeo era um

inexperiente D Pedro II parece natildeo se importar com a presenccedila do autor das

Cartas de Erasmo antes se comporta como um admirador da obra de Alencar

Mudanccedilas haacute mas nem tanto As figuras de Rodrigues Torres e Paulino que ndash

segundo Ilmar Mattos (1987) seriam o braccedilo forte da chamada ldquotrindade saquaremardquo

- por tanto tempo estiveram a frente do poder retornam agora com a

responsabilidade de reorganizar a casa Ao mesmo tempo e ateacute como uma forma

de equiliacutebrio de forccedilas D Pedro II tambeacutem tinha seu jeito de se resguardar das

pressotildees exercidas pelas elites no poder e da influecircncia de seus associados e

apadrinhados Em muitos momentos leva a lideranccedila do gabinete homens sem

propriedades lideres com ascendecircncia humilde portanto natildeo diretamente atrelados

aos interesses de grupos poderosos desatados dos laccedilos familiares ou

ldquopatronagemrdquo com fazendeiros e comerciantes ligados ao traacutefico e a exportaccedilatildeo

como Saraiva Zacarias o Visconde de Ouro Preto o marquecircs de Paranaacute entre

outros Eles que estariam mais proacuteximos ao imperador seriam tambeacutem uma ultima

barreira de contenccedilatildeo dos movimentos em prol da diminuiccedilatildeo dos poderes da

monarquia (COSTA 1999) O movimento republicano soacute toma corpo em 1873 e

adiante mas as rusgas que o poder moderador incita no parlamento jaacute se fazem

presentes Alencar no ministeacuterio trabalha com o afinco que sempre daacute a seus

afazeres Isso natildeo eacute uma novidade No ano de 1868 publica tambeacutem ldquoO systema

representativordquo obra em que discute o processo eleitoral como a base de um

governo representativo Nem seria tambeacutem uma novidade o ministro colecionar

desafetos no periacuteodo em que estaacute no cargo Deputados colegas ministros oficiais

natildeo estatildeo livres do temperamento singular de Alencar

As relaccedilotildees do imperador com seu ministro da justiccedila satildeo cordiais poreacutem

complicadas Alencar reclama que D Pedro II em tudo se intromete ndash mais tarde diraacute

que eacute um haacutebito deste e tambeacutem dos outros ministros ndash nos assuntos do Estado Agraves

vezes como um menino curioso que de tudo quer saber outras vezes como um pai

zeloso que se preocupa com seus filhos sendo ldquomaltratadosrdquo pelo ministro chegado

em alguns casos extremos a lembrar de que ele eacute o imperador e eacute quem manda na

casa (MENESES 1977) Um dos haacutebitos de D Pedro eacute o envio de bilhetes para o

ministro Satildeo comentaacuterios questotildees relevantes (ou natildeo) indiscriccedilotildees e

apontamentos que constantemente acompanham os despachos de Alencar

Algumas vezes se diz preocupado com a imprensa e os assuntos gerais em outras

solicita informaccedilotildees sobre processos de funcionaacuterios puacuteblicos e sobre o andamento

das eleiccedilotildees Alencar natildeo faz por menos redigindo tambeacutem os seus bilhetes em

tom cordial e respeitoso mas sempre como um embate de forccedilas tentando

demarcar seu campo de atuaccedilatildeo ou impor limites ao outro Natildeo eacute esta uma praacutetica

do restante do grupo que na acomodaccedilatildeo burocraacutetica a que o partido conservador

se acostuma acaba deixando reverter uma formula antiga para o imperador que

recostado na condiccedilatildeo que lhe permitia o poder moderador apesar de dizer que

ldquodeixa a maacutequina andarrdquo ainda reina governa e administra (FAORO 2004) A

tambeacutem o fato de que D Pedro II prefere morar no paccedilo de Satildeo Cristoacutevatildeo ao Paccedilo

da cidade e os ministros precisavam cavalgam ateacute laacute duas vezes na semana para

os despachos coisa que Alencar abomina - considera uma perda de tempo - aleacutem

de reclamar das ldquofutilidadesrdquo que satildeo obrigados a discutir no lugar de tomar o tempo

com alguma providecircncia importante para o paiacutes como os rumos da Guerra do

Paraguai

Certa feita o imperador encaminha preocupado um bilhete pedindo esclarecimentos

de notiacutecias vinculadas nos jornais sobre o recrutamento de (in)voluntaacuterios para a

guerra do Paraguai pelo paiacutes afora A prisatildeo para recrutamento era uma realidade e

por vezes usada como uma forma do partido da situaccedilatildeo ldquodesaparecerrdquo com

elementos da oposiccedilatildeo Com tal pretexto satildeo escolhidos no periacuteodo

propositalmente os indiviacuteduos simpatizantes do partido liberal Alencar dias depois

encaminha circular tentando normalizar as coisas e coibir abusos por parte dos

presidentes das proviacutencias e autoridades policiais que usavam de tal artifiacutecio para

uma ldquofaxinardquo poliacutetica no eleitorado As preocupaccedilotildees do imperador se

fundamentavam nestas accedilotildees correntes como bem sugeria em outro bilhete onde

dizia ldquo() eu sei infelizmente o que satildeo as eleiccedilotildees entre noacutesrdquo buscando sempre

providencias para que houvesse alguma melhora dentro do possiacutevel e tambeacutem

buscando ldquo(hellip) inteira liberdade de voto conforme nossos maus haacutebitos o permitem

por hora mas dando a autoridade o bom exemplordquo (MENEZES 1965 p133) Mas o

imperador natildeo desconhecia que as eleiccedilotildees pouco refletem a vontade do povo

oprimido do interior que ainda eacute refeacutem do poder poliacutetico local nas matildeos dos

senhores de terras no interior ndash em sua maioria apoiados pelo partido liberal

(CARVALHO 2007) A praacutetica do voto jaacute previamente indicado com a ceacutedula ldquochapa

de caixatildeordquo21 ainda garantia o patildeo para o sustento das famiacutelias (FAORO 2004)

Vaacuterias mudanccedilas satildeo tentadas no decorrer dos anos com pouco resultado mesmo

uma draacutestica mudanccedila nas regras eleitorais ndash como o foi o caso do gabinete da

conciliaccedilatildeo (1853-57) com o marquecircs de Paranaacute em que foram vetadas as

participaccedilotildees de vaacuterios elementos representantes da poliacutecia justiccedila e da

administraccedilatildeo puacuteblica ndash sempre entrevia um espaccedilo para burlar-se a lei o que jaacute

vinha se constituindo como parte da ldquoculturardquo poliacutetica nacional

Austero com os deputados distante dos outros ministros longe das recepccedilotildees

oficiais Alencar apesar de extremamente competente assegura seu lugar como o

homem ldquomais chatordquo da Corte Essa visatildeo era compartilhada ateacute entre alguns

colegas ministros como no caso de Cotegipe que natildeo admitia ldquoo artistardquo no meio

das altas relaccedilotildees poliacuteticas E isso debaixo de um ciuacuteme natildeo declarado pelo fato de

D Pedro II insistir em entregar ao ministro da Justiccedila a maior parte das atenccedilotildees

Atenccedilatildeo que o grupo buscava e que Alencar repelia com seu temperamento

complicado Houve ocasiotildees em que descumprindo os deveres dados pelo decoro

impotildee ao imperador a papelada de sua exoneraccedilatildeo em cerimocircnia puacuteblica

conquanto este natildeo assinasse os decretos que Alencar lhe propunha D Pedro II

em seus despachos tinha o haacutebito de natildeo deixar nada sem assinar poreacutem

postergava Dizia sobre o que natildeo lhe conviesse (ou natildeo quisesse) dar

encaminhamento que deixaria ldquopara a proacutexima semanardquo Os outros ministros

conhecendo tal procedimento tido ateacute como educado tratavam de arquivar a

papelada referente Alencar voltava semana apoacutes semana com os mesmos papeacuteis

natildeo se dando por vencido Esticava os braccedilos a exaustatildeo ateacute que o imperador

reconsiderasse seu ato Natildeo eacute de se estranhar que D Pedro torcesse o nariz para

uma candidatura de Joseacute de Alencar para o senado entatildeo um cargo vitaliacutecio

evitando assim ter de aguentar o homem perto de si por tanto tempo

Alencar sente pressotildees de vaacuterias formas por seu mau jeito como articulador poliacutetico

O ldquodedordquo de Cotegipe como ele mesmo chegou a dizer estava em grande parte

daquilo Joatildeo Mauriacutecio Mariani Wanderley o baratildeo de Cotegipe era um homem

21 A ceacutedula era marcada com uma cruz indicando o voto a ser dado Caso a ceacutedula natildeo aparecesse

na urna o candidato ou chefe poliacutetico poderia procurar o eleitor para ldquotomar providecircnciasrdquo

prestigiado que sabia emprestar seu prestiacutegio ao Ministeacuterio Encarregado da

Marinha este tinha a predileccedilatildeo pela Justiccedila o que o fazia criar situaccedilotildees de

constrangimento para Alencar Com a legislaccedilatildeo vigente o impeacuterio estaacute centralizado

na figura do ldquo() Ministro da Justiccedila generaliacutessimo da poliacutecia dando-lhe por

agentes um exeacutercito de funcionaacuterios hieraacuterquicos desde o presidente da proviacutencia e

o chefe de poliacutecia ateacute o inspetor do quarteiratildeordquo (FAORO 2004 p 369) e tambeacutem os

juiacutezes funcionaacuterios puacuteblicos de carreira todos ao alcance do longo braccedilo da

dominaccedilatildeo do Estado Qualquer deslize e Cotegipe fornecia o material aos jornais

sobre o Ministro (e o ministeacuterio) da Justiccedila nas reuniotildees com o imperador fazia valer

seus pontos de vistas sobre a pasta do adversaacuterio Zombava alfinetava enfim

politicava Alencar reclama com o presidente que tenta contornar as coisas e

apresenta um pedido de demissatildeo mas este natildeo eacute aceito Dias depois Fernandes

Leatildeo titular da pasta da agricultura por motivos pessoais tambeacutem pede demissatildeo

Na ocasiatildeo o Alencar reapresenta sua solicitaccedilatildeo Itaboraiacute tenta segurar o gabinete

como pode evitando que este tombe para caacute ou para laacute De olho nesta indecisatildeo a

alta cacircmara aumenta a vigilacircncia satildeo os olhos de Zacarias Saraiva Nabuco Ottoni

Silveira Lobo Monte Alegre Abrantes e Itanhaeacutem que os acompanham Os ataques

ao ministro-escritor continuam dia a dia cada um com o seu motivo cada qual com

o seu aparte e nem todos direcionados agrave boa ou maacute administraccedilatildeo da pasta da

Justiccedila mas ao proacuteprio jeito de ser do Ministro chegando ao ponto de Cotegipe criar

e difundir (a pior parte) um apelido para Alencar que para a infelicidade deste eacute

aceito pelo grupo no ato era ele o ldquopirracentordquo

Mas nem tudo estaacute relacionado com as brigas internas Ainda enquanto ministro da

Justiccedila Alencar visita a regiatildeo do Valongo22 no Rio de Janeiro conhecido como

antigo mercado dos ldquopretos novosrdquo e se aterroriza com a situaccedilatildeo ao mesmo tempo

aviltante e promiacutescua a qual aquelas pessoas estavam expostas Alencar natildeo era

um abolicionista acreditava que a escravidatildeo no Brasil deveria terminar por um

processo lento e que natildeo incorresse em ocircnus para os proprietaacuterios Tinha uma

posiccedilatildeo conservadora mas tambeacutem natildeo era um incentivador do comeacutercio de

escravos Em 15 de setembro de 1869 eacute publicado um decreto seu que proiacutebe a

22

O antigo Valongo (rua Camerino) era um depoacutesito e armazeacutem de escravos que funcionou de 1779 a 1831 No periacuteodo o comeacutercio se transfere para a rua Direita atual 1deg de Marccedilo Os escravos ficavam expostos na rua (RENAULT 1976)

exposiccedilatildeo puacuteblica de escravos no mercado e a sua venda sob a forma de pregatildeo e

eacute aplaudido por grande parte da populaccedilatildeo Por esse tempo (senatildeo mesmo antes) eacute

que comeccedila uma sondagem com seus correligionaacuterios com o intuito de concorrer a

uma vaga no senado Com a morte em 1865 do marquecircs de Abrantes e do

conselheiro Cacircndido Batista de Oliveira senadores pela proviacutencia do Cearaacute a

vacacircncia das cadeiras estimulam a cabeccedila de Alencar a trabalhar com tal

perspectiva Chega a fundar com seu irmatildeo uma folha a ldquoDezesseis de Julhordquo para

divulgar ndash segundo uma carta-circular enviada aos membros do Partido Conservador

- os ldquointeresses do nosso partido e defender a ideia conservadora no Brasilrdquo

(MENEZES 1975 p252) As eleiccedilotildees vatildeo sendo adiadas devido agraves brigas entre

partidos e as denuacutencias constantes de fraude eleitoral E haacute quem diga que a

demora eacute alimentada pelo ministro da Justiccedila jaacute cobiccedilando uma sua cadeira no

Senado

Em junho de 1869 Alencar escreve a Itaboraiacute comentando seu interesse em

concorrer a uma cadeira no senado Explica que jaacute havia submetido agrave questatildeo aos

colegas do gabinete e tinha o apoio destes O caso se daacute quando apresenta a

proposiccedilatildeo ao imperador chegando a solicitar a demissatildeo do cargo de ministro para

que se candidatasse sem nenhum impedimento ou favorecimento que seu cargo

como ministro pudesse criar D Pedro II sugere (pede) que Alencar reavalie a

decisatildeo pois acreditava que sua situaccedilatildeo pudesse influir nos rumos da eleiccedilatildeo

chegando a sugerir que a atitude natildeo seria eacutetica Alencar se rebela e escreve logo a

seguir a Paulino Nogueira no Cearaacute apresentando-se como candidato pela

proviacutencia e eacute aceito Esse incidente revela algo interessante visto que Paulino

Nogueira como todas as lideranccedilas partidaacuterias que Alencar podia alcanccedilar sabiam

dos motivos do desentendimento e da opiniatildeo do Imperador relatada pelo proacuteprio

missivista E Paulino aceita a candidatura Podemos deduzir que as lideranccedilas locais

ainda natildeo estavam dispostas a acatar podas as decisotildees do centralismo do Estado

mesmo que fossem vindas de uma vontade expressa do imperador As resistecircncias

locais ainda estavam vivas e prontas para reclamar seus direitos

A eleiccedilatildeo se realiza em 12 de dezembro e os liberais seguindo orientaccedilotildees do

partido na corte23 natildeo apresentam candidatos Alencar eacute o mais votado em uma lista

secircxtupla tendo no segundo lugar o nome de Domingos Joseacute Jaguaribe O resultado

vai entatildeo para D Pedro II que escolheria entre os mais votados qual deveria ser o

proacuteximo senador Ao saber do resultado tendo em matildeos a lista o Imperador se irrita

e permanece irredutiacutevel em sua opiniatildeo Manda chamar o Alencar para uma

entrevista e pergunta sobre o entendimento que tiveram sobre a eleiccedilatildeo o clima

entre os dois soacute piorava Haacute vaacuterias versotildees sobre o acontecido todas parecidas

mas o fato eacute que Alencar consegue o que quer sua exoneraccedilatildeo Eacute substituiacutedo pelo

presidente da Cacircmara dos Deputados conselheiro Joaquim Otaacutevio Neacutebias Retorna

o Alencar a Cacircmara e agrave redaccedilatildeo do Dezesseis de Julho

No fim de abril comeccedila o cochicho em Satildeo Cristoacutevatildeo sobre a escolha para as duas

vagas de senador pelo Cearaacute Ao fim a doutrina que os conservadores - inclusive o

Alencar - pregam nos jornais eacute seguida pelo imperador de que somente a este

pertence sem audiecircncia de nenhum ministro a escolha dos nomes para o Senado

Em uma passagem das cartas ao Imperador Alencar sugere que ldquoos atos do poder

moderador satildeo de exclusiva competecircncia vossa [do Imperador] para exercecirc-los natildeo

dependeis de agentes e atualmente nem de conselhordquo (ALENCAR 2011 p 81)

No dia 27 por carta imperial satildeo escolhidos os nomes de Domingos Joseacute

Jaguaribe e do conselheiro Joseacute de Melo Alencar nunca se recuperaria de tal golpe

Agora seu caminho na Cacircmara de deputados eacute o da oposiccedilatildeo ao governo

Em maio de 1871 jaacute tomada certa distacircncia a guerra do Paraguai o imperador

solicita a Cacircmara o necessaacuterio consentimento para uma viagem a Europa Alencar

se apressa nos protestos lembrando o dinheiro esbanjado pelo Estado com as

comemoraccedilotildees puacuteblicas pelo fim da guerra Chega a dizer que uma viagem pela

Europa naquele momento seria uma demonstraccedilatildeo de ldquoabsolutismordquo e ao mesmo

tempo uma tentativa de se afastar das discussotildees sobre a questatildeo da matildeo de obra

escrava e o abolicionismo que o fim da guerra do Paraguai tornou mais urgentes e

23 A influencia local na escolha de candidatos para as eleiccedilotildees soacute volta a crescer a partir de 1881

com a Lei Saraiva

que D Pedro II havia se comprometido em buscar uma soluccedilatildeo

Alencar eacute deputado combativo aguerrido mas natildeo logra muitas vitoacuterias Na

imprensa chega a ser acusado de incoerecircncia no confronto do conteuacutedo das cartas

de Erasmo e a sua atual situaccedilatildeo de rompimento com o imperador seus ataques

constantes ao trono e a administraccedilatildeo Da vida poliacutetica ateacute a literatura tudo eacute motivo

para denegrir a imagem do ex-ministro Eacute assim com Zacarias depois com Cotegipe

depois com Rio Branco depois com Silveira Martins As ideias de Alencar sempre

sustentadas por seu conhecimento do Direito (como vimos as proposiccedilotildees mais

carregadas de complexidade como as cartas geralmente vinham acompanhadas de

estudos publicados pelo Alencar) afligiam vaacuterios grupos Natildeo o grande coro dos

homens da assembleia que em muitos ldquovivasrdquo e ldquobravosrdquo sequer ouviam a pauta das

reuniotildees O partido que detinha a maioria dos deputados conseguia aprovar o que

propunha na maior das vezes tendo em suas relaccedilotildees de ldquoapadrinhamentordquo

construiacutedo vaacuterios laccedilos de dependecircncias entre deputados e senadores

(CARVALHO 2007) Mas eram geralmente as lideranccedilas que viam em Alencar um

problema (NETO 2006) Algueacutem que poderia ter forccedilas (e competecircncia) para propor

mudanccedilas dentro da estrutura Gramsci coloca essa questatildeo quando fala da

educaccedilatildeo dos ldquojovensrdquo Todas as geraccedilotildees educam seus jovens Pode haver ndash e

sempre haacute ndash atritos questotildees divergecircncias de opiniatildeo mas tudo isto faz parte do

processo educativo Mas alguns ldquojovensrdquo da classe dirigente podem se revelar e

buscar alternativas na classe progressista com o intuito de tomar o poder Eacute o

momento em que os ldquovelhosrdquo de outras camadas passam a direccedilatildeo para tais jovens

(GRAMSCI 1989) Eacute certo que para que a ideologia se constitua eficazmente o

discurso assumido por um grupo deve se manter o mesmo ignorando as mudanccedilas

histoacutericas que possam vir a acontecer (e efetivamente acontecem) garantindo a

continuidade das representaccedilotildees sociais e poliacuteticas preacute-determinadas pela classe

dominante (CHAUI 1997) O temor da ideologia eacute o discurso fundador de novas

ideias e natildeo os grupos que as deteacutem porque estes estatildeo associados agraves classes

dominantes no caso aqui a burguesia e pequena burguesia citadina da Corte com

seus intelectuais atuantes constituindo uma camada perifeacuterica a elite representada

natildeo apenas pelo partido conservador mas em vaacuterios casos tambeacutem pelos liberais

Numa citaccedilatildeo de Faoro agrave Bernardo de Vasconcellos o sistema representativo que

entatildeo os partidos ndash conservadores e liberais ndash desejavam construir com sua gama

de funcionaacuterios bachareacuteis e juiacutezes ldquonatildeo significava a vontade popular mas o

governo dos melhores dos mais esclarecidos dos mais virtuosos Entre o paiacutes real

e o paiacutes legal soacute o segundo estaria apto a destilar a elite o poder capaz de

modernizar civilizar e elevar o povordquo (FAORO 2004 p 371) o que garantiria uma

modernizaccedilatildeo dos quadros mas natildeo o fim das oligarquias O que vinha acontecendo

eacute a solidificaccedilatildeo de um processo de deslocamento do poder dos chefes locais do

interior para a burocracia estatal sediada na capital para a Corte e auxiliada pelo

recente processo de construccedilatildeo de uma elite intelectual local A concepccedilatildeo de um

paiacutes dividido em povo e plebe que distinguia os chamados ldquohomens bonsrdquo cidadatildeos

ativos detentores de plenos direitos poliacuteticos proprietaacuterios profissionais liberais

produtores enfim algueacutem que fosse possuidor de certa renda da massa pobre sem

alfabetizaccedilatildeo e dependente (BASILE 2006) As ideias migram se modificam um

pouco e se acomodam em lados diversos e as lideranccedilas partidaacuterias assinaladas (e

outras tantas) que conhecem tal fenocircmeno e nele se sustentam fariam de tudo para

evitar que aquele poliacutetico ldquofanadinhordquo e mal-educado se transformasse tambeacutem em

uma nova lideranccedila

Alencar nos anos que seguem ao trabalho no ministeacuterio sente a sauacutede lhe escapar

Eacute uma eacutepoca em que a doenccedila novamente o alcanccedila e o refuacutegio de sua casa na

Tijuca mais as caminhadas ateacute a vista chinesa junto com Machado de Assis se

tornam a melhor opccedilatildeo para recuperar-se A eacutepoca ele retoma um projeto deixado

de lado a pouco a Guerra dos Mascates Romance histoacuterico mas eacute denominado

pelo autor de ldquocomeacutedia histoacutericardquo em que satirizava seus companheiros de gabinete

ndash Alencar comenta em uma nota que natildeo faria tal coisa ndash os colegas deputados e

(natildeo poderia faltar em sua lista) D Pedro II Aproveitando-se de partes do episoacutedio

que eacute bastante documentado no periacuteodo cria uma caricatura da corte e suas ilustres

figuras um arremedo da poliacutetica contemporacircnea Algo como uma vinganccedila particular

a que ningueacutem poderia impetra-lhe culpa

Como uma forma de terapia embarca com a famiacutelia em junho de 1873 para uma

viagem ateacute o Cearaacute onde encontra amigos e um clima revigorante Fica ali por

alguns meses longe dos trabalhos na Corte mas sempre encontrando e

conversando com lideranccedilas poliacuteticas locais diversas sem que ldquoa cor partidaacuteriardquo

criasse algum empecilho Era para todos ali o conselheiro Alencar um filho da

terra Conhece durante esse tempo o jovem Capistrano de Abreu com quem

comeccedila uma grande amizade e aonde jaacute profetiza seu sucesso nas letras no Rio de

Janeiro Volta para casa em novembro e para o trabalho A doenccedila o acompanha

sempre

Alencar retorna a Cacircmara em julho para os debates da reforma eleitoral Apesar do

cansaccedilo e da constante fraqueza muscular eacute ainda um orador fervoroso Combate

veementemente a eleiccedilatildeo direta e sustenta que as reformas poliacuteticas e sociais

cabem a uma iniciativa do ministeacuterio sempre visando um centralismo administrativo

Alencar nunca deixa de guiar-se pelas metas do partido conservador e sabe do

crescimento dos liberais no interior onde a massa votante estaacute nas matildeos dos

proprietaacuterios de terra em sua maioria adeptos do liberalismo e da descentralizaccedilatildeo

do poder Alencar eacute um poliacutetico moderado algueacutem que confia em uma monarquia

constitucional que possa garantir a ordem dentro da heterogeneidade de um paiacutes de

enormes dimensotildees que eacute o Brasil desacreditando assim de qualquer forma

republicana que tendesse a uma descentralizaccedilatildeo de poder e fortalecesse os chefes

locais dispersos pelo territoacuterio do paiacutes

14 UacuteLTIMOS ANOS

No ano de 1875 Alencar sofre as primeiras hemoptises Planeja uma viagem para a

Europa na busca de uma cura para sua sauacutede jaacute bastante debilitada Eacute neste

mesmo ano que retorna agrave Corte vindo de Paris Joaquim Nabuco Jovem bem

educado filho do Senador Nabuco Sua primeira accedilatildeo poliacutetica eacute iniciar-se na

imprensa E assim como Alencar o fez em seu iniacutecio de carreira insurgir contra uma

personalidade consolidada no cenaacuterio literaacuterio e poliacutetico com paus e pedras na matildeo

ndash no caso o nosso biografado - em busca de algum reconhecimento Traz da

Europa um livro de poemas publicado em francecircs que consegue certa

consideraccedilatildeo Assume a redaccedilatildeo dos folhetins do jornal ldquoO Globordquo tecendo criacuteticas

mais centradas nos literatos que agrave literatura ldquodos brasileirosrdquo Joaquim Nabuco

tomava para si o lugar do novo da modernidade da esperanccedila e das ideias novas

O lugar que pertencera ao Alencar por algumas deacutecadas e que havia segundo

Nabuco ficado no passado

A polecircmica que se deu veio da necessidade de Nabuco se afirmar no cenaacuterio da

Corte a partir de um modelo intelectual e artiacutestico que se confrontaria com o

romantismo um realismo baseado nas ideias positivistas e evolucionistas Modelo

natildeo assumido somente por ele mas por toda uma geraccedilatildeo que estava se

estabelecendo Pesavento nos mostra o cenaacuterio

Imbuiacuteda das teorias europeias de Darwin Spencer Comte Taine Renan esta geraccedilatildeo buscava o universal de forma expliacutecita assumindo um cosmopolitismo declarado o Brasil deveria acertar o passo com a histoacuteria ingressando na modernidade de seu tempo A Europa fornecia o padratildeo de refinamento civilizatoacuterio e de patamar cultural Dela vinham as ideias a moda as novas teacutecnicas e o Brasil precisava acompanhar o trem da histoacuteria nem que fosse no uacuteltimo vagatildeo (PESAVENTO 1998 p 27)

Assumir um modelo europeu natildeo era uma novidade Mas como tal modelo se

renova as ideias satildeo ldquoassumidasrdquo pelas novas geraccedilotildees como a pouco nos

referimos sustentando uma continuidade do sistema sem que uma mudanccedila radical

seja conseguida (ou pretendida)

O tema central do debate era a ideia de Nabuco de que a literatura de Alencar

estava superada Comeccedila com o fracasso de puacuteblico da peccedila ldquoo jesuiacutetardquo

apresentada ainda naquele ano Alencar rebate e segue na peleja como era de seu

gosto Natildeo eacute nossa intenccedilatildeo aprofundar aqui uma discussatildeo sobre a literatura do

periacuteodo para noacutes importa a questatildeo qual modelo de sociedade era sustentado por

Alencar e qual era defendido por Nabuco e dos grupos que se instalavam ditos a

geraccedilatildeo de 1870 Foi um momento em que viacutenculos foram criados entre intelectuais

brasileiros e europeus Podemos apresentar uma caracterizaccedilatildeo do periacuteodo na

anaacutelise de Antocircnio Cacircndido mostrando que

()o movimento das novas ideias filosoacuteficas e literaacuterias que comeccedilou mais ou menos em 1870 e se estendeu ateacute o comeccedilo do seacuteculo XX tendo como

nuacutecleo inicial a cidade do Recife capital de Pernambuco e sua Faculdade de Direito Laacute e em outros centros como o Cearaacute e sobretudo o Rio de Janeiro desenvolveu-se um agudo espiacuterito criacutetico voltado para analisar de maneira moderna a sociedade a poliacutetica a cultura do Brasil com inspiraccedilatildeo primeiro no Positivismo de Augusto Comte em seguida nas diversas modalidades de Evolucionismo das quais teve aqui maior voga a filosofia de Herbert Spencer Acrescente-se a divulgaccedilatildeo das novas ciecircncias como Biologia Linguiacutestica Etnografia Antropologia Fiacutesica (CAcircNDIDO 1999 p 51)

Natildeo soacute Nabuco mas tambeacutem escritores como Franklin Taacutevora e Feliciano de

Castilho protagonizaram ataques ao Alencar e suas ideias em favor da escravidatildeo

estavam totalmente distantes do modelo sociais e cientiacuteficos apresentados Alencar

era a pedra da vez e seu estado de sauacutede debilitado provavelmente contribui pra

piorar o humor do genioso deputado A literatura precisava deixar o reino do

simboacutelico e chegar-se para a realidade representada pelo cientificismo Alencar

refuta as acusaccedilotildees porque acredita no que escreve natildeo eacute um cientista e nem

pretende ser O que tem em mente natildeo eacute tatildeo somente a anaacutelise do real mas uma

possibilidade de ldquomelhorarrdquo o real moralizando-o Influenciar a sociedade em busca

sempre de um caminho de purificaccedilatildeo do social

O debate aberto interessa aos dois Alencar um pouco desgastado pelos recentes

arranhotildees da poliacutetica e Nabuco buscando ainda o reconhecimento do puacuteblico

Precisam do jornal Precisam de um veiacuteculo que os fortaleccedila frente agrave opiniatildeo

puacuteblica construindo ali sua arena de luta Eacute no jornal que as ideias alcanccedilam um

puacuteblico variado e seleto visto que a alfabetizaccedilatildeo do povo natildeo era um fato mas

tambeacutem natildeo podemos cair no mito do analfabetismo ldquototalrdquo da populaccedilatildeo em que

ainda natildeo seja possiacutevel atingir um grupo tamanho que haacute de se considerar enquanto

uma opiniatildeo puacuteblica como prova disso temos a venda de livros ndash romances de

folhetim em sua maioria para o periacuteodo ndash e a presenccedila de salas de leitura e

bibliotecas onde jaacute se cativava um puacuteblico fiel entre mulheres e estudantes24 e o

proacuteprio Alencar admite ter na infacircncia lido para grupos Era comum em

estabelecimentos comerciais e mesmo em casa de famiacutelia uma leitura coletiva de

24 Eacute interessante uma consulta a o trabalho de Sandra G Vasconcelos sobre a formaccedilatildeo do

romance no Brasil e o levantamento sobre os romances ingleses em circulaccedilatildeo no Brasil no XIX

jornais informando as notiacutecias aos que natildeo satildeo alfabetizados o que possibilitava

que as informaccedilotildees e opiniotildees chegassem a grupos maiores (SCHWARCZ 1999)

A guerra que deixa de ser particular e toma agrave imprensa Nabuco representa a

proposta de um novo liberalismo que vai ganhando corpo a partir do final da deacutecada

de 1860 que se contrapotildee ao nacionalismo conservador concebido na obra de

Alencar Depois de dois meses o debate termina sem necessariamente abalar

quaisquer dos lados Nabuco se retira para tentar a poliacutetica e Alencar deixa-se estar

ateacute maio seguinte quando embarca com a famiacutelia para a Europa Sofrendo de

depressatildeo a viagem o angustia Paris Londres Portugal Alencar estaacute velho

consumido pela doenccedila pulmonar Soacute melhora um pouco com a volta ao Rio de

janeiro Agrave Tijuca

Alencar ainda combate na Cacircmara Eacute eleito para um quarto mandato como

Deputado Com a sauacutede jaacute muito debilitada natildeo comparece a todas as seccedilotildees e

diminui as saiacutedas de sua casa para os costumeiros passeios Uma descriccedilatildeo

construiacuteda por Lira Neto nos daacute uma clara visatildeo de Alencar nesse momento em que

a tuberculose jaacute chegara agrave situaccedilatildeo terminal

() era impressionante como o homem definhara nos uacuteltimos meses Virara uma garatuja

Os olhos miuacutedos haviam perdido o brilho caracteriacutestico e agora praticamente sumiam em meio as negras olheiras Na outrora vasta cabeleira uma entrada pronunciada alongava-lhe a testa e ajudava a conferir-lhe o ar de velhice precoce A barba tomava conta do rosto magro e descera abundante sobre o peito a ponto de os fios desgrenhados esconderem-lhe o noacute da gravata Tinha apenas 48 anos de idade Parecia ter no miacutenimo vinte a mais (NETO 2006 p13)

Jaacute natildeo eacute mais o mesmo poliacutetico agressivo mas ainda encontra focirclego para se

arranhar com Caxias ndash entatildeo chefe do executivo ndash e mais uma vez com Cotegipe

arrancando aplausos e risos do plenaacuterio sempre com suas criacuteticas bem vivas a

famiacutelia real Haacute de se admitir que houvesse um pouco de rancor pela sua natildeo

indicaccedilatildeo para o senado que lhe acompanharia ateacute os uacuteltimos dias de vida

aguccedilando sua ldquoimplicacircnciardquo e por vezes chegando a contradiccedilotildees como quando

ataca seu proacuteprio partido enquanto o Imperador passeava pelo mundo com parte da

famiacutelia A regente Isabel tambeacutem natildeo lhe enchia os olhos Se natildeo era alvo

constante de suas criacuteticas eacute porque pouca importacircncia lhe dava o deputado

Em abril de 1877 chega agrave capital notiacutecia da seca que castiga a proviacutencias do Cearaacute

e vizinhas como natildeo acontecia a deacutecadas Vai agrave tribuna o Alencar para pedir

esclarecimentos aos Ministros sobre a situaccedilatildeo real da regiatildeo e cobrar providecircncias

Os jornais de Fortaleza acusam o conselheiro de descaso ao mesmo tempo em que

este se propotildee a recolher junto a uma comissatildeo donativos para as viacutetimas

Tambeacutem algumas folhas do Rio de Janeiro que divulgam litografias sobre os

retirantes chamam a responsabilidade Vale lembrar que Joseacute do Patrociacutenio um

dos jornalistas responsaacuteveis pela divulgaccedilatildeo do problema da seca no Cearaacute eacute um

abolicionista ferrenho Eacute notoacuterio que Alencar piora dia a dia sentindo-se desprezado

ateacute por seus colegas do partido Natildeo se propotildee mais ao debate puacuteblico e deixa por

menos as provocaccedilotildees dirigidas a ele Sua preocupaccedilatildeo eacute com a famiacutelia com o

desamparo que pode vir a acorrer em funccedilatildeo de sua morte Vai definhando

lentamente abandona de vez a caminhada pelo passeio puacuteblico e tambeacutem se

distancia dos amigos eacute quando a doenccedila finalmente o alcanccedila Aos 12 dias de

dezembro de 1877 falece Joseacute de Alencar Agraves 10 horas da manhatilde do seguinte dia

seu corpo eacute levado em cortejo ateacute o cemiteacuterio de Satildeo Francisco Xavier aonde vem a

ser sepultado por um pequeno grupo de jornalistas e amigos proacuteximos O imperador

se dirigindo agrave Petroacutepolis na ocasiatildeo ndash como o fazia habitualmente - do falecimento

ao ser comunicado reage com uma expressatildeo ressentida ldquoHomem de valor

Poreacutem muito mal-educadordquo (MENEZES 1965)

O necroloacutegio eacute escrito por Capistrano de Abreu e estampado na primeira paacutegina da

ldquoGazeta de Notiacuteciasrdquo mas sem a assinatura do autor Eacute o primeiro trabalho

publicado por Capistrano de Abreu na imprensa carioca O novo jornalista viria a

fazer o sucesso que Alencar profetizara e ainda mais como escritor Poliacutetica eacute

assim Mesmo com sua morte o deputado elege um ldquofilhoterdquo25

25 Na giacuteria eleitoral do periacuteodo filhote era o candidato apadrinhado por algum liacuteder poliacutetico

2 CONJUNTURA POLIacuteTICA DO II REINADO

Os infelizes natildeo andam na rua do Ouvidor

De um Editorial da ldquoGazeta da tarderdquo

Depois de conhecermos por meio de sua biografia o Alencar eacute importante que

possamos nos deter nos campos de atuaccedilatildeo de Alencar enquanto poliacutetico e

enquanto um intelectual que pretende atingir a opiniatildeo puacuteblica com suas ideias

Lembramos aqui que nos baseando nos textos de Gramsci (1989) entendemos o

intelectual como a figura que faz a ligaccedilatildeo entre a da elite com o povo Na verdade

eacute o intelectual que iraacute construir uma relaccedilatildeo de confianccedila com os vaacuterios segmentos

sociais na sociedade para a divulgaccedilatildeo e manutenccedilatildeo da ideologia dos grupos que

formam essa elite no poder Para tanto cabe o exame de tais pontos as elites a

imprensa os intelectuais e a opiniatildeo puacuteblica em uma relaccedilatildeo dialeacutetica que

necessariamente apresenta um discurso em forma de tese e a partir de uma

antiacutetese observada recreia seu discurso na forma de siacutentese Os elementos acima

descritos existem de forma separada o que os agrega eacute tatildeo somente o trabalho de

Alencar Portanto funcionam como em uma pintura feita na forma de um poliacuteptico

onde os de os elementos que a compotildeem tem uma existecircncia individual isolada

mas quando unidas ou justapostas criam um novo conjunto de significaccedilotildees Eacute o

acircmbito da esfera puacuteblica Cabe lembrar que a esfera puacuteblica burguesa eacute uma

categoria tiacutepica de uma eacutepoca caracterizada como sociedade burguesa A esfera

puacuteblica deve ser entendida como categoria histoacuterica drsquoonde seu uso na sociedade

da corte no Rio de Janeiro no segundo reinado A burguesia eacute o fulcro deste puacuteblico

caracterizado fundamentalmente como o puacuteblico que tem condiccedilotildees de ler tem uma

educaccedilatildeo tem direitos e deveres na sociedade bem como consegue ser

reconhecido como um igual entre seus pares E eacute este reconhecimento que permite

com que haja alguma alteridade e suas vozes sejam reconhecidas Para Habermas

algueacutem soacute faz parte de uma esfera puacuteblica enquanto portador de uma ldquoopiniatildeo

puacuteblicardquo (HABERMAS 2003)

Para um entendimento mais consistente do periacuteodo de nosso recorte iniciaremos

aqui apresentando uma visatildeo geral sobre o segundo reinado e os acontecimentos

que formam o complexo cotidiano apresentado por Joseacute de Alencar em suas cartas

poliacuteticas

21 UMA VISAtildeO GERAL

O segundo reinado considerando o periacuteodo regencial se estende de 1831 ateacute 1889

D Pedro II eacute entronado com o golpe da maioridade promovido pelos liberais da qual

o senador Alencar ndash pai de Joseacute de Alencar - fez parte em julho de 1840 Uma

caracteriacutestica marcante que talvez ajude a compreender melhor esse periacuteodo eacute o

fato de o Imperador nunca ter aberto matildeo do poder moderador ndash um adendo incluiacutedo

por seu pai na constituiccedilatildeo liberal de 1824

A alternacircncia de partidos no poder foi uma constante Durante os cinquenta anos em

que governa D Pedro II se sucederam 36 gabinetes ministeriais Nas crises de

governabilidade entre interesses partidaacuterios e as determinaccedilotildees do imperador os

ministeacuterios eram alternados e o partido opositor tornava-se situaccedilatildeo Poreacutem eacute valido

ressaltar que as diferenccedilas entre liberais e conservadores natildeo representavam os

anseios da populaccedilatildeo mas os interesses de elites que disputavam o poder As

eleiccedilotildees para o legislativo eram manipuladas pelo grupo da situaccedilatildeo de acordo com

seus interesses particulares e em geral marcadas por fraudes (FAORO 2004)

O partido liberal fica poucos meses na administraccedilatildeo apoacutes o golpe e logo em 1841

temos a primeira vitoacuteria dos conservadores a restituiccedilatildeo do Conselho de Estado

Abolido pelo Ato Adicional de 1834 este retorna para ampliar mais ainda os poderes

do Executivo em detrimento da autonomia poliacutetica das proviacutencias Em retaliaccedilatildeo os

liberais organizam algumas revoltas contra o governo em Satildeo Paulo Rio de Janeiro

e em Minas Gerais

Em 1844 ordens imperiais afastam os Conservadores do poder e retornam os

Liberais a compor com Pedro II Em 1847 eacute criado o cargo de presidente do

Conselho de Ministros que teria a tarefa de nomear os demais ministros Eacute a

instituiccedilatildeo do parlamentarismo brasileiro Poreacutem o modelo parlamentar adotado no

Brasil era atiacutepico justamente pela accedilatildeo do imperador (o poder moderador) de

tambeacutem nomear ministros ndash ou desautoriza-los ndash a sua vontade D Pedro II escolhia

o presidente do conselho e este por sua vez escolhia os ministros Eacute o chamado

ldquoParlamentarismo agraves Avessasrdquo a consolidaccedilatildeo de uma nova fase de centralizaccedilatildeo

poliacutetica Mas natildeo deixa de ser um progresso na medida em que no periacuteodo anterior

o imperador simplesmente nomeava todos eles Com o ministeacuterio composto restava

a aprovaccedilatildeo dos parlamentares na Cacircmara dos Deputados Poreacutem detendo o

imperador a prerrogativa de dissolver os gabinetes ministeriais como condiccedilatildeo para

formaccedilatildeo de outro ministeacuterio dependendo da ocasiatildeo e da conjuntura poliacutetica e

como o fez D Pedro I ateacute de dissolver a cacircmara tudo era negociado com muita

cautela As reformas buscam agradar os diversos grupos existentes em um sistema

de troca de favores onde o imperador usava da distribuiccedilatildeo de cargos puacuteblicos e a

cooptaccedilatildeo de lideranccedilas da oposiccedilatildeo o que acaba por criar uma aparecircncia de

legalidade ao processo eleitoral e manter certa ordem evitando excessos como do

episoacutedio das ldquoeleiccedilotildees do caceterdquo logo no iniacutecio de sua administraccedilatildeo onde a

violecircncia toma forma de pressatildeo sobre o eleitorado (GRAHAM 1997) A proposta

era inserir o Paiacutes no conjunto das naccedilotildees civilizadas e adeptas da democracia

representativa mas natildeo eacute bem assim que acontecia O presidente da proviacutencia era

uma figura fundamental no processo eleitoral cabendo a ele garantir a vitoacuteria do

governo no pleito Alguns eram trocados estrategicamente pouco tempo antes das

eleiccedilotildees com o poder de afastar substituir e ateacute determinar a aposentadoria

antecipada de juiacutezes anular resultado das apuraccedilotildees e preencher atas eleitorais

com nomes de sua preferecircncia Era comum listarem-se eleitores falecidos ou natildeo

aparecerem eleitores do partido opositor Esse comportamento decorre das

perturbaccedilotildees experimentadas durante o Periacuteodo Regencial onde diversos conflitos

regionais se espalharam pelo paiacutes em oposiccedilatildeo agraves decisotildees tomadas pelo governo

central Enquanto isso a soluccedilatildeo era dissolver e reorganizar o gabinete dando uma

impressatildeo de que as coisas iriam ser ldquodiferentesrdquo Geralmente o conselho de

ministros natildeo chegava a ficar mais de dois anos no poder Ao longo de todo o

governo de D Pedro II os conservadores estiveram agrave frente do gabinete por vinte e

noves anos e os liberais por dezenove anos (CARVALHO 2007) garantindo uma

aparecircncia democraacutetica para um governo conservador Em 1853 Carneiro Leatildeo

estabelece o Ministeacuterio da Conciliaccedilatildeo com a finalidade de ampliar a interaccedilatildeo dos

dois partidos no governo brasileiro O ldquoconluiordquo durou ateacute 1858

Mas o paiacutes eacute pacificado Cessaram as rebeliotildees provinciais que tiveram iniacutecio na

regecircncia e ameaccedilavam a consolidaccedilatildeo do Estado brasileiro Duas dessas rebeliotildees

eclodiram ainda no periacuteodo regencial e tiveram seu termo com D Pedro II a

balaiada em 1841 e a farroupilha em 1845 A uacutenica grande revoluccedilatildeo posterior foi a

praieira em 1848 na proviacutencia de Pernambuco mas durou ateacute 1849 A paz

conseguida favoreceu a consolidaccedilatildeo dos interesses da classe dominante

representada pelos grandes proprietaacuterios rurais dos quais dependia o impeacuterio Tais

grupos defendiam a manutenccedilatildeo da escravidatildeo e a ausecircncia da participaccedilatildeo popular

nas decisotildees poliacuteticas Suas divergecircncias estavam centradas mais nos interesses

econocircmicos e poliacuteticos locais

Durante o Segundo Reinado o Brasil se envolveu em trecircs conflitos armados com

paiacuteses fronteiriccedilos da regiatildeo Platina Em 1851 teve iniacutecio a Guerra contra Oribe e

Rosas Esse conflito envolveu a Argentina e o Uruguai (paiacutes que pertenceu ao Brasil

ateacute 1828) Em 1851 Oribe liacuteder do Partido Blanco tomou o poder no Uruguai e

com o apoio de Rosas ditador argentino bloqueou o porto de Montevideacuteu

prejudicando o comeacutercio brasileiro na bacia Platina As tropas brasileiras

comandadas por Caxias aliaram-se ao exeacutercito liderado por poliacuteticos rivais a Oribe e

Rosas O Brasil sai por fim como vitorioso da Guerra o ano eacute o de 1852

Em 1864 desponta a Guerra contra Aguirre liacuteder do Partido Blanco e governante do

Uruguai Tem iniacutecio depois que os uruguaios promoveram vaacuterias invasotildees ao Rio

Grande do Sul roubando o gado dos fazendeiros gauacutechos O ministeacuterio organiza o

exeacutercito sob o comando de Tamandareacute e do marechal Mena Barreto Com o apoio

de tropas opositoras do governo de Aguirre o Brasil consegue a vitoacuteria e transfere o

governo para o liacuteder do Partido Colorado Venacircncio Flores O conflito armado mais

longo e violento do periacuteodo foi a Guerra do Paraguai indo de 1864 ateacute 1870 O

Paraguai era o paiacutes mais proacutespero da regiatildeo Contava ainda com uma moeda forte e

uma economia industrial como bases para um bem-sucedido desenvolvimento

nacional

Quando o ditador Solano Loacutepez chegou ao poder colocou em praacutetica uma poliacutetica

expansionista que pretendia ampliar o territoacuterio do Paraguai tomando terras do

Brasil Argentina e Uruguai Solano Loacutepez tinha como objetivo formar o Grande

Paraguai A guerra teve iniacutecio quando tropas paraguaias invadiram o territoacuterio

brasileiro e argentino Formou-se entatildeo a Triacuteplice Alianccedila que unia militarmente o

Brasil Argentina e Uruguai para lutar contra o Paraguai Para Fausto (2001) os

interesses ingleses tambeacutem estavam em pauta com a necessidade de garantirem-

se mais mercados e evitar o desenvolvimento de concorrentes a Inglaterra foi

grande incentivadora do conflito As lutas foram intensas terminando somente em

1870 com a invasatildeo de Assunccedilatildeo e a perseguiccedilatildeo e morte de Solano Loacutepez Para o

Paraguai as consequecircncias da guerra foram desastrosas devido agrave destruiccedilatildeo de sua

economia industrial e a morte de cerca de 80 da populaccedilatildeo (FAUSTO 2001)

Mesmo vitorioso o Brasil saiu com diversos problemas econocircmicos pois teve que

pedir grandes somas de dinheiro emprestadas para a Inglaterra o que aumentou

sua diacutevida externa Tambeacutem a poliacutetica de manutenccedilatildeo da escravidatildeo se viu em um

paradoxo como escravos podem ir para as fileiras lutar pela liberdade de uma

naccedilatildeo se eles individualmente natildeo possuem direito a liberdade Muitos escravos

foram alforriados para lutarem na guerra e tantos outros lutaram na esperanccedila de

receber uma posterior alforria ndash considerando que pela legislaccedilatildeo alguns cidadatildeos

alistados natildeo querendo fugir de suas obrigaccedilotildees para com o paiacutes - poderiam

mandar seus escravos para tomar ldquoseurdquo lugar na guerra (MATTOS 2000)

As dificuldades financeiras do Impeacuterio e a necessidade de apresentar uma soluccedilatildeo

para o problema da escravidatildeo apressaram a queda de D Pedro II visto que seu

uacuteltimo pilar de sustentaccedilatildeo estava no apoio dos fazendeiros que praticavam a

agricultura de exportaccedilatildeo baseada na matildeo-de-obra escrava

Um dos momentos de crise mais aguda na poliacutetica eacute sentido com a deposiccedilatildeo do

gabinete Zacarias de Goacuteis pelo Imperador - atribuiccedilatildeo garantida ao poder

moderador mas natildeo muito bem resolvida na ocasiatildeo D Pedro II vai ao conselho e

os votos depois de uma fala decisiva de Nabuco de Arauacutejo satildeo favoraacuteveis agrave

deposiccedilatildeo do gabinete26 A conciliaccedilatildeo agrupando os partidos em torno do trono

fortalecia o centro do poder em detrimento do poder local nas proviacutencias e logo

apoacutes a regecircncia ela vai desaparecendo em funccedilatildeo do personalismo descolado de

algum programa partidaacuterio Pode-se perceber que ldquoo desenvolvimento econocircmico e

as mudanccedilas sociais que ocorreram no paiacutes a partir dos anos 1850 trouxeram para a

arena poliacutetica novos grupos de interesse tornando impossiacutevel manter a alianccedila entre

os dois partidosrdquo (COSTA 1999 p162) A elite agraacuteria que dirigia os rumos do paiacutes

daacute lugar paulatinamente a uma elite de letrados urbanos uma nova geraccedilatildeo que se

forma lentamente no Brasil associada a uma classe meacutedia dissolvida nas camadas

de um estamento burocraacutetico que vem segundo Faoro (2004) transplantado quase

que integralmente para o Brasil e que lhe daacute o necessaacuterio suporte a existecircncia A

queda do ministeacuterio liberal em 1868 e sua substituiccedilatildeo por um gabinete conservador

gera uma crise que culmina em um manifesto em favor de vaacuterias mudanccedilas no

sistema poliacutetico como a exigecircncia da descentralizaccedilatildeo de eleiccedilotildees diretas contra a

vitaliciedade do senado a favor do sufraacutegio universal da liberdade religiosa e de

muitas outras mudanccedilas pretendidas Eacute a fase aacuteurea do impeacuterio que vecirc seu decliacutenio

iniciar-se depois da guerra do Paraguai

Observando a economia um dos fatores da estabilidade econocircmica e poliacutetica

do paiacutes no periacuteodo imperial foi o desenvolvimento do cafeacute dando um novo

impulso para a economia agroexportadora Durante o primeiro reinado a elite

agraacuteria estava ainda concentrada no nordeste accedilucareiro mas aos poucos a

produccedilatildeo em larga escala do cafeacute - que comeccedilou no Rio de Janeiro em 1930 em

Angra dos Reis e Mangaratiba ndash vem mudando as posiccedilotildees no jogo As plantaccedilotildees

avanccedilam para o vale do rio Paraiacuteba possibilitando pelo volume da produccedilatildeo que

aumentaria gradualmente nos anos seguintes partir para a exportaccedilatildeo Em meados

de 1850 a lavoura cafeeira se expande para o Oeste paulista favorecida pelas

condiccedilotildees do solo (FAUSTO 2001) mas o cultivo exigia a manutenccedilatildeo da matildeo de

obra escrava que ainda era considerada como muito lucrativa Sabe-se poreacutem que 26 A questatildeo colocada se refere (resumidamente) a um desentendimento de Caxias no comando

das tropas no Paraguai e Zacarias de Goacuteis entatildeo na chefia do gabinete Faoro (2004) argumenta

que apesar de D Pedro II ter consultado o conselho sobre o fato e ter seguido a diretriz

recomendada eacute acusado de usar arbitrariamente o Poder Moderador para a retirada dos liberais

com a proibiccedilatildeo do traacutefico negreiro - jaacute exigido pela Inglaterra ao governo brasileiro

ainda no primeiro reinado como uma das condiccedilotildees para aceitaccedilatildeo da

independecircncia - chegar-se-ia inevitavelmente ao fim o trabalho escravo no Brasil

mas a elite dominante adiou o quando pocircde a aboliccedilatildeo da escravidatildeo no paiacutes Para

tanto o impeacuterio relutava em cumprir os acordos leis e tratados firmados Como

forma de solucionar o problema da crescente escassez de matildeo de obra os

fazendeiros recorreram inicialmente ao traacutefico interno de escravos Quando do

agravamento do problema os fazendeiros paulistas comeccedilam uma poliacutetica de

incentivo agrave imigraccedilatildeo de colonos europeus (havia outras opccedilotildees como chineses

aos quais Joaquim Nabuco tinha verdadeira ojeriza) que passariam a trabalhar sob

o regime assalariado A troca foi gradual e lenta Diversas leis foram aprovadas ndash

sob pressatildeo ndash no decurso do tempo como a Lei de 7 de novembro de 1831 ndash Lei

Feijoacute a lei Euseacutebio de Queiroz a Lei do Ventre livre e adiante ateacute a aboliccedilatildeo total

em 1888 Mas o primeiro golpe seacuterio eacute sentido em 1851 como resultado da pressatildeo

inglesa Esta se sente de forma efetiva desde os acordos firmados com D Pedro I

para o reconhecimento da Naccedilatildeo ateacute o iniacutecio da vigilacircncia dos mares pela marinha

inglesa atraacutes de traficantes de escravos em navios de bandeira brasileira

No Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo o escravo era utilizado nas plantaccedilotildees de cafeacute e

cana-de-accediluacutecar aqueles que possuiacuteam ou aprendiam uma profissatildeo bem como

tinham capacidade para desenvolver atividades comerciais eram utilizados nos

chamados ldquotrabalhos de ganhordquo e nos diversos trabalhos domeacutesticos nas cidades

Mas seu trabalho na lavoura no periacuteodo de nosso recorte ainda eacute imprescindiacutevel

para a expansatildeo da cafeicultura O cafeacute viria a tornar-se o principal produto de

exportaccedilatildeo brasileiro estimulando a industrializaccedilatildeo e a urbanizaccedilatildeo Fatores como

a expansatildeo do creacutedito atraveacutes de uma reforma bancaacuteria e ndash com o fim do traacutefico ndash a

aplicaccedilatildeo dos capitais desse comeacutercio em operaccedilotildees financeiras as mais diversas a

qual forneceu recursos para a formaccedilatildeo de novas aacutereas de plantaccedilatildeo e a ampliaccedilatildeo

das redes ferroviaacuterias em Satildeo Paulo que reduziram o custo de transporte para os

proprietaacuterios no interior paulista foram decisivos Para os interesses dessa classe

de ricos proprietaacuterios rurais paulistas que se forma a monarquia centralizadora -

sediada no Rio de Janeiro e apoiada pelos senhores de engenhos nordestinos e

cafeicultores do vale do Paraiacuteba - jaacute natildeo era uacutetil Com isso surgiram novos grupos e

classes sociais portadoras de novas demandas e interesses e de muito dinheiro

Na vida social Renault (1976) sustenta que a invasatildeo do luxo se consolida por volta

da deacutecada de 1850 Cabeleireiros alfaiates modistas perfumistas e floristas

construiacuteam uma realidade de consumo ateacute entatildeo desconhecida aqui O

endividamento tambeacutem toma conta da cidade como forma de se integrar a vida

social o que vem a causar desequiliacutebrios no orccedilamento domeacutesticos Um anuacutencio

assinado por certo ldquoMr Gadetrdquo e publicado ainda na deacutecada de 1840 no Jornal do

Comeacutercio prevenia os negociantes da Rua do Ouvidor que ele natildeo se

responsabilizaria pela vendas de objetos a creacutedito- possivelmente para sua esposa e

familiares - sem seu consentimento (RENAULT 1976)

A cidade se renovava e as pessoas viviam o luxo vindo direto da Europa para as

suas casas na maacutequina a vapor nas primeiras ferroviais na evoluccedilatildeo social com os

bondes e a integraccedilatildeo maior das periferias na iluminaccedilatildeo a gaacutes aleacutem da moda em

si que traz novos haacutebitos As viagens pela Europa para as famiacutelias mais abastadas

se torna algo possiacutevel e ateacute comum Mas o contraste eacute visiacutevel Em crocircnicas dos

jornais apresenta-se o melhor de Paris mas escrito em um ldquopeacutessimo francecircsrdquo pelos

jornalistas As salas de leitura e as livrarias recheadas de obras claacutessicas - algumas

de elevado niacutevel cultural e tiacutetulos em liacutengua estrangeira - esbarram no alto iacutendice de

analfabetismo satildeo 10 livrarias soacute no Rio de janeiro na deacutecada de 1850 (mas que

tambeacutem indica a quantidade de europeus ndash ingleses espanhoacuteis franceses e outros

ndash agora residindo no Brasil) e ao mesmo tempo as casas de famiacutelia ainda natildeo tem

um sistema de aacutegua encanada

Segmentos das elites nas deacutecadas de 60 e 70 passariam a contestar o regime

monaacuterquico atraveacutes dos movimentos republicano e abolicionista Mesmo alguns

fazendeiros que defenderam tenazmente a escravidatildeo progressivamente tornam-se

adeptos dos princiacutepios federalistas contidos nos ideais do movimento republicano

quando a situaccedilatildeo lhes era mais favoraacutevel economicamente Mesmo porque a

oposiccedilatildeo burguesia-aristocracia setores urbanos versus setores rurais caracteriacutestica

de outras sociedades natildeo se manifesta no Brasil com a mesma intensidade que em

paiacuteses europeus visto que o antagonismo que se registrou na Europa e gerou

alguns dos mais importantes movimentos revolucionaacuterios do periacuteodo entre burguesia

empresarial e aristocracia agraacuteria aqui era menos consistente Pela metade do

seacuteculo dezenove jaacute teriacuteamos fazendeiros com uma visatildeo mais progressista

apostando na matildeo de obra livre em melhorias no processo produtivo e ao mesmo

tempo uma parcela da burguesia que passa a comprar terras e participar

(associativamente ou mesmo por laccedilos familiares que viessem a ser criados) da

vida e do trabalho na propriedade rural Haacute uma tendecircncia maior entre as elites a

uma formaccedilatildeo de laccedilos de proteccedilatildeo muacutetuos (COSTA 1999)

Lembramos tambeacutem que o manifesto do Partido Liberal de 1868 previa a aboliccedilatildeo

apesar de natildeo haver um movimento organizado para isto Jaacute o Partido Conservador

silenciou sobre o assunto mas foi sob a administraccedilatildeo de gabinetes conservadores

que as leis abolicionistas vieram a acontecer (SKIDMORE 1989)

Golpe a golpe a monarquia vai perdendo sua legitimidade Aleacutem disso a partir da

deacutecada de 1870 o regime monaacuterquico entra em conflito com duas instituiccedilotildees

importantes que formavam outras duas bases de sustentaccedilatildeo do regime o Exeacutercito

e a Igreja Catoacutelica Entre os militares o positivismo pregava a liberdade e uma

postura moral que natildeo condizia com as antigas ideias escravocratas

O movimento proacute-repuacuteblica no Brasil que cresceu ao longo do periacuteodo tomava

proporccedilotildees irreversiacuteveis mas para que a alteraccedilatildeo na forma de governo se desse de

forma democraacutetica seria necessaacuterio uma Assembleia Geral majoritariamente

republicana o que natildeo deveria ocorrer posto que a populaccedilatildeo ainda apoiasse o

imperador e com a lei aacuteurea tinha-se medo do descontentamento dos escravos

com o possiacutevel fim da monarquia podendo acarretar uma revolta popular

(SCHWARCH 1999) Cientes desse problema os republicanos viram-se obrigados

a apelar para o ataque direto em associaccedilatildeo com militares de alta patente Em 15 de

novembro de 1889 D Pedro II foi deposto do trono e embarca para a Europa com a

famiacutelia no dia 17 de novembro sem alardes e sem despedidas puacuteblicas que

pudessem suscitar manifestaccedilotildees Eacute a partir desta alianccedila entre os proprietaacuterios

rurais do oeste paulista e os quadros da elite militar do Exeacutercito que chega no fim do

seacuteculo XIX a Repuacuteblica ao Brasil

22 O ESTADO DA ARTE DA IMPRENSA NO OITOCENTOS

Mas o oitocentos em meio a toda essa agitaccedilatildeo tambeacutem eacute um periacuteodo de

consolidaccedilatildeo da ldquopropostardquo de um paiacutes chamado Brasil um paiacutes novo natildeo mais

uma colocircnia detentor de um ideal proacuteprio que o substantiva em meio agraves outras

naccedilotildees como um ldquoigualrdquo entre elas D Pedro II em seus melhores anos vecirc e

estimula a extrema agitaccedilatildeo onde se busca em algumas ideias ou programas

poliacuteticos e culturais importados de outras naccedilotildees e (soacute algumas vezes) devidamente

adaptados para a ldquocor nacionalrdquo uma identidade para o Brasil Estamos mesmo

para usar uma expressatildeo de Antony Giddens (1991) na periferia

Apesar disso a identidade que se busca deve estar concernente com os elementos

os quais ela pretende representar que satildeo as elites que deteacutem o poder a partir de

1822 composta por comerciantes traficantes fazendeiros e elementos a estes

ligados interessados na grande propriedade agroexportadora e no traacutefico de

escravos e dos grupos de pressatildeo que com o tempo iram se aproximando e

afastando deste nuacutecleo inicial (COSTA 1999) buscando uma acomodaccedilatildeo

adequada durante todo o impeacuterio Schwarcz (1999) nos lembra de que na confecccedilatildeo

da primeira bandeira do Brasil imperial D Pedro I jaacute apostava nos ramos de cafeacute

ladeando o brasatildeo central como um siacutembolo nacional mesmo antes do cafeacute se

configurar como a riqueza que veio a ser

Os primeiros prelos chegam ao Brasil com D Joatildeo VI e natildeo havia uma imprensa no

Brasil no periacuteodo anterior Sodreacute (1999) registra uma pequena tipografia instalada no

Recife em 1706 sob autorizaccedilatildeo do governador da Proviacutencia Francisco de Castro

Morais mas jaacute em 08 de Junho do mesmo ano uma carta reacutegia potildee fim a empresa

Em 1746 novamente com autorizaccedilatildeo de um governador local ndash Gomes Freire ndash

transfere-se de Lisboa o impressor Antocircnio Isidoro da Fonseca para o Rio de Janeiro

e consegue por um breve tempo colocar em atividade pequena oficina tipograacutefica

que sob uma ordem reacutegia foi fechada e queimada Portugal natildeo queria uma

propagaccedilatildeo de ideias ldquoimproacutepriasrdquo dentro da colocircnia e tudo faria para evitar que isto

acontecesse Em Portugal as Ordenaccedilotildees Filipinas determinavam a proibiccedilatildeo da

impressatildeo de qualquer obra que natildeo passe pela censura dos desembargadores do

Paccedilo e dos oficiais do santo Ofiacutecio da Inquisiccedilatildeo (SODREacute 1999) A partir do

segundo quartel do seacuteculo XVII a igreja intensifica a fiscalizaccedilatildeo do conteuacutedo de

obras impressas ateacute que Pombal toma a frente e substitui a pratica pela instituiccedilatildeo

da ldquoReal Mesa Censoacuteriardquo que vigora de 1768 ateacute 1787 Os livros de conteuacutedo

classificado como proibido constituem bibliotecas particulares de alguns letrados e

geralmente satildeo impressas em outro paiacutes entrando em Portugal da mesma forma

que na colocircnia por meio de navios ingleses e franceses em forma de contrabando

Papeacuteis jornais e livros eram vendidos no cais por marinheiros a poliacutecia fiscalizava

livrarias e livreiros mas talvez toda essa pressatildeo acabasse por incentivar a criaccedilatildeo

de sociedades literaacuterias (e tambeacutem nas lojas maccedilocircnicas onde a natildeo se praticava um

pacircnico por autores franceses) onde era possiacutevel procurar e encontrar tiacutetulos

censurados Com a abertura dos portos em 1808 o comeacutercio ilegal se intensifica e a

situaccedilatildeo soacute melhora com a instalaccedilatildeo efetiva da Imprensa Reacutegia O Correio

Braziliense o primeiro jornal a discutir o cotidiano poliacutetico do Brasil e que tem seu

primeiro nuacutemero em junho de 1808 eacute produzido em Londres onde os olhos da

censura e da inquisiccedilatildeo natildeo alcanccedilam o redator tatildeo facilmente

As razotildees do atraso no desenvolvimento de uma imprensa no Brasil ultrapassam os

limites poliacuteticos descritos para esbarrar tambeacutem no problema tecnoloacutegico e de uma

cultura de censura preacutevia para os jornais Mesmo em Portugal nos conta Romancini

(2007) o jornalismo foi precedido pela publicaccedilatildeo sem periodicidade de folhas

impressas chamadas relaccedilotildees ou notiacutecias avulsas no final do seacuteculo XVI Apesar

das primeiras Gazetas de periodicidade mensal circularem desde a metade do

seacuteculo XVII dando iniacutecio assim a uma periodicidade para a publicaccedilatildeo de notiacutecias

impressas ateacute meados do seacuteculo seguinte ainda se conviveria com gazetas

manuscritas O primeiro jornal diaacuterio em Portugal seraacute o Diaacuterio Lisbonense de 1809

portanto posterior a vinda da famiacutelia real para o Brasil e a todo um conjunto de

mudanccedilas que isto viria a acarretar

Eacute sob a responsabilidade Antocircnio de Arauacutejo futuro Conde da Barca que chega ao

Brasil o material para uma oficina tipograacutefica ndash comprado na Inglaterra para a

Secretaria de Estrangeiros e da Guerra e que natildeo havia sido ainda instalado em

Portugal devido ao periacuteodo conturbado da transferecircncia da Corte para o Brasil D

Joatildeo ao saber do acontecido manda abrir a empresa para atender as necessidades

da coroa e possivelmente conseguir algum rendimento (a impressatildeo de cartas de

baralho para o divertimento das famiacutelias viria a trazer um bom lucro para a coroa)

Em ato real o priacutencipe determinava que uma junta apropriada examinasse os

materiais que solicitassem a impressatildeo e publicitaccedilatildeo para que nada se produzisse

de ofensivo contra a religiatildeo o governo ao aos bons costumes (SODREacute 1999) Em

10 de setembro de 1808 sai o primeiro nuacutemero da ldquoGazeta do Rio de Janeirordquo Um

jornal oficial que apesar de natildeo ter um conteuacutedo inovador marca o momento inicial

dos jornais impressos aqui

O ano de 1821 eacute relevante para a histoacuteria da imprensa brasileira Em 28 de agosto

DPedro entatildeo declarado priacutencipe-regente com o retorno de DJoatildeo VI a Portugal

decreta o fim da censura preacutevia a toda mateacuteria escrita tornando livre no Brasil a

palavra impressa Eacute um ato decorrente das deliberaccedilotildees das Cortes Constitucionais

de Lisboa em defesa das liberdades puacuteblicas e marca uma etapa de liberdade de

expressatildeo do pensamento

Com o passar dos anos tem-se a necessidade de formular uma logiacutestica para a

imprensa devido agraves vendas e ao crescimento das cidades Em 1844 o serviccedilo de

correios passa a entregar correspondecircncias nos domiciacutelios o que possibilitava um

sistema de assinaturas de impressos A partir de 1858 no Rio de Janeiro tem-se a

mobilizaccedilatildeo de negros forros e mulatos para o trabalho de entregadores mediante

pagamento para a venda avulsa regular nas ruas da cidade (BAHIA 1990) A partir

de entatildeo o sistema de distribuiccedilatildeo soacute melhora e o jornal como veiacuteculo de

comunicaccedilatildeo toma conta do Rio de Janeiro e de Satildeo Paulo

A busca por uma identidade para o Brasil tem na imprensa um lugar privilegiado

onde as opiniotildees e doutrinas vaacuterias buscavam conquistar a opiniatildeo puacuteblica como

forma de legitimaccedilatildeo de cada projeto individual (BASILE 2006) Satildeo as primeiras

deacutecadas de um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo que viria a se tornar poderoso no seacuteculo

seguinte como um agente de informaccedilatildeo das massas Segundo Hall

As culturas nacionais satildeo compostas natildeo apenas de instituiccedilotildees culturais mas tambeacutem de siacutembolos e representaccedilotildees Uma cultura nacional eacute um discurso ndash um modo de construir sentidos que influencia e organiza tanto nossas accedilotildees quanto a concepccedilatildeo que temos de noacutes mesmos (HALL 1998 p 50)

A imprensa o jornal diaacuterio eacute o meio por excelecircncia da poliacutetica Lugar onde os

discursos acontecem os debates satildeo esperados as pelejas travadas e a construccedilatildeo

dos sentidos vecircm a acontecer Mais do que no salatildeo da Cacircmara de Deputados eacute

impresso no jornal que o discurso chega ateacute o leitor que formaraacute em seu conjunto

de propostas criacuteticas e reclames a opiniatildeo puacuteblica Eacute a imprensa que faz chegar

notiacutecias e informaccedilotildees a uma plateias bem mais ampla levantando questotildees do

cotidiano trazendo as informaccedilotildees que ateacute entatildeo estavam em domiacutenio privado para

a esfera puacuteblica Os folhetos e panfletos do periacuteodo tem um caraacuteter tambeacutem

didaacutetico divulgando ideias ndash natildeo soacute liberais eacute certo ndash por meio de uma linguagem

acessiacutevel Muitas vezes encadeando textos respondendo a outros jornais ou

publicitando debates Eacute esta literatura poliacutetica que consolida palavras ideias

expressotildees do liberalismo para a maior parte das pessoas (NEVES 2001)

Hobsbawn (2010) falando do periacuteodo compreendido entre 1848 e a deacutecada de 1860

na Europa comenta a importacircncia dos jornais na formaccedilatildeo de um nacionalismo que

se baseia na cultura partilhada pelo maior nuacutemero de cidadatildeos O autor afirma que a

ideia nacional eacute construiacuteda pelos veiacuteculos de comunicaccedilatildeo e os grupos a estes

vinculados

() o movimento nacional tendia a tornar-se poliacutetico apoacutes sua fase sentimental e folcloacuterica com a emergecircncia de grupos mais ou menos expressivos dedicados agrave ideia nacional publicando jornais e literatura nacionais organizando sociedades nacionais tentando estabelecer instituiccedilotildees educacionais e culturais e engajando-se em vaacuterias atividades francamente poliacuteticas Mas de forma geral neste ponto o movimento ainda era carente de um apoio decisivo por parte da massa da populaccedilatildeo Consistia basicamente de um extrato social intermediaacuterio entre as massas e a burguesia ou a aristocracia existentes (se tanto) especialmente os literatos professores camadas inferiores do clero alguns pequenos comerciantes e artesatildeos urbanos (HOBSBAWN 2010 p 105)

Segundo Romancini (2007) eacute a imprensa criacutetica observadora e natildeo comprometida

com os interesses do Estado que tem suas raiacutezes no Correio Brasiliense27 que iraacute

contribuir para a formaccedilatildeo de uma opiniatildeo puacuteblica no Brasil

27

Correio Brazilience ou Armazeacutem Literaacuterio Jornal mensal editado por Hipoacutelito Joseacute da Costa desde 1808 em Londres e importado para o Brasil para fugir da censura da cora portuguesa Apesar de Hipoacutelito daCosta manter relaccedilotildees com a Corte e com o priacutencipe D Joatildeo chegando mesmo a receber ajuda financeira deste para mantecirc-lo relativamente livre de sua redaccedilatildeo criacutetica o Correio foi um modelo para o jornalismo poliacutetico a ser desenvolvido no Brasil (ROMANCINI 2007)

O impeacuterio foi o periacuteodo da histoacuteria brasileira em que a imprensa teve maior liberdade

de expressatildeo (CARVALHO 2004) mas ela natildeo era um poder independente Em sua

maior parte os jornais e panfletos estavam vinculados a organizaccedilotildees que visavam

como os partidos poliacuteticos ao poder

Havia folhas independentes como o Jornal do Commercio e os jornais radicais Mas eram poucos e com raras exceccedilotildees natildeo duravam muito A grande maioria era vinculada a partidos ou a poliacuteticos O governo tinha sempre seus jornais o mesmo acontecendo com a posiccedilatildeo Os jornalistas lutavam na linha de frente das batalhas poliacuteticas e muitos deles eram tambeacutem poliacuteticos Muitos poliacuteticos por seu lado escreviam em jornais nos quais o anonimato lhes possibilitava dizer o que natildeo ousariam na tribuna da

Cacircmara ou do Senado (CARVALHO 2007 p78)

Liberais conservadores progressistas histoacutericos puritanos todos tem o seu ldquooacutergatildeordquo

de comunicaccedilatildeo Todos tem um jornal seu com o intuito de divulgar e defender seus

ideais propostas e tendecircncias

Rodrigues (2008) comenta que os jornais foram importantes para a divulgaccedilatildeo do

liberalismo moderado pelo Brasil e daacute ecircnfase ao ldquoAurora Fluminenserdquo e ao ldquoSete de

Abrilrdquo que tem a frente Bernardo Vasconcelos e Evaristo Ferreira da Veiga

respectivamente Seus editoriais eram reimpressos em outros jornais do interior do

Rio de Janeiro e de outras regiotildees do paiacutes o que serviu como uma rede de

divulgaccedilatildeo para as ideias liberais

Neves (2001) sustenta que bem como os jornais os panfletos e folhetos de caraacuteter

poliacutetico tiveram papel importante para a divulgaccedilatildeo natildeo somente de ideias mas de

um vocabulaacuterio especiacutefico efetivamente didaacutetico com uma linguagem acessiacutevel

para que uma parte maior da populaccedilatildeo pudesse entender o desenvolvimento do

liberalismo mesmo que este soacute tenha enfatizado um parte do arcabouccedilo de ideias

liberais Toda essa estrutura de ldquomiacutediardquo acabava por propiciar o surgimento de uma

opiniatildeo puacuteblica que assimilava ideias discutia propostas e tomava partido O ideaacuterio

que se pretendia construir era a criacutetica ao despotismo como siacutembolo de um passado

que jaacute estava enterrado e o liberalismo como o ideaacuterio poliacutetico para os novos

tempos (NEVES 2001)

A imprensa do seacuteculo XIX de maneira geral tem por caracteriacutestica ser constituiacuteda ndash

em sua maioria ndash por jornais de vida curta geralmente se ocupando de causas

tambeacutem momentacircneas e tem como proprietaacuterio um indiviacuteduo ou um grupo pequeno

de empresaacuterios (natildeo necessariamente jornalistas) e eacute por excelecircncia poliacutetico

(PINTO 2003) O jornal eacute a representaccedilatildeo de fato e dos fatos para a sociedade um

ente poliacutetico dos mais importantes no momento E junto a ele dentro das

possibilidades existentes no seacuteculo XIX folhetos cartazes livros e muitos outros

suportes foram usados com o intuito de difundir discursos de teor ideoloacutegico Isso jaacute

eacute uma percepccedilatildeo de que a participaccedilatildeo de camadas cada vez maiores da populaccedilatildeo

ndash e natildeo somente da burguesia ndash se apresentavam como elementos emergentes para

a poliacutetica Hobsbawn (2011) nesta passagem nos informa sobre a percepccedilatildeo das

elites europeias da necessidade de um jornal que disseminasse suas ideias para o

povo apoacutes a seacuterie de revoluccedilotildees de 1848

Os defensores da ordem social precisaram aprender a poliacutetica do povo Esta foi a maior inovaccedilatildeo trazida pelas revoluccedilotildees de 1848 Mesmo os mais arqui-reacionaacuterios dos junkers prussianos descobriram naquele ano que precisavam de um jornal que pudesse influenciar a opiniatildeo puacuteblica ndash conceito em si proacuteprio ligado ao liberalismo e incompatiacutevel com a hierarquia tradicional (HOBSBAWN 2011 p41)

Para a Corte no Brasil assim como na Europa jaacute na segunda metade do seacuteculo XIX

os jornais do periacuteodo passam a publicar obras literaacuterias em folhetins Autores como

Manoel Antocircnio de Almeida Machado de Assis e Alencar ficaram famosos por conta

desse tipo de veiculaccedilatildeo e tal associaccedilatildeo da imprensa com a literatura que vai se

revelando no jornal impresso - jaacute no periacuteodo de nosso recorte ndash determina

caracteriacutesticas proacuteprias de um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo de massa (PINTO 2003)

Referir-nos-emos entatildeo a estes para uma melhor compreensatildeo da anaacutelise com o

vocaacutebulo ldquomiacutediardquo

Chartier (1991) nos alerta de que natildeo existe um texto fora do suporte que lhe

permita ser lido (ou ouvido) e que natildeo haacute compreensatildeo de um escrito qualquer que

seja que natildeo dependa das formas pelas quais ele atinge o leitor O princiacutepio do

discurso ideoloacutegico eacute o de ldquoalcancerdquo Quanto maior eacute o grupo atingido por uma

proposta maior eacute sua forccedila Eacute uma percepccedilatildeo de base estatiacutestica e natildeo filosoacutefica

Para que o discurso ideoloacutegico venha a surtir efeito eacute preciso que as ideias da classe

dominante se tornem as ideias de todos os membros da sociedade que todos (ou

sua maior parte) se identifiquem com elas E ainda para que a ideologia seja eficaz

o discurso deve se manter sempre o mesmo ignorando as mudanccedilas que possam

vir a acontecer (CHAUI 1997) Para tanto tambeacutem eacute necessaacuterio que a classe

dominante por meio de seus agentes e instrumentos eou instituiccedilotildees especiacuteficas

tratem de aleacutem de produzir suas ideias possam distribuiacute-las o que eacute feito por

exemplo atraveacutes da educaccedilatildeo da religiatildeo dos costumes dos meios de

comunicaccedilatildeo disponiacuteveis As ideias mudam de lugar conforme a interpretaccedilatildeo que

os homens lhe datildeo e no campo poliacutetico essas mudanccedilas nas ldquoorientaccedilotildeesrdquo dos

homens ocorrem com certa frequecircncia Eacute preciso confianccedila como tambeacutem partilhar

as ideias com o grupo e se possiacutevel com quem mais aparecer

23 SOBRE AS ELITES NO PODER

Apesar dos estudos sobre a burguesia e as elites natildeo serem uma novidade entre

noacutes uma pergunta metodoloacutegica insiste em aparecer ndash como nos lembra Flaacutevio

Heinz (2006) Onde comeccedilam e onde terminam as elites - Este mesmo autor

sugere que os limites tradicionais tendem a ficarem menos riacutegidos com o

aparecimento de pesquisas mais recentes e a inclusatildeo de novas categorias

profissionais e de diferentes recortes que modificam a visatildeo tradicional sobre o

assunto integrando outras fontes e apresentando possibilidades para a

interpretaccedilatildeo destas

Temos em mente que mesmo considerando tais limites para o segmento ldquoeliterdquo eacute

preciso lembrar como nos mostra Chauiacute que a elite descrita a que nos referimos

deve ser entendida como a ldquoclasse dominanterdquo e natildeo necessariamente os

ldquomelhoresrdquo homens e mulheres dentro de uma sociedade como o termo pode

sugerir (CHAUI 1997 p 48) Cabem aqui entatildeo algumas consideraccedilotildees agraves quais

tomamos por base a partir o modelo democraacutetico de Schumpeter (1984)

salientando que por se tratar de um modelo este nos permite uma gama maior de

possibilidades de interpretaccedilatildeo e uma flexibilidade em nossa anaacutelise tentando

abarcar um periacuteodo que apresenta contrastes acentuados Consideramos aqui que o

governo eacute exercido por elites poliacuteticas natildeo existe o chamado ldquobem comumrdquo como

uma meta de trabalho ou projeto de administraccedilatildeo do Estado que vaacute agradar ou

interessar a todos os segmentos da sociedade pelo simples fato de que para

indiviacuteduos grupos e classes diferentes este bem comum significa coisas diferentes

Neste caso consideramos a busca deste ldquobem comumrdquo como um fator de

subjetivaccedilatildeo que acaba por deslocar a ideologia partidaacuteria das metas do agente

poliacutetico o que termina dando a impressatildeo de que os partidos (seus integrantes no

caso) liberais ou conservadores democratas ou republicanos ou outros tantos satildeo

uma mesma coisa o objetivo primordial dos partidos poliacuteticos eacute conquistar e manter

o poder e a realizaccedilatildeo do ldquobem comumrdquo eacute um meio para atingir este objetivo

(SCHUMPETER 1984) a soberania popular embora natildeo seja nula eacute reduzida

visto que satildeo as elites poliacuteticas que propotildeem candidatos e alternativas para o eleitor

e no caso das eleiccedilotildees no impeacuterio isso eacute bem marcante E eacute preciso notar que um

importante aspecto da poliacutetica imperial eacute o de conseguir ter mantido a supremacia do

poder civil O exeacutercito e a marinha tiveram influencia reduzida nas decisotildees da

poliacutetica nacional e quando foi o caso seus representantes eram antes poliacuteticos

vinculados a algum dos partidos do que militares em cargos administrativos Um

caso singular eacute a figura de Caxias que mesmo na posiccedilatildeo de um heroacutei de guerra

com o comando geral das tropas no Paraguai teve de passar pelo crivo do conselho

de Estado para que fossem resolvidas seus desentendimentos com Zacarias de

Goacuteis

As decisotildees vimos partem de um grupo civil e eacute para estes civis que Alencar dirige

seu discurso A elite poliacutetica que chega ao poder depois da independecircncia e se

ldquoenraiacutezardquo com o fim do periacuteodo regencial apresentando caracteriacutesticas de unidade

ideoloacutegica de treinamento administrativo e de educaccedilatildeo A Corte no Rio de Janeiro

recebia representantes de todo o Brasil pois a Cacircmara dos deputados e o Senado

satildeo instituiccedilotildees sediadas naquela cidade Natildeo estamos considerando tatildeo somente a

sociedade carioca ou mesmo as oligarquias fluminenses do cafeacute que jaacute dava seus

frutos por ali mas as elites do Brasil na qualidade de seus representantes

Deputados senadores conselheiros altos funcionaacuterios da burocracia magistrados

fazendeiros traficantes de escravos banqueiros e outros mais transitando pelas

ruas estreitas do Rio de janeiro sem considerar os ricos comerciantes estrangeiros

(alguns enriqueceram ali mesmo) e alguns setores da monarquia espanhola que se

estabelecem no Brasil ainda no periacuteodo das revoluccedilotildees republicanas que se

espalharam pelo restante da Ameacuterica Latina encontrando no Rio de Janeiro o abrigo

de uma monarquia constitucionalista

Alfredo Bosi abre um capiacutetulo de sua Dialeacutetica da colonizaccedilatildeo onde se refere agrave

formaccedilatildeo do ldquonovo liberalismordquo com uma citaccedilatildeo de uma crocircnica de Machado de

Assis intitulada ldquoHistoacuteria de quinze diasrdquo na qual o romancista daacute lugar ao criacutetico

cruel do sistema social e poliacutetico do impeacuterio O recorte fala por si

As instituiccedilotildees existem Mas por e para 30 dos cidadatildeos Proponho uma reforma no estilo poliacutetico Natildeo se deve dizer ldquoconsultar a naccedilatildeo os representantes da naccedilatildeo os poderes da naccedilatildeordquo mas ldquoconsultar os 30 representantes dos 30 poderes dos 30rdquo A opiniatildeo puacuteblica eacute uma metaacutefora sem base haacute soacute a opiniatildeo dos 30 (ASSIS apud BOSI 2003 p222)

Cabe-nos demonstrar agora quantos e quais (estatisticamente no caso) seriam os

eleitores os que podiam participar ativamente do processo eleitoral em nosso

periacuteodo de recorte temporal notadamente aqueles a quem Alencar se dirigia em

suas cartas

As primeiras eleiccedilotildees para a composiccedilatildeo das cortes em 1821 adotaram

basicamente o voto universal masculino Jaacute nas eleiccedilotildees para a constituinte

brasileira foi exigida a idade miacutenima de 20 anos e a exclusatildeo de estrangeiros e

assalariados Com a constituiccedilatildeo outorgada por D Pedro I elevam-se as restriccedilotildees

com idade miacutenima de 25 anos exclusatildeo aos criados e adoccedilatildeo do criteacuterio de renda

miacutenima Em 1846 excluem-se os ldquopraccedilas-de-preacuterdquo aleacutem de alterar o caacutelculo de renda

miacutenima baseado na desvalorizaccedilatildeo da moeda em funccedilatildeo da inflaccedilatildeo O formato

determinava que em um primeiro momento designar-se-iam os votantes ndash com

renda superior a 100 mil-reacuteis anuais ndash que escolheriam os eleitores ndash com renda

superior a 200 mil-reacuteis anuais ndash que iriam escolher os deputados ndash com renda

superior a 400-mil reacuteis anuais Mas a limitaccedilatildeo de renda tinha pouca importacircncia a

maioria da populaccedilatildeo trabalhadora ganhava mais de 100 mil-reacuteis por ano Em 1876

o menor salaacuterio registrado no serviccedilo puacuteblico era de 600 mil-reacuteis (CARVALHO

2002) mas era preciso que houvesse alguma comprovaccedilatildeo

Em 1881 temos algumas mudanccedilas a eliminaccedilatildeo da eleiccedilatildeo em dois turnos e eacute

proibido o voto dos analfabetos aleacutem de tornar o voto em si voluntaacuterio Calcula-se

a partir de tais restriccedilotildees para o periacuteodo que estamos tratando um percentual de

13 da populaccedilatildeo total com possibilidades de participaccedilatildeo eleitoral que diminui

para quase 1 a partir da lei de 1881 (CARVALHO 2007) Todas estas medidas

foram tomadas com real intuito de diminuir a participaccedilatildeo popular na votaccedilatildeo

concentrando o sufraacutegio nas elites Hebbe Mattos (2000) nos informa que para ser

eleitor ndash e para conseguir algumas vantagens que a condiccedilatildeo lhe permitia ndash o

cidadatildeo natildeo poderia ter nascido ldquoingecircnuordquo (escravo) Mas analfabetos e ex-escravos

poderiam habilitar-se a eleitores de segundo grau e ateacute mesmo serem eleitos para a

vereanccedila (NOVAIS 1997)

Apesar de haverem algumas estrateacutegias para modificar esse quadro e conseguir

uma renovaccedilatildeo maior dos parlamentares com vistas a uma representaccedilatildeo popular

como a lei dos ciacuterculos e a adoccedilatildeo do voto distrital (que pouco tempo permaneceram

em vigor logo que comeccedilaram a proporcionar tais mudanccedilas) as eleiccedilotildees em sua

forma e dinacircmica estavam cada vez mais sob o controle das elites econocircmicas que

optavam por manter uma estabilidade no poder A forma que a eleiccedilatildeo se dava jaacute

era um complicador com a necessidade de que o eleitor votasse em tantos nomes

quantos houvesse cadeiras em sua assembleia Isto geralmente favorecia ao

candidato que pudesse ter uma representaccedilatildeo aleacutem dos limites locais o que era

conseguido atraveacutes das redes de relaccedilotildees que se compunham pelos demais

representantes ou pelos ldquopadrinhosrdquo poliacuteticos de cada candidato relaccedilatildeo que

geralmente era conseguida pelo partido mesmo que estas fossem descontinuadas

apoacutes a eleiccedilatildeo Para o pai de Alencar corria uma anedota no Cearaacute entre partidaacuterios

que anunciavam a falta de uma relaccedilatildeo com o senador depois de sua partida para a

Corte Quando se recebia uma notiacutecia da qual natildeo se tinha muito creacutedito uma

interjeiccedilatildeo de desconfianccedila prenunciava a frase - Tal coisa vai acontecer ()assim

que o Alencar me escrever ndash anunciavam aludindo a algum acontecimento

impossiacutevel por ali (MENEZES 1965) Com tudo isso acreditamos que Machado de

Assis em sua criacutetica estava sendo bastante otimista com os 30 anunciados

Sobre a formaccedilatildeo intelectual da elite local eacute importante lembrar que a constituiccedilatildeo

de 1824 entregando o ensino fundamental e meacutedio nas matildeos da igreja cria uma

educaccedilatildeo de caraacuteter religioso centrada mais na tradiccedilatildeo filosoacutefica e com certa

indiferenccedila pela pesquisa cientiacutefica mas impregnada pelo estudo das letras

determinada pela tradiccedilatildeo jesuiacuteta (SKIDMORE 1989) Portugal evitou criar em seus

domiacutenios ultramarinos faculdades ou universidades Os textos disponiacuteveis ficavam

restritos agraves bibliotecas dos conventos e agraves poucas escolas mantidas tambeacutem por

religiosos o que garantia certo controle sobre a divulgaccedilatildeo das ideias

ldquoprogressistasrdquo Natildeo havendo jornais em circulaccedilatildeo ou livros impressos visto que os

primeiros prelos chegam com a famiacutelia real em 1808 os leitores se contentavam

com a literatura produzida na Europa ndash traduzida ou natildeo o que jaacute limitava o nuacutemero

de leitores - e que atravessava o Atlacircntico em sua maior parte por via clandestina

Aqueles que tinham condiccedilatildeo econocircmica mandavam seus filhos para Portugal onde

faziam os estudos superiores na Universidade de Coimbra e adquiriam os valores

ditados pela metroacutepole Estes em sua maioria eram aproveitados para compor a

burocracia do impeacuterio em formaccedilatildeo Caiam quase sempre na poliacutetica

Em nuacutemeros temos o percentual de Senadores com educaccedilatildeo superior no periacuteodo

de 1853 a 1871 - portanto pertinente ao nosso recorte temporal - chegando a 80 e

o dos ministros dos diversos gabinetes a 96 do total Considerando que a

educaccedilatildeo militar ndash exeacutercito e marinha aos quais alguns poliacuteticos tambeacutem pertenciam

ndash recebida por um grupo desses parlamentares natildeo entra nesta base para o caacutelculo

final o nuacutemero de poliacuteticos que natildeo recebeu instruccedilatildeo eacute praticamente nulo Para os

conselheiros de Estado de 1840 a 1889 dos 72 homens que estiveram em seus

quadros apenas 02 natildeo possuiacuteam educaccedilatildeo superior O niacutevel educacional dos

deputados gerais se assemelha percentualmente ao dos senadores (CARVALHO

2007)

Depois da elite de Coimbra dominar os primeiros anos do impeacuterio vem o comeccedilo da

nacionalizaccedilatildeo com os cursos de Direito preferecircncia nacional para o ingresso na

elite poliacutetica via cargo puacuteblico Tais cursos satildeo criados no Brasil depois da

independecircncia em 1827 e comeccedilando efetivamente em 1828 Um em Satildeo Paulo e

outro em Olinda - transferindo-se o segundo posteriormente para a cidade do Recife

A presenccedila no poder de egressos da escola de medicina e engenharia tem o peso

relativo proporcional ao dos militares eacute o diferencial estava mesmo na formaccedilatildeo no

Direito O curso superior era o preacute-requisito para tentar um cargo no poder Sobre o

segundo e terceiro escalotildees da burocracia como bem nos mostra Joseacute Murilo satildeo

representados por diretores chefes de seccedilatildeo e uma gama de funcionaacuterios

especializados em sua maioria vinculada a algum ministeacuterio e que buscava nas

cidades principalmente o emprego puacuteblico como forma de sobrevivecircncia visto a

falta de postos de trabalho em outros setores A elite brasileira era em sua quase

totalidade letrada o que a afastava mais ainda da grande massa do povo sem

alfabetizaccedilatildeo

Carvalho (2007) sustenta que a homogeneidade ideoloacutegica eacute um dos importantes

fatores que iriam fornecer a possibilidade de constituir determinados modelos de

dominaccedilatildeo poliacutetica Uma elite homogecircnea tende a uma movimentaccedilatildeo em uma

mesma direccedilatildeo e garante ao menos a possibilidade de um projeto comum E eacute essa

homogeneidade que sugere que se possa conseguir certa estabilidade para

administrar conflitos dentro destes grupos O Brasil jaacute dispunha de tal elite quando

da independecircncia (que apesar de seguir os moldes portugueses jaacute apresentavam

caracteriacutesticas distintas mesmo por que seus grupos eram diversos procedentes de

muitas proviacutencias do Brasil) A composiccedilatildeo da elite vai se transformando lentamente

com o passar dos anos e com o crescimento do quantitativo de pessoas passiacuteveis

de acesso a esta na grande maioria composta de funcionaacuterios puacuteblicos Eacute uma

verdade a afirmaccedilatildeo de que os representantes da sociedade nesse periacuteodo satildeo

tambeacutem representantes do Estado Os estamentos como sustenta Bauman (2001)

lugares a que os indiviacuteduos pertenciam por hereditariedade aos poucos vatildeo dando

lugar as classes onde o pertencimento eacute fabricado pelo esforccedilo do indiviacuteduo por

sua vontade de pertencimento E ao mesmo tempo associadas as caracteriacutesticas

que a sociedade brasileira consegue ter neste momento de uma dinacircmica para a

consolidaccedilatildeo de um sistema liberal e ao mesmo tempo conservador de dominaccedilatildeo

Segundo Alencar o paiacutes tambeacutem eacute ldquoconduzidordquo pelo Estado Estaacute em suas matildeos

considerando que ldquoempresas industriais associaccedilotildees mercantis bancos obras

puacuteblicas operaccedilotildees financeiras privileacutegios fornecimentos todas essas fontes

abundantes de riquezas improvisadas emanam das alturas do poderrdquo (ALENCAR

2011 p99) A centralizaccedilatildeo da elite garantia ao mesmo tempo um Estado forte e

uma homeostase entre os grupos no poder em que os conflitos mais seacuterios e os

movimentos contestatoacuterios ficavam localizados nos municiacutepios onde era mais faacutecil

uma soluccedilatildeo (mesmo que em forma de accedilatildeo militar como no caso das revoltas no

periacuteodo regencial) Uma grande mudanccedila se efetua entre 1855 e 1868 quando o

partido liberal quase desaparece por completo depois de dominar o cenaacuterio poliacutetico

por aproximadamente 10 anos Eacute um periacuteodo de ascensatildeo de liberais histoacutericos e

conservadores dissidentes jovens lideranccedilas que aparecem no periacuteodo da

conciliaccedilatildeo De 1862 a 1868 haacute uma notoacuteria instabilidade no ministeacuterio durando em

meacutedia um ano cada gabinete Tudo isto em um momento de guerra externa que

produzia inflaccedilatildeo e consumia enorme quantidade de recursos puacuteblicos (CARVALHO

2007) Mas isto natildeo eacute sentido no cotidiano das elites econocircmicas que tem no Estado

sua fonte de renda quando natildeo de exploraccedilatildeo das rendas do proacuteprio Estado

Schwarcz (1999) nos daacute uma visatildeo interessante do interior de um sobrado citadino

em meados do seacuteculo XIX o padratildeo de moradia para a elite da corte onde temos

uma ideia de seu cotidiano luxuoso e requintado

() eacute na capital durante os anos de 1840 a 1860 que se cria uma febre de bailes concertos reuniotildees e festas A corte se opotildee agrave proviacutencia arrogando-se o papel de informar os melhores haacutebitos de civilidade tudo isso aliado agrave importaccedilatildeo dos bens culturais reificados nos produtos ingleses e franceses Nas casas os homens jogam voltarete gamatildeo xadrez e whist e os moccedilos o jogo da palhinha Jaacute as mulheres divertem-se com jogos de prenda de flores do bastatildeo do amigo ou amiga e do lenccedilo queimadordquo (SCHWARCZ 1999 p 156)

O teatro por exemplo estaacute entre as diversotildees mais apreciadas do periacuteodo Eacute o lugar

de encontros poliacuteticos flertes e namoros escondidos de encontros e desencontros

um lugar de diversatildeo Natildeo eacute a toa que a expressatildeo teatro poliacutetico tatildeo usado por

Nabuco Alencar e Machado tambeacutem se refira a possibilidade do puacuteblico participar

das seccedilotildees das casas legislativas como expectador Este vecirc se constrange ri

chora pode vaiar pode aplaudir Mas suas accedilotildees natildeo iratildeo modificar

substancialmente o andamento do espetaacuteculo poliacutetico Cabe lembrar que os teatros

(o espaccedilo fiacutesico) tambeacutem satildeo locais onde a propaganda poliacutetica tinha ldquoseu lugarrdquo

Usados como lugares para reuniatildeo geralmente pela localizaccedilatildeo e capacidade de

abrigar vaacuterias pessoas A tiacutetulo de exemplo registramos uma anotaccedilatildeo de Tavares

Bastos em seu diaacuterio sobre o uso do Teatro Phenix Dramaacutetica na Rua da Ajuda

para as ldquoconferecircncias radicais do Clube Radicalrdquo (ABREU 2007 p 129) Os

comiacutecios puacuteblicos soacute seratildeo uma realidade a proximidade do fim do seacuteculo com

homens como Lopes Trovatildeo que conseguiram levar a populaccedilatildeo agraves praccedilas puacuteblicas

em nome do partido republicado (COSTA 1999)

24 INTELECTUAIS E OPINIAtildeO PUacuteBLICA

Gramsci nos mostra que os intelectuais se formaram historicamente associados agraves

elites econocircmicas Sua funccedilatildeo dentro dos diversos ldquopartidosrdquo eacute o de organizaccedilatildeo e

disseminaccedilatildeo da ideologia Alencar eacute algueacutem que nasceu na tradiccedilatildeo da aristocracia

rural mas por sua atividade como jornalista advogado e poliacutetico e por seu ativismo

poliacutetico pode ser enquadrado na categoria de intelectual orgacircnico Aquele que

busca em sua praacutexis transformar ensinar e buscar soluccedilotildees para a sociedade Mas

Alencar estaacute longe de ser um elemento que surge do povo ou das ldquobases

popularesrdquo apesar de ter sido eleito deputado para vaacuterios mandatos Cabe lembrar

que as campanhas poliacuteticas no periacuteodo natildeo exigiam uma presenccedila constante do

candidato junto a sua base eleitoral Os eleitores ndash pouquiacutessimos decerto - satildeo

relativamente abastados (considerando natildeo haver um mercado de trabalho as

diferenccedilas entre os grupos satildeo grandes) configuram uma categoria da elite regional

que tendia a se identificar com um candidato mais pela rede de relaccedilotildees sociais a

que este representava ou estava associado do que propriamente agraves ideias de algum

dos partidos poliacuteticos em atuaccedilatildeo no periacuteodo

Eacute na literatura e no jornalismo aonde floresce a vocaccedilatildeo de Alencar como

intelectual eacute ali que se constitui a sua forma de estudar a realidade e de interagir

com ela Entendemos que para Gramsci (1976) a ideia de participaccedilatildeo na cultura

natildeo significa a simples aquisiccedilatildeo de conhecimentos ou uma atitude passiva do

sentimento humano mas sim posicionar-se frente agrave histoacuteria fazer a histoacuteria

acontecer mesmo que a poder das armas E a luta armada do intelectual vem na

forma de manifestos eacute a sua maneira de interagir com o puacuteblico (BOBBIO 1997)

buscando (incitando) a transformaccedilatildeo da realidade

A cultura estaacute relacionada com esta transformaccedilatildeo da realidade atraveacutes da busca e

da conquista de uma consciecircncia superior onde cada indiviacuteduo precisa conseguir

compreender o seu valor na sociedade (GRAMSCI 1976) Eacute a passagem do

momento corporativo ao momento eacutetico-poliacutetico da estrutura agrave superestrutura Isto eacute

expresso por Gramsci atraveacutes do seu conceito ampliado de poliacutetica a catarse O

momento em que a esfera dos interesses corporativos e particulares eleva-se ao

niacutevel da consciecircncia universal e as classes conseguem elaborar um projeto para

toda a sociedade atraveacutes de uma accedilatildeo coletiva Assim sair da passividade para

Gramsci eacute deixar de aceitar a subordinaccedilatildeo que o sistema capitalista impotildee a

alguns estratos da populaccedilatildeo

Alencar advogado brilhante e poliacutetico combativo eacute antes de tudo um homem das

letras Algueacutem que conhece a forccedila da palavra e como jornalista e editor o alcance

que um perioacutedico pode ter E ele usaraacute isso em seu favor Este intelectual buscaraacute

em suas leituras os conceitos claacutessicos do liberalismo com Adam Smith John Locke

Benjamim Constant e outros poucos livros que tinham em matildeos ndash vaacuterios ainda em

sua liacutengua original (RENALT 1976) - que lhes dariam o suporte para se sustentar

junto a tecnocracia administrativa que se formava situando-se em algum lugar

confortaacutevel entre o absolutismo e a democracia - em alguns casos entre o

constitucionalismo e o voto censitaacuterio entre o liberalismo e a igualdade

A tarefa a que se propotildee o Alencar que pode ser entendida tambeacutem como uma

espeacutecie de educaccedilatildeo ndash senatildeo das massas com os movimentos operaacuterios

principalmente no iniacutecio do seacuteculo XX e que natildeo se percebem ainda no periacuteodo mas

de grupos paulatinamente mais generalizados que se formam como resultado do

desenvolvimento das cidades ndash eacute praticado pelos intelectuais (sendo Alencar um

exemplo) como agentes de ligaccedilatildeo entre as elites e tais grupos visto que o projeto

educacional corresponde a uma necessidade de formaccedilatildeo intelectual e teacutecnica do

povo ateacute mesmo para uma maior qualificaccedilatildeo do trabalhador que pudesse gerar

com seu trabalho um desenvolvimento tecnoloacutegico dos meios de produccedilatildeo de

capital e tambeacutem para o periacuteodo um texto mais ldquoagradaacutevelrdquo e basicamente mais

acessiacutevel que seria um facilitador para que uma maior parte da populaccedilatildeo pudesse

conhecer as ideias liberais O sentido era didaacutetico e ideoloacutegico ao mesmo tempo de

forma que um grupo maior pudesse ser identificado com o movimento e dele

tomasse partido

Observe-se que em Gramsci a supremacia de um grupo social se manifesta de dois

modos como domiacutenio (coaccedilatildeo) e como direccedilatildeo intelectual e moral (consenso) Eacute no

consenso que o trabalho de Alencar busca organizar uma sociedade menos desigual

a partir da divulgaccedilatildeo de uma ideologia liberal (dentro dos limites do que se pode

entender como ldquoiguaisrdquo no liberalismo brasileiro estamos sempre no acircmbito de uma

aristocracia) de uma moral cristatilde que auxilia no projeto de dominaccedilatildeo do povo e da

defesa da propriedade privada esta extensiva ao projeto da escravidatildeo

Um grupo social pode e deve impor-se como dirigente (e seu modo de expressatildeo eacute

em geral o partido poliacutetico) e sua organizaccedilatildeo eacute o que lhe sustenta na busca de

uma posiccedilatildeo no poder Isto vale tanto para as elites como para os grupos de

trabalhadores Mas a maneira para que isto ser levado a cabo seria pela via da

informaccedilatildeo da educaccedilatildeo da politizaccedilatildeo enfim Algumas preocupaccedilotildees de Gramsci

satildeo tais como as de Alencar Como levar a discussatildeo poliacutetica para a maior parte da

populaccedilatildeo enquanto esta natildeo se preocupa com a realidade mas com os modismos

com as influencias externas Como politizar o povo (GRAMSCI 1976) O que se

nota eacute que tal discurso natildeo se dirige propriamente as massas ele jaacute existe ndash anterior

a Marx e Gramsci ndash e eacute usado como forma de dominaccedilatildeo para todos os grupos

sociais Segundo Gramsci (1999) os intelectuais que mesmo na Itaacutelia natildeo estavam

ligados agraves massas ldquodeveriamrdquo ligar-se como uma opccedilatildeo eacutetica e como uma opccedilatildeo

poliacutetica para a transformaccedilatildeo O que muda natildeo eacute necessariamente a forma do

discurso mas a direccedilatildeo e o puacuteblico a que se destina O poder natildeo eacute mantido apenas

atraveacutes da hegemonia de classe ou pela simples difusatildeo de ideias desta classe

que o assume eacute preciso accedilatildeo

Em Alencar natildeo observamos uma radicalizaccedilatildeo neste sentido apenas o uso cada

vez maior das formas de comunicaccedilatildeo disponiacuteveis ndash e de forma cada vez mais

diversa tentando alcanccedilar cada vez mais pessoas ndash no momento A sociedade civil

para Alencar aumentaria sua participaccedilatildeo poliacutetica quanto mais politizada estivesse e

quanto maior fosse desenvolvida sua capacidade criacutetica e o Estado natildeo seria assim

tatildeo somente a sociedade poliacutetica mas o resultado da accedilatildeo poliacutetica da sociedade civil

enquanto nuacutecleo formador da sociedade poliacutetica (GRAMSCI 1999) As ideias da

sociedade poliacutetica satildeo passadas como discurso ideoloacutegico para todo o grupo e em

Alencar percebemos a importacircncia senatildeo do formador mas principalmente do

divulgador de tais ideias algueacutem que por vezes pode efetivamente mudar a direccedilatildeo

do jogo dependendo da capacidade de inserccedilatildeo de propostas valores e ideias nos

diversos grupos Natildeo se trata aqui de buscar uma intencionalidade em Alencar

Este enquanto autor dos discursos existe em integraccedilatildeo com os outros ldquoeusrdquo o

leitor o intertexto A palavra e o enunciado ndash no caso ndash satildeo por natureza

ideoloacutegicos Natildeo haacute um significado que natildeo se refira (natildeo se remeta) ao social Todo

enunciado eacute um evento histoacuterico e ao mesmo tempo um ato social Eacute por meio de

enunciados que os agentes comeccedilam a compreender o mundo e depois agir sobre

ele Qualquer texto constitui uma forma de accedilatildeo verbal calculada para a leitura e

com o intuito de propiciar respostas internas e para uma possiacutevel reaccedilatildeo criacutetica ndash

positiva ou negativa - da sociedade Uma enunciaccedilatildeo eacute uma forma de poder Cada

enunciado eacute dirigido a algueacutem em uma situaccedilatildeo especiacutefica em um momento

especiacutefico do tempo As relaccedilotildees de poder imersas na linguagem determinam

tambeacutem as formas das relaccedilotildees sociais Os enunciados dialogam constantemente

com outros enunciados em sua constituiccedilatildeo O cotidiano natildeo existe em uma ordem

formal somos noacutes que tentamos organizaacute-lo mediante uma narrativa que se

pretende coerente e as relaccedilotildees entre os ldquofalantesrdquo que estatildeo sempre mudando

Tais mudanccedilas nas instituiccedilotildees se datildeo porque satildeo constituiacutedas nesse movimento

dinacircmico (STAN 1992) O texto se constitui como uma forma de accedilatildeo que visa

propiciar respostas internas e uma possiacutevel reaccedilatildeo criacutetica ndash positiva ou negativa - da

sociedade Alencar busca construir em seu texto uma resposta positiva empaacutetica

que pretende sugerir (quando menos) comportamentos determinados aos grupos

sociais a que se referem E quanto mais acessiacutevel eacute o discurso maior a sua

amplitude Eacute a relaccedilatildeo a que se chama dialogismo Os enunciados dialogam

constantemente com outros enunciados em sua constituiccedilatildeo e mesmo depois

quando assimilados por noacutes o que jaacute eacute uma das formas de assimilaccedilatildeo do discurso

dada pelo processo dialoacutegico (STAN 1992)

Essa hipoacutetese se sustenta na observaccedilatildeo de que os grupos poliacuteticos necessitam se

reproduzir e apesar do controle restrito do eleitorado (voto censitaacuterio) e dos

reconhecidos laccedilos de famiacutelia natildeo eacute soacute o nuacutecleo familiar o ldquoberccedilaacuteriordquo aonde poliacuteticos

iram encontrar e formar seus sucessores Os laccedilos de apadrinhamento satildeo comuns

e tambeacutem natildeo satildeo incomuns as escolhas de sucessores poliacuteticos pelo criteacuterio de

amizade tiacutepico do clientelismo em vigor no Brasil A escolha dependia de quem

estivesse disposto a assumir o discurso do poder Lembramos que Chauiacute (1997)

sustenta que a proliferaccedilatildeo dos discursos sobre a naccedilatildeo faz com que existam vaacuterias

ldquonaccedilotildeesrdquo dentro da naccedilatildeo cada uma determinado por um modo de pensar a

realidade a sociedade e a poliacutetica e apresentado a um grupo diferente Eacute no

bacharel um ldquoprotordquo poliacutetico elemento constituinte da opiniatildeo puacuteblica e objeto dos

jornais poliacuteticos que Alencar busca seu interlocutor O objeto de seu discurso que

visa ldquoconstruirrdquo uma opiniatildeo puacuteblica Hobsbawn (2010) afirma que a opiniatildeo puacuteblica

eacute um conceito em si proacuteprio ligado ao liberalismo A informaccedilatildeo eacute um agente

constituinte para a integraccedilatildeo dos novos grupos que passam a participar dos

movimentos poliacuteticos

Para a Europa o autor sustenta que as revoluccedilotildees europeias de 1848 mostraram

que a classe meacutedia o liberalismo a democracia poliacutetica e mesmo as classes

trabalhadoras seriam a partir de entatildeo presenccedilas permanentes no panorama

poliacutetico (HOBSBAWN 2010) E com relaccedilatildeo ao Brasil se ainda natildeo temos uma

classe operaacuteria com poder de luta Fora a classe privilegiada detentora de

educaccedilatildeo leitora de jornais detentora dos cargos poliacuteticos e do funcionalismo

puacuteblico compondo a burocracia a classe formadora de opiniatildeo a que nos referimos

ndash que podemos designar como opiniatildeo puacuteblica ndash muito pouco podemos observar da

interferecircncia popular nos processos poliacuteticos A direito ao voto por exemplo nos

conta Prado (2001) era conseguido (e exercido) pelos homens pobres possuidores

de poucas posses que constituiacuteam o grosso do eleitorado mas que em quase sua

totalidade estavam atrelados aos grandes proprietaacuterios de terras e de escravos

como no exemplo do ldquovoto de caixatildeordquo28 com Nabuco (FAORO 2004) o que

acabava por determinar certo conservadorismo nas eleiccedilotildees com os resultados

sempre tendendo ao continuiacutesmo e a solidariedade pelo chefe poliacutetico local mesmo

estas sendo constantemente vitimadas por fraudes e manipulaccedilotildees

Portanto a imprensa colaborou no processo de constituiccedilotildees e acesso de uma

opiniatildeo puacuteblica no Brasil A opiniatildeo puacuteblica pode ser entendida enfim como a

28

Conf Nota 21

participaccedilatildeo da populaccedilatildeo (ou de uma parte desta como vimos) na criacutetica aos

rumos de um determinado estado ou mesmo assunto relevante Apesar de alguns

comentadores negarem veementemente a possibilidade de uma opiniatildeo puacutebica

como no caso de Bourdier (1981) se baseando principalmente no fato de que

quando se coloca a mesma questatildeo para todo um grupo (por mais homogecircnio que

este possa vir a ser) estaacute impliacutecita assegura a hipoacutetese de que exista um consenso

sobre os problemas e que jaacute hajam acordos sobre as questotildees que merecem ser

colocadas e uma manipulaccedilatildeo nos caminhos a que tais propostas de opiniatildeo devam

revelar caracterizando o discurso da opiniatildeo puacuteblica como algo jaacute previamente

moldado preferimos nos basear em Becker (2003) que afirma que a opiniatildeo puacuteblica

se caracteriza exatamente pela diversidade o que lhe distingue como um estudo

mais aprofundado da sociedade que eacute capaz de indicar a atitude e o

comportamento dos homens enquanto em conjunto (enquanto massa) diante de sua

eacutepoca

3 LIBERALISMO E ESCRAVIDAtildeO NAS CARTAS DE ERASMO

31 LIBERALISMO E ESCRAVIDAtildeO

Pudemos observar no capiacutetulo anterior uma visatildeo geral do oitocentos no segundo

reinado e a intrincada relaccedilatildeo dos intelectuais e elites tendo suas ideias divulgadas

por meio da imprensa Mas quais seriam essas ideias Em nosso caso aqui

sustentamos que Alencar fez uma opccedilatildeo pelas ideias liberais que jaacute se

apresentavam por aqui desde antes do impeacuterio As ideias de liberdade chegam de

carona com a independecircncia americana em 1776 e a revoluccedilatildeo francesa em 1789 e

influenciam os movimentos abolicionistas pelo Brasil desde a inconfidecircncia mineira

e a conjuraccedilatildeo baiana29 ateacute os uacuteltimos movimentos revolucionaacuterios no periacuteodo

regencial

O termo liberalismo bem como liberdade tem sua raiz no termo ldquolivrerdquo Cunha

(1997) apresenta-nos as variaccedilotildees livre do latim libegraver liberal do latim libeacuteralis

liberdade do latim libertas ndashaacutetis que etimologicamente formaram o francecircs

libeacuteralisme Bobbio (1998) afirma que a definiccedilatildeo histoacuterica de liberalismo oferece

dificuldades especiacuteficas a menos que possamos admitir a existecircncia de diversos

liberalismos Em primeiro lugar porque o liberalismo se manifesta em diferentes

paiacuteses em tempos histoacutericos diversos e em funccedilatildeo disso o liberalismo se confronta

com problemas especiacuteficos que acabam por determinar sua fisionomia e conteuacutedos

Abbagnano (2007) explica que o liberalismo eacute uma doutrina que tem origens na

idade moderna no seacuteculo XVIII e se caracteriza por tomar para si a defesa da

liberdade no campo poliacutetico O liberalismo pode ser classificado em duas fases uma

primeira fase no seacuteculo XVIII caracterizado pelo individualismo e uma segunda

fase no seacuteculo XIX caracterizada pelo estatismo

A primeira fase eacute caracterizada pelas seguintes linhas doutrinaacuterias que constituem os instrumentos das primeiras afirmaccedilotildees poliacuteticas do Liberalismo a) jusnaturalismo que consiste em atribuir aos indiviacuteduos direitos originaacuterios e inalienaacuteveis b) contratualismo que consiste em considerar a sociedade humana e o Estado como fruto de convenccedilatildeo entre indiviacuteduos (ABBAGNANO 2007 p604)

Na economia o liberalismo combate a intervenccedilatildeo do Estado na sociedade

tentando fazer com que o mercado siga seu caminho Bem como negando o

absolutismo estatal definindo a accedilatildeo deste definindo seu papel em cada lugar

mediante a divisatildeo dos poderes

Jusnaturalistas e moralistas como Bentham acreditavam que bastava ao indiviacuteduo buscar inteligentemente sua proacutepria felicidade para estar buscando simultaneamente a felicidade dos demais A doutrina econocircmica de Adam Smith baseia-se no pressuposto anaacutelogo da coincidecircncia entre o interesse econocircmico do indiviacuteduo e o interesse econocircmico da sociedade (ABBAGNANO 2007 p604)

29

Haacute de se observar a diferenccedila entre as vertentes do pensamento liberal jaacute aqui A conjuraccedilatildeo baiana pregava o fim da escravidatildeo ao passo que entre os participantes da inconfidecircncia mineira a aboliccedilatildeo da escravidatildeo negra natildeo era uma meta

Essas ideias aparecem no campo poliacutetico com os filoacutesofos iluministas como John

Locke Thomas Hobbes e Rousseau que tentaram estabelecer os limites do poder

poliacutetico ao afirmar que existiam direitos individuais que nem os reis poderiam

ultrapassar Bastos (1999) afirma tambeacutem que a busca pelo modelo de Estado

Liberal eacute o coroamento de toda a luta do indiviacuteduo contra alguma tirania do Estado

ldquoSeu pressuposto fundamental eacute que o maacuteximo de bem-estar comum eacute atingido em

todos os campos com a menor presenccedila possiacutevel do Estadordquo (BASTOS 1999

p139) A construccedilatildeo desse Estado liberal em contraposiccedilatildeo ao Estado absoluto eacute

dada pelo jusnaturalismo que eacute

() a doutrina segundo a qual o homem todos os homens indiscriminadamente tem por natureza e portanto independente de sua proacutepria vontade e menos ainda da vontade de alguns poucos ou de apenas um certos direitos fundamentais como o direito a vida agrave liberdade agrave seguranccedila agrave felicidade ndash direitos estes que o Estado ou mais concretamente aqueles que num determinado momento histoacuterico detecircm o poder legiacutetimo de exercer a forccedila para obter a obediecircncia a seus comandos devem respeitar e portanto natildeo invadir e ao mesmo tempo proteger contra toda possiacutevel invasatildeo por parte de outros (BOBBIO 1998 p11)

A segunda fase comeccedila quando esse postulado entre em crise na medida em que o

liberalismo individualista parecia defender os interesses de uma classe determinada

de cidadatildeos a burguesia que se consolidava nas cidades Teoacutericos contratualistas

como Rousseau e Burke e mesmo Hegel posteriormente afirmam que a teoria da

infalibilidade da vontade geral resultante da alienaccedilatildeo total de cada associado com

todos os seus direitos em favor de toda a comunidade transforma aquilo que para o

individualismo eacute do interesse individual como interesse estatal e de certa forma

absorvendo-o Dessa feita ia-se afirmando a superioridade do Estado sobre o

indiviacuteduo contra o que o liberalismo tinha lutado em sua primeira fase

(ABBAGNANO 2007)

As ideias de liberdade poliacutetica combinaram com as propostas de liberdade

comercial algo que se entendia ser beneacutefico a todos sendo assim posteriormente

associadas a defesa e desenvolvimento do capitalismo (HOBSBAWM 2010) O

chamado liberalismo econocircmico prega o fim da intervenccedilatildeo do Estado na produccedilatildeo

de riquezas o fim dos monopoacutelios e outras medidas protecionistas e incentivava a

livre concorrecircncia no mercado No Brasil as ideias liberais tomam forccedila a partir do

iniacutecio do seacuteculo XIX notadamente a partir da independecircncia em 1822 sob influecircncia

tambeacutem da revoluccedilatildeo liberal do Porto de 1820 mas tomando aqui suas

caracteriacutesticas proacuteprias Costa (1999) sustenta que o liberalismo brasileiro deve ser

entendido com referecircncia a realidade brasileira Tendo entre seus adeptos homens

ligados a economia agroexportadora ao traacutefico de escravos e os grandes

proprietaacuterios de terras que buscavam maior espaccedilo para seus produtos fora do

controle de Portugal Para tanto a situaccedilatildeo de colocircnia natildeo poderia ser aceita de

forma alguma

O liberalismo eacute uma corrente de pensamento vastiacutessima e que abrange vaacuterios

campos do pensamento humano Natildeo pretendemos aqui esgotar sequer algumas de

suas possibilidades nem tampouco discutir os valores filosoacuteficos do liberalismo

Este nos eacute apresentado como um movimento que busca a realizaccedilatildeo da liberdade

as garantias da propriedade privada e da vida humana Poreacutem nem sempre a

organizaccedilatildeo do pensamento liberal estaacute associada da ideia democraacutetica A

discussatildeo das ideias liberais no Brasil por exemplo exerceu influecircncia na Carta de

1824 A questatildeo eacute quais seriam as ideias que Alencar buscava apresentar em seu

discurso Satildeo as ideias desse poliacutetico caracterizadas como ideias liberais Haacute uma

comunhatildeo entre o liberalismo e a escravidatildeo Para comeccedilar a responder a tais

questotildees os intelectuais brasileiros se detiveram nas propostas do liberalismo

claacutessico representado pelo pensamento de ndash entre outros ndash T Hobbes Locke

Adam Smith Rousseau Bentham e Mill tentando traccedilar entre eles um caminhos

que justifique a implantaccedilatildeo do liberalismo poliacutetico no Brasil Esse caminho tambeacutem

seraacute trilhado por Alencar Vejamos como foi a adequaccedilatildeo do liberalismo agrave realidade

brasileira

32 LIBERALISMO E ESCRAVIDAtildeO O MODELO BRASILEIRO

A tiacutetulo de complementaccedilatildeo depois desse esboccedilo que natildeo se pretende exaustivo

podemos observar tambeacutem como bem nos diz Schwartz (1991) citando um panfleto

antiescravagista do segundo reinado um dos princiacutepios da economia poliacutetica eacute o

trabalho livre E no Brasil temos portanto o fato ldquoimpoliacuteticordquo da escravidatildeo O autor

adverte que o que se configurava como uma ideologia para as classes em ascensatildeo

na Europa vem a converte-se no Brasil em ideologia que constituiacutea o pano de

fundo dos interesses de uma elite escravocrata Dessa feita o liberalismo perderia

seu caraacuteter universalista passando a defender prioritariamente interesses

particulares

Durante o impeacuterio temos a formaccedilatildeo de dois grupos poliacuteticos distintos que

caracterizariam o periacuteodo com suas lutas e conciliaccedilotildees inclusive com a ldquotroca de

ladordquo de figuras relevantes satildeo eles o partido conservador e o partido liberal Muitas

das ideias que poderiam ser tomadas como liberais foram implantadas no Brasil

pelos conservadores mas nenhuma delas deixava de buscar a realizaccedilatildeo de

interesses particulares de uma elite social e poliacutetica e a manutenccedilatildeo da exploraccedilatildeo

do trabalho

Apoacutes a Independecircncia em 1822 o formaccedilatildeo do Estado Brasileiro toma corpo com

os princiacutepios de um estado regulador baseado em um governo de tradiccedilatildeo

absolutista poreacutem nascido sob a aclamaccedilatildeo de alguns preceitos especiacuteficos do

liberalismo Os processos de independecircncia dos Estados Unidos em 1776 a

Revoluccedilatildeo Francesa (1789-1799) e os movimentos de independecircncia que ocorriam

nas colocircnias espanholas no periacuteodo satildeo influecircncias determinantes

Segundo Costa (1999) o liberalismo estaacute vinculado ao desenvolvimento do

capitalismo e a criacutetica ao ldquoantigo regimerdquo Surge do enfretamento entre a burguesia

e o abuso da autoridade real como a concessatildeo de privileacutegios ao clero e da nobreza

e a manutenccedilatildeo de monopoacutelios Os liberais defendiam os teoacutericos do contrato social

afirmavam a soberania do povo e a supremacia da lei Lutavam ainda pela

representatividade frente ao governo e o direito a propriedade e a liberdade de

comercio e de trabalho No Brasil as elites poliacuteticas se julgavam aptas a gerir este

novo modelo de soberania Tais elites viam na monarquia constitucional o caminho

para se conseguir manter o povo sob controle restringir o poder do imperador e

conseguir a unidade e a estabilidade poliacutetica (COSTA 1999) O ideal liberal

proposto tambeacutem pela revoluccedilatildeo do Porto em 1820 segundo Carvalho (2007) foi o

fomento necessaacuterio para o processo de independecircncia da colocircnia Ao mesmo

tempo a heranccedila do pensamento poliacutetico portuguecircs assimilado pela elite brasileira

fora a responsaacutevel pela homogeneizaccedilatildeo de seus princiacutepios o que muito contribuiu

para a feitura de um projeto comum de naccedilatildeo coesa aos interesses da elite

A assimilaccedilatildeo dos ideais liberais de por alguns atores poliacuteticos que participaram do

processo de independecircncia advecircm de sua formaccedilatildeo intelectual concluiacuteda nas

universidades europeias principalmente em Coimbra o que lhes possibilitou um

contado direto com os fundamentos do liberalismo europeu Esses homens tinham

seus interesses relacionados a economia agroexportadora eram em geral

proprietaacuterios de grande extensatildeo de terras e elevado nuacutemero de escravos Portanto

tencionavam manter as tradicionais estruturas de produccedilatildeo ao mesmo tempo em

que se libertariam de Portugal e das restriccedilotildees que a relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo da

metroacutepole lhes impunha Significava enfim determinar a sobrevivecircncia de um

sistema de clientela e patronagem que representava os ideias que as revoltas

liberais europeias tentavam destruir Esse era o principal problema lidar com a

contradiccedilatildeo entre o liberalismo e a manutenccedilatildeo do trabalho escravo (COSTA 1999)

Podemos distinguir segundo Carvalho (2007) dois tipos de liberalismo no Brasil

Um deles ligado aos proprietaacuterios rurais ligados a economia de exportaccedilatildeo e trafico

de escravos e aquele dos profissionais urbanos que comeccedilas a aparecer a partir

das deacutecadas de 185060 com o maior desenvolvimento urbano e o aumento do

niacutevel de escolaridade nas cidades com a criaccedilatildeo das primeiras faculdades

Faoro (2004) tambeacutem argumenta que podemos identificar duas formas distintas de

liberalismo ao longo do seacuteculo XIX no Brasil O primeiro liberalismo vem de uma

ideologia de longa duraccedilatildeo e pode identificar seu marco fundamental em 1808 com

a abertura dos portos por D Joatildeo libertando das amarras de Portugal a produccedilatildeo

agriacutecola que agora busca ndash sem intermediaacuterios diretos - o comeacutercio internacional

poreacutem com acentuado favorecimento agrave Inglaterra As medidas satisfazem a uma

exigecircncia da Inglaterra e ao mesmo tempo aos produtores locais que se sentiam

limitados pelo pacto colonial Outro marco eacute a Independecircncia e a posterior outorga

da constituiccedilatildeo por D Pedro I que estabelece as normas para a representaccedilatildeo

poliacutetica o voto censitaacuterio e o funcionamento dos poderes legislativo e executivo

mediante uma combinaccedilatildeo de parlamentarismo e monarquia O segundo liberalismo

chega com as ideias de Joaquim Nabuco encabeccedilando um grupo reformista que

pretende as eleiccedilotildees diretas busca a limitaccedilatildeo dos poderes do Senado e do Poder

Moderador e em certa medida a defesa da aboliccedilatildeo da escravidatildeo para um futuro

proacuteximo (FAORO 2004)

a realidade socioeconocircmica no Brasil era muito diferente da europeia o que

acarretava em uma dificuldade na disseminaccedilatildeo dos ideais liberais para as camadas

populares visto que os niacuteveis de analfabetismo eram altos e os meios de

comunicaccedilatildeo poucos o que determinava uma marginalizaccedilatildeo do povo na vida

poliacutetica Tambeacutem o fato de que no Brasil o predomiacutenio de uma sociedade estamental

formada por donos de latifuacutendio que controlavam trabalhadores comuns e escravos

e a ausecircncia de uma burguesia dinacircmica que pudesse servir de suporte a esses

ideais Tudo isto fazia com que se esvaziasse o conteuacutedo dos manifestos em favor

das formas representativas de governo da soberania do povo da liberdade e

igualdade como direitos de todos os homens quando o que se via era a maior parte

da populaccedilatildeo alienada da vida poliacutetica e a manutenccedilatildeo da escravidatildeo (COSTA

1999 p29)

Em um dos periacuteodos mais conturbados da Histoacuteria do Brasil que eacute o periacuteodo da

regecircncia que vai de 1831 com a abdicaccedilatildeo de D Pedro I ateacute 1840 com o golpe da

maioridade podemos identificar uma seacuterie de movimentos poliacuteticos e trecircs facccedilotildees

que disputavam o poder os restauradores os liberais exaltados e os liberais

moderados

O grupo restaurador representava uma parte da classe dominante que apoiara D

Pedro I Com a abdicaccedilatildeo em favor de seu filho passaram a batalhar por seu

retorno ao trono brasileiro agitando os primeiros anos da Menoridade Acreditavam

que soacute uma monarquia com um regente de pulso forte e autoritaacuterio conseguiria

manter a uniatildeo do impeacuterio Seu braccedilo principal estava no senado e no Clube militar

Com a morte de D Pedro I em 1834 os caramurus ndash como eram chamados -

passaram a compor com os moderados o ldquoregresso conservadorrdquo

Os liberais moderados representavam a outra parcela da aristocracia Buscavam a

monarquia mas pelo vieacutes constitucionalista uma vez que a Constituiccedilatildeo de 1824

assegurava a sua continuidade no poder O liberalismo que rotulava essa facccedilatildeo era

apenas de fachada adequado agraves suas necessidades de classe dominante Este

grupo predominou durante os primeiros anos das Regecircncias tendo como um de

seus liacutederes principais Evaristo da Veiga Empenharam-se no combate aos

restauradores e exaltados federalistas na defesa da ordem e da centralizaccedilatildeo

fornecendo subsiacutedios para a orientaccedilatildeo governista

Os liberais exaltados que pretendiam-se uma esquerda liberal (um pouco mais a

esquerda do que os outros grupos) tambeacutem tinham viacutenculos com algumas parcelas

da aristocracia rural mas conseguiam alcanccedilar alguns outros grupos chegando

mesmo a arregimentar uma camada de homens livres destituiacutedos de propriedades

ou pequenos proprietaacuterios Variando de regiatildeo para regiatildeo desenvolviam atividades

nos centros urbanos ou nos campos oscilando numa relaccedilatildeo de dependecircncia entre

a classe dominante e a classe trabalhadora livre (FAUSTO 2001)

Enquanto os moderados defendiam a manutenccedilatildeo da ordem e das instituiccedilotildees

opondo-se a qualquer alteraccedilatildeo mais radical no contexto poliacutetico os liberais

exaltados eram reformistas Defendiam a liberdade ndash em alguns locais para

realmente todos os homens ndash e as reformas poliacuteticas chagando mesmo a defesa

do republicanismo Defendiam tambeacutem maior autonomia das proviacutencias em

contraproposta a tendecircncia centralista que se fortalecia (FAUSTO 2001)

Os membros do grupo moderado eram os regente e deputados Padre Diogo

Antocircnio Feijoacute Evaristo da Veiga Bernardo Pereira de Vasconcelos e o grande

proprietaacuterio de terras e escravos Honoacuterio Hermeto Carneiro Leatildeo

Jaacute o grupo de liberais exaltados (ou radicais) tinha como uma das principais

lideranccedilas Miguel de Frias (que ficou famoso por ter recebido a carta com a

abdicaccedilatildeo de D Pedro I) Eram favoraacuteveis agrave repuacuteblica desejavam a aplicaccedilatildeo das

ideias liberais mesmo que a custa de luta armada Agrave frente do grupo de

restauradores estavam os irmatildeos Andrada

Segundo Rodrigues (2008) a violecircncia social foi caracteriacutestica da regecircncia e com a

maioridade os uacuteltimos resquiacutecios de dissenccedilotildees foram resolvidos institucionalmente

com o fim das revoltas populares pelo interior do Brasil afastando assim os focos de

tendecircncias mais radicais Eacute a partir da ascensatildeo desse grupo moderado que se

solidifica a vertente conservadora que

() admitia a escravidatildeo a participaccedilatildeo poliacutetica restrita aos proprietaacuterios de terras e o modelo de organizaccedilatildeo juriacutedico-poliacutetico monaacuterquico Desse modo os liberais conservadores da regecircncia lutavam pela aboliccedilatildeo das instituiccedilotildees coloniais contra o despotismo o poder da aristocracia portuguesa contra a interferecircncia do Estado na vida econocircmica e pela defesa da propriedade incluindo os escravos (RODRIGUES 2008 p158)

A base de sustentaccedilatildeo do grupo moderado que se apresentava entatildeo como um

representante dos cafeicultores incluiacutea proprietaacuterios e comerciantes e tambeacutem o

grupo dos intelectuais urbanos ciando um ponto de aglutinaccedilatildeo para os outros

setores da classe proprietaacuteria

Bosi (1988) afirma que o paradoxo entre liberalismo e escravidatildeo foi somente verbal

O liberalismo ativo do trabalho ndash e do trabalhador ndash livre ldquosimplesmente natildeo existiu

enquanto ideologia dominante no periacuteodo que se segue agrave Independecircncia e vai ateacute

os anos centrais do Segundo Reinadordquo (BOSI 1998 p 05) O autor tambeacutem afirma

que para entender a articulaccedilatildeo liberal com o regime escravagista eacute necessaacuterio

compreender o modo de pensar das classes poliacuteticas dominantes no impeacuterio que se

impocircs a partir da independecircncia e se consolida entre 1831 e 1860

aproximadamente Segundo ele o que dominou em todo esse periacuteodo no Brasil foi

um ideaacuterio de fundo conservador Um conjunto de normas juriacutedico-poliacuteticas capazes

de garantir a propriedade fundiaacuteria e a escravidatildeo negra ateacute o seu limite Para que

possamos nos inteirar deste paradoxo eacute preciso entender a ascensatildeo dos grupos

que defendiam o trabalho escravo e seus liacutederes

Formado ao longo das crises da Regecircncia o nuacutecleo conservador definiu-se pela voz dos seus liacutederes Bernardo Pereira de Vasconcelos Arauacutejo Lima e Honorio Hermeto como o Partido da Ordem no ano criacutetico de 1837 e logo apoacutes a renuacutencia de Feijoacute A sua histoacuteria eacute a de uma alianccedila estrateacutegica flexiacutevel mas tenaz entre as oligarquias mais antigas do accediluacutecar nordestino e as mais novas do cafeacute no Vale do Paraiacuteba as firmas exportadoras os traficantes negreiros os parlamentares que lhes davam cobertura e o braccedilo militar chamado sucessivas vezes nos anos de1830 e 40 para debelar surtos de facccedilotildees que espocavam nas proviacutencias Ao radicalismo impotente desses grupos locais opocircs-se desde o comeccedilo o chamado liberalismo moderado que exerceu de fato o poder tanto na fase regencial quanto nos anos iniciais do Segundo Impeacuterio As divisotildees internas natildeo tocaram sua unidade profunda na hora da accedilatildeo (BOSI 1998p05)

Rodrigues (2008) tambeacutem sustenta que Bernardo de Vasconcelos e Evaristo

Ferreira da Veiga com mandatos de deputados durante a regecircncia ldquolideravam o

grupo dos liberais moderados que representava os interesses dos proprietaacuterio de

terras e dos cafeicultores Naquele momento o cafeacute era o principal produto na pauta

de exportaccedilatildeo do Brasil a partir de 1831rdquo (RODRIGUES 1988 p155) Nesse

contexto estes representantes dos cafeicultores dificilmente iriam contra a poliacutetica

da escravidatildeo visto a falta de braccedilos para a lavoura e os lucros advindos do

trabalho escravo O liberalismo praticado pelo grupo vai se tornando cada vez mais

conservador visto a necessidade de manter os interesses e o predomiacutenio do grupo

dominante Admite esta autora que ldquoo liberalismo poliacutetico posto em praacutetica pelo

grupo moderado teve como objetivo a defesa dos interesses dos proprietaacuterios e natildeo

a alteraccedilatildeo da ordem vigenterdquo (RODRIGUES 1988 P157) Com o advento da

Regecircncia os uacuteltimos focos de um liberalismo mais radical foram suprimidos com o

fim dos movimentos revoltosos pelo paiacutes o que abriu espaccedilo para a consolidaccedilatildeo

do modelo liberal conservador com alguns ajustes e concessotildees que o ajudaram a

aglutinar as dissidecircncias dos outros grupos

A importacircncia de Bernardo de Vasconcelos e Evaristo da Veiga como divulgadores

do liberalismo pode ser observada principalmente em seu trabalho como jornalistas

a frente dos jornais ldquoO Sete de Abrilrdquo e o ldquoAurora Fluminenserdquo respectivamente Tal

influencia natildeo se limita a Corte visto que outros perioacutedicos reeditavam seus

editoriais chegando o seu alcance desde o interior do Rio de Janeiro ateacute outras

proviacutencias particularmente agrave regiatildeo centro-sul do paiacutes Daiacute podemos ter uma ideia

do poder da imprensa como divulgadora de ideias ndash liberais ou natildeo ndash para os grupos

letrados Bernardo Vasconcelos chega a estabelecer uma diferenciaccedilatildeo entre os

dois liberalismos identificando os radicais como aqueles que norteavam-se pelas

ideias de Rousseau e acreditavam na luta armada e os liberais conservadores como

adeptos da conciliaccedilatildeo e a compatibilizaccedilatildeo dos novos com os antigos valores

(RODRIGUES 2008)

Neves (2001) sustenta que o liberalismo no Brasil se alavanca a partir da revoluccedilatildeo

vintista em Portugal erguida ldquoem nome da Constituiccedilatildeo da naccedilatildeo do rei e da

religiatildeo catoacutelicardquo (NEVES 2001 p76) propondo reformas que pudessem garantir ao

indiviacuteduo direitos de cidadania liberdade de expressatildeo de imprensa dentre outros

buscando o fim do despotismo como uma soluccedilatildeo para o impeacuterio O movimento tem

a adesatildeo do Paraacute e da Bahia seguidos posteriormente pelo Rio de Janeiro sendo

segundo a autora assimilada sem dificuldade pelos elementos das elites poliacutetica e

intelectuais no Brasil A proposta era buscar o novo mas sem abrir matildeo dos antigos

privileacutegios econocircmicos Esta autora sustenta que os jornais panfletos e pasquins

editados no periacuteodo auxiliaram a tomada de um vocabulaacuterio ldquoliberalrdquo pelo grande

puacuteblico que acompanhava as criacuteticas de intelectuais contra o regime divulgadas nas

diversas publicaccedilotildees criando uma rede de ideias que se multiplicava por vaacuterias

partes do paiacutes

Para Gorender (2002) os princiacutepios liberais levados adiante pelos comerciantes e

plantadores era o direito de ter uma representaccedilatildeo no estado fora das limitaccedilotildees

impostas pela poliacutetica colonial Esse processo segundo ele tem inicio apenas com a

abdicaccedilatildeo em 1831 visto que D Pedro I ainda era um representante de Portugal

aqui em nossas terras Gorender afirma que o liberalismo europeu defende o

trabalho livre a eliminaccedilatildeo das injunccedilotildees feudais do pagamento da corveia e de

todos os demais tributos que caracterizaram o sistema feudal Mas lembra tambeacutem

que o proacuteprio Adam Smith natildeo era contra a escravidatildeo nas colocircnias Ou seja o

liberalismo europeu segundo um de seus mais importantes representantes jaacute nasce

sob esta contradiccedilatildeo O autor tambeacutem sustenta que mesmo com a Revoluccedilatildeo

Francesa tendo decretado a libertaccedilatildeo dos escravos em suas colocircnias francesas

Napoleatildeo restabelece a escravidatildeo oito anos depois (GORONDER 2002) Apesar

da liberdade ser um valor importante na Europa aparentemente nas colocircnias a

poliacutetica praticada natildeo era a mesma O que nos leva a entender melhor a relaccedilatildeo

liberalismoescravidatildeo no Brasil Tambeacutem podemos lembrar aqui que mesmo as

instituiccedilotildees religiosas natildeo foram totalmente contraacuterias a escravidatildeo visto que as

ordens religiosas no Brasil mantinham escravos negros

Por tudo isso podemos entender que no processo de formaccedilatildeo do Estado Imperial

Brasileiro havia diferentes leituras e objetivos para o uso do liberalismo ligadas a

interesses especiacuteficos Por um lado como enfatiza Mattos (1987) a accedilatildeo do grupo

conservador no impeacuterio seguia no sentido da construccedilatildeo de monopoacutelios como uma

certa continuidade da poliacutetica que era praticada no periacuteodo colonial enfatizando as

relaccedilotildees de dominaccedilatildeo sustentadas pela coroa Costa (1999) identifica uma certa

originalidade no movimento poliacutetico brasileiro do periacuteodo tentando interpreta-lo

como uma figura hiacutebrida onde os elementos conservadores permanecem criando

uma amalgama com as praacuteticas liberais aceitas estruturando as instituiccedilotildees e a

visatildeo de mundo dos agentes poliacuteticos das elites dominantes sustentados pelas

classes intermediaacuterias que se desenvolvia nas cidades mas que ao mesmo tempo

viam no sistema agroexportador baseado na escravidatildeo uma dificuldade para o

desenvolvimento do capitalismo E haacute mesmo aqueles que como Carvalho (2007)

que chega a subestimar o aspecto liberal enfocando o periacuteodo na perspectiva de

que havia um pensamento conservador dominante prevalecendo no pensamento

poliacutetico local sendo a conciliaccedilatildeo entre as correntes de pensamento e os partidos a

poliacutetica da coroa com o intuito de administrar interesses e evitar conflitos e o

liberalismo sendo apenas uma face da mesma moeda Prado (2001) ainda enfatiza

que o pacto liberal era difiacutecil de ser compreendido no impeacuterio brasileiro que se

forma sob a tradiccedilatildeo ibeacuterica caracterizada pela valorizaccedilatildeo da tradiccedilatildeo e por uma

resistecircncia para as novas ideias que soacute eram experimentadas quando

extremamente necessaacuterias e sob a condiccedilatildeo de que natildeo desestruturassem a ordem

vigente Bosi (1988) sustenta ainda que o traacutefico esta apoiado por vezes pelas

proacuteprias autoridades a quem cabia fazer cessar o traacutefico Mantendo sob seu controle

terras o cafeacute e os escravos tais homens ligados a administraccedilatildeo e a poliacutetica como

o grupo ldquosaquaremardquo de Euzeacutebio Paranaacute Uruguai e Itaboraiacute apoiavam o ldquocomeacutercio

livre Primeira e principal bandeira dos colonos patriotas [ que ] natildeo significava

necessariamente e natildeo foi efetivamente sinocircnimo de trabalho livrerdquo (BOSI 1988 p

07) O que resulta segundo o autor que os moderados cedo ou tarde mostrariam

sua verdadeira face que eacute a conservadora

Os traficantes foram poupados e os projetos iluministas raros e esparsos de aboliccedilatildeo gradual foram reduzidos ao silecircncio Deu-se ao Exeacutercito o papel de zelar pela unidade nacional contra as tendecircncias centriacutefugas dos clatildes provinciais Vencidos os uacuteltimos Farrapos estava salva a sociedade no caso o Estado aglutinador de latifundiaacuterios seus representantes tumbeiros e burocracia A retoacuterica liberal trabalha seus discursos em torno de uma figura redutora por excelecircncia a sineacutedoque pela qual o todo eacute nomeado em lugar da parte impliacutecita (BOSI 1988 09)

Podemos entender com o que foi visto que o liberalismo acaba por adaptar suas

caracteriacutesticas gerais dependendo do local onde se estabelece Prado (2001) lembra

ainda que o impeacuterio no Brasil herdeiro da tradiccedilatildeo poliacutetica ibeacuterica era tambeacutem

avesso a novas ideias no campo poliacutetico que pudessem vir a desestruturar a ordem

estabelecida o que faz com que as ideias liberais assumidas sejam

preferencialmente as de cunho mais conservador Aleacutem do que Prado (2001)

concorda que com a produccedilatildeo organizada sob a exploraccedilatildeo do trabalho escravo

(altamente lucrativo no momento) era muito difiacutecil empreender qualquer movimento

em prol da igualdade e liberdade individuais

A partir da apresentaccedilatildeo deste conjunto de ideias acreditamos que seja possiacutevel

verificar se no texto de Alencar haacute ou natildeo alguma identidade com o liberalismo e a

defesa da escravidatildeo Concordando com o que diz Bosi (1988) acreditamos que

Alencar em seu texto busca uma defesa para o conservadorismo pregado pelos

latifundiaacuterios e traficantes de escravos em que a economia agroexportadora

baseada no braccedilo escravo deveria permanecer como a base econocircmica do Brasil

mantendo assim os privileacutegios dessas elites O liberalismo defendido por Alencar eacute ndash

como afirma Bosi(1988) ndash uma sineacutedoque em que a parte apresentada escolhida

determinada eacute tomada como um todo uniforme desvirtuando assim as ideias

originais do liberalismo e criando novo discurso ideoloacutegico para sustentar um grupo

que se apresenta no poder E eacute para esse discurso disseminado no texto de

Alencar que nos remetemos agora

33 AS CARTAS DE ERASMO

A carta aberta integra os gecircneros textuais caracterizados pelo caraacuteter

argumentativo Sua proposta eacute permitir que o missivista expusesse para o puacuteblico as

suas opiniotildees ou reivindicaccedilotildees acerca de um determinado assunto O gecircnero

difere-se da carta pessoal a qual trata em geral de assuntos que dizem respeito

apenas aos interlocutores nela envolvidos A carta aberta faz referecircncia a assuntos

de interesse coletivo ou que se queira coletivizar De tal modo a carta aberta pode

ser utilizada como forma de protesto contra esse problema como alerta e ateacute

mesmo como meio de conscientizaccedilatildeo da populaccedilatildeo ou de algueacutem com certa

influecircncia como por exemplo um representante de uma entidade ou do governo

acerca da problemaacutetica em questatildeo

As cartas em geral tem uma importacircncia grande como fontes para a historiografia

brasileira A epistolae era forma de comunicaccedilatildeo habitual entre os jesuiacutetas

registrando o cotidiano das primeiras deacutecadas da colocircnia Os jesuiacutetas escreviam-se

dos lugares mais distantes incentivando-se e sugerindo formas de abordagem para

os diferentes grupos aos quais tinham contato No Brasil as primeiras cartas de

Anchieta em sua maioria escritas em latim relatam detalhes da paisagem dos

costumes e das pessoas em Satildeo Paulo entatildeo Vila de Piratininga A primeira carta

do padre Joseacute Anchieta30 escrita em Setembro de 1554 e endereccedilada a Inaacutecio de

Loyola fundador da Companhia de Jesus fala da primeira missa realizada na regiatildeo

(PARIS 1997) As chamadas ldquoCartas Chilenasrdquo atribuiacutedas a Tomaacutes Antocircnio

Gonzaga e escritas em meados do seacuteculo XVIII compondo um longo e irreverente

poema satiacuterico satildeo um documento importante para auxiliar-nos na compreensatildeo da

Inconfidecircncia Mineira Famosas tambeacutem ficaram as cartas de D Pedro I a Condessa

Domitila de Castro nos mostram sete anos (1822 a 1829) de romantismo e do

cotidiano da Corte Na cultura cristatilde mais identificada conosco temos o conjunto de

cartas que Paulo escreve para as igrejas (eccleacutesia ecclesiam ἐκκλησίαν31) na Aacutesia

menor que segundo suas instruccedilotildees poderiam ser lidas para a comunidade

A carta aberta era um meio comum de participar o debate poliacutetico com o puacuteblico nas

primeiras deacutecadas da imprensa Sua publicaccedilatildeo nos jornais no caso dos deputados

como Alencar que moravam na Corte e representavam proviacutencias distantes servia

como uma prestaccedilatildeo de contas puacuteblica O jornal apesar do pouco tempo de vida no

Brasil alcanccedila no segundo reinado a qualidade de um importante agente de

agitaccedilatildeo poliacutetica Entendia-se ali que apesar da verborragia caracteriacutestica do

romantismo e presente em praticamente todos os textos natildeo oficiais o poliacutetico

estava efetivamente trabalhando por alguma coisa Oficializando para a sociedade

suas opiniotildees e posiccedilatildeo no palco poliacutetico da Corte Vaacuterias cartas abertas foram

redigidas no periacuteodo o trabalho de Alencar eacute apenas um exemplo entre muitos

outros E a liberdade de opiniatildeo e de imprensa jaacute eacute presente (e utilizada) desde o

reinado de D Pedro I garantida pela constituiccedilatildeo de 1824 Apesar de D Pedro I natildeo

ter se notabilizado por seu ldquoapoiordquo a imprensa O priacutencipe sempre foi alvo de duras

criacuteticas ateacute mesmo por sua conduta na vida privada

30 Uma ediccedilatildeo de ldquoCartas Avulsasrdquo de Jesuiacutetas - escritas no periacuteodo de 1550 a 1568 - pela Biblioteca da Cultura Nacional publicada jaacute em 1931 registra a importacircncia desse gecircnero 31

As comunidades religiosas do periacuteodo criadas sob a supervisatildeo de Paulo satildeo ainda estaacutegios

de formaccedilatildeo de uma ldquoigrejardquo cristatilde No latim claacutessico eccleacutesia apresenta uma grande variante graacutefica nos textos portugueses do seacutec XIII ao XVI Conforme CUNHA Antocircnio Geraldo da Dicionaacuterio etimoloacutegico da liacutengua portuguesa Rio de Janeiro Nova Fronteira 1982

Alencar publica as cartas e as endereccedila a vaacuterios entes poliacuteticos segundo o assunto

a que iraacute referir e dependendo do efeito e do ldquodestinataacuteriordquo que pretenda atingir Sua

posiccedilatildeo conservadora frente a escravidatildeo talvez tenha sido o tema que mais chama

a atenccedilatildeo Eacute onde centraremos o foco de nossa pesquisa na tentativa de analisar a

defesa de um projeto liberalconservador baseado na matildeo de obra escrava que vai

de encontro as pressotildees externas da Inglaterra de intelectuais franceses e mesmo

internas como a disposiccedilatildeo anunciada por D Pedro II na fala do trono de 1867 para

dar um fim a escravidatildeo no Brasil O pseudocircnimo escolhido foi Erasmo32 No periacuteodo

do recorte ainda natildeo havia um movimento abolicionista consistente vindo da opiniatildeo

puacuteblica Em publicaccedilatildeo recente33 Tacircmis Parron reedita a seacuterie das ldquoNovas Cartasrdquo

endereccediladas ao Imperador no periacuteodo de 196768 aonde procura detalhar este

ponto

Nosso objetivo com a leitura das cartas aleacutem de descobrir se houve uma defesa das

ideias liberais no Brasil ao mesmo tempo em que se tentava conciliar o ideal de

liberdade com a escravidatildeo eacute tambeacutem conseguir uma visatildeo geral do cotidiano

poliacutetico do II reinado na oacutetica de um importante intelectual do periacuteodo enquanto um

analista da dinacircmica das accedilotildees poliacuteticas e como um agente de justificaccedilatildeo do poder

da elite sobre a populaccedilatildeo como um elemento de ligaccedilatildeo das ideias (da ideologia)

desses grupos dominantes com suas vaacuterias camadas perifeacutericas Dado os limites da

pesquisa como observado anteriormente nos concentraremos na posiccedilatildeo de

Alencar frente a escravidatildeo

Apesar de ter jaacute experiecircncia como redator de jornais e manter relaccedilotildees com a

imprensa Alencar prefere publicar as cartas em forma de folhetins que eram

vendidos nas ruas e em livrarias e entregues em casa apenas por meio de 32 Uma referecircncia os filoacutesofo humanista Erasmo de Roterdatilde (1466-1536) As ideias de Erasmo teriam

sido precursoras da reforma protestante que inicia efetivamente com Lutero Dentre seus muitos

trabalhos destacamos o ldquoInstitutio Principis Christianirdquo escrito como uma seacuterie de conselhos

poliacuteticos e morais ao Rei Carlos da Espanha (mais tarde Carlos V do Sacro Impeacuterio Romano)

Acreditamos que o conhecimento de tal obra tenha sido o que sugeriu a Alencar assumir o

pseudocircnimo Erasmo

33 Ediccedilatildeo das ldquoNovas cartas poliacuteticas ao Imperadorrdquo em ALENCAR Joseacute de Cartas a favor da

escravidatildeo Org Tacircmis Parron Satildeo Paulo Heacutedra 2008

solicitaccedilatildeo anterior feita ao editor O que jaacute demonstra que Alencar natildeo pretendia

manter viacutenculos com a imprensa sobre suas opiniotildees poliacuteticas que acabariam

trazendo louros (ou problemas) para o jornal a que ele estivesse vinculado Apesar

do pseudocircnimo natildeo era difiacutecil descobrir o autor dos textos visto que o grupo de

agentes poliacuteticos era reduzido na Corte no periacuteodo imperial e o estilo literaacuterio de

Alencar jaacute fazia sucesso

Tomaremos aqui para a nossa anaacutelise a nova ediccedilatildeo das cartas publicada pela

Academia Brasileira de Letras em 2009 tendo a organizaccedilatildeo do professor e

historiador Joseacute Murilo de Carvalho que se baseou para esta publicaccedilatildeo nos

exemplares originais da biblioteca da Cacircmara dos Deputados em Brasiacutelia o que nos

proporciona uma visatildeo iacutentegra do texto Segundo R Chartier (2009) eacute preciso ter

cuidado com as possiacuteveis adaptaccedilotildees que editores realizam para que determinada

obra natildeo tenha sua leitura ldquofacilitadardquo para o grande puacuteblico podendo mesmo admitir

cortes Acreditamos que natildeo seja o caso aqui A publicaccedilatildeo com a qual

trabalharemos conteacutem as seguintes cartas

Ao Imperador Cartas de Erasmo de 1865 no caso a segunda ediccedilatildeo de 1866

Uma carta ldquoAo Redator do Diaacuteriordquo (do Rio de Janeiro)

Ao Povo Cartas Poliacuteticas de Erasmo de 1866 acompanhadas das cartas ldquoAo

Marquecircs de Olindardquo e ldquoAo Visconde de Itaboraiacute Carta de Erasmo Sobre a Crise

Financeirardquo

Ao Imperador Novas Cartas Poliacuteticas de Erasmo de 1867-68

Eacute preciso explicar uma diferenccedila baacutesica entre as cartas e os folhetins O chamado

ldquoromance de folhetimrdquo chega ao Brasil por volta do iniacutecio do seacuteculo XIX e assim

como na Inglaterra e na Franccedila cai no gosto popular e eacute responsaacutevel por uma parte

importante do desenvolvimento intelectual da populaccedilatildeo Visto que a educaccedilatildeo era

um bem muito caro os romances divulgavam ideias e uma moral

caracteristicamente burguesa para uma parte importante da populaccedilatildeo o que era

desejaacutevel e estimulavam o prazer da leitura A maioria dos tiacutetulos vem traduzida do

original inglecircs (ou francecircs) No Rio de Janeiro salas de leitura (gabinetes) foram

criadas as bibliotecas constituiacutedas (natildeo somente para brasileiros mas para muitos

ingleses que aqui tinha organizado sua vida) emprestavam livros a preccedilos moacutedicos

e pelo seu desenvolvimento cabe questionar o mito de que a maioria da populaccedilatildeo

natildeo tenha nenhum tipo de alfabetizaccedilatildeo O prazer das histoacuterias e a seduccedilatildeo que

estas apresentavam jaacute comenta o Alencar eram muito apreciadas Ele quando

ainda menino lia romances em voz alta para as pessoas em uma sala de estar

acalenta o coraccedilatildeo do povo que por tantos motivos foi privado da alfabetizaccedilatildeo

(NETO 2006)

Alencar se aproveita da praacutetica da publicaccedilatildeo de tais romances em colunas de

jornais regulares Ele mesmo teria oferecido nas paacuteginas da Gazeta do Rio de

Janeiro o romance O Guarani entatildeo um sucesso Os leitores confiantes na

periodicidade aguardavam os proacuteximos capiacutetulos dos romances em dias

determinados Sabendo disso Alencar cria tambeacutem uma ldquoperiodicidaderdquo para as

suas cartas anunciada desde a primeira e veiculada por meio de uma nota do

editor O missivista trata do tema como em uma novela usando sua retoacuterica

romacircntica para alcanccedilar os gostos mais diversos Vem daiacute a procura das cartas

pelos leitores nas terccedilas-feiras dia de sua circulaccedilatildeo A questatildeo da impressatildeo da

carta em folhetim eacute justificada por ser este um meio barato e de raacutepida finalizaccedilatildeo

As cartas satildeo pois impressas em folhetins este eacute o seu suporte Poreacutem natildeo

constituem um romance de folhetim gecircnero tambeacutem relativamente novo no periacuteodo

Folhetim aqui eacute formato do veiacuteculo um pequeno caderno com folhas encartadas

mais parecido com um jornal em tamanho modesto como eram comuns os jornais

na primeira metade do oitocentos Outro sentido dado ao termo (que ajuda na

confusatildeo) ldquofolhetimrdquo indica um texto publicado no rodapeacute da paacutegina do jornal com

comentaacuterios sobre os fatos correntes no meio caminho entre o texto informativo e a

crocircnica em que o jornalista geralmente emitia sua opiniatildeo sobre o assunto tratado

Alencar com sua coluna semanal ldquoao correr da penardquo se especializa nesse estilo de

escrita Por fim lembramos que com as cartas em tais suportes Alencar retoma de

certa forma a tradiccedilatildeo dos pasquins como um tipo de publicaccedilatildeo criacutetica escrita por

uma pessoa apenas e jaacute presente no Brasil mesmo antes da independecircncia em

forma satiacuterica e ateacute mesmo panfletaacuteria (BAHIA 1990)

Eacute mesmo possiacutevel que algueacutem um funccedilatildeo dessas caracteriacutesticas do suporte tenha

chegado a pensar nas cartas como uma ficccedilatildeo em que o imperador e o congresso

figurassem como personagens em mais um drama ou comeacutedia do autor mas isto eacute

soacute uma suposiccedilatildeo deixaremos essas questotildees para a vertente de romancista do

Alencar com suas anotaccedilotildees na pasta da gaveta Mesmo assim sendo esta uma

possibilidade entendemos que a releitura e emprego de fontes tradicionais podem

mesclar-se a partir do meacutetodo utilizado com a invenccedilatildeo de novas fontes que nos

possibilitem uma interpretaccedilatildeo do pensamento dos atores de determinado periacuteodo

(CHARTIER 1990) O jornalismo como instrumento de convencimento poliacutetico

caracteriza a imprensa brasileira na primeira metade do seacuteculo XIX e continua

assim mesmo que de forma mais branda no segundo reinado (ROMANCINI 2007)

Eacute desta forma que caracterizaremos inicialmente o texto das cartas de Erasmo

Joseacute Murilo de Carvalho (2007) sustenta que a despeito da tradiccedilatildeo familiar tendo

sido seu pai um importante poliacutetico representante do partido Liberal as ideias de

Alencar tendiam mais para a proposta conservadora Mas como jaacute comentamos

tais diferenccedilas ndash apesar de existirem ndash eram tatildeo somente maneiras de se posicionar

frente a um mesmo sistema de dominaccedilatildeo o que nos faz crer que exista uma

postura liberalconservadora como modelo para a manutenccedilatildeo do poder a ser

construiacutedo pelas elites e nesse momento tambeacutem atraveacutes de alguns setores da

imprensa Eacute o que buscaremos aqui atraveacutes de uma anaacutelise criacutetica do texto

tentando formular hipoacuteteses em seu curso e deduccedilotildees a partir dos dados obtidos

Cabe lembrar que as cartas de Erasmo satildeo publicadas no periacuteodo entre 17 de

novembro de 1865 e 15 de marccedilo de 1868 portanto antes de Alencar assumir o

ministeacuterio da Justiccedila Talvez a leitura das cartas tenha influenciado a opiniatildeo de

Itaboraiacute na ocasiatildeo do convite de Alencar para compor o ministeacuterio e mesmo na

decisatildeo de D Pedro II para o aceite do ministro Aqui surge uma questatildeo Sustenta-

se que uma das razotildees de D Pedro natildeo ter escolhido Alencar para ser ldquopremiadordquo

com uma cadeira no senado se daria em funccedilatildeo de seu temperamento impulsivo

Que o imperador natildeo podia ldquoconfiarrdquo no Alencar por natildeo saber que tipo de ideais

poderiam sair daquela cabeccedila em dias de arroubo - eacute o que consideram Schwarcz

(1999) e Menezes (1965) Acreditamos tendo por base a pesquisa que D Pedro II

jaacute teria reconhecido no Alencar uma possibilidade para a cooptaccedilatildeo do intelectual haacute

muito tempo E seu ideal conservador e monarquista eacute determinante O imperador

conhecia o Alencar estudou suas accedilotildees por meio das cartas conhecia seus

romances e assistiu aos espetaacuteculos de teatro que o artista criara A ideia de uma

sociedade liberal assentadas na base escravista vinha a calhar com o pensamento

necessaacuterio para a manutenccedilatildeo do Estado no periacuteodo Dom Pedro II era - de certa

forma segundo sustenta Menezes - um seu ldquofatilderdquo E quando do aceite de seu nome

para o ministeacuterio da justiccedila o imperador sabia muito bem onde pisava

As cartas nos mostram a situaccedilatildeo poliacutetica do paiacutes a escravidatildeo e a opiniatildeo de

Alencar sobre como deveria funcionar uma monarquia representativa Um ponto

importante a ser levado em conta eacute o diacronismo caracteriacutestico da seacuterie Sua

publicaccedilatildeo semanal com respeitaacutevel regularidade entre 1965 e 1968 permite a

Alencar uma visatildeo do cotidiano da Corte e suas transformaccedilotildees inclusive as

respostas (muitas vezes diretas de interlocutores que se apresentavam em outras

veiacuteculos ou mesmo na cacircmara) agraves suas criacuteticas o que conduzia a reavaliaccedilotildees eou

reafirmaccedilotildees de posiccedilatildeo do missivista sempre para um proacuteximo nuacutemero

Admitindo que uma sociedade da corte como lembra Chartier (1990) citando um

estudo de Norbert Elias eacute uma formaccedilatildeo social caracterizada por um estatuto de

dependecircncia das relaccedilotildees sociais existentes entre os sujeitos esta constitui

portanto uma forma particular de sociedade onde a Corte desempenha um papel

central que se caracteriza por um conjunto especiacutefico de relaccedilotildees de poder nesse

dado momento Natildeo somente a Corte brasileira no segundo reinado mas a

sociedade caracterizada (construiacuteda pode-se dizer) na e pela Corte como um

modelo para o restante do paiacutes criar um modelo (ou um conceito) na Corte seria

uma forma de agenciamento de tais modelos para os grupos perifeacutericos

Eacute preciso esclarecer por fim que o conteuacutedo das cartas natildeo eacute novo como natildeo eacute

nova sua apresentaccedilatildeo e estudo feitos por comentaristas de renome como por

exemplo os citados Raimundo Menezes e Joseacute Murilo de Carvalho O que se

propotildee aqui eacute buscar nas indicaccedilotildees nas proposiccedilotildees enfim nos iacutendices deixados

no texto uma visatildeo mais abrangente que as caracteriacutesticas de Joseacute de Alencar ndash

com seu estilo marcante ndash propotildeem na escritura - o que trataremos aqui como

documento Vale a ressalva de que as ldquocartas poliacuteticasrdquo natildeo a satildeo a primeira

experiecircncia de Alencar no gecircnero A polecircmica sobre a ldquoConfederaccedilatildeo dos Tamoiosrdquo

com Gonccedilalves de Magalhatildees (e com o grupo que o apoiava) lhe garante uma

experiecircncia soacutelida no debate aberto Cabe tambeacutem enquanto delimitaccedilatildeo do objeto

a caracterizaccedilatildeo dos leitores Alencar escreve para as elites (natildeo que soacute membros

da elite carioca tivessem acesso aos textos tambeacutem funcionaacuterios puacuteblicos diversos

pequenos comerciantes profissionais liberais mesmo um puacuteblico leigo que se

interessava pelo cotidiano poliacutetico do Rio de Janeiro ndash como o demonstramos em

toacutepico anterior - e que deveria ser consideraacutevel visto a quantidade de pequenos

jornais e folhetos impressos para a divulgaccedilatildeo de ideias de poliacuteticos e partidos Mas

estes natildeo eram entatildeo seu principal alvo) tendo a imprensa ndash a miacutedia impressa visto

que a impressatildeo do texto foi feita em folhetins ndash como veiacuteculo que o permitiria levar

suas ideias a um grupo maior detentor de uma opiniatildeo que pode ser mobilizadora

ou mobilizada aqui temos clara a afirmativa de Chartier (1990) que sustenta que a

proacutepria cultura da elite eacute constituiacuteda em grande parte por um trabalho operado em

material que lhe seja proacuteprio que por esta eacute reconhecido Sendo assim sobre tais

elites definimo-las com o apoio de Boacutebbio

() uma minoria que por vaacuterias formas eacute detentora do poder em contraposiccedilatildeo a uma maioria que dele estaacute privada () Em todas as sociedades a comeccedilar por aquelas mais mediocremente desenvolvidas e que satildeo apenas chegadas aos primoacuterdios da civilizaccedilatildeo ateacute as mais cultas e fortes existem duas classes de pessoas a dos governantes e a dos governados A primeira que eacute sempre a menos numerosa cumpre todas as funccedilotildees puacuteblicas monopoliza o poder e goza as vantagens que a ela estatildeo anexas enquanto que a segunda mais numerosa eacute dirigida e regulada pela primeira de modo mais ou menos legal ou de modo mais ou menos arbitraacuterio e violento fornecendo a ela ao menos aparentemente os meios materiais de subsistecircncia e os que satildeo necessaacuterios agrave vitalidade do organismo poliacutetico (BOBBIO1998 p385)

Alencar tinha conhecimento do alcance das cartas Mas o seu destinataacuterio o ldquoleitorrdquo

referencial eacute o imperador D Pedro II A figura do homem bom protetor dos

inocentes iacutentegro e saacutebio mecenas das artes amigo dos intelectuais e tudo o mais

que ficou caracterizado para a posteridade jaacute estava constituiacutedo no periacuteodo o

homem que por tudo se interessava mas natildeo se interessava pelo Brasil

(CARVALHO 2007) E a criacutetica a uma atitude passiva do imperador frente aos

problemas da poliacutetica da administraccedilatildeo puacuteblica ao seu papel constitucional de

mediador de contendas de apaziguador de disputas de fiel da balanccedila eacute o mote

para o conjunto de cartas a que se entrega mui respeitosamente o Alencar

331 AO IMPERADOR (ALENCAR 2009 p09-113)

Na primeira carta endereccedilada ao Imperador um tratamento respeitoso eacute justo e

necessaacuterio Alencar se dirige a D Pedro II como ldquoSenhorrdquo e anuncia-se logo na

primeira linha por um anunciador da verdade Escreve ldquoA verdade filha do ceacuteu

como a luz natildeo se apagardquo (ALENCAR 2009 p09) que natildeo eacute uma ldquofigura de estilordquo

que sugere a referecircncia inicial Alencar se apresenta como portador desta verdade

encarnada que passaraacute a analisar os problemas da sociedade Continua entatildeo

marcando seu territoacuterio entre os grandes quando diz que ldquoagraves vezes eacute um historiado

como Taacutecito ou um poeta como Juvenal outras eacute Demoacutestenes o orador ou

Secircneca o filoacutesofordquo (ALENCAR 2009 p09) E estre eles o nosso autor Alencar

apresenta-se como figura conhecedora do pensamento claacutessico colocando-se como

argumentador que se basearaacute nos princiacutepios do Direito e conhecedor dos princiacutepios

de ciecircncia poliacutetica para sua anaacutelise Apresenta-se como uma autoridade elevando o

debate natildeo a uma reclamaccedilatildeo pessoal sobre o governo mas a condiccedilatildeo de um

criacutetico consciente do sistema de governo que estaacute posto

A posiccedilatildeo de Alencar eacute de apoio agrave monarquia As primeiras cartas satildeo um apelo ao

imperador para que intervenha no executivo e no legislativo para tirar o paiacutes do

momento de crise poliacutetica social e econocircmica que o teriam levado o Partido Liberal

e a poliacutetica de conciliaccedilatildeo Segundo Alencar haacute uma distinccedilatildeo entre as tarefas do

Imperador como titular do Poder Moderador e como chefe do Executivo Cita

Montesquieu em O espiacuterito das Leis em uma passagem que fala da falta de

participaccedilatildeo popular na poliacutetica mas apenas para lembrar ao imperador a teoria da

separaccedilatildeo e independecircncia dos poderes Natildeo chega a citar os argumentos deste

autor contra a escravidatildeo

Defende Alencar que o poder moderador seria um mediador entre a constituiccedilatildeo e o

povo Eacute possiacutevel pensar na accedilatildeo do Poder Moderador como algo que permitia

conquanto suas interferecircncias uma modificaccedilatildeo nas formaccedilatildeo das facccedilotildees das

elites no poder permitindo uma alternacircncia de grupos e partidos (CARVALHO

2007) mas tambeacutem como Alencar aprovava e propotildee na carta o poder moderador

como um instrumento de ldquotomada do poderrdquo pelo monarca com o consentimento do

povo Cabe lembrar que fato parecido ocorre com D Pedro I com a destituiccedilatildeo da

Assembleia Constituinte em 1823 e a outorga de uma nova Constituiccedilatildeo Chega

mesmo a afirmar em um trecho a caracteriacutestica liberal da constituiccedilatildeo quando diz

que ldquoo primeiro reinado em oito anos legou-nos a constituiccedilatildeo belo padratildeo de

sabedoria e liberalismordquo (ALENCAR 2009 p19) esquecendo-se de citar o anterior

fechamento da Assembleia constituinte

Alencar escreve sobre o momento de singular impopularidade pelo qual passa D

Pedro II satirizado ldquopelos teatros e praccedilas a vozeria da gente leviana que entre

hinos e flores vos sauacuteda como o heroacutei da Uruguaiana34rdquo (ALENCAR 2009 p12)

devido agrave longevidade que alcanccedila a guerra e proclama-se um seu defensor frente

aos acontecimentos poliacuteticos que este segundo Alencar ldquodesconhecerdquo E iraacute tornar

puacuteblica ldquoa verdade inteira a respeito do paiacutes sobre os homens como sobre as

coisas ()rdquo (ALENCAR 2009 p14) A culpa na opiniatildeo de Erasmo natildeo seria de D

Pedro II mas da administraccedilatildeo Eacute certo que os gastos com a guerra atrapalham ou

impossibilitam uma seacuterie de investimentos necessaacuterios para o desenvolvimento do

Brasil As despesas provenientes do conflito foram enormes ldquo614 mil contos de

reacuteis onze vezes o orccedilamento governamental para o ano de 1864 criando um

deacuteficit que persistiu ateacute 1889rdquo (SCHWARCZ 1999 p459)

Alencar termina a primeira carta citando Salomatildeo ldquoMisericordia et veritas custodiunt

regem35rdquo (ALENCAR 2009 p15) Apelando para a honra e seguindo a citaccedilatildeo para

34 D Pedro II assistiu a rendiccedilatildeo dos paraguaios no chamado ldquocerco de Uruguaianardquo

35 A misericoacuterdia e a verdade protegem o rei

a sabedoria de D Pedro II justifica a intervenccedilatildeo que este deveria fazer e garante

que o povo lhe veria novamente como um restaurador (palavra cara ao Alencar) da

normalidade Para tanto desenha um ldquopanteatildeordquo poliacutetico ideal da restauraccedilatildeo

proclamando-os defensores da honestidade e da honra Satildeo citados ldquoos Feijoacutes

Vergueiros Andradas Paulas Souzas Limpos Torres e Paulinos36rdquo (ALENCAR

2009 p17) Jaacute na primeira carta podemos observar a predominacircncia da pregaccedilatildeo

de uma sociedade conservadora monarquista aristocraacutetica onde o imperador

ldquogoverna e administrardquo e precisa mostrar que tem tal poder concordando assim com

a tendecircncia do liberalismo moderado que defende que a sociedade soacute poderaacute viver

em paz com um poder forte e centralizado (BOSI 2013) Alencar chega a criticar a

liberdade de imprensa em sua narraccedilatildeo algo que chega a ser discutiacutevel na posiccedilatildeo

de algueacutem que edita um panfleto poliacutetico

A crise na governanccedila proclamada pelo panfletista pode ser entendida de modo

diverso O discurso de Alencar eacute ideoloacutegico no sentido de tentar fazer com que as

transformaccedilotildees histoacutericas sejam negadas e entendidas como uma crise no sistema

O momento (o surgimento digamos) da sociedade ideal eacute dado pela fixaccedilatildeo dos

ldquomaacutertiresrdquo a que Alencar se refere ndash indicando a clara presenccedila de uma aristocracia -

e qualquer mudanccedila neste modelo ideal eacute determinada como uma crise Numa

leitura da teoria de Gramsci por Chauiacute essa construccedilatildeo eacute tida como uma

representaccedilatildeo e uma ideologia ldquoA ideologia eacute um discurso que se desenvolve sob o

modo da afirmaccedilatildeo da determinaccedilatildeo da generalizaccedilatildeo () trazendo a garantia da

existecircncia de uma ordem atual ou virtualrdquo (CHAUI 1997 p33) Quando essa

ordem necessaacuteria ao discurso eacute contestada temos uma crise

A crise eacute imaginada entatildeo como um movimento de irracionalidade que invade a racionalidade gera desordem e caos e precisa ser conjurada para que a racionalidade anterior ou outra nova seja restaurada A noccedilatildeo de crise permite representar a sociedade como invadida por contradiccedilotildees e simultaneamente toma-las como um acidente um desarranjo pois a harmonia eacute pressuposta como sendo de direito reduzindo a crise a uma desordem fatual provocada por enganos voluntaacuterios ou involuntaacuterios dos agentes sociais ou por mau funcionamento de certas partes do todo A crise serve assim para opor uma ordem ideal a uma desordem real () (CHAUI

36 Diogo Antocircnio Feijoacute Nicolau Pereira de Campos Vergueiro Joseacute Bonifaacutecio de Andrada e Silva

Francisco de Paula Souza e Melo Antocircnio Paulino Limpo de Abreu Joaquim Joseacute Rodrigues

Torres e Paulino Joseacute Soares de Souza

1997 p37)

O discurso de Alencar sugere o momento ideal no qual os indiviacuteduos devem se

remeter para aceitar as instituiccedilotildees puacuteblicas a vida e as relaccedilotildees de poder que os

conduzem Um discurso que partindo do social se torna poliacutetico e degenerando-se

dominador

Tornando ao texto na segunda carta Alencar critica a relaccedilatildeo dos ministros com

seus representantes nas proviacutencias ndash delegados ndash os quais acusa de abuso de

poder Repete-se aqui nada mais que o sistema estamental de que nos fala

Raimundo Faoro em que o poder se apresenta na figura do funcionaacuterio do governo

como o governo Natildeo um representante do Rei mas se tornando um rei local em

miniatura (FAORO 2004) Alencar chama particular atenccedilatildeo para as financcedilas que

nomeia como ldquoforccedilas musculares da naccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p24) Alude aos

gastos com armamentos supeacuterfluos (no caso armamentos jaacute sem valor para uso)

destinados a uma raacutepida deterioraccedilatildeo e as dificuldades tambeacutem em consequecircncia

da guerra de conseguir alguma credibilidade financeira das naccedilotildees europeias o que

afetaria ndash e oneraria ndash as importaccedilotildees de maneira geral e tambeacutem as negociaccedilotildees

dos empreacutestimos contraiacutedos no exterior que datavam da eacutepoca de D Pedro I

referentes ao reconhecimento do Brasil como independente e a indenizaccedilatildeo de

Portugal Reconhece que a alta no preccedilo do algodatildeo e a receita gerada natildeo chegam

para sustentar tantas e tatildeo altas despesas visto que as boas safras natildeo satildeo

constantes e a paz conseguida nos Estados Unidos acabaria por determinar uma

queda de preccedilos Esclarece ainda sobre uma crise nas duas maiores fontes de

renda do Estado o comeacutercio ldquojungido a uma liquidaccedilatildeo forccedilada que principiou em

10 de setembro de 1864 e terminaraacute ningueacutem sabe quandordquo (ALENCAR 2009 p25)

e a agricultura ldquoameaccedilada pela questatildeo magna da emancipaccedilatildeo que avanccedila a

grandes passos e estremece ateacute o intimo a sociedaderdquo (ALENCAR 2009 p 25)

O missivista acha por bem terminar a segunda carta com um leve ldquosolavancordquo no

imperador conclamando-o agrave luta em dois paraacutegrafos exemplares

Quando um povo livre abdica o pleno exerciacutecio da soberania eacute dever imperioso do monarca seu primeiro representante assumir essa grande massa inerte de poder para evitar que ela seja dissipada por um grupo de ambiciosos vulgares

Ache ao menos a liberdade que desertou a alma sucumbida da paacutetria um abrigo agrave sombra do manto imperial para que natildeo morra conspurcada nos tripuacutedios da anarquia (ALENCAR 2009 p 26)

Faltava que D Pedro II tomasse as reacutedeas da situaccedilatildeo Alencar entende que essa

sociedade constitucionalista eacute responsabilizada pela maacute administraccedilatildeo visto que os

governantes tambeacutem fazem parte do contrato e devem dar conta de suas accedilotildees sob

pena de serem substituiacutedos Afirma novamente o Alencar que o povo apoiaria o

Imperador em sua accedilatildeo e esperava mesmo por isso Alencar alude mais uma vez

a uma velha foacutermula conservadora de que o imperador reina governa e administra

(Carvalho 2007)

O missivista eacute duro na criacutetica com o periacuteodo chamado conciliaccedilatildeo Uma ldquocorrupccedilatildeo

geral dos partidos () dissoluccedilatildeo dos princiacutepiosrdquo (ALENCAR 2009 p30) da proacutepria

existecircncia da democracia Classificando conciliaccedilatildeo como um termo honesto e

decente para qualificar ldquoa prostituiccedilatildeo poliacutetica de uma eacutepocardquo (ALENCAR 2009

p30) Alencar enxergava aleacutem de sua criacutetica uma dificuldade criada pela

conciliaccedilatildeo para a eleiccedilatildeo de novos quadros para a Cacircmara e consequentemente

os ldquoarranjosrdquo eleitorais para o Senado cargo a que ele pretenderia poucos anos

depois (sua situaccedilatildeo como bacharel lhe garantiu ateacute o momento um emprego como

jornalista e uma mesa em um escritoacuterio de advocacia)

Os partidos segundo ele seriam a miliacutecia da naccedilatildeo entende ele que o povo deve

participar e fiscalizar o legislativo satildeo eles que garantem a existecircncia e a preservam

instituiccedilotildees da monarquia e do povo Em outro momento ao se referir novamente

agraves coalizotildees que se seguem ano apoacutes ano no parlamento questiona com espanto

como pode ser que ldquocidadatildeos individualmente probos e cordatos se consolidam

assim com a escoacuteria em uma liga monstruosa que humilha a cada um no recesso

da consciecircnciardquo (ALENCAR 2009 p36) A criacutetica de Alencar mostra menos sua

preocupaccedilatildeo com a democracia sustentada pelas ideias de partidos diversos em

uma luta pelo poder princiacutepio baacutesico do liberalismo que a preocupaccedilatildeo com a

homogeneizaccedilatildeo das ideias que pode dar mais espaccedilo para grupos diversos

alcanccedilarem cargos na administraccedilatildeo puacuteblica

Segundo Carvalho (2007) a liga natildeo foi propriamente um partido mas uma

orientaccedilatildeo poliacutetica e Alencar a considerava como um ldquomomentordquo da conciliaccedilatildeo

Nada mudaria afinal As eleiccedilotildees continuariam a serem compradas com as

ldquoceacutedulas pagas agrave vista ou descontadas com promessas de pingues empregos e

depreciadas condecoraccedilotildeesrdquo (ALENCAR 2009 p37) O circo estava posto os

comiacutecios apresentados como espetaacuteculos nos teatros puacuteblicos a imprensa tatildeo

ldquobem desenhada nesta grande capital que mata as folhas poliacuteticas e soacute fomenta as

gazetas industriaisrdquo37 (ALENCAR 2009 p37)

Termina a carta de 03 de dezembro desiludido mas natildeo sem lanccedilar seu bilhete da

sorte

O povo inerte os partidos extintos o parlamento decaiacutedo Restam eacute verdade alguns cidadatildeos eminentes abrigados na tribuna vitaliacutecia como as reliacutequias do senado romano esperam tranquilos em suas curules o momento de morrer com a liberdade que amaram (ALENCAR 2009 p37)

O Senado eacute visto aqui como a instituiccedilatildeo merecedora de creacutedito dentro de tudo o

mais que foi criticado Mas seraacute que os olhos do missivista natildeo procuravam jaacute por

uma cadeira naquela casa

A carta datada de 09 de dezembro inicia derramando louros sobre a cabeccedila de D

Pedro II Alencar chega a chama-lo pelo epiacuteteto de Rei sol logo depois se corrigindo

(se eacute que isso seja possiacutevel) e tratando de conduzir a luz do imperador do Brasil

para longe da referecircncia de Luiz XIV ndash seria ele ldquoo foco brilhante que rege todo um

sistema e dardeja luz e calor para a naccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p39) O foco

realmente estaacute em criacuteticas puacuteblicas de que haja certa interferecircncia do imperador na

37 Alencar sabe que o leitor de poliacutetica busca os folhetos e pasquins comuns no periacuteodo O leitor de

jornais regulares busca outros atrativos Ele mesmo aumentou a venda da ldquoGazeta do Rio de

Janeirordquo enquanto seu soacutecio e editor com a publicaccedilatildeo de um romance de folhetim O Guarani

administraccedilatildeo (na maacute administraccedilatildeo) o que Alencar chama de modo de governo

pessoal responsabilizando o imperador pelos atos dos ministros apesar da

responsabilizaccedilatildeo expressa pela doutrina liberal de que o governante estaacute laacute para

exercer a soberania dada a ele pelo povo Cabe lembrar que pela constituiccedilatildeo do

Impeacuterio o Imperador natildeo poderia ser responsabilizado por suas accedilotildees A referecircncia

ao Rei Sol se daacute neste sentido pois a constituiccedilatildeo brasileira de 1824 no seu artigo

99 diz claramente que a pessoa do Imperador eacute sagrada e inviolaacutevel38 Ele natildeo estaacute

sujeito a responsabilidade alguma Eacute enquanto do exerciacutecio do Poder Moderador

que adviriam as responsabilidades Por vezes temos a impressatildeo de que Alencar

exagera sua veia romacircntica como uma forma pessoal de provocaccedilatildeo No momento

defende a postura de D Pedro

Minha convicccedilatildeo vai muito aleacutem Natildeo somente nenhuma influecircncia direta exerceis no governo mas vosso escruacutepulo chega ao ponto de frequentes vezes concentrar aquele reflexo que uma inteligecircncia satilde e robusta como a vossa deve derramar sobre a administraccedilatildeo (ALENCAR 2009 p 39)

Depois de alguns anos jaacute como Ministro Alencar se arrependeraacute dessas palavras

enquanto observa os muitos ldquobilhetinhosrdquo de D Pedro sobre sua mesa indagando e

bisbilhotando na pasta da Justiccedila Mas a verdade eacute que Alencar eacute um dos

defensores da responsabilizaccedilatildeo do monarca por seus atos recaindo esta (sendo

dividida) tambeacutem sobre o ministeacuterio O que determinaria o poder moderador como

limitado longe do despotismo de Luiz XIV Como um bom conservador Alencar eacute

dogmaacutetico e pessimista quanto as mudanccedilas que poderiam acontecer se o

Imperador natildeo se impusesse

Em um segundo momento compara D Pedro II a Jorge III da Inglaterra pela

inflexibilidade do caraacuteter e poder39 cita o episoacutedio em que depois de muitas

tentativas consegue sucesso com um ministeacuterio em que liberais e conservadores

trabalhassem juntos ldquona ceacutelebre coalizatildeo de North Fox Cavendish Keppel Burke e

outrosrdquo (ALENCAR 2009 p41) Mas laacute sustenta formaram-se ldquopartidos vigorosos

38

Conforme a CONSTITUICAtildeO POLIacuteTICA DO IMPERIO DO BRAZIL (DE 25 DE MARCcedilO DE 1824)

Disponiacutevel por exemplo em wwwplanaltogovbrccivil_03constituiccedilatildeo24htm 39 Jorge III foi cognominado ldquoo loucordquo por apresentar problemas de sanidade mental durante seu

reinado

que agrave inflexibilidade da coroa opunham a firmeza e rigidez de seus princiacutepiosrdquo No

Brasil ndash segundo Alencar - o parlamento estaacute entregue a homens preocupados com

seu poder e capacidade de enriquecimento esquecendo-se do povo e mesmo da

eacutetica que os deveria conduzir

Nesta carta volta a criticar as coalisotildees que se operam nas casas poliacuteticas inclusive

no conselho de Estado aonde chega a sugerir que estes (os conselheiros) estejam

em busca por ldquoapenas uma aliagem [sic] de individualidades na esperanccedila de

engrandecimento pessoalrdquo (ALENCAR 2009 p42) Critica tambeacutem a instituiccedilatildeo dos

Voluntaacuterios da Paacutetria acreditando ser uma forma de fragmentar a hierarquia dentro

do exeacutercito sugerindo algo feito a revelia de D Pedro II e a que este se aliaria

depois para agradar ao grupo

Apreciais devidamente o exeacutercito que ama com entusiasmo seu monarca e zeloso protetor Natildeo era possiacutevel que cogitaacutesseis um meio de desgostaacute-lo profundamente estabelecendo preferecircncias a favor de bisonhos soldados com pretericcedilatildeo de bravos veteranos cheios de serviccedilos e jaacute traquejadas pela vitoacuteria (ALENCAR 2009 p 43)

O imperador foi para Uruguaiana como o primeiro voluntaacuterio da paacutetria em um

exemplo de patriotismo e espiacuterito de lideranccedila e tentando tambeacutem criar um estado

de acircnimo geral no oficialato Aqui ainda natildeo estaacute o Alencar a se referir ao

recrutamento forccedilado de homens pelos presidentes das proviacutencias que viria mesmo

a criticar enquanto ministro como uma violaccedilatildeo da liberdade E por falar em

ministros a incompetecircncia destes ndash chamados por ele de ldquoefecircmerosrdquo - eacute ponto

paciacutefico Em sua criacutetica tambeacutem natildeo deixa de alfinetar o imperador garantindo que

os ministros fraacutegeis que satildeo ldquonatildeo ousariam tanto sem a certeza do apoio da coroardquo

(ALENCAR 2009 p42) Acusaccedilotildees de corrupccedilatildeo preenchem as vaacuterias paacuteginas das

cartas e indicam senatildeo cumplicidade ao menos consciecircncia do imperador sobre tal

situaccedilatildeo Alencar encena uma defesa mas ao mesmo tempo critica a praacutetica da

(podemos chamar) natildeo-interferecircncia no executivo por parte do Imperador Ao fim

qualquer atitude da coroa de accedilatildeo ou omissatildeo eacute objeto para o jogo de poder que se

daacute no parlamento

Em certo ponto da carta faz uma alusatildeo a Caxias chamado para o comando de

tropas no Rio da Prata A figura de Caxias - da parte que interessava ao Alencar -

era um poliacutetico respeitado vinculado ao partido conservador Surgindo como um

salvador da paacutetria exigia atenccedilatildeo do ministeacuterio e do Imperador No episoacutedio do

desentendimento com Zacarias de Goacuteis em 1868 entatildeo presidente do gabinete o

primeiro sairia vencedor mas sua vitoacuteria mudaria em muito os rumos da poliacutetica

nacional Mas por agora o ocircnus de um desenvolvimento deficiente das tropas na

guerra recaiacutea sobre o imperador Esta era a fala de Alencar e segundo ele ldquoesta eacute a

verdaderdquo (ALENCAR 2009 p47)

Na quita carta Alencar toma as figuras de Maquiavel e de Dacircmocles - uma

personagem da mitologia grega a quem se atribui uma faacutebula sobre a precariedade

do poder Nota-se ateacute aqui a facilidade com que Alencar se refere a mitologias

diversas indicando que o texto se dirige a um puacuteblico seleto No impeacuterio era uma

praacutetica a menccedilatildeo a mitologia greco-romana e a figuras biacuteblicas como forma de

demonstrar o domiacutenio de uma cultura letrada (o que eacute particularmente importante

para o Alencar que segundo Neto (2006) era visto com certo preconceito por ter se

formado em uma faculdade de Satildeo Paulo e natildeo na Europa como os membros mais

antigos do parlamento) A referecircncia a Maquiavel novamente serve para lembrar a

D Pedro II que o fim justifica meios e se omitir natildeo eacute a melhor atitude Ainda que

tratado em ldquocarta abertardquo a alusatildeo constante a capacidade intelectual do imperador

funciona como um indicativo (velado) da distacircncia cultural que o separa do povo

Natildeo soacute ele mas praticamente a totalidade da burocracia

A liberdade com que o texto constroacutei o periacuteodo criticando-o natildeo seria encontrada

(tampouco permitida) novamente tatildeo cedo Na repuacuteblica no Estado Novo e mesmo

em periacuteodos bem mais proacuteximos de noacutes a liberdade de imprensa natildeo seria algo

possiacutevel Um trecho da carta apresenta uma criacutetica agrave postura dos jornais sobre a

esquiva poliacutetica do imperador por ser tratado sem o devido respeito No Brasil do

segundo reinado o povo detinha a informaccedilatildeo ndash apresentada pelos veiacuteculos de

comunicaccedilatildeo - mas natildeo conseguia entende-la ou efetiva-la dada sua falta de

instruccedilatildeo O povo tambeacutem neste sentido vive agrave margem das discussotildees poliacuteticas

natildeo podendo entrar em suas aacuteguas tumultuadas Ou em suas margens natildeo se

preocupa com problemas abstratos mas com a realidade que observa no cotidiano

No trecho

Na parte natildeo editorial satildeo frequentes os artigos pagos com endereccedilo a vossa augusta pessoa Conteacutem eles queixas de indiviacuteduos de todas as classes sobre minudecircncias do expediente de empregados subalternos Apelam os suacuteditos para vossa autoridade agrave qual parecem ter devolvido

toda confianccedila e todo poder (ALENCAR 2009 p 53)

Nota-se aqui a preocupaccedilatildeo com o favor real O favorecimento individual O suacutedito e

D Pedro II deixava isto de certa forma impliacutecito poderia procurar o Imperador como

a um balcatildeo de queixas sobre as instituiccedilotildees puacuteblicas Alencar sabia que o povo

estava com D Pedro ldquoEste povo apaacutetico e indiferente agraves mais nobres funccedilotildees da

soberania ainda sente por vossa pessoa sinceros transportes () [sente no

imperador] o estandarte capaz de nestes tempos inertes levantar entusiasmos em

prol de uma causardquo (ALENCAR 2009 p50) quando da partida para Uruguaiana

alude a populaccedilatildeo que ldquo se aglomerou em vossa passagem agrave hora da despedida e

da voltardquo (ALENCAR 2009 p52) Mas o povo pouco importa para a elite Aqui o

povo ainda eacute visto como uma massa ignorante sendo mais uma questatildeo de poliacutecia

do que de poliacutetica Talvez este seja o sentido da frase em que se refere agraves elites

localizadas ldquonas camadas superiores da sociedade onde a luz penetra mais clarardquo

(ALENCAR 2009 p54) Se D Pedro II natildeo tiver uma atitude eneacutergica frente aos

acontecimentos e sobre a corrupccedilatildeo que assola o periacuteodo ndash utilizando-se do Poder

Moderador o que a constituiccedilatildeo permitia ndash seraacute responsabilizado no tempo Alencar

ainda profetiza ldquoA naccedilatildeo vos ama mas a histoacuteria vos julgaraacute com severidaderdquo

(ALENCAR 2009 p56) E continua em tom provocador aproveitando o momento

da guerra como mote para o discurso afirmando que ldquoo trono que a naccedilatildeo vos

confiou eacute um posto de honra Deveis a Deus e ao povo sua guarda severa Natildeo

podeis esquivar-vos a ela sob pena de deserccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p58)

Novamente Alencar afirma concordando com Hobbes a relaccedilatildeo da soberania que

eacute dada pelo povo ao soberano e dele espera um rumo para a sociedade

Para a sexta carta Alencar prefere iniciar em um tom mais ameno novamente

aludindo a ilustraccedilatildeo do imperador em contraposiccedilatildeo com a ldquoatoniardquo do povo O

problema continua no combate eacute ldquoa depravaccedilatildeo do organismo poliacutetico de que

resultou o amortecimento das crenccedilas a extinccedilatildeo dos partidos e a corrupccedilatildeo

espantosardquo (ALENCAR 2009 p59) que estaacute por toda a parte Qual seria questiona

agrave D Pedro II a causa do mal que assola o paiacutes A resposta que propotildee eacute a da falta

de educaccedilatildeo poliacutetica Nesse momento Alencar faz uma breve exposiccedilatildeo sobre a

monarquia parlamentar e o regime republicano e suas relaccedilotildees enquanto

representaccedilotildees do povo justificando que o povo brasileiro ldquoeste povo nobre e digno

das instituiccedilotildees que o regem este povo precoce para a liberdade pois ainda na

infacircncia colonial jaacute se eletrizava com ela natildeo foi educado como merecia para a

monarquia representativardquo (ALENCAR 2009 p61) Alencar tenta amalgamar as

propostas de educaccedilatildeo para o povo com o persistente discurso da tutela do povo

que caracteriza um traccedilo fortemente conservador Eacute o mesmo discurso que Alencar

propotildee para a manutenccedilatildeo da escravidatildeo de que o sistema escravagista teria a

funccedilatildeo de educar o escravo para o conviacutevio social Aqui preferimos acreditar que se

trata de uma estrateacutegia discursiva Este ldquopovordquo de quem fala parece ser o descrito no

paraacutegrafo seguinte

Em 1821 a independecircncia se fez no entusiasmo da liberdade O Brasil conquistou simultaneamente o governo dos brasileiros pelos brasileiros e o governo do povo pelo povo

Desde 1808 com a vinda do rei e a invasatildeo de Portugal a emigraccedilatildeo da metroacutepole para a colocircnia fora muito crescida havia pois ao lado da populaccedilatildeo nata uma populaccedilatildeo adventiacutecia mas jaacute ligada agrave outra por identidade de liacutengua laccedilos de sangue e relaccedilotildees domeacutesticas (ALENCAR 2009 p 62)

O povo eacute o modelo civilizacional trazido de Portugal (modelo europeu) e no caso da

independecircncia as elites que a sustentaram Percebemos que Alencar acreditava na

diferenccedila jaacute demonstrada anteriormente entre povo e plebe (BASILE 2006) A

imprensa segundo ele tenta trabalhar essa educaccedilatildeo poliacutetica para o povo

notadamente com ideias liberais Haacute de se considerar para o periacuteodo jaacute uma

geraccedilatildeo como o Alencar de poliacuteticos formados no Brasil com influecircncia de ideias

liberais A homogeneidade garantida pelo estudo em Coimbra havia sido deixada

nos tempos da colocircnia e os laccedilos entre os indiviacuteduos de proviacutencias diferentes que se

juntavam nas faculdades criadas no Brasil tendiam a aumentar o que deixava de

caracterizar um estamento e passava a transferecircncia das decisotildees para os grupos

socializados de forma diversa nos nuacutecleos brasileiros ndash principalmente o Direito para

a formaccedilatildeo das novas elites da burocracia Este foi o elemento de formaccedilatildeo poliacutetica

para a elite brasileira baseado na educaccedilatildeo Mas o povo soacute tinha acesso aos jornais

e outras poucas miacutedias impressas

Ao mesmo tempo mas tambeacutem sustentando o intelectual como parte da elite

poliacutetica Alencar traccedila um perfil da aristocracia brasileira Esta seria

Composta em geral de duas classes de pessoas os abastados de inteligecircncia e escassos de cabedais e os ricos de haveres mas pobres de ilustraccedilatildeo raros bem raros satildeo os que tecircm a forccedila de se conservar em sua oacuterbita Aqueles urgidos pela seduccedilatildeo do luxo e mesmo pela necessidade buscam nos altos empregos puacuteblicos e elevadas posiccedilotildees uma renda ou as facilidades de alianccedilas e estabelecimentos avantajados Estes pruridos pela vaidade se oferecem aos desejos dos primeiros em compensaccedilatildeo de graccedilas e consideraccedilatildeo (ALENCAR 2009 p6465)

Alencar confirma a necessidade de que (alguns elementos) sua geraccedilatildeo de

ldquobachareacuteisrdquo precisem vincular-se ao governo atraveacutes de cargos na burocracia como

uma questatildeo de sobrevivecircncia e associar-se a alguns grupos econocircmicos ldquoem

compensaccedilatildeo de graccedilas e consideraccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p65) Alencar tambeacutem

eacute um deles o que desmente seu discurso sobre os bens de o que chama de uma

ldquoempregocraciardquo (ou a fundamenta) Os grupos se modificam os poliacuteticos podem

mudar mas a situaccedilatildeo permanece uma aristocracia que manipula o povo inerte

Sobre a imprensa esta se tornou ldquoum luxo entre noacutes as leis fiscais a fizeram tal O

povo eacute pobre e natildeo pode pagaacute-la Alguns perioacutedicos aparecem com sacrifiacutecios

enormes que vegetam em estreito ciacuterculo e afinal acabam inanidosrdquo (ALENCAR

2009 p67) Eacute bem verdade que os pequenos natildeo conseguem sobreviver e

() as folhas diaacuterias de grande formato e circulaccedilatildeo essas constituem o feudalismo da publicidade Suas colunas abertas agrave concorrecircncia mal chegam para os abastados a emissatildeo das ideias ali importa uma despesa natildeo soacute de inteligecircncia e estudo mas do grosso cabedal (ALENCAR 2009 p68)

Esta imprensa ldquoque tem suas raiacutezes como suas ramificaccedilotildees na aristocracia

burguesardquo (ALENCAR 2009 p67) natildeo iraacute atacar a aristocracia Antes a ela se une

Entendemos aqui que a mesma imprensa que serviria a educaccedilatildeo do povo (segundo

Alencar) estaacute vinculada a aristocracia Reafirmamos que o povo que a tanto se

refere Alencar satildeo aqueles que possuem a cidadania confirmada certo grau de

educaccedilatildeo e renda Natildeo o grosso da populaccedilatildeo As ideias liberais pregadas natildeo satildeo

possiacuteveis para todos os homens Termina afirmando que ldquoo uacutenico meio eficaz de

salvar o paiacutes senhor eacute uniatildeo firme dos homens de bem de que sois o chefe

legiacutetimo contra a imoralidaderdquo (ALENCAR 2009 p67) Para onde deveremos ir se

Alencar deixou aqui poucas opccedilotildees para descobrir quem satildeo afinal os chamados

homens de bem Seriam estes os ldquohomens bonsrdquo do municiacutepio no periacuteodo colonial

(FAORO 2004) em uma roupagem mais nobre

Na seacutetima carta Alencar propotildee um estudo sobre a estagnaccedilatildeo em que se encontra

o paiacutes e sustenta que tal estudo deva abranger ldquoa importante questatildeo do sistema

segundo o qual deve funcionar a coroa na monarquia representativardquo (ALENCAR

2009 p69) Isto sem mexer na legislaccedilatildeo Seus fundamentos se assentariam sobre

a praacutetica e experiecircncia (uma experiecircncia que o teoacuterico Alencar ainda natildeo tem)

Busca uma justificaccedilatildeo baseando-se na ldquoliccedilatildeo fecunda do povo mestre em ciecircncia

governamental inventor do sistema representativo e seu modelordquo (ALENCAR 2009

p70) que sendo o imperador constitucionalmente o chefe do poder executivo

exerce sua qualificaccedilatildeo ldquohonoriacuteficardquo por meio dos ministros Investido de majestade

eacute chefe tambeacutem do judiciaacuterio o que se sustenta pelo simples fato de que em todos

os tribunais as sentenccedilas satildeo expedidas em nome do imperador No executivo os

ministros trabalham como um corpo uacutenico e ldquopodem levar para o conselho vaacuterios e

encontrados alvitres a respeito de uma questatildeo importante Na discussatildeo os

argumentos satildeo desenvolvidos e ponderadas as objeccedilotildees Afinal () constroem

uma opiniatildeo meacutedia que natildeo sendo de nenhum ministro individualmente seja a do

ministeacuteriordquo (ALENCAR 2009 p71) A solidariedade eacute o princiacutepio de coesatildeo do

grupo

Em todo momento propiacutecio Alencar toma a Inglaterra como o princiacutepio exemplar

Natildeo por ser a naccedilatildeo mais poderosa e comercialmente mais proacutexima do Brasil nem

mesmo pelo modelo civilizacional que a burguesia brasileira do periacuteodo toma da

Inglaterra mas pela reduzida forccedila que o monarca tem frente ao parlamento que eacute a

tocircnica de Locke Rousseau e Mill Apesar das palavras elogiosas e galanteadoras do

missivista seu intuito eacute o de fazer ver a D Pedro II sua ldquoobrigaccedilatildeordquo de interferir no

sistema quando este estivesse falindo e reorganiza-lo para novamente deixa-lo

seguir sozinho Possibilidade que Alencar natildeo encontra tatildeo facilmente na Inglaterra

O que Erasmo quer afinal eacute a mudanccedila do grupo dirigente porquanto alude aos

atos do Imperador indicando uma postura eacutetica deste quanto ao uso do poder

Moderador Alencar tenta construir a ideia de que natildeo eacute o Imperador quem demite

um ministeacuterio mas ao curso de algum problema maior ldquoa dignidade de homens e

sinceridade de poliacuteticos exigem que incontinente deem e natildeo peccedilam sua demissatildeo

respeitosardquo (ALENCAR 2009 p73) em vista de que o poder lhes eacute delegado e o

Estado deve ter uma accedilatildeo menor em tal processo Eacute a soberania constituiacuteda na

figura do Imperador a consciecircncia ilustrada do povo Eacute para que ldquoo poder moderador

acompanhe de perto a trilha da administraccedilatildeo e observe seus rumos que ele foi

instituiacutedo chefe titular do executivordquo (ALENCAR 2009 p73) Alencar entende que o

poder emana do povo e o Estado deve funcionar antes como um organizador do

desenvolvimento da naccedilatildeo mais uma proposta liberal para a administraccedilatildeo do paiacutes

Para Alencar os dois partidos se alternavam nos gabinetes mas nenhum deles

consegue tempo bastante para realizar seus projetos Alternavam-se e quando no

poder veem-se ldquoesterilizados pela resistecircncia demasiada que encontravam na

moderaccedilatildeo e prudecircncia da coroardquo (ALENCAR 2009 p77) para a realizaccedilatildeo de

necessaacuterias mudanccedilas que pudessem criar um dinamismo na administraccedilatildeo puacuteblica

Um dinamismo que oferecesse uma maior liberdade de investimentos para o

desenvolvimento da naccedilatildeo Mas isso tambeacutem eacute culpa segundo ele da

desorganizaccedilatildeo ideoloacutegica dos partidos e de sua situaccedilatildeo de distanciamento das

bases populares (se eacute que houvesse) O monarca representa o poder nacional

situado acima do sistema que ldquoplaina sobre os outros meros poderes poliacuteticosrdquo

(ALENCAR 2009 p79) O termo poder nacional explica Alencar eacute usado para

designar ldquoa quase comunidade em que se acha com a naccedilatildeo Nele reside uma parte

da soberania popular que se isolou em princiacutepio e se consolidou nessa grande

individualidade a fim de resistir aos desvarios da opiniatildeordquo (ALENCAR 2009 p79)

Alencar falando das instituiccedilotildees lembra os liberais de 1834 que extinguiram o

conselho de Estado eliminando assim o elemento aristocraacutetico que se agarrava a

coroa Alencar sugere que ldquoos atos do poder moderador satildeo de exclusiva

competecircncia vossa [do Imperador] para exercecirc-los natildeo dependeis de agentes e

atualmente nem de conselhordquo (ALENCAR 2009 p81) Mas se observarmos bem

como nos mostra Carvalho (2009) o conselho de Estado apesar de natildeo muito

solicitado e de a despeito de tudo tratar de assuntos em sua maioria sem uma

significacircncia maior era um oacutergatildeo consultivo importante que garantiria uma visatildeo

realista de problemas praacuteticos a que o Imperador provavelmente natildeo tinha acesso

como na deposiccedilatildeo do ministeacuterio Zacarias de Goacuteis Ali o conselho foi olvido e

opinou apesar da decisatildeo final ser de D Pedro II este seguiu o voto dos

conselheiros Mesmo sendo a escolha para o cargo de conselheiro uma

competecircncia exclusiva da coroa e provavelmente D Pedro II natildeo viria a escolher

algueacutem de quem natildeo quisesse ouvir a opiniatildeo tendendo assim a formaccedilatildeo do

conselho para um formato que estivesse mais proacuteximo do temperamento do

imperador e de suas pretensotildees o proacuteprio ato de consulta sugere uma anaacutelise mais

apurada das diversas situaccedilotildees e assuntos (CARVALHO 2007)

O poder moderador eacute uma das bandeiras de Alencar E segundo ele emana

tambeacutem do povo Escreve que ldquo() o poder moderador eacute a consciecircncia ilustrada do

povo [Esse povo] que aceitou a lei fundamental de 25 de marccedilo de 1824 tinha sem

contestaccedilatildeo o direito soberano de a revogar apenas se convencesse que natildeo era a

mais proacutepria para sua felicidaderdquo (ALENCAR 2009 p82) Novamente colocando o

ldquopovordquo enquanto seus representantes A defesa da monarquia constitucional

baseada na lei com os poderes cedidos pelo povo a um governante escolhido Mas

os senadores e mesmo os deputados com poder constituinte estavam muito

distantes do proclamado povo das cartas de Erasmo Em determinado ponto

Alencar chega a defender que ldquoa forccedila ativa do poder moderador eacute

sobreconstitucionalrdquo (ALENCAR 2009 p88) o que parece incoerente com uma

monarquia constitucional Admitindo que este possa dissolver o legislativo demitir

ministeacuterios afirma que ldquonenhum poder nem mesmo o povo tem no domiacutenio da

constituiccedilatildeo faculdade igualrdquo (ALENCAR 2009 p89) D Pedro I aprovaria tais

medidas

Todos os atos do soberano se entendidos como atos do povo soacute levariam o paiacutes

novamente para o absolutismo para a ideia gasta que o proacuteprio Alencar sugere na

carta anterior de que ndash o povo sou eu - o Estado sou eu E todo o resto quando

chama D Pedro II pelo epiacuteteto de rei sol Aqui temos a face do intelectual utilizando-

se de seu texto complexo como uma arma totalmente associado com as elites

dirigentes e servindo de instrumento para sua justificaccedilatildeo Em uma das romacircnticas

figuras que toma compara D Pedro II ao profeta biacuteblico Josueacute indicando que ldquoo

profeta recebia sua possanccedila de Deus o imperador a recebe da leirdquo (ALENCAR

2009 p92) Mas de qual lei se jaacute indica anteriormente ser o poder moderador

sobreconstitucional O que se vecirc eacute que a lei eacute mais um instrumento modificaacutevel pra

justificar a permanecircncia no poder mais uma caracteriacutestica de adequaccedilatildeo do

liberalismo as necessidades das elites locais no poder Alencar como advogado

bem sabe o que escreve

Ao iniciar a nona carta Alencar se apresenta como a voz da consciecircncia do

Imperador o seu pensamento em forma sensiacutevel uma intimidade que o desperta O

tom pressupotildee uma intimidade que jaacute teria sido conquistada com na sequencia das

cartas Faz uma apologia da aristocracia tomando-a como ldquoum elemento infaliacutevel e

salutar no governo e na sociedaderdquo (ALENCAR 2009 p95) Acredita que sem este

estiacutemulo a ldquoelevaccedilatildeo a humanidade ficaria eternamente jungida agrave sua animalidaderdquo

(ALENCAR 2009 p95) Mas eacute preciso conter o poder da aristocracia A monarquia

deve tirar ldquoa esse elemento o privileacutegio de casta que o torna odioso e absurdordquo

(ALENCAR 2009 p95) Defende aqui a aristocracia burocraacutetica com vistas agrave

defesa da monarquia constitucional visto que o monarca a serviccedilo das leis estaria

limitado por esta aristocracia que determina tais leis e essa aristocracia seriam os

elementos do povo fazendo parte do legislativo

Jaacute eacute passado o tempo de D Pedro I que entendia dever seguir a constituiccedilatildeo se

esta estivesse a sua altura (querendo dizer se estivesse conforme seu gosto

pessoal) Os tempos satildeo outros e o Imperador eacute uma peccedila do sistema poliacutetico

escolhido pelas elites para a naccedilatildeo que se forma a partir da independecircncia

(CARVALHO 2007) Eacute preciso dar elementos legais para que o paiacutes se desenvolva

e crie mais riqueza com uma intervenccedilatildeo menor do Estado e ao mesmo tempo natildeo

se modifiquem as condiccedilotildees estaacuteveis conquistadas pelas elites no poder Eacute o traccedilo

que caracteriza o periacuteodo uma postura liberal e ao mesmo tempo conservadora

como modelo ideoloacutegico a ser construiacutedo Um traccedilo caracteriacutestico eacute o sistema de

captaccedilatildeo de intelectuais para os quadros da burocracia que segundo Alencar eacute

uma necessidade Explica ele que

A nossa aristocracia eacute burocraacutetica natildeo que se componha somente de funcionaacuterios puacuteblicos mas essa classe forma a sua base agrave qual adere por alianccedila ou dependecircncia toda a camada superior da sociedade brasileira

Para o desenvolvimento espantoso que tem esse corpo oficial entre noacutes natildeo concorre como pensam o nuacutemero dos empregos mas sim a tendecircncia absorvente da administraccedilatildeo a par da falta de iniciativa particular (ALENCAR 2009 p96)

O Estado gera os empregos para absorver a oferta que cria com os cursos

superiores eacute preciso que se crie uma elite que vaacute administrar o paiacutes eacute certo mas

tudo depende da accedilatildeo do Estado Alencar em um feliz paraacutegrafo delineia suas

pretensotildees poliacuteticas com um pedido que elogiando anteriormente as geraccedilotildees mais

jovens e sua capacidade de adaptaccedilatildeo a adversidade sugere

Volvei os olhos em torno senhor e procurai um homem superior que se tenha elevado do seio do povo na robustez de suas crenccedilas na virgindade de sua inteligecircncia na amplitude enfim de sua personalidade

Natildeo o encontrareis eu vos garanto (ALENCAR 2007 p 97)

Quando sugere um novo nome a sugestatildeo jaacute estaacute feita Mesmo acrescentando no

paraacutegrafo seguinte que natildeo se conseguiria encontrar a construccedilatildeo coloca o criacutetico

como a escolha acertada para a resoluccedilatildeo do problema Eacute um efeito da carta aberta

todos tecircm direito a uma opiniatildeo A opiniatildeo ldquopuacuteblicardquo que tanta preocupaccedilatildeo leva ao

Imperador E mesmo esta pode ser manipulada (se natildeo o eacute) visto que segundo

sua criacutetica ldquoa burocracia fabrica a opiniatildeo puacuteblica no Brasil [considerando que] os

jornais como tudo neste impeacuterio vivem da benevolecircncia da administraccedilatildeordquo

(ALENCAR 2009 p96) com subvenccedilotildees que lhe indicam o caminho dos editoriais

A aristocracia tomada aqui por Alencar se refere ao que chama de melhores

indiviacuteduos escolhidos entre todos e o criteacuterio para a escolha seria o voto A elite

portanto eacute determinada pelo voto pela democracia representativa concordando

com as propostas do liberalismo com os tracircmites que a lei determina caccedilando e

permitindo o exerciacutecio do voto para um grupo determinado a quem eacute possiacutevel

exercer ldquofraccedilatildeo de soberania ativa reservada a cada individualidaderdquo (ALENCAR

2009 p98) a partir de uma seacuterie de regras estas tambeacutem determinadas por esta

aristocracia burocraacutetica

Alencar sugere que o gabinete estaacute dominado por esta burocracia Apesar das

escolhas dos ministros incidirem em uacuteltima instacircncia sobre o Imperador qualquer

que seja ela ldquoquaisquer que sejam os nomes por voacutes escolhidos senhor caracteres

iacutentegros vontades riacutegidas o corpo oficial logo os absorve e amalgama () [pois soacute]

vive pensa e governa no Brasil o espiacuterito burocraacuteticordquo (ALENCAR 2009 p99) O

parlamento impede que haja mudanccedilas que natildeo sejam de interesse das elites no

poder esta eacute a base da corrupccedilatildeo de que fala nosso missivista

Na uacuteltima carta desta seacuterie Alencar sugere que o cidadatildeo comum espera do

imperador atitude firma e severa frente ao estado de coisas que se apresenta Haacute

segundo ele uma necessidade de rdquorestauraccedilatildeo dos costumes e das leisrdquo

(ALENCAR 2009 p106) E eacute papel de D Pedro II comandar este movimento de

centralizaccedilatildeo ldquoA flor do paiacutes se reuniraacute ao redor do trono Esse haacute de ser vosso

partido o grande partido nacional da regeneraccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p107) eacute o

movimento a que aludimos da tradiccedilatildeo inventada outro lugar no tempo em que

sendo ldquoo Brasil () menor haacute vinte anos poreacutem estava entatildeo mais alto porque na

sumidade que domina o trono brilhavam os grandes nomes de nossa histoacuteriardquo

(ALENCAR 2009 p112) Eacute ali que o modelo de monarquia parlamentar

constitucional brasileiro cria um momento ilusoacuterio de estabilidade de cuja substacircncia

segundo o missivista devem sair os novos partidos poliacuteticos Eacute o periacuteodo

demarcado nos vinte anos nos conduz a 1845 onde o partido conservador volta

novamente a direccedilatildeo do Estado O apelo ao princiacutepio moral fundador de uma naccedilatildeo

que deve ser representado pela figura do imperador como seu protetor perpeacutetuo

define o modelo para os novos partidos que a partir daiacute seriam criados Partidos que

soacute poderatildeo refletir nesse caso as direccedilotildees dadas pelo trono Natildeo haacute no discurso

de Alencar a existecircncia de um lugar fora da ideologia

332 AO POVO AO REDATOR DO DIAacuteRIO DO RIO DE JANEIRO (ALENCAR

2009 p114-220)

Em junho de 1866 Alencar inicia outra seacuterie de cartas agora endereccediladas ao povo

Apesar de tratarmos do gecircnero ldquocarta abertardquo e sua funccedilatildeo primordial seja a

informaccedilatildeo do ldquopovordquo (no caso de um grupo relativamente grande) determinar

assim o destinataacuterio pressupotildee que a seacuterie de cartas anteriores endereccediladas ao

Imperador formam um todo com o novo conjunto em que Alencar se propotildee a ser o

elo entre o povo e o poder (GRANSCI 1989) Como Alencar havia sugerido no

conjunto anterior das cartas o poder moderador ndash nas matildeos do Imperador ndash seria o

instrumento de representaccedilatildeo do povo Em suas palavras ldquoO poder moderador eacute o

eu nacional a consciecircncia ilustrada do povordquo (ALENCAR 2011 p75) Entatildeo eacute das

obrigaccedilotildees e dos limites do poder moderador que tratamos

A estrateacutegia eacute a mesma Inicia seu discurso profetizando o fim da forccedila vital que

sustenta a naccedilatildeo afirmando que houve um tempo em que se poderia esperar do

trono soluccedilatildeo para segundo Alencar tamanha calamidade que vem afligindo o paiacutes

A guerra do Paraguai segue com quantidade enorme de baixas e percebe-se a

tristeza dos ldquochefes das famiacutelias brasileiras () como pais que geram a prole para a

desgraccedilardquo (ALENCAR 2009 p128) Os gastos com a guerra trazem ldquoa miseacuteriardquo para

esse paiacutes de tantos recursos ldquoRumores surdos assomos de impaciecircncia das

classes inferiores circulam a cidade () tais ecos anunciam profundos

ressentimentos do espiacuterito puacuteblicordquo (ALENCAR 2009 p128) Alencar acusa ao

gabinete de indiferenccedila frente agrave situaccedilatildeo contando com a conivecircncia (passiva) do

trono o que gera insatisfaccedilatildeo por parte da populaccedilatildeo pelos rumos da guerra O

apelo direto a famiacutelia aqui eacute muito representativo Carlo Buacutessula (1997) lembra que a

famiacutelia - e o indiviacuteduo pertencente a tal famiacutelia - existem antes do Estado E que a

autoridade deste lhe eacute outorgada pela famiacutelia e pelos indiviacuteduos que a compotildeem O

vocaacutebulo naccedilatildeo ainda segundo Buacutessula eacute derivaccedilatildeo do latim ldquonatiordquo que

entendemos por nascer Refere-se a um conjunto das famiacutelias ndash e suas lideranccedilas ndash

nascidas em determinada regiatildeo constituindo um grupo social de certa

homogeneidade e que partilha de uma cultura um domiciacutelio uma condiccedilatildeo de

pertencimento Podemos observar mesmo em textos mais antigos como em

Aristoacuteteles (1998) a afirmaccedilatildeo de que o Estado eacute uma reuniatildeo de famiacutelias Daiacute

podemos estender o pensamento e considerar as bases legais (neste periacuteodo) para

um ldquopaacutetrio poderrdquo O liacuteder de uma famiacutelia com sua extensatildeo a parentes agregados

e escravos tem sua autoridade como senhor depois a autoridade material que se

apresenta tambeacutem em relaccedilatildeo a sua mulher e a procriaccedilatildeo dos filhos e a

acumulaccedilatildeo de riqueza para o sustento do grupo ao qual eacute responsaacutevel Chegando

mais proacuteximo as relaccedilotildees entre Estado e Famiacutelia e seu pertencimento a terra ao

domiciacutelio e a busca pela liberdade podem ser relacionadas com as lutas dos barotildees

na Idade Meacutedia com o rei Joatildeo sem terra pelo reconhecimento de seus direitos da

liberdade e da aplicaccedilatildeo da justiccedila Aqui temos um contiacutenuo processo histoacuterico e

poliacutetico de superaccedilatildeo e no mesmo tempo conservaccedilatildeo dessa comunidade natural

que culmina no Estado nacional como um resultado da vontade desta comunidade

(CHAUIacute 1997)

Da mesma forma que Alencar se dirigiu ao Imperador comenta ele agora se dirige

ao povo para que este se levante de sua letargia e por fim ldquoacorde para defender o

patrimocircnio sagrado de suas liberdades e gloriosas tradiccedilotildeesrdquo (ALENCAR 2009

p131) No momento se define como um arauto que iraacute ldquofalar ao povo brasileiro e

proferir verdades que ele nunca ouviu nem de seus ditadores nem de seus

tribunosrdquo (ALENCAR 2009 p131) O interessante ndash devemos ressaltar - eacute que natildeo

haacute uma seacuterie de cartas endereccedilada ldquoao legislativordquo ou mesmo ldquoao senadordquo Tanto

Hobbes quanto Locke e Rousseau ndash cada qual a seu modo ndash defendiam a presenccedila

do parlamento O movimento em Alencar parece passar do povo diretamente ao

imperador deixando ao largo as instituiccedilotildees democraacuteticas40 como no absolutismo

em que o trono justifica todas as suas accedilotildees despoacuteticas justificada como para o

bem do povo a revelia de uma constituiccedilatildeo abonando sua intenccedilatildeo como a de

ldquorenovar a alianccedila da realeza com a democracia Quero restituir o monarca e o povo

um ao outrordquo (ALENCAR 2009 p131)

A primeira estrateacutegia de Alencar eacute delimitar o que acredita ser o povo ldquopor povo

entendo o corpo da naccedilatildeo sem distinccedilatildeo de classes excluiacutedos unicamente os

representantes e depositaacuterios do poderrdquo (ALENCAR 2009 p133) Apesar da

distacircncia que o vocabulaacuterio rebuscado constroacutei do povo a fala eacute justificada Os

depositaacuterios do poder deixam de ser uma categoria do povo por estar distante diste

econocircmica e culturalmente distante mas por que os representantes Nas cartas ao

imperador a camada de poliacuteticos (representantes) era a chaga que deveria ser

extinta ndash pelo menos alguns mas a atividade representativa natildeo deve distinguir o

poliacutetico do povo pelo menos eacute o que sustenta No paraacutegrafo seguinte toma o tom de

paraacutebola anunciando que mesmo os de menor capacidade no seio do povo

poderiam compreendecirc-lo

Aos grandes como aos pequenos falarei a linguagem que me deu a natureza compreendam-me os capazes pelo raciociacutenio os ignorantes pela intuiccedilatildeo misteriosa que em todos os tempos haacute inoculado a verdade no seio das massas

Carecia dizer-vos estas coisas (ALENCAR 2009 p 133)

Alencar se potildee acima das instituiccedilotildees para anunciar que o povo como no

movimento de 1834 ndash e provavelmente atraveacutes das verdades que este lhes diraacute nas

proacuteximas cartas ndash eacute o agente da mudanccedila do paiacutes corrompido Eacute bom lembrar o

conteuacutedo ideoloacutegico que tais afirmaccedilotildees carregam

As Ideologias surgem normalmente em periacuteodos de crise quando a visatildeo do mundo dominante natildeo consegue satisfazer novas e pressionantes necessidades sociais e pedem imperiosamente aos proacuteprios seguidores uma transformaccedilatildeo total da sociedade ou um afastamento dela (BOBBIO

40 Natildeo trata aqui das habituais ldquovisitasrdquo que o Imperador recebia de seus suacuteditos pedindo

empregos pedindo vetos a algum projeto ou perdatildeo de diacutevidas O discurso de Alencar eacute

intencional e bem planejado Indica realmente uma criacutetica agrave intromissatildeo de D Pedro em

determinados assuntos de responsabilidade do parlamento

1998 p 588)

Alencar conclama o povo para que este busque com sua forccedila pressionar as

instituiccedilotildees e mesmo a monarquia na figura de D Pedro II a fim de encontrar

soluccedilotildees para os problemas que apresenta nas cartas A associaccedilatildeo feita pelo

primeiro conjunto (cartas ao Imperador) indica que ldquoo povordquo eacute tambeacutem responsaacutevel

e o discurso lembra sua soberania frente a seus representantes Como afirmamos

anteriormente uma das caracteriacutesticas da prosaiacutestica utilizada eacute a afirmaccedilatildeo de que

tudo depende de uma ordem interna e Alencar constroacutei por via do discurso tal

ordem O impacto que isso tem eacute provavelmente grande O espiacuterito conciliador do

brasileiro (CARVALHO 2007) jaacute comeccedila a ser construiacutedo junto com a estabilidade

vinda depois do periacuteodo regencial e o controle (para)militar das revoltas tendo seu

uacuteltimo suspiro na Revolta da Praia Todos detidos alguns assimilados vaacuterios mortos

e esquecidos a centralizaccedilatildeo eacute uma meta e esta segue o caminho ditado pela

Corte no Rio de Janeiro

Alencar natildeo deixa sequer por um momento de fazer a associaccedilatildeo da coroa com o

povo sendo ele a justificaccedilatildeo para o poder moderador ldquodevo agrave majestade popular a

mesma franqueza que usei com a majestade imperialrdquo (ALENCAR 2009 p134)

Critica a condiccedilatildeo da populaccedilatildeo que natildeo recebe respeito por parte do Estado

afirmando que ldquoo cidadatildeo natildeo vale na medida de seus direitosrdquo (ALENCAR 2009

p135) o que eacute inaceitaacutevel para a teoria liberal claacutessica que vem da busca pela

liberdade Alencar afirma que soacute os que detecircm algum poder econocircmico possuem

direitos civis A liberdade do povo natildeo eacute respeitada Fala da guerra que

aparentemente deve continuar e da situaccedilatildeo moral e econocircmica que esta constitui

O governo toma da liberdade do povo tomando-lhe ldquoa substacircncia da vida ndash o

sangue o fruto do trabalho ndash o suorrdquo (ALENCAR 2009 p136) A poliacutetica do

recrutamento forccedilado da populaccedilatildeo eacute o tema inicial que leva o povo para ldquoeste

abismo para sorver milhares de vidas e os recursos de talvez um seacuteculo de

existecircnciardquo (ALENCAR 2009 p137) O povo aceitou ldquoa guerra com dignidade ()

mas no acircmago da consciecircncia nacional estaacute latente a indignaccedilatildeordquo (ALENCAR 2009

p137) Alencar nessa carta explora as ideias do liberalismo claacutessico quando fala da

relaccedilatildeo do povo com o Estado A busca da liberdade civil e poliacutetica os impostos

forccedilados para a manutenccedilatildeo da guerra o direito a vida e a felicidade tatildeo caros agrave

Bentham e Mill Como eacute possiacutevel um recrutamento forccedilado e como eacute possiacutevel que

algueacutem ndash praacutetica comum ndash possa mandar um escravo em seu lugar para sal a paacutetria

na qual o escravo natildeo tem direito a cidadania

O povo ldquocordato e brioso almejava eacute certo pela mudanccedila de nossa poliacutetica no Rio

da Pratardquo (ALENCAR 2009 p137) Alencar sustenta que

a poliacutetica de intervenccedilatildeo fora sobretudo filantroacutepica exprimia a caridade internacional de um povo por seus irmatildeos dilacerados () [que] o Brasil natildeo precisa do territoacuterio de seus vizinhos pois o tem de sobra e ubeacuterrimo tambeacutem natildeo eacute essencial para seu bem-estar a paz e equiliacutebrio das repuacuteblicas americanas (ALENCAR 2009 p138)

Eacute o momento da indignaccedilatildeo mas Alencar natildeo chega admitir que concorda com a

poliacutetica da coroa para a manutenccedilatildeo do territoacuterio tanto com guerras internas como

defendendo a fronteira sul do Brasil contra o inimigo externo Apresenta em favor

deste uacuteltimo argumento a ideia de que havia pendencias em aberto com as

Repuacuteblicas do Prata e que enfim a guerra poderia ser a soluccedilatildeo Mas tal guerra foi

incentivada pelo governo brasileiro sendo um de seus episoacutedios a missatildeo chefiada

por Joseacute Antocircnio Saraiva em maio de 1864 o executivo ldquosem ter obtido da

assembleia geral com os meios essenciais a aprovaccedilatildeo legislativardquo (ALENCAR

2009 p142) decide pela guerra e a populaccedilatildeo deve arcar com as consequecircncias

do ato apelando para a honra da naccedilatildeo sacrificada Alencar afirma que o legislativo

natildeo toma providecircncias (exigi-las do executivo) para tentar evitar a continuidade da

guerra ocupando-se de discursos vazios de sentido ldquoenquanto o paiacutes estorteja

deleitam-se na compostura de frases perluxas e nos guizos de suas ocas palavrasrdquo

(ALENCAR 2009 p145 A falta de accedilatildeo do Estado cria situaccedilotildees de

constrangimento para o paiacutes como os episoacutedios da questatildeo inglesa que jaacute

anunciavam a falta de tato poliacutetico da administraccedilatildeo puacuteblica De certo ldquoa eacutepoca

infeliz que vamos atravessando natildeo eacute realmente outra coisa senatildeo um grande e

longo desvario da razatildeo puacuteblicardquo (ALENCAR 2009 p146) a quem Alencar culpa

enfim a ascensatildeo da liga progressista entatildeo no governo

A guerra que sustentamos eacute desde sua origem um tecido de incongruecircncias

e desacertos Soacute haacute em toda ela de nobre digno e consolador a intrepidez de nossos marinheiros e soldados Virtude espontacircnea do homem e do povo produziu-se independente do governo e apesar dos esforccedilos adrede empregados para abafaacute-la (ALENCAR 2009 p 146)

A administraccedilatildeo da guerra para Alencar leva a inuacutemeros problemas Como a falta

de uma resposta de forccedila as humilhaccedilotildees sofridas pelo paiacutes as frentes de batalha

que enquanto lutam em uma fronteira

deixam o governo ao desamparo e franca aos paraguaios outra e importante fronteira abandonando assim criminosamente Mato Grosso agrave ruiacutena e assolaccedilatildeo () [Depois da] rendiccedilatildeo de Uruguaiana que fizemos ainda para desafronta da dignidade nacional agravada (ALENCAR 2009 p149)

A lenta marcha do exeacutercito agraves margens do Paranaacute daacute tempo agraves tropas inimigas de

abandonarem o local onde permanecem os aliados Aos jornais eram enviadas

notiacutecias de batalha para segundo Alencar acalentar a impaciecircncia puacuteblica sobre os

seus Quando enfim se alcanccedila o campo paraguaio

avanccedilamos apenas duas leacuteguas em territoacuterio inimigo e estacamos Invasor queda-se o grande exeacutercito agrave sombra da esquadra e natildeo avanccedila um passo Criou raiacutezes ali nos charcos pestiacuteferos que envenenam diariamente nossos bravos soldados (ALENCAR 2009 p152)

Falta comando agraves tropas de terra e mar o que acarreta maiores perdas humanas e

econocircmicas Alencar critica o tratado da triacuteplice alianccedila e o comando das tropas

brasileiras por militares argentinos sob as ordens do presidente Mitre e a falta de

empenho para a ldquopuniccedilatildeo dos desacatos feitos agrave nacionalidade brasileirardquo

(ALENCAR 2009 p155) chegando mesmo a acusar o estado de fechar os olhos

frente aos assassinatos perpetrados no acampamento contra os soldados

brasileiros e natildeo exigiam a pronta e severa puniccedilatildeo do crime com receio de

estremecer a alianccedila Eacute bom lembrar que um dos traccedilos do conservadorismo eacute o

nacionalismo Um nacionalismo que tem em certa medida ligaccedilatildeo com a

democracia

Falando da liberdade de pensamento

() eacute forccediloso que o Brasil mantenha seu nome de naccedilatildeo culta e de segunda grande potecircncia da Ameacuterica () [poreacutem] a poderosa liberdade do pensamento garantida pela constituiccedilatildeo brasileira a voz solene e vibrante do povo natildeo eacute de nosso paiacutes A imprensa e a tribuna existem entre noacutes por mera complacecircncia (ALENCAR 2009 p158)

A censura eacute constante em publicaccedilotildees desde a imprensa reacutegia uacutenica instalada no

paiacutes quando da vinda da Famiacutelia Real mas com D Pedro II isso se abreviou muito

a ponto do republicanismo ser discutido publicamente em clubes e jornais O

problema segundo ele eacute a incapacidade do povo em compreender os problemas

visto que ldquoa populaccedilatildeo jaz na indolecircncia ou estaacute ainda em geral submergida na

ignoracircncia o pensamento natildeo pode livremente circular Por maior forccedila que o

revista ele natildeo penetra jamais a flaacutecida superfiacutecie da indiferenccedilardquo (ALENCAR 2009

p159) o que faz com que natildeo seja possiacutevel uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees

sociais Alencar cumpre seu papel de intelectual como nos mostra Gramsci

enquanto busca incentivar o debate poliacutetico para elevar intelectual e moralmente

camadas cada vez mais amplas da populaccedilatildeo ou seja para dar personalidade a

massa Mas o que se tem quando da posiccedilatildeo completamente externa que Alencar

toma frente agrave populaccedilatildeo ele nega uma praacutexis transformadora desta e acaba por

atualizar a ideologia Quando critica o parlamento por exemplo em

Quanta influiccedilatildeo tem no paiacutes a aluviatildeo de palavras que diariamente se despenha da tribuna parlamentar ou se espraia na imprensa

Que peso exercem no espiacuterito puacuteblico as liccedilotildees da sabedoria e experiecircncia do conselho dos anciatildeos ou a palavra magistral e ungida pela sinceridade de um veneraacutevel Itaboraiacute ou de um provecto Pimenta Bueno (ALENCAR 2009 p 159)

A alusatildeo aos parlamentares que defendem os direitos do povo natildeo visa uma

transformaccedilatildeo mas apenas uma mudanccedila no grupo da elite que estaacute no poder

Visto que ndash no caso ndash tais direitos satildeo concessotildees Natildeo haacute uma discussatildeo com a

populaccedilatildeo sobre suas necessidades haacute - como pudemos notar - a resoluccedilatildeo de

problemas com vistas aos interesses das elites como por exemplo no caso do fim

do traacutefico de escravos e a aboliccedilatildeo que soacute vem a acontecer quando as elites

diretamente ligadas ao problema o permitem Ainda se vecirc traccedilos de preconceitos

herdados de uma aristocracia portuguesa no texto como uma natildeo valorizaccedilatildeo do

trabalho que natildeo seja intelectual como quando adverte ser necessaacuterio que o Brasil

mantenha-se frente aos problemas da guerra como um paiacutes civilizado ldquoou entatildeo se

reduza a uma terra de mercadoresrdquo (ALENCAR 2009 p152)

Alencar adverte ainda que ldquoo governo descansa pois tranquilo a este respeito [da

liberdade de pensamento] imprensa e tribuna satildeo inocentes folguedos para o nosso

povo menino Brincando esse jogo de liberdaderdquo (ALENCAR 2009 p160) que leva

somente a um vazio de accedilotildees Ilustra seu argumento dizendo que a Franccedila e ndash

querendo imita-la a Pruacutessia brevemente ndash concede aos suacuteditos o voto universal

Para o autor o voto universal ldquoeacute uma teteia poliacutetica semelhante agrave nossa imprensa

livrerdquo (ALENCAR 2009 p160) O autor defende o modelo de restriccedilotildees ndash censitaacuterio

no caso ndash para o sufraacutegio o que eacute mais um iacutendice de que o ldquopovordquo a quem Erasmo

dirige suas cartas eacute restrito e que a liberdade natildeo eacute para todos E ele mesmo

justifica afirmando que se for da vontade dos ldquodominadoresrdquo qualquer atitude ndash ou

projeto de revolta ndash que saia do povo poderia ser controlada mesmo ele

Um exemplo Estas cartas parecem a alguns dos nossos senhores inconvenientes a outros extravagantes Nenhum deles poreacutem afianccedilo ousaraacute contestaacute-las E para quecirc Basta-lhes soprar na doacutecil consciecircncia dos sateacutelites e em breve um sussurro se derrama pela cidade Esse sussurro natildeo diz mas infiltra de uma banda que estou fazendo a propaganda do absolutismo da outra que provoco o povo agrave revoluccedilatildeo (ALENCAR 2009 160)

E confirma a seguir em outro paraacutegrafo sua afirmaccedilatildeo mostrando que seu texto

natildeo tem tanta infiltraccedilatildeo como a ideologia reinante

A verdade poreacutem eacute que tais infiltraccedilotildees subterracircneas da aleivosia no espiacuterito pensante do paiacutes satildeo mais poderosas que a palavra eneacutergica do escritor atirada agraves turbas A chama desta se apaga caindo de arremesso no chatildeo a faiacutesca da outra vai se propagando sempre e surdamente O povo lecirc pouco mas escuta muito o que se diz em voz submissa (ALENCAR 2009 p161)

Em suma segundo Alencar eacute preciso ofertar uma educaccedilatildeo para o povo de forma

que este tenha maior consciecircncia de seu papel o que eacute um traccedilo liberal e ao

mesmo tempo sugere que no decorrer do processo o povo seja tutelado enquanto

natildeo alcanccedila uma maturidade intelectual e poliacutetica uma proposta decididamente

conservadora Alencar afirma que o povo teve sua histoacuteria recente marcada pela

revoluccedilatildeo e pela opiniatildeo Em todos os movimentos revolucionaacuterios teve de arcar

com consequecircncias que restringiriam sua liberdade Em 1824 a revolta de

Pernambuco foi logo contida Como consequecircncia D Pedro I com sua constituiccedilatildeo

liberal profana a liberdade prometida e cria as juntas militares Em 1831 com a

revoluccedilatildeo na Corte o povo triunfa sem um combate armado e aderia ao jovem

imperador Em 1837 o paiacutes sucumbe agrave anarquia que o partido liberal - entatildeo no

poder - natildeo consegue conter sendo salva a naccedilatildeo ndash segundo ele - pelo partido

conservador Em 1840 a revoluccedilatildeo imperial e o partido que a promove logo se vecirc

retirado do poder Levantando-se Minas e Satildeo Paulo em favor do partido Liberal

logo foram vencidos e ldquodas cinzas da revolta nasceram todas as leis homicidas da

liberdade que hoje nos parecem opressivas e naquele tempo foram salvadorasrdquo

(ALENCAR 2009 p163) Em 1842 a liberdade comeccedila a declinar vendo seu fim

proacuteximo em 1848 A liberdade eacute uma ilusatildeo ldquosagaz eacute a oligarquia que domina o

paiacutes [porque consegue] manter o povo na doce ilusatildeo de que eacute livrerdquo (ALENCAR

2009 p165) e assim sustentar uma poliacutetica de dominaccedilatildeo opressiva e constante

Ao povo falta a consciecircncia que gera a opiniatildeo

Alencar relata o episoacutedio das tropas inglesas na guerra da Crimeacuteia e a presenccedila de

um repoacuterter do jornal ldquoTimesrdquo no acampamento Sua presenccedila por um momento

censurada depois foi aceita como forma de ligaccedilatildeo entre a opiniatildeo puacuteblica e o

comando da guerra o que por fim salvaria a honra da Inglaterra na batalha com o

relato fiel do que via em seu cotidiano no campo de batalha Mas no Brasil a critica

natildeo eacute assim Aquele que ousa levantar ldquoa voz para arguir os erros deploraacuteveis

cometidos em uma guerra infauta eacute logo coberto com o baldatildeo e o insulto Seja

banido da paacutetria esse reacuteprobo poliacutetico ()rdquo (ALENCAR 2009 p170) desacreditada

sua accedilatildeo Para que natildeo sejam criados embaraccedilos ao governo sustenta ldquonatildeo se

deve preferir uma palavra ou balbuciar um receio [sobre a administraccedilatildeo da guerra]

() Esta heresia se escreveu na imprensa de um Estado livre ecoou em uma

tribuna que ainda chamam parlamentordquo (ALENCAR 2009 p171) funcionando como

uma poliacutetica de Estado que tenta manter a consciecircncia do povo distante dos

acontecimentos Eacute o tatildeo conhecido medo da revolta popular que assombra as elites

desde antes da independecircncia e tambeacutem para encobrir

o esbanjamento dos dinheiros puacuteblicos a dissipaccedilatildeo das forccedilas do Estado o atropelo erigido em atividade a ineacutercia com foros de prudecircncia [chegando a tanto descaso que] depois de um esbanjamento louco dos dinheiros puacuteblicos natildeo ter canhotildees para bombardear o inimigo e a ele () natildeo faltam armas aperfeiccediloadas de longo alcance (ALENCAR 2009 p177)

Eacute tal a quantidade de erros observados que causam extremo desacircnimo ao paiacutes O

atual gabinete41 eacute um dos responsaacuteveis ndash senatildeo o maior ndash devido ldquoa incoerecircncia

levada agrave infantilidade as contradiccedilotildees incessantes a negaccedilatildeo eterna de si mesmordquo

(ALENCAR 2009 p186) enquanto um grupo coeso causado por intrigas e

desafetos novos e antigos entre seus membros a falta de certo cuidado para tratar

com as possiacuteveis reaccedilotildees aos acontecimentos Natildeo deixa de criticar D Pedro II

novamente por natildeo tomar providecircncias para que tais conflitos internos e do gabinete

com a cacircmara dos deputados tenham um fim e o porquecirc disso tudo que ldquoeacute um

assunto digno da seacuteria meditaccedilatildeo do povordquo (ALENCAR 2009 p188) A

administraccedilatildeo da guerra foi deixada nas matildeos de seus agentes enquanto o

gabinete diz ter nestes a sua confianccedila tal o eacute que se permitem deixar-lhes livres

para desenvolver suas taacuteticas militares confirmam os ministros Estes uacuteltimos

estariam mais preocupados ndash segundo Alencar ndash em defender tais atitudes frente

aos parlamentares Sentindo-se esgotado desabafa em tom increacutedulo ldquoSoacute no

Brasilrdquo (a interjeiccedilatildeo faraacute histoacuteria)

Soacute no Brasil Escapou-me a palavra Soacute nesta eacutepoca desgraccedilada em que o Brasil desapareceu para deixar o lugar ao impeacuterio da alucinaccedilatildeo e desatino soacute durante esta siacutencope da razatildeo social torna-se possiacutevel a existecircncia de semelhantes desvarios e a jactacircncia de os haver praticado (ALENCAR 2009 p 194)

Desvarios permitidos senatildeo pela coroa e pela passividade do povo ldquoO governo natildeo

quer saber do que se passa nem faz a miacutenima exigecircncia Delegou sua razatildeo seu

dever seu pundonor no aacuterbitro supremo da Triacuteplice Alianccedilardquo (ALENCAR 2009

p196) a quem o tesouro brasileiro auxiliou ateacute na compra de armamentos

D Pedro II se guiaria pela opiniatildeo puacuteblica medida na publicitaccedilatildeo dos atos do

governo pelos jornais E os jornais da Corte nos garante Alencar jaacute estatildeo todos nas

41 Presidido pelo Marquecircs de Olinda Dura de 12051865 a 03081866

matildeos do ministeacuterio os partidos conservador e liberal a muito natildeo detecircm espaccedilos

nessas miacutedias Mas o imperador ldquoreconhece e sente mais no iacutentimo a crise perigosa

que oprime o paiacutesrdquo (ALENCAR 2009 p201) mas eacute tolerante com o executivo em

sua forma de administrar a coisa puacuteblica mesmo por que veria uma dificuldade de

montar outro gabinete no conturbado periacuteodo que se atravessa onde o partido

conservador se recolhe segundo ele ao silecircncio e ao repouso

Na nona carta Alencar anuncia por fim a dissoluccedilatildeo do gabinete de 12 de maio e a

subida de Zacarias de Goacuteis vinculado agrave liga progressista em 02 de agosto O que

resultaria em nenhuma mudanccedila significativa na conduccedilatildeo da poliacutetica do Estado e

confirmaria a ldquocompleta identificaccedilatildeo da coroa com a poliacutetica vigenterdquo (ALENCAR

2009 p210) Volta ao gabinete Acircngelo Muniz da Silva Ferraz que teve

desentendimentos anteriormente com Caxias sobre a conduccedilatildeo da guerra e que

aprovara - tambeacutem como ministro da guerra ndash o tratado da Triacuteplice Alianccedila e ldquoos

outros escolhidos entre os mais dedicados aderentes da poliacutetica progressista

presidente ou chefes da maioriardquo (ALENCAR 2009 p213) sob a forma de uma

grande conciliaccedilatildeo Zacarias entatildeo liderando o gabinete em 1864 que daacute o

ldquoultimatum de 4 de agostordquo (ALENCAR 2009 p218) iniciando - por assim dizer - os

trabalhos na guerra do Paraguai eacute justo estar ele ali para dar-se um fim a guerra

sugere Alencar conclui essa seacuterie de cartas a 06 de agosto afirmando que acredita

no fim da passividade do povo brasileiro e que se afastaraacute por algum tempo para

ver os resultados conseguidos pelo atual gabinete Mas natildeo muito tempo

Um aparte eacute necessaacuterio para o comentaacuterio a carta endereccedilada ldquoAo Redator do

Diaacuterio do Rio de Janeirordquo (ALENCAR 2009 p114-123) uacutenica datada de 12 de

janeiro de 1866 A resposta de Alencar a criacutetica sobre suas preferecircncias pelo

absolutismo Eacute uma carta breve na qual natildeo nos deteremos

Alencar ndash depois de um breve alento sempre educado ndash indica o teor da conversa

com seu sempre generoso adversaacuterio o redator do Diaacuteriordquo adversaacuterio pois no

momento se encontram em posiccedilotildees opostas e como os ponteiros de um reloacutegio

apontam suas ideias em direccedilotildees diferentes

Alencar escreve ao redator em resposta a uma criacutetica que recebe - enquanto

Erasmo - pelo conteuacutedo das cartas Acusado de fomentador do absolutismo vai a

puacuteblico em defesa proacutepria Indica com seu estilo caracteriacutestico ter sido viacutetima de

acusaccedilotildees como

Sou nada menos do que - ltlt o crocodilo feroz do despotismo disputando a admiraccedilatildeo dos poucos creacutedulos que ainda restam e os tecircnues almejos do magnacircnimo coraccedilatildeo do rei insonegtgt A reticecircncia natildeo eacute minha sim do indignado escritor que some-se por ela e logo apoacutes surge para mandar-me literalmente ao diabo sob a conduta de Erasmo (ALENCAR 2009 p 116)

Eacute a antiga histoacuteria do feiticcedilo contra o feiticeiro Alencar se expotildee publicamente mas

como jaacute pudemos perceber ateacute mesmo pela anaacutelise de sua curta biografia natildeo

admite criacuteticas a seu trabalho Manteacutem-se distante em uma posiccedilatildeo decididamente

superior aos outros (decidida por ele) mesmo em se tratando de seus iguais Tenta

ao longo da carta melhorar sua situaccedilatildeo admitindo que

Estes ecos da imprensa partidos de vaacuterios pontos e condensados aos surdos rumores que burburinham nos ciacuterculos da Corte satildeo indiacutecios de uma crise salutar Anunciam eles que a pena de Erasmo natildeo fez a autoacutepsia de um cadaacutever operou sobre corpo vivo e robusto onde satildeo prontas as reaccedilotildees (ALENCAR 2009 p116)

Admite que o absolutismo esteja presente mas vindo das elites no poder e em seus

mecanismos de comunicaccedilatildeo como a imprensa E talvez certa complacecircncia de D

Pedro II com a situaccedilatildeo quando afirma que

O absolutismo Quem natildeo o vecirc Natildeo convive ele conosco Onde a minoria subjuga a maioria aiacute estaacute a tirania seja de um seja de muitos Repimpado nas poltronas ministeriais espreguiccedilando-se nos sofaacutes da assembleia pedante nas reparticcedilotildees puacuteblicas risonho e sedutor na imprensa empertigado nos fardotildees mostra-se em toda a parte esse Proteu da nossa poliacutetica (ALENCAR 2009 p 118119)

Afirma que em resposta a acusaccedilatildeo releu o conteuacutedo de suas cartas e natildeo encontra

motivos ali para tal O que apenas admite eacute que

Quero a constituiccedilatildeo como foi escrita natildeo como a aleijaram Na constituiccedilatildeo aparecem bem distintos os trecircs princiacutepios cardeais da monarquia representativa a Coroa o povo e o elemento intermeacutedio ou misto que em falta de melhor termo chamo aristocraacutetico (ALENCAR 2009 p120)

Afirmando que de sua postura criacutetica visa os povos livres Infelizmente a criacutetica soacute

pocircde ser feita (ou admitida) de um dos lados De qualquer forma como jaacute viacutenhamos

demonstrando no decurso das cartas algumas similaridades do texto de Alencar

com as ideias de Hobbes podem fazer com que o Redator do Diaacuterio natildeo perca de

todo sua razatildeo Eacute visiacutevel mesmo para os contemporacircneos que Alencar toma o

partido de uma intervenccedilatildeo forte do Imperador em detrimento dos direitos e da

liberdade da maior parte da naccedilatildeo

333 AO MARQUEcircS DE OLINDA AO VISCONDE DE ITABORAHY (ALENCAR

2009 p223-254)

A carta endereccedilada ao Marquecircs de Olinda (ALENCAR 2009 p243-254) entatildeo

presidente do conselho e ministro dos negoacutecios do Impeacuterio inicia com a objetiva

epiacutegrafe ldquovou te interrogar e tu me instruiraacutesrdquo42 (ALENCAR 2009 p243) e se dirige

ao marquecircs com toda a reverecircncia que o romantismo da uacuteltima fase lhe permite

Olinda teve participaccedilatildeo no processo de independecircncia havia sido regente e

ministro Era uma figura respeitaacutevel no cenaacuterio poliacutetico brasileiro Formado em

Coimbra fazia parte de um grupo ao qual Alencar acreditava estar tempo demais no

42 Natildeo pudemos deixar de notar o erro indicado pelo revisor da epiacutegrafe Pois bem A epiacutegrafe

em latim refere ao livro de Joacute 33-3 como ldquoCinge como um valente os teus lombos vou te

interrogar e tu me instruiraacutesrdquo O revisor prontamente corrige a referecircncia que estaacute na verdade

em Joacute 38-3 Mas se entendermos a epiacutegrafe como mais uma das armadilhas de Alencar a

referecircncia dada por ele (incorreta no caso) mostra em Joacute 33-3 uma resposta ao versiacuteculo

anterior ou mesmo um indicativo para a continuidade da leitura da epiacutegrafe onde se vecirc ldquoAs

minhas razotildees sairatildeo da sinceridade do meu coraccedilatildeo e a pura ciecircncia dos meus laacutebiosrdquo Que eacute o

apregoado pelo missivista desde as primeiras cartas ao Imperador Ele como o arauto da

verdade Mas se quisermos acreditar no radicalismo e perversidade do Alencar seguiremos ateacute

Joacute 33-33 onde se lecirc ldquo escuta-me tu cala-te e ensinar-te-ei a sabedoriardquo Para Alencar filho de

um padre e extremamente conservador eacute possiacutevel entender o jogo de relaccedilotildees com os versiacuteculos

como um iacutendice para o iniacutecio de uma criacutetica ferrenha ao Marquecircs Eacute interessante lembrar sem

pretender se extender em tal ponto (que natildeo cabe aqui devido as limitaccedilotildees do trabalho) nas

observaccedilotildees de Chartier (1999) sobre o texto como forma literaacuteria e sua impressatildeo todo o

processo que acompanha o texto ateacute alcanccedilar o seu suporte as intervenccedilotildees de tipografia

graacutefica editores e mesmo erros que afetam o texto A recepccedilatildeo eacute sempre algo que deve ser

observado junto a uma criacutetica do texto e natildeo como um simples derivado deste

poder Compara seu trabalho com o de Vasconcelos Joseacute Clemente e Paranaacute

invoca Evaristo Feijoacute e Vergueiro tecendo uma trama de modelos ideais na qual

tentaraacute capturar Olinda Se apresenta ao Marquecircs afirmando que seu ldquoempenho

sincero tem sido reparar os estragos do tempordquo (ALENCAR 2009 p244) buscando

e indicando caminhos para a administraccedilatildeo puacuteblica como em uma espeacutecie de

jornalismo criacutetico e investigativo Compara o poliacutetico em sua astuacutecia a Luiz XVIII de

Franccedila novamente consolidando o modelo europeu como marco de uma civilizaccedilatildeo

ldquomais avanccediladardquo cultural e politicamente mas tambeacutem aludindo ao seu longo tempo

de permanecircncia nos grupos entatildeo no poder E esta permanecircncia Alencar sugere

que eacute devida a capacidade de adequaccedilatildeo que possui o Marquecircs acompanhando a

mareacute dos fatos e acomodando-os agraves suas necessidades - como em decisotildees

polecircmicas como na partida de D Pedro II para Uruguaiana ou sobre a deposiccedilatildeo do

gabinete O tato poliacutetico que teria o Marquecircs lhe permite sempre estar em

consonacircncia com a opiniatildeo puacuteblica pelo menos com a parte elogiosa da opiniatildeo

Com certo tom de gracejo Alencar brinca com a idade avanccedilada do Marquecircs e

sugere que ele escreva uma biografia Biografia que estaria rica de assuntos e

informaccedilotildees poliacuteticas jaacute que ndash falando com uma ponta de sarcasmo conservador

sobre a mobilidade partidaacuteria no periacuteodo ndash o Marquecircs ldquohavendo pertencido a todos

os partidos modernos e antigos a datar da constituinte vossa autobiografia deve ser

um tesouro inexauriacutevel de liccedilatildeo e conselhordquo (ALENCAR 2009 p247) E qualquer

poliacutetico continua encontraraacute ldquonesse novo evangelho poliacutetico um tema um exemplo

uma epiacutegrafe para adornar sua doutrinardquo (ALENCAR 2009 p248) Mas Olinda

apesar da idade continua firme no poder aparentemente natildeo querendo abrir matildeo

disto como muito bem nos sugere Alencar ldquopara voacutes poreacutem natildeo chegou ainda o

tempo das memoacuterias estais com as matildeos na obrardquo (ALENCAR 2009 p248) em

todas as obras em que consegue esgueirar suas matildeos era o que queria dizer

Mesmo quando os resultados natildeo lhe satildeo promissores como em 1851 com o

episoacutedio do Prata

Em 1857 alude o partido conservador comeccedila a perder forccedila apesar da presenccedila

de lideranccedilas importantes que poderiam seguir com uma administraccedilatildeo competente

Tendo homens como o dissera ldquode talhe para a empresa uns pela ilustraccedilatildeo

outros pela popularidade Itaboraiacute Uruguai Euseacutebio Caxias Pimenta Buenordquo

(ALENCAR 2009 p249) natildeo consegue encontrar um norte com algum destes e ao

clongo de alguns anos o partido perde sua forccedila de combate

Olinda foi presidente do conselho de ministros e ministro em diversas pastas e

diferentes gabinetes Seu nome nos conta enche o livro do Segundo reinado ldquorara

eacute a paacutegina em que natildeo figure ele no alto Estreastes regente era natural que

acabaacutesseis vice-rei43rdquo (ALENCAR 2009 p249) Mas o paiacutes sofre por demais neste

momento e o Marquecircs eacute o signo (senatildeo o culpado) dessa administraccedilatildeo

equivocada incompetente oriunda de uma oligarquia irresponsaacutevel que lanccedila o paiacutes

na ldquocorrupccedilatildeo infrene o descreacutedito puacuteblico a ruiacutena das financcedilas o aniquilamento da

induacutestria e finalmente a guerra ladeada a uma pela vergonha e pela miseacuteriardquo

(ALENCAR 2009 p250) A paacutetria exige um esclarecimento que Olinda ponha a

matildeo na consciecircncia e admita ndash na impossibilidade de corrigi-los ndash seus erros a

quem lhe creditou agrave administraccedilatildeo O paiacutes sofre e Olinda dorme ldquoagrave sesta e consente

que os convivas de teu banquete tripudiem sobre meu corpo exacircnimerdquo (ALENCAR

2009 p252) Natildeo a paacutetria exige sua salvaccedilatildeo E o instrumento para tanto eacute ldquoo

mesmo que serviu em 1837 aiacute jaz atirado ao poacute e desdenhado Eacute o grande Partido

Conservador numeroso ateacute na imobilidade forte ainda no abandonordquo (ALENCAR

2009 p252) Olinda deve indicar ao monarca um novo gabinete constituiacutedo pelo

partido conservador Alencar acena para a permanecircncia de grupos no poder mesmo

com a mudanccedila de gabinetes e vertentes poliacuteticas onde lideranccedilas transitam pelos

dois lados - conservador e liberal ndash e adaptam suas ideias as correntes de

pensamento vigentes em cada momento

Na sequencia das cartas (ALENCAR 2009 p223-239) outro destinataacuterio ilustre tem

a sua vez O Visconde de Itaborahy - carta de Erasmo sobre a crise financeira

Homem probo poliacutetica e civilmente ldquoum dos poucos contra quem natildeo se atreveu

ainda a maledicecircnciardquo (ALENCAR 2009 p223) Esse fiel monarquista esteve por

um breve periacuteodo distante da militacircncia na reorganizaccedilatildeo de partidos e gabinetes

quando do periacuteodo da liga para retornar logo em seguida fortalecido pelos

descaminhos da administraccedilatildeo em uma defesa da instituiccedilatildeo imperial e dos

43 O uacuteltimo vice-rei do Brasil foi o Conde dos Arcos em 1808 O tiacutetulo impotildee certo respeito mas eacute

evidente que Alencar o toma em um tom jocoso

destinos do paiacutes em discursos inflamados no Senado junto agrave outros conservadores

Itaborahy comeccedila a carreira poliacutetica no partido liberal e tambeacutem como jornalista

Assume o ministeacuterio da marinha e em 1837 se transfere para o partido conservador

Foi deputado geral e presidente do Banco do Brasil causa pela qual a segundo

Alencar assustadora perspectiva econocircmica do paiacutes leva o missivista - cheio de

elogios - agrave pessoa do Visconde pedir conselhos a este sobre os rumos que a

administraccedilatildeo puacuteblica deveria seguir admitindo natildeo ter a necessaacuteria ciecircncia para o

assunto nem sequer pretende ldquoao tiacutetulo de disciacutepulo da escola que vos reconhece

por mestrerdquo (ALENCAR 2009 p225) mas se propotildee a analisar o momento de crise

iniciando pelos problemas com o creacutedito As duas espeacutecies de creacutedito indicadas

pelo analista satildeo o mercantil e o predial Os dois estatildeo como que envolvidos um no

outro como uma sustentaccedilatildeo de garantia muacutetua a que os bancos se remetem no

sistema implantado no Brasil E as transaccedilotildees financeiras ldquose prendem por

filamentos mais ou menos longos e tortuosos agrave lavourardquo (ALENCAR 2009 p227)

base da economia no momento O investimento hipotecaacuterio afugenta os capitais

particulares visto que o comeacutercio e a induacutestria inspiram maior confianccedila

considerados seguros e lucrativos por uma maioria Com a deficiecircncia do credito

predial atrelado a lavoura o comeacutercio vai a seu auxiacutelio na tentativa de achar certo

equiliacutebrio que natildeo acontece devido as diferenccedilas proacuteprias de cada modalidade44

O problema de conseguir creacutedito para as lavouras comenta eacute comum em vaacuterios

paiacuteses do mundo e natildeo seria diferente no Brasil mas a soluccedilatildeo para nosso paiacutes

determinada pelo governo associado ao Banco do Brasil eacute a de extravasar os limites

da emissatildeo bancaacuteria o que acarreta financiamentos impossiacuteveis de serem tolerados

pela grande maioria dos que dele necessitam A recente implantaccedilatildeo do sistema de

creacutedito cede lugar a problemas de imperiacutecia financeira e junto a isso certos abusos

praticados por integrantes da associaccedilatildeo comercial constroem com a imobilizaccedilatildeo

de grande soma de capitais um caminho para a derrocada do sistema Ao mesmo

tempo a lavoura tambeacutem atravessa uma crise com a escassez de matildeo de obra e a

introduccedilatildeo de teacutecnicas dispendiosas acrescidas da carestia de gecircneros e das

44 Alencar usa de seu conhecimento como advogado especializado em direito administrativo e

comercial para equilibrar a narrativa com os argumentos da economia e administraccedilatildeo puacuteblicas

uacuteltimas maacutes colheitas Tambeacutem o fato de estarmos em periacuteodo de guerra acarretou

dois fenocircmenos preocupantes o ldquoescoamento dos depoacutesitos bancaacuterios para o

tesouro [e tambeacutem a ] monetizaccedilatildeo do papel bancaacuterio como um meio sub-reptiacutecio

de fornecer recursos ao governordquo (ALENCAR 2009 p230) criando o que chamou

de uma moeda simboacutelica natildeo tendo reservas que os garantam

Anunciado esse quadro desolador (aqui simplificado) Alencar questiona o Visconde

sobre qual seria o remeacutedio visto que a crise se alastrara por todo o sistema

financeiro Alencar responde afirmando ser necessaacuteria a separaccedilatildeo do creacutedito

agriacutecola do mercantil chegando a sugerir agrave fundaccedilatildeo de um banco agriacutecola

brasileiro que aliviaria o Banco do Brasil de garantir suporte a avultada diacutevida

agriacutecola a impontualidade do agricultor no pagamento de suas diacutevidas resultado da

imprevisibilidade do sistema de colheitas e a constante oscilaccedilatildeo no valor da

propriedade rural A proposta de Alencar indica a emissatildeo pelo governo de apoacutelices

para o banco agriacutecola transformando o agricultor ndash ou seu qualquer portador ndash em

acionista Algo como uma auto gerecircncia do sistema em que uma hipoteca de terras

garantiria o saldo devedor Proposta avanccedilada para a eacutepoca aqui mais uma vez

podemos observar a distorccedilatildeo que se deu no Brasil para as propostas de

implantaccedilatildeo de uma poliacutetica liberal tendo o Estado que se tornar distante das

soluccedilotildees econocircmicas mas ao mesmo tempo garantindo um lucro faacutecil para uma

aristocracia Eacute o que vecirc aqui onde a grande propriedade foi formada pelo sistema

de distribuiccedilatildeo de sesmarias e seus proprietaacuterios como os da antiga colocircnia soacute

querem explorar sem ter que arcar com quaisquer diacutevidas ou prejuiacutezos Mas Alencar

condena-os afirmando que ldquoa lavoura natildeo pode esquivar-se a garantir o Estado

quando este contrai grandes compromissos para auxiliaacute-lardquo (ALENCAR 2009

p235) Os tempos satildeo outros mas seraacute que satildeo de verdade O governo durante a

mudanccedila proposta tambeacutem deve arcar com o prejuiacutezo dos tiacutetulos sem valor que

emitiu sendo alguns de empreacutestimos que ele mesmo cedeu No fim o prejuiacutezo eacute

sempre grande Alencar sustenta uma regulaccedilatildeo do mercado provavelmente

influenciado pelas ideias de Adam Smith em que o mercado consegue trabalhar

melhor sem uma interferecircncia direta do Estado (KENNY 1998) Smith entatildeo muito

em voga nos meios acadecircmicos mas para Alencar manter a criacutetica lhe falta alguma

experiecircncia como financista para o tratamento de assuntos tatildeo especiacuteficos o que

pode ter sido interpretado como arrogacircncia de jornalista Da carta fica a opccedilatildeo por

uma estrutura administrativa baseada nas ideias liberais de fomento a livre

empresa creacutedito bancaacuterio em uma tentativa de diminuir a intervenccedilatildeo contiacutenua do

Estado na economia segunde ele ateacute entatildeo necessaacuteria O que fica para a histoacuteria

poliacutetica eacute a questatildeo com a pressatildeo para ao fim efetivo do traacutefico de escravos e a

implementaccedilatildeo da matildeo de obra assalariada ndash qualquer que fosse esta imigrante ou

natildeo europeia ou natildeo ndash em todo o paiacutes quem arcaraacute com o custo final disso tudo o

Estado ou as elites entatildeo no poder

334 NOVAS CARTAS AO IMPERADOR (ALENCAR 2009 p257-389)

A uacuteltima seacuterie de cartas datadas de junho de 1867 e endereccediladas novamente ao

Imperador tem uma intenccedilatildeo bem menos louvaacutevel ndash em um comentaacuterio de Tacircmis

Parron (2008) - que eacute a defesa da escravidatildeo negra no Brasil aleacutem de retomar

temas como a guerra e a poliacutetica no paiacutes O exame do texto nos auxiliaraacute nas

afirmaccedilotildees Eacute bem verdade que na fala do trono de 1867 (cerimocircnia que abre os

trabalhos no parlamento) D Pedro II teria mostrado disposiccedilatildeo em resolver o

problema do elemento servil problema que se arrasta na necessidade de uma

soluccedilatildeo jaacute com seu pai assegurando o fim do traacutefico como uma das condiccedilotildees para

o apoio da Inglaterra a independecircncia do Brasil O imperador tambeacutem se sentindo

pressionado por uma elite intelectual europeia que via na escravidatildeo (neste

momento depois da guerra de secessatildeo talvez natildeo antes) um insulto ao modelo

de civilidade que pretendia o Brasil como uma naccedilatildeo moderna alguns destes

intelectuais e artistas satildeo muito caros agrave D Pedro II como no caso de Victor Hugo A

proposta seria resolver gradativamente sem ferir os interesses daqueles que ainda

atrelados agraves culturas de exportaccedilatildeo necessitavam de braccedilos para o trabalho

atentos a condiccedilatildeo de que a imigraccedilatildeo europeia ainda natildeo era um fato substancial

Bosi comenta que

Algumas atitudes poliacuteticas de D Pedro II pareciam indicar que embora hesitantemente ele passou do polo nacional-conservador para o polo nacional-reformista guiado pelo religioso respeito que lhe inspiravam as culturas inglesa e francesa (BOSI 2003 p 239)

Resta saber em que ponto da estrada D Pedro II teria pegado o bonde reformista e

ateacute onde este poderia levar-lhe O decliacutenio da monarquia o que sugerem alguns

comentadores como Boris Fausto (2001) e Faoro (2004) jaacute estaacute batendo nos

portotildees de Satildeo Cristoacutevatildeo Alencar como bom conservador que eacute defende os

interesses ndash mesmo que natildeo textualmente ndash da oligarquia agriacutecola escravista que

sustentava o paiacutes (leia-se o impeacuterio) com sua produccedilatildeo para exportaccedilatildeo Alencar

antevecirc em seu texto as mudanccedilas sugeridas pelos novos tempos em que o ldquonovo

liberalismordquo ndash termo de Joaquim Nabuco com quem Alencar travaria discussotildees

inflamadas - vai tomando conta do parlamento e a proposta de renovaccedilatildeo da matildeo

de obra por colonos europeus jaacute estava em debate apesar de ainda natildeo termos as

campanhas abolicionistas Mas em sua opiniatildeo tais mudanccedilas ndash que aconteceriam

inevitavelmente - precisam ser combatidas no momento visto que uma mudanccedila

draacutestica poderia trazer prejuiacutezos para as colheitas devido agrave falta de trabalhadores Eacute

o ideal conservador que deve ser salvo A proposta das cartas enquanto veiacuteculo de

divulgaccedilatildeo ideoloacutegico eacute esta chegar o mais longe possiacutevel e alcanccedilar a quantos

pudessem com as ideias conservadoras

Eacute pontual que coloquemos ndash diga-se assim - uma questatildeo ante a defesa do trabalho

escravo por Alencar e tambeacutem uma resposta agrave interferecircncia direta da coroa no

assunto jaacute que estariacuteamos sob a vigecircncia de uma monarquia constitucional

parlamentarista A posiccedilatildeo de Alencar eacute criticada no periacuteodo como ideia jaacute superada

Tavares Bastos eacute um exemplo jaacute aludia agraves melhorias na produccedilatildeo advindas do

trabalho assalariado que tatildeo bem estava no periacuteodo se adaptando e trazendo

frutos principalmente no Nordeste com peculiar atenccedilatildeo ao Cearaacute a terra do

Deputado Alencar (BOSI 2003) Eacute um sinal de que o missivista estava mais

preocupado com a corte do que com suas bases ou desconhecia deliberadamente

esses dados

A escravidatildeo eacute um ponto complexo visto que a instituiccedilatildeo desde a colocircnia permeia

praticamente todas as outras instituiccedilotildees De maneira geral observamos que

(hellip) toda pessoa com algum recurso possuiacutea um ou mais escravos O Estado os funcionaacuterios puacuteblicos as ordens religiosas os padres todos eram proprietaacuterios de escravos Era tatildeo grande a forccedila da escravidatildeo que os proacuteprios libertos uma vez livres adquiriam escravos A escravidatildeo penetrava em todas as classes em todos os lugares em todos os desvatildeos

da sociedade a sociedade colonial era escravista de alto a baixo (CARVALHO 2002 p20)

Alencar tem uma posiccedilatildeo particular sobre a escravidatildeo Quer acabar com ela mas

de forma lenta e segura sem arroubos libertaacuterios que pudessem trazer prejuiacutezos ao

Brasil Parece em alguns momentos um produtor rural paulista preocupado com

seu lucro em outros um tecnocrata arrecadador de impostos Nas novas cartas

poliacuteticas Alencar jaacute natildeo se apresenta - podemos dizer assim - ao Imperador Ele de

certa forma jaacute teria conquistado o seu ouvinte e tomado sua atenccedilatildeo Sua opiniatildeo jaacute

consegue certo respeito dos leitores enxergando-o natildeo apenas como um artista um

escritor de romances (como fazia o Cotegipe) mas como um poliacutetico combativo com

capacidade de influenciar um grupo importante atraveacutes da imprensa Eacute aqui que

podemos observar de maneira mais integrada as propostas liberais sendo

mescladas ao conservadorismo na defesa da escravidatildeo

Alencar nesse novo conjunto de cartas pocircde usar em suas criacuteticas de uma

ldquolinguagem [que] seraacute minimamente severardquo (ALENCAR 2009 p259) e que ele

mesmo admite ser talvez improacutepria para um suacutedito que se dirige ao soberano

A primeira das cartas trata da ameaccedila de abdicaccedilatildeo de D Pedro II O episoacutedio se daacute

devido agrave proposta de uma negociaccedilatildeo de paz com Lopes considerada interessante

ateacute por Caxias dando fim a longa guerra O imperador discorda Uma crise que

abala ldquonatildeo jaacute a cidade mas o impeacuteriordquo O texto de Alencar eacute brilhante

Seraacute real que vossos laacutebios selados sempre pela reserva e prudecircncia se abriram para soltar a palavra fatal Eacute possiacutevel que suacutebita alucinaccedilatildeo desvaire a tal ponto um espiacuterito soacutelido e reto Natildeo creio natildeo posso natildeo devo crer Recebendo a nova incriacutevel a populaccedilatildeo ficou atocircnita (ALENCAR 2011 p257-258)

A expressatildeo ldquopalavra fatalrdquo natildeo determina se o missivista estaacute falando da proposta

da abdicaccedilatildeo ou de seu posicionamento contra uma negociaccedilatildeo de paz com Solano

Lopes E continua com ldquo() a populaccedilatildeo ficou atocircnita () O espanto lhe embarga a

falardquo (ALENCAR 2009 p258) Somente quando vem aludir posteriormente a D

Pedro I que cita a palavra abdicaccedilatildeo

Rara vez e soacute em circunstacircncias muito especiais pode a abdicaccedilatildeo tornar-se um ato de civismo admiraacutevel D Pedro I vosso augusto pai logrou um lance destes que o consagrou heroacutei da paz e da liberdade Sua missatildeo estava concluiacuteda havia fundado a monarquia brasileira e criado um povo (ALENCAR 2009 p258)

Apesar do elogio D Pedro I eacute portuguecircs e figura inaceitaacutevel com suas ideias

absolutistas na naccedilatildeo que surge E o povo que D Pedro I cria eacute uma aristocracia

local que tenta desvincular-se de Portugal

D Pedro I era ldquoum obstaacuteculo uma anomalia A mais veemente das paixotildees

populares o patriotismo sublevou-se contra o princiacutepio estrangeiro encarnado na

sua pessoa O Sr Pedro II eacute americano [sic] como seu povordquo (ALENCAR 2009

p259) e a abdicaccedilatildeo seria um crime de lesa naccedilatildeo Seriam os rumos incertos da

guerra pergunta o missivista motivo para uma abdicaccedilatildeo Alencar acusa

duramente o Imperador de ser o responsaacutevel pela ldquotemeridade com que nos

precipitamos sem refletir em uma situaccedilatildeo irremissiacutevel dilema cruel entre a ruiacutena e a

vergonhardquo (ALENCAR 2009 p260) A guerra tem nele seu responsaacutevel Tu ldquofostes

o princiacutepio e sois a alma da guerra Vosso pensamento a inspirou vossa convicccedilatildeo

a alimentardquo (ALENCAR 2009 p260) em busca de uma vitoacuteria que significaria

Humaitaacute arrasado Lopes deposto e o franqueamento da navegaccedilatildeo ribeirinha mas

apesar de compreensiacuteveis as razotildees e do patriotismo brasileiro que ndash segundo ele ndash

tende a apoiar a guerra ldquonenhum homem tem o direito de arrastar sua matildee paacutetria agrave

ruiacutena para vatilde satisfaccedilatildeo de seus brios revoltadosrdquo (ALENCAR 2009 p261)

Alencar argumenta (lembrando-o) que o imperador natildeo pode agir como uma pessoa

comum que ele natildeo tem o direito do simples cidadatildeo que eacute o de ter uma opiniatildeo

que natildeo considere a naccedilatildeo em primeiro lugar A soberania soacute existe porque eacute dada

ao Imperador e seus atos satildeo justificados pelo cidadatildeo E esse contrato impede

mesmo que haja qualquer ideia de renuncia pois os atos do imperador satildeo os atos

de todos os cidadatildeos A honra do Imperador segundo ele eacute a honra da naccedilatildeo e a

partir do modelo de monarquia constitucional entatildeo vigente enquanto defensor

perpeacutetuo da naccedilatildeo

quando o povo entenda que chegou o momento de acabar a guerra e exprima seu voto pelos meios constitucionais haveis de pensar do mesmo modo senatildeo como homem infalivelmente como soberano Em voacutes estaacute encarnado e vivo o grande eu nacional (ALENCAR 2009 p263)

Alencar repreende o Imperador severamente determinando que ldquoqualquer que seja

o desfecho da guerra [ele natildeo teria] o direito de separar vossa dignidade da causa

nacionalrdquo (ALENCAR 2009 p264) Vecirc-se nas palavras de Alencar a defesa natildeo do

imperador nem mesmo da monarquia mas do principio constitucionalista liberal Jaacute

aqui se percebe uma criacutetica ao que Alencar indicava como omissatildeo mas era de

certa forma um caminhar que D Pedro II mantinha nos tracircmites da legalidade que a

proacutepria constituiccedilatildeo lhe impunha sabia onde colocar seus peacutes E apesar das criacuteticas

Alencar sabia que os atos do imperador natildeo pedem contestaccedilatildeo visto que a

representaccedilatildeo deste eacute coletiva e todas as verdades se alinham em seu nome (em

nome da soberania) D Pedro II sabia o que poderia fazer e ateacute aonde confrontar a

burocracia que a casa de Braganccedila lhe tinha deixado por heranccedila Em outros

tempos mesmo sem buscar referecircncias anteriores a D Pedro I o texto de Alencar jaacute

estaria sujeito ao silecircncio

Uma das constantes reclamaccedilotildees de Alencar eacute a da falta de notiacutecias da guerra no

sentido de previsotildees reais sobre o andamento dos trabalhos sobre a movimentaccedilatildeo

das tropas sobre enfim quando iraacute terminar o supliacutecio Segundo ele haacute por parte

do governo um velamento da realidade no campo para o puacuteblico existe uma

censura ndash senatildeo oficializada mas efetiva ndash sobre os reais rumos da guerra dada em

funccedilatildeo da relaccedilatildeo que os jornais tecircm com o gabinete ministerial E a falta de atenccedilatildeo

para tais assuntos junto a posiccedilatildeo equivocada frente agrave guerra estatildeo aiacute por culpa

de D Pedro II

Termina essa carta anunciando o erro do Imperador na fala de ldquoabdicaccedilatildeo quando a

senha do dia para todos os brasileiros e para voacutes primeiro que todos eacute dedicaccedilatildeordquo

(ALENCAR 2009 p274) O sarcasmo de Alencar brinca com os brios de D Pedro

II com seu orgulho de intelectual ndash tiacutetulo o qual preferia algumas vezes ao de

Imperador (SCHWARCZ 1999) ndash indicando que a imprensa do mundo inteiro o

proclama ldquoum saacutebiordquo e cita o artigo publicado nos jornais em que ldquoo presidente dos

Estados Unidos aludindo agrave franquia do Amazonas vos considerou entre os

primeiros estadistas do mundordquo (ALENCAR 2009 p277) o que provavelmente natildeo

aconteceria se este tomasse medidas protecionistas no paiacutes o que jaacute funcionavam

como uma poliacutetica de Estado desde os fins da guerra de Secessatildeo nos Estados

Unidos mas era duramente criticado por este para toda a Ameacuterica Latina eacute possiacutevel

que seja isto que Alencar quer dizer quando escreve logo a seguir que terminado

estaacute ldquoo tempo em que os povos eram instrumento na matildeo dos reis que os

empregavam para obter a satisfaccedilatildeo de suas paixotildees e a conquista de um renome

vatildeordquo porque aqui ldquorasga-se o manto auriverde da nacionalidade brasileira para

cobrir com os retalhos a cobiccedila do estrangeiro [Natildeo existe] para voacutes senhor outra

fama liacutecita e pura senatildeo aquela poacutestuma que eacute a verdadeira gloacuteriardquo (ALENCAR

2009 p278) e que dispor das reservas econocircmicas tanto quanto das pessoas de

forma displicente e buscando uma valorizaccedilatildeo pessoal eacute sinal de um despotismo

que jaacute natildeo cabe mais aqui Eacute o Alencar liberal que fala

A partir daqui Alencar passa depois de construir a narrativa em um tom duro de pai

que repreende o filho teimoso a falar da questatildeo da emancipaccedilatildeo mais diretamente

D Pedro II coloca a discussatildeo na pauta pela fala do trono e os progressistas ndash

chamados vacircndalos no texto de Alencar ndash a aceitam como uma plataforma Alencar

toma a proposta de emancipaccedilatildeo do escravo pelo menos para o momento como

um erro do Imperador Segue a referecircncia

Libertando uma centena de escravos cujos serviccedilos a naccedilatildeo vos concedera distinguindo com um mimo especial o superior de uma ordem religiosa que emancipou o ventre estimulando as alforrias por meio de mercecircs honoriacuteficas respondendo agraves aspiraccedilotildees beneficentes de uma sociedade abolicionista de Europa e finalmente reclamando na fala do trono o concurso do poder legislativo para essa delicada reforma social sem duacutevida julgais ter adquirido os foros de um rei filantropo (ALENCAR 2009 p280)

Alencar acreditava que o momento com a economia debilitada por conta da guerra

e tambeacutem por conta desta a falta de braccedilos para a constituiccedilatildeo de um sistema de

matildeo de obra diferenciado e sem o apoio ainda da prometida imigraccedilatildeo (apesar das

muitas propostas tanto de europeus como de asiaacuteticos nenhum projeto de vulto

havia sido executado) o paiacutes essencialmente agraacuterio se precipitaria no caus Os

argumentos de Alencar apesar de bem trabalhados sugerem mais suas ligaccedilotildees (e

preocupaccedilotildees) com a aristocracia rural do que propriamente com o povo afirmando

seu ideal de manutenccedilatildeo dos privileacutegios das elites em detrimento de medidas mais

imediatas Alega que a escravidatildeo eacute um fato social tendo como exemplo ldquoo

despotismo e a aristocracia como jaacute foram a coempccedilatildeo da mulher a propriedade do

pai sobre os filhos e tantas outras instituiccedilotildees antigas45rdquo (ALENCAR 2009 p282)

Argumentos que Alencar potildee no passado mas que reconhece presentes quando

trata deles em suas obras Eacute o direito a escravidatildeo como uma instituiccedilatildeo legal que

segue em sua argumentaccedilatildeo lembra que satildeo as naccedilotildees em suas leis que justificam

a escravidatildeo Que sob a lei haacute a justificativa e que ningueacutem pode ser obrigado a

fazer ou deixar de fazer algo a menos que isso esteja expresso na lei

Alencar lembra que a ldquoescravidatildeo caduca mas ainda natildeo morreu ainda se prendem

a ela graves interesses de um povo Eacute quanto basta para merecer o respeitordquo

(ALENCAR 2009 p283) O respeito que se daacute sustenta enquanto instituiccedilatildeo E

satildeo os progressistas com o apoio formal do imperador que tratam de desqualificar

a instituiccedilatildeo lanccedilando ldquoo odioso sobre as instituiccedilotildees vigentes qualificando seus

defensores de espiacuteritos mesquinhos e retroacutegradosrdquo (ALENCAR 2009 p283) Isto

em mateacuteria de reforma natildeo tem propriamente um fim eleitoreiro ndash ainda natildeo seria o

caso - mas tentando fortalecer outros grupos aos quais as ideias abolicionistas

vinham a calhar como os financistas e banqueiros que esperavam por um

liberalismo mais econocircmico e burguecircs que poliacutetico e aristocraacutetico Alencar se

protege como bom advogado enquanto defende a escravidatildeo sobre o vieacutes da lei

Para ele ldquoa escravidatildeo se apresenta hoje ao nosso espiacuterito sob um aspecto

repugnante Esse fato do domiacutenio do homem sobre o homem revolta a dignidade da

criatura racional Sente-se ela rebaixada com a humilhaccedilatildeo de seu semelhanterdquo

(ALENCAR 2009 p284) mas sua opiniatildeo natildeo pode prevalecer O missivista busca

o que seria a melhor alternativa para a economia do paiacutes jaacute prontamente

argumentada na carta ao Visconde de Itaborahy A instituiccedilatildeo da escravidatildeo eacute legal

e justa ldquoquando realiza um melhoramento na sociedade e apresenta uma nova

situaccedilatildeo embora imperfeita da humanidade () Neste caso estaacute a escravidatildeo ()

45 Jaacute eacute um comentaacuterio de Aristoacuteteles na poliacutetica

um instrumento da civilizaccedilatildeo como foi a conquista o municiacutepio a glebardquo

(ALENCAR 2009 p284) Eacute uma das fazes do desenvolvimento pelo qual passaram

diversas naccedilotildees

Sempre apelando para a histoacuteria europeia Alencar apresenta a escravidatildeo como ldquoo

primeiro impulso do homem para a vida coletiva o elo primitivo da comunhatildeo entre

os povosrdquo (ALENCAR 2009 p285) Ao menos admite adiante que possam parecer

estranhas tais proposiccedilotildees mas sempre sustentado pelo estudo de textos

canocircnicos46 (cita o Gecircnesis de Moiseacutes quando da admissatildeo da escravidatildeo pela

Biacuteblia) segue o argumento admitindo que por exemplo a escravidatildeo pela guerra

com a conquista dos povos haveria um constante holocausto infligido as sociedades

derrotadas Na Ameacuterica resultaria no extermiacutenio das populaccedilotildees indiacutegenas Mas

isso que aconteceu de qualquer forma um argumento injustificado

Alencar eacute um dos defensores da ideia de que a ldquoraccedila negrardquo eacute a que melhor se

adapta ao trabalho agriacutecola (apesar de afirmar que o colono portuguecircs aguenta

firmemente o trabalho dos troacutepicos) Sendo esta mais disponiacutevel e apta e ndash segundo

ele ndash baacuterbara e necessitando de um processo civilizatoacuterio que o tirasse da

selvageria aproveitando sua energia vital ldquopara lutar com uma natureza giganterdquo

(ALENCAR 2009 p289) Natildeo fosse a escravidatildeo ndash toma isso como um acaso

valoroso - a Ameacuterica ldquoseria hoje um vasto desertordquo (ALENCAR 2009 p289)

Alencar nos lembra do fato de que a moderna escravidatildeo ressurgida na peniacutensula

ibeacuterica - com o haacutebito de presentear o Rei com escravos negros - natildeo se estabelece

na Europa mas mesmo os ingleses franceses e holandeses portanto natildeo soacute os

portugueses e espanhoacuteis servem-se dela na colocircnia Adam Smith admitia a

escravidatildeo nas colocircnias inglesas ((WEFFORT 2001) Como se explica pergunta

ele ldquoessa anomalia de povos repelindo na metroacutepole uma instituiccedilatildeo que adotam e

protegem no regime colonialrdquo (ALENCAR 2009 p290) Tal pressatildeo internacional

a que comeccedila a ceder o Imperador eacute comum nesse periacuteodo e seraacute assim ateacute hoje

Carvalho (2007) estudando as atas do conselho de Estado do Impeacuterio comenta que

46

A igreja possuiacutea escravos negros e ara um grupo que natildeo se pronunciava ateacute entatildeo a favor da aboliccedilatildeo

apesar do modelo poliacutetico para o Brasil - de Inglaterra e Franccedila ndash serem uma

unanimidade entre os conselheiros chegando estes a citar de memoacuteria frases e

anedotas dos poliacuteticos mais conhecidos como o faz tambeacutem o Alencar o bom senso

prevalecia sobre o modelo e as accedilotildees poliacuteticas tomadas (sugeridas e votadas) ali

tinham uma real preocupaccedilatildeo com a realidade do paiacutes Mas o que observamos na

criacutetica de Alencar eacute que a realidade do paiacutes passava pelos interesses desses

mesmos grupos representados pelo conselho

A questatildeo a que se chega eacute a escravidatildeo jaacute teria cumprido seu papel no Brasil

Segundo Alencar natildeo E ele o afirma ldquocom a consciecircncia do homem justo que

venera a liberdade com a caridade do cristatildeo que ama seu semelhante e sofre na

pessoa delerdquo (ALENCAR 2009 p293) Para o bem de todos afirma ele ateacute mesmo

dos escravizados ainda natildeo eacute o tempo para a aboliccedilatildeo Mas os ldquotodosrdquo aqui

assinalados tecircm uma clara linha que distingue o escravizado do escravizador

Alencar natildeo chega a defender nem mesmo uma proximidade entre eles Usando o

discurso da etnia afirma que ldquoningueacutem desconhece todavia quanto eacute lenta essa

coesatildeo ou amaacutelgama de raccedilas Demanda seacuteculos e seacuteculos semelhante operaccedilatildeo

etnograacutefica e traz graves abalos agrave sociedaderdquo (ALENCAR 2009 p295) Mas ao

mesmo tempo com uma imigraccedilatildeo europeia e a amalgama o problema tambeacutem se

resolveria pois

Em trecircs e meio seacuteculos o amaacutelgama das raccedilas se havia de operar em larga proporccedilatildeo fazendo preponderar a cor branca Trecircs ou quatro geraccedilotildees bastam agraves vezes no Brasil para uma transformaccedilatildeo completa (ALENCAR 2009 p292)

O contato que Alencar defende eacute tatildeo somente social como forma civilizatoacuteria ldquoA

raccedila africana tem apenas trecircs seacuteculos e meio de cativeiro Qual foi a raccedila europeia

que fez nesse prazo curto a sua educaccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p310) A raccedila

branca diz ele ldquoembora reduzisse o africano agrave condiccedilatildeo de uma mercadoria

nobilitou-o natildeo soacute pelo contato como pela transfusatildeo do homem civilizadordquo47

(ALENCAR 2009 p296) Embranquecer seria um destino e uma meta a ser

cumprida para chegar-se enfim a uma futura civilizaccedilatildeo da Aacutefrica A soluccedilatildeo 47 Mesmo velado preconceito racial sempre houve no Brasil Nota-se em textos natildeo soacute de Alencar

mas de intelectuais como Silvio Romero e o proacuteprio Joaquim Nabuco (SKIDMORE 1989)

proposta eacute resolver a escravidatildeo pela absorccedilatildeo de uma raccedila por outra mas

aparentemente por outras as raccedilas e categorias sociais como o indiacutegena e o

imigrante pobre que chegaria em alguns anos Pois cada ldquomovimento coesivo das

forccedilas contraacuterias eacute um passo [a] mais para o nivelamento das castasrdquo (ALENCAR

2009 p296) ateacute o amalgama quando da geraccedilatildeo anterior findasse com a morte

mas sempre enquanto castas Sempre com uma marca social (in) visiacutevel que as

distinguisse

Chegado o termo fatal produzido o amaacutelgama a escravidatildeo cai decreacutepita e exacircnime de si mesma sem arranco nem convulsatildeo como o anciatildeo consumido pela longevidade que se despede da existecircncia adormecendo Mas antes do seu prazo quem fere mortalmente uma lei derrama sangue como se apunhalara um homem (ALENCAR 2009 p296)

Alencar usa como argumento que o escravo seria um inimigo se emancipado Os

povos que emanciparam seus escravos estavam em superioridade numeacuterica quanto

a estes e natildeo era o caso do Brasil Nos Estados Unidos do periacuteodo da guerra de

secessatildeo o norte tinha uma superioridade muito grande de homens livres sobre a

quantidade de escravos ao contraacuterio do sul o que os levaram a apoiar a

emancipaccedilatildeo Foi tambeacutem o caso da Inglaterra com suas colocircnias Libertar uma

quantidade tatildeo grande de escravos como haacute no Brasil de uma soacute vez pode criar

uma situaccedilatildeo de descontrole social alerta Alencar Comentando ainda sobre os

movimentos abolicionistas que vem se sucedendo na Ameacuterica Latina desde as

primeiras deacutecadas do seacuteculo XIX ndash o que aparentemente viria a reforccedilar a instituiccedilatildeo

nos paiacuteses que natildeo aderiram ao processo de emancipaccedilatildeo aleacutem de considerar que

a populaccedilatildeo escrava no Brasil consegue se reproduzir muito mais que em outros

paiacuteses O mais certo seria que a escravidatildeo natildeo se extinguisse ldquopor ato do poder e

sim pela caduquice moral pela revoluccedilatildeo lenta e soturna das ideiasrdquo (ALENCAR

2009 p306) E aparentemente sem muita pressa Mesmo porque haacute tambeacutem o

movimento contraacuterio do senhor de escravos que quer manter sua propriedade

O processo de emancipaccedilatildeo segundo ele jaacute se iniciou no Brasil a ponto de afirmar

que jaacute natildeo temos mais ldquoa verdadeira escravidatildeo poreacutem um simples usufruto da

liberdade ou talvez uma locaccedilatildeo de serviccedilos contratados implicitamente entre o

senhor e o Estado como tutor do incapazrdquo (ALENCAR 2009 p309) Cabe lembrar

que natildeo temos no periacuteodo um movimento abolicionista encapado pelos partidos ou

mesmo pela opiniatildeo puacuteblica Alencar lembra que quantidade de escravos eacute grande

demais para arriscar uma emancipaccedilatildeo por decreto

Trecircs seacuteculos durante a Aacutefrica despejou sobre a Ameacuterica a exuberacircncia de sua populaccedilatildeo vigorosa Calcula-se em cerca de quarenta milhotildees o algarismo dessa vasta importaccedilatildeo Nesse mesmo periacuteodo a Europa concorria para a povoaccedilatildeo do Novo Mundo com um deacutecimo apenas da raccedila negra (ALENCAR 2009 p292)

Alencar sugere que natildeo foi o Brasil do seacuteculo XIX que inicia o processo de

escravizaccedilatildeo nessas terras mas o Europeu o portuguecircs aacutevido de lucros com a

exploraccedilatildeo da colocircnia Exigir que se corrigisse um erro de uma hora para a outra eacute

uma sandice mesmo por que este (o europeu) espera ainda os produtos tropicais

com preccedilos baixos o que uma brusca mudanccedila no processo de produccedilatildeo natildeo

conseguiria manter o que acarretaria perdas tanto para os produtores como para os

mercados consumidores O escravo natildeo entrou na conta A passagem eacute

esclarecedora nesse sentido

O filantropo europeu entre a fumaccedila do bom tabaco de Havana e da taccedila do excelente cafeacute do Brasil se enleva em suas utopias humanitaacuterias e arroja contra estes paiacuteses uma aluviatildeo de injuacuterias pelo ato de manterem o trabalho servil Mas por que natildeo repele o moralista com asco estes frutos do braccedilo africano Em sua teoria a bebida aromaacutetica a especiaria o accediluacutecar e o delicioso tabaco satildeo o sangue e a medula do escravo Natildeo obstante ele os saboreia (ALENCAR 2009 p307)

Alencar explica que um necessaacuterio crescimento da populaccedilatildeo livre deve ser

incrementado para que a partir desta (sugere como a melhor forma a imigraccedilatildeo)

poderaacute haver a substituiccedilatildeo do trabalho escravo Nos Estados Unidos nos conta foi

assim Eacute a imigraccedilatildeo que colocaraacute uma nova ldquocorrdquo no paiacutes e lhe daraacute novo vigor E

coloca a culpa na Europa novamente por natildeo facilitar o envio de imigrantes para

nosso paiacutes Estes viriam de bom grado considerando mesmo ndash e ateacute como

argumento comparativo ndash a qualidade de vida aqui eacute bem melhor que laacute Na

verdade como afirma Prado (2001) os princiacutepios liberais erigiam a liberdade com

base em direitos do homem e natildeo pelo ponto de vista religioso Contestar a

escravidatildeo era tambeacutem contestar todo o antigo regime

A amaacutelgama de raccedilas proposta por Alencar tem por base o fluxo intenso de

imigrantes lusitanos para a Corte do Brasil a partir de 1850 com o fim do traacutefico de

escravos Por conta disso a populaccedilatildeo eacutetnica se altera mas o contingente

populacional se manteacutem praticamente o mesmo entre 1850 e 1872 ldquoa populaccedilatildeo

escrava diminui e a populaccedilatildeo lusitana quase dobrardquo (NOVAIS 1997 p30) Ainda

acompanhando este autor temos a indicaccedilatildeo de que ao fim da deacutecada de 1860

metade da populaccedilatildeo masculina da Corte era estrangeira vinda principalmente de

Portugal Alencar ainda coloca em um comparativo um operaacuterio europeu

trabalhando 12 15 18 horas soacute almeja a liberdade para tentar um outro caminho

que a cidade natildeo lhe oferece A ldquocondiccedilatildeo do nosso escravo comparada com a do

operaacuterio europeu eacute esmagadora para a civilizaccedilatildeo do Velho Mundo [essa liberdade]

eacute o meio um direito o fim eacute a felicidade48 e desta o escravo brasileiro tem um

quinhatildeo que natildeo eacute dado sonhar ao proletaacuterio europeurdquo (ALENCAR 2009p324)

O que se viu dando um breve espaccedilo ao tempo eacute que as criacuteticas de Alencar a

forma como o governo processa o problema da emancipaccedilatildeo (ou seria tambeacutem a

emancipaccedilatildeo a soluccedilatildeo do problema em outro ponto de vista) acabam encontrando

um espaccedilo vazio onde podiam criar raiacutezes visto que as promessas de aboliccedilatildeo no

fim da guerra de forma progressiva e por meio da estimulaccedilatildeo da emigraccedilatildeo ainda

estatildeo na forma como promessas no periacuteodo e a dificuldade de se encontrar uma

soluccedilatildeo (ateacute a aboliccedilatildeo completa claro) abrem precedentes para que o pensamento

de Alencar ndash se natildeo o mais eacutetico ndash acabe se apresentando como o mais coerente A

libertaccedilatildeo como o quer o governo sem um projeto que forneccedila condiccedilotildees de

inserccedilatildeo no novo projeto socioeconocircmico para o receacutem-libertado acabaraacute por

coloca-lo em situaccedilatildeo de miseacuteria caindo na mendicacircncia ou criminalidade A ideia

central de Alencar eacute que mesmo que haja aboliccedilatildeo geral e irrestrita se consiga

garantir que o escravo ldquose for libertado permaneceraacute em companhia do senhor e se

tornaraacute em criadordquo (ALENCAR 2009 p329) De qualquer forma para o senhor de

escravos na economia monocultora exportadora com um mercado flutuante

48 Natildeo eacute difiacutecil encontrar referecircncias aos textos do Utilitarismo de Jeremy Bentham em uma leitura

de Alencar

qualquer justificativa era boa contanto que a escravidatildeo natildeo terminasse naquele

momento nem em um futuro proacuteximo Nesse sentindo o argumento que Ilmar Mattos

(1987) defende eacute de que a relaccedilatildeo do Estado com os interesses da classe

ldquosenhorialrdquo faz com que a coroa assuma o papel de Partido ( nos termos de Gramsci)

natildeo se reduzindo assim agrave figura do Imperador que mesmo acuado pela criacutetica de

Alencar sabe que ele (e mesmo o missivista) satildeo peccedilas de uma organizaccedilatildeo mais

complexa dentro da sociedade Mas a coroa deve resolver tambeacutem os problemas

internos como convergecircncias e divergecircncias garantindo sempre que esta se

atualize

Como parte de um jogo de relaccedilotildees entre poliacuteticos e opiniatildeo puacuteblica eram

aplaudidos ateacute mesmo argumentos romantizados ao estremo como quando Alencar

defende que

A uacutenica transiccedilatildeo possiacutevel entre a escravidatildeo e a liberdade eacute aquela que se opera nos costumes e na iacutendole da sociedade Esta produz efeitos salutares adoccedila o cativeiro vai lentamente transformando-o em mera servidatildeo ateacute que chega a uma espeacutecie de orfandade o domiacutenio do senhor se reduz senatildeo a uma tutela beneacutefica (ALENCAR 2009 p113)

As soluccedilotildees que se propotildeem satildeo muitas mas uma breve reflexatildeo faz cair por terra

todo o conteuacutedo ideoloacutegico que estas carregam Uma situaccedilatildeo se daacute quando da

publicaccedilatildeo em marccedilo de 1868 tambeacutem de uma carta aberta endereccedilada ao

presidente do Conselho e lida perante a cacircmara dos deputados em fins do ano

anterior o Imperador declara abrir matildeo da quarta parte de sua dotaccedilatildeo Conta-nos

Alencar que a imprensa noticiando o caso ldquoem nome da opiniatildeo puacuteblica vos

retribuiu com bonitos e merecidos elogiosrdquo (ALENCAR 2009 p331) o ato que

busca devido agrave deficitaacuteria condiccedilatildeo do Estado auxiliar na organizaccedilatildeo da economia

senatildeo economicamente ao menos simbolicamente Notiacutecia que o parlamento

recebe com aplausos Alencar encontra aiacute uma possibilidade de contestaccedilatildeo do ato

afirmando ainda que natildeo aceita enquanto suacutedito e contribuinte tal donativo visto

que a dotaccedilatildeo natildeo eacute um ordenado pago ao Imperador e a famiacutelia real Eacute o ldquodecoro

do trono e a dignidade da naccedilatildeo como diz-nos a lei fundamental (art 108) que

determina a dotaccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p332) coisas de que este eacute depositaacuterio

enquanto representante da naccedilatildeo e natildeo proprietaacuterio Mais uma vez Alencar estaacute

assumindo a participaccedilatildeo do soberano no contrato O missivista usa seu

conhecimento do direito constitucional para denunciar as accedilotildees da coroa visando agrave

manipulaccedilatildeo ideoloacutegica do povo visto que tais atitudes propriamente simboacutelicas

como o ato de abrir matildeo da dataccedilatildeo (visto que os valores pouco ou nada influenciam

no ressarcimento das perdas do eraacuterio puacuteblico resultantes das uacuteltimas maacutes gestotildees

e dos custos com a guerra chegando mesmo Alencar classifica-las como migalhas)

satildeo uma forma de tranquilizar por meio dos jornais a opiniatildeo puacuteblica quanto a

realidade econocircmica por que passa o paiacutes e refrear as ameaccedilas de contestaccedilatildeo a

ordem estabelecida Sugere que se D Pedro II realmente quiser ajudar a naccedilatildeo que

seja

pondo um termo a esse esbanjamento desordenado que tem exaurido todas as reservas do paiacutes e vai sorver os uacuteltimos recursos do futuro natildeo satildeo os Vossos duzentos contos de reacuteis que vatildeo suprir o vaacutecuo aberto no orccedilamento por uma administraccedilatildeo imprevidente e desasada (ALENCAR 2009 p333)

Natildeo poderatildeo resolver o problema do Rio da Prata que garantiratildeo o creacutedito puacuteblico

ou evitaratildeo uma possiacutevel bancarrota do impeacuterio brasileiro Alencar entatildeo aconselha

que o Imperador continue fazendo uso do dinheiro em suas obras de caridade pois

a recusa dos valores soacute seraacute ldquoum foco de imoralidade e corrupccedilatildeo Carniccedila atirada

ao tempo que a podridatildeo logo decompotildeerdquo (ALENCAR 2009 p334) visto que tal iraacute

fluir para poliacuteticos corruptos e suas necessidades pessoais Se quiser ajudar o paiacutes

evitai que a administraccedilatildeo continue com a guerra que arruinaraacute enfim o paiacutes e

termina solicitando a demissatildeo do ministeacuterio ndash uacutenica soluccedilatildeo ndash como uacutenica forma de

salvar o Brasil e com sua integridade Eacute importante lembrar que D Pedro II conhece

bem a constituiccedilatildeo e apesar dos ataques de Alencar nunca toma uma atitude

defensiva eacute preciso registrar sua permissividade e respeito agrave liberdade de imprensa

como um traccedilo liberal mas como bem anuncia Alencar a criacutetica feita pela imprensa

natildeo encontra respaldo junto a opiniatildeo puacuteblica e as mudanccedilas natildeo satildeo

implementadas impossibilitando mudanccedilas na base administrativa o que pode ser

visto como um traccedilo de totalitarismo

Segundo Carvalho (2007) no modelo parlamentar que se desenvolve no Brasil o

parlamentarismo francecircs eacute a base apesar das constantes referecircncias ao

parlamentarismo inglecircs O gabinete ministerial eacute o elo entre a cacircmara e o imperador

a referenda do poder moderador A carta magna eacute influenciada pelas Constituiccedilotildees

francesa de 1791 e espanhola de 1812 e uma das mais liberais da eacutepoca Nesse

modelo eacute o gabinete que deve explicar-se com a cacircmara sobre os atos da

administraccedilatildeo puacuteblica evitando que se perceba algum resquiacutecio de absolutismo

Sem o gabinete o poder moderador instituiria um ldquodespotismo legalrdquo nas palavras do

senador Vergueiro (CARVALHO 2007) Eacute uma vitoacuteria dos liberais que tentam

garantir que D Pedro II reine e natildeo governe mas natildeo eacute assim que sempre funciona

O senado vitaliacutecio eacute a sombra do imperador - natildeo importando se eacute

predominantemente conservador ou abriga um e outro liberal moderado - que

manda e desmanda com sua influencia dentro dos partidos para garantir apoio a um

ou outro deputado do interior Eacute o tempo que iraacute solidificar as estruturas e o poder e

isto a cacircmara dos Deputados natildeo tinha para si A essecircncia do mecanismo eacute povo

dominado pelos poliacuteticos e poliacuteticos tutelados pelo imperador dentro do quadro

burocraacutetico instituiacutedo (FAORO 2004)

Zacarias de Goacutees e Vasconcelos defendia que o rei absoluto deveria ser distinguido

do rei constitucional natildeo cabendo mais o primeiro no seacuteculo XIX A garantia de

constitucionalidade dos atos do poder moderador estava na referenda feita pelos

ministros que prestavam contas agrave cacircmara O ministeacuterio deve contar entatildeo com a

confianccedila do parlamento Eacute um dado interessante que a maioria dos ministros saiacutesse

do senado e natildeo da cacircmara dos deputados o que garantia que as propostas

administrativas dos gabinetes estivessem mais afinadas com o modelo de governo

esperado pelo imperador O senador escolhido em uma lista triacuteplice apresentada ao

imperador eacute referendado por ele Natildeo havia nesse modelo formas de burlar o

domiacutenio da oligarquia ldquo() calccedilada na vitaliciedade no Senado e no Conselho de

Estadordquo (FAORO 2004 p 354)

A sexta carta datada de 23 de setembro de 1867 portando logo em seguida agrave

publicaccedilatildeo da carta anterior (o que permite aceitar que os textos sejam de certa

forma complementares visto a dificuldades de comunicaccedilatildeo com as frentes de

batalha) que tem a data de 20 de setembro Intitulada estaacute como uma carta ldquosobre a

guerrardquo e visto que a guerra eacute assunto presente em todas as cartas eacute preciso deter-

se um pouco no assunto Alencar inicia seu argumento afirmando de forma

progressiva que ldquoa paz eacute uma grande vergonha () a paz eacute um ato de miseacuteria

() a paz eacute uma vilaniardquo (ALENCAR 2009 p343) mas que o momento torna a

guerra algo insustentaacutevel Culpa o ministeacuterio por natildeo conseguir mais alistar homens

para a batalha e com a consequente falta de braccedilos para a lavoura a economia se

retrai dia apoacutes dia pois o escravo negro cada dia mais eacute presente nas fileiras da

guerra O alistamento feito para a guerra a princiacutepio voluntaacuterio comeccedila a encontrar

resistecircncia O governo forccedila o alistamento e o alistado poderia mandar um escravo

em seu lugar Eacute um impasse complexo para o liberalismo no Brasil Como pode

algueacutem que natildeo dispotildee de sua liberdade ndash nem disporaacute ndash pode lutar pela liberdade

Aproveita ainda o Alencar para dar alfinetadas nos liberais por meio da figura de

Zacarias de Goacuteis afirmando que o temor da guerra (ou mesmo de se responsabilizar

por seus rumos que seria efetivamente o caso) afasta a possibilidade de outro

partido tomar as reacutedeas da politica nacional garantindo a permanecircncia do partido

liberal no poder Critica veementemente a situaccedilatildeo de alistamento de escravos ndash

alguns cedidos por seus senhores para que combatam por eles - no exeacutercito regular

A questatildeo eacute como algueacutem que natildeo goza da liberdade pode lutar pela liberdade

ldquoPor entusiasmo espontacircneo esposando a causa de seus senhoresrdquo (ALENCAR

2009 p350) afirma Sua sugestatildeo eacute que se decirc fim agrave guerra pelo menos por

enquanto para que se resolvam os maiores problemas que satildeo os da poliacutetica

interna comeccedilando pela reorganizaccedilatildeo (ou deposiccedilatildeo claro) do gabinete e o

problema da escravidatildeo e completa consagrando seu momento maacutegico no tempo

a afirmaccedilatildeo de que soacute assim ldquoo paiacutes haacute de recuperar as forccedilas inertes os brios

abatidos O impeacuterio seraacute outra vez o Brasil da independecircncia o Brasil de 1851rdquo

(ALENCAR 2009 p354) Pronto para dar uma soluccedilatildeo os problemas do paiacutes

afirma somente o partido conservador Este ldquonatildeo tem a cumplicidade desta guerra

natildeo o tolhem compromissos do passado Entraria no poder com a imparcialidade do

juiz [e com] bastante civismo para arrostar as dificuldades da guerrardquo (ALENCAR

2009 p355) Um pouco de partidarismo ao fim da carta faz bem o estilo de nosso

missivista

O intervalo entre a penuacuteltima carta publicada em 23 de setembro de 1867 e a Uacuteltima

Carta49 datada de 15 de marccedilo de 1868 eacute grande se comparado ao restante do

conjunto Uma nota ao final (indicada como post-scriptum) assinala que ldquomotivos

imperiosos retardaram a publicaccedilatildeo desta cartardquo (ALENCAR 2009 p389) O uso do

termo ldquoimperiososrdquo eacute um indicio que pode se referir agrave condecoraccedilatildeo oferecida ao

Alencar pelo Imperador no ano de 1867 o oficialato da Rosa pelos serviccedilos

prestados ao paiacutes por meio da literatura Com seu habitual jeito mal educado

Alencar recusa a comenda e D Pedro II consegue uma inteligente cartada de

manipulaccedilatildeo aceitando desta forma as criacuteticas e tirando o Alencar do centro do

universo O episoacutedio da comenda oferecida sem que haja qualquer pretensatildeo de

agradar (assim o diz) ao Alencar mostra publicamente que haacute na figura do

imperador um interlocutor para as cartas E que este sabe muito bem o que lecirc e

sabe tambeacutem responder quando necessaacuterio for

Inicia Alencar aludindo a seu recolhimento explicitando o motivo na ideia de que

tambeacutem a situaccedilatildeo parece ter tido uma pausa Eacute o periacuteodo de encerramento do

trabalho das cacircmaras em Janeiro Caxias assume o comando das tropas aliadas

Alguns rumores correm a cidade conta de que o ministeacuterio pretende mudanccedilas e

encontra certa resistecircncia de D Pedro II A verdade segundo ele eacute que a situaccedilatildeo

deve ter fim A corrupccedilatildeo toma conta do Estado e natildeo se consegue uma

intervenccedilatildeo estando todos preocupados com a guerra natildeo se enxerga a corrupccedilatildeo

na administraccedilatildeo do Paiacutes Alencar sugere que a devassidatildeo que se daacute soacute terminaraacute

quando a consciecircncia do povo mudar ou quando o paiacutes natildeo tiver mais o que ser

corrompido

O corretivo da desmoralizaccedilatildeo sairaacute de seu proacuteprio seio quando natildeo haja mais nada a corromper e a dissoluccedilatildeo tenha-se operado no paiacutes todo entraremos necessariamente no periacuteodo embrionaacuterio de uma nova existecircncia poliacutetica em uma era de reorganizaccedilatildeo (ALENCAR 2009 p358)

Essa visatildeo pessimista tem um pouco de rancor por conta da manobra da comenda

oferecida ao missivista pelo Imperador mas natildeo deixa de levar em conta a proposta

de que agora com as mudanccedilas na direccedilatildeo da Guerra do Paraguai esta encontre

49 Intitulada ldquoUltima cartardquo Alencar dava por fim seu projeto

seu termo e tenha um fim o deacuteficit puacuteblico (que soacute se ampliava e seguiria D Pedro II

ateacute sua deposiccedilatildeo em 1889) e que agora eacute o momento em que D Pedro II natildeo deve

intervir A escolha por Caxias sugerida ateacute mesmo por Alencar poderia mudar os

rumos ateacute aqui e jaacute havia os rumores de que finalmente o Imperador iria ceder aos

apelos do Conde Drsquoeu ndash marido ldquoestrangeirordquo de Isabel ndash para que o enviasse ao

Paraguai e virasse tambeacutem um heroacutei do Brasil (ou encontrasse alguma atividade

qualquer para sua real pessoa) O interesse na guerra chega a ser observado por

Isabel em carta recolhida por Schwarcz No recorte Isabel indica seus medos

Papai me disse que a paixatildeo eacute cega Que a sua paixatildeo pelos negoacutecios da guerra natildeo o tornem cego Aleacutem disso Papai quer matar o meu Gaston Feijoacute recomendou-lhe muito que natildeo apanhasse sol nem chuva nem sereno e como evitar-lhe isso quando se estaacute na guerra (SCHWARCZ 1999 p 485)

Alencar natildeo estava errado haja vista as opccedilotildees que tinha o Imperador em sua

famiacutelia Mas seu conselho eacute a cautela Resolve nesta uacuteltima carta fazer um

apanhado de suas criacuteticas citando o problema da especulaccedilatildeo financeira que

ldquoassalta a riqueza puacuteblica e particular que potildeem em siacutetio todos os interesses

legiacutetimos da sociedaderdquo (ALENCAR 2009 p368) O avanccedilo dos progressistas

dilapidando as bases do governo estruturadas em um modelo de democracia que se

baseia na disputa entre os dois partidos entatildeo majoritaacuterios o liberal e o conservador

a inexperiecircncia dos parlamentares e demais dirigentes chamados por ele crianccedilas

as quais ldquoquase que saiacuteram dos cueiros para as cadeiras da Cacircmara dos Deputados

e para as poltronas ministeriaisrdquo (ALENCAR 2009 p369) lembrando a situaccedilatildeo do

golpe da maioridade com que D Pedro II chega ao poder quando afirma que ldquovoacutes

sabeis senhor e ningueacutem melhor do que voacutes que moralmente eacute a verdaderdquo

(ALENCAR 2009 p369) Critica a gastanccedila e a dilapidaccedilatildeo do tesouro a

depravaccedilatildeo dos costumes e da ordem puacuteblica afirmando que o gabinete eacute corrupto

e que tal corrupccedilatildeo se espalha com o conhecimento e por vezes o apoio da casa

imperial quando permite ldquolanccedilar agraves enxurradas tiacutetulos e condecoraccedilotildees por todo o

paiacutes [onde] com dois contos de reacuteis um aventureiro se condecorava com a fita que

voacutes trazeis ao peito como gratildeo-mestre das ordens brasileirasrdquo (ALENCAR 2009

p370) tatildeo somente com o intuito de captaccedilatildeo de dinheiro Culpa novamente o

Partido Progressista como o verme que destroacutei o paiacutes se vende ao comeacutercio e ldquoo

comeacutercio satildeo alguns indiviacuteduos ou mais atilados ou mais decididos que dirigem o

pensamento dos outrosrdquo (ALENCAR 2009 p371) aprovando ideias projetos e

mudanccedilas na poliacutetica

A situaccedilatildeo do periacuteodo na opiniatildeo de Alencar natildeo eacute de tranquilidade e

desenvolvimento mas de corrupccedilatildeo e descontrole As figuras que aviltam o paiacutes e

estatildeo por toda a parte seguem na narrativa satildeo eles

o parlamentar sem escruacutepulos nem convicccedilotildees que se faz servo de todos os governos () o poliacutetico cheio de cobiccedila que errou sua natural vocaccedilatildeo de agiota () o ministro que para conservar-se no poder natildeo duvida associar-se a indignos instrumentos () o funcionaacuterio puacuteblico sem dignidade ()o negociante que em vez de desenvolver sua atividade no campo livre da induacutestria anda farejando pelas cercanias do poder algum pingue contrato de fornecimentordquo (ALENCAR 2009 p 373-374)

Todos estes constituem o conjunto de forccedilas que atuam dentro do sistema

correndo-o A soluccedilatildeo seria um processo de moralizaccedilatildeo do Estado Por outro lado

sendo atingida em seus preceitos a famiacutelia que ldquoassiste sem querer a essa

representaccedilatildeo da comeacutedia perigosardquo (ALENCAR 2009 p374) que seria o uacuteltimo

refuacutegio da moralidade e a base da sociedade se sente ameaccedilada Cabe lembrar

que essa recusa de Alencar em aceitar mudanccedilas na estrutura dos partidos natildeo

condiz com o pensamento liberal (KENNY 1998) Segundo Alencar

O domiacutenio progressista devido agrave vossa niacutemia complacecircncia natildeo atuou unicamente sobre a poliacutetica sua decidida influecircncia na sociedade na vida privada estaacute bem patente As maacuteximas de governo adotadas nestes uacuteltimos tempos foram insinuando na domesticidade do cidadatildeo ideias e tendecircncias ateacute agora desconhecidas (ALENCAR 2009 p 373)

A deturpaccedilatildeo dos valores morais do ser humano eacute reconhecida nos personagens da

famiacutelia No pai no marido no filho que assistem a tudo e ndash se natildeo se reconhecem ndash

se inspiram A instituiccedilatildeo forte ldquoque repelia com indignaccedilatildeo as mais brilhantes

seduccedilotildees do mal agora flaacutecida e lacircnguida recebe quanto lhe deitam amolda-se a

qualquer pressatildeordquo (ALENCAR 2009 p374) E este eacute o retrato que se ldquoobserva em

geral na vida domeacutestica deste paiacutes Eis o segredo de todas estas defecccedilotildees de

caracteres que diariamente registra a opiniatildeo puacuteblicardquo soacute se tem apreccedilo pelo

dinheiro a cobiccedila ao ldquolar brasileiro onde outrora pendiam com as alegrias da

famiacutelia os penates da religiatildeo e do amor [agora] soacute haacute presentemente um iacutedolo o

bezerro de ourordquo (ALENCAR 2009 p377) E que ouro Eacute ali que ldquotodos os dias se

formam almas progressistas que devem mais tarde substituir os corifeus da

atualidaderdquo (ALENCAR 2009 p377) A moral base da sociedade estaacute subvertida

Vale lembrar que o argumento eacute legal A moral catoacutelica pregada eacute a ordem presente

para todos e assumida na lei dentro do projeto conservador de Alencar Mesmo o

herdeiro do trono jaacute rezava a constituiccedilatildeo poliacutetica do impeacuterio do Brasil de 1824 no

juramento que prestaria perante o senado ao aniversaacuterio de quatorze anos como

indica o artigo 106 se comprometia a manter a religiatildeo Catoacutelica Apostoacutelica Romana

observar a Constituiccedilatildeo Politica da Naccedilatildeo Brasileira e ser obediente aacutes leis e ao

Imperador

Voltando ao texto a sugestatildeo de Alencar eacute a de civilizar o negro ndash influecircncia

perniciosa dentro da famiacutelia - pelo trabalho e em seu contato com o branco - a ldquoraccedila

cultardquo O escravo domeacutestico eacute aquele que estaacute mais proacuteximo dos patrotildees do contato

direto com o branco partilhando de seus segredos seus problemas e suas

deficiecircncias Conhece o cotidiano da casa e partilha de um espaccedilo de limitaccedilotildees

com mulheres e crianccedilas entes de menor valor na sociedade patriarcal do seacuteculo

XIX Natildeo eacute nunca um igual algueacutem que partilha dos mesmos direitos de seus

senhores Eacute sempre um ser inferior que nunca mereceria ser elevado a dignidade

de seus senhores Gorender (2002) nos conta que Thomas Jefferson que foi o

redator da declaraccedilatildeo da Independecircncia dos Estados Unidos segundo a qual todos

os homens satildeo iguais era um grande proprietaacuterio de escravos e natildeo via nenhuma

incoerecircncia nisto pois julgava que os negros pertenciam a uma raccedila de inteligecircncia

inferior Eacute como se Alencar abraccedilasse o princiacutepio juriacutedico baacutesico de diferenciaccedilatildeo

entre naccedilatildeo e populaccedilatildeo onde sua defesa do liberalismo se refere a naccedilatildeo

brasileira e como se a escravidatildeo referisse aos elementos da populaccedilatildeo ndash os

desvinculados a naccedilatildeo brasileira mas de nacionalidade africana transportados para

o Brasil por meio da escravidatildeo Todos dentro de um mesmo territoacuterio mas com

realidades diferentes determinadas pela lei

Tornando ao texto percebe-se aqui uma associaccedilatildeo da cultura negra cooptada

para ldquodentrordquo da famiacutelia e nas relaccedilotildees do patriarcado em oposiccedilatildeo ao elemento

externo tanto o europeu (inglecircs ou portuguecircs ou outro mais) que se estabelece e

passa a usufruir das condiccedilotildees propiacutecias que a coroa ainda permite como o

imigrante com seus valores e idiossincrasias um elemento externo agrave famiacutelia mas

totalmente associada ao contexto das relaccedilotildees econocircmicas do periacuteodo Alencar

sugere uma escolha entre a escravidatildeo e a imigraccedilatildeo os dois males presentes e ao

mesmo tempo as duas soluccedilotildees possiacuteveis para a manutenccedilatildeo tanto do trabalho

como das elites

Podemos admitir que o Rio de Janeiro do periacuteodo se caracteriza como uma

sociedade onde o maior distanciamento social se manifesta com a maior

proximidade social entre os pares senhorescravo (CHARTIER 1999) e eacute a proacutepria

concepccedilatildeo ndash ou usufruto ndash da liberdade que os diferencia Um caso particular eacute o do

escravo domeacutestico Um escravo domeacutestico natildeo eacute um trabalhador do campo um

escravo do eito ndash diretamente ligado agrave produccedilatildeo Pertence ao mundo urbano ao

ambiente da casa-grande e natildeo da senzala O tratamento modelar que propotildee

deriva da questatildeo para a adaptaccedilatildeo do modelo econocircmico escravo para o trabalho

livre a partir da demanda criada pela cidade com novos empregos devido ao

desenvolvimento do capitalismo O modelo que propotildee seria para um escravo da

cidade se adaptar as relaccedilotildees econocircmicas dali para a constituiccedilatildeo talvez de um

proletariado urbano enquanto a massa de matildeo-de-obra agriacutecola permaneceria da

mesma forma enquanto conviesse ao produtor rural ao Senhor de escravos E a

transformaccedilatildeo do modelo deve ser tambeacutem tutelada e monitorada pela Elite Alencar

defende veementemente a tutela posterior do escravo liberto pelo antigo senhor Em

Alencar mesmo que haja o fim do viacutenculo da escravidatildeo os laccedilos criados

permanecem com a tutela e a manutenccedilatildeo da matildeo de obra No fim nada muda

nem mesmo as condiccedilotildees de trabalho O elemento branco masculino europeu

cristatildeo se torna tambeacutem aqui no Brasil o modelo a ser seguido e obedecido

mesmo porque a percentagem de escravos na cidade natildeo era pequena Novais

(1997) informa que a Corte abriga em 1849 em nuacutemeros absolutos a maior

concentraccedilatildeo de escravos urbanos no mundo desde o impeacuterio romano Em 1850

de um total de 206 mil habitantes em aacuterea urbana 79 mil (portanto 36) eram

escravos Sabemos que os padrotildees de comportamento da sociedade acompanham

as mudanccedilas no cenaacuterio poliacutetico que vem a acontecer no Brasil desde o iniacutecio do

seacuteculo XIX isso foi sentido tambeacutem no modelo da famiacutelia Com o fortalecimento

econocircmico do Rio de Janeiro ndash capital do reino ndash a riqueza passa a fazer parte da

cidade e o comeacutercio se desenvolve grandemente A escravidatildeo ainda eacute uma questatildeo

mal resolvida dentro e fora de casa para o desenvolvimento de um liberalismo

poliacutetico e econocircmico Mas essa amalgama proposta por Alencar eacute seu projeto

liberalconservador com a moralizaccedilatildeo do Estado a diminuiccedilatildeo da intervenccedilatildeo

deste nos negoacutecios privados um desenvolvimento do capitalismo ainda ldquoperifeacutericordquo

onde haacute consumidores e natildeo existe produccedilatildeo e a manutenccedilatildeo da escravidatildeo como

base para a agricultura agroexportadora se faz necessaacuteria para a manutenccedilatildeo dos

privileacutegios da elite e garantia de uma induacutestria (agricultura) lucrativa Alencar

concorda com a pregaccedilatildeo dos liberais moderados em que os privileacutegios dos grupos

ligados a propriedade de terra deve ser mantido mesmo que a custo da manutenccedilatildeo

da escravidatildeo pois eacute o que garante o desenvolvimento da economia e da proacutepria

naccedilatildeo O argumento contra a mudanccedila eacute expresso por Evaristo da Veiga em uma

ediccedilatildeo do Aurora Fluminense em 1829 quando diz que os moderados satildeo contra

toda espeacutecie de ldquotiraniardquo contra todos os excessos que possa haver (PRADO

2001) Mas aqui ldquoexcessosrdquo para Evaristo quer dizer atitudes que possam mudar

as condiccedilotildees de produccedilatildeo de forma brusca Extremismos dos liberais radicais que

possam deturpar a ordem estabelecida

Alencar sugere que o clima percebido no paiacutes (na opiniatildeo puacuteblica) anuncia

mudanccedilas revolucionaacuterias talvez E natildeo estamos muito distantes aqui das uacuteltimas

revoluccedilotildees liberais do periacuteodo regencial Zacarias de Goacuteis entatildeo no gabinete eacute um

dos grandes defensores da proposta de que o Imperador reina mas natildeo governa

(chega a publicar um livro sobre o assunto) que D Pedro II natildeo deve interferir

diretamente na administraccedilatildeo ndash leia-se poder moderador Mas segundo Alencar o

gabinete do jeito que estaacute tambeacutem natildeo consegue levar o governo O que haacute de se

esperar Propotildee jaacute que somente com a pressatildeo popular conseguiraacute mudar tal

gabinete ldquodai reacutedeas ao ministeacuterio Quanto mais breve provoque ele o motim com

seus erros menos sofreremosrdquo (ALENCAR 2009 p382) A questatildeo em Alencar

contudo natildeo eacute a defesa do modelo de trabalho escravo A lei garante isto Sua

defesa visa a opiniatildeo puacuteblica e a manutenccedilatildeo dos valores em um quadro em que eacute

preciso ldquoadministrarrdquo o conteuacutedo liberal a ser mostrado sob um filtro conservador

Concordando entatildeo com o que diz Bosi (1988) afirmamos que o liberalismo

defendido por Alencar se apresenta como uma sineacutedoque em que um conteuacutedo

escolhido se torna representativo do todo desvirtuando assim as ideias originais do

liberalismo e criando discurso ideoloacutegico que visa sustentar uma elite no poder

representada pelos latifundiaacuterios ricos comerciantes e traficantes de escravos para

quem a economia agroexportadora baseada no braccedilo escravo trazia lucros e

portanto deveria permanecer como a base econocircmica do Brasil

No uacuteltimo capiacutetulo anuncia a despedida de Erasmo certo de que sua identidade eacute

conhecida Justifica o seu pseudocircnimo dizendo que para se dirigir a figura do

Imperador com um conjunto de criacuteticas poderoso ndash escolhe entatildeo o pseudocircnimo

baseando-se na figura do filoacutesofo e intelectual renascentista que natildeo casualmente

foi tambeacutem professor - como o fez ldquoera necessaacuterio ter um nome respeitado cheio de

prestiacutegio e autoridade Faltando [-me] esse tiacutetulo soacute me restava o da verdaderdquo

(ALENCAR 2009 p385) e eacute a verdade (sob sua oacutetica a de um intelectual do

periacuteodo claro) que foi descrita aqui A soluccedilatildeo para o cidadatildeo comum eacute rir disto

tudo da comeacutedia que se tornou o paiacutes O cidadatildeo cordado diz ou chora ou

gargalha E parece cada vez mais ser isolado de uma efetiva participaccedilatildeo poliacutetica

extremamente necessaacuteria nesse regime constitucional Anuncia que natildeo acredita ser

tudo isto culpa de D Pedro II mas das elites que dominam o povo Termina com

letras garrafais afirmando que ldquoa liberdade nos paiacuteses constitucionais natildeo depende

do rei e soacute do povo () Mas infelizmente do povo que natildeo sabe governar-serdquo

(ALENCAR 2009 p389)

A resposta de D Pedro II viria logo depois com a queda do gabinete Zacarias de

Goacuteis Para o novo ministeacuterio a pasta da justiccedila eacute entregue a Alencar por sugestatildeo

do presidente do gabinete Itaboraiacute no chamado gabinete-bomba sob a presidecircncia

de Itaboraiacute A soluccedilatildeo eacute bem simples para o Imperador e pode parecer como uma

pequena vinganccedila pessoal como Alencar parece conhecer tatildeo bem os problemas

do Brasil ele que os resolva

4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A histoacuteria das antigas religiotildees e escolas como a dos partidos e revoluccedilotildees modernas nos ensina que o preccedilo da sobrevivecircncia eacute o envolvimento praacutetico a transformaccedilatildeo de ideias em dominaccedilatildeo

Adorno e Horkheimer

Para o conjunto das cartas - aqui analisado de forma natildeo exaustiva - haacute muitos

outros aspectos relevantes que dada a dimensatildeo do trabalho natildeo pudemos

alcanccedilar Natildeo se pretende aqui um diagnoacutestico geral e futuro da sociedade brasileira

mas sobretudo a partir do texto a compreensatildeo da situaccedilatildeo poliacutetica econocircmica e

social do periacuteodo na visatildeo de um agente poliacutetico que se apresenta como um

intelectual orgacircnico Sua praacutexis transformadora eacute a criacutetica ao sistema em forma de

mobilizaccedilatildeo da opiniatildeo puacuteblica Esse eacute um exemplo do processo ao qual Gramsci

(1999) chama de catarse a elaboraccedilatildeo da estrutura em superestrutura quando da

tomada de consciecircncia destes leitores da capacidade de transformaccedilatildeo social que

lhes eacute possiacutevel conseguir e que soacute se efetiva a partir da participaccedilatildeo de cada

indiviacuteduo Alencar consegue mobilizar-se (e usar) em um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo

com um novo formato e distribuiccedilatildeo com as cartas e alcanccedilar um puacuteblico leitor que

caracteriza a maior parte da opiniatildeo puacutebica do periacuteodo Dissemos anteriormente que

o alcance eacute dado importante na consolidaccedilatildeo da ideologia que eacute preciso partilhar

com o grupo o discurso Deixamos claro tambeacutem que discurso em favor da

manutenccedilatildeo da escravidatildeo natildeo era novo estaacute em debate jaacute com as ideias de Joseacute

Bonifaacutecio no primeiro reinado com os produtores de cana nordestinos e seus

representantes com Euzeacutebio de Queiroz com o grupo saquarema e vaacuterios outros

deputados e senadores que se apresentavam com seus proacutes e contras Alencar

poderia escrever livros e livros justificando a escravidatildeo mas tinha a clareza de que

seu argumento eacute injustificado ndash considerando-se algueacutem que se propotildee um liberal -

e que a aboliccedilatildeo era mais dia menos dia inevitaacutevel Diferindo da accedilatildeo de Gramsci

que pretendia reduzir desigualdades entre todos os homens o nuacutecleo transformador

de Alencar era mais segmentado (afinal ele nunca deixou de ser um representante

da aristocracia) como pudemos observar examinando dos dados sobre o niacutevel de

formaccedilatildeo intelectuais desses grupos mas eacute a disseminaccedilatildeo de suas ideias que as

tornaraacute comum a todos (era esta a sua proposta) determinando assim o curso

contiacutenuo da ideologia

Pudemos observar que o diferencial de Alencar foi identificar uma mudanccedila na

conjuntura poliacutetica com grupos de pressatildeo os mais diversos alimentando a ideia de

uma aboliccedilatildeo da escravidatildeo em um momento que a imprensa ndash entatildeo em

emergecircncia na Corte do Brasil ndash traz novas ideias baseadas no liberalismo poliacutetico e

econocircmico europeu para os grupos perifeacutericos da elite que se configuram como

uma opiniatildeo puacuteblica centrada em uma burguesia citadina que se desenvolve

grandemente no periacuteodo Com isso Alencar busca usar um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo

de grande alcance para tentar mobilizar esta opiniatildeo puacuteblica em seu favor no caso

aqui tratado em favor das ideias de manutenccedilatildeo da escravidatildeo Dessa feita

observamos tambeacutem que as cartas poliacuteticas de Alencar objeto de nosso estudo satildeo

uma obra de teor criacutetico poliacutetico-social mas tambeacutem tem como objetivo divulgar o

pensamento de Alencar e consolida-lo como figura valorosa no cenaacuterio poliacutetico da

Corte Seu caminho jaacute foi escolhido eacute o do partido conservador ser-lhe-aacute fiel ateacute o

fim Mas como pudemos observar as diferenccedilas entre os dois partidos natildeo eram

tatildeo acentuadas e os dois acabavam por defender o sistema monaacuterquico O Rio de

Janeiro com a onda de independecircncia poliacutetica nos seacuteculos XVIII e XIX eacute o reduto

monarquista da Ameacuterica Latina eacute bom lembrar

O que tambeacutem pudemos observar no texto de Joseacute de Alencar eacute a tentativa a partir

de estrateacutegias discursivas muacuteltiplas de disseminar um conteuacutedo ideoloacutegico

sugerindo a manutenccedilatildeo de um conservadorismo de molde monarquista e baseado

no regime escravagista Tais estrateacutegias buscam um ldquolugarrdquo diferenciado para o

discurso longe das disputas partidaacuterias longe da possibilidade do debate direto

Isso eacute mostrado na opccedilatildeo para a publicaccedilatildeo das cartas em ldquofolhetinsrdquo textos

impressos tambeacutem em graacuteficas mas natildeo no ldquocorpordquo de um jornal (o que poderia ter

sido relativamente faacutecil para Alencar no momento visto sua posiccedilatildeo como editor de

um importante jornal na Corte) Deslocar o texto da miacutedia ldquojornalrdquo para um veiacuteculo

alternativo desloca tambeacutem o discurso e cria uma situaccedilatildeo confortaacutevel de

hegemonia podemos assim dizer ndash mesmo porque era ele o uacutenico a fazecirc-lo no

momento Um traccedilo do manifesto de Alencar no texto eacute acreditar que o intelectual

tem o dever de iluminar o caminho do desenvolvimento e o desenvolvimento poliacutetico

e econocircmico pregado nas ideias de Alencar tem base nas ideias liberais D Pedro II

se guiaria pela opiniatildeo puacuteblica que pode ndash segundo dados de Alencar ndash ser medida

na publicitaccedilatildeo dos atos do governo pelos jornais E os jornais da Corte nos garante

ele jaacute estatildeo todos nas matildeos do ministeacuterio e o Imperador prefere sempre o caminho

da conciliaccedilatildeo os partidos conservador e liberal natildeo detecircm espaccedilos na imprensa de

grande circulaccedilatildeo e seus pequenos jornais poliacuteticos natildeo satildeo de grande alcance o

que apresenta um campo aberto para o texto de Alencar Eacute dessa forma que

entendemos o que pode ser aqui descrito pelo conceito de bloco histoacuterico

(GRAMSCI 1999) que eacute a articulaccedilatildeo de um conjunto de praacuteticas e concepccedilotildees

para garantir a manutenccedilatildeo de uma situaccedilatildeo histoacuterica determinada

Cabe lembrar que para que a ideologia seja eficaz o discurso deve se manter o

mesmo ignorando as mudanccedilas que possam vir a acontecer (CHAUI 1997) Mesmo

com o fim da escravidatildeo que Alencar sugere eminente eacute preciso que ela se

mantenha por mais algum tempo (e enquanto for possiacutevel) A decorrente captaccedilatildeo

de Alencar para o ministeacuterio vem disso Sua capacidade de reflexatildeo e mobilizaccedilatildeo

foi reconhecida e este que jaacute foi deputado e pertence agraves fileiras do partido

conservador seria devidamente enquadrado nos quadros do governo onde sua

ldquoliacutenguardquo pudesse ser reduzida via cargo puacuteblico juntando-o agrave burocracia passando

assim a fazer parte do governo que criticara Natildeo eacute de todo correto o que os

bioacutegrafos pesquisados aqui como Menezes (1965) Neto (2006) e Aguiar (1984)

dizem sobre a relaccedilatildeo de desconfianccedila ideoloacutegica que D Pedro II teria por Alencar

quando natildeo escolhe em lista triacuteplice seu nome para uma cadeira no senado o

motivo natildeo eacute somente este Com as cartas o imperador vecirc que Alencar eacute mesmo

um elemento importante do conservadorismo e que poderia confiar em suas ideias

e em suas atitudes colocando-o sob os braccedilos do governo A captaccedilatildeo de Alencar

para o ministeacuterio apesar de ele revelar-se extremamente competente segue o

mesmo caminho das condecoraccedilotildees e concessotildees de tiacutetulos que eacute criar uma

aristocracia dependente dos favores da coroa tendo no caso da burocracia o

elemento controlador e deixando o ldquoperigordquo bem a vista do imperador Os motivos

tambeacutem parecem ser de ordem pessoal em um relacionamento que nunca teve

tanta cordialidade D Pedro II como mostramos sequer queria demitir o Alencar do

cargo de Ministro da Justiccedila atestando assim a competecircncia deste

Novamente com Gramsci entendemos que o discurso desenvolvido nas cartas de

Erasmo tem todas as caracteriacutesticas da ideologia partilhada pelas classes

dominantes Alencar tenta se localizar acima do lugar comum acima das outras

miacutedias como o jornal ou mesmo os folhetins que ajudou a popularizar acima ateacute dos

partidos reafirmamos que essa proposta conservadora ndash baseada em uma eacutetica

moral cristatilde ndash eacute parte de um conjunto ideoloacutegico partilhado pelas classes dominantes

(mesmo por segmentos liberais e conservadores) e que tem em vista ndash agora com

Alencar ndash a criaccedilatildeo de uma utopia

A partir de nossa anaacutelise sustentamos aqui que - segundo Chauiacute - a utopia nasce

como gecircnero na literatura constituindo a narrativa sobre uma sociedade perfeita e

feliz e ao mesmo tempo como discurso poliacutetico na exposiccedilatildeo sobre uma forma para

a cidade justa (CHAUIacute 2008) O termo topos em grego significa lugar e o prefixo ldquourdquo

indica um sentido negativo como um ldquonatildeo lugarrdquo ou lugar desconhecido ou ainda

no sentido da obra o diferente do que conhecemos e praticamos eacute a possibilidade

de interaccedilatildeo com a alteridade (CHAUIacute 2008) Eacute esta a proposta de Alencar a utopia

no sentido possiacutevel alcanccedilaacutevel por meio de um conjunto de ideias baseadas no

liberalismo claacutessico com traccedilos marcantes de conservadorismo Seu texto ndash natildeo

lugar ndash eacute lugar de passagem rumo a construccedilatildeo de um fim possiacutevel que ele

acredita indicar como uma postura para a sociedade que comeccedila a se desenvolver

no paiacutes Mas uma sociedade em que as classes satildeo bem definidas a elite o povo e

os outros50 Vale argumentar como jaacute comentado anteriormente no capiacutetulo que

refere a biografia de Alencar sua praacutetica de leitura para um grupo de pessoas Em

Chartier (1999) por exemplo observamos tal praacutetica (dentro da famiacutelia ateacute com

grupos proacuteximos ao nuacutecleo familiar) na Europa ainda nos seacuteculos XVII e XVIII com a

venda avulsa de livros sobre a vida dos santos contos de fadas e romances de

cavalaria ndash para citar os gecircneros com maior venda - por toda a parte para as

50

Um dado interessante eacute o de que Tomas Morus autor do claacutessico Utopia a que nos referimos aqui

natildeo chega a publicar seu livro sendo decapitado a mando de Henrique VIII em 1535 O livro seria publicado poucos anos depois na Basileacuteia (Suiacuteccedila) por Erasmo a quem este estava ligado por laccedilos de amizade

camadas populares natildeo soacute nas cidades mas tambeacutem em lugares os mais distantes

As ideias de Alencar poderiam chegar a mais e mais pessoas sem que o proacuteprio

autor tivesse condiccedilotildees de mensurar tal alcance Mas por outro lado natildeo podemos

ser ingecircnuos e acreditar que tais condiccedilotildees de leitura natildeo fossem - mesmo que

parcialmente - conhecidas por Alencar sendo este um jornalista e autor literaacuterio de

renome e um dos poucos que puderam dizer ainda em vida que vendiam suas

obras

Alencar estava ciente da forccedila de seu projeto e tinha consciecircncia da repercussatildeo

que conseguiu logo depois da publicaccedilatildeo da primeira carta Na segunda ediccedilatildeo das

cartas ao Imperador datada de 1866 e impressa na Typographia de Cacircndido

Augusto de Mello no Rio de Janeiro Alencar escreve na advertecircncia ao texto ndash

referindo-se a publicitaccedilatildeo da primeira ediccedilatildeo que ldquoa tentativa foi bem decidida O

favor puacuteblico a acompanhou e deu-lhe forccedilas e estiacutemulos para progredirrdquo

(ALENCAR 2009 p08) Natildeo haacute uma poetizaccedilatildeo da poliacutetica nem a utopia romacircntica

nesse momento apenas as estrateacutegias discursivas no texto com o objetivo

especiacutefico de disseminar um discurso ideoloacutegico para a construccedilatildeo da verdadeira

utopia O seu modelo de naccedilatildeo que como advogado segue o princiacutepio geral do

Direito e apresenta uma clara separaccedilatildeo entre povo e populaccedilatildeo

Alencar bem sabia o que estava a fazer com as cartas e sabia tambeacutem que estava

sendo acompanhado pelos leitores e tinha condiccedilatildeo de sugerir ldquoopiniotildeesrdquo para esse

puacuteblico enquanto reafirma constantemente sua opccedilatildeo pela aristocracia e a

monarquia ndash confirmando tambeacutem as ideias em defesa da escravidatildeo Em seu

modelo de transformaccedilatildeoconservaccedilatildeo opta pela afirmaccedilatildeo de valores

tradicionalmente aceitos pela burguesia pela moral cristatilde e a preservaccedilatildeo do

modelo da famiacutelia cristatilde do patriarcado e pelo liberalismo econocircmico Um modelo

que deve ndash segundo suas convicccedilotildees - perpetuar-se mesmo com as transformaccedilotildees

sociais que o desenvolvimento da cidade e da sociedade brasileira prenuncia

Cabe lembrar que pode ser observado que os grupos representativos das elites no

Rio de Janeiro jaacute demonstravam um misto de preconceito racial e econocircmico tanto

com a populaccedilatildeo livre e mesticcedila como a populaccedilatildeo de escravos e ex-escravos que

se multiplicava vendo nessas pessoas apenas instrumentos para o trabalho e

obtenccedilatildeo de lucros E sua ideia nos parece claro eacute que permanecessem assim

Cabe lembrar que quando da publicaccedilatildeo das ldquonovas cartas ao Imperadorrdquo entre

186869 a Inglaterra paiacutes que exercia forte influencia na sociedade brasileira tanto

poliacutetica quanto economicamente jaacute dava os primeiros sinais das mudanccedilas de

relaccedilotildees trabalhistas com a liberaccedilatildeo dos sindicatos trabalhistas e o direito de greve

e outros direitos que viriam a integrar o conjunto ateacute 1875 (HOBSBAWN 2011) e

com certa resistecircncia tambeacutem na Franccedila o que consequentemente poderia se

estender e chegar aqui junto com trabalhadores imigrantes europeus modificando

as relaccedilotildees entre patratildeo e empregado - que seriam inevitavelmente muito diferentes

da anterior relaccedilatildeo senhorescravo Acreditamos que nessa perspectiva o estudo

do trabalho de Alencar e suas ideias frente agrave escravidatildeo se torna pertinente visto

que as teorias que se podem classificar como ldquoracistasrdquo e de valorizaccedilatildeo da raccedila

branca soacute vem a se instalar no Brasil em uma eacutepoca senatildeo posterior ao menos

contemporacircnea ao nosso recorte Destacamos aqui baseado no que mostra

Skidmore (1989) o trabalho do historiador inglecircs Henry Thomas Buckle a ldquoHistoacuteria

da civilizaccedilatildeo na Inglaterrardquo publicada em vaacuterios volumes entre 1857 e 1861 que

defendia uma filosofia do determinismo climaacutetico onde as raccedilas oriundas de lugares

de climas mais quentes seriam mais bem adaptadas para o trabalho braccedilal Seu

contemporacircneo Arthur de Gobineau um francecircs que chega a trabalhar no Brasil

como diplomata em 1869 edita seu ldquoEssai sur lrsquoInegaliteacute des Races Humainesrdquo em

1853 aonde defende que a sociedade multirracial que se via aqui soacute servia para a

degeneraccedilatildeo tanto de negros como de europeus criando uma mesticcedilagem fraca e

esteacutereo Outras teoacutericos tiveram suas ideias divulgadas em um periacuteodo posterior e

alguns ficaram bastante conhecidos aqui como no caso do argentino Joseacute Inginieros

e do francecircs Louis Couty que publica um diaacuterio de sua viagem pelo Brasil em 1868

feita com o auxilio de sua esposa trecircs anos antes (SKIDMORE 1989) Cabe

lembrar tambeacutem que a questatildeo do preconceito eacute somente uma parte da histoacuteria

A defesa da instituiccedilatildeo familiar em seu modelo cristatildeo catoacutelico tambeacutem eacute uma

caracteriacutestica do pensamento do missivista Segundo Alencar faz-se necessaacuterio

dentro deste projeto submeter-se a instituiccedilatildeo a certos ajustes optando pela

reafirmaccedilatildeo de valores tradicionalmente aceitos reafirma todo seu modelo como o

adequado e defende que este deve perpetuar-se em detrimento das

transformaccedilotildees sociais que vem ocorrendo com o desenvolvimento da cidade e que

acusa como degradadoras dos valores morais Que eacute preciso acabar com a ineacutercia

do povo (talvez se referindo a necessidade de braccedilos para a lavoura natildeo a

revoluccedilotildees populares) com o egoiacutesmo dos estadistas e a distacircncia que o Estado ndash

na figura do Imperador ndash tem da administraccedilatildeo puacuteblica A constante criacutetica a ineacutercia

do povo configura a afirmaccedilatildeo de que no constitucionalismo todo participam do

processo decisoacuterio a partir do ldquocontrato socialrdquo Entatildeo todos devem se mobilizar

pois satildeo corresponsaacuteveis por tudo na sociedade

A tiacutetulo de organizaccedilatildeo das ideias podemos afirmar que Alencar um intelectual

militante no oitocentos busca na imprensa uma forma de educaccedilatildeo e ao mesmo

tempo de mobilizaccedilatildeo de determinadas camadas sociais que estatildeo na periferia da

elite e que vem estruturando-se como uma opiniatildeo puacuteblica na Corte com um

discurso ideoloacutegico e moralizante marcado pela valorizaccedilatildeo das tradiccedilotildees e pelo

pensamento liberal ndash devidamente adaptado para a realidade escravagista do Brasil

o que vem a se tornar um sistema com caracteriacutesticas ao mesmo tempo liberais e

conservadoras No caso Alencar serve como instrumento para uma multiplicaccedilatildeo da

ideologia da elite aristocraacutetica que se forma no Brasil depois da independecircncia

tendo na Corte do Rio de Janeiro e na defesa das instituiccedilotildees seu nuacutecleo de poder e

seu norte de dominaccedilatildeo Alencar se forma no curso de Direito em 1849 (na turma de

50) e jaacute no iniacutecio de sua militacircncia jornaliacutestica observa os reflexos da restauraccedilatildeo

da Europa depois das malsucedidas accedilotildees da primavera dos povos E segundo

Hobsbawn (2011) as economias se recompuseram e a partir daiacute paiacuteses como a

Alemanha Itaacutelia o impeacuterio dos Habsburgos (para citar alguns) tiveram um

desenvolvimento econocircmico acelerado Era esta a referecircncia direta observada pelo

Alencar para a defesa da monarquia e este deveria ser o modelo para o Brasil

Monarquia e constitucionalismo

Observa-se assim concordando com o que propotildee Foucault (2004) que o poder

natildeo se restringe ao Estado a uma pessoa determinada ou a um grupo de pessoas

este eacute muacuteltiplo e diversificado aparecendo de modo diferente em diferentes esferas

da sociedade O poder no sentido aqui descrito eacute algo que se manteacutem a partir do

aceite do grupo a que este se refere Norberto Bobbio apresenta um conceito de

poder que vai ao encontro do que procuramos Poder eacute ldquoa capacidade do homem

em determinar o comportamento do homemrdquo (BOBBIO 1998 p933) Mais adiante

o autor alarga seu conceito de poder explicitando

O conceito em que conveacutem basear este alargamento da noccedilatildeo de Poder eacute o conceito de interesse tomado em sentido subjetivo isto eacute como estado da mente de quem exerce o Poder Diremos entatildeo que o comportamento de A que exerce o Poder pode ser associado mais que agrave intenccedilatildeo de determinar o comportamento de B objeto do Poder ao interesse que A tem por tal comportamento As relaccedilotildees de imitaccedilatildeo por exemplo onde falta a intenccedilatildeo no imitado de se propor como modelo se incluem em Poder se a imitaccedilatildeo corresponde ao interesse do imitado (como em certas relaccedilotildees entre pai e filho) mas natildeo se incluem se agrave imitaccedilatildeo natildeo corresponde o interesse do imitado (BOBBIO 1998 p 934)

Entendemos que haacute sempre algueacutem predisposto a aceitar o poder Mas como se daacute

tal aceite Eacute justamente nas relaccedilotildees interpessoais as quais se constituem por meio

da internalizaccedilatildeo de discursos alheios No caso de um texto como o apresentado por

Alencar nas ldquoCartas de Erasmordquo eacute por meio de uma relaccedilatildeo de confianccedila que o

leitor passa a ter com o autor como algueacutem que compreende a realidade e a mostra

para este o que sustenta uma relaccedilatildeo de confianccedila entre as partes Entendemos

tambeacutem que essa construccedilatildeo subjetiva da realidade que passa a ser ldquosocialrdquo a partir

do compartilhamento de sua leitura eacute histoacuterica porquanto assume significaccedilatildeo para

os grupos a que se referem A obra eacute entendida como uma conceptualizaccedilatildeo do

mundo onde se constitui como conjuntos de enunciados e eacute o enunciado o portador

da significaccedilatildeo (MORSON 2008) Isso se daacute a partir da construccedilatildeo de uma

representaccedilatildeo social onde haacute sempre a perspectiva da alteridade em forma de

resposta imediata ao texto ou retomada posteriormente Eacute por meio desta leitura das

representaccedilotildees e do poder que entendemos - na concepccedilatildeo de Gramsci - a funccedilatildeo

do intelectual de disseminar ideias propostas e conceitos E mesmo de forma

indireta como um agente de mobilizaccedilatildeo Eacute preciso lembrar que os reflexos da

ldquoprimavera dos povosrdquo ainda estavam presentes na memoacuteria de uma elite que

desenvolvera laccedilos econocircmicos e sociais com naccedilotildees europeias e as elites tinham

a dimensatildeo do que poderia acontecer com a mobilizaccedilatildeo da massa Hobsbawm

(2010) nos mostra a importacircncia dos intelectuais na revoluccedilatildeo de 1848 enquanto

sujeitos de uma praacutexis poliacutetica que senatildeo imprescindiacutevel eacute relevante na

caracterizaccedilatildeo do que tais movimentos viriam a apresentar

Eles [os intelectuais] natildeo eram mais importantes nesta revoluccedilatildeo que em quaisquer das outras que ocorreram assim como nesta em paiacuteses

relativamente atrasados onde o melhor do estrato meacutedio consistia de pessoas caracterizadas por sua escolarizaccedilatildeo e comando da palavra escrita graduados de todos os tipos jornalistas professores funcionaacuterios Mas natildeo havia duacutevida de que os intelectuais eram proeminentes poetas tais como Petoumlfi na Hungria Herwegh e Freiligrath na Alemanha (que pertencia ao corpo editorial da Neue Rheinische Zei-tung) Victor Hugo e o consistente moderado Lamartine na Franccedila (os professores franceses ainda que suspeitos para os governos permaneceram quietos sob a monarquia de julho e supotildee-se terem feito frente com a ordem em 1848) acadecircmicos em grande nuacutemero na Alemanha (a maioria no lado moderado) meacutedicos como C G Jacoby (1804-51) na Pruacutessia Adolf Fischhof (1816-93) na Aacuteustria cientistas como F V Raspail (1794-1878) na Franccedila e uma vasta quantidade de jornalistas e publicistas dos quais Kossuth era entre todos o mais celebrado e Marx provava ser o mais formidaacutevel Como indiviacuteduos tais homens podiam exercer um papel decisivo como membros de um estado social especiacutefico ou como membros de uma pequena-burguesia radical natildeo o podiam

51 (HOBSBAWN 2010 p36)

Tornando ao texto de nossa anaacutelise pudemos perceber como Alencar se aproveita

dos veiacuteculos de comunicaccedilatildeo a que tem acesso para divulgar suas ideias e como

consegue adapta-las aos diferentes formatos que tais miacutedias exigem conseguindo

assim alcanccedilar natildeo somente uma maior quantidade de pessoas mas uma variedade

grande de camadas sociais e a propalada ldquoopiniatildeo puacuteblicardquo com maior intensidade

tentando fomentar a ampliaccedilatildeo da participaccedilatildeo poliacutetica ativa (ao menos enquanto

conscientizaccedilatildeo de um maior grupo tirando a exclusividade da atividade poliacutetica

apenas do recinto parlamentar) podendo ndash e por isso mesmo - ampliar as

possibilidades de alcance do conjunto da dominaccedilatildeo Essa mesma opiniatildeo puacuteblica

que temos alguma dificuldade de representar numericamente mas que eacute elemento

fundamental no periacuteodo E eacute tambeacutem com intenccedilatildeo de ldquoconstruirrdquo uma opiniatildeo natildeo

somente na elite mas em seus representantes mais diretos como o funcionaacuterio

puacuteblico representante de uma administraccedilatildeo centralizadora que fatalmente deveria

promover pelo paiacutes a ideologia do Estado No dizer de Uruguai o agente da

administraccedilatildeo puacuteblica eacute efetivamente um agente da centralizaccedilatildeo (MATTOS I

1987) D Pedro II chega a escrever agrave princesa Isabel em um dos momentos que

esta assume a regecircncia prevenindo-a contra uma possiacutevel maacute interpretaccedilatildeo das

notiacutecias e criacuteticas publicadas nos vaacuterios jornais da Corte considerando que o

ldquosistema poliacutetico do Brasil funda-se na opiniatildeo nacional que muitas vezes natildeo eacute

manifestada pela opiniatildeo que se apregoa como puacuteblicardquo (FAORO 2004 p 343)

Mas natildeo podemos esquecer que ateacute o momento (estamos no segundo reinado) natildeo

51

O grifo eacute meu

haacute como mensurar tal opiniatildeo puacuteblica ou a dimensatildeo das accedilotildees que esta possa

alcanccedilar A preocupaccedilatildeo imediata de D Pedro II seria com o que poderiacuteamos

chamar de os ldquoformadoresrdquo de uma opiniatildeo puacuteblica Com o texto dos agentes

poliacuteticos publicados em jornais ou outras miacutedias em um momento privilegiado de

liberdade de imprensa

Fica claro que a defesa da escravidatildeo eacute para Alencar necessaacuteria no momento -

tendo mesmo a certeza de a aboliccedilatildeo natildeo tardaria - funcionando como um discurso

que busca retardar a disseminaccedilatildeo de ideais progressistas e abolicionistas para o

conjunto da opiniatildeo puacuteblica conquanto esta passa a ser um elemento de pressatildeo

sobre as elites que controlavam o sistema econocircmico vigente e ele busca seus

argumentos nos teoacutericos liberais europeus O que se vecirc em Alencar natildeo eacute uma

discussatildeo sobre o direito de propriedade de um ser humano sobre o outro isto estaacute

posto pela legislaccedilatildeo a praacutetica do cativeiro eacute legitimada pelo Estado brasileiro O

que temos satildeo as criacuteticas de Alencar a forma como o governo trata o problema

inevitaacutevel da emancipaccedilatildeo com promessas de aboliccedilatildeo ao fim da guerra de forma

progressiva e por meio da estimulaccedilatildeo da emigraccedilatildeo Tais promessas natildeo se

efetivam o que abre um precedente para que o pensamento de Alencar ndash se natildeo o

mais eacutetico ndash acabe se apresentando como o melhor aceito pelas elites e sendo

reproduzo Outro ponto a ser lembrado eacute que com o fim do traacutefico a partir de 1850 e

a expansatildeo das lavouras cafeeiras no interior do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo haacute

tambeacutem uma transferecircncia gradual de escravos urbanos para essas regiotildees Com o

aumento do valor do escravo no mercado interno vaacuterias famiacutelias venderam seus

cativos para as fazendas causando uma consequente diminuiccedilatildeo no percentual da

escravaria na corte e outros nuacutecleos urbanos (NOVAIS 1997) A pulverizaccedilatildeo da

posse de escravos na cidade regride o que em pouco tempo pode levar a uma

mudanccedila de consciecircncia da opiniatildeo puacuteblica centrada na Corte sobre a escravidatildeo

Em uma foacutermula simples Quando todos possuiacuteam escravos isto era visto como algo

comum Quando soacute os ricos cafeicultores passaram a possuiacute-los isto se tornava

errado e antiquado para um paiacutes em desenvolvimento Alencar vai contra isto e

confirma em seu texto os valores do conservadorismo assumindo uma postura que

podemos chamar de liberalconservadora Admitindo isto concordamos com o que

propocircs Bosi (1988) que o liberalismo defendido por Alencar pode ser resumido em

uma figura de linguagem uma sineacutedoque em que uma parte do conteuacutedo eacute tomada

como um todo uniforme desvirtuando assim as ideias originais do liberalismo e

criando novo discurso ideoloacutegico e conservador para sustentar um grupo que se

impotildee no poder Em Alencar se vecirc a escolha da ldquoparte pelo todordquo como em uma

sineacutedoque Alencar defende que se uma parte da populaccedilatildeo estaacute na direccedilatildeo do

Estado e da economia e tem privileacutegios eacute porque essa parte conseguiu consolidar

seu poder pessoal e pode organizar um projeto poliacutetico de desenvolvimento para

que o todo da naccedilatildeo se desenvolva entatildeo satildeo essas pessoas que tem o ldquodireitordquo de

representar a naccedilatildeo Eacute o que pudemos observar

Constatou-se tambeacutem que a situaccedilatildeo do Brasil no periacuteodo segundo Alencar natildeo eacute

de tranquilidade e desenvolvimento mas de corrupccedilatildeo e descontrole Com o

parlamento repleto de elementos sem escruacutepulos ou convicccedilotildees que tomam as

riquezas o paiacutes com sua cobiccedila Alencar defende um Estado de leis com pulso forte

e mesmo a interferecircncia do Imperador para garantir que isto natildeo mais acontecesse

Era apenas assim que se garantiria a ordem puacuteblica e as ldquonecessidades puacuteblicasrdquo

seriam supridas o que natildeo era apenas uma opiniatildeo de Alencar mas uma visatildeo do

Estado compartilhada por boa parte dos homens que passaram pela administraccedilatildeo

puacuteblica no segundo reinado (MATTOS I 1987) Os gabinetes que se seguem sem

estrutura ou conhecimento administrativo levam o paiacutes agrave bancarrota com seus erros

constantes devido a sua ineacutepcia com a coisa puacuteblica O conjunto de instituiccedilotildees que

atuam dentro do sistema estatildeo corroendo-o por conta da ganancia da elite com o

dinheiro do Estado Do outro lado sendo atingida em seus preceitos a famiacutelia que

ldquoassiste sem querer a essa representaccedilatildeo da comeacutedia perigosardquo O que seria o

uacuteltimo refuacutegio da moralidade e base da sociedade

Por fim entendemos que como o sugeriu Carvalho (2007) em uma reflexatildeo sobre o

impeacuterio os fatos mostrados aqui podem ateacute ser reconhecidos pelos estudiosos e jaacute

trilhados mas as explicaccedilotildees tendem a ser insatisfatoacuterias por isso a necessidade

constante de revisitar textos do periacuteodo e teorias Ao mesmo tempo lembrando

Norberto Bobbio (1997) em uma reflexatildeo sobre seus escritos ao enfrentar o tema da

relaccedilatildeo entre os intelectuais e a poliacutetica em frente ao oceano de textos sobre o

tema dizia sentir-se como a crianccedila que despejando um copinho drsquoagua no mar

acreditava estar aumentando o seu niacutevel Eacute como nos vemos aqui Poreacutem

acreditamos ter conseguido demonstrar a presenccedila de um discurso

liberalconservador nas cartas de Erasmo como estrateacutegia discursiva de

disseminaccedilatildeo ideoloacutegica Os dados obtidos nos permitem dizer que nossa hipoacutetese

de que por meio de um discurso poliacutetico conservador vinculado as propostas

ideoloacutegicas das elites escravocratas disseminado pelos jornais e panfletos do

periacuteodo os intelectuais construiacuteram uma imagem paradoxal do liberalismo para o

Brasil no segundo reinado pocircde ser confirmada

As confluecircncias entre tais extremos (liberalismo x conservadorismo) natildeo satildeo

ineacuteditas visto que Hobsbawn (2010) por exemplo pode demonstrar a mobilidade de

agentes poliacuteticos partiacutecipes de movimentos liberais moderados e ateacute mesmo

radicais para as linhas dos partidos conservadores quando os movimentos

revolucionaacuterios da ldquoprimavera dos povosrdquo em 1848 tendiam a modificar a ldquoordem

socialrdquo organizando liberais e conservadores em movimentos unificados ndash onde as

ideias de ambos os lados acabavam por se adaptar as necessidades de

sobrevivecircncia de tais grupos - para uma retomada do poder para as elites europeias

No Brasil a elite nem por um minuto descuidou de estar com as duas matildeos nas

reacutedeas do poder

Por fim esperamos tambeacutem que nosso trabalho tenha sido uacutetil para exemplificar

algumas das muitas relaccedilotildees de poder que existiram (e existem) na relaccedilatildeo Estado

ndash cidadatildeo mediadas pela ideologia atraveacutes de um de seus muitos colaboradores

os intelectuais e ajudar na compreensatildeo de tema tatildeo complexo como a relaccedilatildeo dos

intelectuais com a elite e o poder

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6 ANEXOS

Figura 1 Fac-siacutemile da segunda ediccedilatildeo das Cartas ao Imperador impressa na

Typographia de Candido A de Mello em 1866 Alencar era um autor reconhecido

ainda em vida conseguindo publicar ndash e vender ndash natildeo somente obras literaacuterias mas

tambeacutem estudos sobre poliacutetica e legislaccedilatildeo

Figura 2 Fac-siacutemile da ediccedilatildeo das Cartas ao Povo impressa na Typographia de

Pinheiro e Companhia em 1866 Logo abaixo texto da contra capa indicando pelo

editor o modo de distribuiccedilatildeo do material

Figura 3 Folha de rosto da carta ao M de Olinda onde se vecirc a citaccedilatildeo de Joacute 333

O Diaacuterio do Rio de Janeiro apesar de sustentar uma postura apoliacutetica exibia

cotidianamente (desde seus primeiros exemplares) em suas primeiras paacuteginas o

resumo das seccedilotildees da cacircmara dos deputados e do Senado

Rogeacuterio Natal Afonso

A dimensatildeo poliacutetica do pensamento de Joseacute de Alencar (1865-1868)

Liberalismo e escravidatildeo nas cartas de Erasmo

Dissertaccedilatildeo apresentada ao Mestrado em Histoacuteria Social das Relaccedilotildees Poliacuteticas na

Universidade Federal do Espiacuterito Santo como requisito parcial para Obtenccedilatildeo do

Grau de Mestre em Histoacuteria Social

COMISSAtildeO EXAMINADORA

___________________________________________________________________Profa Dra Maacutercia Barros Ferreira Rodrigues

Universidade Federal do Espiacuterito Santo (orientadora)

Profa Dra Maria Cristina Dadalto

Universidade Federal do Espiacuterito Santo (membro titular)

___________________________________________________________________

Prof Dr Thiago Lima Nicodemo

Universidade Federal do Espiacuterito Santo (membro titular)

Prof Dr Jorge Luiz do Nascimento

Universidade federal do espiacuterito Santo (membro externo)

Vitoacuteria______ de _______________ de 2013

Agradeccedilo a todos que me ajudaram na construccedilatildeo deste trabalho

A minha famiacutelia

Aos professores todos

A minha orientadora em particular

Aos amigos que me fizeram sugestotildees e criacuteticas

Agravequeles que dedicaram um pouco de seu tempo me ajudando

E a Deus

RESUMO

Partindo dos textos que compotildeem uma seacuterie de ldquocartas abertasrdquo de Joseacute de Alencar

endereccediladas ao Imperador D Pedro II e a alguns entes poliacuteticos da administraccedilatildeo

do Estado escritas entre 1865 e 1868 busca-se discutir a defesa paradoxal entre a

formaccedilatildeo de uma sociedade liberal dentro de um paiacutes de economia agroexportadora

sustentada pela matildeo de obra escrava

Tomaremos o texto de Alencar como um discurso poliacutetico ideoloacutegico das elites

presentes na corte imperial Entendemos a dimensatildeo ideoloacutegica do discurso poliacutetico

de Alencar no sentido marxista de corte gramsciano ou seja como uma concepccedilatildeo

de mundo que perpassa desde o discurso comum ateacute formas mais elaboradas de

discurso filosoacutefico A partir daiacute buscaremos compreender o modo de vida as

representaccedilotildees poliacuteticas e as formas de dominaccedilatildeo presentes no periacuteodo sob a oacutetica

do pensamento poliacutetico conservador de Joseacute de Alencar dando ecircnfase a anaacutelise de

sua defesa do liberalismo e da escravidatildeo

PALAVRAS CHAVE Poliacutetica discurso liberalismo escravidatildeo

ABSTRACT

Based on the texts that make up a series of open letters addressed to Joseacute de

Alencar to Emperor D Pedro II and some political entities of state administration and

written between 1865 and 1868 seek to discuss the defense of the paradox between

a liberal society within a country agro-export economy sustained by slave labor

We will take the text of a speech Alencar as ideological political elites present at the

imperial court We understand the ideological dimension of political discourse of Joseacute

de Alencar in the sense of cutting Gramscian Marxist as a world view that permeates

from the common speech even more elaborate forms of philosophical discourse

From there we will seek to understand the way of life political representations and

forms of domination present in the period from the perspective of political speech of

Joseacute de Alencar emphasizing the analysis of his defense of liberalism and slavery

KEYWORDS politics speech liberalism slavery

LISTA DE IMAGENS

FIGURA 1 ndash Fac-siacutemile da segunda ediccedilatildeo das cartas ao Imperador183

FIGURA 2 ndash Fac-siacutemile da primeira ediccedilatildeo das Cartas os povo184

FIGURA 3 ndash Folha de rosto da ediccedilatildeo das Cartas ao Marquecircs de Olinda185

FIGURA 4 ndash Paacutegina do Diaacuterio do Rio de Janeiro registrando a aboliccedilatildeo186

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO10

1 A TRAJETOacuteRIA POLIacuteTICA DE ALENCAR22

11 PRIMEIROS ANOS24

12 VIDA NA CORTE27

13 MILITAcircNCIA POLIacuteTICA34

14 UacuteLTIMOS ANOS49

2 CONJUNTURA POLIacuteTICA DO II REINADO55

21 UMA VISAtildeO GERAL56

22 O ESTADO DA ARTE DA IMPRENSA NO OITOCENTOS 64

23 SOBRE AS ELITES NO PODER 70

24 INTELECTUAIS E OPINIAtildeO PUacuteBLICA77

3 LIBERALISMO E ESCRAVIDAtildeO NAS CARTAS DE ERASMO 82

31 LIBERALISMO E ESCRAVIDAtildeO82

32 LIBERALISMO E ESCRAVIDAtildeO O MODELO BRASILEIRO86

33 AS CARTAS DE ERASMO95

331 AO IMPERADOR103

332 AO POVO AO REDATOR DO DIAacuteRIO DO RIO DE JANEIRO121

333 AO MARQUEcircS DE OLINDA AO VISCONDE DE ITABORAHY133

334 NOVAS CARTAS AO IMPERADOR138

4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS162

5 BIBLIOGRAFIA174

6 ANEXOS183

INTRODUCcedilAtildeO

O Brasil do seacuteculo XIX com a chegada da famiacutelia real nos primeiros anos ateacute e

particularmente o periacuteodo imperial eacute caracterizado por um desenvolvimento

econocircmico social e poliacutetico intenso e relativamente acelerado se comparado a

outras naccedilotildees da Ameacuterica Latina (COSTA 1999) Tal desenvolvimento se deve a

construccedilatildeo de um projeto poliacutetico para o paiacutes que deixando de ser uma colocircnia de

Portugal necessitava afirmar sua nova identidade - agora como uma naccedilatildeo

independente - tanto interna quanto externamente O processo tem iniacutecio com a

transferecircncia para a cidade do Rio de Janeiro do Priacutencipe Regente D Joatildeo VI a

famiacutelia real portuguesa e sua Corte em 1808 gerando um consideraacutevel aumento na

populaccedilatildeo residente e a consequente transformaccedilatildeo da cidade com a construccedilatildeo

de escolas museus teatros faculdades e dentre outras novidades a imprensa

A emancipaccedilatildeo poliacutetica em 1822 manteacutem o sistema monaacuterquico ndash ainda sob a casa

de Braganccedila com D Pedro I ndash agora pelo modelo constitucional tendo por base as

ideias liberais importadas da Europa iluminista A presumida liberdade que o paiacutes

vem a construir garantida na constituiccedilatildeo outorgada pelo governante jaacute encontra

um terreno poliacutetico e econocircmico bastante diverso daquele onde surgiu o liberalismo

europeu tendo por base a agricultura de produtos de exportaccedilatildeo assentada na

escravidatildeo - tanto a lavoura tradicional accedilucareira do nordeste como as novas e

proacutesperas plantaccedilotildees de cafeacute do Vale do Paraiacuteba dependiam do escravo O Brasil

logo depois da emancipaccedilatildeo politica em 1822 possui uma das maiores populaccedilotildees

escravas da Ameacuterica e tambeacutem a maior populaccedilatildeo de afrodescendentes livres no

continente (MATTOS H 2000) a quem natildeo eram concedidos os direitos poliacuteticos

de cidadatildeo E uma minoria tida como aristocraacutetica dominava assentados seus

privileacutegios nas relaccedilotildees que possuiacuteam com a coroa ndash uma administraccedilatildeo do Estado

de modelo conservador com D Pedro e a heranccedila do absolutismo portuguecircs

Liberalismo e conservadorismo convivem entatildeo na sociedade brasileira em

formaccedilatildeo como os dois lados de uma realidade complexa e contraditoacuteria Liberal no

sentido de que as lideranccedilas que surgem se mobilizaram nesse sentido para

justificar a separaccedilatildeo da metroacutepole e ao mesmo tempo conservador por precisar

manter a escravidatildeo e a dominaccedilatildeo do senhoriato (NOVAIS 1996)

Para a manutenccedilatildeo da organizaccedilatildeo do Estado a monarquia reforccedila os laccedilos jaacute

seculares do estamento portuguecircs presentes desde a colocircnia criando ndash tambeacutem

inspirado na tradiccedilatildeo portuguesa ndash o modelo brasileiro de nobreza de gentleman

este emerge como um segmento que se solidifica na figura do intelectual morador

da cidade bacharel em direito (tambeacutem alguns poucos meacutedicos raros engenheiros

e matemaacuteticos) filho do fazendeiro ou do comerciante enriquecido filho do

funcionaacuterio portuguecircs fixado no Brasil neto e bisneto dos donos da terra e

representante uacuteltimo das famiacutelias que viriam compor esta ldquoeliterdquo da terra garantindo

uma continuidade na estabilidade poliacutetica Observa-se assim com a absorccedilatildeo

destes elementos pelo Estado um crescimento de algumas cidades portuaacuterias e

principalmente no Rio de Janeiro onde se instala a Corte e o consequente

desenvolvimento de uma burocracia especializada necessaacuteria agrave administraccedilatildeo do

reino Um conjunto de instituiccedilotildees baseadas no modelo portuguecircs ndash quando natildeo

copiadas integralmente de seus pares em Lisboa ndash de funcionalismo puacuteblico para

uma monarquia de moldes absolutistas que recebe poucas adaptaccedilotildees no Brasil

(FAORO 2004)

Boris Fausto em sua Histoacuteria do Brasil (FAUSTO 2001) defende certa estabilidade

no periacuteodo sustentada pelo desenvolvimento das cidades e o aumento de pessoas

com niacutevel superior Costa (1999) afirma que os nuacutecleos urbanos mais importantes

em sua maioria estavam ao longo da costa brasileira coincidindo com os principais

portos exportadores e o desenvolvimento destes tem ndash por conta de sua localizaccedilatildeo

ndash caracteriacutesticas especiacuteficas das ideias trazidas da Europa pelos jornais e livros que

chegam pelos portos Nas demais aacutereas o crescimento urbano era limitado

prevalecendo a grande propriedade rural Mas com as faculdades de direito em Satildeo

Paulo e Recife sendo construiacutedas na primeira metade do oitocentos o processo de

composiccedilatildeo de uma intelectualidade local jaacute tem iniacutecio tendo como palco os nuacutecleos

urbanos Tal periacuteodo eacute marcado tambeacutem pelo desenvolvimento da imprensa onde

as ideias liberais satildeo proclamadas aos quatro ventos pelos diversos jornais e

pasquins que surgem e desaparecem todos os dias (BAHIA 1990) os homens que

se formam ndash de uma maneira integral eacute certo - naquele novo cotidiano iratildeo

inspirados em um periacuteodo recente de administraccedilatildeo ndash jaacute dissemos moldado no

estamento portuguecircs - desenvolver certa predileccedilatildeo pelo cargo puacuteblico e pelas

letras Segundo Faoro (2004) o funcionaacuterio puacuteblico que se forma eacute um dos

responsaacuteveis diretos ndash senatildeo o uacutenico tecnocrata ndash pela reorganizaccedilatildeo (reinvenccedilatildeo)

do antigo modelo no novo paiacutes Leitores dos jornais e ao mesmo tempo formadores

de opiniatildeo estes homens satildeo os comentadores e partiacutecipes do desenvolvimento

poliacutetico e econocircmico das cidades enquanto inspirados pelas ideias liberais que jaacute

tomam corpo por aqui Estes homens que tem acesso agrave informaccedilatildeo e fazem de sua

praacutexis um elemento transformador da sociedade (GRAMSCI 1976) alguns sendo

sustentados pelo abraccedilo do cargo puacuteblico outros escrevendo para os jornais onde

apresentam e defendem suas ideias (liberais ou natildeo) para os outros homens - que

vem a constituir uma opiniatildeo puacuteblica representada pelos agravevidos leitores desses

mesmos jornais

Isto posto destacamos que essa dissertaccedilatildeo que tem como tema o liberalismo no

Brasil e sua relaccedilatildeo com a escravidatildeo no periacuteodo do segundo reinado apresenta

como seu objetivo geral discutir as dificuldades de implantaccedilatildeo deste sistema

poliacutetico - o liberalismo - em uma sociedade dominada por uma elite assentada na

economia agroexportadora baseada na matildeo de obra do escravo percebendo como

paradoxal esta relaccedilatildeo entendendo ser o liberalismo uma doutrina poliacutetica que tem

por base a defesa da liberdade individual nos campos poliacutetico econocircmico religioso e

intelectual conquistada por meio de lutas da sociedade civil contra o absolutismo do

Estado caracteriacutestico do Antigo regime na Europa Acreditamos com Gramsci

(1989) que o discurso que sustenta tal relaccedilatildeo e tenta justifica-la eacute mediado entre as

elites e o povo por meio dos intelectuais Portanto cabem aqui mais algumas

questotildees qual era a visatildeo dos intelectuais sobre a relaccedilatildeo entre liberalismo e

escravidatildeo no Brasil Os intelectuais comungariam com tais ideias Elas estatildeo

presentes em seu discurso

Nossa duacutevida fundamental a qual a pesquisa busca explicar eacute seraacute que estes

intelectuais que se formam nas primeiras faculdades de direito do Brasil filhos de

fazendeiros comerciantes muitos dos quais ligados direta ou indiretamente agrave

economia agroexportadora baseada no trabalho escravo assumiram o discurso

liberal Estaria este discurso presente em suas representaccedilotildees e em seus textos

Para tanto nosso objetivo especiacutefico seraacute analisar o trabalho de um intelectual do

periacuteodo e uma parte de sua produccedilatildeo Joseacute de Alencar

Dessa forma partimos da seguinte hipoacutetese eacute por meio de um discurso poliacutetico

conservador vinculado as propostas ideoloacutegicas das elites escravocratas

disseminado pelos jornais e panfletos do periacuteodo que os intelectuais construiacuteram

uma imagem paradoxal do liberalismo para o Brasil no segundo reinado

Para construirmos nossa narrativa histoacuterica tomamos como fonte para analisarmos

nossa hipoacutetese as ldquocartas de Erasmordquo Um conjunto de cartas abertas publicadas

sob a forma de folhetins no periacuteodo de 1865 a 1868 dirigidas ao Imperador e a

vaacuterios outros entes poliacuteticos Nossa hipoacutetese eacute de que neste texto possamos

identificar a tentativa de Alencar sustentar uma visatildeo liberal para o desenvolvimento

poliacutetico e econocircmico da naccedilatildeo ao mesmo tempo em que faz uma defesa da

manutenccedilatildeo do sistema escravista no Brasil o que nos faz crer que exista uma

postura liberalconservadora como modelo ideoloacutegico a ser construiacutedo pelas elites

atraveacutes de alguns setores da imprensa Buscaremos nas cartas poliacuteticas de Alencar

indiacutecios da sustentaccedilatildeo de um discurso liberal que tambeacutem apresenta caracteriacutesticas

conservadoras e admite (e reafirma) a manutenccedilatildeo da escravidatildeo no Brasil Para

tanto nos propomos a uma anaacutelise de todo o texto das cartas em uma perspectiva

hermenecircutica baseada nos princiacutepios da anaacutelise do discurso Como sustenta

Intildeiguez (2005) a anaacutelise de discurso como aparentemente possa parecer natildeo eacute

uma aacuterea restrita da linguiacutestica e comporta contribuiccedilotildees de vaacuterias aacutereas de estudo

Ao mesmo tempo considerando que uma das caracteriacutesticas da histoacuteria poliacutetica

renovada segundo Remond (2003) eacute ser um ponto de convergecircncia de diversas

disciplinas como a sociologia a linguiacutestica o direito dentre vaacuterias outras o que lhe

possibilita um ganho analiacutetico consistente e consolida sua natureza interdisciplinar a

anaacutelise de discurso apresenta-se como um caminho consistente para a abordagem

de textos poliacuteticos do periacuteodo Neste caso nossa pesquisa busca entender a relaccedilatildeo

do modelo de liberalismo poliacutetico implantado no Brasil com a escravidatildeo e se a

justificaccedilatildeo para tal discurso estaacute presente nos textos de intelectuais do periacuteodo

tendo como fonte o texto das Cartas Poliacuteticas de Joseacute de Alencar

Nossa pesquisa se justifica pela necessidade de entender a dimensatildeo poliacutetica do

segundo reinado por meio de uma fonte impressa que teve grande circulaccedilatildeo no

periacuteodo de nosso recorte e que pode criar uma inter-relaccedilatildeo entre os pontos

descritos Na anaacutelise do texto de um dos mais importantes intelectuais do periacuteodo

Joseacute de Alencar - poliacutetico atuante jornalista romancista e dramaturgo -

conseguimos um elo entre intelectuais imprensa e elites e a confluecircncia desses

ldquopartidosrdquo no projeto ideoloacutegico de construccedilatildeo da naccedilatildeo (GRAMCI 1989) Tais

elementos satildeo comunmente tomados em separado Com Alencar nas cartas de

Erasmo temos um intelectual que usa do seu texto literaacuteriojornaliacutestico1 em uma

miacutedia alternativa no momento para se dirigir a segmentos da elite poliacutetica e

econocircmica na Corte no Rio de Janeiro Essa confluecircncia portanto eacute a proacutepria

ldquoaccedilatildeordquo do objeto enquanto veiacuteculo de comunicaccedilatildeo

A discussatildeo historiograacutefica sobre nosso tema apresenta estudos por vezes

coincidentes por vezes conflitantes Bosi (1988) afirma que o paradoxo entre

liberalismo e escravidatildeo natildeo existiu no Brasil ldquono periacuteodo que se segue agrave

Independecircncia e vai ateacute os anos centrais do Segundo Reinadordquo (BOSI 1998 p 05)

O autor tambeacutem afirma que para entender a articulaccedilatildeo do liberalismo pregado ndash e

assumido ndash no Brasil com o regime escravagista eacute necessaacuterio compreender o modo

de pensar das classes poliacuteticas dominantes no impeacuterio a partir da independecircncia

Neves (2001) sustenta que o liberalismo no Brasil se alavanca a partir da revoluccedilatildeo

ldquovintistardquo em Portugal que vem propondo reformas que pudessem garantir ao

indiviacuteduo direitos de cidadania e liberdade de expressatildeo e buscando o fim do

despotismo como uma soluccedilatildeo para o impeacuterio O movimento segundo a autora eacute

assimilado sem dificuldade pelos elementos das elites poliacutetica e intelectuais no

Brasil A proposta era buscar o novo mas sem abrir matildeo dos antigos privileacutegios

econocircmicos

Para Gorender (2002) os princiacutepios liberais levados adiante pelos comerciantes e

plantadores visava o direito de ter uma representaccedilatildeo no estado fora das limitaccedilotildees

impostas pela poliacutetica colonial que terminaria com o processo de independecircncia Tal

1 Antocircnio Cacircndido (1999) sustenta ser uma das caracteriacutesticas do periacuteodo (segundo reinado) a

influecircncia do texto literaacuterio nos jornais que temos vaacuterios exemplos em Machado de Assis Joseacute de

Alencar Joaquim Nabuco Capistrano de Abreu para citar alguns

processo segundo ele tem inicio com a abdicaccedilatildeo em 1831 Este autor afirma que

o liberalismo europeu defende o trabalho livre mas lembra tambeacutem que o proacuteprio

Adam Smith natildeo era contra a escravidatildeo nas colocircnias Ou seja o liberalismo

europeu segundo um de seus mais importantes representantes jaacute nasce sob esta

contradiccedilatildeo O autor lembra que mesmo com a Revoluccedilatildeo Francesa tendo

decretado a libertaccedilatildeo dos escravos em suas colocircnias francesas Napoleatildeo

restabelece a escravidatildeo oito anos depois Apesar da pregaccedilatildeo pela liberdade na

Europa nas colocircnias a poliacutetica praticada natildeo era a mesma O que nos leva a

entender melhor a relaccedilatildeo liberalismoescravidatildeo no Brasil

Entendemos entatildeo que no processo de formaccedilatildeo do Estado Imperial Brasileiro

havia diferentes leituras e objetivos para o uso do liberalismo ligadas a interesses

especiacuteficos Por um lado como enfatiza Mattos (1987) a accedilatildeo do grupo conservador

no impeacuterio seguia no sentido da construccedilatildeo de monopoacutelios uma continuidade do

praticado no periacuteodo colonial enfatizando as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo sustentadas

pela coroa Costa (1999) identifica certa originalidade no movimento poliacutetico liberal

brasileiro do periacuteodo tentando interpreta-lo como uma figura hiacutebrida onde os

elementos conservadores permanecem e satildeo amalgamados com as praacuteticas liberais

aceitas estruturando as instituiccedilotildees e a visatildeo de mundo pelas elites dominantes

sustentados pelas classes intermediaacuterias que se desenvolvia nas cidades mas que

ao mesmo tempo viam no sistema agroexportador baseado na escravidatildeo uma

dificuldade para o desenvolvimento do capitalismo Por outro lado Carvalho (2007)

chega a subestimar o aspecto liberal sustentando haver um pensamento

conservador dominante sendo a conciliaccedilatildeo entre as correntes de pensamento e os

partidos a poliacutetica da coroa com o intuito de administrar interesses e evitar conflitos

Bosi (1988) sustenta ainda que o traacutefico se apoia por vezes nas proacuteprias

autoridades a quem cabia fazer cessar o traacutefico Satildeo homens ligados a

administraccedilatildeo e a poliacutetica que manteacutem o controle terras do cafeacute e dos escravos o

que faz com que uma defesa da escravidatildeo seja a proposta corrente Nesse

aspecto Prado (2001) concorda que com a produccedilatildeo organizada sob a exploraccedilatildeo

do trabalho escravo sendo muito lucrativa ateacute entatildeo dificilmente teria por parte da

elite qualquer movimento estimulando o seu teacutermino

O liberalismo poliacutetico proposto para o Brasil apresenta assim caracteriacutesticas

diversas conforme os interesses dos diversos grupos das elites poliacuteticas e

econocircmicas no poder Mattos (1987) enxerga no grupo conservador representado

pelos senhores traficantes de escravos e grandes comerciantes um pensamento

contraacuterio agraves ideias liberais e a favor da centralizaccedilatildeo poliacutetica A anaacutelise do sistema

econocircmico agroexportador brasileiro no periacuteodo Imperial tambeacutem nos revela as

muitas contradiccedilotildees da sociedade escravista do seacuteculo XIX o liberalismo econocircmico

e o aumento do fluxo de escravos para o Brasil a defesa da liberdade e o

incremento da escravidatildeo o desenvolvimento do consumo e a pobreza Tacircmis

Parron (2008) sustenta que durante o seacutec XIX toda a defesa do traacutefico e da proacutepria

escravidatildeo como uma instituiccedilatildeo se sustentaram em ideias liberais Agrave medida que

na Europa o sistema econocircmico pregava um livre mercado com o trabalho livre nas

Ameacutericas a escravidatildeo permanecia forte em paiacuteses como os Estados Unidos em

Cuba e no Brasil Emilia Viotti (1999) sustenta para o periacuteodo uma visatildeo hiacutebrida

onde os elementos conservadores presentes no Brasil servem como um equiliacutebrio a

praacuteticas e ideias liberais que poderiam tomar formas mais radicais se acaso

atingissem grupos da populaccedilatildeo estruturando dessa forma as instituiccedilotildees e a visatildeo

de mundo dos principais agentes poliacuteticos no poder no periacuteodo dando ao liberalismo

aqui sua caracteriacutestica ldquocor localrdquo Dessa feita entendemos que o liberalismo

representa distintos interesses da sociedade brasileira e caracteriza-se

diversamente nas diferentes regiotildees do paiacutes e um dos agentes mais importantes na

divulgaccedilatildeo de tais ideias e praticas eacute justamente a imprensa que muito se

desenvolve no periacuteodo como arena de debates de poliacuteticos e intelectuais

Concordando com Bosi (1988) que afirma que o paradoxo entre liberalismo e

escravidatildeo foi somente verbal que o liberalismo simplesmente natildeo existiu enquanto

uma ideologia dominante Segundo ele o que dominou em todo esse periacuteodo no

Brasil foi um ideaacuterio de fundo conservador Um conjunto de normas juriacutedico-poliacuteticas

capazes de garantir a propriedade fundiaacuteria e a escravidatildeo negra ateacute o seu limite E

em nosso entender essa ideologia era difundida por meio dos intelectuais nos

veiacuteculos de comunicaccedilatildeo do periacuteodo como os panfletos pasquins e jornais em

geral

Portanto nosso objetivo aqui para testar nossa hipoacutetese eacute estudar as formas do

discurso poliacutetico em meados do seacuteculo XIX analisando o texto jornaliacutesticoliteraacuterio

de Joseacute de Alencar nas Cartas de Erasmo Acreditamos que Alencar usava seu

texto como um meio para difundir fortalecer e consolidar a ideologia das elites

presentes na corte imperial suas representaccedilotildees e as formas de dominaccedilatildeo

presentes no periacuteodo Alencar toma do discurso liberal alguns princiacutepios para

sustentar a ideologia de grupos vinculados a uma proposta de conservadorismo

poliacutetico em que a manutenccedilatildeo dos privileacutegios desta ldquoaristocraciardquo bem como a

continuidade da escravidatildeo no Brasil satildeo seus pontos principais

A pesquisa se fundamenta tambeacutem na premissa de que a proposta de Alencar era

a de criar um modelo (segundo ele melhor) para a sociedade De tal maneira

podemos designaacute-lo ndash o texto as cartas de Erasmo - como um discurso ideoloacutegico

Um conceito formulado por Chauiacute (revendo Gramsci) nos ajuda de forma elucidativa

Fundamentalmente a ideologia eacute um corpo sistemaacutetico de representaccedilotildees e de normas que nos ensinam a conhecer e a agir A sistematicidade e a coerecircncia ideoloacutegicas nascem de uma determinaccedilatildeo muito precisa o discurso ideoloacutegico eacute aquele que pretende coincidir com as coisas anular a diferenccedila entre o pensar o dizer e o ser e destarte engendrar uma loacutegica da identificaccedilatildeo que unifique pensamento linguagem e realidade para atraveacutes dessa loacutegica obter a identificaccedilatildeo de todos os sujeitos sociais com uma imagem particular universalizada isto eacute a imagem da classe dominanterdquo (CHAUI 1997 p 03)

Dessa feita entendemos a dimensatildeo ideoloacutegica do discurso poliacutetico construiacutedo por

meio das cartas de Erasmo no sentido marxista de corte gramsciano ou seja como

uma concepccedilatildeo de mundo que perpassa desde o discurso comum ateacute formas mais

elaboradas de discurso filosoacutefico Nesse sentido as cartas de Erasmo seratildeo

tomadas como peccedila de anaacutelise enquanto uma dimensatildeo do discurso de Alencar

como ator poliacutetico de seu tempo para uma discussatildeo sobre a relaccedilatildeo entre

liberalismo e escravidatildeo no Brasil Gramsci (1989) nos mostra que os intelectuais se

formaram historicamente em associaccedilatildeo com as elites econocircmicas Seu papel

dentro dos diversos partidos2 eacute a de organizaccedilatildeo e disseminaccedilatildeo da ideologia

Alencar por meio de seu texto busca criticar a administraccedilatildeo vigente e sua relaccedilatildeo

2 Entendendo ldquopartidordquo no sentido mesmo que Gramsci o determinou GRAMSCI Antocircnio

Intelectuais e a Organizaccedilatildeo da Cultura Satildeo Paulo Civilizaccedilatildeo Brasileira 1989

com a coroa por meio de recriminaccedilotildees a poliacutetica econocircmica a administraccedilatildeo da

guerra do Paraguai ao descaso dos poliacuteticos e ndash em nosso caso ndash quanto agraves

propostas para o fim da escravidatildeo

Buscamos nos textos de Gramsci o referencial teoacuterico que ndash acreditamos ndash nos

apresenta uma melhor adequaccedilatildeo a proposta metodoloacutegica aplicada de uma

discussatildeo hipoteacutetico-dedutiva dos textos que se seguem Gramsci nos fornece um

material teoacuterico que - como ele mesmo comenta em sua organizaccedilatildeo inicial para a

escritura dos cadernos - satildeo apontamentos sem uma ligaccedilatildeo serial linear mas que

podem nos fornecer uma base teoacuterica rica conquanto estejam mesmo permitindo-se

uma interpretaccedilatildeo mais heterodoxa das fontes

Gramsci propotildee uma visatildeo ampliada do conceito de Estado em que a relaccedilatildeo entre

sociedade civil e sociedade poliacutetica eacute dialeacutetica A sociedade civil eacute o lugar da luta de

classes pela hegemonia e junto com a sociedade poliacutetica eacute um dos fatores que a

constituem O Estado eacute um elemento aglutinador e como tal formado pela

diversidade de instituiccedilotildees da sociedade civil Eacute uma combinaccedilatildeo de forccedila e

consenso fazendo parecer que os caminhos traccedilados pelo Estado sejam vistos

como consensuais pela maioria expressos pela opiniatildeo puacuteblica em seus diversos

oacutergatildeos (GRAMSCI 1999) Neste conceito ampliado de Estado a sociedade poliacutetica

eacute a definiccedilatildeo de uma esfera na qual se situam os mecanismos de coerccedilatildeo e

dominaccedilatildeo como o aparato policial-militar e a burocracia e a sociedade civil que eacute

formada pelas organizaccedilotildees responsaacuteveis pela elaboraccedilatildeo e difusatildeo das ideologias

como a escola a igreja os partidos poliacuteticos os sindicatos as organizaccedilotildees

profissionais e a miacutedia A cultura para Gramsci estaacute relacionada com a

transformaccedilatildeo da realidade atraveacutes de uma busca e consequente conquista de uma

consciecircncia superior onde cada indiviacuteduo precisa conseguir compreender o seu

valor na sociedade (GRAMSCI 1976) Eacute dessa forma que se daacute a passagem do

momento corporativo ao momento eacutetico-poliacutetico da estrutura agrave superestrutura Isto eacute

expresso por Gramsci atraveacutes do seu conceito ampliado de poliacutetica a catarse O

momento em que a esfera dos interesses corporativos e particulares eleva-se ao

niacutevel da consciecircncia universal e as classes conseguem elaborar um projeto para

toda a sociedade atraveacutes de uma accedilatildeo coletiva Assim sair da passividade para

Gramsci eacute deixar de aceitar a subordinaccedilatildeo que o sistema capitalista impotildee a

alguns estratos da populaccedilatildeo Nesse processo que eacute dialeacutetico podemos observar

um Alencar em sua posiccedilatildeo de aristocrata mas ao mesmo tempo como um

intelectual - um elo para a divulgaccedilatildeo das ideias da elite e a sociedade como um

todo ndash que opta pela reafirmaccedilatildeo de valores tradicionalmente aceitos reafirmando

um modelo adequado que deve perpetuar-se tanto para a famiacutelia como para a

administraccedilatildeo puacuteblica por meio da divulgaccedilatildeo de suas ideias em um veiacuteculo de

comunicaccedilatildeo em detrimento das transformaccedilotildees que acusa como degradadoras

dos valores temos aqui a proacutepria constituiccedilatildeo do bloco histoacuterico Eacute a partir destes

conceitos formulados por Gramsci que buscamos encontrar uma melhor

compreensatildeo do texto de Alencar

No primeiro capiacutetulo nosso trabalho apresenta uma sucinta biografia de Joseacute de

Alencar tentando situar em sua trajetoacuteria os interesses e as escolhas poliacuteticas nas

quais estava inserido e o contexto a que se referia e ndash de certa forma ndash pretendia

criar

No segundo capiacutetulo buscamos mostrar a conjuntura poliacutetica do segundo reinado

junto ao processo de formaccedilatildeo das elites e intelectuais bem como da imprensa no

Brasil A divisatildeo aparentemente estanque tem como elemento agregador a proacutepria

biografia de Alencar Ali se buscam esmiuccedilar os elementos formadores do

intelectual Alencar apresentados anteriormente e como ele se apresenta em seu

campo de batalha

A conjuntura poliacutetica do periacuteodo junto a alguns elementos relevantes que satildeo

tomados pela criacutetica feroz de Alencar

A imprensa - seus primeiros anos no Brasil - na qual Alencar milita como criacutetico e

jornalista sendo este o seu veiacuteculo principal de divulgaccedilatildeo de ideias

As elites que disputam o poder no periacuteodo e tem nos intelectuais seu ponto de

ligaccedilatildeo com as camadas populares

E os intelectuais em si que comeccedilam a se formar nesse periacuteodo no paiacutes

influenciados pelas ideias liberais vindas da Europa e mesmo em parte

compartilhada com os grupos no poder Alencar se apresenta como um intelectual

surgido em uma das primeiras escolas de direito do paiacutes no Largo de Satildeo

Francisco portanto compartilhando de uma relaccedilatildeo direta com os outros elementos

da elite local que estava se formando

Estes elementos apresentados a opiniatildeo puacuteblica a imprensa e as elites formam em

um conjunto o arcabouccedilo do que seria o campo de atuaccedilatildeo do intelectual Alencar e

a proposta de pontuar o ldquoestado da arterdquo em que se apresentam tais segmentos

pode nos auxiliar na construccedilatildeo de um retrato mais niacutetido da superestrutura

(GRAMSCI 1999) no recorte

No terceiro capiacutetulo analisaremos as Cartas de Erasmo dando ecircnfase agraves propostas

de Alencar sobre o problema da escravidatildeo no periacuteodo Natildeo eacute nosso objetivo

debater (ou defender) as questotildees do traacutefico do abolicionismo e das reaccedilotildees em

oposiccedilatildeo dos diversos grupos envolvidos nas questotildees mas a partir da

investigaccedilatildeo da fonte apresentar a questatildeo sob uma oacutetica especiacutefica a de Joseacute de

Alencar como um ator poliacutetico do periacuteodo e seu modelo de representaccedilatildeo poliacutetico e

ideoloacutegico para o Brasil se eacute ou natildeo influenciado pelos ideais do liberalismo

Para tanto apresentamos uma breve exposiccedilatildeo do pensamento de seus principais

representantes na Europa com o intuito de comparar uma possiacutevel similaridade com

o texto das cartas

No quarto e uacuteltimo capiacutetulo nos reservamos a um conjunto de consideraccedilotildees finais

com vistas a uma compreensatildeo do que foi apresentado

As fontes usadas na pesquisa satildeo As cartas de Erasmo publicadas semanalmente

no periacuteodo de 1865 a 1868 e vendidas pelas ruas da Corte do Rio de Janeiro A

publicaccedilatildeo3 com a qual trabalhamos foi organizada por Joseacute Murillo de Carvalho e

conteacutem as seguintes ediccedilotildees

Ao Imperador Cartas de Erasmo de 1865 no caso a segunda ediccedilatildeo de 1866

Uma carta Ao Redator do Diaacuterio (do Rio de Janeiro) de 1865

Ao Povo Cartas Poliacuteticas de Erasmo de 1866 acompanhadas das cartas ldquoAo

Marquecircs de Olindardquo 1866 e ldquoAo Visconde de Itaboraiacute Carta de Erasmo Sobre a

3 ALENCAR Joseacute de Cartas de Erasmo Joseacute de Alencar organizador Joseacute Murilo de Carvalho

ndash Rio de Janeiro ABL 2009

Crise Financeirardquo tambeacutem de 1866

Ao Imperador Novas Cartas Poliacuteticas de Erasmo de 1867-68

Tambeacutem foram de grande auxiacutelio agraves biografias4 pesquisadas e a bibliografia

composta de obras especializadas e baseadas em recentes pesquisas e em textos

de consolidado valor Uma das finalidades da histoacuteria eacute conhecer melhor os

sistemas de representaccedilatildeo das sociedades passando pela literatura e filosofia e

sempre atentando para a produccedilatildeo intelectual (REMOND 2003) Com as cartas de

Erasmo nos apropriamos de um texto criativo coerente e esteticamente belo o que

soacute vem facilitar o trabalho interpretativo Frente a isto aqui temos o Alencar no

comeccedilo da vida puacuteblica se consolidando tanto como artista como um poliacutetico

atuante na Corte - um intelectual Um Alencar que tem muito a nos dizer sobre o

periacuteodo

4 MENEZES Raimundo de Joseacute de Alencar literato e poliacutetico 2a Ed Rio de Janeiro livros teacutecnicos e

cientiacuteficos 1965 NETO Lira O inimigo do rei uma biografia de Joseacute de Alencar ou a mirabolante aventura de um romancista que colecionava desafetos azucrinava D Pedro II e acabou inventando o Brasil Satildeo Paulo Globo 2006 RODRIGUES Antocircnio Edmilson Martins Joseacute de Alencar O poeta armado do Seacuteculo XIX ndash Rio de Janeiro Editora FGV 2001

1 A TRAJETOacuteRIA POLIacuteTICA DE ALENCAR

Eacute um homem de valor poreacutem muito mal educado

D Pedro II referindo-se ao Alencar

Partindo para um esboccedilo sobre a vida de Alencar preferimos trabalhar com uma

biografia criacutetica buscando enfatizar o agente poliacutetico em detrimento do artista Mas

natildeo podemos deixar de ressaltar ser o poliacutetico Joseacute de Alencar tambeacutem um dos

maiores representantes das letras do Brasil no oitocentos Ele ao lado de Machado

de Assis Castro Alves Gonccedilalves Dias e alguns outros natildeo tatildeo notoacuterios tem seu

trabalho caracterizado pela construccedilatildeo de um projeto de modernizaccedilatildeo e a

constituiccedilatildeo de uma identidade para o Brasil O desenvolvimento tecnoloacutegico

cientiacutefico intelectual promovido na Europa era em seu entender um modelo para o

mundo civilizado e o Brasil natildeo poderia ficar fora de tatildeo significativo projeto

A proposta de nossa biografia se daacute na medida em que a pesquisa busca enfatizar

Joseacute de Alencar enquanto poliacutetico O escritor consagrado eacute deixado por um

momento de lado em detrimento dos rumos a que as questotildees relativas agrave histoacuteria

poliacutetica satildeo colocados No caso aqui a histoacuteria da literatura eacute somente um apecircndice

Tendo tambeacutem em mente as advertecircncias deixadas por Remond (2003) sobre o uso

da narrativa factual e subjetivista eminente na biografia de notaacuteveis que cruzavam

o perigoso caminho de avaliar um periacuteodo pelos olhos de um homem apenas ndash

caracteriacutestica da histoacuteria poliacutetica recriminada jaacute pela Escola dos ldquoAnnalesrdquo -

buscamos pelo caminho biograacutefico integrar o Alencar aos diversos agentes poliacuteticos

a fim de desenhar um retrato mais consistente do periacuteodo mas sempre nos

acautelando quanto a direccedilatildeo seguida Neto (2006) e Menezes (1965) sustentam tal

proposta afirmando que o temperamento reservado de Alencar eacute fator determinante

para a anaacutelise de seu texto que no caso das Cartas de Erasmo apresenta

caracteriacutesticas que transitam entre o romantismo literaacuterio e um jornalismo criacutetico

como poderemos ver mais adiante Pocock (2003) justificando uma proposta

biograacutefica comenta que ldquose [temos de ter] uma histoacuteria do pensamento poliacutetico

construiacuteda sobre princiacutepios autenticamente histoacutericos precisamos ter meios de

saber o que um autor ldquoestava fazendordquo quando escrevia ou publicava um texto

ldquo(POCOCK 2003 p28) Ainda na corrente citaccedilatildeo explica que ldquoem inglecircs coloquial

perguntar o que um autor ldquoestava fazendordquo eacute o mesmo que perguntar ldquoo que ele

pretendiardquo ou seja o que ldquoestava tramandordquo ou o que ldquopretendia obterrdquo Quais

seriam as intenccedilotildees de tal autor quando da escritura de seu texto Quais as suas

pretensotildees com tal trabalhordquo (POCOCK 2003 p28) Philippe Levilain (2003) indica

o fim da deacutecada de 1980 como o momento do florescer da biografia na Franccedila

havendo esta sendo reabilitada no meio universitaacuterio ainda na deacutecada de 1960 e jaacute

na deacutecada de 1980 ultrapassa as fronteiras do paiacutes Michael Winock (2003) nos

lembra da emergecircncia de pesquisas sobre os intelectuais e suas ideias no seacuteculo

XX bem como a sua importacircncia para a difusatildeo de modelos poliacuteticos que tem

atraiacutedo agrave atenccedilatildeo de inuacutemeros pesquisadores Com Joseacute de Alencar ampliamos o

horizonte da pesquisa dos intelectuais no Brasil ateacute meados soacute seacuteculo XIX onde

estaacute nosso recorte temporal

Jaacute existem biografias consistentes sobre o Alencar Destaco o trabalho beneditino de

Raimundo de Menezes (1965) ldquoJoseacute de Alencar literato e poliacuteticordquo que recolheu

desde documentos pessoais ateacute fotografias e caricaturas do periacuteodo mas que tenta

natildeo traccedilar uma criacutetica ao trabalho de Alencar sendo um texto predominantemente

factual Eacute para aonde me remeto como uma fonte baacutesica do estudo e que

determina a linha mestra da descriccedilatildeo mas me apoiando tambeacutem em alguns outros

textos5 Ressaltamos aqui que nosso recorte iraacute enfatizar tambeacutem o contexto das

relaccedilotildees sociais que satildeo (ou podem ser) determinadas pelo texto

5Outras biografias satildeo MAGALHAtildeES Raimundo Jr Joseacute de Alencar e sua eacutepoca Satildeo Paulo Ed

Lisa 1971 FILHO Luiz Viana A vida de Joseacute de Alencar Satildeo Paulo Ed UNESPSalvador Edufba 2008 e NETO Lira O inimigo do rei uma biografia de Joseacute de Alencar ou a mirabolante aventura de um romancista que colecionava desafetos azucrinava D Pedro II e acabou inventando o Brasil Satildeo Paulo Globo 2006

11 PRIMEIROS ANOS

No dia 1ordm de Maio de 1829 em uma pequena casa no siacutetio Alagadiccedilo Novo na vila

de Nossa Senhora da Conceiccedilatildeo de Messejana periferia de Fortaleza proviacutencia do

Cearaacute nasce Joseacute Martiniano de Alencar Filho Seu pai um padre que haacute pouco

deixara a batina para se envolver na poliacutetica6 junto com D Baacuterbara de Alencar sua

matildee o irmatildeo Tristatildeo de Alencar e o tio Leonel Pereira de Alencar foi figura de

destaque na revoluccedilatildeo pernambucana Um revolucionaacuterio liberal ldquoexaltadordquo proacute-

repuacuteblica que posteriormente foi eleito deputado constituinte para o congresso

lusitano7 Alencar mantinha relaccedilotildees proacuteximas com os liberais de Minas Gerais e de

Satildeo Paulo como o Padre Joseacute Bento e com Custoacutedio Dias

Os (chamados) rebeldes de Pernambuco eram militares de alta patente

comerciantes senhores de engenho e sobretudo padres (calcula-se em 45 o

nuacutemero de padres envolvidos) Apesar de ter em suas linhas elementos do povo e

escravos natildeo era uma revoluccedilatildeo que pudesse ser chamada de popular Antes

tentava afirmar a dominaccedilatildeo de alguns grupos de elite local Sobe forte influecircncia da

maccedilonaria que disseminava as ideias liberais entre seus grupos os rebeldes

proclamaram uma repuacuteblica independente que incluiacutea aleacutem de Pernambuco as

capitanias da Paraiacuteba e do Rio Grande do Norte chegando com Alencar ateacute o

Cearaacute O movimento chega a controlar o governo durante dois meses Alguns de

seus liacutederes inclusive padres foram fuzilados Alencar consegue o perdatildeo

(CARVALHO 2002)

Com a abdicaccedilatildeo havendo o Senador pelo Cearaacute Joatildeo Carlos Augusto de

Oeynhausen e Gravenburg marquecircs de Aracati acompanhado D Pedro I em sua

volta a Portugal declara o senado a vacacircncia de sua cadeira O nome de Joseacute

Martiniano o pai eacute indicado em lista triacuteplice entregue a apreciaccedilatildeo da Regecircncia-

6 Um padre longe da igreja Menezes (1965) cita em nota que natildeo foram encontrados os registros de

Alencar na arquidiocese de Fortaleza 7 O pai de Alencar poliacutetico ativo e um dos participantes do movimento republicano proclamado no

Cearaacute em 1817 jaacute forneceria uma sedutora monografia Preferimos aqui em funccedilatildeo da metodologia exigida e dos limites da pesquisa buscar uma anaacutelise coerente apesar de firmada em caminhos mais sinteacuteticos

trina Aprovado toma posse em 02 de Maio de 1832 A vida na corte do Rio de

Janeiro o esperava mas natildeo por muito tempo Em 23 de agosto de 1834 eacute nomeado

presidente da proviacutencia do Cearaacute e retorna agrave terra natal com a famiacutelia Passados

alguns anos de uma administraccedilatildeo exemplar com a renuacutencia do Regente Feijoacute ndash

com quem mantinha agora relaccedilotildees proacuteximas - foi exonerado do cargo Alencar e

Feijoacute desde o golpe de estado de 1832 em que se reuniam nas sessotildees do Partido

Moderado jaacute admitiam certa cumplicidade de ideias

A famiacutelia deixa o Cearaacute e ruma novamente agrave corte em meados de 1838 onde o

Alencar reassume sua cadeira no senado O pequeno Joseacute de Alencar entatildeo com

11 anos passa a frequentar o coleacutegio elementar

O pai de Joseacute de Alencar o senador Joseacute Martiniano de Alencar eacute figura chave no

processo de maioridade de D Pedro II Enquanto orador oficial do Senado faz um

discurso durante a coroaccedilatildeo e sagraccedilatildeo do imperador no Paccedilo da cidade clamando

ao povo e a divina providecircncia para que iluminem o futuro monarca (SCHWARCZ

1998) Com a posse de D Pedro II eacute nomeado logo a seguir presidente do Cearaacute

Toma a administraccedilatildeo da proviacutencia por alguns meses mas depois de enfrentar

algumas revoltas populares deixa o governo e retorna agrave Corte em 1841 Neste

ponto o senador Alencar - agora cooptado pelo Estado - provavelmente jaacute estava

bem distante das ideias que proclamava nos movimentos revolucionaacuterios

Joseacute de Alencar o filho tem no Cearaacute - donde passa a infacircncia nessas idas e

vindas - a vida tranquila do interior Ali encontra as imagens que o seguiram pela

vida inteira e ajudaratildeo a criar as representaccedilotildees para uma naccedilatildeo nova esplecircndida

como tudo o mais que havia a sua volta naquele momento

Alencar desembarca em Satildeo Paulo em maio de 1843 ldquoUm mirrado rapazola de

catorze anos Vem completar os exames preparatoacuteriosrdquo (MENEZES 1965 p49) A

falta de livrarias e gabinetes de leitura e a dificuldade de comunicaccedilotildees com a

Europa torna o acesso aos livros uma dificuldade jaacute naquela eacutepoca Os livreiros em

sua maioria se estabelecem no Rio de Janeiro e vendem majoritariamente tiacutetulos

em inglecircs ndash visto a quantidade de residentes ingleses - e francecircs e alguns romances

adaptados e traduzidos mas ainda pouco material (RENAULT 1976)

Alencar eacute uma figura que passaria despercebida em qualquer local Alto magro

moreno de oacuteculos De jeito acanhado ateacute mesmo silencioso Natildeo frequentava as

tabernas ou salotildees o que produzia certo estranhamento natildeo soacute dos colegas da

repuacuteblica mas nos estudantes em geral Durante o Impeacuterio como os cursos

regulares de medicina direito e engenharia ainda natildeo se proliferassem no periacuteodo

tais escolas natildeo se configuravam apenas como um centro de produccedilatildeo de uma

cultura intelectual no Brasil Eram antes espaccedilos para uma consolidaccedilatildeo do poder

nas matildeos de uma elite citadina que comeccedilava a se sobressair (COSTA 1999) A

frequentaccedilatildeo agraves escolas de Direito era a antessala necessaacuteria ao jovem que

buscava a ocupaccedilatildeo em algum cargo puacuteblico A criaccedilatildeo de cursos de niacutevel superior

tambeacutem busca a criaccedilatildeo de um funcionalismo que possa assumir os cargos da

burocracia do Estado Tambeacutem uma parte da formaccedilatildeo da Corte e uma carreira

possiacutevel dentro de um escasso mercado de trabalho

Durante o periacuteodo do curso os estudantes bagunccedilavam a cidade promovendo

reuniotildees serenatas e bebedeiras num tributo a Lord Byron8 em noitadas

ldquosatanistasrdquo Quando Alencar se transfere para Satildeo Paulo esse Byronismo estaacute na

moda (MENEZES 1977 p 50) os estudantes saem pelas ruas blasfemando contra

a vida e o amor de ldquocapa e cabeleirardquo 9 virando a vida de pernas para o ar Alencar

nunca foi dado a esses arroubos da juventude preferindo levar uma vida mais

absorta em seus pensamentos

Em 1846 Alencar se matricula na Academia Ali tem suas primeiras experiecircncias

jornaliacutestico-literaacuterias onde funda junto a alguns colegas primeiranistas a revista

semanal Ensaios Literaacuterios Em comeccedilos de 48 depois de tirar feacuterias em Fortaleza e

no siacutetio Messejana embarca para a cidade de Olinda onde se matricula no 3ordm ano

do curso Juriacutedico A companhia de Alencar ali satildeo os passeios pelas ruas solitaacuterias e

a biblioteca do mosteiro de Satildeo Bento onde funcionava o curso e aonde tem

acesso a exemplares dos cronistas coloniais Natildeo fica ali por muito tempo voltando

8 Poeta romacircntico inglecircs que veio a morrer na primeira metade do seacutec XIX 9 A expressatildeo recolhida por Menezes de um comentaacuterio de Brito Broca estaacute indefinida Parece

remeter aos juristas ingleses e americanos ndash modelos para esta juventude da elite da corte portanto ndash de usarem perucas como um siacutembolo de poder Renault (1976) indica ndash a partir de uma fonte de 1816 - que cada profissatildeo recorre a determinado tipo de cabeleira como forma de distinccedilatildeo

posteriormente para Satildeo Paulo Alencar comeccedila jaacute a sentir os primeiros sintomas da

doenccedila que o acompanharia ateacute o fim da vida e o clima do Nordeste possivelmente

seria um alivio para a tuberculose

Por fim consegue se formar em Direito em 1849 (na turma de 50) na Faculdade de

Direito do Largo de Satildeo Francisco Satildeo Paulo eacute uma ldquocidadezinha de terceira ordem

tristonha e brumosa natildeo possui cerca de 12 a 14 mil almas se tantordquo (MENEZES

1965 p 60) O espaccedilo eacute dividido entre os estudantes grupo entatildeo numerosiacutessimo

ldquoe o restordquo como diziam Meretrizes gente pobre nos corticcedilos alguns emigrantes

que vinham tentar a vida fora do campo e artistas mambembes que buscavam levar

alegria para ali Carvalho (2007) sustenta que a escolha por Satildeo Paulo e Olinda para

o estabelecimento dos cursos de Direito foi uma maneira de unificar os laccedilos entre

as elites dispersas pelas vaacuterias regiotildees para posteriormente associa-las a Corte

Alencar natildeo foge a regra e muda-se para o Rio de Janeiro cidade mais promissora

economicamente onde comeccedila a trabalhar como praticante no escritoacuterio de

advocacia do Dr Caetano Alberto Soares um dos mais procurados chegando a

representar em certas ocasiotildees a Casa Imperial Alencar trabalha ali por quatro

anos onde se inicia nos estudos mais aacuteridos do Direito mas natildeo esquece o

jornalismo

12 VIDA NA CORTE

Em 09 de agosto de 1853 Alencar comeccedila a trabalhar a convite de um amigo na

redaccedilatildeo do jornal Correio Mercantil - chamado ldquoo grande jornal das ideias liberaisrdquo -

com a obrigaccedilatildeo de promover mudanccedilas em sua estrutura que viessem a tornaacute-lo

um pouco mais popular Era tido como um abrigo dos letrados e o mais importante

dos diaacuterios da Corte a eacutepoca Ateacute 1852 o Correio Mercantil era um dos jornais

cariocas com eventual tiragem em francecircs (MENEZES 1965) Alencar passaraacute a

analisar os acontecimentos da semana no rodapeacute da primeira paacutegina da revista

hebdomadaacuteria ldquoPaacutegina Menorrdquo publicada sempre aos domingos No seacuteculo XIX tais

revistas - em formato de folhetins - jaacute satildeo comuns na imprensa nacional

O trabalho de Alencar era reunir diversos assuntos com uma escrita leve e que

chamasse a atenccedilatildeo do puacuteblico Agora mesmo avesso a festas e salotildees de baile -

como o do Cassino Fluminense famoso ponto de encontro onde fluiacuteam amizades e

intrigas liberais e conservadores conversavam serenamente com seu jeito sisudo o

jovem e acanhado jornalista comeccedila a frequentar a sociedade a procura de ideias e

tambeacutem de amigos

Alencar sabia como bom jornalista que por vezes seria preciso natildeo soacute relatar os

fatos mas tambeacutem criaacute-los eacute o caso do desfile de carnaval Desde 1854 a poliacutecia

proiacutebe a praacutetica do entrudo10 no carnaval Em 1855 um grupo de foliotildees animados

por jornalistas do Correio Mercantil em sua maioria resolve por na rua um carnaval

diferente com desfile de banda de muacutesica carros alegoacutericos e cavaleiros nos

moldes do carnaval de Veneza A moda de oacuteperas italianas pelos teatros da cidade

faz com que o estranhamento seja menor pela populaccedilatildeo jaacute familiarizada com os

tipos da comeacutedia italiana como arlequins e colombinas Alencar acompanhando o

entatildeo coronel Polidoro da Fonseca11 e Muniz Barreto proprietaacuterio do Correio

Mercantil vai ao Paccedilo da Quinta da Boa Vista convidar a famiacutelia imperial para o

desfile que viria a passar tambeacutem no Largo do Paccedilo Seria o primeiro destes

desfiles a se apresentar no Rio de Janeiro O imperador comparece e aprecia o

espetaacuteculo D Pedro II poucos anos mais velho que Alencar reconhece naquele

ldquofilho de padrerdquo um pouco da convicccedilatildeo e do ativismo do velho senador Alencar

Poreacutem o fato de Alencar assumir-se ldquoa favor do impeacuteriordquo natildeo quer dizer que morria

de amores por D Pedro II

Em 1855 devido a alguns desentendimentos com a direccedilatildeo do jornal abandona o

Correio Mercantil e sua coluna ldquoAo correr da penardquo que eacute um sucesso na eacutepoca

voltando a militar na advocacia por algum tempo Em outubro do mesmo ano

assume os cargos de gerente e redator-chefe do Diaacuterio do Rio de Janeiro com a

10 O entrudo era uma festa popular oriunda de Portugal Significa literalmente ldquointroduccedilatildeordquo e remonta antigas praacuteticas pagatildes Carnaval de rua que desde os tempos da colocircnia vem sendo proibido pelas autoridades constituiacutedas devido aos constantes excessos do povo Ver por exemplo DAMATTA Roberto Carnavais malandros e heroacuteis Para uma sociologia do dilema brasileiro Rio de Janeiro Rocco 1997 11 Os ldquoFonsecardquo eram uma famiacutelia aleacutem de influente vasta nos quadros do exeacutercito Podemos citar desde alguns heroacuteis da guerra do Paraguai ateacute o grupo que sustenta Deodoro na proclamaccedilatildeo da repuacuteblica Ver para um melhor esclarecimento nota em CARVALHO Joseacute Murilo de A formaccedilatildeo das almas o imaginaacuterio da repuacuteblica no Brasil Satildeo Paulo companhia das letras 1990 p 144

tarefa de reerguer o entatildeo decadente jornal (o primeiro jornal diaacuterio surgido no Rio

de Janeiro12) alavancando suas vendas Jaacute era naquele momento um jornalista com

certo renome e seus textos sugerem influecircncias de autores europeus O modelo

civilizacional francecircs - e isto de comum acordo com a grande maioria dos bachareacuteis

que frequentavam a corte - eram de seu agrado e como muitos outros redatores do

periacuteodo foi dele tambeacutem um divulgador Eacute o ldquoafrancesamentordquo da sociedade

carioca que se manifestava tambeacutem no uso da linguagem pelos jornais Alencar eacute

grande apreciador de Lamartine e leitor de Balzac e Voltaire desde os tempos da

academia em que passava as tardes junto ao dicionaacuterio de francecircs

Nos fins de 1854 vem ao Rio de Janeiro em feacuterias das funccedilotildees de cocircnsul geral na

regiatildeo da Sardenha na atual Itaacutelia o poeta Domingos Joseacute Gonccedilalves de

Magalhatildees - futuro visconde de Araguaia Traz consigo os originais do poema ldquoA

confederaccedilatildeo dos Tamoiosrdquo obra que dizia ele revolucionaria as letras nacionais

Grande amigo de D Pedro II este manda imprimir uma ediccedilatildeo do poema na

conhecida tipografia de Paula Brito13 em rica encadernaccedilatildeo o que jaacute era um motivo

para que o proclamado poema fosse lido O assunto gira em torna das lutas dos

Tamoios com portugueses em meados do seacuteculo XVI no litoral fluminense e paulista

exaltando o quanto podia as figuras histoacutericas do periacuteodo As criacuteticas foram

unacircnimes o poema era ndash segundo comentadores do periacuteodo como Alexandre

Herculano e Gonccedilalves Dias ndash uma grande decepccedilatildeo Alencar oculto pelo

pseudocircnimo Ig14 investe criticamente sobre o poema classificando-o de mediacuteocre

em uma seacuterie de oito cartas publicadas em sua coluna no Jornal Seria este o

primeiro debate substancioso sobre literatura travado no Brasil e de certa forma a

primeira querela envolvendo o artista e o imperador

12 Interessante lembrar que o Diaacuterio do Rio de Janeiro chega a ser apontado como subversivo por

Joseacute Bonifaacutecio que manda averiguar o teor do ldquoescritos incendiaacuteriosrdquo ali publicados em 1822(COSTA 1999 p71) No Diaacuterio seriam publicados artigos contraacuterios agrave monarquia constitucional Alencar era assumidamente um conservador 13 Paula Brito eacute editor e dono de tipografia um conhecido ponto de encontro de intelectuais e poliacuteticos do periacuteodo Mulato de origem pobre assim como Machado de Assis eacute mais um indicativo de que nas letras nacionais a poliacutetica de segmentaccedilatildeo racial era mais amena 14 Menezes comenta em uma nota que tendo o Imperador esquecido de convidar o Alencar para a leitura da ldquoConfederaccedilatildeo dos Tamoiosrdquo em seccedilatildeo no gabinete imperial este viria a se tornar um criacutetico ferrenho de Magalhatildees Nos parece um reducionismo a implicacircncia do Alencar natildeo chega a tanto e sua capacidade como escritor e poliacutetico mostra bem sua capacidade

A carta aberta eacute comum na imprensa do periacuteodo Um comentador coloca suas

opiniotildees de maneira direta e soacutebria com o intuito de publicitar um assunto Um

debate aberto por vezes uma provocaccedilatildeo E o direito de resposta era concedido

prontamente O assunto se tornado interessante era esperado pelos leitores

A maior parte das criacuteticas se refere agrave gramaacutetica e a metrificaccedilatildeo O poeta Arauacutejo

Porto-Alegre cognominado ldquoO amigo do poetardquo sai em defesa de Magalhatildees

Alencar rebate e a esta altura Ig natildeo seria mais um desconhecido Porto-Alegre

chega a transparecer que a peleja do Alencar natildeo seria contra o preterido poeta

mas um ataque indireto ao seu protetor D Pedro II Alguns outros aparecem pelas

paacuteginas do jornal apoiando tropegamente poema e poeta Alencar segue firme e o

imperador assume a pena sob o codinome de ldquoOutro amigo do poetardquo Escreve seis

artigos que Alencar responde com airosidade O imperador pede a opiniatildeo favoraacutevel

de alguns amigos sobre o poema mas nem as criacuteticas encaminhadas por Gonccedilalves

Dias e Alexandre Herculano conseguem convencer D Pedro II do contraacuterio que

Magalhatildees natildeo era tatildeo bom assim Torna-se entatildeo uma guerra puacuteblica de teimosos

Alencar no mesmo ano reuacutene em livro as cartas publicadas sobre A confederaccedilatildeo

dos tamoios No ano seguinte Magalhatildees publica uma segunda ediccedilatildeo do poema

que D Pedro II promove agora chegando a pagar a publicaccedilatildeo de duas traduccedilotildees

para o idioma italiano da obra O imperador incentiva a pesquisa e publicitaccedilatildeo de

trabalhos que enfatizam essa mitologia romacircntica do indigeniacutesmo mas natildeo significa

que esteja preocupado com a esteacutetica literaacuteria Suas razotildees estatildeo mais proacuteximas do

campo poliacutetico como tambeacutem o seria com sua relaccedilatildeo com o instituto histoacuterico e

geograacutefico ao qual era o maior patrocinador Era o momento de solidificar os

siacutembolos da nova naccedilatildeo e o indigeniacutesmo aleacutem de tudo se caracteriza por ser um

movimento antilusitano (ROMANCINI 2007)

Sobre o texto de Magalhatildees o puacuteblico aparentemente se cansa da peleja e Alencar

como redator do jornal precisa procurar mateacuteria mais interessante e a contenda se

dissipa no tempo Mas esta seria a primeira de uma seacuterie de desavenccedilas

envolvendo o Imperador e Alencar

Em dezembro de 1856 Alencar termina seu primeiro livro distribuiacutedo para os leitores

do Diaacuterio do Rio de Janeiro como um presente no Natal No ano seguinte publica o

primeiro folhetim15 de O guarani no Diaacuterio e depois em livro organizado em quatro

volumes e os primeiros capiacutetulos de A viuvinha em folhetim O sucesso de O

guarani eacute tamanho que vaacuterias portas satildeo abertas para o escritor Eacute neste ano que

Alencar ingressa no teatro com sua peccedila ldquoO Rio de Janeiro verso e reversordquo em

novembro estreia com ldquoO democircnio familiarrdquo e ainda em dezembro do mesmo ano a

comeacutedia ldquoO creacuteditordquo A sociedade apresentada nos palcos do Rio de Janeiro para

Alencar natildeo seria aquela que ele via nas ruas Seu modelo era a ldquosociedaderdquo

francesa Comenta assim em uma crocircnica

(hellip) a verdadeira comeacutedia a reproduccedilatildeo exata e natural dos costumes de uma eacutepoca a vida em accedilatildeo natildeo existe no teatro brasileiro Natildeo achando pois em nossa literatura um modelo fui buscaacute-lo no paiacutes mais adiantado em civilizaccedilatildeo e cujo espiacuterito tanto se harmoniza com a sociedade brasileira na Franccedila Fui feliz o puacuteblico ilustrado foi mais beneacutevolo do que eu esperava e merecia O Democircnio Familiar escrito conforme a escola de Dumas Filho sem lances cediccedilos sem gritos sem pretensatildeo teatral agradourdquo (MENEZES 1977 p 135)

No exposto entendemos que Alencar buscava um modelo ldquomelhorrdquo segundo ele

para a sociedade carioca O modelo francecircs de certa forma jaacute impregnado na

sociedade da Corte eacute agora validado pela arte e aplaudido pelo grupo Tal modelo

como afirma natildeo estava na literatura dramaacutetica nacional A vida em accedilatildeo natildeo existe

no teatro A questatildeo eacute qual seria essa vida que Alencar buscava A das ruas

imundas do Rio de Janeiro dos escravos que recolhiam os dejetos na cidade da

incipiente induacutestria nacional Certamente natildeo

A peccedila de maior aceitaccedilatildeo puacuteblica eacute ldquoO democircnio familiarrdquo e a mais divulgada de

suas comeacutedias Machado de Assis em um artigo qualifica a peccedila ldquoO democircnio

familiarrdquo como um retrato da famiacutelia brasileira no periacuteodo com sua caracteriacutestica ndash

segundo ele ndash paz domeacutestica O texto circula tambeacutem em versatildeo impressa com uma

dedicatoacuteria agrave imperatriz D Teresa Cristina o que chega a ser considerado uma gafe

de Alencar sendo a personagem principal o referido democircnio familiar um moleque

chamado Pedro assim como D Pedro II (e tambeacutem D Pedro I ) Na estreia do

espetaacuteculo no Teatro do Ginaacutesio comparecem D Teresa e D Pedro II que chega a

se irritar com os olhares maliciosos e risadas do puacuteblico a cada travessura do

15

Alencar estava - de certa forma - na vanguarda da miacutedia O folhetim foi uma invenccedilatildeo de Gustave

Planche no dececircnio de 1820 na Franccedila introduzindo uma forma diferenciada agrave narrativa do romance Era um modelo que agradou e ajudou a construir popularidade para Alencar Ver CAcircNDIDO Antocircnio Literatura e Sociedade 9ordf Ed Rio de Janeiro Ouro sobre Azul 2006 p 43

escravo no palco Segundo esse autor se origina daiacute e natildeo do episoacutedio da

Confederaccedilatildeo dos Tamoios as diferenccedilas entre o imperador e Alencar De qualquer

forma natildeo se pode deixar de ver Joseacute de Alencar como um implicante

Em 30 de maio de 1858 no teatro do Ginaacutesio Dramaacutetico estreia a comedia ldquoAs asas

de um anjordquo Depois da terceira apresentaccedilatildeo puacuteblica o texto eacute proibido pelo chefe

de poliacutecia Alencar vem a puacuteblico atraveacutes do Diaacuterio questionar a arbitrariedade e

apresentar sua defesa Questiona como um espetaacuteculo aprovado anteriormente pela

censura (apresenta-las anteriormente aos censores era o procedimento padratildeo)

poderia ser logo depois proibido Diz o autor ter se baseado em uma peccedila de

Alexandre Dumaacutes Filho sobre uma prostituta jaacute tendo sido o espetaacuteculo

apresentado no mesmo teatro semanas a fio sendo assim bem conhecida do

puacuteblico Apresenta ali seus argumentos e motivos repetindo que natildeo entende como

um texto que ele mesmo admite eacute adaptado de um romance europeu ndash a dama das

cameacutelias - que apresenta jaacute a eacutepoca relativo sucesso de puacuteblico no teatro pocircde ser

censurado Eacute ali que Alencar entende da pior maneira que a sociedade carioca de

entatildeo natildeo aceita ser confrontada com uma caracterizaccedilatildeo tatildeo realista de seus

costumes Havia assuntos ainda difiacuteceis de discutir Eacute interessante nos determos um

pouco aqui para analisar o confronto do autor com a censura Alencar se sente

intimamente ofendido com a proibiccedilatildeo e parte para sua defesa puacuteblica fazendo o

que sabe fazer mobilizar a opiniatildeo puacuteblica atraveacutes do jornal

Em 28 de junho de 1858 Alencar puacuteblica no Diaacuterio do Rio de Janeiro um artigo que

viria a ser uma espeacutecie de ldquodireito de defesardquo a censura do espetaacuteculo16 Eacute

interessante no sentido de que podemos ter uma visatildeo ampla da censura praticada

pelas instituiccedilotildees puacuteblicas no periacuteodo imperial Eacute ndash inicia a carta indicando ndash o seu

direito e dever como escritor Alencar se diz indiferente a ldquopuniccedilatildeordquo e explica que tal

somente serviraacute para ldquoexcitar a curiosidade puacuteblicardquo por isso vem a puacuteblico

defender-se apenas por que se diz um defensor da moral e natildeo quer manchar sua

imagem aceitando passivamente a (afirma) injusticcedila Natildeo pretende fugir a puniccedilatildeo e

afirma que ldquose quiser dar-lhe maior publicidade tenho ainda um meio a imprensa

16

Artigo transcrito na seccedilatildeo ldquoensaios literaacuteriosrdquo em ALENCAR Joseacute de Teatro completo Rio de

Janeiro Serviccedilo Nacional de Teatro 1977 As referecircncias entre aspas satildeo todas do artigo

que natildeo estaacute sujeita agrave censura policialrdquo A peccedila conta havia sido liberada por meio

de despacho especiacutefico pela poliacutecia em 25 de maio e pelo Conservatoacuterio Dramaacutetico

ainda em janeiro o que jaacute indica uma contradiccedilatildeo Dentre as causas estipuladas

pela lei para a proibiccedilatildeo de espetaacuteculo teatral estavam o ataque agraves autoridades

constituiacutedas o desrespeito agrave religiatildeo e a ofensa agrave moral puacuteblica que no entender do

jornalista seria o motivo da proibiccedilatildeo

Alencar afirma ter pensado bastante na reaccedilatildeo que o puacuteblico teria sobre o tema e

afianccedila ter se baseado em obras dramaacuteticas filhas da chamada ldquoescola realistardquo que

vem de Paris e que tecircm sido representadas em nossos teatros sende ele mesmo

um dos espectadores Mas sustenta ldquoesqueci-me que o veacuteu que para certas

pessoas encobre a chaga da sociedade estrangeira rompia-se quando se tratava de

esboccedilar a nossa proacutepria sociedaderdquo (ALENCAR 1977 p 227) Afirma que o puacuteblico

da Corte assistindo a ldquoA dama das Cameacuteliasrdquo ou agraves ldquoMulheres de Maacutermorerdquo cada

um toma Margarida Gauthier e Marce satildeo apenas duas moccedilas um pouco

estravagantes mas quando se transpotildee a questatildeo para o Brasil em As asas de um

anjo o espectador encontra a realidade diante de seus olhos e espanta-se sem

razatildeo de ver no teatro sobre a cena o que vecirc todos os dias na rua e nos passeios

Mas o que seria imoral O que motivaria tal ato da poliacutecia Alencar explica que eacute

imoralidade o ato que a moral reprova Alencar se defende dizendo que sua intenccedilatildeo

era a pretenccedilatildeo de mostrar uma liccedilatildeo para os pais de famiacutelia sobre a necessidade

de cuidarem da educaccedilatildeo moral de seus filhos de constituiacuterem-se enquanto famiacuteias

Sustenta que em sua tese natildeo haacute aiacute uma soacute personagem que natildeo represente uma

ideia social que natildeo tenha uma missatildeo moralizadora Natildeo eacute ele quem nos

apresenta diz eacute a proacutepria sociedade E as instituiccedilotildees puacuteblicas criam um

impedimento para que o grupo possa comfrontar sua realidade eacute mais uma barreira

constriacuteda como podemos observar entre o povo (rebelde inculto imoral) e a elite

que soacute observa isso de sua cadeira ou camarote estando distante de tudo

Alencar se desgosta com aquilo e abandona logo depois o Diaacuterio do Rio de Janeiro

e a dramaturgia (pelo menos por enquanto) voltando a se dedicar ao Direito e a seu

trabalho como advogado no escritoacuterio do Dr Caetano Alberto E agora com clientela

vasta Ao longo do periacuteodo imperial com a estabilidade da economia e um maior

(ainda pouco) desenvolvimentos das cidades aparecem outros caminhos para o

trabalho que natildeo somente a burocracia mas a grande maioria dos profissionais

liberais natildeo consegue manter-se Apesar do desenvolvimento da advocacia do

magisteacuterio da medicina do jornalismo muitos destes profissionais liberais ndash o caso

de Alencar ndash encampam duas profissotildees ao mesmo tempo como forma de

sobrevivecircncia ou de esperar ser alcanccedilado pelo braccedilo sedutor do emprego puacuteblico

Para Neto (2006) a produccedilatildeo literaacuteria de Alencar natildeo estaacute desvinculada de sua

personalidade um tanto depressiva e afastada da vida noturna da capital lugar

comum para poliacuteticos e jornalistas - vaacuterios deles conhecidos por Alencar que

preferia a tranquilidade de sua propriedade na periferia onde recebia alguns poucos

amigos Ali entre seus livros dedicava-se a leitura de cronistas e historiadores e a

pesquisa sobre a histoacuteria poliacutetica dos seacuteculos XVIII e XIX Tais leituras teriam levado

Alencar a um aprofundamento de sua reflexatildeo criacutetica sobre a realidade brasileira e

os padrotildees de comportamento da sociedade e das instituiccedilotildees que a constituem e

da famiacutelia burguesa em particular

13 MILITAcircNCIA POLIacuteTICA

Em dezembro de 1858 quando Nabuco de Arauacutejo assume o cargo de Ministro e

Secretaacuterio de Estado dos Negoacutecios da Justiccedila trata logo de promover uma reforma

interna neste e o nome de Alencar eacute lembrado para uma diretoria de Seccedilatildeo na

Secretaria de Estado dos Negoacutecios da Justiccedila Depois de alguns meses no cargo

solicita a um amigo do partido conservador o entatildeo conselheiro Euseacutebio de Queiroz

uma melhoria em seu cargo Em maio de 1859 seu pedido eacute aceito e agora como

consultor recebe o tiacutetulo de conselheiro com seus 30 anos Comeccedila o gosto pela

poliacutetica que estava desde sempre segundo Alencar em sua famiacutelia No mesmo ano

que entra para o ministeacuterio eacute nomeado professor de direito mercantil do Instituto

Mercantil no Rio de Janeiro Ao mesmo tempo publica vaacuterios trabalhos juriacutedicos de

reconhecido valor que alcanccedilam segundas e terceiras ediccedilotildees o que prova que o

texto de Alencar era procurado e lido que conseguiu sucesso como autor ainda em

sua juventude (algo dificilmente alcanccedilado mesmo hoje)

A poliacutetica assim dizia o Alencar era como uma religiatildeo em sua famiacutelia e o desejo

por uma cadeira na Assembleia jaacute eacute latente Mas em sua primeira candidatura em

1856 para uma cadeira de deputado geral pela proviacutencia do Cearaacute na primeira

eleiccedilatildeo por distritos natildeo eacute eleito na ocasiatildeo (ALENCAR 2009) Em 15 de marccedilo de

1860 tem outro desgosto falece o velho senador Alencar seu pai Talvez a uacuteltima

chance de associaccedilatildeo aos quadros do Partido liberal No mecircs seguinte comeccedila

uma correspondecircncia com amigos no Cearaacute jaacute no intuito de buscar uma candidatura

para deputado Em novembro e ainda trajando luto17 embarca para Fortaleza onde

busca amigos e correligionaacuterios para iniciar sua campanha pelo partido conservador

nas periferias da capital cearense Com a quantidade limitada de eleitores pela

legislaccedilatildeo vigente em poucos dias consegue-se conversar com um significativo

percentual de eleitores Apesar de seu pai ser um grande nome do partido liberal e

mesmo Alencar sendo o redator-chefe do Diaacuterio do Rio de Janeiro folha

declaradamente liberal o partido natildeo sugeriu uma filiaccedilatildeo ou a possibilidade de

concorrer a algum cargo puacuteblico fato que seraacute lembrado posteriormente com certa

amargura Talvez com os liberais Alencar pudesse exercitar melhor sua ojeriza por

D Pedro II que jaacute era manifesta a eacutepoca Talvez pelo mesmo motivo o partido natildeo

o desejasse em suas linhas A tatildeo falada homogeneidade de pensamento entre

liberais e conservadores se aplica aqui onde algueacutem que pudesse desagradar o

imperador seria um filho sem pai O que Alencar jaacute sabia era que se natildeo

conseguisse apoio de alguma lideranccedila poliacutetica ndash de um lado ou de outro -

provavelmente natildeo seria eleito Foi o que aconteceu no primeiro pleito Alencar

entatildeo se ldquoapadrinhardquo de Euseacutebio de Queiroz e com o apoio deste e do grupo

conservador eacute eleito para a Cacircmara em 1861

Os principais partidos do periacuteodo o liberal e o conservador apresentavam algumas

diferenccedilas importantes O professor Bonavides consegue uma caracterizaccedilatildeo

abrangente para o periacuteodo de nosso recorte

17 O traje de luto para meados do seacuteculo XIX era conservado por um tempo relativamente grande

quando se tratava de um familiar proacuteximo Poreacutem pode ter funcionado como uma ferramenta

importante na construccedilatildeo de um personagem para sua campanha poliacutetica Ele eacute praticamente um

desconhecido no Cearaacute Eacute preciso mostrar-se como cristatildeo bom filho etc

Os liberais do Impeacuterio exprimiam na sociedade do tempo os interesses urbanos da burguesia comercial o idealismo dos bachareacuteis o reformismo progressista das classes sem compromissos diretos com a escravidatildeo e o feudo

Os conservadores pelo contraacuterio formava o partido da ordem o nuacutecleo das elites satisfeitas e reacionaacuterias a fortaleza dos grupos econocircmicos mais poderosos da eacutepoca os da lavoura e pecuaacuteria compreendendo plantadores de cana-de-accediluacutecar cafeicultores e criadores de gado (BONAVIDES 2000 p491)

Tambeacutem Ilmar Mattos (1987) afirma que a diferenccedila entre ldquoLuzias e Saquaremasrdquo jaacute

estava demarcada desde as revoltas liberais do periacuteodo regencial Poreacutem como os

partidos poliacuteticos ainda natildeo havia desenvolvido suficiente forccedila enquanto instituiccedilatildeo

e ainda natildeo haviam desenvolvido sua configuraccedilatildeo atual geralmente os interesses

pessoais (e as ideias) determinavam as accedilotildees dos poliacuteticos Joseacute Murillo de

Carvalho (2007) sustenta a posiccedilatildeo dos magistrados tipicamente centrados no

partido conservador tanto quanto o clero no partido liberal tendo o grupo dos

militares preferido manter certa neutralidade e por fim um ldquogrupo ascendente de

profissionais liberais formando a ala ideoloacutegica do Partido Liberal e o nuacutecleo do

Partido Republicano do Rio de Janeirordquo (CARVALHO 2007 p 225) Nas cartas

Alencar sustenta que ldquoera do comeacutercio portuguecircs e aderecircncias que o partido

conservador tirava principalmente sua forccedila e os recursos com que sustentava a

lutardquo e mais adiante afirma que ldquoo partido conservador servia-se da induacutestria para

subir ()rdquo (ALENCAR 2011 p63) Em sua quase totalidade estes homens eram

representantes de uma sociedade patriarcal europeizada escravagista e machista

Tais homens partilhavam desse universo cultural que inclusive os caracterizava

independente do partido a que estavam filiados E quantas vezes tais interesses natildeo

se confundiam com a vontade do imperador - figura maior que muitos queriam

agradar e poucos tinham coragem de desagradar Bonavides (2000) citando Rui

Barbosa diz que os dois partidos na praacutetica se resumiriam em um soacute o partido do

poder Faoro (2004) tambeacutem sustenta que no segundo reinado a partir de 1836 a

histoacuteria poliacutetica brasileira se resumiria aos dois grandes partidos o liberal e o

conservador A conciliaccedilatildeo foi algo como uma orientaccedilatildeo um acordo intrapartidaacuterio

ou mesmo uma coligaccedilatildeo e natildeo outro partido A liga que eacute tida como a associaccedilatildeo

geradora do partido progressista foi uma organizaccedilatildeo primaacuteria dessa lideranccedila que

tem seu teacutermino com a deposiccedilatildeo de Zacarias de Goacuteis em 1868 tendo seus filiados

se rearranjado entre liberais e conservadores As discussotildees entre as diferenccedilas

ideoloacutegicas dentro dos partidos excedem a pretensatildeo deste trabalho O que

modestamente se sustenta aqui eacute que a filiaccedilatildeo partidaacuteria se dava a princiacutepio natildeo

como resultado de um aceite pelo ator poliacutetico da base ideoloacutegica do partido ndash se eacute

que houvesse uma O partido conservador por exemplo nunca chegou a escrever

um manifesto ou coisa que o valha ndash mas a suas necessidades pessoais suas

pretensotildees sociais e para seu favorecimento econocircmico Para efeito geral

acompanharemos a anaacutelise de Carvalho

A complexidade dos partidos se refletia naturalmente na ideologia e no comportamento poliacutetico de seus membros dando agraves vezes ao observador desatento a impressatildeo de ausecircncia de distinccedilatildeo entre eles Um exame embora sumaacuterio de alguns problemas cruciais enfrentados pelos poliacuteticos do Impeacuterio pode no entanto mostrar tanto as divergecircncias interpartidaacuterias como intrapartidaacuterias (CARVALHO 2007 p 219)

Em Janeiro ao se realizarem as eleiccedilotildees secundaacuterias Joseacute Martiniano de Alencar

Filho eacute eleito pelo 1ordm distrito (tendo segundo um comentaacuterio seu obtido tambeacutem 30

votos dos cerca de 220 eleitores liberais) no Cearaacute junto a outros seis candidatos de

seu partido Em 23 de maio inicia seus trabalhos na corte O cargo de deputado eacute

um importante comeccedilo para a vida puacuteblica

Apesar de eleitos por um periacuteodo de quatro anos frequentemente conseguiam ser reeleitos para vaacuterias legislaturas ou detinham importantes cargos administrativos Muitos encontraram na Cacircmara um caminho faacutecil para o Senado e o Conselho de Estado Assim como os conselheiros de Estado e os senadores os deputados pertenciam a uma rede poliacutetica de clientela e patronagem que utilizavam tanto em seu proacuteprio benefiacutecio quanto no de seus amigos e protegidos (COSTA 1999 p 141)

Ainda sobre o assunto uma interessante anotaccedilatildeo de Tavares Bastos em seu diaacuterio

pessoal nos ilustra bem a posiccedilatildeo de ldquoclientelardquo a que os deputados estavam

submetidos Referindo-se ao fim de setembro 1869 comenta sobre uma reuniatildeo dos

senadores liberais autorizando Zacarias de Goacuteis a prosseguir negociaccedilotildees sobre o

orccedilamento com Cotegipe ministro da Marinha Ao redigir a informaccedilatildeo refere-se

aos senadores que compotildee uma fraccedilatildeo do partido denominada progressista ndash critica

ou ceticamente - como ldquoos nossos chefesrdquo (ABREU 2007 p122) Disto podemos

deduzir e ainda segundo o depoimento de Costa que Alencar tambeacutem natildeo eacute

nenhum ldquoheroacuteirdquo do Brasil Quer o cargo puacuteblico como uma seguranccedila que garanta

uma rede de relacionamentos necessaacuteria a permanecircncia nesta periferia da elite

com vistas a uma posterior promoccedilatildeo

Quando do iniacutecio dos trabalhos todos os olhares estavam postos sobre Alencar

Romancista e dramaturgo jaacute famoso jornalista respeitado filho de importante

Senador que chegara a orador do Senado na coroaccedilatildeo do Imperador a casa estava

cheia de expectativa para a fala inicial No calor da hora a emoccedilatildeo lhe sobe a

cabeccedila O discurso proferido tatildeo aguardado foi um grande fiasco com momentos

de indecisatildeo e certa disfemia Eacute aos poucos que a palavra lhe vai acontecendo vai

achando seu lugar na tribuna durante o mandato Os argumentos a reacuteplica sempre

pronta o exerciacutecio parlamentar vai construindo o personagem poliacutetico Joseacute de

Alencar que chega a ser um dos mais respeitados oradores da cacircmara A

humilhaccedilatildeo nos primeiros dias arranha um pouco do orgulho e da habitual

arrogacircncia do escritor para depois se constituir em um aprendizado decisivo do

poliacutetico

Em 13 de maio de 1863 eacute dissolvida a Cacircmara Alencar sentindo a doenccedila faz

algumas viagens de repouso fora do Rio de Janeiro De volta agrave Corte passa a morar

na Tijuca e diminui o ritmo da produccedilatildeo literaacuteria atendendo a conselhos meacutedicos Ali

conhece aquele que viria a ser um grande amigo o meacutedico Dr Thomaz Cochrane18

de quem posteriormente toma a filha em casamento Georgiana Augusta Cochrane

Em 1865 nasce seu primeiro filho Augusto

De temperamento arredio dado mesmo a solidatildeo com a dedicaccedilatildeo ao trabalho

redobrada agora pela necessidade de sustentar uma casa natildeo sendo um associado

do Instituto Histoacuterico e Geograacutefico natildeo sendo frequentador assiacuteduo de salotildees ou da

livraria do Paula Brito como outros literatos vai desligar-se ainda das poucas

relaccedilotildees sociais que tem Fecha-se na famiacutelia e para si Eacute o ano em que publica as

primeiras cartas de Erasmo dirigidas ao Imperador

18

Que natildeo eacute o Almirante Cochrane militar contratado por D Pedro I para ldquomassacrarrdquo rebeldes

revolucionaacuterios pelo Brasil afora

Em novembro de 1865 comeccedilam a aparecer nas livrarias do Rio de janeiro uma

seacuterie de ldquocartas abertasrdquo publicadas sempre as terccedilas-feiras endereccediladas ao D

Pedro II e assinadas com o pseudocircnimo de Erasmo mas logo se soube que o autor

era o deputado Alencar A procura pelos folhetins era imensa Havia quem

esperasse a chegada de um vendedor pelas ruas para adquirir seu exemplar19 O

proacuteprio imperador natildeo deixava de estar atento a cada nova carta era como mais um

sucesso literaacuterio Publica tambeacutem em 1866 ldquoOs partidosrdquo em formato de livro mas

discutindo as mesmas questotildees e de forma menos informal

As cartas continham um conjunto de denuncias sobre as irregularidades na poliacutetica e

no procedimento eacutetico dos poliacuteticos Falam do poder moderador da situaccedilatildeo

financeira do paiacutes natildeo haacute assunto que escape ao jornalista Posteriormente

endereccedila outra carta esta ao Visconde de Itaboraiacute ex-Ministro dos Negoacutecios e da

Fazenda uma carta sobre a crise financeira em que tece vaacuterios elogios a este e

mais uma endereccedilada ao Marquecircs de Olinda De julho a agosto publica uma seacuterie

de cartas ao povo20 Alencar se coloca sempre e antes como um pensador da

poliacutetica Algueacutem que observa e indica um caminho para a naccedilatildeo e sua condiccedilatildeo de

jornalista eacute decisiva passa isso Deve-se ter em conta que um pensador poliacutetico eacute

algueacutem que observa contextos comportamentos e instituiccedilotildees e a partir de disputas

retoacutericas em torno de tais conceitos e que busca criticar o poder instituiacutedo e as

justificativas que este toma para continuar no poder

Alguns fatos satildeo modelares para mostrar o desinteresse de Alencar pela sua

valorizaccedilatildeo enquanto uma personagem social preferindo ser identificado enquanto

escritor Prefere as letras e a tranquilidade de seu recanto agrave vida social que poderia

ter na Corte Um exemplo disto eacute o episoacutedio da condecoraccedilatildeo Em 1867 o Alencar

por decreto imperial eacute agraciado com o oficialato da Ordem da Rosa pelos

relevantes serviccedilos prestados agraves letras no paiacutes Um agrado da parte de D Pedro II

feito sem que houvesse uma solicitaccedilatildeo ou concurso A poliacutetica de condecoraccedilotildees eacute

19 Eacute o depoimento de Barros Pimentel que demonstra como o o folhetim foi um meio importante de

divulgaccedilatildeo no periacuteodo

20 As cartas seratildeo analisadas em capiacutetulo a parte

basicamente a mesma dos tiacutetulos nobiliaacuterquicos brasileiros formas de cooptaccedilatildeo de

elementos da elite para o ldquopartidordquo do Imperador Nos anos finais do impeacuterio D

Pedro II agraciaria vaacuterios fazendeiros com a ordem da Rosa pela iniciativa destes

em libertar seus escravos (NOVAIS 1997) Alencar sem um motivo aparente

recusa a condecoraccedilatildeo publicamente solicitando ao redator do Jornal do Comeacutercio

que publicite sua decisatildeo Eacute mais uma alfinetada em D Pedro II que a princiacutepio

busca trazer Alencar para seu grupo mais proacuteximo A caminhada na carreira poliacutetica

vai se tornando ldquocomplicadardquo com tais atitudes de intransigecircncia pelo menos para

algueacutem dentro do partido conservador que almeja seguir adiante

Em 1868 estaacute agrave frente do governo o gabinete liberal presidido por Zacarias de Goacuteis e

Vasconcelos Por conta de alguns desentendimentos entre Zacarias e o marquecircs de

Caxias jaacute tomado como um heroacutei por sua atuaccedilatildeo na guerra do Paraguai D Pedro

II eacute impelido pela imprensa a tomar algum lado na rinha e cai o gabinete Sobem

entatildeo os conservadores sob a chefia do visconde de Itaboraiacute O nome de Alencar eacute

proposto para o Ministeacuterio da Justiccedila e sob o espanto de muitos aprovado pelo

imperador D Pedro estaria tentando amarrar uma ponta da corda que tinha agraves

matildeos no pescoccedilo do teimoso literato Alencar reluta num primeiro momento mas

depois de seu ego ter sido acariciado por algumas visitas de partidaacuterios como o

baratildeo de Muritiba e o Conselheiro Paulino de Souza - falando em nome do Futuro

presidente do Conselho - resolve por bem aceitar o cargo O ministeacuterio apelidado

ldquogabinete-bombardquo toma posse em 16 de julho Eacute composto por aleacutem da figura do

Presidente do Conselho e Ministro da Fazenda o Visconde de Itaboraiacute Joaquim

Rodrigues Torres Paulino Joseacute Soares de Souza como Ministro do Impeacuterio Joseacute de

Alencar Ministro da Justiccedila Joseacute Maria Paranhos o visconde do Rio Branco

Ministro dos Estrangeiros Joatildeo Mauriacutecio Mariani Wanderley o baratildeo de Cotegipe

Ministro da Marinha Manoel Vieira Tosta o visconde de Muritiba Ministro da Guerra

e Joaquim Antatildeo Fernandes Leatildeo Ministro da Agricultura Comeacutercio e Obras

Puacuteblicas A ascensatildeo dos conservadores eacute um fato consumado Alencar eacute aleacutem de

tudo o ministro mais jovem do gabinete mas aos olhos do Imperador natildeo era um

inexperiente D Pedro II parece natildeo se importar com a presenccedila do autor das

Cartas de Erasmo antes se comporta como um admirador da obra de Alencar

Mudanccedilas haacute mas nem tanto As figuras de Rodrigues Torres e Paulino que ndash

segundo Ilmar Mattos (1987) seriam o braccedilo forte da chamada ldquotrindade saquaremardquo

- por tanto tempo estiveram a frente do poder retornam agora com a

responsabilidade de reorganizar a casa Ao mesmo tempo e ateacute como uma forma

de equiliacutebrio de forccedilas D Pedro II tambeacutem tinha seu jeito de se resguardar das

pressotildees exercidas pelas elites no poder e da influecircncia de seus associados e

apadrinhados Em muitos momentos leva a lideranccedila do gabinete homens sem

propriedades lideres com ascendecircncia humilde portanto natildeo diretamente atrelados

aos interesses de grupos poderosos desatados dos laccedilos familiares ou

ldquopatronagemrdquo com fazendeiros e comerciantes ligados ao traacutefico e a exportaccedilatildeo

como Saraiva Zacarias o Visconde de Ouro Preto o marquecircs de Paranaacute entre

outros Eles que estariam mais proacuteximos ao imperador seriam tambeacutem uma ultima

barreira de contenccedilatildeo dos movimentos em prol da diminuiccedilatildeo dos poderes da

monarquia (COSTA 1999) O movimento republicano soacute toma corpo em 1873 e

adiante mas as rusgas que o poder moderador incita no parlamento jaacute se fazem

presentes Alencar no ministeacuterio trabalha com o afinco que sempre daacute a seus

afazeres Isso natildeo eacute uma novidade No ano de 1868 publica tambeacutem ldquoO systema

representativordquo obra em que discute o processo eleitoral como a base de um

governo representativo Nem seria tambeacutem uma novidade o ministro colecionar

desafetos no periacuteodo em que estaacute no cargo Deputados colegas ministros oficiais

natildeo estatildeo livres do temperamento singular de Alencar

As relaccedilotildees do imperador com seu ministro da justiccedila satildeo cordiais poreacutem

complicadas Alencar reclama que D Pedro II em tudo se intromete ndash mais tarde diraacute

que eacute um haacutebito deste e tambeacutem dos outros ministros ndash nos assuntos do Estado Agraves

vezes como um menino curioso que de tudo quer saber outras vezes como um pai

zeloso que se preocupa com seus filhos sendo ldquomaltratadosrdquo pelo ministro chegado

em alguns casos extremos a lembrar de que ele eacute o imperador e eacute quem manda na

casa (MENESES 1977) Um dos haacutebitos de D Pedro eacute o envio de bilhetes para o

ministro Satildeo comentaacuterios questotildees relevantes (ou natildeo) indiscriccedilotildees e

apontamentos que constantemente acompanham os despachos de Alencar

Algumas vezes se diz preocupado com a imprensa e os assuntos gerais em outras

solicita informaccedilotildees sobre processos de funcionaacuterios puacuteblicos e sobre o andamento

das eleiccedilotildees Alencar natildeo faz por menos redigindo tambeacutem os seus bilhetes em

tom cordial e respeitoso mas sempre como um embate de forccedilas tentando

demarcar seu campo de atuaccedilatildeo ou impor limites ao outro Natildeo eacute esta uma praacutetica

do restante do grupo que na acomodaccedilatildeo burocraacutetica a que o partido conservador

se acostuma acaba deixando reverter uma formula antiga para o imperador que

recostado na condiccedilatildeo que lhe permitia o poder moderador apesar de dizer que

ldquodeixa a maacutequina andarrdquo ainda reina governa e administra (FAORO 2004) A

tambeacutem o fato de que D Pedro II prefere morar no paccedilo de Satildeo Cristoacutevatildeo ao Paccedilo

da cidade e os ministros precisavam cavalgam ateacute laacute duas vezes na semana para

os despachos coisa que Alencar abomina - considera uma perda de tempo - aleacutem

de reclamar das ldquofutilidadesrdquo que satildeo obrigados a discutir no lugar de tomar o tempo

com alguma providecircncia importante para o paiacutes como os rumos da Guerra do

Paraguai

Certa feita o imperador encaminha preocupado um bilhete pedindo esclarecimentos

de notiacutecias vinculadas nos jornais sobre o recrutamento de (in)voluntaacuterios para a

guerra do Paraguai pelo paiacutes afora A prisatildeo para recrutamento era uma realidade e

por vezes usada como uma forma do partido da situaccedilatildeo ldquodesaparecerrdquo com

elementos da oposiccedilatildeo Com tal pretexto satildeo escolhidos no periacuteodo

propositalmente os indiviacuteduos simpatizantes do partido liberal Alencar dias depois

encaminha circular tentando normalizar as coisas e coibir abusos por parte dos

presidentes das proviacutencias e autoridades policiais que usavam de tal artifiacutecio para

uma ldquofaxinardquo poliacutetica no eleitorado As preocupaccedilotildees do imperador se

fundamentavam nestas accedilotildees correntes como bem sugeria em outro bilhete onde

dizia ldquo() eu sei infelizmente o que satildeo as eleiccedilotildees entre noacutesrdquo buscando sempre

providencias para que houvesse alguma melhora dentro do possiacutevel e tambeacutem

buscando ldquo(hellip) inteira liberdade de voto conforme nossos maus haacutebitos o permitem

por hora mas dando a autoridade o bom exemplordquo (MENEZES 1965 p133) Mas o

imperador natildeo desconhecia que as eleiccedilotildees pouco refletem a vontade do povo

oprimido do interior que ainda eacute refeacutem do poder poliacutetico local nas matildeos dos

senhores de terras no interior ndash em sua maioria apoiados pelo partido liberal

(CARVALHO 2007) A praacutetica do voto jaacute previamente indicado com a ceacutedula ldquochapa

de caixatildeordquo21 ainda garantia o patildeo para o sustento das famiacutelias (FAORO 2004)

Vaacuterias mudanccedilas satildeo tentadas no decorrer dos anos com pouco resultado mesmo

uma draacutestica mudanccedila nas regras eleitorais ndash como o foi o caso do gabinete da

conciliaccedilatildeo (1853-57) com o marquecircs de Paranaacute em que foram vetadas as

participaccedilotildees de vaacuterios elementos representantes da poliacutecia justiccedila e da

administraccedilatildeo puacuteblica ndash sempre entrevia um espaccedilo para burlar-se a lei o que jaacute

vinha se constituindo como parte da ldquoculturardquo poliacutetica nacional

Austero com os deputados distante dos outros ministros longe das recepccedilotildees

oficiais Alencar apesar de extremamente competente assegura seu lugar como o

homem ldquomais chatordquo da Corte Essa visatildeo era compartilhada ateacute entre alguns

colegas ministros como no caso de Cotegipe que natildeo admitia ldquoo artistardquo no meio

das altas relaccedilotildees poliacuteticas E isso debaixo de um ciuacuteme natildeo declarado pelo fato de

D Pedro II insistir em entregar ao ministro da Justiccedila a maior parte das atenccedilotildees

Atenccedilatildeo que o grupo buscava e que Alencar repelia com seu temperamento

complicado Houve ocasiotildees em que descumprindo os deveres dados pelo decoro

impotildee ao imperador a papelada de sua exoneraccedilatildeo em cerimocircnia puacuteblica

conquanto este natildeo assinasse os decretos que Alencar lhe propunha D Pedro II

em seus despachos tinha o haacutebito de natildeo deixar nada sem assinar poreacutem

postergava Dizia sobre o que natildeo lhe conviesse (ou natildeo quisesse) dar

encaminhamento que deixaria ldquopara a proacutexima semanardquo Os outros ministros

conhecendo tal procedimento tido ateacute como educado tratavam de arquivar a

papelada referente Alencar voltava semana apoacutes semana com os mesmos papeacuteis

natildeo se dando por vencido Esticava os braccedilos a exaustatildeo ateacute que o imperador

reconsiderasse seu ato Natildeo eacute de se estranhar que D Pedro torcesse o nariz para

uma candidatura de Joseacute de Alencar para o senado entatildeo um cargo vitaliacutecio

evitando assim ter de aguentar o homem perto de si por tanto tempo

Alencar sente pressotildees de vaacuterias formas por seu mau jeito como articulador poliacutetico

O ldquodedordquo de Cotegipe como ele mesmo chegou a dizer estava em grande parte

daquilo Joatildeo Mauriacutecio Mariani Wanderley o baratildeo de Cotegipe era um homem

21 A ceacutedula era marcada com uma cruz indicando o voto a ser dado Caso a ceacutedula natildeo aparecesse

na urna o candidato ou chefe poliacutetico poderia procurar o eleitor para ldquotomar providecircnciasrdquo

prestigiado que sabia emprestar seu prestiacutegio ao Ministeacuterio Encarregado da

Marinha este tinha a predileccedilatildeo pela Justiccedila o que o fazia criar situaccedilotildees de

constrangimento para Alencar Com a legislaccedilatildeo vigente o impeacuterio estaacute centralizado

na figura do ldquo() Ministro da Justiccedila generaliacutessimo da poliacutecia dando-lhe por

agentes um exeacutercito de funcionaacuterios hieraacuterquicos desde o presidente da proviacutencia e

o chefe de poliacutecia ateacute o inspetor do quarteiratildeordquo (FAORO 2004 p 369) e tambeacutem os

juiacutezes funcionaacuterios puacuteblicos de carreira todos ao alcance do longo braccedilo da

dominaccedilatildeo do Estado Qualquer deslize e Cotegipe fornecia o material aos jornais

sobre o Ministro (e o ministeacuterio) da Justiccedila nas reuniotildees com o imperador fazia valer

seus pontos de vistas sobre a pasta do adversaacuterio Zombava alfinetava enfim

politicava Alencar reclama com o presidente que tenta contornar as coisas e

apresenta um pedido de demissatildeo mas este natildeo eacute aceito Dias depois Fernandes

Leatildeo titular da pasta da agricultura por motivos pessoais tambeacutem pede demissatildeo

Na ocasiatildeo o Alencar reapresenta sua solicitaccedilatildeo Itaboraiacute tenta segurar o gabinete

como pode evitando que este tombe para caacute ou para laacute De olho nesta indecisatildeo a

alta cacircmara aumenta a vigilacircncia satildeo os olhos de Zacarias Saraiva Nabuco Ottoni

Silveira Lobo Monte Alegre Abrantes e Itanhaeacutem que os acompanham Os ataques

ao ministro-escritor continuam dia a dia cada um com o seu motivo cada qual com

o seu aparte e nem todos direcionados agrave boa ou maacute administraccedilatildeo da pasta da

Justiccedila mas ao proacuteprio jeito de ser do Ministro chegando ao ponto de Cotegipe criar

e difundir (a pior parte) um apelido para Alencar que para a infelicidade deste eacute

aceito pelo grupo no ato era ele o ldquopirracentordquo

Mas nem tudo estaacute relacionado com as brigas internas Ainda enquanto ministro da

Justiccedila Alencar visita a regiatildeo do Valongo22 no Rio de Janeiro conhecido como

antigo mercado dos ldquopretos novosrdquo e se aterroriza com a situaccedilatildeo ao mesmo tempo

aviltante e promiacutescua a qual aquelas pessoas estavam expostas Alencar natildeo era

um abolicionista acreditava que a escravidatildeo no Brasil deveria terminar por um

processo lento e que natildeo incorresse em ocircnus para os proprietaacuterios Tinha uma

posiccedilatildeo conservadora mas tambeacutem natildeo era um incentivador do comeacutercio de

escravos Em 15 de setembro de 1869 eacute publicado um decreto seu que proiacutebe a

22

O antigo Valongo (rua Camerino) era um depoacutesito e armazeacutem de escravos que funcionou de 1779 a 1831 No periacuteodo o comeacutercio se transfere para a rua Direita atual 1deg de Marccedilo Os escravos ficavam expostos na rua (RENAULT 1976)

exposiccedilatildeo puacuteblica de escravos no mercado e a sua venda sob a forma de pregatildeo e

eacute aplaudido por grande parte da populaccedilatildeo Por esse tempo (senatildeo mesmo antes) eacute

que comeccedila uma sondagem com seus correligionaacuterios com o intuito de concorrer a

uma vaga no senado Com a morte em 1865 do marquecircs de Abrantes e do

conselheiro Cacircndido Batista de Oliveira senadores pela proviacutencia do Cearaacute a

vacacircncia das cadeiras estimulam a cabeccedila de Alencar a trabalhar com tal

perspectiva Chega a fundar com seu irmatildeo uma folha a ldquoDezesseis de Julhordquo para

divulgar ndash segundo uma carta-circular enviada aos membros do Partido Conservador

- os ldquointeresses do nosso partido e defender a ideia conservadora no Brasilrdquo

(MENEZES 1975 p252) As eleiccedilotildees vatildeo sendo adiadas devido agraves brigas entre

partidos e as denuacutencias constantes de fraude eleitoral E haacute quem diga que a

demora eacute alimentada pelo ministro da Justiccedila jaacute cobiccedilando uma sua cadeira no

Senado

Em junho de 1869 Alencar escreve a Itaboraiacute comentando seu interesse em

concorrer a uma cadeira no senado Explica que jaacute havia submetido agrave questatildeo aos

colegas do gabinete e tinha o apoio destes O caso se daacute quando apresenta a

proposiccedilatildeo ao imperador chegando a solicitar a demissatildeo do cargo de ministro para

que se candidatasse sem nenhum impedimento ou favorecimento que seu cargo

como ministro pudesse criar D Pedro II sugere (pede) que Alencar reavalie a

decisatildeo pois acreditava que sua situaccedilatildeo pudesse influir nos rumos da eleiccedilatildeo

chegando a sugerir que a atitude natildeo seria eacutetica Alencar se rebela e escreve logo a

seguir a Paulino Nogueira no Cearaacute apresentando-se como candidato pela

proviacutencia e eacute aceito Esse incidente revela algo interessante visto que Paulino

Nogueira como todas as lideranccedilas partidaacuterias que Alencar podia alcanccedilar sabiam

dos motivos do desentendimento e da opiniatildeo do Imperador relatada pelo proacuteprio

missivista E Paulino aceita a candidatura Podemos deduzir que as lideranccedilas locais

ainda natildeo estavam dispostas a acatar podas as decisotildees do centralismo do Estado

mesmo que fossem vindas de uma vontade expressa do imperador As resistecircncias

locais ainda estavam vivas e prontas para reclamar seus direitos

A eleiccedilatildeo se realiza em 12 de dezembro e os liberais seguindo orientaccedilotildees do

partido na corte23 natildeo apresentam candidatos Alencar eacute o mais votado em uma lista

secircxtupla tendo no segundo lugar o nome de Domingos Joseacute Jaguaribe O resultado

vai entatildeo para D Pedro II que escolheria entre os mais votados qual deveria ser o

proacuteximo senador Ao saber do resultado tendo em matildeos a lista o Imperador se irrita

e permanece irredutiacutevel em sua opiniatildeo Manda chamar o Alencar para uma

entrevista e pergunta sobre o entendimento que tiveram sobre a eleiccedilatildeo o clima

entre os dois soacute piorava Haacute vaacuterias versotildees sobre o acontecido todas parecidas

mas o fato eacute que Alencar consegue o que quer sua exoneraccedilatildeo Eacute substituiacutedo pelo

presidente da Cacircmara dos Deputados conselheiro Joaquim Otaacutevio Neacutebias Retorna

o Alencar a Cacircmara e agrave redaccedilatildeo do Dezesseis de Julho

No fim de abril comeccedila o cochicho em Satildeo Cristoacutevatildeo sobre a escolha para as duas

vagas de senador pelo Cearaacute Ao fim a doutrina que os conservadores - inclusive o

Alencar - pregam nos jornais eacute seguida pelo imperador de que somente a este

pertence sem audiecircncia de nenhum ministro a escolha dos nomes para o Senado

Em uma passagem das cartas ao Imperador Alencar sugere que ldquoos atos do poder

moderador satildeo de exclusiva competecircncia vossa [do Imperador] para exercecirc-los natildeo

dependeis de agentes e atualmente nem de conselhordquo (ALENCAR 2011 p 81)

No dia 27 por carta imperial satildeo escolhidos os nomes de Domingos Joseacute

Jaguaribe e do conselheiro Joseacute de Melo Alencar nunca se recuperaria de tal golpe

Agora seu caminho na Cacircmara de deputados eacute o da oposiccedilatildeo ao governo

Em maio de 1871 jaacute tomada certa distacircncia a guerra do Paraguai o imperador

solicita a Cacircmara o necessaacuterio consentimento para uma viagem a Europa Alencar

se apressa nos protestos lembrando o dinheiro esbanjado pelo Estado com as

comemoraccedilotildees puacuteblicas pelo fim da guerra Chega a dizer que uma viagem pela

Europa naquele momento seria uma demonstraccedilatildeo de ldquoabsolutismordquo e ao mesmo

tempo uma tentativa de se afastar das discussotildees sobre a questatildeo da matildeo de obra

escrava e o abolicionismo que o fim da guerra do Paraguai tornou mais urgentes e

23 A influencia local na escolha de candidatos para as eleiccedilotildees soacute volta a crescer a partir de 1881

com a Lei Saraiva

que D Pedro II havia se comprometido em buscar uma soluccedilatildeo

Alencar eacute deputado combativo aguerrido mas natildeo logra muitas vitoacuterias Na

imprensa chega a ser acusado de incoerecircncia no confronto do conteuacutedo das cartas

de Erasmo e a sua atual situaccedilatildeo de rompimento com o imperador seus ataques

constantes ao trono e a administraccedilatildeo Da vida poliacutetica ateacute a literatura tudo eacute motivo

para denegrir a imagem do ex-ministro Eacute assim com Zacarias depois com Cotegipe

depois com Rio Branco depois com Silveira Martins As ideias de Alencar sempre

sustentadas por seu conhecimento do Direito (como vimos as proposiccedilotildees mais

carregadas de complexidade como as cartas geralmente vinham acompanhadas de

estudos publicados pelo Alencar) afligiam vaacuterios grupos Natildeo o grande coro dos

homens da assembleia que em muitos ldquovivasrdquo e ldquobravosrdquo sequer ouviam a pauta das

reuniotildees O partido que detinha a maioria dos deputados conseguia aprovar o que

propunha na maior das vezes tendo em suas relaccedilotildees de ldquoapadrinhamentordquo

construiacutedo vaacuterios laccedilos de dependecircncias entre deputados e senadores

(CARVALHO 2007) Mas eram geralmente as lideranccedilas que viam em Alencar um

problema (NETO 2006) Algueacutem que poderia ter forccedilas (e competecircncia) para propor

mudanccedilas dentro da estrutura Gramsci coloca essa questatildeo quando fala da

educaccedilatildeo dos ldquojovensrdquo Todas as geraccedilotildees educam seus jovens Pode haver ndash e

sempre haacute ndash atritos questotildees divergecircncias de opiniatildeo mas tudo isto faz parte do

processo educativo Mas alguns ldquojovensrdquo da classe dirigente podem se revelar e

buscar alternativas na classe progressista com o intuito de tomar o poder Eacute o

momento em que os ldquovelhosrdquo de outras camadas passam a direccedilatildeo para tais jovens

(GRAMSCI 1989) Eacute certo que para que a ideologia se constitua eficazmente o

discurso assumido por um grupo deve se manter o mesmo ignorando as mudanccedilas

histoacutericas que possam vir a acontecer (e efetivamente acontecem) garantindo a

continuidade das representaccedilotildees sociais e poliacuteticas preacute-determinadas pela classe

dominante (CHAUI 1997) O temor da ideologia eacute o discurso fundador de novas

ideias e natildeo os grupos que as deteacutem porque estes estatildeo associados agraves classes

dominantes no caso aqui a burguesia e pequena burguesia citadina da Corte com

seus intelectuais atuantes constituindo uma camada perifeacuterica a elite representada

natildeo apenas pelo partido conservador mas em vaacuterios casos tambeacutem pelos liberais

Numa citaccedilatildeo de Faoro agrave Bernardo de Vasconcellos o sistema representativo que

entatildeo os partidos ndash conservadores e liberais ndash desejavam construir com sua gama

de funcionaacuterios bachareacuteis e juiacutezes ldquonatildeo significava a vontade popular mas o

governo dos melhores dos mais esclarecidos dos mais virtuosos Entre o paiacutes real

e o paiacutes legal soacute o segundo estaria apto a destilar a elite o poder capaz de

modernizar civilizar e elevar o povordquo (FAORO 2004 p 371) o que garantiria uma

modernizaccedilatildeo dos quadros mas natildeo o fim das oligarquias O que vinha acontecendo

eacute a solidificaccedilatildeo de um processo de deslocamento do poder dos chefes locais do

interior para a burocracia estatal sediada na capital para a Corte e auxiliada pelo

recente processo de construccedilatildeo de uma elite intelectual local A concepccedilatildeo de um

paiacutes dividido em povo e plebe que distinguia os chamados ldquohomens bonsrdquo cidadatildeos

ativos detentores de plenos direitos poliacuteticos proprietaacuterios profissionais liberais

produtores enfim algueacutem que fosse possuidor de certa renda da massa pobre sem

alfabetizaccedilatildeo e dependente (BASILE 2006) As ideias migram se modificam um

pouco e se acomodam em lados diversos e as lideranccedilas partidaacuterias assinaladas (e

outras tantas) que conhecem tal fenocircmeno e nele se sustentam fariam de tudo para

evitar que aquele poliacutetico ldquofanadinhordquo e mal-educado se transformasse tambeacutem em

uma nova lideranccedila

Alencar nos anos que seguem ao trabalho no ministeacuterio sente a sauacutede lhe escapar

Eacute uma eacutepoca em que a doenccedila novamente o alcanccedila e o refuacutegio de sua casa na

Tijuca mais as caminhadas ateacute a vista chinesa junto com Machado de Assis se

tornam a melhor opccedilatildeo para recuperar-se A eacutepoca ele retoma um projeto deixado

de lado a pouco a Guerra dos Mascates Romance histoacuterico mas eacute denominado

pelo autor de ldquocomeacutedia histoacutericardquo em que satirizava seus companheiros de gabinete

ndash Alencar comenta em uma nota que natildeo faria tal coisa ndash os colegas deputados e

(natildeo poderia faltar em sua lista) D Pedro II Aproveitando-se de partes do episoacutedio

que eacute bastante documentado no periacuteodo cria uma caricatura da corte e suas ilustres

figuras um arremedo da poliacutetica contemporacircnea Algo como uma vinganccedila particular

a que ningueacutem poderia impetra-lhe culpa

Como uma forma de terapia embarca com a famiacutelia em junho de 1873 para uma

viagem ateacute o Cearaacute onde encontra amigos e um clima revigorante Fica ali por

alguns meses longe dos trabalhos na Corte mas sempre encontrando e

conversando com lideranccedilas poliacuteticas locais diversas sem que ldquoa cor partidaacuteriardquo

criasse algum empecilho Era para todos ali o conselheiro Alencar um filho da

terra Conhece durante esse tempo o jovem Capistrano de Abreu com quem

comeccedila uma grande amizade e aonde jaacute profetiza seu sucesso nas letras no Rio de

Janeiro Volta para casa em novembro e para o trabalho A doenccedila o acompanha

sempre

Alencar retorna a Cacircmara em julho para os debates da reforma eleitoral Apesar do

cansaccedilo e da constante fraqueza muscular eacute ainda um orador fervoroso Combate

veementemente a eleiccedilatildeo direta e sustenta que as reformas poliacuteticas e sociais

cabem a uma iniciativa do ministeacuterio sempre visando um centralismo administrativo

Alencar nunca deixa de guiar-se pelas metas do partido conservador e sabe do

crescimento dos liberais no interior onde a massa votante estaacute nas matildeos dos

proprietaacuterios de terra em sua maioria adeptos do liberalismo e da descentralizaccedilatildeo

do poder Alencar eacute um poliacutetico moderado algueacutem que confia em uma monarquia

constitucional que possa garantir a ordem dentro da heterogeneidade de um paiacutes de

enormes dimensotildees que eacute o Brasil desacreditando assim de qualquer forma

republicana que tendesse a uma descentralizaccedilatildeo de poder e fortalecesse os chefes

locais dispersos pelo territoacuterio do paiacutes

14 UacuteLTIMOS ANOS

No ano de 1875 Alencar sofre as primeiras hemoptises Planeja uma viagem para a

Europa na busca de uma cura para sua sauacutede jaacute bastante debilitada Eacute neste

mesmo ano que retorna agrave Corte vindo de Paris Joaquim Nabuco Jovem bem

educado filho do Senador Nabuco Sua primeira accedilatildeo poliacutetica eacute iniciar-se na

imprensa E assim como Alencar o fez em seu iniacutecio de carreira insurgir contra uma

personalidade consolidada no cenaacuterio literaacuterio e poliacutetico com paus e pedras na matildeo

ndash no caso o nosso biografado - em busca de algum reconhecimento Traz da

Europa um livro de poemas publicado em francecircs que consegue certa

consideraccedilatildeo Assume a redaccedilatildeo dos folhetins do jornal ldquoO Globordquo tecendo criacuteticas

mais centradas nos literatos que agrave literatura ldquodos brasileirosrdquo Joaquim Nabuco

tomava para si o lugar do novo da modernidade da esperanccedila e das ideias novas

O lugar que pertencera ao Alencar por algumas deacutecadas e que havia segundo

Nabuco ficado no passado

A polecircmica que se deu veio da necessidade de Nabuco se afirmar no cenaacuterio da

Corte a partir de um modelo intelectual e artiacutestico que se confrontaria com o

romantismo um realismo baseado nas ideias positivistas e evolucionistas Modelo

natildeo assumido somente por ele mas por toda uma geraccedilatildeo que estava se

estabelecendo Pesavento nos mostra o cenaacuterio

Imbuiacuteda das teorias europeias de Darwin Spencer Comte Taine Renan esta geraccedilatildeo buscava o universal de forma expliacutecita assumindo um cosmopolitismo declarado o Brasil deveria acertar o passo com a histoacuteria ingressando na modernidade de seu tempo A Europa fornecia o padratildeo de refinamento civilizatoacuterio e de patamar cultural Dela vinham as ideias a moda as novas teacutecnicas e o Brasil precisava acompanhar o trem da histoacuteria nem que fosse no uacuteltimo vagatildeo (PESAVENTO 1998 p 27)

Assumir um modelo europeu natildeo era uma novidade Mas como tal modelo se

renova as ideias satildeo ldquoassumidasrdquo pelas novas geraccedilotildees como a pouco nos

referimos sustentando uma continuidade do sistema sem que uma mudanccedila radical

seja conseguida (ou pretendida)

O tema central do debate era a ideia de Nabuco de que a literatura de Alencar

estava superada Comeccedila com o fracasso de puacuteblico da peccedila ldquoo jesuiacutetardquo

apresentada ainda naquele ano Alencar rebate e segue na peleja como era de seu

gosto Natildeo eacute nossa intenccedilatildeo aprofundar aqui uma discussatildeo sobre a literatura do

periacuteodo para noacutes importa a questatildeo qual modelo de sociedade era sustentado por

Alencar e qual era defendido por Nabuco e dos grupos que se instalavam ditos a

geraccedilatildeo de 1870 Foi um momento em que viacutenculos foram criados entre intelectuais

brasileiros e europeus Podemos apresentar uma caracterizaccedilatildeo do periacuteodo na

anaacutelise de Antocircnio Cacircndido mostrando que

()o movimento das novas ideias filosoacuteficas e literaacuterias que comeccedilou mais ou menos em 1870 e se estendeu ateacute o comeccedilo do seacuteculo XX tendo como

nuacutecleo inicial a cidade do Recife capital de Pernambuco e sua Faculdade de Direito Laacute e em outros centros como o Cearaacute e sobretudo o Rio de Janeiro desenvolveu-se um agudo espiacuterito criacutetico voltado para analisar de maneira moderna a sociedade a poliacutetica a cultura do Brasil com inspiraccedilatildeo primeiro no Positivismo de Augusto Comte em seguida nas diversas modalidades de Evolucionismo das quais teve aqui maior voga a filosofia de Herbert Spencer Acrescente-se a divulgaccedilatildeo das novas ciecircncias como Biologia Linguiacutestica Etnografia Antropologia Fiacutesica (CAcircNDIDO 1999 p 51)

Natildeo soacute Nabuco mas tambeacutem escritores como Franklin Taacutevora e Feliciano de

Castilho protagonizaram ataques ao Alencar e suas ideias em favor da escravidatildeo

estavam totalmente distantes do modelo sociais e cientiacuteficos apresentados Alencar

era a pedra da vez e seu estado de sauacutede debilitado provavelmente contribui pra

piorar o humor do genioso deputado A literatura precisava deixar o reino do

simboacutelico e chegar-se para a realidade representada pelo cientificismo Alencar

refuta as acusaccedilotildees porque acredita no que escreve natildeo eacute um cientista e nem

pretende ser O que tem em mente natildeo eacute tatildeo somente a anaacutelise do real mas uma

possibilidade de ldquomelhorarrdquo o real moralizando-o Influenciar a sociedade em busca

sempre de um caminho de purificaccedilatildeo do social

O debate aberto interessa aos dois Alencar um pouco desgastado pelos recentes

arranhotildees da poliacutetica e Nabuco buscando ainda o reconhecimento do puacuteblico

Precisam do jornal Precisam de um veiacuteculo que os fortaleccedila frente agrave opiniatildeo

puacuteblica construindo ali sua arena de luta Eacute no jornal que as ideias alcanccedilam um

puacuteblico variado e seleto visto que a alfabetizaccedilatildeo do povo natildeo era um fato mas

tambeacutem natildeo podemos cair no mito do analfabetismo ldquototalrdquo da populaccedilatildeo em que

ainda natildeo seja possiacutevel atingir um grupo tamanho que haacute de se considerar enquanto

uma opiniatildeo puacuteblica como prova disso temos a venda de livros ndash romances de

folhetim em sua maioria para o periacuteodo ndash e a presenccedila de salas de leitura e

bibliotecas onde jaacute se cativava um puacuteblico fiel entre mulheres e estudantes24 e o

proacuteprio Alencar admite ter na infacircncia lido para grupos Era comum em

estabelecimentos comerciais e mesmo em casa de famiacutelia uma leitura coletiva de

24 Eacute interessante uma consulta a o trabalho de Sandra G Vasconcelos sobre a formaccedilatildeo do

romance no Brasil e o levantamento sobre os romances ingleses em circulaccedilatildeo no Brasil no XIX

jornais informando as notiacutecias aos que natildeo satildeo alfabetizados o que possibilitava

que as informaccedilotildees e opiniotildees chegassem a grupos maiores (SCHWARCZ 1999)

A guerra que deixa de ser particular e toma agrave imprensa Nabuco representa a

proposta de um novo liberalismo que vai ganhando corpo a partir do final da deacutecada

de 1860 que se contrapotildee ao nacionalismo conservador concebido na obra de

Alencar Depois de dois meses o debate termina sem necessariamente abalar

quaisquer dos lados Nabuco se retira para tentar a poliacutetica e Alencar deixa-se estar

ateacute maio seguinte quando embarca com a famiacutelia para a Europa Sofrendo de

depressatildeo a viagem o angustia Paris Londres Portugal Alencar estaacute velho

consumido pela doenccedila pulmonar Soacute melhora um pouco com a volta ao Rio de

janeiro Agrave Tijuca

Alencar ainda combate na Cacircmara Eacute eleito para um quarto mandato como

Deputado Com a sauacutede jaacute muito debilitada natildeo comparece a todas as seccedilotildees e

diminui as saiacutedas de sua casa para os costumeiros passeios Uma descriccedilatildeo

construiacuteda por Lira Neto nos daacute uma clara visatildeo de Alencar nesse momento em que

a tuberculose jaacute chegara agrave situaccedilatildeo terminal

() era impressionante como o homem definhara nos uacuteltimos meses Virara uma garatuja

Os olhos miuacutedos haviam perdido o brilho caracteriacutestico e agora praticamente sumiam em meio as negras olheiras Na outrora vasta cabeleira uma entrada pronunciada alongava-lhe a testa e ajudava a conferir-lhe o ar de velhice precoce A barba tomava conta do rosto magro e descera abundante sobre o peito a ponto de os fios desgrenhados esconderem-lhe o noacute da gravata Tinha apenas 48 anos de idade Parecia ter no miacutenimo vinte a mais (NETO 2006 p13)

Jaacute natildeo eacute mais o mesmo poliacutetico agressivo mas ainda encontra focirclego para se

arranhar com Caxias ndash entatildeo chefe do executivo ndash e mais uma vez com Cotegipe

arrancando aplausos e risos do plenaacuterio sempre com suas criacuteticas bem vivas a

famiacutelia real Haacute de se admitir que houvesse um pouco de rancor pela sua natildeo

indicaccedilatildeo para o senado que lhe acompanharia ateacute os uacuteltimos dias de vida

aguccedilando sua ldquoimplicacircnciardquo e por vezes chegando a contradiccedilotildees como quando

ataca seu proacuteprio partido enquanto o Imperador passeava pelo mundo com parte da

famiacutelia A regente Isabel tambeacutem natildeo lhe enchia os olhos Se natildeo era alvo

constante de suas criacuteticas eacute porque pouca importacircncia lhe dava o deputado

Em abril de 1877 chega agrave capital notiacutecia da seca que castiga a proviacutencias do Cearaacute

e vizinhas como natildeo acontecia a deacutecadas Vai agrave tribuna o Alencar para pedir

esclarecimentos aos Ministros sobre a situaccedilatildeo real da regiatildeo e cobrar providecircncias

Os jornais de Fortaleza acusam o conselheiro de descaso ao mesmo tempo em que

este se propotildee a recolher junto a uma comissatildeo donativos para as viacutetimas

Tambeacutem algumas folhas do Rio de Janeiro que divulgam litografias sobre os

retirantes chamam a responsabilidade Vale lembrar que Joseacute do Patrociacutenio um

dos jornalistas responsaacuteveis pela divulgaccedilatildeo do problema da seca no Cearaacute eacute um

abolicionista ferrenho Eacute notoacuterio que Alencar piora dia a dia sentindo-se desprezado

ateacute por seus colegas do partido Natildeo se propotildee mais ao debate puacuteblico e deixa por

menos as provocaccedilotildees dirigidas a ele Sua preocupaccedilatildeo eacute com a famiacutelia com o

desamparo que pode vir a acorrer em funccedilatildeo de sua morte Vai definhando

lentamente abandona de vez a caminhada pelo passeio puacuteblico e tambeacutem se

distancia dos amigos eacute quando a doenccedila finalmente o alcanccedila Aos 12 dias de

dezembro de 1877 falece Joseacute de Alencar Agraves 10 horas da manhatilde do seguinte dia

seu corpo eacute levado em cortejo ateacute o cemiteacuterio de Satildeo Francisco Xavier aonde vem a

ser sepultado por um pequeno grupo de jornalistas e amigos proacuteximos O imperador

se dirigindo agrave Petroacutepolis na ocasiatildeo ndash como o fazia habitualmente - do falecimento

ao ser comunicado reage com uma expressatildeo ressentida ldquoHomem de valor

Poreacutem muito mal-educadordquo (MENEZES 1965)

O necroloacutegio eacute escrito por Capistrano de Abreu e estampado na primeira paacutegina da

ldquoGazeta de Notiacuteciasrdquo mas sem a assinatura do autor Eacute o primeiro trabalho

publicado por Capistrano de Abreu na imprensa carioca O novo jornalista viria a

fazer o sucesso que Alencar profetizara e ainda mais como escritor Poliacutetica eacute

assim Mesmo com sua morte o deputado elege um ldquofilhoterdquo25

25 Na giacuteria eleitoral do periacuteodo filhote era o candidato apadrinhado por algum liacuteder poliacutetico

2 CONJUNTURA POLIacuteTICA DO II REINADO

Os infelizes natildeo andam na rua do Ouvidor

De um Editorial da ldquoGazeta da tarderdquo

Depois de conhecermos por meio de sua biografia o Alencar eacute importante que

possamos nos deter nos campos de atuaccedilatildeo de Alencar enquanto poliacutetico e

enquanto um intelectual que pretende atingir a opiniatildeo puacuteblica com suas ideias

Lembramos aqui que nos baseando nos textos de Gramsci (1989) entendemos o

intelectual como a figura que faz a ligaccedilatildeo entre a da elite com o povo Na verdade

eacute o intelectual que iraacute construir uma relaccedilatildeo de confianccedila com os vaacuterios segmentos

sociais na sociedade para a divulgaccedilatildeo e manutenccedilatildeo da ideologia dos grupos que

formam essa elite no poder Para tanto cabe o exame de tais pontos as elites a

imprensa os intelectuais e a opiniatildeo puacuteblica em uma relaccedilatildeo dialeacutetica que

necessariamente apresenta um discurso em forma de tese e a partir de uma

antiacutetese observada recreia seu discurso na forma de siacutentese Os elementos acima

descritos existem de forma separada o que os agrega eacute tatildeo somente o trabalho de

Alencar Portanto funcionam como em uma pintura feita na forma de um poliacuteptico

onde os de os elementos que a compotildeem tem uma existecircncia individual isolada

mas quando unidas ou justapostas criam um novo conjunto de significaccedilotildees Eacute o

acircmbito da esfera puacuteblica Cabe lembrar que a esfera puacuteblica burguesa eacute uma

categoria tiacutepica de uma eacutepoca caracterizada como sociedade burguesa A esfera

puacuteblica deve ser entendida como categoria histoacuterica drsquoonde seu uso na sociedade

da corte no Rio de Janeiro no segundo reinado A burguesia eacute o fulcro deste puacuteblico

caracterizado fundamentalmente como o puacuteblico que tem condiccedilotildees de ler tem uma

educaccedilatildeo tem direitos e deveres na sociedade bem como consegue ser

reconhecido como um igual entre seus pares E eacute este reconhecimento que permite

com que haja alguma alteridade e suas vozes sejam reconhecidas Para Habermas

algueacutem soacute faz parte de uma esfera puacuteblica enquanto portador de uma ldquoopiniatildeo

puacuteblicardquo (HABERMAS 2003)

Para um entendimento mais consistente do periacuteodo de nosso recorte iniciaremos

aqui apresentando uma visatildeo geral sobre o segundo reinado e os acontecimentos

que formam o complexo cotidiano apresentado por Joseacute de Alencar em suas cartas

poliacuteticas

21 UMA VISAtildeO GERAL

O segundo reinado considerando o periacuteodo regencial se estende de 1831 ateacute 1889

D Pedro II eacute entronado com o golpe da maioridade promovido pelos liberais da qual

o senador Alencar ndash pai de Joseacute de Alencar - fez parte em julho de 1840 Uma

caracteriacutestica marcante que talvez ajude a compreender melhor esse periacuteodo eacute o

fato de o Imperador nunca ter aberto matildeo do poder moderador ndash um adendo incluiacutedo

por seu pai na constituiccedilatildeo liberal de 1824

A alternacircncia de partidos no poder foi uma constante Durante os cinquenta anos em

que governa D Pedro II se sucederam 36 gabinetes ministeriais Nas crises de

governabilidade entre interesses partidaacuterios e as determinaccedilotildees do imperador os

ministeacuterios eram alternados e o partido opositor tornava-se situaccedilatildeo Poreacutem eacute valido

ressaltar que as diferenccedilas entre liberais e conservadores natildeo representavam os

anseios da populaccedilatildeo mas os interesses de elites que disputavam o poder As

eleiccedilotildees para o legislativo eram manipuladas pelo grupo da situaccedilatildeo de acordo com

seus interesses particulares e em geral marcadas por fraudes (FAORO 2004)

O partido liberal fica poucos meses na administraccedilatildeo apoacutes o golpe e logo em 1841

temos a primeira vitoacuteria dos conservadores a restituiccedilatildeo do Conselho de Estado

Abolido pelo Ato Adicional de 1834 este retorna para ampliar mais ainda os poderes

do Executivo em detrimento da autonomia poliacutetica das proviacutencias Em retaliaccedilatildeo os

liberais organizam algumas revoltas contra o governo em Satildeo Paulo Rio de Janeiro

e em Minas Gerais

Em 1844 ordens imperiais afastam os Conservadores do poder e retornam os

Liberais a compor com Pedro II Em 1847 eacute criado o cargo de presidente do

Conselho de Ministros que teria a tarefa de nomear os demais ministros Eacute a

instituiccedilatildeo do parlamentarismo brasileiro Poreacutem o modelo parlamentar adotado no

Brasil era atiacutepico justamente pela accedilatildeo do imperador (o poder moderador) de

tambeacutem nomear ministros ndash ou desautoriza-los ndash a sua vontade D Pedro II escolhia

o presidente do conselho e este por sua vez escolhia os ministros Eacute o chamado

ldquoParlamentarismo agraves Avessasrdquo a consolidaccedilatildeo de uma nova fase de centralizaccedilatildeo

poliacutetica Mas natildeo deixa de ser um progresso na medida em que no periacuteodo anterior

o imperador simplesmente nomeava todos eles Com o ministeacuterio composto restava

a aprovaccedilatildeo dos parlamentares na Cacircmara dos Deputados Poreacutem detendo o

imperador a prerrogativa de dissolver os gabinetes ministeriais como condiccedilatildeo para

formaccedilatildeo de outro ministeacuterio dependendo da ocasiatildeo e da conjuntura poliacutetica e

como o fez D Pedro I ateacute de dissolver a cacircmara tudo era negociado com muita

cautela As reformas buscam agradar os diversos grupos existentes em um sistema

de troca de favores onde o imperador usava da distribuiccedilatildeo de cargos puacuteblicos e a

cooptaccedilatildeo de lideranccedilas da oposiccedilatildeo o que acaba por criar uma aparecircncia de

legalidade ao processo eleitoral e manter certa ordem evitando excessos como do

episoacutedio das ldquoeleiccedilotildees do caceterdquo logo no iniacutecio de sua administraccedilatildeo onde a

violecircncia toma forma de pressatildeo sobre o eleitorado (GRAHAM 1997) A proposta

era inserir o Paiacutes no conjunto das naccedilotildees civilizadas e adeptas da democracia

representativa mas natildeo eacute bem assim que acontecia O presidente da proviacutencia era

uma figura fundamental no processo eleitoral cabendo a ele garantir a vitoacuteria do

governo no pleito Alguns eram trocados estrategicamente pouco tempo antes das

eleiccedilotildees com o poder de afastar substituir e ateacute determinar a aposentadoria

antecipada de juiacutezes anular resultado das apuraccedilotildees e preencher atas eleitorais

com nomes de sua preferecircncia Era comum listarem-se eleitores falecidos ou natildeo

aparecerem eleitores do partido opositor Esse comportamento decorre das

perturbaccedilotildees experimentadas durante o Periacuteodo Regencial onde diversos conflitos

regionais se espalharam pelo paiacutes em oposiccedilatildeo agraves decisotildees tomadas pelo governo

central Enquanto isso a soluccedilatildeo era dissolver e reorganizar o gabinete dando uma

impressatildeo de que as coisas iriam ser ldquodiferentesrdquo Geralmente o conselho de

ministros natildeo chegava a ficar mais de dois anos no poder Ao longo de todo o

governo de D Pedro II os conservadores estiveram agrave frente do gabinete por vinte e

noves anos e os liberais por dezenove anos (CARVALHO 2007) garantindo uma

aparecircncia democraacutetica para um governo conservador Em 1853 Carneiro Leatildeo

estabelece o Ministeacuterio da Conciliaccedilatildeo com a finalidade de ampliar a interaccedilatildeo dos

dois partidos no governo brasileiro O ldquoconluiordquo durou ateacute 1858

Mas o paiacutes eacute pacificado Cessaram as rebeliotildees provinciais que tiveram iniacutecio na

regecircncia e ameaccedilavam a consolidaccedilatildeo do Estado brasileiro Duas dessas rebeliotildees

eclodiram ainda no periacuteodo regencial e tiveram seu termo com D Pedro II a

balaiada em 1841 e a farroupilha em 1845 A uacutenica grande revoluccedilatildeo posterior foi a

praieira em 1848 na proviacutencia de Pernambuco mas durou ateacute 1849 A paz

conseguida favoreceu a consolidaccedilatildeo dos interesses da classe dominante

representada pelos grandes proprietaacuterios rurais dos quais dependia o impeacuterio Tais

grupos defendiam a manutenccedilatildeo da escravidatildeo e a ausecircncia da participaccedilatildeo popular

nas decisotildees poliacuteticas Suas divergecircncias estavam centradas mais nos interesses

econocircmicos e poliacuteticos locais

Durante o Segundo Reinado o Brasil se envolveu em trecircs conflitos armados com

paiacuteses fronteiriccedilos da regiatildeo Platina Em 1851 teve iniacutecio a Guerra contra Oribe e

Rosas Esse conflito envolveu a Argentina e o Uruguai (paiacutes que pertenceu ao Brasil

ateacute 1828) Em 1851 Oribe liacuteder do Partido Blanco tomou o poder no Uruguai e

com o apoio de Rosas ditador argentino bloqueou o porto de Montevideacuteu

prejudicando o comeacutercio brasileiro na bacia Platina As tropas brasileiras

comandadas por Caxias aliaram-se ao exeacutercito liderado por poliacuteticos rivais a Oribe e

Rosas O Brasil sai por fim como vitorioso da Guerra o ano eacute o de 1852

Em 1864 desponta a Guerra contra Aguirre liacuteder do Partido Blanco e governante do

Uruguai Tem iniacutecio depois que os uruguaios promoveram vaacuterias invasotildees ao Rio

Grande do Sul roubando o gado dos fazendeiros gauacutechos O ministeacuterio organiza o

exeacutercito sob o comando de Tamandareacute e do marechal Mena Barreto Com o apoio

de tropas opositoras do governo de Aguirre o Brasil consegue a vitoacuteria e transfere o

governo para o liacuteder do Partido Colorado Venacircncio Flores O conflito armado mais

longo e violento do periacuteodo foi a Guerra do Paraguai indo de 1864 ateacute 1870 O

Paraguai era o paiacutes mais proacutespero da regiatildeo Contava ainda com uma moeda forte e

uma economia industrial como bases para um bem-sucedido desenvolvimento

nacional

Quando o ditador Solano Loacutepez chegou ao poder colocou em praacutetica uma poliacutetica

expansionista que pretendia ampliar o territoacuterio do Paraguai tomando terras do

Brasil Argentina e Uruguai Solano Loacutepez tinha como objetivo formar o Grande

Paraguai A guerra teve iniacutecio quando tropas paraguaias invadiram o territoacuterio

brasileiro e argentino Formou-se entatildeo a Triacuteplice Alianccedila que unia militarmente o

Brasil Argentina e Uruguai para lutar contra o Paraguai Para Fausto (2001) os

interesses ingleses tambeacutem estavam em pauta com a necessidade de garantirem-

se mais mercados e evitar o desenvolvimento de concorrentes a Inglaterra foi

grande incentivadora do conflito As lutas foram intensas terminando somente em

1870 com a invasatildeo de Assunccedilatildeo e a perseguiccedilatildeo e morte de Solano Loacutepez Para o

Paraguai as consequecircncias da guerra foram desastrosas devido agrave destruiccedilatildeo de sua

economia industrial e a morte de cerca de 80 da populaccedilatildeo (FAUSTO 2001)

Mesmo vitorioso o Brasil saiu com diversos problemas econocircmicos pois teve que

pedir grandes somas de dinheiro emprestadas para a Inglaterra o que aumentou

sua diacutevida externa Tambeacutem a poliacutetica de manutenccedilatildeo da escravidatildeo se viu em um

paradoxo como escravos podem ir para as fileiras lutar pela liberdade de uma

naccedilatildeo se eles individualmente natildeo possuem direito a liberdade Muitos escravos

foram alforriados para lutarem na guerra e tantos outros lutaram na esperanccedila de

receber uma posterior alforria ndash considerando que pela legislaccedilatildeo alguns cidadatildeos

alistados natildeo querendo fugir de suas obrigaccedilotildees para com o paiacutes - poderiam

mandar seus escravos para tomar ldquoseurdquo lugar na guerra (MATTOS 2000)

As dificuldades financeiras do Impeacuterio e a necessidade de apresentar uma soluccedilatildeo

para o problema da escravidatildeo apressaram a queda de D Pedro II visto que seu

uacuteltimo pilar de sustentaccedilatildeo estava no apoio dos fazendeiros que praticavam a

agricultura de exportaccedilatildeo baseada na matildeo-de-obra escrava

Um dos momentos de crise mais aguda na poliacutetica eacute sentido com a deposiccedilatildeo do

gabinete Zacarias de Goacuteis pelo Imperador - atribuiccedilatildeo garantida ao poder

moderador mas natildeo muito bem resolvida na ocasiatildeo D Pedro II vai ao conselho e

os votos depois de uma fala decisiva de Nabuco de Arauacutejo satildeo favoraacuteveis agrave

deposiccedilatildeo do gabinete26 A conciliaccedilatildeo agrupando os partidos em torno do trono

fortalecia o centro do poder em detrimento do poder local nas proviacutencias e logo

apoacutes a regecircncia ela vai desaparecendo em funccedilatildeo do personalismo descolado de

algum programa partidaacuterio Pode-se perceber que ldquoo desenvolvimento econocircmico e

as mudanccedilas sociais que ocorreram no paiacutes a partir dos anos 1850 trouxeram para a

arena poliacutetica novos grupos de interesse tornando impossiacutevel manter a alianccedila entre

os dois partidosrdquo (COSTA 1999 p162) A elite agraacuteria que dirigia os rumos do paiacutes

daacute lugar paulatinamente a uma elite de letrados urbanos uma nova geraccedilatildeo que se

forma lentamente no Brasil associada a uma classe meacutedia dissolvida nas camadas

de um estamento burocraacutetico que vem segundo Faoro (2004) transplantado quase

que integralmente para o Brasil e que lhe daacute o necessaacuterio suporte a existecircncia A

queda do ministeacuterio liberal em 1868 e sua substituiccedilatildeo por um gabinete conservador

gera uma crise que culmina em um manifesto em favor de vaacuterias mudanccedilas no

sistema poliacutetico como a exigecircncia da descentralizaccedilatildeo de eleiccedilotildees diretas contra a

vitaliciedade do senado a favor do sufraacutegio universal da liberdade religiosa e de

muitas outras mudanccedilas pretendidas Eacute a fase aacuteurea do impeacuterio que vecirc seu decliacutenio

iniciar-se depois da guerra do Paraguai

Observando a economia um dos fatores da estabilidade econocircmica e poliacutetica

do paiacutes no periacuteodo imperial foi o desenvolvimento do cafeacute dando um novo

impulso para a economia agroexportadora Durante o primeiro reinado a elite

agraacuteria estava ainda concentrada no nordeste accedilucareiro mas aos poucos a

produccedilatildeo em larga escala do cafeacute - que comeccedilou no Rio de Janeiro em 1930 em

Angra dos Reis e Mangaratiba ndash vem mudando as posiccedilotildees no jogo As plantaccedilotildees

avanccedilam para o vale do rio Paraiacuteba possibilitando pelo volume da produccedilatildeo que

aumentaria gradualmente nos anos seguintes partir para a exportaccedilatildeo Em meados

de 1850 a lavoura cafeeira se expande para o Oeste paulista favorecida pelas

condiccedilotildees do solo (FAUSTO 2001) mas o cultivo exigia a manutenccedilatildeo da matildeo de

obra escrava que ainda era considerada como muito lucrativa Sabe-se poreacutem que 26 A questatildeo colocada se refere (resumidamente) a um desentendimento de Caxias no comando

das tropas no Paraguai e Zacarias de Goacuteis entatildeo na chefia do gabinete Faoro (2004) argumenta

que apesar de D Pedro II ter consultado o conselho sobre o fato e ter seguido a diretriz

recomendada eacute acusado de usar arbitrariamente o Poder Moderador para a retirada dos liberais

com a proibiccedilatildeo do traacutefico negreiro - jaacute exigido pela Inglaterra ao governo brasileiro

ainda no primeiro reinado como uma das condiccedilotildees para aceitaccedilatildeo da

independecircncia - chegar-se-ia inevitavelmente ao fim o trabalho escravo no Brasil

mas a elite dominante adiou o quando pocircde a aboliccedilatildeo da escravidatildeo no paiacutes Para

tanto o impeacuterio relutava em cumprir os acordos leis e tratados firmados Como

forma de solucionar o problema da crescente escassez de matildeo de obra os

fazendeiros recorreram inicialmente ao traacutefico interno de escravos Quando do

agravamento do problema os fazendeiros paulistas comeccedilam uma poliacutetica de

incentivo agrave imigraccedilatildeo de colonos europeus (havia outras opccedilotildees como chineses

aos quais Joaquim Nabuco tinha verdadeira ojeriza) que passariam a trabalhar sob

o regime assalariado A troca foi gradual e lenta Diversas leis foram aprovadas ndash

sob pressatildeo ndash no decurso do tempo como a Lei de 7 de novembro de 1831 ndash Lei

Feijoacute a lei Euseacutebio de Queiroz a Lei do Ventre livre e adiante ateacute a aboliccedilatildeo total

em 1888 Mas o primeiro golpe seacuterio eacute sentido em 1851 como resultado da pressatildeo

inglesa Esta se sente de forma efetiva desde os acordos firmados com D Pedro I

para o reconhecimento da Naccedilatildeo ateacute o iniacutecio da vigilacircncia dos mares pela marinha

inglesa atraacutes de traficantes de escravos em navios de bandeira brasileira

No Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo o escravo era utilizado nas plantaccedilotildees de cafeacute e

cana-de-accediluacutecar aqueles que possuiacuteam ou aprendiam uma profissatildeo bem como

tinham capacidade para desenvolver atividades comerciais eram utilizados nos

chamados ldquotrabalhos de ganhordquo e nos diversos trabalhos domeacutesticos nas cidades

Mas seu trabalho na lavoura no periacuteodo de nosso recorte ainda eacute imprescindiacutevel

para a expansatildeo da cafeicultura O cafeacute viria a tornar-se o principal produto de

exportaccedilatildeo brasileiro estimulando a industrializaccedilatildeo e a urbanizaccedilatildeo Fatores como

a expansatildeo do creacutedito atraveacutes de uma reforma bancaacuteria e ndash com o fim do traacutefico ndash a

aplicaccedilatildeo dos capitais desse comeacutercio em operaccedilotildees financeiras as mais diversas a

qual forneceu recursos para a formaccedilatildeo de novas aacutereas de plantaccedilatildeo e a ampliaccedilatildeo

das redes ferroviaacuterias em Satildeo Paulo que reduziram o custo de transporte para os

proprietaacuterios no interior paulista foram decisivos Para os interesses dessa classe

de ricos proprietaacuterios rurais paulistas que se forma a monarquia centralizadora -

sediada no Rio de Janeiro e apoiada pelos senhores de engenhos nordestinos e

cafeicultores do vale do Paraiacuteba - jaacute natildeo era uacutetil Com isso surgiram novos grupos e

classes sociais portadoras de novas demandas e interesses e de muito dinheiro

Na vida social Renault (1976) sustenta que a invasatildeo do luxo se consolida por volta

da deacutecada de 1850 Cabeleireiros alfaiates modistas perfumistas e floristas

construiacuteam uma realidade de consumo ateacute entatildeo desconhecida aqui O

endividamento tambeacutem toma conta da cidade como forma de se integrar a vida

social o que vem a causar desequiliacutebrios no orccedilamento domeacutesticos Um anuacutencio

assinado por certo ldquoMr Gadetrdquo e publicado ainda na deacutecada de 1840 no Jornal do

Comeacutercio prevenia os negociantes da Rua do Ouvidor que ele natildeo se

responsabilizaria pela vendas de objetos a creacutedito- possivelmente para sua esposa e

familiares - sem seu consentimento (RENAULT 1976)

A cidade se renovava e as pessoas viviam o luxo vindo direto da Europa para as

suas casas na maacutequina a vapor nas primeiras ferroviais na evoluccedilatildeo social com os

bondes e a integraccedilatildeo maior das periferias na iluminaccedilatildeo a gaacutes aleacutem da moda em

si que traz novos haacutebitos As viagens pela Europa para as famiacutelias mais abastadas

se torna algo possiacutevel e ateacute comum Mas o contraste eacute visiacutevel Em crocircnicas dos

jornais apresenta-se o melhor de Paris mas escrito em um ldquopeacutessimo francecircsrdquo pelos

jornalistas As salas de leitura e as livrarias recheadas de obras claacutessicas - algumas

de elevado niacutevel cultural e tiacutetulos em liacutengua estrangeira - esbarram no alto iacutendice de

analfabetismo satildeo 10 livrarias soacute no Rio de janeiro na deacutecada de 1850 (mas que

tambeacutem indica a quantidade de europeus ndash ingleses espanhoacuteis franceses e outros

ndash agora residindo no Brasil) e ao mesmo tempo as casas de famiacutelia ainda natildeo tem

um sistema de aacutegua encanada

Segmentos das elites nas deacutecadas de 60 e 70 passariam a contestar o regime

monaacuterquico atraveacutes dos movimentos republicano e abolicionista Mesmo alguns

fazendeiros que defenderam tenazmente a escravidatildeo progressivamente tornam-se

adeptos dos princiacutepios federalistas contidos nos ideais do movimento republicano

quando a situaccedilatildeo lhes era mais favoraacutevel economicamente Mesmo porque a

oposiccedilatildeo burguesia-aristocracia setores urbanos versus setores rurais caracteriacutestica

de outras sociedades natildeo se manifesta no Brasil com a mesma intensidade que em

paiacuteses europeus visto que o antagonismo que se registrou na Europa e gerou

alguns dos mais importantes movimentos revolucionaacuterios do periacuteodo entre burguesia

empresarial e aristocracia agraacuteria aqui era menos consistente Pela metade do

seacuteculo dezenove jaacute teriacuteamos fazendeiros com uma visatildeo mais progressista

apostando na matildeo de obra livre em melhorias no processo produtivo e ao mesmo

tempo uma parcela da burguesia que passa a comprar terras e participar

(associativamente ou mesmo por laccedilos familiares que viessem a ser criados) da

vida e do trabalho na propriedade rural Haacute uma tendecircncia maior entre as elites a

uma formaccedilatildeo de laccedilos de proteccedilatildeo muacutetuos (COSTA 1999)

Lembramos tambeacutem que o manifesto do Partido Liberal de 1868 previa a aboliccedilatildeo

apesar de natildeo haver um movimento organizado para isto Jaacute o Partido Conservador

silenciou sobre o assunto mas foi sob a administraccedilatildeo de gabinetes conservadores

que as leis abolicionistas vieram a acontecer (SKIDMORE 1989)

Golpe a golpe a monarquia vai perdendo sua legitimidade Aleacutem disso a partir da

deacutecada de 1870 o regime monaacuterquico entra em conflito com duas instituiccedilotildees

importantes que formavam outras duas bases de sustentaccedilatildeo do regime o Exeacutercito

e a Igreja Catoacutelica Entre os militares o positivismo pregava a liberdade e uma

postura moral que natildeo condizia com as antigas ideias escravocratas

O movimento proacute-repuacuteblica no Brasil que cresceu ao longo do periacuteodo tomava

proporccedilotildees irreversiacuteveis mas para que a alteraccedilatildeo na forma de governo se desse de

forma democraacutetica seria necessaacuterio uma Assembleia Geral majoritariamente

republicana o que natildeo deveria ocorrer posto que a populaccedilatildeo ainda apoiasse o

imperador e com a lei aacuteurea tinha-se medo do descontentamento dos escravos

com o possiacutevel fim da monarquia podendo acarretar uma revolta popular

(SCHWARCH 1999) Cientes desse problema os republicanos viram-se obrigados

a apelar para o ataque direto em associaccedilatildeo com militares de alta patente Em 15 de

novembro de 1889 D Pedro II foi deposto do trono e embarca para a Europa com a

famiacutelia no dia 17 de novembro sem alardes e sem despedidas puacuteblicas que

pudessem suscitar manifestaccedilotildees Eacute a partir desta alianccedila entre os proprietaacuterios

rurais do oeste paulista e os quadros da elite militar do Exeacutercito que chega no fim do

seacuteculo XIX a Repuacuteblica ao Brasil

22 O ESTADO DA ARTE DA IMPRENSA NO OITOCENTOS

Mas o oitocentos em meio a toda essa agitaccedilatildeo tambeacutem eacute um periacuteodo de

consolidaccedilatildeo da ldquopropostardquo de um paiacutes chamado Brasil um paiacutes novo natildeo mais

uma colocircnia detentor de um ideal proacuteprio que o substantiva em meio agraves outras

naccedilotildees como um ldquoigualrdquo entre elas D Pedro II em seus melhores anos vecirc e

estimula a extrema agitaccedilatildeo onde se busca em algumas ideias ou programas

poliacuteticos e culturais importados de outras naccedilotildees e (soacute algumas vezes) devidamente

adaptados para a ldquocor nacionalrdquo uma identidade para o Brasil Estamos mesmo

para usar uma expressatildeo de Antony Giddens (1991) na periferia

Apesar disso a identidade que se busca deve estar concernente com os elementos

os quais ela pretende representar que satildeo as elites que deteacutem o poder a partir de

1822 composta por comerciantes traficantes fazendeiros e elementos a estes

ligados interessados na grande propriedade agroexportadora e no traacutefico de

escravos e dos grupos de pressatildeo que com o tempo iram se aproximando e

afastando deste nuacutecleo inicial (COSTA 1999) buscando uma acomodaccedilatildeo

adequada durante todo o impeacuterio Schwarcz (1999) nos lembra de que na confecccedilatildeo

da primeira bandeira do Brasil imperial D Pedro I jaacute apostava nos ramos de cafeacute

ladeando o brasatildeo central como um siacutembolo nacional mesmo antes do cafeacute se

configurar como a riqueza que veio a ser

Os primeiros prelos chegam ao Brasil com D Joatildeo VI e natildeo havia uma imprensa no

Brasil no periacuteodo anterior Sodreacute (1999) registra uma pequena tipografia instalada no

Recife em 1706 sob autorizaccedilatildeo do governador da Proviacutencia Francisco de Castro

Morais mas jaacute em 08 de Junho do mesmo ano uma carta reacutegia potildee fim a empresa

Em 1746 novamente com autorizaccedilatildeo de um governador local ndash Gomes Freire ndash

transfere-se de Lisboa o impressor Antocircnio Isidoro da Fonseca para o Rio de Janeiro

e consegue por um breve tempo colocar em atividade pequena oficina tipograacutefica

que sob uma ordem reacutegia foi fechada e queimada Portugal natildeo queria uma

propagaccedilatildeo de ideias ldquoimproacutepriasrdquo dentro da colocircnia e tudo faria para evitar que isto

acontecesse Em Portugal as Ordenaccedilotildees Filipinas determinavam a proibiccedilatildeo da

impressatildeo de qualquer obra que natildeo passe pela censura dos desembargadores do

Paccedilo e dos oficiais do santo Ofiacutecio da Inquisiccedilatildeo (SODREacute 1999) A partir do

segundo quartel do seacuteculo XVII a igreja intensifica a fiscalizaccedilatildeo do conteuacutedo de

obras impressas ateacute que Pombal toma a frente e substitui a pratica pela instituiccedilatildeo

da ldquoReal Mesa Censoacuteriardquo que vigora de 1768 ateacute 1787 Os livros de conteuacutedo

classificado como proibido constituem bibliotecas particulares de alguns letrados e

geralmente satildeo impressas em outro paiacutes entrando em Portugal da mesma forma

que na colocircnia por meio de navios ingleses e franceses em forma de contrabando

Papeacuteis jornais e livros eram vendidos no cais por marinheiros a poliacutecia fiscalizava

livrarias e livreiros mas talvez toda essa pressatildeo acabasse por incentivar a criaccedilatildeo

de sociedades literaacuterias (e tambeacutem nas lojas maccedilocircnicas onde a natildeo se praticava um

pacircnico por autores franceses) onde era possiacutevel procurar e encontrar tiacutetulos

censurados Com a abertura dos portos em 1808 o comeacutercio ilegal se intensifica e a

situaccedilatildeo soacute melhora com a instalaccedilatildeo efetiva da Imprensa Reacutegia O Correio

Braziliense o primeiro jornal a discutir o cotidiano poliacutetico do Brasil e que tem seu

primeiro nuacutemero em junho de 1808 eacute produzido em Londres onde os olhos da

censura e da inquisiccedilatildeo natildeo alcanccedilam o redator tatildeo facilmente

As razotildees do atraso no desenvolvimento de uma imprensa no Brasil ultrapassam os

limites poliacuteticos descritos para esbarrar tambeacutem no problema tecnoloacutegico e de uma

cultura de censura preacutevia para os jornais Mesmo em Portugal nos conta Romancini

(2007) o jornalismo foi precedido pela publicaccedilatildeo sem periodicidade de folhas

impressas chamadas relaccedilotildees ou notiacutecias avulsas no final do seacuteculo XVI Apesar

das primeiras Gazetas de periodicidade mensal circularem desde a metade do

seacuteculo XVII dando iniacutecio assim a uma periodicidade para a publicaccedilatildeo de notiacutecias

impressas ateacute meados do seacuteculo seguinte ainda se conviveria com gazetas

manuscritas O primeiro jornal diaacuterio em Portugal seraacute o Diaacuterio Lisbonense de 1809

portanto posterior a vinda da famiacutelia real para o Brasil e a todo um conjunto de

mudanccedilas que isto viria a acarretar

Eacute sob a responsabilidade Antocircnio de Arauacutejo futuro Conde da Barca que chega ao

Brasil o material para uma oficina tipograacutefica ndash comprado na Inglaterra para a

Secretaria de Estrangeiros e da Guerra e que natildeo havia sido ainda instalado em

Portugal devido ao periacuteodo conturbado da transferecircncia da Corte para o Brasil D

Joatildeo ao saber do acontecido manda abrir a empresa para atender as necessidades

da coroa e possivelmente conseguir algum rendimento (a impressatildeo de cartas de

baralho para o divertimento das famiacutelias viria a trazer um bom lucro para a coroa)

Em ato real o priacutencipe determinava que uma junta apropriada examinasse os

materiais que solicitassem a impressatildeo e publicitaccedilatildeo para que nada se produzisse

de ofensivo contra a religiatildeo o governo ao aos bons costumes (SODREacute 1999) Em

10 de setembro de 1808 sai o primeiro nuacutemero da ldquoGazeta do Rio de Janeirordquo Um

jornal oficial que apesar de natildeo ter um conteuacutedo inovador marca o momento inicial

dos jornais impressos aqui

O ano de 1821 eacute relevante para a histoacuteria da imprensa brasileira Em 28 de agosto

DPedro entatildeo declarado priacutencipe-regente com o retorno de DJoatildeo VI a Portugal

decreta o fim da censura preacutevia a toda mateacuteria escrita tornando livre no Brasil a

palavra impressa Eacute um ato decorrente das deliberaccedilotildees das Cortes Constitucionais

de Lisboa em defesa das liberdades puacuteblicas e marca uma etapa de liberdade de

expressatildeo do pensamento

Com o passar dos anos tem-se a necessidade de formular uma logiacutestica para a

imprensa devido agraves vendas e ao crescimento das cidades Em 1844 o serviccedilo de

correios passa a entregar correspondecircncias nos domiciacutelios o que possibilitava um

sistema de assinaturas de impressos A partir de 1858 no Rio de Janeiro tem-se a

mobilizaccedilatildeo de negros forros e mulatos para o trabalho de entregadores mediante

pagamento para a venda avulsa regular nas ruas da cidade (BAHIA 1990) A partir

de entatildeo o sistema de distribuiccedilatildeo soacute melhora e o jornal como veiacuteculo de

comunicaccedilatildeo toma conta do Rio de Janeiro e de Satildeo Paulo

A busca por uma identidade para o Brasil tem na imprensa um lugar privilegiado

onde as opiniotildees e doutrinas vaacuterias buscavam conquistar a opiniatildeo puacuteblica como

forma de legitimaccedilatildeo de cada projeto individual (BASILE 2006) Satildeo as primeiras

deacutecadas de um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo que viria a se tornar poderoso no seacuteculo

seguinte como um agente de informaccedilatildeo das massas Segundo Hall

As culturas nacionais satildeo compostas natildeo apenas de instituiccedilotildees culturais mas tambeacutem de siacutembolos e representaccedilotildees Uma cultura nacional eacute um discurso ndash um modo de construir sentidos que influencia e organiza tanto nossas accedilotildees quanto a concepccedilatildeo que temos de noacutes mesmos (HALL 1998 p 50)

A imprensa o jornal diaacuterio eacute o meio por excelecircncia da poliacutetica Lugar onde os

discursos acontecem os debates satildeo esperados as pelejas travadas e a construccedilatildeo

dos sentidos vecircm a acontecer Mais do que no salatildeo da Cacircmara de Deputados eacute

impresso no jornal que o discurso chega ateacute o leitor que formaraacute em seu conjunto

de propostas criacuteticas e reclames a opiniatildeo puacuteblica Eacute a imprensa que faz chegar

notiacutecias e informaccedilotildees a uma plateias bem mais ampla levantando questotildees do

cotidiano trazendo as informaccedilotildees que ateacute entatildeo estavam em domiacutenio privado para

a esfera puacuteblica Os folhetos e panfletos do periacuteodo tem um caraacuteter tambeacutem

didaacutetico divulgando ideias ndash natildeo soacute liberais eacute certo ndash por meio de uma linguagem

acessiacutevel Muitas vezes encadeando textos respondendo a outros jornais ou

publicitando debates Eacute esta literatura poliacutetica que consolida palavras ideias

expressotildees do liberalismo para a maior parte das pessoas (NEVES 2001)

Hobsbawn (2010) falando do periacuteodo compreendido entre 1848 e a deacutecada de 1860

na Europa comenta a importacircncia dos jornais na formaccedilatildeo de um nacionalismo que

se baseia na cultura partilhada pelo maior nuacutemero de cidadatildeos O autor afirma que a

ideia nacional eacute construiacuteda pelos veiacuteculos de comunicaccedilatildeo e os grupos a estes

vinculados

() o movimento nacional tendia a tornar-se poliacutetico apoacutes sua fase sentimental e folcloacuterica com a emergecircncia de grupos mais ou menos expressivos dedicados agrave ideia nacional publicando jornais e literatura nacionais organizando sociedades nacionais tentando estabelecer instituiccedilotildees educacionais e culturais e engajando-se em vaacuterias atividades francamente poliacuteticas Mas de forma geral neste ponto o movimento ainda era carente de um apoio decisivo por parte da massa da populaccedilatildeo Consistia basicamente de um extrato social intermediaacuterio entre as massas e a burguesia ou a aristocracia existentes (se tanto) especialmente os literatos professores camadas inferiores do clero alguns pequenos comerciantes e artesatildeos urbanos (HOBSBAWN 2010 p 105)

Segundo Romancini (2007) eacute a imprensa criacutetica observadora e natildeo comprometida

com os interesses do Estado que tem suas raiacutezes no Correio Brasiliense27 que iraacute

contribuir para a formaccedilatildeo de uma opiniatildeo puacuteblica no Brasil

27

Correio Brazilience ou Armazeacutem Literaacuterio Jornal mensal editado por Hipoacutelito Joseacute da Costa desde 1808 em Londres e importado para o Brasil para fugir da censura da cora portuguesa Apesar de Hipoacutelito daCosta manter relaccedilotildees com a Corte e com o priacutencipe D Joatildeo chegando mesmo a receber ajuda financeira deste para mantecirc-lo relativamente livre de sua redaccedilatildeo criacutetica o Correio foi um modelo para o jornalismo poliacutetico a ser desenvolvido no Brasil (ROMANCINI 2007)

O impeacuterio foi o periacuteodo da histoacuteria brasileira em que a imprensa teve maior liberdade

de expressatildeo (CARVALHO 2004) mas ela natildeo era um poder independente Em sua

maior parte os jornais e panfletos estavam vinculados a organizaccedilotildees que visavam

como os partidos poliacuteticos ao poder

Havia folhas independentes como o Jornal do Commercio e os jornais radicais Mas eram poucos e com raras exceccedilotildees natildeo duravam muito A grande maioria era vinculada a partidos ou a poliacuteticos O governo tinha sempre seus jornais o mesmo acontecendo com a posiccedilatildeo Os jornalistas lutavam na linha de frente das batalhas poliacuteticas e muitos deles eram tambeacutem poliacuteticos Muitos poliacuteticos por seu lado escreviam em jornais nos quais o anonimato lhes possibilitava dizer o que natildeo ousariam na tribuna da

Cacircmara ou do Senado (CARVALHO 2007 p78)

Liberais conservadores progressistas histoacutericos puritanos todos tem o seu ldquooacutergatildeordquo

de comunicaccedilatildeo Todos tem um jornal seu com o intuito de divulgar e defender seus

ideais propostas e tendecircncias

Rodrigues (2008) comenta que os jornais foram importantes para a divulgaccedilatildeo do

liberalismo moderado pelo Brasil e daacute ecircnfase ao ldquoAurora Fluminenserdquo e ao ldquoSete de

Abrilrdquo que tem a frente Bernardo Vasconcelos e Evaristo Ferreira da Veiga

respectivamente Seus editoriais eram reimpressos em outros jornais do interior do

Rio de Janeiro e de outras regiotildees do paiacutes o que serviu como uma rede de

divulgaccedilatildeo para as ideias liberais

Neves (2001) sustenta que bem como os jornais os panfletos e folhetos de caraacuteter

poliacutetico tiveram papel importante para a divulgaccedilatildeo natildeo somente de ideias mas de

um vocabulaacuterio especiacutefico efetivamente didaacutetico com uma linguagem acessiacutevel

para que uma parte maior da populaccedilatildeo pudesse entender o desenvolvimento do

liberalismo mesmo que este soacute tenha enfatizado um parte do arcabouccedilo de ideias

liberais Toda essa estrutura de ldquomiacutediardquo acabava por propiciar o surgimento de uma

opiniatildeo puacuteblica que assimilava ideias discutia propostas e tomava partido O ideaacuterio

que se pretendia construir era a criacutetica ao despotismo como siacutembolo de um passado

que jaacute estava enterrado e o liberalismo como o ideaacuterio poliacutetico para os novos

tempos (NEVES 2001)

A imprensa do seacuteculo XIX de maneira geral tem por caracteriacutestica ser constituiacuteda ndash

em sua maioria ndash por jornais de vida curta geralmente se ocupando de causas

tambeacutem momentacircneas e tem como proprietaacuterio um indiviacuteduo ou um grupo pequeno

de empresaacuterios (natildeo necessariamente jornalistas) e eacute por excelecircncia poliacutetico

(PINTO 2003) O jornal eacute a representaccedilatildeo de fato e dos fatos para a sociedade um

ente poliacutetico dos mais importantes no momento E junto a ele dentro das

possibilidades existentes no seacuteculo XIX folhetos cartazes livros e muitos outros

suportes foram usados com o intuito de difundir discursos de teor ideoloacutegico Isso jaacute

eacute uma percepccedilatildeo de que a participaccedilatildeo de camadas cada vez maiores da populaccedilatildeo

ndash e natildeo somente da burguesia ndash se apresentavam como elementos emergentes para

a poliacutetica Hobsbawn (2011) nesta passagem nos informa sobre a percepccedilatildeo das

elites europeias da necessidade de um jornal que disseminasse suas ideias para o

povo apoacutes a seacuterie de revoluccedilotildees de 1848

Os defensores da ordem social precisaram aprender a poliacutetica do povo Esta foi a maior inovaccedilatildeo trazida pelas revoluccedilotildees de 1848 Mesmo os mais arqui-reacionaacuterios dos junkers prussianos descobriram naquele ano que precisavam de um jornal que pudesse influenciar a opiniatildeo puacuteblica ndash conceito em si proacuteprio ligado ao liberalismo e incompatiacutevel com a hierarquia tradicional (HOBSBAWN 2011 p41)

Para a Corte no Brasil assim como na Europa jaacute na segunda metade do seacuteculo XIX

os jornais do periacuteodo passam a publicar obras literaacuterias em folhetins Autores como

Manoel Antocircnio de Almeida Machado de Assis e Alencar ficaram famosos por conta

desse tipo de veiculaccedilatildeo e tal associaccedilatildeo da imprensa com a literatura que vai se

revelando no jornal impresso - jaacute no periacuteodo de nosso recorte ndash determina

caracteriacutesticas proacuteprias de um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo de massa (PINTO 2003)

Referir-nos-emos entatildeo a estes para uma melhor compreensatildeo da anaacutelise com o

vocaacutebulo ldquomiacutediardquo

Chartier (1991) nos alerta de que natildeo existe um texto fora do suporte que lhe

permita ser lido (ou ouvido) e que natildeo haacute compreensatildeo de um escrito qualquer que

seja que natildeo dependa das formas pelas quais ele atinge o leitor O princiacutepio do

discurso ideoloacutegico eacute o de ldquoalcancerdquo Quanto maior eacute o grupo atingido por uma

proposta maior eacute sua forccedila Eacute uma percepccedilatildeo de base estatiacutestica e natildeo filosoacutefica

Para que o discurso ideoloacutegico venha a surtir efeito eacute preciso que as ideias da classe

dominante se tornem as ideias de todos os membros da sociedade que todos (ou

sua maior parte) se identifiquem com elas E ainda para que a ideologia seja eficaz

o discurso deve se manter sempre o mesmo ignorando as mudanccedilas que possam

vir a acontecer (CHAUI 1997) Para tanto tambeacutem eacute necessaacuterio que a classe

dominante por meio de seus agentes e instrumentos eou instituiccedilotildees especiacuteficas

tratem de aleacutem de produzir suas ideias possam distribuiacute-las o que eacute feito por

exemplo atraveacutes da educaccedilatildeo da religiatildeo dos costumes dos meios de

comunicaccedilatildeo disponiacuteveis As ideias mudam de lugar conforme a interpretaccedilatildeo que

os homens lhe datildeo e no campo poliacutetico essas mudanccedilas nas ldquoorientaccedilotildeesrdquo dos

homens ocorrem com certa frequecircncia Eacute preciso confianccedila como tambeacutem partilhar

as ideias com o grupo e se possiacutevel com quem mais aparecer

23 SOBRE AS ELITES NO PODER

Apesar dos estudos sobre a burguesia e as elites natildeo serem uma novidade entre

noacutes uma pergunta metodoloacutegica insiste em aparecer ndash como nos lembra Flaacutevio

Heinz (2006) Onde comeccedilam e onde terminam as elites - Este mesmo autor

sugere que os limites tradicionais tendem a ficarem menos riacutegidos com o

aparecimento de pesquisas mais recentes e a inclusatildeo de novas categorias

profissionais e de diferentes recortes que modificam a visatildeo tradicional sobre o

assunto integrando outras fontes e apresentando possibilidades para a

interpretaccedilatildeo destas

Temos em mente que mesmo considerando tais limites para o segmento ldquoeliterdquo eacute

preciso lembrar como nos mostra Chauiacute que a elite descrita a que nos referimos

deve ser entendida como a ldquoclasse dominanterdquo e natildeo necessariamente os

ldquomelhoresrdquo homens e mulheres dentro de uma sociedade como o termo pode

sugerir (CHAUI 1997 p 48) Cabem aqui entatildeo algumas consideraccedilotildees agraves quais

tomamos por base a partir o modelo democraacutetico de Schumpeter (1984)

salientando que por se tratar de um modelo este nos permite uma gama maior de

possibilidades de interpretaccedilatildeo e uma flexibilidade em nossa anaacutelise tentando

abarcar um periacuteodo que apresenta contrastes acentuados Consideramos aqui que o

governo eacute exercido por elites poliacuteticas natildeo existe o chamado ldquobem comumrdquo como

uma meta de trabalho ou projeto de administraccedilatildeo do Estado que vaacute agradar ou

interessar a todos os segmentos da sociedade pelo simples fato de que para

indiviacuteduos grupos e classes diferentes este bem comum significa coisas diferentes

Neste caso consideramos a busca deste ldquobem comumrdquo como um fator de

subjetivaccedilatildeo que acaba por deslocar a ideologia partidaacuteria das metas do agente

poliacutetico o que termina dando a impressatildeo de que os partidos (seus integrantes no

caso) liberais ou conservadores democratas ou republicanos ou outros tantos satildeo

uma mesma coisa o objetivo primordial dos partidos poliacuteticos eacute conquistar e manter

o poder e a realizaccedilatildeo do ldquobem comumrdquo eacute um meio para atingir este objetivo

(SCHUMPETER 1984) a soberania popular embora natildeo seja nula eacute reduzida

visto que satildeo as elites poliacuteticas que propotildeem candidatos e alternativas para o eleitor

e no caso das eleiccedilotildees no impeacuterio isso eacute bem marcante E eacute preciso notar que um

importante aspecto da poliacutetica imperial eacute o de conseguir ter mantido a supremacia do

poder civil O exeacutercito e a marinha tiveram influencia reduzida nas decisotildees da

poliacutetica nacional e quando foi o caso seus representantes eram antes poliacuteticos

vinculados a algum dos partidos do que militares em cargos administrativos Um

caso singular eacute a figura de Caxias que mesmo na posiccedilatildeo de um heroacutei de guerra

com o comando geral das tropas no Paraguai teve de passar pelo crivo do conselho

de Estado para que fossem resolvidas seus desentendimentos com Zacarias de

Goacuteis

As decisotildees vimos partem de um grupo civil e eacute para estes civis que Alencar dirige

seu discurso A elite poliacutetica que chega ao poder depois da independecircncia e se

ldquoenraiacutezardquo com o fim do periacuteodo regencial apresentando caracteriacutesticas de unidade

ideoloacutegica de treinamento administrativo e de educaccedilatildeo A Corte no Rio de Janeiro

recebia representantes de todo o Brasil pois a Cacircmara dos deputados e o Senado

satildeo instituiccedilotildees sediadas naquela cidade Natildeo estamos considerando tatildeo somente a

sociedade carioca ou mesmo as oligarquias fluminenses do cafeacute que jaacute dava seus

frutos por ali mas as elites do Brasil na qualidade de seus representantes

Deputados senadores conselheiros altos funcionaacuterios da burocracia magistrados

fazendeiros traficantes de escravos banqueiros e outros mais transitando pelas

ruas estreitas do Rio de janeiro sem considerar os ricos comerciantes estrangeiros

(alguns enriqueceram ali mesmo) e alguns setores da monarquia espanhola que se

estabelecem no Brasil ainda no periacuteodo das revoluccedilotildees republicanas que se

espalharam pelo restante da Ameacuterica Latina encontrando no Rio de Janeiro o abrigo

de uma monarquia constitucionalista

Alfredo Bosi abre um capiacutetulo de sua Dialeacutetica da colonizaccedilatildeo onde se refere agrave

formaccedilatildeo do ldquonovo liberalismordquo com uma citaccedilatildeo de uma crocircnica de Machado de

Assis intitulada ldquoHistoacuteria de quinze diasrdquo na qual o romancista daacute lugar ao criacutetico

cruel do sistema social e poliacutetico do impeacuterio O recorte fala por si

As instituiccedilotildees existem Mas por e para 30 dos cidadatildeos Proponho uma reforma no estilo poliacutetico Natildeo se deve dizer ldquoconsultar a naccedilatildeo os representantes da naccedilatildeo os poderes da naccedilatildeordquo mas ldquoconsultar os 30 representantes dos 30 poderes dos 30rdquo A opiniatildeo puacuteblica eacute uma metaacutefora sem base haacute soacute a opiniatildeo dos 30 (ASSIS apud BOSI 2003 p222)

Cabe-nos demonstrar agora quantos e quais (estatisticamente no caso) seriam os

eleitores os que podiam participar ativamente do processo eleitoral em nosso

periacuteodo de recorte temporal notadamente aqueles a quem Alencar se dirigia em

suas cartas

As primeiras eleiccedilotildees para a composiccedilatildeo das cortes em 1821 adotaram

basicamente o voto universal masculino Jaacute nas eleiccedilotildees para a constituinte

brasileira foi exigida a idade miacutenima de 20 anos e a exclusatildeo de estrangeiros e

assalariados Com a constituiccedilatildeo outorgada por D Pedro I elevam-se as restriccedilotildees

com idade miacutenima de 25 anos exclusatildeo aos criados e adoccedilatildeo do criteacuterio de renda

miacutenima Em 1846 excluem-se os ldquopraccedilas-de-preacuterdquo aleacutem de alterar o caacutelculo de renda

miacutenima baseado na desvalorizaccedilatildeo da moeda em funccedilatildeo da inflaccedilatildeo O formato

determinava que em um primeiro momento designar-se-iam os votantes ndash com

renda superior a 100 mil-reacuteis anuais ndash que escolheriam os eleitores ndash com renda

superior a 200 mil-reacuteis anuais ndash que iriam escolher os deputados ndash com renda

superior a 400-mil reacuteis anuais Mas a limitaccedilatildeo de renda tinha pouca importacircncia a

maioria da populaccedilatildeo trabalhadora ganhava mais de 100 mil-reacuteis por ano Em 1876

o menor salaacuterio registrado no serviccedilo puacuteblico era de 600 mil-reacuteis (CARVALHO

2002) mas era preciso que houvesse alguma comprovaccedilatildeo

Em 1881 temos algumas mudanccedilas a eliminaccedilatildeo da eleiccedilatildeo em dois turnos e eacute

proibido o voto dos analfabetos aleacutem de tornar o voto em si voluntaacuterio Calcula-se

a partir de tais restriccedilotildees para o periacuteodo que estamos tratando um percentual de

13 da populaccedilatildeo total com possibilidades de participaccedilatildeo eleitoral que diminui

para quase 1 a partir da lei de 1881 (CARVALHO 2007) Todas estas medidas

foram tomadas com real intuito de diminuir a participaccedilatildeo popular na votaccedilatildeo

concentrando o sufraacutegio nas elites Hebbe Mattos (2000) nos informa que para ser

eleitor ndash e para conseguir algumas vantagens que a condiccedilatildeo lhe permitia ndash o

cidadatildeo natildeo poderia ter nascido ldquoingecircnuordquo (escravo) Mas analfabetos e ex-escravos

poderiam habilitar-se a eleitores de segundo grau e ateacute mesmo serem eleitos para a

vereanccedila (NOVAIS 1997)

Apesar de haverem algumas estrateacutegias para modificar esse quadro e conseguir

uma renovaccedilatildeo maior dos parlamentares com vistas a uma representaccedilatildeo popular

como a lei dos ciacuterculos e a adoccedilatildeo do voto distrital (que pouco tempo permaneceram

em vigor logo que comeccedilaram a proporcionar tais mudanccedilas) as eleiccedilotildees em sua

forma e dinacircmica estavam cada vez mais sob o controle das elites econocircmicas que

optavam por manter uma estabilidade no poder A forma que a eleiccedilatildeo se dava jaacute

era um complicador com a necessidade de que o eleitor votasse em tantos nomes

quantos houvesse cadeiras em sua assembleia Isto geralmente favorecia ao

candidato que pudesse ter uma representaccedilatildeo aleacutem dos limites locais o que era

conseguido atraveacutes das redes de relaccedilotildees que se compunham pelos demais

representantes ou pelos ldquopadrinhosrdquo poliacuteticos de cada candidato relaccedilatildeo que

geralmente era conseguida pelo partido mesmo que estas fossem descontinuadas

apoacutes a eleiccedilatildeo Para o pai de Alencar corria uma anedota no Cearaacute entre partidaacuterios

que anunciavam a falta de uma relaccedilatildeo com o senador depois de sua partida para a

Corte Quando se recebia uma notiacutecia da qual natildeo se tinha muito creacutedito uma

interjeiccedilatildeo de desconfianccedila prenunciava a frase - Tal coisa vai acontecer ()assim

que o Alencar me escrever ndash anunciavam aludindo a algum acontecimento

impossiacutevel por ali (MENEZES 1965) Com tudo isso acreditamos que Machado de

Assis em sua criacutetica estava sendo bastante otimista com os 30 anunciados

Sobre a formaccedilatildeo intelectual da elite local eacute importante lembrar que a constituiccedilatildeo

de 1824 entregando o ensino fundamental e meacutedio nas matildeos da igreja cria uma

educaccedilatildeo de caraacuteter religioso centrada mais na tradiccedilatildeo filosoacutefica e com certa

indiferenccedila pela pesquisa cientiacutefica mas impregnada pelo estudo das letras

determinada pela tradiccedilatildeo jesuiacuteta (SKIDMORE 1989) Portugal evitou criar em seus

domiacutenios ultramarinos faculdades ou universidades Os textos disponiacuteveis ficavam

restritos agraves bibliotecas dos conventos e agraves poucas escolas mantidas tambeacutem por

religiosos o que garantia certo controle sobre a divulgaccedilatildeo das ideias

ldquoprogressistasrdquo Natildeo havendo jornais em circulaccedilatildeo ou livros impressos visto que os

primeiros prelos chegam com a famiacutelia real em 1808 os leitores se contentavam

com a literatura produzida na Europa ndash traduzida ou natildeo o que jaacute limitava o nuacutemero

de leitores - e que atravessava o Atlacircntico em sua maior parte por via clandestina

Aqueles que tinham condiccedilatildeo econocircmica mandavam seus filhos para Portugal onde

faziam os estudos superiores na Universidade de Coimbra e adquiriam os valores

ditados pela metroacutepole Estes em sua maioria eram aproveitados para compor a

burocracia do impeacuterio em formaccedilatildeo Caiam quase sempre na poliacutetica

Em nuacutemeros temos o percentual de Senadores com educaccedilatildeo superior no periacuteodo

de 1853 a 1871 - portanto pertinente ao nosso recorte temporal - chegando a 80 e

o dos ministros dos diversos gabinetes a 96 do total Considerando que a

educaccedilatildeo militar ndash exeacutercito e marinha aos quais alguns poliacuteticos tambeacutem pertenciam

ndash recebida por um grupo desses parlamentares natildeo entra nesta base para o caacutelculo

final o nuacutemero de poliacuteticos que natildeo recebeu instruccedilatildeo eacute praticamente nulo Para os

conselheiros de Estado de 1840 a 1889 dos 72 homens que estiveram em seus

quadros apenas 02 natildeo possuiacuteam educaccedilatildeo superior O niacutevel educacional dos

deputados gerais se assemelha percentualmente ao dos senadores (CARVALHO

2007)

Depois da elite de Coimbra dominar os primeiros anos do impeacuterio vem o comeccedilo da

nacionalizaccedilatildeo com os cursos de Direito preferecircncia nacional para o ingresso na

elite poliacutetica via cargo puacuteblico Tais cursos satildeo criados no Brasil depois da

independecircncia em 1827 e comeccedilando efetivamente em 1828 Um em Satildeo Paulo e

outro em Olinda - transferindo-se o segundo posteriormente para a cidade do Recife

A presenccedila no poder de egressos da escola de medicina e engenharia tem o peso

relativo proporcional ao dos militares eacute o diferencial estava mesmo na formaccedilatildeo no

Direito O curso superior era o preacute-requisito para tentar um cargo no poder Sobre o

segundo e terceiro escalotildees da burocracia como bem nos mostra Joseacute Murilo satildeo

representados por diretores chefes de seccedilatildeo e uma gama de funcionaacuterios

especializados em sua maioria vinculada a algum ministeacuterio e que buscava nas

cidades principalmente o emprego puacuteblico como forma de sobrevivecircncia visto a

falta de postos de trabalho em outros setores A elite brasileira era em sua quase

totalidade letrada o que a afastava mais ainda da grande massa do povo sem

alfabetizaccedilatildeo

Carvalho (2007) sustenta que a homogeneidade ideoloacutegica eacute um dos importantes

fatores que iriam fornecer a possibilidade de constituir determinados modelos de

dominaccedilatildeo poliacutetica Uma elite homogecircnea tende a uma movimentaccedilatildeo em uma

mesma direccedilatildeo e garante ao menos a possibilidade de um projeto comum E eacute essa

homogeneidade que sugere que se possa conseguir certa estabilidade para

administrar conflitos dentro destes grupos O Brasil jaacute dispunha de tal elite quando

da independecircncia (que apesar de seguir os moldes portugueses jaacute apresentavam

caracteriacutesticas distintas mesmo por que seus grupos eram diversos procedentes de

muitas proviacutencias do Brasil) A composiccedilatildeo da elite vai se transformando lentamente

com o passar dos anos e com o crescimento do quantitativo de pessoas passiacuteveis

de acesso a esta na grande maioria composta de funcionaacuterios puacuteblicos Eacute uma

verdade a afirmaccedilatildeo de que os representantes da sociedade nesse periacuteodo satildeo

tambeacutem representantes do Estado Os estamentos como sustenta Bauman (2001)

lugares a que os indiviacuteduos pertenciam por hereditariedade aos poucos vatildeo dando

lugar as classes onde o pertencimento eacute fabricado pelo esforccedilo do indiviacuteduo por

sua vontade de pertencimento E ao mesmo tempo associadas as caracteriacutesticas

que a sociedade brasileira consegue ter neste momento de uma dinacircmica para a

consolidaccedilatildeo de um sistema liberal e ao mesmo tempo conservador de dominaccedilatildeo

Segundo Alencar o paiacutes tambeacutem eacute ldquoconduzidordquo pelo Estado Estaacute em suas matildeos

considerando que ldquoempresas industriais associaccedilotildees mercantis bancos obras

puacuteblicas operaccedilotildees financeiras privileacutegios fornecimentos todas essas fontes

abundantes de riquezas improvisadas emanam das alturas do poderrdquo (ALENCAR

2011 p99) A centralizaccedilatildeo da elite garantia ao mesmo tempo um Estado forte e

uma homeostase entre os grupos no poder em que os conflitos mais seacuterios e os

movimentos contestatoacuterios ficavam localizados nos municiacutepios onde era mais faacutecil

uma soluccedilatildeo (mesmo que em forma de accedilatildeo militar como no caso das revoltas no

periacuteodo regencial) Uma grande mudanccedila se efetua entre 1855 e 1868 quando o

partido liberal quase desaparece por completo depois de dominar o cenaacuterio poliacutetico

por aproximadamente 10 anos Eacute um periacuteodo de ascensatildeo de liberais histoacutericos e

conservadores dissidentes jovens lideranccedilas que aparecem no periacuteodo da

conciliaccedilatildeo De 1862 a 1868 haacute uma notoacuteria instabilidade no ministeacuterio durando em

meacutedia um ano cada gabinete Tudo isto em um momento de guerra externa que

produzia inflaccedilatildeo e consumia enorme quantidade de recursos puacuteblicos (CARVALHO

2007) Mas isto natildeo eacute sentido no cotidiano das elites econocircmicas que tem no Estado

sua fonte de renda quando natildeo de exploraccedilatildeo das rendas do proacuteprio Estado

Schwarcz (1999) nos daacute uma visatildeo interessante do interior de um sobrado citadino

em meados do seacuteculo XIX o padratildeo de moradia para a elite da corte onde temos

uma ideia de seu cotidiano luxuoso e requintado

() eacute na capital durante os anos de 1840 a 1860 que se cria uma febre de bailes concertos reuniotildees e festas A corte se opotildee agrave proviacutencia arrogando-se o papel de informar os melhores haacutebitos de civilidade tudo isso aliado agrave importaccedilatildeo dos bens culturais reificados nos produtos ingleses e franceses Nas casas os homens jogam voltarete gamatildeo xadrez e whist e os moccedilos o jogo da palhinha Jaacute as mulheres divertem-se com jogos de prenda de flores do bastatildeo do amigo ou amiga e do lenccedilo queimadordquo (SCHWARCZ 1999 p 156)

O teatro por exemplo estaacute entre as diversotildees mais apreciadas do periacuteodo Eacute o lugar

de encontros poliacuteticos flertes e namoros escondidos de encontros e desencontros

um lugar de diversatildeo Natildeo eacute a toa que a expressatildeo teatro poliacutetico tatildeo usado por

Nabuco Alencar e Machado tambeacutem se refira a possibilidade do puacuteblico participar

das seccedilotildees das casas legislativas como expectador Este vecirc se constrange ri

chora pode vaiar pode aplaudir Mas suas accedilotildees natildeo iratildeo modificar

substancialmente o andamento do espetaacuteculo poliacutetico Cabe lembrar que os teatros

(o espaccedilo fiacutesico) tambeacutem satildeo locais onde a propaganda poliacutetica tinha ldquoseu lugarrdquo

Usados como lugares para reuniatildeo geralmente pela localizaccedilatildeo e capacidade de

abrigar vaacuterias pessoas A tiacutetulo de exemplo registramos uma anotaccedilatildeo de Tavares

Bastos em seu diaacuterio sobre o uso do Teatro Phenix Dramaacutetica na Rua da Ajuda

para as ldquoconferecircncias radicais do Clube Radicalrdquo (ABREU 2007 p 129) Os

comiacutecios puacuteblicos soacute seratildeo uma realidade a proximidade do fim do seacuteculo com

homens como Lopes Trovatildeo que conseguiram levar a populaccedilatildeo agraves praccedilas puacuteblicas

em nome do partido republicado (COSTA 1999)

24 INTELECTUAIS E OPINIAtildeO PUacuteBLICA

Gramsci nos mostra que os intelectuais se formaram historicamente associados agraves

elites econocircmicas Sua funccedilatildeo dentro dos diversos ldquopartidosrdquo eacute o de organizaccedilatildeo e

disseminaccedilatildeo da ideologia Alencar eacute algueacutem que nasceu na tradiccedilatildeo da aristocracia

rural mas por sua atividade como jornalista advogado e poliacutetico e por seu ativismo

poliacutetico pode ser enquadrado na categoria de intelectual orgacircnico Aquele que

busca em sua praacutexis transformar ensinar e buscar soluccedilotildees para a sociedade Mas

Alencar estaacute longe de ser um elemento que surge do povo ou das ldquobases

popularesrdquo apesar de ter sido eleito deputado para vaacuterios mandatos Cabe lembrar

que as campanhas poliacuteticas no periacuteodo natildeo exigiam uma presenccedila constante do

candidato junto a sua base eleitoral Os eleitores ndash pouquiacutessimos decerto - satildeo

relativamente abastados (considerando natildeo haver um mercado de trabalho as

diferenccedilas entre os grupos satildeo grandes) configuram uma categoria da elite regional

que tendia a se identificar com um candidato mais pela rede de relaccedilotildees sociais a

que este representava ou estava associado do que propriamente agraves ideias de algum

dos partidos poliacuteticos em atuaccedilatildeo no periacuteodo

Eacute na literatura e no jornalismo aonde floresce a vocaccedilatildeo de Alencar como

intelectual eacute ali que se constitui a sua forma de estudar a realidade e de interagir

com ela Entendemos que para Gramsci (1976) a ideia de participaccedilatildeo na cultura

natildeo significa a simples aquisiccedilatildeo de conhecimentos ou uma atitude passiva do

sentimento humano mas sim posicionar-se frente agrave histoacuteria fazer a histoacuteria

acontecer mesmo que a poder das armas E a luta armada do intelectual vem na

forma de manifestos eacute a sua maneira de interagir com o puacuteblico (BOBBIO 1997)

buscando (incitando) a transformaccedilatildeo da realidade

A cultura estaacute relacionada com esta transformaccedilatildeo da realidade atraveacutes da busca e

da conquista de uma consciecircncia superior onde cada indiviacuteduo precisa conseguir

compreender o seu valor na sociedade (GRAMSCI 1976) Eacute a passagem do

momento corporativo ao momento eacutetico-poliacutetico da estrutura agrave superestrutura Isto eacute

expresso por Gramsci atraveacutes do seu conceito ampliado de poliacutetica a catarse O

momento em que a esfera dos interesses corporativos e particulares eleva-se ao

niacutevel da consciecircncia universal e as classes conseguem elaborar um projeto para

toda a sociedade atraveacutes de uma accedilatildeo coletiva Assim sair da passividade para

Gramsci eacute deixar de aceitar a subordinaccedilatildeo que o sistema capitalista impotildee a

alguns estratos da populaccedilatildeo

Alencar advogado brilhante e poliacutetico combativo eacute antes de tudo um homem das

letras Algueacutem que conhece a forccedila da palavra e como jornalista e editor o alcance

que um perioacutedico pode ter E ele usaraacute isso em seu favor Este intelectual buscaraacute

em suas leituras os conceitos claacutessicos do liberalismo com Adam Smith John Locke

Benjamim Constant e outros poucos livros que tinham em matildeos ndash vaacuterios ainda em

sua liacutengua original (RENALT 1976) - que lhes dariam o suporte para se sustentar

junto a tecnocracia administrativa que se formava situando-se em algum lugar

confortaacutevel entre o absolutismo e a democracia - em alguns casos entre o

constitucionalismo e o voto censitaacuterio entre o liberalismo e a igualdade

A tarefa a que se propotildee o Alencar que pode ser entendida tambeacutem como uma

espeacutecie de educaccedilatildeo ndash senatildeo das massas com os movimentos operaacuterios

principalmente no iniacutecio do seacuteculo XX e que natildeo se percebem ainda no periacuteodo mas

de grupos paulatinamente mais generalizados que se formam como resultado do

desenvolvimento das cidades ndash eacute praticado pelos intelectuais (sendo Alencar um

exemplo) como agentes de ligaccedilatildeo entre as elites e tais grupos visto que o projeto

educacional corresponde a uma necessidade de formaccedilatildeo intelectual e teacutecnica do

povo ateacute mesmo para uma maior qualificaccedilatildeo do trabalhador que pudesse gerar

com seu trabalho um desenvolvimento tecnoloacutegico dos meios de produccedilatildeo de

capital e tambeacutem para o periacuteodo um texto mais ldquoagradaacutevelrdquo e basicamente mais

acessiacutevel que seria um facilitador para que uma maior parte da populaccedilatildeo pudesse

conhecer as ideias liberais O sentido era didaacutetico e ideoloacutegico ao mesmo tempo de

forma que um grupo maior pudesse ser identificado com o movimento e dele

tomasse partido

Observe-se que em Gramsci a supremacia de um grupo social se manifesta de dois

modos como domiacutenio (coaccedilatildeo) e como direccedilatildeo intelectual e moral (consenso) Eacute no

consenso que o trabalho de Alencar busca organizar uma sociedade menos desigual

a partir da divulgaccedilatildeo de uma ideologia liberal (dentro dos limites do que se pode

entender como ldquoiguaisrdquo no liberalismo brasileiro estamos sempre no acircmbito de uma

aristocracia) de uma moral cristatilde que auxilia no projeto de dominaccedilatildeo do povo e da

defesa da propriedade privada esta extensiva ao projeto da escravidatildeo

Um grupo social pode e deve impor-se como dirigente (e seu modo de expressatildeo eacute

em geral o partido poliacutetico) e sua organizaccedilatildeo eacute o que lhe sustenta na busca de

uma posiccedilatildeo no poder Isto vale tanto para as elites como para os grupos de

trabalhadores Mas a maneira para que isto ser levado a cabo seria pela via da

informaccedilatildeo da educaccedilatildeo da politizaccedilatildeo enfim Algumas preocupaccedilotildees de Gramsci

satildeo tais como as de Alencar Como levar a discussatildeo poliacutetica para a maior parte da

populaccedilatildeo enquanto esta natildeo se preocupa com a realidade mas com os modismos

com as influencias externas Como politizar o povo (GRAMSCI 1976) O que se

nota eacute que tal discurso natildeo se dirige propriamente as massas ele jaacute existe ndash anterior

a Marx e Gramsci ndash e eacute usado como forma de dominaccedilatildeo para todos os grupos

sociais Segundo Gramsci (1999) os intelectuais que mesmo na Itaacutelia natildeo estavam

ligados agraves massas ldquodeveriamrdquo ligar-se como uma opccedilatildeo eacutetica e como uma opccedilatildeo

poliacutetica para a transformaccedilatildeo O que muda natildeo eacute necessariamente a forma do

discurso mas a direccedilatildeo e o puacuteblico a que se destina O poder natildeo eacute mantido apenas

atraveacutes da hegemonia de classe ou pela simples difusatildeo de ideias desta classe

que o assume eacute preciso accedilatildeo

Em Alencar natildeo observamos uma radicalizaccedilatildeo neste sentido apenas o uso cada

vez maior das formas de comunicaccedilatildeo disponiacuteveis ndash e de forma cada vez mais

diversa tentando alcanccedilar cada vez mais pessoas ndash no momento A sociedade civil

para Alencar aumentaria sua participaccedilatildeo poliacutetica quanto mais politizada estivesse e

quanto maior fosse desenvolvida sua capacidade criacutetica e o Estado natildeo seria assim

tatildeo somente a sociedade poliacutetica mas o resultado da accedilatildeo poliacutetica da sociedade civil

enquanto nuacutecleo formador da sociedade poliacutetica (GRAMSCI 1999) As ideias da

sociedade poliacutetica satildeo passadas como discurso ideoloacutegico para todo o grupo e em

Alencar percebemos a importacircncia senatildeo do formador mas principalmente do

divulgador de tais ideias algueacutem que por vezes pode efetivamente mudar a direccedilatildeo

do jogo dependendo da capacidade de inserccedilatildeo de propostas valores e ideias nos

diversos grupos Natildeo se trata aqui de buscar uma intencionalidade em Alencar

Este enquanto autor dos discursos existe em integraccedilatildeo com os outros ldquoeusrdquo o

leitor o intertexto A palavra e o enunciado ndash no caso ndash satildeo por natureza

ideoloacutegicos Natildeo haacute um significado que natildeo se refira (natildeo se remeta) ao social Todo

enunciado eacute um evento histoacuterico e ao mesmo tempo um ato social Eacute por meio de

enunciados que os agentes comeccedilam a compreender o mundo e depois agir sobre

ele Qualquer texto constitui uma forma de accedilatildeo verbal calculada para a leitura e

com o intuito de propiciar respostas internas e para uma possiacutevel reaccedilatildeo criacutetica ndash

positiva ou negativa - da sociedade Uma enunciaccedilatildeo eacute uma forma de poder Cada

enunciado eacute dirigido a algueacutem em uma situaccedilatildeo especiacutefica em um momento

especiacutefico do tempo As relaccedilotildees de poder imersas na linguagem determinam

tambeacutem as formas das relaccedilotildees sociais Os enunciados dialogam constantemente

com outros enunciados em sua constituiccedilatildeo O cotidiano natildeo existe em uma ordem

formal somos noacutes que tentamos organizaacute-lo mediante uma narrativa que se

pretende coerente e as relaccedilotildees entre os ldquofalantesrdquo que estatildeo sempre mudando

Tais mudanccedilas nas instituiccedilotildees se datildeo porque satildeo constituiacutedas nesse movimento

dinacircmico (STAN 1992) O texto se constitui como uma forma de accedilatildeo que visa

propiciar respostas internas e uma possiacutevel reaccedilatildeo criacutetica ndash positiva ou negativa - da

sociedade Alencar busca construir em seu texto uma resposta positiva empaacutetica

que pretende sugerir (quando menos) comportamentos determinados aos grupos

sociais a que se referem E quanto mais acessiacutevel eacute o discurso maior a sua

amplitude Eacute a relaccedilatildeo a que se chama dialogismo Os enunciados dialogam

constantemente com outros enunciados em sua constituiccedilatildeo e mesmo depois

quando assimilados por noacutes o que jaacute eacute uma das formas de assimilaccedilatildeo do discurso

dada pelo processo dialoacutegico (STAN 1992)

Essa hipoacutetese se sustenta na observaccedilatildeo de que os grupos poliacuteticos necessitam se

reproduzir e apesar do controle restrito do eleitorado (voto censitaacuterio) e dos

reconhecidos laccedilos de famiacutelia natildeo eacute soacute o nuacutecleo familiar o ldquoberccedilaacuteriordquo aonde poliacuteticos

iram encontrar e formar seus sucessores Os laccedilos de apadrinhamento satildeo comuns

e tambeacutem natildeo satildeo incomuns as escolhas de sucessores poliacuteticos pelo criteacuterio de

amizade tiacutepico do clientelismo em vigor no Brasil A escolha dependia de quem

estivesse disposto a assumir o discurso do poder Lembramos que Chauiacute (1997)

sustenta que a proliferaccedilatildeo dos discursos sobre a naccedilatildeo faz com que existam vaacuterias

ldquonaccedilotildeesrdquo dentro da naccedilatildeo cada uma determinado por um modo de pensar a

realidade a sociedade e a poliacutetica e apresentado a um grupo diferente Eacute no

bacharel um ldquoprotordquo poliacutetico elemento constituinte da opiniatildeo puacuteblica e objeto dos

jornais poliacuteticos que Alencar busca seu interlocutor O objeto de seu discurso que

visa ldquoconstruirrdquo uma opiniatildeo puacuteblica Hobsbawn (2010) afirma que a opiniatildeo puacuteblica

eacute um conceito em si proacuteprio ligado ao liberalismo A informaccedilatildeo eacute um agente

constituinte para a integraccedilatildeo dos novos grupos que passam a participar dos

movimentos poliacuteticos

Para a Europa o autor sustenta que as revoluccedilotildees europeias de 1848 mostraram

que a classe meacutedia o liberalismo a democracia poliacutetica e mesmo as classes

trabalhadoras seriam a partir de entatildeo presenccedilas permanentes no panorama

poliacutetico (HOBSBAWN 2010) E com relaccedilatildeo ao Brasil se ainda natildeo temos uma

classe operaacuteria com poder de luta Fora a classe privilegiada detentora de

educaccedilatildeo leitora de jornais detentora dos cargos poliacuteticos e do funcionalismo

puacuteblico compondo a burocracia a classe formadora de opiniatildeo a que nos referimos

ndash que podemos designar como opiniatildeo puacuteblica ndash muito pouco podemos observar da

interferecircncia popular nos processos poliacuteticos A direito ao voto por exemplo nos

conta Prado (2001) era conseguido (e exercido) pelos homens pobres possuidores

de poucas posses que constituiacuteam o grosso do eleitorado mas que em quase sua

totalidade estavam atrelados aos grandes proprietaacuterios de terras e de escravos

como no exemplo do ldquovoto de caixatildeordquo28 com Nabuco (FAORO 2004) o que

acabava por determinar certo conservadorismo nas eleiccedilotildees com os resultados

sempre tendendo ao continuiacutesmo e a solidariedade pelo chefe poliacutetico local mesmo

estas sendo constantemente vitimadas por fraudes e manipulaccedilotildees

Portanto a imprensa colaborou no processo de constituiccedilotildees e acesso de uma

opiniatildeo puacuteblica no Brasil A opiniatildeo puacuteblica pode ser entendida enfim como a

28

Conf Nota 21

participaccedilatildeo da populaccedilatildeo (ou de uma parte desta como vimos) na criacutetica aos

rumos de um determinado estado ou mesmo assunto relevante Apesar de alguns

comentadores negarem veementemente a possibilidade de uma opiniatildeo puacutebica

como no caso de Bourdier (1981) se baseando principalmente no fato de que

quando se coloca a mesma questatildeo para todo um grupo (por mais homogecircnio que

este possa vir a ser) estaacute impliacutecita assegura a hipoacutetese de que exista um consenso

sobre os problemas e que jaacute hajam acordos sobre as questotildees que merecem ser

colocadas e uma manipulaccedilatildeo nos caminhos a que tais propostas de opiniatildeo devam

revelar caracterizando o discurso da opiniatildeo puacuteblica como algo jaacute previamente

moldado preferimos nos basear em Becker (2003) que afirma que a opiniatildeo puacuteblica

se caracteriza exatamente pela diversidade o que lhe distingue como um estudo

mais aprofundado da sociedade que eacute capaz de indicar a atitude e o

comportamento dos homens enquanto em conjunto (enquanto massa) diante de sua

eacutepoca

3 LIBERALISMO E ESCRAVIDAtildeO NAS CARTAS DE ERASMO

31 LIBERALISMO E ESCRAVIDAtildeO

Pudemos observar no capiacutetulo anterior uma visatildeo geral do oitocentos no segundo

reinado e a intrincada relaccedilatildeo dos intelectuais e elites tendo suas ideias divulgadas

por meio da imprensa Mas quais seriam essas ideias Em nosso caso aqui

sustentamos que Alencar fez uma opccedilatildeo pelas ideias liberais que jaacute se

apresentavam por aqui desde antes do impeacuterio As ideias de liberdade chegam de

carona com a independecircncia americana em 1776 e a revoluccedilatildeo francesa em 1789 e

influenciam os movimentos abolicionistas pelo Brasil desde a inconfidecircncia mineira

e a conjuraccedilatildeo baiana29 ateacute os uacuteltimos movimentos revolucionaacuterios no periacuteodo

regencial

O termo liberalismo bem como liberdade tem sua raiz no termo ldquolivrerdquo Cunha

(1997) apresenta-nos as variaccedilotildees livre do latim libegraver liberal do latim libeacuteralis

liberdade do latim libertas ndashaacutetis que etimologicamente formaram o francecircs

libeacuteralisme Bobbio (1998) afirma que a definiccedilatildeo histoacuterica de liberalismo oferece

dificuldades especiacuteficas a menos que possamos admitir a existecircncia de diversos

liberalismos Em primeiro lugar porque o liberalismo se manifesta em diferentes

paiacuteses em tempos histoacutericos diversos e em funccedilatildeo disso o liberalismo se confronta

com problemas especiacuteficos que acabam por determinar sua fisionomia e conteuacutedos

Abbagnano (2007) explica que o liberalismo eacute uma doutrina que tem origens na

idade moderna no seacuteculo XVIII e se caracteriza por tomar para si a defesa da

liberdade no campo poliacutetico O liberalismo pode ser classificado em duas fases uma

primeira fase no seacuteculo XVIII caracterizado pelo individualismo e uma segunda

fase no seacuteculo XIX caracterizada pelo estatismo

A primeira fase eacute caracterizada pelas seguintes linhas doutrinaacuterias que constituem os instrumentos das primeiras afirmaccedilotildees poliacuteticas do Liberalismo a) jusnaturalismo que consiste em atribuir aos indiviacuteduos direitos originaacuterios e inalienaacuteveis b) contratualismo que consiste em considerar a sociedade humana e o Estado como fruto de convenccedilatildeo entre indiviacuteduos (ABBAGNANO 2007 p604)

Na economia o liberalismo combate a intervenccedilatildeo do Estado na sociedade

tentando fazer com que o mercado siga seu caminho Bem como negando o

absolutismo estatal definindo a accedilatildeo deste definindo seu papel em cada lugar

mediante a divisatildeo dos poderes

Jusnaturalistas e moralistas como Bentham acreditavam que bastava ao indiviacuteduo buscar inteligentemente sua proacutepria felicidade para estar buscando simultaneamente a felicidade dos demais A doutrina econocircmica de Adam Smith baseia-se no pressuposto anaacutelogo da coincidecircncia entre o interesse econocircmico do indiviacuteduo e o interesse econocircmico da sociedade (ABBAGNANO 2007 p604)

29

Haacute de se observar a diferenccedila entre as vertentes do pensamento liberal jaacute aqui A conjuraccedilatildeo baiana pregava o fim da escravidatildeo ao passo que entre os participantes da inconfidecircncia mineira a aboliccedilatildeo da escravidatildeo negra natildeo era uma meta

Essas ideias aparecem no campo poliacutetico com os filoacutesofos iluministas como John

Locke Thomas Hobbes e Rousseau que tentaram estabelecer os limites do poder

poliacutetico ao afirmar que existiam direitos individuais que nem os reis poderiam

ultrapassar Bastos (1999) afirma tambeacutem que a busca pelo modelo de Estado

Liberal eacute o coroamento de toda a luta do indiviacuteduo contra alguma tirania do Estado

ldquoSeu pressuposto fundamental eacute que o maacuteximo de bem-estar comum eacute atingido em

todos os campos com a menor presenccedila possiacutevel do Estadordquo (BASTOS 1999

p139) A construccedilatildeo desse Estado liberal em contraposiccedilatildeo ao Estado absoluto eacute

dada pelo jusnaturalismo que eacute

() a doutrina segundo a qual o homem todos os homens indiscriminadamente tem por natureza e portanto independente de sua proacutepria vontade e menos ainda da vontade de alguns poucos ou de apenas um certos direitos fundamentais como o direito a vida agrave liberdade agrave seguranccedila agrave felicidade ndash direitos estes que o Estado ou mais concretamente aqueles que num determinado momento histoacuterico detecircm o poder legiacutetimo de exercer a forccedila para obter a obediecircncia a seus comandos devem respeitar e portanto natildeo invadir e ao mesmo tempo proteger contra toda possiacutevel invasatildeo por parte de outros (BOBBIO 1998 p11)

A segunda fase comeccedila quando esse postulado entre em crise na medida em que o

liberalismo individualista parecia defender os interesses de uma classe determinada

de cidadatildeos a burguesia que se consolidava nas cidades Teoacutericos contratualistas

como Rousseau e Burke e mesmo Hegel posteriormente afirmam que a teoria da

infalibilidade da vontade geral resultante da alienaccedilatildeo total de cada associado com

todos os seus direitos em favor de toda a comunidade transforma aquilo que para o

individualismo eacute do interesse individual como interesse estatal e de certa forma

absorvendo-o Dessa feita ia-se afirmando a superioridade do Estado sobre o

indiviacuteduo contra o que o liberalismo tinha lutado em sua primeira fase

(ABBAGNANO 2007)

As ideias de liberdade poliacutetica combinaram com as propostas de liberdade

comercial algo que se entendia ser beneacutefico a todos sendo assim posteriormente

associadas a defesa e desenvolvimento do capitalismo (HOBSBAWM 2010) O

chamado liberalismo econocircmico prega o fim da intervenccedilatildeo do Estado na produccedilatildeo

de riquezas o fim dos monopoacutelios e outras medidas protecionistas e incentivava a

livre concorrecircncia no mercado No Brasil as ideias liberais tomam forccedila a partir do

iniacutecio do seacuteculo XIX notadamente a partir da independecircncia em 1822 sob influecircncia

tambeacutem da revoluccedilatildeo liberal do Porto de 1820 mas tomando aqui suas

caracteriacutesticas proacuteprias Costa (1999) sustenta que o liberalismo brasileiro deve ser

entendido com referecircncia a realidade brasileira Tendo entre seus adeptos homens

ligados a economia agroexportadora ao traacutefico de escravos e os grandes

proprietaacuterios de terras que buscavam maior espaccedilo para seus produtos fora do

controle de Portugal Para tanto a situaccedilatildeo de colocircnia natildeo poderia ser aceita de

forma alguma

O liberalismo eacute uma corrente de pensamento vastiacutessima e que abrange vaacuterios

campos do pensamento humano Natildeo pretendemos aqui esgotar sequer algumas de

suas possibilidades nem tampouco discutir os valores filosoacuteficos do liberalismo

Este nos eacute apresentado como um movimento que busca a realizaccedilatildeo da liberdade

as garantias da propriedade privada e da vida humana Poreacutem nem sempre a

organizaccedilatildeo do pensamento liberal estaacute associada da ideia democraacutetica A

discussatildeo das ideias liberais no Brasil por exemplo exerceu influecircncia na Carta de

1824 A questatildeo eacute quais seriam as ideias que Alencar buscava apresentar em seu

discurso Satildeo as ideias desse poliacutetico caracterizadas como ideias liberais Haacute uma

comunhatildeo entre o liberalismo e a escravidatildeo Para comeccedilar a responder a tais

questotildees os intelectuais brasileiros se detiveram nas propostas do liberalismo

claacutessico representado pelo pensamento de ndash entre outros ndash T Hobbes Locke

Adam Smith Rousseau Bentham e Mill tentando traccedilar entre eles um caminhos

que justifique a implantaccedilatildeo do liberalismo poliacutetico no Brasil Esse caminho tambeacutem

seraacute trilhado por Alencar Vejamos como foi a adequaccedilatildeo do liberalismo agrave realidade

brasileira

32 LIBERALISMO E ESCRAVIDAtildeO O MODELO BRASILEIRO

A tiacutetulo de complementaccedilatildeo depois desse esboccedilo que natildeo se pretende exaustivo

podemos observar tambeacutem como bem nos diz Schwartz (1991) citando um panfleto

antiescravagista do segundo reinado um dos princiacutepios da economia poliacutetica eacute o

trabalho livre E no Brasil temos portanto o fato ldquoimpoliacuteticordquo da escravidatildeo O autor

adverte que o que se configurava como uma ideologia para as classes em ascensatildeo

na Europa vem a converte-se no Brasil em ideologia que constituiacutea o pano de

fundo dos interesses de uma elite escravocrata Dessa feita o liberalismo perderia

seu caraacuteter universalista passando a defender prioritariamente interesses

particulares

Durante o impeacuterio temos a formaccedilatildeo de dois grupos poliacuteticos distintos que

caracterizariam o periacuteodo com suas lutas e conciliaccedilotildees inclusive com a ldquotroca de

ladordquo de figuras relevantes satildeo eles o partido conservador e o partido liberal Muitas

das ideias que poderiam ser tomadas como liberais foram implantadas no Brasil

pelos conservadores mas nenhuma delas deixava de buscar a realizaccedilatildeo de

interesses particulares de uma elite social e poliacutetica e a manutenccedilatildeo da exploraccedilatildeo

do trabalho

Apoacutes a Independecircncia em 1822 o formaccedilatildeo do Estado Brasileiro toma corpo com

os princiacutepios de um estado regulador baseado em um governo de tradiccedilatildeo

absolutista poreacutem nascido sob a aclamaccedilatildeo de alguns preceitos especiacuteficos do

liberalismo Os processos de independecircncia dos Estados Unidos em 1776 a

Revoluccedilatildeo Francesa (1789-1799) e os movimentos de independecircncia que ocorriam

nas colocircnias espanholas no periacuteodo satildeo influecircncias determinantes

Segundo Costa (1999) o liberalismo estaacute vinculado ao desenvolvimento do

capitalismo e a criacutetica ao ldquoantigo regimerdquo Surge do enfretamento entre a burguesia

e o abuso da autoridade real como a concessatildeo de privileacutegios ao clero e da nobreza

e a manutenccedilatildeo de monopoacutelios Os liberais defendiam os teoacutericos do contrato social

afirmavam a soberania do povo e a supremacia da lei Lutavam ainda pela

representatividade frente ao governo e o direito a propriedade e a liberdade de

comercio e de trabalho No Brasil as elites poliacuteticas se julgavam aptas a gerir este

novo modelo de soberania Tais elites viam na monarquia constitucional o caminho

para se conseguir manter o povo sob controle restringir o poder do imperador e

conseguir a unidade e a estabilidade poliacutetica (COSTA 1999) O ideal liberal

proposto tambeacutem pela revoluccedilatildeo do Porto em 1820 segundo Carvalho (2007) foi o

fomento necessaacuterio para o processo de independecircncia da colocircnia Ao mesmo

tempo a heranccedila do pensamento poliacutetico portuguecircs assimilado pela elite brasileira

fora a responsaacutevel pela homogeneizaccedilatildeo de seus princiacutepios o que muito contribuiu

para a feitura de um projeto comum de naccedilatildeo coesa aos interesses da elite

A assimilaccedilatildeo dos ideais liberais de por alguns atores poliacuteticos que participaram do

processo de independecircncia advecircm de sua formaccedilatildeo intelectual concluiacuteda nas

universidades europeias principalmente em Coimbra o que lhes possibilitou um

contado direto com os fundamentos do liberalismo europeu Esses homens tinham

seus interesses relacionados a economia agroexportadora eram em geral

proprietaacuterios de grande extensatildeo de terras e elevado nuacutemero de escravos Portanto

tencionavam manter as tradicionais estruturas de produccedilatildeo ao mesmo tempo em

que se libertariam de Portugal e das restriccedilotildees que a relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo da

metroacutepole lhes impunha Significava enfim determinar a sobrevivecircncia de um

sistema de clientela e patronagem que representava os ideias que as revoltas

liberais europeias tentavam destruir Esse era o principal problema lidar com a

contradiccedilatildeo entre o liberalismo e a manutenccedilatildeo do trabalho escravo (COSTA 1999)

Podemos distinguir segundo Carvalho (2007) dois tipos de liberalismo no Brasil

Um deles ligado aos proprietaacuterios rurais ligados a economia de exportaccedilatildeo e trafico

de escravos e aquele dos profissionais urbanos que comeccedilas a aparecer a partir

das deacutecadas de 185060 com o maior desenvolvimento urbano e o aumento do

niacutevel de escolaridade nas cidades com a criaccedilatildeo das primeiras faculdades

Faoro (2004) tambeacutem argumenta que podemos identificar duas formas distintas de

liberalismo ao longo do seacuteculo XIX no Brasil O primeiro liberalismo vem de uma

ideologia de longa duraccedilatildeo e pode identificar seu marco fundamental em 1808 com

a abertura dos portos por D Joatildeo libertando das amarras de Portugal a produccedilatildeo

agriacutecola que agora busca ndash sem intermediaacuterios diretos - o comeacutercio internacional

poreacutem com acentuado favorecimento agrave Inglaterra As medidas satisfazem a uma

exigecircncia da Inglaterra e ao mesmo tempo aos produtores locais que se sentiam

limitados pelo pacto colonial Outro marco eacute a Independecircncia e a posterior outorga

da constituiccedilatildeo por D Pedro I que estabelece as normas para a representaccedilatildeo

poliacutetica o voto censitaacuterio e o funcionamento dos poderes legislativo e executivo

mediante uma combinaccedilatildeo de parlamentarismo e monarquia O segundo liberalismo

chega com as ideias de Joaquim Nabuco encabeccedilando um grupo reformista que

pretende as eleiccedilotildees diretas busca a limitaccedilatildeo dos poderes do Senado e do Poder

Moderador e em certa medida a defesa da aboliccedilatildeo da escravidatildeo para um futuro

proacuteximo (FAORO 2004)

a realidade socioeconocircmica no Brasil era muito diferente da europeia o que

acarretava em uma dificuldade na disseminaccedilatildeo dos ideais liberais para as camadas

populares visto que os niacuteveis de analfabetismo eram altos e os meios de

comunicaccedilatildeo poucos o que determinava uma marginalizaccedilatildeo do povo na vida

poliacutetica Tambeacutem o fato de que no Brasil o predomiacutenio de uma sociedade estamental

formada por donos de latifuacutendio que controlavam trabalhadores comuns e escravos

e a ausecircncia de uma burguesia dinacircmica que pudesse servir de suporte a esses

ideais Tudo isto fazia com que se esvaziasse o conteuacutedo dos manifestos em favor

das formas representativas de governo da soberania do povo da liberdade e

igualdade como direitos de todos os homens quando o que se via era a maior parte

da populaccedilatildeo alienada da vida poliacutetica e a manutenccedilatildeo da escravidatildeo (COSTA

1999 p29)

Em um dos periacuteodos mais conturbados da Histoacuteria do Brasil que eacute o periacuteodo da

regecircncia que vai de 1831 com a abdicaccedilatildeo de D Pedro I ateacute 1840 com o golpe da

maioridade podemos identificar uma seacuterie de movimentos poliacuteticos e trecircs facccedilotildees

que disputavam o poder os restauradores os liberais exaltados e os liberais

moderados

O grupo restaurador representava uma parte da classe dominante que apoiara D

Pedro I Com a abdicaccedilatildeo em favor de seu filho passaram a batalhar por seu

retorno ao trono brasileiro agitando os primeiros anos da Menoridade Acreditavam

que soacute uma monarquia com um regente de pulso forte e autoritaacuterio conseguiria

manter a uniatildeo do impeacuterio Seu braccedilo principal estava no senado e no Clube militar

Com a morte de D Pedro I em 1834 os caramurus ndash como eram chamados -

passaram a compor com os moderados o ldquoregresso conservadorrdquo

Os liberais moderados representavam a outra parcela da aristocracia Buscavam a

monarquia mas pelo vieacutes constitucionalista uma vez que a Constituiccedilatildeo de 1824

assegurava a sua continuidade no poder O liberalismo que rotulava essa facccedilatildeo era

apenas de fachada adequado agraves suas necessidades de classe dominante Este

grupo predominou durante os primeiros anos das Regecircncias tendo como um de

seus liacutederes principais Evaristo da Veiga Empenharam-se no combate aos

restauradores e exaltados federalistas na defesa da ordem e da centralizaccedilatildeo

fornecendo subsiacutedios para a orientaccedilatildeo governista

Os liberais exaltados que pretendiam-se uma esquerda liberal (um pouco mais a

esquerda do que os outros grupos) tambeacutem tinham viacutenculos com algumas parcelas

da aristocracia rural mas conseguiam alcanccedilar alguns outros grupos chegando

mesmo a arregimentar uma camada de homens livres destituiacutedos de propriedades

ou pequenos proprietaacuterios Variando de regiatildeo para regiatildeo desenvolviam atividades

nos centros urbanos ou nos campos oscilando numa relaccedilatildeo de dependecircncia entre

a classe dominante e a classe trabalhadora livre (FAUSTO 2001)

Enquanto os moderados defendiam a manutenccedilatildeo da ordem e das instituiccedilotildees

opondo-se a qualquer alteraccedilatildeo mais radical no contexto poliacutetico os liberais

exaltados eram reformistas Defendiam a liberdade ndash em alguns locais para

realmente todos os homens ndash e as reformas poliacuteticas chagando mesmo a defesa

do republicanismo Defendiam tambeacutem maior autonomia das proviacutencias em

contraproposta a tendecircncia centralista que se fortalecia (FAUSTO 2001)

Os membros do grupo moderado eram os regente e deputados Padre Diogo

Antocircnio Feijoacute Evaristo da Veiga Bernardo Pereira de Vasconcelos e o grande

proprietaacuterio de terras e escravos Honoacuterio Hermeto Carneiro Leatildeo

Jaacute o grupo de liberais exaltados (ou radicais) tinha como uma das principais

lideranccedilas Miguel de Frias (que ficou famoso por ter recebido a carta com a

abdicaccedilatildeo de D Pedro I) Eram favoraacuteveis agrave repuacuteblica desejavam a aplicaccedilatildeo das

ideias liberais mesmo que a custa de luta armada Agrave frente do grupo de

restauradores estavam os irmatildeos Andrada

Segundo Rodrigues (2008) a violecircncia social foi caracteriacutestica da regecircncia e com a

maioridade os uacuteltimos resquiacutecios de dissenccedilotildees foram resolvidos institucionalmente

com o fim das revoltas populares pelo interior do Brasil afastando assim os focos de

tendecircncias mais radicais Eacute a partir da ascensatildeo desse grupo moderado que se

solidifica a vertente conservadora que

() admitia a escravidatildeo a participaccedilatildeo poliacutetica restrita aos proprietaacuterios de terras e o modelo de organizaccedilatildeo juriacutedico-poliacutetico monaacuterquico Desse modo os liberais conservadores da regecircncia lutavam pela aboliccedilatildeo das instituiccedilotildees coloniais contra o despotismo o poder da aristocracia portuguesa contra a interferecircncia do Estado na vida econocircmica e pela defesa da propriedade incluindo os escravos (RODRIGUES 2008 p158)

A base de sustentaccedilatildeo do grupo moderado que se apresentava entatildeo como um

representante dos cafeicultores incluiacutea proprietaacuterios e comerciantes e tambeacutem o

grupo dos intelectuais urbanos ciando um ponto de aglutinaccedilatildeo para os outros

setores da classe proprietaacuteria

Bosi (1988) afirma que o paradoxo entre liberalismo e escravidatildeo foi somente verbal

O liberalismo ativo do trabalho ndash e do trabalhador ndash livre ldquosimplesmente natildeo existiu

enquanto ideologia dominante no periacuteodo que se segue agrave Independecircncia e vai ateacute

os anos centrais do Segundo Reinadordquo (BOSI 1998 p 05) O autor tambeacutem afirma

que para entender a articulaccedilatildeo liberal com o regime escravagista eacute necessaacuterio

compreender o modo de pensar das classes poliacuteticas dominantes no impeacuterio que se

impocircs a partir da independecircncia e se consolida entre 1831 e 1860

aproximadamente Segundo ele o que dominou em todo esse periacuteodo no Brasil foi

um ideaacuterio de fundo conservador Um conjunto de normas juriacutedico-poliacuteticas capazes

de garantir a propriedade fundiaacuteria e a escravidatildeo negra ateacute o seu limite Para que

possamos nos inteirar deste paradoxo eacute preciso entender a ascensatildeo dos grupos

que defendiam o trabalho escravo e seus liacutederes

Formado ao longo das crises da Regecircncia o nuacutecleo conservador definiu-se pela voz dos seus liacutederes Bernardo Pereira de Vasconcelos Arauacutejo Lima e Honorio Hermeto como o Partido da Ordem no ano criacutetico de 1837 e logo apoacutes a renuacutencia de Feijoacute A sua histoacuteria eacute a de uma alianccedila estrateacutegica flexiacutevel mas tenaz entre as oligarquias mais antigas do accediluacutecar nordestino e as mais novas do cafeacute no Vale do Paraiacuteba as firmas exportadoras os traficantes negreiros os parlamentares que lhes davam cobertura e o braccedilo militar chamado sucessivas vezes nos anos de1830 e 40 para debelar surtos de facccedilotildees que espocavam nas proviacutencias Ao radicalismo impotente desses grupos locais opocircs-se desde o comeccedilo o chamado liberalismo moderado que exerceu de fato o poder tanto na fase regencial quanto nos anos iniciais do Segundo Impeacuterio As divisotildees internas natildeo tocaram sua unidade profunda na hora da accedilatildeo (BOSI 1998p05)

Rodrigues (2008) tambeacutem sustenta que Bernardo de Vasconcelos e Evaristo

Ferreira da Veiga com mandatos de deputados durante a regecircncia ldquolideravam o

grupo dos liberais moderados que representava os interesses dos proprietaacuterio de

terras e dos cafeicultores Naquele momento o cafeacute era o principal produto na pauta

de exportaccedilatildeo do Brasil a partir de 1831rdquo (RODRIGUES 1988 p155) Nesse

contexto estes representantes dos cafeicultores dificilmente iriam contra a poliacutetica

da escravidatildeo visto a falta de braccedilos para a lavoura e os lucros advindos do

trabalho escravo O liberalismo praticado pelo grupo vai se tornando cada vez mais

conservador visto a necessidade de manter os interesses e o predomiacutenio do grupo

dominante Admite esta autora que ldquoo liberalismo poliacutetico posto em praacutetica pelo

grupo moderado teve como objetivo a defesa dos interesses dos proprietaacuterios e natildeo

a alteraccedilatildeo da ordem vigenterdquo (RODRIGUES 1988 P157) Com o advento da

Regecircncia os uacuteltimos focos de um liberalismo mais radical foram suprimidos com o

fim dos movimentos revoltosos pelo paiacutes o que abriu espaccedilo para a consolidaccedilatildeo

do modelo liberal conservador com alguns ajustes e concessotildees que o ajudaram a

aglutinar as dissidecircncias dos outros grupos

A importacircncia de Bernardo de Vasconcelos e Evaristo da Veiga como divulgadores

do liberalismo pode ser observada principalmente em seu trabalho como jornalistas

a frente dos jornais ldquoO Sete de Abrilrdquo e o ldquoAurora Fluminenserdquo respectivamente Tal

influencia natildeo se limita a Corte visto que outros perioacutedicos reeditavam seus

editoriais chegando o seu alcance desde o interior do Rio de Janeiro ateacute outras

proviacutencias particularmente agrave regiatildeo centro-sul do paiacutes Daiacute podemos ter uma ideia

do poder da imprensa como divulgadora de ideias ndash liberais ou natildeo ndash para os grupos

letrados Bernardo Vasconcelos chega a estabelecer uma diferenciaccedilatildeo entre os

dois liberalismos identificando os radicais como aqueles que norteavam-se pelas

ideias de Rousseau e acreditavam na luta armada e os liberais conservadores como

adeptos da conciliaccedilatildeo e a compatibilizaccedilatildeo dos novos com os antigos valores

(RODRIGUES 2008)

Neves (2001) sustenta que o liberalismo no Brasil se alavanca a partir da revoluccedilatildeo

vintista em Portugal erguida ldquoem nome da Constituiccedilatildeo da naccedilatildeo do rei e da

religiatildeo catoacutelicardquo (NEVES 2001 p76) propondo reformas que pudessem garantir ao

indiviacuteduo direitos de cidadania liberdade de expressatildeo de imprensa dentre outros

buscando o fim do despotismo como uma soluccedilatildeo para o impeacuterio O movimento tem

a adesatildeo do Paraacute e da Bahia seguidos posteriormente pelo Rio de Janeiro sendo

segundo a autora assimilada sem dificuldade pelos elementos das elites poliacutetica e

intelectuais no Brasil A proposta era buscar o novo mas sem abrir matildeo dos antigos

privileacutegios econocircmicos Esta autora sustenta que os jornais panfletos e pasquins

editados no periacuteodo auxiliaram a tomada de um vocabulaacuterio ldquoliberalrdquo pelo grande

puacuteblico que acompanhava as criacuteticas de intelectuais contra o regime divulgadas nas

diversas publicaccedilotildees criando uma rede de ideias que se multiplicava por vaacuterias

partes do paiacutes

Para Gorender (2002) os princiacutepios liberais levados adiante pelos comerciantes e

plantadores era o direito de ter uma representaccedilatildeo no estado fora das limitaccedilotildees

impostas pela poliacutetica colonial Esse processo segundo ele tem inicio apenas com a

abdicaccedilatildeo em 1831 visto que D Pedro I ainda era um representante de Portugal

aqui em nossas terras Gorender afirma que o liberalismo europeu defende o

trabalho livre a eliminaccedilatildeo das injunccedilotildees feudais do pagamento da corveia e de

todos os demais tributos que caracterizaram o sistema feudal Mas lembra tambeacutem

que o proacuteprio Adam Smith natildeo era contra a escravidatildeo nas colocircnias Ou seja o

liberalismo europeu segundo um de seus mais importantes representantes jaacute nasce

sob esta contradiccedilatildeo O autor tambeacutem sustenta que mesmo com a Revoluccedilatildeo

Francesa tendo decretado a libertaccedilatildeo dos escravos em suas colocircnias francesas

Napoleatildeo restabelece a escravidatildeo oito anos depois (GORONDER 2002) Apesar

da liberdade ser um valor importante na Europa aparentemente nas colocircnias a

poliacutetica praticada natildeo era a mesma O que nos leva a entender melhor a relaccedilatildeo

liberalismoescravidatildeo no Brasil Tambeacutem podemos lembrar aqui que mesmo as

instituiccedilotildees religiosas natildeo foram totalmente contraacuterias a escravidatildeo visto que as

ordens religiosas no Brasil mantinham escravos negros

Por tudo isso podemos entender que no processo de formaccedilatildeo do Estado Imperial

Brasileiro havia diferentes leituras e objetivos para o uso do liberalismo ligadas a

interesses especiacuteficos Por um lado como enfatiza Mattos (1987) a accedilatildeo do grupo

conservador no impeacuterio seguia no sentido da construccedilatildeo de monopoacutelios como uma

certa continuidade da poliacutetica que era praticada no periacuteodo colonial enfatizando as

relaccedilotildees de dominaccedilatildeo sustentadas pela coroa Costa (1999) identifica uma certa

originalidade no movimento poliacutetico brasileiro do periacuteodo tentando interpreta-lo

como uma figura hiacutebrida onde os elementos conservadores permanecem criando

uma amalgama com as praacuteticas liberais aceitas estruturando as instituiccedilotildees e a

visatildeo de mundo dos agentes poliacuteticos das elites dominantes sustentados pelas

classes intermediaacuterias que se desenvolvia nas cidades mas que ao mesmo tempo

viam no sistema agroexportador baseado na escravidatildeo uma dificuldade para o

desenvolvimento do capitalismo E haacute mesmo aqueles que como Carvalho (2007)

que chega a subestimar o aspecto liberal enfocando o periacuteodo na perspectiva de

que havia um pensamento conservador dominante prevalecendo no pensamento

poliacutetico local sendo a conciliaccedilatildeo entre as correntes de pensamento e os partidos a

poliacutetica da coroa com o intuito de administrar interesses e evitar conflitos e o

liberalismo sendo apenas uma face da mesma moeda Prado (2001) ainda enfatiza

que o pacto liberal era difiacutecil de ser compreendido no impeacuterio brasileiro que se

forma sob a tradiccedilatildeo ibeacuterica caracterizada pela valorizaccedilatildeo da tradiccedilatildeo e por uma

resistecircncia para as novas ideias que soacute eram experimentadas quando

extremamente necessaacuterias e sob a condiccedilatildeo de que natildeo desestruturassem a ordem

vigente Bosi (1988) sustenta ainda que o traacutefico esta apoiado por vezes pelas

proacuteprias autoridades a quem cabia fazer cessar o traacutefico Mantendo sob seu controle

terras o cafeacute e os escravos tais homens ligados a administraccedilatildeo e a poliacutetica como

o grupo ldquosaquaremardquo de Euzeacutebio Paranaacute Uruguai e Itaboraiacute apoiavam o ldquocomeacutercio

livre Primeira e principal bandeira dos colonos patriotas [ que ] natildeo significava

necessariamente e natildeo foi efetivamente sinocircnimo de trabalho livrerdquo (BOSI 1988 p

07) O que resulta segundo o autor que os moderados cedo ou tarde mostrariam

sua verdadeira face que eacute a conservadora

Os traficantes foram poupados e os projetos iluministas raros e esparsos de aboliccedilatildeo gradual foram reduzidos ao silecircncio Deu-se ao Exeacutercito o papel de zelar pela unidade nacional contra as tendecircncias centriacutefugas dos clatildes provinciais Vencidos os uacuteltimos Farrapos estava salva a sociedade no caso o Estado aglutinador de latifundiaacuterios seus representantes tumbeiros e burocracia A retoacuterica liberal trabalha seus discursos em torno de uma figura redutora por excelecircncia a sineacutedoque pela qual o todo eacute nomeado em lugar da parte impliacutecita (BOSI 1988 09)

Podemos entender com o que foi visto que o liberalismo acaba por adaptar suas

caracteriacutesticas gerais dependendo do local onde se estabelece Prado (2001) lembra

ainda que o impeacuterio no Brasil herdeiro da tradiccedilatildeo poliacutetica ibeacuterica era tambeacutem

avesso a novas ideias no campo poliacutetico que pudessem vir a desestruturar a ordem

estabelecida o que faz com que as ideias liberais assumidas sejam

preferencialmente as de cunho mais conservador Aleacutem do que Prado (2001)

concorda que com a produccedilatildeo organizada sob a exploraccedilatildeo do trabalho escravo

(altamente lucrativo no momento) era muito difiacutecil empreender qualquer movimento

em prol da igualdade e liberdade individuais

A partir da apresentaccedilatildeo deste conjunto de ideias acreditamos que seja possiacutevel

verificar se no texto de Alencar haacute ou natildeo alguma identidade com o liberalismo e a

defesa da escravidatildeo Concordando com o que diz Bosi (1988) acreditamos que

Alencar em seu texto busca uma defesa para o conservadorismo pregado pelos

latifundiaacuterios e traficantes de escravos em que a economia agroexportadora

baseada no braccedilo escravo deveria permanecer como a base econocircmica do Brasil

mantendo assim os privileacutegios dessas elites O liberalismo defendido por Alencar eacute ndash

como afirma Bosi(1988) ndash uma sineacutedoque em que a parte apresentada escolhida

determinada eacute tomada como um todo uniforme desvirtuando assim as ideias

originais do liberalismo e criando novo discurso ideoloacutegico para sustentar um grupo

que se apresenta no poder E eacute para esse discurso disseminado no texto de

Alencar que nos remetemos agora

33 AS CARTAS DE ERASMO

A carta aberta integra os gecircneros textuais caracterizados pelo caraacuteter

argumentativo Sua proposta eacute permitir que o missivista expusesse para o puacuteblico as

suas opiniotildees ou reivindicaccedilotildees acerca de um determinado assunto O gecircnero

difere-se da carta pessoal a qual trata em geral de assuntos que dizem respeito

apenas aos interlocutores nela envolvidos A carta aberta faz referecircncia a assuntos

de interesse coletivo ou que se queira coletivizar De tal modo a carta aberta pode

ser utilizada como forma de protesto contra esse problema como alerta e ateacute

mesmo como meio de conscientizaccedilatildeo da populaccedilatildeo ou de algueacutem com certa

influecircncia como por exemplo um representante de uma entidade ou do governo

acerca da problemaacutetica em questatildeo

As cartas em geral tem uma importacircncia grande como fontes para a historiografia

brasileira A epistolae era forma de comunicaccedilatildeo habitual entre os jesuiacutetas

registrando o cotidiano das primeiras deacutecadas da colocircnia Os jesuiacutetas escreviam-se

dos lugares mais distantes incentivando-se e sugerindo formas de abordagem para

os diferentes grupos aos quais tinham contato No Brasil as primeiras cartas de

Anchieta em sua maioria escritas em latim relatam detalhes da paisagem dos

costumes e das pessoas em Satildeo Paulo entatildeo Vila de Piratininga A primeira carta

do padre Joseacute Anchieta30 escrita em Setembro de 1554 e endereccedilada a Inaacutecio de

Loyola fundador da Companhia de Jesus fala da primeira missa realizada na regiatildeo

(PARIS 1997) As chamadas ldquoCartas Chilenasrdquo atribuiacutedas a Tomaacutes Antocircnio

Gonzaga e escritas em meados do seacuteculo XVIII compondo um longo e irreverente

poema satiacuterico satildeo um documento importante para auxiliar-nos na compreensatildeo da

Inconfidecircncia Mineira Famosas tambeacutem ficaram as cartas de D Pedro I a Condessa

Domitila de Castro nos mostram sete anos (1822 a 1829) de romantismo e do

cotidiano da Corte Na cultura cristatilde mais identificada conosco temos o conjunto de

cartas que Paulo escreve para as igrejas (eccleacutesia ecclesiam ἐκκλησίαν31) na Aacutesia

menor que segundo suas instruccedilotildees poderiam ser lidas para a comunidade

A carta aberta era um meio comum de participar o debate poliacutetico com o puacuteblico nas

primeiras deacutecadas da imprensa Sua publicaccedilatildeo nos jornais no caso dos deputados

como Alencar que moravam na Corte e representavam proviacutencias distantes servia

como uma prestaccedilatildeo de contas puacuteblica O jornal apesar do pouco tempo de vida no

Brasil alcanccedila no segundo reinado a qualidade de um importante agente de

agitaccedilatildeo poliacutetica Entendia-se ali que apesar da verborragia caracteriacutestica do

romantismo e presente em praticamente todos os textos natildeo oficiais o poliacutetico

estava efetivamente trabalhando por alguma coisa Oficializando para a sociedade

suas opiniotildees e posiccedilatildeo no palco poliacutetico da Corte Vaacuterias cartas abertas foram

redigidas no periacuteodo o trabalho de Alencar eacute apenas um exemplo entre muitos

outros E a liberdade de opiniatildeo e de imprensa jaacute eacute presente (e utilizada) desde o

reinado de D Pedro I garantida pela constituiccedilatildeo de 1824 Apesar de D Pedro I natildeo

ter se notabilizado por seu ldquoapoiordquo a imprensa O priacutencipe sempre foi alvo de duras

criacuteticas ateacute mesmo por sua conduta na vida privada

30 Uma ediccedilatildeo de ldquoCartas Avulsasrdquo de Jesuiacutetas - escritas no periacuteodo de 1550 a 1568 - pela Biblioteca da Cultura Nacional publicada jaacute em 1931 registra a importacircncia desse gecircnero 31

As comunidades religiosas do periacuteodo criadas sob a supervisatildeo de Paulo satildeo ainda estaacutegios

de formaccedilatildeo de uma ldquoigrejardquo cristatilde No latim claacutessico eccleacutesia apresenta uma grande variante graacutefica nos textos portugueses do seacutec XIII ao XVI Conforme CUNHA Antocircnio Geraldo da Dicionaacuterio etimoloacutegico da liacutengua portuguesa Rio de Janeiro Nova Fronteira 1982

Alencar publica as cartas e as endereccedila a vaacuterios entes poliacuteticos segundo o assunto

a que iraacute referir e dependendo do efeito e do ldquodestinataacuteriordquo que pretenda atingir Sua

posiccedilatildeo conservadora frente a escravidatildeo talvez tenha sido o tema que mais chama

a atenccedilatildeo Eacute onde centraremos o foco de nossa pesquisa na tentativa de analisar a

defesa de um projeto liberalconservador baseado na matildeo de obra escrava que vai

de encontro as pressotildees externas da Inglaterra de intelectuais franceses e mesmo

internas como a disposiccedilatildeo anunciada por D Pedro II na fala do trono de 1867 para

dar um fim a escravidatildeo no Brasil O pseudocircnimo escolhido foi Erasmo32 No periacuteodo

do recorte ainda natildeo havia um movimento abolicionista consistente vindo da opiniatildeo

puacuteblica Em publicaccedilatildeo recente33 Tacircmis Parron reedita a seacuterie das ldquoNovas Cartasrdquo

endereccediladas ao Imperador no periacuteodo de 196768 aonde procura detalhar este

ponto

Nosso objetivo com a leitura das cartas aleacutem de descobrir se houve uma defesa das

ideias liberais no Brasil ao mesmo tempo em que se tentava conciliar o ideal de

liberdade com a escravidatildeo eacute tambeacutem conseguir uma visatildeo geral do cotidiano

poliacutetico do II reinado na oacutetica de um importante intelectual do periacuteodo enquanto um

analista da dinacircmica das accedilotildees poliacuteticas e como um agente de justificaccedilatildeo do poder

da elite sobre a populaccedilatildeo como um elemento de ligaccedilatildeo das ideias (da ideologia)

desses grupos dominantes com suas vaacuterias camadas perifeacutericas Dado os limites da

pesquisa como observado anteriormente nos concentraremos na posiccedilatildeo de

Alencar frente a escravidatildeo

Apesar de ter jaacute experiecircncia como redator de jornais e manter relaccedilotildees com a

imprensa Alencar prefere publicar as cartas em forma de folhetins que eram

vendidos nas ruas e em livrarias e entregues em casa apenas por meio de 32 Uma referecircncia os filoacutesofo humanista Erasmo de Roterdatilde (1466-1536) As ideias de Erasmo teriam

sido precursoras da reforma protestante que inicia efetivamente com Lutero Dentre seus muitos

trabalhos destacamos o ldquoInstitutio Principis Christianirdquo escrito como uma seacuterie de conselhos

poliacuteticos e morais ao Rei Carlos da Espanha (mais tarde Carlos V do Sacro Impeacuterio Romano)

Acreditamos que o conhecimento de tal obra tenha sido o que sugeriu a Alencar assumir o

pseudocircnimo Erasmo

33 Ediccedilatildeo das ldquoNovas cartas poliacuteticas ao Imperadorrdquo em ALENCAR Joseacute de Cartas a favor da

escravidatildeo Org Tacircmis Parron Satildeo Paulo Heacutedra 2008

solicitaccedilatildeo anterior feita ao editor O que jaacute demonstra que Alencar natildeo pretendia

manter viacutenculos com a imprensa sobre suas opiniotildees poliacuteticas que acabariam

trazendo louros (ou problemas) para o jornal a que ele estivesse vinculado Apesar

do pseudocircnimo natildeo era difiacutecil descobrir o autor dos textos visto que o grupo de

agentes poliacuteticos era reduzido na Corte no periacuteodo imperial e o estilo literaacuterio de

Alencar jaacute fazia sucesso

Tomaremos aqui para a nossa anaacutelise a nova ediccedilatildeo das cartas publicada pela

Academia Brasileira de Letras em 2009 tendo a organizaccedilatildeo do professor e

historiador Joseacute Murilo de Carvalho que se baseou para esta publicaccedilatildeo nos

exemplares originais da biblioteca da Cacircmara dos Deputados em Brasiacutelia o que nos

proporciona uma visatildeo iacutentegra do texto Segundo R Chartier (2009) eacute preciso ter

cuidado com as possiacuteveis adaptaccedilotildees que editores realizam para que determinada

obra natildeo tenha sua leitura ldquofacilitadardquo para o grande puacuteblico podendo mesmo admitir

cortes Acreditamos que natildeo seja o caso aqui A publicaccedilatildeo com a qual

trabalharemos conteacutem as seguintes cartas

Ao Imperador Cartas de Erasmo de 1865 no caso a segunda ediccedilatildeo de 1866

Uma carta ldquoAo Redator do Diaacuteriordquo (do Rio de Janeiro)

Ao Povo Cartas Poliacuteticas de Erasmo de 1866 acompanhadas das cartas ldquoAo

Marquecircs de Olindardquo e ldquoAo Visconde de Itaboraiacute Carta de Erasmo Sobre a Crise

Financeirardquo

Ao Imperador Novas Cartas Poliacuteticas de Erasmo de 1867-68

Eacute preciso explicar uma diferenccedila baacutesica entre as cartas e os folhetins O chamado

ldquoromance de folhetimrdquo chega ao Brasil por volta do iniacutecio do seacuteculo XIX e assim

como na Inglaterra e na Franccedila cai no gosto popular e eacute responsaacutevel por uma parte

importante do desenvolvimento intelectual da populaccedilatildeo Visto que a educaccedilatildeo era

um bem muito caro os romances divulgavam ideias e uma moral

caracteristicamente burguesa para uma parte importante da populaccedilatildeo o que era

desejaacutevel e estimulavam o prazer da leitura A maioria dos tiacutetulos vem traduzida do

original inglecircs (ou francecircs) No Rio de Janeiro salas de leitura (gabinetes) foram

criadas as bibliotecas constituiacutedas (natildeo somente para brasileiros mas para muitos

ingleses que aqui tinha organizado sua vida) emprestavam livros a preccedilos moacutedicos

e pelo seu desenvolvimento cabe questionar o mito de que a maioria da populaccedilatildeo

natildeo tenha nenhum tipo de alfabetizaccedilatildeo O prazer das histoacuterias e a seduccedilatildeo que

estas apresentavam jaacute comenta o Alencar eram muito apreciadas Ele quando

ainda menino lia romances em voz alta para as pessoas em uma sala de estar

acalenta o coraccedilatildeo do povo que por tantos motivos foi privado da alfabetizaccedilatildeo

(NETO 2006)

Alencar se aproveita da praacutetica da publicaccedilatildeo de tais romances em colunas de

jornais regulares Ele mesmo teria oferecido nas paacuteginas da Gazeta do Rio de

Janeiro o romance O Guarani entatildeo um sucesso Os leitores confiantes na

periodicidade aguardavam os proacuteximos capiacutetulos dos romances em dias

determinados Sabendo disso Alencar cria tambeacutem uma ldquoperiodicidaderdquo para as

suas cartas anunciada desde a primeira e veiculada por meio de uma nota do

editor O missivista trata do tema como em uma novela usando sua retoacuterica

romacircntica para alcanccedilar os gostos mais diversos Vem daiacute a procura das cartas

pelos leitores nas terccedilas-feiras dia de sua circulaccedilatildeo A questatildeo da impressatildeo da

carta em folhetim eacute justificada por ser este um meio barato e de raacutepida finalizaccedilatildeo

As cartas satildeo pois impressas em folhetins este eacute o seu suporte Poreacutem natildeo

constituem um romance de folhetim gecircnero tambeacutem relativamente novo no periacuteodo

Folhetim aqui eacute formato do veiacuteculo um pequeno caderno com folhas encartadas

mais parecido com um jornal em tamanho modesto como eram comuns os jornais

na primeira metade do oitocentos Outro sentido dado ao termo (que ajuda na

confusatildeo) ldquofolhetimrdquo indica um texto publicado no rodapeacute da paacutegina do jornal com

comentaacuterios sobre os fatos correntes no meio caminho entre o texto informativo e a

crocircnica em que o jornalista geralmente emitia sua opiniatildeo sobre o assunto tratado

Alencar com sua coluna semanal ldquoao correr da penardquo se especializa nesse estilo de

escrita Por fim lembramos que com as cartas em tais suportes Alencar retoma de

certa forma a tradiccedilatildeo dos pasquins como um tipo de publicaccedilatildeo criacutetica escrita por

uma pessoa apenas e jaacute presente no Brasil mesmo antes da independecircncia em

forma satiacuterica e ateacute mesmo panfletaacuteria (BAHIA 1990)

Eacute mesmo possiacutevel que algueacutem um funccedilatildeo dessas caracteriacutesticas do suporte tenha

chegado a pensar nas cartas como uma ficccedilatildeo em que o imperador e o congresso

figurassem como personagens em mais um drama ou comeacutedia do autor mas isto eacute

soacute uma suposiccedilatildeo deixaremos essas questotildees para a vertente de romancista do

Alencar com suas anotaccedilotildees na pasta da gaveta Mesmo assim sendo esta uma

possibilidade entendemos que a releitura e emprego de fontes tradicionais podem

mesclar-se a partir do meacutetodo utilizado com a invenccedilatildeo de novas fontes que nos

possibilitem uma interpretaccedilatildeo do pensamento dos atores de determinado periacuteodo

(CHARTIER 1990) O jornalismo como instrumento de convencimento poliacutetico

caracteriza a imprensa brasileira na primeira metade do seacuteculo XIX e continua

assim mesmo que de forma mais branda no segundo reinado (ROMANCINI 2007)

Eacute desta forma que caracterizaremos inicialmente o texto das cartas de Erasmo

Joseacute Murilo de Carvalho (2007) sustenta que a despeito da tradiccedilatildeo familiar tendo

sido seu pai um importante poliacutetico representante do partido Liberal as ideias de

Alencar tendiam mais para a proposta conservadora Mas como jaacute comentamos

tais diferenccedilas ndash apesar de existirem ndash eram tatildeo somente maneiras de se posicionar

frente a um mesmo sistema de dominaccedilatildeo o que nos faz crer que exista uma

postura liberalconservadora como modelo para a manutenccedilatildeo do poder a ser

construiacutedo pelas elites e nesse momento tambeacutem atraveacutes de alguns setores da

imprensa Eacute o que buscaremos aqui atraveacutes de uma anaacutelise criacutetica do texto

tentando formular hipoacuteteses em seu curso e deduccedilotildees a partir dos dados obtidos

Cabe lembrar que as cartas de Erasmo satildeo publicadas no periacuteodo entre 17 de

novembro de 1865 e 15 de marccedilo de 1868 portanto antes de Alencar assumir o

ministeacuterio da Justiccedila Talvez a leitura das cartas tenha influenciado a opiniatildeo de

Itaboraiacute na ocasiatildeo do convite de Alencar para compor o ministeacuterio e mesmo na

decisatildeo de D Pedro II para o aceite do ministro Aqui surge uma questatildeo Sustenta-

se que uma das razotildees de D Pedro natildeo ter escolhido Alencar para ser ldquopremiadordquo

com uma cadeira no senado se daria em funccedilatildeo de seu temperamento impulsivo

Que o imperador natildeo podia ldquoconfiarrdquo no Alencar por natildeo saber que tipo de ideais

poderiam sair daquela cabeccedila em dias de arroubo - eacute o que consideram Schwarcz

(1999) e Menezes (1965) Acreditamos tendo por base a pesquisa que D Pedro II

jaacute teria reconhecido no Alencar uma possibilidade para a cooptaccedilatildeo do intelectual haacute

muito tempo E seu ideal conservador e monarquista eacute determinante O imperador

conhecia o Alencar estudou suas accedilotildees por meio das cartas conhecia seus

romances e assistiu aos espetaacuteculos de teatro que o artista criara A ideia de uma

sociedade liberal assentadas na base escravista vinha a calhar com o pensamento

necessaacuterio para a manutenccedilatildeo do Estado no periacuteodo Dom Pedro II era - de certa

forma segundo sustenta Menezes - um seu ldquofatilderdquo E quando do aceite de seu nome

para o ministeacuterio da justiccedila o imperador sabia muito bem onde pisava

As cartas nos mostram a situaccedilatildeo poliacutetica do paiacutes a escravidatildeo e a opiniatildeo de

Alencar sobre como deveria funcionar uma monarquia representativa Um ponto

importante a ser levado em conta eacute o diacronismo caracteriacutestico da seacuterie Sua

publicaccedilatildeo semanal com respeitaacutevel regularidade entre 1965 e 1968 permite a

Alencar uma visatildeo do cotidiano da Corte e suas transformaccedilotildees inclusive as

respostas (muitas vezes diretas de interlocutores que se apresentavam em outras

veiacuteculos ou mesmo na cacircmara) agraves suas criacuteticas o que conduzia a reavaliaccedilotildees eou

reafirmaccedilotildees de posiccedilatildeo do missivista sempre para um proacuteximo nuacutemero

Admitindo que uma sociedade da corte como lembra Chartier (1990) citando um

estudo de Norbert Elias eacute uma formaccedilatildeo social caracterizada por um estatuto de

dependecircncia das relaccedilotildees sociais existentes entre os sujeitos esta constitui

portanto uma forma particular de sociedade onde a Corte desempenha um papel

central que se caracteriza por um conjunto especiacutefico de relaccedilotildees de poder nesse

dado momento Natildeo somente a Corte brasileira no segundo reinado mas a

sociedade caracterizada (construiacuteda pode-se dizer) na e pela Corte como um

modelo para o restante do paiacutes criar um modelo (ou um conceito) na Corte seria

uma forma de agenciamento de tais modelos para os grupos perifeacutericos

Eacute preciso esclarecer por fim que o conteuacutedo das cartas natildeo eacute novo como natildeo eacute

nova sua apresentaccedilatildeo e estudo feitos por comentaristas de renome como por

exemplo os citados Raimundo Menezes e Joseacute Murilo de Carvalho O que se

propotildee aqui eacute buscar nas indicaccedilotildees nas proposiccedilotildees enfim nos iacutendices deixados

no texto uma visatildeo mais abrangente que as caracteriacutesticas de Joseacute de Alencar ndash

com seu estilo marcante ndash propotildeem na escritura - o que trataremos aqui como

documento Vale a ressalva de que as ldquocartas poliacuteticasrdquo natildeo a satildeo a primeira

experiecircncia de Alencar no gecircnero A polecircmica sobre a ldquoConfederaccedilatildeo dos Tamoiosrdquo

com Gonccedilalves de Magalhatildees (e com o grupo que o apoiava) lhe garante uma

experiecircncia soacutelida no debate aberto Cabe tambeacutem enquanto delimitaccedilatildeo do objeto

a caracterizaccedilatildeo dos leitores Alencar escreve para as elites (natildeo que soacute membros

da elite carioca tivessem acesso aos textos tambeacutem funcionaacuterios puacuteblicos diversos

pequenos comerciantes profissionais liberais mesmo um puacuteblico leigo que se

interessava pelo cotidiano poliacutetico do Rio de Janeiro ndash como o demonstramos em

toacutepico anterior - e que deveria ser consideraacutevel visto a quantidade de pequenos

jornais e folhetos impressos para a divulgaccedilatildeo de ideias de poliacuteticos e partidos Mas

estes natildeo eram entatildeo seu principal alvo) tendo a imprensa ndash a miacutedia impressa visto

que a impressatildeo do texto foi feita em folhetins ndash como veiacuteculo que o permitiria levar

suas ideias a um grupo maior detentor de uma opiniatildeo que pode ser mobilizadora

ou mobilizada aqui temos clara a afirmativa de Chartier (1990) que sustenta que a

proacutepria cultura da elite eacute constituiacuteda em grande parte por um trabalho operado em

material que lhe seja proacuteprio que por esta eacute reconhecido Sendo assim sobre tais

elites definimo-las com o apoio de Boacutebbio

() uma minoria que por vaacuterias formas eacute detentora do poder em contraposiccedilatildeo a uma maioria que dele estaacute privada () Em todas as sociedades a comeccedilar por aquelas mais mediocremente desenvolvidas e que satildeo apenas chegadas aos primoacuterdios da civilizaccedilatildeo ateacute as mais cultas e fortes existem duas classes de pessoas a dos governantes e a dos governados A primeira que eacute sempre a menos numerosa cumpre todas as funccedilotildees puacuteblicas monopoliza o poder e goza as vantagens que a ela estatildeo anexas enquanto que a segunda mais numerosa eacute dirigida e regulada pela primeira de modo mais ou menos legal ou de modo mais ou menos arbitraacuterio e violento fornecendo a ela ao menos aparentemente os meios materiais de subsistecircncia e os que satildeo necessaacuterios agrave vitalidade do organismo poliacutetico (BOBBIO1998 p385)

Alencar tinha conhecimento do alcance das cartas Mas o seu destinataacuterio o ldquoleitorrdquo

referencial eacute o imperador D Pedro II A figura do homem bom protetor dos

inocentes iacutentegro e saacutebio mecenas das artes amigo dos intelectuais e tudo o mais

que ficou caracterizado para a posteridade jaacute estava constituiacutedo no periacuteodo o

homem que por tudo se interessava mas natildeo se interessava pelo Brasil

(CARVALHO 2007) E a criacutetica a uma atitude passiva do imperador frente aos

problemas da poliacutetica da administraccedilatildeo puacuteblica ao seu papel constitucional de

mediador de contendas de apaziguador de disputas de fiel da balanccedila eacute o mote

para o conjunto de cartas a que se entrega mui respeitosamente o Alencar

331 AO IMPERADOR (ALENCAR 2009 p09-113)

Na primeira carta endereccedilada ao Imperador um tratamento respeitoso eacute justo e

necessaacuterio Alencar se dirige a D Pedro II como ldquoSenhorrdquo e anuncia-se logo na

primeira linha por um anunciador da verdade Escreve ldquoA verdade filha do ceacuteu

como a luz natildeo se apagardquo (ALENCAR 2009 p09) que natildeo eacute uma ldquofigura de estilordquo

que sugere a referecircncia inicial Alencar se apresenta como portador desta verdade

encarnada que passaraacute a analisar os problemas da sociedade Continua entatildeo

marcando seu territoacuterio entre os grandes quando diz que ldquoagraves vezes eacute um historiado

como Taacutecito ou um poeta como Juvenal outras eacute Demoacutestenes o orador ou

Secircneca o filoacutesofordquo (ALENCAR 2009 p09) E estre eles o nosso autor Alencar

apresenta-se como figura conhecedora do pensamento claacutessico colocando-se como

argumentador que se basearaacute nos princiacutepios do Direito e conhecedor dos princiacutepios

de ciecircncia poliacutetica para sua anaacutelise Apresenta-se como uma autoridade elevando o

debate natildeo a uma reclamaccedilatildeo pessoal sobre o governo mas a condiccedilatildeo de um

criacutetico consciente do sistema de governo que estaacute posto

A posiccedilatildeo de Alencar eacute de apoio agrave monarquia As primeiras cartas satildeo um apelo ao

imperador para que intervenha no executivo e no legislativo para tirar o paiacutes do

momento de crise poliacutetica social e econocircmica que o teriam levado o Partido Liberal

e a poliacutetica de conciliaccedilatildeo Segundo Alencar haacute uma distinccedilatildeo entre as tarefas do

Imperador como titular do Poder Moderador e como chefe do Executivo Cita

Montesquieu em O espiacuterito das Leis em uma passagem que fala da falta de

participaccedilatildeo popular na poliacutetica mas apenas para lembrar ao imperador a teoria da

separaccedilatildeo e independecircncia dos poderes Natildeo chega a citar os argumentos deste

autor contra a escravidatildeo

Defende Alencar que o poder moderador seria um mediador entre a constituiccedilatildeo e o

povo Eacute possiacutevel pensar na accedilatildeo do Poder Moderador como algo que permitia

conquanto suas interferecircncias uma modificaccedilatildeo nas formaccedilatildeo das facccedilotildees das

elites no poder permitindo uma alternacircncia de grupos e partidos (CARVALHO

2007) mas tambeacutem como Alencar aprovava e propotildee na carta o poder moderador

como um instrumento de ldquotomada do poderrdquo pelo monarca com o consentimento do

povo Cabe lembrar que fato parecido ocorre com D Pedro I com a destituiccedilatildeo da

Assembleia Constituinte em 1823 e a outorga de uma nova Constituiccedilatildeo Chega

mesmo a afirmar em um trecho a caracteriacutestica liberal da constituiccedilatildeo quando diz

que ldquoo primeiro reinado em oito anos legou-nos a constituiccedilatildeo belo padratildeo de

sabedoria e liberalismordquo (ALENCAR 2009 p19) esquecendo-se de citar o anterior

fechamento da Assembleia constituinte

Alencar escreve sobre o momento de singular impopularidade pelo qual passa D

Pedro II satirizado ldquopelos teatros e praccedilas a vozeria da gente leviana que entre

hinos e flores vos sauacuteda como o heroacutei da Uruguaiana34rdquo (ALENCAR 2009 p12)

devido agrave longevidade que alcanccedila a guerra e proclama-se um seu defensor frente

aos acontecimentos poliacuteticos que este segundo Alencar ldquodesconhecerdquo E iraacute tornar

puacuteblica ldquoa verdade inteira a respeito do paiacutes sobre os homens como sobre as

coisas ()rdquo (ALENCAR 2009 p14) A culpa na opiniatildeo de Erasmo natildeo seria de D

Pedro II mas da administraccedilatildeo Eacute certo que os gastos com a guerra atrapalham ou

impossibilitam uma seacuterie de investimentos necessaacuterios para o desenvolvimento do

Brasil As despesas provenientes do conflito foram enormes ldquo614 mil contos de

reacuteis onze vezes o orccedilamento governamental para o ano de 1864 criando um

deacuteficit que persistiu ateacute 1889rdquo (SCHWARCZ 1999 p459)

Alencar termina a primeira carta citando Salomatildeo ldquoMisericordia et veritas custodiunt

regem35rdquo (ALENCAR 2009 p15) Apelando para a honra e seguindo a citaccedilatildeo para

34 D Pedro II assistiu a rendiccedilatildeo dos paraguaios no chamado ldquocerco de Uruguaianardquo

35 A misericoacuterdia e a verdade protegem o rei

a sabedoria de D Pedro II justifica a intervenccedilatildeo que este deveria fazer e garante

que o povo lhe veria novamente como um restaurador (palavra cara ao Alencar) da

normalidade Para tanto desenha um ldquopanteatildeordquo poliacutetico ideal da restauraccedilatildeo

proclamando-os defensores da honestidade e da honra Satildeo citados ldquoos Feijoacutes

Vergueiros Andradas Paulas Souzas Limpos Torres e Paulinos36rdquo (ALENCAR

2009 p17) Jaacute na primeira carta podemos observar a predominacircncia da pregaccedilatildeo

de uma sociedade conservadora monarquista aristocraacutetica onde o imperador

ldquogoverna e administrardquo e precisa mostrar que tem tal poder concordando assim com

a tendecircncia do liberalismo moderado que defende que a sociedade soacute poderaacute viver

em paz com um poder forte e centralizado (BOSI 2013) Alencar chega a criticar a

liberdade de imprensa em sua narraccedilatildeo algo que chega a ser discutiacutevel na posiccedilatildeo

de algueacutem que edita um panfleto poliacutetico

A crise na governanccedila proclamada pelo panfletista pode ser entendida de modo

diverso O discurso de Alencar eacute ideoloacutegico no sentido de tentar fazer com que as

transformaccedilotildees histoacutericas sejam negadas e entendidas como uma crise no sistema

O momento (o surgimento digamos) da sociedade ideal eacute dado pela fixaccedilatildeo dos

ldquomaacutertiresrdquo a que Alencar se refere ndash indicando a clara presenccedila de uma aristocracia -

e qualquer mudanccedila neste modelo ideal eacute determinada como uma crise Numa

leitura da teoria de Gramsci por Chauiacute essa construccedilatildeo eacute tida como uma

representaccedilatildeo e uma ideologia ldquoA ideologia eacute um discurso que se desenvolve sob o

modo da afirmaccedilatildeo da determinaccedilatildeo da generalizaccedilatildeo () trazendo a garantia da

existecircncia de uma ordem atual ou virtualrdquo (CHAUI 1997 p33) Quando essa

ordem necessaacuteria ao discurso eacute contestada temos uma crise

A crise eacute imaginada entatildeo como um movimento de irracionalidade que invade a racionalidade gera desordem e caos e precisa ser conjurada para que a racionalidade anterior ou outra nova seja restaurada A noccedilatildeo de crise permite representar a sociedade como invadida por contradiccedilotildees e simultaneamente toma-las como um acidente um desarranjo pois a harmonia eacute pressuposta como sendo de direito reduzindo a crise a uma desordem fatual provocada por enganos voluntaacuterios ou involuntaacuterios dos agentes sociais ou por mau funcionamento de certas partes do todo A crise serve assim para opor uma ordem ideal a uma desordem real () (CHAUI

36 Diogo Antocircnio Feijoacute Nicolau Pereira de Campos Vergueiro Joseacute Bonifaacutecio de Andrada e Silva

Francisco de Paula Souza e Melo Antocircnio Paulino Limpo de Abreu Joaquim Joseacute Rodrigues

Torres e Paulino Joseacute Soares de Souza

1997 p37)

O discurso de Alencar sugere o momento ideal no qual os indiviacuteduos devem se

remeter para aceitar as instituiccedilotildees puacuteblicas a vida e as relaccedilotildees de poder que os

conduzem Um discurso que partindo do social se torna poliacutetico e degenerando-se

dominador

Tornando ao texto na segunda carta Alencar critica a relaccedilatildeo dos ministros com

seus representantes nas proviacutencias ndash delegados ndash os quais acusa de abuso de

poder Repete-se aqui nada mais que o sistema estamental de que nos fala

Raimundo Faoro em que o poder se apresenta na figura do funcionaacuterio do governo

como o governo Natildeo um representante do Rei mas se tornando um rei local em

miniatura (FAORO 2004) Alencar chama particular atenccedilatildeo para as financcedilas que

nomeia como ldquoforccedilas musculares da naccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p24) Alude aos

gastos com armamentos supeacuterfluos (no caso armamentos jaacute sem valor para uso)

destinados a uma raacutepida deterioraccedilatildeo e as dificuldades tambeacutem em consequecircncia

da guerra de conseguir alguma credibilidade financeira das naccedilotildees europeias o que

afetaria ndash e oneraria ndash as importaccedilotildees de maneira geral e tambeacutem as negociaccedilotildees

dos empreacutestimos contraiacutedos no exterior que datavam da eacutepoca de D Pedro I

referentes ao reconhecimento do Brasil como independente e a indenizaccedilatildeo de

Portugal Reconhece que a alta no preccedilo do algodatildeo e a receita gerada natildeo chegam

para sustentar tantas e tatildeo altas despesas visto que as boas safras natildeo satildeo

constantes e a paz conseguida nos Estados Unidos acabaria por determinar uma

queda de preccedilos Esclarece ainda sobre uma crise nas duas maiores fontes de

renda do Estado o comeacutercio ldquojungido a uma liquidaccedilatildeo forccedilada que principiou em

10 de setembro de 1864 e terminaraacute ningueacutem sabe quandordquo (ALENCAR 2009 p25)

e a agricultura ldquoameaccedilada pela questatildeo magna da emancipaccedilatildeo que avanccedila a

grandes passos e estremece ateacute o intimo a sociedaderdquo (ALENCAR 2009 p 25)

O missivista acha por bem terminar a segunda carta com um leve ldquosolavancordquo no

imperador conclamando-o agrave luta em dois paraacutegrafos exemplares

Quando um povo livre abdica o pleno exerciacutecio da soberania eacute dever imperioso do monarca seu primeiro representante assumir essa grande massa inerte de poder para evitar que ela seja dissipada por um grupo de ambiciosos vulgares

Ache ao menos a liberdade que desertou a alma sucumbida da paacutetria um abrigo agrave sombra do manto imperial para que natildeo morra conspurcada nos tripuacutedios da anarquia (ALENCAR 2009 p 26)

Faltava que D Pedro II tomasse as reacutedeas da situaccedilatildeo Alencar entende que essa

sociedade constitucionalista eacute responsabilizada pela maacute administraccedilatildeo visto que os

governantes tambeacutem fazem parte do contrato e devem dar conta de suas accedilotildees sob

pena de serem substituiacutedos Afirma novamente o Alencar que o povo apoiaria o

Imperador em sua accedilatildeo e esperava mesmo por isso Alencar alude mais uma vez

a uma velha foacutermula conservadora de que o imperador reina governa e administra

(Carvalho 2007)

O missivista eacute duro na criacutetica com o periacuteodo chamado conciliaccedilatildeo Uma ldquocorrupccedilatildeo

geral dos partidos () dissoluccedilatildeo dos princiacutepiosrdquo (ALENCAR 2009 p30) da proacutepria

existecircncia da democracia Classificando conciliaccedilatildeo como um termo honesto e

decente para qualificar ldquoa prostituiccedilatildeo poliacutetica de uma eacutepocardquo (ALENCAR 2009

p30) Alencar enxergava aleacutem de sua criacutetica uma dificuldade criada pela

conciliaccedilatildeo para a eleiccedilatildeo de novos quadros para a Cacircmara e consequentemente

os ldquoarranjosrdquo eleitorais para o Senado cargo a que ele pretenderia poucos anos

depois (sua situaccedilatildeo como bacharel lhe garantiu ateacute o momento um emprego como

jornalista e uma mesa em um escritoacuterio de advocacia)

Os partidos segundo ele seriam a miliacutecia da naccedilatildeo entende ele que o povo deve

participar e fiscalizar o legislativo satildeo eles que garantem a existecircncia e a preservam

instituiccedilotildees da monarquia e do povo Em outro momento ao se referir novamente

agraves coalizotildees que se seguem ano apoacutes ano no parlamento questiona com espanto

como pode ser que ldquocidadatildeos individualmente probos e cordatos se consolidam

assim com a escoacuteria em uma liga monstruosa que humilha a cada um no recesso

da consciecircnciardquo (ALENCAR 2009 p36) A criacutetica de Alencar mostra menos sua

preocupaccedilatildeo com a democracia sustentada pelas ideias de partidos diversos em

uma luta pelo poder princiacutepio baacutesico do liberalismo que a preocupaccedilatildeo com a

homogeneizaccedilatildeo das ideias que pode dar mais espaccedilo para grupos diversos

alcanccedilarem cargos na administraccedilatildeo puacuteblica

Segundo Carvalho (2007) a liga natildeo foi propriamente um partido mas uma

orientaccedilatildeo poliacutetica e Alencar a considerava como um ldquomomentordquo da conciliaccedilatildeo

Nada mudaria afinal As eleiccedilotildees continuariam a serem compradas com as

ldquoceacutedulas pagas agrave vista ou descontadas com promessas de pingues empregos e

depreciadas condecoraccedilotildeesrdquo (ALENCAR 2009 p37) O circo estava posto os

comiacutecios apresentados como espetaacuteculos nos teatros puacuteblicos a imprensa tatildeo

ldquobem desenhada nesta grande capital que mata as folhas poliacuteticas e soacute fomenta as

gazetas industriaisrdquo37 (ALENCAR 2009 p37)

Termina a carta de 03 de dezembro desiludido mas natildeo sem lanccedilar seu bilhete da

sorte

O povo inerte os partidos extintos o parlamento decaiacutedo Restam eacute verdade alguns cidadatildeos eminentes abrigados na tribuna vitaliacutecia como as reliacutequias do senado romano esperam tranquilos em suas curules o momento de morrer com a liberdade que amaram (ALENCAR 2009 p37)

O Senado eacute visto aqui como a instituiccedilatildeo merecedora de creacutedito dentro de tudo o

mais que foi criticado Mas seraacute que os olhos do missivista natildeo procuravam jaacute por

uma cadeira naquela casa

A carta datada de 09 de dezembro inicia derramando louros sobre a cabeccedila de D

Pedro II Alencar chega a chama-lo pelo epiacuteteto de Rei sol logo depois se corrigindo

(se eacute que isso seja possiacutevel) e tratando de conduzir a luz do imperador do Brasil

para longe da referecircncia de Luiz XIV ndash seria ele ldquoo foco brilhante que rege todo um

sistema e dardeja luz e calor para a naccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p39) O foco

realmente estaacute em criacuteticas puacuteblicas de que haja certa interferecircncia do imperador na

37 Alencar sabe que o leitor de poliacutetica busca os folhetos e pasquins comuns no periacuteodo O leitor de

jornais regulares busca outros atrativos Ele mesmo aumentou a venda da ldquoGazeta do Rio de

Janeirordquo enquanto seu soacutecio e editor com a publicaccedilatildeo de um romance de folhetim O Guarani

administraccedilatildeo (na maacute administraccedilatildeo) o que Alencar chama de modo de governo

pessoal responsabilizando o imperador pelos atos dos ministros apesar da

responsabilizaccedilatildeo expressa pela doutrina liberal de que o governante estaacute laacute para

exercer a soberania dada a ele pelo povo Cabe lembrar que pela constituiccedilatildeo do

Impeacuterio o Imperador natildeo poderia ser responsabilizado por suas accedilotildees A referecircncia

ao Rei Sol se daacute neste sentido pois a constituiccedilatildeo brasileira de 1824 no seu artigo

99 diz claramente que a pessoa do Imperador eacute sagrada e inviolaacutevel38 Ele natildeo estaacute

sujeito a responsabilidade alguma Eacute enquanto do exerciacutecio do Poder Moderador

que adviriam as responsabilidades Por vezes temos a impressatildeo de que Alencar

exagera sua veia romacircntica como uma forma pessoal de provocaccedilatildeo No momento

defende a postura de D Pedro

Minha convicccedilatildeo vai muito aleacutem Natildeo somente nenhuma influecircncia direta exerceis no governo mas vosso escruacutepulo chega ao ponto de frequentes vezes concentrar aquele reflexo que uma inteligecircncia satilde e robusta como a vossa deve derramar sobre a administraccedilatildeo (ALENCAR 2009 p 39)

Depois de alguns anos jaacute como Ministro Alencar se arrependeraacute dessas palavras

enquanto observa os muitos ldquobilhetinhosrdquo de D Pedro sobre sua mesa indagando e

bisbilhotando na pasta da Justiccedila Mas a verdade eacute que Alencar eacute um dos

defensores da responsabilizaccedilatildeo do monarca por seus atos recaindo esta (sendo

dividida) tambeacutem sobre o ministeacuterio O que determinaria o poder moderador como

limitado longe do despotismo de Luiz XIV Como um bom conservador Alencar eacute

dogmaacutetico e pessimista quanto as mudanccedilas que poderiam acontecer se o

Imperador natildeo se impusesse

Em um segundo momento compara D Pedro II a Jorge III da Inglaterra pela

inflexibilidade do caraacuteter e poder39 cita o episoacutedio em que depois de muitas

tentativas consegue sucesso com um ministeacuterio em que liberais e conservadores

trabalhassem juntos ldquona ceacutelebre coalizatildeo de North Fox Cavendish Keppel Burke e

outrosrdquo (ALENCAR 2009 p41) Mas laacute sustenta formaram-se ldquopartidos vigorosos

38

Conforme a CONSTITUICAtildeO POLIacuteTICA DO IMPERIO DO BRAZIL (DE 25 DE MARCcedilO DE 1824)

Disponiacutevel por exemplo em wwwplanaltogovbrccivil_03constituiccedilatildeo24htm 39 Jorge III foi cognominado ldquoo loucordquo por apresentar problemas de sanidade mental durante seu

reinado

que agrave inflexibilidade da coroa opunham a firmeza e rigidez de seus princiacutepiosrdquo No

Brasil ndash segundo Alencar - o parlamento estaacute entregue a homens preocupados com

seu poder e capacidade de enriquecimento esquecendo-se do povo e mesmo da

eacutetica que os deveria conduzir

Nesta carta volta a criticar as coalisotildees que se operam nas casas poliacuteticas inclusive

no conselho de Estado aonde chega a sugerir que estes (os conselheiros) estejam

em busca por ldquoapenas uma aliagem [sic] de individualidades na esperanccedila de

engrandecimento pessoalrdquo (ALENCAR 2009 p42) Critica tambeacutem a instituiccedilatildeo dos

Voluntaacuterios da Paacutetria acreditando ser uma forma de fragmentar a hierarquia dentro

do exeacutercito sugerindo algo feito a revelia de D Pedro II e a que este se aliaria

depois para agradar ao grupo

Apreciais devidamente o exeacutercito que ama com entusiasmo seu monarca e zeloso protetor Natildeo era possiacutevel que cogitaacutesseis um meio de desgostaacute-lo profundamente estabelecendo preferecircncias a favor de bisonhos soldados com pretericcedilatildeo de bravos veteranos cheios de serviccedilos e jaacute traquejadas pela vitoacuteria (ALENCAR 2009 p 43)

O imperador foi para Uruguaiana como o primeiro voluntaacuterio da paacutetria em um

exemplo de patriotismo e espiacuterito de lideranccedila e tentando tambeacutem criar um estado

de acircnimo geral no oficialato Aqui ainda natildeo estaacute o Alencar a se referir ao

recrutamento forccedilado de homens pelos presidentes das proviacutencias que viria mesmo

a criticar enquanto ministro como uma violaccedilatildeo da liberdade E por falar em

ministros a incompetecircncia destes ndash chamados por ele de ldquoefecircmerosrdquo - eacute ponto

paciacutefico Em sua criacutetica tambeacutem natildeo deixa de alfinetar o imperador garantindo que

os ministros fraacutegeis que satildeo ldquonatildeo ousariam tanto sem a certeza do apoio da coroardquo

(ALENCAR 2009 p42) Acusaccedilotildees de corrupccedilatildeo preenchem as vaacuterias paacuteginas das

cartas e indicam senatildeo cumplicidade ao menos consciecircncia do imperador sobre tal

situaccedilatildeo Alencar encena uma defesa mas ao mesmo tempo critica a praacutetica da

(podemos chamar) natildeo-interferecircncia no executivo por parte do Imperador Ao fim

qualquer atitude da coroa de accedilatildeo ou omissatildeo eacute objeto para o jogo de poder que se

daacute no parlamento

Em certo ponto da carta faz uma alusatildeo a Caxias chamado para o comando de

tropas no Rio da Prata A figura de Caxias - da parte que interessava ao Alencar -

era um poliacutetico respeitado vinculado ao partido conservador Surgindo como um

salvador da paacutetria exigia atenccedilatildeo do ministeacuterio e do Imperador No episoacutedio do

desentendimento com Zacarias de Goacuteis em 1868 entatildeo presidente do gabinete o

primeiro sairia vencedor mas sua vitoacuteria mudaria em muito os rumos da poliacutetica

nacional Mas por agora o ocircnus de um desenvolvimento deficiente das tropas na

guerra recaiacutea sobre o imperador Esta era a fala de Alencar e segundo ele ldquoesta eacute a

verdaderdquo (ALENCAR 2009 p47)

Na quita carta Alencar toma as figuras de Maquiavel e de Dacircmocles - uma

personagem da mitologia grega a quem se atribui uma faacutebula sobre a precariedade

do poder Nota-se ateacute aqui a facilidade com que Alencar se refere a mitologias

diversas indicando que o texto se dirige a um puacuteblico seleto No impeacuterio era uma

praacutetica a menccedilatildeo a mitologia greco-romana e a figuras biacuteblicas como forma de

demonstrar o domiacutenio de uma cultura letrada (o que eacute particularmente importante

para o Alencar que segundo Neto (2006) era visto com certo preconceito por ter se

formado em uma faculdade de Satildeo Paulo e natildeo na Europa como os membros mais

antigos do parlamento) A referecircncia a Maquiavel novamente serve para lembrar a

D Pedro II que o fim justifica meios e se omitir natildeo eacute a melhor atitude Ainda que

tratado em ldquocarta abertardquo a alusatildeo constante a capacidade intelectual do imperador

funciona como um indicativo (velado) da distacircncia cultural que o separa do povo

Natildeo soacute ele mas praticamente a totalidade da burocracia

A liberdade com que o texto constroacutei o periacuteodo criticando-o natildeo seria encontrada

(tampouco permitida) novamente tatildeo cedo Na repuacuteblica no Estado Novo e mesmo

em periacuteodos bem mais proacuteximos de noacutes a liberdade de imprensa natildeo seria algo

possiacutevel Um trecho da carta apresenta uma criacutetica agrave postura dos jornais sobre a

esquiva poliacutetica do imperador por ser tratado sem o devido respeito No Brasil do

segundo reinado o povo detinha a informaccedilatildeo ndash apresentada pelos veiacuteculos de

comunicaccedilatildeo - mas natildeo conseguia entende-la ou efetiva-la dada sua falta de

instruccedilatildeo O povo tambeacutem neste sentido vive agrave margem das discussotildees poliacuteticas

natildeo podendo entrar em suas aacuteguas tumultuadas Ou em suas margens natildeo se

preocupa com problemas abstratos mas com a realidade que observa no cotidiano

No trecho

Na parte natildeo editorial satildeo frequentes os artigos pagos com endereccedilo a vossa augusta pessoa Conteacutem eles queixas de indiviacuteduos de todas as classes sobre minudecircncias do expediente de empregados subalternos Apelam os suacuteditos para vossa autoridade agrave qual parecem ter devolvido

toda confianccedila e todo poder (ALENCAR 2009 p 53)

Nota-se aqui a preocupaccedilatildeo com o favor real O favorecimento individual O suacutedito e

D Pedro II deixava isto de certa forma impliacutecito poderia procurar o Imperador como

a um balcatildeo de queixas sobre as instituiccedilotildees puacuteblicas Alencar sabia que o povo

estava com D Pedro ldquoEste povo apaacutetico e indiferente agraves mais nobres funccedilotildees da

soberania ainda sente por vossa pessoa sinceros transportes () [sente no

imperador] o estandarte capaz de nestes tempos inertes levantar entusiasmos em

prol de uma causardquo (ALENCAR 2009 p50) quando da partida para Uruguaiana

alude a populaccedilatildeo que ldquo se aglomerou em vossa passagem agrave hora da despedida e

da voltardquo (ALENCAR 2009 p52) Mas o povo pouco importa para a elite Aqui o

povo ainda eacute visto como uma massa ignorante sendo mais uma questatildeo de poliacutecia

do que de poliacutetica Talvez este seja o sentido da frase em que se refere agraves elites

localizadas ldquonas camadas superiores da sociedade onde a luz penetra mais clarardquo

(ALENCAR 2009 p54) Se D Pedro II natildeo tiver uma atitude eneacutergica frente aos

acontecimentos e sobre a corrupccedilatildeo que assola o periacuteodo ndash utilizando-se do Poder

Moderador o que a constituiccedilatildeo permitia ndash seraacute responsabilizado no tempo Alencar

ainda profetiza ldquoA naccedilatildeo vos ama mas a histoacuteria vos julgaraacute com severidaderdquo

(ALENCAR 2009 p56) E continua em tom provocador aproveitando o momento

da guerra como mote para o discurso afirmando que ldquoo trono que a naccedilatildeo vos

confiou eacute um posto de honra Deveis a Deus e ao povo sua guarda severa Natildeo

podeis esquivar-vos a ela sob pena de deserccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p58)

Novamente Alencar afirma concordando com Hobbes a relaccedilatildeo da soberania que

eacute dada pelo povo ao soberano e dele espera um rumo para a sociedade

Para a sexta carta Alencar prefere iniciar em um tom mais ameno novamente

aludindo a ilustraccedilatildeo do imperador em contraposiccedilatildeo com a ldquoatoniardquo do povo O

problema continua no combate eacute ldquoa depravaccedilatildeo do organismo poliacutetico de que

resultou o amortecimento das crenccedilas a extinccedilatildeo dos partidos e a corrupccedilatildeo

espantosardquo (ALENCAR 2009 p59) que estaacute por toda a parte Qual seria questiona

agrave D Pedro II a causa do mal que assola o paiacutes A resposta que propotildee eacute a da falta

de educaccedilatildeo poliacutetica Nesse momento Alencar faz uma breve exposiccedilatildeo sobre a

monarquia parlamentar e o regime republicano e suas relaccedilotildees enquanto

representaccedilotildees do povo justificando que o povo brasileiro ldquoeste povo nobre e digno

das instituiccedilotildees que o regem este povo precoce para a liberdade pois ainda na

infacircncia colonial jaacute se eletrizava com ela natildeo foi educado como merecia para a

monarquia representativardquo (ALENCAR 2009 p61) Alencar tenta amalgamar as

propostas de educaccedilatildeo para o povo com o persistente discurso da tutela do povo

que caracteriza um traccedilo fortemente conservador Eacute o mesmo discurso que Alencar

propotildee para a manutenccedilatildeo da escravidatildeo de que o sistema escravagista teria a

funccedilatildeo de educar o escravo para o conviacutevio social Aqui preferimos acreditar que se

trata de uma estrateacutegia discursiva Este ldquopovordquo de quem fala parece ser o descrito no

paraacutegrafo seguinte

Em 1821 a independecircncia se fez no entusiasmo da liberdade O Brasil conquistou simultaneamente o governo dos brasileiros pelos brasileiros e o governo do povo pelo povo

Desde 1808 com a vinda do rei e a invasatildeo de Portugal a emigraccedilatildeo da metroacutepole para a colocircnia fora muito crescida havia pois ao lado da populaccedilatildeo nata uma populaccedilatildeo adventiacutecia mas jaacute ligada agrave outra por identidade de liacutengua laccedilos de sangue e relaccedilotildees domeacutesticas (ALENCAR 2009 p 62)

O povo eacute o modelo civilizacional trazido de Portugal (modelo europeu) e no caso da

independecircncia as elites que a sustentaram Percebemos que Alencar acreditava na

diferenccedila jaacute demonstrada anteriormente entre povo e plebe (BASILE 2006) A

imprensa segundo ele tenta trabalhar essa educaccedilatildeo poliacutetica para o povo

notadamente com ideias liberais Haacute de se considerar para o periacuteodo jaacute uma

geraccedilatildeo como o Alencar de poliacuteticos formados no Brasil com influecircncia de ideias

liberais A homogeneidade garantida pelo estudo em Coimbra havia sido deixada

nos tempos da colocircnia e os laccedilos entre os indiviacuteduos de proviacutencias diferentes que se

juntavam nas faculdades criadas no Brasil tendiam a aumentar o que deixava de

caracterizar um estamento e passava a transferecircncia das decisotildees para os grupos

socializados de forma diversa nos nuacutecleos brasileiros ndash principalmente o Direito para

a formaccedilatildeo das novas elites da burocracia Este foi o elemento de formaccedilatildeo poliacutetica

para a elite brasileira baseado na educaccedilatildeo Mas o povo soacute tinha acesso aos jornais

e outras poucas miacutedias impressas

Ao mesmo tempo mas tambeacutem sustentando o intelectual como parte da elite

poliacutetica Alencar traccedila um perfil da aristocracia brasileira Esta seria

Composta em geral de duas classes de pessoas os abastados de inteligecircncia e escassos de cabedais e os ricos de haveres mas pobres de ilustraccedilatildeo raros bem raros satildeo os que tecircm a forccedila de se conservar em sua oacuterbita Aqueles urgidos pela seduccedilatildeo do luxo e mesmo pela necessidade buscam nos altos empregos puacuteblicos e elevadas posiccedilotildees uma renda ou as facilidades de alianccedilas e estabelecimentos avantajados Estes pruridos pela vaidade se oferecem aos desejos dos primeiros em compensaccedilatildeo de graccedilas e consideraccedilatildeo (ALENCAR 2009 p6465)

Alencar confirma a necessidade de que (alguns elementos) sua geraccedilatildeo de

ldquobachareacuteisrdquo precisem vincular-se ao governo atraveacutes de cargos na burocracia como

uma questatildeo de sobrevivecircncia e associar-se a alguns grupos econocircmicos ldquoem

compensaccedilatildeo de graccedilas e consideraccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p65) Alencar tambeacutem

eacute um deles o que desmente seu discurso sobre os bens de o que chama de uma

ldquoempregocraciardquo (ou a fundamenta) Os grupos se modificam os poliacuteticos podem

mudar mas a situaccedilatildeo permanece uma aristocracia que manipula o povo inerte

Sobre a imprensa esta se tornou ldquoum luxo entre noacutes as leis fiscais a fizeram tal O

povo eacute pobre e natildeo pode pagaacute-la Alguns perioacutedicos aparecem com sacrifiacutecios

enormes que vegetam em estreito ciacuterculo e afinal acabam inanidosrdquo (ALENCAR

2009 p67) Eacute bem verdade que os pequenos natildeo conseguem sobreviver e

() as folhas diaacuterias de grande formato e circulaccedilatildeo essas constituem o feudalismo da publicidade Suas colunas abertas agrave concorrecircncia mal chegam para os abastados a emissatildeo das ideias ali importa uma despesa natildeo soacute de inteligecircncia e estudo mas do grosso cabedal (ALENCAR 2009 p68)

Esta imprensa ldquoque tem suas raiacutezes como suas ramificaccedilotildees na aristocracia

burguesardquo (ALENCAR 2009 p67) natildeo iraacute atacar a aristocracia Antes a ela se une

Entendemos aqui que a mesma imprensa que serviria a educaccedilatildeo do povo (segundo

Alencar) estaacute vinculada a aristocracia Reafirmamos que o povo que a tanto se

refere Alencar satildeo aqueles que possuem a cidadania confirmada certo grau de

educaccedilatildeo e renda Natildeo o grosso da populaccedilatildeo As ideias liberais pregadas natildeo satildeo

possiacuteveis para todos os homens Termina afirmando que ldquoo uacutenico meio eficaz de

salvar o paiacutes senhor eacute uniatildeo firme dos homens de bem de que sois o chefe

legiacutetimo contra a imoralidaderdquo (ALENCAR 2009 p67) Para onde deveremos ir se

Alencar deixou aqui poucas opccedilotildees para descobrir quem satildeo afinal os chamados

homens de bem Seriam estes os ldquohomens bonsrdquo do municiacutepio no periacuteodo colonial

(FAORO 2004) em uma roupagem mais nobre

Na seacutetima carta Alencar propotildee um estudo sobre a estagnaccedilatildeo em que se encontra

o paiacutes e sustenta que tal estudo deva abranger ldquoa importante questatildeo do sistema

segundo o qual deve funcionar a coroa na monarquia representativardquo (ALENCAR

2009 p69) Isto sem mexer na legislaccedilatildeo Seus fundamentos se assentariam sobre

a praacutetica e experiecircncia (uma experiecircncia que o teoacuterico Alencar ainda natildeo tem)

Busca uma justificaccedilatildeo baseando-se na ldquoliccedilatildeo fecunda do povo mestre em ciecircncia

governamental inventor do sistema representativo e seu modelordquo (ALENCAR 2009

p70) que sendo o imperador constitucionalmente o chefe do poder executivo

exerce sua qualificaccedilatildeo ldquohonoriacuteficardquo por meio dos ministros Investido de majestade

eacute chefe tambeacutem do judiciaacuterio o que se sustenta pelo simples fato de que em todos

os tribunais as sentenccedilas satildeo expedidas em nome do imperador No executivo os

ministros trabalham como um corpo uacutenico e ldquopodem levar para o conselho vaacuterios e

encontrados alvitres a respeito de uma questatildeo importante Na discussatildeo os

argumentos satildeo desenvolvidos e ponderadas as objeccedilotildees Afinal () constroem

uma opiniatildeo meacutedia que natildeo sendo de nenhum ministro individualmente seja a do

ministeacuteriordquo (ALENCAR 2009 p71) A solidariedade eacute o princiacutepio de coesatildeo do

grupo

Em todo momento propiacutecio Alencar toma a Inglaterra como o princiacutepio exemplar

Natildeo por ser a naccedilatildeo mais poderosa e comercialmente mais proacutexima do Brasil nem

mesmo pelo modelo civilizacional que a burguesia brasileira do periacuteodo toma da

Inglaterra mas pela reduzida forccedila que o monarca tem frente ao parlamento que eacute a

tocircnica de Locke Rousseau e Mill Apesar das palavras elogiosas e galanteadoras do

missivista seu intuito eacute o de fazer ver a D Pedro II sua ldquoobrigaccedilatildeordquo de interferir no

sistema quando este estivesse falindo e reorganiza-lo para novamente deixa-lo

seguir sozinho Possibilidade que Alencar natildeo encontra tatildeo facilmente na Inglaterra

O que Erasmo quer afinal eacute a mudanccedila do grupo dirigente porquanto alude aos

atos do Imperador indicando uma postura eacutetica deste quanto ao uso do poder

Moderador Alencar tenta construir a ideia de que natildeo eacute o Imperador quem demite

um ministeacuterio mas ao curso de algum problema maior ldquoa dignidade de homens e

sinceridade de poliacuteticos exigem que incontinente deem e natildeo peccedilam sua demissatildeo

respeitosardquo (ALENCAR 2009 p73) em vista de que o poder lhes eacute delegado e o

Estado deve ter uma accedilatildeo menor em tal processo Eacute a soberania constituiacuteda na

figura do Imperador a consciecircncia ilustrada do povo Eacute para que ldquoo poder moderador

acompanhe de perto a trilha da administraccedilatildeo e observe seus rumos que ele foi

instituiacutedo chefe titular do executivordquo (ALENCAR 2009 p73) Alencar entende que o

poder emana do povo e o Estado deve funcionar antes como um organizador do

desenvolvimento da naccedilatildeo mais uma proposta liberal para a administraccedilatildeo do paiacutes

Para Alencar os dois partidos se alternavam nos gabinetes mas nenhum deles

consegue tempo bastante para realizar seus projetos Alternavam-se e quando no

poder veem-se ldquoesterilizados pela resistecircncia demasiada que encontravam na

moderaccedilatildeo e prudecircncia da coroardquo (ALENCAR 2009 p77) para a realizaccedilatildeo de

necessaacuterias mudanccedilas que pudessem criar um dinamismo na administraccedilatildeo puacuteblica

Um dinamismo que oferecesse uma maior liberdade de investimentos para o

desenvolvimento da naccedilatildeo Mas isso tambeacutem eacute culpa segundo ele da

desorganizaccedilatildeo ideoloacutegica dos partidos e de sua situaccedilatildeo de distanciamento das

bases populares (se eacute que houvesse) O monarca representa o poder nacional

situado acima do sistema que ldquoplaina sobre os outros meros poderes poliacuteticosrdquo

(ALENCAR 2009 p79) O termo poder nacional explica Alencar eacute usado para

designar ldquoa quase comunidade em que se acha com a naccedilatildeo Nele reside uma parte

da soberania popular que se isolou em princiacutepio e se consolidou nessa grande

individualidade a fim de resistir aos desvarios da opiniatildeordquo (ALENCAR 2009 p79)

Alencar falando das instituiccedilotildees lembra os liberais de 1834 que extinguiram o

conselho de Estado eliminando assim o elemento aristocraacutetico que se agarrava a

coroa Alencar sugere que ldquoos atos do poder moderador satildeo de exclusiva

competecircncia vossa [do Imperador] para exercecirc-los natildeo dependeis de agentes e

atualmente nem de conselhordquo (ALENCAR 2009 p81) Mas se observarmos bem

como nos mostra Carvalho (2009) o conselho de Estado apesar de natildeo muito

solicitado e de a despeito de tudo tratar de assuntos em sua maioria sem uma

significacircncia maior era um oacutergatildeo consultivo importante que garantiria uma visatildeo

realista de problemas praacuteticos a que o Imperador provavelmente natildeo tinha acesso

como na deposiccedilatildeo do ministeacuterio Zacarias de Goacuteis Ali o conselho foi olvido e

opinou apesar da decisatildeo final ser de D Pedro II este seguiu o voto dos

conselheiros Mesmo sendo a escolha para o cargo de conselheiro uma

competecircncia exclusiva da coroa e provavelmente D Pedro II natildeo viria a escolher

algueacutem de quem natildeo quisesse ouvir a opiniatildeo tendendo assim a formaccedilatildeo do

conselho para um formato que estivesse mais proacuteximo do temperamento do

imperador e de suas pretensotildees o proacuteprio ato de consulta sugere uma anaacutelise mais

apurada das diversas situaccedilotildees e assuntos (CARVALHO 2007)

O poder moderador eacute uma das bandeiras de Alencar E segundo ele emana

tambeacutem do povo Escreve que ldquo() o poder moderador eacute a consciecircncia ilustrada do

povo [Esse povo] que aceitou a lei fundamental de 25 de marccedilo de 1824 tinha sem

contestaccedilatildeo o direito soberano de a revogar apenas se convencesse que natildeo era a

mais proacutepria para sua felicidaderdquo (ALENCAR 2009 p82) Novamente colocando o

ldquopovordquo enquanto seus representantes A defesa da monarquia constitucional

baseada na lei com os poderes cedidos pelo povo a um governante escolhido Mas

os senadores e mesmo os deputados com poder constituinte estavam muito

distantes do proclamado povo das cartas de Erasmo Em determinado ponto

Alencar chega a defender que ldquoa forccedila ativa do poder moderador eacute

sobreconstitucionalrdquo (ALENCAR 2009 p88) o que parece incoerente com uma

monarquia constitucional Admitindo que este possa dissolver o legislativo demitir

ministeacuterios afirma que ldquonenhum poder nem mesmo o povo tem no domiacutenio da

constituiccedilatildeo faculdade igualrdquo (ALENCAR 2009 p89) D Pedro I aprovaria tais

medidas

Todos os atos do soberano se entendidos como atos do povo soacute levariam o paiacutes

novamente para o absolutismo para a ideia gasta que o proacuteprio Alencar sugere na

carta anterior de que ndash o povo sou eu - o Estado sou eu E todo o resto quando

chama D Pedro II pelo epiacuteteto de rei sol Aqui temos a face do intelectual utilizando-

se de seu texto complexo como uma arma totalmente associado com as elites

dirigentes e servindo de instrumento para sua justificaccedilatildeo Em uma das romacircnticas

figuras que toma compara D Pedro II ao profeta biacuteblico Josueacute indicando que ldquoo

profeta recebia sua possanccedila de Deus o imperador a recebe da leirdquo (ALENCAR

2009 p92) Mas de qual lei se jaacute indica anteriormente ser o poder moderador

sobreconstitucional O que se vecirc eacute que a lei eacute mais um instrumento modificaacutevel pra

justificar a permanecircncia no poder mais uma caracteriacutestica de adequaccedilatildeo do

liberalismo as necessidades das elites locais no poder Alencar como advogado

bem sabe o que escreve

Ao iniciar a nona carta Alencar se apresenta como a voz da consciecircncia do

Imperador o seu pensamento em forma sensiacutevel uma intimidade que o desperta O

tom pressupotildee uma intimidade que jaacute teria sido conquistada com na sequencia das

cartas Faz uma apologia da aristocracia tomando-a como ldquoum elemento infaliacutevel e

salutar no governo e na sociedaderdquo (ALENCAR 2009 p95) Acredita que sem este

estiacutemulo a ldquoelevaccedilatildeo a humanidade ficaria eternamente jungida agrave sua animalidaderdquo

(ALENCAR 2009 p95) Mas eacute preciso conter o poder da aristocracia A monarquia

deve tirar ldquoa esse elemento o privileacutegio de casta que o torna odioso e absurdordquo

(ALENCAR 2009 p95) Defende aqui a aristocracia burocraacutetica com vistas agrave

defesa da monarquia constitucional visto que o monarca a serviccedilo das leis estaria

limitado por esta aristocracia que determina tais leis e essa aristocracia seriam os

elementos do povo fazendo parte do legislativo

Jaacute eacute passado o tempo de D Pedro I que entendia dever seguir a constituiccedilatildeo se

esta estivesse a sua altura (querendo dizer se estivesse conforme seu gosto

pessoal) Os tempos satildeo outros e o Imperador eacute uma peccedila do sistema poliacutetico

escolhido pelas elites para a naccedilatildeo que se forma a partir da independecircncia

(CARVALHO 2007) Eacute preciso dar elementos legais para que o paiacutes se desenvolva

e crie mais riqueza com uma intervenccedilatildeo menor do Estado e ao mesmo tempo natildeo

se modifiquem as condiccedilotildees estaacuteveis conquistadas pelas elites no poder Eacute o traccedilo

que caracteriza o periacuteodo uma postura liberal e ao mesmo tempo conservadora

como modelo ideoloacutegico a ser construiacutedo Um traccedilo caracteriacutestico eacute o sistema de

captaccedilatildeo de intelectuais para os quadros da burocracia que segundo Alencar eacute

uma necessidade Explica ele que

A nossa aristocracia eacute burocraacutetica natildeo que se componha somente de funcionaacuterios puacuteblicos mas essa classe forma a sua base agrave qual adere por alianccedila ou dependecircncia toda a camada superior da sociedade brasileira

Para o desenvolvimento espantoso que tem esse corpo oficial entre noacutes natildeo concorre como pensam o nuacutemero dos empregos mas sim a tendecircncia absorvente da administraccedilatildeo a par da falta de iniciativa particular (ALENCAR 2009 p96)

O Estado gera os empregos para absorver a oferta que cria com os cursos

superiores eacute preciso que se crie uma elite que vaacute administrar o paiacutes eacute certo mas

tudo depende da accedilatildeo do Estado Alencar em um feliz paraacutegrafo delineia suas

pretensotildees poliacuteticas com um pedido que elogiando anteriormente as geraccedilotildees mais

jovens e sua capacidade de adaptaccedilatildeo a adversidade sugere

Volvei os olhos em torno senhor e procurai um homem superior que se tenha elevado do seio do povo na robustez de suas crenccedilas na virgindade de sua inteligecircncia na amplitude enfim de sua personalidade

Natildeo o encontrareis eu vos garanto (ALENCAR 2007 p 97)

Quando sugere um novo nome a sugestatildeo jaacute estaacute feita Mesmo acrescentando no

paraacutegrafo seguinte que natildeo se conseguiria encontrar a construccedilatildeo coloca o criacutetico

como a escolha acertada para a resoluccedilatildeo do problema Eacute um efeito da carta aberta

todos tecircm direito a uma opiniatildeo A opiniatildeo ldquopuacuteblicardquo que tanta preocupaccedilatildeo leva ao

Imperador E mesmo esta pode ser manipulada (se natildeo o eacute) visto que segundo

sua criacutetica ldquoa burocracia fabrica a opiniatildeo puacuteblica no Brasil [considerando que] os

jornais como tudo neste impeacuterio vivem da benevolecircncia da administraccedilatildeordquo

(ALENCAR 2009 p96) com subvenccedilotildees que lhe indicam o caminho dos editoriais

A aristocracia tomada aqui por Alencar se refere ao que chama de melhores

indiviacuteduos escolhidos entre todos e o criteacuterio para a escolha seria o voto A elite

portanto eacute determinada pelo voto pela democracia representativa concordando

com as propostas do liberalismo com os tracircmites que a lei determina caccedilando e

permitindo o exerciacutecio do voto para um grupo determinado a quem eacute possiacutevel

exercer ldquofraccedilatildeo de soberania ativa reservada a cada individualidaderdquo (ALENCAR

2009 p98) a partir de uma seacuterie de regras estas tambeacutem determinadas por esta

aristocracia burocraacutetica

Alencar sugere que o gabinete estaacute dominado por esta burocracia Apesar das

escolhas dos ministros incidirem em uacuteltima instacircncia sobre o Imperador qualquer

que seja ela ldquoquaisquer que sejam os nomes por voacutes escolhidos senhor caracteres

iacutentegros vontades riacutegidas o corpo oficial logo os absorve e amalgama () [pois soacute]

vive pensa e governa no Brasil o espiacuterito burocraacuteticordquo (ALENCAR 2009 p99) O

parlamento impede que haja mudanccedilas que natildeo sejam de interesse das elites no

poder esta eacute a base da corrupccedilatildeo de que fala nosso missivista

Na uacuteltima carta desta seacuterie Alencar sugere que o cidadatildeo comum espera do

imperador atitude firma e severa frente ao estado de coisas que se apresenta Haacute

segundo ele uma necessidade de rdquorestauraccedilatildeo dos costumes e das leisrdquo

(ALENCAR 2009 p106) E eacute papel de D Pedro II comandar este movimento de

centralizaccedilatildeo ldquoA flor do paiacutes se reuniraacute ao redor do trono Esse haacute de ser vosso

partido o grande partido nacional da regeneraccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p107) eacute o

movimento a que aludimos da tradiccedilatildeo inventada outro lugar no tempo em que

sendo ldquoo Brasil () menor haacute vinte anos poreacutem estava entatildeo mais alto porque na

sumidade que domina o trono brilhavam os grandes nomes de nossa histoacuteriardquo

(ALENCAR 2009 p112) Eacute ali que o modelo de monarquia parlamentar

constitucional brasileiro cria um momento ilusoacuterio de estabilidade de cuja substacircncia

segundo o missivista devem sair os novos partidos poliacuteticos Eacute o periacuteodo

demarcado nos vinte anos nos conduz a 1845 onde o partido conservador volta

novamente a direccedilatildeo do Estado O apelo ao princiacutepio moral fundador de uma naccedilatildeo

que deve ser representado pela figura do imperador como seu protetor perpeacutetuo

define o modelo para os novos partidos que a partir daiacute seriam criados Partidos que

soacute poderatildeo refletir nesse caso as direccedilotildees dadas pelo trono Natildeo haacute no discurso

de Alencar a existecircncia de um lugar fora da ideologia

332 AO POVO AO REDATOR DO DIAacuteRIO DO RIO DE JANEIRO (ALENCAR

2009 p114-220)

Em junho de 1866 Alencar inicia outra seacuterie de cartas agora endereccediladas ao povo

Apesar de tratarmos do gecircnero ldquocarta abertardquo e sua funccedilatildeo primordial seja a

informaccedilatildeo do ldquopovordquo (no caso de um grupo relativamente grande) determinar

assim o destinataacuterio pressupotildee que a seacuterie de cartas anteriores endereccediladas ao

Imperador formam um todo com o novo conjunto em que Alencar se propotildee a ser o

elo entre o povo e o poder (GRANSCI 1989) Como Alencar havia sugerido no

conjunto anterior das cartas o poder moderador ndash nas matildeos do Imperador ndash seria o

instrumento de representaccedilatildeo do povo Em suas palavras ldquoO poder moderador eacute o

eu nacional a consciecircncia ilustrada do povordquo (ALENCAR 2011 p75) Entatildeo eacute das

obrigaccedilotildees e dos limites do poder moderador que tratamos

A estrateacutegia eacute a mesma Inicia seu discurso profetizando o fim da forccedila vital que

sustenta a naccedilatildeo afirmando que houve um tempo em que se poderia esperar do

trono soluccedilatildeo para segundo Alencar tamanha calamidade que vem afligindo o paiacutes

A guerra do Paraguai segue com quantidade enorme de baixas e percebe-se a

tristeza dos ldquochefes das famiacutelias brasileiras () como pais que geram a prole para a

desgraccedilardquo (ALENCAR 2009 p128) Os gastos com a guerra trazem ldquoa miseacuteriardquo para

esse paiacutes de tantos recursos ldquoRumores surdos assomos de impaciecircncia das

classes inferiores circulam a cidade () tais ecos anunciam profundos

ressentimentos do espiacuterito puacuteblicordquo (ALENCAR 2009 p128) Alencar acusa ao

gabinete de indiferenccedila frente agrave situaccedilatildeo contando com a conivecircncia (passiva) do

trono o que gera insatisfaccedilatildeo por parte da populaccedilatildeo pelos rumos da guerra O

apelo direto a famiacutelia aqui eacute muito representativo Carlo Buacutessula (1997) lembra que a

famiacutelia - e o indiviacuteduo pertencente a tal famiacutelia - existem antes do Estado E que a

autoridade deste lhe eacute outorgada pela famiacutelia e pelos indiviacuteduos que a compotildeem O

vocaacutebulo naccedilatildeo ainda segundo Buacutessula eacute derivaccedilatildeo do latim ldquonatiordquo que

entendemos por nascer Refere-se a um conjunto das famiacutelias ndash e suas lideranccedilas ndash

nascidas em determinada regiatildeo constituindo um grupo social de certa

homogeneidade e que partilha de uma cultura um domiciacutelio uma condiccedilatildeo de

pertencimento Podemos observar mesmo em textos mais antigos como em

Aristoacuteteles (1998) a afirmaccedilatildeo de que o Estado eacute uma reuniatildeo de famiacutelias Daiacute

podemos estender o pensamento e considerar as bases legais (neste periacuteodo) para

um ldquopaacutetrio poderrdquo O liacuteder de uma famiacutelia com sua extensatildeo a parentes agregados

e escravos tem sua autoridade como senhor depois a autoridade material que se

apresenta tambeacutem em relaccedilatildeo a sua mulher e a procriaccedilatildeo dos filhos e a

acumulaccedilatildeo de riqueza para o sustento do grupo ao qual eacute responsaacutevel Chegando

mais proacuteximo as relaccedilotildees entre Estado e Famiacutelia e seu pertencimento a terra ao

domiciacutelio e a busca pela liberdade podem ser relacionadas com as lutas dos barotildees

na Idade Meacutedia com o rei Joatildeo sem terra pelo reconhecimento de seus direitos da

liberdade e da aplicaccedilatildeo da justiccedila Aqui temos um contiacutenuo processo histoacuterico e

poliacutetico de superaccedilatildeo e no mesmo tempo conservaccedilatildeo dessa comunidade natural

que culmina no Estado nacional como um resultado da vontade desta comunidade

(CHAUIacute 1997)

Da mesma forma que Alencar se dirigiu ao Imperador comenta ele agora se dirige

ao povo para que este se levante de sua letargia e por fim ldquoacorde para defender o

patrimocircnio sagrado de suas liberdades e gloriosas tradiccedilotildeesrdquo (ALENCAR 2009

p131) No momento se define como um arauto que iraacute ldquofalar ao povo brasileiro e

proferir verdades que ele nunca ouviu nem de seus ditadores nem de seus

tribunosrdquo (ALENCAR 2009 p131) O interessante ndash devemos ressaltar - eacute que natildeo

haacute uma seacuterie de cartas endereccedilada ldquoao legislativordquo ou mesmo ldquoao senadordquo Tanto

Hobbes quanto Locke e Rousseau ndash cada qual a seu modo ndash defendiam a presenccedila

do parlamento O movimento em Alencar parece passar do povo diretamente ao

imperador deixando ao largo as instituiccedilotildees democraacuteticas40 como no absolutismo

em que o trono justifica todas as suas accedilotildees despoacuteticas justificada como para o

bem do povo a revelia de uma constituiccedilatildeo abonando sua intenccedilatildeo como a de

ldquorenovar a alianccedila da realeza com a democracia Quero restituir o monarca e o povo

um ao outrordquo (ALENCAR 2009 p131)

A primeira estrateacutegia de Alencar eacute delimitar o que acredita ser o povo ldquopor povo

entendo o corpo da naccedilatildeo sem distinccedilatildeo de classes excluiacutedos unicamente os

representantes e depositaacuterios do poderrdquo (ALENCAR 2009 p133) Apesar da

distacircncia que o vocabulaacuterio rebuscado constroacutei do povo a fala eacute justificada Os

depositaacuterios do poder deixam de ser uma categoria do povo por estar distante diste

econocircmica e culturalmente distante mas por que os representantes Nas cartas ao

imperador a camada de poliacuteticos (representantes) era a chaga que deveria ser

extinta ndash pelo menos alguns mas a atividade representativa natildeo deve distinguir o

poliacutetico do povo pelo menos eacute o que sustenta No paraacutegrafo seguinte toma o tom de

paraacutebola anunciando que mesmo os de menor capacidade no seio do povo

poderiam compreendecirc-lo

Aos grandes como aos pequenos falarei a linguagem que me deu a natureza compreendam-me os capazes pelo raciociacutenio os ignorantes pela intuiccedilatildeo misteriosa que em todos os tempos haacute inoculado a verdade no seio das massas

Carecia dizer-vos estas coisas (ALENCAR 2009 p 133)

Alencar se potildee acima das instituiccedilotildees para anunciar que o povo como no

movimento de 1834 ndash e provavelmente atraveacutes das verdades que este lhes diraacute nas

proacuteximas cartas ndash eacute o agente da mudanccedila do paiacutes corrompido Eacute bom lembrar o

conteuacutedo ideoloacutegico que tais afirmaccedilotildees carregam

As Ideologias surgem normalmente em periacuteodos de crise quando a visatildeo do mundo dominante natildeo consegue satisfazer novas e pressionantes necessidades sociais e pedem imperiosamente aos proacuteprios seguidores uma transformaccedilatildeo total da sociedade ou um afastamento dela (BOBBIO

40 Natildeo trata aqui das habituais ldquovisitasrdquo que o Imperador recebia de seus suacuteditos pedindo

empregos pedindo vetos a algum projeto ou perdatildeo de diacutevidas O discurso de Alencar eacute

intencional e bem planejado Indica realmente uma criacutetica agrave intromissatildeo de D Pedro em

determinados assuntos de responsabilidade do parlamento

1998 p 588)

Alencar conclama o povo para que este busque com sua forccedila pressionar as

instituiccedilotildees e mesmo a monarquia na figura de D Pedro II a fim de encontrar

soluccedilotildees para os problemas que apresenta nas cartas A associaccedilatildeo feita pelo

primeiro conjunto (cartas ao Imperador) indica que ldquoo povordquo eacute tambeacutem responsaacutevel

e o discurso lembra sua soberania frente a seus representantes Como afirmamos

anteriormente uma das caracteriacutesticas da prosaiacutestica utilizada eacute a afirmaccedilatildeo de que

tudo depende de uma ordem interna e Alencar constroacutei por via do discurso tal

ordem O impacto que isso tem eacute provavelmente grande O espiacuterito conciliador do

brasileiro (CARVALHO 2007) jaacute comeccedila a ser construiacutedo junto com a estabilidade

vinda depois do periacuteodo regencial e o controle (para)militar das revoltas tendo seu

uacuteltimo suspiro na Revolta da Praia Todos detidos alguns assimilados vaacuterios mortos

e esquecidos a centralizaccedilatildeo eacute uma meta e esta segue o caminho ditado pela

Corte no Rio de Janeiro

Alencar natildeo deixa sequer por um momento de fazer a associaccedilatildeo da coroa com o

povo sendo ele a justificaccedilatildeo para o poder moderador ldquodevo agrave majestade popular a

mesma franqueza que usei com a majestade imperialrdquo (ALENCAR 2009 p134)

Critica a condiccedilatildeo da populaccedilatildeo que natildeo recebe respeito por parte do Estado

afirmando que ldquoo cidadatildeo natildeo vale na medida de seus direitosrdquo (ALENCAR 2009

p135) o que eacute inaceitaacutevel para a teoria liberal claacutessica que vem da busca pela

liberdade Alencar afirma que soacute os que detecircm algum poder econocircmico possuem

direitos civis A liberdade do povo natildeo eacute respeitada Fala da guerra que

aparentemente deve continuar e da situaccedilatildeo moral e econocircmica que esta constitui

O governo toma da liberdade do povo tomando-lhe ldquoa substacircncia da vida ndash o

sangue o fruto do trabalho ndash o suorrdquo (ALENCAR 2009 p136) A poliacutetica do

recrutamento forccedilado da populaccedilatildeo eacute o tema inicial que leva o povo para ldquoeste

abismo para sorver milhares de vidas e os recursos de talvez um seacuteculo de

existecircnciardquo (ALENCAR 2009 p137) O povo aceitou ldquoa guerra com dignidade ()

mas no acircmago da consciecircncia nacional estaacute latente a indignaccedilatildeordquo (ALENCAR 2009

p137) Alencar nessa carta explora as ideias do liberalismo claacutessico quando fala da

relaccedilatildeo do povo com o Estado A busca da liberdade civil e poliacutetica os impostos

forccedilados para a manutenccedilatildeo da guerra o direito a vida e a felicidade tatildeo caros agrave

Bentham e Mill Como eacute possiacutevel um recrutamento forccedilado e como eacute possiacutevel que

algueacutem ndash praacutetica comum ndash possa mandar um escravo em seu lugar para sal a paacutetria

na qual o escravo natildeo tem direito a cidadania

O povo ldquocordato e brioso almejava eacute certo pela mudanccedila de nossa poliacutetica no Rio

da Pratardquo (ALENCAR 2009 p137) Alencar sustenta que

a poliacutetica de intervenccedilatildeo fora sobretudo filantroacutepica exprimia a caridade internacional de um povo por seus irmatildeos dilacerados () [que] o Brasil natildeo precisa do territoacuterio de seus vizinhos pois o tem de sobra e ubeacuterrimo tambeacutem natildeo eacute essencial para seu bem-estar a paz e equiliacutebrio das repuacuteblicas americanas (ALENCAR 2009 p138)

Eacute o momento da indignaccedilatildeo mas Alencar natildeo chega admitir que concorda com a

poliacutetica da coroa para a manutenccedilatildeo do territoacuterio tanto com guerras internas como

defendendo a fronteira sul do Brasil contra o inimigo externo Apresenta em favor

deste uacuteltimo argumento a ideia de que havia pendencias em aberto com as

Repuacuteblicas do Prata e que enfim a guerra poderia ser a soluccedilatildeo Mas tal guerra foi

incentivada pelo governo brasileiro sendo um de seus episoacutedios a missatildeo chefiada

por Joseacute Antocircnio Saraiva em maio de 1864 o executivo ldquosem ter obtido da

assembleia geral com os meios essenciais a aprovaccedilatildeo legislativardquo (ALENCAR

2009 p142) decide pela guerra e a populaccedilatildeo deve arcar com as consequecircncias

do ato apelando para a honra da naccedilatildeo sacrificada Alencar afirma que o legislativo

natildeo toma providecircncias (exigi-las do executivo) para tentar evitar a continuidade da

guerra ocupando-se de discursos vazios de sentido ldquoenquanto o paiacutes estorteja

deleitam-se na compostura de frases perluxas e nos guizos de suas ocas palavrasrdquo

(ALENCAR 2009 p145 A falta de accedilatildeo do Estado cria situaccedilotildees de

constrangimento para o paiacutes como os episoacutedios da questatildeo inglesa que jaacute

anunciavam a falta de tato poliacutetico da administraccedilatildeo puacuteblica De certo ldquoa eacutepoca

infeliz que vamos atravessando natildeo eacute realmente outra coisa senatildeo um grande e

longo desvario da razatildeo puacuteblicardquo (ALENCAR 2009 p146) a quem Alencar culpa

enfim a ascensatildeo da liga progressista entatildeo no governo

A guerra que sustentamos eacute desde sua origem um tecido de incongruecircncias

e desacertos Soacute haacute em toda ela de nobre digno e consolador a intrepidez de nossos marinheiros e soldados Virtude espontacircnea do homem e do povo produziu-se independente do governo e apesar dos esforccedilos adrede empregados para abafaacute-la (ALENCAR 2009 p 146)

A administraccedilatildeo da guerra para Alencar leva a inuacutemeros problemas Como a falta

de uma resposta de forccedila as humilhaccedilotildees sofridas pelo paiacutes as frentes de batalha

que enquanto lutam em uma fronteira

deixam o governo ao desamparo e franca aos paraguaios outra e importante fronteira abandonando assim criminosamente Mato Grosso agrave ruiacutena e assolaccedilatildeo () [Depois da] rendiccedilatildeo de Uruguaiana que fizemos ainda para desafronta da dignidade nacional agravada (ALENCAR 2009 p149)

A lenta marcha do exeacutercito agraves margens do Paranaacute daacute tempo agraves tropas inimigas de

abandonarem o local onde permanecem os aliados Aos jornais eram enviadas

notiacutecias de batalha para segundo Alencar acalentar a impaciecircncia puacuteblica sobre os

seus Quando enfim se alcanccedila o campo paraguaio

avanccedilamos apenas duas leacuteguas em territoacuterio inimigo e estacamos Invasor queda-se o grande exeacutercito agrave sombra da esquadra e natildeo avanccedila um passo Criou raiacutezes ali nos charcos pestiacuteferos que envenenam diariamente nossos bravos soldados (ALENCAR 2009 p152)

Falta comando agraves tropas de terra e mar o que acarreta maiores perdas humanas e

econocircmicas Alencar critica o tratado da triacuteplice alianccedila e o comando das tropas

brasileiras por militares argentinos sob as ordens do presidente Mitre e a falta de

empenho para a ldquopuniccedilatildeo dos desacatos feitos agrave nacionalidade brasileirardquo

(ALENCAR 2009 p155) chegando mesmo a acusar o estado de fechar os olhos

frente aos assassinatos perpetrados no acampamento contra os soldados

brasileiros e natildeo exigiam a pronta e severa puniccedilatildeo do crime com receio de

estremecer a alianccedila Eacute bom lembrar que um dos traccedilos do conservadorismo eacute o

nacionalismo Um nacionalismo que tem em certa medida ligaccedilatildeo com a

democracia

Falando da liberdade de pensamento

() eacute forccediloso que o Brasil mantenha seu nome de naccedilatildeo culta e de segunda grande potecircncia da Ameacuterica () [poreacutem] a poderosa liberdade do pensamento garantida pela constituiccedilatildeo brasileira a voz solene e vibrante do povo natildeo eacute de nosso paiacutes A imprensa e a tribuna existem entre noacutes por mera complacecircncia (ALENCAR 2009 p158)

A censura eacute constante em publicaccedilotildees desde a imprensa reacutegia uacutenica instalada no

paiacutes quando da vinda da Famiacutelia Real mas com D Pedro II isso se abreviou muito

a ponto do republicanismo ser discutido publicamente em clubes e jornais O

problema segundo ele eacute a incapacidade do povo em compreender os problemas

visto que ldquoa populaccedilatildeo jaz na indolecircncia ou estaacute ainda em geral submergida na

ignoracircncia o pensamento natildeo pode livremente circular Por maior forccedila que o

revista ele natildeo penetra jamais a flaacutecida superfiacutecie da indiferenccedilardquo (ALENCAR 2009

p159) o que faz com que natildeo seja possiacutevel uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees

sociais Alencar cumpre seu papel de intelectual como nos mostra Gramsci

enquanto busca incentivar o debate poliacutetico para elevar intelectual e moralmente

camadas cada vez mais amplas da populaccedilatildeo ou seja para dar personalidade a

massa Mas o que se tem quando da posiccedilatildeo completamente externa que Alencar

toma frente agrave populaccedilatildeo ele nega uma praacutexis transformadora desta e acaba por

atualizar a ideologia Quando critica o parlamento por exemplo em

Quanta influiccedilatildeo tem no paiacutes a aluviatildeo de palavras que diariamente se despenha da tribuna parlamentar ou se espraia na imprensa

Que peso exercem no espiacuterito puacuteblico as liccedilotildees da sabedoria e experiecircncia do conselho dos anciatildeos ou a palavra magistral e ungida pela sinceridade de um veneraacutevel Itaboraiacute ou de um provecto Pimenta Bueno (ALENCAR 2009 p 159)

A alusatildeo aos parlamentares que defendem os direitos do povo natildeo visa uma

transformaccedilatildeo mas apenas uma mudanccedila no grupo da elite que estaacute no poder

Visto que ndash no caso ndash tais direitos satildeo concessotildees Natildeo haacute uma discussatildeo com a

populaccedilatildeo sobre suas necessidades haacute - como pudemos notar - a resoluccedilatildeo de

problemas com vistas aos interesses das elites como por exemplo no caso do fim

do traacutefico de escravos e a aboliccedilatildeo que soacute vem a acontecer quando as elites

diretamente ligadas ao problema o permitem Ainda se vecirc traccedilos de preconceitos

herdados de uma aristocracia portuguesa no texto como uma natildeo valorizaccedilatildeo do

trabalho que natildeo seja intelectual como quando adverte ser necessaacuterio que o Brasil

mantenha-se frente aos problemas da guerra como um paiacutes civilizado ldquoou entatildeo se

reduza a uma terra de mercadoresrdquo (ALENCAR 2009 p152)

Alencar adverte ainda que ldquoo governo descansa pois tranquilo a este respeito [da

liberdade de pensamento] imprensa e tribuna satildeo inocentes folguedos para o nosso

povo menino Brincando esse jogo de liberdaderdquo (ALENCAR 2009 p160) que leva

somente a um vazio de accedilotildees Ilustra seu argumento dizendo que a Franccedila e ndash

querendo imita-la a Pruacutessia brevemente ndash concede aos suacuteditos o voto universal

Para o autor o voto universal ldquoeacute uma teteia poliacutetica semelhante agrave nossa imprensa

livrerdquo (ALENCAR 2009 p160) O autor defende o modelo de restriccedilotildees ndash censitaacuterio

no caso ndash para o sufraacutegio o que eacute mais um iacutendice de que o ldquopovordquo a quem Erasmo

dirige suas cartas eacute restrito e que a liberdade natildeo eacute para todos E ele mesmo

justifica afirmando que se for da vontade dos ldquodominadoresrdquo qualquer atitude ndash ou

projeto de revolta ndash que saia do povo poderia ser controlada mesmo ele

Um exemplo Estas cartas parecem a alguns dos nossos senhores inconvenientes a outros extravagantes Nenhum deles poreacutem afianccedilo ousaraacute contestaacute-las E para quecirc Basta-lhes soprar na doacutecil consciecircncia dos sateacutelites e em breve um sussurro se derrama pela cidade Esse sussurro natildeo diz mas infiltra de uma banda que estou fazendo a propaganda do absolutismo da outra que provoco o povo agrave revoluccedilatildeo (ALENCAR 2009 160)

E confirma a seguir em outro paraacutegrafo sua afirmaccedilatildeo mostrando que seu texto

natildeo tem tanta infiltraccedilatildeo como a ideologia reinante

A verdade poreacutem eacute que tais infiltraccedilotildees subterracircneas da aleivosia no espiacuterito pensante do paiacutes satildeo mais poderosas que a palavra eneacutergica do escritor atirada agraves turbas A chama desta se apaga caindo de arremesso no chatildeo a faiacutesca da outra vai se propagando sempre e surdamente O povo lecirc pouco mas escuta muito o que se diz em voz submissa (ALENCAR 2009 p161)

Em suma segundo Alencar eacute preciso ofertar uma educaccedilatildeo para o povo de forma

que este tenha maior consciecircncia de seu papel o que eacute um traccedilo liberal e ao

mesmo tempo sugere que no decorrer do processo o povo seja tutelado enquanto

natildeo alcanccedila uma maturidade intelectual e poliacutetica uma proposta decididamente

conservadora Alencar afirma que o povo teve sua histoacuteria recente marcada pela

revoluccedilatildeo e pela opiniatildeo Em todos os movimentos revolucionaacuterios teve de arcar

com consequecircncias que restringiriam sua liberdade Em 1824 a revolta de

Pernambuco foi logo contida Como consequecircncia D Pedro I com sua constituiccedilatildeo

liberal profana a liberdade prometida e cria as juntas militares Em 1831 com a

revoluccedilatildeo na Corte o povo triunfa sem um combate armado e aderia ao jovem

imperador Em 1837 o paiacutes sucumbe agrave anarquia que o partido liberal - entatildeo no

poder - natildeo consegue conter sendo salva a naccedilatildeo ndash segundo ele - pelo partido

conservador Em 1840 a revoluccedilatildeo imperial e o partido que a promove logo se vecirc

retirado do poder Levantando-se Minas e Satildeo Paulo em favor do partido Liberal

logo foram vencidos e ldquodas cinzas da revolta nasceram todas as leis homicidas da

liberdade que hoje nos parecem opressivas e naquele tempo foram salvadorasrdquo

(ALENCAR 2009 p163) Em 1842 a liberdade comeccedila a declinar vendo seu fim

proacuteximo em 1848 A liberdade eacute uma ilusatildeo ldquosagaz eacute a oligarquia que domina o

paiacutes [porque consegue] manter o povo na doce ilusatildeo de que eacute livrerdquo (ALENCAR

2009 p165) e assim sustentar uma poliacutetica de dominaccedilatildeo opressiva e constante

Ao povo falta a consciecircncia que gera a opiniatildeo

Alencar relata o episoacutedio das tropas inglesas na guerra da Crimeacuteia e a presenccedila de

um repoacuterter do jornal ldquoTimesrdquo no acampamento Sua presenccedila por um momento

censurada depois foi aceita como forma de ligaccedilatildeo entre a opiniatildeo puacuteblica e o

comando da guerra o que por fim salvaria a honra da Inglaterra na batalha com o

relato fiel do que via em seu cotidiano no campo de batalha Mas no Brasil a critica

natildeo eacute assim Aquele que ousa levantar ldquoa voz para arguir os erros deploraacuteveis

cometidos em uma guerra infauta eacute logo coberto com o baldatildeo e o insulto Seja

banido da paacutetria esse reacuteprobo poliacutetico ()rdquo (ALENCAR 2009 p170) desacreditada

sua accedilatildeo Para que natildeo sejam criados embaraccedilos ao governo sustenta ldquonatildeo se

deve preferir uma palavra ou balbuciar um receio [sobre a administraccedilatildeo da guerra]

() Esta heresia se escreveu na imprensa de um Estado livre ecoou em uma

tribuna que ainda chamam parlamentordquo (ALENCAR 2009 p171) funcionando como

uma poliacutetica de Estado que tenta manter a consciecircncia do povo distante dos

acontecimentos Eacute o tatildeo conhecido medo da revolta popular que assombra as elites

desde antes da independecircncia e tambeacutem para encobrir

o esbanjamento dos dinheiros puacuteblicos a dissipaccedilatildeo das forccedilas do Estado o atropelo erigido em atividade a ineacutercia com foros de prudecircncia [chegando a tanto descaso que] depois de um esbanjamento louco dos dinheiros puacuteblicos natildeo ter canhotildees para bombardear o inimigo e a ele () natildeo faltam armas aperfeiccediloadas de longo alcance (ALENCAR 2009 p177)

Eacute tal a quantidade de erros observados que causam extremo desacircnimo ao paiacutes O

atual gabinete41 eacute um dos responsaacuteveis ndash senatildeo o maior ndash devido ldquoa incoerecircncia

levada agrave infantilidade as contradiccedilotildees incessantes a negaccedilatildeo eterna de si mesmordquo

(ALENCAR 2009 p186) enquanto um grupo coeso causado por intrigas e

desafetos novos e antigos entre seus membros a falta de certo cuidado para tratar

com as possiacuteveis reaccedilotildees aos acontecimentos Natildeo deixa de criticar D Pedro II

novamente por natildeo tomar providecircncias para que tais conflitos internos e do gabinete

com a cacircmara dos deputados tenham um fim e o porquecirc disso tudo que ldquoeacute um

assunto digno da seacuteria meditaccedilatildeo do povordquo (ALENCAR 2009 p188) A

administraccedilatildeo da guerra foi deixada nas matildeos de seus agentes enquanto o

gabinete diz ter nestes a sua confianccedila tal o eacute que se permitem deixar-lhes livres

para desenvolver suas taacuteticas militares confirmam os ministros Estes uacuteltimos

estariam mais preocupados ndash segundo Alencar ndash em defender tais atitudes frente

aos parlamentares Sentindo-se esgotado desabafa em tom increacutedulo ldquoSoacute no

Brasilrdquo (a interjeiccedilatildeo faraacute histoacuteria)

Soacute no Brasil Escapou-me a palavra Soacute nesta eacutepoca desgraccedilada em que o Brasil desapareceu para deixar o lugar ao impeacuterio da alucinaccedilatildeo e desatino soacute durante esta siacutencope da razatildeo social torna-se possiacutevel a existecircncia de semelhantes desvarios e a jactacircncia de os haver praticado (ALENCAR 2009 p 194)

Desvarios permitidos senatildeo pela coroa e pela passividade do povo ldquoO governo natildeo

quer saber do que se passa nem faz a miacutenima exigecircncia Delegou sua razatildeo seu

dever seu pundonor no aacuterbitro supremo da Triacuteplice Alianccedilardquo (ALENCAR 2009

p196) a quem o tesouro brasileiro auxiliou ateacute na compra de armamentos

D Pedro II se guiaria pela opiniatildeo puacuteblica medida na publicitaccedilatildeo dos atos do

governo pelos jornais E os jornais da Corte nos garante Alencar jaacute estatildeo todos nas

41 Presidido pelo Marquecircs de Olinda Dura de 12051865 a 03081866

matildeos do ministeacuterio os partidos conservador e liberal a muito natildeo detecircm espaccedilos

nessas miacutedias Mas o imperador ldquoreconhece e sente mais no iacutentimo a crise perigosa

que oprime o paiacutesrdquo (ALENCAR 2009 p201) mas eacute tolerante com o executivo em

sua forma de administrar a coisa puacuteblica mesmo por que veria uma dificuldade de

montar outro gabinete no conturbado periacuteodo que se atravessa onde o partido

conservador se recolhe segundo ele ao silecircncio e ao repouso

Na nona carta Alencar anuncia por fim a dissoluccedilatildeo do gabinete de 12 de maio e a

subida de Zacarias de Goacuteis vinculado agrave liga progressista em 02 de agosto O que

resultaria em nenhuma mudanccedila significativa na conduccedilatildeo da poliacutetica do Estado e

confirmaria a ldquocompleta identificaccedilatildeo da coroa com a poliacutetica vigenterdquo (ALENCAR

2009 p210) Volta ao gabinete Acircngelo Muniz da Silva Ferraz que teve

desentendimentos anteriormente com Caxias sobre a conduccedilatildeo da guerra e que

aprovara - tambeacutem como ministro da guerra ndash o tratado da Triacuteplice Alianccedila e ldquoos

outros escolhidos entre os mais dedicados aderentes da poliacutetica progressista

presidente ou chefes da maioriardquo (ALENCAR 2009 p213) sob a forma de uma

grande conciliaccedilatildeo Zacarias entatildeo liderando o gabinete em 1864 que daacute o

ldquoultimatum de 4 de agostordquo (ALENCAR 2009 p218) iniciando - por assim dizer - os

trabalhos na guerra do Paraguai eacute justo estar ele ali para dar-se um fim a guerra

sugere Alencar conclui essa seacuterie de cartas a 06 de agosto afirmando que acredita

no fim da passividade do povo brasileiro e que se afastaraacute por algum tempo para

ver os resultados conseguidos pelo atual gabinete Mas natildeo muito tempo

Um aparte eacute necessaacuterio para o comentaacuterio a carta endereccedilada ldquoAo Redator do

Diaacuterio do Rio de Janeirordquo (ALENCAR 2009 p114-123) uacutenica datada de 12 de

janeiro de 1866 A resposta de Alencar a criacutetica sobre suas preferecircncias pelo

absolutismo Eacute uma carta breve na qual natildeo nos deteremos

Alencar ndash depois de um breve alento sempre educado ndash indica o teor da conversa

com seu sempre generoso adversaacuterio o redator do Diaacuteriordquo adversaacuterio pois no

momento se encontram em posiccedilotildees opostas e como os ponteiros de um reloacutegio

apontam suas ideias em direccedilotildees diferentes

Alencar escreve ao redator em resposta a uma criacutetica que recebe - enquanto

Erasmo - pelo conteuacutedo das cartas Acusado de fomentador do absolutismo vai a

puacuteblico em defesa proacutepria Indica com seu estilo caracteriacutestico ter sido viacutetima de

acusaccedilotildees como

Sou nada menos do que - ltlt o crocodilo feroz do despotismo disputando a admiraccedilatildeo dos poucos creacutedulos que ainda restam e os tecircnues almejos do magnacircnimo coraccedilatildeo do rei insonegtgt A reticecircncia natildeo eacute minha sim do indignado escritor que some-se por ela e logo apoacutes surge para mandar-me literalmente ao diabo sob a conduta de Erasmo (ALENCAR 2009 p 116)

Eacute a antiga histoacuteria do feiticcedilo contra o feiticeiro Alencar se expotildee publicamente mas

como jaacute pudemos perceber ateacute mesmo pela anaacutelise de sua curta biografia natildeo

admite criacuteticas a seu trabalho Manteacutem-se distante em uma posiccedilatildeo decididamente

superior aos outros (decidida por ele) mesmo em se tratando de seus iguais Tenta

ao longo da carta melhorar sua situaccedilatildeo admitindo que

Estes ecos da imprensa partidos de vaacuterios pontos e condensados aos surdos rumores que burburinham nos ciacuterculos da Corte satildeo indiacutecios de uma crise salutar Anunciam eles que a pena de Erasmo natildeo fez a autoacutepsia de um cadaacutever operou sobre corpo vivo e robusto onde satildeo prontas as reaccedilotildees (ALENCAR 2009 p116)

Admite que o absolutismo esteja presente mas vindo das elites no poder e em seus

mecanismos de comunicaccedilatildeo como a imprensa E talvez certa complacecircncia de D

Pedro II com a situaccedilatildeo quando afirma que

O absolutismo Quem natildeo o vecirc Natildeo convive ele conosco Onde a minoria subjuga a maioria aiacute estaacute a tirania seja de um seja de muitos Repimpado nas poltronas ministeriais espreguiccedilando-se nos sofaacutes da assembleia pedante nas reparticcedilotildees puacuteblicas risonho e sedutor na imprensa empertigado nos fardotildees mostra-se em toda a parte esse Proteu da nossa poliacutetica (ALENCAR 2009 p 118119)

Afirma que em resposta a acusaccedilatildeo releu o conteuacutedo de suas cartas e natildeo encontra

motivos ali para tal O que apenas admite eacute que

Quero a constituiccedilatildeo como foi escrita natildeo como a aleijaram Na constituiccedilatildeo aparecem bem distintos os trecircs princiacutepios cardeais da monarquia representativa a Coroa o povo e o elemento intermeacutedio ou misto que em falta de melhor termo chamo aristocraacutetico (ALENCAR 2009 p120)

Afirmando que de sua postura criacutetica visa os povos livres Infelizmente a criacutetica soacute

pocircde ser feita (ou admitida) de um dos lados De qualquer forma como jaacute viacutenhamos

demonstrando no decurso das cartas algumas similaridades do texto de Alencar

com as ideias de Hobbes podem fazer com que o Redator do Diaacuterio natildeo perca de

todo sua razatildeo Eacute visiacutevel mesmo para os contemporacircneos que Alencar toma o

partido de uma intervenccedilatildeo forte do Imperador em detrimento dos direitos e da

liberdade da maior parte da naccedilatildeo

333 AO MARQUEcircS DE OLINDA AO VISCONDE DE ITABORAHY (ALENCAR

2009 p223-254)

A carta endereccedilada ao Marquecircs de Olinda (ALENCAR 2009 p243-254) entatildeo

presidente do conselho e ministro dos negoacutecios do Impeacuterio inicia com a objetiva

epiacutegrafe ldquovou te interrogar e tu me instruiraacutesrdquo42 (ALENCAR 2009 p243) e se dirige

ao marquecircs com toda a reverecircncia que o romantismo da uacuteltima fase lhe permite

Olinda teve participaccedilatildeo no processo de independecircncia havia sido regente e

ministro Era uma figura respeitaacutevel no cenaacuterio poliacutetico brasileiro Formado em

Coimbra fazia parte de um grupo ao qual Alencar acreditava estar tempo demais no

42 Natildeo pudemos deixar de notar o erro indicado pelo revisor da epiacutegrafe Pois bem A epiacutegrafe

em latim refere ao livro de Joacute 33-3 como ldquoCinge como um valente os teus lombos vou te

interrogar e tu me instruiraacutesrdquo O revisor prontamente corrige a referecircncia que estaacute na verdade

em Joacute 38-3 Mas se entendermos a epiacutegrafe como mais uma das armadilhas de Alencar a

referecircncia dada por ele (incorreta no caso) mostra em Joacute 33-3 uma resposta ao versiacuteculo

anterior ou mesmo um indicativo para a continuidade da leitura da epiacutegrafe onde se vecirc ldquoAs

minhas razotildees sairatildeo da sinceridade do meu coraccedilatildeo e a pura ciecircncia dos meus laacutebiosrdquo Que eacute o

apregoado pelo missivista desde as primeiras cartas ao Imperador Ele como o arauto da

verdade Mas se quisermos acreditar no radicalismo e perversidade do Alencar seguiremos ateacute

Joacute 33-33 onde se lecirc ldquo escuta-me tu cala-te e ensinar-te-ei a sabedoriardquo Para Alencar filho de

um padre e extremamente conservador eacute possiacutevel entender o jogo de relaccedilotildees com os versiacuteculos

como um iacutendice para o iniacutecio de uma criacutetica ferrenha ao Marquecircs Eacute interessante lembrar sem

pretender se extender em tal ponto (que natildeo cabe aqui devido as limitaccedilotildees do trabalho) nas

observaccedilotildees de Chartier (1999) sobre o texto como forma literaacuteria e sua impressatildeo todo o

processo que acompanha o texto ateacute alcanccedilar o seu suporte as intervenccedilotildees de tipografia

graacutefica editores e mesmo erros que afetam o texto A recepccedilatildeo eacute sempre algo que deve ser

observado junto a uma criacutetica do texto e natildeo como um simples derivado deste

poder Compara seu trabalho com o de Vasconcelos Joseacute Clemente e Paranaacute

invoca Evaristo Feijoacute e Vergueiro tecendo uma trama de modelos ideais na qual

tentaraacute capturar Olinda Se apresenta ao Marquecircs afirmando que seu ldquoempenho

sincero tem sido reparar os estragos do tempordquo (ALENCAR 2009 p244) buscando

e indicando caminhos para a administraccedilatildeo puacuteblica como em uma espeacutecie de

jornalismo criacutetico e investigativo Compara o poliacutetico em sua astuacutecia a Luiz XVIII de

Franccedila novamente consolidando o modelo europeu como marco de uma civilizaccedilatildeo

ldquomais avanccediladardquo cultural e politicamente mas tambeacutem aludindo ao seu longo tempo

de permanecircncia nos grupos entatildeo no poder E esta permanecircncia Alencar sugere

que eacute devida a capacidade de adequaccedilatildeo que possui o Marquecircs acompanhando a

mareacute dos fatos e acomodando-os agraves suas necessidades - como em decisotildees

polecircmicas como na partida de D Pedro II para Uruguaiana ou sobre a deposiccedilatildeo do

gabinete O tato poliacutetico que teria o Marquecircs lhe permite sempre estar em

consonacircncia com a opiniatildeo puacuteblica pelo menos com a parte elogiosa da opiniatildeo

Com certo tom de gracejo Alencar brinca com a idade avanccedilada do Marquecircs e

sugere que ele escreva uma biografia Biografia que estaria rica de assuntos e

informaccedilotildees poliacuteticas jaacute que ndash falando com uma ponta de sarcasmo conservador

sobre a mobilidade partidaacuteria no periacuteodo ndash o Marquecircs ldquohavendo pertencido a todos

os partidos modernos e antigos a datar da constituinte vossa autobiografia deve ser

um tesouro inexauriacutevel de liccedilatildeo e conselhordquo (ALENCAR 2009 p247) E qualquer

poliacutetico continua encontraraacute ldquonesse novo evangelho poliacutetico um tema um exemplo

uma epiacutegrafe para adornar sua doutrinardquo (ALENCAR 2009 p248) Mas Olinda

apesar da idade continua firme no poder aparentemente natildeo querendo abrir matildeo

disto como muito bem nos sugere Alencar ldquopara voacutes poreacutem natildeo chegou ainda o

tempo das memoacuterias estais com as matildeos na obrardquo (ALENCAR 2009 p248) em

todas as obras em que consegue esgueirar suas matildeos era o que queria dizer

Mesmo quando os resultados natildeo lhe satildeo promissores como em 1851 com o

episoacutedio do Prata

Em 1857 alude o partido conservador comeccedila a perder forccedila apesar da presenccedila

de lideranccedilas importantes que poderiam seguir com uma administraccedilatildeo competente

Tendo homens como o dissera ldquode talhe para a empresa uns pela ilustraccedilatildeo

outros pela popularidade Itaboraiacute Uruguai Euseacutebio Caxias Pimenta Buenordquo

(ALENCAR 2009 p249) natildeo consegue encontrar um norte com algum destes e ao

clongo de alguns anos o partido perde sua forccedila de combate

Olinda foi presidente do conselho de ministros e ministro em diversas pastas e

diferentes gabinetes Seu nome nos conta enche o livro do Segundo reinado ldquorara

eacute a paacutegina em que natildeo figure ele no alto Estreastes regente era natural que

acabaacutesseis vice-rei43rdquo (ALENCAR 2009 p249) Mas o paiacutes sofre por demais neste

momento e o Marquecircs eacute o signo (senatildeo o culpado) dessa administraccedilatildeo

equivocada incompetente oriunda de uma oligarquia irresponsaacutevel que lanccedila o paiacutes

na ldquocorrupccedilatildeo infrene o descreacutedito puacuteblico a ruiacutena das financcedilas o aniquilamento da

induacutestria e finalmente a guerra ladeada a uma pela vergonha e pela miseacuteriardquo

(ALENCAR 2009 p250) A paacutetria exige um esclarecimento que Olinda ponha a

matildeo na consciecircncia e admita ndash na impossibilidade de corrigi-los ndash seus erros a

quem lhe creditou agrave administraccedilatildeo O paiacutes sofre e Olinda dorme ldquoagrave sesta e consente

que os convivas de teu banquete tripudiem sobre meu corpo exacircnimerdquo (ALENCAR

2009 p252) Natildeo a paacutetria exige sua salvaccedilatildeo E o instrumento para tanto eacute ldquoo

mesmo que serviu em 1837 aiacute jaz atirado ao poacute e desdenhado Eacute o grande Partido

Conservador numeroso ateacute na imobilidade forte ainda no abandonordquo (ALENCAR

2009 p252) Olinda deve indicar ao monarca um novo gabinete constituiacutedo pelo

partido conservador Alencar acena para a permanecircncia de grupos no poder mesmo

com a mudanccedila de gabinetes e vertentes poliacuteticas onde lideranccedilas transitam pelos

dois lados - conservador e liberal ndash e adaptam suas ideias as correntes de

pensamento vigentes em cada momento

Na sequencia das cartas (ALENCAR 2009 p223-239) outro destinataacuterio ilustre tem

a sua vez O Visconde de Itaborahy - carta de Erasmo sobre a crise financeira

Homem probo poliacutetica e civilmente ldquoum dos poucos contra quem natildeo se atreveu

ainda a maledicecircnciardquo (ALENCAR 2009 p223) Esse fiel monarquista esteve por

um breve periacuteodo distante da militacircncia na reorganizaccedilatildeo de partidos e gabinetes

quando do periacuteodo da liga para retornar logo em seguida fortalecido pelos

descaminhos da administraccedilatildeo em uma defesa da instituiccedilatildeo imperial e dos

43 O uacuteltimo vice-rei do Brasil foi o Conde dos Arcos em 1808 O tiacutetulo impotildee certo respeito mas eacute

evidente que Alencar o toma em um tom jocoso

destinos do paiacutes em discursos inflamados no Senado junto agrave outros conservadores

Itaborahy comeccedila a carreira poliacutetica no partido liberal e tambeacutem como jornalista

Assume o ministeacuterio da marinha e em 1837 se transfere para o partido conservador

Foi deputado geral e presidente do Banco do Brasil causa pela qual a segundo

Alencar assustadora perspectiva econocircmica do paiacutes leva o missivista - cheio de

elogios - agrave pessoa do Visconde pedir conselhos a este sobre os rumos que a

administraccedilatildeo puacuteblica deveria seguir admitindo natildeo ter a necessaacuteria ciecircncia para o

assunto nem sequer pretende ldquoao tiacutetulo de disciacutepulo da escola que vos reconhece

por mestrerdquo (ALENCAR 2009 p225) mas se propotildee a analisar o momento de crise

iniciando pelos problemas com o creacutedito As duas espeacutecies de creacutedito indicadas

pelo analista satildeo o mercantil e o predial Os dois estatildeo como que envolvidos um no

outro como uma sustentaccedilatildeo de garantia muacutetua a que os bancos se remetem no

sistema implantado no Brasil E as transaccedilotildees financeiras ldquose prendem por

filamentos mais ou menos longos e tortuosos agrave lavourardquo (ALENCAR 2009 p227)

base da economia no momento O investimento hipotecaacuterio afugenta os capitais

particulares visto que o comeacutercio e a induacutestria inspiram maior confianccedila

considerados seguros e lucrativos por uma maioria Com a deficiecircncia do credito

predial atrelado a lavoura o comeacutercio vai a seu auxiacutelio na tentativa de achar certo

equiliacutebrio que natildeo acontece devido as diferenccedilas proacuteprias de cada modalidade44

O problema de conseguir creacutedito para as lavouras comenta eacute comum em vaacuterios

paiacuteses do mundo e natildeo seria diferente no Brasil mas a soluccedilatildeo para nosso paiacutes

determinada pelo governo associado ao Banco do Brasil eacute a de extravasar os limites

da emissatildeo bancaacuteria o que acarreta financiamentos impossiacuteveis de serem tolerados

pela grande maioria dos que dele necessitam A recente implantaccedilatildeo do sistema de

creacutedito cede lugar a problemas de imperiacutecia financeira e junto a isso certos abusos

praticados por integrantes da associaccedilatildeo comercial constroem com a imobilizaccedilatildeo

de grande soma de capitais um caminho para a derrocada do sistema Ao mesmo

tempo a lavoura tambeacutem atravessa uma crise com a escassez de matildeo de obra e a

introduccedilatildeo de teacutecnicas dispendiosas acrescidas da carestia de gecircneros e das

44 Alencar usa de seu conhecimento como advogado especializado em direito administrativo e

comercial para equilibrar a narrativa com os argumentos da economia e administraccedilatildeo puacuteblicas

uacuteltimas maacutes colheitas Tambeacutem o fato de estarmos em periacuteodo de guerra acarretou

dois fenocircmenos preocupantes o ldquoescoamento dos depoacutesitos bancaacuterios para o

tesouro [e tambeacutem a ] monetizaccedilatildeo do papel bancaacuterio como um meio sub-reptiacutecio

de fornecer recursos ao governordquo (ALENCAR 2009 p230) criando o que chamou

de uma moeda simboacutelica natildeo tendo reservas que os garantam

Anunciado esse quadro desolador (aqui simplificado) Alencar questiona o Visconde

sobre qual seria o remeacutedio visto que a crise se alastrara por todo o sistema

financeiro Alencar responde afirmando ser necessaacuteria a separaccedilatildeo do creacutedito

agriacutecola do mercantil chegando a sugerir agrave fundaccedilatildeo de um banco agriacutecola

brasileiro que aliviaria o Banco do Brasil de garantir suporte a avultada diacutevida

agriacutecola a impontualidade do agricultor no pagamento de suas diacutevidas resultado da

imprevisibilidade do sistema de colheitas e a constante oscilaccedilatildeo no valor da

propriedade rural A proposta de Alencar indica a emissatildeo pelo governo de apoacutelices

para o banco agriacutecola transformando o agricultor ndash ou seu qualquer portador ndash em

acionista Algo como uma auto gerecircncia do sistema em que uma hipoteca de terras

garantiria o saldo devedor Proposta avanccedilada para a eacutepoca aqui mais uma vez

podemos observar a distorccedilatildeo que se deu no Brasil para as propostas de

implantaccedilatildeo de uma poliacutetica liberal tendo o Estado que se tornar distante das

soluccedilotildees econocircmicas mas ao mesmo tempo garantindo um lucro faacutecil para uma

aristocracia Eacute o que vecirc aqui onde a grande propriedade foi formada pelo sistema

de distribuiccedilatildeo de sesmarias e seus proprietaacuterios como os da antiga colocircnia soacute

querem explorar sem ter que arcar com quaisquer diacutevidas ou prejuiacutezos Mas Alencar

condena-os afirmando que ldquoa lavoura natildeo pode esquivar-se a garantir o Estado

quando este contrai grandes compromissos para auxiliaacute-lardquo (ALENCAR 2009

p235) Os tempos satildeo outros mas seraacute que satildeo de verdade O governo durante a

mudanccedila proposta tambeacutem deve arcar com o prejuiacutezo dos tiacutetulos sem valor que

emitiu sendo alguns de empreacutestimos que ele mesmo cedeu No fim o prejuiacutezo eacute

sempre grande Alencar sustenta uma regulaccedilatildeo do mercado provavelmente

influenciado pelas ideias de Adam Smith em que o mercado consegue trabalhar

melhor sem uma interferecircncia direta do Estado (KENNY 1998) Smith entatildeo muito

em voga nos meios acadecircmicos mas para Alencar manter a criacutetica lhe falta alguma

experiecircncia como financista para o tratamento de assuntos tatildeo especiacuteficos o que

pode ter sido interpretado como arrogacircncia de jornalista Da carta fica a opccedilatildeo por

uma estrutura administrativa baseada nas ideias liberais de fomento a livre

empresa creacutedito bancaacuterio em uma tentativa de diminuir a intervenccedilatildeo contiacutenua do

Estado na economia segunde ele ateacute entatildeo necessaacuteria O que fica para a histoacuteria

poliacutetica eacute a questatildeo com a pressatildeo para ao fim efetivo do traacutefico de escravos e a

implementaccedilatildeo da matildeo de obra assalariada ndash qualquer que fosse esta imigrante ou

natildeo europeia ou natildeo ndash em todo o paiacutes quem arcaraacute com o custo final disso tudo o

Estado ou as elites entatildeo no poder

334 NOVAS CARTAS AO IMPERADOR (ALENCAR 2009 p257-389)

A uacuteltima seacuterie de cartas datadas de junho de 1867 e endereccediladas novamente ao

Imperador tem uma intenccedilatildeo bem menos louvaacutevel ndash em um comentaacuterio de Tacircmis

Parron (2008) - que eacute a defesa da escravidatildeo negra no Brasil aleacutem de retomar

temas como a guerra e a poliacutetica no paiacutes O exame do texto nos auxiliaraacute nas

afirmaccedilotildees Eacute bem verdade que na fala do trono de 1867 (cerimocircnia que abre os

trabalhos no parlamento) D Pedro II teria mostrado disposiccedilatildeo em resolver o

problema do elemento servil problema que se arrasta na necessidade de uma

soluccedilatildeo jaacute com seu pai assegurando o fim do traacutefico como uma das condiccedilotildees para

o apoio da Inglaterra a independecircncia do Brasil O imperador tambeacutem se sentindo

pressionado por uma elite intelectual europeia que via na escravidatildeo (neste

momento depois da guerra de secessatildeo talvez natildeo antes) um insulto ao modelo

de civilidade que pretendia o Brasil como uma naccedilatildeo moderna alguns destes

intelectuais e artistas satildeo muito caros agrave D Pedro II como no caso de Victor Hugo A

proposta seria resolver gradativamente sem ferir os interesses daqueles que ainda

atrelados agraves culturas de exportaccedilatildeo necessitavam de braccedilos para o trabalho

atentos a condiccedilatildeo de que a imigraccedilatildeo europeia ainda natildeo era um fato substancial

Bosi comenta que

Algumas atitudes poliacuteticas de D Pedro II pareciam indicar que embora hesitantemente ele passou do polo nacional-conservador para o polo nacional-reformista guiado pelo religioso respeito que lhe inspiravam as culturas inglesa e francesa (BOSI 2003 p 239)

Resta saber em que ponto da estrada D Pedro II teria pegado o bonde reformista e

ateacute onde este poderia levar-lhe O decliacutenio da monarquia o que sugerem alguns

comentadores como Boris Fausto (2001) e Faoro (2004) jaacute estaacute batendo nos

portotildees de Satildeo Cristoacutevatildeo Alencar como bom conservador que eacute defende os

interesses ndash mesmo que natildeo textualmente ndash da oligarquia agriacutecola escravista que

sustentava o paiacutes (leia-se o impeacuterio) com sua produccedilatildeo para exportaccedilatildeo Alencar

antevecirc em seu texto as mudanccedilas sugeridas pelos novos tempos em que o ldquonovo

liberalismordquo ndash termo de Joaquim Nabuco com quem Alencar travaria discussotildees

inflamadas - vai tomando conta do parlamento e a proposta de renovaccedilatildeo da matildeo

de obra por colonos europeus jaacute estava em debate apesar de ainda natildeo termos as

campanhas abolicionistas Mas em sua opiniatildeo tais mudanccedilas ndash que aconteceriam

inevitavelmente - precisam ser combatidas no momento visto que uma mudanccedila

draacutestica poderia trazer prejuiacutezos para as colheitas devido agrave falta de trabalhadores Eacute

o ideal conservador que deve ser salvo A proposta das cartas enquanto veiacuteculo de

divulgaccedilatildeo ideoloacutegico eacute esta chegar o mais longe possiacutevel e alcanccedilar a quantos

pudessem com as ideias conservadoras

Eacute pontual que coloquemos ndash diga-se assim - uma questatildeo ante a defesa do trabalho

escravo por Alencar e tambeacutem uma resposta agrave interferecircncia direta da coroa no

assunto jaacute que estariacuteamos sob a vigecircncia de uma monarquia constitucional

parlamentarista A posiccedilatildeo de Alencar eacute criticada no periacuteodo como ideia jaacute superada

Tavares Bastos eacute um exemplo jaacute aludia agraves melhorias na produccedilatildeo advindas do

trabalho assalariado que tatildeo bem estava no periacuteodo se adaptando e trazendo

frutos principalmente no Nordeste com peculiar atenccedilatildeo ao Cearaacute a terra do

Deputado Alencar (BOSI 2003) Eacute um sinal de que o missivista estava mais

preocupado com a corte do que com suas bases ou desconhecia deliberadamente

esses dados

A escravidatildeo eacute um ponto complexo visto que a instituiccedilatildeo desde a colocircnia permeia

praticamente todas as outras instituiccedilotildees De maneira geral observamos que

(hellip) toda pessoa com algum recurso possuiacutea um ou mais escravos O Estado os funcionaacuterios puacuteblicos as ordens religiosas os padres todos eram proprietaacuterios de escravos Era tatildeo grande a forccedila da escravidatildeo que os proacuteprios libertos uma vez livres adquiriam escravos A escravidatildeo penetrava em todas as classes em todos os lugares em todos os desvatildeos

da sociedade a sociedade colonial era escravista de alto a baixo (CARVALHO 2002 p20)

Alencar tem uma posiccedilatildeo particular sobre a escravidatildeo Quer acabar com ela mas

de forma lenta e segura sem arroubos libertaacuterios que pudessem trazer prejuiacutezos ao

Brasil Parece em alguns momentos um produtor rural paulista preocupado com

seu lucro em outros um tecnocrata arrecadador de impostos Nas novas cartas

poliacuteticas Alencar jaacute natildeo se apresenta - podemos dizer assim - ao Imperador Ele de

certa forma jaacute teria conquistado o seu ouvinte e tomado sua atenccedilatildeo Sua opiniatildeo jaacute

consegue certo respeito dos leitores enxergando-o natildeo apenas como um artista um

escritor de romances (como fazia o Cotegipe) mas como um poliacutetico combativo com

capacidade de influenciar um grupo importante atraveacutes da imprensa Eacute aqui que

podemos observar de maneira mais integrada as propostas liberais sendo

mescladas ao conservadorismo na defesa da escravidatildeo

Alencar nesse novo conjunto de cartas pocircde usar em suas criacuteticas de uma

ldquolinguagem [que] seraacute minimamente severardquo (ALENCAR 2009 p259) e que ele

mesmo admite ser talvez improacutepria para um suacutedito que se dirige ao soberano

A primeira das cartas trata da ameaccedila de abdicaccedilatildeo de D Pedro II O episoacutedio se daacute

devido agrave proposta de uma negociaccedilatildeo de paz com Lopes considerada interessante

ateacute por Caxias dando fim a longa guerra O imperador discorda Uma crise que

abala ldquonatildeo jaacute a cidade mas o impeacuteriordquo O texto de Alencar eacute brilhante

Seraacute real que vossos laacutebios selados sempre pela reserva e prudecircncia se abriram para soltar a palavra fatal Eacute possiacutevel que suacutebita alucinaccedilatildeo desvaire a tal ponto um espiacuterito soacutelido e reto Natildeo creio natildeo posso natildeo devo crer Recebendo a nova incriacutevel a populaccedilatildeo ficou atocircnita (ALENCAR 2011 p257-258)

A expressatildeo ldquopalavra fatalrdquo natildeo determina se o missivista estaacute falando da proposta

da abdicaccedilatildeo ou de seu posicionamento contra uma negociaccedilatildeo de paz com Solano

Lopes E continua com ldquo() a populaccedilatildeo ficou atocircnita () O espanto lhe embarga a

falardquo (ALENCAR 2009 p258) Somente quando vem aludir posteriormente a D

Pedro I que cita a palavra abdicaccedilatildeo

Rara vez e soacute em circunstacircncias muito especiais pode a abdicaccedilatildeo tornar-se um ato de civismo admiraacutevel D Pedro I vosso augusto pai logrou um lance destes que o consagrou heroacutei da paz e da liberdade Sua missatildeo estava concluiacuteda havia fundado a monarquia brasileira e criado um povo (ALENCAR 2009 p258)

Apesar do elogio D Pedro I eacute portuguecircs e figura inaceitaacutevel com suas ideias

absolutistas na naccedilatildeo que surge E o povo que D Pedro I cria eacute uma aristocracia

local que tenta desvincular-se de Portugal

D Pedro I era ldquoum obstaacuteculo uma anomalia A mais veemente das paixotildees

populares o patriotismo sublevou-se contra o princiacutepio estrangeiro encarnado na

sua pessoa O Sr Pedro II eacute americano [sic] como seu povordquo (ALENCAR 2009

p259) e a abdicaccedilatildeo seria um crime de lesa naccedilatildeo Seriam os rumos incertos da

guerra pergunta o missivista motivo para uma abdicaccedilatildeo Alencar acusa

duramente o Imperador de ser o responsaacutevel pela ldquotemeridade com que nos

precipitamos sem refletir em uma situaccedilatildeo irremissiacutevel dilema cruel entre a ruiacutena e a

vergonhardquo (ALENCAR 2009 p260) A guerra tem nele seu responsaacutevel Tu ldquofostes

o princiacutepio e sois a alma da guerra Vosso pensamento a inspirou vossa convicccedilatildeo

a alimentardquo (ALENCAR 2009 p260) em busca de uma vitoacuteria que significaria

Humaitaacute arrasado Lopes deposto e o franqueamento da navegaccedilatildeo ribeirinha mas

apesar de compreensiacuteveis as razotildees e do patriotismo brasileiro que ndash segundo ele ndash

tende a apoiar a guerra ldquonenhum homem tem o direito de arrastar sua matildee paacutetria agrave

ruiacutena para vatilde satisfaccedilatildeo de seus brios revoltadosrdquo (ALENCAR 2009 p261)

Alencar argumenta (lembrando-o) que o imperador natildeo pode agir como uma pessoa

comum que ele natildeo tem o direito do simples cidadatildeo que eacute o de ter uma opiniatildeo

que natildeo considere a naccedilatildeo em primeiro lugar A soberania soacute existe porque eacute dada

ao Imperador e seus atos satildeo justificados pelo cidadatildeo E esse contrato impede

mesmo que haja qualquer ideia de renuncia pois os atos do imperador satildeo os atos

de todos os cidadatildeos A honra do Imperador segundo ele eacute a honra da naccedilatildeo e a

partir do modelo de monarquia constitucional entatildeo vigente enquanto defensor

perpeacutetuo da naccedilatildeo

quando o povo entenda que chegou o momento de acabar a guerra e exprima seu voto pelos meios constitucionais haveis de pensar do mesmo modo senatildeo como homem infalivelmente como soberano Em voacutes estaacute encarnado e vivo o grande eu nacional (ALENCAR 2009 p263)

Alencar repreende o Imperador severamente determinando que ldquoqualquer que seja

o desfecho da guerra [ele natildeo teria] o direito de separar vossa dignidade da causa

nacionalrdquo (ALENCAR 2009 p264) Vecirc-se nas palavras de Alencar a defesa natildeo do

imperador nem mesmo da monarquia mas do principio constitucionalista liberal Jaacute

aqui se percebe uma criacutetica ao que Alencar indicava como omissatildeo mas era de

certa forma um caminhar que D Pedro II mantinha nos tracircmites da legalidade que a

proacutepria constituiccedilatildeo lhe impunha sabia onde colocar seus peacutes E apesar das criacuteticas

Alencar sabia que os atos do imperador natildeo pedem contestaccedilatildeo visto que a

representaccedilatildeo deste eacute coletiva e todas as verdades se alinham em seu nome (em

nome da soberania) D Pedro II sabia o que poderia fazer e ateacute aonde confrontar a

burocracia que a casa de Braganccedila lhe tinha deixado por heranccedila Em outros

tempos mesmo sem buscar referecircncias anteriores a D Pedro I o texto de Alencar jaacute

estaria sujeito ao silecircncio

Uma das constantes reclamaccedilotildees de Alencar eacute a da falta de notiacutecias da guerra no

sentido de previsotildees reais sobre o andamento dos trabalhos sobre a movimentaccedilatildeo

das tropas sobre enfim quando iraacute terminar o supliacutecio Segundo ele haacute por parte

do governo um velamento da realidade no campo para o puacuteblico existe uma

censura ndash senatildeo oficializada mas efetiva ndash sobre os reais rumos da guerra dada em

funccedilatildeo da relaccedilatildeo que os jornais tecircm com o gabinete ministerial E a falta de atenccedilatildeo

para tais assuntos junto a posiccedilatildeo equivocada frente agrave guerra estatildeo aiacute por culpa

de D Pedro II

Termina essa carta anunciando o erro do Imperador na fala de ldquoabdicaccedilatildeo quando a

senha do dia para todos os brasileiros e para voacutes primeiro que todos eacute dedicaccedilatildeordquo

(ALENCAR 2009 p274) O sarcasmo de Alencar brinca com os brios de D Pedro

II com seu orgulho de intelectual ndash tiacutetulo o qual preferia algumas vezes ao de

Imperador (SCHWARCZ 1999) ndash indicando que a imprensa do mundo inteiro o

proclama ldquoum saacutebiordquo e cita o artigo publicado nos jornais em que ldquoo presidente dos

Estados Unidos aludindo agrave franquia do Amazonas vos considerou entre os

primeiros estadistas do mundordquo (ALENCAR 2009 p277) o que provavelmente natildeo

aconteceria se este tomasse medidas protecionistas no paiacutes o que jaacute funcionavam

como uma poliacutetica de Estado desde os fins da guerra de Secessatildeo nos Estados

Unidos mas era duramente criticado por este para toda a Ameacuterica Latina eacute possiacutevel

que seja isto que Alencar quer dizer quando escreve logo a seguir que terminado

estaacute ldquoo tempo em que os povos eram instrumento na matildeo dos reis que os

empregavam para obter a satisfaccedilatildeo de suas paixotildees e a conquista de um renome

vatildeordquo porque aqui ldquorasga-se o manto auriverde da nacionalidade brasileira para

cobrir com os retalhos a cobiccedila do estrangeiro [Natildeo existe] para voacutes senhor outra

fama liacutecita e pura senatildeo aquela poacutestuma que eacute a verdadeira gloacuteriardquo (ALENCAR

2009 p278) e que dispor das reservas econocircmicas tanto quanto das pessoas de

forma displicente e buscando uma valorizaccedilatildeo pessoal eacute sinal de um despotismo

que jaacute natildeo cabe mais aqui Eacute o Alencar liberal que fala

A partir daqui Alencar passa depois de construir a narrativa em um tom duro de pai

que repreende o filho teimoso a falar da questatildeo da emancipaccedilatildeo mais diretamente

D Pedro II coloca a discussatildeo na pauta pela fala do trono e os progressistas ndash

chamados vacircndalos no texto de Alencar ndash a aceitam como uma plataforma Alencar

toma a proposta de emancipaccedilatildeo do escravo pelo menos para o momento como

um erro do Imperador Segue a referecircncia

Libertando uma centena de escravos cujos serviccedilos a naccedilatildeo vos concedera distinguindo com um mimo especial o superior de uma ordem religiosa que emancipou o ventre estimulando as alforrias por meio de mercecircs honoriacuteficas respondendo agraves aspiraccedilotildees beneficentes de uma sociedade abolicionista de Europa e finalmente reclamando na fala do trono o concurso do poder legislativo para essa delicada reforma social sem duacutevida julgais ter adquirido os foros de um rei filantropo (ALENCAR 2009 p280)

Alencar acreditava que o momento com a economia debilitada por conta da guerra

e tambeacutem por conta desta a falta de braccedilos para a constituiccedilatildeo de um sistema de

matildeo de obra diferenciado e sem o apoio ainda da prometida imigraccedilatildeo (apesar das

muitas propostas tanto de europeus como de asiaacuteticos nenhum projeto de vulto

havia sido executado) o paiacutes essencialmente agraacuterio se precipitaria no caus Os

argumentos de Alencar apesar de bem trabalhados sugerem mais suas ligaccedilotildees (e

preocupaccedilotildees) com a aristocracia rural do que propriamente com o povo afirmando

seu ideal de manutenccedilatildeo dos privileacutegios das elites em detrimento de medidas mais

imediatas Alega que a escravidatildeo eacute um fato social tendo como exemplo ldquoo

despotismo e a aristocracia como jaacute foram a coempccedilatildeo da mulher a propriedade do

pai sobre os filhos e tantas outras instituiccedilotildees antigas45rdquo (ALENCAR 2009 p282)

Argumentos que Alencar potildee no passado mas que reconhece presentes quando

trata deles em suas obras Eacute o direito a escravidatildeo como uma instituiccedilatildeo legal que

segue em sua argumentaccedilatildeo lembra que satildeo as naccedilotildees em suas leis que justificam

a escravidatildeo Que sob a lei haacute a justificativa e que ningueacutem pode ser obrigado a

fazer ou deixar de fazer algo a menos que isso esteja expresso na lei

Alencar lembra que a ldquoescravidatildeo caduca mas ainda natildeo morreu ainda se prendem

a ela graves interesses de um povo Eacute quanto basta para merecer o respeitordquo

(ALENCAR 2009 p283) O respeito que se daacute sustenta enquanto instituiccedilatildeo E

satildeo os progressistas com o apoio formal do imperador que tratam de desqualificar

a instituiccedilatildeo lanccedilando ldquoo odioso sobre as instituiccedilotildees vigentes qualificando seus

defensores de espiacuteritos mesquinhos e retroacutegradosrdquo (ALENCAR 2009 p283) Isto

em mateacuteria de reforma natildeo tem propriamente um fim eleitoreiro ndash ainda natildeo seria o

caso - mas tentando fortalecer outros grupos aos quais as ideias abolicionistas

vinham a calhar como os financistas e banqueiros que esperavam por um

liberalismo mais econocircmico e burguecircs que poliacutetico e aristocraacutetico Alencar se

protege como bom advogado enquanto defende a escravidatildeo sobre o vieacutes da lei

Para ele ldquoa escravidatildeo se apresenta hoje ao nosso espiacuterito sob um aspecto

repugnante Esse fato do domiacutenio do homem sobre o homem revolta a dignidade da

criatura racional Sente-se ela rebaixada com a humilhaccedilatildeo de seu semelhanterdquo

(ALENCAR 2009 p284) mas sua opiniatildeo natildeo pode prevalecer O missivista busca

o que seria a melhor alternativa para a economia do paiacutes jaacute prontamente

argumentada na carta ao Visconde de Itaborahy A instituiccedilatildeo da escravidatildeo eacute legal

e justa ldquoquando realiza um melhoramento na sociedade e apresenta uma nova

situaccedilatildeo embora imperfeita da humanidade () Neste caso estaacute a escravidatildeo ()

45 Jaacute eacute um comentaacuterio de Aristoacuteteles na poliacutetica

um instrumento da civilizaccedilatildeo como foi a conquista o municiacutepio a glebardquo

(ALENCAR 2009 p284) Eacute uma das fazes do desenvolvimento pelo qual passaram

diversas naccedilotildees

Sempre apelando para a histoacuteria europeia Alencar apresenta a escravidatildeo como ldquoo

primeiro impulso do homem para a vida coletiva o elo primitivo da comunhatildeo entre

os povosrdquo (ALENCAR 2009 p285) Ao menos admite adiante que possam parecer

estranhas tais proposiccedilotildees mas sempre sustentado pelo estudo de textos

canocircnicos46 (cita o Gecircnesis de Moiseacutes quando da admissatildeo da escravidatildeo pela

Biacuteblia) segue o argumento admitindo que por exemplo a escravidatildeo pela guerra

com a conquista dos povos haveria um constante holocausto infligido as sociedades

derrotadas Na Ameacuterica resultaria no extermiacutenio das populaccedilotildees indiacutegenas Mas

isso que aconteceu de qualquer forma um argumento injustificado

Alencar eacute um dos defensores da ideia de que a ldquoraccedila negrardquo eacute a que melhor se

adapta ao trabalho agriacutecola (apesar de afirmar que o colono portuguecircs aguenta

firmemente o trabalho dos troacutepicos) Sendo esta mais disponiacutevel e apta e ndash segundo

ele ndash baacuterbara e necessitando de um processo civilizatoacuterio que o tirasse da

selvageria aproveitando sua energia vital ldquopara lutar com uma natureza giganterdquo

(ALENCAR 2009 p289) Natildeo fosse a escravidatildeo ndash toma isso como um acaso

valoroso - a Ameacuterica ldquoseria hoje um vasto desertordquo (ALENCAR 2009 p289)

Alencar nos lembra do fato de que a moderna escravidatildeo ressurgida na peniacutensula

ibeacuterica - com o haacutebito de presentear o Rei com escravos negros - natildeo se estabelece

na Europa mas mesmo os ingleses franceses e holandeses portanto natildeo soacute os

portugueses e espanhoacuteis servem-se dela na colocircnia Adam Smith admitia a

escravidatildeo nas colocircnias inglesas ((WEFFORT 2001) Como se explica pergunta

ele ldquoessa anomalia de povos repelindo na metroacutepole uma instituiccedilatildeo que adotam e

protegem no regime colonialrdquo (ALENCAR 2009 p290) Tal pressatildeo internacional

a que comeccedila a ceder o Imperador eacute comum nesse periacuteodo e seraacute assim ateacute hoje

Carvalho (2007) estudando as atas do conselho de Estado do Impeacuterio comenta que

46

A igreja possuiacutea escravos negros e ara um grupo que natildeo se pronunciava ateacute entatildeo a favor da aboliccedilatildeo

apesar do modelo poliacutetico para o Brasil - de Inglaterra e Franccedila ndash serem uma

unanimidade entre os conselheiros chegando estes a citar de memoacuteria frases e

anedotas dos poliacuteticos mais conhecidos como o faz tambeacutem o Alencar o bom senso

prevalecia sobre o modelo e as accedilotildees poliacuteticas tomadas (sugeridas e votadas) ali

tinham uma real preocupaccedilatildeo com a realidade do paiacutes Mas o que observamos na

criacutetica de Alencar eacute que a realidade do paiacutes passava pelos interesses desses

mesmos grupos representados pelo conselho

A questatildeo a que se chega eacute a escravidatildeo jaacute teria cumprido seu papel no Brasil

Segundo Alencar natildeo E ele o afirma ldquocom a consciecircncia do homem justo que

venera a liberdade com a caridade do cristatildeo que ama seu semelhante e sofre na

pessoa delerdquo (ALENCAR 2009 p293) Para o bem de todos afirma ele ateacute mesmo

dos escravizados ainda natildeo eacute o tempo para a aboliccedilatildeo Mas os ldquotodosrdquo aqui

assinalados tecircm uma clara linha que distingue o escravizado do escravizador

Alencar natildeo chega a defender nem mesmo uma proximidade entre eles Usando o

discurso da etnia afirma que ldquoningueacutem desconhece todavia quanto eacute lenta essa

coesatildeo ou amaacutelgama de raccedilas Demanda seacuteculos e seacuteculos semelhante operaccedilatildeo

etnograacutefica e traz graves abalos agrave sociedaderdquo (ALENCAR 2009 p295) Mas ao

mesmo tempo com uma imigraccedilatildeo europeia e a amalgama o problema tambeacutem se

resolveria pois

Em trecircs e meio seacuteculos o amaacutelgama das raccedilas se havia de operar em larga proporccedilatildeo fazendo preponderar a cor branca Trecircs ou quatro geraccedilotildees bastam agraves vezes no Brasil para uma transformaccedilatildeo completa (ALENCAR 2009 p292)

O contato que Alencar defende eacute tatildeo somente social como forma civilizatoacuteria ldquoA

raccedila africana tem apenas trecircs seacuteculos e meio de cativeiro Qual foi a raccedila europeia

que fez nesse prazo curto a sua educaccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p310) A raccedila

branca diz ele ldquoembora reduzisse o africano agrave condiccedilatildeo de uma mercadoria

nobilitou-o natildeo soacute pelo contato como pela transfusatildeo do homem civilizadordquo47

(ALENCAR 2009 p296) Embranquecer seria um destino e uma meta a ser

cumprida para chegar-se enfim a uma futura civilizaccedilatildeo da Aacutefrica A soluccedilatildeo 47 Mesmo velado preconceito racial sempre houve no Brasil Nota-se em textos natildeo soacute de Alencar

mas de intelectuais como Silvio Romero e o proacuteprio Joaquim Nabuco (SKIDMORE 1989)

proposta eacute resolver a escravidatildeo pela absorccedilatildeo de uma raccedila por outra mas

aparentemente por outras as raccedilas e categorias sociais como o indiacutegena e o

imigrante pobre que chegaria em alguns anos Pois cada ldquomovimento coesivo das

forccedilas contraacuterias eacute um passo [a] mais para o nivelamento das castasrdquo (ALENCAR

2009 p296) ateacute o amalgama quando da geraccedilatildeo anterior findasse com a morte

mas sempre enquanto castas Sempre com uma marca social (in) visiacutevel que as

distinguisse

Chegado o termo fatal produzido o amaacutelgama a escravidatildeo cai decreacutepita e exacircnime de si mesma sem arranco nem convulsatildeo como o anciatildeo consumido pela longevidade que se despede da existecircncia adormecendo Mas antes do seu prazo quem fere mortalmente uma lei derrama sangue como se apunhalara um homem (ALENCAR 2009 p296)

Alencar usa como argumento que o escravo seria um inimigo se emancipado Os

povos que emanciparam seus escravos estavam em superioridade numeacuterica quanto

a estes e natildeo era o caso do Brasil Nos Estados Unidos do periacuteodo da guerra de

secessatildeo o norte tinha uma superioridade muito grande de homens livres sobre a

quantidade de escravos ao contraacuterio do sul o que os levaram a apoiar a

emancipaccedilatildeo Foi tambeacutem o caso da Inglaterra com suas colocircnias Libertar uma

quantidade tatildeo grande de escravos como haacute no Brasil de uma soacute vez pode criar

uma situaccedilatildeo de descontrole social alerta Alencar Comentando ainda sobre os

movimentos abolicionistas que vem se sucedendo na Ameacuterica Latina desde as

primeiras deacutecadas do seacuteculo XIX ndash o que aparentemente viria a reforccedilar a instituiccedilatildeo

nos paiacuteses que natildeo aderiram ao processo de emancipaccedilatildeo aleacutem de considerar que

a populaccedilatildeo escrava no Brasil consegue se reproduzir muito mais que em outros

paiacuteses O mais certo seria que a escravidatildeo natildeo se extinguisse ldquopor ato do poder e

sim pela caduquice moral pela revoluccedilatildeo lenta e soturna das ideiasrdquo (ALENCAR

2009 p306) E aparentemente sem muita pressa Mesmo porque haacute tambeacutem o

movimento contraacuterio do senhor de escravos que quer manter sua propriedade

O processo de emancipaccedilatildeo segundo ele jaacute se iniciou no Brasil a ponto de afirmar

que jaacute natildeo temos mais ldquoa verdadeira escravidatildeo poreacutem um simples usufruto da

liberdade ou talvez uma locaccedilatildeo de serviccedilos contratados implicitamente entre o

senhor e o Estado como tutor do incapazrdquo (ALENCAR 2009 p309) Cabe lembrar

que natildeo temos no periacuteodo um movimento abolicionista encapado pelos partidos ou

mesmo pela opiniatildeo puacuteblica Alencar lembra que quantidade de escravos eacute grande

demais para arriscar uma emancipaccedilatildeo por decreto

Trecircs seacuteculos durante a Aacutefrica despejou sobre a Ameacuterica a exuberacircncia de sua populaccedilatildeo vigorosa Calcula-se em cerca de quarenta milhotildees o algarismo dessa vasta importaccedilatildeo Nesse mesmo periacuteodo a Europa concorria para a povoaccedilatildeo do Novo Mundo com um deacutecimo apenas da raccedila negra (ALENCAR 2009 p292)

Alencar sugere que natildeo foi o Brasil do seacuteculo XIX que inicia o processo de

escravizaccedilatildeo nessas terras mas o Europeu o portuguecircs aacutevido de lucros com a

exploraccedilatildeo da colocircnia Exigir que se corrigisse um erro de uma hora para a outra eacute

uma sandice mesmo por que este (o europeu) espera ainda os produtos tropicais

com preccedilos baixos o que uma brusca mudanccedila no processo de produccedilatildeo natildeo

conseguiria manter o que acarretaria perdas tanto para os produtores como para os

mercados consumidores O escravo natildeo entrou na conta A passagem eacute

esclarecedora nesse sentido

O filantropo europeu entre a fumaccedila do bom tabaco de Havana e da taccedila do excelente cafeacute do Brasil se enleva em suas utopias humanitaacuterias e arroja contra estes paiacuteses uma aluviatildeo de injuacuterias pelo ato de manterem o trabalho servil Mas por que natildeo repele o moralista com asco estes frutos do braccedilo africano Em sua teoria a bebida aromaacutetica a especiaria o accediluacutecar e o delicioso tabaco satildeo o sangue e a medula do escravo Natildeo obstante ele os saboreia (ALENCAR 2009 p307)

Alencar explica que um necessaacuterio crescimento da populaccedilatildeo livre deve ser

incrementado para que a partir desta (sugere como a melhor forma a imigraccedilatildeo)

poderaacute haver a substituiccedilatildeo do trabalho escravo Nos Estados Unidos nos conta foi

assim Eacute a imigraccedilatildeo que colocaraacute uma nova ldquocorrdquo no paiacutes e lhe daraacute novo vigor E

coloca a culpa na Europa novamente por natildeo facilitar o envio de imigrantes para

nosso paiacutes Estes viriam de bom grado considerando mesmo ndash e ateacute como

argumento comparativo ndash a qualidade de vida aqui eacute bem melhor que laacute Na

verdade como afirma Prado (2001) os princiacutepios liberais erigiam a liberdade com

base em direitos do homem e natildeo pelo ponto de vista religioso Contestar a

escravidatildeo era tambeacutem contestar todo o antigo regime

A amaacutelgama de raccedilas proposta por Alencar tem por base o fluxo intenso de

imigrantes lusitanos para a Corte do Brasil a partir de 1850 com o fim do traacutefico de

escravos Por conta disso a populaccedilatildeo eacutetnica se altera mas o contingente

populacional se manteacutem praticamente o mesmo entre 1850 e 1872 ldquoa populaccedilatildeo

escrava diminui e a populaccedilatildeo lusitana quase dobrardquo (NOVAIS 1997 p30) Ainda

acompanhando este autor temos a indicaccedilatildeo de que ao fim da deacutecada de 1860

metade da populaccedilatildeo masculina da Corte era estrangeira vinda principalmente de

Portugal Alencar ainda coloca em um comparativo um operaacuterio europeu

trabalhando 12 15 18 horas soacute almeja a liberdade para tentar um outro caminho

que a cidade natildeo lhe oferece A ldquocondiccedilatildeo do nosso escravo comparada com a do

operaacuterio europeu eacute esmagadora para a civilizaccedilatildeo do Velho Mundo [essa liberdade]

eacute o meio um direito o fim eacute a felicidade48 e desta o escravo brasileiro tem um

quinhatildeo que natildeo eacute dado sonhar ao proletaacuterio europeurdquo (ALENCAR 2009p324)

O que se viu dando um breve espaccedilo ao tempo eacute que as criacuteticas de Alencar a

forma como o governo processa o problema da emancipaccedilatildeo (ou seria tambeacutem a

emancipaccedilatildeo a soluccedilatildeo do problema em outro ponto de vista) acabam encontrando

um espaccedilo vazio onde podiam criar raiacutezes visto que as promessas de aboliccedilatildeo no

fim da guerra de forma progressiva e por meio da estimulaccedilatildeo da emigraccedilatildeo ainda

estatildeo na forma como promessas no periacuteodo e a dificuldade de se encontrar uma

soluccedilatildeo (ateacute a aboliccedilatildeo completa claro) abrem precedentes para que o pensamento

de Alencar ndash se natildeo o mais eacutetico ndash acabe se apresentando como o mais coerente A

libertaccedilatildeo como o quer o governo sem um projeto que forneccedila condiccedilotildees de

inserccedilatildeo no novo projeto socioeconocircmico para o receacutem-libertado acabaraacute por

coloca-lo em situaccedilatildeo de miseacuteria caindo na mendicacircncia ou criminalidade A ideia

central de Alencar eacute que mesmo que haja aboliccedilatildeo geral e irrestrita se consiga

garantir que o escravo ldquose for libertado permaneceraacute em companhia do senhor e se

tornaraacute em criadordquo (ALENCAR 2009 p329) De qualquer forma para o senhor de

escravos na economia monocultora exportadora com um mercado flutuante

48 Natildeo eacute difiacutecil encontrar referecircncias aos textos do Utilitarismo de Jeremy Bentham em uma leitura

de Alencar

qualquer justificativa era boa contanto que a escravidatildeo natildeo terminasse naquele

momento nem em um futuro proacuteximo Nesse sentindo o argumento que Ilmar Mattos

(1987) defende eacute de que a relaccedilatildeo do Estado com os interesses da classe

ldquosenhorialrdquo faz com que a coroa assuma o papel de Partido ( nos termos de Gramsci)

natildeo se reduzindo assim agrave figura do Imperador que mesmo acuado pela criacutetica de

Alencar sabe que ele (e mesmo o missivista) satildeo peccedilas de uma organizaccedilatildeo mais

complexa dentro da sociedade Mas a coroa deve resolver tambeacutem os problemas

internos como convergecircncias e divergecircncias garantindo sempre que esta se

atualize

Como parte de um jogo de relaccedilotildees entre poliacuteticos e opiniatildeo puacuteblica eram

aplaudidos ateacute mesmo argumentos romantizados ao estremo como quando Alencar

defende que

A uacutenica transiccedilatildeo possiacutevel entre a escravidatildeo e a liberdade eacute aquela que se opera nos costumes e na iacutendole da sociedade Esta produz efeitos salutares adoccedila o cativeiro vai lentamente transformando-o em mera servidatildeo ateacute que chega a uma espeacutecie de orfandade o domiacutenio do senhor se reduz senatildeo a uma tutela beneacutefica (ALENCAR 2009 p113)

As soluccedilotildees que se propotildeem satildeo muitas mas uma breve reflexatildeo faz cair por terra

todo o conteuacutedo ideoloacutegico que estas carregam Uma situaccedilatildeo se daacute quando da

publicaccedilatildeo em marccedilo de 1868 tambeacutem de uma carta aberta endereccedilada ao

presidente do Conselho e lida perante a cacircmara dos deputados em fins do ano

anterior o Imperador declara abrir matildeo da quarta parte de sua dotaccedilatildeo Conta-nos

Alencar que a imprensa noticiando o caso ldquoem nome da opiniatildeo puacuteblica vos

retribuiu com bonitos e merecidos elogiosrdquo (ALENCAR 2009 p331) o ato que

busca devido agrave deficitaacuteria condiccedilatildeo do Estado auxiliar na organizaccedilatildeo da economia

senatildeo economicamente ao menos simbolicamente Notiacutecia que o parlamento

recebe com aplausos Alencar encontra aiacute uma possibilidade de contestaccedilatildeo do ato

afirmando ainda que natildeo aceita enquanto suacutedito e contribuinte tal donativo visto

que a dotaccedilatildeo natildeo eacute um ordenado pago ao Imperador e a famiacutelia real Eacute o ldquodecoro

do trono e a dignidade da naccedilatildeo como diz-nos a lei fundamental (art 108) que

determina a dotaccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p332) coisas de que este eacute depositaacuterio

enquanto representante da naccedilatildeo e natildeo proprietaacuterio Mais uma vez Alencar estaacute

assumindo a participaccedilatildeo do soberano no contrato O missivista usa seu

conhecimento do direito constitucional para denunciar as accedilotildees da coroa visando agrave

manipulaccedilatildeo ideoloacutegica do povo visto que tais atitudes propriamente simboacutelicas

como o ato de abrir matildeo da dataccedilatildeo (visto que os valores pouco ou nada influenciam

no ressarcimento das perdas do eraacuterio puacuteblico resultantes das uacuteltimas maacutes gestotildees

e dos custos com a guerra chegando mesmo Alencar classifica-las como migalhas)

satildeo uma forma de tranquilizar por meio dos jornais a opiniatildeo puacuteblica quanto a

realidade econocircmica por que passa o paiacutes e refrear as ameaccedilas de contestaccedilatildeo a

ordem estabelecida Sugere que se D Pedro II realmente quiser ajudar a naccedilatildeo que

seja

pondo um termo a esse esbanjamento desordenado que tem exaurido todas as reservas do paiacutes e vai sorver os uacuteltimos recursos do futuro natildeo satildeo os Vossos duzentos contos de reacuteis que vatildeo suprir o vaacutecuo aberto no orccedilamento por uma administraccedilatildeo imprevidente e desasada (ALENCAR 2009 p333)

Natildeo poderatildeo resolver o problema do Rio da Prata que garantiratildeo o creacutedito puacuteblico

ou evitaratildeo uma possiacutevel bancarrota do impeacuterio brasileiro Alencar entatildeo aconselha

que o Imperador continue fazendo uso do dinheiro em suas obras de caridade pois

a recusa dos valores soacute seraacute ldquoum foco de imoralidade e corrupccedilatildeo Carniccedila atirada

ao tempo que a podridatildeo logo decompotildeerdquo (ALENCAR 2009 p334) visto que tal iraacute

fluir para poliacuteticos corruptos e suas necessidades pessoais Se quiser ajudar o paiacutes

evitai que a administraccedilatildeo continue com a guerra que arruinaraacute enfim o paiacutes e

termina solicitando a demissatildeo do ministeacuterio ndash uacutenica soluccedilatildeo ndash como uacutenica forma de

salvar o Brasil e com sua integridade Eacute importante lembrar que D Pedro II conhece

bem a constituiccedilatildeo e apesar dos ataques de Alencar nunca toma uma atitude

defensiva eacute preciso registrar sua permissividade e respeito agrave liberdade de imprensa

como um traccedilo liberal mas como bem anuncia Alencar a criacutetica feita pela imprensa

natildeo encontra respaldo junto a opiniatildeo puacuteblica e as mudanccedilas natildeo satildeo

implementadas impossibilitando mudanccedilas na base administrativa o que pode ser

visto como um traccedilo de totalitarismo

Segundo Carvalho (2007) no modelo parlamentar que se desenvolve no Brasil o

parlamentarismo francecircs eacute a base apesar das constantes referecircncias ao

parlamentarismo inglecircs O gabinete ministerial eacute o elo entre a cacircmara e o imperador

a referenda do poder moderador A carta magna eacute influenciada pelas Constituiccedilotildees

francesa de 1791 e espanhola de 1812 e uma das mais liberais da eacutepoca Nesse

modelo eacute o gabinete que deve explicar-se com a cacircmara sobre os atos da

administraccedilatildeo puacuteblica evitando que se perceba algum resquiacutecio de absolutismo

Sem o gabinete o poder moderador instituiria um ldquodespotismo legalrdquo nas palavras do

senador Vergueiro (CARVALHO 2007) Eacute uma vitoacuteria dos liberais que tentam

garantir que D Pedro II reine e natildeo governe mas natildeo eacute assim que sempre funciona

O senado vitaliacutecio eacute a sombra do imperador - natildeo importando se eacute

predominantemente conservador ou abriga um e outro liberal moderado - que

manda e desmanda com sua influencia dentro dos partidos para garantir apoio a um

ou outro deputado do interior Eacute o tempo que iraacute solidificar as estruturas e o poder e

isto a cacircmara dos Deputados natildeo tinha para si A essecircncia do mecanismo eacute povo

dominado pelos poliacuteticos e poliacuteticos tutelados pelo imperador dentro do quadro

burocraacutetico instituiacutedo (FAORO 2004)

Zacarias de Goacutees e Vasconcelos defendia que o rei absoluto deveria ser distinguido

do rei constitucional natildeo cabendo mais o primeiro no seacuteculo XIX A garantia de

constitucionalidade dos atos do poder moderador estava na referenda feita pelos

ministros que prestavam contas agrave cacircmara O ministeacuterio deve contar entatildeo com a

confianccedila do parlamento Eacute um dado interessante que a maioria dos ministros saiacutesse

do senado e natildeo da cacircmara dos deputados o que garantia que as propostas

administrativas dos gabinetes estivessem mais afinadas com o modelo de governo

esperado pelo imperador O senador escolhido em uma lista triacuteplice apresentada ao

imperador eacute referendado por ele Natildeo havia nesse modelo formas de burlar o

domiacutenio da oligarquia ldquo() calccedilada na vitaliciedade no Senado e no Conselho de

Estadordquo (FAORO 2004 p 354)

A sexta carta datada de 23 de setembro de 1867 portando logo em seguida agrave

publicaccedilatildeo da carta anterior (o que permite aceitar que os textos sejam de certa

forma complementares visto a dificuldades de comunicaccedilatildeo com as frentes de

batalha) que tem a data de 20 de setembro Intitulada estaacute como uma carta ldquosobre a

guerrardquo e visto que a guerra eacute assunto presente em todas as cartas eacute preciso deter-

se um pouco no assunto Alencar inicia seu argumento afirmando de forma

progressiva que ldquoa paz eacute uma grande vergonha () a paz eacute um ato de miseacuteria

() a paz eacute uma vilaniardquo (ALENCAR 2009 p343) mas que o momento torna a

guerra algo insustentaacutevel Culpa o ministeacuterio por natildeo conseguir mais alistar homens

para a batalha e com a consequente falta de braccedilos para a lavoura a economia se

retrai dia apoacutes dia pois o escravo negro cada dia mais eacute presente nas fileiras da

guerra O alistamento feito para a guerra a princiacutepio voluntaacuterio comeccedila a encontrar

resistecircncia O governo forccedila o alistamento e o alistado poderia mandar um escravo

em seu lugar Eacute um impasse complexo para o liberalismo no Brasil Como pode

algueacutem que natildeo dispotildee de sua liberdade ndash nem disporaacute ndash pode lutar pela liberdade

Aproveita ainda o Alencar para dar alfinetadas nos liberais por meio da figura de

Zacarias de Goacuteis afirmando que o temor da guerra (ou mesmo de se responsabilizar

por seus rumos que seria efetivamente o caso) afasta a possibilidade de outro

partido tomar as reacutedeas da politica nacional garantindo a permanecircncia do partido

liberal no poder Critica veementemente a situaccedilatildeo de alistamento de escravos ndash

alguns cedidos por seus senhores para que combatam por eles - no exeacutercito regular

A questatildeo eacute como algueacutem que natildeo goza da liberdade pode lutar pela liberdade

ldquoPor entusiasmo espontacircneo esposando a causa de seus senhoresrdquo (ALENCAR

2009 p350) afirma Sua sugestatildeo eacute que se decirc fim agrave guerra pelo menos por

enquanto para que se resolvam os maiores problemas que satildeo os da poliacutetica

interna comeccedilando pela reorganizaccedilatildeo (ou deposiccedilatildeo claro) do gabinete e o

problema da escravidatildeo e completa consagrando seu momento maacutegico no tempo

a afirmaccedilatildeo de que soacute assim ldquoo paiacutes haacute de recuperar as forccedilas inertes os brios

abatidos O impeacuterio seraacute outra vez o Brasil da independecircncia o Brasil de 1851rdquo

(ALENCAR 2009 p354) Pronto para dar uma soluccedilatildeo os problemas do paiacutes

afirma somente o partido conservador Este ldquonatildeo tem a cumplicidade desta guerra

natildeo o tolhem compromissos do passado Entraria no poder com a imparcialidade do

juiz [e com] bastante civismo para arrostar as dificuldades da guerrardquo (ALENCAR

2009 p355) Um pouco de partidarismo ao fim da carta faz bem o estilo de nosso

missivista

O intervalo entre a penuacuteltima carta publicada em 23 de setembro de 1867 e a Uacuteltima

Carta49 datada de 15 de marccedilo de 1868 eacute grande se comparado ao restante do

conjunto Uma nota ao final (indicada como post-scriptum) assinala que ldquomotivos

imperiosos retardaram a publicaccedilatildeo desta cartardquo (ALENCAR 2009 p389) O uso do

termo ldquoimperiososrdquo eacute um indicio que pode se referir agrave condecoraccedilatildeo oferecida ao

Alencar pelo Imperador no ano de 1867 o oficialato da Rosa pelos serviccedilos

prestados ao paiacutes por meio da literatura Com seu habitual jeito mal educado

Alencar recusa a comenda e D Pedro II consegue uma inteligente cartada de

manipulaccedilatildeo aceitando desta forma as criacuteticas e tirando o Alencar do centro do

universo O episoacutedio da comenda oferecida sem que haja qualquer pretensatildeo de

agradar (assim o diz) ao Alencar mostra publicamente que haacute na figura do

imperador um interlocutor para as cartas E que este sabe muito bem o que lecirc e

sabe tambeacutem responder quando necessaacuterio for

Inicia Alencar aludindo a seu recolhimento explicitando o motivo na ideia de que

tambeacutem a situaccedilatildeo parece ter tido uma pausa Eacute o periacuteodo de encerramento do

trabalho das cacircmaras em Janeiro Caxias assume o comando das tropas aliadas

Alguns rumores correm a cidade conta de que o ministeacuterio pretende mudanccedilas e

encontra certa resistecircncia de D Pedro II A verdade segundo ele eacute que a situaccedilatildeo

deve ter fim A corrupccedilatildeo toma conta do Estado e natildeo se consegue uma

intervenccedilatildeo estando todos preocupados com a guerra natildeo se enxerga a corrupccedilatildeo

na administraccedilatildeo do Paiacutes Alencar sugere que a devassidatildeo que se daacute soacute terminaraacute

quando a consciecircncia do povo mudar ou quando o paiacutes natildeo tiver mais o que ser

corrompido

O corretivo da desmoralizaccedilatildeo sairaacute de seu proacuteprio seio quando natildeo haja mais nada a corromper e a dissoluccedilatildeo tenha-se operado no paiacutes todo entraremos necessariamente no periacuteodo embrionaacuterio de uma nova existecircncia poliacutetica em uma era de reorganizaccedilatildeo (ALENCAR 2009 p358)

Essa visatildeo pessimista tem um pouco de rancor por conta da manobra da comenda

oferecida ao missivista pelo Imperador mas natildeo deixa de levar em conta a proposta

de que agora com as mudanccedilas na direccedilatildeo da Guerra do Paraguai esta encontre

49 Intitulada ldquoUltima cartardquo Alencar dava por fim seu projeto

seu termo e tenha um fim o deacuteficit puacuteblico (que soacute se ampliava e seguiria D Pedro II

ateacute sua deposiccedilatildeo em 1889) e que agora eacute o momento em que D Pedro II natildeo deve

intervir A escolha por Caxias sugerida ateacute mesmo por Alencar poderia mudar os

rumos ateacute aqui e jaacute havia os rumores de que finalmente o Imperador iria ceder aos

apelos do Conde Drsquoeu ndash marido ldquoestrangeirordquo de Isabel ndash para que o enviasse ao

Paraguai e virasse tambeacutem um heroacutei do Brasil (ou encontrasse alguma atividade

qualquer para sua real pessoa) O interesse na guerra chega a ser observado por

Isabel em carta recolhida por Schwarcz No recorte Isabel indica seus medos

Papai me disse que a paixatildeo eacute cega Que a sua paixatildeo pelos negoacutecios da guerra natildeo o tornem cego Aleacutem disso Papai quer matar o meu Gaston Feijoacute recomendou-lhe muito que natildeo apanhasse sol nem chuva nem sereno e como evitar-lhe isso quando se estaacute na guerra (SCHWARCZ 1999 p 485)

Alencar natildeo estava errado haja vista as opccedilotildees que tinha o Imperador em sua

famiacutelia Mas seu conselho eacute a cautela Resolve nesta uacuteltima carta fazer um

apanhado de suas criacuteticas citando o problema da especulaccedilatildeo financeira que

ldquoassalta a riqueza puacuteblica e particular que potildeem em siacutetio todos os interesses

legiacutetimos da sociedaderdquo (ALENCAR 2009 p368) O avanccedilo dos progressistas

dilapidando as bases do governo estruturadas em um modelo de democracia que se

baseia na disputa entre os dois partidos entatildeo majoritaacuterios o liberal e o conservador

a inexperiecircncia dos parlamentares e demais dirigentes chamados por ele crianccedilas

as quais ldquoquase que saiacuteram dos cueiros para as cadeiras da Cacircmara dos Deputados

e para as poltronas ministeriaisrdquo (ALENCAR 2009 p369) lembrando a situaccedilatildeo do

golpe da maioridade com que D Pedro II chega ao poder quando afirma que ldquovoacutes

sabeis senhor e ningueacutem melhor do que voacutes que moralmente eacute a verdaderdquo

(ALENCAR 2009 p369) Critica a gastanccedila e a dilapidaccedilatildeo do tesouro a

depravaccedilatildeo dos costumes e da ordem puacuteblica afirmando que o gabinete eacute corrupto

e que tal corrupccedilatildeo se espalha com o conhecimento e por vezes o apoio da casa

imperial quando permite ldquolanccedilar agraves enxurradas tiacutetulos e condecoraccedilotildees por todo o

paiacutes [onde] com dois contos de reacuteis um aventureiro se condecorava com a fita que

voacutes trazeis ao peito como gratildeo-mestre das ordens brasileirasrdquo (ALENCAR 2009

p370) tatildeo somente com o intuito de captaccedilatildeo de dinheiro Culpa novamente o

Partido Progressista como o verme que destroacutei o paiacutes se vende ao comeacutercio e ldquoo

comeacutercio satildeo alguns indiviacuteduos ou mais atilados ou mais decididos que dirigem o

pensamento dos outrosrdquo (ALENCAR 2009 p371) aprovando ideias projetos e

mudanccedilas na poliacutetica

A situaccedilatildeo do periacuteodo na opiniatildeo de Alencar natildeo eacute de tranquilidade e

desenvolvimento mas de corrupccedilatildeo e descontrole As figuras que aviltam o paiacutes e

estatildeo por toda a parte seguem na narrativa satildeo eles

o parlamentar sem escruacutepulos nem convicccedilotildees que se faz servo de todos os governos () o poliacutetico cheio de cobiccedila que errou sua natural vocaccedilatildeo de agiota () o ministro que para conservar-se no poder natildeo duvida associar-se a indignos instrumentos () o funcionaacuterio puacuteblico sem dignidade ()o negociante que em vez de desenvolver sua atividade no campo livre da induacutestria anda farejando pelas cercanias do poder algum pingue contrato de fornecimentordquo (ALENCAR 2009 p 373-374)

Todos estes constituem o conjunto de forccedilas que atuam dentro do sistema

correndo-o A soluccedilatildeo seria um processo de moralizaccedilatildeo do Estado Por outro lado

sendo atingida em seus preceitos a famiacutelia que ldquoassiste sem querer a essa

representaccedilatildeo da comeacutedia perigosardquo (ALENCAR 2009 p374) que seria o uacuteltimo

refuacutegio da moralidade e a base da sociedade se sente ameaccedilada Cabe lembrar

que essa recusa de Alencar em aceitar mudanccedilas na estrutura dos partidos natildeo

condiz com o pensamento liberal (KENNY 1998) Segundo Alencar

O domiacutenio progressista devido agrave vossa niacutemia complacecircncia natildeo atuou unicamente sobre a poliacutetica sua decidida influecircncia na sociedade na vida privada estaacute bem patente As maacuteximas de governo adotadas nestes uacuteltimos tempos foram insinuando na domesticidade do cidadatildeo ideias e tendecircncias ateacute agora desconhecidas (ALENCAR 2009 p 373)

A deturpaccedilatildeo dos valores morais do ser humano eacute reconhecida nos personagens da

famiacutelia No pai no marido no filho que assistem a tudo e ndash se natildeo se reconhecem ndash

se inspiram A instituiccedilatildeo forte ldquoque repelia com indignaccedilatildeo as mais brilhantes

seduccedilotildees do mal agora flaacutecida e lacircnguida recebe quanto lhe deitam amolda-se a

qualquer pressatildeordquo (ALENCAR 2009 p374) E este eacute o retrato que se ldquoobserva em

geral na vida domeacutestica deste paiacutes Eis o segredo de todas estas defecccedilotildees de

caracteres que diariamente registra a opiniatildeo puacuteblicardquo soacute se tem apreccedilo pelo

dinheiro a cobiccedila ao ldquolar brasileiro onde outrora pendiam com as alegrias da

famiacutelia os penates da religiatildeo e do amor [agora] soacute haacute presentemente um iacutedolo o

bezerro de ourordquo (ALENCAR 2009 p377) E que ouro Eacute ali que ldquotodos os dias se

formam almas progressistas que devem mais tarde substituir os corifeus da

atualidaderdquo (ALENCAR 2009 p377) A moral base da sociedade estaacute subvertida

Vale lembrar que o argumento eacute legal A moral catoacutelica pregada eacute a ordem presente

para todos e assumida na lei dentro do projeto conservador de Alencar Mesmo o

herdeiro do trono jaacute rezava a constituiccedilatildeo poliacutetica do impeacuterio do Brasil de 1824 no

juramento que prestaria perante o senado ao aniversaacuterio de quatorze anos como

indica o artigo 106 se comprometia a manter a religiatildeo Catoacutelica Apostoacutelica Romana

observar a Constituiccedilatildeo Politica da Naccedilatildeo Brasileira e ser obediente aacutes leis e ao

Imperador

Voltando ao texto a sugestatildeo de Alencar eacute a de civilizar o negro ndash influecircncia

perniciosa dentro da famiacutelia - pelo trabalho e em seu contato com o branco - a ldquoraccedila

cultardquo O escravo domeacutestico eacute aquele que estaacute mais proacuteximo dos patrotildees do contato

direto com o branco partilhando de seus segredos seus problemas e suas

deficiecircncias Conhece o cotidiano da casa e partilha de um espaccedilo de limitaccedilotildees

com mulheres e crianccedilas entes de menor valor na sociedade patriarcal do seacuteculo

XIX Natildeo eacute nunca um igual algueacutem que partilha dos mesmos direitos de seus

senhores Eacute sempre um ser inferior que nunca mereceria ser elevado a dignidade

de seus senhores Gorender (2002) nos conta que Thomas Jefferson que foi o

redator da declaraccedilatildeo da Independecircncia dos Estados Unidos segundo a qual todos

os homens satildeo iguais era um grande proprietaacuterio de escravos e natildeo via nenhuma

incoerecircncia nisto pois julgava que os negros pertenciam a uma raccedila de inteligecircncia

inferior Eacute como se Alencar abraccedilasse o princiacutepio juriacutedico baacutesico de diferenciaccedilatildeo

entre naccedilatildeo e populaccedilatildeo onde sua defesa do liberalismo se refere a naccedilatildeo

brasileira e como se a escravidatildeo referisse aos elementos da populaccedilatildeo ndash os

desvinculados a naccedilatildeo brasileira mas de nacionalidade africana transportados para

o Brasil por meio da escravidatildeo Todos dentro de um mesmo territoacuterio mas com

realidades diferentes determinadas pela lei

Tornando ao texto percebe-se aqui uma associaccedilatildeo da cultura negra cooptada

para ldquodentrordquo da famiacutelia e nas relaccedilotildees do patriarcado em oposiccedilatildeo ao elemento

externo tanto o europeu (inglecircs ou portuguecircs ou outro mais) que se estabelece e

passa a usufruir das condiccedilotildees propiacutecias que a coroa ainda permite como o

imigrante com seus valores e idiossincrasias um elemento externo agrave famiacutelia mas

totalmente associada ao contexto das relaccedilotildees econocircmicas do periacuteodo Alencar

sugere uma escolha entre a escravidatildeo e a imigraccedilatildeo os dois males presentes e ao

mesmo tempo as duas soluccedilotildees possiacuteveis para a manutenccedilatildeo tanto do trabalho

como das elites

Podemos admitir que o Rio de Janeiro do periacuteodo se caracteriza como uma

sociedade onde o maior distanciamento social se manifesta com a maior

proximidade social entre os pares senhorescravo (CHARTIER 1999) e eacute a proacutepria

concepccedilatildeo ndash ou usufruto ndash da liberdade que os diferencia Um caso particular eacute o do

escravo domeacutestico Um escravo domeacutestico natildeo eacute um trabalhador do campo um

escravo do eito ndash diretamente ligado agrave produccedilatildeo Pertence ao mundo urbano ao

ambiente da casa-grande e natildeo da senzala O tratamento modelar que propotildee

deriva da questatildeo para a adaptaccedilatildeo do modelo econocircmico escravo para o trabalho

livre a partir da demanda criada pela cidade com novos empregos devido ao

desenvolvimento do capitalismo O modelo que propotildee seria para um escravo da

cidade se adaptar as relaccedilotildees econocircmicas dali para a constituiccedilatildeo talvez de um

proletariado urbano enquanto a massa de matildeo-de-obra agriacutecola permaneceria da

mesma forma enquanto conviesse ao produtor rural ao Senhor de escravos E a

transformaccedilatildeo do modelo deve ser tambeacutem tutelada e monitorada pela Elite Alencar

defende veementemente a tutela posterior do escravo liberto pelo antigo senhor Em

Alencar mesmo que haja o fim do viacutenculo da escravidatildeo os laccedilos criados

permanecem com a tutela e a manutenccedilatildeo da matildeo de obra No fim nada muda

nem mesmo as condiccedilotildees de trabalho O elemento branco masculino europeu

cristatildeo se torna tambeacutem aqui no Brasil o modelo a ser seguido e obedecido

mesmo porque a percentagem de escravos na cidade natildeo era pequena Novais

(1997) informa que a Corte abriga em 1849 em nuacutemeros absolutos a maior

concentraccedilatildeo de escravos urbanos no mundo desde o impeacuterio romano Em 1850

de um total de 206 mil habitantes em aacuterea urbana 79 mil (portanto 36) eram

escravos Sabemos que os padrotildees de comportamento da sociedade acompanham

as mudanccedilas no cenaacuterio poliacutetico que vem a acontecer no Brasil desde o iniacutecio do

seacuteculo XIX isso foi sentido tambeacutem no modelo da famiacutelia Com o fortalecimento

econocircmico do Rio de Janeiro ndash capital do reino ndash a riqueza passa a fazer parte da

cidade e o comeacutercio se desenvolve grandemente A escravidatildeo ainda eacute uma questatildeo

mal resolvida dentro e fora de casa para o desenvolvimento de um liberalismo

poliacutetico e econocircmico Mas essa amalgama proposta por Alencar eacute seu projeto

liberalconservador com a moralizaccedilatildeo do Estado a diminuiccedilatildeo da intervenccedilatildeo

deste nos negoacutecios privados um desenvolvimento do capitalismo ainda ldquoperifeacutericordquo

onde haacute consumidores e natildeo existe produccedilatildeo e a manutenccedilatildeo da escravidatildeo como

base para a agricultura agroexportadora se faz necessaacuteria para a manutenccedilatildeo dos

privileacutegios da elite e garantia de uma induacutestria (agricultura) lucrativa Alencar

concorda com a pregaccedilatildeo dos liberais moderados em que os privileacutegios dos grupos

ligados a propriedade de terra deve ser mantido mesmo que a custo da manutenccedilatildeo

da escravidatildeo pois eacute o que garante o desenvolvimento da economia e da proacutepria

naccedilatildeo O argumento contra a mudanccedila eacute expresso por Evaristo da Veiga em uma

ediccedilatildeo do Aurora Fluminense em 1829 quando diz que os moderados satildeo contra

toda espeacutecie de ldquotiraniardquo contra todos os excessos que possa haver (PRADO

2001) Mas aqui ldquoexcessosrdquo para Evaristo quer dizer atitudes que possam mudar

as condiccedilotildees de produccedilatildeo de forma brusca Extremismos dos liberais radicais que

possam deturpar a ordem estabelecida

Alencar sugere que o clima percebido no paiacutes (na opiniatildeo puacuteblica) anuncia

mudanccedilas revolucionaacuterias talvez E natildeo estamos muito distantes aqui das uacuteltimas

revoluccedilotildees liberais do periacuteodo regencial Zacarias de Goacuteis entatildeo no gabinete eacute um

dos grandes defensores da proposta de que o Imperador reina mas natildeo governa

(chega a publicar um livro sobre o assunto) que D Pedro II natildeo deve interferir

diretamente na administraccedilatildeo ndash leia-se poder moderador Mas segundo Alencar o

gabinete do jeito que estaacute tambeacutem natildeo consegue levar o governo O que haacute de se

esperar Propotildee jaacute que somente com a pressatildeo popular conseguiraacute mudar tal

gabinete ldquodai reacutedeas ao ministeacuterio Quanto mais breve provoque ele o motim com

seus erros menos sofreremosrdquo (ALENCAR 2009 p382) A questatildeo em Alencar

contudo natildeo eacute a defesa do modelo de trabalho escravo A lei garante isto Sua

defesa visa a opiniatildeo puacuteblica e a manutenccedilatildeo dos valores em um quadro em que eacute

preciso ldquoadministrarrdquo o conteuacutedo liberal a ser mostrado sob um filtro conservador

Concordando entatildeo com o que diz Bosi (1988) afirmamos que o liberalismo

defendido por Alencar se apresenta como uma sineacutedoque em que um conteuacutedo

escolhido se torna representativo do todo desvirtuando assim as ideias originais do

liberalismo e criando discurso ideoloacutegico que visa sustentar uma elite no poder

representada pelos latifundiaacuterios ricos comerciantes e traficantes de escravos para

quem a economia agroexportadora baseada no braccedilo escravo trazia lucros e

portanto deveria permanecer como a base econocircmica do Brasil

No uacuteltimo capiacutetulo anuncia a despedida de Erasmo certo de que sua identidade eacute

conhecida Justifica o seu pseudocircnimo dizendo que para se dirigir a figura do

Imperador com um conjunto de criacuteticas poderoso ndash escolhe entatildeo o pseudocircnimo

baseando-se na figura do filoacutesofo e intelectual renascentista que natildeo casualmente

foi tambeacutem professor - como o fez ldquoera necessaacuterio ter um nome respeitado cheio de

prestiacutegio e autoridade Faltando [-me] esse tiacutetulo soacute me restava o da verdaderdquo

(ALENCAR 2009 p385) e eacute a verdade (sob sua oacutetica a de um intelectual do

periacuteodo claro) que foi descrita aqui A soluccedilatildeo para o cidadatildeo comum eacute rir disto

tudo da comeacutedia que se tornou o paiacutes O cidadatildeo cordado diz ou chora ou

gargalha E parece cada vez mais ser isolado de uma efetiva participaccedilatildeo poliacutetica

extremamente necessaacuteria nesse regime constitucional Anuncia que natildeo acredita ser

tudo isto culpa de D Pedro II mas das elites que dominam o povo Termina com

letras garrafais afirmando que ldquoa liberdade nos paiacuteses constitucionais natildeo depende

do rei e soacute do povo () Mas infelizmente do povo que natildeo sabe governar-serdquo

(ALENCAR 2009 p389)

A resposta de D Pedro II viria logo depois com a queda do gabinete Zacarias de

Goacuteis Para o novo ministeacuterio a pasta da justiccedila eacute entregue a Alencar por sugestatildeo

do presidente do gabinete Itaboraiacute no chamado gabinete-bomba sob a presidecircncia

de Itaboraiacute A soluccedilatildeo eacute bem simples para o Imperador e pode parecer como uma

pequena vinganccedila pessoal como Alencar parece conhecer tatildeo bem os problemas

do Brasil ele que os resolva

4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A histoacuteria das antigas religiotildees e escolas como a dos partidos e revoluccedilotildees modernas nos ensina que o preccedilo da sobrevivecircncia eacute o envolvimento praacutetico a transformaccedilatildeo de ideias em dominaccedilatildeo

Adorno e Horkheimer

Para o conjunto das cartas - aqui analisado de forma natildeo exaustiva - haacute muitos

outros aspectos relevantes que dada a dimensatildeo do trabalho natildeo pudemos

alcanccedilar Natildeo se pretende aqui um diagnoacutestico geral e futuro da sociedade brasileira

mas sobretudo a partir do texto a compreensatildeo da situaccedilatildeo poliacutetica econocircmica e

social do periacuteodo na visatildeo de um agente poliacutetico que se apresenta como um

intelectual orgacircnico Sua praacutexis transformadora eacute a criacutetica ao sistema em forma de

mobilizaccedilatildeo da opiniatildeo puacuteblica Esse eacute um exemplo do processo ao qual Gramsci

(1999) chama de catarse a elaboraccedilatildeo da estrutura em superestrutura quando da

tomada de consciecircncia destes leitores da capacidade de transformaccedilatildeo social que

lhes eacute possiacutevel conseguir e que soacute se efetiva a partir da participaccedilatildeo de cada

indiviacuteduo Alencar consegue mobilizar-se (e usar) em um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo

com um novo formato e distribuiccedilatildeo com as cartas e alcanccedilar um puacuteblico leitor que

caracteriza a maior parte da opiniatildeo puacutebica do periacuteodo Dissemos anteriormente que

o alcance eacute dado importante na consolidaccedilatildeo da ideologia que eacute preciso partilhar

com o grupo o discurso Deixamos claro tambeacutem que discurso em favor da

manutenccedilatildeo da escravidatildeo natildeo era novo estaacute em debate jaacute com as ideias de Joseacute

Bonifaacutecio no primeiro reinado com os produtores de cana nordestinos e seus

representantes com Euzeacutebio de Queiroz com o grupo saquarema e vaacuterios outros

deputados e senadores que se apresentavam com seus proacutes e contras Alencar

poderia escrever livros e livros justificando a escravidatildeo mas tinha a clareza de que

seu argumento eacute injustificado ndash considerando-se algueacutem que se propotildee um liberal -

e que a aboliccedilatildeo era mais dia menos dia inevitaacutevel Diferindo da accedilatildeo de Gramsci

que pretendia reduzir desigualdades entre todos os homens o nuacutecleo transformador

de Alencar era mais segmentado (afinal ele nunca deixou de ser um representante

da aristocracia) como pudemos observar examinando dos dados sobre o niacutevel de

formaccedilatildeo intelectuais desses grupos mas eacute a disseminaccedilatildeo de suas ideias que as

tornaraacute comum a todos (era esta a sua proposta) determinando assim o curso

contiacutenuo da ideologia

Pudemos observar que o diferencial de Alencar foi identificar uma mudanccedila na

conjuntura poliacutetica com grupos de pressatildeo os mais diversos alimentando a ideia de

uma aboliccedilatildeo da escravidatildeo em um momento que a imprensa ndash entatildeo em

emergecircncia na Corte do Brasil ndash traz novas ideias baseadas no liberalismo poliacutetico e

econocircmico europeu para os grupos perifeacutericos da elite que se configuram como

uma opiniatildeo puacuteblica centrada em uma burguesia citadina que se desenvolve

grandemente no periacuteodo Com isso Alencar busca usar um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo

de grande alcance para tentar mobilizar esta opiniatildeo puacuteblica em seu favor no caso

aqui tratado em favor das ideias de manutenccedilatildeo da escravidatildeo Dessa feita

observamos tambeacutem que as cartas poliacuteticas de Alencar objeto de nosso estudo satildeo

uma obra de teor criacutetico poliacutetico-social mas tambeacutem tem como objetivo divulgar o

pensamento de Alencar e consolida-lo como figura valorosa no cenaacuterio poliacutetico da

Corte Seu caminho jaacute foi escolhido eacute o do partido conservador ser-lhe-aacute fiel ateacute o

fim Mas como pudemos observar as diferenccedilas entre os dois partidos natildeo eram

tatildeo acentuadas e os dois acabavam por defender o sistema monaacuterquico O Rio de

Janeiro com a onda de independecircncia poliacutetica nos seacuteculos XVIII e XIX eacute o reduto

monarquista da Ameacuterica Latina eacute bom lembrar

O que tambeacutem pudemos observar no texto de Joseacute de Alencar eacute a tentativa a partir

de estrateacutegias discursivas muacuteltiplas de disseminar um conteuacutedo ideoloacutegico

sugerindo a manutenccedilatildeo de um conservadorismo de molde monarquista e baseado

no regime escravagista Tais estrateacutegias buscam um ldquolugarrdquo diferenciado para o

discurso longe das disputas partidaacuterias longe da possibilidade do debate direto

Isso eacute mostrado na opccedilatildeo para a publicaccedilatildeo das cartas em ldquofolhetinsrdquo textos

impressos tambeacutem em graacuteficas mas natildeo no ldquocorpordquo de um jornal (o que poderia ter

sido relativamente faacutecil para Alencar no momento visto sua posiccedilatildeo como editor de

um importante jornal na Corte) Deslocar o texto da miacutedia ldquojornalrdquo para um veiacuteculo

alternativo desloca tambeacutem o discurso e cria uma situaccedilatildeo confortaacutevel de

hegemonia podemos assim dizer ndash mesmo porque era ele o uacutenico a fazecirc-lo no

momento Um traccedilo do manifesto de Alencar no texto eacute acreditar que o intelectual

tem o dever de iluminar o caminho do desenvolvimento e o desenvolvimento poliacutetico

e econocircmico pregado nas ideias de Alencar tem base nas ideias liberais D Pedro II

se guiaria pela opiniatildeo puacuteblica que pode ndash segundo dados de Alencar ndash ser medida

na publicitaccedilatildeo dos atos do governo pelos jornais E os jornais da Corte nos garante

ele jaacute estatildeo todos nas matildeos do ministeacuterio e o Imperador prefere sempre o caminho

da conciliaccedilatildeo os partidos conservador e liberal natildeo detecircm espaccedilos na imprensa de

grande circulaccedilatildeo e seus pequenos jornais poliacuteticos natildeo satildeo de grande alcance o

que apresenta um campo aberto para o texto de Alencar Eacute dessa forma que

entendemos o que pode ser aqui descrito pelo conceito de bloco histoacuterico

(GRAMSCI 1999) que eacute a articulaccedilatildeo de um conjunto de praacuteticas e concepccedilotildees

para garantir a manutenccedilatildeo de uma situaccedilatildeo histoacuterica determinada

Cabe lembrar que para que a ideologia seja eficaz o discurso deve se manter o

mesmo ignorando as mudanccedilas que possam vir a acontecer (CHAUI 1997) Mesmo

com o fim da escravidatildeo que Alencar sugere eminente eacute preciso que ela se

mantenha por mais algum tempo (e enquanto for possiacutevel) A decorrente captaccedilatildeo

de Alencar para o ministeacuterio vem disso Sua capacidade de reflexatildeo e mobilizaccedilatildeo

foi reconhecida e este que jaacute foi deputado e pertence agraves fileiras do partido

conservador seria devidamente enquadrado nos quadros do governo onde sua

ldquoliacutenguardquo pudesse ser reduzida via cargo puacuteblico juntando-o agrave burocracia passando

assim a fazer parte do governo que criticara Natildeo eacute de todo correto o que os

bioacutegrafos pesquisados aqui como Menezes (1965) Neto (2006) e Aguiar (1984)

dizem sobre a relaccedilatildeo de desconfianccedila ideoloacutegica que D Pedro II teria por Alencar

quando natildeo escolhe em lista triacuteplice seu nome para uma cadeira no senado o

motivo natildeo eacute somente este Com as cartas o imperador vecirc que Alencar eacute mesmo

um elemento importante do conservadorismo e que poderia confiar em suas ideias

e em suas atitudes colocando-o sob os braccedilos do governo A captaccedilatildeo de Alencar

para o ministeacuterio apesar de ele revelar-se extremamente competente segue o

mesmo caminho das condecoraccedilotildees e concessotildees de tiacutetulos que eacute criar uma

aristocracia dependente dos favores da coroa tendo no caso da burocracia o

elemento controlador e deixando o ldquoperigordquo bem a vista do imperador Os motivos

tambeacutem parecem ser de ordem pessoal em um relacionamento que nunca teve

tanta cordialidade D Pedro II como mostramos sequer queria demitir o Alencar do

cargo de Ministro da Justiccedila atestando assim a competecircncia deste

Novamente com Gramsci entendemos que o discurso desenvolvido nas cartas de

Erasmo tem todas as caracteriacutesticas da ideologia partilhada pelas classes

dominantes Alencar tenta se localizar acima do lugar comum acima das outras

miacutedias como o jornal ou mesmo os folhetins que ajudou a popularizar acima ateacute dos

partidos reafirmamos que essa proposta conservadora ndash baseada em uma eacutetica

moral cristatilde ndash eacute parte de um conjunto ideoloacutegico partilhado pelas classes dominantes

(mesmo por segmentos liberais e conservadores) e que tem em vista ndash agora com

Alencar ndash a criaccedilatildeo de uma utopia

A partir de nossa anaacutelise sustentamos aqui que - segundo Chauiacute - a utopia nasce

como gecircnero na literatura constituindo a narrativa sobre uma sociedade perfeita e

feliz e ao mesmo tempo como discurso poliacutetico na exposiccedilatildeo sobre uma forma para

a cidade justa (CHAUIacute 2008) O termo topos em grego significa lugar e o prefixo ldquourdquo

indica um sentido negativo como um ldquonatildeo lugarrdquo ou lugar desconhecido ou ainda

no sentido da obra o diferente do que conhecemos e praticamos eacute a possibilidade

de interaccedilatildeo com a alteridade (CHAUIacute 2008) Eacute esta a proposta de Alencar a utopia

no sentido possiacutevel alcanccedilaacutevel por meio de um conjunto de ideias baseadas no

liberalismo claacutessico com traccedilos marcantes de conservadorismo Seu texto ndash natildeo

lugar ndash eacute lugar de passagem rumo a construccedilatildeo de um fim possiacutevel que ele

acredita indicar como uma postura para a sociedade que comeccedila a se desenvolver

no paiacutes Mas uma sociedade em que as classes satildeo bem definidas a elite o povo e

os outros50 Vale argumentar como jaacute comentado anteriormente no capiacutetulo que

refere a biografia de Alencar sua praacutetica de leitura para um grupo de pessoas Em

Chartier (1999) por exemplo observamos tal praacutetica (dentro da famiacutelia ateacute com

grupos proacuteximos ao nuacutecleo familiar) na Europa ainda nos seacuteculos XVII e XVIII com a

venda avulsa de livros sobre a vida dos santos contos de fadas e romances de

cavalaria ndash para citar os gecircneros com maior venda - por toda a parte para as

50

Um dado interessante eacute o de que Tomas Morus autor do claacutessico Utopia a que nos referimos aqui

natildeo chega a publicar seu livro sendo decapitado a mando de Henrique VIII em 1535 O livro seria publicado poucos anos depois na Basileacuteia (Suiacuteccedila) por Erasmo a quem este estava ligado por laccedilos de amizade

camadas populares natildeo soacute nas cidades mas tambeacutem em lugares os mais distantes

As ideias de Alencar poderiam chegar a mais e mais pessoas sem que o proacuteprio

autor tivesse condiccedilotildees de mensurar tal alcance Mas por outro lado natildeo podemos

ser ingecircnuos e acreditar que tais condiccedilotildees de leitura natildeo fossem - mesmo que

parcialmente - conhecidas por Alencar sendo este um jornalista e autor literaacuterio de

renome e um dos poucos que puderam dizer ainda em vida que vendiam suas

obras

Alencar estava ciente da forccedila de seu projeto e tinha consciecircncia da repercussatildeo

que conseguiu logo depois da publicaccedilatildeo da primeira carta Na segunda ediccedilatildeo das

cartas ao Imperador datada de 1866 e impressa na Typographia de Cacircndido

Augusto de Mello no Rio de Janeiro Alencar escreve na advertecircncia ao texto ndash

referindo-se a publicitaccedilatildeo da primeira ediccedilatildeo que ldquoa tentativa foi bem decidida O

favor puacuteblico a acompanhou e deu-lhe forccedilas e estiacutemulos para progredirrdquo

(ALENCAR 2009 p08) Natildeo haacute uma poetizaccedilatildeo da poliacutetica nem a utopia romacircntica

nesse momento apenas as estrateacutegias discursivas no texto com o objetivo

especiacutefico de disseminar um discurso ideoloacutegico para a construccedilatildeo da verdadeira

utopia O seu modelo de naccedilatildeo que como advogado segue o princiacutepio geral do

Direito e apresenta uma clara separaccedilatildeo entre povo e populaccedilatildeo

Alencar bem sabia o que estava a fazer com as cartas e sabia tambeacutem que estava

sendo acompanhado pelos leitores e tinha condiccedilatildeo de sugerir ldquoopiniotildeesrdquo para esse

puacuteblico enquanto reafirma constantemente sua opccedilatildeo pela aristocracia e a

monarquia ndash confirmando tambeacutem as ideias em defesa da escravidatildeo Em seu

modelo de transformaccedilatildeoconservaccedilatildeo opta pela afirmaccedilatildeo de valores

tradicionalmente aceitos pela burguesia pela moral cristatilde e a preservaccedilatildeo do

modelo da famiacutelia cristatilde do patriarcado e pelo liberalismo econocircmico Um modelo

que deve ndash segundo suas convicccedilotildees - perpetuar-se mesmo com as transformaccedilotildees

sociais que o desenvolvimento da cidade e da sociedade brasileira prenuncia

Cabe lembrar que pode ser observado que os grupos representativos das elites no

Rio de Janeiro jaacute demonstravam um misto de preconceito racial e econocircmico tanto

com a populaccedilatildeo livre e mesticcedila como a populaccedilatildeo de escravos e ex-escravos que

se multiplicava vendo nessas pessoas apenas instrumentos para o trabalho e

obtenccedilatildeo de lucros E sua ideia nos parece claro eacute que permanecessem assim

Cabe lembrar que quando da publicaccedilatildeo das ldquonovas cartas ao Imperadorrdquo entre

186869 a Inglaterra paiacutes que exercia forte influencia na sociedade brasileira tanto

poliacutetica quanto economicamente jaacute dava os primeiros sinais das mudanccedilas de

relaccedilotildees trabalhistas com a liberaccedilatildeo dos sindicatos trabalhistas e o direito de greve

e outros direitos que viriam a integrar o conjunto ateacute 1875 (HOBSBAWN 2011) e

com certa resistecircncia tambeacutem na Franccedila o que consequentemente poderia se

estender e chegar aqui junto com trabalhadores imigrantes europeus modificando

as relaccedilotildees entre patratildeo e empregado - que seriam inevitavelmente muito diferentes

da anterior relaccedilatildeo senhorescravo Acreditamos que nessa perspectiva o estudo

do trabalho de Alencar e suas ideias frente agrave escravidatildeo se torna pertinente visto

que as teorias que se podem classificar como ldquoracistasrdquo e de valorizaccedilatildeo da raccedila

branca soacute vem a se instalar no Brasil em uma eacutepoca senatildeo posterior ao menos

contemporacircnea ao nosso recorte Destacamos aqui baseado no que mostra

Skidmore (1989) o trabalho do historiador inglecircs Henry Thomas Buckle a ldquoHistoacuteria

da civilizaccedilatildeo na Inglaterrardquo publicada em vaacuterios volumes entre 1857 e 1861 que

defendia uma filosofia do determinismo climaacutetico onde as raccedilas oriundas de lugares

de climas mais quentes seriam mais bem adaptadas para o trabalho braccedilal Seu

contemporacircneo Arthur de Gobineau um francecircs que chega a trabalhar no Brasil

como diplomata em 1869 edita seu ldquoEssai sur lrsquoInegaliteacute des Races Humainesrdquo em

1853 aonde defende que a sociedade multirracial que se via aqui soacute servia para a

degeneraccedilatildeo tanto de negros como de europeus criando uma mesticcedilagem fraca e

esteacutereo Outras teoacutericos tiveram suas ideias divulgadas em um periacuteodo posterior e

alguns ficaram bastante conhecidos aqui como no caso do argentino Joseacute Inginieros

e do francecircs Louis Couty que publica um diaacuterio de sua viagem pelo Brasil em 1868

feita com o auxilio de sua esposa trecircs anos antes (SKIDMORE 1989) Cabe

lembrar tambeacutem que a questatildeo do preconceito eacute somente uma parte da histoacuteria

A defesa da instituiccedilatildeo familiar em seu modelo cristatildeo catoacutelico tambeacutem eacute uma

caracteriacutestica do pensamento do missivista Segundo Alencar faz-se necessaacuterio

dentro deste projeto submeter-se a instituiccedilatildeo a certos ajustes optando pela

reafirmaccedilatildeo de valores tradicionalmente aceitos reafirma todo seu modelo como o

adequado e defende que este deve perpetuar-se em detrimento das

transformaccedilotildees sociais que vem ocorrendo com o desenvolvimento da cidade e que

acusa como degradadoras dos valores morais Que eacute preciso acabar com a ineacutercia

do povo (talvez se referindo a necessidade de braccedilos para a lavoura natildeo a

revoluccedilotildees populares) com o egoiacutesmo dos estadistas e a distacircncia que o Estado ndash

na figura do Imperador ndash tem da administraccedilatildeo puacuteblica A constante criacutetica a ineacutercia

do povo configura a afirmaccedilatildeo de que no constitucionalismo todo participam do

processo decisoacuterio a partir do ldquocontrato socialrdquo Entatildeo todos devem se mobilizar

pois satildeo corresponsaacuteveis por tudo na sociedade

A tiacutetulo de organizaccedilatildeo das ideias podemos afirmar que Alencar um intelectual

militante no oitocentos busca na imprensa uma forma de educaccedilatildeo e ao mesmo

tempo de mobilizaccedilatildeo de determinadas camadas sociais que estatildeo na periferia da

elite e que vem estruturando-se como uma opiniatildeo puacuteblica na Corte com um

discurso ideoloacutegico e moralizante marcado pela valorizaccedilatildeo das tradiccedilotildees e pelo

pensamento liberal ndash devidamente adaptado para a realidade escravagista do Brasil

o que vem a se tornar um sistema com caracteriacutesticas ao mesmo tempo liberais e

conservadoras No caso Alencar serve como instrumento para uma multiplicaccedilatildeo da

ideologia da elite aristocraacutetica que se forma no Brasil depois da independecircncia

tendo na Corte do Rio de Janeiro e na defesa das instituiccedilotildees seu nuacutecleo de poder e

seu norte de dominaccedilatildeo Alencar se forma no curso de Direito em 1849 (na turma de

50) e jaacute no iniacutecio de sua militacircncia jornaliacutestica observa os reflexos da restauraccedilatildeo

da Europa depois das malsucedidas accedilotildees da primavera dos povos E segundo

Hobsbawn (2011) as economias se recompuseram e a partir daiacute paiacuteses como a

Alemanha Itaacutelia o impeacuterio dos Habsburgos (para citar alguns) tiveram um

desenvolvimento econocircmico acelerado Era esta a referecircncia direta observada pelo

Alencar para a defesa da monarquia e este deveria ser o modelo para o Brasil

Monarquia e constitucionalismo

Observa-se assim concordando com o que propotildee Foucault (2004) que o poder

natildeo se restringe ao Estado a uma pessoa determinada ou a um grupo de pessoas

este eacute muacuteltiplo e diversificado aparecendo de modo diferente em diferentes esferas

da sociedade O poder no sentido aqui descrito eacute algo que se manteacutem a partir do

aceite do grupo a que este se refere Norberto Bobbio apresenta um conceito de

poder que vai ao encontro do que procuramos Poder eacute ldquoa capacidade do homem

em determinar o comportamento do homemrdquo (BOBBIO 1998 p933) Mais adiante

o autor alarga seu conceito de poder explicitando

O conceito em que conveacutem basear este alargamento da noccedilatildeo de Poder eacute o conceito de interesse tomado em sentido subjetivo isto eacute como estado da mente de quem exerce o Poder Diremos entatildeo que o comportamento de A que exerce o Poder pode ser associado mais que agrave intenccedilatildeo de determinar o comportamento de B objeto do Poder ao interesse que A tem por tal comportamento As relaccedilotildees de imitaccedilatildeo por exemplo onde falta a intenccedilatildeo no imitado de se propor como modelo se incluem em Poder se a imitaccedilatildeo corresponde ao interesse do imitado (como em certas relaccedilotildees entre pai e filho) mas natildeo se incluem se agrave imitaccedilatildeo natildeo corresponde o interesse do imitado (BOBBIO 1998 p 934)

Entendemos que haacute sempre algueacutem predisposto a aceitar o poder Mas como se daacute

tal aceite Eacute justamente nas relaccedilotildees interpessoais as quais se constituem por meio

da internalizaccedilatildeo de discursos alheios No caso de um texto como o apresentado por

Alencar nas ldquoCartas de Erasmordquo eacute por meio de uma relaccedilatildeo de confianccedila que o

leitor passa a ter com o autor como algueacutem que compreende a realidade e a mostra

para este o que sustenta uma relaccedilatildeo de confianccedila entre as partes Entendemos

tambeacutem que essa construccedilatildeo subjetiva da realidade que passa a ser ldquosocialrdquo a partir

do compartilhamento de sua leitura eacute histoacuterica porquanto assume significaccedilatildeo para

os grupos a que se referem A obra eacute entendida como uma conceptualizaccedilatildeo do

mundo onde se constitui como conjuntos de enunciados e eacute o enunciado o portador

da significaccedilatildeo (MORSON 2008) Isso se daacute a partir da construccedilatildeo de uma

representaccedilatildeo social onde haacute sempre a perspectiva da alteridade em forma de

resposta imediata ao texto ou retomada posteriormente Eacute por meio desta leitura das

representaccedilotildees e do poder que entendemos - na concepccedilatildeo de Gramsci - a funccedilatildeo

do intelectual de disseminar ideias propostas e conceitos E mesmo de forma

indireta como um agente de mobilizaccedilatildeo Eacute preciso lembrar que os reflexos da

ldquoprimavera dos povosrdquo ainda estavam presentes na memoacuteria de uma elite que

desenvolvera laccedilos econocircmicos e sociais com naccedilotildees europeias e as elites tinham

a dimensatildeo do que poderia acontecer com a mobilizaccedilatildeo da massa Hobsbawm

(2010) nos mostra a importacircncia dos intelectuais na revoluccedilatildeo de 1848 enquanto

sujeitos de uma praacutexis poliacutetica que senatildeo imprescindiacutevel eacute relevante na

caracterizaccedilatildeo do que tais movimentos viriam a apresentar

Eles [os intelectuais] natildeo eram mais importantes nesta revoluccedilatildeo que em quaisquer das outras que ocorreram assim como nesta em paiacuteses

relativamente atrasados onde o melhor do estrato meacutedio consistia de pessoas caracterizadas por sua escolarizaccedilatildeo e comando da palavra escrita graduados de todos os tipos jornalistas professores funcionaacuterios Mas natildeo havia duacutevida de que os intelectuais eram proeminentes poetas tais como Petoumlfi na Hungria Herwegh e Freiligrath na Alemanha (que pertencia ao corpo editorial da Neue Rheinische Zei-tung) Victor Hugo e o consistente moderado Lamartine na Franccedila (os professores franceses ainda que suspeitos para os governos permaneceram quietos sob a monarquia de julho e supotildee-se terem feito frente com a ordem em 1848) acadecircmicos em grande nuacutemero na Alemanha (a maioria no lado moderado) meacutedicos como C G Jacoby (1804-51) na Pruacutessia Adolf Fischhof (1816-93) na Aacuteustria cientistas como F V Raspail (1794-1878) na Franccedila e uma vasta quantidade de jornalistas e publicistas dos quais Kossuth era entre todos o mais celebrado e Marx provava ser o mais formidaacutevel Como indiviacuteduos tais homens podiam exercer um papel decisivo como membros de um estado social especiacutefico ou como membros de uma pequena-burguesia radical natildeo o podiam

51 (HOBSBAWN 2010 p36)

Tornando ao texto de nossa anaacutelise pudemos perceber como Alencar se aproveita

dos veiacuteculos de comunicaccedilatildeo a que tem acesso para divulgar suas ideias e como

consegue adapta-las aos diferentes formatos que tais miacutedias exigem conseguindo

assim alcanccedilar natildeo somente uma maior quantidade de pessoas mas uma variedade

grande de camadas sociais e a propalada ldquoopiniatildeo puacuteblicardquo com maior intensidade

tentando fomentar a ampliaccedilatildeo da participaccedilatildeo poliacutetica ativa (ao menos enquanto

conscientizaccedilatildeo de um maior grupo tirando a exclusividade da atividade poliacutetica

apenas do recinto parlamentar) podendo ndash e por isso mesmo - ampliar as

possibilidades de alcance do conjunto da dominaccedilatildeo Essa mesma opiniatildeo puacuteblica

que temos alguma dificuldade de representar numericamente mas que eacute elemento

fundamental no periacuteodo E eacute tambeacutem com intenccedilatildeo de ldquoconstruirrdquo uma opiniatildeo natildeo

somente na elite mas em seus representantes mais diretos como o funcionaacuterio

puacuteblico representante de uma administraccedilatildeo centralizadora que fatalmente deveria

promover pelo paiacutes a ideologia do Estado No dizer de Uruguai o agente da

administraccedilatildeo puacuteblica eacute efetivamente um agente da centralizaccedilatildeo (MATTOS I

1987) D Pedro II chega a escrever agrave princesa Isabel em um dos momentos que

esta assume a regecircncia prevenindo-a contra uma possiacutevel maacute interpretaccedilatildeo das

notiacutecias e criacuteticas publicadas nos vaacuterios jornais da Corte considerando que o

ldquosistema poliacutetico do Brasil funda-se na opiniatildeo nacional que muitas vezes natildeo eacute

manifestada pela opiniatildeo que se apregoa como puacuteblicardquo (FAORO 2004 p 343)

Mas natildeo podemos esquecer que ateacute o momento (estamos no segundo reinado) natildeo

51

O grifo eacute meu

haacute como mensurar tal opiniatildeo puacuteblica ou a dimensatildeo das accedilotildees que esta possa

alcanccedilar A preocupaccedilatildeo imediata de D Pedro II seria com o que poderiacuteamos

chamar de os ldquoformadoresrdquo de uma opiniatildeo puacuteblica Com o texto dos agentes

poliacuteticos publicados em jornais ou outras miacutedias em um momento privilegiado de

liberdade de imprensa

Fica claro que a defesa da escravidatildeo eacute para Alencar necessaacuteria no momento -

tendo mesmo a certeza de a aboliccedilatildeo natildeo tardaria - funcionando como um discurso

que busca retardar a disseminaccedilatildeo de ideais progressistas e abolicionistas para o

conjunto da opiniatildeo puacuteblica conquanto esta passa a ser um elemento de pressatildeo

sobre as elites que controlavam o sistema econocircmico vigente e ele busca seus

argumentos nos teoacutericos liberais europeus O que se vecirc em Alencar natildeo eacute uma

discussatildeo sobre o direito de propriedade de um ser humano sobre o outro isto estaacute

posto pela legislaccedilatildeo a praacutetica do cativeiro eacute legitimada pelo Estado brasileiro O

que temos satildeo as criacuteticas de Alencar a forma como o governo trata o problema

inevitaacutevel da emancipaccedilatildeo com promessas de aboliccedilatildeo ao fim da guerra de forma

progressiva e por meio da estimulaccedilatildeo da emigraccedilatildeo Tais promessas natildeo se

efetivam o que abre um precedente para que o pensamento de Alencar ndash se natildeo o

mais eacutetico ndash acabe se apresentando como o melhor aceito pelas elites e sendo

reproduzo Outro ponto a ser lembrado eacute que com o fim do traacutefico a partir de 1850 e

a expansatildeo das lavouras cafeeiras no interior do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo haacute

tambeacutem uma transferecircncia gradual de escravos urbanos para essas regiotildees Com o

aumento do valor do escravo no mercado interno vaacuterias famiacutelias venderam seus

cativos para as fazendas causando uma consequente diminuiccedilatildeo no percentual da

escravaria na corte e outros nuacutecleos urbanos (NOVAIS 1997) A pulverizaccedilatildeo da

posse de escravos na cidade regride o que em pouco tempo pode levar a uma

mudanccedila de consciecircncia da opiniatildeo puacuteblica centrada na Corte sobre a escravidatildeo

Em uma foacutermula simples Quando todos possuiacuteam escravos isto era visto como algo

comum Quando soacute os ricos cafeicultores passaram a possuiacute-los isto se tornava

errado e antiquado para um paiacutes em desenvolvimento Alencar vai contra isto e

confirma em seu texto os valores do conservadorismo assumindo uma postura que

podemos chamar de liberalconservadora Admitindo isto concordamos com o que

propocircs Bosi (1988) que o liberalismo defendido por Alencar pode ser resumido em

uma figura de linguagem uma sineacutedoque em que uma parte do conteuacutedo eacute tomada

como um todo uniforme desvirtuando assim as ideias originais do liberalismo e

criando novo discurso ideoloacutegico e conservador para sustentar um grupo que se

impotildee no poder Em Alencar se vecirc a escolha da ldquoparte pelo todordquo como em uma

sineacutedoque Alencar defende que se uma parte da populaccedilatildeo estaacute na direccedilatildeo do

Estado e da economia e tem privileacutegios eacute porque essa parte conseguiu consolidar

seu poder pessoal e pode organizar um projeto poliacutetico de desenvolvimento para

que o todo da naccedilatildeo se desenvolva entatildeo satildeo essas pessoas que tem o ldquodireitordquo de

representar a naccedilatildeo Eacute o que pudemos observar

Constatou-se tambeacutem que a situaccedilatildeo do Brasil no periacuteodo segundo Alencar natildeo eacute

de tranquilidade e desenvolvimento mas de corrupccedilatildeo e descontrole Com o

parlamento repleto de elementos sem escruacutepulos ou convicccedilotildees que tomam as

riquezas o paiacutes com sua cobiccedila Alencar defende um Estado de leis com pulso forte

e mesmo a interferecircncia do Imperador para garantir que isto natildeo mais acontecesse

Era apenas assim que se garantiria a ordem puacuteblica e as ldquonecessidades puacuteblicasrdquo

seriam supridas o que natildeo era apenas uma opiniatildeo de Alencar mas uma visatildeo do

Estado compartilhada por boa parte dos homens que passaram pela administraccedilatildeo

puacuteblica no segundo reinado (MATTOS I 1987) Os gabinetes que se seguem sem

estrutura ou conhecimento administrativo levam o paiacutes agrave bancarrota com seus erros

constantes devido a sua ineacutepcia com a coisa puacuteblica O conjunto de instituiccedilotildees que

atuam dentro do sistema estatildeo corroendo-o por conta da ganancia da elite com o

dinheiro do Estado Do outro lado sendo atingida em seus preceitos a famiacutelia que

ldquoassiste sem querer a essa representaccedilatildeo da comeacutedia perigosardquo O que seria o

uacuteltimo refuacutegio da moralidade e base da sociedade

Por fim entendemos que como o sugeriu Carvalho (2007) em uma reflexatildeo sobre o

impeacuterio os fatos mostrados aqui podem ateacute ser reconhecidos pelos estudiosos e jaacute

trilhados mas as explicaccedilotildees tendem a ser insatisfatoacuterias por isso a necessidade

constante de revisitar textos do periacuteodo e teorias Ao mesmo tempo lembrando

Norberto Bobbio (1997) em uma reflexatildeo sobre seus escritos ao enfrentar o tema da

relaccedilatildeo entre os intelectuais e a poliacutetica em frente ao oceano de textos sobre o

tema dizia sentir-se como a crianccedila que despejando um copinho drsquoagua no mar

acreditava estar aumentando o seu niacutevel Eacute como nos vemos aqui Poreacutem

acreditamos ter conseguido demonstrar a presenccedila de um discurso

liberalconservador nas cartas de Erasmo como estrateacutegia discursiva de

disseminaccedilatildeo ideoloacutegica Os dados obtidos nos permitem dizer que nossa hipoacutetese

de que por meio de um discurso poliacutetico conservador vinculado as propostas

ideoloacutegicas das elites escravocratas disseminado pelos jornais e panfletos do

periacuteodo os intelectuais construiacuteram uma imagem paradoxal do liberalismo para o

Brasil no segundo reinado pocircde ser confirmada

As confluecircncias entre tais extremos (liberalismo x conservadorismo) natildeo satildeo

ineacuteditas visto que Hobsbawn (2010) por exemplo pode demonstrar a mobilidade de

agentes poliacuteticos partiacutecipes de movimentos liberais moderados e ateacute mesmo

radicais para as linhas dos partidos conservadores quando os movimentos

revolucionaacuterios da ldquoprimavera dos povosrdquo em 1848 tendiam a modificar a ldquoordem

socialrdquo organizando liberais e conservadores em movimentos unificados ndash onde as

ideias de ambos os lados acabavam por se adaptar as necessidades de

sobrevivecircncia de tais grupos - para uma retomada do poder para as elites europeias

No Brasil a elite nem por um minuto descuidou de estar com as duas matildeos nas

reacutedeas do poder

Por fim esperamos tambeacutem que nosso trabalho tenha sido uacutetil para exemplificar

algumas das muitas relaccedilotildees de poder que existiram (e existem) na relaccedilatildeo Estado

ndash cidadatildeo mediadas pela ideologia atraveacutes de um de seus muitos colaboradores

os intelectuais e ajudar na compreensatildeo de tema tatildeo complexo como a relaccedilatildeo dos

intelectuais com a elite e o poder

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Paulo HUCITEC Brasiacutelia INL 1977

6 ANEXOS

Figura 1 Fac-siacutemile da segunda ediccedilatildeo das Cartas ao Imperador impressa na

Typographia de Candido A de Mello em 1866 Alencar era um autor reconhecido

ainda em vida conseguindo publicar ndash e vender ndash natildeo somente obras literaacuterias mas

tambeacutem estudos sobre poliacutetica e legislaccedilatildeo

Figura 2 Fac-siacutemile da ediccedilatildeo das Cartas ao Povo impressa na Typographia de

Pinheiro e Companhia em 1866 Logo abaixo texto da contra capa indicando pelo

editor o modo de distribuiccedilatildeo do material

Figura 3 Folha de rosto da carta ao M de Olinda onde se vecirc a citaccedilatildeo de Joacute 333

O Diaacuterio do Rio de Janeiro apesar de sustentar uma postura apoliacutetica exibia

cotidianamente (desde seus primeiros exemplares) em suas primeiras paacuteginas o

resumo das seccedilotildees da cacircmara dos deputados e do Senado

Agradeccedilo a todos que me ajudaram na construccedilatildeo deste trabalho

A minha famiacutelia

Aos professores todos

A minha orientadora em particular

Aos amigos que me fizeram sugestotildees e criacuteticas

Agravequeles que dedicaram um pouco de seu tempo me ajudando

E a Deus

RESUMO

Partindo dos textos que compotildeem uma seacuterie de ldquocartas abertasrdquo de Joseacute de Alencar

endereccediladas ao Imperador D Pedro II e a alguns entes poliacuteticos da administraccedilatildeo

do Estado escritas entre 1865 e 1868 busca-se discutir a defesa paradoxal entre a

formaccedilatildeo de uma sociedade liberal dentro de um paiacutes de economia agroexportadora

sustentada pela matildeo de obra escrava

Tomaremos o texto de Alencar como um discurso poliacutetico ideoloacutegico das elites

presentes na corte imperial Entendemos a dimensatildeo ideoloacutegica do discurso poliacutetico

de Alencar no sentido marxista de corte gramsciano ou seja como uma concepccedilatildeo

de mundo que perpassa desde o discurso comum ateacute formas mais elaboradas de

discurso filosoacutefico A partir daiacute buscaremos compreender o modo de vida as

representaccedilotildees poliacuteticas e as formas de dominaccedilatildeo presentes no periacuteodo sob a oacutetica

do pensamento poliacutetico conservador de Joseacute de Alencar dando ecircnfase a anaacutelise de

sua defesa do liberalismo e da escravidatildeo

PALAVRAS CHAVE Poliacutetica discurso liberalismo escravidatildeo

ABSTRACT

Based on the texts that make up a series of open letters addressed to Joseacute de

Alencar to Emperor D Pedro II and some political entities of state administration and

written between 1865 and 1868 seek to discuss the defense of the paradox between

a liberal society within a country agro-export economy sustained by slave labor

We will take the text of a speech Alencar as ideological political elites present at the

imperial court We understand the ideological dimension of political discourse of Joseacute

de Alencar in the sense of cutting Gramscian Marxist as a world view that permeates

from the common speech even more elaborate forms of philosophical discourse

From there we will seek to understand the way of life political representations and

forms of domination present in the period from the perspective of political speech of

Joseacute de Alencar emphasizing the analysis of his defense of liberalism and slavery

KEYWORDS politics speech liberalism slavery

LISTA DE IMAGENS

FIGURA 1 ndash Fac-siacutemile da segunda ediccedilatildeo das cartas ao Imperador183

FIGURA 2 ndash Fac-siacutemile da primeira ediccedilatildeo das Cartas os povo184

FIGURA 3 ndash Folha de rosto da ediccedilatildeo das Cartas ao Marquecircs de Olinda185

FIGURA 4 ndash Paacutegina do Diaacuterio do Rio de Janeiro registrando a aboliccedilatildeo186

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO10

1 A TRAJETOacuteRIA POLIacuteTICA DE ALENCAR22

11 PRIMEIROS ANOS24

12 VIDA NA CORTE27

13 MILITAcircNCIA POLIacuteTICA34

14 UacuteLTIMOS ANOS49

2 CONJUNTURA POLIacuteTICA DO II REINADO55

21 UMA VISAtildeO GERAL56

22 O ESTADO DA ARTE DA IMPRENSA NO OITOCENTOS 64

23 SOBRE AS ELITES NO PODER 70

24 INTELECTUAIS E OPINIAtildeO PUacuteBLICA77

3 LIBERALISMO E ESCRAVIDAtildeO NAS CARTAS DE ERASMO 82

31 LIBERALISMO E ESCRAVIDAtildeO82

32 LIBERALISMO E ESCRAVIDAtildeO O MODELO BRASILEIRO86

33 AS CARTAS DE ERASMO95

331 AO IMPERADOR103

332 AO POVO AO REDATOR DO DIAacuteRIO DO RIO DE JANEIRO121

333 AO MARQUEcircS DE OLINDA AO VISCONDE DE ITABORAHY133

334 NOVAS CARTAS AO IMPERADOR138

4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS162

5 BIBLIOGRAFIA174

6 ANEXOS183

INTRODUCcedilAtildeO

O Brasil do seacuteculo XIX com a chegada da famiacutelia real nos primeiros anos ateacute e

particularmente o periacuteodo imperial eacute caracterizado por um desenvolvimento

econocircmico social e poliacutetico intenso e relativamente acelerado se comparado a

outras naccedilotildees da Ameacuterica Latina (COSTA 1999) Tal desenvolvimento se deve a

construccedilatildeo de um projeto poliacutetico para o paiacutes que deixando de ser uma colocircnia de

Portugal necessitava afirmar sua nova identidade - agora como uma naccedilatildeo

independente - tanto interna quanto externamente O processo tem iniacutecio com a

transferecircncia para a cidade do Rio de Janeiro do Priacutencipe Regente D Joatildeo VI a

famiacutelia real portuguesa e sua Corte em 1808 gerando um consideraacutevel aumento na

populaccedilatildeo residente e a consequente transformaccedilatildeo da cidade com a construccedilatildeo

de escolas museus teatros faculdades e dentre outras novidades a imprensa

A emancipaccedilatildeo poliacutetica em 1822 manteacutem o sistema monaacuterquico ndash ainda sob a casa

de Braganccedila com D Pedro I ndash agora pelo modelo constitucional tendo por base as

ideias liberais importadas da Europa iluminista A presumida liberdade que o paiacutes

vem a construir garantida na constituiccedilatildeo outorgada pelo governante jaacute encontra

um terreno poliacutetico e econocircmico bastante diverso daquele onde surgiu o liberalismo

europeu tendo por base a agricultura de produtos de exportaccedilatildeo assentada na

escravidatildeo - tanto a lavoura tradicional accedilucareira do nordeste como as novas e

proacutesperas plantaccedilotildees de cafeacute do Vale do Paraiacuteba dependiam do escravo O Brasil

logo depois da emancipaccedilatildeo politica em 1822 possui uma das maiores populaccedilotildees

escravas da Ameacuterica e tambeacutem a maior populaccedilatildeo de afrodescendentes livres no

continente (MATTOS H 2000) a quem natildeo eram concedidos os direitos poliacuteticos

de cidadatildeo E uma minoria tida como aristocraacutetica dominava assentados seus

privileacutegios nas relaccedilotildees que possuiacuteam com a coroa ndash uma administraccedilatildeo do Estado

de modelo conservador com D Pedro e a heranccedila do absolutismo portuguecircs

Liberalismo e conservadorismo convivem entatildeo na sociedade brasileira em

formaccedilatildeo como os dois lados de uma realidade complexa e contraditoacuteria Liberal no

sentido de que as lideranccedilas que surgem se mobilizaram nesse sentido para

justificar a separaccedilatildeo da metroacutepole e ao mesmo tempo conservador por precisar

manter a escravidatildeo e a dominaccedilatildeo do senhoriato (NOVAIS 1996)

Para a manutenccedilatildeo da organizaccedilatildeo do Estado a monarquia reforccedila os laccedilos jaacute

seculares do estamento portuguecircs presentes desde a colocircnia criando ndash tambeacutem

inspirado na tradiccedilatildeo portuguesa ndash o modelo brasileiro de nobreza de gentleman

este emerge como um segmento que se solidifica na figura do intelectual morador

da cidade bacharel em direito (tambeacutem alguns poucos meacutedicos raros engenheiros

e matemaacuteticos) filho do fazendeiro ou do comerciante enriquecido filho do

funcionaacuterio portuguecircs fixado no Brasil neto e bisneto dos donos da terra e

representante uacuteltimo das famiacutelias que viriam compor esta ldquoeliterdquo da terra garantindo

uma continuidade na estabilidade poliacutetica Observa-se assim com a absorccedilatildeo

destes elementos pelo Estado um crescimento de algumas cidades portuaacuterias e

principalmente no Rio de Janeiro onde se instala a Corte e o consequente

desenvolvimento de uma burocracia especializada necessaacuteria agrave administraccedilatildeo do

reino Um conjunto de instituiccedilotildees baseadas no modelo portuguecircs ndash quando natildeo

copiadas integralmente de seus pares em Lisboa ndash de funcionalismo puacuteblico para

uma monarquia de moldes absolutistas que recebe poucas adaptaccedilotildees no Brasil

(FAORO 2004)

Boris Fausto em sua Histoacuteria do Brasil (FAUSTO 2001) defende certa estabilidade

no periacuteodo sustentada pelo desenvolvimento das cidades e o aumento de pessoas

com niacutevel superior Costa (1999) afirma que os nuacutecleos urbanos mais importantes

em sua maioria estavam ao longo da costa brasileira coincidindo com os principais

portos exportadores e o desenvolvimento destes tem ndash por conta de sua localizaccedilatildeo

ndash caracteriacutesticas especiacuteficas das ideias trazidas da Europa pelos jornais e livros que

chegam pelos portos Nas demais aacutereas o crescimento urbano era limitado

prevalecendo a grande propriedade rural Mas com as faculdades de direito em Satildeo

Paulo e Recife sendo construiacutedas na primeira metade do oitocentos o processo de

composiccedilatildeo de uma intelectualidade local jaacute tem iniacutecio tendo como palco os nuacutecleos

urbanos Tal periacuteodo eacute marcado tambeacutem pelo desenvolvimento da imprensa onde

as ideias liberais satildeo proclamadas aos quatro ventos pelos diversos jornais e

pasquins que surgem e desaparecem todos os dias (BAHIA 1990) os homens que

se formam ndash de uma maneira integral eacute certo - naquele novo cotidiano iratildeo

inspirados em um periacuteodo recente de administraccedilatildeo ndash jaacute dissemos moldado no

estamento portuguecircs - desenvolver certa predileccedilatildeo pelo cargo puacuteblico e pelas

letras Segundo Faoro (2004) o funcionaacuterio puacuteblico que se forma eacute um dos

responsaacuteveis diretos ndash senatildeo o uacutenico tecnocrata ndash pela reorganizaccedilatildeo (reinvenccedilatildeo)

do antigo modelo no novo paiacutes Leitores dos jornais e ao mesmo tempo formadores

de opiniatildeo estes homens satildeo os comentadores e partiacutecipes do desenvolvimento

poliacutetico e econocircmico das cidades enquanto inspirados pelas ideias liberais que jaacute

tomam corpo por aqui Estes homens que tem acesso agrave informaccedilatildeo e fazem de sua

praacutexis um elemento transformador da sociedade (GRAMSCI 1976) alguns sendo

sustentados pelo abraccedilo do cargo puacuteblico outros escrevendo para os jornais onde

apresentam e defendem suas ideias (liberais ou natildeo) para os outros homens - que

vem a constituir uma opiniatildeo puacuteblica representada pelos agravevidos leitores desses

mesmos jornais

Isto posto destacamos que essa dissertaccedilatildeo que tem como tema o liberalismo no

Brasil e sua relaccedilatildeo com a escravidatildeo no periacuteodo do segundo reinado apresenta

como seu objetivo geral discutir as dificuldades de implantaccedilatildeo deste sistema

poliacutetico - o liberalismo - em uma sociedade dominada por uma elite assentada na

economia agroexportadora baseada na matildeo de obra do escravo percebendo como

paradoxal esta relaccedilatildeo entendendo ser o liberalismo uma doutrina poliacutetica que tem

por base a defesa da liberdade individual nos campos poliacutetico econocircmico religioso e

intelectual conquistada por meio de lutas da sociedade civil contra o absolutismo do

Estado caracteriacutestico do Antigo regime na Europa Acreditamos com Gramsci

(1989) que o discurso que sustenta tal relaccedilatildeo e tenta justifica-la eacute mediado entre as

elites e o povo por meio dos intelectuais Portanto cabem aqui mais algumas

questotildees qual era a visatildeo dos intelectuais sobre a relaccedilatildeo entre liberalismo e

escravidatildeo no Brasil Os intelectuais comungariam com tais ideias Elas estatildeo

presentes em seu discurso

Nossa duacutevida fundamental a qual a pesquisa busca explicar eacute seraacute que estes

intelectuais que se formam nas primeiras faculdades de direito do Brasil filhos de

fazendeiros comerciantes muitos dos quais ligados direta ou indiretamente agrave

economia agroexportadora baseada no trabalho escravo assumiram o discurso

liberal Estaria este discurso presente em suas representaccedilotildees e em seus textos

Para tanto nosso objetivo especiacutefico seraacute analisar o trabalho de um intelectual do

periacuteodo e uma parte de sua produccedilatildeo Joseacute de Alencar

Dessa forma partimos da seguinte hipoacutetese eacute por meio de um discurso poliacutetico

conservador vinculado as propostas ideoloacutegicas das elites escravocratas

disseminado pelos jornais e panfletos do periacuteodo que os intelectuais construiacuteram

uma imagem paradoxal do liberalismo para o Brasil no segundo reinado

Para construirmos nossa narrativa histoacuterica tomamos como fonte para analisarmos

nossa hipoacutetese as ldquocartas de Erasmordquo Um conjunto de cartas abertas publicadas

sob a forma de folhetins no periacuteodo de 1865 a 1868 dirigidas ao Imperador e a

vaacuterios outros entes poliacuteticos Nossa hipoacutetese eacute de que neste texto possamos

identificar a tentativa de Alencar sustentar uma visatildeo liberal para o desenvolvimento

poliacutetico e econocircmico da naccedilatildeo ao mesmo tempo em que faz uma defesa da

manutenccedilatildeo do sistema escravista no Brasil o que nos faz crer que exista uma

postura liberalconservadora como modelo ideoloacutegico a ser construiacutedo pelas elites

atraveacutes de alguns setores da imprensa Buscaremos nas cartas poliacuteticas de Alencar

indiacutecios da sustentaccedilatildeo de um discurso liberal que tambeacutem apresenta caracteriacutesticas

conservadoras e admite (e reafirma) a manutenccedilatildeo da escravidatildeo no Brasil Para

tanto nos propomos a uma anaacutelise de todo o texto das cartas em uma perspectiva

hermenecircutica baseada nos princiacutepios da anaacutelise do discurso Como sustenta

Intildeiguez (2005) a anaacutelise de discurso como aparentemente possa parecer natildeo eacute

uma aacuterea restrita da linguiacutestica e comporta contribuiccedilotildees de vaacuterias aacutereas de estudo

Ao mesmo tempo considerando que uma das caracteriacutesticas da histoacuteria poliacutetica

renovada segundo Remond (2003) eacute ser um ponto de convergecircncia de diversas

disciplinas como a sociologia a linguiacutestica o direito dentre vaacuterias outras o que lhe

possibilita um ganho analiacutetico consistente e consolida sua natureza interdisciplinar a

anaacutelise de discurso apresenta-se como um caminho consistente para a abordagem

de textos poliacuteticos do periacuteodo Neste caso nossa pesquisa busca entender a relaccedilatildeo

do modelo de liberalismo poliacutetico implantado no Brasil com a escravidatildeo e se a

justificaccedilatildeo para tal discurso estaacute presente nos textos de intelectuais do periacuteodo

tendo como fonte o texto das Cartas Poliacuteticas de Joseacute de Alencar

Nossa pesquisa se justifica pela necessidade de entender a dimensatildeo poliacutetica do

segundo reinado por meio de uma fonte impressa que teve grande circulaccedilatildeo no

periacuteodo de nosso recorte e que pode criar uma inter-relaccedilatildeo entre os pontos

descritos Na anaacutelise do texto de um dos mais importantes intelectuais do periacuteodo

Joseacute de Alencar - poliacutetico atuante jornalista romancista e dramaturgo -

conseguimos um elo entre intelectuais imprensa e elites e a confluecircncia desses

ldquopartidosrdquo no projeto ideoloacutegico de construccedilatildeo da naccedilatildeo (GRAMCI 1989) Tais

elementos satildeo comunmente tomados em separado Com Alencar nas cartas de

Erasmo temos um intelectual que usa do seu texto literaacuteriojornaliacutestico1 em uma

miacutedia alternativa no momento para se dirigir a segmentos da elite poliacutetica e

econocircmica na Corte no Rio de Janeiro Essa confluecircncia portanto eacute a proacutepria

ldquoaccedilatildeordquo do objeto enquanto veiacuteculo de comunicaccedilatildeo

A discussatildeo historiograacutefica sobre nosso tema apresenta estudos por vezes

coincidentes por vezes conflitantes Bosi (1988) afirma que o paradoxo entre

liberalismo e escravidatildeo natildeo existiu no Brasil ldquono periacuteodo que se segue agrave

Independecircncia e vai ateacute os anos centrais do Segundo Reinadordquo (BOSI 1998 p 05)

O autor tambeacutem afirma que para entender a articulaccedilatildeo do liberalismo pregado ndash e

assumido ndash no Brasil com o regime escravagista eacute necessaacuterio compreender o modo

de pensar das classes poliacuteticas dominantes no impeacuterio a partir da independecircncia

Neves (2001) sustenta que o liberalismo no Brasil se alavanca a partir da revoluccedilatildeo

ldquovintistardquo em Portugal que vem propondo reformas que pudessem garantir ao

indiviacuteduo direitos de cidadania e liberdade de expressatildeo e buscando o fim do

despotismo como uma soluccedilatildeo para o impeacuterio O movimento segundo a autora eacute

assimilado sem dificuldade pelos elementos das elites poliacutetica e intelectuais no

Brasil A proposta era buscar o novo mas sem abrir matildeo dos antigos privileacutegios

econocircmicos

Para Gorender (2002) os princiacutepios liberais levados adiante pelos comerciantes e

plantadores visava o direito de ter uma representaccedilatildeo no estado fora das limitaccedilotildees

impostas pela poliacutetica colonial que terminaria com o processo de independecircncia Tal

1 Antocircnio Cacircndido (1999) sustenta ser uma das caracteriacutesticas do periacuteodo (segundo reinado) a

influecircncia do texto literaacuterio nos jornais que temos vaacuterios exemplos em Machado de Assis Joseacute de

Alencar Joaquim Nabuco Capistrano de Abreu para citar alguns

processo segundo ele tem inicio com a abdicaccedilatildeo em 1831 Este autor afirma que

o liberalismo europeu defende o trabalho livre mas lembra tambeacutem que o proacuteprio

Adam Smith natildeo era contra a escravidatildeo nas colocircnias Ou seja o liberalismo

europeu segundo um de seus mais importantes representantes jaacute nasce sob esta

contradiccedilatildeo O autor lembra que mesmo com a Revoluccedilatildeo Francesa tendo

decretado a libertaccedilatildeo dos escravos em suas colocircnias francesas Napoleatildeo

restabelece a escravidatildeo oito anos depois Apesar da pregaccedilatildeo pela liberdade na

Europa nas colocircnias a poliacutetica praticada natildeo era a mesma O que nos leva a

entender melhor a relaccedilatildeo liberalismoescravidatildeo no Brasil

Entendemos entatildeo que no processo de formaccedilatildeo do Estado Imperial Brasileiro

havia diferentes leituras e objetivos para o uso do liberalismo ligadas a interesses

especiacuteficos Por um lado como enfatiza Mattos (1987) a accedilatildeo do grupo conservador

no impeacuterio seguia no sentido da construccedilatildeo de monopoacutelios uma continuidade do

praticado no periacuteodo colonial enfatizando as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo sustentadas

pela coroa Costa (1999) identifica certa originalidade no movimento poliacutetico liberal

brasileiro do periacuteodo tentando interpreta-lo como uma figura hiacutebrida onde os

elementos conservadores permanecem e satildeo amalgamados com as praacuteticas liberais

aceitas estruturando as instituiccedilotildees e a visatildeo de mundo pelas elites dominantes

sustentados pelas classes intermediaacuterias que se desenvolvia nas cidades mas que

ao mesmo tempo viam no sistema agroexportador baseado na escravidatildeo uma

dificuldade para o desenvolvimento do capitalismo Por outro lado Carvalho (2007)

chega a subestimar o aspecto liberal sustentando haver um pensamento

conservador dominante sendo a conciliaccedilatildeo entre as correntes de pensamento e os

partidos a poliacutetica da coroa com o intuito de administrar interesses e evitar conflitos

Bosi (1988) sustenta ainda que o traacutefico se apoia por vezes nas proacuteprias

autoridades a quem cabia fazer cessar o traacutefico Satildeo homens ligados a

administraccedilatildeo e a poliacutetica que manteacutem o controle terras do cafeacute e dos escravos o

que faz com que uma defesa da escravidatildeo seja a proposta corrente Nesse

aspecto Prado (2001) concorda que com a produccedilatildeo organizada sob a exploraccedilatildeo

do trabalho escravo sendo muito lucrativa ateacute entatildeo dificilmente teria por parte da

elite qualquer movimento estimulando o seu teacutermino

O liberalismo poliacutetico proposto para o Brasil apresenta assim caracteriacutesticas

diversas conforme os interesses dos diversos grupos das elites poliacuteticas e

econocircmicas no poder Mattos (1987) enxerga no grupo conservador representado

pelos senhores traficantes de escravos e grandes comerciantes um pensamento

contraacuterio agraves ideias liberais e a favor da centralizaccedilatildeo poliacutetica A anaacutelise do sistema

econocircmico agroexportador brasileiro no periacuteodo Imperial tambeacutem nos revela as

muitas contradiccedilotildees da sociedade escravista do seacuteculo XIX o liberalismo econocircmico

e o aumento do fluxo de escravos para o Brasil a defesa da liberdade e o

incremento da escravidatildeo o desenvolvimento do consumo e a pobreza Tacircmis

Parron (2008) sustenta que durante o seacutec XIX toda a defesa do traacutefico e da proacutepria

escravidatildeo como uma instituiccedilatildeo se sustentaram em ideias liberais Agrave medida que

na Europa o sistema econocircmico pregava um livre mercado com o trabalho livre nas

Ameacutericas a escravidatildeo permanecia forte em paiacuteses como os Estados Unidos em

Cuba e no Brasil Emilia Viotti (1999) sustenta para o periacuteodo uma visatildeo hiacutebrida

onde os elementos conservadores presentes no Brasil servem como um equiliacutebrio a

praacuteticas e ideias liberais que poderiam tomar formas mais radicais se acaso

atingissem grupos da populaccedilatildeo estruturando dessa forma as instituiccedilotildees e a visatildeo

de mundo dos principais agentes poliacuteticos no poder no periacuteodo dando ao liberalismo

aqui sua caracteriacutestica ldquocor localrdquo Dessa feita entendemos que o liberalismo

representa distintos interesses da sociedade brasileira e caracteriza-se

diversamente nas diferentes regiotildees do paiacutes e um dos agentes mais importantes na

divulgaccedilatildeo de tais ideias e praticas eacute justamente a imprensa que muito se

desenvolve no periacuteodo como arena de debates de poliacuteticos e intelectuais

Concordando com Bosi (1988) que afirma que o paradoxo entre liberalismo e

escravidatildeo foi somente verbal que o liberalismo simplesmente natildeo existiu enquanto

uma ideologia dominante Segundo ele o que dominou em todo esse periacuteodo no

Brasil foi um ideaacuterio de fundo conservador Um conjunto de normas juriacutedico-poliacuteticas

capazes de garantir a propriedade fundiaacuteria e a escravidatildeo negra ateacute o seu limite E

em nosso entender essa ideologia era difundida por meio dos intelectuais nos

veiacuteculos de comunicaccedilatildeo do periacuteodo como os panfletos pasquins e jornais em

geral

Portanto nosso objetivo aqui para testar nossa hipoacutetese eacute estudar as formas do

discurso poliacutetico em meados do seacuteculo XIX analisando o texto jornaliacutesticoliteraacuterio

de Joseacute de Alencar nas Cartas de Erasmo Acreditamos que Alencar usava seu

texto como um meio para difundir fortalecer e consolidar a ideologia das elites

presentes na corte imperial suas representaccedilotildees e as formas de dominaccedilatildeo

presentes no periacuteodo Alencar toma do discurso liberal alguns princiacutepios para

sustentar a ideologia de grupos vinculados a uma proposta de conservadorismo

poliacutetico em que a manutenccedilatildeo dos privileacutegios desta ldquoaristocraciardquo bem como a

continuidade da escravidatildeo no Brasil satildeo seus pontos principais

A pesquisa se fundamenta tambeacutem na premissa de que a proposta de Alencar era

a de criar um modelo (segundo ele melhor) para a sociedade De tal maneira

podemos designaacute-lo ndash o texto as cartas de Erasmo - como um discurso ideoloacutegico

Um conceito formulado por Chauiacute (revendo Gramsci) nos ajuda de forma elucidativa

Fundamentalmente a ideologia eacute um corpo sistemaacutetico de representaccedilotildees e de normas que nos ensinam a conhecer e a agir A sistematicidade e a coerecircncia ideoloacutegicas nascem de uma determinaccedilatildeo muito precisa o discurso ideoloacutegico eacute aquele que pretende coincidir com as coisas anular a diferenccedila entre o pensar o dizer e o ser e destarte engendrar uma loacutegica da identificaccedilatildeo que unifique pensamento linguagem e realidade para atraveacutes dessa loacutegica obter a identificaccedilatildeo de todos os sujeitos sociais com uma imagem particular universalizada isto eacute a imagem da classe dominanterdquo (CHAUI 1997 p 03)

Dessa feita entendemos a dimensatildeo ideoloacutegica do discurso poliacutetico construiacutedo por

meio das cartas de Erasmo no sentido marxista de corte gramsciano ou seja como

uma concepccedilatildeo de mundo que perpassa desde o discurso comum ateacute formas mais

elaboradas de discurso filosoacutefico Nesse sentido as cartas de Erasmo seratildeo

tomadas como peccedila de anaacutelise enquanto uma dimensatildeo do discurso de Alencar

como ator poliacutetico de seu tempo para uma discussatildeo sobre a relaccedilatildeo entre

liberalismo e escravidatildeo no Brasil Gramsci (1989) nos mostra que os intelectuais se

formaram historicamente em associaccedilatildeo com as elites econocircmicas Seu papel

dentro dos diversos partidos2 eacute a de organizaccedilatildeo e disseminaccedilatildeo da ideologia

Alencar por meio de seu texto busca criticar a administraccedilatildeo vigente e sua relaccedilatildeo

2 Entendendo ldquopartidordquo no sentido mesmo que Gramsci o determinou GRAMSCI Antocircnio

Intelectuais e a Organizaccedilatildeo da Cultura Satildeo Paulo Civilizaccedilatildeo Brasileira 1989

com a coroa por meio de recriminaccedilotildees a poliacutetica econocircmica a administraccedilatildeo da

guerra do Paraguai ao descaso dos poliacuteticos e ndash em nosso caso ndash quanto agraves

propostas para o fim da escravidatildeo

Buscamos nos textos de Gramsci o referencial teoacuterico que ndash acreditamos ndash nos

apresenta uma melhor adequaccedilatildeo a proposta metodoloacutegica aplicada de uma

discussatildeo hipoteacutetico-dedutiva dos textos que se seguem Gramsci nos fornece um

material teoacuterico que - como ele mesmo comenta em sua organizaccedilatildeo inicial para a

escritura dos cadernos - satildeo apontamentos sem uma ligaccedilatildeo serial linear mas que

podem nos fornecer uma base teoacuterica rica conquanto estejam mesmo permitindo-se

uma interpretaccedilatildeo mais heterodoxa das fontes

Gramsci propotildee uma visatildeo ampliada do conceito de Estado em que a relaccedilatildeo entre

sociedade civil e sociedade poliacutetica eacute dialeacutetica A sociedade civil eacute o lugar da luta de

classes pela hegemonia e junto com a sociedade poliacutetica eacute um dos fatores que a

constituem O Estado eacute um elemento aglutinador e como tal formado pela

diversidade de instituiccedilotildees da sociedade civil Eacute uma combinaccedilatildeo de forccedila e

consenso fazendo parecer que os caminhos traccedilados pelo Estado sejam vistos

como consensuais pela maioria expressos pela opiniatildeo puacuteblica em seus diversos

oacutergatildeos (GRAMSCI 1999) Neste conceito ampliado de Estado a sociedade poliacutetica

eacute a definiccedilatildeo de uma esfera na qual se situam os mecanismos de coerccedilatildeo e

dominaccedilatildeo como o aparato policial-militar e a burocracia e a sociedade civil que eacute

formada pelas organizaccedilotildees responsaacuteveis pela elaboraccedilatildeo e difusatildeo das ideologias

como a escola a igreja os partidos poliacuteticos os sindicatos as organizaccedilotildees

profissionais e a miacutedia A cultura para Gramsci estaacute relacionada com a

transformaccedilatildeo da realidade atraveacutes de uma busca e consequente conquista de uma

consciecircncia superior onde cada indiviacuteduo precisa conseguir compreender o seu

valor na sociedade (GRAMSCI 1976) Eacute dessa forma que se daacute a passagem do

momento corporativo ao momento eacutetico-poliacutetico da estrutura agrave superestrutura Isto eacute

expresso por Gramsci atraveacutes do seu conceito ampliado de poliacutetica a catarse O

momento em que a esfera dos interesses corporativos e particulares eleva-se ao

niacutevel da consciecircncia universal e as classes conseguem elaborar um projeto para

toda a sociedade atraveacutes de uma accedilatildeo coletiva Assim sair da passividade para

Gramsci eacute deixar de aceitar a subordinaccedilatildeo que o sistema capitalista impotildee a

alguns estratos da populaccedilatildeo Nesse processo que eacute dialeacutetico podemos observar

um Alencar em sua posiccedilatildeo de aristocrata mas ao mesmo tempo como um

intelectual - um elo para a divulgaccedilatildeo das ideias da elite e a sociedade como um

todo ndash que opta pela reafirmaccedilatildeo de valores tradicionalmente aceitos reafirmando

um modelo adequado que deve perpetuar-se tanto para a famiacutelia como para a

administraccedilatildeo puacuteblica por meio da divulgaccedilatildeo de suas ideias em um veiacuteculo de

comunicaccedilatildeo em detrimento das transformaccedilotildees que acusa como degradadoras

dos valores temos aqui a proacutepria constituiccedilatildeo do bloco histoacuterico Eacute a partir destes

conceitos formulados por Gramsci que buscamos encontrar uma melhor

compreensatildeo do texto de Alencar

No primeiro capiacutetulo nosso trabalho apresenta uma sucinta biografia de Joseacute de

Alencar tentando situar em sua trajetoacuteria os interesses e as escolhas poliacuteticas nas

quais estava inserido e o contexto a que se referia e ndash de certa forma ndash pretendia

criar

No segundo capiacutetulo buscamos mostrar a conjuntura poliacutetica do segundo reinado

junto ao processo de formaccedilatildeo das elites e intelectuais bem como da imprensa no

Brasil A divisatildeo aparentemente estanque tem como elemento agregador a proacutepria

biografia de Alencar Ali se buscam esmiuccedilar os elementos formadores do

intelectual Alencar apresentados anteriormente e como ele se apresenta em seu

campo de batalha

A conjuntura poliacutetica do periacuteodo junto a alguns elementos relevantes que satildeo

tomados pela criacutetica feroz de Alencar

A imprensa - seus primeiros anos no Brasil - na qual Alencar milita como criacutetico e

jornalista sendo este o seu veiacuteculo principal de divulgaccedilatildeo de ideias

As elites que disputam o poder no periacuteodo e tem nos intelectuais seu ponto de

ligaccedilatildeo com as camadas populares

E os intelectuais em si que comeccedilam a se formar nesse periacuteodo no paiacutes

influenciados pelas ideias liberais vindas da Europa e mesmo em parte

compartilhada com os grupos no poder Alencar se apresenta como um intelectual

surgido em uma das primeiras escolas de direito do paiacutes no Largo de Satildeo

Francisco portanto compartilhando de uma relaccedilatildeo direta com os outros elementos

da elite local que estava se formando

Estes elementos apresentados a opiniatildeo puacuteblica a imprensa e as elites formam em

um conjunto o arcabouccedilo do que seria o campo de atuaccedilatildeo do intelectual Alencar e

a proposta de pontuar o ldquoestado da arterdquo em que se apresentam tais segmentos

pode nos auxiliar na construccedilatildeo de um retrato mais niacutetido da superestrutura

(GRAMSCI 1999) no recorte

No terceiro capiacutetulo analisaremos as Cartas de Erasmo dando ecircnfase agraves propostas

de Alencar sobre o problema da escravidatildeo no periacuteodo Natildeo eacute nosso objetivo

debater (ou defender) as questotildees do traacutefico do abolicionismo e das reaccedilotildees em

oposiccedilatildeo dos diversos grupos envolvidos nas questotildees mas a partir da

investigaccedilatildeo da fonte apresentar a questatildeo sob uma oacutetica especiacutefica a de Joseacute de

Alencar como um ator poliacutetico do periacuteodo e seu modelo de representaccedilatildeo poliacutetico e

ideoloacutegico para o Brasil se eacute ou natildeo influenciado pelos ideais do liberalismo

Para tanto apresentamos uma breve exposiccedilatildeo do pensamento de seus principais

representantes na Europa com o intuito de comparar uma possiacutevel similaridade com

o texto das cartas

No quarto e uacuteltimo capiacutetulo nos reservamos a um conjunto de consideraccedilotildees finais

com vistas a uma compreensatildeo do que foi apresentado

As fontes usadas na pesquisa satildeo As cartas de Erasmo publicadas semanalmente

no periacuteodo de 1865 a 1868 e vendidas pelas ruas da Corte do Rio de Janeiro A

publicaccedilatildeo3 com a qual trabalhamos foi organizada por Joseacute Murillo de Carvalho e

conteacutem as seguintes ediccedilotildees

Ao Imperador Cartas de Erasmo de 1865 no caso a segunda ediccedilatildeo de 1866

Uma carta Ao Redator do Diaacuterio (do Rio de Janeiro) de 1865

Ao Povo Cartas Poliacuteticas de Erasmo de 1866 acompanhadas das cartas ldquoAo

Marquecircs de Olindardquo 1866 e ldquoAo Visconde de Itaboraiacute Carta de Erasmo Sobre a

3 ALENCAR Joseacute de Cartas de Erasmo Joseacute de Alencar organizador Joseacute Murilo de Carvalho

ndash Rio de Janeiro ABL 2009

Crise Financeirardquo tambeacutem de 1866

Ao Imperador Novas Cartas Poliacuteticas de Erasmo de 1867-68

Tambeacutem foram de grande auxiacutelio agraves biografias4 pesquisadas e a bibliografia

composta de obras especializadas e baseadas em recentes pesquisas e em textos

de consolidado valor Uma das finalidades da histoacuteria eacute conhecer melhor os

sistemas de representaccedilatildeo das sociedades passando pela literatura e filosofia e

sempre atentando para a produccedilatildeo intelectual (REMOND 2003) Com as cartas de

Erasmo nos apropriamos de um texto criativo coerente e esteticamente belo o que

soacute vem facilitar o trabalho interpretativo Frente a isto aqui temos o Alencar no

comeccedilo da vida puacuteblica se consolidando tanto como artista como um poliacutetico

atuante na Corte - um intelectual Um Alencar que tem muito a nos dizer sobre o

periacuteodo

4 MENEZES Raimundo de Joseacute de Alencar literato e poliacutetico 2a Ed Rio de Janeiro livros teacutecnicos e

cientiacuteficos 1965 NETO Lira O inimigo do rei uma biografia de Joseacute de Alencar ou a mirabolante aventura de um romancista que colecionava desafetos azucrinava D Pedro II e acabou inventando o Brasil Satildeo Paulo Globo 2006 RODRIGUES Antocircnio Edmilson Martins Joseacute de Alencar O poeta armado do Seacuteculo XIX ndash Rio de Janeiro Editora FGV 2001

1 A TRAJETOacuteRIA POLIacuteTICA DE ALENCAR

Eacute um homem de valor poreacutem muito mal educado

D Pedro II referindo-se ao Alencar

Partindo para um esboccedilo sobre a vida de Alencar preferimos trabalhar com uma

biografia criacutetica buscando enfatizar o agente poliacutetico em detrimento do artista Mas

natildeo podemos deixar de ressaltar ser o poliacutetico Joseacute de Alencar tambeacutem um dos

maiores representantes das letras do Brasil no oitocentos Ele ao lado de Machado

de Assis Castro Alves Gonccedilalves Dias e alguns outros natildeo tatildeo notoacuterios tem seu

trabalho caracterizado pela construccedilatildeo de um projeto de modernizaccedilatildeo e a

constituiccedilatildeo de uma identidade para o Brasil O desenvolvimento tecnoloacutegico

cientiacutefico intelectual promovido na Europa era em seu entender um modelo para o

mundo civilizado e o Brasil natildeo poderia ficar fora de tatildeo significativo projeto

A proposta de nossa biografia se daacute na medida em que a pesquisa busca enfatizar

Joseacute de Alencar enquanto poliacutetico O escritor consagrado eacute deixado por um

momento de lado em detrimento dos rumos a que as questotildees relativas agrave histoacuteria

poliacutetica satildeo colocados No caso aqui a histoacuteria da literatura eacute somente um apecircndice

Tendo tambeacutem em mente as advertecircncias deixadas por Remond (2003) sobre o uso

da narrativa factual e subjetivista eminente na biografia de notaacuteveis que cruzavam

o perigoso caminho de avaliar um periacuteodo pelos olhos de um homem apenas ndash

caracteriacutestica da histoacuteria poliacutetica recriminada jaacute pela Escola dos ldquoAnnalesrdquo -

buscamos pelo caminho biograacutefico integrar o Alencar aos diversos agentes poliacuteticos

a fim de desenhar um retrato mais consistente do periacuteodo mas sempre nos

acautelando quanto a direccedilatildeo seguida Neto (2006) e Menezes (1965) sustentam tal

proposta afirmando que o temperamento reservado de Alencar eacute fator determinante

para a anaacutelise de seu texto que no caso das Cartas de Erasmo apresenta

caracteriacutesticas que transitam entre o romantismo literaacuterio e um jornalismo criacutetico

como poderemos ver mais adiante Pocock (2003) justificando uma proposta

biograacutefica comenta que ldquose [temos de ter] uma histoacuteria do pensamento poliacutetico

construiacuteda sobre princiacutepios autenticamente histoacutericos precisamos ter meios de

saber o que um autor ldquoestava fazendordquo quando escrevia ou publicava um texto

ldquo(POCOCK 2003 p28) Ainda na corrente citaccedilatildeo explica que ldquoem inglecircs coloquial

perguntar o que um autor ldquoestava fazendordquo eacute o mesmo que perguntar ldquoo que ele

pretendiardquo ou seja o que ldquoestava tramandordquo ou o que ldquopretendia obterrdquo Quais

seriam as intenccedilotildees de tal autor quando da escritura de seu texto Quais as suas

pretensotildees com tal trabalhordquo (POCOCK 2003 p28) Philippe Levilain (2003) indica

o fim da deacutecada de 1980 como o momento do florescer da biografia na Franccedila

havendo esta sendo reabilitada no meio universitaacuterio ainda na deacutecada de 1960 e jaacute

na deacutecada de 1980 ultrapassa as fronteiras do paiacutes Michael Winock (2003) nos

lembra da emergecircncia de pesquisas sobre os intelectuais e suas ideias no seacuteculo

XX bem como a sua importacircncia para a difusatildeo de modelos poliacuteticos que tem

atraiacutedo agrave atenccedilatildeo de inuacutemeros pesquisadores Com Joseacute de Alencar ampliamos o

horizonte da pesquisa dos intelectuais no Brasil ateacute meados soacute seacuteculo XIX onde

estaacute nosso recorte temporal

Jaacute existem biografias consistentes sobre o Alencar Destaco o trabalho beneditino de

Raimundo de Menezes (1965) ldquoJoseacute de Alencar literato e poliacuteticordquo que recolheu

desde documentos pessoais ateacute fotografias e caricaturas do periacuteodo mas que tenta

natildeo traccedilar uma criacutetica ao trabalho de Alencar sendo um texto predominantemente

factual Eacute para aonde me remeto como uma fonte baacutesica do estudo e que

determina a linha mestra da descriccedilatildeo mas me apoiando tambeacutem em alguns outros

textos5 Ressaltamos aqui que nosso recorte iraacute enfatizar tambeacutem o contexto das

relaccedilotildees sociais que satildeo (ou podem ser) determinadas pelo texto

5Outras biografias satildeo MAGALHAtildeES Raimundo Jr Joseacute de Alencar e sua eacutepoca Satildeo Paulo Ed

Lisa 1971 FILHO Luiz Viana A vida de Joseacute de Alencar Satildeo Paulo Ed UNESPSalvador Edufba 2008 e NETO Lira O inimigo do rei uma biografia de Joseacute de Alencar ou a mirabolante aventura de um romancista que colecionava desafetos azucrinava D Pedro II e acabou inventando o Brasil Satildeo Paulo Globo 2006

11 PRIMEIROS ANOS

No dia 1ordm de Maio de 1829 em uma pequena casa no siacutetio Alagadiccedilo Novo na vila

de Nossa Senhora da Conceiccedilatildeo de Messejana periferia de Fortaleza proviacutencia do

Cearaacute nasce Joseacute Martiniano de Alencar Filho Seu pai um padre que haacute pouco

deixara a batina para se envolver na poliacutetica6 junto com D Baacuterbara de Alencar sua

matildee o irmatildeo Tristatildeo de Alencar e o tio Leonel Pereira de Alencar foi figura de

destaque na revoluccedilatildeo pernambucana Um revolucionaacuterio liberal ldquoexaltadordquo proacute-

repuacuteblica que posteriormente foi eleito deputado constituinte para o congresso

lusitano7 Alencar mantinha relaccedilotildees proacuteximas com os liberais de Minas Gerais e de

Satildeo Paulo como o Padre Joseacute Bento e com Custoacutedio Dias

Os (chamados) rebeldes de Pernambuco eram militares de alta patente

comerciantes senhores de engenho e sobretudo padres (calcula-se em 45 o

nuacutemero de padres envolvidos) Apesar de ter em suas linhas elementos do povo e

escravos natildeo era uma revoluccedilatildeo que pudesse ser chamada de popular Antes

tentava afirmar a dominaccedilatildeo de alguns grupos de elite local Sobe forte influecircncia da

maccedilonaria que disseminava as ideias liberais entre seus grupos os rebeldes

proclamaram uma repuacuteblica independente que incluiacutea aleacutem de Pernambuco as

capitanias da Paraiacuteba e do Rio Grande do Norte chegando com Alencar ateacute o

Cearaacute O movimento chega a controlar o governo durante dois meses Alguns de

seus liacutederes inclusive padres foram fuzilados Alencar consegue o perdatildeo

(CARVALHO 2002)

Com a abdicaccedilatildeo havendo o Senador pelo Cearaacute Joatildeo Carlos Augusto de

Oeynhausen e Gravenburg marquecircs de Aracati acompanhado D Pedro I em sua

volta a Portugal declara o senado a vacacircncia de sua cadeira O nome de Joseacute

Martiniano o pai eacute indicado em lista triacuteplice entregue a apreciaccedilatildeo da Regecircncia-

6 Um padre longe da igreja Menezes (1965) cita em nota que natildeo foram encontrados os registros de

Alencar na arquidiocese de Fortaleza 7 O pai de Alencar poliacutetico ativo e um dos participantes do movimento republicano proclamado no

Cearaacute em 1817 jaacute forneceria uma sedutora monografia Preferimos aqui em funccedilatildeo da metodologia exigida e dos limites da pesquisa buscar uma anaacutelise coerente apesar de firmada em caminhos mais sinteacuteticos

trina Aprovado toma posse em 02 de Maio de 1832 A vida na corte do Rio de

Janeiro o esperava mas natildeo por muito tempo Em 23 de agosto de 1834 eacute nomeado

presidente da proviacutencia do Cearaacute e retorna agrave terra natal com a famiacutelia Passados

alguns anos de uma administraccedilatildeo exemplar com a renuacutencia do Regente Feijoacute ndash

com quem mantinha agora relaccedilotildees proacuteximas - foi exonerado do cargo Alencar e

Feijoacute desde o golpe de estado de 1832 em que se reuniam nas sessotildees do Partido

Moderado jaacute admitiam certa cumplicidade de ideias

A famiacutelia deixa o Cearaacute e ruma novamente agrave corte em meados de 1838 onde o

Alencar reassume sua cadeira no senado O pequeno Joseacute de Alencar entatildeo com

11 anos passa a frequentar o coleacutegio elementar

O pai de Joseacute de Alencar o senador Joseacute Martiniano de Alencar eacute figura chave no

processo de maioridade de D Pedro II Enquanto orador oficial do Senado faz um

discurso durante a coroaccedilatildeo e sagraccedilatildeo do imperador no Paccedilo da cidade clamando

ao povo e a divina providecircncia para que iluminem o futuro monarca (SCHWARCZ

1998) Com a posse de D Pedro II eacute nomeado logo a seguir presidente do Cearaacute

Toma a administraccedilatildeo da proviacutencia por alguns meses mas depois de enfrentar

algumas revoltas populares deixa o governo e retorna agrave Corte em 1841 Neste

ponto o senador Alencar - agora cooptado pelo Estado - provavelmente jaacute estava

bem distante das ideias que proclamava nos movimentos revolucionaacuterios

Joseacute de Alencar o filho tem no Cearaacute - donde passa a infacircncia nessas idas e

vindas - a vida tranquila do interior Ali encontra as imagens que o seguiram pela

vida inteira e ajudaratildeo a criar as representaccedilotildees para uma naccedilatildeo nova esplecircndida

como tudo o mais que havia a sua volta naquele momento

Alencar desembarca em Satildeo Paulo em maio de 1843 ldquoUm mirrado rapazola de

catorze anos Vem completar os exames preparatoacuteriosrdquo (MENEZES 1965 p49) A

falta de livrarias e gabinetes de leitura e a dificuldade de comunicaccedilotildees com a

Europa torna o acesso aos livros uma dificuldade jaacute naquela eacutepoca Os livreiros em

sua maioria se estabelecem no Rio de Janeiro e vendem majoritariamente tiacutetulos

em inglecircs ndash visto a quantidade de residentes ingleses - e francecircs e alguns romances

adaptados e traduzidos mas ainda pouco material (RENAULT 1976)

Alencar eacute uma figura que passaria despercebida em qualquer local Alto magro

moreno de oacuteculos De jeito acanhado ateacute mesmo silencioso Natildeo frequentava as

tabernas ou salotildees o que produzia certo estranhamento natildeo soacute dos colegas da

repuacuteblica mas nos estudantes em geral Durante o Impeacuterio como os cursos

regulares de medicina direito e engenharia ainda natildeo se proliferassem no periacuteodo

tais escolas natildeo se configuravam apenas como um centro de produccedilatildeo de uma

cultura intelectual no Brasil Eram antes espaccedilos para uma consolidaccedilatildeo do poder

nas matildeos de uma elite citadina que comeccedilava a se sobressair (COSTA 1999) A

frequentaccedilatildeo agraves escolas de Direito era a antessala necessaacuteria ao jovem que

buscava a ocupaccedilatildeo em algum cargo puacuteblico A criaccedilatildeo de cursos de niacutevel superior

tambeacutem busca a criaccedilatildeo de um funcionalismo que possa assumir os cargos da

burocracia do Estado Tambeacutem uma parte da formaccedilatildeo da Corte e uma carreira

possiacutevel dentro de um escasso mercado de trabalho

Durante o periacuteodo do curso os estudantes bagunccedilavam a cidade promovendo

reuniotildees serenatas e bebedeiras num tributo a Lord Byron8 em noitadas

ldquosatanistasrdquo Quando Alencar se transfere para Satildeo Paulo esse Byronismo estaacute na

moda (MENEZES 1977 p 50) os estudantes saem pelas ruas blasfemando contra

a vida e o amor de ldquocapa e cabeleirardquo 9 virando a vida de pernas para o ar Alencar

nunca foi dado a esses arroubos da juventude preferindo levar uma vida mais

absorta em seus pensamentos

Em 1846 Alencar se matricula na Academia Ali tem suas primeiras experiecircncias

jornaliacutestico-literaacuterias onde funda junto a alguns colegas primeiranistas a revista

semanal Ensaios Literaacuterios Em comeccedilos de 48 depois de tirar feacuterias em Fortaleza e

no siacutetio Messejana embarca para a cidade de Olinda onde se matricula no 3ordm ano

do curso Juriacutedico A companhia de Alencar ali satildeo os passeios pelas ruas solitaacuterias e

a biblioteca do mosteiro de Satildeo Bento onde funcionava o curso e aonde tem

acesso a exemplares dos cronistas coloniais Natildeo fica ali por muito tempo voltando

8 Poeta romacircntico inglecircs que veio a morrer na primeira metade do seacutec XIX 9 A expressatildeo recolhida por Menezes de um comentaacuterio de Brito Broca estaacute indefinida Parece

remeter aos juristas ingleses e americanos ndash modelos para esta juventude da elite da corte portanto ndash de usarem perucas como um siacutembolo de poder Renault (1976) indica ndash a partir de uma fonte de 1816 - que cada profissatildeo recorre a determinado tipo de cabeleira como forma de distinccedilatildeo

posteriormente para Satildeo Paulo Alencar comeccedila jaacute a sentir os primeiros sintomas da

doenccedila que o acompanharia ateacute o fim da vida e o clima do Nordeste possivelmente

seria um alivio para a tuberculose

Por fim consegue se formar em Direito em 1849 (na turma de 50) na Faculdade de

Direito do Largo de Satildeo Francisco Satildeo Paulo eacute uma ldquocidadezinha de terceira ordem

tristonha e brumosa natildeo possui cerca de 12 a 14 mil almas se tantordquo (MENEZES

1965 p 60) O espaccedilo eacute dividido entre os estudantes grupo entatildeo numerosiacutessimo

ldquoe o restordquo como diziam Meretrizes gente pobre nos corticcedilos alguns emigrantes

que vinham tentar a vida fora do campo e artistas mambembes que buscavam levar

alegria para ali Carvalho (2007) sustenta que a escolha por Satildeo Paulo e Olinda para

o estabelecimento dos cursos de Direito foi uma maneira de unificar os laccedilos entre

as elites dispersas pelas vaacuterias regiotildees para posteriormente associa-las a Corte

Alencar natildeo foge a regra e muda-se para o Rio de Janeiro cidade mais promissora

economicamente onde comeccedila a trabalhar como praticante no escritoacuterio de

advocacia do Dr Caetano Alberto Soares um dos mais procurados chegando a

representar em certas ocasiotildees a Casa Imperial Alencar trabalha ali por quatro

anos onde se inicia nos estudos mais aacuteridos do Direito mas natildeo esquece o

jornalismo

12 VIDA NA CORTE

Em 09 de agosto de 1853 Alencar comeccedila a trabalhar a convite de um amigo na

redaccedilatildeo do jornal Correio Mercantil - chamado ldquoo grande jornal das ideias liberaisrdquo -

com a obrigaccedilatildeo de promover mudanccedilas em sua estrutura que viessem a tornaacute-lo

um pouco mais popular Era tido como um abrigo dos letrados e o mais importante

dos diaacuterios da Corte a eacutepoca Ateacute 1852 o Correio Mercantil era um dos jornais

cariocas com eventual tiragem em francecircs (MENEZES 1965) Alencar passaraacute a

analisar os acontecimentos da semana no rodapeacute da primeira paacutegina da revista

hebdomadaacuteria ldquoPaacutegina Menorrdquo publicada sempre aos domingos No seacuteculo XIX tais

revistas - em formato de folhetins - jaacute satildeo comuns na imprensa nacional

O trabalho de Alencar era reunir diversos assuntos com uma escrita leve e que

chamasse a atenccedilatildeo do puacuteblico Agora mesmo avesso a festas e salotildees de baile -

como o do Cassino Fluminense famoso ponto de encontro onde fluiacuteam amizades e

intrigas liberais e conservadores conversavam serenamente com seu jeito sisudo o

jovem e acanhado jornalista comeccedila a frequentar a sociedade a procura de ideias e

tambeacutem de amigos

Alencar sabia como bom jornalista que por vezes seria preciso natildeo soacute relatar os

fatos mas tambeacutem criaacute-los eacute o caso do desfile de carnaval Desde 1854 a poliacutecia

proiacutebe a praacutetica do entrudo10 no carnaval Em 1855 um grupo de foliotildees animados

por jornalistas do Correio Mercantil em sua maioria resolve por na rua um carnaval

diferente com desfile de banda de muacutesica carros alegoacutericos e cavaleiros nos

moldes do carnaval de Veneza A moda de oacuteperas italianas pelos teatros da cidade

faz com que o estranhamento seja menor pela populaccedilatildeo jaacute familiarizada com os

tipos da comeacutedia italiana como arlequins e colombinas Alencar acompanhando o

entatildeo coronel Polidoro da Fonseca11 e Muniz Barreto proprietaacuterio do Correio

Mercantil vai ao Paccedilo da Quinta da Boa Vista convidar a famiacutelia imperial para o

desfile que viria a passar tambeacutem no Largo do Paccedilo Seria o primeiro destes

desfiles a se apresentar no Rio de Janeiro O imperador comparece e aprecia o

espetaacuteculo D Pedro II poucos anos mais velho que Alencar reconhece naquele

ldquofilho de padrerdquo um pouco da convicccedilatildeo e do ativismo do velho senador Alencar

Poreacutem o fato de Alencar assumir-se ldquoa favor do impeacuteriordquo natildeo quer dizer que morria

de amores por D Pedro II

Em 1855 devido a alguns desentendimentos com a direccedilatildeo do jornal abandona o

Correio Mercantil e sua coluna ldquoAo correr da penardquo que eacute um sucesso na eacutepoca

voltando a militar na advocacia por algum tempo Em outubro do mesmo ano

assume os cargos de gerente e redator-chefe do Diaacuterio do Rio de Janeiro com a

10 O entrudo era uma festa popular oriunda de Portugal Significa literalmente ldquointroduccedilatildeordquo e remonta antigas praacuteticas pagatildes Carnaval de rua que desde os tempos da colocircnia vem sendo proibido pelas autoridades constituiacutedas devido aos constantes excessos do povo Ver por exemplo DAMATTA Roberto Carnavais malandros e heroacuteis Para uma sociologia do dilema brasileiro Rio de Janeiro Rocco 1997 11 Os ldquoFonsecardquo eram uma famiacutelia aleacutem de influente vasta nos quadros do exeacutercito Podemos citar desde alguns heroacuteis da guerra do Paraguai ateacute o grupo que sustenta Deodoro na proclamaccedilatildeo da repuacuteblica Ver para um melhor esclarecimento nota em CARVALHO Joseacute Murilo de A formaccedilatildeo das almas o imaginaacuterio da repuacuteblica no Brasil Satildeo Paulo companhia das letras 1990 p 144

tarefa de reerguer o entatildeo decadente jornal (o primeiro jornal diaacuterio surgido no Rio

de Janeiro12) alavancando suas vendas Jaacute era naquele momento um jornalista com

certo renome e seus textos sugerem influecircncias de autores europeus O modelo

civilizacional francecircs - e isto de comum acordo com a grande maioria dos bachareacuteis

que frequentavam a corte - eram de seu agrado e como muitos outros redatores do

periacuteodo foi dele tambeacutem um divulgador Eacute o ldquoafrancesamentordquo da sociedade

carioca que se manifestava tambeacutem no uso da linguagem pelos jornais Alencar eacute

grande apreciador de Lamartine e leitor de Balzac e Voltaire desde os tempos da

academia em que passava as tardes junto ao dicionaacuterio de francecircs

Nos fins de 1854 vem ao Rio de Janeiro em feacuterias das funccedilotildees de cocircnsul geral na

regiatildeo da Sardenha na atual Itaacutelia o poeta Domingos Joseacute Gonccedilalves de

Magalhatildees - futuro visconde de Araguaia Traz consigo os originais do poema ldquoA

confederaccedilatildeo dos Tamoiosrdquo obra que dizia ele revolucionaria as letras nacionais

Grande amigo de D Pedro II este manda imprimir uma ediccedilatildeo do poema na

conhecida tipografia de Paula Brito13 em rica encadernaccedilatildeo o que jaacute era um motivo

para que o proclamado poema fosse lido O assunto gira em torna das lutas dos

Tamoios com portugueses em meados do seacuteculo XVI no litoral fluminense e paulista

exaltando o quanto podia as figuras histoacutericas do periacuteodo As criacuteticas foram

unacircnimes o poema era ndash segundo comentadores do periacuteodo como Alexandre

Herculano e Gonccedilalves Dias ndash uma grande decepccedilatildeo Alencar oculto pelo

pseudocircnimo Ig14 investe criticamente sobre o poema classificando-o de mediacuteocre

em uma seacuterie de oito cartas publicadas em sua coluna no Jornal Seria este o

primeiro debate substancioso sobre literatura travado no Brasil e de certa forma a

primeira querela envolvendo o artista e o imperador

12 Interessante lembrar que o Diaacuterio do Rio de Janeiro chega a ser apontado como subversivo por

Joseacute Bonifaacutecio que manda averiguar o teor do ldquoescritos incendiaacuteriosrdquo ali publicados em 1822(COSTA 1999 p71) No Diaacuterio seriam publicados artigos contraacuterios agrave monarquia constitucional Alencar era assumidamente um conservador 13 Paula Brito eacute editor e dono de tipografia um conhecido ponto de encontro de intelectuais e poliacuteticos do periacuteodo Mulato de origem pobre assim como Machado de Assis eacute mais um indicativo de que nas letras nacionais a poliacutetica de segmentaccedilatildeo racial era mais amena 14 Menezes comenta em uma nota que tendo o Imperador esquecido de convidar o Alencar para a leitura da ldquoConfederaccedilatildeo dos Tamoiosrdquo em seccedilatildeo no gabinete imperial este viria a se tornar um criacutetico ferrenho de Magalhatildees Nos parece um reducionismo a implicacircncia do Alencar natildeo chega a tanto e sua capacidade como escritor e poliacutetico mostra bem sua capacidade

A carta aberta eacute comum na imprensa do periacuteodo Um comentador coloca suas

opiniotildees de maneira direta e soacutebria com o intuito de publicitar um assunto Um

debate aberto por vezes uma provocaccedilatildeo E o direito de resposta era concedido

prontamente O assunto se tornado interessante era esperado pelos leitores

A maior parte das criacuteticas se refere agrave gramaacutetica e a metrificaccedilatildeo O poeta Arauacutejo

Porto-Alegre cognominado ldquoO amigo do poetardquo sai em defesa de Magalhatildees

Alencar rebate e a esta altura Ig natildeo seria mais um desconhecido Porto-Alegre

chega a transparecer que a peleja do Alencar natildeo seria contra o preterido poeta

mas um ataque indireto ao seu protetor D Pedro II Alguns outros aparecem pelas

paacuteginas do jornal apoiando tropegamente poema e poeta Alencar segue firme e o

imperador assume a pena sob o codinome de ldquoOutro amigo do poetardquo Escreve seis

artigos que Alencar responde com airosidade O imperador pede a opiniatildeo favoraacutevel

de alguns amigos sobre o poema mas nem as criacuteticas encaminhadas por Gonccedilalves

Dias e Alexandre Herculano conseguem convencer D Pedro II do contraacuterio que

Magalhatildees natildeo era tatildeo bom assim Torna-se entatildeo uma guerra puacuteblica de teimosos

Alencar no mesmo ano reuacutene em livro as cartas publicadas sobre A confederaccedilatildeo

dos tamoios No ano seguinte Magalhatildees publica uma segunda ediccedilatildeo do poema

que D Pedro II promove agora chegando a pagar a publicaccedilatildeo de duas traduccedilotildees

para o idioma italiano da obra O imperador incentiva a pesquisa e publicitaccedilatildeo de

trabalhos que enfatizam essa mitologia romacircntica do indigeniacutesmo mas natildeo significa

que esteja preocupado com a esteacutetica literaacuteria Suas razotildees estatildeo mais proacuteximas do

campo poliacutetico como tambeacutem o seria com sua relaccedilatildeo com o instituto histoacuterico e

geograacutefico ao qual era o maior patrocinador Era o momento de solidificar os

siacutembolos da nova naccedilatildeo e o indigeniacutesmo aleacutem de tudo se caracteriza por ser um

movimento antilusitano (ROMANCINI 2007)

Sobre o texto de Magalhatildees o puacuteblico aparentemente se cansa da peleja e Alencar

como redator do jornal precisa procurar mateacuteria mais interessante e a contenda se

dissipa no tempo Mas esta seria a primeira de uma seacuterie de desavenccedilas

envolvendo o Imperador e Alencar

Em dezembro de 1856 Alencar termina seu primeiro livro distribuiacutedo para os leitores

do Diaacuterio do Rio de Janeiro como um presente no Natal No ano seguinte publica o

primeiro folhetim15 de O guarani no Diaacuterio e depois em livro organizado em quatro

volumes e os primeiros capiacutetulos de A viuvinha em folhetim O sucesso de O

guarani eacute tamanho que vaacuterias portas satildeo abertas para o escritor Eacute neste ano que

Alencar ingressa no teatro com sua peccedila ldquoO Rio de Janeiro verso e reversordquo em

novembro estreia com ldquoO democircnio familiarrdquo e ainda em dezembro do mesmo ano a

comeacutedia ldquoO creacuteditordquo A sociedade apresentada nos palcos do Rio de Janeiro para

Alencar natildeo seria aquela que ele via nas ruas Seu modelo era a ldquosociedaderdquo

francesa Comenta assim em uma crocircnica

(hellip) a verdadeira comeacutedia a reproduccedilatildeo exata e natural dos costumes de uma eacutepoca a vida em accedilatildeo natildeo existe no teatro brasileiro Natildeo achando pois em nossa literatura um modelo fui buscaacute-lo no paiacutes mais adiantado em civilizaccedilatildeo e cujo espiacuterito tanto se harmoniza com a sociedade brasileira na Franccedila Fui feliz o puacuteblico ilustrado foi mais beneacutevolo do que eu esperava e merecia O Democircnio Familiar escrito conforme a escola de Dumas Filho sem lances cediccedilos sem gritos sem pretensatildeo teatral agradourdquo (MENEZES 1977 p 135)

No exposto entendemos que Alencar buscava um modelo ldquomelhorrdquo segundo ele

para a sociedade carioca O modelo francecircs de certa forma jaacute impregnado na

sociedade da Corte eacute agora validado pela arte e aplaudido pelo grupo Tal modelo

como afirma natildeo estava na literatura dramaacutetica nacional A vida em accedilatildeo natildeo existe

no teatro A questatildeo eacute qual seria essa vida que Alencar buscava A das ruas

imundas do Rio de Janeiro dos escravos que recolhiam os dejetos na cidade da

incipiente induacutestria nacional Certamente natildeo

A peccedila de maior aceitaccedilatildeo puacuteblica eacute ldquoO democircnio familiarrdquo e a mais divulgada de

suas comeacutedias Machado de Assis em um artigo qualifica a peccedila ldquoO democircnio

familiarrdquo como um retrato da famiacutelia brasileira no periacuteodo com sua caracteriacutestica ndash

segundo ele ndash paz domeacutestica O texto circula tambeacutem em versatildeo impressa com uma

dedicatoacuteria agrave imperatriz D Teresa Cristina o que chega a ser considerado uma gafe

de Alencar sendo a personagem principal o referido democircnio familiar um moleque

chamado Pedro assim como D Pedro II (e tambeacutem D Pedro I ) Na estreia do

espetaacuteculo no Teatro do Ginaacutesio comparecem D Teresa e D Pedro II que chega a

se irritar com os olhares maliciosos e risadas do puacuteblico a cada travessura do

15

Alencar estava - de certa forma - na vanguarda da miacutedia O folhetim foi uma invenccedilatildeo de Gustave

Planche no dececircnio de 1820 na Franccedila introduzindo uma forma diferenciada agrave narrativa do romance Era um modelo que agradou e ajudou a construir popularidade para Alencar Ver CAcircNDIDO Antocircnio Literatura e Sociedade 9ordf Ed Rio de Janeiro Ouro sobre Azul 2006 p 43

escravo no palco Segundo esse autor se origina daiacute e natildeo do episoacutedio da

Confederaccedilatildeo dos Tamoios as diferenccedilas entre o imperador e Alencar De qualquer

forma natildeo se pode deixar de ver Joseacute de Alencar como um implicante

Em 30 de maio de 1858 no teatro do Ginaacutesio Dramaacutetico estreia a comedia ldquoAs asas

de um anjordquo Depois da terceira apresentaccedilatildeo puacuteblica o texto eacute proibido pelo chefe

de poliacutecia Alencar vem a puacuteblico atraveacutes do Diaacuterio questionar a arbitrariedade e

apresentar sua defesa Questiona como um espetaacuteculo aprovado anteriormente pela

censura (apresenta-las anteriormente aos censores era o procedimento padratildeo)

poderia ser logo depois proibido Diz o autor ter se baseado em uma peccedila de

Alexandre Dumaacutes Filho sobre uma prostituta jaacute tendo sido o espetaacuteculo

apresentado no mesmo teatro semanas a fio sendo assim bem conhecida do

puacuteblico Apresenta ali seus argumentos e motivos repetindo que natildeo entende como

um texto que ele mesmo admite eacute adaptado de um romance europeu ndash a dama das

cameacutelias - que apresenta jaacute a eacutepoca relativo sucesso de puacuteblico no teatro pocircde ser

censurado Eacute ali que Alencar entende da pior maneira que a sociedade carioca de

entatildeo natildeo aceita ser confrontada com uma caracterizaccedilatildeo tatildeo realista de seus

costumes Havia assuntos ainda difiacuteceis de discutir Eacute interessante nos determos um

pouco aqui para analisar o confronto do autor com a censura Alencar se sente

intimamente ofendido com a proibiccedilatildeo e parte para sua defesa puacuteblica fazendo o

que sabe fazer mobilizar a opiniatildeo puacuteblica atraveacutes do jornal

Em 28 de junho de 1858 Alencar puacuteblica no Diaacuterio do Rio de Janeiro um artigo que

viria a ser uma espeacutecie de ldquodireito de defesardquo a censura do espetaacuteculo16 Eacute

interessante no sentido de que podemos ter uma visatildeo ampla da censura praticada

pelas instituiccedilotildees puacuteblicas no periacuteodo imperial Eacute ndash inicia a carta indicando ndash o seu

direito e dever como escritor Alencar se diz indiferente a ldquopuniccedilatildeordquo e explica que tal

somente serviraacute para ldquoexcitar a curiosidade puacuteblicardquo por isso vem a puacuteblico

defender-se apenas por que se diz um defensor da moral e natildeo quer manchar sua

imagem aceitando passivamente a (afirma) injusticcedila Natildeo pretende fugir a puniccedilatildeo e

afirma que ldquose quiser dar-lhe maior publicidade tenho ainda um meio a imprensa

16

Artigo transcrito na seccedilatildeo ldquoensaios literaacuteriosrdquo em ALENCAR Joseacute de Teatro completo Rio de

Janeiro Serviccedilo Nacional de Teatro 1977 As referecircncias entre aspas satildeo todas do artigo

que natildeo estaacute sujeita agrave censura policialrdquo A peccedila conta havia sido liberada por meio

de despacho especiacutefico pela poliacutecia em 25 de maio e pelo Conservatoacuterio Dramaacutetico

ainda em janeiro o que jaacute indica uma contradiccedilatildeo Dentre as causas estipuladas

pela lei para a proibiccedilatildeo de espetaacuteculo teatral estavam o ataque agraves autoridades

constituiacutedas o desrespeito agrave religiatildeo e a ofensa agrave moral puacuteblica que no entender do

jornalista seria o motivo da proibiccedilatildeo

Alencar afirma ter pensado bastante na reaccedilatildeo que o puacuteblico teria sobre o tema e

afianccedila ter se baseado em obras dramaacuteticas filhas da chamada ldquoescola realistardquo que

vem de Paris e que tecircm sido representadas em nossos teatros sende ele mesmo

um dos espectadores Mas sustenta ldquoesqueci-me que o veacuteu que para certas

pessoas encobre a chaga da sociedade estrangeira rompia-se quando se tratava de

esboccedilar a nossa proacutepria sociedaderdquo (ALENCAR 1977 p 227) Afirma que o puacuteblico

da Corte assistindo a ldquoA dama das Cameacuteliasrdquo ou agraves ldquoMulheres de Maacutermorerdquo cada

um toma Margarida Gauthier e Marce satildeo apenas duas moccedilas um pouco

estravagantes mas quando se transpotildee a questatildeo para o Brasil em As asas de um

anjo o espectador encontra a realidade diante de seus olhos e espanta-se sem

razatildeo de ver no teatro sobre a cena o que vecirc todos os dias na rua e nos passeios

Mas o que seria imoral O que motivaria tal ato da poliacutecia Alencar explica que eacute

imoralidade o ato que a moral reprova Alencar se defende dizendo que sua intenccedilatildeo

era a pretenccedilatildeo de mostrar uma liccedilatildeo para os pais de famiacutelia sobre a necessidade

de cuidarem da educaccedilatildeo moral de seus filhos de constituiacuterem-se enquanto famiacuteias

Sustenta que em sua tese natildeo haacute aiacute uma soacute personagem que natildeo represente uma

ideia social que natildeo tenha uma missatildeo moralizadora Natildeo eacute ele quem nos

apresenta diz eacute a proacutepria sociedade E as instituiccedilotildees puacuteblicas criam um

impedimento para que o grupo possa comfrontar sua realidade eacute mais uma barreira

constriacuteda como podemos observar entre o povo (rebelde inculto imoral) e a elite

que soacute observa isso de sua cadeira ou camarote estando distante de tudo

Alencar se desgosta com aquilo e abandona logo depois o Diaacuterio do Rio de Janeiro

e a dramaturgia (pelo menos por enquanto) voltando a se dedicar ao Direito e a seu

trabalho como advogado no escritoacuterio do Dr Caetano Alberto E agora com clientela

vasta Ao longo do periacuteodo imperial com a estabilidade da economia e um maior

(ainda pouco) desenvolvimentos das cidades aparecem outros caminhos para o

trabalho que natildeo somente a burocracia mas a grande maioria dos profissionais

liberais natildeo consegue manter-se Apesar do desenvolvimento da advocacia do

magisteacuterio da medicina do jornalismo muitos destes profissionais liberais ndash o caso

de Alencar ndash encampam duas profissotildees ao mesmo tempo como forma de

sobrevivecircncia ou de esperar ser alcanccedilado pelo braccedilo sedutor do emprego puacuteblico

Para Neto (2006) a produccedilatildeo literaacuteria de Alencar natildeo estaacute desvinculada de sua

personalidade um tanto depressiva e afastada da vida noturna da capital lugar

comum para poliacuteticos e jornalistas - vaacuterios deles conhecidos por Alencar que

preferia a tranquilidade de sua propriedade na periferia onde recebia alguns poucos

amigos Ali entre seus livros dedicava-se a leitura de cronistas e historiadores e a

pesquisa sobre a histoacuteria poliacutetica dos seacuteculos XVIII e XIX Tais leituras teriam levado

Alencar a um aprofundamento de sua reflexatildeo criacutetica sobre a realidade brasileira e

os padrotildees de comportamento da sociedade e das instituiccedilotildees que a constituem e

da famiacutelia burguesa em particular

13 MILITAcircNCIA POLIacuteTICA

Em dezembro de 1858 quando Nabuco de Arauacutejo assume o cargo de Ministro e

Secretaacuterio de Estado dos Negoacutecios da Justiccedila trata logo de promover uma reforma

interna neste e o nome de Alencar eacute lembrado para uma diretoria de Seccedilatildeo na

Secretaria de Estado dos Negoacutecios da Justiccedila Depois de alguns meses no cargo

solicita a um amigo do partido conservador o entatildeo conselheiro Euseacutebio de Queiroz

uma melhoria em seu cargo Em maio de 1859 seu pedido eacute aceito e agora como

consultor recebe o tiacutetulo de conselheiro com seus 30 anos Comeccedila o gosto pela

poliacutetica que estava desde sempre segundo Alencar em sua famiacutelia No mesmo ano

que entra para o ministeacuterio eacute nomeado professor de direito mercantil do Instituto

Mercantil no Rio de Janeiro Ao mesmo tempo publica vaacuterios trabalhos juriacutedicos de

reconhecido valor que alcanccedilam segundas e terceiras ediccedilotildees o que prova que o

texto de Alencar era procurado e lido que conseguiu sucesso como autor ainda em

sua juventude (algo dificilmente alcanccedilado mesmo hoje)

A poliacutetica assim dizia o Alencar era como uma religiatildeo em sua famiacutelia e o desejo

por uma cadeira na Assembleia jaacute eacute latente Mas em sua primeira candidatura em

1856 para uma cadeira de deputado geral pela proviacutencia do Cearaacute na primeira

eleiccedilatildeo por distritos natildeo eacute eleito na ocasiatildeo (ALENCAR 2009) Em 15 de marccedilo de

1860 tem outro desgosto falece o velho senador Alencar seu pai Talvez a uacuteltima

chance de associaccedilatildeo aos quadros do Partido liberal No mecircs seguinte comeccedila

uma correspondecircncia com amigos no Cearaacute jaacute no intuito de buscar uma candidatura

para deputado Em novembro e ainda trajando luto17 embarca para Fortaleza onde

busca amigos e correligionaacuterios para iniciar sua campanha pelo partido conservador

nas periferias da capital cearense Com a quantidade limitada de eleitores pela

legislaccedilatildeo vigente em poucos dias consegue-se conversar com um significativo

percentual de eleitores Apesar de seu pai ser um grande nome do partido liberal e

mesmo Alencar sendo o redator-chefe do Diaacuterio do Rio de Janeiro folha

declaradamente liberal o partido natildeo sugeriu uma filiaccedilatildeo ou a possibilidade de

concorrer a algum cargo puacuteblico fato que seraacute lembrado posteriormente com certa

amargura Talvez com os liberais Alencar pudesse exercitar melhor sua ojeriza por

D Pedro II que jaacute era manifesta a eacutepoca Talvez pelo mesmo motivo o partido natildeo

o desejasse em suas linhas A tatildeo falada homogeneidade de pensamento entre

liberais e conservadores se aplica aqui onde algueacutem que pudesse desagradar o

imperador seria um filho sem pai O que Alencar jaacute sabia era que se natildeo

conseguisse apoio de alguma lideranccedila poliacutetica ndash de um lado ou de outro -

provavelmente natildeo seria eleito Foi o que aconteceu no primeiro pleito Alencar

entatildeo se ldquoapadrinhardquo de Euseacutebio de Queiroz e com o apoio deste e do grupo

conservador eacute eleito para a Cacircmara em 1861

Os principais partidos do periacuteodo o liberal e o conservador apresentavam algumas

diferenccedilas importantes O professor Bonavides consegue uma caracterizaccedilatildeo

abrangente para o periacuteodo de nosso recorte

17 O traje de luto para meados do seacuteculo XIX era conservado por um tempo relativamente grande

quando se tratava de um familiar proacuteximo Poreacutem pode ter funcionado como uma ferramenta

importante na construccedilatildeo de um personagem para sua campanha poliacutetica Ele eacute praticamente um

desconhecido no Cearaacute Eacute preciso mostrar-se como cristatildeo bom filho etc

Os liberais do Impeacuterio exprimiam na sociedade do tempo os interesses urbanos da burguesia comercial o idealismo dos bachareacuteis o reformismo progressista das classes sem compromissos diretos com a escravidatildeo e o feudo

Os conservadores pelo contraacuterio formava o partido da ordem o nuacutecleo das elites satisfeitas e reacionaacuterias a fortaleza dos grupos econocircmicos mais poderosos da eacutepoca os da lavoura e pecuaacuteria compreendendo plantadores de cana-de-accediluacutecar cafeicultores e criadores de gado (BONAVIDES 2000 p491)

Tambeacutem Ilmar Mattos (1987) afirma que a diferenccedila entre ldquoLuzias e Saquaremasrdquo jaacute

estava demarcada desde as revoltas liberais do periacuteodo regencial Poreacutem como os

partidos poliacuteticos ainda natildeo havia desenvolvido suficiente forccedila enquanto instituiccedilatildeo

e ainda natildeo haviam desenvolvido sua configuraccedilatildeo atual geralmente os interesses

pessoais (e as ideias) determinavam as accedilotildees dos poliacuteticos Joseacute Murillo de

Carvalho (2007) sustenta a posiccedilatildeo dos magistrados tipicamente centrados no

partido conservador tanto quanto o clero no partido liberal tendo o grupo dos

militares preferido manter certa neutralidade e por fim um ldquogrupo ascendente de

profissionais liberais formando a ala ideoloacutegica do Partido Liberal e o nuacutecleo do

Partido Republicano do Rio de Janeirordquo (CARVALHO 2007 p 225) Nas cartas

Alencar sustenta que ldquoera do comeacutercio portuguecircs e aderecircncias que o partido

conservador tirava principalmente sua forccedila e os recursos com que sustentava a

lutardquo e mais adiante afirma que ldquoo partido conservador servia-se da induacutestria para

subir ()rdquo (ALENCAR 2011 p63) Em sua quase totalidade estes homens eram

representantes de uma sociedade patriarcal europeizada escravagista e machista

Tais homens partilhavam desse universo cultural que inclusive os caracterizava

independente do partido a que estavam filiados E quantas vezes tais interesses natildeo

se confundiam com a vontade do imperador - figura maior que muitos queriam

agradar e poucos tinham coragem de desagradar Bonavides (2000) citando Rui

Barbosa diz que os dois partidos na praacutetica se resumiriam em um soacute o partido do

poder Faoro (2004) tambeacutem sustenta que no segundo reinado a partir de 1836 a

histoacuteria poliacutetica brasileira se resumiria aos dois grandes partidos o liberal e o

conservador A conciliaccedilatildeo foi algo como uma orientaccedilatildeo um acordo intrapartidaacuterio

ou mesmo uma coligaccedilatildeo e natildeo outro partido A liga que eacute tida como a associaccedilatildeo

geradora do partido progressista foi uma organizaccedilatildeo primaacuteria dessa lideranccedila que

tem seu teacutermino com a deposiccedilatildeo de Zacarias de Goacuteis em 1868 tendo seus filiados

se rearranjado entre liberais e conservadores As discussotildees entre as diferenccedilas

ideoloacutegicas dentro dos partidos excedem a pretensatildeo deste trabalho O que

modestamente se sustenta aqui eacute que a filiaccedilatildeo partidaacuteria se dava a princiacutepio natildeo

como resultado de um aceite pelo ator poliacutetico da base ideoloacutegica do partido ndash se eacute

que houvesse uma O partido conservador por exemplo nunca chegou a escrever

um manifesto ou coisa que o valha ndash mas a suas necessidades pessoais suas

pretensotildees sociais e para seu favorecimento econocircmico Para efeito geral

acompanharemos a anaacutelise de Carvalho

A complexidade dos partidos se refletia naturalmente na ideologia e no comportamento poliacutetico de seus membros dando agraves vezes ao observador desatento a impressatildeo de ausecircncia de distinccedilatildeo entre eles Um exame embora sumaacuterio de alguns problemas cruciais enfrentados pelos poliacuteticos do Impeacuterio pode no entanto mostrar tanto as divergecircncias interpartidaacuterias como intrapartidaacuterias (CARVALHO 2007 p 219)

Em Janeiro ao se realizarem as eleiccedilotildees secundaacuterias Joseacute Martiniano de Alencar

Filho eacute eleito pelo 1ordm distrito (tendo segundo um comentaacuterio seu obtido tambeacutem 30

votos dos cerca de 220 eleitores liberais) no Cearaacute junto a outros seis candidatos de

seu partido Em 23 de maio inicia seus trabalhos na corte O cargo de deputado eacute

um importante comeccedilo para a vida puacuteblica

Apesar de eleitos por um periacuteodo de quatro anos frequentemente conseguiam ser reeleitos para vaacuterias legislaturas ou detinham importantes cargos administrativos Muitos encontraram na Cacircmara um caminho faacutecil para o Senado e o Conselho de Estado Assim como os conselheiros de Estado e os senadores os deputados pertenciam a uma rede poliacutetica de clientela e patronagem que utilizavam tanto em seu proacuteprio benefiacutecio quanto no de seus amigos e protegidos (COSTA 1999 p 141)

Ainda sobre o assunto uma interessante anotaccedilatildeo de Tavares Bastos em seu diaacuterio

pessoal nos ilustra bem a posiccedilatildeo de ldquoclientelardquo a que os deputados estavam

submetidos Referindo-se ao fim de setembro 1869 comenta sobre uma reuniatildeo dos

senadores liberais autorizando Zacarias de Goacuteis a prosseguir negociaccedilotildees sobre o

orccedilamento com Cotegipe ministro da Marinha Ao redigir a informaccedilatildeo refere-se

aos senadores que compotildee uma fraccedilatildeo do partido denominada progressista ndash critica

ou ceticamente - como ldquoos nossos chefesrdquo (ABREU 2007 p122) Disto podemos

deduzir e ainda segundo o depoimento de Costa que Alencar tambeacutem natildeo eacute

nenhum ldquoheroacuteirdquo do Brasil Quer o cargo puacuteblico como uma seguranccedila que garanta

uma rede de relacionamentos necessaacuteria a permanecircncia nesta periferia da elite

com vistas a uma posterior promoccedilatildeo

Quando do iniacutecio dos trabalhos todos os olhares estavam postos sobre Alencar

Romancista e dramaturgo jaacute famoso jornalista respeitado filho de importante

Senador que chegara a orador do Senado na coroaccedilatildeo do Imperador a casa estava

cheia de expectativa para a fala inicial No calor da hora a emoccedilatildeo lhe sobe a

cabeccedila O discurso proferido tatildeo aguardado foi um grande fiasco com momentos

de indecisatildeo e certa disfemia Eacute aos poucos que a palavra lhe vai acontecendo vai

achando seu lugar na tribuna durante o mandato Os argumentos a reacuteplica sempre

pronta o exerciacutecio parlamentar vai construindo o personagem poliacutetico Joseacute de

Alencar que chega a ser um dos mais respeitados oradores da cacircmara A

humilhaccedilatildeo nos primeiros dias arranha um pouco do orgulho e da habitual

arrogacircncia do escritor para depois se constituir em um aprendizado decisivo do

poliacutetico

Em 13 de maio de 1863 eacute dissolvida a Cacircmara Alencar sentindo a doenccedila faz

algumas viagens de repouso fora do Rio de Janeiro De volta agrave Corte passa a morar

na Tijuca e diminui o ritmo da produccedilatildeo literaacuteria atendendo a conselhos meacutedicos Ali

conhece aquele que viria a ser um grande amigo o meacutedico Dr Thomaz Cochrane18

de quem posteriormente toma a filha em casamento Georgiana Augusta Cochrane

Em 1865 nasce seu primeiro filho Augusto

De temperamento arredio dado mesmo a solidatildeo com a dedicaccedilatildeo ao trabalho

redobrada agora pela necessidade de sustentar uma casa natildeo sendo um associado

do Instituto Histoacuterico e Geograacutefico natildeo sendo frequentador assiacuteduo de salotildees ou da

livraria do Paula Brito como outros literatos vai desligar-se ainda das poucas

relaccedilotildees sociais que tem Fecha-se na famiacutelia e para si Eacute o ano em que publica as

primeiras cartas de Erasmo dirigidas ao Imperador

18

Que natildeo eacute o Almirante Cochrane militar contratado por D Pedro I para ldquomassacrarrdquo rebeldes

revolucionaacuterios pelo Brasil afora

Em novembro de 1865 comeccedilam a aparecer nas livrarias do Rio de janeiro uma

seacuterie de ldquocartas abertasrdquo publicadas sempre as terccedilas-feiras endereccediladas ao D

Pedro II e assinadas com o pseudocircnimo de Erasmo mas logo se soube que o autor

era o deputado Alencar A procura pelos folhetins era imensa Havia quem

esperasse a chegada de um vendedor pelas ruas para adquirir seu exemplar19 O

proacuteprio imperador natildeo deixava de estar atento a cada nova carta era como mais um

sucesso literaacuterio Publica tambeacutem em 1866 ldquoOs partidosrdquo em formato de livro mas

discutindo as mesmas questotildees e de forma menos informal

As cartas continham um conjunto de denuncias sobre as irregularidades na poliacutetica e

no procedimento eacutetico dos poliacuteticos Falam do poder moderador da situaccedilatildeo

financeira do paiacutes natildeo haacute assunto que escape ao jornalista Posteriormente

endereccedila outra carta esta ao Visconde de Itaboraiacute ex-Ministro dos Negoacutecios e da

Fazenda uma carta sobre a crise financeira em que tece vaacuterios elogios a este e

mais uma endereccedilada ao Marquecircs de Olinda De julho a agosto publica uma seacuterie

de cartas ao povo20 Alencar se coloca sempre e antes como um pensador da

poliacutetica Algueacutem que observa e indica um caminho para a naccedilatildeo e sua condiccedilatildeo de

jornalista eacute decisiva passa isso Deve-se ter em conta que um pensador poliacutetico eacute

algueacutem que observa contextos comportamentos e instituiccedilotildees e a partir de disputas

retoacutericas em torno de tais conceitos e que busca criticar o poder instituiacutedo e as

justificativas que este toma para continuar no poder

Alguns fatos satildeo modelares para mostrar o desinteresse de Alencar pela sua

valorizaccedilatildeo enquanto uma personagem social preferindo ser identificado enquanto

escritor Prefere as letras e a tranquilidade de seu recanto agrave vida social que poderia

ter na Corte Um exemplo disto eacute o episoacutedio da condecoraccedilatildeo Em 1867 o Alencar

por decreto imperial eacute agraciado com o oficialato da Ordem da Rosa pelos

relevantes serviccedilos prestados agraves letras no paiacutes Um agrado da parte de D Pedro II

feito sem que houvesse uma solicitaccedilatildeo ou concurso A poliacutetica de condecoraccedilotildees eacute

19 Eacute o depoimento de Barros Pimentel que demonstra como o o folhetim foi um meio importante de

divulgaccedilatildeo no periacuteodo

20 As cartas seratildeo analisadas em capiacutetulo a parte

basicamente a mesma dos tiacutetulos nobiliaacuterquicos brasileiros formas de cooptaccedilatildeo de

elementos da elite para o ldquopartidordquo do Imperador Nos anos finais do impeacuterio D

Pedro II agraciaria vaacuterios fazendeiros com a ordem da Rosa pela iniciativa destes

em libertar seus escravos (NOVAIS 1997) Alencar sem um motivo aparente

recusa a condecoraccedilatildeo publicamente solicitando ao redator do Jornal do Comeacutercio

que publicite sua decisatildeo Eacute mais uma alfinetada em D Pedro II que a princiacutepio

busca trazer Alencar para seu grupo mais proacuteximo A caminhada na carreira poliacutetica

vai se tornando ldquocomplicadardquo com tais atitudes de intransigecircncia pelo menos para

algueacutem dentro do partido conservador que almeja seguir adiante

Em 1868 estaacute agrave frente do governo o gabinete liberal presidido por Zacarias de Goacuteis e

Vasconcelos Por conta de alguns desentendimentos entre Zacarias e o marquecircs de

Caxias jaacute tomado como um heroacutei por sua atuaccedilatildeo na guerra do Paraguai D Pedro

II eacute impelido pela imprensa a tomar algum lado na rinha e cai o gabinete Sobem

entatildeo os conservadores sob a chefia do visconde de Itaboraiacute O nome de Alencar eacute

proposto para o Ministeacuterio da Justiccedila e sob o espanto de muitos aprovado pelo

imperador D Pedro estaria tentando amarrar uma ponta da corda que tinha agraves

matildeos no pescoccedilo do teimoso literato Alencar reluta num primeiro momento mas

depois de seu ego ter sido acariciado por algumas visitas de partidaacuterios como o

baratildeo de Muritiba e o Conselheiro Paulino de Souza - falando em nome do Futuro

presidente do Conselho - resolve por bem aceitar o cargo O ministeacuterio apelidado

ldquogabinete-bombardquo toma posse em 16 de julho Eacute composto por aleacutem da figura do

Presidente do Conselho e Ministro da Fazenda o Visconde de Itaboraiacute Joaquim

Rodrigues Torres Paulino Joseacute Soares de Souza como Ministro do Impeacuterio Joseacute de

Alencar Ministro da Justiccedila Joseacute Maria Paranhos o visconde do Rio Branco

Ministro dos Estrangeiros Joatildeo Mauriacutecio Mariani Wanderley o baratildeo de Cotegipe

Ministro da Marinha Manoel Vieira Tosta o visconde de Muritiba Ministro da Guerra

e Joaquim Antatildeo Fernandes Leatildeo Ministro da Agricultura Comeacutercio e Obras

Puacuteblicas A ascensatildeo dos conservadores eacute um fato consumado Alencar eacute aleacutem de

tudo o ministro mais jovem do gabinete mas aos olhos do Imperador natildeo era um

inexperiente D Pedro II parece natildeo se importar com a presenccedila do autor das

Cartas de Erasmo antes se comporta como um admirador da obra de Alencar

Mudanccedilas haacute mas nem tanto As figuras de Rodrigues Torres e Paulino que ndash

segundo Ilmar Mattos (1987) seriam o braccedilo forte da chamada ldquotrindade saquaremardquo

- por tanto tempo estiveram a frente do poder retornam agora com a

responsabilidade de reorganizar a casa Ao mesmo tempo e ateacute como uma forma

de equiliacutebrio de forccedilas D Pedro II tambeacutem tinha seu jeito de se resguardar das

pressotildees exercidas pelas elites no poder e da influecircncia de seus associados e

apadrinhados Em muitos momentos leva a lideranccedila do gabinete homens sem

propriedades lideres com ascendecircncia humilde portanto natildeo diretamente atrelados

aos interesses de grupos poderosos desatados dos laccedilos familiares ou

ldquopatronagemrdquo com fazendeiros e comerciantes ligados ao traacutefico e a exportaccedilatildeo

como Saraiva Zacarias o Visconde de Ouro Preto o marquecircs de Paranaacute entre

outros Eles que estariam mais proacuteximos ao imperador seriam tambeacutem uma ultima

barreira de contenccedilatildeo dos movimentos em prol da diminuiccedilatildeo dos poderes da

monarquia (COSTA 1999) O movimento republicano soacute toma corpo em 1873 e

adiante mas as rusgas que o poder moderador incita no parlamento jaacute se fazem

presentes Alencar no ministeacuterio trabalha com o afinco que sempre daacute a seus

afazeres Isso natildeo eacute uma novidade No ano de 1868 publica tambeacutem ldquoO systema

representativordquo obra em que discute o processo eleitoral como a base de um

governo representativo Nem seria tambeacutem uma novidade o ministro colecionar

desafetos no periacuteodo em que estaacute no cargo Deputados colegas ministros oficiais

natildeo estatildeo livres do temperamento singular de Alencar

As relaccedilotildees do imperador com seu ministro da justiccedila satildeo cordiais poreacutem

complicadas Alencar reclama que D Pedro II em tudo se intromete ndash mais tarde diraacute

que eacute um haacutebito deste e tambeacutem dos outros ministros ndash nos assuntos do Estado Agraves

vezes como um menino curioso que de tudo quer saber outras vezes como um pai

zeloso que se preocupa com seus filhos sendo ldquomaltratadosrdquo pelo ministro chegado

em alguns casos extremos a lembrar de que ele eacute o imperador e eacute quem manda na

casa (MENESES 1977) Um dos haacutebitos de D Pedro eacute o envio de bilhetes para o

ministro Satildeo comentaacuterios questotildees relevantes (ou natildeo) indiscriccedilotildees e

apontamentos que constantemente acompanham os despachos de Alencar

Algumas vezes se diz preocupado com a imprensa e os assuntos gerais em outras

solicita informaccedilotildees sobre processos de funcionaacuterios puacuteblicos e sobre o andamento

das eleiccedilotildees Alencar natildeo faz por menos redigindo tambeacutem os seus bilhetes em

tom cordial e respeitoso mas sempre como um embate de forccedilas tentando

demarcar seu campo de atuaccedilatildeo ou impor limites ao outro Natildeo eacute esta uma praacutetica

do restante do grupo que na acomodaccedilatildeo burocraacutetica a que o partido conservador

se acostuma acaba deixando reverter uma formula antiga para o imperador que

recostado na condiccedilatildeo que lhe permitia o poder moderador apesar de dizer que

ldquodeixa a maacutequina andarrdquo ainda reina governa e administra (FAORO 2004) A

tambeacutem o fato de que D Pedro II prefere morar no paccedilo de Satildeo Cristoacutevatildeo ao Paccedilo

da cidade e os ministros precisavam cavalgam ateacute laacute duas vezes na semana para

os despachos coisa que Alencar abomina - considera uma perda de tempo - aleacutem

de reclamar das ldquofutilidadesrdquo que satildeo obrigados a discutir no lugar de tomar o tempo

com alguma providecircncia importante para o paiacutes como os rumos da Guerra do

Paraguai

Certa feita o imperador encaminha preocupado um bilhete pedindo esclarecimentos

de notiacutecias vinculadas nos jornais sobre o recrutamento de (in)voluntaacuterios para a

guerra do Paraguai pelo paiacutes afora A prisatildeo para recrutamento era uma realidade e

por vezes usada como uma forma do partido da situaccedilatildeo ldquodesaparecerrdquo com

elementos da oposiccedilatildeo Com tal pretexto satildeo escolhidos no periacuteodo

propositalmente os indiviacuteduos simpatizantes do partido liberal Alencar dias depois

encaminha circular tentando normalizar as coisas e coibir abusos por parte dos

presidentes das proviacutencias e autoridades policiais que usavam de tal artifiacutecio para

uma ldquofaxinardquo poliacutetica no eleitorado As preocupaccedilotildees do imperador se

fundamentavam nestas accedilotildees correntes como bem sugeria em outro bilhete onde

dizia ldquo() eu sei infelizmente o que satildeo as eleiccedilotildees entre noacutesrdquo buscando sempre

providencias para que houvesse alguma melhora dentro do possiacutevel e tambeacutem

buscando ldquo(hellip) inteira liberdade de voto conforme nossos maus haacutebitos o permitem

por hora mas dando a autoridade o bom exemplordquo (MENEZES 1965 p133) Mas o

imperador natildeo desconhecia que as eleiccedilotildees pouco refletem a vontade do povo

oprimido do interior que ainda eacute refeacutem do poder poliacutetico local nas matildeos dos

senhores de terras no interior ndash em sua maioria apoiados pelo partido liberal

(CARVALHO 2007) A praacutetica do voto jaacute previamente indicado com a ceacutedula ldquochapa

de caixatildeordquo21 ainda garantia o patildeo para o sustento das famiacutelias (FAORO 2004)

Vaacuterias mudanccedilas satildeo tentadas no decorrer dos anos com pouco resultado mesmo

uma draacutestica mudanccedila nas regras eleitorais ndash como o foi o caso do gabinete da

conciliaccedilatildeo (1853-57) com o marquecircs de Paranaacute em que foram vetadas as

participaccedilotildees de vaacuterios elementos representantes da poliacutecia justiccedila e da

administraccedilatildeo puacuteblica ndash sempre entrevia um espaccedilo para burlar-se a lei o que jaacute

vinha se constituindo como parte da ldquoculturardquo poliacutetica nacional

Austero com os deputados distante dos outros ministros longe das recepccedilotildees

oficiais Alencar apesar de extremamente competente assegura seu lugar como o

homem ldquomais chatordquo da Corte Essa visatildeo era compartilhada ateacute entre alguns

colegas ministros como no caso de Cotegipe que natildeo admitia ldquoo artistardquo no meio

das altas relaccedilotildees poliacuteticas E isso debaixo de um ciuacuteme natildeo declarado pelo fato de

D Pedro II insistir em entregar ao ministro da Justiccedila a maior parte das atenccedilotildees

Atenccedilatildeo que o grupo buscava e que Alencar repelia com seu temperamento

complicado Houve ocasiotildees em que descumprindo os deveres dados pelo decoro

impotildee ao imperador a papelada de sua exoneraccedilatildeo em cerimocircnia puacuteblica

conquanto este natildeo assinasse os decretos que Alencar lhe propunha D Pedro II

em seus despachos tinha o haacutebito de natildeo deixar nada sem assinar poreacutem

postergava Dizia sobre o que natildeo lhe conviesse (ou natildeo quisesse) dar

encaminhamento que deixaria ldquopara a proacutexima semanardquo Os outros ministros

conhecendo tal procedimento tido ateacute como educado tratavam de arquivar a

papelada referente Alencar voltava semana apoacutes semana com os mesmos papeacuteis

natildeo se dando por vencido Esticava os braccedilos a exaustatildeo ateacute que o imperador

reconsiderasse seu ato Natildeo eacute de se estranhar que D Pedro torcesse o nariz para

uma candidatura de Joseacute de Alencar para o senado entatildeo um cargo vitaliacutecio

evitando assim ter de aguentar o homem perto de si por tanto tempo

Alencar sente pressotildees de vaacuterias formas por seu mau jeito como articulador poliacutetico

O ldquodedordquo de Cotegipe como ele mesmo chegou a dizer estava em grande parte

daquilo Joatildeo Mauriacutecio Mariani Wanderley o baratildeo de Cotegipe era um homem

21 A ceacutedula era marcada com uma cruz indicando o voto a ser dado Caso a ceacutedula natildeo aparecesse

na urna o candidato ou chefe poliacutetico poderia procurar o eleitor para ldquotomar providecircnciasrdquo

prestigiado que sabia emprestar seu prestiacutegio ao Ministeacuterio Encarregado da

Marinha este tinha a predileccedilatildeo pela Justiccedila o que o fazia criar situaccedilotildees de

constrangimento para Alencar Com a legislaccedilatildeo vigente o impeacuterio estaacute centralizado

na figura do ldquo() Ministro da Justiccedila generaliacutessimo da poliacutecia dando-lhe por

agentes um exeacutercito de funcionaacuterios hieraacuterquicos desde o presidente da proviacutencia e

o chefe de poliacutecia ateacute o inspetor do quarteiratildeordquo (FAORO 2004 p 369) e tambeacutem os

juiacutezes funcionaacuterios puacuteblicos de carreira todos ao alcance do longo braccedilo da

dominaccedilatildeo do Estado Qualquer deslize e Cotegipe fornecia o material aos jornais

sobre o Ministro (e o ministeacuterio) da Justiccedila nas reuniotildees com o imperador fazia valer

seus pontos de vistas sobre a pasta do adversaacuterio Zombava alfinetava enfim

politicava Alencar reclama com o presidente que tenta contornar as coisas e

apresenta um pedido de demissatildeo mas este natildeo eacute aceito Dias depois Fernandes

Leatildeo titular da pasta da agricultura por motivos pessoais tambeacutem pede demissatildeo

Na ocasiatildeo o Alencar reapresenta sua solicitaccedilatildeo Itaboraiacute tenta segurar o gabinete

como pode evitando que este tombe para caacute ou para laacute De olho nesta indecisatildeo a

alta cacircmara aumenta a vigilacircncia satildeo os olhos de Zacarias Saraiva Nabuco Ottoni

Silveira Lobo Monte Alegre Abrantes e Itanhaeacutem que os acompanham Os ataques

ao ministro-escritor continuam dia a dia cada um com o seu motivo cada qual com

o seu aparte e nem todos direcionados agrave boa ou maacute administraccedilatildeo da pasta da

Justiccedila mas ao proacuteprio jeito de ser do Ministro chegando ao ponto de Cotegipe criar

e difundir (a pior parte) um apelido para Alencar que para a infelicidade deste eacute

aceito pelo grupo no ato era ele o ldquopirracentordquo

Mas nem tudo estaacute relacionado com as brigas internas Ainda enquanto ministro da

Justiccedila Alencar visita a regiatildeo do Valongo22 no Rio de Janeiro conhecido como

antigo mercado dos ldquopretos novosrdquo e se aterroriza com a situaccedilatildeo ao mesmo tempo

aviltante e promiacutescua a qual aquelas pessoas estavam expostas Alencar natildeo era

um abolicionista acreditava que a escravidatildeo no Brasil deveria terminar por um

processo lento e que natildeo incorresse em ocircnus para os proprietaacuterios Tinha uma

posiccedilatildeo conservadora mas tambeacutem natildeo era um incentivador do comeacutercio de

escravos Em 15 de setembro de 1869 eacute publicado um decreto seu que proiacutebe a

22

O antigo Valongo (rua Camerino) era um depoacutesito e armazeacutem de escravos que funcionou de 1779 a 1831 No periacuteodo o comeacutercio se transfere para a rua Direita atual 1deg de Marccedilo Os escravos ficavam expostos na rua (RENAULT 1976)

exposiccedilatildeo puacuteblica de escravos no mercado e a sua venda sob a forma de pregatildeo e

eacute aplaudido por grande parte da populaccedilatildeo Por esse tempo (senatildeo mesmo antes) eacute

que comeccedila uma sondagem com seus correligionaacuterios com o intuito de concorrer a

uma vaga no senado Com a morte em 1865 do marquecircs de Abrantes e do

conselheiro Cacircndido Batista de Oliveira senadores pela proviacutencia do Cearaacute a

vacacircncia das cadeiras estimulam a cabeccedila de Alencar a trabalhar com tal

perspectiva Chega a fundar com seu irmatildeo uma folha a ldquoDezesseis de Julhordquo para

divulgar ndash segundo uma carta-circular enviada aos membros do Partido Conservador

- os ldquointeresses do nosso partido e defender a ideia conservadora no Brasilrdquo

(MENEZES 1975 p252) As eleiccedilotildees vatildeo sendo adiadas devido agraves brigas entre

partidos e as denuacutencias constantes de fraude eleitoral E haacute quem diga que a

demora eacute alimentada pelo ministro da Justiccedila jaacute cobiccedilando uma sua cadeira no

Senado

Em junho de 1869 Alencar escreve a Itaboraiacute comentando seu interesse em

concorrer a uma cadeira no senado Explica que jaacute havia submetido agrave questatildeo aos

colegas do gabinete e tinha o apoio destes O caso se daacute quando apresenta a

proposiccedilatildeo ao imperador chegando a solicitar a demissatildeo do cargo de ministro para

que se candidatasse sem nenhum impedimento ou favorecimento que seu cargo

como ministro pudesse criar D Pedro II sugere (pede) que Alencar reavalie a

decisatildeo pois acreditava que sua situaccedilatildeo pudesse influir nos rumos da eleiccedilatildeo

chegando a sugerir que a atitude natildeo seria eacutetica Alencar se rebela e escreve logo a

seguir a Paulino Nogueira no Cearaacute apresentando-se como candidato pela

proviacutencia e eacute aceito Esse incidente revela algo interessante visto que Paulino

Nogueira como todas as lideranccedilas partidaacuterias que Alencar podia alcanccedilar sabiam

dos motivos do desentendimento e da opiniatildeo do Imperador relatada pelo proacuteprio

missivista E Paulino aceita a candidatura Podemos deduzir que as lideranccedilas locais

ainda natildeo estavam dispostas a acatar podas as decisotildees do centralismo do Estado

mesmo que fossem vindas de uma vontade expressa do imperador As resistecircncias

locais ainda estavam vivas e prontas para reclamar seus direitos

A eleiccedilatildeo se realiza em 12 de dezembro e os liberais seguindo orientaccedilotildees do

partido na corte23 natildeo apresentam candidatos Alencar eacute o mais votado em uma lista

secircxtupla tendo no segundo lugar o nome de Domingos Joseacute Jaguaribe O resultado

vai entatildeo para D Pedro II que escolheria entre os mais votados qual deveria ser o

proacuteximo senador Ao saber do resultado tendo em matildeos a lista o Imperador se irrita

e permanece irredutiacutevel em sua opiniatildeo Manda chamar o Alencar para uma

entrevista e pergunta sobre o entendimento que tiveram sobre a eleiccedilatildeo o clima

entre os dois soacute piorava Haacute vaacuterias versotildees sobre o acontecido todas parecidas

mas o fato eacute que Alencar consegue o que quer sua exoneraccedilatildeo Eacute substituiacutedo pelo

presidente da Cacircmara dos Deputados conselheiro Joaquim Otaacutevio Neacutebias Retorna

o Alencar a Cacircmara e agrave redaccedilatildeo do Dezesseis de Julho

No fim de abril comeccedila o cochicho em Satildeo Cristoacutevatildeo sobre a escolha para as duas

vagas de senador pelo Cearaacute Ao fim a doutrina que os conservadores - inclusive o

Alencar - pregam nos jornais eacute seguida pelo imperador de que somente a este

pertence sem audiecircncia de nenhum ministro a escolha dos nomes para o Senado

Em uma passagem das cartas ao Imperador Alencar sugere que ldquoos atos do poder

moderador satildeo de exclusiva competecircncia vossa [do Imperador] para exercecirc-los natildeo

dependeis de agentes e atualmente nem de conselhordquo (ALENCAR 2011 p 81)

No dia 27 por carta imperial satildeo escolhidos os nomes de Domingos Joseacute

Jaguaribe e do conselheiro Joseacute de Melo Alencar nunca se recuperaria de tal golpe

Agora seu caminho na Cacircmara de deputados eacute o da oposiccedilatildeo ao governo

Em maio de 1871 jaacute tomada certa distacircncia a guerra do Paraguai o imperador

solicita a Cacircmara o necessaacuterio consentimento para uma viagem a Europa Alencar

se apressa nos protestos lembrando o dinheiro esbanjado pelo Estado com as

comemoraccedilotildees puacuteblicas pelo fim da guerra Chega a dizer que uma viagem pela

Europa naquele momento seria uma demonstraccedilatildeo de ldquoabsolutismordquo e ao mesmo

tempo uma tentativa de se afastar das discussotildees sobre a questatildeo da matildeo de obra

escrava e o abolicionismo que o fim da guerra do Paraguai tornou mais urgentes e

23 A influencia local na escolha de candidatos para as eleiccedilotildees soacute volta a crescer a partir de 1881

com a Lei Saraiva

que D Pedro II havia se comprometido em buscar uma soluccedilatildeo

Alencar eacute deputado combativo aguerrido mas natildeo logra muitas vitoacuterias Na

imprensa chega a ser acusado de incoerecircncia no confronto do conteuacutedo das cartas

de Erasmo e a sua atual situaccedilatildeo de rompimento com o imperador seus ataques

constantes ao trono e a administraccedilatildeo Da vida poliacutetica ateacute a literatura tudo eacute motivo

para denegrir a imagem do ex-ministro Eacute assim com Zacarias depois com Cotegipe

depois com Rio Branco depois com Silveira Martins As ideias de Alencar sempre

sustentadas por seu conhecimento do Direito (como vimos as proposiccedilotildees mais

carregadas de complexidade como as cartas geralmente vinham acompanhadas de

estudos publicados pelo Alencar) afligiam vaacuterios grupos Natildeo o grande coro dos

homens da assembleia que em muitos ldquovivasrdquo e ldquobravosrdquo sequer ouviam a pauta das

reuniotildees O partido que detinha a maioria dos deputados conseguia aprovar o que

propunha na maior das vezes tendo em suas relaccedilotildees de ldquoapadrinhamentordquo

construiacutedo vaacuterios laccedilos de dependecircncias entre deputados e senadores

(CARVALHO 2007) Mas eram geralmente as lideranccedilas que viam em Alencar um

problema (NETO 2006) Algueacutem que poderia ter forccedilas (e competecircncia) para propor

mudanccedilas dentro da estrutura Gramsci coloca essa questatildeo quando fala da

educaccedilatildeo dos ldquojovensrdquo Todas as geraccedilotildees educam seus jovens Pode haver ndash e

sempre haacute ndash atritos questotildees divergecircncias de opiniatildeo mas tudo isto faz parte do

processo educativo Mas alguns ldquojovensrdquo da classe dirigente podem se revelar e

buscar alternativas na classe progressista com o intuito de tomar o poder Eacute o

momento em que os ldquovelhosrdquo de outras camadas passam a direccedilatildeo para tais jovens

(GRAMSCI 1989) Eacute certo que para que a ideologia se constitua eficazmente o

discurso assumido por um grupo deve se manter o mesmo ignorando as mudanccedilas

histoacutericas que possam vir a acontecer (e efetivamente acontecem) garantindo a

continuidade das representaccedilotildees sociais e poliacuteticas preacute-determinadas pela classe

dominante (CHAUI 1997) O temor da ideologia eacute o discurso fundador de novas

ideias e natildeo os grupos que as deteacutem porque estes estatildeo associados agraves classes

dominantes no caso aqui a burguesia e pequena burguesia citadina da Corte com

seus intelectuais atuantes constituindo uma camada perifeacuterica a elite representada

natildeo apenas pelo partido conservador mas em vaacuterios casos tambeacutem pelos liberais

Numa citaccedilatildeo de Faoro agrave Bernardo de Vasconcellos o sistema representativo que

entatildeo os partidos ndash conservadores e liberais ndash desejavam construir com sua gama

de funcionaacuterios bachareacuteis e juiacutezes ldquonatildeo significava a vontade popular mas o

governo dos melhores dos mais esclarecidos dos mais virtuosos Entre o paiacutes real

e o paiacutes legal soacute o segundo estaria apto a destilar a elite o poder capaz de

modernizar civilizar e elevar o povordquo (FAORO 2004 p 371) o que garantiria uma

modernizaccedilatildeo dos quadros mas natildeo o fim das oligarquias O que vinha acontecendo

eacute a solidificaccedilatildeo de um processo de deslocamento do poder dos chefes locais do

interior para a burocracia estatal sediada na capital para a Corte e auxiliada pelo

recente processo de construccedilatildeo de uma elite intelectual local A concepccedilatildeo de um

paiacutes dividido em povo e plebe que distinguia os chamados ldquohomens bonsrdquo cidadatildeos

ativos detentores de plenos direitos poliacuteticos proprietaacuterios profissionais liberais

produtores enfim algueacutem que fosse possuidor de certa renda da massa pobre sem

alfabetizaccedilatildeo e dependente (BASILE 2006) As ideias migram se modificam um

pouco e se acomodam em lados diversos e as lideranccedilas partidaacuterias assinaladas (e

outras tantas) que conhecem tal fenocircmeno e nele se sustentam fariam de tudo para

evitar que aquele poliacutetico ldquofanadinhordquo e mal-educado se transformasse tambeacutem em

uma nova lideranccedila

Alencar nos anos que seguem ao trabalho no ministeacuterio sente a sauacutede lhe escapar

Eacute uma eacutepoca em que a doenccedila novamente o alcanccedila e o refuacutegio de sua casa na

Tijuca mais as caminhadas ateacute a vista chinesa junto com Machado de Assis se

tornam a melhor opccedilatildeo para recuperar-se A eacutepoca ele retoma um projeto deixado

de lado a pouco a Guerra dos Mascates Romance histoacuterico mas eacute denominado

pelo autor de ldquocomeacutedia histoacutericardquo em que satirizava seus companheiros de gabinete

ndash Alencar comenta em uma nota que natildeo faria tal coisa ndash os colegas deputados e

(natildeo poderia faltar em sua lista) D Pedro II Aproveitando-se de partes do episoacutedio

que eacute bastante documentado no periacuteodo cria uma caricatura da corte e suas ilustres

figuras um arremedo da poliacutetica contemporacircnea Algo como uma vinganccedila particular

a que ningueacutem poderia impetra-lhe culpa

Como uma forma de terapia embarca com a famiacutelia em junho de 1873 para uma

viagem ateacute o Cearaacute onde encontra amigos e um clima revigorante Fica ali por

alguns meses longe dos trabalhos na Corte mas sempre encontrando e

conversando com lideranccedilas poliacuteticas locais diversas sem que ldquoa cor partidaacuteriardquo

criasse algum empecilho Era para todos ali o conselheiro Alencar um filho da

terra Conhece durante esse tempo o jovem Capistrano de Abreu com quem

comeccedila uma grande amizade e aonde jaacute profetiza seu sucesso nas letras no Rio de

Janeiro Volta para casa em novembro e para o trabalho A doenccedila o acompanha

sempre

Alencar retorna a Cacircmara em julho para os debates da reforma eleitoral Apesar do

cansaccedilo e da constante fraqueza muscular eacute ainda um orador fervoroso Combate

veementemente a eleiccedilatildeo direta e sustenta que as reformas poliacuteticas e sociais

cabem a uma iniciativa do ministeacuterio sempre visando um centralismo administrativo

Alencar nunca deixa de guiar-se pelas metas do partido conservador e sabe do

crescimento dos liberais no interior onde a massa votante estaacute nas matildeos dos

proprietaacuterios de terra em sua maioria adeptos do liberalismo e da descentralizaccedilatildeo

do poder Alencar eacute um poliacutetico moderado algueacutem que confia em uma monarquia

constitucional que possa garantir a ordem dentro da heterogeneidade de um paiacutes de

enormes dimensotildees que eacute o Brasil desacreditando assim de qualquer forma

republicana que tendesse a uma descentralizaccedilatildeo de poder e fortalecesse os chefes

locais dispersos pelo territoacuterio do paiacutes

14 UacuteLTIMOS ANOS

No ano de 1875 Alencar sofre as primeiras hemoptises Planeja uma viagem para a

Europa na busca de uma cura para sua sauacutede jaacute bastante debilitada Eacute neste

mesmo ano que retorna agrave Corte vindo de Paris Joaquim Nabuco Jovem bem

educado filho do Senador Nabuco Sua primeira accedilatildeo poliacutetica eacute iniciar-se na

imprensa E assim como Alencar o fez em seu iniacutecio de carreira insurgir contra uma

personalidade consolidada no cenaacuterio literaacuterio e poliacutetico com paus e pedras na matildeo

ndash no caso o nosso biografado - em busca de algum reconhecimento Traz da

Europa um livro de poemas publicado em francecircs que consegue certa

consideraccedilatildeo Assume a redaccedilatildeo dos folhetins do jornal ldquoO Globordquo tecendo criacuteticas

mais centradas nos literatos que agrave literatura ldquodos brasileirosrdquo Joaquim Nabuco

tomava para si o lugar do novo da modernidade da esperanccedila e das ideias novas

O lugar que pertencera ao Alencar por algumas deacutecadas e que havia segundo

Nabuco ficado no passado

A polecircmica que se deu veio da necessidade de Nabuco se afirmar no cenaacuterio da

Corte a partir de um modelo intelectual e artiacutestico que se confrontaria com o

romantismo um realismo baseado nas ideias positivistas e evolucionistas Modelo

natildeo assumido somente por ele mas por toda uma geraccedilatildeo que estava se

estabelecendo Pesavento nos mostra o cenaacuterio

Imbuiacuteda das teorias europeias de Darwin Spencer Comte Taine Renan esta geraccedilatildeo buscava o universal de forma expliacutecita assumindo um cosmopolitismo declarado o Brasil deveria acertar o passo com a histoacuteria ingressando na modernidade de seu tempo A Europa fornecia o padratildeo de refinamento civilizatoacuterio e de patamar cultural Dela vinham as ideias a moda as novas teacutecnicas e o Brasil precisava acompanhar o trem da histoacuteria nem que fosse no uacuteltimo vagatildeo (PESAVENTO 1998 p 27)

Assumir um modelo europeu natildeo era uma novidade Mas como tal modelo se

renova as ideias satildeo ldquoassumidasrdquo pelas novas geraccedilotildees como a pouco nos

referimos sustentando uma continuidade do sistema sem que uma mudanccedila radical

seja conseguida (ou pretendida)

O tema central do debate era a ideia de Nabuco de que a literatura de Alencar

estava superada Comeccedila com o fracasso de puacuteblico da peccedila ldquoo jesuiacutetardquo

apresentada ainda naquele ano Alencar rebate e segue na peleja como era de seu

gosto Natildeo eacute nossa intenccedilatildeo aprofundar aqui uma discussatildeo sobre a literatura do

periacuteodo para noacutes importa a questatildeo qual modelo de sociedade era sustentado por

Alencar e qual era defendido por Nabuco e dos grupos que se instalavam ditos a

geraccedilatildeo de 1870 Foi um momento em que viacutenculos foram criados entre intelectuais

brasileiros e europeus Podemos apresentar uma caracterizaccedilatildeo do periacuteodo na

anaacutelise de Antocircnio Cacircndido mostrando que

()o movimento das novas ideias filosoacuteficas e literaacuterias que comeccedilou mais ou menos em 1870 e se estendeu ateacute o comeccedilo do seacuteculo XX tendo como

nuacutecleo inicial a cidade do Recife capital de Pernambuco e sua Faculdade de Direito Laacute e em outros centros como o Cearaacute e sobretudo o Rio de Janeiro desenvolveu-se um agudo espiacuterito criacutetico voltado para analisar de maneira moderna a sociedade a poliacutetica a cultura do Brasil com inspiraccedilatildeo primeiro no Positivismo de Augusto Comte em seguida nas diversas modalidades de Evolucionismo das quais teve aqui maior voga a filosofia de Herbert Spencer Acrescente-se a divulgaccedilatildeo das novas ciecircncias como Biologia Linguiacutestica Etnografia Antropologia Fiacutesica (CAcircNDIDO 1999 p 51)

Natildeo soacute Nabuco mas tambeacutem escritores como Franklin Taacutevora e Feliciano de

Castilho protagonizaram ataques ao Alencar e suas ideias em favor da escravidatildeo

estavam totalmente distantes do modelo sociais e cientiacuteficos apresentados Alencar

era a pedra da vez e seu estado de sauacutede debilitado provavelmente contribui pra

piorar o humor do genioso deputado A literatura precisava deixar o reino do

simboacutelico e chegar-se para a realidade representada pelo cientificismo Alencar

refuta as acusaccedilotildees porque acredita no que escreve natildeo eacute um cientista e nem

pretende ser O que tem em mente natildeo eacute tatildeo somente a anaacutelise do real mas uma

possibilidade de ldquomelhorarrdquo o real moralizando-o Influenciar a sociedade em busca

sempre de um caminho de purificaccedilatildeo do social

O debate aberto interessa aos dois Alencar um pouco desgastado pelos recentes

arranhotildees da poliacutetica e Nabuco buscando ainda o reconhecimento do puacuteblico

Precisam do jornal Precisam de um veiacuteculo que os fortaleccedila frente agrave opiniatildeo

puacuteblica construindo ali sua arena de luta Eacute no jornal que as ideias alcanccedilam um

puacuteblico variado e seleto visto que a alfabetizaccedilatildeo do povo natildeo era um fato mas

tambeacutem natildeo podemos cair no mito do analfabetismo ldquototalrdquo da populaccedilatildeo em que

ainda natildeo seja possiacutevel atingir um grupo tamanho que haacute de se considerar enquanto

uma opiniatildeo puacuteblica como prova disso temos a venda de livros ndash romances de

folhetim em sua maioria para o periacuteodo ndash e a presenccedila de salas de leitura e

bibliotecas onde jaacute se cativava um puacuteblico fiel entre mulheres e estudantes24 e o

proacuteprio Alencar admite ter na infacircncia lido para grupos Era comum em

estabelecimentos comerciais e mesmo em casa de famiacutelia uma leitura coletiva de

24 Eacute interessante uma consulta a o trabalho de Sandra G Vasconcelos sobre a formaccedilatildeo do

romance no Brasil e o levantamento sobre os romances ingleses em circulaccedilatildeo no Brasil no XIX

jornais informando as notiacutecias aos que natildeo satildeo alfabetizados o que possibilitava

que as informaccedilotildees e opiniotildees chegassem a grupos maiores (SCHWARCZ 1999)

A guerra que deixa de ser particular e toma agrave imprensa Nabuco representa a

proposta de um novo liberalismo que vai ganhando corpo a partir do final da deacutecada

de 1860 que se contrapotildee ao nacionalismo conservador concebido na obra de

Alencar Depois de dois meses o debate termina sem necessariamente abalar

quaisquer dos lados Nabuco se retira para tentar a poliacutetica e Alencar deixa-se estar

ateacute maio seguinte quando embarca com a famiacutelia para a Europa Sofrendo de

depressatildeo a viagem o angustia Paris Londres Portugal Alencar estaacute velho

consumido pela doenccedila pulmonar Soacute melhora um pouco com a volta ao Rio de

janeiro Agrave Tijuca

Alencar ainda combate na Cacircmara Eacute eleito para um quarto mandato como

Deputado Com a sauacutede jaacute muito debilitada natildeo comparece a todas as seccedilotildees e

diminui as saiacutedas de sua casa para os costumeiros passeios Uma descriccedilatildeo

construiacuteda por Lira Neto nos daacute uma clara visatildeo de Alencar nesse momento em que

a tuberculose jaacute chegara agrave situaccedilatildeo terminal

() era impressionante como o homem definhara nos uacuteltimos meses Virara uma garatuja

Os olhos miuacutedos haviam perdido o brilho caracteriacutestico e agora praticamente sumiam em meio as negras olheiras Na outrora vasta cabeleira uma entrada pronunciada alongava-lhe a testa e ajudava a conferir-lhe o ar de velhice precoce A barba tomava conta do rosto magro e descera abundante sobre o peito a ponto de os fios desgrenhados esconderem-lhe o noacute da gravata Tinha apenas 48 anos de idade Parecia ter no miacutenimo vinte a mais (NETO 2006 p13)

Jaacute natildeo eacute mais o mesmo poliacutetico agressivo mas ainda encontra focirclego para se

arranhar com Caxias ndash entatildeo chefe do executivo ndash e mais uma vez com Cotegipe

arrancando aplausos e risos do plenaacuterio sempre com suas criacuteticas bem vivas a

famiacutelia real Haacute de se admitir que houvesse um pouco de rancor pela sua natildeo

indicaccedilatildeo para o senado que lhe acompanharia ateacute os uacuteltimos dias de vida

aguccedilando sua ldquoimplicacircnciardquo e por vezes chegando a contradiccedilotildees como quando

ataca seu proacuteprio partido enquanto o Imperador passeava pelo mundo com parte da

famiacutelia A regente Isabel tambeacutem natildeo lhe enchia os olhos Se natildeo era alvo

constante de suas criacuteticas eacute porque pouca importacircncia lhe dava o deputado

Em abril de 1877 chega agrave capital notiacutecia da seca que castiga a proviacutencias do Cearaacute

e vizinhas como natildeo acontecia a deacutecadas Vai agrave tribuna o Alencar para pedir

esclarecimentos aos Ministros sobre a situaccedilatildeo real da regiatildeo e cobrar providecircncias

Os jornais de Fortaleza acusam o conselheiro de descaso ao mesmo tempo em que

este se propotildee a recolher junto a uma comissatildeo donativos para as viacutetimas

Tambeacutem algumas folhas do Rio de Janeiro que divulgam litografias sobre os

retirantes chamam a responsabilidade Vale lembrar que Joseacute do Patrociacutenio um

dos jornalistas responsaacuteveis pela divulgaccedilatildeo do problema da seca no Cearaacute eacute um

abolicionista ferrenho Eacute notoacuterio que Alencar piora dia a dia sentindo-se desprezado

ateacute por seus colegas do partido Natildeo se propotildee mais ao debate puacuteblico e deixa por

menos as provocaccedilotildees dirigidas a ele Sua preocupaccedilatildeo eacute com a famiacutelia com o

desamparo que pode vir a acorrer em funccedilatildeo de sua morte Vai definhando

lentamente abandona de vez a caminhada pelo passeio puacuteblico e tambeacutem se

distancia dos amigos eacute quando a doenccedila finalmente o alcanccedila Aos 12 dias de

dezembro de 1877 falece Joseacute de Alencar Agraves 10 horas da manhatilde do seguinte dia

seu corpo eacute levado em cortejo ateacute o cemiteacuterio de Satildeo Francisco Xavier aonde vem a

ser sepultado por um pequeno grupo de jornalistas e amigos proacuteximos O imperador

se dirigindo agrave Petroacutepolis na ocasiatildeo ndash como o fazia habitualmente - do falecimento

ao ser comunicado reage com uma expressatildeo ressentida ldquoHomem de valor

Poreacutem muito mal-educadordquo (MENEZES 1965)

O necroloacutegio eacute escrito por Capistrano de Abreu e estampado na primeira paacutegina da

ldquoGazeta de Notiacuteciasrdquo mas sem a assinatura do autor Eacute o primeiro trabalho

publicado por Capistrano de Abreu na imprensa carioca O novo jornalista viria a

fazer o sucesso que Alencar profetizara e ainda mais como escritor Poliacutetica eacute

assim Mesmo com sua morte o deputado elege um ldquofilhoterdquo25

25 Na giacuteria eleitoral do periacuteodo filhote era o candidato apadrinhado por algum liacuteder poliacutetico

2 CONJUNTURA POLIacuteTICA DO II REINADO

Os infelizes natildeo andam na rua do Ouvidor

De um Editorial da ldquoGazeta da tarderdquo

Depois de conhecermos por meio de sua biografia o Alencar eacute importante que

possamos nos deter nos campos de atuaccedilatildeo de Alencar enquanto poliacutetico e

enquanto um intelectual que pretende atingir a opiniatildeo puacuteblica com suas ideias

Lembramos aqui que nos baseando nos textos de Gramsci (1989) entendemos o

intelectual como a figura que faz a ligaccedilatildeo entre a da elite com o povo Na verdade

eacute o intelectual que iraacute construir uma relaccedilatildeo de confianccedila com os vaacuterios segmentos

sociais na sociedade para a divulgaccedilatildeo e manutenccedilatildeo da ideologia dos grupos que

formam essa elite no poder Para tanto cabe o exame de tais pontos as elites a

imprensa os intelectuais e a opiniatildeo puacuteblica em uma relaccedilatildeo dialeacutetica que

necessariamente apresenta um discurso em forma de tese e a partir de uma

antiacutetese observada recreia seu discurso na forma de siacutentese Os elementos acima

descritos existem de forma separada o que os agrega eacute tatildeo somente o trabalho de

Alencar Portanto funcionam como em uma pintura feita na forma de um poliacuteptico

onde os de os elementos que a compotildeem tem uma existecircncia individual isolada

mas quando unidas ou justapostas criam um novo conjunto de significaccedilotildees Eacute o

acircmbito da esfera puacuteblica Cabe lembrar que a esfera puacuteblica burguesa eacute uma

categoria tiacutepica de uma eacutepoca caracterizada como sociedade burguesa A esfera

puacuteblica deve ser entendida como categoria histoacuterica drsquoonde seu uso na sociedade

da corte no Rio de Janeiro no segundo reinado A burguesia eacute o fulcro deste puacuteblico

caracterizado fundamentalmente como o puacuteblico que tem condiccedilotildees de ler tem uma

educaccedilatildeo tem direitos e deveres na sociedade bem como consegue ser

reconhecido como um igual entre seus pares E eacute este reconhecimento que permite

com que haja alguma alteridade e suas vozes sejam reconhecidas Para Habermas

algueacutem soacute faz parte de uma esfera puacuteblica enquanto portador de uma ldquoopiniatildeo

puacuteblicardquo (HABERMAS 2003)

Para um entendimento mais consistente do periacuteodo de nosso recorte iniciaremos

aqui apresentando uma visatildeo geral sobre o segundo reinado e os acontecimentos

que formam o complexo cotidiano apresentado por Joseacute de Alencar em suas cartas

poliacuteticas

21 UMA VISAtildeO GERAL

O segundo reinado considerando o periacuteodo regencial se estende de 1831 ateacute 1889

D Pedro II eacute entronado com o golpe da maioridade promovido pelos liberais da qual

o senador Alencar ndash pai de Joseacute de Alencar - fez parte em julho de 1840 Uma

caracteriacutestica marcante que talvez ajude a compreender melhor esse periacuteodo eacute o

fato de o Imperador nunca ter aberto matildeo do poder moderador ndash um adendo incluiacutedo

por seu pai na constituiccedilatildeo liberal de 1824

A alternacircncia de partidos no poder foi uma constante Durante os cinquenta anos em

que governa D Pedro II se sucederam 36 gabinetes ministeriais Nas crises de

governabilidade entre interesses partidaacuterios e as determinaccedilotildees do imperador os

ministeacuterios eram alternados e o partido opositor tornava-se situaccedilatildeo Poreacutem eacute valido

ressaltar que as diferenccedilas entre liberais e conservadores natildeo representavam os

anseios da populaccedilatildeo mas os interesses de elites que disputavam o poder As

eleiccedilotildees para o legislativo eram manipuladas pelo grupo da situaccedilatildeo de acordo com

seus interesses particulares e em geral marcadas por fraudes (FAORO 2004)

O partido liberal fica poucos meses na administraccedilatildeo apoacutes o golpe e logo em 1841

temos a primeira vitoacuteria dos conservadores a restituiccedilatildeo do Conselho de Estado

Abolido pelo Ato Adicional de 1834 este retorna para ampliar mais ainda os poderes

do Executivo em detrimento da autonomia poliacutetica das proviacutencias Em retaliaccedilatildeo os

liberais organizam algumas revoltas contra o governo em Satildeo Paulo Rio de Janeiro

e em Minas Gerais

Em 1844 ordens imperiais afastam os Conservadores do poder e retornam os

Liberais a compor com Pedro II Em 1847 eacute criado o cargo de presidente do

Conselho de Ministros que teria a tarefa de nomear os demais ministros Eacute a

instituiccedilatildeo do parlamentarismo brasileiro Poreacutem o modelo parlamentar adotado no

Brasil era atiacutepico justamente pela accedilatildeo do imperador (o poder moderador) de

tambeacutem nomear ministros ndash ou desautoriza-los ndash a sua vontade D Pedro II escolhia

o presidente do conselho e este por sua vez escolhia os ministros Eacute o chamado

ldquoParlamentarismo agraves Avessasrdquo a consolidaccedilatildeo de uma nova fase de centralizaccedilatildeo

poliacutetica Mas natildeo deixa de ser um progresso na medida em que no periacuteodo anterior

o imperador simplesmente nomeava todos eles Com o ministeacuterio composto restava

a aprovaccedilatildeo dos parlamentares na Cacircmara dos Deputados Poreacutem detendo o

imperador a prerrogativa de dissolver os gabinetes ministeriais como condiccedilatildeo para

formaccedilatildeo de outro ministeacuterio dependendo da ocasiatildeo e da conjuntura poliacutetica e

como o fez D Pedro I ateacute de dissolver a cacircmara tudo era negociado com muita

cautela As reformas buscam agradar os diversos grupos existentes em um sistema

de troca de favores onde o imperador usava da distribuiccedilatildeo de cargos puacuteblicos e a

cooptaccedilatildeo de lideranccedilas da oposiccedilatildeo o que acaba por criar uma aparecircncia de

legalidade ao processo eleitoral e manter certa ordem evitando excessos como do

episoacutedio das ldquoeleiccedilotildees do caceterdquo logo no iniacutecio de sua administraccedilatildeo onde a

violecircncia toma forma de pressatildeo sobre o eleitorado (GRAHAM 1997) A proposta

era inserir o Paiacutes no conjunto das naccedilotildees civilizadas e adeptas da democracia

representativa mas natildeo eacute bem assim que acontecia O presidente da proviacutencia era

uma figura fundamental no processo eleitoral cabendo a ele garantir a vitoacuteria do

governo no pleito Alguns eram trocados estrategicamente pouco tempo antes das

eleiccedilotildees com o poder de afastar substituir e ateacute determinar a aposentadoria

antecipada de juiacutezes anular resultado das apuraccedilotildees e preencher atas eleitorais

com nomes de sua preferecircncia Era comum listarem-se eleitores falecidos ou natildeo

aparecerem eleitores do partido opositor Esse comportamento decorre das

perturbaccedilotildees experimentadas durante o Periacuteodo Regencial onde diversos conflitos

regionais se espalharam pelo paiacutes em oposiccedilatildeo agraves decisotildees tomadas pelo governo

central Enquanto isso a soluccedilatildeo era dissolver e reorganizar o gabinete dando uma

impressatildeo de que as coisas iriam ser ldquodiferentesrdquo Geralmente o conselho de

ministros natildeo chegava a ficar mais de dois anos no poder Ao longo de todo o

governo de D Pedro II os conservadores estiveram agrave frente do gabinete por vinte e

noves anos e os liberais por dezenove anos (CARVALHO 2007) garantindo uma

aparecircncia democraacutetica para um governo conservador Em 1853 Carneiro Leatildeo

estabelece o Ministeacuterio da Conciliaccedilatildeo com a finalidade de ampliar a interaccedilatildeo dos

dois partidos no governo brasileiro O ldquoconluiordquo durou ateacute 1858

Mas o paiacutes eacute pacificado Cessaram as rebeliotildees provinciais que tiveram iniacutecio na

regecircncia e ameaccedilavam a consolidaccedilatildeo do Estado brasileiro Duas dessas rebeliotildees

eclodiram ainda no periacuteodo regencial e tiveram seu termo com D Pedro II a

balaiada em 1841 e a farroupilha em 1845 A uacutenica grande revoluccedilatildeo posterior foi a

praieira em 1848 na proviacutencia de Pernambuco mas durou ateacute 1849 A paz

conseguida favoreceu a consolidaccedilatildeo dos interesses da classe dominante

representada pelos grandes proprietaacuterios rurais dos quais dependia o impeacuterio Tais

grupos defendiam a manutenccedilatildeo da escravidatildeo e a ausecircncia da participaccedilatildeo popular

nas decisotildees poliacuteticas Suas divergecircncias estavam centradas mais nos interesses

econocircmicos e poliacuteticos locais

Durante o Segundo Reinado o Brasil se envolveu em trecircs conflitos armados com

paiacuteses fronteiriccedilos da regiatildeo Platina Em 1851 teve iniacutecio a Guerra contra Oribe e

Rosas Esse conflito envolveu a Argentina e o Uruguai (paiacutes que pertenceu ao Brasil

ateacute 1828) Em 1851 Oribe liacuteder do Partido Blanco tomou o poder no Uruguai e

com o apoio de Rosas ditador argentino bloqueou o porto de Montevideacuteu

prejudicando o comeacutercio brasileiro na bacia Platina As tropas brasileiras

comandadas por Caxias aliaram-se ao exeacutercito liderado por poliacuteticos rivais a Oribe e

Rosas O Brasil sai por fim como vitorioso da Guerra o ano eacute o de 1852

Em 1864 desponta a Guerra contra Aguirre liacuteder do Partido Blanco e governante do

Uruguai Tem iniacutecio depois que os uruguaios promoveram vaacuterias invasotildees ao Rio

Grande do Sul roubando o gado dos fazendeiros gauacutechos O ministeacuterio organiza o

exeacutercito sob o comando de Tamandareacute e do marechal Mena Barreto Com o apoio

de tropas opositoras do governo de Aguirre o Brasil consegue a vitoacuteria e transfere o

governo para o liacuteder do Partido Colorado Venacircncio Flores O conflito armado mais

longo e violento do periacuteodo foi a Guerra do Paraguai indo de 1864 ateacute 1870 O

Paraguai era o paiacutes mais proacutespero da regiatildeo Contava ainda com uma moeda forte e

uma economia industrial como bases para um bem-sucedido desenvolvimento

nacional

Quando o ditador Solano Loacutepez chegou ao poder colocou em praacutetica uma poliacutetica

expansionista que pretendia ampliar o territoacuterio do Paraguai tomando terras do

Brasil Argentina e Uruguai Solano Loacutepez tinha como objetivo formar o Grande

Paraguai A guerra teve iniacutecio quando tropas paraguaias invadiram o territoacuterio

brasileiro e argentino Formou-se entatildeo a Triacuteplice Alianccedila que unia militarmente o

Brasil Argentina e Uruguai para lutar contra o Paraguai Para Fausto (2001) os

interesses ingleses tambeacutem estavam em pauta com a necessidade de garantirem-

se mais mercados e evitar o desenvolvimento de concorrentes a Inglaterra foi

grande incentivadora do conflito As lutas foram intensas terminando somente em

1870 com a invasatildeo de Assunccedilatildeo e a perseguiccedilatildeo e morte de Solano Loacutepez Para o

Paraguai as consequecircncias da guerra foram desastrosas devido agrave destruiccedilatildeo de sua

economia industrial e a morte de cerca de 80 da populaccedilatildeo (FAUSTO 2001)

Mesmo vitorioso o Brasil saiu com diversos problemas econocircmicos pois teve que

pedir grandes somas de dinheiro emprestadas para a Inglaterra o que aumentou

sua diacutevida externa Tambeacutem a poliacutetica de manutenccedilatildeo da escravidatildeo se viu em um

paradoxo como escravos podem ir para as fileiras lutar pela liberdade de uma

naccedilatildeo se eles individualmente natildeo possuem direito a liberdade Muitos escravos

foram alforriados para lutarem na guerra e tantos outros lutaram na esperanccedila de

receber uma posterior alforria ndash considerando que pela legislaccedilatildeo alguns cidadatildeos

alistados natildeo querendo fugir de suas obrigaccedilotildees para com o paiacutes - poderiam

mandar seus escravos para tomar ldquoseurdquo lugar na guerra (MATTOS 2000)

As dificuldades financeiras do Impeacuterio e a necessidade de apresentar uma soluccedilatildeo

para o problema da escravidatildeo apressaram a queda de D Pedro II visto que seu

uacuteltimo pilar de sustentaccedilatildeo estava no apoio dos fazendeiros que praticavam a

agricultura de exportaccedilatildeo baseada na matildeo-de-obra escrava

Um dos momentos de crise mais aguda na poliacutetica eacute sentido com a deposiccedilatildeo do

gabinete Zacarias de Goacuteis pelo Imperador - atribuiccedilatildeo garantida ao poder

moderador mas natildeo muito bem resolvida na ocasiatildeo D Pedro II vai ao conselho e

os votos depois de uma fala decisiva de Nabuco de Arauacutejo satildeo favoraacuteveis agrave

deposiccedilatildeo do gabinete26 A conciliaccedilatildeo agrupando os partidos em torno do trono

fortalecia o centro do poder em detrimento do poder local nas proviacutencias e logo

apoacutes a regecircncia ela vai desaparecendo em funccedilatildeo do personalismo descolado de

algum programa partidaacuterio Pode-se perceber que ldquoo desenvolvimento econocircmico e

as mudanccedilas sociais que ocorreram no paiacutes a partir dos anos 1850 trouxeram para a

arena poliacutetica novos grupos de interesse tornando impossiacutevel manter a alianccedila entre

os dois partidosrdquo (COSTA 1999 p162) A elite agraacuteria que dirigia os rumos do paiacutes

daacute lugar paulatinamente a uma elite de letrados urbanos uma nova geraccedilatildeo que se

forma lentamente no Brasil associada a uma classe meacutedia dissolvida nas camadas

de um estamento burocraacutetico que vem segundo Faoro (2004) transplantado quase

que integralmente para o Brasil e que lhe daacute o necessaacuterio suporte a existecircncia A

queda do ministeacuterio liberal em 1868 e sua substituiccedilatildeo por um gabinete conservador

gera uma crise que culmina em um manifesto em favor de vaacuterias mudanccedilas no

sistema poliacutetico como a exigecircncia da descentralizaccedilatildeo de eleiccedilotildees diretas contra a

vitaliciedade do senado a favor do sufraacutegio universal da liberdade religiosa e de

muitas outras mudanccedilas pretendidas Eacute a fase aacuteurea do impeacuterio que vecirc seu decliacutenio

iniciar-se depois da guerra do Paraguai

Observando a economia um dos fatores da estabilidade econocircmica e poliacutetica

do paiacutes no periacuteodo imperial foi o desenvolvimento do cafeacute dando um novo

impulso para a economia agroexportadora Durante o primeiro reinado a elite

agraacuteria estava ainda concentrada no nordeste accedilucareiro mas aos poucos a

produccedilatildeo em larga escala do cafeacute - que comeccedilou no Rio de Janeiro em 1930 em

Angra dos Reis e Mangaratiba ndash vem mudando as posiccedilotildees no jogo As plantaccedilotildees

avanccedilam para o vale do rio Paraiacuteba possibilitando pelo volume da produccedilatildeo que

aumentaria gradualmente nos anos seguintes partir para a exportaccedilatildeo Em meados

de 1850 a lavoura cafeeira se expande para o Oeste paulista favorecida pelas

condiccedilotildees do solo (FAUSTO 2001) mas o cultivo exigia a manutenccedilatildeo da matildeo de

obra escrava que ainda era considerada como muito lucrativa Sabe-se poreacutem que 26 A questatildeo colocada se refere (resumidamente) a um desentendimento de Caxias no comando

das tropas no Paraguai e Zacarias de Goacuteis entatildeo na chefia do gabinete Faoro (2004) argumenta

que apesar de D Pedro II ter consultado o conselho sobre o fato e ter seguido a diretriz

recomendada eacute acusado de usar arbitrariamente o Poder Moderador para a retirada dos liberais

com a proibiccedilatildeo do traacutefico negreiro - jaacute exigido pela Inglaterra ao governo brasileiro

ainda no primeiro reinado como uma das condiccedilotildees para aceitaccedilatildeo da

independecircncia - chegar-se-ia inevitavelmente ao fim o trabalho escravo no Brasil

mas a elite dominante adiou o quando pocircde a aboliccedilatildeo da escravidatildeo no paiacutes Para

tanto o impeacuterio relutava em cumprir os acordos leis e tratados firmados Como

forma de solucionar o problema da crescente escassez de matildeo de obra os

fazendeiros recorreram inicialmente ao traacutefico interno de escravos Quando do

agravamento do problema os fazendeiros paulistas comeccedilam uma poliacutetica de

incentivo agrave imigraccedilatildeo de colonos europeus (havia outras opccedilotildees como chineses

aos quais Joaquim Nabuco tinha verdadeira ojeriza) que passariam a trabalhar sob

o regime assalariado A troca foi gradual e lenta Diversas leis foram aprovadas ndash

sob pressatildeo ndash no decurso do tempo como a Lei de 7 de novembro de 1831 ndash Lei

Feijoacute a lei Euseacutebio de Queiroz a Lei do Ventre livre e adiante ateacute a aboliccedilatildeo total

em 1888 Mas o primeiro golpe seacuterio eacute sentido em 1851 como resultado da pressatildeo

inglesa Esta se sente de forma efetiva desde os acordos firmados com D Pedro I

para o reconhecimento da Naccedilatildeo ateacute o iniacutecio da vigilacircncia dos mares pela marinha

inglesa atraacutes de traficantes de escravos em navios de bandeira brasileira

No Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo o escravo era utilizado nas plantaccedilotildees de cafeacute e

cana-de-accediluacutecar aqueles que possuiacuteam ou aprendiam uma profissatildeo bem como

tinham capacidade para desenvolver atividades comerciais eram utilizados nos

chamados ldquotrabalhos de ganhordquo e nos diversos trabalhos domeacutesticos nas cidades

Mas seu trabalho na lavoura no periacuteodo de nosso recorte ainda eacute imprescindiacutevel

para a expansatildeo da cafeicultura O cafeacute viria a tornar-se o principal produto de

exportaccedilatildeo brasileiro estimulando a industrializaccedilatildeo e a urbanizaccedilatildeo Fatores como

a expansatildeo do creacutedito atraveacutes de uma reforma bancaacuteria e ndash com o fim do traacutefico ndash a

aplicaccedilatildeo dos capitais desse comeacutercio em operaccedilotildees financeiras as mais diversas a

qual forneceu recursos para a formaccedilatildeo de novas aacutereas de plantaccedilatildeo e a ampliaccedilatildeo

das redes ferroviaacuterias em Satildeo Paulo que reduziram o custo de transporte para os

proprietaacuterios no interior paulista foram decisivos Para os interesses dessa classe

de ricos proprietaacuterios rurais paulistas que se forma a monarquia centralizadora -

sediada no Rio de Janeiro e apoiada pelos senhores de engenhos nordestinos e

cafeicultores do vale do Paraiacuteba - jaacute natildeo era uacutetil Com isso surgiram novos grupos e

classes sociais portadoras de novas demandas e interesses e de muito dinheiro

Na vida social Renault (1976) sustenta que a invasatildeo do luxo se consolida por volta

da deacutecada de 1850 Cabeleireiros alfaiates modistas perfumistas e floristas

construiacuteam uma realidade de consumo ateacute entatildeo desconhecida aqui O

endividamento tambeacutem toma conta da cidade como forma de se integrar a vida

social o que vem a causar desequiliacutebrios no orccedilamento domeacutesticos Um anuacutencio

assinado por certo ldquoMr Gadetrdquo e publicado ainda na deacutecada de 1840 no Jornal do

Comeacutercio prevenia os negociantes da Rua do Ouvidor que ele natildeo se

responsabilizaria pela vendas de objetos a creacutedito- possivelmente para sua esposa e

familiares - sem seu consentimento (RENAULT 1976)

A cidade se renovava e as pessoas viviam o luxo vindo direto da Europa para as

suas casas na maacutequina a vapor nas primeiras ferroviais na evoluccedilatildeo social com os

bondes e a integraccedilatildeo maior das periferias na iluminaccedilatildeo a gaacutes aleacutem da moda em

si que traz novos haacutebitos As viagens pela Europa para as famiacutelias mais abastadas

se torna algo possiacutevel e ateacute comum Mas o contraste eacute visiacutevel Em crocircnicas dos

jornais apresenta-se o melhor de Paris mas escrito em um ldquopeacutessimo francecircsrdquo pelos

jornalistas As salas de leitura e as livrarias recheadas de obras claacutessicas - algumas

de elevado niacutevel cultural e tiacutetulos em liacutengua estrangeira - esbarram no alto iacutendice de

analfabetismo satildeo 10 livrarias soacute no Rio de janeiro na deacutecada de 1850 (mas que

tambeacutem indica a quantidade de europeus ndash ingleses espanhoacuteis franceses e outros

ndash agora residindo no Brasil) e ao mesmo tempo as casas de famiacutelia ainda natildeo tem

um sistema de aacutegua encanada

Segmentos das elites nas deacutecadas de 60 e 70 passariam a contestar o regime

monaacuterquico atraveacutes dos movimentos republicano e abolicionista Mesmo alguns

fazendeiros que defenderam tenazmente a escravidatildeo progressivamente tornam-se

adeptos dos princiacutepios federalistas contidos nos ideais do movimento republicano

quando a situaccedilatildeo lhes era mais favoraacutevel economicamente Mesmo porque a

oposiccedilatildeo burguesia-aristocracia setores urbanos versus setores rurais caracteriacutestica

de outras sociedades natildeo se manifesta no Brasil com a mesma intensidade que em

paiacuteses europeus visto que o antagonismo que se registrou na Europa e gerou

alguns dos mais importantes movimentos revolucionaacuterios do periacuteodo entre burguesia

empresarial e aristocracia agraacuteria aqui era menos consistente Pela metade do

seacuteculo dezenove jaacute teriacuteamos fazendeiros com uma visatildeo mais progressista

apostando na matildeo de obra livre em melhorias no processo produtivo e ao mesmo

tempo uma parcela da burguesia que passa a comprar terras e participar

(associativamente ou mesmo por laccedilos familiares que viessem a ser criados) da

vida e do trabalho na propriedade rural Haacute uma tendecircncia maior entre as elites a

uma formaccedilatildeo de laccedilos de proteccedilatildeo muacutetuos (COSTA 1999)

Lembramos tambeacutem que o manifesto do Partido Liberal de 1868 previa a aboliccedilatildeo

apesar de natildeo haver um movimento organizado para isto Jaacute o Partido Conservador

silenciou sobre o assunto mas foi sob a administraccedilatildeo de gabinetes conservadores

que as leis abolicionistas vieram a acontecer (SKIDMORE 1989)

Golpe a golpe a monarquia vai perdendo sua legitimidade Aleacutem disso a partir da

deacutecada de 1870 o regime monaacuterquico entra em conflito com duas instituiccedilotildees

importantes que formavam outras duas bases de sustentaccedilatildeo do regime o Exeacutercito

e a Igreja Catoacutelica Entre os militares o positivismo pregava a liberdade e uma

postura moral que natildeo condizia com as antigas ideias escravocratas

O movimento proacute-repuacuteblica no Brasil que cresceu ao longo do periacuteodo tomava

proporccedilotildees irreversiacuteveis mas para que a alteraccedilatildeo na forma de governo se desse de

forma democraacutetica seria necessaacuterio uma Assembleia Geral majoritariamente

republicana o que natildeo deveria ocorrer posto que a populaccedilatildeo ainda apoiasse o

imperador e com a lei aacuteurea tinha-se medo do descontentamento dos escravos

com o possiacutevel fim da monarquia podendo acarretar uma revolta popular

(SCHWARCH 1999) Cientes desse problema os republicanos viram-se obrigados

a apelar para o ataque direto em associaccedilatildeo com militares de alta patente Em 15 de

novembro de 1889 D Pedro II foi deposto do trono e embarca para a Europa com a

famiacutelia no dia 17 de novembro sem alardes e sem despedidas puacuteblicas que

pudessem suscitar manifestaccedilotildees Eacute a partir desta alianccedila entre os proprietaacuterios

rurais do oeste paulista e os quadros da elite militar do Exeacutercito que chega no fim do

seacuteculo XIX a Repuacuteblica ao Brasil

22 O ESTADO DA ARTE DA IMPRENSA NO OITOCENTOS

Mas o oitocentos em meio a toda essa agitaccedilatildeo tambeacutem eacute um periacuteodo de

consolidaccedilatildeo da ldquopropostardquo de um paiacutes chamado Brasil um paiacutes novo natildeo mais

uma colocircnia detentor de um ideal proacuteprio que o substantiva em meio agraves outras

naccedilotildees como um ldquoigualrdquo entre elas D Pedro II em seus melhores anos vecirc e

estimula a extrema agitaccedilatildeo onde se busca em algumas ideias ou programas

poliacuteticos e culturais importados de outras naccedilotildees e (soacute algumas vezes) devidamente

adaptados para a ldquocor nacionalrdquo uma identidade para o Brasil Estamos mesmo

para usar uma expressatildeo de Antony Giddens (1991) na periferia

Apesar disso a identidade que se busca deve estar concernente com os elementos

os quais ela pretende representar que satildeo as elites que deteacutem o poder a partir de

1822 composta por comerciantes traficantes fazendeiros e elementos a estes

ligados interessados na grande propriedade agroexportadora e no traacutefico de

escravos e dos grupos de pressatildeo que com o tempo iram se aproximando e

afastando deste nuacutecleo inicial (COSTA 1999) buscando uma acomodaccedilatildeo

adequada durante todo o impeacuterio Schwarcz (1999) nos lembra de que na confecccedilatildeo

da primeira bandeira do Brasil imperial D Pedro I jaacute apostava nos ramos de cafeacute

ladeando o brasatildeo central como um siacutembolo nacional mesmo antes do cafeacute se

configurar como a riqueza que veio a ser

Os primeiros prelos chegam ao Brasil com D Joatildeo VI e natildeo havia uma imprensa no

Brasil no periacuteodo anterior Sodreacute (1999) registra uma pequena tipografia instalada no

Recife em 1706 sob autorizaccedilatildeo do governador da Proviacutencia Francisco de Castro

Morais mas jaacute em 08 de Junho do mesmo ano uma carta reacutegia potildee fim a empresa

Em 1746 novamente com autorizaccedilatildeo de um governador local ndash Gomes Freire ndash

transfere-se de Lisboa o impressor Antocircnio Isidoro da Fonseca para o Rio de Janeiro

e consegue por um breve tempo colocar em atividade pequena oficina tipograacutefica

que sob uma ordem reacutegia foi fechada e queimada Portugal natildeo queria uma

propagaccedilatildeo de ideias ldquoimproacutepriasrdquo dentro da colocircnia e tudo faria para evitar que isto

acontecesse Em Portugal as Ordenaccedilotildees Filipinas determinavam a proibiccedilatildeo da

impressatildeo de qualquer obra que natildeo passe pela censura dos desembargadores do

Paccedilo e dos oficiais do santo Ofiacutecio da Inquisiccedilatildeo (SODREacute 1999) A partir do

segundo quartel do seacuteculo XVII a igreja intensifica a fiscalizaccedilatildeo do conteuacutedo de

obras impressas ateacute que Pombal toma a frente e substitui a pratica pela instituiccedilatildeo

da ldquoReal Mesa Censoacuteriardquo que vigora de 1768 ateacute 1787 Os livros de conteuacutedo

classificado como proibido constituem bibliotecas particulares de alguns letrados e

geralmente satildeo impressas em outro paiacutes entrando em Portugal da mesma forma

que na colocircnia por meio de navios ingleses e franceses em forma de contrabando

Papeacuteis jornais e livros eram vendidos no cais por marinheiros a poliacutecia fiscalizava

livrarias e livreiros mas talvez toda essa pressatildeo acabasse por incentivar a criaccedilatildeo

de sociedades literaacuterias (e tambeacutem nas lojas maccedilocircnicas onde a natildeo se praticava um

pacircnico por autores franceses) onde era possiacutevel procurar e encontrar tiacutetulos

censurados Com a abertura dos portos em 1808 o comeacutercio ilegal se intensifica e a

situaccedilatildeo soacute melhora com a instalaccedilatildeo efetiva da Imprensa Reacutegia O Correio

Braziliense o primeiro jornal a discutir o cotidiano poliacutetico do Brasil e que tem seu

primeiro nuacutemero em junho de 1808 eacute produzido em Londres onde os olhos da

censura e da inquisiccedilatildeo natildeo alcanccedilam o redator tatildeo facilmente

As razotildees do atraso no desenvolvimento de uma imprensa no Brasil ultrapassam os

limites poliacuteticos descritos para esbarrar tambeacutem no problema tecnoloacutegico e de uma

cultura de censura preacutevia para os jornais Mesmo em Portugal nos conta Romancini

(2007) o jornalismo foi precedido pela publicaccedilatildeo sem periodicidade de folhas

impressas chamadas relaccedilotildees ou notiacutecias avulsas no final do seacuteculo XVI Apesar

das primeiras Gazetas de periodicidade mensal circularem desde a metade do

seacuteculo XVII dando iniacutecio assim a uma periodicidade para a publicaccedilatildeo de notiacutecias

impressas ateacute meados do seacuteculo seguinte ainda se conviveria com gazetas

manuscritas O primeiro jornal diaacuterio em Portugal seraacute o Diaacuterio Lisbonense de 1809

portanto posterior a vinda da famiacutelia real para o Brasil e a todo um conjunto de

mudanccedilas que isto viria a acarretar

Eacute sob a responsabilidade Antocircnio de Arauacutejo futuro Conde da Barca que chega ao

Brasil o material para uma oficina tipograacutefica ndash comprado na Inglaterra para a

Secretaria de Estrangeiros e da Guerra e que natildeo havia sido ainda instalado em

Portugal devido ao periacuteodo conturbado da transferecircncia da Corte para o Brasil D

Joatildeo ao saber do acontecido manda abrir a empresa para atender as necessidades

da coroa e possivelmente conseguir algum rendimento (a impressatildeo de cartas de

baralho para o divertimento das famiacutelias viria a trazer um bom lucro para a coroa)

Em ato real o priacutencipe determinava que uma junta apropriada examinasse os

materiais que solicitassem a impressatildeo e publicitaccedilatildeo para que nada se produzisse

de ofensivo contra a religiatildeo o governo ao aos bons costumes (SODREacute 1999) Em

10 de setembro de 1808 sai o primeiro nuacutemero da ldquoGazeta do Rio de Janeirordquo Um

jornal oficial que apesar de natildeo ter um conteuacutedo inovador marca o momento inicial

dos jornais impressos aqui

O ano de 1821 eacute relevante para a histoacuteria da imprensa brasileira Em 28 de agosto

DPedro entatildeo declarado priacutencipe-regente com o retorno de DJoatildeo VI a Portugal

decreta o fim da censura preacutevia a toda mateacuteria escrita tornando livre no Brasil a

palavra impressa Eacute um ato decorrente das deliberaccedilotildees das Cortes Constitucionais

de Lisboa em defesa das liberdades puacuteblicas e marca uma etapa de liberdade de

expressatildeo do pensamento

Com o passar dos anos tem-se a necessidade de formular uma logiacutestica para a

imprensa devido agraves vendas e ao crescimento das cidades Em 1844 o serviccedilo de

correios passa a entregar correspondecircncias nos domiciacutelios o que possibilitava um

sistema de assinaturas de impressos A partir de 1858 no Rio de Janeiro tem-se a

mobilizaccedilatildeo de negros forros e mulatos para o trabalho de entregadores mediante

pagamento para a venda avulsa regular nas ruas da cidade (BAHIA 1990) A partir

de entatildeo o sistema de distribuiccedilatildeo soacute melhora e o jornal como veiacuteculo de

comunicaccedilatildeo toma conta do Rio de Janeiro e de Satildeo Paulo

A busca por uma identidade para o Brasil tem na imprensa um lugar privilegiado

onde as opiniotildees e doutrinas vaacuterias buscavam conquistar a opiniatildeo puacuteblica como

forma de legitimaccedilatildeo de cada projeto individual (BASILE 2006) Satildeo as primeiras

deacutecadas de um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo que viria a se tornar poderoso no seacuteculo

seguinte como um agente de informaccedilatildeo das massas Segundo Hall

As culturas nacionais satildeo compostas natildeo apenas de instituiccedilotildees culturais mas tambeacutem de siacutembolos e representaccedilotildees Uma cultura nacional eacute um discurso ndash um modo de construir sentidos que influencia e organiza tanto nossas accedilotildees quanto a concepccedilatildeo que temos de noacutes mesmos (HALL 1998 p 50)

A imprensa o jornal diaacuterio eacute o meio por excelecircncia da poliacutetica Lugar onde os

discursos acontecem os debates satildeo esperados as pelejas travadas e a construccedilatildeo

dos sentidos vecircm a acontecer Mais do que no salatildeo da Cacircmara de Deputados eacute

impresso no jornal que o discurso chega ateacute o leitor que formaraacute em seu conjunto

de propostas criacuteticas e reclames a opiniatildeo puacuteblica Eacute a imprensa que faz chegar

notiacutecias e informaccedilotildees a uma plateias bem mais ampla levantando questotildees do

cotidiano trazendo as informaccedilotildees que ateacute entatildeo estavam em domiacutenio privado para

a esfera puacuteblica Os folhetos e panfletos do periacuteodo tem um caraacuteter tambeacutem

didaacutetico divulgando ideias ndash natildeo soacute liberais eacute certo ndash por meio de uma linguagem

acessiacutevel Muitas vezes encadeando textos respondendo a outros jornais ou

publicitando debates Eacute esta literatura poliacutetica que consolida palavras ideias

expressotildees do liberalismo para a maior parte das pessoas (NEVES 2001)

Hobsbawn (2010) falando do periacuteodo compreendido entre 1848 e a deacutecada de 1860

na Europa comenta a importacircncia dos jornais na formaccedilatildeo de um nacionalismo que

se baseia na cultura partilhada pelo maior nuacutemero de cidadatildeos O autor afirma que a

ideia nacional eacute construiacuteda pelos veiacuteculos de comunicaccedilatildeo e os grupos a estes

vinculados

() o movimento nacional tendia a tornar-se poliacutetico apoacutes sua fase sentimental e folcloacuterica com a emergecircncia de grupos mais ou menos expressivos dedicados agrave ideia nacional publicando jornais e literatura nacionais organizando sociedades nacionais tentando estabelecer instituiccedilotildees educacionais e culturais e engajando-se em vaacuterias atividades francamente poliacuteticas Mas de forma geral neste ponto o movimento ainda era carente de um apoio decisivo por parte da massa da populaccedilatildeo Consistia basicamente de um extrato social intermediaacuterio entre as massas e a burguesia ou a aristocracia existentes (se tanto) especialmente os literatos professores camadas inferiores do clero alguns pequenos comerciantes e artesatildeos urbanos (HOBSBAWN 2010 p 105)

Segundo Romancini (2007) eacute a imprensa criacutetica observadora e natildeo comprometida

com os interesses do Estado que tem suas raiacutezes no Correio Brasiliense27 que iraacute

contribuir para a formaccedilatildeo de uma opiniatildeo puacuteblica no Brasil

27

Correio Brazilience ou Armazeacutem Literaacuterio Jornal mensal editado por Hipoacutelito Joseacute da Costa desde 1808 em Londres e importado para o Brasil para fugir da censura da cora portuguesa Apesar de Hipoacutelito daCosta manter relaccedilotildees com a Corte e com o priacutencipe D Joatildeo chegando mesmo a receber ajuda financeira deste para mantecirc-lo relativamente livre de sua redaccedilatildeo criacutetica o Correio foi um modelo para o jornalismo poliacutetico a ser desenvolvido no Brasil (ROMANCINI 2007)

O impeacuterio foi o periacuteodo da histoacuteria brasileira em que a imprensa teve maior liberdade

de expressatildeo (CARVALHO 2004) mas ela natildeo era um poder independente Em sua

maior parte os jornais e panfletos estavam vinculados a organizaccedilotildees que visavam

como os partidos poliacuteticos ao poder

Havia folhas independentes como o Jornal do Commercio e os jornais radicais Mas eram poucos e com raras exceccedilotildees natildeo duravam muito A grande maioria era vinculada a partidos ou a poliacuteticos O governo tinha sempre seus jornais o mesmo acontecendo com a posiccedilatildeo Os jornalistas lutavam na linha de frente das batalhas poliacuteticas e muitos deles eram tambeacutem poliacuteticos Muitos poliacuteticos por seu lado escreviam em jornais nos quais o anonimato lhes possibilitava dizer o que natildeo ousariam na tribuna da

Cacircmara ou do Senado (CARVALHO 2007 p78)

Liberais conservadores progressistas histoacutericos puritanos todos tem o seu ldquooacutergatildeordquo

de comunicaccedilatildeo Todos tem um jornal seu com o intuito de divulgar e defender seus

ideais propostas e tendecircncias

Rodrigues (2008) comenta que os jornais foram importantes para a divulgaccedilatildeo do

liberalismo moderado pelo Brasil e daacute ecircnfase ao ldquoAurora Fluminenserdquo e ao ldquoSete de

Abrilrdquo que tem a frente Bernardo Vasconcelos e Evaristo Ferreira da Veiga

respectivamente Seus editoriais eram reimpressos em outros jornais do interior do

Rio de Janeiro e de outras regiotildees do paiacutes o que serviu como uma rede de

divulgaccedilatildeo para as ideias liberais

Neves (2001) sustenta que bem como os jornais os panfletos e folhetos de caraacuteter

poliacutetico tiveram papel importante para a divulgaccedilatildeo natildeo somente de ideias mas de

um vocabulaacuterio especiacutefico efetivamente didaacutetico com uma linguagem acessiacutevel

para que uma parte maior da populaccedilatildeo pudesse entender o desenvolvimento do

liberalismo mesmo que este soacute tenha enfatizado um parte do arcabouccedilo de ideias

liberais Toda essa estrutura de ldquomiacutediardquo acabava por propiciar o surgimento de uma

opiniatildeo puacuteblica que assimilava ideias discutia propostas e tomava partido O ideaacuterio

que se pretendia construir era a criacutetica ao despotismo como siacutembolo de um passado

que jaacute estava enterrado e o liberalismo como o ideaacuterio poliacutetico para os novos

tempos (NEVES 2001)

A imprensa do seacuteculo XIX de maneira geral tem por caracteriacutestica ser constituiacuteda ndash

em sua maioria ndash por jornais de vida curta geralmente se ocupando de causas

tambeacutem momentacircneas e tem como proprietaacuterio um indiviacuteduo ou um grupo pequeno

de empresaacuterios (natildeo necessariamente jornalistas) e eacute por excelecircncia poliacutetico

(PINTO 2003) O jornal eacute a representaccedilatildeo de fato e dos fatos para a sociedade um

ente poliacutetico dos mais importantes no momento E junto a ele dentro das

possibilidades existentes no seacuteculo XIX folhetos cartazes livros e muitos outros

suportes foram usados com o intuito de difundir discursos de teor ideoloacutegico Isso jaacute

eacute uma percepccedilatildeo de que a participaccedilatildeo de camadas cada vez maiores da populaccedilatildeo

ndash e natildeo somente da burguesia ndash se apresentavam como elementos emergentes para

a poliacutetica Hobsbawn (2011) nesta passagem nos informa sobre a percepccedilatildeo das

elites europeias da necessidade de um jornal que disseminasse suas ideias para o

povo apoacutes a seacuterie de revoluccedilotildees de 1848

Os defensores da ordem social precisaram aprender a poliacutetica do povo Esta foi a maior inovaccedilatildeo trazida pelas revoluccedilotildees de 1848 Mesmo os mais arqui-reacionaacuterios dos junkers prussianos descobriram naquele ano que precisavam de um jornal que pudesse influenciar a opiniatildeo puacuteblica ndash conceito em si proacuteprio ligado ao liberalismo e incompatiacutevel com a hierarquia tradicional (HOBSBAWN 2011 p41)

Para a Corte no Brasil assim como na Europa jaacute na segunda metade do seacuteculo XIX

os jornais do periacuteodo passam a publicar obras literaacuterias em folhetins Autores como

Manoel Antocircnio de Almeida Machado de Assis e Alencar ficaram famosos por conta

desse tipo de veiculaccedilatildeo e tal associaccedilatildeo da imprensa com a literatura que vai se

revelando no jornal impresso - jaacute no periacuteodo de nosso recorte ndash determina

caracteriacutesticas proacuteprias de um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo de massa (PINTO 2003)

Referir-nos-emos entatildeo a estes para uma melhor compreensatildeo da anaacutelise com o

vocaacutebulo ldquomiacutediardquo

Chartier (1991) nos alerta de que natildeo existe um texto fora do suporte que lhe

permita ser lido (ou ouvido) e que natildeo haacute compreensatildeo de um escrito qualquer que

seja que natildeo dependa das formas pelas quais ele atinge o leitor O princiacutepio do

discurso ideoloacutegico eacute o de ldquoalcancerdquo Quanto maior eacute o grupo atingido por uma

proposta maior eacute sua forccedila Eacute uma percepccedilatildeo de base estatiacutestica e natildeo filosoacutefica

Para que o discurso ideoloacutegico venha a surtir efeito eacute preciso que as ideias da classe

dominante se tornem as ideias de todos os membros da sociedade que todos (ou

sua maior parte) se identifiquem com elas E ainda para que a ideologia seja eficaz

o discurso deve se manter sempre o mesmo ignorando as mudanccedilas que possam

vir a acontecer (CHAUI 1997) Para tanto tambeacutem eacute necessaacuterio que a classe

dominante por meio de seus agentes e instrumentos eou instituiccedilotildees especiacuteficas

tratem de aleacutem de produzir suas ideias possam distribuiacute-las o que eacute feito por

exemplo atraveacutes da educaccedilatildeo da religiatildeo dos costumes dos meios de

comunicaccedilatildeo disponiacuteveis As ideias mudam de lugar conforme a interpretaccedilatildeo que

os homens lhe datildeo e no campo poliacutetico essas mudanccedilas nas ldquoorientaccedilotildeesrdquo dos

homens ocorrem com certa frequecircncia Eacute preciso confianccedila como tambeacutem partilhar

as ideias com o grupo e se possiacutevel com quem mais aparecer

23 SOBRE AS ELITES NO PODER

Apesar dos estudos sobre a burguesia e as elites natildeo serem uma novidade entre

noacutes uma pergunta metodoloacutegica insiste em aparecer ndash como nos lembra Flaacutevio

Heinz (2006) Onde comeccedilam e onde terminam as elites - Este mesmo autor

sugere que os limites tradicionais tendem a ficarem menos riacutegidos com o

aparecimento de pesquisas mais recentes e a inclusatildeo de novas categorias

profissionais e de diferentes recortes que modificam a visatildeo tradicional sobre o

assunto integrando outras fontes e apresentando possibilidades para a

interpretaccedilatildeo destas

Temos em mente que mesmo considerando tais limites para o segmento ldquoeliterdquo eacute

preciso lembrar como nos mostra Chauiacute que a elite descrita a que nos referimos

deve ser entendida como a ldquoclasse dominanterdquo e natildeo necessariamente os

ldquomelhoresrdquo homens e mulheres dentro de uma sociedade como o termo pode

sugerir (CHAUI 1997 p 48) Cabem aqui entatildeo algumas consideraccedilotildees agraves quais

tomamos por base a partir o modelo democraacutetico de Schumpeter (1984)

salientando que por se tratar de um modelo este nos permite uma gama maior de

possibilidades de interpretaccedilatildeo e uma flexibilidade em nossa anaacutelise tentando

abarcar um periacuteodo que apresenta contrastes acentuados Consideramos aqui que o

governo eacute exercido por elites poliacuteticas natildeo existe o chamado ldquobem comumrdquo como

uma meta de trabalho ou projeto de administraccedilatildeo do Estado que vaacute agradar ou

interessar a todos os segmentos da sociedade pelo simples fato de que para

indiviacuteduos grupos e classes diferentes este bem comum significa coisas diferentes

Neste caso consideramos a busca deste ldquobem comumrdquo como um fator de

subjetivaccedilatildeo que acaba por deslocar a ideologia partidaacuteria das metas do agente

poliacutetico o que termina dando a impressatildeo de que os partidos (seus integrantes no

caso) liberais ou conservadores democratas ou republicanos ou outros tantos satildeo

uma mesma coisa o objetivo primordial dos partidos poliacuteticos eacute conquistar e manter

o poder e a realizaccedilatildeo do ldquobem comumrdquo eacute um meio para atingir este objetivo

(SCHUMPETER 1984) a soberania popular embora natildeo seja nula eacute reduzida

visto que satildeo as elites poliacuteticas que propotildeem candidatos e alternativas para o eleitor

e no caso das eleiccedilotildees no impeacuterio isso eacute bem marcante E eacute preciso notar que um

importante aspecto da poliacutetica imperial eacute o de conseguir ter mantido a supremacia do

poder civil O exeacutercito e a marinha tiveram influencia reduzida nas decisotildees da

poliacutetica nacional e quando foi o caso seus representantes eram antes poliacuteticos

vinculados a algum dos partidos do que militares em cargos administrativos Um

caso singular eacute a figura de Caxias que mesmo na posiccedilatildeo de um heroacutei de guerra

com o comando geral das tropas no Paraguai teve de passar pelo crivo do conselho

de Estado para que fossem resolvidas seus desentendimentos com Zacarias de

Goacuteis

As decisotildees vimos partem de um grupo civil e eacute para estes civis que Alencar dirige

seu discurso A elite poliacutetica que chega ao poder depois da independecircncia e se

ldquoenraiacutezardquo com o fim do periacuteodo regencial apresentando caracteriacutesticas de unidade

ideoloacutegica de treinamento administrativo e de educaccedilatildeo A Corte no Rio de Janeiro

recebia representantes de todo o Brasil pois a Cacircmara dos deputados e o Senado

satildeo instituiccedilotildees sediadas naquela cidade Natildeo estamos considerando tatildeo somente a

sociedade carioca ou mesmo as oligarquias fluminenses do cafeacute que jaacute dava seus

frutos por ali mas as elites do Brasil na qualidade de seus representantes

Deputados senadores conselheiros altos funcionaacuterios da burocracia magistrados

fazendeiros traficantes de escravos banqueiros e outros mais transitando pelas

ruas estreitas do Rio de janeiro sem considerar os ricos comerciantes estrangeiros

(alguns enriqueceram ali mesmo) e alguns setores da monarquia espanhola que se

estabelecem no Brasil ainda no periacuteodo das revoluccedilotildees republicanas que se

espalharam pelo restante da Ameacuterica Latina encontrando no Rio de Janeiro o abrigo

de uma monarquia constitucionalista

Alfredo Bosi abre um capiacutetulo de sua Dialeacutetica da colonizaccedilatildeo onde se refere agrave

formaccedilatildeo do ldquonovo liberalismordquo com uma citaccedilatildeo de uma crocircnica de Machado de

Assis intitulada ldquoHistoacuteria de quinze diasrdquo na qual o romancista daacute lugar ao criacutetico

cruel do sistema social e poliacutetico do impeacuterio O recorte fala por si

As instituiccedilotildees existem Mas por e para 30 dos cidadatildeos Proponho uma reforma no estilo poliacutetico Natildeo se deve dizer ldquoconsultar a naccedilatildeo os representantes da naccedilatildeo os poderes da naccedilatildeordquo mas ldquoconsultar os 30 representantes dos 30 poderes dos 30rdquo A opiniatildeo puacuteblica eacute uma metaacutefora sem base haacute soacute a opiniatildeo dos 30 (ASSIS apud BOSI 2003 p222)

Cabe-nos demonstrar agora quantos e quais (estatisticamente no caso) seriam os

eleitores os que podiam participar ativamente do processo eleitoral em nosso

periacuteodo de recorte temporal notadamente aqueles a quem Alencar se dirigia em

suas cartas

As primeiras eleiccedilotildees para a composiccedilatildeo das cortes em 1821 adotaram

basicamente o voto universal masculino Jaacute nas eleiccedilotildees para a constituinte

brasileira foi exigida a idade miacutenima de 20 anos e a exclusatildeo de estrangeiros e

assalariados Com a constituiccedilatildeo outorgada por D Pedro I elevam-se as restriccedilotildees

com idade miacutenima de 25 anos exclusatildeo aos criados e adoccedilatildeo do criteacuterio de renda

miacutenima Em 1846 excluem-se os ldquopraccedilas-de-preacuterdquo aleacutem de alterar o caacutelculo de renda

miacutenima baseado na desvalorizaccedilatildeo da moeda em funccedilatildeo da inflaccedilatildeo O formato

determinava que em um primeiro momento designar-se-iam os votantes ndash com

renda superior a 100 mil-reacuteis anuais ndash que escolheriam os eleitores ndash com renda

superior a 200 mil-reacuteis anuais ndash que iriam escolher os deputados ndash com renda

superior a 400-mil reacuteis anuais Mas a limitaccedilatildeo de renda tinha pouca importacircncia a

maioria da populaccedilatildeo trabalhadora ganhava mais de 100 mil-reacuteis por ano Em 1876

o menor salaacuterio registrado no serviccedilo puacuteblico era de 600 mil-reacuteis (CARVALHO

2002) mas era preciso que houvesse alguma comprovaccedilatildeo

Em 1881 temos algumas mudanccedilas a eliminaccedilatildeo da eleiccedilatildeo em dois turnos e eacute

proibido o voto dos analfabetos aleacutem de tornar o voto em si voluntaacuterio Calcula-se

a partir de tais restriccedilotildees para o periacuteodo que estamos tratando um percentual de

13 da populaccedilatildeo total com possibilidades de participaccedilatildeo eleitoral que diminui

para quase 1 a partir da lei de 1881 (CARVALHO 2007) Todas estas medidas

foram tomadas com real intuito de diminuir a participaccedilatildeo popular na votaccedilatildeo

concentrando o sufraacutegio nas elites Hebbe Mattos (2000) nos informa que para ser

eleitor ndash e para conseguir algumas vantagens que a condiccedilatildeo lhe permitia ndash o

cidadatildeo natildeo poderia ter nascido ldquoingecircnuordquo (escravo) Mas analfabetos e ex-escravos

poderiam habilitar-se a eleitores de segundo grau e ateacute mesmo serem eleitos para a

vereanccedila (NOVAIS 1997)

Apesar de haverem algumas estrateacutegias para modificar esse quadro e conseguir

uma renovaccedilatildeo maior dos parlamentares com vistas a uma representaccedilatildeo popular

como a lei dos ciacuterculos e a adoccedilatildeo do voto distrital (que pouco tempo permaneceram

em vigor logo que comeccedilaram a proporcionar tais mudanccedilas) as eleiccedilotildees em sua

forma e dinacircmica estavam cada vez mais sob o controle das elites econocircmicas que

optavam por manter uma estabilidade no poder A forma que a eleiccedilatildeo se dava jaacute

era um complicador com a necessidade de que o eleitor votasse em tantos nomes

quantos houvesse cadeiras em sua assembleia Isto geralmente favorecia ao

candidato que pudesse ter uma representaccedilatildeo aleacutem dos limites locais o que era

conseguido atraveacutes das redes de relaccedilotildees que se compunham pelos demais

representantes ou pelos ldquopadrinhosrdquo poliacuteticos de cada candidato relaccedilatildeo que

geralmente era conseguida pelo partido mesmo que estas fossem descontinuadas

apoacutes a eleiccedilatildeo Para o pai de Alencar corria uma anedota no Cearaacute entre partidaacuterios

que anunciavam a falta de uma relaccedilatildeo com o senador depois de sua partida para a

Corte Quando se recebia uma notiacutecia da qual natildeo se tinha muito creacutedito uma

interjeiccedilatildeo de desconfianccedila prenunciava a frase - Tal coisa vai acontecer ()assim

que o Alencar me escrever ndash anunciavam aludindo a algum acontecimento

impossiacutevel por ali (MENEZES 1965) Com tudo isso acreditamos que Machado de

Assis em sua criacutetica estava sendo bastante otimista com os 30 anunciados

Sobre a formaccedilatildeo intelectual da elite local eacute importante lembrar que a constituiccedilatildeo

de 1824 entregando o ensino fundamental e meacutedio nas matildeos da igreja cria uma

educaccedilatildeo de caraacuteter religioso centrada mais na tradiccedilatildeo filosoacutefica e com certa

indiferenccedila pela pesquisa cientiacutefica mas impregnada pelo estudo das letras

determinada pela tradiccedilatildeo jesuiacuteta (SKIDMORE 1989) Portugal evitou criar em seus

domiacutenios ultramarinos faculdades ou universidades Os textos disponiacuteveis ficavam

restritos agraves bibliotecas dos conventos e agraves poucas escolas mantidas tambeacutem por

religiosos o que garantia certo controle sobre a divulgaccedilatildeo das ideias

ldquoprogressistasrdquo Natildeo havendo jornais em circulaccedilatildeo ou livros impressos visto que os

primeiros prelos chegam com a famiacutelia real em 1808 os leitores se contentavam

com a literatura produzida na Europa ndash traduzida ou natildeo o que jaacute limitava o nuacutemero

de leitores - e que atravessava o Atlacircntico em sua maior parte por via clandestina

Aqueles que tinham condiccedilatildeo econocircmica mandavam seus filhos para Portugal onde

faziam os estudos superiores na Universidade de Coimbra e adquiriam os valores

ditados pela metroacutepole Estes em sua maioria eram aproveitados para compor a

burocracia do impeacuterio em formaccedilatildeo Caiam quase sempre na poliacutetica

Em nuacutemeros temos o percentual de Senadores com educaccedilatildeo superior no periacuteodo

de 1853 a 1871 - portanto pertinente ao nosso recorte temporal - chegando a 80 e

o dos ministros dos diversos gabinetes a 96 do total Considerando que a

educaccedilatildeo militar ndash exeacutercito e marinha aos quais alguns poliacuteticos tambeacutem pertenciam

ndash recebida por um grupo desses parlamentares natildeo entra nesta base para o caacutelculo

final o nuacutemero de poliacuteticos que natildeo recebeu instruccedilatildeo eacute praticamente nulo Para os

conselheiros de Estado de 1840 a 1889 dos 72 homens que estiveram em seus

quadros apenas 02 natildeo possuiacuteam educaccedilatildeo superior O niacutevel educacional dos

deputados gerais se assemelha percentualmente ao dos senadores (CARVALHO

2007)

Depois da elite de Coimbra dominar os primeiros anos do impeacuterio vem o comeccedilo da

nacionalizaccedilatildeo com os cursos de Direito preferecircncia nacional para o ingresso na

elite poliacutetica via cargo puacuteblico Tais cursos satildeo criados no Brasil depois da

independecircncia em 1827 e comeccedilando efetivamente em 1828 Um em Satildeo Paulo e

outro em Olinda - transferindo-se o segundo posteriormente para a cidade do Recife

A presenccedila no poder de egressos da escola de medicina e engenharia tem o peso

relativo proporcional ao dos militares eacute o diferencial estava mesmo na formaccedilatildeo no

Direito O curso superior era o preacute-requisito para tentar um cargo no poder Sobre o

segundo e terceiro escalotildees da burocracia como bem nos mostra Joseacute Murilo satildeo

representados por diretores chefes de seccedilatildeo e uma gama de funcionaacuterios

especializados em sua maioria vinculada a algum ministeacuterio e que buscava nas

cidades principalmente o emprego puacuteblico como forma de sobrevivecircncia visto a

falta de postos de trabalho em outros setores A elite brasileira era em sua quase

totalidade letrada o que a afastava mais ainda da grande massa do povo sem

alfabetizaccedilatildeo

Carvalho (2007) sustenta que a homogeneidade ideoloacutegica eacute um dos importantes

fatores que iriam fornecer a possibilidade de constituir determinados modelos de

dominaccedilatildeo poliacutetica Uma elite homogecircnea tende a uma movimentaccedilatildeo em uma

mesma direccedilatildeo e garante ao menos a possibilidade de um projeto comum E eacute essa

homogeneidade que sugere que se possa conseguir certa estabilidade para

administrar conflitos dentro destes grupos O Brasil jaacute dispunha de tal elite quando

da independecircncia (que apesar de seguir os moldes portugueses jaacute apresentavam

caracteriacutesticas distintas mesmo por que seus grupos eram diversos procedentes de

muitas proviacutencias do Brasil) A composiccedilatildeo da elite vai se transformando lentamente

com o passar dos anos e com o crescimento do quantitativo de pessoas passiacuteveis

de acesso a esta na grande maioria composta de funcionaacuterios puacuteblicos Eacute uma

verdade a afirmaccedilatildeo de que os representantes da sociedade nesse periacuteodo satildeo

tambeacutem representantes do Estado Os estamentos como sustenta Bauman (2001)

lugares a que os indiviacuteduos pertenciam por hereditariedade aos poucos vatildeo dando

lugar as classes onde o pertencimento eacute fabricado pelo esforccedilo do indiviacuteduo por

sua vontade de pertencimento E ao mesmo tempo associadas as caracteriacutesticas

que a sociedade brasileira consegue ter neste momento de uma dinacircmica para a

consolidaccedilatildeo de um sistema liberal e ao mesmo tempo conservador de dominaccedilatildeo

Segundo Alencar o paiacutes tambeacutem eacute ldquoconduzidordquo pelo Estado Estaacute em suas matildeos

considerando que ldquoempresas industriais associaccedilotildees mercantis bancos obras

puacuteblicas operaccedilotildees financeiras privileacutegios fornecimentos todas essas fontes

abundantes de riquezas improvisadas emanam das alturas do poderrdquo (ALENCAR

2011 p99) A centralizaccedilatildeo da elite garantia ao mesmo tempo um Estado forte e

uma homeostase entre os grupos no poder em que os conflitos mais seacuterios e os

movimentos contestatoacuterios ficavam localizados nos municiacutepios onde era mais faacutecil

uma soluccedilatildeo (mesmo que em forma de accedilatildeo militar como no caso das revoltas no

periacuteodo regencial) Uma grande mudanccedila se efetua entre 1855 e 1868 quando o

partido liberal quase desaparece por completo depois de dominar o cenaacuterio poliacutetico

por aproximadamente 10 anos Eacute um periacuteodo de ascensatildeo de liberais histoacutericos e

conservadores dissidentes jovens lideranccedilas que aparecem no periacuteodo da

conciliaccedilatildeo De 1862 a 1868 haacute uma notoacuteria instabilidade no ministeacuterio durando em

meacutedia um ano cada gabinete Tudo isto em um momento de guerra externa que

produzia inflaccedilatildeo e consumia enorme quantidade de recursos puacuteblicos (CARVALHO

2007) Mas isto natildeo eacute sentido no cotidiano das elites econocircmicas que tem no Estado

sua fonte de renda quando natildeo de exploraccedilatildeo das rendas do proacuteprio Estado

Schwarcz (1999) nos daacute uma visatildeo interessante do interior de um sobrado citadino

em meados do seacuteculo XIX o padratildeo de moradia para a elite da corte onde temos

uma ideia de seu cotidiano luxuoso e requintado

() eacute na capital durante os anos de 1840 a 1860 que se cria uma febre de bailes concertos reuniotildees e festas A corte se opotildee agrave proviacutencia arrogando-se o papel de informar os melhores haacutebitos de civilidade tudo isso aliado agrave importaccedilatildeo dos bens culturais reificados nos produtos ingleses e franceses Nas casas os homens jogam voltarete gamatildeo xadrez e whist e os moccedilos o jogo da palhinha Jaacute as mulheres divertem-se com jogos de prenda de flores do bastatildeo do amigo ou amiga e do lenccedilo queimadordquo (SCHWARCZ 1999 p 156)

O teatro por exemplo estaacute entre as diversotildees mais apreciadas do periacuteodo Eacute o lugar

de encontros poliacuteticos flertes e namoros escondidos de encontros e desencontros

um lugar de diversatildeo Natildeo eacute a toa que a expressatildeo teatro poliacutetico tatildeo usado por

Nabuco Alencar e Machado tambeacutem se refira a possibilidade do puacuteblico participar

das seccedilotildees das casas legislativas como expectador Este vecirc se constrange ri

chora pode vaiar pode aplaudir Mas suas accedilotildees natildeo iratildeo modificar

substancialmente o andamento do espetaacuteculo poliacutetico Cabe lembrar que os teatros

(o espaccedilo fiacutesico) tambeacutem satildeo locais onde a propaganda poliacutetica tinha ldquoseu lugarrdquo

Usados como lugares para reuniatildeo geralmente pela localizaccedilatildeo e capacidade de

abrigar vaacuterias pessoas A tiacutetulo de exemplo registramos uma anotaccedilatildeo de Tavares

Bastos em seu diaacuterio sobre o uso do Teatro Phenix Dramaacutetica na Rua da Ajuda

para as ldquoconferecircncias radicais do Clube Radicalrdquo (ABREU 2007 p 129) Os

comiacutecios puacuteblicos soacute seratildeo uma realidade a proximidade do fim do seacuteculo com

homens como Lopes Trovatildeo que conseguiram levar a populaccedilatildeo agraves praccedilas puacuteblicas

em nome do partido republicado (COSTA 1999)

24 INTELECTUAIS E OPINIAtildeO PUacuteBLICA

Gramsci nos mostra que os intelectuais se formaram historicamente associados agraves

elites econocircmicas Sua funccedilatildeo dentro dos diversos ldquopartidosrdquo eacute o de organizaccedilatildeo e

disseminaccedilatildeo da ideologia Alencar eacute algueacutem que nasceu na tradiccedilatildeo da aristocracia

rural mas por sua atividade como jornalista advogado e poliacutetico e por seu ativismo

poliacutetico pode ser enquadrado na categoria de intelectual orgacircnico Aquele que

busca em sua praacutexis transformar ensinar e buscar soluccedilotildees para a sociedade Mas

Alencar estaacute longe de ser um elemento que surge do povo ou das ldquobases

popularesrdquo apesar de ter sido eleito deputado para vaacuterios mandatos Cabe lembrar

que as campanhas poliacuteticas no periacuteodo natildeo exigiam uma presenccedila constante do

candidato junto a sua base eleitoral Os eleitores ndash pouquiacutessimos decerto - satildeo

relativamente abastados (considerando natildeo haver um mercado de trabalho as

diferenccedilas entre os grupos satildeo grandes) configuram uma categoria da elite regional

que tendia a se identificar com um candidato mais pela rede de relaccedilotildees sociais a

que este representava ou estava associado do que propriamente agraves ideias de algum

dos partidos poliacuteticos em atuaccedilatildeo no periacuteodo

Eacute na literatura e no jornalismo aonde floresce a vocaccedilatildeo de Alencar como

intelectual eacute ali que se constitui a sua forma de estudar a realidade e de interagir

com ela Entendemos que para Gramsci (1976) a ideia de participaccedilatildeo na cultura

natildeo significa a simples aquisiccedilatildeo de conhecimentos ou uma atitude passiva do

sentimento humano mas sim posicionar-se frente agrave histoacuteria fazer a histoacuteria

acontecer mesmo que a poder das armas E a luta armada do intelectual vem na

forma de manifestos eacute a sua maneira de interagir com o puacuteblico (BOBBIO 1997)

buscando (incitando) a transformaccedilatildeo da realidade

A cultura estaacute relacionada com esta transformaccedilatildeo da realidade atraveacutes da busca e

da conquista de uma consciecircncia superior onde cada indiviacuteduo precisa conseguir

compreender o seu valor na sociedade (GRAMSCI 1976) Eacute a passagem do

momento corporativo ao momento eacutetico-poliacutetico da estrutura agrave superestrutura Isto eacute

expresso por Gramsci atraveacutes do seu conceito ampliado de poliacutetica a catarse O

momento em que a esfera dos interesses corporativos e particulares eleva-se ao

niacutevel da consciecircncia universal e as classes conseguem elaborar um projeto para

toda a sociedade atraveacutes de uma accedilatildeo coletiva Assim sair da passividade para

Gramsci eacute deixar de aceitar a subordinaccedilatildeo que o sistema capitalista impotildee a

alguns estratos da populaccedilatildeo

Alencar advogado brilhante e poliacutetico combativo eacute antes de tudo um homem das

letras Algueacutem que conhece a forccedila da palavra e como jornalista e editor o alcance

que um perioacutedico pode ter E ele usaraacute isso em seu favor Este intelectual buscaraacute

em suas leituras os conceitos claacutessicos do liberalismo com Adam Smith John Locke

Benjamim Constant e outros poucos livros que tinham em matildeos ndash vaacuterios ainda em

sua liacutengua original (RENALT 1976) - que lhes dariam o suporte para se sustentar

junto a tecnocracia administrativa que se formava situando-se em algum lugar

confortaacutevel entre o absolutismo e a democracia - em alguns casos entre o

constitucionalismo e o voto censitaacuterio entre o liberalismo e a igualdade

A tarefa a que se propotildee o Alencar que pode ser entendida tambeacutem como uma

espeacutecie de educaccedilatildeo ndash senatildeo das massas com os movimentos operaacuterios

principalmente no iniacutecio do seacuteculo XX e que natildeo se percebem ainda no periacuteodo mas

de grupos paulatinamente mais generalizados que se formam como resultado do

desenvolvimento das cidades ndash eacute praticado pelos intelectuais (sendo Alencar um

exemplo) como agentes de ligaccedilatildeo entre as elites e tais grupos visto que o projeto

educacional corresponde a uma necessidade de formaccedilatildeo intelectual e teacutecnica do

povo ateacute mesmo para uma maior qualificaccedilatildeo do trabalhador que pudesse gerar

com seu trabalho um desenvolvimento tecnoloacutegico dos meios de produccedilatildeo de

capital e tambeacutem para o periacuteodo um texto mais ldquoagradaacutevelrdquo e basicamente mais

acessiacutevel que seria um facilitador para que uma maior parte da populaccedilatildeo pudesse

conhecer as ideias liberais O sentido era didaacutetico e ideoloacutegico ao mesmo tempo de

forma que um grupo maior pudesse ser identificado com o movimento e dele

tomasse partido

Observe-se que em Gramsci a supremacia de um grupo social se manifesta de dois

modos como domiacutenio (coaccedilatildeo) e como direccedilatildeo intelectual e moral (consenso) Eacute no

consenso que o trabalho de Alencar busca organizar uma sociedade menos desigual

a partir da divulgaccedilatildeo de uma ideologia liberal (dentro dos limites do que se pode

entender como ldquoiguaisrdquo no liberalismo brasileiro estamos sempre no acircmbito de uma

aristocracia) de uma moral cristatilde que auxilia no projeto de dominaccedilatildeo do povo e da

defesa da propriedade privada esta extensiva ao projeto da escravidatildeo

Um grupo social pode e deve impor-se como dirigente (e seu modo de expressatildeo eacute

em geral o partido poliacutetico) e sua organizaccedilatildeo eacute o que lhe sustenta na busca de

uma posiccedilatildeo no poder Isto vale tanto para as elites como para os grupos de

trabalhadores Mas a maneira para que isto ser levado a cabo seria pela via da

informaccedilatildeo da educaccedilatildeo da politizaccedilatildeo enfim Algumas preocupaccedilotildees de Gramsci

satildeo tais como as de Alencar Como levar a discussatildeo poliacutetica para a maior parte da

populaccedilatildeo enquanto esta natildeo se preocupa com a realidade mas com os modismos

com as influencias externas Como politizar o povo (GRAMSCI 1976) O que se

nota eacute que tal discurso natildeo se dirige propriamente as massas ele jaacute existe ndash anterior

a Marx e Gramsci ndash e eacute usado como forma de dominaccedilatildeo para todos os grupos

sociais Segundo Gramsci (1999) os intelectuais que mesmo na Itaacutelia natildeo estavam

ligados agraves massas ldquodeveriamrdquo ligar-se como uma opccedilatildeo eacutetica e como uma opccedilatildeo

poliacutetica para a transformaccedilatildeo O que muda natildeo eacute necessariamente a forma do

discurso mas a direccedilatildeo e o puacuteblico a que se destina O poder natildeo eacute mantido apenas

atraveacutes da hegemonia de classe ou pela simples difusatildeo de ideias desta classe

que o assume eacute preciso accedilatildeo

Em Alencar natildeo observamos uma radicalizaccedilatildeo neste sentido apenas o uso cada

vez maior das formas de comunicaccedilatildeo disponiacuteveis ndash e de forma cada vez mais

diversa tentando alcanccedilar cada vez mais pessoas ndash no momento A sociedade civil

para Alencar aumentaria sua participaccedilatildeo poliacutetica quanto mais politizada estivesse e

quanto maior fosse desenvolvida sua capacidade criacutetica e o Estado natildeo seria assim

tatildeo somente a sociedade poliacutetica mas o resultado da accedilatildeo poliacutetica da sociedade civil

enquanto nuacutecleo formador da sociedade poliacutetica (GRAMSCI 1999) As ideias da

sociedade poliacutetica satildeo passadas como discurso ideoloacutegico para todo o grupo e em

Alencar percebemos a importacircncia senatildeo do formador mas principalmente do

divulgador de tais ideias algueacutem que por vezes pode efetivamente mudar a direccedilatildeo

do jogo dependendo da capacidade de inserccedilatildeo de propostas valores e ideias nos

diversos grupos Natildeo se trata aqui de buscar uma intencionalidade em Alencar

Este enquanto autor dos discursos existe em integraccedilatildeo com os outros ldquoeusrdquo o

leitor o intertexto A palavra e o enunciado ndash no caso ndash satildeo por natureza

ideoloacutegicos Natildeo haacute um significado que natildeo se refira (natildeo se remeta) ao social Todo

enunciado eacute um evento histoacuterico e ao mesmo tempo um ato social Eacute por meio de

enunciados que os agentes comeccedilam a compreender o mundo e depois agir sobre

ele Qualquer texto constitui uma forma de accedilatildeo verbal calculada para a leitura e

com o intuito de propiciar respostas internas e para uma possiacutevel reaccedilatildeo criacutetica ndash

positiva ou negativa - da sociedade Uma enunciaccedilatildeo eacute uma forma de poder Cada

enunciado eacute dirigido a algueacutem em uma situaccedilatildeo especiacutefica em um momento

especiacutefico do tempo As relaccedilotildees de poder imersas na linguagem determinam

tambeacutem as formas das relaccedilotildees sociais Os enunciados dialogam constantemente

com outros enunciados em sua constituiccedilatildeo O cotidiano natildeo existe em uma ordem

formal somos noacutes que tentamos organizaacute-lo mediante uma narrativa que se

pretende coerente e as relaccedilotildees entre os ldquofalantesrdquo que estatildeo sempre mudando

Tais mudanccedilas nas instituiccedilotildees se datildeo porque satildeo constituiacutedas nesse movimento

dinacircmico (STAN 1992) O texto se constitui como uma forma de accedilatildeo que visa

propiciar respostas internas e uma possiacutevel reaccedilatildeo criacutetica ndash positiva ou negativa - da

sociedade Alencar busca construir em seu texto uma resposta positiva empaacutetica

que pretende sugerir (quando menos) comportamentos determinados aos grupos

sociais a que se referem E quanto mais acessiacutevel eacute o discurso maior a sua

amplitude Eacute a relaccedilatildeo a que se chama dialogismo Os enunciados dialogam

constantemente com outros enunciados em sua constituiccedilatildeo e mesmo depois

quando assimilados por noacutes o que jaacute eacute uma das formas de assimilaccedilatildeo do discurso

dada pelo processo dialoacutegico (STAN 1992)

Essa hipoacutetese se sustenta na observaccedilatildeo de que os grupos poliacuteticos necessitam se

reproduzir e apesar do controle restrito do eleitorado (voto censitaacuterio) e dos

reconhecidos laccedilos de famiacutelia natildeo eacute soacute o nuacutecleo familiar o ldquoberccedilaacuteriordquo aonde poliacuteticos

iram encontrar e formar seus sucessores Os laccedilos de apadrinhamento satildeo comuns

e tambeacutem natildeo satildeo incomuns as escolhas de sucessores poliacuteticos pelo criteacuterio de

amizade tiacutepico do clientelismo em vigor no Brasil A escolha dependia de quem

estivesse disposto a assumir o discurso do poder Lembramos que Chauiacute (1997)

sustenta que a proliferaccedilatildeo dos discursos sobre a naccedilatildeo faz com que existam vaacuterias

ldquonaccedilotildeesrdquo dentro da naccedilatildeo cada uma determinado por um modo de pensar a

realidade a sociedade e a poliacutetica e apresentado a um grupo diferente Eacute no

bacharel um ldquoprotordquo poliacutetico elemento constituinte da opiniatildeo puacuteblica e objeto dos

jornais poliacuteticos que Alencar busca seu interlocutor O objeto de seu discurso que

visa ldquoconstruirrdquo uma opiniatildeo puacuteblica Hobsbawn (2010) afirma que a opiniatildeo puacuteblica

eacute um conceito em si proacuteprio ligado ao liberalismo A informaccedilatildeo eacute um agente

constituinte para a integraccedilatildeo dos novos grupos que passam a participar dos

movimentos poliacuteticos

Para a Europa o autor sustenta que as revoluccedilotildees europeias de 1848 mostraram

que a classe meacutedia o liberalismo a democracia poliacutetica e mesmo as classes

trabalhadoras seriam a partir de entatildeo presenccedilas permanentes no panorama

poliacutetico (HOBSBAWN 2010) E com relaccedilatildeo ao Brasil se ainda natildeo temos uma

classe operaacuteria com poder de luta Fora a classe privilegiada detentora de

educaccedilatildeo leitora de jornais detentora dos cargos poliacuteticos e do funcionalismo

puacuteblico compondo a burocracia a classe formadora de opiniatildeo a que nos referimos

ndash que podemos designar como opiniatildeo puacuteblica ndash muito pouco podemos observar da

interferecircncia popular nos processos poliacuteticos A direito ao voto por exemplo nos

conta Prado (2001) era conseguido (e exercido) pelos homens pobres possuidores

de poucas posses que constituiacuteam o grosso do eleitorado mas que em quase sua

totalidade estavam atrelados aos grandes proprietaacuterios de terras e de escravos

como no exemplo do ldquovoto de caixatildeordquo28 com Nabuco (FAORO 2004) o que

acabava por determinar certo conservadorismo nas eleiccedilotildees com os resultados

sempre tendendo ao continuiacutesmo e a solidariedade pelo chefe poliacutetico local mesmo

estas sendo constantemente vitimadas por fraudes e manipulaccedilotildees

Portanto a imprensa colaborou no processo de constituiccedilotildees e acesso de uma

opiniatildeo puacuteblica no Brasil A opiniatildeo puacuteblica pode ser entendida enfim como a

28

Conf Nota 21

participaccedilatildeo da populaccedilatildeo (ou de uma parte desta como vimos) na criacutetica aos

rumos de um determinado estado ou mesmo assunto relevante Apesar de alguns

comentadores negarem veementemente a possibilidade de uma opiniatildeo puacutebica

como no caso de Bourdier (1981) se baseando principalmente no fato de que

quando se coloca a mesma questatildeo para todo um grupo (por mais homogecircnio que

este possa vir a ser) estaacute impliacutecita assegura a hipoacutetese de que exista um consenso

sobre os problemas e que jaacute hajam acordos sobre as questotildees que merecem ser

colocadas e uma manipulaccedilatildeo nos caminhos a que tais propostas de opiniatildeo devam

revelar caracterizando o discurso da opiniatildeo puacuteblica como algo jaacute previamente

moldado preferimos nos basear em Becker (2003) que afirma que a opiniatildeo puacuteblica

se caracteriza exatamente pela diversidade o que lhe distingue como um estudo

mais aprofundado da sociedade que eacute capaz de indicar a atitude e o

comportamento dos homens enquanto em conjunto (enquanto massa) diante de sua

eacutepoca

3 LIBERALISMO E ESCRAVIDAtildeO NAS CARTAS DE ERASMO

31 LIBERALISMO E ESCRAVIDAtildeO

Pudemos observar no capiacutetulo anterior uma visatildeo geral do oitocentos no segundo

reinado e a intrincada relaccedilatildeo dos intelectuais e elites tendo suas ideias divulgadas

por meio da imprensa Mas quais seriam essas ideias Em nosso caso aqui

sustentamos que Alencar fez uma opccedilatildeo pelas ideias liberais que jaacute se

apresentavam por aqui desde antes do impeacuterio As ideias de liberdade chegam de

carona com a independecircncia americana em 1776 e a revoluccedilatildeo francesa em 1789 e

influenciam os movimentos abolicionistas pelo Brasil desde a inconfidecircncia mineira

e a conjuraccedilatildeo baiana29 ateacute os uacuteltimos movimentos revolucionaacuterios no periacuteodo

regencial

O termo liberalismo bem como liberdade tem sua raiz no termo ldquolivrerdquo Cunha

(1997) apresenta-nos as variaccedilotildees livre do latim libegraver liberal do latim libeacuteralis

liberdade do latim libertas ndashaacutetis que etimologicamente formaram o francecircs

libeacuteralisme Bobbio (1998) afirma que a definiccedilatildeo histoacuterica de liberalismo oferece

dificuldades especiacuteficas a menos que possamos admitir a existecircncia de diversos

liberalismos Em primeiro lugar porque o liberalismo se manifesta em diferentes

paiacuteses em tempos histoacutericos diversos e em funccedilatildeo disso o liberalismo se confronta

com problemas especiacuteficos que acabam por determinar sua fisionomia e conteuacutedos

Abbagnano (2007) explica que o liberalismo eacute uma doutrina que tem origens na

idade moderna no seacuteculo XVIII e se caracteriza por tomar para si a defesa da

liberdade no campo poliacutetico O liberalismo pode ser classificado em duas fases uma

primeira fase no seacuteculo XVIII caracterizado pelo individualismo e uma segunda

fase no seacuteculo XIX caracterizada pelo estatismo

A primeira fase eacute caracterizada pelas seguintes linhas doutrinaacuterias que constituem os instrumentos das primeiras afirmaccedilotildees poliacuteticas do Liberalismo a) jusnaturalismo que consiste em atribuir aos indiviacuteduos direitos originaacuterios e inalienaacuteveis b) contratualismo que consiste em considerar a sociedade humana e o Estado como fruto de convenccedilatildeo entre indiviacuteduos (ABBAGNANO 2007 p604)

Na economia o liberalismo combate a intervenccedilatildeo do Estado na sociedade

tentando fazer com que o mercado siga seu caminho Bem como negando o

absolutismo estatal definindo a accedilatildeo deste definindo seu papel em cada lugar

mediante a divisatildeo dos poderes

Jusnaturalistas e moralistas como Bentham acreditavam que bastava ao indiviacuteduo buscar inteligentemente sua proacutepria felicidade para estar buscando simultaneamente a felicidade dos demais A doutrina econocircmica de Adam Smith baseia-se no pressuposto anaacutelogo da coincidecircncia entre o interesse econocircmico do indiviacuteduo e o interesse econocircmico da sociedade (ABBAGNANO 2007 p604)

29

Haacute de se observar a diferenccedila entre as vertentes do pensamento liberal jaacute aqui A conjuraccedilatildeo baiana pregava o fim da escravidatildeo ao passo que entre os participantes da inconfidecircncia mineira a aboliccedilatildeo da escravidatildeo negra natildeo era uma meta

Essas ideias aparecem no campo poliacutetico com os filoacutesofos iluministas como John

Locke Thomas Hobbes e Rousseau que tentaram estabelecer os limites do poder

poliacutetico ao afirmar que existiam direitos individuais que nem os reis poderiam

ultrapassar Bastos (1999) afirma tambeacutem que a busca pelo modelo de Estado

Liberal eacute o coroamento de toda a luta do indiviacuteduo contra alguma tirania do Estado

ldquoSeu pressuposto fundamental eacute que o maacuteximo de bem-estar comum eacute atingido em

todos os campos com a menor presenccedila possiacutevel do Estadordquo (BASTOS 1999

p139) A construccedilatildeo desse Estado liberal em contraposiccedilatildeo ao Estado absoluto eacute

dada pelo jusnaturalismo que eacute

() a doutrina segundo a qual o homem todos os homens indiscriminadamente tem por natureza e portanto independente de sua proacutepria vontade e menos ainda da vontade de alguns poucos ou de apenas um certos direitos fundamentais como o direito a vida agrave liberdade agrave seguranccedila agrave felicidade ndash direitos estes que o Estado ou mais concretamente aqueles que num determinado momento histoacuterico detecircm o poder legiacutetimo de exercer a forccedila para obter a obediecircncia a seus comandos devem respeitar e portanto natildeo invadir e ao mesmo tempo proteger contra toda possiacutevel invasatildeo por parte de outros (BOBBIO 1998 p11)

A segunda fase comeccedila quando esse postulado entre em crise na medida em que o

liberalismo individualista parecia defender os interesses de uma classe determinada

de cidadatildeos a burguesia que se consolidava nas cidades Teoacutericos contratualistas

como Rousseau e Burke e mesmo Hegel posteriormente afirmam que a teoria da

infalibilidade da vontade geral resultante da alienaccedilatildeo total de cada associado com

todos os seus direitos em favor de toda a comunidade transforma aquilo que para o

individualismo eacute do interesse individual como interesse estatal e de certa forma

absorvendo-o Dessa feita ia-se afirmando a superioridade do Estado sobre o

indiviacuteduo contra o que o liberalismo tinha lutado em sua primeira fase

(ABBAGNANO 2007)

As ideias de liberdade poliacutetica combinaram com as propostas de liberdade

comercial algo que se entendia ser beneacutefico a todos sendo assim posteriormente

associadas a defesa e desenvolvimento do capitalismo (HOBSBAWM 2010) O

chamado liberalismo econocircmico prega o fim da intervenccedilatildeo do Estado na produccedilatildeo

de riquezas o fim dos monopoacutelios e outras medidas protecionistas e incentivava a

livre concorrecircncia no mercado No Brasil as ideias liberais tomam forccedila a partir do

iniacutecio do seacuteculo XIX notadamente a partir da independecircncia em 1822 sob influecircncia

tambeacutem da revoluccedilatildeo liberal do Porto de 1820 mas tomando aqui suas

caracteriacutesticas proacuteprias Costa (1999) sustenta que o liberalismo brasileiro deve ser

entendido com referecircncia a realidade brasileira Tendo entre seus adeptos homens

ligados a economia agroexportadora ao traacutefico de escravos e os grandes

proprietaacuterios de terras que buscavam maior espaccedilo para seus produtos fora do

controle de Portugal Para tanto a situaccedilatildeo de colocircnia natildeo poderia ser aceita de

forma alguma

O liberalismo eacute uma corrente de pensamento vastiacutessima e que abrange vaacuterios

campos do pensamento humano Natildeo pretendemos aqui esgotar sequer algumas de

suas possibilidades nem tampouco discutir os valores filosoacuteficos do liberalismo

Este nos eacute apresentado como um movimento que busca a realizaccedilatildeo da liberdade

as garantias da propriedade privada e da vida humana Poreacutem nem sempre a

organizaccedilatildeo do pensamento liberal estaacute associada da ideia democraacutetica A

discussatildeo das ideias liberais no Brasil por exemplo exerceu influecircncia na Carta de

1824 A questatildeo eacute quais seriam as ideias que Alencar buscava apresentar em seu

discurso Satildeo as ideias desse poliacutetico caracterizadas como ideias liberais Haacute uma

comunhatildeo entre o liberalismo e a escravidatildeo Para comeccedilar a responder a tais

questotildees os intelectuais brasileiros se detiveram nas propostas do liberalismo

claacutessico representado pelo pensamento de ndash entre outros ndash T Hobbes Locke

Adam Smith Rousseau Bentham e Mill tentando traccedilar entre eles um caminhos

que justifique a implantaccedilatildeo do liberalismo poliacutetico no Brasil Esse caminho tambeacutem

seraacute trilhado por Alencar Vejamos como foi a adequaccedilatildeo do liberalismo agrave realidade

brasileira

32 LIBERALISMO E ESCRAVIDAtildeO O MODELO BRASILEIRO

A tiacutetulo de complementaccedilatildeo depois desse esboccedilo que natildeo se pretende exaustivo

podemos observar tambeacutem como bem nos diz Schwartz (1991) citando um panfleto

antiescravagista do segundo reinado um dos princiacutepios da economia poliacutetica eacute o

trabalho livre E no Brasil temos portanto o fato ldquoimpoliacuteticordquo da escravidatildeo O autor

adverte que o que se configurava como uma ideologia para as classes em ascensatildeo

na Europa vem a converte-se no Brasil em ideologia que constituiacutea o pano de

fundo dos interesses de uma elite escravocrata Dessa feita o liberalismo perderia

seu caraacuteter universalista passando a defender prioritariamente interesses

particulares

Durante o impeacuterio temos a formaccedilatildeo de dois grupos poliacuteticos distintos que

caracterizariam o periacuteodo com suas lutas e conciliaccedilotildees inclusive com a ldquotroca de

ladordquo de figuras relevantes satildeo eles o partido conservador e o partido liberal Muitas

das ideias que poderiam ser tomadas como liberais foram implantadas no Brasil

pelos conservadores mas nenhuma delas deixava de buscar a realizaccedilatildeo de

interesses particulares de uma elite social e poliacutetica e a manutenccedilatildeo da exploraccedilatildeo

do trabalho

Apoacutes a Independecircncia em 1822 o formaccedilatildeo do Estado Brasileiro toma corpo com

os princiacutepios de um estado regulador baseado em um governo de tradiccedilatildeo

absolutista poreacutem nascido sob a aclamaccedilatildeo de alguns preceitos especiacuteficos do

liberalismo Os processos de independecircncia dos Estados Unidos em 1776 a

Revoluccedilatildeo Francesa (1789-1799) e os movimentos de independecircncia que ocorriam

nas colocircnias espanholas no periacuteodo satildeo influecircncias determinantes

Segundo Costa (1999) o liberalismo estaacute vinculado ao desenvolvimento do

capitalismo e a criacutetica ao ldquoantigo regimerdquo Surge do enfretamento entre a burguesia

e o abuso da autoridade real como a concessatildeo de privileacutegios ao clero e da nobreza

e a manutenccedilatildeo de monopoacutelios Os liberais defendiam os teoacutericos do contrato social

afirmavam a soberania do povo e a supremacia da lei Lutavam ainda pela

representatividade frente ao governo e o direito a propriedade e a liberdade de

comercio e de trabalho No Brasil as elites poliacuteticas se julgavam aptas a gerir este

novo modelo de soberania Tais elites viam na monarquia constitucional o caminho

para se conseguir manter o povo sob controle restringir o poder do imperador e

conseguir a unidade e a estabilidade poliacutetica (COSTA 1999) O ideal liberal

proposto tambeacutem pela revoluccedilatildeo do Porto em 1820 segundo Carvalho (2007) foi o

fomento necessaacuterio para o processo de independecircncia da colocircnia Ao mesmo

tempo a heranccedila do pensamento poliacutetico portuguecircs assimilado pela elite brasileira

fora a responsaacutevel pela homogeneizaccedilatildeo de seus princiacutepios o que muito contribuiu

para a feitura de um projeto comum de naccedilatildeo coesa aos interesses da elite

A assimilaccedilatildeo dos ideais liberais de por alguns atores poliacuteticos que participaram do

processo de independecircncia advecircm de sua formaccedilatildeo intelectual concluiacuteda nas

universidades europeias principalmente em Coimbra o que lhes possibilitou um

contado direto com os fundamentos do liberalismo europeu Esses homens tinham

seus interesses relacionados a economia agroexportadora eram em geral

proprietaacuterios de grande extensatildeo de terras e elevado nuacutemero de escravos Portanto

tencionavam manter as tradicionais estruturas de produccedilatildeo ao mesmo tempo em

que se libertariam de Portugal e das restriccedilotildees que a relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo da

metroacutepole lhes impunha Significava enfim determinar a sobrevivecircncia de um

sistema de clientela e patronagem que representava os ideias que as revoltas

liberais europeias tentavam destruir Esse era o principal problema lidar com a

contradiccedilatildeo entre o liberalismo e a manutenccedilatildeo do trabalho escravo (COSTA 1999)

Podemos distinguir segundo Carvalho (2007) dois tipos de liberalismo no Brasil

Um deles ligado aos proprietaacuterios rurais ligados a economia de exportaccedilatildeo e trafico

de escravos e aquele dos profissionais urbanos que comeccedilas a aparecer a partir

das deacutecadas de 185060 com o maior desenvolvimento urbano e o aumento do

niacutevel de escolaridade nas cidades com a criaccedilatildeo das primeiras faculdades

Faoro (2004) tambeacutem argumenta que podemos identificar duas formas distintas de

liberalismo ao longo do seacuteculo XIX no Brasil O primeiro liberalismo vem de uma

ideologia de longa duraccedilatildeo e pode identificar seu marco fundamental em 1808 com

a abertura dos portos por D Joatildeo libertando das amarras de Portugal a produccedilatildeo

agriacutecola que agora busca ndash sem intermediaacuterios diretos - o comeacutercio internacional

poreacutem com acentuado favorecimento agrave Inglaterra As medidas satisfazem a uma

exigecircncia da Inglaterra e ao mesmo tempo aos produtores locais que se sentiam

limitados pelo pacto colonial Outro marco eacute a Independecircncia e a posterior outorga

da constituiccedilatildeo por D Pedro I que estabelece as normas para a representaccedilatildeo

poliacutetica o voto censitaacuterio e o funcionamento dos poderes legislativo e executivo

mediante uma combinaccedilatildeo de parlamentarismo e monarquia O segundo liberalismo

chega com as ideias de Joaquim Nabuco encabeccedilando um grupo reformista que

pretende as eleiccedilotildees diretas busca a limitaccedilatildeo dos poderes do Senado e do Poder

Moderador e em certa medida a defesa da aboliccedilatildeo da escravidatildeo para um futuro

proacuteximo (FAORO 2004)

a realidade socioeconocircmica no Brasil era muito diferente da europeia o que

acarretava em uma dificuldade na disseminaccedilatildeo dos ideais liberais para as camadas

populares visto que os niacuteveis de analfabetismo eram altos e os meios de

comunicaccedilatildeo poucos o que determinava uma marginalizaccedilatildeo do povo na vida

poliacutetica Tambeacutem o fato de que no Brasil o predomiacutenio de uma sociedade estamental

formada por donos de latifuacutendio que controlavam trabalhadores comuns e escravos

e a ausecircncia de uma burguesia dinacircmica que pudesse servir de suporte a esses

ideais Tudo isto fazia com que se esvaziasse o conteuacutedo dos manifestos em favor

das formas representativas de governo da soberania do povo da liberdade e

igualdade como direitos de todos os homens quando o que se via era a maior parte

da populaccedilatildeo alienada da vida poliacutetica e a manutenccedilatildeo da escravidatildeo (COSTA

1999 p29)

Em um dos periacuteodos mais conturbados da Histoacuteria do Brasil que eacute o periacuteodo da

regecircncia que vai de 1831 com a abdicaccedilatildeo de D Pedro I ateacute 1840 com o golpe da

maioridade podemos identificar uma seacuterie de movimentos poliacuteticos e trecircs facccedilotildees

que disputavam o poder os restauradores os liberais exaltados e os liberais

moderados

O grupo restaurador representava uma parte da classe dominante que apoiara D

Pedro I Com a abdicaccedilatildeo em favor de seu filho passaram a batalhar por seu

retorno ao trono brasileiro agitando os primeiros anos da Menoridade Acreditavam

que soacute uma monarquia com um regente de pulso forte e autoritaacuterio conseguiria

manter a uniatildeo do impeacuterio Seu braccedilo principal estava no senado e no Clube militar

Com a morte de D Pedro I em 1834 os caramurus ndash como eram chamados -

passaram a compor com os moderados o ldquoregresso conservadorrdquo

Os liberais moderados representavam a outra parcela da aristocracia Buscavam a

monarquia mas pelo vieacutes constitucionalista uma vez que a Constituiccedilatildeo de 1824

assegurava a sua continuidade no poder O liberalismo que rotulava essa facccedilatildeo era

apenas de fachada adequado agraves suas necessidades de classe dominante Este

grupo predominou durante os primeiros anos das Regecircncias tendo como um de

seus liacutederes principais Evaristo da Veiga Empenharam-se no combate aos

restauradores e exaltados federalistas na defesa da ordem e da centralizaccedilatildeo

fornecendo subsiacutedios para a orientaccedilatildeo governista

Os liberais exaltados que pretendiam-se uma esquerda liberal (um pouco mais a

esquerda do que os outros grupos) tambeacutem tinham viacutenculos com algumas parcelas

da aristocracia rural mas conseguiam alcanccedilar alguns outros grupos chegando

mesmo a arregimentar uma camada de homens livres destituiacutedos de propriedades

ou pequenos proprietaacuterios Variando de regiatildeo para regiatildeo desenvolviam atividades

nos centros urbanos ou nos campos oscilando numa relaccedilatildeo de dependecircncia entre

a classe dominante e a classe trabalhadora livre (FAUSTO 2001)

Enquanto os moderados defendiam a manutenccedilatildeo da ordem e das instituiccedilotildees

opondo-se a qualquer alteraccedilatildeo mais radical no contexto poliacutetico os liberais

exaltados eram reformistas Defendiam a liberdade ndash em alguns locais para

realmente todos os homens ndash e as reformas poliacuteticas chagando mesmo a defesa

do republicanismo Defendiam tambeacutem maior autonomia das proviacutencias em

contraproposta a tendecircncia centralista que se fortalecia (FAUSTO 2001)

Os membros do grupo moderado eram os regente e deputados Padre Diogo

Antocircnio Feijoacute Evaristo da Veiga Bernardo Pereira de Vasconcelos e o grande

proprietaacuterio de terras e escravos Honoacuterio Hermeto Carneiro Leatildeo

Jaacute o grupo de liberais exaltados (ou radicais) tinha como uma das principais

lideranccedilas Miguel de Frias (que ficou famoso por ter recebido a carta com a

abdicaccedilatildeo de D Pedro I) Eram favoraacuteveis agrave repuacuteblica desejavam a aplicaccedilatildeo das

ideias liberais mesmo que a custa de luta armada Agrave frente do grupo de

restauradores estavam os irmatildeos Andrada

Segundo Rodrigues (2008) a violecircncia social foi caracteriacutestica da regecircncia e com a

maioridade os uacuteltimos resquiacutecios de dissenccedilotildees foram resolvidos institucionalmente

com o fim das revoltas populares pelo interior do Brasil afastando assim os focos de

tendecircncias mais radicais Eacute a partir da ascensatildeo desse grupo moderado que se

solidifica a vertente conservadora que

() admitia a escravidatildeo a participaccedilatildeo poliacutetica restrita aos proprietaacuterios de terras e o modelo de organizaccedilatildeo juriacutedico-poliacutetico monaacuterquico Desse modo os liberais conservadores da regecircncia lutavam pela aboliccedilatildeo das instituiccedilotildees coloniais contra o despotismo o poder da aristocracia portuguesa contra a interferecircncia do Estado na vida econocircmica e pela defesa da propriedade incluindo os escravos (RODRIGUES 2008 p158)

A base de sustentaccedilatildeo do grupo moderado que se apresentava entatildeo como um

representante dos cafeicultores incluiacutea proprietaacuterios e comerciantes e tambeacutem o

grupo dos intelectuais urbanos ciando um ponto de aglutinaccedilatildeo para os outros

setores da classe proprietaacuteria

Bosi (1988) afirma que o paradoxo entre liberalismo e escravidatildeo foi somente verbal

O liberalismo ativo do trabalho ndash e do trabalhador ndash livre ldquosimplesmente natildeo existiu

enquanto ideologia dominante no periacuteodo que se segue agrave Independecircncia e vai ateacute

os anos centrais do Segundo Reinadordquo (BOSI 1998 p 05) O autor tambeacutem afirma

que para entender a articulaccedilatildeo liberal com o regime escravagista eacute necessaacuterio

compreender o modo de pensar das classes poliacuteticas dominantes no impeacuterio que se

impocircs a partir da independecircncia e se consolida entre 1831 e 1860

aproximadamente Segundo ele o que dominou em todo esse periacuteodo no Brasil foi

um ideaacuterio de fundo conservador Um conjunto de normas juriacutedico-poliacuteticas capazes

de garantir a propriedade fundiaacuteria e a escravidatildeo negra ateacute o seu limite Para que

possamos nos inteirar deste paradoxo eacute preciso entender a ascensatildeo dos grupos

que defendiam o trabalho escravo e seus liacutederes

Formado ao longo das crises da Regecircncia o nuacutecleo conservador definiu-se pela voz dos seus liacutederes Bernardo Pereira de Vasconcelos Arauacutejo Lima e Honorio Hermeto como o Partido da Ordem no ano criacutetico de 1837 e logo apoacutes a renuacutencia de Feijoacute A sua histoacuteria eacute a de uma alianccedila estrateacutegica flexiacutevel mas tenaz entre as oligarquias mais antigas do accediluacutecar nordestino e as mais novas do cafeacute no Vale do Paraiacuteba as firmas exportadoras os traficantes negreiros os parlamentares que lhes davam cobertura e o braccedilo militar chamado sucessivas vezes nos anos de1830 e 40 para debelar surtos de facccedilotildees que espocavam nas proviacutencias Ao radicalismo impotente desses grupos locais opocircs-se desde o comeccedilo o chamado liberalismo moderado que exerceu de fato o poder tanto na fase regencial quanto nos anos iniciais do Segundo Impeacuterio As divisotildees internas natildeo tocaram sua unidade profunda na hora da accedilatildeo (BOSI 1998p05)

Rodrigues (2008) tambeacutem sustenta que Bernardo de Vasconcelos e Evaristo

Ferreira da Veiga com mandatos de deputados durante a regecircncia ldquolideravam o

grupo dos liberais moderados que representava os interesses dos proprietaacuterio de

terras e dos cafeicultores Naquele momento o cafeacute era o principal produto na pauta

de exportaccedilatildeo do Brasil a partir de 1831rdquo (RODRIGUES 1988 p155) Nesse

contexto estes representantes dos cafeicultores dificilmente iriam contra a poliacutetica

da escravidatildeo visto a falta de braccedilos para a lavoura e os lucros advindos do

trabalho escravo O liberalismo praticado pelo grupo vai se tornando cada vez mais

conservador visto a necessidade de manter os interesses e o predomiacutenio do grupo

dominante Admite esta autora que ldquoo liberalismo poliacutetico posto em praacutetica pelo

grupo moderado teve como objetivo a defesa dos interesses dos proprietaacuterios e natildeo

a alteraccedilatildeo da ordem vigenterdquo (RODRIGUES 1988 P157) Com o advento da

Regecircncia os uacuteltimos focos de um liberalismo mais radical foram suprimidos com o

fim dos movimentos revoltosos pelo paiacutes o que abriu espaccedilo para a consolidaccedilatildeo

do modelo liberal conservador com alguns ajustes e concessotildees que o ajudaram a

aglutinar as dissidecircncias dos outros grupos

A importacircncia de Bernardo de Vasconcelos e Evaristo da Veiga como divulgadores

do liberalismo pode ser observada principalmente em seu trabalho como jornalistas

a frente dos jornais ldquoO Sete de Abrilrdquo e o ldquoAurora Fluminenserdquo respectivamente Tal

influencia natildeo se limita a Corte visto que outros perioacutedicos reeditavam seus

editoriais chegando o seu alcance desde o interior do Rio de Janeiro ateacute outras

proviacutencias particularmente agrave regiatildeo centro-sul do paiacutes Daiacute podemos ter uma ideia

do poder da imprensa como divulgadora de ideias ndash liberais ou natildeo ndash para os grupos

letrados Bernardo Vasconcelos chega a estabelecer uma diferenciaccedilatildeo entre os

dois liberalismos identificando os radicais como aqueles que norteavam-se pelas

ideias de Rousseau e acreditavam na luta armada e os liberais conservadores como

adeptos da conciliaccedilatildeo e a compatibilizaccedilatildeo dos novos com os antigos valores

(RODRIGUES 2008)

Neves (2001) sustenta que o liberalismo no Brasil se alavanca a partir da revoluccedilatildeo

vintista em Portugal erguida ldquoem nome da Constituiccedilatildeo da naccedilatildeo do rei e da

religiatildeo catoacutelicardquo (NEVES 2001 p76) propondo reformas que pudessem garantir ao

indiviacuteduo direitos de cidadania liberdade de expressatildeo de imprensa dentre outros

buscando o fim do despotismo como uma soluccedilatildeo para o impeacuterio O movimento tem

a adesatildeo do Paraacute e da Bahia seguidos posteriormente pelo Rio de Janeiro sendo

segundo a autora assimilada sem dificuldade pelos elementos das elites poliacutetica e

intelectuais no Brasil A proposta era buscar o novo mas sem abrir matildeo dos antigos

privileacutegios econocircmicos Esta autora sustenta que os jornais panfletos e pasquins

editados no periacuteodo auxiliaram a tomada de um vocabulaacuterio ldquoliberalrdquo pelo grande

puacuteblico que acompanhava as criacuteticas de intelectuais contra o regime divulgadas nas

diversas publicaccedilotildees criando uma rede de ideias que se multiplicava por vaacuterias

partes do paiacutes

Para Gorender (2002) os princiacutepios liberais levados adiante pelos comerciantes e

plantadores era o direito de ter uma representaccedilatildeo no estado fora das limitaccedilotildees

impostas pela poliacutetica colonial Esse processo segundo ele tem inicio apenas com a

abdicaccedilatildeo em 1831 visto que D Pedro I ainda era um representante de Portugal

aqui em nossas terras Gorender afirma que o liberalismo europeu defende o

trabalho livre a eliminaccedilatildeo das injunccedilotildees feudais do pagamento da corveia e de

todos os demais tributos que caracterizaram o sistema feudal Mas lembra tambeacutem

que o proacuteprio Adam Smith natildeo era contra a escravidatildeo nas colocircnias Ou seja o

liberalismo europeu segundo um de seus mais importantes representantes jaacute nasce

sob esta contradiccedilatildeo O autor tambeacutem sustenta que mesmo com a Revoluccedilatildeo

Francesa tendo decretado a libertaccedilatildeo dos escravos em suas colocircnias francesas

Napoleatildeo restabelece a escravidatildeo oito anos depois (GORONDER 2002) Apesar

da liberdade ser um valor importante na Europa aparentemente nas colocircnias a

poliacutetica praticada natildeo era a mesma O que nos leva a entender melhor a relaccedilatildeo

liberalismoescravidatildeo no Brasil Tambeacutem podemos lembrar aqui que mesmo as

instituiccedilotildees religiosas natildeo foram totalmente contraacuterias a escravidatildeo visto que as

ordens religiosas no Brasil mantinham escravos negros

Por tudo isso podemos entender que no processo de formaccedilatildeo do Estado Imperial

Brasileiro havia diferentes leituras e objetivos para o uso do liberalismo ligadas a

interesses especiacuteficos Por um lado como enfatiza Mattos (1987) a accedilatildeo do grupo

conservador no impeacuterio seguia no sentido da construccedilatildeo de monopoacutelios como uma

certa continuidade da poliacutetica que era praticada no periacuteodo colonial enfatizando as

relaccedilotildees de dominaccedilatildeo sustentadas pela coroa Costa (1999) identifica uma certa

originalidade no movimento poliacutetico brasileiro do periacuteodo tentando interpreta-lo

como uma figura hiacutebrida onde os elementos conservadores permanecem criando

uma amalgama com as praacuteticas liberais aceitas estruturando as instituiccedilotildees e a

visatildeo de mundo dos agentes poliacuteticos das elites dominantes sustentados pelas

classes intermediaacuterias que se desenvolvia nas cidades mas que ao mesmo tempo

viam no sistema agroexportador baseado na escravidatildeo uma dificuldade para o

desenvolvimento do capitalismo E haacute mesmo aqueles que como Carvalho (2007)

que chega a subestimar o aspecto liberal enfocando o periacuteodo na perspectiva de

que havia um pensamento conservador dominante prevalecendo no pensamento

poliacutetico local sendo a conciliaccedilatildeo entre as correntes de pensamento e os partidos a

poliacutetica da coroa com o intuito de administrar interesses e evitar conflitos e o

liberalismo sendo apenas uma face da mesma moeda Prado (2001) ainda enfatiza

que o pacto liberal era difiacutecil de ser compreendido no impeacuterio brasileiro que se

forma sob a tradiccedilatildeo ibeacuterica caracterizada pela valorizaccedilatildeo da tradiccedilatildeo e por uma

resistecircncia para as novas ideias que soacute eram experimentadas quando

extremamente necessaacuterias e sob a condiccedilatildeo de que natildeo desestruturassem a ordem

vigente Bosi (1988) sustenta ainda que o traacutefico esta apoiado por vezes pelas

proacuteprias autoridades a quem cabia fazer cessar o traacutefico Mantendo sob seu controle

terras o cafeacute e os escravos tais homens ligados a administraccedilatildeo e a poliacutetica como

o grupo ldquosaquaremardquo de Euzeacutebio Paranaacute Uruguai e Itaboraiacute apoiavam o ldquocomeacutercio

livre Primeira e principal bandeira dos colonos patriotas [ que ] natildeo significava

necessariamente e natildeo foi efetivamente sinocircnimo de trabalho livrerdquo (BOSI 1988 p

07) O que resulta segundo o autor que os moderados cedo ou tarde mostrariam

sua verdadeira face que eacute a conservadora

Os traficantes foram poupados e os projetos iluministas raros e esparsos de aboliccedilatildeo gradual foram reduzidos ao silecircncio Deu-se ao Exeacutercito o papel de zelar pela unidade nacional contra as tendecircncias centriacutefugas dos clatildes provinciais Vencidos os uacuteltimos Farrapos estava salva a sociedade no caso o Estado aglutinador de latifundiaacuterios seus representantes tumbeiros e burocracia A retoacuterica liberal trabalha seus discursos em torno de uma figura redutora por excelecircncia a sineacutedoque pela qual o todo eacute nomeado em lugar da parte impliacutecita (BOSI 1988 09)

Podemos entender com o que foi visto que o liberalismo acaba por adaptar suas

caracteriacutesticas gerais dependendo do local onde se estabelece Prado (2001) lembra

ainda que o impeacuterio no Brasil herdeiro da tradiccedilatildeo poliacutetica ibeacuterica era tambeacutem

avesso a novas ideias no campo poliacutetico que pudessem vir a desestruturar a ordem

estabelecida o que faz com que as ideias liberais assumidas sejam

preferencialmente as de cunho mais conservador Aleacutem do que Prado (2001)

concorda que com a produccedilatildeo organizada sob a exploraccedilatildeo do trabalho escravo

(altamente lucrativo no momento) era muito difiacutecil empreender qualquer movimento

em prol da igualdade e liberdade individuais

A partir da apresentaccedilatildeo deste conjunto de ideias acreditamos que seja possiacutevel

verificar se no texto de Alencar haacute ou natildeo alguma identidade com o liberalismo e a

defesa da escravidatildeo Concordando com o que diz Bosi (1988) acreditamos que

Alencar em seu texto busca uma defesa para o conservadorismo pregado pelos

latifundiaacuterios e traficantes de escravos em que a economia agroexportadora

baseada no braccedilo escravo deveria permanecer como a base econocircmica do Brasil

mantendo assim os privileacutegios dessas elites O liberalismo defendido por Alencar eacute ndash

como afirma Bosi(1988) ndash uma sineacutedoque em que a parte apresentada escolhida

determinada eacute tomada como um todo uniforme desvirtuando assim as ideias

originais do liberalismo e criando novo discurso ideoloacutegico para sustentar um grupo

que se apresenta no poder E eacute para esse discurso disseminado no texto de

Alencar que nos remetemos agora

33 AS CARTAS DE ERASMO

A carta aberta integra os gecircneros textuais caracterizados pelo caraacuteter

argumentativo Sua proposta eacute permitir que o missivista expusesse para o puacuteblico as

suas opiniotildees ou reivindicaccedilotildees acerca de um determinado assunto O gecircnero

difere-se da carta pessoal a qual trata em geral de assuntos que dizem respeito

apenas aos interlocutores nela envolvidos A carta aberta faz referecircncia a assuntos

de interesse coletivo ou que se queira coletivizar De tal modo a carta aberta pode

ser utilizada como forma de protesto contra esse problema como alerta e ateacute

mesmo como meio de conscientizaccedilatildeo da populaccedilatildeo ou de algueacutem com certa

influecircncia como por exemplo um representante de uma entidade ou do governo

acerca da problemaacutetica em questatildeo

As cartas em geral tem uma importacircncia grande como fontes para a historiografia

brasileira A epistolae era forma de comunicaccedilatildeo habitual entre os jesuiacutetas

registrando o cotidiano das primeiras deacutecadas da colocircnia Os jesuiacutetas escreviam-se

dos lugares mais distantes incentivando-se e sugerindo formas de abordagem para

os diferentes grupos aos quais tinham contato No Brasil as primeiras cartas de

Anchieta em sua maioria escritas em latim relatam detalhes da paisagem dos

costumes e das pessoas em Satildeo Paulo entatildeo Vila de Piratininga A primeira carta

do padre Joseacute Anchieta30 escrita em Setembro de 1554 e endereccedilada a Inaacutecio de

Loyola fundador da Companhia de Jesus fala da primeira missa realizada na regiatildeo

(PARIS 1997) As chamadas ldquoCartas Chilenasrdquo atribuiacutedas a Tomaacutes Antocircnio

Gonzaga e escritas em meados do seacuteculo XVIII compondo um longo e irreverente

poema satiacuterico satildeo um documento importante para auxiliar-nos na compreensatildeo da

Inconfidecircncia Mineira Famosas tambeacutem ficaram as cartas de D Pedro I a Condessa

Domitila de Castro nos mostram sete anos (1822 a 1829) de romantismo e do

cotidiano da Corte Na cultura cristatilde mais identificada conosco temos o conjunto de

cartas que Paulo escreve para as igrejas (eccleacutesia ecclesiam ἐκκλησίαν31) na Aacutesia

menor que segundo suas instruccedilotildees poderiam ser lidas para a comunidade

A carta aberta era um meio comum de participar o debate poliacutetico com o puacuteblico nas

primeiras deacutecadas da imprensa Sua publicaccedilatildeo nos jornais no caso dos deputados

como Alencar que moravam na Corte e representavam proviacutencias distantes servia

como uma prestaccedilatildeo de contas puacuteblica O jornal apesar do pouco tempo de vida no

Brasil alcanccedila no segundo reinado a qualidade de um importante agente de

agitaccedilatildeo poliacutetica Entendia-se ali que apesar da verborragia caracteriacutestica do

romantismo e presente em praticamente todos os textos natildeo oficiais o poliacutetico

estava efetivamente trabalhando por alguma coisa Oficializando para a sociedade

suas opiniotildees e posiccedilatildeo no palco poliacutetico da Corte Vaacuterias cartas abertas foram

redigidas no periacuteodo o trabalho de Alencar eacute apenas um exemplo entre muitos

outros E a liberdade de opiniatildeo e de imprensa jaacute eacute presente (e utilizada) desde o

reinado de D Pedro I garantida pela constituiccedilatildeo de 1824 Apesar de D Pedro I natildeo

ter se notabilizado por seu ldquoapoiordquo a imprensa O priacutencipe sempre foi alvo de duras

criacuteticas ateacute mesmo por sua conduta na vida privada

30 Uma ediccedilatildeo de ldquoCartas Avulsasrdquo de Jesuiacutetas - escritas no periacuteodo de 1550 a 1568 - pela Biblioteca da Cultura Nacional publicada jaacute em 1931 registra a importacircncia desse gecircnero 31

As comunidades religiosas do periacuteodo criadas sob a supervisatildeo de Paulo satildeo ainda estaacutegios

de formaccedilatildeo de uma ldquoigrejardquo cristatilde No latim claacutessico eccleacutesia apresenta uma grande variante graacutefica nos textos portugueses do seacutec XIII ao XVI Conforme CUNHA Antocircnio Geraldo da Dicionaacuterio etimoloacutegico da liacutengua portuguesa Rio de Janeiro Nova Fronteira 1982

Alencar publica as cartas e as endereccedila a vaacuterios entes poliacuteticos segundo o assunto

a que iraacute referir e dependendo do efeito e do ldquodestinataacuteriordquo que pretenda atingir Sua

posiccedilatildeo conservadora frente a escravidatildeo talvez tenha sido o tema que mais chama

a atenccedilatildeo Eacute onde centraremos o foco de nossa pesquisa na tentativa de analisar a

defesa de um projeto liberalconservador baseado na matildeo de obra escrava que vai

de encontro as pressotildees externas da Inglaterra de intelectuais franceses e mesmo

internas como a disposiccedilatildeo anunciada por D Pedro II na fala do trono de 1867 para

dar um fim a escravidatildeo no Brasil O pseudocircnimo escolhido foi Erasmo32 No periacuteodo

do recorte ainda natildeo havia um movimento abolicionista consistente vindo da opiniatildeo

puacuteblica Em publicaccedilatildeo recente33 Tacircmis Parron reedita a seacuterie das ldquoNovas Cartasrdquo

endereccediladas ao Imperador no periacuteodo de 196768 aonde procura detalhar este

ponto

Nosso objetivo com a leitura das cartas aleacutem de descobrir se houve uma defesa das

ideias liberais no Brasil ao mesmo tempo em que se tentava conciliar o ideal de

liberdade com a escravidatildeo eacute tambeacutem conseguir uma visatildeo geral do cotidiano

poliacutetico do II reinado na oacutetica de um importante intelectual do periacuteodo enquanto um

analista da dinacircmica das accedilotildees poliacuteticas e como um agente de justificaccedilatildeo do poder

da elite sobre a populaccedilatildeo como um elemento de ligaccedilatildeo das ideias (da ideologia)

desses grupos dominantes com suas vaacuterias camadas perifeacutericas Dado os limites da

pesquisa como observado anteriormente nos concentraremos na posiccedilatildeo de

Alencar frente a escravidatildeo

Apesar de ter jaacute experiecircncia como redator de jornais e manter relaccedilotildees com a

imprensa Alencar prefere publicar as cartas em forma de folhetins que eram

vendidos nas ruas e em livrarias e entregues em casa apenas por meio de 32 Uma referecircncia os filoacutesofo humanista Erasmo de Roterdatilde (1466-1536) As ideias de Erasmo teriam

sido precursoras da reforma protestante que inicia efetivamente com Lutero Dentre seus muitos

trabalhos destacamos o ldquoInstitutio Principis Christianirdquo escrito como uma seacuterie de conselhos

poliacuteticos e morais ao Rei Carlos da Espanha (mais tarde Carlos V do Sacro Impeacuterio Romano)

Acreditamos que o conhecimento de tal obra tenha sido o que sugeriu a Alencar assumir o

pseudocircnimo Erasmo

33 Ediccedilatildeo das ldquoNovas cartas poliacuteticas ao Imperadorrdquo em ALENCAR Joseacute de Cartas a favor da

escravidatildeo Org Tacircmis Parron Satildeo Paulo Heacutedra 2008

solicitaccedilatildeo anterior feita ao editor O que jaacute demonstra que Alencar natildeo pretendia

manter viacutenculos com a imprensa sobre suas opiniotildees poliacuteticas que acabariam

trazendo louros (ou problemas) para o jornal a que ele estivesse vinculado Apesar

do pseudocircnimo natildeo era difiacutecil descobrir o autor dos textos visto que o grupo de

agentes poliacuteticos era reduzido na Corte no periacuteodo imperial e o estilo literaacuterio de

Alencar jaacute fazia sucesso

Tomaremos aqui para a nossa anaacutelise a nova ediccedilatildeo das cartas publicada pela

Academia Brasileira de Letras em 2009 tendo a organizaccedilatildeo do professor e

historiador Joseacute Murilo de Carvalho que se baseou para esta publicaccedilatildeo nos

exemplares originais da biblioteca da Cacircmara dos Deputados em Brasiacutelia o que nos

proporciona uma visatildeo iacutentegra do texto Segundo R Chartier (2009) eacute preciso ter

cuidado com as possiacuteveis adaptaccedilotildees que editores realizam para que determinada

obra natildeo tenha sua leitura ldquofacilitadardquo para o grande puacuteblico podendo mesmo admitir

cortes Acreditamos que natildeo seja o caso aqui A publicaccedilatildeo com a qual

trabalharemos conteacutem as seguintes cartas

Ao Imperador Cartas de Erasmo de 1865 no caso a segunda ediccedilatildeo de 1866

Uma carta ldquoAo Redator do Diaacuteriordquo (do Rio de Janeiro)

Ao Povo Cartas Poliacuteticas de Erasmo de 1866 acompanhadas das cartas ldquoAo

Marquecircs de Olindardquo e ldquoAo Visconde de Itaboraiacute Carta de Erasmo Sobre a Crise

Financeirardquo

Ao Imperador Novas Cartas Poliacuteticas de Erasmo de 1867-68

Eacute preciso explicar uma diferenccedila baacutesica entre as cartas e os folhetins O chamado

ldquoromance de folhetimrdquo chega ao Brasil por volta do iniacutecio do seacuteculo XIX e assim

como na Inglaterra e na Franccedila cai no gosto popular e eacute responsaacutevel por uma parte

importante do desenvolvimento intelectual da populaccedilatildeo Visto que a educaccedilatildeo era

um bem muito caro os romances divulgavam ideias e uma moral

caracteristicamente burguesa para uma parte importante da populaccedilatildeo o que era

desejaacutevel e estimulavam o prazer da leitura A maioria dos tiacutetulos vem traduzida do

original inglecircs (ou francecircs) No Rio de Janeiro salas de leitura (gabinetes) foram

criadas as bibliotecas constituiacutedas (natildeo somente para brasileiros mas para muitos

ingleses que aqui tinha organizado sua vida) emprestavam livros a preccedilos moacutedicos

e pelo seu desenvolvimento cabe questionar o mito de que a maioria da populaccedilatildeo

natildeo tenha nenhum tipo de alfabetizaccedilatildeo O prazer das histoacuterias e a seduccedilatildeo que

estas apresentavam jaacute comenta o Alencar eram muito apreciadas Ele quando

ainda menino lia romances em voz alta para as pessoas em uma sala de estar

acalenta o coraccedilatildeo do povo que por tantos motivos foi privado da alfabetizaccedilatildeo

(NETO 2006)

Alencar se aproveita da praacutetica da publicaccedilatildeo de tais romances em colunas de

jornais regulares Ele mesmo teria oferecido nas paacuteginas da Gazeta do Rio de

Janeiro o romance O Guarani entatildeo um sucesso Os leitores confiantes na

periodicidade aguardavam os proacuteximos capiacutetulos dos romances em dias

determinados Sabendo disso Alencar cria tambeacutem uma ldquoperiodicidaderdquo para as

suas cartas anunciada desde a primeira e veiculada por meio de uma nota do

editor O missivista trata do tema como em uma novela usando sua retoacuterica

romacircntica para alcanccedilar os gostos mais diversos Vem daiacute a procura das cartas

pelos leitores nas terccedilas-feiras dia de sua circulaccedilatildeo A questatildeo da impressatildeo da

carta em folhetim eacute justificada por ser este um meio barato e de raacutepida finalizaccedilatildeo

As cartas satildeo pois impressas em folhetins este eacute o seu suporte Poreacutem natildeo

constituem um romance de folhetim gecircnero tambeacutem relativamente novo no periacuteodo

Folhetim aqui eacute formato do veiacuteculo um pequeno caderno com folhas encartadas

mais parecido com um jornal em tamanho modesto como eram comuns os jornais

na primeira metade do oitocentos Outro sentido dado ao termo (que ajuda na

confusatildeo) ldquofolhetimrdquo indica um texto publicado no rodapeacute da paacutegina do jornal com

comentaacuterios sobre os fatos correntes no meio caminho entre o texto informativo e a

crocircnica em que o jornalista geralmente emitia sua opiniatildeo sobre o assunto tratado

Alencar com sua coluna semanal ldquoao correr da penardquo se especializa nesse estilo de

escrita Por fim lembramos que com as cartas em tais suportes Alencar retoma de

certa forma a tradiccedilatildeo dos pasquins como um tipo de publicaccedilatildeo criacutetica escrita por

uma pessoa apenas e jaacute presente no Brasil mesmo antes da independecircncia em

forma satiacuterica e ateacute mesmo panfletaacuteria (BAHIA 1990)

Eacute mesmo possiacutevel que algueacutem um funccedilatildeo dessas caracteriacutesticas do suporte tenha

chegado a pensar nas cartas como uma ficccedilatildeo em que o imperador e o congresso

figurassem como personagens em mais um drama ou comeacutedia do autor mas isto eacute

soacute uma suposiccedilatildeo deixaremos essas questotildees para a vertente de romancista do

Alencar com suas anotaccedilotildees na pasta da gaveta Mesmo assim sendo esta uma

possibilidade entendemos que a releitura e emprego de fontes tradicionais podem

mesclar-se a partir do meacutetodo utilizado com a invenccedilatildeo de novas fontes que nos

possibilitem uma interpretaccedilatildeo do pensamento dos atores de determinado periacuteodo

(CHARTIER 1990) O jornalismo como instrumento de convencimento poliacutetico

caracteriza a imprensa brasileira na primeira metade do seacuteculo XIX e continua

assim mesmo que de forma mais branda no segundo reinado (ROMANCINI 2007)

Eacute desta forma que caracterizaremos inicialmente o texto das cartas de Erasmo

Joseacute Murilo de Carvalho (2007) sustenta que a despeito da tradiccedilatildeo familiar tendo

sido seu pai um importante poliacutetico representante do partido Liberal as ideias de

Alencar tendiam mais para a proposta conservadora Mas como jaacute comentamos

tais diferenccedilas ndash apesar de existirem ndash eram tatildeo somente maneiras de se posicionar

frente a um mesmo sistema de dominaccedilatildeo o que nos faz crer que exista uma

postura liberalconservadora como modelo para a manutenccedilatildeo do poder a ser

construiacutedo pelas elites e nesse momento tambeacutem atraveacutes de alguns setores da

imprensa Eacute o que buscaremos aqui atraveacutes de uma anaacutelise criacutetica do texto

tentando formular hipoacuteteses em seu curso e deduccedilotildees a partir dos dados obtidos

Cabe lembrar que as cartas de Erasmo satildeo publicadas no periacuteodo entre 17 de

novembro de 1865 e 15 de marccedilo de 1868 portanto antes de Alencar assumir o

ministeacuterio da Justiccedila Talvez a leitura das cartas tenha influenciado a opiniatildeo de

Itaboraiacute na ocasiatildeo do convite de Alencar para compor o ministeacuterio e mesmo na

decisatildeo de D Pedro II para o aceite do ministro Aqui surge uma questatildeo Sustenta-

se que uma das razotildees de D Pedro natildeo ter escolhido Alencar para ser ldquopremiadordquo

com uma cadeira no senado se daria em funccedilatildeo de seu temperamento impulsivo

Que o imperador natildeo podia ldquoconfiarrdquo no Alencar por natildeo saber que tipo de ideais

poderiam sair daquela cabeccedila em dias de arroubo - eacute o que consideram Schwarcz

(1999) e Menezes (1965) Acreditamos tendo por base a pesquisa que D Pedro II

jaacute teria reconhecido no Alencar uma possibilidade para a cooptaccedilatildeo do intelectual haacute

muito tempo E seu ideal conservador e monarquista eacute determinante O imperador

conhecia o Alencar estudou suas accedilotildees por meio das cartas conhecia seus

romances e assistiu aos espetaacuteculos de teatro que o artista criara A ideia de uma

sociedade liberal assentadas na base escravista vinha a calhar com o pensamento

necessaacuterio para a manutenccedilatildeo do Estado no periacuteodo Dom Pedro II era - de certa

forma segundo sustenta Menezes - um seu ldquofatilderdquo E quando do aceite de seu nome

para o ministeacuterio da justiccedila o imperador sabia muito bem onde pisava

As cartas nos mostram a situaccedilatildeo poliacutetica do paiacutes a escravidatildeo e a opiniatildeo de

Alencar sobre como deveria funcionar uma monarquia representativa Um ponto

importante a ser levado em conta eacute o diacronismo caracteriacutestico da seacuterie Sua

publicaccedilatildeo semanal com respeitaacutevel regularidade entre 1965 e 1968 permite a

Alencar uma visatildeo do cotidiano da Corte e suas transformaccedilotildees inclusive as

respostas (muitas vezes diretas de interlocutores que se apresentavam em outras

veiacuteculos ou mesmo na cacircmara) agraves suas criacuteticas o que conduzia a reavaliaccedilotildees eou

reafirmaccedilotildees de posiccedilatildeo do missivista sempre para um proacuteximo nuacutemero

Admitindo que uma sociedade da corte como lembra Chartier (1990) citando um

estudo de Norbert Elias eacute uma formaccedilatildeo social caracterizada por um estatuto de

dependecircncia das relaccedilotildees sociais existentes entre os sujeitos esta constitui

portanto uma forma particular de sociedade onde a Corte desempenha um papel

central que se caracteriza por um conjunto especiacutefico de relaccedilotildees de poder nesse

dado momento Natildeo somente a Corte brasileira no segundo reinado mas a

sociedade caracterizada (construiacuteda pode-se dizer) na e pela Corte como um

modelo para o restante do paiacutes criar um modelo (ou um conceito) na Corte seria

uma forma de agenciamento de tais modelos para os grupos perifeacutericos

Eacute preciso esclarecer por fim que o conteuacutedo das cartas natildeo eacute novo como natildeo eacute

nova sua apresentaccedilatildeo e estudo feitos por comentaristas de renome como por

exemplo os citados Raimundo Menezes e Joseacute Murilo de Carvalho O que se

propotildee aqui eacute buscar nas indicaccedilotildees nas proposiccedilotildees enfim nos iacutendices deixados

no texto uma visatildeo mais abrangente que as caracteriacutesticas de Joseacute de Alencar ndash

com seu estilo marcante ndash propotildeem na escritura - o que trataremos aqui como

documento Vale a ressalva de que as ldquocartas poliacuteticasrdquo natildeo a satildeo a primeira

experiecircncia de Alencar no gecircnero A polecircmica sobre a ldquoConfederaccedilatildeo dos Tamoiosrdquo

com Gonccedilalves de Magalhatildees (e com o grupo que o apoiava) lhe garante uma

experiecircncia soacutelida no debate aberto Cabe tambeacutem enquanto delimitaccedilatildeo do objeto

a caracterizaccedilatildeo dos leitores Alencar escreve para as elites (natildeo que soacute membros

da elite carioca tivessem acesso aos textos tambeacutem funcionaacuterios puacuteblicos diversos

pequenos comerciantes profissionais liberais mesmo um puacuteblico leigo que se

interessava pelo cotidiano poliacutetico do Rio de Janeiro ndash como o demonstramos em

toacutepico anterior - e que deveria ser consideraacutevel visto a quantidade de pequenos

jornais e folhetos impressos para a divulgaccedilatildeo de ideias de poliacuteticos e partidos Mas

estes natildeo eram entatildeo seu principal alvo) tendo a imprensa ndash a miacutedia impressa visto

que a impressatildeo do texto foi feita em folhetins ndash como veiacuteculo que o permitiria levar

suas ideias a um grupo maior detentor de uma opiniatildeo que pode ser mobilizadora

ou mobilizada aqui temos clara a afirmativa de Chartier (1990) que sustenta que a

proacutepria cultura da elite eacute constituiacuteda em grande parte por um trabalho operado em

material que lhe seja proacuteprio que por esta eacute reconhecido Sendo assim sobre tais

elites definimo-las com o apoio de Boacutebbio

() uma minoria que por vaacuterias formas eacute detentora do poder em contraposiccedilatildeo a uma maioria que dele estaacute privada () Em todas as sociedades a comeccedilar por aquelas mais mediocremente desenvolvidas e que satildeo apenas chegadas aos primoacuterdios da civilizaccedilatildeo ateacute as mais cultas e fortes existem duas classes de pessoas a dos governantes e a dos governados A primeira que eacute sempre a menos numerosa cumpre todas as funccedilotildees puacuteblicas monopoliza o poder e goza as vantagens que a ela estatildeo anexas enquanto que a segunda mais numerosa eacute dirigida e regulada pela primeira de modo mais ou menos legal ou de modo mais ou menos arbitraacuterio e violento fornecendo a ela ao menos aparentemente os meios materiais de subsistecircncia e os que satildeo necessaacuterios agrave vitalidade do organismo poliacutetico (BOBBIO1998 p385)

Alencar tinha conhecimento do alcance das cartas Mas o seu destinataacuterio o ldquoleitorrdquo

referencial eacute o imperador D Pedro II A figura do homem bom protetor dos

inocentes iacutentegro e saacutebio mecenas das artes amigo dos intelectuais e tudo o mais

que ficou caracterizado para a posteridade jaacute estava constituiacutedo no periacuteodo o

homem que por tudo se interessava mas natildeo se interessava pelo Brasil

(CARVALHO 2007) E a criacutetica a uma atitude passiva do imperador frente aos

problemas da poliacutetica da administraccedilatildeo puacuteblica ao seu papel constitucional de

mediador de contendas de apaziguador de disputas de fiel da balanccedila eacute o mote

para o conjunto de cartas a que se entrega mui respeitosamente o Alencar

331 AO IMPERADOR (ALENCAR 2009 p09-113)

Na primeira carta endereccedilada ao Imperador um tratamento respeitoso eacute justo e

necessaacuterio Alencar se dirige a D Pedro II como ldquoSenhorrdquo e anuncia-se logo na

primeira linha por um anunciador da verdade Escreve ldquoA verdade filha do ceacuteu

como a luz natildeo se apagardquo (ALENCAR 2009 p09) que natildeo eacute uma ldquofigura de estilordquo

que sugere a referecircncia inicial Alencar se apresenta como portador desta verdade

encarnada que passaraacute a analisar os problemas da sociedade Continua entatildeo

marcando seu territoacuterio entre os grandes quando diz que ldquoagraves vezes eacute um historiado

como Taacutecito ou um poeta como Juvenal outras eacute Demoacutestenes o orador ou

Secircneca o filoacutesofordquo (ALENCAR 2009 p09) E estre eles o nosso autor Alencar

apresenta-se como figura conhecedora do pensamento claacutessico colocando-se como

argumentador que se basearaacute nos princiacutepios do Direito e conhecedor dos princiacutepios

de ciecircncia poliacutetica para sua anaacutelise Apresenta-se como uma autoridade elevando o

debate natildeo a uma reclamaccedilatildeo pessoal sobre o governo mas a condiccedilatildeo de um

criacutetico consciente do sistema de governo que estaacute posto

A posiccedilatildeo de Alencar eacute de apoio agrave monarquia As primeiras cartas satildeo um apelo ao

imperador para que intervenha no executivo e no legislativo para tirar o paiacutes do

momento de crise poliacutetica social e econocircmica que o teriam levado o Partido Liberal

e a poliacutetica de conciliaccedilatildeo Segundo Alencar haacute uma distinccedilatildeo entre as tarefas do

Imperador como titular do Poder Moderador e como chefe do Executivo Cita

Montesquieu em O espiacuterito das Leis em uma passagem que fala da falta de

participaccedilatildeo popular na poliacutetica mas apenas para lembrar ao imperador a teoria da

separaccedilatildeo e independecircncia dos poderes Natildeo chega a citar os argumentos deste

autor contra a escravidatildeo

Defende Alencar que o poder moderador seria um mediador entre a constituiccedilatildeo e o

povo Eacute possiacutevel pensar na accedilatildeo do Poder Moderador como algo que permitia

conquanto suas interferecircncias uma modificaccedilatildeo nas formaccedilatildeo das facccedilotildees das

elites no poder permitindo uma alternacircncia de grupos e partidos (CARVALHO

2007) mas tambeacutem como Alencar aprovava e propotildee na carta o poder moderador

como um instrumento de ldquotomada do poderrdquo pelo monarca com o consentimento do

povo Cabe lembrar que fato parecido ocorre com D Pedro I com a destituiccedilatildeo da

Assembleia Constituinte em 1823 e a outorga de uma nova Constituiccedilatildeo Chega

mesmo a afirmar em um trecho a caracteriacutestica liberal da constituiccedilatildeo quando diz

que ldquoo primeiro reinado em oito anos legou-nos a constituiccedilatildeo belo padratildeo de

sabedoria e liberalismordquo (ALENCAR 2009 p19) esquecendo-se de citar o anterior

fechamento da Assembleia constituinte

Alencar escreve sobre o momento de singular impopularidade pelo qual passa D

Pedro II satirizado ldquopelos teatros e praccedilas a vozeria da gente leviana que entre

hinos e flores vos sauacuteda como o heroacutei da Uruguaiana34rdquo (ALENCAR 2009 p12)

devido agrave longevidade que alcanccedila a guerra e proclama-se um seu defensor frente

aos acontecimentos poliacuteticos que este segundo Alencar ldquodesconhecerdquo E iraacute tornar

puacuteblica ldquoa verdade inteira a respeito do paiacutes sobre os homens como sobre as

coisas ()rdquo (ALENCAR 2009 p14) A culpa na opiniatildeo de Erasmo natildeo seria de D

Pedro II mas da administraccedilatildeo Eacute certo que os gastos com a guerra atrapalham ou

impossibilitam uma seacuterie de investimentos necessaacuterios para o desenvolvimento do

Brasil As despesas provenientes do conflito foram enormes ldquo614 mil contos de

reacuteis onze vezes o orccedilamento governamental para o ano de 1864 criando um

deacuteficit que persistiu ateacute 1889rdquo (SCHWARCZ 1999 p459)

Alencar termina a primeira carta citando Salomatildeo ldquoMisericordia et veritas custodiunt

regem35rdquo (ALENCAR 2009 p15) Apelando para a honra e seguindo a citaccedilatildeo para

34 D Pedro II assistiu a rendiccedilatildeo dos paraguaios no chamado ldquocerco de Uruguaianardquo

35 A misericoacuterdia e a verdade protegem o rei

a sabedoria de D Pedro II justifica a intervenccedilatildeo que este deveria fazer e garante

que o povo lhe veria novamente como um restaurador (palavra cara ao Alencar) da

normalidade Para tanto desenha um ldquopanteatildeordquo poliacutetico ideal da restauraccedilatildeo

proclamando-os defensores da honestidade e da honra Satildeo citados ldquoos Feijoacutes

Vergueiros Andradas Paulas Souzas Limpos Torres e Paulinos36rdquo (ALENCAR

2009 p17) Jaacute na primeira carta podemos observar a predominacircncia da pregaccedilatildeo

de uma sociedade conservadora monarquista aristocraacutetica onde o imperador

ldquogoverna e administrardquo e precisa mostrar que tem tal poder concordando assim com

a tendecircncia do liberalismo moderado que defende que a sociedade soacute poderaacute viver

em paz com um poder forte e centralizado (BOSI 2013) Alencar chega a criticar a

liberdade de imprensa em sua narraccedilatildeo algo que chega a ser discutiacutevel na posiccedilatildeo

de algueacutem que edita um panfleto poliacutetico

A crise na governanccedila proclamada pelo panfletista pode ser entendida de modo

diverso O discurso de Alencar eacute ideoloacutegico no sentido de tentar fazer com que as

transformaccedilotildees histoacutericas sejam negadas e entendidas como uma crise no sistema

O momento (o surgimento digamos) da sociedade ideal eacute dado pela fixaccedilatildeo dos

ldquomaacutertiresrdquo a que Alencar se refere ndash indicando a clara presenccedila de uma aristocracia -

e qualquer mudanccedila neste modelo ideal eacute determinada como uma crise Numa

leitura da teoria de Gramsci por Chauiacute essa construccedilatildeo eacute tida como uma

representaccedilatildeo e uma ideologia ldquoA ideologia eacute um discurso que se desenvolve sob o

modo da afirmaccedilatildeo da determinaccedilatildeo da generalizaccedilatildeo () trazendo a garantia da

existecircncia de uma ordem atual ou virtualrdquo (CHAUI 1997 p33) Quando essa

ordem necessaacuteria ao discurso eacute contestada temos uma crise

A crise eacute imaginada entatildeo como um movimento de irracionalidade que invade a racionalidade gera desordem e caos e precisa ser conjurada para que a racionalidade anterior ou outra nova seja restaurada A noccedilatildeo de crise permite representar a sociedade como invadida por contradiccedilotildees e simultaneamente toma-las como um acidente um desarranjo pois a harmonia eacute pressuposta como sendo de direito reduzindo a crise a uma desordem fatual provocada por enganos voluntaacuterios ou involuntaacuterios dos agentes sociais ou por mau funcionamento de certas partes do todo A crise serve assim para opor uma ordem ideal a uma desordem real () (CHAUI

36 Diogo Antocircnio Feijoacute Nicolau Pereira de Campos Vergueiro Joseacute Bonifaacutecio de Andrada e Silva

Francisco de Paula Souza e Melo Antocircnio Paulino Limpo de Abreu Joaquim Joseacute Rodrigues

Torres e Paulino Joseacute Soares de Souza

1997 p37)

O discurso de Alencar sugere o momento ideal no qual os indiviacuteduos devem se

remeter para aceitar as instituiccedilotildees puacuteblicas a vida e as relaccedilotildees de poder que os

conduzem Um discurso que partindo do social se torna poliacutetico e degenerando-se

dominador

Tornando ao texto na segunda carta Alencar critica a relaccedilatildeo dos ministros com

seus representantes nas proviacutencias ndash delegados ndash os quais acusa de abuso de

poder Repete-se aqui nada mais que o sistema estamental de que nos fala

Raimundo Faoro em que o poder se apresenta na figura do funcionaacuterio do governo

como o governo Natildeo um representante do Rei mas se tornando um rei local em

miniatura (FAORO 2004) Alencar chama particular atenccedilatildeo para as financcedilas que

nomeia como ldquoforccedilas musculares da naccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p24) Alude aos

gastos com armamentos supeacuterfluos (no caso armamentos jaacute sem valor para uso)

destinados a uma raacutepida deterioraccedilatildeo e as dificuldades tambeacutem em consequecircncia

da guerra de conseguir alguma credibilidade financeira das naccedilotildees europeias o que

afetaria ndash e oneraria ndash as importaccedilotildees de maneira geral e tambeacutem as negociaccedilotildees

dos empreacutestimos contraiacutedos no exterior que datavam da eacutepoca de D Pedro I

referentes ao reconhecimento do Brasil como independente e a indenizaccedilatildeo de

Portugal Reconhece que a alta no preccedilo do algodatildeo e a receita gerada natildeo chegam

para sustentar tantas e tatildeo altas despesas visto que as boas safras natildeo satildeo

constantes e a paz conseguida nos Estados Unidos acabaria por determinar uma

queda de preccedilos Esclarece ainda sobre uma crise nas duas maiores fontes de

renda do Estado o comeacutercio ldquojungido a uma liquidaccedilatildeo forccedilada que principiou em

10 de setembro de 1864 e terminaraacute ningueacutem sabe quandordquo (ALENCAR 2009 p25)

e a agricultura ldquoameaccedilada pela questatildeo magna da emancipaccedilatildeo que avanccedila a

grandes passos e estremece ateacute o intimo a sociedaderdquo (ALENCAR 2009 p 25)

O missivista acha por bem terminar a segunda carta com um leve ldquosolavancordquo no

imperador conclamando-o agrave luta em dois paraacutegrafos exemplares

Quando um povo livre abdica o pleno exerciacutecio da soberania eacute dever imperioso do monarca seu primeiro representante assumir essa grande massa inerte de poder para evitar que ela seja dissipada por um grupo de ambiciosos vulgares

Ache ao menos a liberdade que desertou a alma sucumbida da paacutetria um abrigo agrave sombra do manto imperial para que natildeo morra conspurcada nos tripuacutedios da anarquia (ALENCAR 2009 p 26)

Faltava que D Pedro II tomasse as reacutedeas da situaccedilatildeo Alencar entende que essa

sociedade constitucionalista eacute responsabilizada pela maacute administraccedilatildeo visto que os

governantes tambeacutem fazem parte do contrato e devem dar conta de suas accedilotildees sob

pena de serem substituiacutedos Afirma novamente o Alencar que o povo apoiaria o

Imperador em sua accedilatildeo e esperava mesmo por isso Alencar alude mais uma vez

a uma velha foacutermula conservadora de que o imperador reina governa e administra

(Carvalho 2007)

O missivista eacute duro na criacutetica com o periacuteodo chamado conciliaccedilatildeo Uma ldquocorrupccedilatildeo

geral dos partidos () dissoluccedilatildeo dos princiacutepiosrdquo (ALENCAR 2009 p30) da proacutepria

existecircncia da democracia Classificando conciliaccedilatildeo como um termo honesto e

decente para qualificar ldquoa prostituiccedilatildeo poliacutetica de uma eacutepocardquo (ALENCAR 2009

p30) Alencar enxergava aleacutem de sua criacutetica uma dificuldade criada pela

conciliaccedilatildeo para a eleiccedilatildeo de novos quadros para a Cacircmara e consequentemente

os ldquoarranjosrdquo eleitorais para o Senado cargo a que ele pretenderia poucos anos

depois (sua situaccedilatildeo como bacharel lhe garantiu ateacute o momento um emprego como

jornalista e uma mesa em um escritoacuterio de advocacia)

Os partidos segundo ele seriam a miliacutecia da naccedilatildeo entende ele que o povo deve

participar e fiscalizar o legislativo satildeo eles que garantem a existecircncia e a preservam

instituiccedilotildees da monarquia e do povo Em outro momento ao se referir novamente

agraves coalizotildees que se seguem ano apoacutes ano no parlamento questiona com espanto

como pode ser que ldquocidadatildeos individualmente probos e cordatos se consolidam

assim com a escoacuteria em uma liga monstruosa que humilha a cada um no recesso

da consciecircnciardquo (ALENCAR 2009 p36) A criacutetica de Alencar mostra menos sua

preocupaccedilatildeo com a democracia sustentada pelas ideias de partidos diversos em

uma luta pelo poder princiacutepio baacutesico do liberalismo que a preocupaccedilatildeo com a

homogeneizaccedilatildeo das ideias que pode dar mais espaccedilo para grupos diversos

alcanccedilarem cargos na administraccedilatildeo puacuteblica

Segundo Carvalho (2007) a liga natildeo foi propriamente um partido mas uma

orientaccedilatildeo poliacutetica e Alencar a considerava como um ldquomomentordquo da conciliaccedilatildeo

Nada mudaria afinal As eleiccedilotildees continuariam a serem compradas com as

ldquoceacutedulas pagas agrave vista ou descontadas com promessas de pingues empregos e

depreciadas condecoraccedilotildeesrdquo (ALENCAR 2009 p37) O circo estava posto os

comiacutecios apresentados como espetaacuteculos nos teatros puacuteblicos a imprensa tatildeo

ldquobem desenhada nesta grande capital que mata as folhas poliacuteticas e soacute fomenta as

gazetas industriaisrdquo37 (ALENCAR 2009 p37)

Termina a carta de 03 de dezembro desiludido mas natildeo sem lanccedilar seu bilhete da

sorte

O povo inerte os partidos extintos o parlamento decaiacutedo Restam eacute verdade alguns cidadatildeos eminentes abrigados na tribuna vitaliacutecia como as reliacutequias do senado romano esperam tranquilos em suas curules o momento de morrer com a liberdade que amaram (ALENCAR 2009 p37)

O Senado eacute visto aqui como a instituiccedilatildeo merecedora de creacutedito dentro de tudo o

mais que foi criticado Mas seraacute que os olhos do missivista natildeo procuravam jaacute por

uma cadeira naquela casa

A carta datada de 09 de dezembro inicia derramando louros sobre a cabeccedila de D

Pedro II Alencar chega a chama-lo pelo epiacuteteto de Rei sol logo depois se corrigindo

(se eacute que isso seja possiacutevel) e tratando de conduzir a luz do imperador do Brasil

para longe da referecircncia de Luiz XIV ndash seria ele ldquoo foco brilhante que rege todo um

sistema e dardeja luz e calor para a naccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p39) O foco

realmente estaacute em criacuteticas puacuteblicas de que haja certa interferecircncia do imperador na

37 Alencar sabe que o leitor de poliacutetica busca os folhetos e pasquins comuns no periacuteodo O leitor de

jornais regulares busca outros atrativos Ele mesmo aumentou a venda da ldquoGazeta do Rio de

Janeirordquo enquanto seu soacutecio e editor com a publicaccedilatildeo de um romance de folhetim O Guarani

administraccedilatildeo (na maacute administraccedilatildeo) o que Alencar chama de modo de governo

pessoal responsabilizando o imperador pelos atos dos ministros apesar da

responsabilizaccedilatildeo expressa pela doutrina liberal de que o governante estaacute laacute para

exercer a soberania dada a ele pelo povo Cabe lembrar que pela constituiccedilatildeo do

Impeacuterio o Imperador natildeo poderia ser responsabilizado por suas accedilotildees A referecircncia

ao Rei Sol se daacute neste sentido pois a constituiccedilatildeo brasileira de 1824 no seu artigo

99 diz claramente que a pessoa do Imperador eacute sagrada e inviolaacutevel38 Ele natildeo estaacute

sujeito a responsabilidade alguma Eacute enquanto do exerciacutecio do Poder Moderador

que adviriam as responsabilidades Por vezes temos a impressatildeo de que Alencar

exagera sua veia romacircntica como uma forma pessoal de provocaccedilatildeo No momento

defende a postura de D Pedro

Minha convicccedilatildeo vai muito aleacutem Natildeo somente nenhuma influecircncia direta exerceis no governo mas vosso escruacutepulo chega ao ponto de frequentes vezes concentrar aquele reflexo que uma inteligecircncia satilde e robusta como a vossa deve derramar sobre a administraccedilatildeo (ALENCAR 2009 p 39)

Depois de alguns anos jaacute como Ministro Alencar se arrependeraacute dessas palavras

enquanto observa os muitos ldquobilhetinhosrdquo de D Pedro sobre sua mesa indagando e

bisbilhotando na pasta da Justiccedila Mas a verdade eacute que Alencar eacute um dos

defensores da responsabilizaccedilatildeo do monarca por seus atos recaindo esta (sendo

dividida) tambeacutem sobre o ministeacuterio O que determinaria o poder moderador como

limitado longe do despotismo de Luiz XIV Como um bom conservador Alencar eacute

dogmaacutetico e pessimista quanto as mudanccedilas que poderiam acontecer se o

Imperador natildeo se impusesse

Em um segundo momento compara D Pedro II a Jorge III da Inglaterra pela

inflexibilidade do caraacuteter e poder39 cita o episoacutedio em que depois de muitas

tentativas consegue sucesso com um ministeacuterio em que liberais e conservadores

trabalhassem juntos ldquona ceacutelebre coalizatildeo de North Fox Cavendish Keppel Burke e

outrosrdquo (ALENCAR 2009 p41) Mas laacute sustenta formaram-se ldquopartidos vigorosos

38

Conforme a CONSTITUICAtildeO POLIacuteTICA DO IMPERIO DO BRAZIL (DE 25 DE MARCcedilO DE 1824)

Disponiacutevel por exemplo em wwwplanaltogovbrccivil_03constituiccedilatildeo24htm 39 Jorge III foi cognominado ldquoo loucordquo por apresentar problemas de sanidade mental durante seu

reinado

que agrave inflexibilidade da coroa opunham a firmeza e rigidez de seus princiacutepiosrdquo No

Brasil ndash segundo Alencar - o parlamento estaacute entregue a homens preocupados com

seu poder e capacidade de enriquecimento esquecendo-se do povo e mesmo da

eacutetica que os deveria conduzir

Nesta carta volta a criticar as coalisotildees que se operam nas casas poliacuteticas inclusive

no conselho de Estado aonde chega a sugerir que estes (os conselheiros) estejam

em busca por ldquoapenas uma aliagem [sic] de individualidades na esperanccedila de

engrandecimento pessoalrdquo (ALENCAR 2009 p42) Critica tambeacutem a instituiccedilatildeo dos

Voluntaacuterios da Paacutetria acreditando ser uma forma de fragmentar a hierarquia dentro

do exeacutercito sugerindo algo feito a revelia de D Pedro II e a que este se aliaria

depois para agradar ao grupo

Apreciais devidamente o exeacutercito que ama com entusiasmo seu monarca e zeloso protetor Natildeo era possiacutevel que cogitaacutesseis um meio de desgostaacute-lo profundamente estabelecendo preferecircncias a favor de bisonhos soldados com pretericcedilatildeo de bravos veteranos cheios de serviccedilos e jaacute traquejadas pela vitoacuteria (ALENCAR 2009 p 43)

O imperador foi para Uruguaiana como o primeiro voluntaacuterio da paacutetria em um

exemplo de patriotismo e espiacuterito de lideranccedila e tentando tambeacutem criar um estado

de acircnimo geral no oficialato Aqui ainda natildeo estaacute o Alencar a se referir ao

recrutamento forccedilado de homens pelos presidentes das proviacutencias que viria mesmo

a criticar enquanto ministro como uma violaccedilatildeo da liberdade E por falar em

ministros a incompetecircncia destes ndash chamados por ele de ldquoefecircmerosrdquo - eacute ponto

paciacutefico Em sua criacutetica tambeacutem natildeo deixa de alfinetar o imperador garantindo que

os ministros fraacutegeis que satildeo ldquonatildeo ousariam tanto sem a certeza do apoio da coroardquo

(ALENCAR 2009 p42) Acusaccedilotildees de corrupccedilatildeo preenchem as vaacuterias paacuteginas das

cartas e indicam senatildeo cumplicidade ao menos consciecircncia do imperador sobre tal

situaccedilatildeo Alencar encena uma defesa mas ao mesmo tempo critica a praacutetica da

(podemos chamar) natildeo-interferecircncia no executivo por parte do Imperador Ao fim

qualquer atitude da coroa de accedilatildeo ou omissatildeo eacute objeto para o jogo de poder que se

daacute no parlamento

Em certo ponto da carta faz uma alusatildeo a Caxias chamado para o comando de

tropas no Rio da Prata A figura de Caxias - da parte que interessava ao Alencar -

era um poliacutetico respeitado vinculado ao partido conservador Surgindo como um

salvador da paacutetria exigia atenccedilatildeo do ministeacuterio e do Imperador No episoacutedio do

desentendimento com Zacarias de Goacuteis em 1868 entatildeo presidente do gabinete o

primeiro sairia vencedor mas sua vitoacuteria mudaria em muito os rumos da poliacutetica

nacional Mas por agora o ocircnus de um desenvolvimento deficiente das tropas na

guerra recaiacutea sobre o imperador Esta era a fala de Alencar e segundo ele ldquoesta eacute a

verdaderdquo (ALENCAR 2009 p47)

Na quita carta Alencar toma as figuras de Maquiavel e de Dacircmocles - uma

personagem da mitologia grega a quem se atribui uma faacutebula sobre a precariedade

do poder Nota-se ateacute aqui a facilidade com que Alencar se refere a mitologias

diversas indicando que o texto se dirige a um puacuteblico seleto No impeacuterio era uma

praacutetica a menccedilatildeo a mitologia greco-romana e a figuras biacuteblicas como forma de

demonstrar o domiacutenio de uma cultura letrada (o que eacute particularmente importante

para o Alencar que segundo Neto (2006) era visto com certo preconceito por ter se

formado em uma faculdade de Satildeo Paulo e natildeo na Europa como os membros mais

antigos do parlamento) A referecircncia a Maquiavel novamente serve para lembrar a

D Pedro II que o fim justifica meios e se omitir natildeo eacute a melhor atitude Ainda que

tratado em ldquocarta abertardquo a alusatildeo constante a capacidade intelectual do imperador

funciona como um indicativo (velado) da distacircncia cultural que o separa do povo

Natildeo soacute ele mas praticamente a totalidade da burocracia

A liberdade com que o texto constroacutei o periacuteodo criticando-o natildeo seria encontrada

(tampouco permitida) novamente tatildeo cedo Na repuacuteblica no Estado Novo e mesmo

em periacuteodos bem mais proacuteximos de noacutes a liberdade de imprensa natildeo seria algo

possiacutevel Um trecho da carta apresenta uma criacutetica agrave postura dos jornais sobre a

esquiva poliacutetica do imperador por ser tratado sem o devido respeito No Brasil do

segundo reinado o povo detinha a informaccedilatildeo ndash apresentada pelos veiacuteculos de

comunicaccedilatildeo - mas natildeo conseguia entende-la ou efetiva-la dada sua falta de

instruccedilatildeo O povo tambeacutem neste sentido vive agrave margem das discussotildees poliacuteticas

natildeo podendo entrar em suas aacuteguas tumultuadas Ou em suas margens natildeo se

preocupa com problemas abstratos mas com a realidade que observa no cotidiano

No trecho

Na parte natildeo editorial satildeo frequentes os artigos pagos com endereccedilo a vossa augusta pessoa Conteacutem eles queixas de indiviacuteduos de todas as classes sobre minudecircncias do expediente de empregados subalternos Apelam os suacuteditos para vossa autoridade agrave qual parecem ter devolvido

toda confianccedila e todo poder (ALENCAR 2009 p 53)

Nota-se aqui a preocupaccedilatildeo com o favor real O favorecimento individual O suacutedito e

D Pedro II deixava isto de certa forma impliacutecito poderia procurar o Imperador como

a um balcatildeo de queixas sobre as instituiccedilotildees puacuteblicas Alencar sabia que o povo

estava com D Pedro ldquoEste povo apaacutetico e indiferente agraves mais nobres funccedilotildees da

soberania ainda sente por vossa pessoa sinceros transportes () [sente no

imperador] o estandarte capaz de nestes tempos inertes levantar entusiasmos em

prol de uma causardquo (ALENCAR 2009 p50) quando da partida para Uruguaiana

alude a populaccedilatildeo que ldquo se aglomerou em vossa passagem agrave hora da despedida e

da voltardquo (ALENCAR 2009 p52) Mas o povo pouco importa para a elite Aqui o

povo ainda eacute visto como uma massa ignorante sendo mais uma questatildeo de poliacutecia

do que de poliacutetica Talvez este seja o sentido da frase em que se refere agraves elites

localizadas ldquonas camadas superiores da sociedade onde a luz penetra mais clarardquo

(ALENCAR 2009 p54) Se D Pedro II natildeo tiver uma atitude eneacutergica frente aos

acontecimentos e sobre a corrupccedilatildeo que assola o periacuteodo ndash utilizando-se do Poder

Moderador o que a constituiccedilatildeo permitia ndash seraacute responsabilizado no tempo Alencar

ainda profetiza ldquoA naccedilatildeo vos ama mas a histoacuteria vos julgaraacute com severidaderdquo

(ALENCAR 2009 p56) E continua em tom provocador aproveitando o momento

da guerra como mote para o discurso afirmando que ldquoo trono que a naccedilatildeo vos

confiou eacute um posto de honra Deveis a Deus e ao povo sua guarda severa Natildeo

podeis esquivar-vos a ela sob pena de deserccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p58)

Novamente Alencar afirma concordando com Hobbes a relaccedilatildeo da soberania que

eacute dada pelo povo ao soberano e dele espera um rumo para a sociedade

Para a sexta carta Alencar prefere iniciar em um tom mais ameno novamente

aludindo a ilustraccedilatildeo do imperador em contraposiccedilatildeo com a ldquoatoniardquo do povo O

problema continua no combate eacute ldquoa depravaccedilatildeo do organismo poliacutetico de que

resultou o amortecimento das crenccedilas a extinccedilatildeo dos partidos e a corrupccedilatildeo

espantosardquo (ALENCAR 2009 p59) que estaacute por toda a parte Qual seria questiona

agrave D Pedro II a causa do mal que assola o paiacutes A resposta que propotildee eacute a da falta

de educaccedilatildeo poliacutetica Nesse momento Alencar faz uma breve exposiccedilatildeo sobre a

monarquia parlamentar e o regime republicano e suas relaccedilotildees enquanto

representaccedilotildees do povo justificando que o povo brasileiro ldquoeste povo nobre e digno

das instituiccedilotildees que o regem este povo precoce para a liberdade pois ainda na

infacircncia colonial jaacute se eletrizava com ela natildeo foi educado como merecia para a

monarquia representativardquo (ALENCAR 2009 p61) Alencar tenta amalgamar as

propostas de educaccedilatildeo para o povo com o persistente discurso da tutela do povo

que caracteriza um traccedilo fortemente conservador Eacute o mesmo discurso que Alencar

propotildee para a manutenccedilatildeo da escravidatildeo de que o sistema escravagista teria a

funccedilatildeo de educar o escravo para o conviacutevio social Aqui preferimos acreditar que se

trata de uma estrateacutegia discursiva Este ldquopovordquo de quem fala parece ser o descrito no

paraacutegrafo seguinte

Em 1821 a independecircncia se fez no entusiasmo da liberdade O Brasil conquistou simultaneamente o governo dos brasileiros pelos brasileiros e o governo do povo pelo povo

Desde 1808 com a vinda do rei e a invasatildeo de Portugal a emigraccedilatildeo da metroacutepole para a colocircnia fora muito crescida havia pois ao lado da populaccedilatildeo nata uma populaccedilatildeo adventiacutecia mas jaacute ligada agrave outra por identidade de liacutengua laccedilos de sangue e relaccedilotildees domeacutesticas (ALENCAR 2009 p 62)

O povo eacute o modelo civilizacional trazido de Portugal (modelo europeu) e no caso da

independecircncia as elites que a sustentaram Percebemos que Alencar acreditava na

diferenccedila jaacute demonstrada anteriormente entre povo e plebe (BASILE 2006) A

imprensa segundo ele tenta trabalhar essa educaccedilatildeo poliacutetica para o povo

notadamente com ideias liberais Haacute de se considerar para o periacuteodo jaacute uma

geraccedilatildeo como o Alencar de poliacuteticos formados no Brasil com influecircncia de ideias

liberais A homogeneidade garantida pelo estudo em Coimbra havia sido deixada

nos tempos da colocircnia e os laccedilos entre os indiviacuteduos de proviacutencias diferentes que se

juntavam nas faculdades criadas no Brasil tendiam a aumentar o que deixava de

caracterizar um estamento e passava a transferecircncia das decisotildees para os grupos

socializados de forma diversa nos nuacutecleos brasileiros ndash principalmente o Direito para

a formaccedilatildeo das novas elites da burocracia Este foi o elemento de formaccedilatildeo poliacutetica

para a elite brasileira baseado na educaccedilatildeo Mas o povo soacute tinha acesso aos jornais

e outras poucas miacutedias impressas

Ao mesmo tempo mas tambeacutem sustentando o intelectual como parte da elite

poliacutetica Alencar traccedila um perfil da aristocracia brasileira Esta seria

Composta em geral de duas classes de pessoas os abastados de inteligecircncia e escassos de cabedais e os ricos de haveres mas pobres de ilustraccedilatildeo raros bem raros satildeo os que tecircm a forccedila de se conservar em sua oacuterbita Aqueles urgidos pela seduccedilatildeo do luxo e mesmo pela necessidade buscam nos altos empregos puacuteblicos e elevadas posiccedilotildees uma renda ou as facilidades de alianccedilas e estabelecimentos avantajados Estes pruridos pela vaidade se oferecem aos desejos dos primeiros em compensaccedilatildeo de graccedilas e consideraccedilatildeo (ALENCAR 2009 p6465)

Alencar confirma a necessidade de que (alguns elementos) sua geraccedilatildeo de

ldquobachareacuteisrdquo precisem vincular-se ao governo atraveacutes de cargos na burocracia como

uma questatildeo de sobrevivecircncia e associar-se a alguns grupos econocircmicos ldquoem

compensaccedilatildeo de graccedilas e consideraccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p65) Alencar tambeacutem

eacute um deles o que desmente seu discurso sobre os bens de o que chama de uma

ldquoempregocraciardquo (ou a fundamenta) Os grupos se modificam os poliacuteticos podem

mudar mas a situaccedilatildeo permanece uma aristocracia que manipula o povo inerte

Sobre a imprensa esta se tornou ldquoum luxo entre noacutes as leis fiscais a fizeram tal O

povo eacute pobre e natildeo pode pagaacute-la Alguns perioacutedicos aparecem com sacrifiacutecios

enormes que vegetam em estreito ciacuterculo e afinal acabam inanidosrdquo (ALENCAR

2009 p67) Eacute bem verdade que os pequenos natildeo conseguem sobreviver e

() as folhas diaacuterias de grande formato e circulaccedilatildeo essas constituem o feudalismo da publicidade Suas colunas abertas agrave concorrecircncia mal chegam para os abastados a emissatildeo das ideias ali importa uma despesa natildeo soacute de inteligecircncia e estudo mas do grosso cabedal (ALENCAR 2009 p68)

Esta imprensa ldquoque tem suas raiacutezes como suas ramificaccedilotildees na aristocracia

burguesardquo (ALENCAR 2009 p67) natildeo iraacute atacar a aristocracia Antes a ela se une

Entendemos aqui que a mesma imprensa que serviria a educaccedilatildeo do povo (segundo

Alencar) estaacute vinculada a aristocracia Reafirmamos que o povo que a tanto se

refere Alencar satildeo aqueles que possuem a cidadania confirmada certo grau de

educaccedilatildeo e renda Natildeo o grosso da populaccedilatildeo As ideias liberais pregadas natildeo satildeo

possiacuteveis para todos os homens Termina afirmando que ldquoo uacutenico meio eficaz de

salvar o paiacutes senhor eacute uniatildeo firme dos homens de bem de que sois o chefe

legiacutetimo contra a imoralidaderdquo (ALENCAR 2009 p67) Para onde deveremos ir se

Alencar deixou aqui poucas opccedilotildees para descobrir quem satildeo afinal os chamados

homens de bem Seriam estes os ldquohomens bonsrdquo do municiacutepio no periacuteodo colonial

(FAORO 2004) em uma roupagem mais nobre

Na seacutetima carta Alencar propotildee um estudo sobre a estagnaccedilatildeo em que se encontra

o paiacutes e sustenta que tal estudo deva abranger ldquoa importante questatildeo do sistema

segundo o qual deve funcionar a coroa na monarquia representativardquo (ALENCAR

2009 p69) Isto sem mexer na legislaccedilatildeo Seus fundamentos se assentariam sobre

a praacutetica e experiecircncia (uma experiecircncia que o teoacuterico Alencar ainda natildeo tem)

Busca uma justificaccedilatildeo baseando-se na ldquoliccedilatildeo fecunda do povo mestre em ciecircncia

governamental inventor do sistema representativo e seu modelordquo (ALENCAR 2009

p70) que sendo o imperador constitucionalmente o chefe do poder executivo

exerce sua qualificaccedilatildeo ldquohonoriacuteficardquo por meio dos ministros Investido de majestade

eacute chefe tambeacutem do judiciaacuterio o que se sustenta pelo simples fato de que em todos

os tribunais as sentenccedilas satildeo expedidas em nome do imperador No executivo os

ministros trabalham como um corpo uacutenico e ldquopodem levar para o conselho vaacuterios e

encontrados alvitres a respeito de uma questatildeo importante Na discussatildeo os

argumentos satildeo desenvolvidos e ponderadas as objeccedilotildees Afinal () constroem

uma opiniatildeo meacutedia que natildeo sendo de nenhum ministro individualmente seja a do

ministeacuteriordquo (ALENCAR 2009 p71) A solidariedade eacute o princiacutepio de coesatildeo do

grupo

Em todo momento propiacutecio Alencar toma a Inglaterra como o princiacutepio exemplar

Natildeo por ser a naccedilatildeo mais poderosa e comercialmente mais proacutexima do Brasil nem

mesmo pelo modelo civilizacional que a burguesia brasileira do periacuteodo toma da

Inglaterra mas pela reduzida forccedila que o monarca tem frente ao parlamento que eacute a

tocircnica de Locke Rousseau e Mill Apesar das palavras elogiosas e galanteadoras do

missivista seu intuito eacute o de fazer ver a D Pedro II sua ldquoobrigaccedilatildeordquo de interferir no

sistema quando este estivesse falindo e reorganiza-lo para novamente deixa-lo

seguir sozinho Possibilidade que Alencar natildeo encontra tatildeo facilmente na Inglaterra

O que Erasmo quer afinal eacute a mudanccedila do grupo dirigente porquanto alude aos

atos do Imperador indicando uma postura eacutetica deste quanto ao uso do poder

Moderador Alencar tenta construir a ideia de que natildeo eacute o Imperador quem demite

um ministeacuterio mas ao curso de algum problema maior ldquoa dignidade de homens e

sinceridade de poliacuteticos exigem que incontinente deem e natildeo peccedilam sua demissatildeo

respeitosardquo (ALENCAR 2009 p73) em vista de que o poder lhes eacute delegado e o

Estado deve ter uma accedilatildeo menor em tal processo Eacute a soberania constituiacuteda na

figura do Imperador a consciecircncia ilustrada do povo Eacute para que ldquoo poder moderador

acompanhe de perto a trilha da administraccedilatildeo e observe seus rumos que ele foi

instituiacutedo chefe titular do executivordquo (ALENCAR 2009 p73) Alencar entende que o

poder emana do povo e o Estado deve funcionar antes como um organizador do

desenvolvimento da naccedilatildeo mais uma proposta liberal para a administraccedilatildeo do paiacutes

Para Alencar os dois partidos se alternavam nos gabinetes mas nenhum deles

consegue tempo bastante para realizar seus projetos Alternavam-se e quando no

poder veem-se ldquoesterilizados pela resistecircncia demasiada que encontravam na

moderaccedilatildeo e prudecircncia da coroardquo (ALENCAR 2009 p77) para a realizaccedilatildeo de

necessaacuterias mudanccedilas que pudessem criar um dinamismo na administraccedilatildeo puacuteblica

Um dinamismo que oferecesse uma maior liberdade de investimentos para o

desenvolvimento da naccedilatildeo Mas isso tambeacutem eacute culpa segundo ele da

desorganizaccedilatildeo ideoloacutegica dos partidos e de sua situaccedilatildeo de distanciamento das

bases populares (se eacute que houvesse) O monarca representa o poder nacional

situado acima do sistema que ldquoplaina sobre os outros meros poderes poliacuteticosrdquo

(ALENCAR 2009 p79) O termo poder nacional explica Alencar eacute usado para

designar ldquoa quase comunidade em que se acha com a naccedilatildeo Nele reside uma parte

da soberania popular que se isolou em princiacutepio e se consolidou nessa grande

individualidade a fim de resistir aos desvarios da opiniatildeordquo (ALENCAR 2009 p79)

Alencar falando das instituiccedilotildees lembra os liberais de 1834 que extinguiram o

conselho de Estado eliminando assim o elemento aristocraacutetico que se agarrava a

coroa Alencar sugere que ldquoos atos do poder moderador satildeo de exclusiva

competecircncia vossa [do Imperador] para exercecirc-los natildeo dependeis de agentes e

atualmente nem de conselhordquo (ALENCAR 2009 p81) Mas se observarmos bem

como nos mostra Carvalho (2009) o conselho de Estado apesar de natildeo muito

solicitado e de a despeito de tudo tratar de assuntos em sua maioria sem uma

significacircncia maior era um oacutergatildeo consultivo importante que garantiria uma visatildeo

realista de problemas praacuteticos a que o Imperador provavelmente natildeo tinha acesso

como na deposiccedilatildeo do ministeacuterio Zacarias de Goacuteis Ali o conselho foi olvido e

opinou apesar da decisatildeo final ser de D Pedro II este seguiu o voto dos

conselheiros Mesmo sendo a escolha para o cargo de conselheiro uma

competecircncia exclusiva da coroa e provavelmente D Pedro II natildeo viria a escolher

algueacutem de quem natildeo quisesse ouvir a opiniatildeo tendendo assim a formaccedilatildeo do

conselho para um formato que estivesse mais proacuteximo do temperamento do

imperador e de suas pretensotildees o proacuteprio ato de consulta sugere uma anaacutelise mais

apurada das diversas situaccedilotildees e assuntos (CARVALHO 2007)

O poder moderador eacute uma das bandeiras de Alencar E segundo ele emana

tambeacutem do povo Escreve que ldquo() o poder moderador eacute a consciecircncia ilustrada do

povo [Esse povo] que aceitou a lei fundamental de 25 de marccedilo de 1824 tinha sem

contestaccedilatildeo o direito soberano de a revogar apenas se convencesse que natildeo era a

mais proacutepria para sua felicidaderdquo (ALENCAR 2009 p82) Novamente colocando o

ldquopovordquo enquanto seus representantes A defesa da monarquia constitucional

baseada na lei com os poderes cedidos pelo povo a um governante escolhido Mas

os senadores e mesmo os deputados com poder constituinte estavam muito

distantes do proclamado povo das cartas de Erasmo Em determinado ponto

Alencar chega a defender que ldquoa forccedila ativa do poder moderador eacute

sobreconstitucionalrdquo (ALENCAR 2009 p88) o que parece incoerente com uma

monarquia constitucional Admitindo que este possa dissolver o legislativo demitir

ministeacuterios afirma que ldquonenhum poder nem mesmo o povo tem no domiacutenio da

constituiccedilatildeo faculdade igualrdquo (ALENCAR 2009 p89) D Pedro I aprovaria tais

medidas

Todos os atos do soberano se entendidos como atos do povo soacute levariam o paiacutes

novamente para o absolutismo para a ideia gasta que o proacuteprio Alencar sugere na

carta anterior de que ndash o povo sou eu - o Estado sou eu E todo o resto quando

chama D Pedro II pelo epiacuteteto de rei sol Aqui temos a face do intelectual utilizando-

se de seu texto complexo como uma arma totalmente associado com as elites

dirigentes e servindo de instrumento para sua justificaccedilatildeo Em uma das romacircnticas

figuras que toma compara D Pedro II ao profeta biacuteblico Josueacute indicando que ldquoo

profeta recebia sua possanccedila de Deus o imperador a recebe da leirdquo (ALENCAR

2009 p92) Mas de qual lei se jaacute indica anteriormente ser o poder moderador

sobreconstitucional O que se vecirc eacute que a lei eacute mais um instrumento modificaacutevel pra

justificar a permanecircncia no poder mais uma caracteriacutestica de adequaccedilatildeo do

liberalismo as necessidades das elites locais no poder Alencar como advogado

bem sabe o que escreve

Ao iniciar a nona carta Alencar se apresenta como a voz da consciecircncia do

Imperador o seu pensamento em forma sensiacutevel uma intimidade que o desperta O

tom pressupotildee uma intimidade que jaacute teria sido conquistada com na sequencia das

cartas Faz uma apologia da aristocracia tomando-a como ldquoum elemento infaliacutevel e

salutar no governo e na sociedaderdquo (ALENCAR 2009 p95) Acredita que sem este

estiacutemulo a ldquoelevaccedilatildeo a humanidade ficaria eternamente jungida agrave sua animalidaderdquo

(ALENCAR 2009 p95) Mas eacute preciso conter o poder da aristocracia A monarquia

deve tirar ldquoa esse elemento o privileacutegio de casta que o torna odioso e absurdordquo

(ALENCAR 2009 p95) Defende aqui a aristocracia burocraacutetica com vistas agrave

defesa da monarquia constitucional visto que o monarca a serviccedilo das leis estaria

limitado por esta aristocracia que determina tais leis e essa aristocracia seriam os

elementos do povo fazendo parte do legislativo

Jaacute eacute passado o tempo de D Pedro I que entendia dever seguir a constituiccedilatildeo se

esta estivesse a sua altura (querendo dizer se estivesse conforme seu gosto

pessoal) Os tempos satildeo outros e o Imperador eacute uma peccedila do sistema poliacutetico

escolhido pelas elites para a naccedilatildeo que se forma a partir da independecircncia

(CARVALHO 2007) Eacute preciso dar elementos legais para que o paiacutes se desenvolva

e crie mais riqueza com uma intervenccedilatildeo menor do Estado e ao mesmo tempo natildeo

se modifiquem as condiccedilotildees estaacuteveis conquistadas pelas elites no poder Eacute o traccedilo

que caracteriza o periacuteodo uma postura liberal e ao mesmo tempo conservadora

como modelo ideoloacutegico a ser construiacutedo Um traccedilo caracteriacutestico eacute o sistema de

captaccedilatildeo de intelectuais para os quadros da burocracia que segundo Alencar eacute

uma necessidade Explica ele que

A nossa aristocracia eacute burocraacutetica natildeo que se componha somente de funcionaacuterios puacuteblicos mas essa classe forma a sua base agrave qual adere por alianccedila ou dependecircncia toda a camada superior da sociedade brasileira

Para o desenvolvimento espantoso que tem esse corpo oficial entre noacutes natildeo concorre como pensam o nuacutemero dos empregos mas sim a tendecircncia absorvente da administraccedilatildeo a par da falta de iniciativa particular (ALENCAR 2009 p96)

O Estado gera os empregos para absorver a oferta que cria com os cursos

superiores eacute preciso que se crie uma elite que vaacute administrar o paiacutes eacute certo mas

tudo depende da accedilatildeo do Estado Alencar em um feliz paraacutegrafo delineia suas

pretensotildees poliacuteticas com um pedido que elogiando anteriormente as geraccedilotildees mais

jovens e sua capacidade de adaptaccedilatildeo a adversidade sugere

Volvei os olhos em torno senhor e procurai um homem superior que se tenha elevado do seio do povo na robustez de suas crenccedilas na virgindade de sua inteligecircncia na amplitude enfim de sua personalidade

Natildeo o encontrareis eu vos garanto (ALENCAR 2007 p 97)

Quando sugere um novo nome a sugestatildeo jaacute estaacute feita Mesmo acrescentando no

paraacutegrafo seguinte que natildeo se conseguiria encontrar a construccedilatildeo coloca o criacutetico

como a escolha acertada para a resoluccedilatildeo do problema Eacute um efeito da carta aberta

todos tecircm direito a uma opiniatildeo A opiniatildeo ldquopuacuteblicardquo que tanta preocupaccedilatildeo leva ao

Imperador E mesmo esta pode ser manipulada (se natildeo o eacute) visto que segundo

sua criacutetica ldquoa burocracia fabrica a opiniatildeo puacuteblica no Brasil [considerando que] os

jornais como tudo neste impeacuterio vivem da benevolecircncia da administraccedilatildeordquo

(ALENCAR 2009 p96) com subvenccedilotildees que lhe indicam o caminho dos editoriais

A aristocracia tomada aqui por Alencar se refere ao que chama de melhores

indiviacuteduos escolhidos entre todos e o criteacuterio para a escolha seria o voto A elite

portanto eacute determinada pelo voto pela democracia representativa concordando

com as propostas do liberalismo com os tracircmites que a lei determina caccedilando e

permitindo o exerciacutecio do voto para um grupo determinado a quem eacute possiacutevel

exercer ldquofraccedilatildeo de soberania ativa reservada a cada individualidaderdquo (ALENCAR

2009 p98) a partir de uma seacuterie de regras estas tambeacutem determinadas por esta

aristocracia burocraacutetica

Alencar sugere que o gabinete estaacute dominado por esta burocracia Apesar das

escolhas dos ministros incidirem em uacuteltima instacircncia sobre o Imperador qualquer

que seja ela ldquoquaisquer que sejam os nomes por voacutes escolhidos senhor caracteres

iacutentegros vontades riacutegidas o corpo oficial logo os absorve e amalgama () [pois soacute]

vive pensa e governa no Brasil o espiacuterito burocraacuteticordquo (ALENCAR 2009 p99) O

parlamento impede que haja mudanccedilas que natildeo sejam de interesse das elites no

poder esta eacute a base da corrupccedilatildeo de que fala nosso missivista

Na uacuteltima carta desta seacuterie Alencar sugere que o cidadatildeo comum espera do

imperador atitude firma e severa frente ao estado de coisas que se apresenta Haacute

segundo ele uma necessidade de rdquorestauraccedilatildeo dos costumes e das leisrdquo

(ALENCAR 2009 p106) E eacute papel de D Pedro II comandar este movimento de

centralizaccedilatildeo ldquoA flor do paiacutes se reuniraacute ao redor do trono Esse haacute de ser vosso

partido o grande partido nacional da regeneraccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p107) eacute o

movimento a que aludimos da tradiccedilatildeo inventada outro lugar no tempo em que

sendo ldquoo Brasil () menor haacute vinte anos poreacutem estava entatildeo mais alto porque na

sumidade que domina o trono brilhavam os grandes nomes de nossa histoacuteriardquo

(ALENCAR 2009 p112) Eacute ali que o modelo de monarquia parlamentar

constitucional brasileiro cria um momento ilusoacuterio de estabilidade de cuja substacircncia

segundo o missivista devem sair os novos partidos poliacuteticos Eacute o periacuteodo

demarcado nos vinte anos nos conduz a 1845 onde o partido conservador volta

novamente a direccedilatildeo do Estado O apelo ao princiacutepio moral fundador de uma naccedilatildeo

que deve ser representado pela figura do imperador como seu protetor perpeacutetuo

define o modelo para os novos partidos que a partir daiacute seriam criados Partidos que

soacute poderatildeo refletir nesse caso as direccedilotildees dadas pelo trono Natildeo haacute no discurso

de Alencar a existecircncia de um lugar fora da ideologia

332 AO POVO AO REDATOR DO DIAacuteRIO DO RIO DE JANEIRO (ALENCAR

2009 p114-220)

Em junho de 1866 Alencar inicia outra seacuterie de cartas agora endereccediladas ao povo

Apesar de tratarmos do gecircnero ldquocarta abertardquo e sua funccedilatildeo primordial seja a

informaccedilatildeo do ldquopovordquo (no caso de um grupo relativamente grande) determinar

assim o destinataacuterio pressupotildee que a seacuterie de cartas anteriores endereccediladas ao

Imperador formam um todo com o novo conjunto em que Alencar se propotildee a ser o

elo entre o povo e o poder (GRANSCI 1989) Como Alencar havia sugerido no

conjunto anterior das cartas o poder moderador ndash nas matildeos do Imperador ndash seria o

instrumento de representaccedilatildeo do povo Em suas palavras ldquoO poder moderador eacute o

eu nacional a consciecircncia ilustrada do povordquo (ALENCAR 2011 p75) Entatildeo eacute das

obrigaccedilotildees e dos limites do poder moderador que tratamos

A estrateacutegia eacute a mesma Inicia seu discurso profetizando o fim da forccedila vital que

sustenta a naccedilatildeo afirmando que houve um tempo em que se poderia esperar do

trono soluccedilatildeo para segundo Alencar tamanha calamidade que vem afligindo o paiacutes

A guerra do Paraguai segue com quantidade enorme de baixas e percebe-se a

tristeza dos ldquochefes das famiacutelias brasileiras () como pais que geram a prole para a

desgraccedilardquo (ALENCAR 2009 p128) Os gastos com a guerra trazem ldquoa miseacuteriardquo para

esse paiacutes de tantos recursos ldquoRumores surdos assomos de impaciecircncia das

classes inferiores circulam a cidade () tais ecos anunciam profundos

ressentimentos do espiacuterito puacuteblicordquo (ALENCAR 2009 p128) Alencar acusa ao

gabinete de indiferenccedila frente agrave situaccedilatildeo contando com a conivecircncia (passiva) do

trono o que gera insatisfaccedilatildeo por parte da populaccedilatildeo pelos rumos da guerra O

apelo direto a famiacutelia aqui eacute muito representativo Carlo Buacutessula (1997) lembra que a

famiacutelia - e o indiviacuteduo pertencente a tal famiacutelia - existem antes do Estado E que a

autoridade deste lhe eacute outorgada pela famiacutelia e pelos indiviacuteduos que a compotildeem O

vocaacutebulo naccedilatildeo ainda segundo Buacutessula eacute derivaccedilatildeo do latim ldquonatiordquo que

entendemos por nascer Refere-se a um conjunto das famiacutelias ndash e suas lideranccedilas ndash

nascidas em determinada regiatildeo constituindo um grupo social de certa

homogeneidade e que partilha de uma cultura um domiciacutelio uma condiccedilatildeo de

pertencimento Podemos observar mesmo em textos mais antigos como em

Aristoacuteteles (1998) a afirmaccedilatildeo de que o Estado eacute uma reuniatildeo de famiacutelias Daiacute

podemos estender o pensamento e considerar as bases legais (neste periacuteodo) para

um ldquopaacutetrio poderrdquo O liacuteder de uma famiacutelia com sua extensatildeo a parentes agregados

e escravos tem sua autoridade como senhor depois a autoridade material que se

apresenta tambeacutem em relaccedilatildeo a sua mulher e a procriaccedilatildeo dos filhos e a

acumulaccedilatildeo de riqueza para o sustento do grupo ao qual eacute responsaacutevel Chegando

mais proacuteximo as relaccedilotildees entre Estado e Famiacutelia e seu pertencimento a terra ao

domiciacutelio e a busca pela liberdade podem ser relacionadas com as lutas dos barotildees

na Idade Meacutedia com o rei Joatildeo sem terra pelo reconhecimento de seus direitos da

liberdade e da aplicaccedilatildeo da justiccedila Aqui temos um contiacutenuo processo histoacuterico e

poliacutetico de superaccedilatildeo e no mesmo tempo conservaccedilatildeo dessa comunidade natural

que culmina no Estado nacional como um resultado da vontade desta comunidade

(CHAUIacute 1997)

Da mesma forma que Alencar se dirigiu ao Imperador comenta ele agora se dirige

ao povo para que este se levante de sua letargia e por fim ldquoacorde para defender o

patrimocircnio sagrado de suas liberdades e gloriosas tradiccedilotildeesrdquo (ALENCAR 2009

p131) No momento se define como um arauto que iraacute ldquofalar ao povo brasileiro e

proferir verdades que ele nunca ouviu nem de seus ditadores nem de seus

tribunosrdquo (ALENCAR 2009 p131) O interessante ndash devemos ressaltar - eacute que natildeo

haacute uma seacuterie de cartas endereccedilada ldquoao legislativordquo ou mesmo ldquoao senadordquo Tanto

Hobbes quanto Locke e Rousseau ndash cada qual a seu modo ndash defendiam a presenccedila

do parlamento O movimento em Alencar parece passar do povo diretamente ao

imperador deixando ao largo as instituiccedilotildees democraacuteticas40 como no absolutismo

em que o trono justifica todas as suas accedilotildees despoacuteticas justificada como para o

bem do povo a revelia de uma constituiccedilatildeo abonando sua intenccedilatildeo como a de

ldquorenovar a alianccedila da realeza com a democracia Quero restituir o monarca e o povo

um ao outrordquo (ALENCAR 2009 p131)

A primeira estrateacutegia de Alencar eacute delimitar o que acredita ser o povo ldquopor povo

entendo o corpo da naccedilatildeo sem distinccedilatildeo de classes excluiacutedos unicamente os

representantes e depositaacuterios do poderrdquo (ALENCAR 2009 p133) Apesar da

distacircncia que o vocabulaacuterio rebuscado constroacutei do povo a fala eacute justificada Os

depositaacuterios do poder deixam de ser uma categoria do povo por estar distante diste

econocircmica e culturalmente distante mas por que os representantes Nas cartas ao

imperador a camada de poliacuteticos (representantes) era a chaga que deveria ser

extinta ndash pelo menos alguns mas a atividade representativa natildeo deve distinguir o

poliacutetico do povo pelo menos eacute o que sustenta No paraacutegrafo seguinte toma o tom de

paraacutebola anunciando que mesmo os de menor capacidade no seio do povo

poderiam compreendecirc-lo

Aos grandes como aos pequenos falarei a linguagem que me deu a natureza compreendam-me os capazes pelo raciociacutenio os ignorantes pela intuiccedilatildeo misteriosa que em todos os tempos haacute inoculado a verdade no seio das massas

Carecia dizer-vos estas coisas (ALENCAR 2009 p 133)

Alencar se potildee acima das instituiccedilotildees para anunciar que o povo como no

movimento de 1834 ndash e provavelmente atraveacutes das verdades que este lhes diraacute nas

proacuteximas cartas ndash eacute o agente da mudanccedila do paiacutes corrompido Eacute bom lembrar o

conteuacutedo ideoloacutegico que tais afirmaccedilotildees carregam

As Ideologias surgem normalmente em periacuteodos de crise quando a visatildeo do mundo dominante natildeo consegue satisfazer novas e pressionantes necessidades sociais e pedem imperiosamente aos proacuteprios seguidores uma transformaccedilatildeo total da sociedade ou um afastamento dela (BOBBIO

40 Natildeo trata aqui das habituais ldquovisitasrdquo que o Imperador recebia de seus suacuteditos pedindo

empregos pedindo vetos a algum projeto ou perdatildeo de diacutevidas O discurso de Alencar eacute

intencional e bem planejado Indica realmente uma criacutetica agrave intromissatildeo de D Pedro em

determinados assuntos de responsabilidade do parlamento

1998 p 588)

Alencar conclama o povo para que este busque com sua forccedila pressionar as

instituiccedilotildees e mesmo a monarquia na figura de D Pedro II a fim de encontrar

soluccedilotildees para os problemas que apresenta nas cartas A associaccedilatildeo feita pelo

primeiro conjunto (cartas ao Imperador) indica que ldquoo povordquo eacute tambeacutem responsaacutevel

e o discurso lembra sua soberania frente a seus representantes Como afirmamos

anteriormente uma das caracteriacutesticas da prosaiacutestica utilizada eacute a afirmaccedilatildeo de que

tudo depende de uma ordem interna e Alencar constroacutei por via do discurso tal

ordem O impacto que isso tem eacute provavelmente grande O espiacuterito conciliador do

brasileiro (CARVALHO 2007) jaacute comeccedila a ser construiacutedo junto com a estabilidade

vinda depois do periacuteodo regencial e o controle (para)militar das revoltas tendo seu

uacuteltimo suspiro na Revolta da Praia Todos detidos alguns assimilados vaacuterios mortos

e esquecidos a centralizaccedilatildeo eacute uma meta e esta segue o caminho ditado pela

Corte no Rio de Janeiro

Alencar natildeo deixa sequer por um momento de fazer a associaccedilatildeo da coroa com o

povo sendo ele a justificaccedilatildeo para o poder moderador ldquodevo agrave majestade popular a

mesma franqueza que usei com a majestade imperialrdquo (ALENCAR 2009 p134)

Critica a condiccedilatildeo da populaccedilatildeo que natildeo recebe respeito por parte do Estado

afirmando que ldquoo cidadatildeo natildeo vale na medida de seus direitosrdquo (ALENCAR 2009

p135) o que eacute inaceitaacutevel para a teoria liberal claacutessica que vem da busca pela

liberdade Alencar afirma que soacute os que detecircm algum poder econocircmico possuem

direitos civis A liberdade do povo natildeo eacute respeitada Fala da guerra que

aparentemente deve continuar e da situaccedilatildeo moral e econocircmica que esta constitui

O governo toma da liberdade do povo tomando-lhe ldquoa substacircncia da vida ndash o

sangue o fruto do trabalho ndash o suorrdquo (ALENCAR 2009 p136) A poliacutetica do

recrutamento forccedilado da populaccedilatildeo eacute o tema inicial que leva o povo para ldquoeste

abismo para sorver milhares de vidas e os recursos de talvez um seacuteculo de

existecircnciardquo (ALENCAR 2009 p137) O povo aceitou ldquoa guerra com dignidade ()

mas no acircmago da consciecircncia nacional estaacute latente a indignaccedilatildeordquo (ALENCAR 2009

p137) Alencar nessa carta explora as ideias do liberalismo claacutessico quando fala da

relaccedilatildeo do povo com o Estado A busca da liberdade civil e poliacutetica os impostos

forccedilados para a manutenccedilatildeo da guerra o direito a vida e a felicidade tatildeo caros agrave

Bentham e Mill Como eacute possiacutevel um recrutamento forccedilado e como eacute possiacutevel que

algueacutem ndash praacutetica comum ndash possa mandar um escravo em seu lugar para sal a paacutetria

na qual o escravo natildeo tem direito a cidadania

O povo ldquocordato e brioso almejava eacute certo pela mudanccedila de nossa poliacutetica no Rio

da Pratardquo (ALENCAR 2009 p137) Alencar sustenta que

a poliacutetica de intervenccedilatildeo fora sobretudo filantroacutepica exprimia a caridade internacional de um povo por seus irmatildeos dilacerados () [que] o Brasil natildeo precisa do territoacuterio de seus vizinhos pois o tem de sobra e ubeacuterrimo tambeacutem natildeo eacute essencial para seu bem-estar a paz e equiliacutebrio das repuacuteblicas americanas (ALENCAR 2009 p138)

Eacute o momento da indignaccedilatildeo mas Alencar natildeo chega admitir que concorda com a

poliacutetica da coroa para a manutenccedilatildeo do territoacuterio tanto com guerras internas como

defendendo a fronteira sul do Brasil contra o inimigo externo Apresenta em favor

deste uacuteltimo argumento a ideia de que havia pendencias em aberto com as

Repuacuteblicas do Prata e que enfim a guerra poderia ser a soluccedilatildeo Mas tal guerra foi

incentivada pelo governo brasileiro sendo um de seus episoacutedios a missatildeo chefiada

por Joseacute Antocircnio Saraiva em maio de 1864 o executivo ldquosem ter obtido da

assembleia geral com os meios essenciais a aprovaccedilatildeo legislativardquo (ALENCAR

2009 p142) decide pela guerra e a populaccedilatildeo deve arcar com as consequecircncias

do ato apelando para a honra da naccedilatildeo sacrificada Alencar afirma que o legislativo

natildeo toma providecircncias (exigi-las do executivo) para tentar evitar a continuidade da

guerra ocupando-se de discursos vazios de sentido ldquoenquanto o paiacutes estorteja

deleitam-se na compostura de frases perluxas e nos guizos de suas ocas palavrasrdquo

(ALENCAR 2009 p145 A falta de accedilatildeo do Estado cria situaccedilotildees de

constrangimento para o paiacutes como os episoacutedios da questatildeo inglesa que jaacute

anunciavam a falta de tato poliacutetico da administraccedilatildeo puacuteblica De certo ldquoa eacutepoca

infeliz que vamos atravessando natildeo eacute realmente outra coisa senatildeo um grande e

longo desvario da razatildeo puacuteblicardquo (ALENCAR 2009 p146) a quem Alencar culpa

enfim a ascensatildeo da liga progressista entatildeo no governo

A guerra que sustentamos eacute desde sua origem um tecido de incongruecircncias

e desacertos Soacute haacute em toda ela de nobre digno e consolador a intrepidez de nossos marinheiros e soldados Virtude espontacircnea do homem e do povo produziu-se independente do governo e apesar dos esforccedilos adrede empregados para abafaacute-la (ALENCAR 2009 p 146)

A administraccedilatildeo da guerra para Alencar leva a inuacutemeros problemas Como a falta

de uma resposta de forccedila as humilhaccedilotildees sofridas pelo paiacutes as frentes de batalha

que enquanto lutam em uma fronteira

deixam o governo ao desamparo e franca aos paraguaios outra e importante fronteira abandonando assim criminosamente Mato Grosso agrave ruiacutena e assolaccedilatildeo () [Depois da] rendiccedilatildeo de Uruguaiana que fizemos ainda para desafronta da dignidade nacional agravada (ALENCAR 2009 p149)

A lenta marcha do exeacutercito agraves margens do Paranaacute daacute tempo agraves tropas inimigas de

abandonarem o local onde permanecem os aliados Aos jornais eram enviadas

notiacutecias de batalha para segundo Alencar acalentar a impaciecircncia puacuteblica sobre os

seus Quando enfim se alcanccedila o campo paraguaio

avanccedilamos apenas duas leacuteguas em territoacuterio inimigo e estacamos Invasor queda-se o grande exeacutercito agrave sombra da esquadra e natildeo avanccedila um passo Criou raiacutezes ali nos charcos pestiacuteferos que envenenam diariamente nossos bravos soldados (ALENCAR 2009 p152)

Falta comando agraves tropas de terra e mar o que acarreta maiores perdas humanas e

econocircmicas Alencar critica o tratado da triacuteplice alianccedila e o comando das tropas

brasileiras por militares argentinos sob as ordens do presidente Mitre e a falta de

empenho para a ldquopuniccedilatildeo dos desacatos feitos agrave nacionalidade brasileirardquo

(ALENCAR 2009 p155) chegando mesmo a acusar o estado de fechar os olhos

frente aos assassinatos perpetrados no acampamento contra os soldados

brasileiros e natildeo exigiam a pronta e severa puniccedilatildeo do crime com receio de

estremecer a alianccedila Eacute bom lembrar que um dos traccedilos do conservadorismo eacute o

nacionalismo Um nacionalismo que tem em certa medida ligaccedilatildeo com a

democracia

Falando da liberdade de pensamento

() eacute forccediloso que o Brasil mantenha seu nome de naccedilatildeo culta e de segunda grande potecircncia da Ameacuterica () [poreacutem] a poderosa liberdade do pensamento garantida pela constituiccedilatildeo brasileira a voz solene e vibrante do povo natildeo eacute de nosso paiacutes A imprensa e a tribuna existem entre noacutes por mera complacecircncia (ALENCAR 2009 p158)

A censura eacute constante em publicaccedilotildees desde a imprensa reacutegia uacutenica instalada no

paiacutes quando da vinda da Famiacutelia Real mas com D Pedro II isso se abreviou muito

a ponto do republicanismo ser discutido publicamente em clubes e jornais O

problema segundo ele eacute a incapacidade do povo em compreender os problemas

visto que ldquoa populaccedilatildeo jaz na indolecircncia ou estaacute ainda em geral submergida na

ignoracircncia o pensamento natildeo pode livremente circular Por maior forccedila que o

revista ele natildeo penetra jamais a flaacutecida superfiacutecie da indiferenccedilardquo (ALENCAR 2009

p159) o que faz com que natildeo seja possiacutevel uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees

sociais Alencar cumpre seu papel de intelectual como nos mostra Gramsci

enquanto busca incentivar o debate poliacutetico para elevar intelectual e moralmente

camadas cada vez mais amplas da populaccedilatildeo ou seja para dar personalidade a

massa Mas o que se tem quando da posiccedilatildeo completamente externa que Alencar

toma frente agrave populaccedilatildeo ele nega uma praacutexis transformadora desta e acaba por

atualizar a ideologia Quando critica o parlamento por exemplo em

Quanta influiccedilatildeo tem no paiacutes a aluviatildeo de palavras que diariamente se despenha da tribuna parlamentar ou se espraia na imprensa

Que peso exercem no espiacuterito puacuteblico as liccedilotildees da sabedoria e experiecircncia do conselho dos anciatildeos ou a palavra magistral e ungida pela sinceridade de um veneraacutevel Itaboraiacute ou de um provecto Pimenta Bueno (ALENCAR 2009 p 159)

A alusatildeo aos parlamentares que defendem os direitos do povo natildeo visa uma

transformaccedilatildeo mas apenas uma mudanccedila no grupo da elite que estaacute no poder

Visto que ndash no caso ndash tais direitos satildeo concessotildees Natildeo haacute uma discussatildeo com a

populaccedilatildeo sobre suas necessidades haacute - como pudemos notar - a resoluccedilatildeo de

problemas com vistas aos interesses das elites como por exemplo no caso do fim

do traacutefico de escravos e a aboliccedilatildeo que soacute vem a acontecer quando as elites

diretamente ligadas ao problema o permitem Ainda se vecirc traccedilos de preconceitos

herdados de uma aristocracia portuguesa no texto como uma natildeo valorizaccedilatildeo do

trabalho que natildeo seja intelectual como quando adverte ser necessaacuterio que o Brasil

mantenha-se frente aos problemas da guerra como um paiacutes civilizado ldquoou entatildeo se

reduza a uma terra de mercadoresrdquo (ALENCAR 2009 p152)

Alencar adverte ainda que ldquoo governo descansa pois tranquilo a este respeito [da

liberdade de pensamento] imprensa e tribuna satildeo inocentes folguedos para o nosso

povo menino Brincando esse jogo de liberdaderdquo (ALENCAR 2009 p160) que leva

somente a um vazio de accedilotildees Ilustra seu argumento dizendo que a Franccedila e ndash

querendo imita-la a Pruacutessia brevemente ndash concede aos suacuteditos o voto universal

Para o autor o voto universal ldquoeacute uma teteia poliacutetica semelhante agrave nossa imprensa

livrerdquo (ALENCAR 2009 p160) O autor defende o modelo de restriccedilotildees ndash censitaacuterio

no caso ndash para o sufraacutegio o que eacute mais um iacutendice de que o ldquopovordquo a quem Erasmo

dirige suas cartas eacute restrito e que a liberdade natildeo eacute para todos E ele mesmo

justifica afirmando que se for da vontade dos ldquodominadoresrdquo qualquer atitude ndash ou

projeto de revolta ndash que saia do povo poderia ser controlada mesmo ele

Um exemplo Estas cartas parecem a alguns dos nossos senhores inconvenientes a outros extravagantes Nenhum deles poreacutem afianccedilo ousaraacute contestaacute-las E para quecirc Basta-lhes soprar na doacutecil consciecircncia dos sateacutelites e em breve um sussurro se derrama pela cidade Esse sussurro natildeo diz mas infiltra de uma banda que estou fazendo a propaganda do absolutismo da outra que provoco o povo agrave revoluccedilatildeo (ALENCAR 2009 160)

E confirma a seguir em outro paraacutegrafo sua afirmaccedilatildeo mostrando que seu texto

natildeo tem tanta infiltraccedilatildeo como a ideologia reinante

A verdade poreacutem eacute que tais infiltraccedilotildees subterracircneas da aleivosia no espiacuterito pensante do paiacutes satildeo mais poderosas que a palavra eneacutergica do escritor atirada agraves turbas A chama desta se apaga caindo de arremesso no chatildeo a faiacutesca da outra vai se propagando sempre e surdamente O povo lecirc pouco mas escuta muito o que se diz em voz submissa (ALENCAR 2009 p161)

Em suma segundo Alencar eacute preciso ofertar uma educaccedilatildeo para o povo de forma

que este tenha maior consciecircncia de seu papel o que eacute um traccedilo liberal e ao

mesmo tempo sugere que no decorrer do processo o povo seja tutelado enquanto

natildeo alcanccedila uma maturidade intelectual e poliacutetica uma proposta decididamente

conservadora Alencar afirma que o povo teve sua histoacuteria recente marcada pela

revoluccedilatildeo e pela opiniatildeo Em todos os movimentos revolucionaacuterios teve de arcar

com consequecircncias que restringiriam sua liberdade Em 1824 a revolta de

Pernambuco foi logo contida Como consequecircncia D Pedro I com sua constituiccedilatildeo

liberal profana a liberdade prometida e cria as juntas militares Em 1831 com a

revoluccedilatildeo na Corte o povo triunfa sem um combate armado e aderia ao jovem

imperador Em 1837 o paiacutes sucumbe agrave anarquia que o partido liberal - entatildeo no

poder - natildeo consegue conter sendo salva a naccedilatildeo ndash segundo ele - pelo partido

conservador Em 1840 a revoluccedilatildeo imperial e o partido que a promove logo se vecirc

retirado do poder Levantando-se Minas e Satildeo Paulo em favor do partido Liberal

logo foram vencidos e ldquodas cinzas da revolta nasceram todas as leis homicidas da

liberdade que hoje nos parecem opressivas e naquele tempo foram salvadorasrdquo

(ALENCAR 2009 p163) Em 1842 a liberdade comeccedila a declinar vendo seu fim

proacuteximo em 1848 A liberdade eacute uma ilusatildeo ldquosagaz eacute a oligarquia que domina o

paiacutes [porque consegue] manter o povo na doce ilusatildeo de que eacute livrerdquo (ALENCAR

2009 p165) e assim sustentar uma poliacutetica de dominaccedilatildeo opressiva e constante

Ao povo falta a consciecircncia que gera a opiniatildeo

Alencar relata o episoacutedio das tropas inglesas na guerra da Crimeacuteia e a presenccedila de

um repoacuterter do jornal ldquoTimesrdquo no acampamento Sua presenccedila por um momento

censurada depois foi aceita como forma de ligaccedilatildeo entre a opiniatildeo puacuteblica e o

comando da guerra o que por fim salvaria a honra da Inglaterra na batalha com o

relato fiel do que via em seu cotidiano no campo de batalha Mas no Brasil a critica

natildeo eacute assim Aquele que ousa levantar ldquoa voz para arguir os erros deploraacuteveis

cometidos em uma guerra infauta eacute logo coberto com o baldatildeo e o insulto Seja

banido da paacutetria esse reacuteprobo poliacutetico ()rdquo (ALENCAR 2009 p170) desacreditada

sua accedilatildeo Para que natildeo sejam criados embaraccedilos ao governo sustenta ldquonatildeo se

deve preferir uma palavra ou balbuciar um receio [sobre a administraccedilatildeo da guerra]

() Esta heresia se escreveu na imprensa de um Estado livre ecoou em uma

tribuna que ainda chamam parlamentordquo (ALENCAR 2009 p171) funcionando como

uma poliacutetica de Estado que tenta manter a consciecircncia do povo distante dos

acontecimentos Eacute o tatildeo conhecido medo da revolta popular que assombra as elites

desde antes da independecircncia e tambeacutem para encobrir

o esbanjamento dos dinheiros puacuteblicos a dissipaccedilatildeo das forccedilas do Estado o atropelo erigido em atividade a ineacutercia com foros de prudecircncia [chegando a tanto descaso que] depois de um esbanjamento louco dos dinheiros puacuteblicos natildeo ter canhotildees para bombardear o inimigo e a ele () natildeo faltam armas aperfeiccediloadas de longo alcance (ALENCAR 2009 p177)

Eacute tal a quantidade de erros observados que causam extremo desacircnimo ao paiacutes O

atual gabinete41 eacute um dos responsaacuteveis ndash senatildeo o maior ndash devido ldquoa incoerecircncia

levada agrave infantilidade as contradiccedilotildees incessantes a negaccedilatildeo eterna de si mesmordquo

(ALENCAR 2009 p186) enquanto um grupo coeso causado por intrigas e

desafetos novos e antigos entre seus membros a falta de certo cuidado para tratar

com as possiacuteveis reaccedilotildees aos acontecimentos Natildeo deixa de criticar D Pedro II

novamente por natildeo tomar providecircncias para que tais conflitos internos e do gabinete

com a cacircmara dos deputados tenham um fim e o porquecirc disso tudo que ldquoeacute um

assunto digno da seacuteria meditaccedilatildeo do povordquo (ALENCAR 2009 p188) A

administraccedilatildeo da guerra foi deixada nas matildeos de seus agentes enquanto o

gabinete diz ter nestes a sua confianccedila tal o eacute que se permitem deixar-lhes livres

para desenvolver suas taacuteticas militares confirmam os ministros Estes uacuteltimos

estariam mais preocupados ndash segundo Alencar ndash em defender tais atitudes frente

aos parlamentares Sentindo-se esgotado desabafa em tom increacutedulo ldquoSoacute no

Brasilrdquo (a interjeiccedilatildeo faraacute histoacuteria)

Soacute no Brasil Escapou-me a palavra Soacute nesta eacutepoca desgraccedilada em que o Brasil desapareceu para deixar o lugar ao impeacuterio da alucinaccedilatildeo e desatino soacute durante esta siacutencope da razatildeo social torna-se possiacutevel a existecircncia de semelhantes desvarios e a jactacircncia de os haver praticado (ALENCAR 2009 p 194)

Desvarios permitidos senatildeo pela coroa e pela passividade do povo ldquoO governo natildeo

quer saber do que se passa nem faz a miacutenima exigecircncia Delegou sua razatildeo seu

dever seu pundonor no aacuterbitro supremo da Triacuteplice Alianccedilardquo (ALENCAR 2009

p196) a quem o tesouro brasileiro auxiliou ateacute na compra de armamentos

D Pedro II se guiaria pela opiniatildeo puacuteblica medida na publicitaccedilatildeo dos atos do

governo pelos jornais E os jornais da Corte nos garante Alencar jaacute estatildeo todos nas

41 Presidido pelo Marquecircs de Olinda Dura de 12051865 a 03081866

matildeos do ministeacuterio os partidos conservador e liberal a muito natildeo detecircm espaccedilos

nessas miacutedias Mas o imperador ldquoreconhece e sente mais no iacutentimo a crise perigosa

que oprime o paiacutesrdquo (ALENCAR 2009 p201) mas eacute tolerante com o executivo em

sua forma de administrar a coisa puacuteblica mesmo por que veria uma dificuldade de

montar outro gabinete no conturbado periacuteodo que se atravessa onde o partido

conservador se recolhe segundo ele ao silecircncio e ao repouso

Na nona carta Alencar anuncia por fim a dissoluccedilatildeo do gabinete de 12 de maio e a

subida de Zacarias de Goacuteis vinculado agrave liga progressista em 02 de agosto O que

resultaria em nenhuma mudanccedila significativa na conduccedilatildeo da poliacutetica do Estado e

confirmaria a ldquocompleta identificaccedilatildeo da coroa com a poliacutetica vigenterdquo (ALENCAR

2009 p210) Volta ao gabinete Acircngelo Muniz da Silva Ferraz que teve

desentendimentos anteriormente com Caxias sobre a conduccedilatildeo da guerra e que

aprovara - tambeacutem como ministro da guerra ndash o tratado da Triacuteplice Alianccedila e ldquoos

outros escolhidos entre os mais dedicados aderentes da poliacutetica progressista

presidente ou chefes da maioriardquo (ALENCAR 2009 p213) sob a forma de uma

grande conciliaccedilatildeo Zacarias entatildeo liderando o gabinete em 1864 que daacute o

ldquoultimatum de 4 de agostordquo (ALENCAR 2009 p218) iniciando - por assim dizer - os

trabalhos na guerra do Paraguai eacute justo estar ele ali para dar-se um fim a guerra

sugere Alencar conclui essa seacuterie de cartas a 06 de agosto afirmando que acredita

no fim da passividade do povo brasileiro e que se afastaraacute por algum tempo para

ver os resultados conseguidos pelo atual gabinete Mas natildeo muito tempo

Um aparte eacute necessaacuterio para o comentaacuterio a carta endereccedilada ldquoAo Redator do

Diaacuterio do Rio de Janeirordquo (ALENCAR 2009 p114-123) uacutenica datada de 12 de

janeiro de 1866 A resposta de Alencar a criacutetica sobre suas preferecircncias pelo

absolutismo Eacute uma carta breve na qual natildeo nos deteremos

Alencar ndash depois de um breve alento sempre educado ndash indica o teor da conversa

com seu sempre generoso adversaacuterio o redator do Diaacuteriordquo adversaacuterio pois no

momento se encontram em posiccedilotildees opostas e como os ponteiros de um reloacutegio

apontam suas ideias em direccedilotildees diferentes

Alencar escreve ao redator em resposta a uma criacutetica que recebe - enquanto

Erasmo - pelo conteuacutedo das cartas Acusado de fomentador do absolutismo vai a

puacuteblico em defesa proacutepria Indica com seu estilo caracteriacutestico ter sido viacutetima de

acusaccedilotildees como

Sou nada menos do que - ltlt o crocodilo feroz do despotismo disputando a admiraccedilatildeo dos poucos creacutedulos que ainda restam e os tecircnues almejos do magnacircnimo coraccedilatildeo do rei insonegtgt A reticecircncia natildeo eacute minha sim do indignado escritor que some-se por ela e logo apoacutes surge para mandar-me literalmente ao diabo sob a conduta de Erasmo (ALENCAR 2009 p 116)

Eacute a antiga histoacuteria do feiticcedilo contra o feiticeiro Alencar se expotildee publicamente mas

como jaacute pudemos perceber ateacute mesmo pela anaacutelise de sua curta biografia natildeo

admite criacuteticas a seu trabalho Manteacutem-se distante em uma posiccedilatildeo decididamente

superior aos outros (decidida por ele) mesmo em se tratando de seus iguais Tenta

ao longo da carta melhorar sua situaccedilatildeo admitindo que

Estes ecos da imprensa partidos de vaacuterios pontos e condensados aos surdos rumores que burburinham nos ciacuterculos da Corte satildeo indiacutecios de uma crise salutar Anunciam eles que a pena de Erasmo natildeo fez a autoacutepsia de um cadaacutever operou sobre corpo vivo e robusto onde satildeo prontas as reaccedilotildees (ALENCAR 2009 p116)

Admite que o absolutismo esteja presente mas vindo das elites no poder e em seus

mecanismos de comunicaccedilatildeo como a imprensa E talvez certa complacecircncia de D

Pedro II com a situaccedilatildeo quando afirma que

O absolutismo Quem natildeo o vecirc Natildeo convive ele conosco Onde a minoria subjuga a maioria aiacute estaacute a tirania seja de um seja de muitos Repimpado nas poltronas ministeriais espreguiccedilando-se nos sofaacutes da assembleia pedante nas reparticcedilotildees puacuteblicas risonho e sedutor na imprensa empertigado nos fardotildees mostra-se em toda a parte esse Proteu da nossa poliacutetica (ALENCAR 2009 p 118119)

Afirma que em resposta a acusaccedilatildeo releu o conteuacutedo de suas cartas e natildeo encontra

motivos ali para tal O que apenas admite eacute que

Quero a constituiccedilatildeo como foi escrita natildeo como a aleijaram Na constituiccedilatildeo aparecem bem distintos os trecircs princiacutepios cardeais da monarquia representativa a Coroa o povo e o elemento intermeacutedio ou misto que em falta de melhor termo chamo aristocraacutetico (ALENCAR 2009 p120)

Afirmando que de sua postura criacutetica visa os povos livres Infelizmente a criacutetica soacute

pocircde ser feita (ou admitida) de um dos lados De qualquer forma como jaacute viacutenhamos

demonstrando no decurso das cartas algumas similaridades do texto de Alencar

com as ideias de Hobbes podem fazer com que o Redator do Diaacuterio natildeo perca de

todo sua razatildeo Eacute visiacutevel mesmo para os contemporacircneos que Alencar toma o

partido de uma intervenccedilatildeo forte do Imperador em detrimento dos direitos e da

liberdade da maior parte da naccedilatildeo

333 AO MARQUEcircS DE OLINDA AO VISCONDE DE ITABORAHY (ALENCAR

2009 p223-254)

A carta endereccedilada ao Marquecircs de Olinda (ALENCAR 2009 p243-254) entatildeo

presidente do conselho e ministro dos negoacutecios do Impeacuterio inicia com a objetiva

epiacutegrafe ldquovou te interrogar e tu me instruiraacutesrdquo42 (ALENCAR 2009 p243) e se dirige

ao marquecircs com toda a reverecircncia que o romantismo da uacuteltima fase lhe permite

Olinda teve participaccedilatildeo no processo de independecircncia havia sido regente e

ministro Era uma figura respeitaacutevel no cenaacuterio poliacutetico brasileiro Formado em

Coimbra fazia parte de um grupo ao qual Alencar acreditava estar tempo demais no

42 Natildeo pudemos deixar de notar o erro indicado pelo revisor da epiacutegrafe Pois bem A epiacutegrafe

em latim refere ao livro de Joacute 33-3 como ldquoCinge como um valente os teus lombos vou te

interrogar e tu me instruiraacutesrdquo O revisor prontamente corrige a referecircncia que estaacute na verdade

em Joacute 38-3 Mas se entendermos a epiacutegrafe como mais uma das armadilhas de Alencar a

referecircncia dada por ele (incorreta no caso) mostra em Joacute 33-3 uma resposta ao versiacuteculo

anterior ou mesmo um indicativo para a continuidade da leitura da epiacutegrafe onde se vecirc ldquoAs

minhas razotildees sairatildeo da sinceridade do meu coraccedilatildeo e a pura ciecircncia dos meus laacutebiosrdquo Que eacute o

apregoado pelo missivista desde as primeiras cartas ao Imperador Ele como o arauto da

verdade Mas se quisermos acreditar no radicalismo e perversidade do Alencar seguiremos ateacute

Joacute 33-33 onde se lecirc ldquo escuta-me tu cala-te e ensinar-te-ei a sabedoriardquo Para Alencar filho de

um padre e extremamente conservador eacute possiacutevel entender o jogo de relaccedilotildees com os versiacuteculos

como um iacutendice para o iniacutecio de uma criacutetica ferrenha ao Marquecircs Eacute interessante lembrar sem

pretender se extender em tal ponto (que natildeo cabe aqui devido as limitaccedilotildees do trabalho) nas

observaccedilotildees de Chartier (1999) sobre o texto como forma literaacuteria e sua impressatildeo todo o

processo que acompanha o texto ateacute alcanccedilar o seu suporte as intervenccedilotildees de tipografia

graacutefica editores e mesmo erros que afetam o texto A recepccedilatildeo eacute sempre algo que deve ser

observado junto a uma criacutetica do texto e natildeo como um simples derivado deste

poder Compara seu trabalho com o de Vasconcelos Joseacute Clemente e Paranaacute

invoca Evaristo Feijoacute e Vergueiro tecendo uma trama de modelos ideais na qual

tentaraacute capturar Olinda Se apresenta ao Marquecircs afirmando que seu ldquoempenho

sincero tem sido reparar os estragos do tempordquo (ALENCAR 2009 p244) buscando

e indicando caminhos para a administraccedilatildeo puacuteblica como em uma espeacutecie de

jornalismo criacutetico e investigativo Compara o poliacutetico em sua astuacutecia a Luiz XVIII de

Franccedila novamente consolidando o modelo europeu como marco de uma civilizaccedilatildeo

ldquomais avanccediladardquo cultural e politicamente mas tambeacutem aludindo ao seu longo tempo

de permanecircncia nos grupos entatildeo no poder E esta permanecircncia Alencar sugere

que eacute devida a capacidade de adequaccedilatildeo que possui o Marquecircs acompanhando a

mareacute dos fatos e acomodando-os agraves suas necessidades - como em decisotildees

polecircmicas como na partida de D Pedro II para Uruguaiana ou sobre a deposiccedilatildeo do

gabinete O tato poliacutetico que teria o Marquecircs lhe permite sempre estar em

consonacircncia com a opiniatildeo puacuteblica pelo menos com a parte elogiosa da opiniatildeo

Com certo tom de gracejo Alencar brinca com a idade avanccedilada do Marquecircs e

sugere que ele escreva uma biografia Biografia que estaria rica de assuntos e

informaccedilotildees poliacuteticas jaacute que ndash falando com uma ponta de sarcasmo conservador

sobre a mobilidade partidaacuteria no periacuteodo ndash o Marquecircs ldquohavendo pertencido a todos

os partidos modernos e antigos a datar da constituinte vossa autobiografia deve ser

um tesouro inexauriacutevel de liccedilatildeo e conselhordquo (ALENCAR 2009 p247) E qualquer

poliacutetico continua encontraraacute ldquonesse novo evangelho poliacutetico um tema um exemplo

uma epiacutegrafe para adornar sua doutrinardquo (ALENCAR 2009 p248) Mas Olinda

apesar da idade continua firme no poder aparentemente natildeo querendo abrir matildeo

disto como muito bem nos sugere Alencar ldquopara voacutes poreacutem natildeo chegou ainda o

tempo das memoacuterias estais com as matildeos na obrardquo (ALENCAR 2009 p248) em

todas as obras em que consegue esgueirar suas matildeos era o que queria dizer

Mesmo quando os resultados natildeo lhe satildeo promissores como em 1851 com o

episoacutedio do Prata

Em 1857 alude o partido conservador comeccedila a perder forccedila apesar da presenccedila

de lideranccedilas importantes que poderiam seguir com uma administraccedilatildeo competente

Tendo homens como o dissera ldquode talhe para a empresa uns pela ilustraccedilatildeo

outros pela popularidade Itaboraiacute Uruguai Euseacutebio Caxias Pimenta Buenordquo

(ALENCAR 2009 p249) natildeo consegue encontrar um norte com algum destes e ao

clongo de alguns anos o partido perde sua forccedila de combate

Olinda foi presidente do conselho de ministros e ministro em diversas pastas e

diferentes gabinetes Seu nome nos conta enche o livro do Segundo reinado ldquorara

eacute a paacutegina em que natildeo figure ele no alto Estreastes regente era natural que

acabaacutesseis vice-rei43rdquo (ALENCAR 2009 p249) Mas o paiacutes sofre por demais neste

momento e o Marquecircs eacute o signo (senatildeo o culpado) dessa administraccedilatildeo

equivocada incompetente oriunda de uma oligarquia irresponsaacutevel que lanccedila o paiacutes

na ldquocorrupccedilatildeo infrene o descreacutedito puacuteblico a ruiacutena das financcedilas o aniquilamento da

induacutestria e finalmente a guerra ladeada a uma pela vergonha e pela miseacuteriardquo

(ALENCAR 2009 p250) A paacutetria exige um esclarecimento que Olinda ponha a

matildeo na consciecircncia e admita ndash na impossibilidade de corrigi-los ndash seus erros a

quem lhe creditou agrave administraccedilatildeo O paiacutes sofre e Olinda dorme ldquoagrave sesta e consente

que os convivas de teu banquete tripudiem sobre meu corpo exacircnimerdquo (ALENCAR

2009 p252) Natildeo a paacutetria exige sua salvaccedilatildeo E o instrumento para tanto eacute ldquoo

mesmo que serviu em 1837 aiacute jaz atirado ao poacute e desdenhado Eacute o grande Partido

Conservador numeroso ateacute na imobilidade forte ainda no abandonordquo (ALENCAR

2009 p252) Olinda deve indicar ao monarca um novo gabinete constituiacutedo pelo

partido conservador Alencar acena para a permanecircncia de grupos no poder mesmo

com a mudanccedila de gabinetes e vertentes poliacuteticas onde lideranccedilas transitam pelos

dois lados - conservador e liberal ndash e adaptam suas ideias as correntes de

pensamento vigentes em cada momento

Na sequencia das cartas (ALENCAR 2009 p223-239) outro destinataacuterio ilustre tem

a sua vez O Visconde de Itaborahy - carta de Erasmo sobre a crise financeira

Homem probo poliacutetica e civilmente ldquoum dos poucos contra quem natildeo se atreveu

ainda a maledicecircnciardquo (ALENCAR 2009 p223) Esse fiel monarquista esteve por

um breve periacuteodo distante da militacircncia na reorganizaccedilatildeo de partidos e gabinetes

quando do periacuteodo da liga para retornar logo em seguida fortalecido pelos

descaminhos da administraccedilatildeo em uma defesa da instituiccedilatildeo imperial e dos

43 O uacuteltimo vice-rei do Brasil foi o Conde dos Arcos em 1808 O tiacutetulo impotildee certo respeito mas eacute

evidente que Alencar o toma em um tom jocoso

destinos do paiacutes em discursos inflamados no Senado junto agrave outros conservadores

Itaborahy comeccedila a carreira poliacutetica no partido liberal e tambeacutem como jornalista

Assume o ministeacuterio da marinha e em 1837 se transfere para o partido conservador

Foi deputado geral e presidente do Banco do Brasil causa pela qual a segundo

Alencar assustadora perspectiva econocircmica do paiacutes leva o missivista - cheio de

elogios - agrave pessoa do Visconde pedir conselhos a este sobre os rumos que a

administraccedilatildeo puacuteblica deveria seguir admitindo natildeo ter a necessaacuteria ciecircncia para o

assunto nem sequer pretende ldquoao tiacutetulo de disciacutepulo da escola que vos reconhece

por mestrerdquo (ALENCAR 2009 p225) mas se propotildee a analisar o momento de crise

iniciando pelos problemas com o creacutedito As duas espeacutecies de creacutedito indicadas

pelo analista satildeo o mercantil e o predial Os dois estatildeo como que envolvidos um no

outro como uma sustentaccedilatildeo de garantia muacutetua a que os bancos se remetem no

sistema implantado no Brasil E as transaccedilotildees financeiras ldquose prendem por

filamentos mais ou menos longos e tortuosos agrave lavourardquo (ALENCAR 2009 p227)

base da economia no momento O investimento hipotecaacuterio afugenta os capitais

particulares visto que o comeacutercio e a induacutestria inspiram maior confianccedila

considerados seguros e lucrativos por uma maioria Com a deficiecircncia do credito

predial atrelado a lavoura o comeacutercio vai a seu auxiacutelio na tentativa de achar certo

equiliacutebrio que natildeo acontece devido as diferenccedilas proacuteprias de cada modalidade44

O problema de conseguir creacutedito para as lavouras comenta eacute comum em vaacuterios

paiacuteses do mundo e natildeo seria diferente no Brasil mas a soluccedilatildeo para nosso paiacutes

determinada pelo governo associado ao Banco do Brasil eacute a de extravasar os limites

da emissatildeo bancaacuteria o que acarreta financiamentos impossiacuteveis de serem tolerados

pela grande maioria dos que dele necessitam A recente implantaccedilatildeo do sistema de

creacutedito cede lugar a problemas de imperiacutecia financeira e junto a isso certos abusos

praticados por integrantes da associaccedilatildeo comercial constroem com a imobilizaccedilatildeo

de grande soma de capitais um caminho para a derrocada do sistema Ao mesmo

tempo a lavoura tambeacutem atravessa uma crise com a escassez de matildeo de obra e a

introduccedilatildeo de teacutecnicas dispendiosas acrescidas da carestia de gecircneros e das

44 Alencar usa de seu conhecimento como advogado especializado em direito administrativo e

comercial para equilibrar a narrativa com os argumentos da economia e administraccedilatildeo puacuteblicas

uacuteltimas maacutes colheitas Tambeacutem o fato de estarmos em periacuteodo de guerra acarretou

dois fenocircmenos preocupantes o ldquoescoamento dos depoacutesitos bancaacuterios para o

tesouro [e tambeacutem a ] monetizaccedilatildeo do papel bancaacuterio como um meio sub-reptiacutecio

de fornecer recursos ao governordquo (ALENCAR 2009 p230) criando o que chamou

de uma moeda simboacutelica natildeo tendo reservas que os garantam

Anunciado esse quadro desolador (aqui simplificado) Alencar questiona o Visconde

sobre qual seria o remeacutedio visto que a crise se alastrara por todo o sistema

financeiro Alencar responde afirmando ser necessaacuteria a separaccedilatildeo do creacutedito

agriacutecola do mercantil chegando a sugerir agrave fundaccedilatildeo de um banco agriacutecola

brasileiro que aliviaria o Banco do Brasil de garantir suporte a avultada diacutevida

agriacutecola a impontualidade do agricultor no pagamento de suas diacutevidas resultado da

imprevisibilidade do sistema de colheitas e a constante oscilaccedilatildeo no valor da

propriedade rural A proposta de Alencar indica a emissatildeo pelo governo de apoacutelices

para o banco agriacutecola transformando o agricultor ndash ou seu qualquer portador ndash em

acionista Algo como uma auto gerecircncia do sistema em que uma hipoteca de terras

garantiria o saldo devedor Proposta avanccedilada para a eacutepoca aqui mais uma vez

podemos observar a distorccedilatildeo que se deu no Brasil para as propostas de

implantaccedilatildeo de uma poliacutetica liberal tendo o Estado que se tornar distante das

soluccedilotildees econocircmicas mas ao mesmo tempo garantindo um lucro faacutecil para uma

aristocracia Eacute o que vecirc aqui onde a grande propriedade foi formada pelo sistema

de distribuiccedilatildeo de sesmarias e seus proprietaacuterios como os da antiga colocircnia soacute

querem explorar sem ter que arcar com quaisquer diacutevidas ou prejuiacutezos Mas Alencar

condena-os afirmando que ldquoa lavoura natildeo pode esquivar-se a garantir o Estado

quando este contrai grandes compromissos para auxiliaacute-lardquo (ALENCAR 2009

p235) Os tempos satildeo outros mas seraacute que satildeo de verdade O governo durante a

mudanccedila proposta tambeacutem deve arcar com o prejuiacutezo dos tiacutetulos sem valor que

emitiu sendo alguns de empreacutestimos que ele mesmo cedeu No fim o prejuiacutezo eacute

sempre grande Alencar sustenta uma regulaccedilatildeo do mercado provavelmente

influenciado pelas ideias de Adam Smith em que o mercado consegue trabalhar

melhor sem uma interferecircncia direta do Estado (KENNY 1998) Smith entatildeo muito

em voga nos meios acadecircmicos mas para Alencar manter a criacutetica lhe falta alguma

experiecircncia como financista para o tratamento de assuntos tatildeo especiacuteficos o que

pode ter sido interpretado como arrogacircncia de jornalista Da carta fica a opccedilatildeo por

uma estrutura administrativa baseada nas ideias liberais de fomento a livre

empresa creacutedito bancaacuterio em uma tentativa de diminuir a intervenccedilatildeo contiacutenua do

Estado na economia segunde ele ateacute entatildeo necessaacuteria O que fica para a histoacuteria

poliacutetica eacute a questatildeo com a pressatildeo para ao fim efetivo do traacutefico de escravos e a

implementaccedilatildeo da matildeo de obra assalariada ndash qualquer que fosse esta imigrante ou

natildeo europeia ou natildeo ndash em todo o paiacutes quem arcaraacute com o custo final disso tudo o

Estado ou as elites entatildeo no poder

334 NOVAS CARTAS AO IMPERADOR (ALENCAR 2009 p257-389)

A uacuteltima seacuterie de cartas datadas de junho de 1867 e endereccediladas novamente ao

Imperador tem uma intenccedilatildeo bem menos louvaacutevel ndash em um comentaacuterio de Tacircmis

Parron (2008) - que eacute a defesa da escravidatildeo negra no Brasil aleacutem de retomar

temas como a guerra e a poliacutetica no paiacutes O exame do texto nos auxiliaraacute nas

afirmaccedilotildees Eacute bem verdade que na fala do trono de 1867 (cerimocircnia que abre os

trabalhos no parlamento) D Pedro II teria mostrado disposiccedilatildeo em resolver o

problema do elemento servil problema que se arrasta na necessidade de uma

soluccedilatildeo jaacute com seu pai assegurando o fim do traacutefico como uma das condiccedilotildees para

o apoio da Inglaterra a independecircncia do Brasil O imperador tambeacutem se sentindo

pressionado por uma elite intelectual europeia que via na escravidatildeo (neste

momento depois da guerra de secessatildeo talvez natildeo antes) um insulto ao modelo

de civilidade que pretendia o Brasil como uma naccedilatildeo moderna alguns destes

intelectuais e artistas satildeo muito caros agrave D Pedro II como no caso de Victor Hugo A

proposta seria resolver gradativamente sem ferir os interesses daqueles que ainda

atrelados agraves culturas de exportaccedilatildeo necessitavam de braccedilos para o trabalho

atentos a condiccedilatildeo de que a imigraccedilatildeo europeia ainda natildeo era um fato substancial

Bosi comenta que

Algumas atitudes poliacuteticas de D Pedro II pareciam indicar que embora hesitantemente ele passou do polo nacional-conservador para o polo nacional-reformista guiado pelo religioso respeito que lhe inspiravam as culturas inglesa e francesa (BOSI 2003 p 239)

Resta saber em que ponto da estrada D Pedro II teria pegado o bonde reformista e

ateacute onde este poderia levar-lhe O decliacutenio da monarquia o que sugerem alguns

comentadores como Boris Fausto (2001) e Faoro (2004) jaacute estaacute batendo nos

portotildees de Satildeo Cristoacutevatildeo Alencar como bom conservador que eacute defende os

interesses ndash mesmo que natildeo textualmente ndash da oligarquia agriacutecola escravista que

sustentava o paiacutes (leia-se o impeacuterio) com sua produccedilatildeo para exportaccedilatildeo Alencar

antevecirc em seu texto as mudanccedilas sugeridas pelos novos tempos em que o ldquonovo

liberalismordquo ndash termo de Joaquim Nabuco com quem Alencar travaria discussotildees

inflamadas - vai tomando conta do parlamento e a proposta de renovaccedilatildeo da matildeo

de obra por colonos europeus jaacute estava em debate apesar de ainda natildeo termos as

campanhas abolicionistas Mas em sua opiniatildeo tais mudanccedilas ndash que aconteceriam

inevitavelmente - precisam ser combatidas no momento visto que uma mudanccedila

draacutestica poderia trazer prejuiacutezos para as colheitas devido agrave falta de trabalhadores Eacute

o ideal conservador que deve ser salvo A proposta das cartas enquanto veiacuteculo de

divulgaccedilatildeo ideoloacutegico eacute esta chegar o mais longe possiacutevel e alcanccedilar a quantos

pudessem com as ideias conservadoras

Eacute pontual que coloquemos ndash diga-se assim - uma questatildeo ante a defesa do trabalho

escravo por Alencar e tambeacutem uma resposta agrave interferecircncia direta da coroa no

assunto jaacute que estariacuteamos sob a vigecircncia de uma monarquia constitucional

parlamentarista A posiccedilatildeo de Alencar eacute criticada no periacuteodo como ideia jaacute superada

Tavares Bastos eacute um exemplo jaacute aludia agraves melhorias na produccedilatildeo advindas do

trabalho assalariado que tatildeo bem estava no periacuteodo se adaptando e trazendo

frutos principalmente no Nordeste com peculiar atenccedilatildeo ao Cearaacute a terra do

Deputado Alencar (BOSI 2003) Eacute um sinal de que o missivista estava mais

preocupado com a corte do que com suas bases ou desconhecia deliberadamente

esses dados

A escravidatildeo eacute um ponto complexo visto que a instituiccedilatildeo desde a colocircnia permeia

praticamente todas as outras instituiccedilotildees De maneira geral observamos que

(hellip) toda pessoa com algum recurso possuiacutea um ou mais escravos O Estado os funcionaacuterios puacuteblicos as ordens religiosas os padres todos eram proprietaacuterios de escravos Era tatildeo grande a forccedila da escravidatildeo que os proacuteprios libertos uma vez livres adquiriam escravos A escravidatildeo penetrava em todas as classes em todos os lugares em todos os desvatildeos

da sociedade a sociedade colonial era escravista de alto a baixo (CARVALHO 2002 p20)

Alencar tem uma posiccedilatildeo particular sobre a escravidatildeo Quer acabar com ela mas

de forma lenta e segura sem arroubos libertaacuterios que pudessem trazer prejuiacutezos ao

Brasil Parece em alguns momentos um produtor rural paulista preocupado com

seu lucro em outros um tecnocrata arrecadador de impostos Nas novas cartas

poliacuteticas Alencar jaacute natildeo se apresenta - podemos dizer assim - ao Imperador Ele de

certa forma jaacute teria conquistado o seu ouvinte e tomado sua atenccedilatildeo Sua opiniatildeo jaacute

consegue certo respeito dos leitores enxergando-o natildeo apenas como um artista um

escritor de romances (como fazia o Cotegipe) mas como um poliacutetico combativo com

capacidade de influenciar um grupo importante atraveacutes da imprensa Eacute aqui que

podemos observar de maneira mais integrada as propostas liberais sendo

mescladas ao conservadorismo na defesa da escravidatildeo

Alencar nesse novo conjunto de cartas pocircde usar em suas criacuteticas de uma

ldquolinguagem [que] seraacute minimamente severardquo (ALENCAR 2009 p259) e que ele

mesmo admite ser talvez improacutepria para um suacutedito que se dirige ao soberano

A primeira das cartas trata da ameaccedila de abdicaccedilatildeo de D Pedro II O episoacutedio se daacute

devido agrave proposta de uma negociaccedilatildeo de paz com Lopes considerada interessante

ateacute por Caxias dando fim a longa guerra O imperador discorda Uma crise que

abala ldquonatildeo jaacute a cidade mas o impeacuteriordquo O texto de Alencar eacute brilhante

Seraacute real que vossos laacutebios selados sempre pela reserva e prudecircncia se abriram para soltar a palavra fatal Eacute possiacutevel que suacutebita alucinaccedilatildeo desvaire a tal ponto um espiacuterito soacutelido e reto Natildeo creio natildeo posso natildeo devo crer Recebendo a nova incriacutevel a populaccedilatildeo ficou atocircnita (ALENCAR 2011 p257-258)

A expressatildeo ldquopalavra fatalrdquo natildeo determina se o missivista estaacute falando da proposta

da abdicaccedilatildeo ou de seu posicionamento contra uma negociaccedilatildeo de paz com Solano

Lopes E continua com ldquo() a populaccedilatildeo ficou atocircnita () O espanto lhe embarga a

falardquo (ALENCAR 2009 p258) Somente quando vem aludir posteriormente a D

Pedro I que cita a palavra abdicaccedilatildeo

Rara vez e soacute em circunstacircncias muito especiais pode a abdicaccedilatildeo tornar-se um ato de civismo admiraacutevel D Pedro I vosso augusto pai logrou um lance destes que o consagrou heroacutei da paz e da liberdade Sua missatildeo estava concluiacuteda havia fundado a monarquia brasileira e criado um povo (ALENCAR 2009 p258)

Apesar do elogio D Pedro I eacute portuguecircs e figura inaceitaacutevel com suas ideias

absolutistas na naccedilatildeo que surge E o povo que D Pedro I cria eacute uma aristocracia

local que tenta desvincular-se de Portugal

D Pedro I era ldquoum obstaacuteculo uma anomalia A mais veemente das paixotildees

populares o patriotismo sublevou-se contra o princiacutepio estrangeiro encarnado na

sua pessoa O Sr Pedro II eacute americano [sic] como seu povordquo (ALENCAR 2009

p259) e a abdicaccedilatildeo seria um crime de lesa naccedilatildeo Seriam os rumos incertos da

guerra pergunta o missivista motivo para uma abdicaccedilatildeo Alencar acusa

duramente o Imperador de ser o responsaacutevel pela ldquotemeridade com que nos

precipitamos sem refletir em uma situaccedilatildeo irremissiacutevel dilema cruel entre a ruiacutena e a

vergonhardquo (ALENCAR 2009 p260) A guerra tem nele seu responsaacutevel Tu ldquofostes

o princiacutepio e sois a alma da guerra Vosso pensamento a inspirou vossa convicccedilatildeo

a alimentardquo (ALENCAR 2009 p260) em busca de uma vitoacuteria que significaria

Humaitaacute arrasado Lopes deposto e o franqueamento da navegaccedilatildeo ribeirinha mas

apesar de compreensiacuteveis as razotildees e do patriotismo brasileiro que ndash segundo ele ndash

tende a apoiar a guerra ldquonenhum homem tem o direito de arrastar sua matildee paacutetria agrave

ruiacutena para vatilde satisfaccedilatildeo de seus brios revoltadosrdquo (ALENCAR 2009 p261)

Alencar argumenta (lembrando-o) que o imperador natildeo pode agir como uma pessoa

comum que ele natildeo tem o direito do simples cidadatildeo que eacute o de ter uma opiniatildeo

que natildeo considere a naccedilatildeo em primeiro lugar A soberania soacute existe porque eacute dada

ao Imperador e seus atos satildeo justificados pelo cidadatildeo E esse contrato impede

mesmo que haja qualquer ideia de renuncia pois os atos do imperador satildeo os atos

de todos os cidadatildeos A honra do Imperador segundo ele eacute a honra da naccedilatildeo e a

partir do modelo de monarquia constitucional entatildeo vigente enquanto defensor

perpeacutetuo da naccedilatildeo

quando o povo entenda que chegou o momento de acabar a guerra e exprima seu voto pelos meios constitucionais haveis de pensar do mesmo modo senatildeo como homem infalivelmente como soberano Em voacutes estaacute encarnado e vivo o grande eu nacional (ALENCAR 2009 p263)

Alencar repreende o Imperador severamente determinando que ldquoqualquer que seja

o desfecho da guerra [ele natildeo teria] o direito de separar vossa dignidade da causa

nacionalrdquo (ALENCAR 2009 p264) Vecirc-se nas palavras de Alencar a defesa natildeo do

imperador nem mesmo da monarquia mas do principio constitucionalista liberal Jaacute

aqui se percebe uma criacutetica ao que Alencar indicava como omissatildeo mas era de

certa forma um caminhar que D Pedro II mantinha nos tracircmites da legalidade que a

proacutepria constituiccedilatildeo lhe impunha sabia onde colocar seus peacutes E apesar das criacuteticas

Alencar sabia que os atos do imperador natildeo pedem contestaccedilatildeo visto que a

representaccedilatildeo deste eacute coletiva e todas as verdades se alinham em seu nome (em

nome da soberania) D Pedro II sabia o que poderia fazer e ateacute aonde confrontar a

burocracia que a casa de Braganccedila lhe tinha deixado por heranccedila Em outros

tempos mesmo sem buscar referecircncias anteriores a D Pedro I o texto de Alencar jaacute

estaria sujeito ao silecircncio

Uma das constantes reclamaccedilotildees de Alencar eacute a da falta de notiacutecias da guerra no

sentido de previsotildees reais sobre o andamento dos trabalhos sobre a movimentaccedilatildeo

das tropas sobre enfim quando iraacute terminar o supliacutecio Segundo ele haacute por parte

do governo um velamento da realidade no campo para o puacuteblico existe uma

censura ndash senatildeo oficializada mas efetiva ndash sobre os reais rumos da guerra dada em

funccedilatildeo da relaccedilatildeo que os jornais tecircm com o gabinete ministerial E a falta de atenccedilatildeo

para tais assuntos junto a posiccedilatildeo equivocada frente agrave guerra estatildeo aiacute por culpa

de D Pedro II

Termina essa carta anunciando o erro do Imperador na fala de ldquoabdicaccedilatildeo quando a

senha do dia para todos os brasileiros e para voacutes primeiro que todos eacute dedicaccedilatildeordquo

(ALENCAR 2009 p274) O sarcasmo de Alencar brinca com os brios de D Pedro

II com seu orgulho de intelectual ndash tiacutetulo o qual preferia algumas vezes ao de

Imperador (SCHWARCZ 1999) ndash indicando que a imprensa do mundo inteiro o

proclama ldquoum saacutebiordquo e cita o artigo publicado nos jornais em que ldquoo presidente dos

Estados Unidos aludindo agrave franquia do Amazonas vos considerou entre os

primeiros estadistas do mundordquo (ALENCAR 2009 p277) o que provavelmente natildeo

aconteceria se este tomasse medidas protecionistas no paiacutes o que jaacute funcionavam

como uma poliacutetica de Estado desde os fins da guerra de Secessatildeo nos Estados

Unidos mas era duramente criticado por este para toda a Ameacuterica Latina eacute possiacutevel

que seja isto que Alencar quer dizer quando escreve logo a seguir que terminado

estaacute ldquoo tempo em que os povos eram instrumento na matildeo dos reis que os

empregavam para obter a satisfaccedilatildeo de suas paixotildees e a conquista de um renome

vatildeordquo porque aqui ldquorasga-se o manto auriverde da nacionalidade brasileira para

cobrir com os retalhos a cobiccedila do estrangeiro [Natildeo existe] para voacutes senhor outra

fama liacutecita e pura senatildeo aquela poacutestuma que eacute a verdadeira gloacuteriardquo (ALENCAR

2009 p278) e que dispor das reservas econocircmicas tanto quanto das pessoas de

forma displicente e buscando uma valorizaccedilatildeo pessoal eacute sinal de um despotismo

que jaacute natildeo cabe mais aqui Eacute o Alencar liberal que fala

A partir daqui Alencar passa depois de construir a narrativa em um tom duro de pai

que repreende o filho teimoso a falar da questatildeo da emancipaccedilatildeo mais diretamente

D Pedro II coloca a discussatildeo na pauta pela fala do trono e os progressistas ndash

chamados vacircndalos no texto de Alencar ndash a aceitam como uma plataforma Alencar

toma a proposta de emancipaccedilatildeo do escravo pelo menos para o momento como

um erro do Imperador Segue a referecircncia

Libertando uma centena de escravos cujos serviccedilos a naccedilatildeo vos concedera distinguindo com um mimo especial o superior de uma ordem religiosa que emancipou o ventre estimulando as alforrias por meio de mercecircs honoriacuteficas respondendo agraves aspiraccedilotildees beneficentes de uma sociedade abolicionista de Europa e finalmente reclamando na fala do trono o concurso do poder legislativo para essa delicada reforma social sem duacutevida julgais ter adquirido os foros de um rei filantropo (ALENCAR 2009 p280)

Alencar acreditava que o momento com a economia debilitada por conta da guerra

e tambeacutem por conta desta a falta de braccedilos para a constituiccedilatildeo de um sistema de

matildeo de obra diferenciado e sem o apoio ainda da prometida imigraccedilatildeo (apesar das

muitas propostas tanto de europeus como de asiaacuteticos nenhum projeto de vulto

havia sido executado) o paiacutes essencialmente agraacuterio se precipitaria no caus Os

argumentos de Alencar apesar de bem trabalhados sugerem mais suas ligaccedilotildees (e

preocupaccedilotildees) com a aristocracia rural do que propriamente com o povo afirmando

seu ideal de manutenccedilatildeo dos privileacutegios das elites em detrimento de medidas mais

imediatas Alega que a escravidatildeo eacute um fato social tendo como exemplo ldquoo

despotismo e a aristocracia como jaacute foram a coempccedilatildeo da mulher a propriedade do

pai sobre os filhos e tantas outras instituiccedilotildees antigas45rdquo (ALENCAR 2009 p282)

Argumentos que Alencar potildee no passado mas que reconhece presentes quando

trata deles em suas obras Eacute o direito a escravidatildeo como uma instituiccedilatildeo legal que

segue em sua argumentaccedilatildeo lembra que satildeo as naccedilotildees em suas leis que justificam

a escravidatildeo Que sob a lei haacute a justificativa e que ningueacutem pode ser obrigado a

fazer ou deixar de fazer algo a menos que isso esteja expresso na lei

Alencar lembra que a ldquoescravidatildeo caduca mas ainda natildeo morreu ainda se prendem

a ela graves interesses de um povo Eacute quanto basta para merecer o respeitordquo

(ALENCAR 2009 p283) O respeito que se daacute sustenta enquanto instituiccedilatildeo E

satildeo os progressistas com o apoio formal do imperador que tratam de desqualificar

a instituiccedilatildeo lanccedilando ldquoo odioso sobre as instituiccedilotildees vigentes qualificando seus

defensores de espiacuteritos mesquinhos e retroacutegradosrdquo (ALENCAR 2009 p283) Isto

em mateacuteria de reforma natildeo tem propriamente um fim eleitoreiro ndash ainda natildeo seria o

caso - mas tentando fortalecer outros grupos aos quais as ideias abolicionistas

vinham a calhar como os financistas e banqueiros que esperavam por um

liberalismo mais econocircmico e burguecircs que poliacutetico e aristocraacutetico Alencar se

protege como bom advogado enquanto defende a escravidatildeo sobre o vieacutes da lei

Para ele ldquoa escravidatildeo se apresenta hoje ao nosso espiacuterito sob um aspecto

repugnante Esse fato do domiacutenio do homem sobre o homem revolta a dignidade da

criatura racional Sente-se ela rebaixada com a humilhaccedilatildeo de seu semelhanterdquo

(ALENCAR 2009 p284) mas sua opiniatildeo natildeo pode prevalecer O missivista busca

o que seria a melhor alternativa para a economia do paiacutes jaacute prontamente

argumentada na carta ao Visconde de Itaborahy A instituiccedilatildeo da escravidatildeo eacute legal

e justa ldquoquando realiza um melhoramento na sociedade e apresenta uma nova

situaccedilatildeo embora imperfeita da humanidade () Neste caso estaacute a escravidatildeo ()

45 Jaacute eacute um comentaacuterio de Aristoacuteteles na poliacutetica

um instrumento da civilizaccedilatildeo como foi a conquista o municiacutepio a glebardquo

(ALENCAR 2009 p284) Eacute uma das fazes do desenvolvimento pelo qual passaram

diversas naccedilotildees

Sempre apelando para a histoacuteria europeia Alencar apresenta a escravidatildeo como ldquoo

primeiro impulso do homem para a vida coletiva o elo primitivo da comunhatildeo entre

os povosrdquo (ALENCAR 2009 p285) Ao menos admite adiante que possam parecer

estranhas tais proposiccedilotildees mas sempre sustentado pelo estudo de textos

canocircnicos46 (cita o Gecircnesis de Moiseacutes quando da admissatildeo da escravidatildeo pela

Biacuteblia) segue o argumento admitindo que por exemplo a escravidatildeo pela guerra

com a conquista dos povos haveria um constante holocausto infligido as sociedades

derrotadas Na Ameacuterica resultaria no extermiacutenio das populaccedilotildees indiacutegenas Mas

isso que aconteceu de qualquer forma um argumento injustificado

Alencar eacute um dos defensores da ideia de que a ldquoraccedila negrardquo eacute a que melhor se

adapta ao trabalho agriacutecola (apesar de afirmar que o colono portuguecircs aguenta

firmemente o trabalho dos troacutepicos) Sendo esta mais disponiacutevel e apta e ndash segundo

ele ndash baacuterbara e necessitando de um processo civilizatoacuterio que o tirasse da

selvageria aproveitando sua energia vital ldquopara lutar com uma natureza giganterdquo

(ALENCAR 2009 p289) Natildeo fosse a escravidatildeo ndash toma isso como um acaso

valoroso - a Ameacuterica ldquoseria hoje um vasto desertordquo (ALENCAR 2009 p289)

Alencar nos lembra do fato de que a moderna escravidatildeo ressurgida na peniacutensula

ibeacuterica - com o haacutebito de presentear o Rei com escravos negros - natildeo se estabelece

na Europa mas mesmo os ingleses franceses e holandeses portanto natildeo soacute os

portugueses e espanhoacuteis servem-se dela na colocircnia Adam Smith admitia a

escravidatildeo nas colocircnias inglesas ((WEFFORT 2001) Como se explica pergunta

ele ldquoessa anomalia de povos repelindo na metroacutepole uma instituiccedilatildeo que adotam e

protegem no regime colonialrdquo (ALENCAR 2009 p290) Tal pressatildeo internacional

a que comeccedila a ceder o Imperador eacute comum nesse periacuteodo e seraacute assim ateacute hoje

Carvalho (2007) estudando as atas do conselho de Estado do Impeacuterio comenta que

46

A igreja possuiacutea escravos negros e ara um grupo que natildeo se pronunciava ateacute entatildeo a favor da aboliccedilatildeo

apesar do modelo poliacutetico para o Brasil - de Inglaterra e Franccedila ndash serem uma

unanimidade entre os conselheiros chegando estes a citar de memoacuteria frases e

anedotas dos poliacuteticos mais conhecidos como o faz tambeacutem o Alencar o bom senso

prevalecia sobre o modelo e as accedilotildees poliacuteticas tomadas (sugeridas e votadas) ali

tinham uma real preocupaccedilatildeo com a realidade do paiacutes Mas o que observamos na

criacutetica de Alencar eacute que a realidade do paiacutes passava pelos interesses desses

mesmos grupos representados pelo conselho

A questatildeo a que se chega eacute a escravidatildeo jaacute teria cumprido seu papel no Brasil

Segundo Alencar natildeo E ele o afirma ldquocom a consciecircncia do homem justo que

venera a liberdade com a caridade do cristatildeo que ama seu semelhante e sofre na

pessoa delerdquo (ALENCAR 2009 p293) Para o bem de todos afirma ele ateacute mesmo

dos escravizados ainda natildeo eacute o tempo para a aboliccedilatildeo Mas os ldquotodosrdquo aqui

assinalados tecircm uma clara linha que distingue o escravizado do escravizador

Alencar natildeo chega a defender nem mesmo uma proximidade entre eles Usando o

discurso da etnia afirma que ldquoningueacutem desconhece todavia quanto eacute lenta essa

coesatildeo ou amaacutelgama de raccedilas Demanda seacuteculos e seacuteculos semelhante operaccedilatildeo

etnograacutefica e traz graves abalos agrave sociedaderdquo (ALENCAR 2009 p295) Mas ao

mesmo tempo com uma imigraccedilatildeo europeia e a amalgama o problema tambeacutem se

resolveria pois

Em trecircs e meio seacuteculos o amaacutelgama das raccedilas se havia de operar em larga proporccedilatildeo fazendo preponderar a cor branca Trecircs ou quatro geraccedilotildees bastam agraves vezes no Brasil para uma transformaccedilatildeo completa (ALENCAR 2009 p292)

O contato que Alencar defende eacute tatildeo somente social como forma civilizatoacuteria ldquoA

raccedila africana tem apenas trecircs seacuteculos e meio de cativeiro Qual foi a raccedila europeia

que fez nesse prazo curto a sua educaccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p310) A raccedila

branca diz ele ldquoembora reduzisse o africano agrave condiccedilatildeo de uma mercadoria

nobilitou-o natildeo soacute pelo contato como pela transfusatildeo do homem civilizadordquo47

(ALENCAR 2009 p296) Embranquecer seria um destino e uma meta a ser

cumprida para chegar-se enfim a uma futura civilizaccedilatildeo da Aacutefrica A soluccedilatildeo 47 Mesmo velado preconceito racial sempre houve no Brasil Nota-se em textos natildeo soacute de Alencar

mas de intelectuais como Silvio Romero e o proacuteprio Joaquim Nabuco (SKIDMORE 1989)

proposta eacute resolver a escravidatildeo pela absorccedilatildeo de uma raccedila por outra mas

aparentemente por outras as raccedilas e categorias sociais como o indiacutegena e o

imigrante pobre que chegaria em alguns anos Pois cada ldquomovimento coesivo das

forccedilas contraacuterias eacute um passo [a] mais para o nivelamento das castasrdquo (ALENCAR

2009 p296) ateacute o amalgama quando da geraccedilatildeo anterior findasse com a morte

mas sempre enquanto castas Sempre com uma marca social (in) visiacutevel que as

distinguisse

Chegado o termo fatal produzido o amaacutelgama a escravidatildeo cai decreacutepita e exacircnime de si mesma sem arranco nem convulsatildeo como o anciatildeo consumido pela longevidade que se despede da existecircncia adormecendo Mas antes do seu prazo quem fere mortalmente uma lei derrama sangue como se apunhalara um homem (ALENCAR 2009 p296)

Alencar usa como argumento que o escravo seria um inimigo se emancipado Os

povos que emanciparam seus escravos estavam em superioridade numeacuterica quanto

a estes e natildeo era o caso do Brasil Nos Estados Unidos do periacuteodo da guerra de

secessatildeo o norte tinha uma superioridade muito grande de homens livres sobre a

quantidade de escravos ao contraacuterio do sul o que os levaram a apoiar a

emancipaccedilatildeo Foi tambeacutem o caso da Inglaterra com suas colocircnias Libertar uma

quantidade tatildeo grande de escravos como haacute no Brasil de uma soacute vez pode criar

uma situaccedilatildeo de descontrole social alerta Alencar Comentando ainda sobre os

movimentos abolicionistas que vem se sucedendo na Ameacuterica Latina desde as

primeiras deacutecadas do seacuteculo XIX ndash o que aparentemente viria a reforccedilar a instituiccedilatildeo

nos paiacuteses que natildeo aderiram ao processo de emancipaccedilatildeo aleacutem de considerar que

a populaccedilatildeo escrava no Brasil consegue se reproduzir muito mais que em outros

paiacuteses O mais certo seria que a escravidatildeo natildeo se extinguisse ldquopor ato do poder e

sim pela caduquice moral pela revoluccedilatildeo lenta e soturna das ideiasrdquo (ALENCAR

2009 p306) E aparentemente sem muita pressa Mesmo porque haacute tambeacutem o

movimento contraacuterio do senhor de escravos que quer manter sua propriedade

O processo de emancipaccedilatildeo segundo ele jaacute se iniciou no Brasil a ponto de afirmar

que jaacute natildeo temos mais ldquoa verdadeira escravidatildeo poreacutem um simples usufruto da

liberdade ou talvez uma locaccedilatildeo de serviccedilos contratados implicitamente entre o

senhor e o Estado como tutor do incapazrdquo (ALENCAR 2009 p309) Cabe lembrar

que natildeo temos no periacuteodo um movimento abolicionista encapado pelos partidos ou

mesmo pela opiniatildeo puacuteblica Alencar lembra que quantidade de escravos eacute grande

demais para arriscar uma emancipaccedilatildeo por decreto

Trecircs seacuteculos durante a Aacutefrica despejou sobre a Ameacuterica a exuberacircncia de sua populaccedilatildeo vigorosa Calcula-se em cerca de quarenta milhotildees o algarismo dessa vasta importaccedilatildeo Nesse mesmo periacuteodo a Europa concorria para a povoaccedilatildeo do Novo Mundo com um deacutecimo apenas da raccedila negra (ALENCAR 2009 p292)

Alencar sugere que natildeo foi o Brasil do seacuteculo XIX que inicia o processo de

escravizaccedilatildeo nessas terras mas o Europeu o portuguecircs aacutevido de lucros com a

exploraccedilatildeo da colocircnia Exigir que se corrigisse um erro de uma hora para a outra eacute

uma sandice mesmo por que este (o europeu) espera ainda os produtos tropicais

com preccedilos baixos o que uma brusca mudanccedila no processo de produccedilatildeo natildeo

conseguiria manter o que acarretaria perdas tanto para os produtores como para os

mercados consumidores O escravo natildeo entrou na conta A passagem eacute

esclarecedora nesse sentido

O filantropo europeu entre a fumaccedila do bom tabaco de Havana e da taccedila do excelente cafeacute do Brasil se enleva em suas utopias humanitaacuterias e arroja contra estes paiacuteses uma aluviatildeo de injuacuterias pelo ato de manterem o trabalho servil Mas por que natildeo repele o moralista com asco estes frutos do braccedilo africano Em sua teoria a bebida aromaacutetica a especiaria o accediluacutecar e o delicioso tabaco satildeo o sangue e a medula do escravo Natildeo obstante ele os saboreia (ALENCAR 2009 p307)

Alencar explica que um necessaacuterio crescimento da populaccedilatildeo livre deve ser

incrementado para que a partir desta (sugere como a melhor forma a imigraccedilatildeo)

poderaacute haver a substituiccedilatildeo do trabalho escravo Nos Estados Unidos nos conta foi

assim Eacute a imigraccedilatildeo que colocaraacute uma nova ldquocorrdquo no paiacutes e lhe daraacute novo vigor E

coloca a culpa na Europa novamente por natildeo facilitar o envio de imigrantes para

nosso paiacutes Estes viriam de bom grado considerando mesmo ndash e ateacute como

argumento comparativo ndash a qualidade de vida aqui eacute bem melhor que laacute Na

verdade como afirma Prado (2001) os princiacutepios liberais erigiam a liberdade com

base em direitos do homem e natildeo pelo ponto de vista religioso Contestar a

escravidatildeo era tambeacutem contestar todo o antigo regime

A amaacutelgama de raccedilas proposta por Alencar tem por base o fluxo intenso de

imigrantes lusitanos para a Corte do Brasil a partir de 1850 com o fim do traacutefico de

escravos Por conta disso a populaccedilatildeo eacutetnica se altera mas o contingente

populacional se manteacutem praticamente o mesmo entre 1850 e 1872 ldquoa populaccedilatildeo

escrava diminui e a populaccedilatildeo lusitana quase dobrardquo (NOVAIS 1997 p30) Ainda

acompanhando este autor temos a indicaccedilatildeo de que ao fim da deacutecada de 1860

metade da populaccedilatildeo masculina da Corte era estrangeira vinda principalmente de

Portugal Alencar ainda coloca em um comparativo um operaacuterio europeu

trabalhando 12 15 18 horas soacute almeja a liberdade para tentar um outro caminho

que a cidade natildeo lhe oferece A ldquocondiccedilatildeo do nosso escravo comparada com a do

operaacuterio europeu eacute esmagadora para a civilizaccedilatildeo do Velho Mundo [essa liberdade]

eacute o meio um direito o fim eacute a felicidade48 e desta o escravo brasileiro tem um

quinhatildeo que natildeo eacute dado sonhar ao proletaacuterio europeurdquo (ALENCAR 2009p324)

O que se viu dando um breve espaccedilo ao tempo eacute que as criacuteticas de Alencar a

forma como o governo processa o problema da emancipaccedilatildeo (ou seria tambeacutem a

emancipaccedilatildeo a soluccedilatildeo do problema em outro ponto de vista) acabam encontrando

um espaccedilo vazio onde podiam criar raiacutezes visto que as promessas de aboliccedilatildeo no

fim da guerra de forma progressiva e por meio da estimulaccedilatildeo da emigraccedilatildeo ainda

estatildeo na forma como promessas no periacuteodo e a dificuldade de se encontrar uma

soluccedilatildeo (ateacute a aboliccedilatildeo completa claro) abrem precedentes para que o pensamento

de Alencar ndash se natildeo o mais eacutetico ndash acabe se apresentando como o mais coerente A

libertaccedilatildeo como o quer o governo sem um projeto que forneccedila condiccedilotildees de

inserccedilatildeo no novo projeto socioeconocircmico para o receacutem-libertado acabaraacute por

coloca-lo em situaccedilatildeo de miseacuteria caindo na mendicacircncia ou criminalidade A ideia

central de Alencar eacute que mesmo que haja aboliccedilatildeo geral e irrestrita se consiga

garantir que o escravo ldquose for libertado permaneceraacute em companhia do senhor e se

tornaraacute em criadordquo (ALENCAR 2009 p329) De qualquer forma para o senhor de

escravos na economia monocultora exportadora com um mercado flutuante

48 Natildeo eacute difiacutecil encontrar referecircncias aos textos do Utilitarismo de Jeremy Bentham em uma leitura

de Alencar

qualquer justificativa era boa contanto que a escravidatildeo natildeo terminasse naquele

momento nem em um futuro proacuteximo Nesse sentindo o argumento que Ilmar Mattos

(1987) defende eacute de que a relaccedilatildeo do Estado com os interesses da classe

ldquosenhorialrdquo faz com que a coroa assuma o papel de Partido ( nos termos de Gramsci)

natildeo se reduzindo assim agrave figura do Imperador que mesmo acuado pela criacutetica de

Alencar sabe que ele (e mesmo o missivista) satildeo peccedilas de uma organizaccedilatildeo mais

complexa dentro da sociedade Mas a coroa deve resolver tambeacutem os problemas

internos como convergecircncias e divergecircncias garantindo sempre que esta se

atualize

Como parte de um jogo de relaccedilotildees entre poliacuteticos e opiniatildeo puacuteblica eram

aplaudidos ateacute mesmo argumentos romantizados ao estremo como quando Alencar

defende que

A uacutenica transiccedilatildeo possiacutevel entre a escravidatildeo e a liberdade eacute aquela que se opera nos costumes e na iacutendole da sociedade Esta produz efeitos salutares adoccedila o cativeiro vai lentamente transformando-o em mera servidatildeo ateacute que chega a uma espeacutecie de orfandade o domiacutenio do senhor se reduz senatildeo a uma tutela beneacutefica (ALENCAR 2009 p113)

As soluccedilotildees que se propotildeem satildeo muitas mas uma breve reflexatildeo faz cair por terra

todo o conteuacutedo ideoloacutegico que estas carregam Uma situaccedilatildeo se daacute quando da

publicaccedilatildeo em marccedilo de 1868 tambeacutem de uma carta aberta endereccedilada ao

presidente do Conselho e lida perante a cacircmara dos deputados em fins do ano

anterior o Imperador declara abrir matildeo da quarta parte de sua dotaccedilatildeo Conta-nos

Alencar que a imprensa noticiando o caso ldquoem nome da opiniatildeo puacuteblica vos

retribuiu com bonitos e merecidos elogiosrdquo (ALENCAR 2009 p331) o ato que

busca devido agrave deficitaacuteria condiccedilatildeo do Estado auxiliar na organizaccedilatildeo da economia

senatildeo economicamente ao menos simbolicamente Notiacutecia que o parlamento

recebe com aplausos Alencar encontra aiacute uma possibilidade de contestaccedilatildeo do ato

afirmando ainda que natildeo aceita enquanto suacutedito e contribuinte tal donativo visto

que a dotaccedilatildeo natildeo eacute um ordenado pago ao Imperador e a famiacutelia real Eacute o ldquodecoro

do trono e a dignidade da naccedilatildeo como diz-nos a lei fundamental (art 108) que

determina a dotaccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p332) coisas de que este eacute depositaacuterio

enquanto representante da naccedilatildeo e natildeo proprietaacuterio Mais uma vez Alencar estaacute

assumindo a participaccedilatildeo do soberano no contrato O missivista usa seu

conhecimento do direito constitucional para denunciar as accedilotildees da coroa visando agrave

manipulaccedilatildeo ideoloacutegica do povo visto que tais atitudes propriamente simboacutelicas

como o ato de abrir matildeo da dataccedilatildeo (visto que os valores pouco ou nada influenciam

no ressarcimento das perdas do eraacuterio puacuteblico resultantes das uacuteltimas maacutes gestotildees

e dos custos com a guerra chegando mesmo Alencar classifica-las como migalhas)

satildeo uma forma de tranquilizar por meio dos jornais a opiniatildeo puacuteblica quanto a

realidade econocircmica por que passa o paiacutes e refrear as ameaccedilas de contestaccedilatildeo a

ordem estabelecida Sugere que se D Pedro II realmente quiser ajudar a naccedilatildeo que

seja

pondo um termo a esse esbanjamento desordenado que tem exaurido todas as reservas do paiacutes e vai sorver os uacuteltimos recursos do futuro natildeo satildeo os Vossos duzentos contos de reacuteis que vatildeo suprir o vaacutecuo aberto no orccedilamento por uma administraccedilatildeo imprevidente e desasada (ALENCAR 2009 p333)

Natildeo poderatildeo resolver o problema do Rio da Prata que garantiratildeo o creacutedito puacuteblico

ou evitaratildeo uma possiacutevel bancarrota do impeacuterio brasileiro Alencar entatildeo aconselha

que o Imperador continue fazendo uso do dinheiro em suas obras de caridade pois

a recusa dos valores soacute seraacute ldquoum foco de imoralidade e corrupccedilatildeo Carniccedila atirada

ao tempo que a podridatildeo logo decompotildeerdquo (ALENCAR 2009 p334) visto que tal iraacute

fluir para poliacuteticos corruptos e suas necessidades pessoais Se quiser ajudar o paiacutes

evitai que a administraccedilatildeo continue com a guerra que arruinaraacute enfim o paiacutes e

termina solicitando a demissatildeo do ministeacuterio ndash uacutenica soluccedilatildeo ndash como uacutenica forma de

salvar o Brasil e com sua integridade Eacute importante lembrar que D Pedro II conhece

bem a constituiccedilatildeo e apesar dos ataques de Alencar nunca toma uma atitude

defensiva eacute preciso registrar sua permissividade e respeito agrave liberdade de imprensa

como um traccedilo liberal mas como bem anuncia Alencar a criacutetica feita pela imprensa

natildeo encontra respaldo junto a opiniatildeo puacuteblica e as mudanccedilas natildeo satildeo

implementadas impossibilitando mudanccedilas na base administrativa o que pode ser

visto como um traccedilo de totalitarismo

Segundo Carvalho (2007) no modelo parlamentar que se desenvolve no Brasil o

parlamentarismo francecircs eacute a base apesar das constantes referecircncias ao

parlamentarismo inglecircs O gabinete ministerial eacute o elo entre a cacircmara e o imperador

a referenda do poder moderador A carta magna eacute influenciada pelas Constituiccedilotildees

francesa de 1791 e espanhola de 1812 e uma das mais liberais da eacutepoca Nesse

modelo eacute o gabinete que deve explicar-se com a cacircmara sobre os atos da

administraccedilatildeo puacuteblica evitando que se perceba algum resquiacutecio de absolutismo

Sem o gabinete o poder moderador instituiria um ldquodespotismo legalrdquo nas palavras do

senador Vergueiro (CARVALHO 2007) Eacute uma vitoacuteria dos liberais que tentam

garantir que D Pedro II reine e natildeo governe mas natildeo eacute assim que sempre funciona

O senado vitaliacutecio eacute a sombra do imperador - natildeo importando se eacute

predominantemente conservador ou abriga um e outro liberal moderado - que

manda e desmanda com sua influencia dentro dos partidos para garantir apoio a um

ou outro deputado do interior Eacute o tempo que iraacute solidificar as estruturas e o poder e

isto a cacircmara dos Deputados natildeo tinha para si A essecircncia do mecanismo eacute povo

dominado pelos poliacuteticos e poliacuteticos tutelados pelo imperador dentro do quadro

burocraacutetico instituiacutedo (FAORO 2004)

Zacarias de Goacutees e Vasconcelos defendia que o rei absoluto deveria ser distinguido

do rei constitucional natildeo cabendo mais o primeiro no seacuteculo XIX A garantia de

constitucionalidade dos atos do poder moderador estava na referenda feita pelos

ministros que prestavam contas agrave cacircmara O ministeacuterio deve contar entatildeo com a

confianccedila do parlamento Eacute um dado interessante que a maioria dos ministros saiacutesse

do senado e natildeo da cacircmara dos deputados o que garantia que as propostas

administrativas dos gabinetes estivessem mais afinadas com o modelo de governo

esperado pelo imperador O senador escolhido em uma lista triacuteplice apresentada ao

imperador eacute referendado por ele Natildeo havia nesse modelo formas de burlar o

domiacutenio da oligarquia ldquo() calccedilada na vitaliciedade no Senado e no Conselho de

Estadordquo (FAORO 2004 p 354)

A sexta carta datada de 23 de setembro de 1867 portando logo em seguida agrave

publicaccedilatildeo da carta anterior (o que permite aceitar que os textos sejam de certa

forma complementares visto a dificuldades de comunicaccedilatildeo com as frentes de

batalha) que tem a data de 20 de setembro Intitulada estaacute como uma carta ldquosobre a

guerrardquo e visto que a guerra eacute assunto presente em todas as cartas eacute preciso deter-

se um pouco no assunto Alencar inicia seu argumento afirmando de forma

progressiva que ldquoa paz eacute uma grande vergonha () a paz eacute um ato de miseacuteria

() a paz eacute uma vilaniardquo (ALENCAR 2009 p343) mas que o momento torna a

guerra algo insustentaacutevel Culpa o ministeacuterio por natildeo conseguir mais alistar homens

para a batalha e com a consequente falta de braccedilos para a lavoura a economia se

retrai dia apoacutes dia pois o escravo negro cada dia mais eacute presente nas fileiras da

guerra O alistamento feito para a guerra a princiacutepio voluntaacuterio comeccedila a encontrar

resistecircncia O governo forccedila o alistamento e o alistado poderia mandar um escravo

em seu lugar Eacute um impasse complexo para o liberalismo no Brasil Como pode

algueacutem que natildeo dispotildee de sua liberdade ndash nem disporaacute ndash pode lutar pela liberdade

Aproveita ainda o Alencar para dar alfinetadas nos liberais por meio da figura de

Zacarias de Goacuteis afirmando que o temor da guerra (ou mesmo de se responsabilizar

por seus rumos que seria efetivamente o caso) afasta a possibilidade de outro

partido tomar as reacutedeas da politica nacional garantindo a permanecircncia do partido

liberal no poder Critica veementemente a situaccedilatildeo de alistamento de escravos ndash

alguns cedidos por seus senhores para que combatam por eles - no exeacutercito regular

A questatildeo eacute como algueacutem que natildeo goza da liberdade pode lutar pela liberdade

ldquoPor entusiasmo espontacircneo esposando a causa de seus senhoresrdquo (ALENCAR

2009 p350) afirma Sua sugestatildeo eacute que se decirc fim agrave guerra pelo menos por

enquanto para que se resolvam os maiores problemas que satildeo os da poliacutetica

interna comeccedilando pela reorganizaccedilatildeo (ou deposiccedilatildeo claro) do gabinete e o

problema da escravidatildeo e completa consagrando seu momento maacutegico no tempo

a afirmaccedilatildeo de que soacute assim ldquoo paiacutes haacute de recuperar as forccedilas inertes os brios

abatidos O impeacuterio seraacute outra vez o Brasil da independecircncia o Brasil de 1851rdquo

(ALENCAR 2009 p354) Pronto para dar uma soluccedilatildeo os problemas do paiacutes

afirma somente o partido conservador Este ldquonatildeo tem a cumplicidade desta guerra

natildeo o tolhem compromissos do passado Entraria no poder com a imparcialidade do

juiz [e com] bastante civismo para arrostar as dificuldades da guerrardquo (ALENCAR

2009 p355) Um pouco de partidarismo ao fim da carta faz bem o estilo de nosso

missivista

O intervalo entre a penuacuteltima carta publicada em 23 de setembro de 1867 e a Uacuteltima

Carta49 datada de 15 de marccedilo de 1868 eacute grande se comparado ao restante do

conjunto Uma nota ao final (indicada como post-scriptum) assinala que ldquomotivos

imperiosos retardaram a publicaccedilatildeo desta cartardquo (ALENCAR 2009 p389) O uso do

termo ldquoimperiososrdquo eacute um indicio que pode se referir agrave condecoraccedilatildeo oferecida ao

Alencar pelo Imperador no ano de 1867 o oficialato da Rosa pelos serviccedilos

prestados ao paiacutes por meio da literatura Com seu habitual jeito mal educado

Alencar recusa a comenda e D Pedro II consegue uma inteligente cartada de

manipulaccedilatildeo aceitando desta forma as criacuteticas e tirando o Alencar do centro do

universo O episoacutedio da comenda oferecida sem que haja qualquer pretensatildeo de

agradar (assim o diz) ao Alencar mostra publicamente que haacute na figura do

imperador um interlocutor para as cartas E que este sabe muito bem o que lecirc e

sabe tambeacutem responder quando necessaacuterio for

Inicia Alencar aludindo a seu recolhimento explicitando o motivo na ideia de que

tambeacutem a situaccedilatildeo parece ter tido uma pausa Eacute o periacuteodo de encerramento do

trabalho das cacircmaras em Janeiro Caxias assume o comando das tropas aliadas

Alguns rumores correm a cidade conta de que o ministeacuterio pretende mudanccedilas e

encontra certa resistecircncia de D Pedro II A verdade segundo ele eacute que a situaccedilatildeo

deve ter fim A corrupccedilatildeo toma conta do Estado e natildeo se consegue uma

intervenccedilatildeo estando todos preocupados com a guerra natildeo se enxerga a corrupccedilatildeo

na administraccedilatildeo do Paiacutes Alencar sugere que a devassidatildeo que se daacute soacute terminaraacute

quando a consciecircncia do povo mudar ou quando o paiacutes natildeo tiver mais o que ser

corrompido

O corretivo da desmoralizaccedilatildeo sairaacute de seu proacuteprio seio quando natildeo haja mais nada a corromper e a dissoluccedilatildeo tenha-se operado no paiacutes todo entraremos necessariamente no periacuteodo embrionaacuterio de uma nova existecircncia poliacutetica em uma era de reorganizaccedilatildeo (ALENCAR 2009 p358)

Essa visatildeo pessimista tem um pouco de rancor por conta da manobra da comenda

oferecida ao missivista pelo Imperador mas natildeo deixa de levar em conta a proposta

de que agora com as mudanccedilas na direccedilatildeo da Guerra do Paraguai esta encontre

49 Intitulada ldquoUltima cartardquo Alencar dava por fim seu projeto

seu termo e tenha um fim o deacuteficit puacuteblico (que soacute se ampliava e seguiria D Pedro II

ateacute sua deposiccedilatildeo em 1889) e que agora eacute o momento em que D Pedro II natildeo deve

intervir A escolha por Caxias sugerida ateacute mesmo por Alencar poderia mudar os

rumos ateacute aqui e jaacute havia os rumores de que finalmente o Imperador iria ceder aos

apelos do Conde Drsquoeu ndash marido ldquoestrangeirordquo de Isabel ndash para que o enviasse ao

Paraguai e virasse tambeacutem um heroacutei do Brasil (ou encontrasse alguma atividade

qualquer para sua real pessoa) O interesse na guerra chega a ser observado por

Isabel em carta recolhida por Schwarcz No recorte Isabel indica seus medos

Papai me disse que a paixatildeo eacute cega Que a sua paixatildeo pelos negoacutecios da guerra natildeo o tornem cego Aleacutem disso Papai quer matar o meu Gaston Feijoacute recomendou-lhe muito que natildeo apanhasse sol nem chuva nem sereno e como evitar-lhe isso quando se estaacute na guerra (SCHWARCZ 1999 p 485)

Alencar natildeo estava errado haja vista as opccedilotildees que tinha o Imperador em sua

famiacutelia Mas seu conselho eacute a cautela Resolve nesta uacuteltima carta fazer um

apanhado de suas criacuteticas citando o problema da especulaccedilatildeo financeira que

ldquoassalta a riqueza puacuteblica e particular que potildeem em siacutetio todos os interesses

legiacutetimos da sociedaderdquo (ALENCAR 2009 p368) O avanccedilo dos progressistas

dilapidando as bases do governo estruturadas em um modelo de democracia que se

baseia na disputa entre os dois partidos entatildeo majoritaacuterios o liberal e o conservador

a inexperiecircncia dos parlamentares e demais dirigentes chamados por ele crianccedilas

as quais ldquoquase que saiacuteram dos cueiros para as cadeiras da Cacircmara dos Deputados

e para as poltronas ministeriaisrdquo (ALENCAR 2009 p369) lembrando a situaccedilatildeo do

golpe da maioridade com que D Pedro II chega ao poder quando afirma que ldquovoacutes

sabeis senhor e ningueacutem melhor do que voacutes que moralmente eacute a verdaderdquo

(ALENCAR 2009 p369) Critica a gastanccedila e a dilapidaccedilatildeo do tesouro a

depravaccedilatildeo dos costumes e da ordem puacuteblica afirmando que o gabinete eacute corrupto

e que tal corrupccedilatildeo se espalha com o conhecimento e por vezes o apoio da casa

imperial quando permite ldquolanccedilar agraves enxurradas tiacutetulos e condecoraccedilotildees por todo o

paiacutes [onde] com dois contos de reacuteis um aventureiro se condecorava com a fita que

voacutes trazeis ao peito como gratildeo-mestre das ordens brasileirasrdquo (ALENCAR 2009

p370) tatildeo somente com o intuito de captaccedilatildeo de dinheiro Culpa novamente o

Partido Progressista como o verme que destroacutei o paiacutes se vende ao comeacutercio e ldquoo

comeacutercio satildeo alguns indiviacuteduos ou mais atilados ou mais decididos que dirigem o

pensamento dos outrosrdquo (ALENCAR 2009 p371) aprovando ideias projetos e

mudanccedilas na poliacutetica

A situaccedilatildeo do periacuteodo na opiniatildeo de Alencar natildeo eacute de tranquilidade e

desenvolvimento mas de corrupccedilatildeo e descontrole As figuras que aviltam o paiacutes e

estatildeo por toda a parte seguem na narrativa satildeo eles

o parlamentar sem escruacutepulos nem convicccedilotildees que se faz servo de todos os governos () o poliacutetico cheio de cobiccedila que errou sua natural vocaccedilatildeo de agiota () o ministro que para conservar-se no poder natildeo duvida associar-se a indignos instrumentos () o funcionaacuterio puacuteblico sem dignidade ()o negociante que em vez de desenvolver sua atividade no campo livre da induacutestria anda farejando pelas cercanias do poder algum pingue contrato de fornecimentordquo (ALENCAR 2009 p 373-374)

Todos estes constituem o conjunto de forccedilas que atuam dentro do sistema

correndo-o A soluccedilatildeo seria um processo de moralizaccedilatildeo do Estado Por outro lado

sendo atingida em seus preceitos a famiacutelia que ldquoassiste sem querer a essa

representaccedilatildeo da comeacutedia perigosardquo (ALENCAR 2009 p374) que seria o uacuteltimo

refuacutegio da moralidade e a base da sociedade se sente ameaccedilada Cabe lembrar

que essa recusa de Alencar em aceitar mudanccedilas na estrutura dos partidos natildeo

condiz com o pensamento liberal (KENNY 1998) Segundo Alencar

O domiacutenio progressista devido agrave vossa niacutemia complacecircncia natildeo atuou unicamente sobre a poliacutetica sua decidida influecircncia na sociedade na vida privada estaacute bem patente As maacuteximas de governo adotadas nestes uacuteltimos tempos foram insinuando na domesticidade do cidadatildeo ideias e tendecircncias ateacute agora desconhecidas (ALENCAR 2009 p 373)

A deturpaccedilatildeo dos valores morais do ser humano eacute reconhecida nos personagens da

famiacutelia No pai no marido no filho que assistem a tudo e ndash se natildeo se reconhecem ndash

se inspiram A instituiccedilatildeo forte ldquoque repelia com indignaccedilatildeo as mais brilhantes

seduccedilotildees do mal agora flaacutecida e lacircnguida recebe quanto lhe deitam amolda-se a

qualquer pressatildeordquo (ALENCAR 2009 p374) E este eacute o retrato que se ldquoobserva em

geral na vida domeacutestica deste paiacutes Eis o segredo de todas estas defecccedilotildees de

caracteres que diariamente registra a opiniatildeo puacuteblicardquo soacute se tem apreccedilo pelo

dinheiro a cobiccedila ao ldquolar brasileiro onde outrora pendiam com as alegrias da

famiacutelia os penates da religiatildeo e do amor [agora] soacute haacute presentemente um iacutedolo o

bezerro de ourordquo (ALENCAR 2009 p377) E que ouro Eacute ali que ldquotodos os dias se

formam almas progressistas que devem mais tarde substituir os corifeus da

atualidaderdquo (ALENCAR 2009 p377) A moral base da sociedade estaacute subvertida

Vale lembrar que o argumento eacute legal A moral catoacutelica pregada eacute a ordem presente

para todos e assumida na lei dentro do projeto conservador de Alencar Mesmo o

herdeiro do trono jaacute rezava a constituiccedilatildeo poliacutetica do impeacuterio do Brasil de 1824 no

juramento que prestaria perante o senado ao aniversaacuterio de quatorze anos como

indica o artigo 106 se comprometia a manter a religiatildeo Catoacutelica Apostoacutelica Romana

observar a Constituiccedilatildeo Politica da Naccedilatildeo Brasileira e ser obediente aacutes leis e ao

Imperador

Voltando ao texto a sugestatildeo de Alencar eacute a de civilizar o negro ndash influecircncia

perniciosa dentro da famiacutelia - pelo trabalho e em seu contato com o branco - a ldquoraccedila

cultardquo O escravo domeacutestico eacute aquele que estaacute mais proacuteximo dos patrotildees do contato

direto com o branco partilhando de seus segredos seus problemas e suas

deficiecircncias Conhece o cotidiano da casa e partilha de um espaccedilo de limitaccedilotildees

com mulheres e crianccedilas entes de menor valor na sociedade patriarcal do seacuteculo

XIX Natildeo eacute nunca um igual algueacutem que partilha dos mesmos direitos de seus

senhores Eacute sempre um ser inferior que nunca mereceria ser elevado a dignidade

de seus senhores Gorender (2002) nos conta que Thomas Jefferson que foi o

redator da declaraccedilatildeo da Independecircncia dos Estados Unidos segundo a qual todos

os homens satildeo iguais era um grande proprietaacuterio de escravos e natildeo via nenhuma

incoerecircncia nisto pois julgava que os negros pertenciam a uma raccedila de inteligecircncia

inferior Eacute como se Alencar abraccedilasse o princiacutepio juriacutedico baacutesico de diferenciaccedilatildeo

entre naccedilatildeo e populaccedilatildeo onde sua defesa do liberalismo se refere a naccedilatildeo

brasileira e como se a escravidatildeo referisse aos elementos da populaccedilatildeo ndash os

desvinculados a naccedilatildeo brasileira mas de nacionalidade africana transportados para

o Brasil por meio da escravidatildeo Todos dentro de um mesmo territoacuterio mas com

realidades diferentes determinadas pela lei

Tornando ao texto percebe-se aqui uma associaccedilatildeo da cultura negra cooptada

para ldquodentrordquo da famiacutelia e nas relaccedilotildees do patriarcado em oposiccedilatildeo ao elemento

externo tanto o europeu (inglecircs ou portuguecircs ou outro mais) que se estabelece e

passa a usufruir das condiccedilotildees propiacutecias que a coroa ainda permite como o

imigrante com seus valores e idiossincrasias um elemento externo agrave famiacutelia mas

totalmente associada ao contexto das relaccedilotildees econocircmicas do periacuteodo Alencar

sugere uma escolha entre a escravidatildeo e a imigraccedilatildeo os dois males presentes e ao

mesmo tempo as duas soluccedilotildees possiacuteveis para a manutenccedilatildeo tanto do trabalho

como das elites

Podemos admitir que o Rio de Janeiro do periacuteodo se caracteriza como uma

sociedade onde o maior distanciamento social se manifesta com a maior

proximidade social entre os pares senhorescravo (CHARTIER 1999) e eacute a proacutepria

concepccedilatildeo ndash ou usufruto ndash da liberdade que os diferencia Um caso particular eacute o do

escravo domeacutestico Um escravo domeacutestico natildeo eacute um trabalhador do campo um

escravo do eito ndash diretamente ligado agrave produccedilatildeo Pertence ao mundo urbano ao

ambiente da casa-grande e natildeo da senzala O tratamento modelar que propotildee

deriva da questatildeo para a adaptaccedilatildeo do modelo econocircmico escravo para o trabalho

livre a partir da demanda criada pela cidade com novos empregos devido ao

desenvolvimento do capitalismo O modelo que propotildee seria para um escravo da

cidade se adaptar as relaccedilotildees econocircmicas dali para a constituiccedilatildeo talvez de um

proletariado urbano enquanto a massa de matildeo-de-obra agriacutecola permaneceria da

mesma forma enquanto conviesse ao produtor rural ao Senhor de escravos E a

transformaccedilatildeo do modelo deve ser tambeacutem tutelada e monitorada pela Elite Alencar

defende veementemente a tutela posterior do escravo liberto pelo antigo senhor Em

Alencar mesmo que haja o fim do viacutenculo da escravidatildeo os laccedilos criados

permanecem com a tutela e a manutenccedilatildeo da matildeo de obra No fim nada muda

nem mesmo as condiccedilotildees de trabalho O elemento branco masculino europeu

cristatildeo se torna tambeacutem aqui no Brasil o modelo a ser seguido e obedecido

mesmo porque a percentagem de escravos na cidade natildeo era pequena Novais

(1997) informa que a Corte abriga em 1849 em nuacutemeros absolutos a maior

concentraccedilatildeo de escravos urbanos no mundo desde o impeacuterio romano Em 1850

de um total de 206 mil habitantes em aacuterea urbana 79 mil (portanto 36) eram

escravos Sabemos que os padrotildees de comportamento da sociedade acompanham

as mudanccedilas no cenaacuterio poliacutetico que vem a acontecer no Brasil desde o iniacutecio do

seacuteculo XIX isso foi sentido tambeacutem no modelo da famiacutelia Com o fortalecimento

econocircmico do Rio de Janeiro ndash capital do reino ndash a riqueza passa a fazer parte da

cidade e o comeacutercio se desenvolve grandemente A escravidatildeo ainda eacute uma questatildeo

mal resolvida dentro e fora de casa para o desenvolvimento de um liberalismo

poliacutetico e econocircmico Mas essa amalgama proposta por Alencar eacute seu projeto

liberalconservador com a moralizaccedilatildeo do Estado a diminuiccedilatildeo da intervenccedilatildeo

deste nos negoacutecios privados um desenvolvimento do capitalismo ainda ldquoperifeacutericordquo

onde haacute consumidores e natildeo existe produccedilatildeo e a manutenccedilatildeo da escravidatildeo como

base para a agricultura agroexportadora se faz necessaacuteria para a manutenccedilatildeo dos

privileacutegios da elite e garantia de uma induacutestria (agricultura) lucrativa Alencar

concorda com a pregaccedilatildeo dos liberais moderados em que os privileacutegios dos grupos

ligados a propriedade de terra deve ser mantido mesmo que a custo da manutenccedilatildeo

da escravidatildeo pois eacute o que garante o desenvolvimento da economia e da proacutepria

naccedilatildeo O argumento contra a mudanccedila eacute expresso por Evaristo da Veiga em uma

ediccedilatildeo do Aurora Fluminense em 1829 quando diz que os moderados satildeo contra

toda espeacutecie de ldquotiraniardquo contra todos os excessos que possa haver (PRADO

2001) Mas aqui ldquoexcessosrdquo para Evaristo quer dizer atitudes que possam mudar

as condiccedilotildees de produccedilatildeo de forma brusca Extremismos dos liberais radicais que

possam deturpar a ordem estabelecida

Alencar sugere que o clima percebido no paiacutes (na opiniatildeo puacuteblica) anuncia

mudanccedilas revolucionaacuterias talvez E natildeo estamos muito distantes aqui das uacuteltimas

revoluccedilotildees liberais do periacuteodo regencial Zacarias de Goacuteis entatildeo no gabinete eacute um

dos grandes defensores da proposta de que o Imperador reina mas natildeo governa

(chega a publicar um livro sobre o assunto) que D Pedro II natildeo deve interferir

diretamente na administraccedilatildeo ndash leia-se poder moderador Mas segundo Alencar o

gabinete do jeito que estaacute tambeacutem natildeo consegue levar o governo O que haacute de se

esperar Propotildee jaacute que somente com a pressatildeo popular conseguiraacute mudar tal

gabinete ldquodai reacutedeas ao ministeacuterio Quanto mais breve provoque ele o motim com

seus erros menos sofreremosrdquo (ALENCAR 2009 p382) A questatildeo em Alencar

contudo natildeo eacute a defesa do modelo de trabalho escravo A lei garante isto Sua

defesa visa a opiniatildeo puacuteblica e a manutenccedilatildeo dos valores em um quadro em que eacute

preciso ldquoadministrarrdquo o conteuacutedo liberal a ser mostrado sob um filtro conservador

Concordando entatildeo com o que diz Bosi (1988) afirmamos que o liberalismo

defendido por Alencar se apresenta como uma sineacutedoque em que um conteuacutedo

escolhido se torna representativo do todo desvirtuando assim as ideias originais do

liberalismo e criando discurso ideoloacutegico que visa sustentar uma elite no poder

representada pelos latifundiaacuterios ricos comerciantes e traficantes de escravos para

quem a economia agroexportadora baseada no braccedilo escravo trazia lucros e

portanto deveria permanecer como a base econocircmica do Brasil

No uacuteltimo capiacutetulo anuncia a despedida de Erasmo certo de que sua identidade eacute

conhecida Justifica o seu pseudocircnimo dizendo que para se dirigir a figura do

Imperador com um conjunto de criacuteticas poderoso ndash escolhe entatildeo o pseudocircnimo

baseando-se na figura do filoacutesofo e intelectual renascentista que natildeo casualmente

foi tambeacutem professor - como o fez ldquoera necessaacuterio ter um nome respeitado cheio de

prestiacutegio e autoridade Faltando [-me] esse tiacutetulo soacute me restava o da verdaderdquo

(ALENCAR 2009 p385) e eacute a verdade (sob sua oacutetica a de um intelectual do

periacuteodo claro) que foi descrita aqui A soluccedilatildeo para o cidadatildeo comum eacute rir disto

tudo da comeacutedia que se tornou o paiacutes O cidadatildeo cordado diz ou chora ou

gargalha E parece cada vez mais ser isolado de uma efetiva participaccedilatildeo poliacutetica

extremamente necessaacuteria nesse regime constitucional Anuncia que natildeo acredita ser

tudo isto culpa de D Pedro II mas das elites que dominam o povo Termina com

letras garrafais afirmando que ldquoa liberdade nos paiacuteses constitucionais natildeo depende

do rei e soacute do povo () Mas infelizmente do povo que natildeo sabe governar-serdquo

(ALENCAR 2009 p389)

A resposta de D Pedro II viria logo depois com a queda do gabinete Zacarias de

Goacuteis Para o novo ministeacuterio a pasta da justiccedila eacute entregue a Alencar por sugestatildeo

do presidente do gabinete Itaboraiacute no chamado gabinete-bomba sob a presidecircncia

de Itaboraiacute A soluccedilatildeo eacute bem simples para o Imperador e pode parecer como uma

pequena vinganccedila pessoal como Alencar parece conhecer tatildeo bem os problemas

do Brasil ele que os resolva

4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A histoacuteria das antigas religiotildees e escolas como a dos partidos e revoluccedilotildees modernas nos ensina que o preccedilo da sobrevivecircncia eacute o envolvimento praacutetico a transformaccedilatildeo de ideias em dominaccedilatildeo

Adorno e Horkheimer

Para o conjunto das cartas - aqui analisado de forma natildeo exaustiva - haacute muitos

outros aspectos relevantes que dada a dimensatildeo do trabalho natildeo pudemos

alcanccedilar Natildeo se pretende aqui um diagnoacutestico geral e futuro da sociedade brasileira

mas sobretudo a partir do texto a compreensatildeo da situaccedilatildeo poliacutetica econocircmica e

social do periacuteodo na visatildeo de um agente poliacutetico que se apresenta como um

intelectual orgacircnico Sua praacutexis transformadora eacute a criacutetica ao sistema em forma de

mobilizaccedilatildeo da opiniatildeo puacuteblica Esse eacute um exemplo do processo ao qual Gramsci

(1999) chama de catarse a elaboraccedilatildeo da estrutura em superestrutura quando da

tomada de consciecircncia destes leitores da capacidade de transformaccedilatildeo social que

lhes eacute possiacutevel conseguir e que soacute se efetiva a partir da participaccedilatildeo de cada

indiviacuteduo Alencar consegue mobilizar-se (e usar) em um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo

com um novo formato e distribuiccedilatildeo com as cartas e alcanccedilar um puacuteblico leitor que

caracteriza a maior parte da opiniatildeo puacutebica do periacuteodo Dissemos anteriormente que

o alcance eacute dado importante na consolidaccedilatildeo da ideologia que eacute preciso partilhar

com o grupo o discurso Deixamos claro tambeacutem que discurso em favor da

manutenccedilatildeo da escravidatildeo natildeo era novo estaacute em debate jaacute com as ideias de Joseacute

Bonifaacutecio no primeiro reinado com os produtores de cana nordestinos e seus

representantes com Euzeacutebio de Queiroz com o grupo saquarema e vaacuterios outros

deputados e senadores que se apresentavam com seus proacutes e contras Alencar

poderia escrever livros e livros justificando a escravidatildeo mas tinha a clareza de que

seu argumento eacute injustificado ndash considerando-se algueacutem que se propotildee um liberal -

e que a aboliccedilatildeo era mais dia menos dia inevitaacutevel Diferindo da accedilatildeo de Gramsci

que pretendia reduzir desigualdades entre todos os homens o nuacutecleo transformador

de Alencar era mais segmentado (afinal ele nunca deixou de ser um representante

da aristocracia) como pudemos observar examinando dos dados sobre o niacutevel de

formaccedilatildeo intelectuais desses grupos mas eacute a disseminaccedilatildeo de suas ideias que as

tornaraacute comum a todos (era esta a sua proposta) determinando assim o curso

contiacutenuo da ideologia

Pudemos observar que o diferencial de Alencar foi identificar uma mudanccedila na

conjuntura poliacutetica com grupos de pressatildeo os mais diversos alimentando a ideia de

uma aboliccedilatildeo da escravidatildeo em um momento que a imprensa ndash entatildeo em

emergecircncia na Corte do Brasil ndash traz novas ideias baseadas no liberalismo poliacutetico e

econocircmico europeu para os grupos perifeacutericos da elite que se configuram como

uma opiniatildeo puacuteblica centrada em uma burguesia citadina que se desenvolve

grandemente no periacuteodo Com isso Alencar busca usar um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo

de grande alcance para tentar mobilizar esta opiniatildeo puacuteblica em seu favor no caso

aqui tratado em favor das ideias de manutenccedilatildeo da escravidatildeo Dessa feita

observamos tambeacutem que as cartas poliacuteticas de Alencar objeto de nosso estudo satildeo

uma obra de teor criacutetico poliacutetico-social mas tambeacutem tem como objetivo divulgar o

pensamento de Alencar e consolida-lo como figura valorosa no cenaacuterio poliacutetico da

Corte Seu caminho jaacute foi escolhido eacute o do partido conservador ser-lhe-aacute fiel ateacute o

fim Mas como pudemos observar as diferenccedilas entre os dois partidos natildeo eram

tatildeo acentuadas e os dois acabavam por defender o sistema monaacuterquico O Rio de

Janeiro com a onda de independecircncia poliacutetica nos seacuteculos XVIII e XIX eacute o reduto

monarquista da Ameacuterica Latina eacute bom lembrar

O que tambeacutem pudemos observar no texto de Joseacute de Alencar eacute a tentativa a partir

de estrateacutegias discursivas muacuteltiplas de disseminar um conteuacutedo ideoloacutegico

sugerindo a manutenccedilatildeo de um conservadorismo de molde monarquista e baseado

no regime escravagista Tais estrateacutegias buscam um ldquolugarrdquo diferenciado para o

discurso longe das disputas partidaacuterias longe da possibilidade do debate direto

Isso eacute mostrado na opccedilatildeo para a publicaccedilatildeo das cartas em ldquofolhetinsrdquo textos

impressos tambeacutem em graacuteficas mas natildeo no ldquocorpordquo de um jornal (o que poderia ter

sido relativamente faacutecil para Alencar no momento visto sua posiccedilatildeo como editor de

um importante jornal na Corte) Deslocar o texto da miacutedia ldquojornalrdquo para um veiacuteculo

alternativo desloca tambeacutem o discurso e cria uma situaccedilatildeo confortaacutevel de

hegemonia podemos assim dizer ndash mesmo porque era ele o uacutenico a fazecirc-lo no

momento Um traccedilo do manifesto de Alencar no texto eacute acreditar que o intelectual

tem o dever de iluminar o caminho do desenvolvimento e o desenvolvimento poliacutetico

e econocircmico pregado nas ideias de Alencar tem base nas ideias liberais D Pedro II

se guiaria pela opiniatildeo puacuteblica que pode ndash segundo dados de Alencar ndash ser medida

na publicitaccedilatildeo dos atos do governo pelos jornais E os jornais da Corte nos garante

ele jaacute estatildeo todos nas matildeos do ministeacuterio e o Imperador prefere sempre o caminho

da conciliaccedilatildeo os partidos conservador e liberal natildeo detecircm espaccedilos na imprensa de

grande circulaccedilatildeo e seus pequenos jornais poliacuteticos natildeo satildeo de grande alcance o

que apresenta um campo aberto para o texto de Alencar Eacute dessa forma que

entendemos o que pode ser aqui descrito pelo conceito de bloco histoacuterico

(GRAMSCI 1999) que eacute a articulaccedilatildeo de um conjunto de praacuteticas e concepccedilotildees

para garantir a manutenccedilatildeo de uma situaccedilatildeo histoacuterica determinada

Cabe lembrar que para que a ideologia seja eficaz o discurso deve se manter o

mesmo ignorando as mudanccedilas que possam vir a acontecer (CHAUI 1997) Mesmo

com o fim da escravidatildeo que Alencar sugere eminente eacute preciso que ela se

mantenha por mais algum tempo (e enquanto for possiacutevel) A decorrente captaccedilatildeo

de Alencar para o ministeacuterio vem disso Sua capacidade de reflexatildeo e mobilizaccedilatildeo

foi reconhecida e este que jaacute foi deputado e pertence agraves fileiras do partido

conservador seria devidamente enquadrado nos quadros do governo onde sua

ldquoliacutenguardquo pudesse ser reduzida via cargo puacuteblico juntando-o agrave burocracia passando

assim a fazer parte do governo que criticara Natildeo eacute de todo correto o que os

bioacutegrafos pesquisados aqui como Menezes (1965) Neto (2006) e Aguiar (1984)

dizem sobre a relaccedilatildeo de desconfianccedila ideoloacutegica que D Pedro II teria por Alencar

quando natildeo escolhe em lista triacuteplice seu nome para uma cadeira no senado o

motivo natildeo eacute somente este Com as cartas o imperador vecirc que Alencar eacute mesmo

um elemento importante do conservadorismo e que poderia confiar em suas ideias

e em suas atitudes colocando-o sob os braccedilos do governo A captaccedilatildeo de Alencar

para o ministeacuterio apesar de ele revelar-se extremamente competente segue o

mesmo caminho das condecoraccedilotildees e concessotildees de tiacutetulos que eacute criar uma

aristocracia dependente dos favores da coroa tendo no caso da burocracia o

elemento controlador e deixando o ldquoperigordquo bem a vista do imperador Os motivos

tambeacutem parecem ser de ordem pessoal em um relacionamento que nunca teve

tanta cordialidade D Pedro II como mostramos sequer queria demitir o Alencar do

cargo de Ministro da Justiccedila atestando assim a competecircncia deste

Novamente com Gramsci entendemos que o discurso desenvolvido nas cartas de

Erasmo tem todas as caracteriacutesticas da ideologia partilhada pelas classes

dominantes Alencar tenta se localizar acima do lugar comum acima das outras

miacutedias como o jornal ou mesmo os folhetins que ajudou a popularizar acima ateacute dos

partidos reafirmamos que essa proposta conservadora ndash baseada em uma eacutetica

moral cristatilde ndash eacute parte de um conjunto ideoloacutegico partilhado pelas classes dominantes

(mesmo por segmentos liberais e conservadores) e que tem em vista ndash agora com

Alencar ndash a criaccedilatildeo de uma utopia

A partir de nossa anaacutelise sustentamos aqui que - segundo Chauiacute - a utopia nasce

como gecircnero na literatura constituindo a narrativa sobre uma sociedade perfeita e

feliz e ao mesmo tempo como discurso poliacutetico na exposiccedilatildeo sobre uma forma para

a cidade justa (CHAUIacute 2008) O termo topos em grego significa lugar e o prefixo ldquourdquo

indica um sentido negativo como um ldquonatildeo lugarrdquo ou lugar desconhecido ou ainda

no sentido da obra o diferente do que conhecemos e praticamos eacute a possibilidade

de interaccedilatildeo com a alteridade (CHAUIacute 2008) Eacute esta a proposta de Alencar a utopia

no sentido possiacutevel alcanccedilaacutevel por meio de um conjunto de ideias baseadas no

liberalismo claacutessico com traccedilos marcantes de conservadorismo Seu texto ndash natildeo

lugar ndash eacute lugar de passagem rumo a construccedilatildeo de um fim possiacutevel que ele

acredita indicar como uma postura para a sociedade que comeccedila a se desenvolver

no paiacutes Mas uma sociedade em que as classes satildeo bem definidas a elite o povo e

os outros50 Vale argumentar como jaacute comentado anteriormente no capiacutetulo que

refere a biografia de Alencar sua praacutetica de leitura para um grupo de pessoas Em

Chartier (1999) por exemplo observamos tal praacutetica (dentro da famiacutelia ateacute com

grupos proacuteximos ao nuacutecleo familiar) na Europa ainda nos seacuteculos XVII e XVIII com a

venda avulsa de livros sobre a vida dos santos contos de fadas e romances de

cavalaria ndash para citar os gecircneros com maior venda - por toda a parte para as

50

Um dado interessante eacute o de que Tomas Morus autor do claacutessico Utopia a que nos referimos aqui

natildeo chega a publicar seu livro sendo decapitado a mando de Henrique VIII em 1535 O livro seria publicado poucos anos depois na Basileacuteia (Suiacuteccedila) por Erasmo a quem este estava ligado por laccedilos de amizade

camadas populares natildeo soacute nas cidades mas tambeacutem em lugares os mais distantes

As ideias de Alencar poderiam chegar a mais e mais pessoas sem que o proacuteprio

autor tivesse condiccedilotildees de mensurar tal alcance Mas por outro lado natildeo podemos

ser ingecircnuos e acreditar que tais condiccedilotildees de leitura natildeo fossem - mesmo que

parcialmente - conhecidas por Alencar sendo este um jornalista e autor literaacuterio de

renome e um dos poucos que puderam dizer ainda em vida que vendiam suas

obras

Alencar estava ciente da forccedila de seu projeto e tinha consciecircncia da repercussatildeo

que conseguiu logo depois da publicaccedilatildeo da primeira carta Na segunda ediccedilatildeo das

cartas ao Imperador datada de 1866 e impressa na Typographia de Cacircndido

Augusto de Mello no Rio de Janeiro Alencar escreve na advertecircncia ao texto ndash

referindo-se a publicitaccedilatildeo da primeira ediccedilatildeo que ldquoa tentativa foi bem decidida O

favor puacuteblico a acompanhou e deu-lhe forccedilas e estiacutemulos para progredirrdquo

(ALENCAR 2009 p08) Natildeo haacute uma poetizaccedilatildeo da poliacutetica nem a utopia romacircntica

nesse momento apenas as estrateacutegias discursivas no texto com o objetivo

especiacutefico de disseminar um discurso ideoloacutegico para a construccedilatildeo da verdadeira

utopia O seu modelo de naccedilatildeo que como advogado segue o princiacutepio geral do

Direito e apresenta uma clara separaccedilatildeo entre povo e populaccedilatildeo

Alencar bem sabia o que estava a fazer com as cartas e sabia tambeacutem que estava

sendo acompanhado pelos leitores e tinha condiccedilatildeo de sugerir ldquoopiniotildeesrdquo para esse

puacuteblico enquanto reafirma constantemente sua opccedilatildeo pela aristocracia e a

monarquia ndash confirmando tambeacutem as ideias em defesa da escravidatildeo Em seu

modelo de transformaccedilatildeoconservaccedilatildeo opta pela afirmaccedilatildeo de valores

tradicionalmente aceitos pela burguesia pela moral cristatilde e a preservaccedilatildeo do

modelo da famiacutelia cristatilde do patriarcado e pelo liberalismo econocircmico Um modelo

que deve ndash segundo suas convicccedilotildees - perpetuar-se mesmo com as transformaccedilotildees

sociais que o desenvolvimento da cidade e da sociedade brasileira prenuncia

Cabe lembrar que pode ser observado que os grupos representativos das elites no

Rio de Janeiro jaacute demonstravam um misto de preconceito racial e econocircmico tanto

com a populaccedilatildeo livre e mesticcedila como a populaccedilatildeo de escravos e ex-escravos que

se multiplicava vendo nessas pessoas apenas instrumentos para o trabalho e

obtenccedilatildeo de lucros E sua ideia nos parece claro eacute que permanecessem assim

Cabe lembrar que quando da publicaccedilatildeo das ldquonovas cartas ao Imperadorrdquo entre

186869 a Inglaterra paiacutes que exercia forte influencia na sociedade brasileira tanto

poliacutetica quanto economicamente jaacute dava os primeiros sinais das mudanccedilas de

relaccedilotildees trabalhistas com a liberaccedilatildeo dos sindicatos trabalhistas e o direito de greve

e outros direitos que viriam a integrar o conjunto ateacute 1875 (HOBSBAWN 2011) e

com certa resistecircncia tambeacutem na Franccedila o que consequentemente poderia se

estender e chegar aqui junto com trabalhadores imigrantes europeus modificando

as relaccedilotildees entre patratildeo e empregado - que seriam inevitavelmente muito diferentes

da anterior relaccedilatildeo senhorescravo Acreditamos que nessa perspectiva o estudo

do trabalho de Alencar e suas ideias frente agrave escravidatildeo se torna pertinente visto

que as teorias que se podem classificar como ldquoracistasrdquo e de valorizaccedilatildeo da raccedila

branca soacute vem a se instalar no Brasil em uma eacutepoca senatildeo posterior ao menos

contemporacircnea ao nosso recorte Destacamos aqui baseado no que mostra

Skidmore (1989) o trabalho do historiador inglecircs Henry Thomas Buckle a ldquoHistoacuteria

da civilizaccedilatildeo na Inglaterrardquo publicada em vaacuterios volumes entre 1857 e 1861 que

defendia uma filosofia do determinismo climaacutetico onde as raccedilas oriundas de lugares

de climas mais quentes seriam mais bem adaptadas para o trabalho braccedilal Seu

contemporacircneo Arthur de Gobineau um francecircs que chega a trabalhar no Brasil

como diplomata em 1869 edita seu ldquoEssai sur lrsquoInegaliteacute des Races Humainesrdquo em

1853 aonde defende que a sociedade multirracial que se via aqui soacute servia para a

degeneraccedilatildeo tanto de negros como de europeus criando uma mesticcedilagem fraca e

esteacutereo Outras teoacutericos tiveram suas ideias divulgadas em um periacuteodo posterior e

alguns ficaram bastante conhecidos aqui como no caso do argentino Joseacute Inginieros

e do francecircs Louis Couty que publica um diaacuterio de sua viagem pelo Brasil em 1868

feita com o auxilio de sua esposa trecircs anos antes (SKIDMORE 1989) Cabe

lembrar tambeacutem que a questatildeo do preconceito eacute somente uma parte da histoacuteria

A defesa da instituiccedilatildeo familiar em seu modelo cristatildeo catoacutelico tambeacutem eacute uma

caracteriacutestica do pensamento do missivista Segundo Alencar faz-se necessaacuterio

dentro deste projeto submeter-se a instituiccedilatildeo a certos ajustes optando pela

reafirmaccedilatildeo de valores tradicionalmente aceitos reafirma todo seu modelo como o

adequado e defende que este deve perpetuar-se em detrimento das

transformaccedilotildees sociais que vem ocorrendo com o desenvolvimento da cidade e que

acusa como degradadoras dos valores morais Que eacute preciso acabar com a ineacutercia

do povo (talvez se referindo a necessidade de braccedilos para a lavoura natildeo a

revoluccedilotildees populares) com o egoiacutesmo dos estadistas e a distacircncia que o Estado ndash

na figura do Imperador ndash tem da administraccedilatildeo puacuteblica A constante criacutetica a ineacutercia

do povo configura a afirmaccedilatildeo de que no constitucionalismo todo participam do

processo decisoacuterio a partir do ldquocontrato socialrdquo Entatildeo todos devem se mobilizar

pois satildeo corresponsaacuteveis por tudo na sociedade

A tiacutetulo de organizaccedilatildeo das ideias podemos afirmar que Alencar um intelectual

militante no oitocentos busca na imprensa uma forma de educaccedilatildeo e ao mesmo

tempo de mobilizaccedilatildeo de determinadas camadas sociais que estatildeo na periferia da

elite e que vem estruturando-se como uma opiniatildeo puacuteblica na Corte com um

discurso ideoloacutegico e moralizante marcado pela valorizaccedilatildeo das tradiccedilotildees e pelo

pensamento liberal ndash devidamente adaptado para a realidade escravagista do Brasil

o que vem a se tornar um sistema com caracteriacutesticas ao mesmo tempo liberais e

conservadoras No caso Alencar serve como instrumento para uma multiplicaccedilatildeo da

ideologia da elite aristocraacutetica que se forma no Brasil depois da independecircncia

tendo na Corte do Rio de Janeiro e na defesa das instituiccedilotildees seu nuacutecleo de poder e

seu norte de dominaccedilatildeo Alencar se forma no curso de Direito em 1849 (na turma de

50) e jaacute no iniacutecio de sua militacircncia jornaliacutestica observa os reflexos da restauraccedilatildeo

da Europa depois das malsucedidas accedilotildees da primavera dos povos E segundo

Hobsbawn (2011) as economias se recompuseram e a partir daiacute paiacuteses como a

Alemanha Itaacutelia o impeacuterio dos Habsburgos (para citar alguns) tiveram um

desenvolvimento econocircmico acelerado Era esta a referecircncia direta observada pelo

Alencar para a defesa da monarquia e este deveria ser o modelo para o Brasil

Monarquia e constitucionalismo

Observa-se assim concordando com o que propotildee Foucault (2004) que o poder

natildeo se restringe ao Estado a uma pessoa determinada ou a um grupo de pessoas

este eacute muacuteltiplo e diversificado aparecendo de modo diferente em diferentes esferas

da sociedade O poder no sentido aqui descrito eacute algo que se manteacutem a partir do

aceite do grupo a que este se refere Norberto Bobbio apresenta um conceito de

poder que vai ao encontro do que procuramos Poder eacute ldquoa capacidade do homem

em determinar o comportamento do homemrdquo (BOBBIO 1998 p933) Mais adiante

o autor alarga seu conceito de poder explicitando

O conceito em que conveacutem basear este alargamento da noccedilatildeo de Poder eacute o conceito de interesse tomado em sentido subjetivo isto eacute como estado da mente de quem exerce o Poder Diremos entatildeo que o comportamento de A que exerce o Poder pode ser associado mais que agrave intenccedilatildeo de determinar o comportamento de B objeto do Poder ao interesse que A tem por tal comportamento As relaccedilotildees de imitaccedilatildeo por exemplo onde falta a intenccedilatildeo no imitado de se propor como modelo se incluem em Poder se a imitaccedilatildeo corresponde ao interesse do imitado (como em certas relaccedilotildees entre pai e filho) mas natildeo se incluem se agrave imitaccedilatildeo natildeo corresponde o interesse do imitado (BOBBIO 1998 p 934)

Entendemos que haacute sempre algueacutem predisposto a aceitar o poder Mas como se daacute

tal aceite Eacute justamente nas relaccedilotildees interpessoais as quais se constituem por meio

da internalizaccedilatildeo de discursos alheios No caso de um texto como o apresentado por

Alencar nas ldquoCartas de Erasmordquo eacute por meio de uma relaccedilatildeo de confianccedila que o

leitor passa a ter com o autor como algueacutem que compreende a realidade e a mostra

para este o que sustenta uma relaccedilatildeo de confianccedila entre as partes Entendemos

tambeacutem que essa construccedilatildeo subjetiva da realidade que passa a ser ldquosocialrdquo a partir

do compartilhamento de sua leitura eacute histoacuterica porquanto assume significaccedilatildeo para

os grupos a que se referem A obra eacute entendida como uma conceptualizaccedilatildeo do

mundo onde se constitui como conjuntos de enunciados e eacute o enunciado o portador

da significaccedilatildeo (MORSON 2008) Isso se daacute a partir da construccedilatildeo de uma

representaccedilatildeo social onde haacute sempre a perspectiva da alteridade em forma de

resposta imediata ao texto ou retomada posteriormente Eacute por meio desta leitura das

representaccedilotildees e do poder que entendemos - na concepccedilatildeo de Gramsci - a funccedilatildeo

do intelectual de disseminar ideias propostas e conceitos E mesmo de forma

indireta como um agente de mobilizaccedilatildeo Eacute preciso lembrar que os reflexos da

ldquoprimavera dos povosrdquo ainda estavam presentes na memoacuteria de uma elite que

desenvolvera laccedilos econocircmicos e sociais com naccedilotildees europeias e as elites tinham

a dimensatildeo do que poderia acontecer com a mobilizaccedilatildeo da massa Hobsbawm

(2010) nos mostra a importacircncia dos intelectuais na revoluccedilatildeo de 1848 enquanto

sujeitos de uma praacutexis poliacutetica que senatildeo imprescindiacutevel eacute relevante na

caracterizaccedilatildeo do que tais movimentos viriam a apresentar

Eles [os intelectuais] natildeo eram mais importantes nesta revoluccedilatildeo que em quaisquer das outras que ocorreram assim como nesta em paiacuteses

relativamente atrasados onde o melhor do estrato meacutedio consistia de pessoas caracterizadas por sua escolarizaccedilatildeo e comando da palavra escrita graduados de todos os tipos jornalistas professores funcionaacuterios Mas natildeo havia duacutevida de que os intelectuais eram proeminentes poetas tais como Petoumlfi na Hungria Herwegh e Freiligrath na Alemanha (que pertencia ao corpo editorial da Neue Rheinische Zei-tung) Victor Hugo e o consistente moderado Lamartine na Franccedila (os professores franceses ainda que suspeitos para os governos permaneceram quietos sob a monarquia de julho e supotildee-se terem feito frente com a ordem em 1848) acadecircmicos em grande nuacutemero na Alemanha (a maioria no lado moderado) meacutedicos como C G Jacoby (1804-51) na Pruacutessia Adolf Fischhof (1816-93) na Aacuteustria cientistas como F V Raspail (1794-1878) na Franccedila e uma vasta quantidade de jornalistas e publicistas dos quais Kossuth era entre todos o mais celebrado e Marx provava ser o mais formidaacutevel Como indiviacuteduos tais homens podiam exercer um papel decisivo como membros de um estado social especiacutefico ou como membros de uma pequena-burguesia radical natildeo o podiam

51 (HOBSBAWN 2010 p36)

Tornando ao texto de nossa anaacutelise pudemos perceber como Alencar se aproveita

dos veiacuteculos de comunicaccedilatildeo a que tem acesso para divulgar suas ideias e como

consegue adapta-las aos diferentes formatos que tais miacutedias exigem conseguindo

assim alcanccedilar natildeo somente uma maior quantidade de pessoas mas uma variedade

grande de camadas sociais e a propalada ldquoopiniatildeo puacuteblicardquo com maior intensidade

tentando fomentar a ampliaccedilatildeo da participaccedilatildeo poliacutetica ativa (ao menos enquanto

conscientizaccedilatildeo de um maior grupo tirando a exclusividade da atividade poliacutetica

apenas do recinto parlamentar) podendo ndash e por isso mesmo - ampliar as

possibilidades de alcance do conjunto da dominaccedilatildeo Essa mesma opiniatildeo puacuteblica

que temos alguma dificuldade de representar numericamente mas que eacute elemento

fundamental no periacuteodo E eacute tambeacutem com intenccedilatildeo de ldquoconstruirrdquo uma opiniatildeo natildeo

somente na elite mas em seus representantes mais diretos como o funcionaacuterio

puacuteblico representante de uma administraccedilatildeo centralizadora que fatalmente deveria

promover pelo paiacutes a ideologia do Estado No dizer de Uruguai o agente da

administraccedilatildeo puacuteblica eacute efetivamente um agente da centralizaccedilatildeo (MATTOS I

1987) D Pedro II chega a escrever agrave princesa Isabel em um dos momentos que

esta assume a regecircncia prevenindo-a contra uma possiacutevel maacute interpretaccedilatildeo das

notiacutecias e criacuteticas publicadas nos vaacuterios jornais da Corte considerando que o

ldquosistema poliacutetico do Brasil funda-se na opiniatildeo nacional que muitas vezes natildeo eacute

manifestada pela opiniatildeo que se apregoa como puacuteblicardquo (FAORO 2004 p 343)

Mas natildeo podemos esquecer que ateacute o momento (estamos no segundo reinado) natildeo

51

O grifo eacute meu

haacute como mensurar tal opiniatildeo puacuteblica ou a dimensatildeo das accedilotildees que esta possa

alcanccedilar A preocupaccedilatildeo imediata de D Pedro II seria com o que poderiacuteamos

chamar de os ldquoformadoresrdquo de uma opiniatildeo puacuteblica Com o texto dos agentes

poliacuteticos publicados em jornais ou outras miacutedias em um momento privilegiado de

liberdade de imprensa

Fica claro que a defesa da escravidatildeo eacute para Alencar necessaacuteria no momento -

tendo mesmo a certeza de a aboliccedilatildeo natildeo tardaria - funcionando como um discurso

que busca retardar a disseminaccedilatildeo de ideais progressistas e abolicionistas para o

conjunto da opiniatildeo puacuteblica conquanto esta passa a ser um elemento de pressatildeo

sobre as elites que controlavam o sistema econocircmico vigente e ele busca seus

argumentos nos teoacutericos liberais europeus O que se vecirc em Alencar natildeo eacute uma

discussatildeo sobre o direito de propriedade de um ser humano sobre o outro isto estaacute

posto pela legislaccedilatildeo a praacutetica do cativeiro eacute legitimada pelo Estado brasileiro O

que temos satildeo as criacuteticas de Alencar a forma como o governo trata o problema

inevitaacutevel da emancipaccedilatildeo com promessas de aboliccedilatildeo ao fim da guerra de forma

progressiva e por meio da estimulaccedilatildeo da emigraccedilatildeo Tais promessas natildeo se

efetivam o que abre um precedente para que o pensamento de Alencar ndash se natildeo o

mais eacutetico ndash acabe se apresentando como o melhor aceito pelas elites e sendo

reproduzo Outro ponto a ser lembrado eacute que com o fim do traacutefico a partir de 1850 e

a expansatildeo das lavouras cafeeiras no interior do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo haacute

tambeacutem uma transferecircncia gradual de escravos urbanos para essas regiotildees Com o

aumento do valor do escravo no mercado interno vaacuterias famiacutelias venderam seus

cativos para as fazendas causando uma consequente diminuiccedilatildeo no percentual da

escravaria na corte e outros nuacutecleos urbanos (NOVAIS 1997) A pulverizaccedilatildeo da

posse de escravos na cidade regride o que em pouco tempo pode levar a uma

mudanccedila de consciecircncia da opiniatildeo puacuteblica centrada na Corte sobre a escravidatildeo

Em uma foacutermula simples Quando todos possuiacuteam escravos isto era visto como algo

comum Quando soacute os ricos cafeicultores passaram a possuiacute-los isto se tornava

errado e antiquado para um paiacutes em desenvolvimento Alencar vai contra isto e

confirma em seu texto os valores do conservadorismo assumindo uma postura que

podemos chamar de liberalconservadora Admitindo isto concordamos com o que

propocircs Bosi (1988) que o liberalismo defendido por Alencar pode ser resumido em

uma figura de linguagem uma sineacutedoque em que uma parte do conteuacutedo eacute tomada

como um todo uniforme desvirtuando assim as ideias originais do liberalismo e

criando novo discurso ideoloacutegico e conservador para sustentar um grupo que se

impotildee no poder Em Alencar se vecirc a escolha da ldquoparte pelo todordquo como em uma

sineacutedoque Alencar defende que se uma parte da populaccedilatildeo estaacute na direccedilatildeo do

Estado e da economia e tem privileacutegios eacute porque essa parte conseguiu consolidar

seu poder pessoal e pode organizar um projeto poliacutetico de desenvolvimento para

que o todo da naccedilatildeo se desenvolva entatildeo satildeo essas pessoas que tem o ldquodireitordquo de

representar a naccedilatildeo Eacute o que pudemos observar

Constatou-se tambeacutem que a situaccedilatildeo do Brasil no periacuteodo segundo Alencar natildeo eacute

de tranquilidade e desenvolvimento mas de corrupccedilatildeo e descontrole Com o

parlamento repleto de elementos sem escruacutepulos ou convicccedilotildees que tomam as

riquezas o paiacutes com sua cobiccedila Alencar defende um Estado de leis com pulso forte

e mesmo a interferecircncia do Imperador para garantir que isto natildeo mais acontecesse

Era apenas assim que se garantiria a ordem puacuteblica e as ldquonecessidades puacuteblicasrdquo

seriam supridas o que natildeo era apenas uma opiniatildeo de Alencar mas uma visatildeo do

Estado compartilhada por boa parte dos homens que passaram pela administraccedilatildeo

puacuteblica no segundo reinado (MATTOS I 1987) Os gabinetes que se seguem sem

estrutura ou conhecimento administrativo levam o paiacutes agrave bancarrota com seus erros

constantes devido a sua ineacutepcia com a coisa puacuteblica O conjunto de instituiccedilotildees que

atuam dentro do sistema estatildeo corroendo-o por conta da ganancia da elite com o

dinheiro do Estado Do outro lado sendo atingida em seus preceitos a famiacutelia que

ldquoassiste sem querer a essa representaccedilatildeo da comeacutedia perigosardquo O que seria o

uacuteltimo refuacutegio da moralidade e base da sociedade

Por fim entendemos que como o sugeriu Carvalho (2007) em uma reflexatildeo sobre o

impeacuterio os fatos mostrados aqui podem ateacute ser reconhecidos pelos estudiosos e jaacute

trilhados mas as explicaccedilotildees tendem a ser insatisfatoacuterias por isso a necessidade

constante de revisitar textos do periacuteodo e teorias Ao mesmo tempo lembrando

Norberto Bobbio (1997) em uma reflexatildeo sobre seus escritos ao enfrentar o tema da

relaccedilatildeo entre os intelectuais e a poliacutetica em frente ao oceano de textos sobre o

tema dizia sentir-se como a crianccedila que despejando um copinho drsquoagua no mar

acreditava estar aumentando o seu niacutevel Eacute como nos vemos aqui Poreacutem

acreditamos ter conseguido demonstrar a presenccedila de um discurso

liberalconservador nas cartas de Erasmo como estrateacutegia discursiva de

disseminaccedilatildeo ideoloacutegica Os dados obtidos nos permitem dizer que nossa hipoacutetese

de que por meio de um discurso poliacutetico conservador vinculado as propostas

ideoloacutegicas das elites escravocratas disseminado pelos jornais e panfletos do

periacuteodo os intelectuais construiacuteram uma imagem paradoxal do liberalismo para o

Brasil no segundo reinado pocircde ser confirmada

As confluecircncias entre tais extremos (liberalismo x conservadorismo) natildeo satildeo

ineacuteditas visto que Hobsbawn (2010) por exemplo pode demonstrar a mobilidade de

agentes poliacuteticos partiacutecipes de movimentos liberais moderados e ateacute mesmo

radicais para as linhas dos partidos conservadores quando os movimentos

revolucionaacuterios da ldquoprimavera dos povosrdquo em 1848 tendiam a modificar a ldquoordem

socialrdquo organizando liberais e conservadores em movimentos unificados ndash onde as

ideias de ambos os lados acabavam por se adaptar as necessidades de

sobrevivecircncia de tais grupos - para uma retomada do poder para as elites europeias

No Brasil a elite nem por um minuto descuidou de estar com as duas matildeos nas

reacutedeas do poder

Por fim esperamos tambeacutem que nosso trabalho tenha sido uacutetil para exemplificar

algumas das muitas relaccedilotildees de poder que existiram (e existem) na relaccedilatildeo Estado

ndash cidadatildeo mediadas pela ideologia atraveacutes de um de seus muitos colaboradores

os intelectuais e ajudar na compreensatildeo de tema tatildeo complexo como a relaccedilatildeo dos

intelectuais com a elite e o poder

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6 ANEXOS

Figura 1 Fac-siacutemile da segunda ediccedilatildeo das Cartas ao Imperador impressa na

Typographia de Candido A de Mello em 1866 Alencar era um autor reconhecido

ainda em vida conseguindo publicar ndash e vender ndash natildeo somente obras literaacuterias mas

tambeacutem estudos sobre poliacutetica e legislaccedilatildeo

Figura 2 Fac-siacutemile da ediccedilatildeo das Cartas ao Povo impressa na Typographia de

Pinheiro e Companhia em 1866 Logo abaixo texto da contra capa indicando pelo

editor o modo de distribuiccedilatildeo do material

Figura 3 Folha de rosto da carta ao M de Olinda onde se vecirc a citaccedilatildeo de Joacute 333

O Diaacuterio do Rio de Janeiro apesar de sustentar uma postura apoliacutetica exibia

cotidianamente (desde seus primeiros exemplares) em suas primeiras paacuteginas o

resumo das seccedilotildees da cacircmara dos deputados e do Senado

RESUMO

Partindo dos textos que compotildeem uma seacuterie de ldquocartas abertasrdquo de Joseacute de Alencar

endereccediladas ao Imperador D Pedro II e a alguns entes poliacuteticos da administraccedilatildeo

do Estado escritas entre 1865 e 1868 busca-se discutir a defesa paradoxal entre a

formaccedilatildeo de uma sociedade liberal dentro de um paiacutes de economia agroexportadora

sustentada pela matildeo de obra escrava

Tomaremos o texto de Alencar como um discurso poliacutetico ideoloacutegico das elites

presentes na corte imperial Entendemos a dimensatildeo ideoloacutegica do discurso poliacutetico

de Alencar no sentido marxista de corte gramsciano ou seja como uma concepccedilatildeo

de mundo que perpassa desde o discurso comum ateacute formas mais elaboradas de

discurso filosoacutefico A partir daiacute buscaremos compreender o modo de vida as

representaccedilotildees poliacuteticas e as formas de dominaccedilatildeo presentes no periacuteodo sob a oacutetica

do pensamento poliacutetico conservador de Joseacute de Alencar dando ecircnfase a anaacutelise de

sua defesa do liberalismo e da escravidatildeo

PALAVRAS CHAVE Poliacutetica discurso liberalismo escravidatildeo

ABSTRACT

Based on the texts that make up a series of open letters addressed to Joseacute de

Alencar to Emperor D Pedro II and some political entities of state administration and

written between 1865 and 1868 seek to discuss the defense of the paradox between

a liberal society within a country agro-export economy sustained by slave labor

We will take the text of a speech Alencar as ideological political elites present at the

imperial court We understand the ideological dimension of political discourse of Joseacute

de Alencar in the sense of cutting Gramscian Marxist as a world view that permeates

from the common speech even more elaborate forms of philosophical discourse

From there we will seek to understand the way of life political representations and

forms of domination present in the period from the perspective of political speech of

Joseacute de Alencar emphasizing the analysis of his defense of liberalism and slavery

KEYWORDS politics speech liberalism slavery

LISTA DE IMAGENS

FIGURA 1 ndash Fac-siacutemile da segunda ediccedilatildeo das cartas ao Imperador183

FIGURA 2 ndash Fac-siacutemile da primeira ediccedilatildeo das Cartas os povo184

FIGURA 3 ndash Folha de rosto da ediccedilatildeo das Cartas ao Marquecircs de Olinda185

FIGURA 4 ndash Paacutegina do Diaacuterio do Rio de Janeiro registrando a aboliccedilatildeo186

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO10

1 A TRAJETOacuteRIA POLIacuteTICA DE ALENCAR22

11 PRIMEIROS ANOS24

12 VIDA NA CORTE27

13 MILITAcircNCIA POLIacuteTICA34

14 UacuteLTIMOS ANOS49

2 CONJUNTURA POLIacuteTICA DO II REINADO55

21 UMA VISAtildeO GERAL56

22 O ESTADO DA ARTE DA IMPRENSA NO OITOCENTOS 64

23 SOBRE AS ELITES NO PODER 70

24 INTELECTUAIS E OPINIAtildeO PUacuteBLICA77

3 LIBERALISMO E ESCRAVIDAtildeO NAS CARTAS DE ERASMO 82

31 LIBERALISMO E ESCRAVIDAtildeO82

32 LIBERALISMO E ESCRAVIDAtildeO O MODELO BRASILEIRO86

33 AS CARTAS DE ERASMO95

331 AO IMPERADOR103

332 AO POVO AO REDATOR DO DIAacuteRIO DO RIO DE JANEIRO121

333 AO MARQUEcircS DE OLINDA AO VISCONDE DE ITABORAHY133

334 NOVAS CARTAS AO IMPERADOR138

4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS162

5 BIBLIOGRAFIA174

6 ANEXOS183

INTRODUCcedilAtildeO

O Brasil do seacuteculo XIX com a chegada da famiacutelia real nos primeiros anos ateacute e

particularmente o periacuteodo imperial eacute caracterizado por um desenvolvimento

econocircmico social e poliacutetico intenso e relativamente acelerado se comparado a

outras naccedilotildees da Ameacuterica Latina (COSTA 1999) Tal desenvolvimento se deve a

construccedilatildeo de um projeto poliacutetico para o paiacutes que deixando de ser uma colocircnia de

Portugal necessitava afirmar sua nova identidade - agora como uma naccedilatildeo

independente - tanto interna quanto externamente O processo tem iniacutecio com a

transferecircncia para a cidade do Rio de Janeiro do Priacutencipe Regente D Joatildeo VI a

famiacutelia real portuguesa e sua Corte em 1808 gerando um consideraacutevel aumento na

populaccedilatildeo residente e a consequente transformaccedilatildeo da cidade com a construccedilatildeo

de escolas museus teatros faculdades e dentre outras novidades a imprensa

A emancipaccedilatildeo poliacutetica em 1822 manteacutem o sistema monaacuterquico ndash ainda sob a casa

de Braganccedila com D Pedro I ndash agora pelo modelo constitucional tendo por base as

ideias liberais importadas da Europa iluminista A presumida liberdade que o paiacutes

vem a construir garantida na constituiccedilatildeo outorgada pelo governante jaacute encontra

um terreno poliacutetico e econocircmico bastante diverso daquele onde surgiu o liberalismo

europeu tendo por base a agricultura de produtos de exportaccedilatildeo assentada na

escravidatildeo - tanto a lavoura tradicional accedilucareira do nordeste como as novas e

proacutesperas plantaccedilotildees de cafeacute do Vale do Paraiacuteba dependiam do escravo O Brasil

logo depois da emancipaccedilatildeo politica em 1822 possui uma das maiores populaccedilotildees

escravas da Ameacuterica e tambeacutem a maior populaccedilatildeo de afrodescendentes livres no

continente (MATTOS H 2000) a quem natildeo eram concedidos os direitos poliacuteticos

de cidadatildeo E uma minoria tida como aristocraacutetica dominava assentados seus

privileacutegios nas relaccedilotildees que possuiacuteam com a coroa ndash uma administraccedilatildeo do Estado

de modelo conservador com D Pedro e a heranccedila do absolutismo portuguecircs

Liberalismo e conservadorismo convivem entatildeo na sociedade brasileira em

formaccedilatildeo como os dois lados de uma realidade complexa e contraditoacuteria Liberal no

sentido de que as lideranccedilas que surgem se mobilizaram nesse sentido para

justificar a separaccedilatildeo da metroacutepole e ao mesmo tempo conservador por precisar

manter a escravidatildeo e a dominaccedilatildeo do senhoriato (NOVAIS 1996)

Para a manutenccedilatildeo da organizaccedilatildeo do Estado a monarquia reforccedila os laccedilos jaacute

seculares do estamento portuguecircs presentes desde a colocircnia criando ndash tambeacutem

inspirado na tradiccedilatildeo portuguesa ndash o modelo brasileiro de nobreza de gentleman

este emerge como um segmento que se solidifica na figura do intelectual morador

da cidade bacharel em direito (tambeacutem alguns poucos meacutedicos raros engenheiros

e matemaacuteticos) filho do fazendeiro ou do comerciante enriquecido filho do

funcionaacuterio portuguecircs fixado no Brasil neto e bisneto dos donos da terra e

representante uacuteltimo das famiacutelias que viriam compor esta ldquoeliterdquo da terra garantindo

uma continuidade na estabilidade poliacutetica Observa-se assim com a absorccedilatildeo

destes elementos pelo Estado um crescimento de algumas cidades portuaacuterias e

principalmente no Rio de Janeiro onde se instala a Corte e o consequente

desenvolvimento de uma burocracia especializada necessaacuteria agrave administraccedilatildeo do

reino Um conjunto de instituiccedilotildees baseadas no modelo portuguecircs ndash quando natildeo

copiadas integralmente de seus pares em Lisboa ndash de funcionalismo puacuteblico para

uma monarquia de moldes absolutistas que recebe poucas adaptaccedilotildees no Brasil

(FAORO 2004)

Boris Fausto em sua Histoacuteria do Brasil (FAUSTO 2001) defende certa estabilidade

no periacuteodo sustentada pelo desenvolvimento das cidades e o aumento de pessoas

com niacutevel superior Costa (1999) afirma que os nuacutecleos urbanos mais importantes

em sua maioria estavam ao longo da costa brasileira coincidindo com os principais

portos exportadores e o desenvolvimento destes tem ndash por conta de sua localizaccedilatildeo

ndash caracteriacutesticas especiacuteficas das ideias trazidas da Europa pelos jornais e livros que

chegam pelos portos Nas demais aacutereas o crescimento urbano era limitado

prevalecendo a grande propriedade rural Mas com as faculdades de direito em Satildeo

Paulo e Recife sendo construiacutedas na primeira metade do oitocentos o processo de

composiccedilatildeo de uma intelectualidade local jaacute tem iniacutecio tendo como palco os nuacutecleos

urbanos Tal periacuteodo eacute marcado tambeacutem pelo desenvolvimento da imprensa onde

as ideias liberais satildeo proclamadas aos quatro ventos pelos diversos jornais e

pasquins que surgem e desaparecem todos os dias (BAHIA 1990) os homens que

se formam ndash de uma maneira integral eacute certo - naquele novo cotidiano iratildeo

inspirados em um periacuteodo recente de administraccedilatildeo ndash jaacute dissemos moldado no

estamento portuguecircs - desenvolver certa predileccedilatildeo pelo cargo puacuteblico e pelas

letras Segundo Faoro (2004) o funcionaacuterio puacuteblico que se forma eacute um dos

responsaacuteveis diretos ndash senatildeo o uacutenico tecnocrata ndash pela reorganizaccedilatildeo (reinvenccedilatildeo)

do antigo modelo no novo paiacutes Leitores dos jornais e ao mesmo tempo formadores

de opiniatildeo estes homens satildeo os comentadores e partiacutecipes do desenvolvimento

poliacutetico e econocircmico das cidades enquanto inspirados pelas ideias liberais que jaacute

tomam corpo por aqui Estes homens que tem acesso agrave informaccedilatildeo e fazem de sua

praacutexis um elemento transformador da sociedade (GRAMSCI 1976) alguns sendo

sustentados pelo abraccedilo do cargo puacuteblico outros escrevendo para os jornais onde

apresentam e defendem suas ideias (liberais ou natildeo) para os outros homens - que

vem a constituir uma opiniatildeo puacuteblica representada pelos agravevidos leitores desses

mesmos jornais

Isto posto destacamos que essa dissertaccedilatildeo que tem como tema o liberalismo no

Brasil e sua relaccedilatildeo com a escravidatildeo no periacuteodo do segundo reinado apresenta

como seu objetivo geral discutir as dificuldades de implantaccedilatildeo deste sistema

poliacutetico - o liberalismo - em uma sociedade dominada por uma elite assentada na

economia agroexportadora baseada na matildeo de obra do escravo percebendo como

paradoxal esta relaccedilatildeo entendendo ser o liberalismo uma doutrina poliacutetica que tem

por base a defesa da liberdade individual nos campos poliacutetico econocircmico religioso e

intelectual conquistada por meio de lutas da sociedade civil contra o absolutismo do

Estado caracteriacutestico do Antigo regime na Europa Acreditamos com Gramsci

(1989) que o discurso que sustenta tal relaccedilatildeo e tenta justifica-la eacute mediado entre as

elites e o povo por meio dos intelectuais Portanto cabem aqui mais algumas

questotildees qual era a visatildeo dos intelectuais sobre a relaccedilatildeo entre liberalismo e

escravidatildeo no Brasil Os intelectuais comungariam com tais ideias Elas estatildeo

presentes em seu discurso

Nossa duacutevida fundamental a qual a pesquisa busca explicar eacute seraacute que estes

intelectuais que se formam nas primeiras faculdades de direito do Brasil filhos de

fazendeiros comerciantes muitos dos quais ligados direta ou indiretamente agrave

economia agroexportadora baseada no trabalho escravo assumiram o discurso

liberal Estaria este discurso presente em suas representaccedilotildees e em seus textos

Para tanto nosso objetivo especiacutefico seraacute analisar o trabalho de um intelectual do

periacuteodo e uma parte de sua produccedilatildeo Joseacute de Alencar

Dessa forma partimos da seguinte hipoacutetese eacute por meio de um discurso poliacutetico

conservador vinculado as propostas ideoloacutegicas das elites escravocratas

disseminado pelos jornais e panfletos do periacuteodo que os intelectuais construiacuteram

uma imagem paradoxal do liberalismo para o Brasil no segundo reinado

Para construirmos nossa narrativa histoacuterica tomamos como fonte para analisarmos

nossa hipoacutetese as ldquocartas de Erasmordquo Um conjunto de cartas abertas publicadas

sob a forma de folhetins no periacuteodo de 1865 a 1868 dirigidas ao Imperador e a

vaacuterios outros entes poliacuteticos Nossa hipoacutetese eacute de que neste texto possamos

identificar a tentativa de Alencar sustentar uma visatildeo liberal para o desenvolvimento

poliacutetico e econocircmico da naccedilatildeo ao mesmo tempo em que faz uma defesa da

manutenccedilatildeo do sistema escravista no Brasil o que nos faz crer que exista uma

postura liberalconservadora como modelo ideoloacutegico a ser construiacutedo pelas elites

atraveacutes de alguns setores da imprensa Buscaremos nas cartas poliacuteticas de Alencar

indiacutecios da sustentaccedilatildeo de um discurso liberal que tambeacutem apresenta caracteriacutesticas

conservadoras e admite (e reafirma) a manutenccedilatildeo da escravidatildeo no Brasil Para

tanto nos propomos a uma anaacutelise de todo o texto das cartas em uma perspectiva

hermenecircutica baseada nos princiacutepios da anaacutelise do discurso Como sustenta

Intildeiguez (2005) a anaacutelise de discurso como aparentemente possa parecer natildeo eacute

uma aacuterea restrita da linguiacutestica e comporta contribuiccedilotildees de vaacuterias aacutereas de estudo

Ao mesmo tempo considerando que uma das caracteriacutesticas da histoacuteria poliacutetica

renovada segundo Remond (2003) eacute ser um ponto de convergecircncia de diversas

disciplinas como a sociologia a linguiacutestica o direito dentre vaacuterias outras o que lhe

possibilita um ganho analiacutetico consistente e consolida sua natureza interdisciplinar a

anaacutelise de discurso apresenta-se como um caminho consistente para a abordagem

de textos poliacuteticos do periacuteodo Neste caso nossa pesquisa busca entender a relaccedilatildeo

do modelo de liberalismo poliacutetico implantado no Brasil com a escravidatildeo e se a

justificaccedilatildeo para tal discurso estaacute presente nos textos de intelectuais do periacuteodo

tendo como fonte o texto das Cartas Poliacuteticas de Joseacute de Alencar

Nossa pesquisa se justifica pela necessidade de entender a dimensatildeo poliacutetica do

segundo reinado por meio de uma fonte impressa que teve grande circulaccedilatildeo no

periacuteodo de nosso recorte e que pode criar uma inter-relaccedilatildeo entre os pontos

descritos Na anaacutelise do texto de um dos mais importantes intelectuais do periacuteodo

Joseacute de Alencar - poliacutetico atuante jornalista romancista e dramaturgo -

conseguimos um elo entre intelectuais imprensa e elites e a confluecircncia desses

ldquopartidosrdquo no projeto ideoloacutegico de construccedilatildeo da naccedilatildeo (GRAMCI 1989) Tais

elementos satildeo comunmente tomados em separado Com Alencar nas cartas de

Erasmo temos um intelectual que usa do seu texto literaacuteriojornaliacutestico1 em uma

miacutedia alternativa no momento para se dirigir a segmentos da elite poliacutetica e

econocircmica na Corte no Rio de Janeiro Essa confluecircncia portanto eacute a proacutepria

ldquoaccedilatildeordquo do objeto enquanto veiacuteculo de comunicaccedilatildeo

A discussatildeo historiograacutefica sobre nosso tema apresenta estudos por vezes

coincidentes por vezes conflitantes Bosi (1988) afirma que o paradoxo entre

liberalismo e escravidatildeo natildeo existiu no Brasil ldquono periacuteodo que se segue agrave

Independecircncia e vai ateacute os anos centrais do Segundo Reinadordquo (BOSI 1998 p 05)

O autor tambeacutem afirma que para entender a articulaccedilatildeo do liberalismo pregado ndash e

assumido ndash no Brasil com o regime escravagista eacute necessaacuterio compreender o modo

de pensar das classes poliacuteticas dominantes no impeacuterio a partir da independecircncia

Neves (2001) sustenta que o liberalismo no Brasil se alavanca a partir da revoluccedilatildeo

ldquovintistardquo em Portugal que vem propondo reformas que pudessem garantir ao

indiviacuteduo direitos de cidadania e liberdade de expressatildeo e buscando o fim do

despotismo como uma soluccedilatildeo para o impeacuterio O movimento segundo a autora eacute

assimilado sem dificuldade pelos elementos das elites poliacutetica e intelectuais no

Brasil A proposta era buscar o novo mas sem abrir matildeo dos antigos privileacutegios

econocircmicos

Para Gorender (2002) os princiacutepios liberais levados adiante pelos comerciantes e

plantadores visava o direito de ter uma representaccedilatildeo no estado fora das limitaccedilotildees

impostas pela poliacutetica colonial que terminaria com o processo de independecircncia Tal

1 Antocircnio Cacircndido (1999) sustenta ser uma das caracteriacutesticas do periacuteodo (segundo reinado) a

influecircncia do texto literaacuterio nos jornais que temos vaacuterios exemplos em Machado de Assis Joseacute de

Alencar Joaquim Nabuco Capistrano de Abreu para citar alguns

processo segundo ele tem inicio com a abdicaccedilatildeo em 1831 Este autor afirma que

o liberalismo europeu defende o trabalho livre mas lembra tambeacutem que o proacuteprio

Adam Smith natildeo era contra a escravidatildeo nas colocircnias Ou seja o liberalismo

europeu segundo um de seus mais importantes representantes jaacute nasce sob esta

contradiccedilatildeo O autor lembra que mesmo com a Revoluccedilatildeo Francesa tendo

decretado a libertaccedilatildeo dos escravos em suas colocircnias francesas Napoleatildeo

restabelece a escravidatildeo oito anos depois Apesar da pregaccedilatildeo pela liberdade na

Europa nas colocircnias a poliacutetica praticada natildeo era a mesma O que nos leva a

entender melhor a relaccedilatildeo liberalismoescravidatildeo no Brasil

Entendemos entatildeo que no processo de formaccedilatildeo do Estado Imperial Brasileiro

havia diferentes leituras e objetivos para o uso do liberalismo ligadas a interesses

especiacuteficos Por um lado como enfatiza Mattos (1987) a accedilatildeo do grupo conservador

no impeacuterio seguia no sentido da construccedilatildeo de monopoacutelios uma continuidade do

praticado no periacuteodo colonial enfatizando as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo sustentadas

pela coroa Costa (1999) identifica certa originalidade no movimento poliacutetico liberal

brasileiro do periacuteodo tentando interpreta-lo como uma figura hiacutebrida onde os

elementos conservadores permanecem e satildeo amalgamados com as praacuteticas liberais

aceitas estruturando as instituiccedilotildees e a visatildeo de mundo pelas elites dominantes

sustentados pelas classes intermediaacuterias que se desenvolvia nas cidades mas que

ao mesmo tempo viam no sistema agroexportador baseado na escravidatildeo uma

dificuldade para o desenvolvimento do capitalismo Por outro lado Carvalho (2007)

chega a subestimar o aspecto liberal sustentando haver um pensamento

conservador dominante sendo a conciliaccedilatildeo entre as correntes de pensamento e os

partidos a poliacutetica da coroa com o intuito de administrar interesses e evitar conflitos

Bosi (1988) sustenta ainda que o traacutefico se apoia por vezes nas proacuteprias

autoridades a quem cabia fazer cessar o traacutefico Satildeo homens ligados a

administraccedilatildeo e a poliacutetica que manteacutem o controle terras do cafeacute e dos escravos o

que faz com que uma defesa da escravidatildeo seja a proposta corrente Nesse

aspecto Prado (2001) concorda que com a produccedilatildeo organizada sob a exploraccedilatildeo

do trabalho escravo sendo muito lucrativa ateacute entatildeo dificilmente teria por parte da

elite qualquer movimento estimulando o seu teacutermino

O liberalismo poliacutetico proposto para o Brasil apresenta assim caracteriacutesticas

diversas conforme os interesses dos diversos grupos das elites poliacuteticas e

econocircmicas no poder Mattos (1987) enxerga no grupo conservador representado

pelos senhores traficantes de escravos e grandes comerciantes um pensamento

contraacuterio agraves ideias liberais e a favor da centralizaccedilatildeo poliacutetica A anaacutelise do sistema

econocircmico agroexportador brasileiro no periacuteodo Imperial tambeacutem nos revela as

muitas contradiccedilotildees da sociedade escravista do seacuteculo XIX o liberalismo econocircmico

e o aumento do fluxo de escravos para o Brasil a defesa da liberdade e o

incremento da escravidatildeo o desenvolvimento do consumo e a pobreza Tacircmis

Parron (2008) sustenta que durante o seacutec XIX toda a defesa do traacutefico e da proacutepria

escravidatildeo como uma instituiccedilatildeo se sustentaram em ideias liberais Agrave medida que

na Europa o sistema econocircmico pregava um livre mercado com o trabalho livre nas

Ameacutericas a escravidatildeo permanecia forte em paiacuteses como os Estados Unidos em

Cuba e no Brasil Emilia Viotti (1999) sustenta para o periacuteodo uma visatildeo hiacutebrida

onde os elementos conservadores presentes no Brasil servem como um equiliacutebrio a

praacuteticas e ideias liberais que poderiam tomar formas mais radicais se acaso

atingissem grupos da populaccedilatildeo estruturando dessa forma as instituiccedilotildees e a visatildeo

de mundo dos principais agentes poliacuteticos no poder no periacuteodo dando ao liberalismo

aqui sua caracteriacutestica ldquocor localrdquo Dessa feita entendemos que o liberalismo

representa distintos interesses da sociedade brasileira e caracteriza-se

diversamente nas diferentes regiotildees do paiacutes e um dos agentes mais importantes na

divulgaccedilatildeo de tais ideias e praticas eacute justamente a imprensa que muito se

desenvolve no periacuteodo como arena de debates de poliacuteticos e intelectuais

Concordando com Bosi (1988) que afirma que o paradoxo entre liberalismo e

escravidatildeo foi somente verbal que o liberalismo simplesmente natildeo existiu enquanto

uma ideologia dominante Segundo ele o que dominou em todo esse periacuteodo no

Brasil foi um ideaacuterio de fundo conservador Um conjunto de normas juriacutedico-poliacuteticas

capazes de garantir a propriedade fundiaacuteria e a escravidatildeo negra ateacute o seu limite E

em nosso entender essa ideologia era difundida por meio dos intelectuais nos

veiacuteculos de comunicaccedilatildeo do periacuteodo como os panfletos pasquins e jornais em

geral

Portanto nosso objetivo aqui para testar nossa hipoacutetese eacute estudar as formas do

discurso poliacutetico em meados do seacuteculo XIX analisando o texto jornaliacutesticoliteraacuterio

de Joseacute de Alencar nas Cartas de Erasmo Acreditamos que Alencar usava seu

texto como um meio para difundir fortalecer e consolidar a ideologia das elites

presentes na corte imperial suas representaccedilotildees e as formas de dominaccedilatildeo

presentes no periacuteodo Alencar toma do discurso liberal alguns princiacutepios para

sustentar a ideologia de grupos vinculados a uma proposta de conservadorismo

poliacutetico em que a manutenccedilatildeo dos privileacutegios desta ldquoaristocraciardquo bem como a

continuidade da escravidatildeo no Brasil satildeo seus pontos principais

A pesquisa se fundamenta tambeacutem na premissa de que a proposta de Alencar era

a de criar um modelo (segundo ele melhor) para a sociedade De tal maneira

podemos designaacute-lo ndash o texto as cartas de Erasmo - como um discurso ideoloacutegico

Um conceito formulado por Chauiacute (revendo Gramsci) nos ajuda de forma elucidativa

Fundamentalmente a ideologia eacute um corpo sistemaacutetico de representaccedilotildees e de normas que nos ensinam a conhecer e a agir A sistematicidade e a coerecircncia ideoloacutegicas nascem de uma determinaccedilatildeo muito precisa o discurso ideoloacutegico eacute aquele que pretende coincidir com as coisas anular a diferenccedila entre o pensar o dizer e o ser e destarte engendrar uma loacutegica da identificaccedilatildeo que unifique pensamento linguagem e realidade para atraveacutes dessa loacutegica obter a identificaccedilatildeo de todos os sujeitos sociais com uma imagem particular universalizada isto eacute a imagem da classe dominanterdquo (CHAUI 1997 p 03)

Dessa feita entendemos a dimensatildeo ideoloacutegica do discurso poliacutetico construiacutedo por

meio das cartas de Erasmo no sentido marxista de corte gramsciano ou seja como

uma concepccedilatildeo de mundo que perpassa desde o discurso comum ateacute formas mais

elaboradas de discurso filosoacutefico Nesse sentido as cartas de Erasmo seratildeo

tomadas como peccedila de anaacutelise enquanto uma dimensatildeo do discurso de Alencar

como ator poliacutetico de seu tempo para uma discussatildeo sobre a relaccedilatildeo entre

liberalismo e escravidatildeo no Brasil Gramsci (1989) nos mostra que os intelectuais se

formaram historicamente em associaccedilatildeo com as elites econocircmicas Seu papel

dentro dos diversos partidos2 eacute a de organizaccedilatildeo e disseminaccedilatildeo da ideologia

Alencar por meio de seu texto busca criticar a administraccedilatildeo vigente e sua relaccedilatildeo

2 Entendendo ldquopartidordquo no sentido mesmo que Gramsci o determinou GRAMSCI Antocircnio

Intelectuais e a Organizaccedilatildeo da Cultura Satildeo Paulo Civilizaccedilatildeo Brasileira 1989

com a coroa por meio de recriminaccedilotildees a poliacutetica econocircmica a administraccedilatildeo da

guerra do Paraguai ao descaso dos poliacuteticos e ndash em nosso caso ndash quanto agraves

propostas para o fim da escravidatildeo

Buscamos nos textos de Gramsci o referencial teoacuterico que ndash acreditamos ndash nos

apresenta uma melhor adequaccedilatildeo a proposta metodoloacutegica aplicada de uma

discussatildeo hipoteacutetico-dedutiva dos textos que se seguem Gramsci nos fornece um

material teoacuterico que - como ele mesmo comenta em sua organizaccedilatildeo inicial para a

escritura dos cadernos - satildeo apontamentos sem uma ligaccedilatildeo serial linear mas que

podem nos fornecer uma base teoacuterica rica conquanto estejam mesmo permitindo-se

uma interpretaccedilatildeo mais heterodoxa das fontes

Gramsci propotildee uma visatildeo ampliada do conceito de Estado em que a relaccedilatildeo entre

sociedade civil e sociedade poliacutetica eacute dialeacutetica A sociedade civil eacute o lugar da luta de

classes pela hegemonia e junto com a sociedade poliacutetica eacute um dos fatores que a

constituem O Estado eacute um elemento aglutinador e como tal formado pela

diversidade de instituiccedilotildees da sociedade civil Eacute uma combinaccedilatildeo de forccedila e

consenso fazendo parecer que os caminhos traccedilados pelo Estado sejam vistos

como consensuais pela maioria expressos pela opiniatildeo puacuteblica em seus diversos

oacutergatildeos (GRAMSCI 1999) Neste conceito ampliado de Estado a sociedade poliacutetica

eacute a definiccedilatildeo de uma esfera na qual se situam os mecanismos de coerccedilatildeo e

dominaccedilatildeo como o aparato policial-militar e a burocracia e a sociedade civil que eacute

formada pelas organizaccedilotildees responsaacuteveis pela elaboraccedilatildeo e difusatildeo das ideologias

como a escola a igreja os partidos poliacuteticos os sindicatos as organizaccedilotildees

profissionais e a miacutedia A cultura para Gramsci estaacute relacionada com a

transformaccedilatildeo da realidade atraveacutes de uma busca e consequente conquista de uma

consciecircncia superior onde cada indiviacuteduo precisa conseguir compreender o seu

valor na sociedade (GRAMSCI 1976) Eacute dessa forma que se daacute a passagem do

momento corporativo ao momento eacutetico-poliacutetico da estrutura agrave superestrutura Isto eacute

expresso por Gramsci atraveacutes do seu conceito ampliado de poliacutetica a catarse O

momento em que a esfera dos interesses corporativos e particulares eleva-se ao

niacutevel da consciecircncia universal e as classes conseguem elaborar um projeto para

toda a sociedade atraveacutes de uma accedilatildeo coletiva Assim sair da passividade para

Gramsci eacute deixar de aceitar a subordinaccedilatildeo que o sistema capitalista impotildee a

alguns estratos da populaccedilatildeo Nesse processo que eacute dialeacutetico podemos observar

um Alencar em sua posiccedilatildeo de aristocrata mas ao mesmo tempo como um

intelectual - um elo para a divulgaccedilatildeo das ideias da elite e a sociedade como um

todo ndash que opta pela reafirmaccedilatildeo de valores tradicionalmente aceitos reafirmando

um modelo adequado que deve perpetuar-se tanto para a famiacutelia como para a

administraccedilatildeo puacuteblica por meio da divulgaccedilatildeo de suas ideias em um veiacuteculo de

comunicaccedilatildeo em detrimento das transformaccedilotildees que acusa como degradadoras

dos valores temos aqui a proacutepria constituiccedilatildeo do bloco histoacuterico Eacute a partir destes

conceitos formulados por Gramsci que buscamos encontrar uma melhor

compreensatildeo do texto de Alencar

No primeiro capiacutetulo nosso trabalho apresenta uma sucinta biografia de Joseacute de

Alencar tentando situar em sua trajetoacuteria os interesses e as escolhas poliacuteticas nas

quais estava inserido e o contexto a que se referia e ndash de certa forma ndash pretendia

criar

No segundo capiacutetulo buscamos mostrar a conjuntura poliacutetica do segundo reinado

junto ao processo de formaccedilatildeo das elites e intelectuais bem como da imprensa no

Brasil A divisatildeo aparentemente estanque tem como elemento agregador a proacutepria

biografia de Alencar Ali se buscam esmiuccedilar os elementos formadores do

intelectual Alencar apresentados anteriormente e como ele se apresenta em seu

campo de batalha

A conjuntura poliacutetica do periacuteodo junto a alguns elementos relevantes que satildeo

tomados pela criacutetica feroz de Alencar

A imprensa - seus primeiros anos no Brasil - na qual Alencar milita como criacutetico e

jornalista sendo este o seu veiacuteculo principal de divulgaccedilatildeo de ideias

As elites que disputam o poder no periacuteodo e tem nos intelectuais seu ponto de

ligaccedilatildeo com as camadas populares

E os intelectuais em si que comeccedilam a se formar nesse periacuteodo no paiacutes

influenciados pelas ideias liberais vindas da Europa e mesmo em parte

compartilhada com os grupos no poder Alencar se apresenta como um intelectual

surgido em uma das primeiras escolas de direito do paiacutes no Largo de Satildeo

Francisco portanto compartilhando de uma relaccedilatildeo direta com os outros elementos

da elite local que estava se formando

Estes elementos apresentados a opiniatildeo puacuteblica a imprensa e as elites formam em

um conjunto o arcabouccedilo do que seria o campo de atuaccedilatildeo do intelectual Alencar e

a proposta de pontuar o ldquoestado da arterdquo em que se apresentam tais segmentos

pode nos auxiliar na construccedilatildeo de um retrato mais niacutetido da superestrutura

(GRAMSCI 1999) no recorte

No terceiro capiacutetulo analisaremos as Cartas de Erasmo dando ecircnfase agraves propostas

de Alencar sobre o problema da escravidatildeo no periacuteodo Natildeo eacute nosso objetivo

debater (ou defender) as questotildees do traacutefico do abolicionismo e das reaccedilotildees em

oposiccedilatildeo dos diversos grupos envolvidos nas questotildees mas a partir da

investigaccedilatildeo da fonte apresentar a questatildeo sob uma oacutetica especiacutefica a de Joseacute de

Alencar como um ator poliacutetico do periacuteodo e seu modelo de representaccedilatildeo poliacutetico e

ideoloacutegico para o Brasil se eacute ou natildeo influenciado pelos ideais do liberalismo

Para tanto apresentamos uma breve exposiccedilatildeo do pensamento de seus principais

representantes na Europa com o intuito de comparar uma possiacutevel similaridade com

o texto das cartas

No quarto e uacuteltimo capiacutetulo nos reservamos a um conjunto de consideraccedilotildees finais

com vistas a uma compreensatildeo do que foi apresentado

As fontes usadas na pesquisa satildeo As cartas de Erasmo publicadas semanalmente

no periacuteodo de 1865 a 1868 e vendidas pelas ruas da Corte do Rio de Janeiro A

publicaccedilatildeo3 com a qual trabalhamos foi organizada por Joseacute Murillo de Carvalho e

conteacutem as seguintes ediccedilotildees

Ao Imperador Cartas de Erasmo de 1865 no caso a segunda ediccedilatildeo de 1866

Uma carta Ao Redator do Diaacuterio (do Rio de Janeiro) de 1865

Ao Povo Cartas Poliacuteticas de Erasmo de 1866 acompanhadas das cartas ldquoAo

Marquecircs de Olindardquo 1866 e ldquoAo Visconde de Itaboraiacute Carta de Erasmo Sobre a

3 ALENCAR Joseacute de Cartas de Erasmo Joseacute de Alencar organizador Joseacute Murilo de Carvalho

ndash Rio de Janeiro ABL 2009

Crise Financeirardquo tambeacutem de 1866

Ao Imperador Novas Cartas Poliacuteticas de Erasmo de 1867-68

Tambeacutem foram de grande auxiacutelio agraves biografias4 pesquisadas e a bibliografia

composta de obras especializadas e baseadas em recentes pesquisas e em textos

de consolidado valor Uma das finalidades da histoacuteria eacute conhecer melhor os

sistemas de representaccedilatildeo das sociedades passando pela literatura e filosofia e

sempre atentando para a produccedilatildeo intelectual (REMOND 2003) Com as cartas de

Erasmo nos apropriamos de um texto criativo coerente e esteticamente belo o que

soacute vem facilitar o trabalho interpretativo Frente a isto aqui temos o Alencar no

comeccedilo da vida puacuteblica se consolidando tanto como artista como um poliacutetico

atuante na Corte - um intelectual Um Alencar que tem muito a nos dizer sobre o

periacuteodo

4 MENEZES Raimundo de Joseacute de Alencar literato e poliacutetico 2a Ed Rio de Janeiro livros teacutecnicos e

cientiacuteficos 1965 NETO Lira O inimigo do rei uma biografia de Joseacute de Alencar ou a mirabolante aventura de um romancista que colecionava desafetos azucrinava D Pedro II e acabou inventando o Brasil Satildeo Paulo Globo 2006 RODRIGUES Antocircnio Edmilson Martins Joseacute de Alencar O poeta armado do Seacuteculo XIX ndash Rio de Janeiro Editora FGV 2001

1 A TRAJETOacuteRIA POLIacuteTICA DE ALENCAR

Eacute um homem de valor poreacutem muito mal educado

D Pedro II referindo-se ao Alencar

Partindo para um esboccedilo sobre a vida de Alencar preferimos trabalhar com uma

biografia criacutetica buscando enfatizar o agente poliacutetico em detrimento do artista Mas

natildeo podemos deixar de ressaltar ser o poliacutetico Joseacute de Alencar tambeacutem um dos

maiores representantes das letras do Brasil no oitocentos Ele ao lado de Machado

de Assis Castro Alves Gonccedilalves Dias e alguns outros natildeo tatildeo notoacuterios tem seu

trabalho caracterizado pela construccedilatildeo de um projeto de modernizaccedilatildeo e a

constituiccedilatildeo de uma identidade para o Brasil O desenvolvimento tecnoloacutegico

cientiacutefico intelectual promovido na Europa era em seu entender um modelo para o

mundo civilizado e o Brasil natildeo poderia ficar fora de tatildeo significativo projeto

A proposta de nossa biografia se daacute na medida em que a pesquisa busca enfatizar

Joseacute de Alencar enquanto poliacutetico O escritor consagrado eacute deixado por um

momento de lado em detrimento dos rumos a que as questotildees relativas agrave histoacuteria

poliacutetica satildeo colocados No caso aqui a histoacuteria da literatura eacute somente um apecircndice

Tendo tambeacutem em mente as advertecircncias deixadas por Remond (2003) sobre o uso

da narrativa factual e subjetivista eminente na biografia de notaacuteveis que cruzavam

o perigoso caminho de avaliar um periacuteodo pelos olhos de um homem apenas ndash

caracteriacutestica da histoacuteria poliacutetica recriminada jaacute pela Escola dos ldquoAnnalesrdquo -

buscamos pelo caminho biograacutefico integrar o Alencar aos diversos agentes poliacuteticos

a fim de desenhar um retrato mais consistente do periacuteodo mas sempre nos

acautelando quanto a direccedilatildeo seguida Neto (2006) e Menezes (1965) sustentam tal

proposta afirmando que o temperamento reservado de Alencar eacute fator determinante

para a anaacutelise de seu texto que no caso das Cartas de Erasmo apresenta

caracteriacutesticas que transitam entre o romantismo literaacuterio e um jornalismo criacutetico

como poderemos ver mais adiante Pocock (2003) justificando uma proposta

biograacutefica comenta que ldquose [temos de ter] uma histoacuteria do pensamento poliacutetico

construiacuteda sobre princiacutepios autenticamente histoacutericos precisamos ter meios de

saber o que um autor ldquoestava fazendordquo quando escrevia ou publicava um texto

ldquo(POCOCK 2003 p28) Ainda na corrente citaccedilatildeo explica que ldquoem inglecircs coloquial

perguntar o que um autor ldquoestava fazendordquo eacute o mesmo que perguntar ldquoo que ele

pretendiardquo ou seja o que ldquoestava tramandordquo ou o que ldquopretendia obterrdquo Quais

seriam as intenccedilotildees de tal autor quando da escritura de seu texto Quais as suas

pretensotildees com tal trabalhordquo (POCOCK 2003 p28) Philippe Levilain (2003) indica

o fim da deacutecada de 1980 como o momento do florescer da biografia na Franccedila

havendo esta sendo reabilitada no meio universitaacuterio ainda na deacutecada de 1960 e jaacute

na deacutecada de 1980 ultrapassa as fronteiras do paiacutes Michael Winock (2003) nos

lembra da emergecircncia de pesquisas sobre os intelectuais e suas ideias no seacuteculo

XX bem como a sua importacircncia para a difusatildeo de modelos poliacuteticos que tem

atraiacutedo agrave atenccedilatildeo de inuacutemeros pesquisadores Com Joseacute de Alencar ampliamos o

horizonte da pesquisa dos intelectuais no Brasil ateacute meados soacute seacuteculo XIX onde

estaacute nosso recorte temporal

Jaacute existem biografias consistentes sobre o Alencar Destaco o trabalho beneditino de

Raimundo de Menezes (1965) ldquoJoseacute de Alencar literato e poliacuteticordquo que recolheu

desde documentos pessoais ateacute fotografias e caricaturas do periacuteodo mas que tenta

natildeo traccedilar uma criacutetica ao trabalho de Alencar sendo um texto predominantemente

factual Eacute para aonde me remeto como uma fonte baacutesica do estudo e que

determina a linha mestra da descriccedilatildeo mas me apoiando tambeacutem em alguns outros

textos5 Ressaltamos aqui que nosso recorte iraacute enfatizar tambeacutem o contexto das

relaccedilotildees sociais que satildeo (ou podem ser) determinadas pelo texto

5Outras biografias satildeo MAGALHAtildeES Raimundo Jr Joseacute de Alencar e sua eacutepoca Satildeo Paulo Ed

Lisa 1971 FILHO Luiz Viana A vida de Joseacute de Alencar Satildeo Paulo Ed UNESPSalvador Edufba 2008 e NETO Lira O inimigo do rei uma biografia de Joseacute de Alencar ou a mirabolante aventura de um romancista que colecionava desafetos azucrinava D Pedro II e acabou inventando o Brasil Satildeo Paulo Globo 2006

11 PRIMEIROS ANOS

No dia 1ordm de Maio de 1829 em uma pequena casa no siacutetio Alagadiccedilo Novo na vila

de Nossa Senhora da Conceiccedilatildeo de Messejana periferia de Fortaleza proviacutencia do

Cearaacute nasce Joseacute Martiniano de Alencar Filho Seu pai um padre que haacute pouco

deixara a batina para se envolver na poliacutetica6 junto com D Baacuterbara de Alencar sua

matildee o irmatildeo Tristatildeo de Alencar e o tio Leonel Pereira de Alencar foi figura de

destaque na revoluccedilatildeo pernambucana Um revolucionaacuterio liberal ldquoexaltadordquo proacute-

repuacuteblica que posteriormente foi eleito deputado constituinte para o congresso

lusitano7 Alencar mantinha relaccedilotildees proacuteximas com os liberais de Minas Gerais e de

Satildeo Paulo como o Padre Joseacute Bento e com Custoacutedio Dias

Os (chamados) rebeldes de Pernambuco eram militares de alta patente

comerciantes senhores de engenho e sobretudo padres (calcula-se em 45 o

nuacutemero de padres envolvidos) Apesar de ter em suas linhas elementos do povo e

escravos natildeo era uma revoluccedilatildeo que pudesse ser chamada de popular Antes

tentava afirmar a dominaccedilatildeo de alguns grupos de elite local Sobe forte influecircncia da

maccedilonaria que disseminava as ideias liberais entre seus grupos os rebeldes

proclamaram uma repuacuteblica independente que incluiacutea aleacutem de Pernambuco as

capitanias da Paraiacuteba e do Rio Grande do Norte chegando com Alencar ateacute o

Cearaacute O movimento chega a controlar o governo durante dois meses Alguns de

seus liacutederes inclusive padres foram fuzilados Alencar consegue o perdatildeo

(CARVALHO 2002)

Com a abdicaccedilatildeo havendo o Senador pelo Cearaacute Joatildeo Carlos Augusto de

Oeynhausen e Gravenburg marquecircs de Aracati acompanhado D Pedro I em sua

volta a Portugal declara o senado a vacacircncia de sua cadeira O nome de Joseacute

Martiniano o pai eacute indicado em lista triacuteplice entregue a apreciaccedilatildeo da Regecircncia-

6 Um padre longe da igreja Menezes (1965) cita em nota que natildeo foram encontrados os registros de

Alencar na arquidiocese de Fortaleza 7 O pai de Alencar poliacutetico ativo e um dos participantes do movimento republicano proclamado no

Cearaacute em 1817 jaacute forneceria uma sedutora monografia Preferimos aqui em funccedilatildeo da metodologia exigida e dos limites da pesquisa buscar uma anaacutelise coerente apesar de firmada em caminhos mais sinteacuteticos

trina Aprovado toma posse em 02 de Maio de 1832 A vida na corte do Rio de

Janeiro o esperava mas natildeo por muito tempo Em 23 de agosto de 1834 eacute nomeado

presidente da proviacutencia do Cearaacute e retorna agrave terra natal com a famiacutelia Passados

alguns anos de uma administraccedilatildeo exemplar com a renuacutencia do Regente Feijoacute ndash

com quem mantinha agora relaccedilotildees proacuteximas - foi exonerado do cargo Alencar e

Feijoacute desde o golpe de estado de 1832 em que se reuniam nas sessotildees do Partido

Moderado jaacute admitiam certa cumplicidade de ideias

A famiacutelia deixa o Cearaacute e ruma novamente agrave corte em meados de 1838 onde o

Alencar reassume sua cadeira no senado O pequeno Joseacute de Alencar entatildeo com

11 anos passa a frequentar o coleacutegio elementar

O pai de Joseacute de Alencar o senador Joseacute Martiniano de Alencar eacute figura chave no

processo de maioridade de D Pedro II Enquanto orador oficial do Senado faz um

discurso durante a coroaccedilatildeo e sagraccedilatildeo do imperador no Paccedilo da cidade clamando

ao povo e a divina providecircncia para que iluminem o futuro monarca (SCHWARCZ

1998) Com a posse de D Pedro II eacute nomeado logo a seguir presidente do Cearaacute

Toma a administraccedilatildeo da proviacutencia por alguns meses mas depois de enfrentar

algumas revoltas populares deixa o governo e retorna agrave Corte em 1841 Neste

ponto o senador Alencar - agora cooptado pelo Estado - provavelmente jaacute estava

bem distante das ideias que proclamava nos movimentos revolucionaacuterios

Joseacute de Alencar o filho tem no Cearaacute - donde passa a infacircncia nessas idas e

vindas - a vida tranquila do interior Ali encontra as imagens que o seguiram pela

vida inteira e ajudaratildeo a criar as representaccedilotildees para uma naccedilatildeo nova esplecircndida

como tudo o mais que havia a sua volta naquele momento

Alencar desembarca em Satildeo Paulo em maio de 1843 ldquoUm mirrado rapazola de

catorze anos Vem completar os exames preparatoacuteriosrdquo (MENEZES 1965 p49) A

falta de livrarias e gabinetes de leitura e a dificuldade de comunicaccedilotildees com a

Europa torna o acesso aos livros uma dificuldade jaacute naquela eacutepoca Os livreiros em

sua maioria se estabelecem no Rio de Janeiro e vendem majoritariamente tiacutetulos

em inglecircs ndash visto a quantidade de residentes ingleses - e francecircs e alguns romances

adaptados e traduzidos mas ainda pouco material (RENAULT 1976)

Alencar eacute uma figura que passaria despercebida em qualquer local Alto magro

moreno de oacuteculos De jeito acanhado ateacute mesmo silencioso Natildeo frequentava as

tabernas ou salotildees o que produzia certo estranhamento natildeo soacute dos colegas da

repuacuteblica mas nos estudantes em geral Durante o Impeacuterio como os cursos

regulares de medicina direito e engenharia ainda natildeo se proliferassem no periacuteodo

tais escolas natildeo se configuravam apenas como um centro de produccedilatildeo de uma

cultura intelectual no Brasil Eram antes espaccedilos para uma consolidaccedilatildeo do poder

nas matildeos de uma elite citadina que comeccedilava a se sobressair (COSTA 1999) A

frequentaccedilatildeo agraves escolas de Direito era a antessala necessaacuteria ao jovem que

buscava a ocupaccedilatildeo em algum cargo puacuteblico A criaccedilatildeo de cursos de niacutevel superior

tambeacutem busca a criaccedilatildeo de um funcionalismo que possa assumir os cargos da

burocracia do Estado Tambeacutem uma parte da formaccedilatildeo da Corte e uma carreira

possiacutevel dentro de um escasso mercado de trabalho

Durante o periacuteodo do curso os estudantes bagunccedilavam a cidade promovendo

reuniotildees serenatas e bebedeiras num tributo a Lord Byron8 em noitadas

ldquosatanistasrdquo Quando Alencar se transfere para Satildeo Paulo esse Byronismo estaacute na

moda (MENEZES 1977 p 50) os estudantes saem pelas ruas blasfemando contra

a vida e o amor de ldquocapa e cabeleirardquo 9 virando a vida de pernas para o ar Alencar

nunca foi dado a esses arroubos da juventude preferindo levar uma vida mais

absorta em seus pensamentos

Em 1846 Alencar se matricula na Academia Ali tem suas primeiras experiecircncias

jornaliacutestico-literaacuterias onde funda junto a alguns colegas primeiranistas a revista

semanal Ensaios Literaacuterios Em comeccedilos de 48 depois de tirar feacuterias em Fortaleza e

no siacutetio Messejana embarca para a cidade de Olinda onde se matricula no 3ordm ano

do curso Juriacutedico A companhia de Alencar ali satildeo os passeios pelas ruas solitaacuterias e

a biblioteca do mosteiro de Satildeo Bento onde funcionava o curso e aonde tem

acesso a exemplares dos cronistas coloniais Natildeo fica ali por muito tempo voltando

8 Poeta romacircntico inglecircs que veio a morrer na primeira metade do seacutec XIX 9 A expressatildeo recolhida por Menezes de um comentaacuterio de Brito Broca estaacute indefinida Parece

remeter aos juristas ingleses e americanos ndash modelos para esta juventude da elite da corte portanto ndash de usarem perucas como um siacutembolo de poder Renault (1976) indica ndash a partir de uma fonte de 1816 - que cada profissatildeo recorre a determinado tipo de cabeleira como forma de distinccedilatildeo

posteriormente para Satildeo Paulo Alencar comeccedila jaacute a sentir os primeiros sintomas da

doenccedila que o acompanharia ateacute o fim da vida e o clima do Nordeste possivelmente

seria um alivio para a tuberculose

Por fim consegue se formar em Direito em 1849 (na turma de 50) na Faculdade de

Direito do Largo de Satildeo Francisco Satildeo Paulo eacute uma ldquocidadezinha de terceira ordem

tristonha e brumosa natildeo possui cerca de 12 a 14 mil almas se tantordquo (MENEZES

1965 p 60) O espaccedilo eacute dividido entre os estudantes grupo entatildeo numerosiacutessimo

ldquoe o restordquo como diziam Meretrizes gente pobre nos corticcedilos alguns emigrantes

que vinham tentar a vida fora do campo e artistas mambembes que buscavam levar

alegria para ali Carvalho (2007) sustenta que a escolha por Satildeo Paulo e Olinda para

o estabelecimento dos cursos de Direito foi uma maneira de unificar os laccedilos entre

as elites dispersas pelas vaacuterias regiotildees para posteriormente associa-las a Corte

Alencar natildeo foge a regra e muda-se para o Rio de Janeiro cidade mais promissora

economicamente onde comeccedila a trabalhar como praticante no escritoacuterio de

advocacia do Dr Caetano Alberto Soares um dos mais procurados chegando a

representar em certas ocasiotildees a Casa Imperial Alencar trabalha ali por quatro

anos onde se inicia nos estudos mais aacuteridos do Direito mas natildeo esquece o

jornalismo

12 VIDA NA CORTE

Em 09 de agosto de 1853 Alencar comeccedila a trabalhar a convite de um amigo na

redaccedilatildeo do jornal Correio Mercantil - chamado ldquoo grande jornal das ideias liberaisrdquo -

com a obrigaccedilatildeo de promover mudanccedilas em sua estrutura que viessem a tornaacute-lo

um pouco mais popular Era tido como um abrigo dos letrados e o mais importante

dos diaacuterios da Corte a eacutepoca Ateacute 1852 o Correio Mercantil era um dos jornais

cariocas com eventual tiragem em francecircs (MENEZES 1965) Alencar passaraacute a

analisar os acontecimentos da semana no rodapeacute da primeira paacutegina da revista

hebdomadaacuteria ldquoPaacutegina Menorrdquo publicada sempre aos domingos No seacuteculo XIX tais

revistas - em formato de folhetins - jaacute satildeo comuns na imprensa nacional

O trabalho de Alencar era reunir diversos assuntos com uma escrita leve e que

chamasse a atenccedilatildeo do puacuteblico Agora mesmo avesso a festas e salotildees de baile -

como o do Cassino Fluminense famoso ponto de encontro onde fluiacuteam amizades e

intrigas liberais e conservadores conversavam serenamente com seu jeito sisudo o

jovem e acanhado jornalista comeccedila a frequentar a sociedade a procura de ideias e

tambeacutem de amigos

Alencar sabia como bom jornalista que por vezes seria preciso natildeo soacute relatar os

fatos mas tambeacutem criaacute-los eacute o caso do desfile de carnaval Desde 1854 a poliacutecia

proiacutebe a praacutetica do entrudo10 no carnaval Em 1855 um grupo de foliotildees animados

por jornalistas do Correio Mercantil em sua maioria resolve por na rua um carnaval

diferente com desfile de banda de muacutesica carros alegoacutericos e cavaleiros nos

moldes do carnaval de Veneza A moda de oacuteperas italianas pelos teatros da cidade

faz com que o estranhamento seja menor pela populaccedilatildeo jaacute familiarizada com os

tipos da comeacutedia italiana como arlequins e colombinas Alencar acompanhando o

entatildeo coronel Polidoro da Fonseca11 e Muniz Barreto proprietaacuterio do Correio

Mercantil vai ao Paccedilo da Quinta da Boa Vista convidar a famiacutelia imperial para o

desfile que viria a passar tambeacutem no Largo do Paccedilo Seria o primeiro destes

desfiles a se apresentar no Rio de Janeiro O imperador comparece e aprecia o

espetaacuteculo D Pedro II poucos anos mais velho que Alencar reconhece naquele

ldquofilho de padrerdquo um pouco da convicccedilatildeo e do ativismo do velho senador Alencar

Poreacutem o fato de Alencar assumir-se ldquoa favor do impeacuteriordquo natildeo quer dizer que morria

de amores por D Pedro II

Em 1855 devido a alguns desentendimentos com a direccedilatildeo do jornal abandona o

Correio Mercantil e sua coluna ldquoAo correr da penardquo que eacute um sucesso na eacutepoca

voltando a militar na advocacia por algum tempo Em outubro do mesmo ano

assume os cargos de gerente e redator-chefe do Diaacuterio do Rio de Janeiro com a

10 O entrudo era uma festa popular oriunda de Portugal Significa literalmente ldquointroduccedilatildeordquo e remonta antigas praacuteticas pagatildes Carnaval de rua que desde os tempos da colocircnia vem sendo proibido pelas autoridades constituiacutedas devido aos constantes excessos do povo Ver por exemplo DAMATTA Roberto Carnavais malandros e heroacuteis Para uma sociologia do dilema brasileiro Rio de Janeiro Rocco 1997 11 Os ldquoFonsecardquo eram uma famiacutelia aleacutem de influente vasta nos quadros do exeacutercito Podemos citar desde alguns heroacuteis da guerra do Paraguai ateacute o grupo que sustenta Deodoro na proclamaccedilatildeo da repuacuteblica Ver para um melhor esclarecimento nota em CARVALHO Joseacute Murilo de A formaccedilatildeo das almas o imaginaacuterio da repuacuteblica no Brasil Satildeo Paulo companhia das letras 1990 p 144

tarefa de reerguer o entatildeo decadente jornal (o primeiro jornal diaacuterio surgido no Rio

de Janeiro12) alavancando suas vendas Jaacute era naquele momento um jornalista com

certo renome e seus textos sugerem influecircncias de autores europeus O modelo

civilizacional francecircs - e isto de comum acordo com a grande maioria dos bachareacuteis

que frequentavam a corte - eram de seu agrado e como muitos outros redatores do

periacuteodo foi dele tambeacutem um divulgador Eacute o ldquoafrancesamentordquo da sociedade

carioca que se manifestava tambeacutem no uso da linguagem pelos jornais Alencar eacute

grande apreciador de Lamartine e leitor de Balzac e Voltaire desde os tempos da

academia em que passava as tardes junto ao dicionaacuterio de francecircs

Nos fins de 1854 vem ao Rio de Janeiro em feacuterias das funccedilotildees de cocircnsul geral na

regiatildeo da Sardenha na atual Itaacutelia o poeta Domingos Joseacute Gonccedilalves de

Magalhatildees - futuro visconde de Araguaia Traz consigo os originais do poema ldquoA

confederaccedilatildeo dos Tamoiosrdquo obra que dizia ele revolucionaria as letras nacionais

Grande amigo de D Pedro II este manda imprimir uma ediccedilatildeo do poema na

conhecida tipografia de Paula Brito13 em rica encadernaccedilatildeo o que jaacute era um motivo

para que o proclamado poema fosse lido O assunto gira em torna das lutas dos

Tamoios com portugueses em meados do seacuteculo XVI no litoral fluminense e paulista

exaltando o quanto podia as figuras histoacutericas do periacuteodo As criacuteticas foram

unacircnimes o poema era ndash segundo comentadores do periacuteodo como Alexandre

Herculano e Gonccedilalves Dias ndash uma grande decepccedilatildeo Alencar oculto pelo

pseudocircnimo Ig14 investe criticamente sobre o poema classificando-o de mediacuteocre

em uma seacuterie de oito cartas publicadas em sua coluna no Jornal Seria este o

primeiro debate substancioso sobre literatura travado no Brasil e de certa forma a

primeira querela envolvendo o artista e o imperador

12 Interessante lembrar que o Diaacuterio do Rio de Janeiro chega a ser apontado como subversivo por

Joseacute Bonifaacutecio que manda averiguar o teor do ldquoescritos incendiaacuteriosrdquo ali publicados em 1822(COSTA 1999 p71) No Diaacuterio seriam publicados artigos contraacuterios agrave monarquia constitucional Alencar era assumidamente um conservador 13 Paula Brito eacute editor e dono de tipografia um conhecido ponto de encontro de intelectuais e poliacuteticos do periacuteodo Mulato de origem pobre assim como Machado de Assis eacute mais um indicativo de que nas letras nacionais a poliacutetica de segmentaccedilatildeo racial era mais amena 14 Menezes comenta em uma nota que tendo o Imperador esquecido de convidar o Alencar para a leitura da ldquoConfederaccedilatildeo dos Tamoiosrdquo em seccedilatildeo no gabinete imperial este viria a se tornar um criacutetico ferrenho de Magalhatildees Nos parece um reducionismo a implicacircncia do Alencar natildeo chega a tanto e sua capacidade como escritor e poliacutetico mostra bem sua capacidade

A carta aberta eacute comum na imprensa do periacuteodo Um comentador coloca suas

opiniotildees de maneira direta e soacutebria com o intuito de publicitar um assunto Um

debate aberto por vezes uma provocaccedilatildeo E o direito de resposta era concedido

prontamente O assunto se tornado interessante era esperado pelos leitores

A maior parte das criacuteticas se refere agrave gramaacutetica e a metrificaccedilatildeo O poeta Arauacutejo

Porto-Alegre cognominado ldquoO amigo do poetardquo sai em defesa de Magalhatildees

Alencar rebate e a esta altura Ig natildeo seria mais um desconhecido Porto-Alegre

chega a transparecer que a peleja do Alencar natildeo seria contra o preterido poeta

mas um ataque indireto ao seu protetor D Pedro II Alguns outros aparecem pelas

paacuteginas do jornal apoiando tropegamente poema e poeta Alencar segue firme e o

imperador assume a pena sob o codinome de ldquoOutro amigo do poetardquo Escreve seis

artigos que Alencar responde com airosidade O imperador pede a opiniatildeo favoraacutevel

de alguns amigos sobre o poema mas nem as criacuteticas encaminhadas por Gonccedilalves

Dias e Alexandre Herculano conseguem convencer D Pedro II do contraacuterio que

Magalhatildees natildeo era tatildeo bom assim Torna-se entatildeo uma guerra puacuteblica de teimosos

Alencar no mesmo ano reuacutene em livro as cartas publicadas sobre A confederaccedilatildeo

dos tamoios No ano seguinte Magalhatildees publica uma segunda ediccedilatildeo do poema

que D Pedro II promove agora chegando a pagar a publicaccedilatildeo de duas traduccedilotildees

para o idioma italiano da obra O imperador incentiva a pesquisa e publicitaccedilatildeo de

trabalhos que enfatizam essa mitologia romacircntica do indigeniacutesmo mas natildeo significa

que esteja preocupado com a esteacutetica literaacuteria Suas razotildees estatildeo mais proacuteximas do

campo poliacutetico como tambeacutem o seria com sua relaccedilatildeo com o instituto histoacuterico e

geograacutefico ao qual era o maior patrocinador Era o momento de solidificar os

siacutembolos da nova naccedilatildeo e o indigeniacutesmo aleacutem de tudo se caracteriza por ser um

movimento antilusitano (ROMANCINI 2007)

Sobre o texto de Magalhatildees o puacuteblico aparentemente se cansa da peleja e Alencar

como redator do jornal precisa procurar mateacuteria mais interessante e a contenda se

dissipa no tempo Mas esta seria a primeira de uma seacuterie de desavenccedilas

envolvendo o Imperador e Alencar

Em dezembro de 1856 Alencar termina seu primeiro livro distribuiacutedo para os leitores

do Diaacuterio do Rio de Janeiro como um presente no Natal No ano seguinte publica o

primeiro folhetim15 de O guarani no Diaacuterio e depois em livro organizado em quatro

volumes e os primeiros capiacutetulos de A viuvinha em folhetim O sucesso de O

guarani eacute tamanho que vaacuterias portas satildeo abertas para o escritor Eacute neste ano que

Alencar ingressa no teatro com sua peccedila ldquoO Rio de Janeiro verso e reversordquo em

novembro estreia com ldquoO democircnio familiarrdquo e ainda em dezembro do mesmo ano a

comeacutedia ldquoO creacuteditordquo A sociedade apresentada nos palcos do Rio de Janeiro para

Alencar natildeo seria aquela que ele via nas ruas Seu modelo era a ldquosociedaderdquo

francesa Comenta assim em uma crocircnica

(hellip) a verdadeira comeacutedia a reproduccedilatildeo exata e natural dos costumes de uma eacutepoca a vida em accedilatildeo natildeo existe no teatro brasileiro Natildeo achando pois em nossa literatura um modelo fui buscaacute-lo no paiacutes mais adiantado em civilizaccedilatildeo e cujo espiacuterito tanto se harmoniza com a sociedade brasileira na Franccedila Fui feliz o puacuteblico ilustrado foi mais beneacutevolo do que eu esperava e merecia O Democircnio Familiar escrito conforme a escola de Dumas Filho sem lances cediccedilos sem gritos sem pretensatildeo teatral agradourdquo (MENEZES 1977 p 135)

No exposto entendemos que Alencar buscava um modelo ldquomelhorrdquo segundo ele

para a sociedade carioca O modelo francecircs de certa forma jaacute impregnado na

sociedade da Corte eacute agora validado pela arte e aplaudido pelo grupo Tal modelo

como afirma natildeo estava na literatura dramaacutetica nacional A vida em accedilatildeo natildeo existe

no teatro A questatildeo eacute qual seria essa vida que Alencar buscava A das ruas

imundas do Rio de Janeiro dos escravos que recolhiam os dejetos na cidade da

incipiente induacutestria nacional Certamente natildeo

A peccedila de maior aceitaccedilatildeo puacuteblica eacute ldquoO democircnio familiarrdquo e a mais divulgada de

suas comeacutedias Machado de Assis em um artigo qualifica a peccedila ldquoO democircnio

familiarrdquo como um retrato da famiacutelia brasileira no periacuteodo com sua caracteriacutestica ndash

segundo ele ndash paz domeacutestica O texto circula tambeacutem em versatildeo impressa com uma

dedicatoacuteria agrave imperatriz D Teresa Cristina o que chega a ser considerado uma gafe

de Alencar sendo a personagem principal o referido democircnio familiar um moleque

chamado Pedro assim como D Pedro II (e tambeacutem D Pedro I ) Na estreia do

espetaacuteculo no Teatro do Ginaacutesio comparecem D Teresa e D Pedro II que chega a

se irritar com os olhares maliciosos e risadas do puacuteblico a cada travessura do

15

Alencar estava - de certa forma - na vanguarda da miacutedia O folhetim foi uma invenccedilatildeo de Gustave

Planche no dececircnio de 1820 na Franccedila introduzindo uma forma diferenciada agrave narrativa do romance Era um modelo que agradou e ajudou a construir popularidade para Alencar Ver CAcircNDIDO Antocircnio Literatura e Sociedade 9ordf Ed Rio de Janeiro Ouro sobre Azul 2006 p 43

escravo no palco Segundo esse autor se origina daiacute e natildeo do episoacutedio da

Confederaccedilatildeo dos Tamoios as diferenccedilas entre o imperador e Alencar De qualquer

forma natildeo se pode deixar de ver Joseacute de Alencar como um implicante

Em 30 de maio de 1858 no teatro do Ginaacutesio Dramaacutetico estreia a comedia ldquoAs asas

de um anjordquo Depois da terceira apresentaccedilatildeo puacuteblica o texto eacute proibido pelo chefe

de poliacutecia Alencar vem a puacuteblico atraveacutes do Diaacuterio questionar a arbitrariedade e

apresentar sua defesa Questiona como um espetaacuteculo aprovado anteriormente pela

censura (apresenta-las anteriormente aos censores era o procedimento padratildeo)

poderia ser logo depois proibido Diz o autor ter se baseado em uma peccedila de

Alexandre Dumaacutes Filho sobre uma prostituta jaacute tendo sido o espetaacuteculo

apresentado no mesmo teatro semanas a fio sendo assim bem conhecida do

puacuteblico Apresenta ali seus argumentos e motivos repetindo que natildeo entende como

um texto que ele mesmo admite eacute adaptado de um romance europeu ndash a dama das

cameacutelias - que apresenta jaacute a eacutepoca relativo sucesso de puacuteblico no teatro pocircde ser

censurado Eacute ali que Alencar entende da pior maneira que a sociedade carioca de

entatildeo natildeo aceita ser confrontada com uma caracterizaccedilatildeo tatildeo realista de seus

costumes Havia assuntos ainda difiacuteceis de discutir Eacute interessante nos determos um

pouco aqui para analisar o confronto do autor com a censura Alencar se sente

intimamente ofendido com a proibiccedilatildeo e parte para sua defesa puacuteblica fazendo o

que sabe fazer mobilizar a opiniatildeo puacuteblica atraveacutes do jornal

Em 28 de junho de 1858 Alencar puacuteblica no Diaacuterio do Rio de Janeiro um artigo que

viria a ser uma espeacutecie de ldquodireito de defesardquo a censura do espetaacuteculo16 Eacute

interessante no sentido de que podemos ter uma visatildeo ampla da censura praticada

pelas instituiccedilotildees puacuteblicas no periacuteodo imperial Eacute ndash inicia a carta indicando ndash o seu

direito e dever como escritor Alencar se diz indiferente a ldquopuniccedilatildeordquo e explica que tal

somente serviraacute para ldquoexcitar a curiosidade puacuteblicardquo por isso vem a puacuteblico

defender-se apenas por que se diz um defensor da moral e natildeo quer manchar sua

imagem aceitando passivamente a (afirma) injusticcedila Natildeo pretende fugir a puniccedilatildeo e

afirma que ldquose quiser dar-lhe maior publicidade tenho ainda um meio a imprensa

16

Artigo transcrito na seccedilatildeo ldquoensaios literaacuteriosrdquo em ALENCAR Joseacute de Teatro completo Rio de

Janeiro Serviccedilo Nacional de Teatro 1977 As referecircncias entre aspas satildeo todas do artigo

que natildeo estaacute sujeita agrave censura policialrdquo A peccedila conta havia sido liberada por meio

de despacho especiacutefico pela poliacutecia em 25 de maio e pelo Conservatoacuterio Dramaacutetico

ainda em janeiro o que jaacute indica uma contradiccedilatildeo Dentre as causas estipuladas

pela lei para a proibiccedilatildeo de espetaacuteculo teatral estavam o ataque agraves autoridades

constituiacutedas o desrespeito agrave religiatildeo e a ofensa agrave moral puacuteblica que no entender do

jornalista seria o motivo da proibiccedilatildeo

Alencar afirma ter pensado bastante na reaccedilatildeo que o puacuteblico teria sobre o tema e

afianccedila ter se baseado em obras dramaacuteticas filhas da chamada ldquoescola realistardquo que

vem de Paris e que tecircm sido representadas em nossos teatros sende ele mesmo

um dos espectadores Mas sustenta ldquoesqueci-me que o veacuteu que para certas

pessoas encobre a chaga da sociedade estrangeira rompia-se quando se tratava de

esboccedilar a nossa proacutepria sociedaderdquo (ALENCAR 1977 p 227) Afirma que o puacuteblico

da Corte assistindo a ldquoA dama das Cameacuteliasrdquo ou agraves ldquoMulheres de Maacutermorerdquo cada

um toma Margarida Gauthier e Marce satildeo apenas duas moccedilas um pouco

estravagantes mas quando se transpotildee a questatildeo para o Brasil em As asas de um

anjo o espectador encontra a realidade diante de seus olhos e espanta-se sem

razatildeo de ver no teatro sobre a cena o que vecirc todos os dias na rua e nos passeios

Mas o que seria imoral O que motivaria tal ato da poliacutecia Alencar explica que eacute

imoralidade o ato que a moral reprova Alencar se defende dizendo que sua intenccedilatildeo

era a pretenccedilatildeo de mostrar uma liccedilatildeo para os pais de famiacutelia sobre a necessidade

de cuidarem da educaccedilatildeo moral de seus filhos de constituiacuterem-se enquanto famiacuteias

Sustenta que em sua tese natildeo haacute aiacute uma soacute personagem que natildeo represente uma

ideia social que natildeo tenha uma missatildeo moralizadora Natildeo eacute ele quem nos

apresenta diz eacute a proacutepria sociedade E as instituiccedilotildees puacuteblicas criam um

impedimento para que o grupo possa comfrontar sua realidade eacute mais uma barreira

constriacuteda como podemos observar entre o povo (rebelde inculto imoral) e a elite

que soacute observa isso de sua cadeira ou camarote estando distante de tudo

Alencar se desgosta com aquilo e abandona logo depois o Diaacuterio do Rio de Janeiro

e a dramaturgia (pelo menos por enquanto) voltando a se dedicar ao Direito e a seu

trabalho como advogado no escritoacuterio do Dr Caetano Alberto E agora com clientela

vasta Ao longo do periacuteodo imperial com a estabilidade da economia e um maior

(ainda pouco) desenvolvimentos das cidades aparecem outros caminhos para o

trabalho que natildeo somente a burocracia mas a grande maioria dos profissionais

liberais natildeo consegue manter-se Apesar do desenvolvimento da advocacia do

magisteacuterio da medicina do jornalismo muitos destes profissionais liberais ndash o caso

de Alencar ndash encampam duas profissotildees ao mesmo tempo como forma de

sobrevivecircncia ou de esperar ser alcanccedilado pelo braccedilo sedutor do emprego puacuteblico

Para Neto (2006) a produccedilatildeo literaacuteria de Alencar natildeo estaacute desvinculada de sua

personalidade um tanto depressiva e afastada da vida noturna da capital lugar

comum para poliacuteticos e jornalistas - vaacuterios deles conhecidos por Alencar que

preferia a tranquilidade de sua propriedade na periferia onde recebia alguns poucos

amigos Ali entre seus livros dedicava-se a leitura de cronistas e historiadores e a

pesquisa sobre a histoacuteria poliacutetica dos seacuteculos XVIII e XIX Tais leituras teriam levado

Alencar a um aprofundamento de sua reflexatildeo criacutetica sobre a realidade brasileira e

os padrotildees de comportamento da sociedade e das instituiccedilotildees que a constituem e

da famiacutelia burguesa em particular

13 MILITAcircNCIA POLIacuteTICA

Em dezembro de 1858 quando Nabuco de Arauacutejo assume o cargo de Ministro e

Secretaacuterio de Estado dos Negoacutecios da Justiccedila trata logo de promover uma reforma

interna neste e o nome de Alencar eacute lembrado para uma diretoria de Seccedilatildeo na

Secretaria de Estado dos Negoacutecios da Justiccedila Depois de alguns meses no cargo

solicita a um amigo do partido conservador o entatildeo conselheiro Euseacutebio de Queiroz

uma melhoria em seu cargo Em maio de 1859 seu pedido eacute aceito e agora como

consultor recebe o tiacutetulo de conselheiro com seus 30 anos Comeccedila o gosto pela

poliacutetica que estava desde sempre segundo Alencar em sua famiacutelia No mesmo ano

que entra para o ministeacuterio eacute nomeado professor de direito mercantil do Instituto

Mercantil no Rio de Janeiro Ao mesmo tempo publica vaacuterios trabalhos juriacutedicos de

reconhecido valor que alcanccedilam segundas e terceiras ediccedilotildees o que prova que o

texto de Alencar era procurado e lido que conseguiu sucesso como autor ainda em

sua juventude (algo dificilmente alcanccedilado mesmo hoje)

A poliacutetica assim dizia o Alencar era como uma religiatildeo em sua famiacutelia e o desejo

por uma cadeira na Assembleia jaacute eacute latente Mas em sua primeira candidatura em

1856 para uma cadeira de deputado geral pela proviacutencia do Cearaacute na primeira

eleiccedilatildeo por distritos natildeo eacute eleito na ocasiatildeo (ALENCAR 2009) Em 15 de marccedilo de

1860 tem outro desgosto falece o velho senador Alencar seu pai Talvez a uacuteltima

chance de associaccedilatildeo aos quadros do Partido liberal No mecircs seguinte comeccedila

uma correspondecircncia com amigos no Cearaacute jaacute no intuito de buscar uma candidatura

para deputado Em novembro e ainda trajando luto17 embarca para Fortaleza onde

busca amigos e correligionaacuterios para iniciar sua campanha pelo partido conservador

nas periferias da capital cearense Com a quantidade limitada de eleitores pela

legislaccedilatildeo vigente em poucos dias consegue-se conversar com um significativo

percentual de eleitores Apesar de seu pai ser um grande nome do partido liberal e

mesmo Alencar sendo o redator-chefe do Diaacuterio do Rio de Janeiro folha

declaradamente liberal o partido natildeo sugeriu uma filiaccedilatildeo ou a possibilidade de

concorrer a algum cargo puacuteblico fato que seraacute lembrado posteriormente com certa

amargura Talvez com os liberais Alencar pudesse exercitar melhor sua ojeriza por

D Pedro II que jaacute era manifesta a eacutepoca Talvez pelo mesmo motivo o partido natildeo

o desejasse em suas linhas A tatildeo falada homogeneidade de pensamento entre

liberais e conservadores se aplica aqui onde algueacutem que pudesse desagradar o

imperador seria um filho sem pai O que Alencar jaacute sabia era que se natildeo

conseguisse apoio de alguma lideranccedila poliacutetica ndash de um lado ou de outro -

provavelmente natildeo seria eleito Foi o que aconteceu no primeiro pleito Alencar

entatildeo se ldquoapadrinhardquo de Euseacutebio de Queiroz e com o apoio deste e do grupo

conservador eacute eleito para a Cacircmara em 1861

Os principais partidos do periacuteodo o liberal e o conservador apresentavam algumas

diferenccedilas importantes O professor Bonavides consegue uma caracterizaccedilatildeo

abrangente para o periacuteodo de nosso recorte

17 O traje de luto para meados do seacuteculo XIX era conservado por um tempo relativamente grande

quando se tratava de um familiar proacuteximo Poreacutem pode ter funcionado como uma ferramenta

importante na construccedilatildeo de um personagem para sua campanha poliacutetica Ele eacute praticamente um

desconhecido no Cearaacute Eacute preciso mostrar-se como cristatildeo bom filho etc

Os liberais do Impeacuterio exprimiam na sociedade do tempo os interesses urbanos da burguesia comercial o idealismo dos bachareacuteis o reformismo progressista das classes sem compromissos diretos com a escravidatildeo e o feudo

Os conservadores pelo contraacuterio formava o partido da ordem o nuacutecleo das elites satisfeitas e reacionaacuterias a fortaleza dos grupos econocircmicos mais poderosos da eacutepoca os da lavoura e pecuaacuteria compreendendo plantadores de cana-de-accediluacutecar cafeicultores e criadores de gado (BONAVIDES 2000 p491)

Tambeacutem Ilmar Mattos (1987) afirma que a diferenccedila entre ldquoLuzias e Saquaremasrdquo jaacute

estava demarcada desde as revoltas liberais do periacuteodo regencial Poreacutem como os

partidos poliacuteticos ainda natildeo havia desenvolvido suficiente forccedila enquanto instituiccedilatildeo

e ainda natildeo haviam desenvolvido sua configuraccedilatildeo atual geralmente os interesses

pessoais (e as ideias) determinavam as accedilotildees dos poliacuteticos Joseacute Murillo de

Carvalho (2007) sustenta a posiccedilatildeo dos magistrados tipicamente centrados no

partido conservador tanto quanto o clero no partido liberal tendo o grupo dos

militares preferido manter certa neutralidade e por fim um ldquogrupo ascendente de

profissionais liberais formando a ala ideoloacutegica do Partido Liberal e o nuacutecleo do

Partido Republicano do Rio de Janeirordquo (CARVALHO 2007 p 225) Nas cartas

Alencar sustenta que ldquoera do comeacutercio portuguecircs e aderecircncias que o partido

conservador tirava principalmente sua forccedila e os recursos com que sustentava a

lutardquo e mais adiante afirma que ldquoo partido conservador servia-se da induacutestria para

subir ()rdquo (ALENCAR 2011 p63) Em sua quase totalidade estes homens eram

representantes de uma sociedade patriarcal europeizada escravagista e machista

Tais homens partilhavam desse universo cultural que inclusive os caracterizava

independente do partido a que estavam filiados E quantas vezes tais interesses natildeo

se confundiam com a vontade do imperador - figura maior que muitos queriam

agradar e poucos tinham coragem de desagradar Bonavides (2000) citando Rui

Barbosa diz que os dois partidos na praacutetica se resumiriam em um soacute o partido do

poder Faoro (2004) tambeacutem sustenta que no segundo reinado a partir de 1836 a

histoacuteria poliacutetica brasileira se resumiria aos dois grandes partidos o liberal e o

conservador A conciliaccedilatildeo foi algo como uma orientaccedilatildeo um acordo intrapartidaacuterio

ou mesmo uma coligaccedilatildeo e natildeo outro partido A liga que eacute tida como a associaccedilatildeo

geradora do partido progressista foi uma organizaccedilatildeo primaacuteria dessa lideranccedila que

tem seu teacutermino com a deposiccedilatildeo de Zacarias de Goacuteis em 1868 tendo seus filiados

se rearranjado entre liberais e conservadores As discussotildees entre as diferenccedilas

ideoloacutegicas dentro dos partidos excedem a pretensatildeo deste trabalho O que

modestamente se sustenta aqui eacute que a filiaccedilatildeo partidaacuteria se dava a princiacutepio natildeo

como resultado de um aceite pelo ator poliacutetico da base ideoloacutegica do partido ndash se eacute

que houvesse uma O partido conservador por exemplo nunca chegou a escrever

um manifesto ou coisa que o valha ndash mas a suas necessidades pessoais suas

pretensotildees sociais e para seu favorecimento econocircmico Para efeito geral

acompanharemos a anaacutelise de Carvalho

A complexidade dos partidos se refletia naturalmente na ideologia e no comportamento poliacutetico de seus membros dando agraves vezes ao observador desatento a impressatildeo de ausecircncia de distinccedilatildeo entre eles Um exame embora sumaacuterio de alguns problemas cruciais enfrentados pelos poliacuteticos do Impeacuterio pode no entanto mostrar tanto as divergecircncias interpartidaacuterias como intrapartidaacuterias (CARVALHO 2007 p 219)

Em Janeiro ao se realizarem as eleiccedilotildees secundaacuterias Joseacute Martiniano de Alencar

Filho eacute eleito pelo 1ordm distrito (tendo segundo um comentaacuterio seu obtido tambeacutem 30

votos dos cerca de 220 eleitores liberais) no Cearaacute junto a outros seis candidatos de

seu partido Em 23 de maio inicia seus trabalhos na corte O cargo de deputado eacute

um importante comeccedilo para a vida puacuteblica

Apesar de eleitos por um periacuteodo de quatro anos frequentemente conseguiam ser reeleitos para vaacuterias legislaturas ou detinham importantes cargos administrativos Muitos encontraram na Cacircmara um caminho faacutecil para o Senado e o Conselho de Estado Assim como os conselheiros de Estado e os senadores os deputados pertenciam a uma rede poliacutetica de clientela e patronagem que utilizavam tanto em seu proacuteprio benefiacutecio quanto no de seus amigos e protegidos (COSTA 1999 p 141)

Ainda sobre o assunto uma interessante anotaccedilatildeo de Tavares Bastos em seu diaacuterio

pessoal nos ilustra bem a posiccedilatildeo de ldquoclientelardquo a que os deputados estavam

submetidos Referindo-se ao fim de setembro 1869 comenta sobre uma reuniatildeo dos

senadores liberais autorizando Zacarias de Goacuteis a prosseguir negociaccedilotildees sobre o

orccedilamento com Cotegipe ministro da Marinha Ao redigir a informaccedilatildeo refere-se

aos senadores que compotildee uma fraccedilatildeo do partido denominada progressista ndash critica

ou ceticamente - como ldquoos nossos chefesrdquo (ABREU 2007 p122) Disto podemos

deduzir e ainda segundo o depoimento de Costa que Alencar tambeacutem natildeo eacute

nenhum ldquoheroacuteirdquo do Brasil Quer o cargo puacuteblico como uma seguranccedila que garanta

uma rede de relacionamentos necessaacuteria a permanecircncia nesta periferia da elite

com vistas a uma posterior promoccedilatildeo

Quando do iniacutecio dos trabalhos todos os olhares estavam postos sobre Alencar

Romancista e dramaturgo jaacute famoso jornalista respeitado filho de importante

Senador que chegara a orador do Senado na coroaccedilatildeo do Imperador a casa estava

cheia de expectativa para a fala inicial No calor da hora a emoccedilatildeo lhe sobe a

cabeccedila O discurso proferido tatildeo aguardado foi um grande fiasco com momentos

de indecisatildeo e certa disfemia Eacute aos poucos que a palavra lhe vai acontecendo vai

achando seu lugar na tribuna durante o mandato Os argumentos a reacuteplica sempre

pronta o exerciacutecio parlamentar vai construindo o personagem poliacutetico Joseacute de

Alencar que chega a ser um dos mais respeitados oradores da cacircmara A

humilhaccedilatildeo nos primeiros dias arranha um pouco do orgulho e da habitual

arrogacircncia do escritor para depois se constituir em um aprendizado decisivo do

poliacutetico

Em 13 de maio de 1863 eacute dissolvida a Cacircmara Alencar sentindo a doenccedila faz

algumas viagens de repouso fora do Rio de Janeiro De volta agrave Corte passa a morar

na Tijuca e diminui o ritmo da produccedilatildeo literaacuteria atendendo a conselhos meacutedicos Ali

conhece aquele que viria a ser um grande amigo o meacutedico Dr Thomaz Cochrane18

de quem posteriormente toma a filha em casamento Georgiana Augusta Cochrane

Em 1865 nasce seu primeiro filho Augusto

De temperamento arredio dado mesmo a solidatildeo com a dedicaccedilatildeo ao trabalho

redobrada agora pela necessidade de sustentar uma casa natildeo sendo um associado

do Instituto Histoacuterico e Geograacutefico natildeo sendo frequentador assiacuteduo de salotildees ou da

livraria do Paula Brito como outros literatos vai desligar-se ainda das poucas

relaccedilotildees sociais que tem Fecha-se na famiacutelia e para si Eacute o ano em que publica as

primeiras cartas de Erasmo dirigidas ao Imperador

18

Que natildeo eacute o Almirante Cochrane militar contratado por D Pedro I para ldquomassacrarrdquo rebeldes

revolucionaacuterios pelo Brasil afora

Em novembro de 1865 comeccedilam a aparecer nas livrarias do Rio de janeiro uma

seacuterie de ldquocartas abertasrdquo publicadas sempre as terccedilas-feiras endereccediladas ao D

Pedro II e assinadas com o pseudocircnimo de Erasmo mas logo se soube que o autor

era o deputado Alencar A procura pelos folhetins era imensa Havia quem

esperasse a chegada de um vendedor pelas ruas para adquirir seu exemplar19 O

proacuteprio imperador natildeo deixava de estar atento a cada nova carta era como mais um

sucesso literaacuterio Publica tambeacutem em 1866 ldquoOs partidosrdquo em formato de livro mas

discutindo as mesmas questotildees e de forma menos informal

As cartas continham um conjunto de denuncias sobre as irregularidades na poliacutetica e

no procedimento eacutetico dos poliacuteticos Falam do poder moderador da situaccedilatildeo

financeira do paiacutes natildeo haacute assunto que escape ao jornalista Posteriormente

endereccedila outra carta esta ao Visconde de Itaboraiacute ex-Ministro dos Negoacutecios e da

Fazenda uma carta sobre a crise financeira em que tece vaacuterios elogios a este e

mais uma endereccedilada ao Marquecircs de Olinda De julho a agosto publica uma seacuterie

de cartas ao povo20 Alencar se coloca sempre e antes como um pensador da

poliacutetica Algueacutem que observa e indica um caminho para a naccedilatildeo e sua condiccedilatildeo de

jornalista eacute decisiva passa isso Deve-se ter em conta que um pensador poliacutetico eacute

algueacutem que observa contextos comportamentos e instituiccedilotildees e a partir de disputas

retoacutericas em torno de tais conceitos e que busca criticar o poder instituiacutedo e as

justificativas que este toma para continuar no poder

Alguns fatos satildeo modelares para mostrar o desinteresse de Alencar pela sua

valorizaccedilatildeo enquanto uma personagem social preferindo ser identificado enquanto

escritor Prefere as letras e a tranquilidade de seu recanto agrave vida social que poderia

ter na Corte Um exemplo disto eacute o episoacutedio da condecoraccedilatildeo Em 1867 o Alencar

por decreto imperial eacute agraciado com o oficialato da Ordem da Rosa pelos

relevantes serviccedilos prestados agraves letras no paiacutes Um agrado da parte de D Pedro II

feito sem que houvesse uma solicitaccedilatildeo ou concurso A poliacutetica de condecoraccedilotildees eacute

19 Eacute o depoimento de Barros Pimentel que demonstra como o o folhetim foi um meio importante de

divulgaccedilatildeo no periacuteodo

20 As cartas seratildeo analisadas em capiacutetulo a parte

basicamente a mesma dos tiacutetulos nobiliaacuterquicos brasileiros formas de cooptaccedilatildeo de

elementos da elite para o ldquopartidordquo do Imperador Nos anos finais do impeacuterio D

Pedro II agraciaria vaacuterios fazendeiros com a ordem da Rosa pela iniciativa destes

em libertar seus escravos (NOVAIS 1997) Alencar sem um motivo aparente

recusa a condecoraccedilatildeo publicamente solicitando ao redator do Jornal do Comeacutercio

que publicite sua decisatildeo Eacute mais uma alfinetada em D Pedro II que a princiacutepio

busca trazer Alencar para seu grupo mais proacuteximo A caminhada na carreira poliacutetica

vai se tornando ldquocomplicadardquo com tais atitudes de intransigecircncia pelo menos para

algueacutem dentro do partido conservador que almeja seguir adiante

Em 1868 estaacute agrave frente do governo o gabinete liberal presidido por Zacarias de Goacuteis e

Vasconcelos Por conta de alguns desentendimentos entre Zacarias e o marquecircs de

Caxias jaacute tomado como um heroacutei por sua atuaccedilatildeo na guerra do Paraguai D Pedro

II eacute impelido pela imprensa a tomar algum lado na rinha e cai o gabinete Sobem

entatildeo os conservadores sob a chefia do visconde de Itaboraiacute O nome de Alencar eacute

proposto para o Ministeacuterio da Justiccedila e sob o espanto de muitos aprovado pelo

imperador D Pedro estaria tentando amarrar uma ponta da corda que tinha agraves

matildeos no pescoccedilo do teimoso literato Alencar reluta num primeiro momento mas

depois de seu ego ter sido acariciado por algumas visitas de partidaacuterios como o

baratildeo de Muritiba e o Conselheiro Paulino de Souza - falando em nome do Futuro

presidente do Conselho - resolve por bem aceitar o cargo O ministeacuterio apelidado

ldquogabinete-bombardquo toma posse em 16 de julho Eacute composto por aleacutem da figura do

Presidente do Conselho e Ministro da Fazenda o Visconde de Itaboraiacute Joaquim

Rodrigues Torres Paulino Joseacute Soares de Souza como Ministro do Impeacuterio Joseacute de

Alencar Ministro da Justiccedila Joseacute Maria Paranhos o visconde do Rio Branco

Ministro dos Estrangeiros Joatildeo Mauriacutecio Mariani Wanderley o baratildeo de Cotegipe

Ministro da Marinha Manoel Vieira Tosta o visconde de Muritiba Ministro da Guerra

e Joaquim Antatildeo Fernandes Leatildeo Ministro da Agricultura Comeacutercio e Obras

Puacuteblicas A ascensatildeo dos conservadores eacute um fato consumado Alencar eacute aleacutem de

tudo o ministro mais jovem do gabinete mas aos olhos do Imperador natildeo era um

inexperiente D Pedro II parece natildeo se importar com a presenccedila do autor das

Cartas de Erasmo antes se comporta como um admirador da obra de Alencar

Mudanccedilas haacute mas nem tanto As figuras de Rodrigues Torres e Paulino que ndash

segundo Ilmar Mattos (1987) seriam o braccedilo forte da chamada ldquotrindade saquaremardquo

- por tanto tempo estiveram a frente do poder retornam agora com a

responsabilidade de reorganizar a casa Ao mesmo tempo e ateacute como uma forma

de equiliacutebrio de forccedilas D Pedro II tambeacutem tinha seu jeito de se resguardar das

pressotildees exercidas pelas elites no poder e da influecircncia de seus associados e

apadrinhados Em muitos momentos leva a lideranccedila do gabinete homens sem

propriedades lideres com ascendecircncia humilde portanto natildeo diretamente atrelados

aos interesses de grupos poderosos desatados dos laccedilos familiares ou

ldquopatronagemrdquo com fazendeiros e comerciantes ligados ao traacutefico e a exportaccedilatildeo

como Saraiva Zacarias o Visconde de Ouro Preto o marquecircs de Paranaacute entre

outros Eles que estariam mais proacuteximos ao imperador seriam tambeacutem uma ultima

barreira de contenccedilatildeo dos movimentos em prol da diminuiccedilatildeo dos poderes da

monarquia (COSTA 1999) O movimento republicano soacute toma corpo em 1873 e

adiante mas as rusgas que o poder moderador incita no parlamento jaacute se fazem

presentes Alencar no ministeacuterio trabalha com o afinco que sempre daacute a seus

afazeres Isso natildeo eacute uma novidade No ano de 1868 publica tambeacutem ldquoO systema

representativordquo obra em que discute o processo eleitoral como a base de um

governo representativo Nem seria tambeacutem uma novidade o ministro colecionar

desafetos no periacuteodo em que estaacute no cargo Deputados colegas ministros oficiais

natildeo estatildeo livres do temperamento singular de Alencar

As relaccedilotildees do imperador com seu ministro da justiccedila satildeo cordiais poreacutem

complicadas Alencar reclama que D Pedro II em tudo se intromete ndash mais tarde diraacute

que eacute um haacutebito deste e tambeacutem dos outros ministros ndash nos assuntos do Estado Agraves

vezes como um menino curioso que de tudo quer saber outras vezes como um pai

zeloso que se preocupa com seus filhos sendo ldquomaltratadosrdquo pelo ministro chegado

em alguns casos extremos a lembrar de que ele eacute o imperador e eacute quem manda na

casa (MENESES 1977) Um dos haacutebitos de D Pedro eacute o envio de bilhetes para o

ministro Satildeo comentaacuterios questotildees relevantes (ou natildeo) indiscriccedilotildees e

apontamentos que constantemente acompanham os despachos de Alencar

Algumas vezes se diz preocupado com a imprensa e os assuntos gerais em outras

solicita informaccedilotildees sobre processos de funcionaacuterios puacuteblicos e sobre o andamento

das eleiccedilotildees Alencar natildeo faz por menos redigindo tambeacutem os seus bilhetes em

tom cordial e respeitoso mas sempre como um embate de forccedilas tentando

demarcar seu campo de atuaccedilatildeo ou impor limites ao outro Natildeo eacute esta uma praacutetica

do restante do grupo que na acomodaccedilatildeo burocraacutetica a que o partido conservador

se acostuma acaba deixando reverter uma formula antiga para o imperador que

recostado na condiccedilatildeo que lhe permitia o poder moderador apesar de dizer que

ldquodeixa a maacutequina andarrdquo ainda reina governa e administra (FAORO 2004) A

tambeacutem o fato de que D Pedro II prefere morar no paccedilo de Satildeo Cristoacutevatildeo ao Paccedilo

da cidade e os ministros precisavam cavalgam ateacute laacute duas vezes na semana para

os despachos coisa que Alencar abomina - considera uma perda de tempo - aleacutem

de reclamar das ldquofutilidadesrdquo que satildeo obrigados a discutir no lugar de tomar o tempo

com alguma providecircncia importante para o paiacutes como os rumos da Guerra do

Paraguai

Certa feita o imperador encaminha preocupado um bilhete pedindo esclarecimentos

de notiacutecias vinculadas nos jornais sobre o recrutamento de (in)voluntaacuterios para a

guerra do Paraguai pelo paiacutes afora A prisatildeo para recrutamento era uma realidade e

por vezes usada como uma forma do partido da situaccedilatildeo ldquodesaparecerrdquo com

elementos da oposiccedilatildeo Com tal pretexto satildeo escolhidos no periacuteodo

propositalmente os indiviacuteduos simpatizantes do partido liberal Alencar dias depois

encaminha circular tentando normalizar as coisas e coibir abusos por parte dos

presidentes das proviacutencias e autoridades policiais que usavam de tal artifiacutecio para

uma ldquofaxinardquo poliacutetica no eleitorado As preocupaccedilotildees do imperador se

fundamentavam nestas accedilotildees correntes como bem sugeria em outro bilhete onde

dizia ldquo() eu sei infelizmente o que satildeo as eleiccedilotildees entre noacutesrdquo buscando sempre

providencias para que houvesse alguma melhora dentro do possiacutevel e tambeacutem

buscando ldquo(hellip) inteira liberdade de voto conforme nossos maus haacutebitos o permitem

por hora mas dando a autoridade o bom exemplordquo (MENEZES 1965 p133) Mas o

imperador natildeo desconhecia que as eleiccedilotildees pouco refletem a vontade do povo

oprimido do interior que ainda eacute refeacutem do poder poliacutetico local nas matildeos dos

senhores de terras no interior ndash em sua maioria apoiados pelo partido liberal

(CARVALHO 2007) A praacutetica do voto jaacute previamente indicado com a ceacutedula ldquochapa

de caixatildeordquo21 ainda garantia o patildeo para o sustento das famiacutelias (FAORO 2004)

Vaacuterias mudanccedilas satildeo tentadas no decorrer dos anos com pouco resultado mesmo

uma draacutestica mudanccedila nas regras eleitorais ndash como o foi o caso do gabinete da

conciliaccedilatildeo (1853-57) com o marquecircs de Paranaacute em que foram vetadas as

participaccedilotildees de vaacuterios elementos representantes da poliacutecia justiccedila e da

administraccedilatildeo puacuteblica ndash sempre entrevia um espaccedilo para burlar-se a lei o que jaacute

vinha se constituindo como parte da ldquoculturardquo poliacutetica nacional

Austero com os deputados distante dos outros ministros longe das recepccedilotildees

oficiais Alencar apesar de extremamente competente assegura seu lugar como o

homem ldquomais chatordquo da Corte Essa visatildeo era compartilhada ateacute entre alguns

colegas ministros como no caso de Cotegipe que natildeo admitia ldquoo artistardquo no meio

das altas relaccedilotildees poliacuteticas E isso debaixo de um ciuacuteme natildeo declarado pelo fato de

D Pedro II insistir em entregar ao ministro da Justiccedila a maior parte das atenccedilotildees

Atenccedilatildeo que o grupo buscava e que Alencar repelia com seu temperamento

complicado Houve ocasiotildees em que descumprindo os deveres dados pelo decoro

impotildee ao imperador a papelada de sua exoneraccedilatildeo em cerimocircnia puacuteblica

conquanto este natildeo assinasse os decretos que Alencar lhe propunha D Pedro II

em seus despachos tinha o haacutebito de natildeo deixar nada sem assinar poreacutem

postergava Dizia sobre o que natildeo lhe conviesse (ou natildeo quisesse) dar

encaminhamento que deixaria ldquopara a proacutexima semanardquo Os outros ministros

conhecendo tal procedimento tido ateacute como educado tratavam de arquivar a

papelada referente Alencar voltava semana apoacutes semana com os mesmos papeacuteis

natildeo se dando por vencido Esticava os braccedilos a exaustatildeo ateacute que o imperador

reconsiderasse seu ato Natildeo eacute de se estranhar que D Pedro torcesse o nariz para

uma candidatura de Joseacute de Alencar para o senado entatildeo um cargo vitaliacutecio

evitando assim ter de aguentar o homem perto de si por tanto tempo

Alencar sente pressotildees de vaacuterias formas por seu mau jeito como articulador poliacutetico

O ldquodedordquo de Cotegipe como ele mesmo chegou a dizer estava em grande parte

daquilo Joatildeo Mauriacutecio Mariani Wanderley o baratildeo de Cotegipe era um homem

21 A ceacutedula era marcada com uma cruz indicando o voto a ser dado Caso a ceacutedula natildeo aparecesse

na urna o candidato ou chefe poliacutetico poderia procurar o eleitor para ldquotomar providecircnciasrdquo

prestigiado que sabia emprestar seu prestiacutegio ao Ministeacuterio Encarregado da

Marinha este tinha a predileccedilatildeo pela Justiccedila o que o fazia criar situaccedilotildees de

constrangimento para Alencar Com a legislaccedilatildeo vigente o impeacuterio estaacute centralizado

na figura do ldquo() Ministro da Justiccedila generaliacutessimo da poliacutecia dando-lhe por

agentes um exeacutercito de funcionaacuterios hieraacuterquicos desde o presidente da proviacutencia e

o chefe de poliacutecia ateacute o inspetor do quarteiratildeordquo (FAORO 2004 p 369) e tambeacutem os

juiacutezes funcionaacuterios puacuteblicos de carreira todos ao alcance do longo braccedilo da

dominaccedilatildeo do Estado Qualquer deslize e Cotegipe fornecia o material aos jornais

sobre o Ministro (e o ministeacuterio) da Justiccedila nas reuniotildees com o imperador fazia valer

seus pontos de vistas sobre a pasta do adversaacuterio Zombava alfinetava enfim

politicava Alencar reclama com o presidente que tenta contornar as coisas e

apresenta um pedido de demissatildeo mas este natildeo eacute aceito Dias depois Fernandes

Leatildeo titular da pasta da agricultura por motivos pessoais tambeacutem pede demissatildeo

Na ocasiatildeo o Alencar reapresenta sua solicitaccedilatildeo Itaboraiacute tenta segurar o gabinete

como pode evitando que este tombe para caacute ou para laacute De olho nesta indecisatildeo a

alta cacircmara aumenta a vigilacircncia satildeo os olhos de Zacarias Saraiva Nabuco Ottoni

Silveira Lobo Monte Alegre Abrantes e Itanhaeacutem que os acompanham Os ataques

ao ministro-escritor continuam dia a dia cada um com o seu motivo cada qual com

o seu aparte e nem todos direcionados agrave boa ou maacute administraccedilatildeo da pasta da

Justiccedila mas ao proacuteprio jeito de ser do Ministro chegando ao ponto de Cotegipe criar

e difundir (a pior parte) um apelido para Alencar que para a infelicidade deste eacute

aceito pelo grupo no ato era ele o ldquopirracentordquo

Mas nem tudo estaacute relacionado com as brigas internas Ainda enquanto ministro da

Justiccedila Alencar visita a regiatildeo do Valongo22 no Rio de Janeiro conhecido como

antigo mercado dos ldquopretos novosrdquo e se aterroriza com a situaccedilatildeo ao mesmo tempo

aviltante e promiacutescua a qual aquelas pessoas estavam expostas Alencar natildeo era

um abolicionista acreditava que a escravidatildeo no Brasil deveria terminar por um

processo lento e que natildeo incorresse em ocircnus para os proprietaacuterios Tinha uma

posiccedilatildeo conservadora mas tambeacutem natildeo era um incentivador do comeacutercio de

escravos Em 15 de setembro de 1869 eacute publicado um decreto seu que proiacutebe a

22

O antigo Valongo (rua Camerino) era um depoacutesito e armazeacutem de escravos que funcionou de 1779 a 1831 No periacuteodo o comeacutercio se transfere para a rua Direita atual 1deg de Marccedilo Os escravos ficavam expostos na rua (RENAULT 1976)

exposiccedilatildeo puacuteblica de escravos no mercado e a sua venda sob a forma de pregatildeo e

eacute aplaudido por grande parte da populaccedilatildeo Por esse tempo (senatildeo mesmo antes) eacute

que comeccedila uma sondagem com seus correligionaacuterios com o intuito de concorrer a

uma vaga no senado Com a morte em 1865 do marquecircs de Abrantes e do

conselheiro Cacircndido Batista de Oliveira senadores pela proviacutencia do Cearaacute a

vacacircncia das cadeiras estimulam a cabeccedila de Alencar a trabalhar com tal

perspectiva Chega a fundar com seu irmatildeo uma folha a ldquoDezesseis de Julhordquo para

divulgar ndash segundo uma carta-circular enviada aos membros do Partido Conservador

- os ldquointeresses do nosso partido e defender a ideia conservadora no Brasilrdquo

(MENEZES 1975 p252) As eleiccedilotildees vatildeo sendo adiadas devido agraves brigas entre

partidos e as denuacutencias constantes de fraude eleitoral E haacute quem diga que a

demora eacute alimentada pelo ministro da Justiccedila jaacute cobiccedilando uma sua cadeira no

Senado

Em junho de 1869 Alencar escreve a Itaboraiacute comentando seu interesse em

concorrer a uma cadeira no senado Explica que jaacute havia submetido agrave questatildeo aos

colegas do gabinete e tinha o apoio destes O caso se daacute quando apresenta a

proposiccedilatildeo ao imperador chegando a solicitar a demissatildeo do cargo de ministro para

que se candidatasse sem nenhum impedimento ou favorecimento que seu cargo

como ministro pudesse criar D Pedro II sugere (pede) que Alencar reavalie a

decisatildeo pois acreditava que sua situaccedilatildeo pudesse influir nos rumos da eleiccedilatildeo

chegando a sugerir que a atitude natildeo seria eacutetica Alencar se rebela e escreve logo a

seguir a Paulino Nogueira no Cearaacute apresentando-se como candidato pela

proviacutencia e eacute aceito Esse incidente revela algo interessante visto que Paulino

Nogueira como todas as lideranccedilas partidaacuterias que Alencar podia alcanccedilar sabiam

dos motivos do desentendimento e da opiniatildeo do Imperador relatada pelo proacuteprio

missivista E Paulino aceita a candidatura Podemos deduzir que as lideranccedilas locais

ainda natildeo estavam dispostas a acatar podas as decisotildees do centralismo do Estado

mesmo que fossem vindas de uma vontade expressa do imperador As resistecircncias

locais ainda estavam vivas e prontas para reclamar seus direitos

A eleiccedilatildeo se realiza em 12 de dezembro e os liberais seguindo orientaccedilotildees do

partido na corte23 natildeo apresentam candidatos Alencar eacute o mais votado em uma lista

secircxtupla tendo no segundo lugar o nome de Domingos Joseacute Jaguaribe O resultado

vai entatildeo para D Pedro II que escolheria entre os mais votados qual deveria ser o

proacuteximo senador Ao saber do resultado tendo em matildeos a lista o Imperador se irrita

e permanece irredutiacutevel em sua opiniatildeo Manda chamar o Alencar para uma

entrevista e pergunta sobre o entendimento que tiveram sobre a eleiccedilatildeo o clima

entre os dois soacute piorava Haacute vaacuterias versotildees sobre o acontecido todas parecidas

mas o fato eacute que Alencar consegue o que quer sua exoneraccedilatildeo Eacute substituiacutedo pelo

presidente da Cacircmara dos Deputados conselheiro Joaquim Otaacutevio Neacutebias Retorna

o Alencar a Cacircmara e agrave redaccedilatildeo do Dezesseis de Julho

No fim de abril comeccedila o cochicho em Satildeo Cristoacutevatildeo sobre a escolha para as duas

vagas de senador pelo Cearaacute Ao fim a doutrina que os conservadores - inclusive o

Alencar - pregam nos jornais eacute seguida pelo imperador de que somente a este

pertence sem audiecircncia de nenhum ministro a escolha dos nomes para o Senado

Em uma passagem das cartas ao Imperador Alencar sugere que ldquoos atos do poder

moderador satildeo de exclusiva competecircncia vossa [do Imperador] para exercecirc-los natildeo

dependeis de agentes e atualmente nem de conselhordquo (ALENCAR 2011 p 81)

No dia 27 por carta imperial satildeo escolhidos os nomes de Domingos Joseacute

Jaguaribe e do conselheiro Joseacute de Melo Alencar nunca se recuperaria de tal golpe

Agora seu caminho na Cacircmara de deputados eacute o da oposiccedilatildeo ao governo

Em maio de 1871 jaacute tomada certa distacircncia a guerra do Paraguai o imperador

solicita a Cacircmara o necessaacuterio consentimento para uma viagem a Europa Alencar

se apressa nos protestos lembrando o dinheiro esbanjado pelo Estado com as

comemoraccedilotildees puacuteblicas pelo fim da guerra Chega a dizer que uma viagem pela

Europa naquele momento seria uma demonstraccedilatildeo de ldquoabsolutismordquo e ao mesmo

tempo uma tentativa de se afastar das discussotildees sobre a questatildeo da matildeo de obra

escrava e o abolicionismo que o fim da guerra do Paraguai tornou mais urgentes e

23 A influencia local na escolha de candidatos para as eleiccedilotildees soacute volta a crescer a partir de 1881

com a Lei Saraiva

que D Pedro II havia se comprometido em buscar uma soluccedilatildeo

Alencar eacute deputado combativo aguerrido mas natildeo logra muitas vitoacuterias Na

imprensa chega a ser acusado de incoerecircncia no confronto do conteuacutedo das cartas

de Erasmo e a sua atual situaccedilatildeo de rompimento com o imperador seus ataques

constantes ao trono e a administraccedilatildeo Da vida poliacutetica ateacute a literatura tudo eacute motivo

para denegrir a imagem do ex-ministro Eacute assim com Zacarias depois com Cotegipe

depois com Rio Branco depois com Silveira Martins As ideias de Alencar sempre

sustentadas por seu conhecimento do Direito (como vimos as proposiccedilotildees mais

carregadas de complexidade como as cartas geralmente vinham acompanhadas de

estudos publicados pelo Alencar) afligiam vaacuterios grupos Natildeo o grande coro dos

homens da assembleia que em muitos ldquovivasrdquo e ldquobravosrdquo sequer ouviam a pauta das

reuniotildees O partido que detinha a maioria dos deputados conseguia aprovar o que

propunha na maior das vezes tendo em suas relaccedilotildees de ldquoapadrinhamentordquo

construiacutedo vaacuterios laccedilos de dependecircncias entre deputados e senadores

(CARVALHO 2007) Mas eram geralmente as lideranccedilas que viam em Alencar um

problema (NETO 2006) Algueacutem que poderia ter forccedilas (e competecircncia) para propor

mudanccedilas dentro da estrutura Gramsci coloca essa questatildeo quando fala da

educaccedilatildeo dos ldquojovensrdquo Todas as geraccedilotildees educam seus jovens Pode haver ndash e

sempre haacute ndash atritos questotildees divergecircncias de opiniatildeo mas tudo isto faz parte do

processo educativo Mas alguns ldquojovensrdquo da classe dirigente podem se revelar e

buscar alternativas na classe progressista com o intuito de tomar o poder Eacute o

momento em que os ldquovelhosrdquo de outras camadas passam a direccedilatildeo para tais jovens

(GRAMSCI 1989) Eacute certo que para que a ideologia se constitua eficazmente o

discurso assumido por um grupo deve se manter o mesmo ignorando as mudanccedilas

histoacutericas que possam vir a acontecer (e efetivamente acontecem) garantindo a

continuidade das representaccedilotildees sociais e poliacuteticas preacute-determinadas pela classe

dominante (CHAUI 1997) O temor da ideologia eacute o discurso fundador de novas

ideias e natildeo os grupos que as deteacutem porque estes estatildeo associados agraves classes

dominantes no caso aqui a burguesia e pequena burguesia citadina da Corte com

seus intelectuais atuantes constituindo uma camada perifeacuterica a elite representada

natildeo apenas pelo partido conservador mas em vaacuterios casos tambeacutem pelos liberais

Numa citaccedilatildeo de Faoro agrave Bernardo de Vasconcellos o sistema representativo que

entatildeo os partidos ndash conservadores e liberais ndash desejavam construir com sua gama

de funcionaacuterios bachareacuteis e juiacutezes ldquonatildeo significava a vontade popular mas o

governo dos melhores dos mais esclarecidos dos mais virtuosos Entre o paiacutes real

e o paiacutes legal soacute o segundo estaria apto a destilar a elite o poder capaz de

modernizar civilizar e elevar o povordquo (FAORO 2004 p 371) o que garantiria uma

modernizaccedilatildeo dos quadros mas natildeo o fim das oligarquias O que vinha acontecendo

eacute a solidificaccedilatildeo de um processo de deslocamento do poder dos chefes locais do

interior para a burocracia estatal sediada na capital para a Corte e auxiliada pelo

recente processo de construccedilatildeo de uma elite intelectual local A concepccedilatildeo de um

paiacutes dividido em povo e plebe que distinguia os chamados ldquohomens bonsrdquo cidadatildeos

ativos detentores de plenos direitos poliacuteticos proprietaacuterios profissionais liberais

produtores enfim algueacutem que fosse possuidor de certa renda da massa pobre sem

alfabetizaccedilatildeo e dependente (BASILE 2006) As ideias migram se modificam um

pouco e se acomodam em lados diversos e as lideranccedilas partidaacuterias assinaladas (e

outras tantas) que conhecem tal fenocircmeno e nele se sustentam fariam de tudo para

evitar que aquele poliacutetico ldquofanadinhordquo e mal-educado se transformasse tambeacutem em

uma nova lideranccedila

Alencar nos anos que seguem ao trabalho no ministeacuterio sente a sauacutede lhe escapar

Eacute uma eacutepoca em que a doenccedila novamente o alcanccedila e o refuacutegio de sua casa na

Tijuca mais as caminhadas ateacute a vista chinesa junto com Machado de Assis se

tornam a melhor opccedilatildeo para recuperar-se A eacutepoca ele retoma um projeto deixado

de lado a pouco a Guerra dos Mascates Romance histoacuterico mas eacute denominado

pelo autor de ldquocomeacutedia histoacutericardquo em que satirizava seus companheiros de gabinete

ndash Alencar comenta em uma nota que natildeo faria tal coisa ndash os colegas deputados e

(natildeo poderia faltar em sua lista) D Pedro II Aproveitando-se de partes do episoacutedio

que eacute bastante documentado no periacuteodo cria uma caricatura da corte e suas ilustres

figuras um arremedo da poliacutetica contemporacircnea Algo como uma vinganccedila particular

a que ningueacutem poderia impetra-lhe culpa

Como uma forma de terapia embarca com a famiacutelia em junho de 1873 para uma

viagem ateacute o Cearaacute onde encontra amigos e um clima revigorante Fica ali por

alguns meses longe dos trabalhos na Corte mas sempre encontrando e

conversando com lideranccedilas poliacuteticas locais diversas sem que ldquoa cor partidaacuteriardquo

criasse algum empecilho Era para todos ali o conselheiro Alencar um filho da

terra Conhece durante esse tempo o jovem Capistrano de Abreu com quem

comeccedila uma grande amizade e aonde jaacute profetiza seu sucesso nas letras no Rio de

Janeiro Volta para casa em novembro e para o trabalho A doenccedila o acompanha

sempre

Alencar retorna a Cacircmara em julho para os debates da reforma eleitoral Apesar do

cansaccedilo e da constante fraqueza muscular eacute ainda um orador fervoroso Combate

veementemente a eleiccedilatildeo direta e sustenta que as reformas poliacuteticas e sociais

cabem a uma iniciativa do ministeacuterio sempre visando um centralismo administrativo

Alencar nunca deixa de guiar-se pelas metas do partido conservador e sabe do

crescimento dos liberais no interior onde a massa votante estaacute nas matildeos dos

proprietaacuterios de terra em sua maioria adeptos do liberalismo e da descentralizaccedilatildeo

do poder Alencar eacute um poliacutetico moderado algueacutem que confia em uma monarquia

constitucional que possa garantir a ordem dentro da heterogeneidade de um paiacutes de

enormes dimensotildees que eacute o Brasil desacreditando assim de qualquer forma

republicana que tendesse a uma descentralizaccedilatildeo de poder e fortalecesse os chefes

locais dispersos pelo territoacuterio do paiacutes

14 UacuteLTIMOS ANOS

No ano de 1875 Alencar sofre as primeiras hemoptises Planeja uma viagem para a

Europa na busca de uma cura para sua sauacutede jaacute bastante debilitada Eacute neste

mesmo ano que retorna agrave Corte vindo de Paris Joaquim Nabuco Jovem bem

educado filho do Senador Nabuco Sua primeira accedilatildeo poliacutetica eacute iniciar-se na

imprensa E assim como Alencar o fez em seu iniacutecio de carreira insurgir contra uma

personalidade consolidada no cenaacuterio literaacuterio e poliacutetico com paus e pedras na matildeo

ndash no caso o nosso biografado - em busca de algum reconhecimento Traz da

Europa um livro de poemas publicado em francecircs que consegue certa

consideraccedilatildeo Assume a redaccedilatildeo dos folhetins do jornal ldquoO Globordquo tecendo criacuteticas

mais centradas nos literatos que agrave literatura ldquodos brasileirosrdquo Joaquim Nabuco

tomava para si o lugar do novo da modernidade da esperanccedila e das ideias novas

O lugar que pertencera ao Alencar por algumas deacutecadas e que havia segundo

Nabuco ficado no passado

A polecircmica que se deu veio da necessidade de Nabuco se afirmar no cenaacuterio da

Corte a partir de um modelo intelectual e artiacutestico que se confrontaria com o

romantismo um realismo baseado nas ideias positivistas e evolucionistas Modelo

natildeo assumido somente por ele mas por toda uma geraccedilatildeo que estava se

estabelecendo Pesavento nos mostra o cenaacuterio

Imbuiacuteda das teorias europeias de Darwin Spencer Comte Taine Renan esta geraccedilatildeo buscava o universal de forma expliacutecita assumindo um cosmopolitismo declarado o Brasil deveria acertar o passo com a histoacuteria ingressando na modernidade de seu tempo A Europa fornecia o padratildeo de refinamento civilizatoacuterio e de patamar cultural Dela vinham as ideias a moda as novas teacutecnicas e o Brasil precisava acompanhar o trem da histoacuteria nem que fosse no uacuteltimo vagatildeo (PESAVENTO 1998 p 27)

Assumir um modelo europeu natildeo era uma novidade Mas como tal modelo se

renova as ideias satildeo ldquoassumidasrdquo pelas novas geraccedilotildees como a pouco nos

referimos sustentando uma continuidade do sistema sem que uma mudanccedila radical

seja conseguida (ou pretendida)

O tema central do debate era a ideia de Nabuco de que a literatura de Alencar

estava superada Comeccedila com o fracasso de puacuteblico da peccedila ldquoo jesuiacutetardquo

apresentada ainda naquele ano Alencar rebate e segue na peleja como era de seu

gosto Natildeo eacute nossa intenccedilatildeo aprofundar aqui uma discussatildeo sobre a literatura do

periacuteodo para noacutes importa a questatildeo qual modelo de sociedade era sustentado por

Alencar e qual era defendido por Nabuco e dos grupos que se instalavam ditos a

geraccedilatildeo de 1870 Foi um momento em que viacutenculos foram criados entre intelectuais

brasileiros e europeus Podemos apresentar uma caracterizaccedilatildeo do periacuteodo na

anaacutelise de Antocircnio Cacircndido mostrando que

()o movimento das novas ideias filosoacuteficas e literaacuterias que comeccedilou mais ou menos em 1870 e se estendeu ateacute o comeccedilo do seacuteculo XX tendo como

nuacutecleo inicial a cidade do Recife capital de Pernambuco e sua Faculdade de Direito Laacute e em outros centros como o Cearaacute e sobretudo o Rio de Janeiro desenvolveu-se um agudo espiacuterito criacutetico voltado para analisar de maneira moderna a sociedade a poliacutetica a cultura do Brasil com inspiraccedilatildeo primeiro no Positivismo de Augusto Comte em seguida nas diversas modalidades de Evolucionismo das quais teve aqui maior voga a filosofia de Herbert Spencer Acrescente-se a divulgaccedilatildeo das novas ciecircncias como Biologia Linguiacutestica Etnografia Antropologia Fiacutesica (CAcircNDIDO 1999 p 51)

Natildeo soacute Nabuco mas tambeacutem escritores como Franklin Taacutevora e Feliciano de

Castilho protagonizaram ataques ao Alencar e suas ideias em favor da escravidatildeo

estavam totalmente distantes do modelo sociais e cientiacuteficos apresentados Alencar

era a pedra da vez e seu estado de sauacutede debilitado provavelmente contribui pra

piorar o humor do genioso deputado A literatura precisava deixar o reino do

simboacutelico e chegar-se para a realidade representada pelo cientificismo Alencar

refuta as acusaccedilotildees porque acredita no que escreve natildeo eacute um cientista e nem

pretende ser O que tem em mente natildeo eacute tatildeo somente a anaacutelise do real mas uma

possibilidade de ldquomelhorarrdquo o real moralizando-o Influenciar a sociedade em busca

sempre de um caminho de purificaccedilatildeo do social

O debate aberto interessa aos dois Alencar um pouco desgastado pelos recentes

arranhotildees da poliacutetica e Nabuco buscando ainda o reconhecimento do puacuteblico

Precisam do jornal Precisam de um veiacuteculo que os fortaleccedila frente agrave opiniatildeo

puacuteblica construindo ali sua arena de luta Eacute no jornal que as ideias alcanccedilam um

puacuteblico variado e seleto visto que a alfabetizaccedilatildeo do povo natildeo era um fato mas

tambeacutem natildeo podemos cair no mito do analfabetismo ldquototalrdquo da populaccedilatildeo em que

ainda natildeo seja possiacutevel atingir um grupo tamanho que haacute de se considerar enquanto

uma opiniatildeo puacuteblica como prova disso temos a venda de livros ndash romances de

folhetim em sua maioria para o periacuteodo ndash e a presenccedila de salas de leitura e

bibliotecas onde jaacute se cativava um puacuteblico fiel entre mulheres e estudantes24 e o

proacuteprio Alencar admite ter na infacircncia lido para grupos Era comum em

estabelecimentos comerciais e mesmo em casa de famiacutelia uma leitura coletiva de

24 Eacute interessante uma consulta a o trabalho de Sandra G Vasconcelos sobre a formaccedilatildeo do

romance no Brasil e o levantamento sobre os romances ingleses em circulaccedilatildeo no Brasil no XIX

jornais informando as notiacutecias aos que natildeo satildeo alfabetizados o que possibilitava

que as informaccedilotildees e opiniotildees chegassem a grupos maiores (SCHWARCZ 1999)

A guerra que deixa de ser particular e toma agrave imprensa Nabuco representa a

proposta de um novo liberalismo que vai ganhando corpo a partir do final da deacutecada

de 1860 que se contrapotildee ao nacionalismo conservador concebido na obra de

Alencar Depois de dois meses o debate termina sem necessariamente abalar

quaisquer dos lados Nabuco se retira para tentar a poliacutetica e Alencar deixa-se estar

ateacute maio seguinte quando embarca com a famiacutelia para a Europa Sofrendo de

depressatildeo a viagem o angustia Paris Londres Portugal Alencar estaacute velho

consumido pela doenccedila pulmonar Soacute melhora um pouco com a volta ao Rio de

janeiro Agrave Tijuca

Alencar ainda combate na Cacircmara Eacute eleito para um quarto mandato como

Deputado Com a sauacutede jaacute muito debilitada natildeo comparece a todas as seccedilotildees e

diminui as saiacutedas de sua casa para os costumeiros passeios Uma descriccedilatildeo

construiacuteda por Lira Neto nos daacute uma clara visatildeo de Alencar nesse momento em que

a tuberculose jaacute chegara agrave situaccedilatildeo terminal

() era impressionante como o homem definhara nos uacuteltimos meses Virara uma garatuja

Os olhos miuacutedos haviam perdido o brilho caracteriacutestico e agora praticamente sumiam em meio as negras olheiras Na outrora vasta cabeleira uma entrada pronunciada alongava-lhe a testa e ajudava a conferir-lhe o ar de velhice precoce A barba tomava conta do rosto magro e descera abundante sobre o peito a ponto de os fios desgrenhados esconderem-lhe o noacute da gravata Tinha apenas 48 anos de idade Parecia ter no miacutenimo vinte a mais (NETO 2006 p13)

Jaacute natildeo eacute mais o mesmo poliacutetico agressivo mas ainda encontra focirclego para se

arranhar com Caxias ndash entatildeo chefe do executivo ndash e mais uma vez com Cotegipe

arrancando aplausos e risos do plenaacuterio sempre com suas criacuteticas bem vivas a

famiacutelia real Haacute de se admitir que houvesse um pouco de rancor pela sua natildeo

indicaccedilatildeo para o senado que lhe acompanharia ateacute os uacuteltimos dias de vida

aguccedilando sua ldquoimplicacircnciardquo e por vezes chegando a contradiccedilotildees como quando

ataca seu proacuteprio partido enquanto o Imperador passeava pelo mundo com parte da

famiacutelia A regente Isabel tambeacutem natildeo lhe enchia os olhos Se natildeo era alvo

constante de suas criacuteticas eacute porque pouca importacircncia lhe dava o deputado

Em abril de 1877 chega agrave capital notiacutecia da seca que castiga a proviacutencias do Cearaacute

e vizinhas como natildeo acontecia a deacutecadas Vai agrave tribuna o Alencar para pedir

esclarecimentos aos Ministros sobre a situaccedilatildeo real da regiatildeo e cobrar providecircncias

Os jornais de Fortaleza acusam o conselheiro de descaso ao mesmo tempo em que

este se propotildee a recolher junto a uma comissatildeo donativos para as viacutetimas

Tambeacutem algumas folhas do Rio de Janeiro que divulgam litografias sobre os

retirantes chamam a responsabilidade Vale lembrar que Joseacute do Patrociacutenio um

dos jornalistas responsaacuteveis pela divulgaccedilatildeo do problema da seca no Cearaacute eacute um

abolicionista ferrenho Eacute notoacuterio que Alencar piora dia a dia sentindo-se desprezado

ateacute por seus colegas do partido Natildeo se propotildee mais ao debate puacuteblico e deixa por

menos as provocaccedilotildees dirigidas a ele Sua preocupaccedilatildeo eacute com a famiacutelia com o

desamparo que pode vir a acorrer em funccedilatildeo de sua morte Vai definhando

lentamente abandona de vez a caminhada pelo passeio puacuteblico e tambeacutem se

distancia dos amigos eacute quando a doenccedila finalmente o alcanccedila Aos 12 dias de

dezembro de 1877 falece Joseacute de Alencar Agraves 10 horas da manhatilde do seguinte dia

seu corpo eacute levado em cortejo ateacute o cemiteacuterio de Satildeo Francisco Xavier aonde vem a

ser sepultado por um pequeno grupo de jornalistas e amigos proacuteximos O imperador

se dirigindo agrave Petroacutepolis na ocasiatildeo ndash como o fazia habitualmente - do falecimento

ao ser comunicado reage com uma expressatildeo ressentida ldquoHomem de valor

Poreacutem muito mal-educadordquo (MENEZES 1965)

O necroloacutegio eacute escrito por Capistrano de Abreu e estampado na primeira paacutegina da

ldquoGazeta de Notiacuteciasrdquo mas sem a assinatura do autor Eacute o primeiro trabalho

publicado por Capistrano de Abreu na imprensa carioca O novo jornalista viria a

fazer o sucesso que Alencar profetizara e ainda mais como escritor Poliacutetica eacute

assim Mesmo com sua morte o deputado elege um ldquofilhoterdquo25

25 Na giacuteria eleitoral do periacuteodo filhote era o candidato apadrinhado por algum liacuteder poliacutetico

2 CONJUNTURA POLIacuteTICA DO II REINADO

Os infelizes natildeo andam na rua do Ouvidor

De um Editorial da ldquoGazeta da tarderdquo

Depois de conhecermos por meio de sua biografia o Alencar eacute importante que

possamos nos deter nos campos de atuaccedilatildeo de Alencar enquanto poliacutetico e

enquanto um intelectual que pretende atingir a opiniatildeo puacuteblica com suas ideias

Lembramos aqui que nos baseando nos textos de Gramsci (1989) entendemos o

intelectual como a figura que faz a ligaccedilatildeo entre a da elite com o povo Na verdade

eacute o intelectual que iraacute construir uma relaccedilatildeo de confianccedila com os vaacuterios segmentos

sociais na sociedade para a divulgaccedilatildeo e manutenccedilatildeo da ideologia dos grupos que

formam essa elite no poder Para tanto cabe o exame de tais pontos as elites a

imprensa os intelectuais e a opiniatildeo puacuteblica em uma relaccedilatildeo dialeacutetica que

necessariamente apresenta um discurso em forma de tese e a partir de uma

antiacutetese observada recreia seu discurso na forma de siacutentese Os elementos acima

descritos existem de forma separada o que os agrega eacute tatildeo somente o trabalho de

Alencar Portanto funcionam como em uma pintura feita na forma de um poliacuteptico

onde os de os elementos que a compotildeem tem uma existecircncia individual isolada

mas quando unidas ou justapostas criam um novo conjunto de significaccedilotildees Eacute o

acircmbito da esfera puacuteblica Cabe lembrar que a esfera puacuteblica burguesa eacute uma

categoria tiacutepica de uma eacutepoca caracterizada como sociedade burguesa A esfera

puacuteblica deve ser entendida como categoria histoacuterica drsquoonde seu uso na sociedade

da corte no Rio de Janeiro no segundo reinado A burguesia eacute o fulcro deste puacuteblico

caracterizado fundamentalmente como o puacuteblico que tem condiccedilotildees de ler tem uma

educaccedilatildeo tem direitos e deveres na sociedade bem como consegue ser

reconhecido como um igual entre seus pares E eacute este reconhecimento que permite

com que haja alguma alteridade e suas vozes sejam reconhecidas Para Habermas

algueacutem soacute faz parte de uma esfera puacuteblica enquanto portador de uma ldquoopiniatildeo

puacuteblicardquo (HABERMAS 2003)

Para um entendimento mais consistente do periacuteodo de nosso recorte iniciaremos

aqui apresentando uma visatildeo geral sobre o segundo reinado e os acontecimentos

que formam o complexo cotidiano apresentado por Joseacute de Alencar em suas cartas

poliacuteticas

21 UMA VISAtildeO GERAL

O segundo reinado considerando o periacuteodo regencial se estende de 1831 ateacute 1889

D Pedro II eacute entronado com o golpe da maioridade promovido pelos liberais da qual

o senador Alencar ndash pai de Joseacute de Alencar - fez parte em julho de 1840 Uma

caracteriacutestica marcante que talvez ajude a compreender melhor esse periacuteodo eacute o

fato de o Imperador nunca ter aberto matildeo do poder moderador ndash um adendo incluiacutedo

por seu pai na constituiccedilatildeo liberal de 1824

A alternacircncia de partidos no poder foi uma constante Durante os cinquenta anos em

que governa D Pedro II se sucederam 36 gabinetes ministeriais Nas crises de

governabilidade entre interesses partidaacuterios e as determinaccedilotildees do imperador os

ministeacuterios eram alternados e o partido opositor tornava-se situaccedilatildeo Poreacutem eacute valido

ressaltar que as diferenccedilas entre liberais e conservadores natildeo representavam os

anseios da populaccedilatildeo mas os interesses de elites que disputavam o poder As

eleiccedilotildees para o legislativo eram manipuladas pelo grupo da situaccedilatildeo de acordo com

seus interesses particulares e em geral marcadas por fraudes (FAORO 2004)

O partido liberal fica poucos meses na administraccedilatildeo apoacutes o golpe e logo em 1841

temos a primeira vitoacuteria dos conservadores a restituiccedilatildeo do Conselho de Estado

Abolido pelo Ato Adicional de 1834 este retorna para ampliar mais ainda os poderes

do Executivo em detrimento da autonomia poliacutetica das proviacutencias Em retaliaccedilatildeo os

liberais organizam algumas revoltas contra o governo em Satildeo Paulo Rio de Janeiro

e em Minas Gerais

Em 1844 ordens imperiais afastam os Conservadores do poder e retornam os

Liberais a compor com Pedro II Em 1847 eacute criado o cargo de presidente do

Conselho de Ministros que teria a tarefa de nomear os demais ministros Eacute a

instituiccedilatildeo do parlamentarismo brasileiro Poreacutem o modelo parlamentar adotado no

Brasil era atiacutepico justamente pela accedilatildeo do imperador (o poder moderador) de

tambeacutem nomear ministros ndash ou desautoriza-los ndash a sua vontade D Pedro II escolhia

o presidente do conselho e este por sua vez escolhia os ministros Eacute o chamado

ldquoParlamentarismo agraves Avessasrdquo a consolidaccedilatildeo de uma nova fase de centralizaccedilatildeo

poliacutetica Mas natildeo deixa de ser um progresso na medida em que no periacuteodo anterior

o imperador simplesmente nomeava todos eles Com o ministeacuterio composto restava

a aprovaccedilatildeo dos parlamentares na Cacircmara dos Deputados Poreacutem detendo o

imperador a prerrogativa de dissolver os gabinetes ministeriais como condiccedilatildeo para

formaccedilatildeo de outro ministeacuterio dependendo da ocasiatildeo e da conjuntura poliacutetica e

como o fez D Pedro I ateacute de dissolver a cacircmara tudo era negociado com muita

cautela As reformas buscam agradar os diversos grupos existentes em um sistema

de troca de favores onde o imperador usava da distribuiccedilatildeo de cargos puacuteblicos e a

cooptaccedilatildeo de lideranccedilas da oposiccedilatildeo o que acaba por criar uma aparecircncia de

legalidade ao processo eleitoral e manter certa ordem evitando excessos como do

episoacutedio das ldquoeleiccedilotildees do caceterdquo logo no iniacutecio de sua administraccedilatildeo onde a

violecircncia toma forma de pressatildeo sobre o eleitorado (GRAHAM 1997) A proposta

era inserir o Paiacutes no conjunto das naccedilotildees civilizadas e adeptas da democracia

representativa mas natildeo eacute bem assim que acontecia O presidente da proviacutencia era

uma figura fundamental no processo eleitoral cabendo a ele garantir a vitoacuteria do

governo no pleito Alguns eram trocados estrategicamente pouco tempo antes das

eleiccedilotildees com o poder de afastar substituir e ateacute determinar a aposentadoria

antecipada de juiacutezes anular resultado das apuraccedilotildees e preencher atas eleitorais

com nomes de sua preferecircncia Era comum listarem-se eleitores falecidos ou natildeo

aparecerem eleitores do partido opositor Esse comportamento decorre das

perturbaccedilotildees experimentadas durante o Periacuteodo Regencial onde diversos conflitos

regionais se espalharam pelo paiacutes em oposiccedilatildeo agraves decisotildees tomadas pelo governo

central Enquanto isso a soluccedilatildeo era dissolver e reorganizar o gabinete dando uma

impressatildeo de que as coisas iriam ser ldquodiferentesrdquo Geralmente o conselho de

ministros natildeo chegava a ficar mais de dois anos no poder Ao longo de todo o

governo de D Pedro II os conservadores estiveram agrave frente do gabinete por vinte e

noves anos e os liberais por dezenove anos (CARVALHO 2007) garantindo uma

aparecircncia democraacutetica para um governo conservador Em 1853 Carneiro Leatildeo

estabelece o Ministeacuterio da Conciliaccedilatildeo com a finalidade de ampliar a interaccedilatildeo dos

dois partidos no governo brasileiro O ldquoconluiordquo durou ateacute 1858

Mas o paiacutes eacute pacificado Cessaram as rebeliotildees provinciais que tiveram iniacutecio na

regecircncia e ameaccedilavam a consolidaccedilatildeo do Estado brasileiro Duas dessas rebeliotildees

eclodiram ainda no periacuteodo regencial e tiveram seu termo com D Pedro II a

balaiada em 1841 e a farroupilha em 1845 A uacutenica grande revoluccedilatildeo posterior foi a

praieira em 1848 na proviacutencia de Pernambuco mas durou ateacute 1849 A paz

conseguida favoreceu a consolidaccedilatildeo dos interesses da classe dominante

representada pelos grandes proprietaacuterios rurais dos quais dependia o impeacuterio Tais

grupos defendiam a manutenccedilatildeo da escravidatildeo e a ausecircncia da participaccedilatildeo popular

nas decisotildees poliacuteticas Suas divergecircncias estavam centradas mais nos interesses

econocircmicos e poliacuteticos locais

Durante o Segundo Reinado o Brasil se envolveu em trecircs conflitos armados com

paiacuteses fronteiriccedilos da regiatildeo Platina Em 1851 teve iniacutecio a Guerra contra Oribe e

Rosas Esse conflito envolveu a Argentina e o Uruguai (paiacutes que pertenceu ao Brasil

ateacute 1828) Em 1851 Oribe liacuteder do Partido Blanco tomou o poder no Uruguai e

com o apoio de Rosas ditador argentino bloqueou o porto de Montevideacuteu

prejudicando o comeacutercio brasileiro na bacia Platina As tropas brasileiras

comandadas por Caxias aliaram-se ao exeacutercito liderado por poliacuteticos rivais a Oribe e

Rosas O Brasil sai por fim como vitorioso da Guerra o ano eacute o de 1852

Em 1864 desponta a Guerra contra Aguirre liacuteder do Partido Blanco e governante do

Uruguai Tem iniacutecio depois que os uruguaios promoveram vaacuterias invasotildees ao Rio

Grande do Sul roubando o gado dos fazendeiros gauacutechos O ministeacuterio organiza o

exeacutercito sob o comando de Tamandareacute e do marechal Mena Barreto Com o apoio

de tropas opositoras do governo de Aguirre o Brasil consegue a vitoacuteria e transfere o

governo para o liacuteder do Partido Colorado Venacircncio Flores O conflito armado mais

longo e violento do periacuteodo foi a Guerra do Paraguai indo de 1864 ateacute 1870 O

Paraguai era o paiacutes mais proacutespero da regiatildeo Contava ainda com uma moeda forte e

uma economia industrial como bases para um bem-sucedido desenvolvimento

nacional

Quando o ditador Solano Loacutepez chegou ao poder colocou em praacutetica uma poliacutetica

expansionista que pretendia ampliar o territoacuterio do Paraguai tomando terras do

Brasil Argentina e Uruguai Solano Loacutepez tinha como objetivo formar o Grande

Paraguai A guerra teve iniacutecio quando tropas paraguaias invadiram o territoacuterio

brasileiro e argentino Formou-se entatildeo a Triacuteplice Alianccedila que unia militarmente o

Brasil Argentina e Uruguai para lutar contra o Paraguai Para Fausto (2001) os

interesses ingleses tambeacutem estavam em pauta com a necessidade de garantirem-

se mais mercados e evitar o desenvolvimento de concorrentes a Inglaterra foi

grande incentivadora do conflito As lutas foram intensas terminando somente em

1870 com a invasatildeo de Assunccedilatildeo e a perseguiccedilatildeo e morte de Solano Loacutepez Para o

Paraguai as consequecircncias da guerra foram desastrosas devido agrave destruiccedilatildeo de sua

economia industrial e a morte de cerca de 80 da populaccedilatildeo (FAUSTO 2001)

Mesmo vitorioso o Brasil saiu com diversos problemas econocircmicos pois teve que

pedir grandes somas de dinheiro emprestadas para a Inglaterra o que aumentou

sua diacutevida externa Tambeacutem a poliacutetica de manutenccedilatildeo da escravidatildeo se viu em um

paradoxo como escravos podem ir para as fileiras lutar pela liberdade de uma

naccedilatildeo se eles individualmente natildeo possuem direito a liberdade Muitos escravos

foram alforriados para lutarem na guerra e tantos outros lutaram na esperanccedila de

receber uma posterior alforria ndash considerando que pela legislaccedilatildeo alguns cidadatildeos

alistados natildeo querendo fugir de suas obrigaccedilotildees para com o paiacutes - poderiam

mandar seus escravos para tomar ldquoseurdquo lugar na guerra (MATTOS 2000)

As dificuldades financeiras do Impeacuterio e a necessidade de apresentar uma soluccedilatildeo

para o problema da escravidatildeo apressaram a queda de D Pedro II visto que seu

uacuteltimo pilar de sustentaccedilatildeo estava no apoio dos fazendeiros que praticavam a

agricultura de exportaccedilatildeo baseada na matildeo-de-obra escrava

Um dos momentos de crise mais aguda na poliacutetica eacute sentido com a deposiccedilatildeo do

gabinete Zacarias de Goacuteis pelo Imperador - atribuiccedilatildeo garantida ao poder

moderador mas natildeo muito bem resolvida na ocasiatildeo D Pedro II vai ao conselho e

os votos depois de uma fala decisiva de Nabuco de Arauacutejo satildeo favoraacuteveis agrave

deposiccedilatildeo do gabinete26 A conciliaccedilatildeo agrupando os partidos em torno do trono

fortalecia o centro do poder em detrimento do poder local nas proviacutencias e logo

apoacutes a regecircncia ela vai desaparecendo em funccedilatildeo do personalismo descolado de

algum programa partidaacuterio Pode-se perceber que ldquoo desenvolvimento econocircmico e

as mudanccedilas sociais que ocorreram no paiacutes a partir dos anos 1850 trouxeram para a

arena poliacutetica novos grupos de interesse tornando impossiacutevel manter a alianccedila entre

os dois partidosrdquo (COSTA 1999 p162) A elite agraacuteria que dirigia os rumos do paiacutes

daacute lugar paulatinamente a uma elite de letrados urbanos uma nova geraccedilatildeo que se

forma lentamente no Brasil associada a uma classe meacutedia dissolvida nas camadas

de um estamento burocraacutetico que vem segundo Faoro (2004) transplantado quase

que integralmente para o Brasil e que lhe daacute o necessaacuterio suporte a existecircncia A

queda do ministeacuterio liberal em 1868 e sua substituiccedilatildeo por um gabinete conservador

gera uma crise que culmina em um manifesto em favor de vaacuterias mudanccedilas no

sistema poliacutetico como a exigecircncia da descentralizaccedilatildeo de eleiccedilotildees diretas contra a

vitaliciedade do senado a favor do sufraacutegio universal da liberdade religiosa e de

muitas outras mudanccedilas pretendidas Eacute a fase aacuteurea do impeacuterio que vecirc seu decliacutenio

iniciar-se depois da guerra do Paraguai

Observando a economia um dos fatores da estabilidade econocircmica e poliacutetica

do paiacutes no periacuteodo imperial foi o desenvolvimento do cafeacute dando um novo

impulso para a economia agroexportadora Durante o primeiro reinado a elite

agraacuteria estava ainda concentrada no nordeste accedilucareiro mas aos poucos a

produccedilatildeo em larga escala do cafeacute - que comeccedilou no Rio de Janeiro em 1930 em

Angra dos Reis e Mangaratiba ndash vem mudando as posiccedilotildees no jogo As plantaccedilotildees

avanccedilam para o vale do rio Paraiacuteba possibilitando pelo volume da produccedilatildeo que

aumentaria gradualmente nos anos seguintes partir para a exportaccedilatildeo Em meados

de 1850 a lavoura cafeeira se expande para o Oeste paulista favorecida pelas

condiccedilotildees do solo (FAUSTO 2001) mas o cultivo exigia a manutenccedilatildeo da matildeo de

obra escrava que ainda era considerada como muito lucrativa Sabe-se poreacutem que 26 A questatildeo colocada se refere (resumidamente) a um desentendimento de Caxias no comando

das tropas no Paraguai e Zacarias de Goacuteis entatildeo na chefia do gabinete Faoro (2004) argumenta

que apesar de D Pedro II ter consultado o conselho sobre o fato e ter seguido a diretriz

recomendada eacute acusado de usar arbitrariamente o Poder Moderador para a retirada dos liberais

com a proibiccedilatildeo do traacutefico negreiro - jaacute exigido pela Inglaterra ao governo brasileiro

ainda no primeiro reinado como uma das condiccedilotildees para aceitaccedilatildeo da

independecircncia - chegar-se-ia inevitavelmente ao fim o trabalho escravo no Brasil

mas a elite dominante adiou o quando pocircde a aboliccedilatildeo da escravidatildeo no paiacutes Para

tanto o impeacuterio relutava em cumprir os acordos leis e tratados firmados Como

forma de solucionar o problema da crescente escassez de matildeo de obra os

fazendeiros recorreram inicialmente ao traacutefico interno de escravos Quando do

agravamento do problema os fazendeiros paulistas comeccedilam uma poliacutetica de

incentivo agrave imigraccedilatildeo de colonos europeus (havia outras opccedilotildees como chineses

aos quais Joaquim Nabuco tinha verdadeira ojeriza) que passariam a trabalhar sob

o regime assalariado A troca foi gradual e lenta Diversas leis foram aprovadas ndash

sob pressatildeo ndash no decurso do tempo como a Lei de 7 de novembro de 1831 ndash Lei

Feijoacute a lei Euseacutebio de Queiroz a Lei do Ventre livre e adiante ateacute a aboliccedilatildeo total

em 1888 Mas o primeiro golpe seacuterio eacute sentido em 1851 como resultado da pressatildeo

inglesa Esta se sente de forma efetiva desde os acordos firmados com D Pedro I

para o reconhecimento da Naccedilatildeo ateacute o iniacutecio da vigilacircncia dos mares pela marinha

inglesa atraacutes de traficantes de escravos em navios de bandeira brasileira

No Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo o escravo era utilizado nas plantaccedilotildees de cafeacute e

cana-de-accediluacutecar aqueles que possuiacuteam ou aprendiam uma profissatildeo bem como

tinham capacidade para desenvolver atividades comerciais eram utilizados nos

chamados ldquotrabalhos de ganhordquo e nos diversos trabalhos domeacutesticos nas cidades

Mas seu trabalho na lavoura no periacuteodo de nosso recorte ainda eacute imprescindiacutevel

para a expansatildeo da cafeicultura O cafeacute viria a tornar-se o principal produto de

exportaccedilatildeo brasileiro estimulando a industrializaccedilatildeo e a urbanizaccedilatildeo Fatores como

a expansatildeo do creacutedito atraveacutes de uma reforma bancaacuteria e ndash com o fim do traacutefico ndash a

aplicaccedilatildeo dos capitais desse comeacutercio em operaccedilotildees financeiras as mais diversas a

qual forneceu recursos para a formaccedilatildeo de novas aacutereas de plantaccedilatildeo e a ampliaccedilatildeo

das redes ferroviaacuterias em Satildeo Paulo que reduziram o custo de transporte para os

proprietaacuterios no interior paulista foram decisivos Para os interesses dessa classe

de ricos proprietaacuterios rurais paulistas que se forma a monarquia centralizadora -

sediada no Rio de Janeiro e apoiada pelos senhores de engenhos nordestinos e

cafeicultores do vale do Paraiacuteba - jaacute natildeo era uacutetil Com isso surgiram novos grupos e

classes sociais portadoras de novas demandas e interesses e de muito dinheiro

Na vida social Renault (1976) sustenta que a invasatildeo do luxo se consolida por volta

da deacutecada de 1850 Cabeleireiros alfaiates modistas perfumistas e floristas

construiacuteam uma realidade de consumo ateacute entatildeo desconhecida aqui O

endividamento tambeacutem toma conta da cidade como forma de se integrar a vida

social o que vem a causar desequiliacutebrios no orccedilamento domeacutesticos Um anuacutencio

assinado por certo ldquoMr Gadetrdquo e publicado ainda na deacutecada de 1840 no Jornal do

Comeacutercio prevenia os negociantes da Rua do Ouvidor que ele natildeo se

responsabilizaria pela vendas de objetos a creacutedito- possivelmente para sua esposa e

familiares - sem seu consentimento (RENAULT 1976)

A cidade se renovava e as pessoas viviam o luxo vindo direto da Europa para as

suas casas na maacutequina a vapor nas primeiras ferroviais na evoluccedilatildeo social com os

bondes e a integraccedilatildeo maior das periferias na iluminaccedilatildeo a gaacutes aleacutem da moda em

si que traz novos haacutebitos As viagens pela Europa para as famiacutelias mais abastadas

se torna algo possiacutevel e ateacute comum Mas o contraste eacute visiacutevel Em crocircnicas dos

jornais apresenta-se o melhor de Paris mas escrito em um ldquopeacutessimo francecircsrdquo pelos

jornalistas As salas de leitura e as livrarias recheadas de obras claacutessicas - algumas

de elevado niacutevel cultural e tiacutetulos em liacutengua estrangeira - esbarram no alto iacutendice de

analfabetismo satildeo 10 livrarias soacute no Rio de janeiro na deacutecada de 1850 (mas que

tambeacutem indica a quantidade de europeus ndash ingleses espanhoacuteis franceses e outros

ndash agora residindo no Brasil) e ao mesmo tempo as casas de famiacutelia ainda natildeo tem

um sistema de aacutegua encanada

Segmentos das elites nas deacutecadas de 60 e 70 passariam a contestar o regime

monaacuterquico atraveacutes dos movimentos republicano e abolicionista Mesmo alguns

fazendeiros que defenderam tenazmente a escravidatildeo progressivamente tornam-se

adeptos dos princiacutepios federalistas contidos nos ideais do movimento republicano

quando a situaccedilatildeo lhes era mais favoraacutevel economicamente Mesmo porque a

oposiccedilatildeo burguesia-aristocracia setores urbanos versus setores rurais caracteriacutestica

de outras sociedades natildeo se manifesta no Brasil com a mesma intensidade que em

paiacuteses europeus visto que o antagonismo que se registrou na Europa e gerou

alguns dos mais importantes movimentos revolucionaacuterios do periacuteodo entre burguesia

empresarial e aristocracia agraacuteria aqui era menos consistente Pela metade do

seacuteculo dezenove jaacute teriacuteamos fazendeiros com uma visatildeo mais progressista

apostando na matildeo de obra livre em melhorias no processo produtivo e ao mesmo

tempo uma parcela da burguesia que passa a comprar terras e participar

(associativamente ou mesmo por laccedilos familiares que viessem a ser criados) da

vida e do trabalho na propriedade rural Haacute uma tendecircncia maior entre as elites a

uma formaccedilatildeo de laccedilos de proteccedilatildeo muacutetuos (COSTA 1999)

Lembramos tambeacutem que o manifesto do Partido Liberal de 1868 previa a aboliccedilatildeo

apesar de natildeo haver um movimento organizado para isto Jaacute o Partido Conservador

silenciou sobre o assunto mas foi sob a administraccedilatildeo de gabinetes conservadores

que as leis abolicionistas vieram a acontecer (SKIDMORE 1989)

Golpe a golpe a monarquia vai perdendo sua legitimidade Aleacutem disso a partir da

deacutecada de 1870 o regime monaacuterquico entra em conflito com duas instituiccedilotildees

importantes que formavam outras duas bases de sustentaccedilatildeo do regime o Exeacutercito

e a Igreja Catoacutelica Entre os militares o positivismo pregava a liberdade e uma

postura moral que natildeo condizia com as antigas ideias escravocratas

O movimento proacute-repuacuteblica no Brasil que cresceu ao longo do periacuteodo tomava

proporccedilotildees irreversiacuteveis mas para que a alteraccedilatildeo na forma de governo se desse de

forma democraacutetica seria necessaacuterio uma Assembleia Geral majoritariamente

republicana o que natildeo deveria ocorrer posto que a populaccedilatildeo ainda apoiasse o

imperador e com a lei aacuteurea tinha-se medo do descontentamento dos escravos

com o possiacutevel fim da monarquia podendo acarretar uma revolta popular

(SCHWARCH 1999) Cientes desse problema os republicanos viram-se obrigados

a apelar para o ataque direto em associaccedilatildeo com militares de alta patente Em 15 de

novembro de 1889 D Pedro II foi deposto do trono e embarca para a Europa com a

famiacutelia no dia 17 de novembro sem alardes e sem despedidas puacuteblicas que

pudessem suscitar manifestaccedilotildees Eacute a partir desta alianccedila entre os proprietaacuterios

rurais do oeste paulista e os quadros da elite militar do Exeacutercito que chega no fim do

seacuteculo XIX a Repuacuteblica ao Brasil

22 O ESTADO DA ARTE DA IMPRENSA NO OITOCENTOS

Mas o oitocentos em meio a toda essa agitaccedilatildeo tambeacutem eacute um periacuteodo de

consolidaccedilatildeo da ldquopropostardquo de um paiacutes chamado Brasil um paiacutes novo natildeo mais

uma colocircnia detentor de um ideal proacuteprio que o substantiva em meio agraves outras

naccedilotildees como um ldquoigualrdquo entre elas D Pedro II em seus melhores anos vecirc e

estimula a extrema agitaccedilatildeo onde se busca em algumas ideias ou programas

poliacuteticos e culturais importados de outras naccedilotildees e (soacute algumas vezes) devidamente

adaptados para a ldquocor nacionalrdquo uma identidade para o Brasil Estamos mesmo

para usar uma expressatildeo de Antony Giddens (1991) na periferia

Apesar disso a identidade que se busca deve estar concernente com os elementos

os quais ela pretende representar que satildeo as elites que deteacutem o poder a partir de

1822 composta por comerciantes traficantes fazendeiros e elementos a estes

ligados interessados na grande propriedade agroexportadora e no traacutefico de

escravos e dos grupos de pressatildeo que com o tempo iram se aproximando e

afastando deste nuacutecleo inicial (COSTA 1999) buscando uma acomodaccedilatildeo

adequada durante todo o impeacuterio Schwarcz (1999) nos lembra de que na confecccedilatildeo

da primeira bandeira do Brasil imperial D Pedro I jaacute apostava nos ramos de cafeacute

ladeando o brasatildeo central como um siacutembolo nacional mesmo antes do cafeacute se

configurar como a riqueza que veio a ser

Os primeiros prelos chegam ao Brasil com D Joatildeo VI e natildeo havia uma imprensa no

Brasil no periacuteodo anterior Sodreacute (1999) registra uma pequena tipografia instalada no

Recife em 1706 sob autorizaccedilatildeo do governador da Proviacutencia Francisco de Castro

Morais mas jaacute em 08 de Junho do mesmo ano uma carta reacutegia potildee fim a empresa

Em 1746 novamente com autorizaccedilatildeo de um governador local ndash Gomes Freire ndash

transfere-se de Lisboa o impressor Antocircnio Isidoro da Fonseca para o Rio de Janeiro

e consegue por um breve tempo colocar em atividade pequena oficina tipograacutefica

que sob uma ordem reacutegia foi fechada e queimada Portugal natildeo queria uma

propagaccedilatildeo de ideias ldquoimproacutepriasrdquo dentro da colocircnia e tudo faria para evitar que isto

acontecesse Em Portugal as Ordenaccedilotildees Filipinas determinavam a proibiccedilatildeo da

impressatildeo de qualquer obra que natildeo passe pela censura dos desembargadores do

Paccedilo e dos oficiais do santo Ofiacutecio da Inquisiccedilatildeo (SODREacute 1999) A partir do

segundo quartel do seacuteculo XVII a igreja intensifica a fiscalizaccedilatildeo do conteuacutedo de

obras impressas ateacute que Pombal toma a frente e substitui a pratica pela instituiccedilatildeo

da ldquoReal Mesa Censoacuteriardquo que vigora de 1768 ateacute 1787 Os livros de conteuacutedo

classificado como proibido constituem bibliotecas particulares de alguns letrados e

geralmente satildeo impressas em outro paiacutes entrando em Portugal da mesma forma

que na colocircnia por meio de navios ingleses e franceses em forma de contrabando

Papeacuteis jornais e livros eram vendidos no cais por marinheiros a poliacutecia fiscalizava

livrarias e livreiros mas talvez toda essa pressatildeo acabasse por incentivar a criaccedilatildeo

de sociedades literaacuterias (e tambeacutem nas lojas maccedilocircnicas onde a natildeo se praticava um

pacircnico por autores franceses) onde era possiacutevel procurar e encontrar tiacutetulos

censurados Com a abertura dos portos em 1808 o comeacutercio ilegal se intensifica e a

situaccedilatildeo soacute melhora com a instalaccedilatildeo efetiva da Imprensa Reacutegia O Correio

Braziliense o primeiro jornal a discutir o cotidiano poliacutetico do Brasil e que tem seu

primeiro nuacutemero em junho de 1808 eacute produzido em Londres onde os olhos da

censura e da inquisiccedilatildeo natildeo alcanccedilam o redator tatildeo facilmente

As razotildees do atraso no desenvolvimento de uma imprensa no Brasil ultrapassam os

limites poliacuteticos descritos para esbarrar tambeacutem no problema tecnoloacutegico e de uma

cultura de censura preacutevia para os jornais Mesmo em Portugal nos conta Romancini

(2007) o jornalismo foi precedido pela publicaccedilatildeo sem periodicidade de folhas

impressas chamadas relaccedilotildees ou notiacutecias avulsas no final do seacuteculo XVI Apesar

das primeiras Gazetas de periodicidade mensal circularem desde a metade do

seacuteculo XVII dando iniacutecio assim a uma periodicidade para a publicaccedilatildeo de notiacutecias

impressas ateacute meados do seacuteculo seguinte ainda se conviveria com gazetas

manuscritas O primeiro jornal diaacuterio em Portugal seraacute o Diaacuterio Lisbonense de 1809

portanto posterior a vinda da famiacutelia real para o Brasil e a todo um conjunto de

mudanccedilas que isto viria a acarretar

Eacute sob a responsabilidade Antocircnio de Arauacutejo futuro Conde da Barca que chega ao

Brasil o material para uma oficina tipograacutefica ndash comprado na Inglaterra para a

Secretaria de Estrangeiros e da Guerra e que natildeo havia sido ainda instalado em

Portugal devido ao periacuteodo conturbado da transferecircncia da Corte para o Brasil D

Joatildeo ao saber do acontecido manda abrir a empresa para atender as necessidades

da coroa e possivelmente conseguir algum rendimento (a impressatildeo de cartas de

baralho para o divertimento das famiacutelias viria a trazer um bom lucro para a coroa)

Em ato real o priacutencipe determinava que uma junta apropriada examinasse os

materiais que solicitassem a impressatildeo e publicitaccedilatildeo para que nada se produzisse

de ofensivo contra a religiatildeo o governo ao aos bons costumes (SODREacute 1999) Em

10 de setembro de 1808 sai o primeiro nuacutemero da ldquoGazeta do Rio de Janeirordquo Um

jornal oficial que apesar de natildeo ter um conteuacutedo inovador marca o momento inicial

dos jornais impressos aqui

O ano de 1821 eacute relevante para a histoacuteria da imprensa brasileira Em 28 de agosto

DPedro entatildeo declarado priacutencipe-regente com o retorno de DJoatildeo VI a Portugal

decreta o fim da censura preacutevia a toda mateacuteria escrita tornando livre no Brasil a

palavra impressa Eacute um ato decorrente das deliberaccedilotildees das Cortes Constitucionais

de Lisboa em defesa das liberdades puacuteblicas e marca uma etapa de liberdade de

expressatildeo do pensamento

Com o passar dos anos tem-se a necessidade de formular uma logiacutestica para a

imprensa devido agraves vendas e ao crescimento das cidades Em 1844 o serviccedilo de

correios passa a entregar correspondecircncias nos domiciacutelios o que possibilitava um

sistema de assinaturas de impressos A partir de 1858 no Rio de Janeiro tem-se a

mobilizaccedilatildeo de negros forros e mulatos para o trabalho de entregadores mediante

pagamento para a venda avulsa regular nas ruas da cidade (BAHIA 1990) A partir

de entatildeo o sistema de distribuiccedilatildeo soacute melhora e o jornal como veiacuteculo de

comunicaccedilatildeo toma conta do Rio de Janeiro e de Satildeo Paulo

A busca por uma identidade para o Brasil tem na imprensa um lugar privilegiado

onde as opiniotildees e doutrinas vaacuterias buscavam conquistar a opiniatildeo puacuteblica como

forma de legitimaccedilatildeo de cada projeto individual (BASILE 2006) Satildeo as primeiras

deacutecadas de um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo que viria a se tornar poderoso no seacuteculo

seguinte como um agente de informaccedilatildeo das massas Segundo Hall

As culturas nacionais satildeo compostas natildeo apenas de instituiccedilotildees culturais mas tambeacutem de siacutembolos e representaccedilotildees Uma cultura nacional eacute um discurso ndash um modo de construir sentidos que influencia e organiza tanto nossas accedilotildees quanto a concepccedilatildeo que temos de noacutes mesmos (HALL 1998 p 50)

A imprensa o jornal diaacuterio eacute o meio por excelecircncia da poliacutetica Lugar onde os

discursos acontecem os debates satildeo esperados as pelejas travadas e a construccedilatildeo

dos sentidos vecircm a acontecer Mais do que no salatildeo da Cacircmara de Deputados eacute

impresso no jornal que o discurso chega ateacute o leitor que formaraacute em seu conjunto

de propostas criacuteticas e reclames a opiniatildeo puacuteblica Eacute a imprensa que faz chegar

notiacutecias e informaccedilotildees a uma plateias bem mais ampla levantando questotildees do

cotidiano trazendo as informaccedilotildees que ateacute entatildeo estavam em domiacutenio privado para

a esfera puacuteblica Os folhetos e panfletos do periacuteodo tem um caraacuteter tambeacutem

didaacutetico divulgando ideias ndash natildeo soacute liberais eacute certo ndash por meio de uma linguagem

acessiacutevel Muitas vezes encadeando textos respondendo a outros jornais ou

publicitando debates Eacute esta literatura poliacutetica que consolida palavras ideias

expressotildees do liberalismo para a maior parte das pessoas (NEVES 2001)

Hobsbawn (2010) falando do periacuteodo compreendido entre 1848 e a deacutecada de 1860

na Europa comenta a importacircncia dos jornais na formaccedilatildeo de um nacionalismo que

se baseia na cultura partilhada pelo maior nuacutemero de cidadatildeos O autor afirma que a

ideia nacional eacute construiacuteda pelos veiacuteculos de comunicaccedilatildeo e os grupos a estes

vinculados

() o movimento nacional tendia a tornar-se poliacutetico apoacutes sua fase sentimental e folcloacuterica com a emergecircncia de grupos mais ou menos expressivos dedicados agrave ideia nacional publicando jornais e literatura nacionais organizando sociedades nacionais tentando estabelecer instituiccedilotildees educacionais e culturais e engajando-se em vaacuterias atividades francamente poliacuteticas Mas de forma geral neste ponto o movimento ainda era carente de um apoio decisivo por parte da massa da populaccedilatildeo Consistia basicamente de um extrato social intermediaacuterio entre as massas e a burguesia ou a aristocracia existentes (se tanto) especialmente os literatos professores camadas inferiores do clero alguns pequenos comerciantes e artesatildeos urbanos (HOBSBAWN 2010 p 105)

Segundo Romancini (2007) eacute a imprensa criacutetica observadora e natildeo comprometida

com os interesses do Estado que tem suas raiacutezes no Correio Brasiliense27 que iraacute

contribuir para a formaccedilatildeo de uma opiniatildeo puacuteblica no Brasil

27

Correio Brazilience ou Armazeacutem Literaacuterio Jornal mensal editado por Hipoacutelito Joseacute da Costa desde 1808 em Londres e importado para o Brasil para fugir da censura da cora portuguesa Apesar de Hipoacutelito daCosta manter relaccedilotildees com a Corte e com o priacutencipe D Joatildeo chegando mesmo a receber ajuda financeira deste para mantecirc-lo relativamente livre de sua redaccedilatildeo criacutetica o Correio foi um modelo para o jornalismo poliacutetico a ser desenvolvido no Brasil (ROMANCINI 2007)

O impeacuterio foi o periacuteodo da histoacuteria brasileira em que a imprensa teve maior liberdade

de expressatildeo (CARVALHO 2004) mas ela natildeo era um poder independente Em sua

maior parte os jornais e panfletos estavam vinculados a organizaccedilotildees que visavam

como os partidos poliacuteticos ao poder

Havia folhas independentes como o Jornal do Commercio e os jornais radicais Mas eram poucos e com raras exceccedilotildees natildeo duravam muito A grande maioria era vinculada a partidos ou a poliacuteticos O governo tinha sempre seus jornais o mesmo acontecendo com a posiccedilatildeo Os jornalistas lutavam na linha de frente das batalhas poliacuteticas e muitos deles eram tambeacutem poliacuteticos Muitos poliacuteticos por seu lado escreviam em jornais nos quais o anonimato lhes possibilitava dizer o que natildeo ousariam na tribuna da

Cacircmara ou do Senado (CARVALHO 2007 p78)

Liberais conservadores progressistas histoacutericos puritanos todos tem o seu ldquooacutergatildeordquo

de comunicaccedilatildeo Todos tem um jornal seu com o intuito de divulgar e defender seus

ideais propostas e tendecircncias

Rodrigues (2008) comenta que os jornais foram importantes para a divulgaccedilatildeo do

liberalismo moderado pelo Brasil e daacute ecircnfase ao ldquoAurora Fluminenserdquo e ao ldquoSete de

Abrilrdquo que tem a frente Bernardo Vasconcelos e Evaristo Ferreira da Veiga

respectivamente Seus editoriais eram reimpressos em outros jornais do interior do

Rio de Janeiro e de outras regiotildees do paiacutes o que serviu como uma rede de

divulgaccedilatildeo para as ideias liberais

Neves (2001) sustenta que bem como os jornais os panfletos e folhetos de caraacuteter

poliacutetico tiveram papel importante para a divulgaccedilatildeo natildeo somente de ideias mas de

um vocabulaacuterio especiacutefico efetivamente didaacutetico com uma linguagem acessiacutevel

para que uma parte maior da populaccedilatildeo pudesse entender o desenvolvimento do

liberalismo mesmo que este soacute tenha enfatizado um parte do arcabouccedilo de ideias

liberais Toda essa estrutura de ldquomiacutediardquo acabava por propiciar o surgimento de uma

opiniatildeo puacuteblica que assimilava ideias discutia propostas e tomava partido O ideaacuterio

que se pretendia construir era a criacutetica ao despotismo como siacutembolo de um passado

que jaacute estava enterrado e o liberalismo como o ideaacuterio poliacutetico para os novos

tempos (NEVES 2001)

A imprensa do seacuteculo XIX de maneira geral tem por caracteriacutestica ser constituiacuteda ndash

em sua maioria ndash por jornais de vida curta geralmente se ocupando de causas

tambeacutem momentacircneas e tem como proprietaacuterio um indiviacuteduo ou um grupo pequeno

de empresaacuterios (natildeo necessariamente jornalistas) e eacute por excelecircncia poliacutetico

(PINTO 2003) O jornal eacute a representaccedilatildeo de fato e dos fatos para a sociedade um

ente poliacutetico dos mais importantes no momento E junto a ele dentro das

possibilidades existentes no seacuteculo XIX folhetos cartazes livros e muitos outros

suportes foram usados com o intuito de difundir discursos de teor ideoloacutegico Isso jaacute

eacute uma percepccedilatildeo de que a participaccedilatildeo de camadas cada vez maiores da populaccedilatildeo

ndash e natildeo somente da burguesia ndash se apresentavam como elementos emergentes para

a poliacutetica Hobsbawn (2011) nesta passagem nos informa sobre a percepccedilatildeo das

elites europeias da necessidade de um jornal que disseminasse suas ideias para o

povo apoacutes a seacuterie de revoluccedilotildees de 1848

Os defensores da ordem social precisaram aprender a poliacutetica do povo Esta foi a maior inovaccedilatildeo trazida pelas revoluccedilotildees de 1848 Mesmo os mais arqui-reacionaacuterios dos junkers prussianos descobriram naquele ano que precisavam de um jornal que pudesse influenciar a opiniatildeo puacuteblica ndash conceito em si proacuteprio ligado ao liberalismo e incompatiacutevel com a hierarquia tradicional (HOBSBAWN 2011 p41)

Para a Corte no Brasil assim como na Europa jaacute na segunda metade do seacuteculo XIX

os jornais do periacuteodo passam a publicar obras literaacuterias em folhetins Autores como

Manoel Antocircnio de Almeida Machado de Assis e Alencar ficaram famosos por conta

desse tipo de veiculaccedilatildeo e tal associaccedilatildeo da imprensa com a literatura que vai se

revelando no jornal impresso - jaacute no periacuteodo de nosso recorte ndash determina

caracteriacutesticas proacuteprias de um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo de massa (PINTO 2003)

Referir-nos-emos entatildeo a estes para uma melhor compreensatildeo da anaacutelise com o

vocaacutebulo ldquomiacutediardquo

Chartier (1991) nos alerta de que natildeo existe um texto fora do suporte que lhe

permita ser lido (ou ouvido) e que natildeo haacute compreensatildeo de um escrito qualquer que

seja que natildeo dependa das formas pelas quais ele atinge o leitor O princiacutepio do

discurso ideoloacutegico eacute o de ldquoalcancerdquo Quanto maior eacute o grupo atingido por uma

proposta maior eacute sua forccedila Eacute uma percepccedilatildeo de base estatiacutestica e natildeo filosoacutefica

Para que o discurso ideoloacutegico venha a surtir efeito eacute preciso que as ideias da classe

dominante se tornem as ideias de todos os membros da sociedade que todos (ou

sua maior parte) se identifiquem com elas E ainda para que a ideologia seja eficaz

o discurso deve se manter sempre o mesmo ignorando as mudanccedilas que possam

vir a acontecer (CHAUI 1997) Para tanto tambeacutem eacute necessaacuterio que a classe

dominante por meio de seus agentes e instrumentos eou instituiccedilotildees especiacuteficas

tratem de aleacutem de produzir suas ideias possam distribuiacute-las o que eacute feito por

exemplo atraveacutes da educaccedilatildeo da religiatildeo dos costumes dos meios de

comunicaccedilatildeo disponiacuteveis As ideias mudam de lugar conforme a interpretaccedilatildeo que

os homens lhe datildeo e no campo poliacutetico essas mudanccedilas nas ldquoorientaccedilotildeesrdquo dos

homens ocorrem com certa frequecircncia Eacute preciso confianccedila como tambeacutem partilhar

as ideias com o grupo e se possiacutevel com quem mais aparecer

23 SOBRE AS ELITES NO PODER

Apesar dos estudos sobre a burguesia e as elites natildeo serem uma novidade entre

noacutes uma pergunta metodoloacutegica insiste em aparecer ndash como nos lembra Flaacutevio

Heinz (2006) Onde comeccedilam e onde terminam as elites - Este mesmo autor

sugere que os limites tradicionais tendem a ficarem menos riacutegidos com o

aparecimento de pesquisas mais recentes e a inclusatildeo de novas categorias

profissionais e de diferentes recortes que modificam a visatildeo tradicional sobre o

assunto integrando outras fontes e apresentando possibilidades para a

interpretaccedilatildeo destas

Temos em mente que mesmo considerando tais limites para o segmento ldquoeliterdquo eacute

preciso lembrar como nos mostra Chauiacute que a elite descrita a que nos referimos

deve ser entendida como a ldquoclasse dominanterdquo e natildeo necessariamente os

ldquomelhoresrdquo homens e mulheres dentro de uma sociedade como o termo pode

sugerir (CHAUI 1997 p 48) Cabem aqui entatildeo algumas consideraccedilotildees agraves quais

tomamos por base a partir o modelo democraacutetico de Schumpeter (1984)

salientando que por se tratar de um modelo este nos permite uma gama maior de

possibilidades de interpretaccedilatildeo e uma flexibilidade em nossa anaacutelise tentando

abarcar um periacuteodo que apresenta contrastes acentuados Consideramos aqui que o

governo eacute exercido por elites poliacuteticas natildeo existe o chamado ldquobem comumrdquo como

uma meta de trabalho ou projeto de administraccedilatildeo do Estado que vaacute agradar ou

interessar a todos os segmentos da sociedade pelo simples fato de que para

indiviacuteduos grupos e classes diferentes este bem comum significa coisas diferentes

Neste caso consideramos a busca deste ldquobem comumrdquo como um fator de

subjetivaccedilatildeo que acaba por deslocar a ideologia partidaacuteria das metas do agente

poliacutetico o que termina dando a impressatildeo de que os partidos (seus integrantes no

caso) liberais ou conservadores democratas ou republicanos ou outros tantos satildeo

uma mesma coisa o objetivo primordial dos partidos poliacuteticos eacute conquistar e manter

o poder e a realizaccedilatildeo do ldquobem comumrdquo eacute um meio para atingir este objetivo

(SCHUMPETER 1984) a soberania popular embora natildeo seja nula eacute reduzida

visto que satildeo as elites poliacuteticas que propotildeem candidatos e alternativas para o eleitor

e no caso das eleiccedilotildees no impeacuterio isso eacute bem marcante E eacute preciso notar que um

importante aspecto da poliacutetica imperial eacute o de conseguir ter mantido a supremacia do

poder civil O exeacutercito e a marinha tiveram influencia reduzida nas decisotildees da

poliacutetica nacional e quando foi o caso seus representantes eram antes poliacuteticos

vinculados a algum dos partidos do que militares em cargos administrativos Um

caso singular eacute a figura de Caxias que mesmo na posiccedilatildeo de um heroacutei de guerra

com o comando geral das tropas no Paraguai teve de passar pelo crivo do conselho

de Estado para que fossem resolvidas seus desentendimentos com Zacarias de

Goacuteis

As decisotildees vimos partem de um grupo civil e eacute para estes civis que Alencar dirige

seu discurso A elite poliacutetica que chega ao poder depois da independecircncia e se

ldquoenraiacutezardquo com o fim do periacuteodo regencial apresentando caracteriacutesticas de unidade

ideoloacutegica de treinamento administrativo e de educaccedilatildeo A Corte no Rio de Janeiro

recebia representantes de todo o Brasil pois a Cacircmara dos deputados e o Senado

satildeo instituiccedilotildees sediadas naquela cidade Natildeo estamos considerando tatildeo somente a

sociedade carioca ou mesmo as oligarquias fluminenses do cafeacute que jaacute dava seus

frutos por ali mas as elites do Brasil na qualidade de seus representantes

Deputados senadores conselheiros altos funcionaacuterios da burocracia magistrados

fazendeiros traficantes de escravos banqueiros e outros mais transitando pelas

ruas estreitas do Rio de janeiro sem considerar os ricos comerciantes estrangeiros

(alguns enriqueceram ali mesmo) e alguns setores da monarquia espanhola que se

estabelecem no Brasil ainda no periacuteodo das revoluccedilotildees republicanas que se

espalharam pelo restante da Ameacuterica Latina encontrando no Rio de Janeiro o abrigo

de uma monarquia constitucionalista

Alfredo Bosi abre um capiacutetulo de sua Dialeacutetica da colonizaccedilatildeo onde se refere agrave

formaccedilatildeo do ldquonovo liberalismordquo com uma citaccedilatildeo de uma crocircnica de Machado de

Assis intitulada ldquoHistoacuteria de quinze diasrdquo na qual o romancista daacute lugar ao criacutetico

cruel do sistema social e poliacutetico do impeacuterio O recorte fala por si

As instituiccedilotildees existem Mas por e para 30 dos cidadatildeos Proponho uma reforma no estilo poliacutetico Natildeo se deve dizer ldquoconsultar a naccedilatildeo os representantes da naccedilatildeo os poderes da naccedilatildeordquo mas ldquoconsultar os 30 representantes dos 30 poderes dos 30rdquo A opiniatildeo puacuteblica eacute uma metaacutefora sem base haacute soacute a opiniatildeo dos 30 (ASSIS apud BOSI 2003 p222)

Cabe-nos demonstrar agora quantos e quais (estatisticamente no caso) seriam os

eleitores os que podiam participar ativamente do processo eleitoral em nosso

periacuteodo de recorte temporal notadamente aqueles a quem Alencar se dirigia em

suas cartas

As primeiras eleiccedilotildees para a composiccedilatildeo das cortes em 1821 adotaram

basicamente o voto universal masculino Jaacute nas eleiccedilotildees para a constituinte

brasileira foi exigida a idade miacutenima de 20 anos e a exclusatildeo de estrangeiros e

assalariados Com a constituiccedilatildeo outorgada por D Pedro I elevam-se as restriccedilotildees

com idade miacutenima de 25 anos exclusatildeo aos criados e adoccedilatildeo do criteacuterio de renda

miacutenima Em 1846 excluem-se os ldquopraccedilas-de-preacuterdquo aleacutem de alterar o caacutelculo de renda

miacutenima baseado na desvalorizaccedilatildeo da moeda em funccedilatildeo da inflaccedilatildeo O formato

determinava que em um primeiro momento designar-se-iam os votantes ndash com

renda superior a 100 mil-reacuteis anuais ndash que escolheriam os eleitores ndash com renda

superior a 200 mil-reacuteis anuais ndash que iriam escolher os deputados ndash com renda

superior a 400-mil reacuteis anuais Mas a limitaccedilatildeo de renda tinha pouca importacircncia a

maioria da populaccedilatildeo trabalhadora ganhava mais de 100 mil-reacuteis por ano Em 1876

o menor salaacuterio registrado no serviccedilo puacuteblico era de 600 mil-reacuteis (CARVALHO

2002) mas era preciso que houvesse alguma comprovaccedilatildeo

Em 1881 temos algumas mudanccedilas a eliminaccedilatildeo da eleiccedilatildeo em dois turnos e eacute

proibido o voto dos analfabetos aleacutem de tornar o voto em si voluntaacuterio Calcula-se

a partir de tais restriccedilotildees para o periacuteodo que estamos tratando um percentual de

13 da populaccedilatildeo total com possibilidades de participaccedilatildeo eleitoral que diminui

para quase 1 a partir da lei de 1881 (CARVALHO 2007) Todas estas medidas

foram tomadas com real intuito de diminuir a participaccedilatildeo popular na votaccedilatildeo

concentrando o sufraacutegio nas elites Hebbe Mattos (2000) nos informa que para ser

eleitor ndash e para conseguir algumas vantagens que a condiccedilatildeo lhe permitia ndash o

cidadatildeo natildeo poderia ter nascido ldquoingecircnuordquo (escravo) Mas analfabetos e ex-escravos

poderiam habilitar-se a eleitores de segundo grau e ateacute mesmo serem eleitos para a

vereanccedila (NOVAIS 1997)

Apesar de haverem algumas estrateacutegias para modificar esse quadro e conseguir

uma renovaccedilatildeo maior dos parlamentares com vistas a uma representaccedilatildeo popular

como a lei dos ciacuterculos e a adoccedilatildeo do voto distrital (que pouco tempo permaneceram

em vigor logo que comeccedilaram a proporcionar tais mudanccedilas) as eleiccedilotildees em sua

forma e dinacircmica estavam cada vez mais sob o controle das elites econocircmicas que

optavam por manter uma estabilidade no poder A forma que a eleiccedilatildeo se dava jaacute

era um complicador com a necessidade de que o eleitor votasse em tantos nomes

quantos houvesse cadeiras em sua assembleia Isto geralmente favorecia ao

candidato que pudesse ter uma representaccedilatildeo aleacutem dos limites locais o que era

conseguido atraveacutes das redes de relaccedilotildees que se compunham pelos demais

representantes ou pelos ldquopadrinhosrdquo poliacuteticos de cada candidato relaccedilatildeo que

geralmente era conseguida pelo partido mesmo que estas fossem descontinuadas

apoacutes a eleiccedilatildeo Para o pai de Alencar corria uma anedota no Cearaacute entre partidaacuterios

que anunciavam a falta de uma relaccedilatildeo com o senador depois de sua partida para a

Corte Quando se recebia uma notiacutecia da qual natildeo se tinha muito creacutedito uma

interjeiccedilatildeo de desconfianccedila prenunciava a frase - Tal coisa vai acontecer ()assim

que o Alencar me escrever ndash anunciavam aludindo a algum acontecimento

impossiacutevel por ali (MENEZES 1965) Com tudo isso acreditamos que Machado de

Assis em sua criacutetica estava sendo bastante otimista com os 30 anunciados

Sobre a formaccedilatildeo intelectual da elite local eacute importante lembrar que a constituiccedilatildeo

de 1824 entregando o ensino fundamental e meacutedio nas matildeos da igreja cria uma

educaccedilatildeo de caraacuteter religioso centrada mais na tradiccedilatildeo filosoacutefica e com certa

indiferenccedila pela pesquisa cientiacutefica mas impregnada pelo estudo das letras

determinada pela tradiccedilatildeo jesuiacuteta (SKIDMORE 1989) Portugal evitou criar em seus

domiacutenios ultramarinos faculdades ou universidades Os textos disponiacuteveis ficavam

restritos agraves bibliotecas dos conventos e agraves poucas escolas mantidas tambeacutem por

religiosos o que garantia certo controle sobre a divulgaccedilatildeo das ideias

ldquoprogressistasrdquo Natildeo havendo jornais em circulaccedilatildeo ou livros impressos visto que os

primeiros prelos chegam com a famiacutelia real em 1808 os leitores se contentavam

com a literatura produzida na Europa ndash traduzida ou natildeo o que jaacute limitava o nuacutemero

de leitores - e que atravessava o Atlacircntico em sua maior parte por via clandestina

Aqueles que tinham condiccedilatildeo econocircmica mandavam seus filhos para Portugal onde

faziam os estudos superiores na Universidade de Coimbra e adquiriam os valores

ditados pela metroacutepole Estes em sua maioria eram aproveitados para compor a

burocracia do impeacuterio em formaccedilatildeo Caiam quase sempre na poliacutetica

Em nuacutemeros temos o percentual de Senadores com educaccedilatildeo superior no periacuteodo

de 1853 a 1871 - portanto pertinente ao nosso recorte temporal - chegando a 80 e

o dos ministros dos diversos gabinetes a 96 do total Considerando que a

educaccedilatildeo militar ndash exeacutercito e marinha aos quais alguns poliacuteticos tambeacutem pertenciam

ndash recebida por um grupo desses parlamentares natildeo entra nesta base para o caacutelculo

final o nuacutemero de poliacuteticos que natildeo recebeu instruccedilatildeo eacute praticamente nulo Para os

conselheiros de Estado de 1840 a 1889 dos 72 homens que estiveram em seus

quadros apenas 02 natildeo possuiacuteam educaccedilatildeo superior O niacutevel educacional dos

deputados gerais se assemelha percentualmente ao dos senadores (CARVALHO

2007)

Depois da elite de Coimbra dominar os primeiros anos do impeacuterio vem o comeccedilo da

nacionalizaccedilatildeo com os cursos de Direito preferecircncia nacional para o ingresso na

elite poliacutetica via cargo puacuteblico Tais cursos satildeo criados no Brasil depois da

independecircncia em 1827 e comeccedilando efetivamente em 1828 Um em Satildeo Paulo e

outro em Olinda - transferindo-se o segundo posteriormente para a cidade do Recife

A presenccedila no poder de egressos da escola de medicina e engenharia tem o peso

relativo proporcional ao dos militares eacute o diferencial estava mesmo na formaccedilatildeo no

Direito O curso superior era o preacute-requisito para tentar um cargo no poder Sobre o

segundo e terceiro escalotildees da burocracia como bem nos mostra Joseacute Murilo satildeo

representados por diretores chefes de seccedilatildeo e uma gama de funcionaacuterios

especializados em sua maioria vinculada a algum ministeacuterio e que buscava nas

cidades principalmente o emprego puacuteblico como forma de sobrevivecircncia visto a

falta de postos de trabalho em outros setores A elite brasileira era em sua quase

totalidade letrada o que a afastava mais ainda da grande massa do povo sem

alfabetizaccedilatildeo

Carvalho (2007) sustenta que a homogeneidade ideoloacutegica eacute um dos importantes

fatores que iriam fornecer a possibilidade de constituir determinados modelos de

dominaccedilatildeo poliacutetica Uma elite homogecircnea tende a uma movimentaccedilatildeo em uma

mesma direccedilatildeo e garante ao menos a possibilidade de um projeto comum E eacute essa

homogeneidade que sugere que se possa conseguir certa estabilidade para

administrar conflitos dentro destes grupos O Brasil jaacute dispunha de tal elite quando

da independecircncia (que apesar de seguir os moldes portugueses jaacute apresentavam

caracteriacutesticas distintas mesmo por que seus grupos eram diversos procedentes de

muitas proviacutencias do Brasil) A composiccedilatildeo da elite vai se transformando lentamente

com o passar dos anos e com o crescimento do quantitativo de pessoas passiacuteveis

de acesso a esta na grande maioria composta de funcionaacuterios puacuteblicos Eacute uma

verdade a afirmaccedilatildeo de que os representantes da sociedade nesse periacuteodo satildeo

tambeacutem representantes do Estado Os estamentos como sustenta Bauman (2001)

lugares a que os indiviacuteduos pertenciam por hereditariedade aos poucos vatildeo dando

lugar as classes onde o pertencimento eacute fabricado pelo esforccedilo do indiviacuteduo por

sua vontade de pertencimento E ao mesmo tempo associadas as caracteriacutesticas

que a sociedade brasileira consegue ter neste momento de uma dinacircmica para a

consolidaccedilatildeo de um sistema liberal e ao mesmo tempo conservador de dominaccedilatildeo

Segundo Alencar o paiacutes tambeacutem eacute ldquoconduzidordquo pelo Estado Estaacute em suas matildeos

considerando que ldquoempresas industriais associaccedilotildees mercantis bancos obras

puacuteblicas operaccedilotildees financeiras privileacutegios fornecimentos todas essas fontes

abundantes de riquezas improvisadas emanam das alturas do poderrdquo (ALENCAR

2011 p99) A centralizaccedilatildeo da elite garantia ao mesmo tempo um Estado forte e

uma homeostase entre os grupos no poder em que os conflitos mais seacuterios e os

movimentos contestatoacuterios ficavam localizados nos municiacutepios onde era mais faacutecil

uma soluccedilatildeo (mesmo que em forma de accedilatildeo militar como no caso das revoltas no

periacuteodo regencial) Uma grande mudanccedila se efetua entre 1855 e 1868 quando o

partido liberal quase desaparece por completo depois de dominar o cenaacuterio poliacutetico

por aproximadamente 10 anos Eacute um periacuteodo de ascensatildeo de liberais histoacutericos e

conservadores dissidentes jovens lideranccedilas que aparecem no periacuteodo da

conciliaccedilatildeo De 1862 a 1868 haacute uma notoacuteria instabilidade no ministeacuterio durando em

meacutedia um ano cada gabinete Tudo isto em um momento de guerra externa que

produzia inflaccedilatildeo e consumia enorme quantidade de recursos puacuteblicos (CARVALHO

2007) Mas isto natildeo eacute sentido no cotidiano das elites econocircmicas que tem no Estado

sua fonte de renda quando natildeo de exploraccedilatildeo das rendas do proacuteprio Estado

Schwarcz (1999) nos daacute uma visatildeo interessante do interior de um sobrado citadino

em meados do seacuteculo XIX o padratildeo de moradia para a elite da corte onde temos

uma ideia de seu cotidiano luxuoso e requintado

() eacute na capital durante os anos de 1840 a 1860 que se cria uma febre de bailes concertos reuniotildees e festas A corte se opotildee agrave proviacutencia arrogando-se o papel de informar os melhores haacutebitos de civilidade tudo isso aliado agrave importaccedilatildeo dos bens culturais reificados nos produtos ingleses e franceses Nas casas os homens jogam voltarete gamatildeo xadrez e whist e os moccedilos o jogo da palhinha Jaacute as mulheres divertem-se com jogos de prenda de flores do bastatildeo do amigo ou amiga e do lenccedilo queimadordquo (SCHWARCZ 1999 p 156)

O teatro por exemplo estaacute entre as diversotildees mais apreciadas do periacuteodo Eacute o lugar

de encontros poliacuteticos flertes e namoros escondidos de encontros e desencontros

um lugar de diversatildeo Natildeo eacute a toa que a expressatildeo teatro poliacutetico tatildeo usado por

Nabuco Alencar e Machado tambeacutem se refira a possibilidade do puacuteblico participar

das seccedilotildees das casas legislativas como expectador Este vecirc se constrange ri

chora pode vaiar pode aplaudir Mas suas accedilotildees natildeo iratildeo modificar

substancialmente o andamento do espetaacuteculo poliacutetico Cabe lembrar que os teatros

(o espaccedilo fiacutesico) tambeacutem satildeo locais onde a propaganda poliacutetica tinha ldquoseu lugarrdquo

Usados como lugares para reuniatildeo geralmente pela localizaccedilatildeo e capacidade de

abrigar vaacuterias pessoas A tiacutetulo de exemplo registramos uma anotaccedilatildeo de Tavares

Bastos em seu diaacuterio sobre o uso do Teatro Phenix Dramaacutetica na Rua da Ajuda

para as ldquoconferecircncias radicais do Clube Radicalrdquo (ABREU 2007 p 129) Os

comiacutecios puacuteblicos soacute seratildeo uma realidade a proximidade do fim do seacuteculo com

homens como Lopes Trovatildeo que conseguiram levar a populaccedilatildeo agraves praccedilas puacuteblicas

em nome do partido republicado (COSTA 1999)

24 INTELECTUAIS E OPINIAtildeO PUacuteBLICA

Gramsci nos mostra que os intelectuais se formaram historicamente associados agraves

elites econocircmicas Sua funccedilatildeo dentro dos diversos ldquopartidosrdquo eacute o de organizaccedilatildeo e

disseminaccedilatildeo da ideologia Alencar eacute algueacutem que nasceu na tradiccedilatildeo da aristocracia

rural mas por sua atividade como jornalista advogado e poliacutetico e por seu ativismo

poliacutetico pode ser enquadrado na categoria de intelectual orgacircnico Aquele que

busca em sua praacutexis transformar ensinar e buscar soluccedilotildees para a sociedade Mas

Alencar estaacute longe de ser um elemento que surge do povo ou das ldquobases

popularesrdquo apesar de ter sido eleito deputado para vaacuterios mandatos Cabe lembrar

que as campanhas poliacuteticas no periacuteodo natildeo exigiam uma presenccedila constante do

candidato junto a sua base eleitoral Os eleitores ndash pouquiacutessimos decerto - satildeo

relativamente abastados (considerando natildeo haver um mercado de trabalho as

diferenccedilas entre os grupos satildeo grandes) configuram uma categoria da elite regional

que tendia a se identificar com um candidato mais pela rede de relaccedilotildees sociais a

que este representava ou estava associado do que propriamente agraves ideias de algum

dos partidos poliacuteticos em atuaccedilatildeo no periacuteodo

Eacute na literatura e no jornalismo aonde floresce a vocaccedilatildeo de Alencar como

intelectual eacute ali que se constitui a sua forma de estudar a realidade e de interagir

com ela Entendemos que para Gramsci (1976) a ideia de participaccedilatildeo na cultura

natildeo significa a simples aquisiccedilatildeo de conhecimentos ou uma atitude passiva do

sentimento humano mas sim posicionar-se frente agrave histoacuteria fazer a histoacuteria

acontecer mesmo que a poder das armas E a luta armada do intelectual vem na

forma de manifestos eacute a sua maneira de interagir com o puacuteblico (BOBBIO 1997)

buscando (incitando) a transformaccedilatildeo da realidade

A cultura estaacute relacionada com esta transformaccedilatildeo da realidade atraveacutes da busca e

da conquista de uma consciecircncia superior onde cada indiviacuteduo precisa conseguir

compreender o seu valor na sociedade (GRAMSCI 1976) Eacute a passagem do

momento corporativo ao momento eacutetico-poliacutetico da estrutura agrave superestrutura Isto eacute

expresso por Gramsci atraveacutes do seu conceito ampliado de poliacutetica a catarse O

momento em que a esfera dos interesses corporativos e particulares eleva-se ao

niacutevel da consciecircncia universal e as classes conseguem elaborar um projeto para

toda a sociedade atraveacutes de uma accedilatildeo coletiva Assim sair da passividade para

Gramsci eacute deixar de aceitar a subordinaccedilatildeo que o sistema capitalista impotildee a

alguns estratos da populaccedilatildeo

Alencar advogado brilhante e poliacutetico combativo eacute antes de tudo um homem das

letras Algueacutem que conhece a forccedila da palavra e como jornalista e editor o alcance

que um perioacutedico pode ter E ele usaraacute isso em seu favor Este intelectual buscaraacute

em suas leituras os conceitos claacutessicos do liberalismo com Adam Smith John Locke

Benjamim Constant e outros poucos livros que tinham em matildeos ndash vaacuterios ainda em

sua liacutengua original (RENALT 1976) - que lhes dariam o suporte para se sustentar

junto a tecnocracia administrativa que se formava situando-se em algum lugar

confortaacutevel entre o absolutismo e a democracia - em alguns casos entre o

constitucionalismo e o voto censitaacuterio entre o liberalismo e a igualdade

A tarefa a que se propotildee o Alencar que pode ser entendida tambeacutem como uma

espeacutecie de educaccedilatildeo ndash senatildeo das massas com os movimentos operaacuterios

principalmente no iniacutecio do seacuteculo XX e que natildeo se percebem ainda no periacuteodo mas

de grupos paulatinamente mais generalizados que se formam como resultado do

desenvolvimento das cidades ndash eacute praticado pelos intelectuais (sendo Alencar um

exemplo) como agentes de ligaccedilatildeo entre as elites e tais grupos visto que o projeto

educacional corresponde a uma necessidade de formaccedilatildeo intelectual e teacutecnica do

povo ateacute mesmo para uma maior qualificaccedilatildeo do trabalhador que pudesse gerar

com seu trabalho um desenvolvimento tecnoloacutegico dos meios de produccedilatildeo de

capital e tambeacutem para o periacuteodo um texto mais ldquoagradaacutevelrdquo e basicamente mais

acessiacutevel que seria um facilitador para que uma maior parte da populaccedilatildeo pudesse

conhecer as ideias liberais O sentido era didaacutetico e ideoloacutegico ao mesmo tempo de

forma que um grupo maior pudesse ser identificado com o movimento e dele

tomasse partido

Observe-se que em Gramsci a supremacia de um grupo social se manifesta de dois

modos como domiacutenio (coaccedilatildeo) e como direccedilatildeo intelectual e moral (consenso) Eacute no

consenso que o trabalho de Alencar busca organizar uma sociedade menos desigual

a partir da divulgaccedilatildeo de uma ideologia liberal (dentro dos limites do que se pode

entender como ldquoiguaisrdquo no liberalismo brasileiro estamos sempre no acircmbito de uma

aristocracia) de uma moral cristatilde que auxilia no projeto de dominaccedilatildeo do povo e da

defesa da propriedade privada esta extensiva ao projeto da escravidatildeo

Um grupo social pode e deve impor-se como dirigente (e seu modo de expressatildeo eacute

em geral o partido poliacutetico) e sua organizaccedilatildeo eacute o que lhe sustenta na busca de

uma posiccedilatildeo no poder Isto vale tanto para as elites como para os grupos de

trabalhadores Mas a maneira para que isto ser levado a cabo seria pela via da

informaccedilatildeo da educaccedilatildeo da politizaccedilatildeo enfim Algumas preocupaccedilotildees de Gramsci

satildeo tais como as de Alencar Como levar a discussatildeo poliacutetica para a maior parte da

populaccedilatildeo enquanto esta natildeo se preocupa com a realidade mas com os modismos

com as influencias externas Como politizar o povo (GRAMSCI 1976) O que se

nota eacute que tal discurso natildeo se dirige propriamente as massas ele jaacute existe ndash anterior

a Marx e Gramsci ndash e eacute usado como forma de dominaccedilatildeo para todos os grupos

sociais Segundo Gramsci (1999) os intelectuais que mesmo na Itaacutelia natildeo estavam

ligados agraves massas ldquodeveriamrdquo ligar-se como uma opccedilatildeo eacutetica e como uma opccedilatildeo

poliacutetica para a transformaccedilatildeo O que muda natildeo eacute necessariamente a forma do

discurso mas a direccedilatildeo e o puacuteblico a que se destina O poder natildeo eacute mantido apenas

atraveacutes da hegemonia de classe ou pela simples difusatildeo de ideias desta classe

que o assume eacute preciso accedilatildeo

Em Alencar natildeo observamos uma radicalizaccedilatildeo neste sentido apenas o uso cada

vez maior das formas de comunicaccedilatildeo disponiacuteveis ndash e de forma cada vez mais

diversa tentando alcanccedilar cada vez mais pessoas ndash no momento A sociedade civil

para Alencar aumentaria sua participaccedilatildeo poliacutetica quanto mais politizada estivesse e

quanto maior fosse desenvolvida sua capacidade criacutetica e o Estado natildeo seria assim

tatildeo somente a sociedade poliacutetica mas o resultado da accedilatildeo poliacutetica da sociedade civil

enquanto nuacutecleo formador da sociedade poliacutetica (GRAMSCI 1999) As ideias da

sociedade poliacutetica satildeo passadas como discurso ideoloacutegico para todo o grupo e em

Alencar percebemos a importacircncia senatildeo do formador mas principalmente do

divulgador de tais ideias algueacutem que por vezes pode efetivamente mudar a direccedilatildeo

do jogo dependendo da capacidade de inserccedilatildeo de propostas valores e ideias nos

diversos grupos Natildeo se trata aqui de buscar uma intencionalidade em Alencar

Este enquanto autor dos discursos existe em integraccedilatildeo com os outros ldquoeusrdquo o

leitor o intertexto A palavra e o enunciado ndash no caso ndash satildeo por natureza

ideoloacutegicos Natildeo haacute um significado que natildeo se refira (natildeo se remeta) ao social Todo

enunciado eacute um evento histoacuterico e ao mesmo tempo um ato social Eacute por meio de

enunciados que os agentes comeccedilam a compreender o mundo e depois agir sobre

ele Qualquer texto constitui uma forma de accedilatildeo verbal calculada para a leitura e

com o intuito de propiciar respostas internas e para uma possiacutevel reaccedilatildeo criacutetica ndash

positiva ou negativa - da sociedade Uma enunciaccedilatildeo eacute uma forma de poder Cada

enunciado eacute dirigido a algueacutem em uma situaccedilatildeo especiacutefica em um momento

especiacutefico do tempo As relaccedilotildees de poder imersas na linguagem determinam

tambeacutem as formas das relaccedilotildees sociais Os enunciados dialogam constantemente

com outros enunciados em sua constituiccedilatildeo O cotidiano natildeo existe em uma ordem

formal somos noacutes que tentamos organizaacute-lo mediante uma narrativa que se

pretende coerente e as relaccedilotildees entre os ldquofalantesrdquo que estatildeo sempre mudando

Tais mudanccedilas nas instituiccedilotildees se datildeo porque satildeo constituiacutedas nesse movimento

dinacircmico (STAN 1992) O texto se constitui como uma forma de accedilatildeo que visa

propiciar respostas internas e uma possiacutevel reaccedilatildeo criacutetica ndash positiva ou negativa - da

sociedade Alencar busca construir em seu texto uma resposta positiva empaacutetica

que pretende sugerir (quando menos) comportamentos determinados aos grupos

sociais a que se referem E quanto mais acessiacutevel eacute o discurso maior a sua

amplitude Eacute a relaccedilatildeo a que se chama dialogismo Os enunciados dialogam

constantemente com outros enunciados em sua constituiccedilatildeo e mesmo depois

quando assimilados por noacutes o que jaacute eacute uma das formas de assimilaccedilatildeo do discurso

dada pelo processo dialoacutegico (STAN 1992)

Essa hipoacutetese se sustenta na observaccedilatildeo de que os grupos poliacuteticos necessitam se

reproduzir e apesar do controle restrito do eleitorado (voto censitaacuterio) e dos

reconhecidos laccedilos de famiacutelia natildeo eacute soacute o nuacutecleo familiar o ldquoberccedilaacuteriordquo aonde poliacuteticos

iram encontrar e formar seus sucessores Os laccedilos de apadrinhamento satildeo comuns

e tambeacutem natildeo satildeo incomuns as escolhas de sucessores poliacuteticos pelo criteacuterio de

amizade tiacutepico do clientelismo em vigor no Brasil A escolha dependia de quem

estivesse disposto a assumir o discurso do poder Lembramos que Chauiacute (1997)

sustenta que a proliferaccedilatildeo dos discursos sobre a naccedilatildeo faz com que existam vaacuterias

ldquonaccedilotildeesrdquo dentro da naccedilatildeo cada uma determinado por um modo de pensar a

realidade a sociedade e a poliacutetica e apresentado a um grupo diferente Eacute no

bacharel um ldquoprotordquo poliacutetico elemento constituinte da opiniatildeo puacuteblica e objeto dos

jornais poliacuteticos que Alencar busca seu interlocutor O objeto de seu discurso que

visa ldquoconstruirrdquo uma opiniatildeo puacuteblica Hobsbawn (2010) afirma que a opiniatildeo puacuteblica

eacute um conceito em si proacuteprio ligado ao liberalismo A informaccedilatildeo eacute um agente

constituinte para a integraccedilatildeo dos novos grupos que passam a participar dos

movimentos poliacuteticos

Para a Europa o autor sustenta que as revoluccedilotildees europeias de 1848 mostraram

que a classe meacutedia o liberalismo a democracia poliacutetica e mesmo as classes

trabalhadoras seriam a partir de entatildeo presenccedilas permanentes no panorama

poliacutetico (HOBSBAWN 2010) E com relaccedilatildeo ao Brasil se ainda natildeo temos uma

classe operaacuteria com poder de luta Fora a classe privilegiada detentora de

educaccedilatildeo leitora de jornais detentora dos cargos poliacuteticos e do funcionalismo

puacuteblico compondo a burocracia a classe formadora de opiniatildeo a que nos referimos

ndash que podemos designar como opiniatildeo puacuteblica ndash muito pouco podemos observar da

interferecircncia popular nos processos poliacuteticos A direito ao voto por exemplo nos

conta Prado (2001) era conseguido (e exercido) pelos homens pobres possuidores

de poucas posses que constituiacuteam o grosso do eleitorado mas que em quase sua

totalidade estavam atrelados aos grandes proprietaacuterios de terras e de escravos

como no exemplo do ldquovoto de caixatildeordquo28 com Nabuco (FAORO 2004) o que

acabava por determinar certo conservadorismo nas eleiccedilotildees com os resultados

sempre tendendo ao continuiacutesmo e a solidariedade pelo chefe poliacutetico local mesmo

estas sendo constantemente vitimadas por fraudes e manipulaccedilotildees

Portanto a imprensa colaborou no processo de constituiccedilotildees e acesso de uma

opiniatildeo puacuteblica no Brasil A opiniatildeo puacuteblica pode ser entendida enfim como a

28

Conf Nota 21

participaccedilatildeo da populaccedilatildeo (ou de uma parte desta como vimos) na criacutetica aos

rumos de um determinado estado ou mesmo assunto relevante Apesar de alguns

comentadores negarem veementemente a possibilidade de uma opiniatildeo puacutebica

como no caso de Bourdier (1981) se baseando principalmente no fato de que

quando se coloca a mesma questatildeo para todo um grupo (por mais homogecircnio que

este possa vir a ser) estaacute impliacutecita assegura a hipoacutetese de que exista um consenso

sobre os problemas e que jaacute hajam acordos sobre as questotildees que merecem ser

colocadas e uma manipulaccedilatildeo nos caminhos a que tais propostas de opiniatildeo devam

revelar caracterizando o discurso da opiniatildeo puacuteblica como algo jaacute previamente

moldado preferimos nos basear em Becker (2003) que afirma que a opiniatildeo puacuteblica

se caracteriza exatamente pela diversidade o que lhe distingue como um estudo

mais aprofundado da sociedade que eacute capaz de indicar a atitude e o

comportamento dos homens enquanto em conjunto (enquanto massa) diante de sua

eacutepoca

3 LIBERALISMO E ESCRAVIDAtildeO NAS CARTAS DE ERASMO

31 LIBERALISMO E ESCRAVIDAtildeO

Pudemos observar no capiacutetulo anterior uma visatildeo geral do oitocentos no segundo

reinado e a intrincada relaccedilatildeo dos intelectuais e elites tendo suas ideias divulgadas

por meio da imprensa Mas quais seriam essas ideias Em nosso caso aqui

sustentamos que Alencar fez uma opccedilatildeo pelas ideias liberais que jaacute se

apresentavam por aqui desde antes do impeacuterio As ideias de liberdade chegam de

carona com a independecircncia americana em 1776 e a revoluccedilatildeo francesa em 1789 e

influenciam os movimentos abolicionistas pelo Brasil desde a inconfidecircncia mineira

e a conjuraccedilatildeo baiana29 ateacute os uacuteltimos movimentos revolucionaacuterios no periacuteodo

regencial

O termo liberalismo bem como liberdade tem sua raiz no termo ldquolivrerdquo Cunha

(1997) apresenta-nos as variaccedilotildees livre do latim libegraver liberal do latim libeacuteralis

liberdade do latim libertas ndashaacutetis que etimologicamente formaram o francecircs

libeacuteralisme Bobbio (1998) afirma que a definiccedilatildeo histoacuterica de liberalismo oferece

dificuldades especiacuteficas a menos que possamos admitir a existecircncia de diversos

liberalismos Em primeiro lugar porque o liberalismo se manifesta em diferentes

paiacuteses em tempos histoacutericos diversos e em funccedilatildeo disso o liberalismo se confronta

com problemas especiacuteficos que acabam por determinar sua fisionomia e conteuacutedos

Abbagnano (2007) explica que o liberalismo eacute uma doutrina que tem origens na

idade moderna no seacuteculo XVIII e se caracteriza por tomar para si a defesa da

liberdade no campo poliacutetico O liberalismo pode ser classificado em duas fases uma

primeira fase no seacuteculo XVIII caracterizado pelo individualismo e uma segunda

fase no seacuteculo XIX caracterizada pelo estatismo

A primeira fase eacute caracterizada pelas seguintes linhas doutrinaacuterias que constituem os instrumentos das primeiras afirmaccedilotildees poliacuteticas do Liberalismo a) jusnaturalismo que consiste em atribuir aos indiviacuteduos direitos originaacuterios e inalienaacuteveis b) contratualismo que consiste em considerar a sociedade humana e o Estado como fruto de convenccedilatildeo entre indiviacuteduos (ABBAGNANO 2007 p604)

Na economia o liberalismo combate a intervenccedilatildeo do Estado na sociedade

tentando fazer com que o mercado siga seu caminho Bem como negando o

absolutismo estatal definindo a accedilatildeo deste definindo seu papel em cada lugar

mediante a divisatildeo dos poderes

Jusnaturalistas e moralistas como Bentham acreditavam que bastava ao indiviacuteduo buscar inteligentemente sua proacutepria felicidade para estar buscando simultaneamente a felicidade dos demais A doutrina econocircmica de Adam Smith baseia-se no pressuposto anaacutelogo da coincidecircncia entre o interesse econocircmico do indiviacuteduo e o interesse econocircmico da sociedade (ABBAGNANO 2007 p604)

29

Haacute de se observar a diferenccedila entre as vertentes do pensamento liberal jaacute aqui A conjuraccedilatildeo baiana pregava o fim da escravidatildeo ao passo que entre os participantes da inconfidecircncia mineira a aboliccedilatildeo da escravidatildeo negra natildeo era uma meta

Essas ideias aparecem no campo poliacutetico com os filoacutesofos iluministas como John

Locke Thomas Hobbes e Rousseau que tentaram estabelecer os limites do poder

poliacutetico ao afirmar que existiam direitos individuais que nem os reis poderiam

ultrapassar Bastos (1999) afirma tambeacutem que a busca pelo modelo de Estado

Liberal eacute o coroamento de toda a luta do indiviacuteduo contra alguma tirania do Estado

ldquoSeu pressuposto fundamental eacute que o maacuteximo de bem-estar comum eacute atingido em

todos os campos com a menor presenccedila possiacutevel do Estadordquo (BASTOS 1999

p139) A construccedilatildeo desse Estado liberal em contraposiccedilatildeo ao Estado absoluto eacute

dada pelo jusnaturalismo que eacute

() a doutrina segundo a qual o homem todos os homens indiscriminadamente tem por natureza e portanto independente de sua proacutepria vontade e menos ainda da vontade de alguns poucos ou de apenas um certos direitos fundamentais como o direito a vida agrave liberdade agrave seguranccedila agrave felicidade ndash direitos estes que o Estado ou mais concretamente aqueles que num determinado momento histoacuterico detecircm o poder legiacutetimo de exercer a forccedila para obter a obediecircncia a seus comandos devem respeitar e portanto natildeo invadir e ao mesmo tempo proteger contra toda possiacutevel invasatildeo por parte de outros (BOBBIO 1998 p11)

A segunda fase comeccedila quando esse postulado entre em crise na medida em que o

liberalismo individualista parecia defender os interesses de uma classe determinada

de cidadatildeos a burguesia que se consolidava nas cidades Teoacutericos contratualistas

como Rousseau e Burke e mesmo Hegel posteriormente afirmam que a teoria da

infalibilidade da vontade geral resultante da alienaccedilatildeo total de cada associado com

todos os seus direitos em favor de toda a comunidade transforma aquilo que para o

individualismo eacute do interesse individual como interesse estatal e de certa forma

absorvendo-o Dessa feita ia-se afirmando a superioridade do Estado sobre o

indiviacuteduo contra o que o liberalismo tinha lutado em sua primeira fase

(ABBAGNANO 2007)

As ideias de liberdade poliacutetica combinaram com as propostas de liberdade

comercial algo que se entendia ser beneacutefico a todos sendo assim posteriormente

associadas a defesa e desenvolvimento do capitalismo (HOBSBAWM 2010) O

chamado liberalismo econocircmico prega o fim da intervenccedilatildeo do Estado na produccedilatildeo

de riquezas o fim dos monopoacutelios e outras medidas protecionistas e incentivava a

livre concorrecircncia no mercado No Brasil as ideias liberais tomam forccedila a partir do

iniacutecio do seacuteculo XIX notadamente a partir da independecircncia em 1822 sob influecircncia

tambeacutem da revoluccedilatildeo liberal do Porto de 1820 mas tomando aqui suas

caracteriacutesticas proacuteprias Costa (1999) sustenta que o liberalismo brasileiro deve ser

entendido com referecircncia a realidade brasileira Tendo entre seus adeptos homens

ligados a economia agroexportadora ao traacutefico de escravos e os grandes

proprietaacuterios de terras que buscavam maior espaccedilo para seus produtos fora do

controle de Portugal Para tanto a situaccedilatildeo de colocircnia natildeo poderia ser aceita de

forma alguma

O liberalismo eacute uma corrente de pensamento vastiacutessima e que abrange vaacuterios

campos do pensamento humano Natildeo pretendemos aqui esgotar sequer algumas de

suas possibilidades nem tampouco discutir os valores filosoacuteficos do liberalismo

Este nos eacute apresentado como um movimento que busca a realizaccedilatildeo da liberdade

as garantias da propriedade privada e da vida humana Poreacutem nem sempre a

organizaccedilatildeo do pensamento liberal estaacute associada da ideia democraacutetica A

discussatildeo das ideias liberais no Brasil por exemplo exerceu influecircncia na Carta de

1824 A questatildeo eacute quais seriam as ideias que Alencar buscava apresentar em seu

discurso Satildeo as ideias desse poliacutetico caracterizadas como ideias liberais Haacute uma

comunhatildeo entre o liberalismo e a escravidatildeo Para comeccedilar a responder a tais

questotildees os intelectuais brasileiros se detiveram nas propostas do liberalismo

claacutessico representado pelo pensamento de ndash entre outros ndash T Hobbes Locke

Adam Smith Rousseau Bentham e Mill tentando traccedilar entre eles um caminhos

que justifique a implantaccedilatildeo do liberalismo poliacutetico no Brasil Esse caminho tambeacutem

seraacute trilhado por Alencar Vejamos como foi a adequaccedilatildeo do liberalismo agrave realidade

brasileira

32 LIBERALISMO E ESCRAVIDAtildeO O MODELO BRASILEIRO

A tiacutetulo de complementaccedilatildeo depois desse esboccedilo que natildeo se pretende exaustivo

podemos observar tambeacutem como bem nos diz Schwartz (1991) citando um panfleto

antiescravagista do segundo reinado um dos princiacutepios da economia poliacutetica eacute o

trabalho livre E no Brasil temos portanto o fato ldquoimpoliacuteticordquo da escravidatildeo O autor

adverte que o que se configurava como uma ideologia para as classes em ascensatildeo

na Europa vem a converte-se no Brasil em ideologia que constituiacutea o pano de

fundo dos interesses de uma elite escravocrata Dessa feita o liberalismo perderia

seu caraacuteter universalista passando a defender prioritariamente interesses

particulares

Durante o impeacuterio temos a formaccedilatildeo de dois grupos poliacuteticos distintos que

caracterizariam o periacuteodo com suas lutas e conciliaccedilotildees inclusive com a ldquotroca de

ladordquo de figuras relevantes satildeo eles o partido conservador e o partido liberal Muitas

das ideias que poderiam ser tomadas como liberais foram implantadas no Brasil

pelos conservadores mas nenhuma delas deixava de buscar a realizaccedilatildeo de

interesses particulares de uma elite social e poliacutetica e a manutenccedilatildeo da exploraccedilatildeo

do trabalho

Apoacutes a Independecircncia em 1822 o formaccedilatildeo do Estado Brasileiro toma corpo com

os princiacutepios de um estado regulador baseado em um governo de tradiccedilatildeo

absolutista poreacutem nascido sob a aclamaccedilatildeo de alguns preceitos especiacuteficos do

liberalismo Os processos de independecircncia dos Estados Unidos em 1776 a

Revoluccedilatildeo Francesa (1789-1799) e os movimentos de independecircncia que ocorriam

nas colocircnias espanholas no periacuteodo satildeo influecircncias determinantes

Segundo Costa (1999) o liberalismo estaacute vinculado ao desenvolvimento do

capitalismo e a criacutetica ao ldquoantigo regimerdquo Surge do enfretamento entre a burguesia

e o abuso da autoridade real como a concessatildeo de privileacutegios ao clero e da nobreza

e a manutenccedilatildeo de monopoacutelios Os liberais defendiam os teoacutericos do contrato social

afirmavam a soberania do povo e a supremacia da lei Lutavam ainda pela

representatividade frente ao governo e o direito a propriedade e a liberdade de

comercio e de trabalho No Brasil as elites poliacuteticas se julgavam aptas a gerir este

novo modelo de soberania Tais elites viam na monarquia constitucional o caminho

para se conseguir manter o povo sob controle restringir o poder do imperador e

conseguir a unidade e a estabilidade poliacutetica (COSTA 1999) O ideal liberal

proposto tambeacutem pela revoluccedilatildeo do Porto em 1820 segundo Carvalho (2007) foi o

fomento necessaacuterio para o processo de independecircncia da colocircnia Ao mesmo

tempo a heranccedila do pensamento poliacutetico portuguecircs assimilado pela elite brasileira

fora a responsaacutevel pela homogeneizaccedilatildeo de seus princiacutepios o que muito contribuiu

para a feitura de um projeto comum de naccedilatildeo coesa aos interesses da elite

A assimilaccedilatildeo dos ideais liberais de por alguns atores poliacuteticos que participaram do

processo de independecircncia advecircm de sua formaccedilatildeo intelectual concluiacuteda nas

universidades europeias principalmente em Coimbra o que lhes possibilitou um

contado direto com os fundamentos do liberalismo europeu Esses homens tinham

seus interesses relacionados a economia agroexportadora eram em geral

proprietaacuterios de grande extensatildeo de terras e elevado nuacutemero de escravos Portanto

tencionavam manter as tradicionais estruturas de produccedilatildeo ao mesmo tempo em

que se libertariam de Portugal e das restriccedilotildees que a relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo da

metroacutepole lhes impunha Significava enfim determinar a sobrevivecircncia de um

sistema de clientela e patronagem que representava os ideias que as revoltas

liberais europeias tentavam destruir Esse era o principal problema lidar com a

contradiccedilatildeo entre o liberalismo e a manutenccedilatildeo do trabalho escravo (COSTA 1999)

Podemos distinguir segundo Carvalho (2007) dois tipos de liberalismo no Brasil

Um deles ligado aos proprietaacuterios rurais ligados a economia de exportaccedilatildeo e trafico

de escravos e aquele dos profissionais urbanos que comeccedilas a aparecer a partir

das deacutecadas de 185060 com o maior desenvolvimento urbano e o aumento do

niacutevel de escolaridade nas cidades com a criaccedilatildeo das primeiras faculdades

Faoro (2004) tambeacutem argumenta que podemos identificar duas formas distintas de

liberalismo ao longo do seacuteculo XIX no Brasil O primeiro liberalismo vem de uma

ideologia de longa duraccedilatildeo e pode identificar seu marco fundamental em 1808 com

a abertura dos portos por D Joatildeo libertando das amarras de Portugal a produccedilatildeo

agriacutecola que agora busca ndash sem intermediaacuterios diretos - o comeacutercio internacional

poreacutem com acentuado favorecimento agrave Inglaterra As medidas satisfazem a uma

exigecircncia da Inglaterra e ao mesmo tempo aos produtores locais que se sentiam

limitados pelo pacto colonial Outro marco eacute a Independecircncia e a posterior outorga

da constituiccedilatildeo por D Pedro I que estabelece as normas para a representaccedilatildeo

poliacutetica o voto censitaacuterio e o funcionamento dos poderes legislativo e executivo

mediante uma combinaccedilatildeo de parlamentarismo e monarquia O segundo liberalismo

chega com as ideias de Joaquim Nabuco encabeccedilando um grupo reformista que

pretende as eleiccedilotildees diretas busca a limitaccedilatildeo dos poderes do Senado e do Poder

Moderador e em certa medida a defesa da aboliccedilatildeo da escravidatildeo para um futuro

proacuteximo (FAORO 2004)

a realidade socioeconocircmica no Brasil era muito diferente da europeia o que

acarretava em uma dificuldade na disseminaccedilatildeo dos ideais liberais para as camadas

populares visto que os niacuteveis de analfabetismo eram altos e os meios de

comunicaccedilatildeo poucos o que determinava uma marginalizaccedilatildeo do povo na vida

poliacutetica Tambeacutem o fato de que no Brasil o predomiacutenio de uma sociedade estamental

formada por donos de latifuacutendio que controlavam trabalhadores comuns e escravos

e a ausecircncia de uma burguesia dinacircmica que pudesse servir de suporte a esses

ideais Tudo isto fazia com que se esvaziasse o conteuacutedo dos manifestos em favor

das formas representativas de governo da soberania do povo da liberdade e

igualdade como direitos de todos os homens quando o que se via era a maior parte

da populaccedilatildeo alienada da vida poliacutetica e a manutenccedilatildeo da escravidatildeo (COSTA

1999 p29)

Em um dos periacuteodos mais conturbados da Histoacuteria do Brasil que eacute o periacuteodo da

regecircncia que vai de 1831 com a abdicaccedilatildeo de D Pedro I ateacute 1840 com o golpe da

maioridade podemos identificar uma seacuterie de movimentos poliacuteticos e trecircs facccedilotildees

que disputavam o poder os restauradores os liberais exaltados e os liberais

moderados

O grupo restaurador representava uma parte da classe dominante que apoiara D

Pedro I Com a abdicaccedilatildeo em favor de seu filho passaram a batalhar por seu

retorno ao trono brasileiro agitando os primeiros anos da Menoridade Acreditavam

que soacute uma monarquia com um regente de pulso forte e autoritaacuterio conseguiria

manter a uniatildeo do impeacuterio Seu braccedilo principal estava no senado e no Clube militar

Com a morte de D Pedro I em 1834 os caramurus ndash como eram chamados -

passaram a compor com os moderados o ldquoregresso conservadorrdquo

Os liberais moderados representavam a outra parcela da aristocracia Buscavam a

monarquia mas pelo vieacutes constitucionalista uma vez que a Constituiccedilatildeo de 1824

assegurava a sua continuidade no poder O liberalismo que rotulava essa facccedilatildeo era

apenas de fachada adequado agraves suas necessidades de classe dominante Este

grupo predominou durante os primeiros anos das Regecircncias tendo como um de

seus liacutederes principais Evaristo da Veiga Empenharam-se no combate aos

restauradores e exaltados federalistas na defesa da ordem e da centralizaccedilatildeo

fornecendo subsiacutedios para a orientaccedilatildeo governista

Os liberais exaltados que pretendiam-se uma esquerda liberal (um pouco mais a

esquerda do que os outros grupos) tambeacutem tinham viacutenculos com algumas parcelas

da aristocracia rural mas conseguiam alcanccedilar alguns outros grupos chegando

mesmo a arregimentar uma camada de homens livres destituiacutedos de propriedades

ou pequenos proprietaacuterios Variando de regiatildeo para regiatildeo desenvolviam atividades

nos centros urbanos ou nos campos oscilando numa relaccedilatildeo de dependecircncia entre

a classe dominante e a classe trabalhadora livre (FAUSTO 2001)

Enquanto os moderados defendiam a manutenccedilatildeo da ordem e das instituiccedilotildees

opondo-se a qualquer alteraccedilatildeo mais radical no contexto poliacutetico os liberais

exaltados eram reformistas Defendiam a liberdade ndash em alguns locais para

realmente todos os homens ndash e as reformas poliacuteticas chagando mesmo a defesa

do republicanismo Defendiam tambeacutem maior autonomia das proviacutencias em

contraproposta a tendecircncia centralista que se fortalecia (FAUSTO 2001)

Os membros do grupo moderado eram os regente e deputados Padre Diogo

Antocircnio Feijoacute Evaristo da Veiga Bernardo Pereira de Vasconcelos e o grande

proprietaacuterio de terras e escravos Honoacuterio Hermeto Carneiro Leatildeo

Jaacute o grupo de liberais exaltados (ou radicais) tinha como uma das principais

lideranccedilas Miguel de Frias (que ficou famoso por ter recebido a carta com a

abdicaccedilatildeo de D Pedro I) Eram favoraacuteveis agrave repuacuteblica desejavam a aplicaccedilatildeo das

ideias liberais mesmo que a custa de luta armada Agrave frente do grupo de

restauradores estavam os irmatildeos Andrada

Segundo Rodrigues (2008) a violecircncia social foi caracteriacutestica da regecircncia e com a

maioridade os uacuteltimos resquiacutecios de dissenccedilotildees foram resolvidos institucionalmente

com o fim das revoltas populares pelo interior do Brasil afastando assim os focos de

tendecircncias mais radicais Eacute a partir da ascensatildeo desse grupo moderado que se

solidifica a vertente conservadora que

() admitia a escravidatildeo a participaccedilatildeo poliacutetica restrita aos proprietaacuterios de terras e o modelo de organizaccedilatildeo juriacutedico-poliacutetico monaacuterquico Desse modo os liberais conservadores da regecircncia lutavam pela aboliccedilatildeo das instituiccedilotildees coloniais contra o despotismo o poder da aristocracia portuguesa contra a interferecircncia do Estado na vida econocircmica e pela defesa da propriedade incluindo os escravos (RODRIGUES 2008 p158)

A base de sustentaccedilatildeo do grupo moderado que se apresentava entatildeo como um

representante dos cafeicultores incluiacutea proprietaacuterios e comerciantes e tambeacutem o

grupo dos intelectuais urbanos ciando um ponto de aglutinaccedilatildeo para os outros

setores da classe proprietaacuteria

Bosi (1988) afirma que o paradoxo entre liberalismo e escravidatildeo foi somente verbal

O liberalismo ativo do trabalho ndash e do trabalhador ndash livre ldquosimplesmente natildeo existiu

enquanto ideologia dominante no periacuteodo que se segue agrave Independecircncia e vai ateacute

os anos centrais do Segundo Reinadordquo (BOSI 1998 p 05) O autor tambeacutem afirma

que para entender a articulaccedilatildeo liberal com o regime escravagista eacute necessaacuterio

compreender o modo de pensar das classes poliacuteticas dominantes no impeacuterio que se

impocircs a partir da independecircncia e se consolida entre 1831 e 1860

aproximadamente Segundo ele o que dominou em todo esse periacuteodo no Brasil foi

um ideaacuterio de fundo conservador Um conjunto de normas juriacutedico-poliacuteticas capazes

de garantir a propriedade fundiaacuteria e a escravidatildeo negra ateacute o seu limite Para que

possamos nos inteirar deste paradoxo eacute preciso entender a ascensatildeo dos grupos

que defendiam o trabalho escravo e seus liacutederes

Formado ao longo das crises da Regecircncia o nuacutecleo conservador definiu-se pela voz dos seus liacutederes Bernardo Pereira de Vasconcelos Arauacutejo Lima e Honorio Hermeto como o Partido da Ordem no ano criacutetico de 1837 e logo apoacutes a renuacutencia de Feijoacute A sua histoacuteria eacute a de uma alianccedila estrateacutegica flexiacutevel mas tenaz entre as oligarquias mais antigas do accediluacutecar nordestino e as mais novas do cafeacute no Vale do Paraiacuteba as firmas exportadoras os traficantes negreiros os parlamentares que lhes davam cobertura e o braccedilo militar chamado sucessivas vezes nos anos de1830 e 40 para debelar surtos de facccedilotildees que espocavam nas proviacutencias Ao radicalismo impotente desses grupos locais opocircs-se desde o comeccedilo o chamado liberalismo moderado que exerceu de fato o poder tanto na fase regencial quanto nos anos iniciais do Segundo Impeacuterio As divisotildees internas natildeo tocaram sua unidade profunda na hora da accedilatildeo (BOSI 1998p05)

Rodrigues (2008) tambeacutem sustenta que Bernardo de Vasconcelos e Evaristo

Ferreira da Veiga com mandatos de deputados durante a regecircncia ldquolideravam o

grupo dos liberais moderados que representava os interesses dos proprietaacuterio de

terras e dos cafeicultores Naquele momento o cafeacute era o principal produto na pauta

de exportaccedilatildeo do Brasil a partir de 1831rdquo (RODRIGUES 1988 p155) Nesse

contexto estes representantes dos cafeicultores dificilmente iriam contra a poliacutetica

da escravidatildeo visto a falta de braccedilos para a lavoura e os lucros advindos do

trabalho escravo O liberalismo praticado pelo grupo vai se tornando cada vez mais

conservador visto a necessidade de manter os interesses e o predomiacutenio do grupo

dominante Admite esta autora que ldquoo liberalismo poliacutetico posto em praacutetica pelo

grupo moderado teve como objetivo a defesa dos interesses dos proprietaacuterios e natildeo

a alteraccedilatildeo da ordem vigenterdquo (RODRIGUES 1988 P157) Com o advento da

Regecircncia os uacuteltimos focos de um liberalismo mais radical foram suprimidos com o

fim dos movimentos revoltosos pelo paiacutes o que abriu espaccedilo para a consolidaccedilatildeo

do modelo liberal conservador com alguns ajustes e concessotildees que o ajudaram a

aglutinar as dissidecircncias dos outros grupos

A importacircncia de Bernardo de Vasconcelos e Evaristo da Veiga como divulgadores

do liberalismo pode ser observada principalmente em seu trabalho como jornalistas

a frente dos jornais ldquoO Sete de Abrilrdquo e o ldquoAurora Fluminenserdquo respectivamente Tal

influencia natildeo se limita a Corte visto que outros perioacutedicos reeditavam seus

editoriais chegando o seu alcance desde o interior do Rio de Janeiro ateacute outras

proviacutencias particularmente agrave regiatildeo centro-sul do paiacutes Daiacute podemos ter uma ideia

do poder da imprensa como divulgadora de ideias ndash liberais ou natildeo ndash para os grupos

letrados Bernardo Vasconcelos chega a estabelecer uma diferenciaccedilatildeo entre os

dois liberalismos identificando os radicais como aqueles que norteavam-se pelas

ideias de Rousseau e acreditavam na luta armada e os liberais conservadores como

adeptos da conciliaccedilatildeo e a compatibilizaccedilatildeo dos novos com os antigos valores

(RODRIGUES 2008)

Neves (2001) sustenta que o liberalismo no Brasil se alavanca a partir da revoluccedilatildeo

vintista em Portugal erguida ldquoem nome da Constituiccedilatildeo da naccedilatildeo do rei e da

religiatildeo catoacutelicardquo (NEVES 2001 p76) propondo reformas que pudessem garantir ao

indiviacuteduo direitos de cidadania liberdade de expressatildeo de imprensa dentre outros

buscando o fim do despotismo como uma soluccedilatildeo para o impeacuterio O movimento tem

a adesatildeo do Paraacute e da Bahia seguidos posteriormente pelo Rio de Janeiro sendo

segundo a autora assimilada sem dificuldade pelos elementos das elites poliacutetica e

intelectuais no Brasil A proposta era buscar o novo mas sem abrir matildeo dos antigos

privileacutegios econocircmicos Esta autora sustenta que os jornais panfletos e pasquins

editados no periacuteodo auxiliaram a tomada de um vocabulaacuterio ldquoliberalrdquo pelo grande

puacuteblico que acompanhava as criacuteticas de intelectuais contra o regime divulgadas nas

diversas publicaccedilotildees criando uma rede de ideias que se multiplicava por vaacuterias

partes do paiacutes

Para Gorender (2002) os princiacutepios liberais levados adiante pelos comerciantes e

plantadores era o direito de ter uma representaccedilatildeo no estado fora das limitaccedilotildees

impostas pela poliacutetica colonial Esse processo segundo ele tem inicio apenas com a

abdicaccedilatildeo em 1831 visto que D Pedro I ainda era um representante de Portugal

aqui em nossas terras Gorender afirma que o liberalismo europeu defende o

trabalho livre a eliminaccedilatildeo das injunccedilotildees feudais do pagamento da corveia e de

todos os demais tributos que caracterizaram o sistema feudal Mas lembra tambeacutem

que o proacuteprio Adam Smith natildeo era contra a escravidatildeo nas colocircnias Ou seja o

liberalismo europeu segundo um de seus mais importantes representantes jaacute nasce

sob esta contradiccedilatildeo O autor tambeacutem sustenta que mesmo com a Revoluccedilatildeo

Francesa tendo decretado a libertaccedilatildeo dos escravos em suas colocircnias francesas

Napoleatildeo restabelece a escravidatildeo oito anos depois (GORONDER 2002) Apesar

da liberdade ser um valor importante na Europa aparentemente nas colocircnias a

poliacutetica praticada natildeo era a mesma O que nos leva a entender melhor a relaccedilatildeo

liberalismoescravidatildeo no Brasil Tambeacutem podemos lembrar aqui que mesmo as

instituiccedilotildees religiosas natildeo foram totalmente contraacuterias a escravidatildeo visto que as

ordens religiosas no Brasil mantinham escravos negros

Por tudo isso podemos entender que no processo de formaccedilatildeo do Estado Imperial

Brasileiro havia diferentes leituras e objetivos para o uso do liberalismo ligadas a

interesses especiacuteficos Por um lado como enfatiza Mattos (1987) a accedilatildeo do grupo

conservador no impeacuterio seguia no sentido da construccedilatildeo de monopoacutelios como uma

certa continuidade da poliacutetica que era praticada no periacuteodo colonial enfatizando as

relaccedilotildees de dominaccedilatildeo sustentadas pela coroa Costa (1999) identifica uma certa

originalidade no movimento poliacutetico brasileiro do periacuteodo tentando interpreta-lo

como uma figura hiacutebrida onde os elementos conservadores permanecem criando

uma amalgama com as praacuteticas liberais aceitas estruturando as instituiccedilotildees e a

visatildeo de mundo dos agentes poliacuteticos das elites dominantes sustentados pelas

classes intermediaacuterias que se desenvolvia nas cidades mas que ao mesmo tempo

viam no sistema agroexportador baseado na escravidatildeo uma dificuldade para o

desenvolvimento do capitalismo E haacute mesmo aqueles que como Carvalho (2007)

que chega a subestimar o aspecto liberal enfocando o periacuteodo na perspectiva de

que havia um pensamento conservador dominante prevalecendo no pensamento

poliacutetico local sendo a conciliaccedilatildeo entre as correntes de pensamento e os partidos a

poliacutetica da coroa com o intuito de administrar interesses e evitar conflitos e o

liberalismo sendo apenas uma face da mesma moeda Prado (2001) ainda enfatiza

que o pacto liberal era difiacutecil de ser compreendido no impeacuterio brasileiro que se

forma sob a tradiccedilatildeo ibeacuterica caracterizada pela valorizaccedilatildeo da tradiccedilatildeo e por uma

resistecircncia para as novas ideias que soacute eram experimentadas quando

extremamente necessaacuterias e sob a condiccedilatildeo de que natildeo desestruturassem a ordem

vigente Bosi (1988) sustenta ainda que o traacutefico esta apoiado por vezes pelas

proacuteprias autoridades a quem cabia fazer cessar o traacutefico Mantendo sob seu controle

terras o cafeacute e os escravos tais homens ligados a administraccedilatildeo e a poliacutetica como

o grupo ldquosaquaremardquo de Euzeacutebio Paranaacute Uruguai e Itaboraiacute apoiavam o ldquocomeacutercio

livre Primeira e principal bandeira dos colonos patriotas [ que ] natildeo significava

necessariamente e natildeo foi efetivamente sinocircnimo de trabalho livrerdquo (BOSI 1988 p

07) O que resulta segundo o autor que os moderados cedo ou tarde mostrariam

sua verdadeira face que eacute a conservadora

Os traficantes foram poupados e os projetos iluministas raros e esparsos de aboliccedilatildeo gradual foram reduzidos ao silecircncio Deu-se ao Exeacutercito o papel de zelar pela unidade nacional contra as tendecircncias centriacutefugas dos clatildes provinciais Vencidos os uacuteltimos Farrapos estava salva a sociedade no caso o Estado aglutinador de latifundiaacuterios seus representantes tumbeiros e burocracia A retoacuterica liberal trabalha seus discursos em torno de uma figura redutora por excelecircncia a sineacutedoque pela qual o todo eacute nomeado em lugar da parte impliacutecita (BOSI 1988 09)

Podemos entender com o que foi visto que o liberalismo acaba por adaptar suas

caracteriacutesticas gerais dependendo do local onde se estabelece Prado (2001) lembra

ainda que o impeacuterio no Brasil herdeiro da tradiccedilatildeo poliacutetica ibeacuterica era tambeacutem

avesso a novas ideias no campo poliacutetico que pudessem vir a desestruturar a ordem

estabelecida o que faz com que as ideias liberais assumidas sejam

preferencialmente as de cunho mais conservador Aleacutem do que Prado (2001)

concorda que com a produccedilatildeo organizada sob a exploraccedilatildeo do trabalho escravo

(altamente lucrativo no momento) era muito difiacutecil empreender qualquer movimento

em prol da igualdade e liberdade individuais

A partir da apresentaccedilatildeo deste conjunto de ideias acreditamos que seja possiacutevel

verificar se no texto de Alencar haacute ou natildeo alguma identidade com o liberalismo e a

defesa da escravidatildeo Concordando com o que diz Bosi (1988) acreditamos que

Alencar em seu texto busca uma defesa para o conservadorismo pregado pelos

latifundiaacuterios e traficantes de escravos em que a economia agroexportadora

baseada no braccedilo escravo deveria permanecer como a base econocircmica do Brasil

mantendo assim os privileacutegios dessas elites O liberalismo defendido por Alencar eacute ndash

como afirma Bosi(1988) ndash uma sineacutedoque em que a parte apresentada escolhida

determinada eacute tomada como um todo uniforme desvirtuando assim as ideias

originais do liberalismo e criando novo discurso ideoloacutegico para sustentar um grupo

que se apresenta no poder E eacute para esse discurso disseminado no texto de

Alencar que nos remetemos agora

33 AS CARTAS DE ERASMO

A carta aberta integra os gecircneros textuais caracterizados pelo caraacuteter

argumentativo Sua proposta eacute permitir que o missivista expusesse para o puacuteblico as

suas opiniotildees ou reivindicaccedilotildees acerca de um determinado assunto O gecircnero

difere-se da carta pessoal a qual trata em geral de assuntos que dizem respeito

apenas aos interlocutores nela envolvidos A carta aberta faz referecircncia a assuntos

de interesse coletivo ou que se queira coletivizar De tal modo a carta aberta pode

ser utilizada como forma de protesto contra esse problema como alerta e ateacute

mesmo como meio de conscientizaccedilatildeo da populaccedilatildeo ou de algueacutem com certa

influecircncia como por exemplo um representante de uma entidade ou do governo

acerca da problemaacutetica em questatildeo

As cartas em geral tem uma importacircncia grande como fontes para a historiografia

brasileira A epistolae era forma de comunicaccedilatildeo habitual entre os jesuiacutetas

registrando o cotidiano das primeiras deacutecadas da colocircnia Os jesuiacutetas escreviam-se

dos lugares mais distantes incentivando-se e sugerindo formas de abordagem para

os diferentes grupos aos quais tinham contato No Brasil as primeiras cartas de

Anchieta em sua maioria escritas em latim relatam detalhes da paisagem dos

costumes e das pessoas em Satildeo Paulo entatildeo Vila de Piratininga A primeira carta

do padre Joseacute Anchieta30 escrita em Setembro de 1554 e endereccedilada a Inaacutecio de

Loyola fundador da Companhia de Jesus fala da primeira missa realizada na regiatildeo

(PARIS 1997) As chamadas ldquoCartas Chilenasrdquo atribuiacutedas a Tomaacutes Antocircnio

Gonzaga e escritas em meados do seacuteculo XVIII compondo um longo e irreverente

poema satiacuterico satildeo um documento importante para auxiliar-nos na compreensatildeo da

Inconfidecircncia Mineira Famosas tambeacutem ficaram as cartas de D Pedro I a Condessa

Domitila de Castro nos mostram sete anos (1822 a 1829) de romantismo e do

cotidiano da Corte Na cultura cristatilde mais identificada conosco temos o conjunto de

cartas que Paulo escreve para as igrejas (eccleacutesia ecclesiam ἐκκλησίαν31) na Aacutesia

menor que segundo suas instruccedilotildees poderiam ser lidas para a comunidade

A carta aberta era um meio comum de participar o debate poliacutetico com o puacuteblico nas

primeiras deacutecadas da imprensa Sua publicaccedilatildeo nos jornais no caso dos deputados

como Alencar que moravam na Corte e representavam proviacutencias distantes servia

como uma prestaccedilatildeo de contas puacuteblica O jornal apesar do pouco tempo de vida no

Brasil alcanccedila no segundo reinado a qualidade de um importante agente de

agitaccedilatildeo poliacutetica Entendia-se ali que apesar da verborragia caracteriacutestica do

romantismo e presente em praticamente todos os textos natildeo oficiais o poliacutetico

estava efetivamente trabalhando por alguma coisa Oficializando para a sociedade

suas opiniotildees e posiccedilatildeo no palco poliacutetico da Corte Vaacuterias cartas abertas foram

redigidas no periacuteodo o trabalho de Alencar eacute apenas um exemplo entre muitos

outros E a liberdade de opiniatildeo e de imprensa jaacute eacute presente (e utilizada) desde o

reinado de D Pedro I garantida pela constituiccedilatildeo de 1824 Apesar de D Pedro I natildeo

ter se notabilizado por seu ldquoapoiordquo a imprensa O priacutencipe sempre foi alvo de duras

criacuteticas ateacute mesmo por sua conduta na vida privada

30 Uma ediccedilatildeo de ldquoCartas Avulsasrdquo de Jesuiacutetas - escritas no periacuteodo de 1550 a 1568 - pela Biblioteca da Cultura Nacional publicada jaacute em 1931 registra a importacircncia desse gecircnero 31

As comunidades religiosas do periacuteodo criadas sob a supervisatildeo de Paulo satildeo ainda estaacutegios

de formaccedilatildeo de uma ldquoigrejardquo cristatilde No latim claacutessico eccleacutesia apresenta uma grande variante graacutefica nos textos portugueses do seacutec XIII ao XVI Conforme CUNHA Antocircnio Geraldo da Dicionaacuterio etimoloacutegico da liacutengua portuguesa Rio de Janeiro Nova Fronteira 1982

Alencar publica as cartas e as endereccedila a vaacuterios entes poliacuteticos segundo o assunto

a que iraacute referir e dependendo do efeito e do ldquodestinataacuteriordquo que pretenda atingir Sua

posiccedilatildeo conservadora frente a escravidatildeo talvez tenha sido o tema que mais chama

a atenccedilatildeo Eacute onde centraremos o foco de nossa pesquisa na tentativa de analisar a

defesa de um projeto liberalconservador baseado na matildeo de obra escrava que vai

de encontro as pressotildees externas da Inglaterra de intelectuais franceses e mesmo

internas como a disposiccedilatildeo anunciada por D Pedro II na fala do trono de 1867 para

dar um fim a escravidatildeo no Brasil O pseudocircnimo escolhido foi Erasmo32 No periacuteodo

do recorte ainda natildeo havia um movimento abolicionista consistente vindo da opiniatildeo

puacuteblica Em publicaccedilatildeo recente33 Tacircmis Parron reedita a seacuterie das ldquoNovas Cartasrdquo

endereccediladas ao Imperador no periacuteodo de 196768 aonde procura detalhar este

ponto

Nosso objetivo com a leitura das cartas aleacutem de descobrir se houve uma defesa das

ideias liberais no Brasil ao mesmo tempo em que se tentava conciliar o ideal de

liberdade com a escravidatildeo eacute tambeacutem conseguir uma visatildeo geral do cotidiano

poliacutetico do II reinado na oacutetica de um importante intelectual do periacuteodo enquanto um

analista da dinacircmica das accedilotildees poliacuteticas e como um agente de justificaccedilatildeo do poder

da elite sobre a populaccedilatildeo como um elemento de ligaccedilatildeo das ideias (da ideologia)

desses grupos dominantes com suas vaacuterias camadas perifeacutericas Dado os limites da

pesquisa como observado anteriormente nos concentraremos na posiccedilatildeo de

Alencar frente a escravidatildeo

Apesar de ter jaacute experiecircncia como redator de jornais e manter relaccedilotildees com a

imprensa Alencar prefere publicar as cartas em forma de folhetins que eram

vendidos nas ruas e em livrarias e entregues em casa apenas por meio de 32 Uma referecircncia os filoacutesofo humanista Erasmo de Roterdatilde (1466-1536) As ideias de Erasmo teriam

sido precursoras da reforma protestante que inicia efetivamente com Lutero Dentre seus muitos

trabalhos destacamos o ldquoInstitutio Principis Christianirdquo escrito como uma seacuterie de conselhos

poliacuteticos e morais ao Rei Carlos da Espanha (mais tarde Carlos V do Sacro Impeacuterio Romano)

Acreditamos que o conhecimento de tal obra tenha sido o que sugeriu a Alencar assumir o

pseudocircnimo Erasmo

33 Ediccedilatildeo das ldquoNovas cartas poliacuteticas ao Imperadorrdquo em ALENCAR Joseacute de Cartas a favor da

escravidatildeo Org Tacircmis Parron Satildeo Paulo Heacutedra 2008

solicitaccedilatildeo anterior feita ao editor O que jaacute demonstra que Alencar natildeo pretendia

manter viacutenculos com a imprensa sobre suas opiniotildees poliacuteticas que acabariam

trazendo louros (ou problemas) para o jornal a que ele estivesse vinculado Apesar

do pseudocircnimo natildeo era difiacutecil descobrir o autor dos textos visto que o grupo de

agentes poliacuteticos era reduzido na Corte no periacuteodo imperial e o estilo literaacuterio de

Alencar jaacute fazia sucesso

Tomaremos aqui para a nossa anaacutelise a nova ediccedilatildeo das cartas publicada pela

Academia Brasileira de Letras em 2009 tendo a organizaccedilatildeo do professor e

historiador Joseacute Murilo de Carvalho que se baseou para esta publicaccedilatildeo nos

exemplares originais da biblioteca da Cacircmara dos Deputados em Brasiacutelia o que nos

proporciona uma visatildeo iacutentegra do texto Segundo R Chartier (2009) eacute preciso ter

cuidado com as possiacuteveis adaptaccedilotildees que editores realizam para que determinada

obra natildeo tenha sua leitura ldquofacilitadardquo para o grande puacuteblico podendo mesmo admitir

cortes Acreditamos que natildeo seja o caso aqui A publicaccedilatildeo com a qual

trabalharemos conteacutem as seguintes cartas

Ao Imperador Cartas de Erasmo de 1865 no caso a segunda ediccedilatildeo de 1866

Uma carta ldquoAo Redator do Diaacuteriordquo (do Rio de Janeiro)

Ao Povo Cartas Poliacuteticas de Erasmo de 1866 acompanhadas das cartas ldquoAo

Marquecircs de Olindardquo e ldquoAo Visconde de Itaboraiacute Carta de Erasmo Sobre a Crise

Financeirardquo

Ao Imperador Novas Cartas Poliacuteticas de Erasmo de 1867-68

Eacute preciso explicar uma diferenccedila baacutesica entre as cartas e os folhetins O chamado

ldquoromance de folhetimrdquo chega ao Brasil por volta do iniacutecio do seacuteculo XIX e assim

como na Inglaterra e na Franccedila cai no gosto popular e eacute responsaacutevel por uma parte

importante do desenvolvimento intelectual da populaccedilatildeo Visto que a educaccedilatildeo era

um bem muito caro os romances divulgavam ideias e uma moral

caracteristicamente burguesa para uma parte importante da populaccedilatildeo o que era

desejaacutevel e estimulavam o prazer da leitura A maioria dos tiacutetulos vem traduzida do

original inglecircs (ou francecircs) No Rio de Janeiro salas de leitura (gabinetes) foram

criadas as bibliotecas constituiacutedas (natildeo somente para brasileiros mas para muitos

ingleses que aqui tinha organizado sua vida) emprestavam livros a preccedilos moacutedicos

e pelo seu desenvolvimento cabe questionar o mito de que a maioria da populaccedilatildeo

natildeo tenha nenhum tipo de alfabetizaccedilatildeo O prazer das histoacuterias e a seduccedilatildeo que

estas apresentavam jaacute comenta o Alencar eram muito apreciadas Ele quando

ainda menino lia romances em voz alta para as pessoas em uma sala de estar

acalenta o coraccedilatildeo do povo que por tantos motivos foi privado da alfabetizaccedilatildeo

(NETO 2006)

Alencar se aproveita da praacutetica da publicaccedilatildeo de tais romances em colunas de

jornais regulares Ele mesmo teria oferecido nas paacuteginas da Gazeta do Rio de

Janeiro o romance O Guarani entatildeo um sucesso Os leitores confiantes na

periodicidade aguardavam os proacuteximos capiacutetulos dos romances em dias

determinados Sabendo disso Alencar cria tambeacutem uma ldquoperiodicidaderdquo para as

suas cartas anunciada desde a primeira e veiculada por meio de uma nota do

editor O missivista trata do tema como em uma novela usando sua retoacuterica

romacircntica para alcanccedilar os gostos mais diversos Vem daiacute a procura das cartas

pelos leitores nas terccedilas-feiras dia de sua circulaccedilatildeo A questatildeo da impressatildeo da

carta em folhetim eacute justificada por ser este um meio barato e de raacutepida finalizaccedilatildeo

As cartas satildeo pois impressas em folhetins este eacute o seu suporte Poreacutem natildeo

constituem um romance de folhetim gecircnero tambeacutem relativamente novo no periacuteodo

Folhetim aqui eacute formato do veiacuteculo um pequeno caderno com folhas encartadas

mais parecido com um jornal em tamanho modesto como eram comuns os jornais

na primeira metade do oitocentos Outro sentido dado ao termo (que ajuda na

confusatildeo) ldquofolhetimrdquo indica um texto publicado no rodapeacute da paacutegina do jornal com

comentaacuterios sobre os fatos correntes no meio caminho entre o texto informativo e a

crocircnica em que o jornalista geralmente emitia sua opiniatildeo sobre o assunto tratado

Alencar com sua coluna semanal ldquoao correr da penardquo se especializa nesse estilo de

escrita Por fim lembramos que com as cartas em tais suportes Alencar retoma de

certa forma a tradiccedilatildeo dos pasquins como um tipo de publicaccedilatildeo criacutetica escrita por

uma pessoa apenas e jaacute presente no Brasil mesmo antes da independecircncia em

forma satiacuterica e ateacute mesmo panfletaacuteria (BAHIA 1990)

Eacute mesmo possiacutevel que algueacutem um funccedilatildeo dessas caracteriacutesticas do suporte tenha

chegado a pensar nas cartas como uma ficccedilatildeo em que o imperador e o congresso

figurassem como personagens em mais um drama ou comeacutedia do autor mas isto eacute

soacute uma suposiccedilatildeo deixaremos essas questotildees para a vertente de romancista do

Alencar com suas anotaccedilotildees na pasta da gaveta Mesmo assim sendo esta uma

possibilidade entendemos que a releitura e emprego de fontes tradicionais podem

mesclar-se a partir do meacutetodo utilizado com a invenccedilatildeo de novas fontes que nos

possibilitem uma interpretaccedilatildeo do pensamento dos atores de determinado periacuteodo

(CHARTIER 1990) O jornalismo como instrumento de convencimento poliacutetico

caracteriza a imprensa brasileira na primeira metade do seacuteculo XIX e continua

assim mesmo que de forma mais branda no segundo reinado (ROMANCINI 2007)

Eacute desta forma que caracterizaremos inicialmente o texto das cartas de Erasmo

Joseacute Murilo de Carvalho (2007) sustenta que a despeito da tradiccedilatildeo familiar tendo

sido seu pai um importante poliacutetico representante do partido Liberal as ideias de

Alencar tendiam mais para a proposta conservadora Mas como jaacute comentamos

tais diferenccedilas ndash apesar de existirem ndash eram tatildeo somente maneiras de se posicionar

frente a um mesmo sistema de dominaccedilatildeo o que nos faz crer que exista uma

postura liberalconservadora como modelo para a manutenccedilatildeo do poder a ser

construiacutedo pelas elites e nesse momento tambeacutem atraveacutes de alguns setores da

imprensa Eacute o que buscaremos aqui atraveacutes de uma anaacutelise criacutetica do texto

tentando formular hipoacuteteses em seu curso e deduccedilotildees a partir dos dados obtidos

Cabe lembrar que as cartas de Erasmo satildeo publicadas no periacuteodo entre 17 de

novembro de 1865 e 15 de marccedilo de 1868 portanto antes de Alencar assumir o

ministeacuterio da Justiccedila Talvez a leitura das cartas tenha influenciado a opiniatildeo de

Itaboraiacute na ocasiatildeo do convite de Alencar para compor o ministeacuterio e mesmo na

decisatildeo de D Pedro II para o aceite do ministro Aqui surge uma questatildeo Sustenta-

se que uma das razotildees de D Pedro natildeo ter escolhido Alencar para ser ldquopremiadordquo

com uma cadeira no senado se daria em funccedilatildeo de seu temperamento impulsivo

Que o imperador natildeo podia ldquoconfiarrdquo no Alencar por natildeo saber que tipo de ideais

poderiam sair daquela cabeccedila em dias de arroubo - eacute o que consideram Schwarcz

(1999) e Menezes (1965) Acreditamos tendo por base a pesquisa que D Pedro II

jaacute teria reconhecido no Alencar uma possibilidade para a cooptaccedilatildeo do intelectual haacute

muito tempo E seu ideal conservador e monarquista eacute determinante O imperador

conhecia o Alencar estudou suas accedilotildees por meio das cartas conhecia seus

romances e assistiu aos espetaacuteculos de teatro que o artista criara A ideia de uma

sociedade liberal assentadas na base escravista vinha a calhar com o pensamento

necessaacuterio para a manutenccedilatildeo do Estado no periacuteodo Dom Pedro II era - de certa

forma segundo sustenta Menezes - um seu ldquofatilderdquo E quando do aceite de seu nome

para o ministeacuterio da justiccedila o imperador sabia muito bem onde pisava

As cartas nos mostram a situaccedilatildeo poliacutetica do paiacutes a escravidatildeo e a opiniatildeo de

Alencar sobre como deveria funcionar uma monarquia representativa Um ponto

importante a ser levado em conta eacute o diacronismo caracteriacutestico da seacuterie Sua

publicaccedilatildeo semanal com respeitaacutevel regularidade entre 1965 e 1968 permite a

Alencar uma visatildeo do cotidiano da Corte e suas transformaccedilotildees inclusive as

respostas (muitas vezes diretas de interlocutores que se apresentavam em outras

veiacuteculos ou mesmo na cacircmara) agraves suas criacuteticas o que conduzia a reavaliaccedilotildees eou

reafirmaccedilotildees de posiccedilatildeo do missivista sempre para um proacuteximo nuacutemero

Admitindo que uma sociedade da corte como lembra Chartier (1990) citando um

estudo de Norbert Elias eacute uma formaccedilatildeo social caracterizada por um estatuto de

dependecircncia das relaccedilotildees sociais existentes entre os sujeitos esta constitui

portanto uma forma particular de sociedade onde a Corte desempenha um papel

central que se caracteriza por um conjunto especiacutefico de relaccedilotildees de poder nesse

dado momento Natildeo somente a Corte brasileira no segundo reinado mas a

sociedade caracterizada (construiacuteda pode-se dizer) na e pela Corte como um

modelo para o restante do paiacutes criar um modelo (ou um conceito) na Corte seria

uma forma de agenciamento de tais modelos para os grupos perifeacutericos

Eacute preciso esclarecer por fim que o conteuacutedo das cartas natildeo eacute novo como natildeo eacute

nova sua apresentaccedilatildeo e estudo feitos por comentaristas de renome como por

exemplo os citados Raimundo Menezes e Joseacute Murilo de Carvalho O que se

propotildee aqui eacute buscar nas indicaccedilotildees nas proposiccedilotildees enfim nos iacutendices deixados

no texto uma visatildeo mais abrangente que as caracteriacutesticas de Joseacute de Alencar ndash

com seu estilo marcante ndash propotildeem na escritura - o que trataremos aqui como

documento Vale a ressalva de que as ldquocartas poliacuteticasrdquo natildeo a satildeo a primeira

experiecircncia de Alencar no gecircnero A polecircmica sobre a ldquoConfederaccedilatildeo dos Tamoiosrdquo

com Gonccedilalves de Magalhatildees (e com o grupo que o apoiava) lhe garante uma

experiecircncia soacutelida no debate aberto Cabe tambeacutem enquanto delimitaccedilatildeo do objeto

a caracterizaccedilatildeo dos leitores Alencar escreve para as elites (natildeo que soacute membros

da elite carioca tivessem acesso aos textos tambeacutem funcionaacuterios puacuteblicos diversos

pequenos comerciantes profissionais liberais mesmo um puacuteblico leigo que se

interessava pelo cotidiano poliacutetico do Rio de Janeiro ndash como o demonstramos em

toacutepico anterior - e que deveria ser consideraacutevel visto a quantidade de pequenos

jornais e folhetos impressos para a divulgaccedilatildeo de ideias de poliacuteticos e partidos Mas

estes natildeo eram entatildeo seu principal alvo) tendo a imprensa ndash a miacutedia impressa visto

que a impressatildeo do texto foi feita em folhetins ndash como veiacuteculo que o permitiria levar

suas ideias a um grupo maior detentor de uma opiniatildeo que pode ser mobilizadora

ou mobilizada aqui temos clara a afirmativa de Chartier (1990) que sustenta que a

proacutepria cultura da elite eacute constituiacuteda em grande parte por um trabalho operado em

material que lhe seja proacuteprio que por esta eacute reconhecido Sendo assim sobre tais

elites definimo-las com o apoio de Boacutebbio

() uma minoria que por vaacuterias formas eacute detentora do poder em contraposiccedilatildeo a uma maioria que dele estaacute privada () Em todas as sociedades a comeccedilar por aquelas mais mediocremente desenvolvidas e que satildeo apenas chegadas aos primoacuterdios da civilizaccedilatildeo ateacute as mais cultas e fortes existem duas classes de pessoas a dos governantes e a dos governados A primeira que eacute sempre a menos numerosa cumpre todas as funccedilotildees puacuteblicas monopoliza o poder e goza as vantagens que a ela estatildeo anexas enquanto que a segunda mais numerosa eacute dirigida e regulada pela primeira de modo mais ou menos legal ou de modo mais ou menos arbitraacuterio e violento fornecendo a ela ao menos aparentemente os meios materiais de subsistecircncia e os que satildeo necessaacuterios agrave vitalidade do organismo poliacutetico (BOBBIO1998 p385)

Alencar tinha conhecimento do alcance das cartas Mas o seu destinataacuterio o ldquoleitorrdquo

referencial eacute o imperador D Pedro II A figura do homem bom protetor dos

inocentes iacutentegro e saacutebio mecenas das artes amigo dos intelectuais e tudo o mais

que ficou caracterizado para a posteridade jaacute estava constituiacutedo no periacuteodo o

homem que por tudo se interessava mas natildeo se interessava pelo Brasil

(CARVALHO 2007) E a criacutetica a uma atitude passiva do imperador frente aos

problemas da poliacutetica da administraccedilatildeo puacuteblica ao seu papel constitucional de

mediador de contendas de apaziguador de disputas de fiel da balanccedila eacute o mote

para o conjunto de cartas a que se entrega mui respeitosamente o Alencar

331 AO IMPERADOR (ALENCAR 2009 p09-113)

Na primeira carta endereccedilada ao Imperador um tratamento respeitoso eacute justo e

necessaacuterio Alencar se dirige a D Pedro II como ldquoSenhorrdquo e anuncia-se logo na

primeira linha por um anunciador da verdade Escreve ldquoA verdade filha do ceacuteu

como a luz natildeo se apagardquo (ALENCAR 2009 p09) que natildeo eacute uma ldquofigura de estilordquo

que sugere a referecircncia inicial Alencar se apresenta como portador desta verdade

encarnada que passaraacute a analisar os problemas da sociedade Continua entatildeo

marcando seu territoacuterio entre os grandes quando diz que ldquoagraves vezes eacute um historiado

como Taacutecito ou um poeta como Juvenal outras eacute Demoacutestenes o orador ou

Secircneca o filoacutesofordquo (ALENCAR 2009 p09) E estre eles o nosso autor Alencar

apresenta-se como figura conhecedora do pensamento claacutessico colocando-se como

argumentador que se basearaacute nos princiacutepios do Direito e conhecedor dos princiacutepios

de ciecircncia poliacutetica para sua anaacutelise Apresenta-se como uma autoridade elevando o

debate natildeo a uma reclamaccedilatildeo pessoal sobre o governo mas a condiccedilatildeo de um

criacutetico consciente do sistema de governo que estaacute posto

A posiccedilatildeo de Alencar eacute de apoio agrave monarquia As primeiras cartas satildeo um apelo ao

imperador para que intervenha no executivo e no legislativo para tirar o paiacutes do

momento de crise poliacutetica social e econocircmica que o teriam levado o Partido Liberal

e a poliacutetica de conciliaccedilatildeo Segundo Alencar haacute uma distinccedilatildeo entre as tarefas do

Imperador como titular do Poder Moderador e como chefe do Executivo Cita

Montesquieu em O espiacuterito das Leis em uma passagem que fala da falta de

participaccedilatildeo popular na poliacutetica mas apenas para lembrar ao imperador a teoria da

separaccedilatildeo e independecircncia dos poderes Natildeo chega a citar os argumentos deste

autor contra a escravidatildeo

Defende Alencar que o poder moderador seria um mediador entre a constituiccedilatildeo e o

povo Eacute possiacutevel pensar na accedilatildeo do Poder Moderador como algo que permitia

conquanto suas interferecircncias uma modificaccedilatildeo nas formaccedilatildeo das facccedilotildees das

elites no poder permitindo uma alternacircncia de grupos e partidos (CARVALHO

2007) mas tambeacutem como Alencar aprovava e propotildee na carta o poder moderador

como um instrumento de ldquotomada do poderrdquo pelo monarca com o consentimento do

povo Cabe lembrar que fato parecido ocorre com D Pedro I com a destituiccedilatildeo da

Assembleia Constituinte em 1823 e a outorga de uma nova Constituiccedilatildeo Chega

mesmo a afirmar em um trecho a caracteriacutestica liberal da constituiccedilatildeo quando diz

que ldquoo primeiro reinado em oito anos legou-nos a constituiccedilatildeo belo padratildeo de

sabedoria e liberalismordquo (ALENCAR 2009 p19) esquecendo-se de citar o anterior

fechamento da Assembleia constituinte

Alencar escreve sobre o momento de singular impopularidade pelo qual passa D

Pedro II satirizado ldquopelos teatros e praccedilas a vozeria da gente leviana que entre

hinos e flores vos sauacuteda como o heroacutei da Uruguaiana34rdquo (ALENCAR 2009 p12)

devido agrave longevidade que alcanccedila a guerra e proclama-se um seu defensor frente

aos acontecimentos poliacuteticos que este segundo Alencar ldquodesconhecerdquo E iraacute tornar

puacuteblica ldquoa verdade inteira a respeito do paiacutes sobre os homens como sobre as

coisas ()rdquo (ALENCAR 2009 p14) A culpa na opiniatildeo de Erasmo natildeo seria de D

Pedro II mas da administraccedilatildeo Eacute certo que os gastos com a guerra atrapalham ou

impossibilitam uma seacuterie de investimentos necessaacuterios para o desenvolvimento do

Brasil As despesas provenientes do conflito foram enormes ldquo614 mil contos de

reacuteis onze vezes o orccedilamento governamental para o ano de 1864 criando um

deacuteficit que persistiu ateacute 1889rdquo (SCHWARCZ 1999 p459)

Alencar termina a primeira carta citando Salomatildeo ldquoMisericordia et veritas custodiunt

regem35rdquo (ALENCAR 2009 p15) Apelando para a honra e seguindo a citaccedilatildeo para

34 D Pedro II assistiu a rendiccedilatildeo dos paraguaios no chamado ldquocerco de Uruguaianardquo

35 A misericoacuterdia e a verdade protegem o rei

a sabedoria de D Pedro II justifica a intervenccedilatildeo que este deveria fazer e garante

que o povo lhe veria novamente como um restaurador (palavra cara ao Alencar) da

normalidade Para tanto desenha um ldquopanteatildeordquo poliacutetico ideal da restauraccedilatildeo

proclamando-os defensores da honestidade e da honra Satildeo citados ldquoos Feijoacutes

Vergueiros Andradas Paulas Souzas Limpos Torres e Paulinos36rdquo (ALENCAR

2009 p17) Jaacute na primeira carta podemos observar a predominacircncia da pregaccedilatildeo

de uma sociedade conservadora monarquista aristocraacutetica onde o imperador

ldquogoverna e administrardquo e precisa mostrar que tem tal poder concordando assim com

a tendecircncia do liberalismo moderado que defende que a sociedade soacute poderaacute viver

em paz com um poder forte e centralizado (BOSI 2013) Alencar chega a criticar a

liberdade de imprensa em sua narraccedilatildeo algo que chega a ser discutiacutevel na posiccedilatildeo

de algueacutem que edita um panfleto poliacutetico

A crise na governanccedila proclamada pelo panfletista pode ser entendida de modo

diverso O discurso de Alencar eacute ideoloacutegico no sentido de tentar fazer com que as

transformaccedilotildees histoacutericas sejam negadas e entendidas como uma crise no sistema

O momento (o surgimento digamos) da sociedade ideal eacute dado pela fixaccedilatildeo dos

ldquomaacutertiresrdquo a que Alencar se refere ndash indicando a clara presenccedila de uma aristocracia -

e qualquer mudanccedila neste modelo ideal eacute determinada como uma crise Numa

leitura da teoria de Gramsci por Chauiacute essa construccedilatildeo eacute tida como uma

representaccedilatildeo e uma ideologia ldquoA ideologia eacute um discurso que se desenvolve sob o

modo da afirmaccedilatildeo da determinaccedilatildeo da generalizaccedilatildeo () trazendo a garantia da

existecircncia de uma ordem atual ou virtualrdquo (CHAUI 1997 p33) Quando essa

ordem necessaacuteria ao discurso eacute contestada temos uma crise

A crise eacute imaginada entatildeo como um movimento de irracionalidade que invade a racionalidade gera desordem e caos e precisa ser conjurada para que a racionalidade anterior ou outra nova seja restaurada A noccedilatildeo de crise permite representar a sociedade como invadida por contradiccedilotildees e simultaneamente toma-las como um acidente um desarranjo pois a harmonia eacute pressuposta como sendo de direito reduzindo a crise a uma desordem fatual provocada por enganos voluntaacuterios ou involuntaacuterios dos agentes sociais ou por mau funcionamento de certas partes do todo A crise serve assim para opor uma ordem ideal a uma desordem real () (CHAUI

36 Diogo Antocircnio Feijoacute Nicolau Pereira de Campos Vergueiro Joseacute Bonifaacutecio de Andrada e Silva

Francisco de Paula Souza e Melo Antocircnio Paulino Limpo de Abreu Joaquim Joseacute Rodrigues

Torres e Paulino Joseacute Soares de Souza

1997 p37)

O discurso de Alencar sugere o momento ideal no qual os indiviacuteduos devem se

remeter para aceitar as instituiccedilotildees puacuteblicas a vida e as relaccedilotildees de poder que os

conduzem Um discurso que partindo do social se torna poliacutetico e degenerando-se

dominador

Tornando ao texto na segunda carta Alencar critica a relaccedilatildeo dos ministros com

seus representantes nas proviacutencias ndash delegados ndash os quais acusa de abuso de

poder Repete-se aqui nada mais que o sistema estamental de que nos fala

Raimundo Faoro em que o poder se apresenta na figura do funcionaacuterio do governo

como o governo Natildeo um representante do Rei mas se tornando um rei local em

miniatura (FAORO 2004) Alencar chama particular atenccedilatildeo para as financcedilas que

nomeia como ldquoforccedilas musculares da naccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p24) Alude aos

gastos com armamentos supeacuterfluos (no caso armamentos jaacute sem valor para uso)

destinados a uma raacutepida deterioraccedilatildeo e as dificuldades tambeacutem em consequecircncia

da guerra de conseguir alguma credibilidade financeira das naccedilotildees europeias o que

afetaria ndash e oneraria ndash as importaccedilotildees de maneira geral e tambeacutem as negociaccedilotildees

dos empreacutestimos contraiacutedos no exterior que datavam da eacutepoca de D Pedro I

referentes ao reconhecimento do Brasil como independente e a indenizaccedilatildeo de

Portugal Reconhece que a alta no preccedilo do algodatildeo e a receita gerada natildeo chegam

para sustentar tantas e tatildeo altas despesas visto que as boas safras natildeo satildeo

constantes e a paz conseguida nos Estados Unidos acabaria por determinar uma

queda de preccedilos Esclarece ainda sobre uma crise nas duas maiores fontes de

renda do Estado o comeacutercio ldquojungido a uma liquidaccedilatildeo forccedilada que principiou em

10 de setembro de 1864 e terminaraacute ningueacutem sabe quandordquo (ALENCAR 2009 p25)

e a agricultura ldquoameaccedilada pela questatildeo magna da emancipaccedilatildeo que avanccedila a

grandes passos e estremece ateacute o intimo a sociedaderdquo (ALENCAR 2009 p 25)

O missivista acha por bem terminar a segunda carta com um leve ldquosolavancordquo no

imperador conclamando-o agrave luta em dois paraacutegrafos exemplares

Quando um povo livre abdica o pleno exerciacutecio da soberania eacute dever imperioso do monarca seu primeiro representante assumir essa grande massa inerte de poder para evitar que ela seja dissipada por um grupo de ambiciosos vulgares

Ache ao menos a liberdade que desertou a alma sucumbida da paacutetria um abrigo agrave sombra do manto imperial para que natildeo morra conspurcada nos tripuacutedios da anarquia (ALENCAR 2009 p 26)

Faltava que D Pedro II tomasse as reacutedeas da situaccedilatildeo Alencar entende que essa

sociedade constitucionalista eacute responsabilizada pela maacute administraccedilatildeo visto que os

governantes tambeacutem fazem parte do contrato e devem dar conta de suas accedilotildees sob

pena de serem substituiacutedos Afirma novamente o Alencar que o povo apoiaria o

Imperador em sua accedilatildeo e esperava mesmo por isso Alencar alude mais uma vez

a uma velha foacutermula conservadora de que o imperador reina governa e administra

(Carvalho 2007)

O missivista eacute duro na criacutetica com o periacuteodo chamado conciliaccedilatildeo Uma ldquocorrupccedilatildeo

geral dos partidos () dissoluccedilatildeo dos princiacutepiosrdquo (ALENCAR 2009 p30) da proacutepria

existecircncia da democracia Classificando conciliaccedilatildeo como um termo honesto e

decente para qualificar ldquoa prostituiccedilatildeo poliacutetica de uma eacutepocardquo (ALENCAR 2009

p30) Alencar enxergava aleacutem de sua criacutetica uma dificuldade criada pela

conciliaccedilatildeo para a eleiccedilatildeo de novos quadros para a Cacircmara e consequentemente

os ldquoarranjosrdquo eleitorais para o Senado cargo a que ele pretenderia poucos anos

depois (sua situaccedilatildeo como bacharel lhe garantiu ateacute o momento um emprego como

jornalista e uma mesa em um escritoacuterio de advocacia)

Os partidos segundo ele seriam a miliacutecia da naccedilatildeo entende ele que o povo deve

participar e fiscalizar o legislativo satildeo eles que garantem a existecircncia e a preservam

instituiccedilotildees da monarquia e do povo Em outro momento ao se referir novamente

agraves coalizotildees que se seguem ano apoacutes ano no parlamento questiona com espanto

como pode ser que ldquocidadatildeos individualmente probos e cordatos se consolidam

assim com a escoacuteria em uma liga monstruosa que humilha a cada um no recesso

da consciecircnciardquo (ALENCAR 2009 p36) A criacutetica de Alencar mostra menos sua

preocupaccedilatildeo com a democracia sustentada pelas ideias de partidos diversos em

uma luta pelo poder princiacutepio baacutesico do liberalismo que a preocupaccedilatildeo com a

homogeneizaccedilatildeo das ideias que pode dar mais espaccedilo para grupos diversos

alcanccedilarem cargos na administraccedilatildeo puacuteblica

Segundo Carvalho (2007) a liga natildeo foi propriamente um partido mas uma

orientaccedilatildeo poliacutetica e Alencar a considerava como um ldquomomentordquo da conciliaccedilatildeo

Nada mudaria afinal As eleiccedilotildees continuariam a serem compradas com as

ldquoceacutedulas pagas agrave vista ou descontadas com promessas de pingues empregos e

depreciadas condecoraccedilotildeesrdquo (ALENCAR 2009 p37) O circo estava posto os

comiacutecios apresentados como espetaacuteculos nos teatros puacuteblicos a imprensa tatildeo

ldquobem desenhada nesta grande capital que mata as folhas poliacuteticas e soacute fomenta as

gazetas industriaisrdquo37 (ALENCAR 2009 p37)

Termina a carta de 03 de dezembro desiludido mas natildeo sem lanccedilar seu bilhete da

sorte

O povo inerte os partidos extintos o parlamento decaiacutedo Restam eacute verdade alguns cidadatildeos eminentes abrigados na tribuna vitaliacutecia como as reliacutequias do senado romano esperam tranquilos em suas curules o momento de morrer com a liberdade que amaram (ALENCAR 2009 p37)

O Senado eacute visto aqui como a instituiccedilatildeo merecedora de creacutedito dentro de tudo o

mais que foi criticado Mas seraacute que os olhos do missivista natildeo procuravam jaacute por

uma cadeira naquela casa

A carta datada de 09 de dezembro inicia derramando louros sobre a cabeccedila de D

Pedro II Alencar chega a chama-lo pelo epiacuteteto de Rei sol logo depois se corrigindo

(se eacute que isso seja possiacutevel) e tratando de conduzir a luz do imperador do Brasil

para longe da referecircncia de Luiz XIV ndash seria ele ldquoo foco brilhante que rege todo um

sistema e dardeja luz e calor para a naccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p39) O foco

realmente estaacute em criacuteticas puacuteblicas de que haja certa interferecircncia do imperador na

37 Alencar sabe que o leitor de poliacutetica busca os folhetos e pasquins comuns no periacuteodo O leitor de

jornais regulares busca outros atrativos Ele mesmo aumentou a venda da ldquoGazeta do Rio de

Janeirordquo enquanto seu soacutecio e editor com a publicaccedilatildeo de um romance de folhetim O Guarani

administraccedilatildeo (na maacute administraccedilatildeo) o que Alencar chama de modo de governo

pessoal responsabilizando o imperador pelos atos dos ministros apesar da

responsabilizaccedilatildeo expressa pela doutrina liberal de que o governante estaacute laacute para

exercer a soberania dada a ele pelo povo Cabe lembrar que pela constituiccedilatildeo do

Impeacuterio o Imperador natildeo poderia ser responsabilizado por suas accedilotildees A referecircncia

ao Rei Sol se daacute neste sentido pois a constituiccedilatildeo brasileira de 1824 no seu artigo

99 diz claramente que a pessoa do Imperador eacute sagrada e inviolaacutevel38 Ele natildeo estaacute

sujeito a responsabilidade alguma Eacute enquanto do exerciacutecio do Poder Moderador

que adviriam as responsabilidades Por vezes temos a impressatildeo de que Alencar

exagera sua veia romacircntica como uma forma pessoal de provocaccedilatildeo No momento

defende a postura de D Pedro

Minha convicccedilatildeo vai muito aleacutem Natildeo somente nenhuma influecircncia direta exerceis no governo mas vosso escruacutepulo chega ao ponto de frequentes vezes concentrar aquele reflexo que uma inteligecircncia satilde e robusta como a vossa deve derramar sobre a administraccedilatildeo (ALENCAR 2009 p 39)

Depois de alguns anos jaacute como Ministro Alencar se arrependeraacute dessas palavras

enquanto observa os muitos ldquobilhetinhosrdquo de D Pedro sobre sua mesa indagando e

bisbilhotando na pasta da Justiccedila Mas a verdade eacute que Alencar eacute um dos

defensores da responsabilizaccedilatildeo do monarca por seus atos recaindo esta (sendo

dividida) tambeacutem sobre o ministeacuterio O que determinaria o poder moderador como

limitado longe do despotismo de Luiz XIV Como um bom conservador Alencar eacute

dogmaacutetico e pessimista quanto as mudanccedilas que poderiam acontecer se o

Imperador natildeo se impusesse

Em um segundo momento compara D Pedro II a Jorge III da Inglaterra pela

inflexibilidade do caraacuteter e poder39 cita o episoacutedio em que depois de muitas

tentativas consegue sucesso com um ministeacuterio em que liberais e conservadores

trabalhassem juntos ldquona ceacutelebre coalizatildeo de North Fox Cavendish Keppel Burke e

outrosrdquo (ALENCAR 2009 p41) Mas laacute sustenta formaram-se ldquopartidos vigorosos

38

Conforme a CONSTITUICAtildeO POLIacuteTICA DO IMPERIO DO BRAZIL (DE 25 DE MARCcedilO DE 1824)

Disponiacutevel por exemplo em wwwplanaltogovbrccivil_03constituiccedilatildeo24htm 39 Jorge III foi cognominado ldquoo loucordquo por apresentar problemas de sanidade mental durante seu

reinado

que agrave inflexibilidade da coroa opunham a firmeza e rigidez de seus princiacutepiosrdquo No

Brasil ndash segundo Alencar - o parlamento estaacute entregue a homens preocupados com

seu poder e capacidade de enriquecimento esquecendo-se do povo e mesmo da

eacutetica que os deveria conduzir

Nesta carta volta a criticar as coalisotildees que se operam nas casas poliacuteticas inclusive

no conselho de Estado aonde chega a sugerir que estes (os conselheiros) estejam

em busca por ldquoapenas uma aliagem [sic] de individualidades na esperanccedila de

engrandecimento pessoalrdquo (ALENCAR 2009 p42) Critica tambeacutem a instituiccedilatildeo dos

Voluntaacuterios da Paacutetria acreditando ser uma forma de fragmentar a hierarquia dentro

do exeacutercito sugerindo algo feito a revelia de D Pedro II e a que este se aliaria

depois para agradar ao grupo

Apreciais devidamente o exeacutercito que ama com entusiasmo seu monarca e zeloso protetor Natildeo era possiacutevel que cogitaacutesseis um meio de desgostaacute-lo profundamente estabelecendo preferecircncias a favor de bisonhos soldados com pretericcedilatildeo de bravos veteranos cheios de serviccedilos e jaacute traquejadas pela vitoacuteria (ALENCAR 2009 p 43)

O imperador foi para Uruguaiana como o primeiro voluntaacuterio da paacutetria em um

exemplo de patriotismo e espiacuterito de lideranccedila e tentando tambeacutem criar um estado

de acircnimo geral no oficialato Aqui ainda natildeo estaacute o Alencar a se referir ao

recrutamento forccedilado de homens pelos presidentes das proviacutencias que viria mesmo

a criticar enquanto ministro como uma violaccedilatildeo da liberdade E por falar em

ministros a incompetecircncia destes ndash chamados por ele de ldquoefecircmerosrdquo - eacute ponto

paciacutefico Em sua criacutetica tambeacutem natildeo deixa de alfinetar o imperador garantindo que

os ministros fraacutegeis que satildeo ldquonatildeo ousariam tanto sem a certeza do apoio da coroardquo

(ALENCAR 2009 p42) Acusaccedilotildees de corrupccedilatildeo preenchem as vaacuterias paacuteginas das

cartas e indicam senatildeo cumplicidade ao menos consciecircncia do imperador sobre tal

situaccedilatildeo Alencar encena uma defesa mas ao mesmo tempo critica a praacutetica da

(podemos chamar) natildeo-interferecircncia no executivo por parte do Imperador Ao fim

qualquer atitude da coroa de accedilatildeo ou omissatildeo eacute objeto para o jogo de poder que se

daacute no parlamento

Em certo ponto da carta faz uma alusatildeo a Caxias chamado para o comando de

tropas no Rio da Prata A figura de Caxias - da parte que interessava ao Alencar -

era um poliacutetico respeitado vinculado ao partido conservador Surgindo como um

salvador da paacutetria exigia atenccedilatildeo do ministeacuterio e do Imperador No episoacutedio do

desentendimento com Zacarias de Goacuteis em 1868 entatildeo presidente do gabinete o

primeiro sairia vencedor mas sua vitoacuteria mudaria em muito os rumos da poliacutetica

nacional Mas por agora o ocircnus de um desenvolvimento deficiente das tropas na

guerra recaiacutea sobre o imperador Esta era a fala de Alencar e segundo ele ldquoesta eacute a

verdaderdquo (ALENCAR 2009 p47)

Na quita carta Alencar toma as figuras de Maquiavel e de Dacircmocles - uma

personagem da mitologia grega a quem se atribui uma faacutebula sobre a precariedade

do poder Nota-se ateacute aqui a facilidade com que Alencar se refere a mitologias

diversas indicando que o texto se dirige a um puacuteblico seleto No impeacuterio era uma

praacutetica a menccedilatildeo a mitologia greco-romana e a figuras biacuteblicas como forma de

demonstrar o domiacutenio de uma cultura letrada (o que eacute particularmente importante

para o Alencar que segundo Neto (2006) era visto com certo preconceito por ter se

formado em uma faculdade de Satildeo Paulo e natildeo na Europa como os membros mais

antigos do parlamento) A referecircncia a Maquiavel novamente serve para lembrar a

D Pedro II que o fim justifica meios e se omitir natildeo eacute a melhor atitude Ainda que

tratado em ldquocarta abertardquo a alusatildeo constante a capacidade intelectual do imperador

funciona como um indicativo (velado) da distacircncia cultural que o separa do povo

Natildeo soacute ele mas praticamente a totalidade da burocracia

A liberdade com que o texto constroacutei o periacuteodo criticando-o natildeo seria encontrada

(tampouco permitida) novamente tatildeo cedo Na repuacuteblica no Estado Novo e mesmo

em periacuteodos bem mais proacuteximos de noacutes a liberdade de imprensa natildeo seria algo

possiacutevel Um trecho da carta apresenta uma criacutetica agrave postura dos jornais sobre a

esquiva poliacutetica do imperador por ser tratado sem o devido respeito No Brasil do

segundo reinado o povo detinha a informaccedilatildeo ndash apresentada pelos veiacuteculos de

comunicaccedilatildeo - mas natildeo conseguia entende-la ou efetiva-la dada sua falta de

instruccedilatildeo O povo tambeacutem neste sentido vive agrave margem das discussotildees poliacuteticas

natildeo podendo entrar em suas aacuteguas tumultuadas Ou em suas margens natildeo se

preocupa com problemas abstratos mas com a realidade que observa no cotidiano

No trecho

Na parte natildeo editorial satildeo frequentes os artigos pagos com endereccedilo a vossa augusta pessoa Conteacutem eles queixas de indiviacuteduos de todas as classes sobre minudecircncias do expediente de empregados subalternos Apelam os suacuteditos para vossa autoridade agrave qual parecem ter devolvido

toda confianccedila e todo poder (ALENCAR 2009 p 53)

Nota-se aqui a preocupaccedilatildeo com o favor real O favorecimento individual O suacutedito e

D Pedro II deixava isto de certa forma impliacutecito poderia procurar o Imperador como

a um balcatildeo de queixas sobre as instituiccedilotildees puacuteblicas Alencar sabia que o povo

estava com D Pedro ldquoEste povo apaacutetico e indiferente agraves mais nobres funccedilotildees da

soberania ainda sente por vossa pessoa sinceros transportes () [sente no

imperador] o estandarte capaz de nestes tempos inertes levantar entusiasmos em

prol de uma causardquo (ALENCAR 2009 p50) quando da partida para Uruguaiana

alude a populaccedilatildeo que ldquo se aglomerou em vossa passagem agrave hora da despedida e

da voltardquo (ALENCAR 2009 p52) Mas o povo pouco importa para a elite Aqui o

povo ainda eacute visto como uma massa ignorante sendo mais uma questatildeo de poliacutecia

do que de poliacutetica Talvez este seja o sentido da frase em que se refere agraves elites

localizadas ldquonas camadas superiores da sociedade onde a luz penetra mais clarardquo

(ALENCAR 2009 p54) Se D Pedro II natildeo tiver uma atitude eneacutergica frente aos

acontecimentos e sobre a corrupccedilatildeo que assola o periacuteodo ndash utilizando-se do Poder

Moderador o que a constituiccedilatildeo permitia ndash seraacute responsabilizado no tempo Alencar

ainda profetiza ldquoA naccedilatildeo vos ama mas a histoacuteria vos julgaraacute com severidaderdquo

(ALENCAR 2009 p56) E continua em tom provocador aproveitando o momento

da guerra como mote para o discurso afirmando que ldquoo trono que a naccedilatildeo vos

confiou eacute um posto de honra Deveis a Deus e ao povo sua guarda severa Natildeo

podeis esquivar-vos a ela sob pena de deserccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p58)

Novamente Alencar afirma concordando com Hobbes a relaccedilatildeo da soberania que

eacute dada pelo povo ao soberano e dele espera um rumo para a sociedade

Para a sexta carta Alencar prefere iniciar em um tom mais ameno novamente

aludindo a ilustraccedilatildeo do imperador em contraposiccedilatildeo com a ldquoatoniardquo do povo O

problema continua no combate eacute ldquoa depravaccedilatildeo do organismo poliacutetico de que

resultou o amortecimento das crenccedilas a extinccedilatildeo dos partidos e a corrupccedilatildeo

espantosardquo (ALENCAR 2009 p59) que estaacute por toda a parte Qual seria questiona

agrave D Pedro II a causa do mal que assola o paiacutes A resposta que propotildee eacute a da falta

de educaccedilatildeo poliacutetica Nesse momento Alencar faz uma breve exposiccedilatildeo sobre a

monarquia parlamentar e o regime republicano e suas relaccedilotildees enquanto

representaccedilotildees do povo justificando que o povo brasileiro ldquoeste povo nobre e digno

das instituiccedilotildees que o regem este povo precoce para a liberdade pois ainda na

infacircncia colonial jaacute se eletrizava com ela natildeo foi educado como merecia para a

monarquia representativardquo (ALENCAR 2009 p61) Alencar tenta amalgamar as

propostas de educaccedilatildeo para o povo com o persistente discurso da tutela do povo

que caracteriza um traccedilo fortemente conservador Eacute o mesmo discurso que Alencar

propotildee para a manutenccedilatildeo da escravidatildeo de que o sistema escravagista teria a

funccedilatildeo de educar o escravo para o conviacutevio social Aqui preferimos acreditar que se

trata de uma estrateacutegia discursiva Este ldquopovordquo de quem fala parece ser o descrito no

paraacutegrafo seguinte

Em 1821 a independecircncia se fez no entusiasmo da liberdade O Brasil conquistou simultaneamente o governo dos brasileiros pelos brasileiros e o governo do povo pelo povo

Desde 1808 com a vinda do rei e a invasatildeo de Portugal a emigraccedilatildeo da metroacutepole para a colocircnia fora muito crescida havia pois ao lado da populaccedilatildeo nata uma populaccedilatildeo adventiacutecia mas jaacute ligada agrave outra por identidade de liacutengua laccedilos de sangue e relaccedilotildees domeacutesticas (ALENCAR 2009 p 62)

O povo eacute o modelo civilizacional trazido de Portugal (modelo europeu) e no caso da

independecircncia as elites que a sustentaram Percebemos que Alencar acreditava na

diferenccedila jaacute demonstrada anteriormente entre povo e plebe (BASILE 2006) A

imprensa segundo ele tenta trabalhar essa educaccedilatildeo poliacutetica para o povo

notadamente com ideias liberais Haacute de se considerar para o periacuteodo jaacute uma

geraccedilatildeo como o Alencar de poliacuteticos formados no Brasil com influecircncia de ideias

liberais A homogeneidade garantida pelo estudo em Coimbra havia sido deixada

nos tempos da colocircnia e os laccedilos entre os indiviacuteduos de proviacutencias diferentes que se

juntavam nas faculdades criadas no Brasil tendiam a aumentar o que deixava de

caracterizar um estamento e passava a transferecircncia das decisotildees para os grupos

socializados de forma diversa nos nuacutecleos brasileiros ndash principalmente o Direito para

a formaccedilatildeo das novas elites da burocracia Este foi o elemento de formaccedilatildeo poliacutetica

para a elite brasileira baseado na educaccedilatildeo Mas o povo soacute tinha acesso aos jornais

e outras poucas miacutedias impressas

Ao mesmo tempo mas tambeacutem sustentando o intelectual como parte da elite

poliacutetica Alencar traccedila um perfil da aristocracia brasileira Esta seria

Composta em geral de duas classes de pessoas os abastados de inteligecircncia e escassos de cabedais e os ricos de haveres mas pobres de ilustraccedilatildeo raros bem raros satildeo os que tecircm a forccedila de se conservar em sua oacuterbita Aqueles urgidos pela seduccedilatildeo do luxo e mesmo pela necessidade buscam nos altos empregos puacuteblicos e elevadas posiccedilotildees uma renda ou as facilidades de alianccedilas e estabelecimentos avantajados Estes pruridos pela vaidade se oferecem aos desejos dos primeiros em compensaccedilatildeo de graccedilas e consideraccedilatildeo (ALENCAR 2009 p6465)

Alencar confirma a necessidade de que (alguns elementos) sua geraccedilatildeo de

ldquobachareacuteisrdquo precisem vincular-se ao governo atraveacutes de cargos na burocracia como

uma questatildeo de sobrevivecircncia e associar-se a alguns grupos econocircmicos ldquoem

compensaccedilatildeo de graccedilas e consideraccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p65) Alencar tambeacutem

eacute um deles o que desmente seu discurso sobre os bens de o que chama de uma

ldquoempregocraciardquo (ou a fundamenta) Os grupos se modificam os poliacuteticos podem

mudar mas a situaccedilatildeo permanece uma aristocracia que manipula o povo inerte

Sobre a imprensa esta se tornou ldquoum luxo entre noacutes as leis fiscais a fizeram tal O

povo eacute pobre e natildeo pode pagaacute-la Alguns perioacutedicos aparecem com sacrifiacutecios

enormes que vegetam em estreito ciacuterculo e afinal acabam inanidosrdquo (ALENCAR

2009 p67) Eacute bem verdade que os pequenos natildeo conseguem sobreviver e

() as folhas diaacuterias de grande formato e circulaccedilatildeo essas constituem o feudalismo da publicidade Suas colunas abertas agrave concorrecircncia mal chegam para os abastados a emissatildeo das ideias ali importa uma despesa natildeo soacute de inteligecircncia e estudo mas do grosso cabedal (ALENCAR 2009 p68)

Esta imprensa ldquoque tem suas raiacutezes como suas ramificaccedilotildees na aristocracia

burguesardquo (ALENCAR 2009 p67) natildeo iraacute atacar a aristocracia Antes a ela se une

Entendemos aqui que a mesma imprensa que serviria a educaccedilatildeo do povo (segundo

Alencar) estaacute vinculada a aristocracia Reafirmamos que o povo que a tanto se

refere Alencar satildeo aqueles que possuem a cidadania confirmada certo grau de

educaccedilatildeo e renda Natildeo o grosso da populaccedilatildeo As ideias liberais pregadas natildeo satildeo

possiacuteveis para todos os homens Termina afirmando que ldquoo uacutenico meio eficaz de

salvar o paiacutes senhor eacute uniatildeo firme dos homens de bem de que sois o chefe

legiacutetimo contra a imoralidaderdquo (ALENCAR 2009 p67) Para onde deveremos ir se

Alencar deixou aqui poucas opccedilotildees para descobrir quem satildeo afinal os chamados

homens de bem Seriam estes os ldquohomens bonsrdquo do municiacutepio no periacuteodo colonial

(FAORO 2004) em uma roupagem mais nobre

Na seacutetima carta Alencar propotildee um estudo sobre a estagnaccedilatildeo em que se encontra

o paiacutes e sustenta que tal estudo deva abranger ldquoa importante questatildeo do sistema

segundo o qual deve funcionar a coroa na monarquia representativardquo (ALENCAR

2009 p69) Isto sem mexer na legislaccedilatildeo Seus fundamentos se assentariam sobre

a praacutetica e experiecircncia (uma experiecircncia que o teoacuterico Alencar ainda natildeo tem)

Busca uma justificaccedilatildeo baseando-se na ldquoliccedilatildeo fecunda do povo mestre em ciecircncia

governamental inventor do sistema representativo e seu modelordquo (ALENCAR 2009

p70) que sendo o imperador constitucionalmente o chefe do poder executivo

exerce sua qualificaccedilatildeo ldquohonoriacuteficardquo por meio dos ministros Investido de majestade

eacute chefe tambeacutem do judiciaacuterio o que se sustenta pelo simples fato de que em todos

os tribunais as sentenccedilas satildeo expedidas em nome do imperador No executivo os

ministros trabalham como um corpo uacutenico e ldquopodem levar para o conselho vaacuterios e

encontrados alvitres a respeito de uma questatildeo importante Na discussatildeo os

argumentos satildeo desenvolvidos e ponderadas as objeccedilotildees Afinal () constroem

uma opiniatildeo meacutedia que natildeo sendo de nenhum ministro individualmente seja a do

ministeacuteriordquo (ALENCAR 2009 p71) A solidariedade eacute o princiacutepio de coesatildeo do

grupo

Em todo momento propiacutecio Alencar toma a Inglaterra como o princiacutepio exemplar

Natildeo por ser a naccedilatildeo mais poderosa e comercialmente mais proacutexima do Brasil nem

mesmo pelo modelo civilizacional que a burguesia brasileira do periacuteodo toma da

Inglaterra mas pela reduzida forccedila que o monarca tem frente ao parlamento que eacute a

tocircnica de Locke Rousseau e Mill Apesar das palavras elogiosas e galanteadoras do

missivista seu intuito eacute o de fazer ver a D Pedro II sua ldquoobrigaccedilatildeordquo de interferir no

sistema quando este estivesse falindo e reorganiza-lo para novamente deixa-lo

seguir sozinho Possibilidade que Alencar natildeo encontra tatildeo facilmente na Inglaterra

O que Erasmo quer afinal eacute a mudanccedila do grupo dirigente porquanto alude aos

atos do Imperador indicando uma postura eacutetica deste quanto ao uso do poder

Moderador Alencar tenta construir a ideia de que natildeo eacute o Imperador quem demite

um ministeacuterio mas ao curso de algum problema maior ldquoa dignidade de homens e

sinceridade de poliacuteticos exigem que incontinente deem e natildeo peccedilam sua demissatildeo

respeitosardquo (ALENCAR 2009 p73) em vista de que o poder lhes eacute delegado e o

Estado deve ter uma accedilatildeo menor em tal processo Eacute a soberania constituiacuteda na

figura do Imperador a consciecircncia ilustrada do povo Eacute para que ldquoo poder moderador

acompanhe de perto a trilha da administraccedilatildeo e observe seus rumos que ele foi

instituiacutedo chefe titular do executivordquo (ALENCAR 2009 p73) Alencar entende que o

poder emana do povo e o Estado deve funcionar antes como um organizador do

desenvolvimento da naccedilatildeo mais uma proposta liberal para a administraccedilatildeo do paiacutes

Para Alencar os dois partidos se alternavam nos gabinetes mas nenhum deles

consegue tempo bastante para realizar seus projetos Alternavam-se e quando no

poder veem-se ldquoesterilizados pela resistecircncia demasiada que encontravam na

moderaccedilatildeo e prudecircncia da coroardquo (ALENCAR 2009 p77) para a realizaccedilatildeo de

necessaacuterias mudanccedilas que pudessem criar um dinamismo na administraccedilatildeo puacuteblica

Um dinamismo que oferecesse uma maior liberdade de investimentos para o

desenvolvimento da naccedilatildeo Mas isso tambeacutem eacute culpa segundo ele da

desorganizaccedilatildeo ideoloacutegica dos partidos e de sua situaccedilatildeo de distanciamento das

bases populares (se eacute que houvesse) O monarca representa o poder nacional

situado acima do sistema que ldquoplaina sobre os outros meros poderes poliacuteticosrdquo

(ALENCAR 2009 p79) O termo poder nacional explica Alencar eacute usado para

designar ldquoa quase comunidade em que se acha com a naccedilatildeo Nele reside uma parte

da soberania popular que se isolou em princiacutepio e se consolidou nessa grande

individualidade a fim de resistir aos desvarios da opiniatildeordquo (ALENCAR 2009 p79)

Alencar falando das instituiccedilotildees lembra os liberais de 1834 que extinguiram o

conselho de Estado eliminando assim o elemento aristocraacutetico que se agarrava a

coroa Alencar sugere que ldquoos atos do poder moderador satildeo de exclusiva

competecircncia vossa [do Imperador] para exercecirc-los natildeo dependeis de agentes e

atualmente nem de conselhordquo (ALENCAR 2009 p81) Mas se observarmos bem

como nos mostra Carvalho (2009) o conselho de Estado apesar de natildeo muito

solicitado e de a despeito de tudo tratar de assuntos em sua maioria sem uma

significacircncia maior era um oacutergatildeo consultivo importante que garantiria uma visatildeo

realista de problemas praacuteticos a que o Imperador provavelmente natildeo tinha acesso

como na deposiccedilatildeo do ministeacuterio Zacarias de Goacuteis Ali o conselho foi olvido e

opinou apesar da decisatildeo final ser de D Pedro II este seguiu o voto dos

conselheiros Mesmo sendo a escolha para o cargo de conselheiro uma

competecircncia exclusiva da coroa e provavelmente D Pedro II natildeo viria a escolher

algueacutem de quem natildeo quisesse ouvir a opiniatildeo tendendo assim a formaccedilatildeo do

conselho para um formato que estivesse mais proacuteximo do temperamento do

imperador e de suas pretensotildees o proacuteprio ato de consulta sugere uma anaacutelise mais

apurada das diversas situaccedilotildees e assuntos (CARVALHO 2007)

O poder moderador eacute uma das bandeiras de Alencar E segundo ele emana

tambeacutem do povo Escreve que ldquo() o poder moderador eacute a consciecircncia ilustrada do

povo [Esse povo] que aceitou a lei fundamental de 25 de marccedilo de 1824 tinha sem

contestaccedilatildeo o direito soberano de a revogar apenas se convencesse que natildeo era a

mais proacutepria para sua felicidaderdquo (ALENCAR 2009 p82) Novamente colocando o

ldquopovordquo enquanto seus representantes A defesa da monarquia constitucional

baseada na lei com os poderes cedidos pelo povo a um governante escolhido Mas

os senadores e mesmo os deputados com poder constituinte estavam muito

distantes do proclamado povo das cartas de Erasmo Em determinado ponto

Alencar chega a defender que ldquoa forccedila ativa do poder moderador eacute

sobreconstitucionalrdquo (ALENCAR 2009 p88) o que parece incoerente com uma

monarquia constitucional Admitindo que este possa dissolver o legislativo demitir

ministeacuterios afirma que ldquonenhum poder nem mesmo o povo tem no domiacutenio da

constituiccedilatildeo faculdade igualrdquo (ALENCAR 2009 p89) D Pedro I aprovaria tais

medidas

Todos os atos do soberano se entendidos como atos do povo soacute levariam o paiacutes

novamente para o absolutismo para a ideia gasta que o proacuteprio Alencar sugere na

carta anterior de que ndash o povo sou eu - o Estado sou eu E todo o resto quando

chama D Pedro II pelo epiacuteteto de rei sol Aqui temos a face do intelectual utilizando-

se de seu texto complexo como uma arma totalmente associado com as elites

dirigentes e servindo de instrumento para sua justificaccedilatildeo Em uma das romacircnticas

figuras que toma compara D Pedro II ao profeta biacuteblico Josueacute indicando que ldquoo

profeta recebia sua possanccedila de Deus o imperador a recebe da leirdquo (ALENCAR

2009 p92) Mas de qual lei se jaacute indica anteriormente ser o poder moderador

sobreconstitucional O que se vecirc eacute que a lei eacute mais um instrumento modificaacutevel pra

justificar a permanecircncia no poder mais uma caracteriacutestica de adequaccedilatildeo do

liberalismo as necessidades das elites locais no poder Alencar como advogado

bem sabe o que escreve

Ao iniciar a nona carta Alencar se apresenta como a voz da consciecircncia do

Imperador o seu pensamento em forma sensiacutevel uma intimidade que o desperta O

tom pressupotildee uma intimidade que jaacute teria sido conquistada com na sequencia das

cartas Faz uma apologia da aristocracia tomando-a como ldquoum elemento infaliacutevel e

salutar no governo e na sociedaderdquo (ALENCAR 2009 p95) Acredita que sem este

estiacutemulo a ldquoelevaccedilatildeo a humanidade ficaria eternamente jungida agrave sua animalidaderdquo

(ALENCAR 2009 p95) Mas eacute preciso conter o poder da aristocracia A monarquia

deve tirar ldquoa esse elemento o privileacutegio de casta que o torna odioso e absurdordquo

(ALENCAR 2009 p95) Defende aqui a aristocracia burocraacutetica com vistas agrave

defesa da monarquia constitucional visto que o monarca a serviccedilo das leis estaria

limitado por esta aristocracia que determina tais leis e essa aristocracia seriam os

elementos do povo fazendo parte do legislativo

Jaacute eacute passado o tempo de D Pedro I que entendia dever seguir a constituiccedilatildeo se

esta estivesse a sua altura (querendo dizer se estivesse conforme seu gosto

pessoal) Os tempos satildeo outros e o Imperador eacute uma peccedila do sistema poliacutetico

escolhido pelas elites para a naccedilatildeo que se forma a partir da independecircncia

(CARVALHO 2007) Eacute preciso dar elementos legais para que o paiacutes se desenvolva

e crie mais riqueza com uma intervenccedilatildeo menor do Estado e ao mesmo tempo natildeo

se modifiquem as condiccedilotildees estaacuteveis conquistadas pelas elites no poder Eacute o traccedilo

que caracteriza o periacuteodo uma postura liberal e ao mesmo tempo conservadora

como modelo ideoloacutegico a ser construiacutedo Um traccedilo caracteriacutestico eacute o sistema de

captaccedilatildeo de intelectuais para os quadros da burocracia que segundo Alencar eacute

uma necessidade Explica ele que

A nossa aristocracia eacute burocraacutetica natildeo que se componha somente de funcionaacuterios puacuteblicos mas essa classe forma a sua base agrave qual adere por alianccedila ou dependecircncia toda a camada superior da sociedade brasileira

Para o desenvolvimento espantoso que tem esse corpo oficial entre noacutes natildeo concorre como pensam o nuacutemero dos empregos mas sim a tendecircncia absorvente da administraccedilatildeo a par da falta de iniciativa particular (ALENCAR 2009 p96)

O Estado gera os empregos para absorver a oferta que cria com os cursos

superiores eacute preciso que se crie uma elite que vaacute administrar o paiacutes eacute certo mas

tudo depende da accedilatildeo do Estado Alencar em um feliz paraacutegrafo delineia suas

pretensotildees poliacuteticas com um pedido que elogiando anteriormente as geraccedilotildees mais

jovens e sua capacidade de adaptaccedilatildeo a adversidade sugere

Volvei os olhos em torno senhor e procurai um homem superior que se tenha elevado do seio do povo na robustez de suas crenccedilas na virgindade de sua inteligecircncia na amplitude enfim de sua personalidade

Natildeo o encontrareis eu vos garanto (ALENCAR 2007 p 97)

Quando sugere um novo nome a sugestatildeo jaacute estaacute feita Mesmo acrescentando no

paraacutegrafo seguinte que natildeo se conseguiria encontrar a construccedilatildeo coloca o criacutetico

como a escolha acertada para a resoluccedilatildeo do problema Eacute um efeito da carta aberta

todos tecircm direito a uma opiniatildeo A opiniatildeo ldquopuacuteblicardquo que tanta preocupaccedilatildeo leva ao

Imperador E mesmo esta pode ser manipulada (se natildeo o eacute) visto que segundo

sua criacutetica ldquoa burocracia fabrica a opiniatildeo puacuteblica no Brasil [considerando que] os

jornais como tudo neste impeacuterio vivem da benevolecircncia da administraccedilatildeordquo

(ALENCAR 2009 p96) com subvenccedilotildees que lhe indicam o caminho dos editoriais

A aristocracia tomada aqui por Alencar se refere ao que chama de melhores

indiviacuteduos escolhidos entre todos e o criteacuterio para a escolha seria o voto A elite

portanto eacute determinada pelo voto pela democracia representativa concordando

com as propostas do liberalismo com os tracircmites que a lei determina caccedilando e

permitindo o exerciacutecio do voto para um grupo determinado a quem eacute possiacutevel

exercer ldquofraccedilatildeo de soberania ativa reservada a cada individualidaderdquo (ALENCAR

2009 p98) a partir de uma seacuterie de regras estas tambeacutem determinadas por esta

aristocracia burocraacutetica

Alencar sugere que o gabinete estaacute dominado por esta burocracia Apesar das

escolhas dos ministros incidirem em uacuteltima instacircncia sobre o Imperador qualquer

que seja ela ldquoquaisquer que sejam os nomes por voacutes escolhidos senhor caracteres

iacutentegros vontades riacutegidas o corpo oficial logo os absorve e amalgama () [pois soacute]

vive pensa e governa no Brasil o espiacuterito burocraacuteticordquo (ALENCAR 2009 p99) O

parlamento impede que haja mudanccedilas que natildeo sejam de interesse das elites no

poder esta eacute a base da corrupccedilatildeo de que fala nosso missivista

Na uacuteltima carta desta seacuterie Alencar sugere que o cidadatildeo comum espera do

imperador atitude firma e severa frente ao estado de coisas que se apresenta Haacute

segundo ele uma necessidade de rdquorestauraccedilatildeo dos costumes e das leisrdquo

(ALENCAR 2009 p106) E eacute papel de D Pedro II comandar este movimento de

centralizaccedilatildeo ldquoA flor do paiacutes se reuniraacute ao redor do trono Esse haacute de ser vosso

partido o grande partido nacional da regeneraccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p107) eacute o

movimento a que aludimos da tradiccedilatildeo inventada outro lugar no tempo em que

sendo ldquoo Brasil () menor haacute vinte anos poreacutem estava entatildeo mais alto porque na

sumidade que domina o trono brilhavam os grandes nomes de nossa histoacuteriardquo

(ALENCAR 2009 p112) Eacute ali que o modelo de monarquia parlamentar

constitucional brasileiro cria um momento ilusoacuterio de estabilidade de cuja substacircncia

segundo o missivista devem sair os novos partidos poliacuteticos Eacute o periacuteodo

demarcado nos vinte anos nos conduz a 1845 onde o partido conservador volta

novamente a direccedilatildeo do Estado O apelo ao princiacutepio moral fundador de uma naccedilatildeo

que deve ser representado pela figura do imperador como seu protetor perpeacutetuo

define o modelo para os novos partidos que a partir daiacute seriam criados Partidos que

soacute poderatildeo refletir nesse caso as direccedilotildees dadas pelo trono Natildeo haacute no discurso

de Alencar a existecircncia de um lugar fora da ideologia

332 AO POVO AO REDATOR DO DIAacuteRIO DO RIO DE JANEIRO (ALENCAR

2009 p114-220)

Em junho de 1866 Alencar inicia outra seacuterie de cartas agora endereccediladas ao povo

Apesar de tratarmos do gecircnero ldquocarta abertardquo e sua funccedilatildeo primordial seja a

informaccedilatildeo do ldquopovordquo (no caso de um grupo relativamente grande) determinar

assim o destinataacuterio pressupotildee que a seacuterie de cartas anteriores endereccediladas ao

Imperador formam um todo com o novo conjunto em que Alencar se propotildee a ser o

elo entre o povo e o poder (GRANSCI 1989) Como Alencar havia sugerido no

conjunto anterior das cartas o poder moderador ndash nas matildeos do Imperador ndash seria o

instrumento de representaccedilatildeo do povo Em suas palavras ldquoO poder moderador eacute o

eu nacional a consciecircncia ilustrada do povordquo (ALENCAR 2011 p75) Entatildeo eacute das

obrigaccedilotildees e dos limites do poder moderador que tratamos

A estrateacutegia eacute a mesma Inicia seu discurso profetizando o fim da forccedila vital que

sustenta a naccedilatildeo afirmando que houve um tempo em que se poderia esperar do

trono soluccedilatildeo para segundo Alencar tamanha calamidade que vem afligindo o paiacutes

A guerra do Paraguai segue com quantidade enorme de baixas e percebe-se a

tristeza dos ldquochefes das famiacutelias brasileiras () como pais que geram a prole para a

desgraccedilardquo (ALENCAR 2009 p128) Os gastos com a guerra trazem ldquoa miseacuteriardquo para

esse paiacutes de tantos recursos ldquoRumores surdos assomos de impaciecircncia das

classes inferiores circulam a cidade () tais ecos anunciam profundos

ressentimentos do espiacuterito puacuteblicordquo (ALENCAR 2009 p128) Alencar acusa ao

gabinete de indiferenccedila frente agrave situaccedilatildeo contando com a conivecircncia (passiva) do

trono o que gera insatisfaccedilatildeo por parte da populaccedilatildeo pelos rumos da guerra O

apelo direto a famiacutelia aqui eacute muito representativo Carlo Buacutessula (1997) lembra que a

famiacutelia - e o indiviacuteduo pertencente a tal famiacutelia - existem antes do Estado E que a

autoridade deste lhe eacute outorgada pela famiacutelia e pelos indiviacuteduos que a compotildeem O

vocaacutebulo naccedilatildeo ainda segundo Buacutessula eacute derivaccedilatildeo do latim ldquonatiordquo que

entendemos por nascer Refere-se a um conjunto das famiacutelias ndash e suas lideranccedilas ndash

nascidas em determinada regiatildeo constituindo um grupo social de certa

homogeneidade e que partilha de uma cultura um domiciacutelio uma condiccedilatildeo de

pertencimento Podemos observar mesmo em textos mais antigos como em

Aristoacuteteles (1998) a afirmaccedilatildeo de que o Estado eacute uma reuniatildeo de famiacutelias Daiacute

podemos estender o pensamento e considerar as bases legais (neste periacuteodo) para

um ldquopaacutetrio poderrdquo O liacuteder de uma famiacutelia com sua extensatildeo a parentes agregados

e escravos tem sua autoridade como senhor depois a autoridade material que se

apresenta tambeacutem em relaccedilatildeo a sua mulher e a procriaccedilatildeo dos filhos e a

acumulaccedilatildeo de riqueza para o sustento do grupo ao qual eacute responsaacutevel Chegando

mais proacuteximo as relaccedilotildees entre Estado e Famiacutelia e seu pertencimento a terra ao

domiciacutelio e a busca pela liberdade podem ser relacionadas com as lutas dos barotildees

na Idade Meacutedia com o rei Joatildeo sem terra pelo reconhecimento de seus direitos da

liberdade e da aplicaccedilatildeo da justiccedila Aqui temos um contiacutenuo processo histoacuterico e

poliacutetico de superaccedilatildeo e no mesmo tempo conservaccedilatildeo dessa comunidade natural

que culmina no Estado nacional como um resultado da vontade desta comunidade

(CHAUIacute 1997)

Da mesma forma que Alencar se dirigiu ao Imperador comenta ele agora se dirige

ao povo para que este se levante de sua letargia e por fim ldquoacorde para defender o

patrimocircnio sagrado de suas liberdades e gloriosas tradiccedilotildeesrdquo (ALENCAR 2009

p131) No momento se define como um arauto que iraacute ldquofalar ao povo brasileiro e

proferir verdades que ele nunca ouviu nem de seus ditadores nem de seus

tribunosrdquo (ALENCAR 2009 p131) O interessante ndash devemos ressaltar - eacute que natildeo

haacute uma seacuterie de cartas endereccedilada ldquoao legislativordquo ou mesmo ldquoao senadordquo Tanto

Hobbes quanto Locke e Rousseau ndash cada qual a seu modo ndash defendiam a presenccedila

do parlamento O movimento em Alencar parece passar do povo diretamente ao

imperador deixando ao largo as instituiccedilotildees democraacuteticas40 como no absolutismo

em que o trono justifica todas as suas accedilotildees despoacuteticas justificada como para o

bem do povo a revelia de uma constituiccedilatildeo abonando sua intenccedilatildeo como a de

ldquorenovar a alianccedila da realeza com a democracia Quero restituir o monarca e o povo

um ao outrordquo (ALENCAR 2009 p131)

A primeira estrateacutegia de Alencar eacute delimitar o que acredita ser o povo ldquopor povo

entendo o corpo da naccedilatildeo sem distinccedilatildeo de classes excluiacutedos unicamente os

representantes e depositaacuterios do poderrdquo (ALENCAR 2009 p133) Apesar da

distacircncia que o vocabulaacuterio rebuscado constroacutei do povo a fala eacute justificada Os

depositaacuterios do poder deixam de ser uma categoria do povo por estar distante diste

econocircmica e culturalmente distante mas por que os representantes Nas cartas ao

imperador a camada de poliacuteticos (representantes) era a chaga que deveria ser

extinta ndash pelo menos alguns mas a atividade representativa natildeo deve distinguir o

poliacutetico do povo pelo menos eacute o que sustenta No paraacutegrafo seguinte toma o tom de

paraacutebola anunciando que mesmo os de menor capacidade no seio do povo

poderiam compreendecirc-lo

Aos grandes como aos pequenos falarei a linguagem que me deu a natureza compreendam-me os capazes pelo raciociacutenio os ignorantes pela intuiccedilatildeo misteriosa que em todos os tempos haacute inoculado a verdade no seio das massas

Carecia dizer-vos estas coisas (ALENCAR 2009 p 133)

Alencar se potildee acima das instituiccedilotildees para anunciar que o povo como no

movimento de 1834 ndash e provavelmente atraveacutes das verdades que este lhes diraacute nas

proacuteximas cartas ndash eacute o agente da mudanccedila do paiacutes corrompido Eacute bom lembrar o

conteuacutedo ideoloacutegico que tais afirmaccedilotildees carregam

As Ideologias surgem normalmente em periacuteodos de crise quando a visatildeo do mundo dominante natildeo consegue satisfazer novas e pressionantes necessidades sociais e pedem imperiosamente aos proacuteprios seguidores uma transformaccedilatildeo total da sociedade ou um afastamento dela (BOBBIO

40 Natildeo trata aqui das habituais ldquovisitasrdquo que o Imperador recebia de seus suacuteditos pedindo

empregos pedindo vetos a algum projeto ou perdatildeo de diacutevidas O discurso de Alencar eacute

intencional e bem planejado Indica realmente uma criacutetica agrave intromissatildeo de D Pedro em

determinados assuntos de responsabilidade do parlamento

1998 p 588)

Alencar conclama o povo para que este busque com sua forccedila pressionar as

instituiccedilotildees e mesmo a monarquia na figura de D Pedro II a fim de encontrar

soluccedilotildees para os problemas que apresenta nas cartas A associaccedilatildeo feita pelo

primeiro conjunto (cartas ao Imperador) indica que ldquoo povordquo eacute tambeacutem responsaacutevel

e o discurso lembra sua soberania frente a seus representantes Como afirmamos

anteriormente uma das caracteriacutesticas da prosaiacutestica utilizada eacute a afirmaccedilatildeo de que

tudo depende de uma ordem interna e Alencar constroacutei por via do discurso tal

ordem O impacto que isso tem eacute provavelmente grande O espiacuterito conciliador do

brasileiro (CARVALHO 2007) jaacute comeccedila a ser construiacutedo junto com a estabilidade

vinda depois do periacuteodo regencial e o controle (para)militar das revoltas tendo seu

uacuteltimo suspiro na Revolta da Praia Todos detidos alguns assimilados vaacuterios mortos

e esquecidos a centralizaccedilatildeo eacute uma meta e esta segue o caminho ditado pela

Corte no Rio de Janeiro

Alencar natildeo deixa sequer por um momento de fazer a associaccedilatildeo da coroa com o

povo sendo ele a justificaccedilatildeo para o poder moderador ldquodevo agrave majestade popular a

mesma franqueza que usei com a majestade imperialrdquo (ALENCAR 2009 p134)

Critica a condiccedilatildeo da populaccedilatildeo que natildeo recebe respeito por parte do Estado

afirmando que ldquoo cidadatildeo natildeo vale na medida de seus direitosrdquo (ALENCAR 2009

p135) o que eacute inaceitaacutevel para a teoria liberal claacutessica que vem da busca pela

liberdade Alencar afirma que soacute os que detecircm algum poder econocircmico possuem

direitos civis A liberdade do povo natildeo eacute respeitada Fala da guerra que

aparentemente deve continuar e da situaccedilatildeo moral e econocircmica que esta constitui

O governo toma da liberdade do povo tomando-lhe ldquoa substacircncia da vida ndash o

sangue o fruto do trabalho ndash o suorrdquo (ALENCAR 2009 p136) A poliacutetica do

recrutamento forccedilado da populaccedilatildeo eacute o tema inicial que leva o povo para ldquoeste

abismo para sorver milhares de vidas e os recursos de talvez um seacuteculo de

existecircnciardquo (ALENCAR 2009 p137) O povo aceitou ldquoa guerra com dignidade ()

mas no acircmago da consciecircncia nacional estaacute latente a indignaccedilatildeordquo (ALENCAR 2009

p137) Alencar nessa carta explora as ideias do liberalismo claacutessico quando fala da

relaccedilatildeo do povo com o Estado A busca da liberdade civil e poliacutetica os impostos

forccedilados para a manutenccedilatildeo da guerra o direito a vida e a felicidade tatildeo caros agrave

Bentham e Mill Como eacute possiacutevel um recrutamento forccedilado e como eacute possiacutevel que

algueacutem ndash praacutetica comum ndash possa mandar um escravo em seu lugar para sal a paacutetria

na qual o escravo natildeo tem direito a cidadania

O povo ldquocordato e brioso almejava eacute certo pela mudanccedila de nossa poliacutetica no Rio

da Pratardquo (ALENCAR 2009 p137) Alencar sustenta que

a poliacutetica de intervenccedilatildeo fora sobretudo filantroacutepica exprimia a caridade internacional de um povo por seus irmatildeos dilacerados () [que] o Brasil natildeo precisa do territoacuterio de seus vizinhos pois o tem de sobra e ubeacuterrimo tambeacutem natildeo eacute essencial para seu bem-estar a paz e equiliacutebrio das repuacuteblicas americanas (ALENCAR 2009 p138)

Eacute o momento da indignaccedilatildeo mas Alencar natildeo chega admitir que concorda com a

poliacutetica da coroa para a manutenccedilatildeo do territoacuterio tanto com guerras internas como

defendendo a fronteira sul do Brasil contra o inimigo externo Apresenta em favor

deste uacuteltimo argumento a ideia de que havia pendencias em aberto com as

Repuacuteblicas do Prata e que enfim a guerra poderia ser a soluccedilatildeo Mas tal guerra foi

incentivada pelo governo brasileiro sendo um de seus episoacutedios a missatildeo chefiada

por Joseacute Antocircnio Saraiva em maio de 1864 o executivo ldquosem ter obtido da

assembleia geral com os meios essenciais a aprovaccedilatildeo legislativardquo (ALENCAR

2009 p142) decide pela guerra e a populaccedilatildeo deve arcar com as consequecircncias

do ato apelando para a honra da naccedilatildeo sacrificada Alencar afirma que o legislativo

natildeo toma providecircncias (exigi-las do executivo) para tentar evitar a continuidade da

guerra ocupando-se de discursos vazios de sentido ldquoenquanto o paiacutes estorteja

deleitam-se na compostura de frases perluxas e nos guizos de suas ocas palavrasrdquo

(ALENCAR 2009 p145 A falta de accedilatildeo do Estado cria situaccedilotildees de

constrangimento para o paiacutes como os episoacutedios da questatildeo inglesa que jaacute

anunciavam a falta de tato poliacutetico da administraccedilatildeo puacuteblica De certo ldquoa eacutepoca

infeliz que vamos atravessando natildeo eacute realmente outra coisa senatildeo um grande e

longo desvario da razatildeo puacuteblicardquo (ALENCAR 2009 p146) a quem Alencar culpa

enfim a ascensatildeo da liga progressista entatildeo no governo

A guerra que sustentamos eacute desde sua origem um tecido de incongruecircncias

e desacertos Soacute haacute em toda ela de nobre digno e consolador a intrepidez de nossos marinheiros e soldados Virtude espontacircnea do homem e do povo produziu-se independente do governo e apesar dos esforccedilos adrede empregados para abafaacute-la (ALENCAR 2009 p 146)

A administraccedilatildeo da guerra para Alencar leva a inuacutemeros problemas Como a falta

de uma resposta de forccedila as humilhaccedilotildees sofridas pelo paiacutes as frentes de batalha

que enquanto lutam em uma fronteira

deixam o governo ao desamparo e franca aos paraguaios outra e importante fronteira abandonando assim criminosamente Mato Grosso agrave ruiacutena e assolaccedilatildeo () [Depois da] rendiccedilatildeo de Uruguaiana que fizemos ainda para desafronta da dignidade nacional agravada (ALENCAR 2009 p149)

A lenta marcha do exeacutercito agraves margens do Paranaacute daacute tempo agraves tropas inimigas de

abandonarem o local onde permanecem os aliados Aos jornais eram enviadas

notiacutecias de batalha para segundo Alencar acalentar a impaciecircncia puacuteblica sobre os

seus Quando enfim se alcanccedila o campo paraguaio

avanccedilamos apenas duas leacuteguas em territoacuterio inimigo e estacamos Invasor queda-se o grande exeacutercito agrave sombra da esquadra e natildeo avanccedila um passo Criou raiacutezes ali nos charcos pestiacuteferos que envenenam diariamente nossos bravos soldados (ALENCAR 2009 p152)

Falta comando agraves tropas de terra e mar o que acarreta maiores perdas humanas e

econocircmicas Alencar critica o tratado da triacuteplice alianccedila e o comando das tropas

brasileiras por militares argentinos sob as ordens do presidente Mitre e a falta de

empenho para a ldquopuniccedilatildeo dos desacatos feitos agrave nacionalidade brasileirardquo

(ALENCAR 2009 p155) chegando mesmo a acusar o estado de fechar os olhos

frente aos assassinatos perpetrados no acampamento contra os soldados

brasileiros e natildeo exigiam a pronta e severa puniccedilatildeo do crime com receio de

estremecer a alianccedila Eacute bom lembrar que um dos traccedilos do conservadorismo eacute o

nacionalismo Um nacionalismo que tem em certa medida ligaccedilatildeo com a

democracia

Falando da liberdade de pensamento

() eacute forccediloso que o Brasil mantenha seu nome de naccedilatildeo culta e de segunda grande potecircncia da Ameacuterica () [poreacutem] a poderosa liberdade do pensamento garantida pela constituiccedilatildeo brasileira a voz solene e vibrante do povo natildeo eacute de nosso paiacutes A imprensa e a tribuna existem entre noacutes por mera complacecircncia (ALENCAR 2009 p158)

A censura eacute constante em publicaccedilotildees desde a imprensa reacutegia uacutenica instalada no

paiacutes quando da vinda da Famiacutelia Real mas com D Pedro II isso se abreviou muito

a ponto do republicanismo ser discutido publicamente em clubes e jornais O

problema segundo ele eacute a incapacidade do povo em compreender os problemas

visto que ldquoa populaccedilatildeo jaz na indolecircncia ou estaacute ainda em geral submergida na

ignoracircncia o pensamento natildeo pode livremente circular Por maior forccedila que o

revista ele natildeo penetra jamais a flaacutecida superfiacutecie da indiferenccedilardquo (ALENCAR 2009

p159) o que faz com que natildeo seja possiacutevel uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees

sociais Alencar cumpre seu papel de intelectual como nos mostra Gramsci

enquanto busca incentivar o debate poliacutetico para elevar intelectual e moralmente

camadas cada vez mais amplas da populaccedilatildeo ou seja para dar personalidade a

massa Mas o que se tem quando da posiccedilatildeo completamente externa que Alencar

toma frente agrave populaccedilatildeo ele nega uma praacutexis transformadora desta e acaba por

atualizar a ideologia Quando critica o parlamento por exemplo em

Quanta influiccedilatildeo tem no paiacutes a aluviatildeo de palavras que diariamente se despenha da tribuna parlamentar ou se espraia na imprensa

Que peso exercem no espiacuterito puacuteblico as liccedilotildees da sabedoria e experiecircncia do conselho dos anciatildeos ou a palavra magistral e ungida pela sinceridade de um veneraacutevel Itaboraiacute ou de um provecto Pimenta Bueno (ALENCAR 2009 p 159)

A alusatildeo aos parlamentares que defendem os direitos do povo natildeo visa uma

transformaccedilatildeo mas apenas uma mudanccedila no grupo da elite que estaacute no poder

Visto que ndash no caso ndash tais direitos satildeo concessotildees Natildeo haacute uma discussatildeo com a

populaccedilatildeo sobre suas necessidades haacute - como pudemos notar - a resoluccedilatildeo de

problemas com vistas aos interesses das elites como por exemplo no caso do fim

do traacutefico de escravos e a aboliccedilatildeo que soacute vem a acontecer quando as elites

diretamente ligadas ao problema o permitem Ainda se vecirc traccedilos de preconceitos

herdados de uma aristocracia portuguesa no texto como uma natildeo valorizaccedilatildeo do

trabalho que natildeo seja intelectual como quando adverte ser necessaacuterio que o Brasil

mantenha-se frente aos problemas da guerra como um paiacutes civilizado ldquoou entatildeo se

reduza a uma terra de mercadoresrdquo (ALENCAR 2009 p152)

Alencar adverte ainda que ldquoo governo descansa pois tranquilo a este respeito [da

liberdade de pensamento] imprensa e tribuna satildeo inocentes folguedos para o nosso

povo menino Brincando esse jogo de liberdaderdquo (ALENCAR 2009 p160) que leva

somente a um vazio de accedilotildees Ilustra seu argumento dizendo que a Franccedila e ndash

querendo imita-la a Pruacutessia brevemente ndash concede aos suacuteditos o voto universal

Para o autor o voto universal ldquoeacute uma teteia poliacutetica semelhante agrave nossa imprensa

livrerdquo (ALENCAR 2009 p160) O autor defende o modelo de restriccedilotildees ndash censitaacuterio

no caso ndash para o sufraacutegio o que eacute mais um iacutendice de que o ldquopovordquo a quem Erasmo

dirige suas cartas eacute restrito e que a liberdade natildeo eacute para todos E ele mesmo

justifica afirmando que se for da vontade dos ldquodominadoresrdquo qualquer atitude ndash ou

projeto de revolta ndash que saia do povo poderia ser controlada mesmo ele

Um exemplo Estas cartas parecem a alguns dos nossos senhores inconvenientes a outros extravagantes Nenhum deles poreacutem afianccedilo ousaraacute contestaacute-las E para quecirc Basta-lhes soprar na doacutecil consciecircncia dos sateacutelites e em breve um sussurro se derrama pela cidade Esse sussurro natildeo diz mas infiltra de uma banda que estou fazendo a propaganda do absolutismo da outra que provoco o povo agrave revoluccedilatildeo (ALENCAR 2009 160)

E confirma a seguir em outro paraacutegrafo sua afirmaccedilatildeo mostrando que seu texto

natildeo tem tanta infiltraccedilatildeo como a ideologia reinante

A verdade poreacutem eacute que tais infiltraccedilotildees subterracircneas da aleivosia no espiacuterito pensante do paiacutes satildeo mais poderosas que a palavra eneacutergica do escritor atirada agraves turbas A chama desta se apaga caindo de arremesso no chatildeo a faiacutesca da outra vai se propagando sempre e surdamente O povo lecirc pouco mas escuta muito o que se diz em voz submissa (ALENCAR 2009 p161)

Em suma segundo Alencar eacute preciso ofertar uma educaccedilatildeo para o povo de forma

que este tenha maior consciecircncia de seu papel o que eacute um traccedilo liberal e ao

mesmo tempo sugere que no decorrer do processo o povo seja tutelado enquanto

natildeo alcanccedila uma maturidade intelectual e poliacutetica uma proposta decididamente

conservadora Alencar afirma que o povo teve sua histoacuteria recente marcada pela

revoluccedilatildeo e pela opiniatildeo Em todos os movimentos revolucionaacuterios teve de arcar

com consequecircncias que restringiriam sua liberdade Em 1824 a revolta de

Pernambuco foi logo contida Como consequecircncia D Pedro I com sua constituiccedilatildeo

liberal profana a liberdade prometida e cria as juntas militares Em 1831 com a

revoluccedilatildeo na Corte o povo triunfa sem um combate armado e aderia ao jovem

imperador Em 1837 o paiacutes sucumbe agrave anarquia que o partido liberal - entatildeo no

poder - natildeo consegue conter sendo salva a naccedilatildeo ndash segundo ele - pelo partido

conservador Em 1840 a revoluccedilatildeo imperial e o partido que a promove logo se vecirc

retirado do poder Levantando-se Minas e Satildeo Paulo em favor do partido Liberal

logo foram vencidos e ldquodas cinzas da revolta nasceram todas as leis homicidas da

liberdade que hoje nos parecem opressivas e naquele tempo foram salvadorasrdquo

(ALENCAR 2009 p163) Em 1842 a liberdade comeccedila a declinar vendo seu fim

proacuteximo em 1848 A liberdade eacute uma ilusatildeo ldquosagaz eacute a oligarquia que domina o

paiacutes [porque consegue] manter o povo na doce ilusatildeo de que eacute livrerdquo (ALENCAR

2009 p165) e assim sustentar uma poliacutetica de dominaccedilatildeo opressiva e constante

Ao povo falta a consciecircncia que gera a opiniatildeo

Alencar relata o episoacutedio das tropas inglesas na guerra da Crimeacuteia e a presenccedila de

um repoacuterter do jornal ldquoTimesrdquo no acampamento Sua presenccedila por um momento

censurada depois foi aceita como forma de ligaccedilatildeo entre a opiniatildeo puacuteblica e o

comando da guerra o que por fim salvaria a honra da Inglaterra na batalha com o

relato fiel do que via em seu cotidiano no campo de batalha Mas no Brasil a critica

natildeo eacute assim Aquele que ousa levantar ldquoa voz para arguir os erros deploraacuteveis

cometidos em uma guerra infauta eacute logo coberto com o baldatildeo e o insulto Seja

banido da paacutetria esse reacuteprobo poliacutetico ()rdquo (ALENCAR 2009 p170) desacreditada

sua accedilatildeo Para que natildeo sejam criados embaraccedilos ao governo sustenta ldquonatildeo se

deve preferir uma palavra ou balbuciar um receio [sobre a administraccedilatildeo da guerra]

() Esta heresia se escreveu na imprensa de um Estado livre ecoou em uma

tribuna que ainda chamam parlamentordquo (ALENCAR 2009 p171) funcionando como

uma poliacutetica de Estado que tenta manter a consciecircncia do povo distante dos

acontecimentos Eacute o tatildeo conhecido medo da revolta popular que assombra as elites

desde antes da independecircncia e tambeacutem para encobrir

o esbanjamento dos dinheiros puacuteblicos a dissipaccedilatildeo das forccedilas do Estado o atropelo erigido em atividade a ineacutercia com foros de prudecircncia [chegando a tanto descaso que] depois de um esbanjamento louco dos dinheiros puacuteblicos natildeo ter canhotildees para bombardear o inimigo e a ele () natildeo faltam armas aperfeiccediloadas de longo alcance (ALENCAR 2009 p177)

Eacute tal a quantidade de erros observados que causam extremo desacircnimo ao paiacutes O

atual gabinete41 eacute um dos responsaacuteveis ndash senatildeo o maior ndash devido ldquoa incoerecircncia

levada agrave infantilidade as contradiccedilotildees incessantes a negaccedilatildeo eterna de si mesmordquo

(ALENCAR 2009 p186) enquanto um grupo coeso causado por intrigas e

desafetos novos e antigos entre seus membros a falta de certo cuidado para tratar

com as possiacuteveis reaccedilotildees aos acontecimentos Natildeo deixa de criticar D Pedro II

novamente por natildeo tomar providecircncias para que tais conflitos internos e do gabinete

com a cacircmara dos deputados tenham um fim e o porquecirc disso tudo que ldquoeacute um

assunto digno da seacuteria meditaccedilatildeo do povordquo (ALENCAR 2009 p188) A

administraccedilatildeo da guerra foi deixada nas matildeos de seus agentes enquanto o

gabinete diz ter nestes a sua confianccedila tal o eacute que se permitem deixar-lhes livres

para desenvolver suas taacuteticas militares confirmam os ministros Estes uacuteltimos

estariam mais preocupados ndash segundo Alencar ndash em defender tais atitudes frente

aos parlamentares Sentindo-se esgotado desabafa em tom increacutedulo ldquoSoacute no

Brasilrdquo (a interjeiccedilatildeo faraacute histoacuteria)

Soacute no Brasil Escapou-me a palavra Soacute nesta eacutepoca desgraccedilada em que o Brasil desapareceu para deixar o lugar ao impeacuterio da alucinaccedilatildeo e desatino soacute durante esta siacutencope da razatildeo social torna-se possiacutevel a existecircncia de semelhantes desvarios e a jactacircncia de os haver praticado (ALENCAR 2009 p 194)

Desvarios permitidos senatildeo pela coroa e pela passividade do povo ldquoO governo natildeo

quer saber do que se passa nem faz a miacutenima exigecircncia Delegou sua razatildeo seu

dever seu pundonor no aacuterbitro supremo da Triacuteplice Alianccedilardquo (ALENCAR 2009

p196) a quem o tesouro brasileiro auxiliou ateacute na compra de armamentos

D Pedro II se guiaria pela opiniatildeo puacuteblica medida na publicitaccedilatildeo dos atos do

governo pelos jornais E os jornais da Corte nos garante Alencar jaacute estatildeo todos nas

41 Presidido pelo Marquecircs de Olinda Dura de 12051865 a 03081866

matildeos do ministeacuterio os partidos conservador e liberal a muito natildeo detecircm espaccedilos

nessas miacutedias Mas o imperador ldquoreconhece e sente mais no iacutentimo a crise perigosa

que oprime o paiacutesrdquo (ALENCAR 2009 p201) mas eacute tolerante com o executivo em

sua forma de administrar a coisa puacuteblica mesmo por que veria uma dificuldade de

montar outro gabinete no conturbado periacuteodo que se atravessa onde o partido

conservador se recolhe segundo ele ao silecircncio e ao repouso

Na nona carta Alencar anuncia por fim a dissoluccedilatildeo do gabinete de 12 de maio e a

subida de Zacarias de Goacuteis vinculado agrave liga progressista em 02 de agosto O que

resultaria em nenhuma mudanccedila significativa na conduccedilatildeo da poliacutetica do Estado e

confirmaria a ldquocompleta identificaccedilatildeo da coroa com a poliacutetica vigenterdquo (ALENCAR

2009 p210) Volta ao gabinete Acircngelo Muniz da Silva Ferraz que teve

desentendimentos anteriormente com Caxias sobre a conduccedilatildeo da guerra e que

aprovara - tambeacutem como ministro da guerra ndash o tratado da Triacuteplice Alianccedila e ldquoos

outros escolhidos entre os mais dedicados aderentes da poliacutetica progressista

presidente ou chefes da maioriardquo (ALENCAR 2009 p213) sob a forma de uma

grande conciliaccedilatildeo Zacarias entatildeo liderando o gabinete em 1864 que daacute o

ldquoultimatum de 4 de agostordquo (ALENCAR 2009 p218) iniciando - por assim dizer - os

trabalhos na guerra do Paraguai eacute justo estar ele ali para dar-se um fim a guerra

sugere Alencar conclui essa seacuterie de cartas a 06 de agosto afirmando que acredita

no fim da passividade do povo brasileiro e que se afastaraacute por algum tempo para

ver os resultados conseguidos pelo atual gabinete Mas natildeo muito tempo

Um aparte eacute necessaacuterio para o comentaacuterio a carta endereccedilada ldquoAo Redator do

Diaacuterio do Rio de Janeirordquo (ALENCAR 2009 p114-123) uacutenica datada de 12 de

janeiro de 1866 A resposta de Alencar a criacutetica sobre suas preferecircncias pelo

absolutismo Eacute uma carta breve na qual natildeo nos deteremos

Alencar ndash depois de um breve alento sempre educado ndash indica o teor da conversa

com seu sempre generoso adversaacuterio o redator do Diaacuteriordquo adversaacuterio pois no

momento se encontram em posiccedilotildees opostas e como os ponteiros de um reloacutegio

apontam suas ideias em direccedilotildees diferentes

Alencar escreve ao redator em resposta a uma criacutetica que recebe - enquanto

Erasmo - pelo conteuacutedo das cartas Acusado de fomentador do absolutismo vai a

puacuteblico em defesa proacutepria Indica com seu estilo caracteriacutestico ter sido viacutetima de

acusaccedilotildees como

Sou nada menos do que - ltlt o crocodilo feroz do despotismo disputando a admiraccedilatildeo dos poucos creacutedulos que ainda restam e os tecircnues almejos do magnacircnimo coraccedilatildeo do rei insonegtgt A reticecircncia natildeo eacute minha sim do indignado escritor que some-se por ela e logo apoacutes surge para mandar-me literalmente ao diabo sob a conduta de Erasmo (ALENCAR 2009 p 116)

Eacute a antiga histoacuteria do feiticcedilo contra o feiticeiro Alencar se expotildee publicamente mas

como jaacute pudemos perceber ateacute mesmo pela anaacutelise de sua curta biografia natildeo

admite criacuteticas a seu trabalho Manteacutem-se distante em uma posiccedilatildeo decididamente

superior aos outros (decidida por ele) mesmo em se tratando de seus iguais Tenta

ao longo da carta melhorar sua situaccedilatildeo admitindo que

Estes ecos da imprensa partidos de vaacuterios pontos e condensados aos surdos rumores que burburinham nos ciacuterculos da Corte satildeo indiacutecios de uma crise salutar Anunciam eles que a pena de Erasmo natildeo fez a autoacutepsia de um cadaacutever operou sobre corpo vivo e robusto onde satildeo prontas as reaccedilotildees (ALENCAR 2009 p116)

Admite que o absolutismo esteja presente mas vindo das elites no poder e em seus

mecanismos de comunicaccedilatildeo como a imprensa E talvez certa complacecircncia de D

Pedro II com a situaccedilatildeo quando afirma que

O absolutismo Quem natildeo o vecirc Natildeo convive ele conosco Onde a minoria subjuga a maioria aiacute estaacute a tirania seja de um seja de muitos Repimpado nas poltronas ministeriais espreguiccedilando-se nos sofaacutes da assembleia pedante nas reparticcedilotildees puacuteblicas risonho e sedutor na imprensa empertigado nos fardotildees mostra-se em toda a parte esse Proteu da nossa poliacutetica (ALENCAR 2009 p 118119)

Afirma que em resposta a acusaccedilatildeo releu o conteuacutedo de suas cartas e natildeo encontra

motivos ali para tal O que apenas admite eacute que

Quero a constituiccedilatildeo como foi escrita natildeo como a aleijaram Na constituiccedilatildeo aparecem bem distintos os trecircs princiacutepios cardeais da monarquia representativa a Coroa o povo e o elemento intermeacutedio ou misto que em falta de melhor termo chamo aristocraacutetico (ALENCAR 2009 p120)

Afirmando que de sua postura criacutetica visa os povos livres Infelizmente a criacutetica soacute

pocircde ser feita (ou admitida) de um dos lados De qualquer forma como jaacute viacutenhamos

demonstrando no decurso das cartas algumas similaridades do texto de Alencar

com as ideias de Hobbes podem fazer com que o Redator do Diaacuterio natildeo perca de

todo sua razatildeo Eacute visiacutevel mesmo para os contemporacircneos que Alencar toma o

partido de uma intervenccedilatildeo forte do Imperador em detrimento dos direitos e da

liberdade da maior parte da naccedilatildeo

333 AO MARQUEcircS DE OLINDA AO VISCONDE DE ITABORAHY (ALENCAR

2009 p223-254)

A carta endereccedilada ao Marquecircs de Olinda (ALENCAR 2009 p243-254) entatildeo

presidente do conselho e ministro dos negoacutecios do Impeacuterio inicia com a objetiva

epiacutegrafe ldquovou te interrogar e tu me instruiraacutesrdquo42 (ALENCAR 2009 p243) e se dirige

ao marquecircs com toda a reverecircncia que o romantismo da uacuteltima fase lhe permite

Olinda teve participaccedilatildeo no processo de independecircncia havia sido regente e

ministro Era uma figura respeitaacutevel no cenaacuterio poliacutetico brasileiro Formado em

Coimbra fazia parte de um grupo ao qual Alencar acreditava estar tempo demais no

42 Natildeo pudemos deixar de notar o erro indicado pelo revisor da epiacutegrafe Pois bem A epiacutegrafe

em latim refere ao livro de Joacute 33-3 como ldquoCinge como um valente os teus lombos vou te

interrogar e tu me instruiraacutesrdquo O revisor prontamente corrige a referecircncia que estaacute na verdade

em Joacute 38-3 Mas se entendermos a epiacutegrafe como mais uma das armadilhas de Alencar a

referecircncia dada por ele (incorreta no caso) mostra em Joacute 33-3 uma resposta ao versiacuteculo

anterior ou mesmo um indicativo para a continuidade da leitura da epiacutegrafe onde se vecirc ldquoAs

minhas razotildees sairatildeo da sinceridade do meu coraccedilatildeo e a pura ciecircncia dos meus laacutebiosrdquo Que eacute o

apregoado pelo missivista desde as primeiras cartas ao Imperador Ele como o arauto da

verdade Mas se quisermos acreditar no radicalismo e perversidade do Alencar seguiremos ateacute

Joacute 33-33 onde se lecirc ldquo escuta-me tu cala-te e ensinar-te-ei a sabedoriardquo Para Alencar filho de

um padre e extremamente conservador eacute possiacutevel entender o jogo de relaccedilotildees com os versiacuteculos

como um iacutendice para o iniacutecio de uma criacutetica ferrenha ao Marquecircs Eacute interessante lembrar sem

pretender se extender em tal ponto (que natildeo cabe aqui devido as limitaccedilotildees do trabalho) nas

observaccedilotildees de Chartier (1999) sobre o texto como forma literaacuteria e sua impressatildeo todo o

processo que acompanha o texto ateacute alcanccedilar o seu suporte as intervenccedilotildees de tipografia

graacutefica editores e mesmo erros que afetam o texto A recepccedilatildeo eacute sempre algo que deve ser

observado junto a uma criacutetica do texto e natildeo como um simples derivado deste

poder Compara seu trabalho com o de Vasconcelos Joseacute Clemente e Paranaacute

invoca Evaristo Feijoacute e Vergueiro tecendo uma trama de modelos ideais na qual

tentaraacute capturar Olinda Se apresenta ao Marquecircs afirmando que seu ldquoempenho

sincero tem sido reparar os estragos do tempordquo (ALENCAR 2009 p244) buscando

e indicando caminhos para a administraccedilatildeo puacuteblica como em uma espeacutecie de

jornalismo criacutetico e investigativo Compara o poliacutetico em sua astuacutecia a Luiz XVIII de

Franccedila novamente consolidando o modelo europeu como marco de uma civilizaccedilatildeo

ldquomais avanccediladardquo cultural e politicamente mas tambeacutem aludindo ao seu longo tempo

de permanecircncia nos grupos entatildeo no poder E esta permanecircncia Alencar sugere

que eacute devida a capacidade de adequaccedilatildeo que possui o Marquecircs acompanhando a

mareacute dos fatos e acomodando-os agraves suas necessidades - como em decisotildees

polecircmicas como na partida de D Pedro II para Uruguaiana ou sobre a deposiccedilatildeo do

gabinete O tato poliacutetico que teria o Marquecircs lhe permite sempre estar em

consonacircncia com a opiniatildeo puacuteblica pelo menos com a parte elogiosa da opiniatildeo

Com certo tom de gracejo Alencar brinca com a idade avanccedilada do Marquecircs e

sugere que ele escreva uma biografia Biografia que estaria rica de assuntos e

informaccedilotildees poliacuteticas jaacute que ndash falando com uma ponta de sarcasmo conservador

sobre a mobilidade partidaacuteria no periacuteodo ndash o Marquecircs ldquohavendo pertencido a todos

os partidos modernos e antigos a datar da constituinte vossa autobiografia deve ser

um tesouro inexauriacutevel de liccedilatildeo e conselhordquo (ALENCAR 2009 p247) E qualquer

poliacutetico continua encontraraacute ldquonesse novo evangelho poliacutetico um tema um exemplo

uma epiacutegrafe para adornar sua doutrinardquo (ALENCAR 2009 p248) Mas Olinda

apesar da idade continua firme no poder aparentemente natildeo querendo abrir matildeo

disto como muito bem nos sugere Alencar ldquopara voacutes poreacutem natildeo chegou ainda o

tempo das memoacuterias estais com as matildeos na obrardquo (ALENCAR 2009 p248) em

todas as obras em que consegue esgueirar suas matildeos era o que queria dizer

Mesmo quando os resultados natildeo lhe satildeo promissores como em 1851 com o

episoacutedio do Prata

Em 1857 alude o partido conservador comeccedila a perder forccedila apesar da presenccedila

de lideranccedilas importantes que poderiam seguir com uma administraccedilatildeo competente

Tendo homens como o dissera ldquode talhe para a empresa uns pela ilustraccedilatildeo

outros pela popularidade Itaboraiacute Uruguai Euseacutebio Caxias Pimenta Buenordquo

(ALENCAR 2009 p249) natildeo consegue encontrar um norte com algum destes e ao

clongo de alguns anos o partido perde sua forccedila de combate

Olinda foi presidente do conselho de ministros e ministro em diversas pastas e

diferentes gabinetes Seu nome nos conta enche o livro do Segundo reinado ldquorara

eacute a paacutegina em que natildeo figure ele no alto Estreastes regente era natural que

acabaacutesseis vice-rei43rdquo (ALENCAR 2009 p249) Mas o paiacutes sofre por demais neste

momento e o Marquecircs eacute o signo (senatildeo o culpado) dessa administraccedilatildeo

equivocada incompetente oriunda de uma oligarquia irresponsaacutevel que lanccedila o paiacutes

na ldquocorrupccedilatildeo infrene o descreacutedito puacuteblico a ruiacutena das financcedilas o aniquilamento da

induacutestria e finalmente a guerra ladeada a uma pela vergonha e pela miseacuteriardquo

(ALENCAR 2009 p250) A paacutetria exige um esclarecimento que Olinda ponha a

matildeo na consciecircncia e admita ndash na impossibilidade de corrigi-los ndash seus erros a

quem lhe creditou agrave administraccedilatildeo O paiacutes sofre e Olinda dorme ldquoagrave sesta e consente

que os convivas de teu banquete tripudiem sobre meu corpo exacircnimerdquo (ALENCAR

2009 p252) Natildeo a paacutetria exige sua salvaccedilatildeo E o instrumento para tanto eacute ldquoo

mesmo que serviu em 1837 aiacute jaz atirado ao poacute e desdenhado Eacute o grande Partido

Conservador numeroso ateacute na imobilidade forte ainda no abandonordquo (ALENCAR

2009 p252) Olinda deve indicar ao monarca um novo gabinete constituiacutedo pelo

partido conservador Alencar acena para a permanecircncia de grupos no poder mesmo

com a mudanccedila de gabinetes e vertentes poliacuteticas onde lideranccedilas transitam pelos

dois lados - conservador e liberal ndash e adaptam suas ideias as correntes de

pensamento vigentes em cada momento

Na sequencia das cartas (ALENCAR 2009 p223-239) outro destinataacuterio ilustre tem

a sua vez O Visconde de Itaborahy - carta de Erasmo sobre a crise financeira

Homem probo poliacutetica e civilmente ldquoum dos poucos contra quem natildeo se atreveu

ainda a maledicecircnciardquo (ALENCAR 2009 p223) Esse fiel monarquista esteve por

um breve periacuteodo distante da militacircncia na reorganizaccedilatildeo de partidos e gabinetes

quando do periacuteodo da liga para retornar logo em seguida fortalecido pelos

descaminhos da administraccedilatildeo em uma defesa da instituiccedilatildeo imperial e dos

43 O uacuteltimo vice-rei do Brasil foi o Conde dos Arcos em 1808 O tiacutetulo impotildee certo respeito mas eacute

evidente que Alencar o toma em um tom jocoso

destinos do paiacutes em discursos inflamados no Senado junto agrave outros conservadores

Itaborahy comeccedila a carreira poliacutetica no partido liberal e tambeacutem como jornalista

Assume o ministeacuterio da marinha e em 1837 se transfere para o partido conservador

Foi deputado geral e presidente do Banco do Brasil causa pela qual a segundo

Alencar assustadora perspectiva econocircmica do paiacutes leva o missivista - cheio de

elogios - agrave pessoa do Visconde pedir conselhos a este sobre os rumos que a

administraccedilatildeo puacuteblica deveria seguir admitindo natildeo ter a necessaacuteria ciecircncia para o

assunto nem sequer pretende ldquoao tiacutetulo de disciacutepulo da escola que vos reconhece

por mestrerdquo (ALENCAR 2009 p225) mas se propotildee a analisar o momento de crise

iniciando pelos problemas com o creacutedito As duas espeacutecies de creacutedito indicadas

pelo analista satildeo o mercantil e o predial Os dois estatildeo como que envolvidos um no

outro como uma sustentaccedilatildeo de garantia muacutetua a que os bancos se remetem no

sistema implantado no Brasil E as transaccedilotildees financeiras ldquose prendem por

filamentos mais ou menos longos e tortuosos agrave lavourardquo (ALENCAR 2009 p227)

base da economia no momento O investimento hipotecaacuterio afugenta os capitais

particulares visto que o comeacutercio e a induacutestria inspiram maior confianccedila

considerados seguros e lucrativos por uma maioria Com a deficiecircncia do credito

predial atrelado a lavoura o comeacutercio vai a seu auxiacutelio na tentativa de achar certo

equiliacutebrio que natildeo acontece devido as diferenccedilas proacuteprias de cada modalidade44

O problema de conseguir creacutedito para as lavouras comenta eacute comum em vaacuterios

paiacuteses do mundo e natildeo seria diferente no Brasil mas a soluccedilatildeo para nosso paiacutes

determinada pelo governo associado ao Banco do Brasil eacute a de extravasar os limites

da emissatildeo bancaacuteria o que acarreta financiamentos impossiacuteveis de serem tolerados

pela grande maioria dos que dele necessitam A recente implantaccedilatildeo do sistema de

creacutedito cede lugar a problemas de imperiacutecia financeira e junto a isso certos abusos

praticados por integrantes da associaccedilatildeo comercial constroem com a imobilizaccedilatildeo

de grande soma de capitais um caminho para a derrocada do sistema Ao mesmo

tempo a lavoura tambeacutem atravessa uma crise com a escassez de matildeo de obra e a

introduccedilatildeo de teacutecnicas dispendiosas acrescidas da carestia de gecircneros e das

44 Alencar usa de seu conhecimento como advogado especializado em direito administrativo e

comercial para equilibrar a narrativa com os argumentos da economia e administraccedilatildeo puacuteblicas

uacuteltimas maacutes colheitas Tambeacutem o fato de estarmos em periacuteodo de guerra acarretou

dois fenocircmenos preocupantes o ldquoescoamento dos depoacutesitos bancaacuterios para o

tesouro [e tambeacutem a ] monetizaccedilatildeo do papel bancaacuterio como um meio sub-reptiacutecio

de fornecer recursos ao governordquo (ALENCAR 2009 p230) criando o que chamou

de uma moeda simboacutelica natildeo tendo reservas que os garantam

Anunciado esse quadro desolador (aqui simplificado) Alencar questiona o Visconde

sobre qual seria o remeacutedio visto que a crise se alastrara por todo o sistema

financeiro Alencar responde afirmando ser necessaacuteria a separaccedilatildeo do creacutedito

agriacutecola do mercantil chegando a sugerir agrave fundaccedilatildeo de um banco agriacutecola

brasileiro que aliviaria o Banco do Brasil de garantir suporte a avultada diacutevida

agriacutecola a impontualidade do agricultor no pagamento de suas diacutevidas resultado da

imprevisibilidade do sistema de colheitas e a constante oscilaccedilatildeo no valor da

propriedade rural A proposta de Alencar indica a emissatildeo pelo governo de apoacutelices

para o banco agriacutecola transformando o agricultor ndash ou seu qualquer portador ndash em

acionista Algo como uma auto gerecircncia do sistema em que uma hipoteca de terras

garantiria o saldo devedor Proposta avanccedilada para a eacutepoca aqui mais uma vez

podemos observar a distorccedilatildeo que se deu no Brasil para as propostas de

implantaccedilatildeo de uma poliacutetica liberal tendo o Estado que se tornar distante das

soluccedilotildees econocircmicas mas ao mesmo tempo garantindo um lucro faacutecil para uma

aristocracia Eacute o que vecirc aqui onde a grande propriedade foi formada pelo sistema

de distribuiccedilatildeo de sesmarias e seus proprietaacuterios como os da antiga colocircnia soacute

querem explorar sem ter que arcar com quaisquer diacutevidas ou prejuiacutezos Mas Alencar

condena-os afirmando que ldquoa lavoura natildeo pode esquivar-se a garantir o Estado

quando este contrai grandes compromissos para auxiliaacute-lardquo (ALENCAR 2009

p235) Os tempos satildeo outros mas seraacute que satildeo de verdade O governo durante a

mudanccedila proposta tambeacutem deve arcar com o prejuiacutezo dos tiacutetulos sem valor que

emitiu sendo alguns de empreacutestimos que ele mesmo cedeu No fim o prejuiacutezo eacute

sempre grande Alencar sustenta uma regulaccedilatildeo do mercado provavelmente

influenciado pelas ideias de Adam Smith em que o mercado consegue trabalhar

melhor sem uma interferecircncia direta do Estado (KENNY 1998) Smith entatildeo muito

em voga nos meios acadecircmicos mas para Alencar manter a criacutetica lhe falta alguma

experiecircncia como financista para o tratamento de assuntos tatildeo especiacuteficos o que

pode ter sido interpretado como arrogacircncia de jornalista Da carta fica a opccedilatildeo por

uma estrutura administrativa baseada nas ideias liberais de fomento a livre

empresa creacutedito bancaacuterio em uma tentativa de diminuir a intervenccedilatildeo contiacutenua do

Estado na economia segunde ele ateacute entatildeo necessaacuteria O que fica para a histoacuteria

poliacutetica eacute a questatildeo com a pressatildeo para ao fim efetivo do traacutefico de escravos e a

implementaccedilatildeo da matildeo de obra assalariada ndash qualquer que fosse esta imigrante ou

natildeo europeia ou natildeo ndash em todo o paiacutes quem arcaraacute com o custo final disso tudo o

Estado ou as elites entatildeo no poder

334 NOVAS CARTAS AO IMPERADOR (ALENCAR 2009 p257-389)

A uacuteltima seacuterie de cartas datadas de junho de 1867 e endereccediladas novamente ao

Imperador tem uma intenccedilatildeo bem menos louvaacutevel ndash em um comentaacuterio de Tacircmis

Parron (2008) - que eacute a defesa da escravidatildeo negra no Brasil aleacutem de retomar

temas como a guerra e a poliacutetica no paiacutes O exame do texto nos auxiliaraacute nas

afirmaccedilotildees Eacute bem verdade que na fala do trono de 1867 (cerimocircnia que abre os

trabalhos no parlamento) D Pedro II teria mostrado disposiccedilatildeo em resolver o

problema do elemento servil problema que se arrasta na necessidade de uma

soluccedilatildeo jaacute com seu pai assegurando o fim do traacutefico como uma das condiccedilotildees para

o apoio da Inglaterra a independecircncia do Brasil O imperador tambeacutem se sentindo

pressionado por uma elite intelectual europeia que via na escravidatildeo (neste

momento depois da guerra de secessatildeo talvez natildeo antes) um insulto ao modelo

de civilidade que pretendia o Brasil como uma naccedilatildeo moderna alguns destes

intelectuais e artistas satildeo muito caros agrave D Pedro II como no caso de Victor Hugo A

proposta seria resolver gradativamente sem ferir os interesses daqueles que ainda

atrelados agraves culturas de exportaccedilatildeo necessitavam de braccedilos para o trabalho

atentos a condiccedilatildeo de que a imigraccedilatildeo europeia ainda natildeo era um fato substancial

Bosi comenta que

Algumas atitudes poliacuteticas de D Pedro II pareciam indicar que embora hesitantemente ele passou do polo nacional-conservador para o polo nacional-reformista guiado pelo religioso respeito que lhe inspiravam as culturas inglesa e francesa (BOSI 2003 p 239)

Resta saber em que ponto da estrada D Pedro II teria pegado o bonde reformista e

ateacute onde este poderia levar-lhe O decliacutenio da monarquia o que sugerem alguns

comentadores como Boris Fausto (2001) e Faoro (2004) jaacute estaacute batendo nos

portotildees de Satildeo Cristoacutevatildeo Alencar como bom conservador que eacute defende os

interesses ndash mesmo que natildeo textualmente ndash da oligarquia agriacutecola escravista que

sustentava o paiacutes (leia-se o impeacuterio) com sua produccedilatildeo para exportaccedilatildeo Alencar

antevecirc em seu texto as mudanccedilas sugeridas pelos novos tempos em que o ldquonovo

liberalismordquo ndash termo de Joaquim Nabuco com quem Alencar travaria discussotildees

inflamadas - vai tomando conta do parlamento e a proposta de renovaccedilatildeo da matildeo

de obra por colonos europeus jaacute estava em debate apesar de ainda natildeo termos as

campanhas abolicionistas Mas em sua opiniatildeo tais mudanccedilas ndash que aconteceriam

inevitavelmente - precisam ser combatidas no momento visto que uma mudanccedila

draacutestica poderia trazer prejuiacutezos para as colheitas devido agrave falta de trabalhadores Eacute

o ideal conservador que deve ser salvo A proposta das cartas enquanto veiacuteculo de

divulgaccedilatildeo ideoloacutegico eacute esta chegar o mais longe possiacutevel e alcanccedilar a quantos

pudessem com as ideias conservadoras

Eacute pontual que coloquemos ndash diga-se assim - uma questatildeo ante a defesa do trabalho

escravo por Alencar e tambeacutem uma resposta agrave interferecircncia direta da coroa no

assunto jaacute que estariacuteamos sob a vigecircncia de uma monarquia constitucional

parlamentarista A posiccedilatildeo de Alencar eacute criticada no periacuteodo como ideia jaacute superada

Tavares Bastos eacute um exemplo jaacute aludia agraves melhorias na produccedilatildeo advindas do

trabalho assalariado que tatildeo bem estava no periacuteodo se adaptando e trazendo

frutos principalmente no Nordeste com peculiar atenccedilatildeo ao Cearaacute a terra do

Deputado Alencar (BOSI 2003) Eacute um sinal de que o missivista estava mais

preocupado com a corte do que com suas bases ou desconhecia deliberadamente

esses dados

A escravidatildeo eacute um ponto complexo visto que a instituiccedilatildeo desde a colocircnia permeia

praticamente todas as outras instituiccedilotildees De maneira geral observamos que

(hellip) toda pessoa com algum recurso possuiacutea um ou mais escravos O Estado os funcionaacuterios puacuteblicos as ordens religiosas os padres todos eram proprietaacuterios de escravos Era tatildeo grande a forccedila da escravidatildeo que os proacuteprios libertos uma vez livres adquiriam escravos A escravidatildeo penetrava em todas as classes em todos os lugares em todos os desvatildeos

da sociedade a sociedade colonial era escravista de alto a baixo (CARVALHO 2002 p20)

Alencar tem uma posiccedilatildeo particular sobre a escravidatildeo Quer acabar com ela mas

de forma lenta e segura sem arroubos libertaacuterios que pudessem trazer prejuiacutezos ao

Brasil Parece em alguns momentos um produtor rural paulista preocupado com

seu lucro em outros um tecnocrata arrecadador de impostos Nas novas cartas

poliacuteticas Alencar jaacute natildeo se apresenta - podemos dizer assim - ao Imperador Ele de

certa forma jaacute teria conquistado o seu ouvinte e tomado sua atenccedilatildeo Sua opiniatildeo jaacute

consegue certo respeito dos leitores enxergando-o natildeo apenas como um artista um

escritor de romances (como fazia o Cotegipe) mas como um poliacutetico combativo com

capacidade de influenciar um grupo importante atraveacutes da imprensa Eacute aqui que

podemos observar de maneira mais integrada as propostas liberais sendo

mescladas ao conservadorismo na defesa da escravidatildeo

Alencar nesse novo conjunto de cartas pocircde usar em suas criacuteticas de uma

ldquolinguagem [que] seraacute minimamente severardquo (ALENCAR 2009 p259) e que ele

mesmo admite ser talvez improacutepria para um suacutedito que se dirige ao soberano

A primeira das cartas trata da ameaccedila de abdicaccedilatildeo de D Pedro II O episoacutedio se daacute

devido agrave proposta de uma negociaccedilatildeo de paz com Lopes considerada interessante

ateacute por Caxias dando fim a longa guerra O imperador discorda Uma crise que

abala ldquonatildeo jaacute a cidade mas o impeacuteriordquo O texto de Alencar eacute brilhante

Seraacute real que vossos laacutebios selados sempre pela reserva e prudecircncia se abriram para soltar a palavra fatal Eacute possiacutevel que suacutebita alucinaccedilatildeo desvaire a tal ponto um espiacuterito soacutelido e reto Natildeo creio natildeo posso natildeo devo crer Recebendo a nova incriacutevel a populaccedilatildeo ficou atocircnita (ALENCAR 2011 p257-258)

A expressatildeo ldquopalavra fatalrdquo natildeo determina se o missivista estaacute falando da proposta

da abdicaccedilatildeo ou de seu posicionamento contra uma negociaccedilatildeo de paz com Solano

Lopes E continua com ldquo() a populaccedilatildeo ficou atocircnita () O espanto lhe embarga a

falardquo (ALENCAR 2009 p258) Somente quando vem aludir posteriormente a D

Pedro I que cita a palavra abdicaccedilatildeo

Rara vez e soacute em circunstacircncias muito especiais pode a abdicaccedilatildeo tornar-se um ato de civismo admiraacutevel D Pedro I vosso augusto pai logrou um lance destes que o consagrou heroacutei da paz e da liberdade Sua missatildeo estava concluiacuteda havia fundado a monarquia brasileira e criado um povo (ALENCAR 2009 p258)

Apesar do elogio D Pedro I eacute portuguecircs e figura inaceitaacutevel com suas ideias

absolutistas na naccedilatildeo que surge E o povo que D Pedro I cria eacute uma aristocracia

local que tenta desvincular-se de Portugal

D Pedro I era ldquoum obstaacuteculo uma anomalia A mais veemente das paixotildees

populares o patriotismo sublevou-se contra o princiacutepio estrangeiro encarnado na

sua pessoa O Sr Pedro II eacute americano [sic] como seu povordquo (ALENCAR 2009

p259) e a abdicaccedilatildeo seria um crime de lesa naccedilatildeo Seriam os rumos incertos da

guerra pergunta o missivista motivo para uma abdicaccedilatildeo Alencar acusa

duramente o Imperador de ser o responsaacutevel pela ldquotemeridade com que nos

precipitamos sem refletir em uma situaccedilatildeo irremissiacutevel dilema cruel entre a ruiacutena e a

vergonhardquo (ALENCAR 2009 p260) A guerra tem nele seu responsaacutevel Tu ldquofostes

o princiacutepio e sois a alma da guerra Vosso pensamento a inspirou vossa convicccedilatildeo

a alimentardquo (ALENCAR 2009 p260) em busca de uma vitoacuteria que significaria

Humaitaacute arrasado Lopes deposto e o franqueamento da navegaccedilatildeo ribeirinha mas

apesar de compreensiacuteveis as razotildees e do patriotismo brasileiro que ndash segundo ele ndash

tende a apoiar a guerra ldquonenhum homem tem o direito de arrastar sua matildee paacutetria agrave

ruiacutena para vatilde satisfaccedilatildeo de seus brios revoltadosrdquo (ALENCAR 2009 p261)

Alencar argumenta (lembrando-o) que o imperador natildeo pode agir como uma pessoa

comum que ele natildeo tem o direito do simples cidadatildeo que eacute o de ter uma opiniatildeo

que natildeo considere a naccedilatildeo em primeiro lugar A soberania soacute existe porque eacute dada

ao Imperador e seus atos satildeo justificados pelo cidadatildeo E esse contrato impede

mesmo que haja qualquer ideia de renuncia pois os atos do imperador satildeo os atos

de todos os cidadatildeos A honra do Imperador segundo ele eacute a honra da naccedilatildeo e a

partir do modelo de monarquia constitucional entatildeo vigente enquanto defensor

perpeacutetuo da naccedilatildeo

quando o povo entenda que chegou o momento de acabar a guerra e exprima seu voto pelos meios constitucionais haveis de pensar do mesmo modo senatildeo como homem infalivelmente como soberano Em voacutes estaacute encarnado e vivo o grande eu nacional (ALENCAR 2009 p263)

Alencar repreende o Imperador severamente determinando que ldquoqualquer que seja

o desfecho da guerra [ele natildeo teria] o direito de separar vossa dignidade da causa

nacionalrdquo (ALENCAR 2009 p264) Vecirc-se nas palavras de Alencar a defesa natildeo do

imperador nem mesmo da monarquia mas do principio constitucionalista liberal Jaacute

aqui se percebe uma criacutetica ao que Alencar indicava como omissatildeo mas era de

certa forma um caminhar que D Pedro II mantinha nos tracircmites da legalidade que a

proacutepria constituiccedilatildeo lhe impunha sabia onde colocar seus peacutes E apesar das criacuteticas

Alencar sabia que os atos do imperador natildeo pedem contestaccedilatildeo visto que a

representaccedilatildeo deste eacute coletiva e todas as verdades se alinham em seu nome (em

nome da soberania) D Pedro II sabia o que poderia fazer e ateacute aonde confrontar a

burocracia que a casa de Braganccedila lhe tinha deixado por heranccedila Em outros

tempos mesmo sem buscar referecircncias anteriores a D Pedro I o texto de Alencar jaacute

estaria sujeito ao silecircncio

Uma das constantes reclamaccedilotildees de Alencar eacute a da falta de notiacutecias da guerra no

sentido de previsotildees reais sobre o andamento dos trabalhos sobre a movimentaccedilatildeo

das tropas sobre enfim quando iraacute terminar o supliacutecio Segundo ele haacute por parte

do governo um velamento da realidade no campo para o puacuteblico existe uma

censura ndash senatildeo oficializada mas efetiva ndash sobre os reais rumos da guerra dada em

funccedilatildeo da relaccedilatildeo que os jornais tecircm com o gabinete ministerial E a falta de atenccedilatildeo

para tais assuntos junto a posiccedilatildeo equivocada frente agrave guerra estatildeo aiacute por culpa

de D Pedro II

Termina essa carta anunciando o erro do Imperador na fala de ldquoabdicaccedilatildeo quando a

senha do dia para todos os brasileiros e para voacutes primeiro que todos eacute dedicaccedilatildeordquo

(ALENCAR 2009 p274) O sarcasmo de Alencar brinca com os brios de D Pedro

II com seu orgulho de intelectual ndash tiacutetulo o qual preferia algumas vezes ao de

Imperador (SCHWARCZ 1999) ndash indicando que a imprensa do mundo inteiro o

proclama ldquoum saacutebiordquo e cita o artigo publicado nos jornais em que ldquoo presidente dos

Estados Unidos aludindo agrave franquia do Amazonas vos considerou entre os

primeiros estadistas do mundordquo (ALENCAR 2009 p277) o que provavelmente natildeo

aconteceria se este tomasse medidas protecionistas no paiacutes o que jaacute funcionavam

como uma poliacutetica de Estado desde os fins da guerra de Secessatildeo nos Estados

Unidos mas era duramente criticado por este para toda a Ameacuterica Latina eacute possiacutevel

que seja isto que Alencar quer dizer quando escreve logo a seguir que terminado

estaacute ldquoo tempo em que os povos eram instrumento na matildeo dos reis que os

empregavam para obter a satisfaccedilatildeo de suas paixotildees e a conquista de um renome

vatildeordquo porque aqui ldquorasga-se o manto auriverde da nacionalidade brasileira para

cobrir com os retalhos a cobiccedila do estrangeiro [Natildeo existe] para voacutes senhor outra

fama liacutecita e pura senatildeo aquela poacutestuma que eacute a verdadeira gloacuteriardquo (ALENCAR

2009 p278) e que dispor das reservas econocircmicas tanto quanto das pessoas de

forma displicente e buscando uma valorizaccedilatildeo pessoal eacute sinal de um despotismo

que jaacute natildeo cabe mais aqui Eacute o Alencar liberal que fala

A partir daqui Alencar passa depois de construir a narrativa em um tom duro de pai

que repreende o filho teimoso a falar da questatildeo da emancipaccedilatildeo mais diretamente

D Pedro II coloca a discussatildeo na pauta pela fala do trono e os progressistas ndash

chamados vacircndalos no texto de Alencar ndash a aceitam como uma plataforma Alencar

toma a proposta de emancipaccedilatildeo do escravo pelo menos para o momento como

um erro do Imperador Segue a referecircncia

Libertando uma centena de escravos cujos serviccedilos a naccedilatildeo vos concedera distinguindo com um mimo especial o superior de uma ordem religiosa que emancipou o ventre estimulando as alforrias por meio de mercecircs honoriacuteficas respondendo agraves aspiraccedilotildees beneficentes de uma sociedade abolicionista de Europa e finalmente reclamando na fala do trono o concurso do poder legislativo para essa delicada reforma social sem duacutevida julgais ter adquirido os foros de um rei filantropo (ALENCAR 2009 p280)

Alencar acreditava que o momento com a economia debilitada por conta da guerra

e tambeacutem por conta desta a falta de braccedilos para a constituiccedilatildeo de um sistema de

matildeo de obra diferenciado e sem o apoio ainda da prometida imigraccedilatildeo (apesar das

muitas propostas tanto de europeus como de asiaacuteticos nenhum projeto de vulto

havia sido executado) o paiacutes essencialmente agraacuterio se precipitaria no caus Os

argumentos de Alencar apesar de bem trabalhados sugerem mais suas ligaccedilotildees (e

preocupaccedilotildees) com a aristocracia rural do que propriamente com o povo afirmando

seu ideal de manutenccedilatildeo dos privileacutegios das elites em detrimento de medidas mais

imediatas Alega que a escravidatildeo eacute um fato social tendo como exemplo ldquoo

despotismo e a aristocracia como jaacute foram a coempccedilatildeo da mulher a propriedade do

pai sobre os filhos e tantas outras instituiccedilotildees antigas45rdquo (ALENCAR 2009 p282)

Argumentos que Alencar potildee no passado mas que reconhece presentes quando

trata deles em suas obras Eacute o direito a escravidatildeo como uma instituiccedilatildeo legal que

segue em sua argumentaccedilatildeo lembra que satildeo as naccedilotildees em suas leis que justificam

a escravidatildeo Que sob a lei haacute a justificativa e que ningueacutem pode ser obrigado a

fazer ou deixar de fazer algo a menos que isso esteja expresso na lei

Alencar lembra que a ldquoescravidatildeo caduca mas ainda natildeo morreu ainda se prendem

a ela graves interesses de um povo Eacute quanto basta para merecer o respeitordquo

(ALENCAR 2009 p283) O respeito que se daacute sustenta enquanto instituiccedilatildeo E

satildeo os progressistas com o apoio formal do imperador que tratam de desqualificar

a instituiccedilatildeo lanccedilando ldquoo odioso sobre as instituiccedilotildees vigentes qualificando seus

defensores de espiacuteritos mesquinhos e retroacutegradosrdquo (ALENCAR 2009 p283) Isto

em mateacuteria de reforma natildeo tem propriamente um fim eleitoreiro ndash ainda natildeo seria o

caso - mas tentando fortalecer outros grupos aos quais as ideias abolicionistas

vinham a calhar como os financistas e banqueiros que esperavam por um

liberalismo mais econocircmico e burguecircs que poliacutetico e aristocraacutetico Alencar se

protege como bom advogado enquanto defende a escravidatildeo sobre o vieacutes da lei

Para ele ldquoa escravidatildeo se apresenta hoje ao nosso espiacuterito sob um aspecto

repugnante Esse fato do domiacutenio do homem sobre o homem revolta a dignidade da

criatura racional Sente-se ela rebaixada com a humilhaccedilatildeo de seu semelhanterdquo

(ALENCAR 2009 p284) mas sua opiniatildeo natildeo pode prevalecer O missivista busca

o que seria a melhor alternativa para a economia do paiacutes jaacute prontamente

argumentada na carta ao Visconde de Itaborahy A instituiccedilatildeo da escravidatildeo eacute legal

e justa ldquoquando realiza um melhoramento na sociedade e apresenta uma nova

situaccedilatildeo embora imperfeita da humanidade () Neste caso estaacute a escravidatildeo ()

45 Jaacute eacute um comentaacuterio de Aristoacuteteles na poliacutetica

um instrumento da civilizaccedilatildeo como foi a conquista o municiacutepio a glebardquo

(ALENCAR 2009 p284) Eacute uma das fazes do desenvolvimento pelo qual passaram

diversas naccedilotildees

Sempre apelando para a histoacuteria europeia Alencar apresenta a escravidatildeo como ldquoo

primeiro impulso do homem para a vida coletiva o elo primitivo da comunhatildeo entre

os povosrdquo (ALENCAR 2009 p285) Ao menos admite adiante que possam parecer

estranhas tais proposiccedilotildees mas sempre sustentado pelo estudo de textos

canocircnicos46 (cita o Gecircnesis de Moiseacutes quando da admissatildeo da escravidatildeo pela

Biacuteblia) segue o argumento admitindo que por exemplo a escravidatildeo pela guerra

com a conquista dos povos haveria um constante holocausto infligido as sociedades

derrotadas Na Ameacuterica resultaria no extermiacutenio das populaccedilotildees indiacutegenas Mas

isso que aconteceu de qualquer forma um argumento injustificado

Alencar eacute um dos defensores da ideia de que a ldquoraccedila negrardquo eacute a que melhor se

adapta ao trabalho agriacutecola (apesar de afirmar que o colono portuguecircs aguenta

firmemente o trabalho dos troacutepicos) Sendo esta mais disponiacutevel e apta e ndash segundo

ele ndash baacuterbara e necessitando de um processo civilizatoacuterio que o tirasse da

selvageria aproveitando sua energia vital ldquopara lutar com uma natureza giganterdquo

(ALENCAR 2009 p289) Natildeo fosse a escravidatildeo ndash toma isso como um acaso

valoroso - a Ameacuterica ldquoseria hoje um vasto desertordquo (ALENCAR 2009 p289)

Alencar nos lembra do fato de que a moderna escravidatildeo ressurgida na peniacutensula

ibeacuterica - com o haacutebito de presentear o Rei com escravos negros - natildeo se estabelece

na Europa mas mesmo os ingleses franceses e holandeses portanto natildeo soacute os

portugueses e espanhoacuteis servem-se dela na colocircnia Adam Smith admitia a

escravidatildeo nas colocircnias inglesas ((WEFFORT 2001) Como se explica pergunta

ele ldquoessa anomalia de povos repelindo na metroacutepole uma instituiccedilatildeo que adotam e

protegem no regime colonialrdquo (ALENCAR 2009 p290) Tal pressatildeo internacional

a que comeccedila a ceder o Imperador eacute comum nesse periacuteodo e seraacute assim ateacute hoje

Carvalho (2007) estudando as atas do conselho de Estado do Impeacuterio comenta que

46

A igreja possuiacutea escravos negros e ara um grupo que natildeo se pronunciava ateacute entatildeo a favor da aboliccedilatildeo

apesar do modelo poliacutetico para o Brasil - de Inglaterra e Franccedila ndash serem uma

unanimidade entre os conselheiros chegando estes a citar de memoacuteria frases e

anedotas dos poliacuteticos mais conhecidos como o faz tambeacutem o Alencar o bom senso

prevalecia sobre o modelo e as accedilotildees poliacuteticas tomadas (sugeridas e votadas) ali

tinham uma real preocupaccedilatildeo com a realidade do paiacutes Mas o que observamos na

criacutetica de Alencar eacute que a realidade do paiacutes passava pelos interesses desses

mesmos grupos representados pelo conselho

A questatildeo a que se chega eacute a escravidatildeo jaacute teria cumprido seu papel no Brasil

Segundo Alencar natildeo E ele o afirma ldquocom a consciecircncia do homem justo que

venera a liberdade com a caridade do cristatildeo que ama seu semelhante e sofre na

pessoa delerdquo (ALENCAR 2009 p293) Para o bem de todos afirma ele ateacute mesmo

dos escravizados ainda natildeo eacute o tempo para a aboliccedilatildeo Mas os ldquotodosrdquo aqui

assinalados tecircm uma clara linha que distingue o escravizado do escravizador

Alencar natildeo chega a defender nem mesmo uma proximidade entre eles Usando o

discurso da etnia afirma que ldquoningueacutem desconhece todavia quanto eacute lenta essa

coesatildeo ou amaacutelgama de raccedilas Demanda seacuteculos e seacuteculos semelhante operaccedilatildeo

etnograacutefica e traz graves abalos agrave sociedaderdquo (ALENCAR 2009 p295) Mas ao

mesmo tempo com uma imigraccedilatildeo europeia e a amalgama o problema tambeacutem se

resolveria pois

Em trecircs e meio seacuteculos o amaacutelgama das raccedilas se havia de operar em larga proporccedilatildeo fazendo preponderar a cor branca Trecircs ou quatro geraccedilotildees bastam agraves vezes no Brasil para uma transformaccedilatildeo completa (ALENCAR 2009 p292)

O contato que Alencar defende eacute tatildeo somente social como forma civilizatoacuteria ldquoA

raccedila africana tem apenas trecircs seacuteculos e meio de cativeiro Qual foi a raccedila europeia

que fez nesse prazo curto a sua educaccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p310) A raccedila

branca diz ele ldquoembora reduzisse o africano agrave condiccedilatildeo de uma mercadoria

nobilitou-o natildeo soacute pelo contato como pela transfusatildeo do homem civilizadordquo47

(ALENCAR 2009 p296) Embranquecer seria um destino e uma meta a ser

cumprida para chegar-se enfim a uma futura civilizaccedilatildeo da Aacutefrica A soluccedilatildeo 47 Mesmo velado preconceito racial sempre houve no Brasil Nota-se em textos natildeo soacute de Alencar

mas de intelectuais como Silvio Romero e o proacuteprio Joaquim Nabuco (SKIDMORE 1989)

proposta eacute resolver a escravidatildeo pela absorccedilatildeo de uma raccedila por outra mas

aparentemente por outras as raccedilas e categorias sociais como o indiacutegena e o

imigrante pobre que chegaria em alguns anos Pois cada ldquomovimento coesivo das

forccedilas contraacuterias eacute um passo [a] mais para o nivelamento das castasrdquo (ALENCAR

2009 p296) ateacute o amalgama quando da geraccedilatildeo anterior findasse com a morte

mas sempre enquanto castas Sempre com uma marca social (in) visiacutevel que as

distinguisse

Chegado o termo fatal produzido o amaacutelgama a escravidatildeo cai decreacutepita e exacircnime de si mesma sem arranco nem convulsatildeo como o anciatildeo consumido pela longevidade que se despede da existecircncia adormecendo Mas antes do seu prazo quem fere mortalmente uma lei derrama sangue como se apunhalara um homem (ALENCAR 2009 p296)

Alencar usa como argumento que o escravo seria um inimigo se emancipado Os

povos que emanciparam seus escravos estavam em superioridade numeacuterica quanto

a estes e natildeo era o caso do Brasil Nos Estados Unidos do periacuteodo da guerra de

secessatildeo o norte tinha uma superioridade muito grande de homens livres sobre a

quantidade de escravos ao contraacuterio do sul o que os levaram a apoiar a

emancipaccedilatildeo Foi tambeacutem o caso da Inglaterra com suas colocircnias Libertar uma

quantidade tatildeo grande de escravos como haacute no Brasil de uma soacute vez pode criar

uma situaccedilatildeo de descontrole social alerta Alencar Comentando ainda sobre os

movimentos abolicionistas que vem se sucedendo na Ameacuterica Latina desde as

primeiras deacutecadas do seacuteculo XIX ndash o que aparentemente viria a reforccedilar a instituiccedilatildeo

nos paiacuteses que natildeo aderiram ao processo de emancipaccedilatildeo aleacutem de considerar que

a populaccedilatildeo escrava no Brasil consegue se reproduzir muito mais que em outros

paiacuteses O mais certo seria que a escravidatildeo natildeo se extinguisse ldquopor ato do poder e

sim pela caduquice moral pela revoluccedilatildeo lenta e soturna das ideiasrdquo (ALENCAR

2009 p306) E aparentemente sem muita pressa Mesmo porque haacute tambeacutem o

movimento contraacuterio do senhor de escravos que quer manter sua propriedade

O processo de emancipaccedilatildeo segundo ele jaacute se iniciou no Brasil a ponto de afirmar

que jaacute natildeo temos mais ldquoa verdadeira escravidatildeo poreacutem um simples usufruto da

liberdade ou talvez uma locaccedilatildeo de serviccedilos contratados implicitamente entre o

senhor e o Estado como tutor do incapazrdquo (ALENCAR 2009 p309) Cabe lembrar

que natildeo temos no periacuteodo um movimento abolicionista encapado pelos partidos ou

mesmo pela opiniatildeo puacuteblica Alencar lembra que quantidade de escravos eacute grande

demais para arriscar uma emancipaccedilatildeo por decreto

Trecircs seacuteculos durante a Aacutefrica despejou sobre a Ameacuterica a exuberacircncia de sua populaccedilatildeo vigorosa Calcula-se em cerca de quarenta milhotildees o algarismo dessa vasta importaccedilatildeo Nesse mesmo periacuteodo a Europa concorria para a povoaccedilatildeo do Novo Mundo com um deacutecimo apenas da raccedila negra (ALENCAR 2009 p292)

Alencar sugere que natildeo foi o Brasil do seacuteculo XIX que inicia o processo de

escravizaccedilatildeo nessas terras mas o Europeu o portuguecircs aacutevido de lucros com a

exploraccedilatildeo da colocircnia Exigir que se corrigisse um erro de uma hora para a outra eacute

uma sandice mesmo por que este (o europeu) espera ainda os produtos tropicais

com preccedilos baixos o que uma brusca mudanccedila no processo de produccedilatildeo natildeo

conseguiria manter o que acarretaria perdas tanto para os produtores como para os

mercados consumidores O escravo natildeo entrou na conta A passagem eacute

esclarecedora nesse sentido

O filantropo europeu entre a fumaccedila do bom tabaco de Havana e da taccedila do excelente cafeacute do Brasil se enleva em suas utopias humanitaacuterias e arroja contra estes paiacuteses uma aluviatildeo de injuacuterias pelo ato de manterem o trabalho servil Mas por que natildeo repele o moralista com asco estes frutos do braccedilo africano Em sua teoria a bebida aromaacutetica a especiaria o accediluacutecar e o delicioso tabaco satildeo o sangue e a medula do escravo Natildeo obstante ele os saboreia (ALENCAR 2009 p307)

Alencar explica que um necessaacuterio crescimento da populaccedilatildeo livre deve ser

incrementado para que a partir desta (sugere como a melhor forma a imigraccedilatildeo)

poderaacute haver a substituiccedilatildeo do trabalho escravo Nos Estados Unidos nos conta foi

assim Eacute a imigraccedilatildeo que colocaraacute uma nova ldquocorrdquo no paiacutes e lhe daraacute novo vigor E

coloca a culpa na Europa novamente por natildeo facilitar o envio de imigrantes para

nosso paiacutes Estes viriam de bom grado considerando mesmo ndash e ateacute como

argumento comparativo ndash a qualidade de vida aqui eacute bem melhor que laacute Na

verdade como afirma Prado (2001) os princiacutepios liberais erigiam a liberdade com

base em direitos do homem e natildeo pelo ponto de vista religioso Contestar a

escravidatildeo era tambeacutem contestar todo o antigo regime

A amaacutelgama de raccedilas proposta por Alencar tem por base o fluxo intenso de

imigrantes lusitanos para a Corte do Brasil a partir de 1850 com o fim do traacutefico de

escravos Por conta disso a populaccedilatildeo eacutetnica se altera mas o contingente

populacional se manteacutem praticamente o mesmo entre 1850 e 1872 ldquoa populaccedilatildeo

escrava diminui e a populaccedilatildeo lusitana quase dobrardquo (NOVAIS 1997 p30) Ainda

acompanhando este autor temos a indicaccedilatildeo de que ao fim da deacutecada de 1860

metade da populaccedilatildeo masculina da Corte era estrangeira vinda principalmente de

Portugal Alencar ainda coloca em um comparativo um operaacuterio europeu

trabalhando 12 15 18 horas soacute almeja a liberdade para tentar um outro caminho

que a cidade natildeo lhe oferece A ldquocondiccedilatildeo do nosso escravo comparada com a do

operaacuterio europeu eacute esmagadora para a civilizaccedilatildeo do Velho Mundo [essa liberdade]

eacute o meio um direito o fim eacute a felicidade48 e desta o escravo brasileiro tem um

quinhatildeo que natildeo eacute dado sonhar ao proletaacuterio europeurdquo (ALENCAR 2009p324)

O que se viu dando um breve espaccedilo ao tempo eacute que as criacuteticas de Alencar a

forma como o governo processa o problema da emancipaccedilatildeo (ou seria tambeacutem a

emancipaccedilatildeo a soluccedilatildeo do problema em outro ponto de vista) acabam encontrando

um espaccedilo vazio onde podiam criar raiacutezes visto que as promessas de aboliccedilatildeo no

fim da guerra de forma progressiva e por meio da estimulaccedilatildeo da emigraccedilatildeo ainda

estatildeo na forma como promessas no periacuteodo e a dificuldade de se encontrar uma

soluccedilatildeo (ateacute a aboliccedilatildeo completa claro) abrem precedentes para que o pensamento

de Alencar ndash se natildeo o mais eacutetico ndash acabe se apresentando como o mais coerente A

libertaccedilatildeo como o quer o governo sem um projeto que forneccedila condiccedilotildees de

inserccedilatildeo no novo projeto socioeconocircmico para o receacutem-libertado acabaraacute por

coloca-lo em situaccedilatildeo de miseacuteria caindo na mendicacircncia ou criminalidade A ideia

central de Alencar eacute que mesmo que haja aboliccedilatildeo geral e irrestrita se consiga

garantir que o escravo ldquose for libertado permaneceraacute em companhia do senhor e se

tornaraacute em criadordquo (ALENCAR 2009 p329) De qualquer forma para o senhor de

escravos na economia monocultora exportadora com um mercado flutuante

48 Natildeo eacute difiacutecil encontrar referecircncias aos textos do Utilitarismo de Jeremy Bentham em uma leitura

de Alencar

qualquer justificativa era boa contanto que a escravidatildeo natildeo terminasse naquele

momento nem em um futuro proacuteximo Nesse sentindo o argumento que Ilmar Mattos

(1987) defende eacute de que a relaccedilatildeo do Estado com os interesses da classe

ldquosenhorialrdquo faz com que a coroa assuma o papel de Partido ( nos termos de Gramsci)

natildeo se reduzindo assim agrave figura do Imperador que mesmo acuado pela criacutetica de

Alencar sabe que ele (e mesmo o missivista) satildeo peccedilas de uma organizaccedilatildeo mais

complexa dentro da sociedade Mas a coroa deve resolver tambeacutem os problemas

internos como convergecircncias e divergecircncias garantindo sempre que esta se

atualize

Como parte de um jogo de relaccedilotildees entre poliacuteticos e opiniatildeo puacuteblica eram

aplaudidos ateacute mesmo argumentos romantizados ao estremo como quando Alencar

defende que

A uacutenica transiccedilatildeo possiacutevel entre a escravidatildeo e a liberdade eacute aquela que se opera nos costumes e na iacutendole da sociedade Esta produz efeitos salutares adoccedila o cativeiro vai lentamente transformando-o em mera servidatildeo ateacute que chega a uma espeacutecie de orfandade o domiacutenio do senhor se reduz senatildeo a uma tutela beneacutefica (ALENCAR 2009 p113)

As soluccedilotildees que se propotildeem satildeo muitas mas uma breve reflexatildeo faz cair por terra

todo o conteuacutedo ideoloacutegico que estas carregam Uma situaccedilatildeo se daacute quando da

publicaccedilatildeo em marccedilo de 1868 tambeacutem de uma carta aberta endereccedilada ao

presidente do Conselho e lida perante a cacircmara dos deputados em fins do ano

anterior o Imperador declara abrir matildeo da quarta parte de sua dotaccedilatildeo Conta-nos

Alencar que a imprensa noticiando o caso ldquoem nome da opiniatildeo puacuteblica vos

retribuiu com bonitos e merecidos elogiosrdquo (ALENCAR 2009 p331) o ato que

busca devido agrave deficitaacuteria condiccedilatildeo do Estado auxiliar na organizaccedilatildeo da economia

senatildeo economicamente ao menos simbolicamente Notiacutecia que o parlamento

recebe com aplausos Alencar encontra aiacute uma possibilidade de contestaccedilatildeo do ato

afirmando ainda que natildeo aceita enquanto suacutedito e contribuinte tal donativo visto

que a dotaccedilatildeo natildeo eacute um ordenado pago ao Imperador e a famiacutelia real Eacute o ldquodecoro

do trono e a dignidade da naccedilatildeo como diz-nos a lei fundamental (art 108) que

determina a dotaccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p332) coisas de que este eacute depositaacuterio

enquanto representante da naccedilatildeo e natildeo proprietaacuterio Mais uma vez Alencar estaacute

assumindo a participaccedilatildeo do soberano no contrato O missivista usa seu

conhecimento do direito constitucional para denunciar as accedilotildees da coroa visando agrave

manipulaccedilatildeo ideoloacutegica do povo visto que tais atitudes propriamente simboacutelicas

como o ato de abrir matildeo da dataccedilatildeo (visto que os valores pouco ou nada influenciam

no ressarcimento das perdas do eraacuterio puacuteblico resultantes das uacuteltimas maacutes gestotildees

e dos custos com a guerra chegando mesmo Alencar classifica-las como migalhas)

satildeo uma forma de tranquilizar por meio dos jornais a opiniatildeo puacuteblica quanto a

realidade econocircmica por que passa o paiacutes e refrear as ameaccedilas de contestaccedilatildeo a

ordem estabelecida Sugere que se D Pedro II realmente quiser ajudar a naccedilatildeo que

seja

pondo um termo a esse esbanjamento desordenado que tem exaurido todas as reservas do paiacutes e vai sorver os uacuteltimos recursos do futuro natildeo satildeo os Vossos duzentos contos de reacuteis que vatildeo suprir o vaacutecuo aberto no orccedilamento por uma administraccedilatildeo imprevidente e desasada (ALENCAR 2009 p333)

Natildeo poderatildeo resolver o problema do Rio da Prata que garantiratildeo o creacutedito puacuteblico

ou evitaratildeo uma possiacutevel bancarrota do impeacuterio brasileiro Alencar entatildeo aconselha

que o Imperador continue fazendo uso do dinheiro em suas obras de caridade pois

a recusa dos valores soacute seraacute ldquoum foco de imoralidade e corrupccedilatildeo Carniccedila atirada

ao tempo que a podridatildeo logo decompotildeerdquo (ALENCAR 2009 p334) visto que tal iraacute

fluir para poliacuteticos corruptos e suas necessidades pessoais Se quiser ajudar o paiacutes

evitai que a administraccedilatildeo continue com a guerra que arruinaraacute enfim o paiacutes e

termina solicitando a demissatildeo do ministeacuterio ndash uacutenica soluccedilatildeo ndash como uacutenica forma de

salvar o Brasil e com sua integridade Eacute importante lembrar que D Pedro II conhece

bem a constituiccedilatildeo e apesar dos ataques de Alencar nunca toma uma atitude

defensiva eacute preciso registrar sua permissividade e respeito agrave liberdade de imprensa

como um traccedilo liberal mas como bem anuncia Alencar a criacutetica feita pela imprensa

natildeo encontra respaldo junto a opiniatildeo puacuteblica e as mudanccedilas natildeo satildeo

implementadas impossibilitando mudanccedilas na base administrativa o que pode ser

visto como um traccedilo de totalitarismo

Segundo Carvalho (2007) no modelo parlamentar que se desenvolve no Brasil o

parlamentarismo francecircs eacute a base apesar das constantes referecircncias ao

parlamentarismo inglecircs O gabinete ministerial eacute o elo entre a cacircmara e o imperador

a referenda do poder moderador A carta magna eacute influenciada pelas Constituiccedilotildees

francesa de 1791 e espanhola de 1812 e uma das mais liberais da eacutepoca Nesse

modelo eacute o gabinete que deve explicar-se com a cacircmara sobre os atos da

administraccedilatildeo puacuteblica evitando que se perceba algum resquiacutecio de absolutismo

Sem o gabinete o poder moderador instituiria um ldquodespotismo legalrdquo nas palavras do

senador Vergueiro (CARVALHO 2007) Eacute uma vitoacuteria dos liberais que tentam

garantir que D Pedro II reine e natildeo governe mas natildeo eacute assim que sempre funciona

O senado vitaliacutecio eacute a sombra do imperador - natildeo importando se eacute

predominantemente conservador ou abriga um e outro liberal moderado - que

manda e desmanda com sua influencia dentro dos partidos para garantir apoio a um

ou outro deputado do interior Eacute o tempo que iraacute solidificar as estruturas e o poder e

isto a cacircmara dos Deputados natildeo tinha para si A essecircncia do mecanismo eacute povo

dominado pelos poliacuteticos e poliacuteticos tutelados pelo imperador dentro do quadro

burocraacutetico instituiacutedo (FAORO 2004)

Zacarias de Goacutees e Vasconcelos defendia que o rei absoluto deveria ser distinguido

do rei constitucional natildeo cabendo mais o primeiro no seacuteculo XIX A garantia de

constitucionalidade dos atos do poder moderador estava na referenda feita pelos

ministros que prestavam contas agrave cacircmara O ministeacuterio deve contar entatildeo com a

confianccedila do parlamento Eacute um dado interessante que a maioria dos ministros saiacutesse

do senado e natildeo da cacircmara dos deputados o que garantia que as propostas

administrativas dos gabinetes estivessem mais afinadas com o modelo de governo

esperado pelo imperador O senador escolhido em uma lista triacuteplice apresentada ao

imperador eacute referendado por ele Natildeo havia nesse modelo formas de burlar o

domiacutenio da oligarquia ldquo() calccedilada na vitaliciedade no Senado e no Conselho de

Estadordquo (FAORO 2004 p 354)

A sexta carta datada de 23 de setembro de 1867 portando logo em seguida agrave

publicaccedilatildeo da carta anterior (o que permite aceitar que os textos sejam de certa

forma complementares visto a dificuldades de comunicaccedilatildeo com as frentes de

batalha) que tem a data de 20 de setembro Intitulada estaacute como uma carta ldquosobre a

guerrardquo e visto que a guerra eacute assunto presente em todas as cartas eacute preciso deter-

se um pouco no assunto Alencar inicia seu argumento afirmando de forma

progressiva que ldquoa paz eacute uma grande vergonha () a paz eacute um ato de miseacuteria

() a paz eacute uma vilaniardquo (ALENCAR 2009 p343) mas que o momento torna a

guerra algo insustentaacutevel Culpa o ministeacuterio por natildeo conseguir mais alistar homens

para a batalha e com a consequente falta de braccedilos para a lavoura a economia se

retrai dia apoacutes dia pois o escravo negro cada dia mais eacute presente nas fileiras da

guerra O alistamento feito para a guerra a princiacutepio voluntaacuterio comeccedila a encontrar

resistecircncia O governo forccedila o alistamento e o alistado poderia mandar um escravo

em seu lugar Eacute um impasse complexo para o liberalismo no Brasil Como pode

algueacutem que natildeo dispotildee de sua liberdade ndash nem disporaacute ndash pode lutar pela liberdade

Aproveita ainda o Alencar para dar alfinetadas nos liberais por meio da figura de

Zacarias de Goacuteis afirmando que o temor da guerra (ou mesmo de se responsabilizar

por seus rumos que seria efetivamente o caso) afasta a possibilidade de outro

partido tomar as reacutedeas da politica nacional garantindo a permanecircncia do partido

liberal no poder Critica veementemente a situaccedilatildeo de alistamento de escravos ndash

alguns cedidos por seus senhores para que combatam por eles - no exeacutercito regular

A questatildeo eacute como algueacutem que natildeo goza da liberdade pode lutar pela liberdade

ldquoPor entusiasmo espontacircneo esposando a causa de seus senhoresrdquo (ALENCAR

2009 p350) afirma Sua sugestatildeo eacute que se decirc fim agrave guerra pelo menos por

enquanto para que se resolvam os maiores problemas que satildeo os da poliacutetica

interna comeccedilando pela reorganizaccedilatildeo (ou deposiccedilatildeo claro) do gabinete e o

problema da escravidatildeo e completa consagrando seu momento maacutegico no tempo

a afirmaccedilatildeo de que soacute assim ldquoo paiacutes haacute de recuperar as forccedilas inertes os brios

abatidos O impeacuterio seraacute outra vez o Brasil da independecircncia o Brasil de 1851rdquo

(ALENCAR 2009 p354) Pronto para dar uma soluccedilatildeo os problemas do paiacutes

afirma somente o partido conservador Este ldquonatildeo tem a cumplicidade desta guerra

natildeo o tolhem compromissos do passado Entraria no poder com a imparcialidade do

juiz [e com] bastante civismo para arrostar as dificuldades da guerrardquo (ALENCAR

2009 p355) Um pouco de partidarismo ao fim da carta faz bem o estilo de nosso

missivista

O intervalo entre a penuacuteltima carta publicada em 23 de setembro de 1867 e a Uacuteltima

Carta49 datada de 15 de marccedilo de 1868 eacute grande se comparado ao restante do

conjunto Uma nota ao final (indicada como post-scriptum) assinala que ldquomotivos

imperiosos retardaram a publicaccedilatildeo desta cartardquo (ALENCAR 2009 p389) O uso do

termo ldquoimperiososrdquo eacute um indicio que pode se referir agrave condecoraccedilatildeo oferecida ao

Alencar pelo Imperador no ano de 1867 o oficialato da Rosa pelos serviccedilos

prestados ao paiacutes por meio da literatura Com seu habitual jeito mal educado

Alencar recusa a comenda e D Pedro II consegue uma inteligente cartada de

manipulaccedilatildeo aceitando desta forma as criacuteticas e tirando o Alencar do centro do

universo O episoacutedio da comenda oferecida sem que haja qualquer pretensatildeo de

agradar (assim o diz) ao Alencar mostra publicamente que haacute na figura do

imperador um interlocutor para as cartas E que este sabe muito bem o que lecirc e

sabe tambeacutem responder quando necessaacuterio for

Inicia Alencar aludindo a seu recolhimento explicitando o motivo na ideia de que

tambeacutem a situaccedilatildeo parece ter tido uma pausa Eacute o periacuteodo de encerramento do

trabalho das cacircmaras em Janeiro Caxias assume o comando das tropas aliadas

Alguns rumores correm a cidade conta de que o ministeacuterio pretende mudanccedilas e

encontra certa resistecircncia de D Pedro II A verdade segundo ele eacute que a situaccedilatildeo

deve ter fim A corrupccedilatildeo toma conta do Estado e natildeo se consegue uma

intervenccedilatildeo estando todos preocupados com a guerra natildeo se enxerga a corrupccedilatildeo

na administraccedilatildeo do Paiacutes Alencar sugere que a devassidatildeo que se daacute soacute terminaraacute

quando a consciecircncia do povo mudar ou quando o paiacutes natildeo tiver mais o que ser

corrompido

O corretivo da desmoralizaccedilatildeo sairaacute de seu proacuteprio seio quando natildeo haja mais nada a corromper e a dissoluccedilatildeo tenha-se operado no paiacutes todo entraremos necessariamente no periacuteodo embrionaacuterio de uma nova existecircncia poliacutetica em uma era de reorganizaccedilatildeo (ALENCAR 2009 p358)

Essa visatildeo pessimista tem um pouco de rancor por conta da manobra da comenda

oferecida ao missivista pelo Imperador mas natildeo deixa de levar em conta a proposta

de que agora com as mudanccedilas na direccedilatildeo da Guerra do Paraguai esta encontre

49 Intitulada ldquoUltima cartardquo Alencar dava por fim seu projeto

seu termo e tenha um fim o deacuteficit puacuteblico (que soacute se ampliava e seguiria D Pedro II

ateacute sua deposiccedilatildeo em 1889) e que agora eacute o momento em que D Pedro II natildeo deve

intervir A escolha por Caxias sugerida ateacute mesmo por Alencar poderia mudar os

rumos ateacute aqui e jaacute havia os rumores de que finalmente o Imperador iria ceder aos

apelos do Conde Drsquoeu ndash marido ldquoestrangeirordquo de Isabel ndash para que o enviasse ao

Paraguai e virasse tambeacutem um heroacutei do Brasil (ou encontrasse alguma atividade

qualquer para sua real pessoa) O interesse na guerra chega a ser observado por

Isabel em carta recolhida por Schwarcz No recorte Isabel indica seus medos

Papai me disse que a paixatildeo eacute cega Que a sua paixatildeo pelos negoacutecios da guerra natildeo o tornem cego Aleacutem disso Papai quer matar o meu Gaston Feijoacute recomendou-lhe muito que natildeo apanhasse sol nem chuva nem sereno e como evitar-lhe isso quando se estaacute na guerra (SCHWARCZ 1999 p 485)

Alencar natildeo estava errado haja vista as opccedilotildees que tinha o Imperador em sua

famiacutelia Mas seu conselho eacute a cautela Resolve nesta uacuteltima carta fazer um

apanhado de suas criacuteticas citando o problema da especulaccedilatildeo financeira que

ldquoassalta a riqueza puacuteblica e particular que potildeem em siacutetio todos os interesses

legiacutetimos da sociedaderdquo (ALENCAR 2009 p368) O avanccedilo dos progressistas

dilapidando as bases do governo estruturadas em um modelo de democracia que se

baseia na disputa entre os dois partidos entatildeo majoritaacuterios o liberal e o conservador

a inexperiecircncia dos parlamentares e demais dirigentes chamados por ele crianccedilas

as quais ldquoquase que saiacuteram dos cueiros para as cadeiras da Cacircmara dos Deputados

e para as poltronas ministeriaisrdquo (ALENCAR 2009 p369) lembrando a situaccedilatildeo do

golpe da maioridade com que D Pedro II chega ao poder quando afirma que ldquovoacutes

sabeis senhor e ningueacutem melhor do que voacutes que moralmente eacute a verdaderdquo

(ALENCAR 2009 p369) Critica a gastanccedila e a dilapidaccedilatildeo do tesouro a

depravaccedilatildeo dos costumes e da ordem puacuteblica afirmando que o gabinete eacute corrupto

e que tal corrupccedilatildeo se espalha com o conhecimento e por vezes o apoio da casa

imperial quando permite ldquolanccedilar agraves enxurradas tiacutetulos e condecoraccedilotildees por todo o

paiacutes [onde] com dois contos de reacuteis um aventureiro se condecorava com a fita que

voacutes trazeis ao peito como gratildeo-mestre das ordens brasileirasrdquo (ALENCAR 2009

p370) tatildeo somente com o intuito de captaccedilatildeo de dinheiro Culpa novamente o

Partido Progressista como o verme que destroacutei o paiacutes se vende ao comeacutercio e ldquoo

comeacutercio satildeo alguns indiviacuteduos ou mais atilados ou mais decididos que dirigem o

pensamento dos outrosrdquo (ALENCAR 2009 p371) aprovando ideias projetos e

mudanccedilas na poliacutetica

A situaccedilatildeo do periacuteodo na opiniatildeo de Alencar natildeo eacute de tranquilidade e

desenvolvimento mas de corrupccedilatildeo e descontrole As figuras que aviltam o paiacutes e

estatildeo por toda a parte seguem na narrativa satildeo eles

o parlamentar sem escruacutepulos nem convicccedilotildees que se faz servo de todos os governos () o poliacutetico cheio de cobiccedila que errou sua natural vocaccedilatildeo de agiota () o ministro que para conservar-se no poder natildeo duvida associar-se a indignos instrumentos () o funcionaacuterio puacuteblico sem dignidade ()o negociante que em vez de desenvolver sua atividade no campo livre da induacutestria anda farejando pelas cercanias do poder algum pingue contrato de fornecimentordquo (ALENCAR 2009 p 373-374)

Todos estes constituem o conjunto de forccedilas que atuam dentro do sistema

correndo-o A soluccedilatildeo seria um processo de moralizaccedilatildeo do Estado Por outro lado

sendo atingida em seus preceitos a famiacutelia que ldquoassiste sem querer a essa

representaccedilatildeo da comeacutedia perigosardquo (ALENCAR 2009 p374) que seria o uacuteltimo

refuacutegio da moralidade e a base da sociedade se sente ameaccedilada Cabe lembrar

que essa recusa de Alencar em aceitar mudanccedilas na estrutura dos partidos natildeo

condiz com o pensamento liberal (KENNY 1998) Segundo Alencar

O domiacutenio progressista devido agrave vossa niacutemia complacecircncia natildeo atuou unicamente sobre a poliacutetica sua decidida influecircncia na sociedade na vida privada estaacute bem patente As maacuteximas de governo adotadas nestes uacuteltimos tempos foram insinuando na domesticidade do cidadatildeo ideias e tendecircncias ateacute agora desconhecidas (ALENCAR 2009 p 373)

A deturpaccedilatildeo dos valores morais do ser humano eacute reconhecida nos personagens da

famiacutelia No pai no marido no filho que assistem a tudo e ndash se natildeo se reconhecem ndash

se inspiram A instituiccedilatildeo forte ldquoque repelia com indignaccedilatildeo as mais brilhantes

seduccedilotildees do mal agora flaacutecida e lacircnguida recebe quanto lhe deitam amolda-se a

qualquer pressatildeordquo (ALENCAR 2009 p374) E este eacute o retrato que se ldquoobserva em

geral na vida domeacutestica deste paiacutes Eis o segredo de todas estas defecccedilotildees de

caracteres que diariamente registra a opiniatildeo puacuteblicardquo soacute se tem apreccedilo pelo

dinheiro a cobiccedila ao ldquolar brasileiro onde outrora pendiam com as alegrias da

famiacutelia os penates da religiatildeo e do amor [agora] soacute haacute presentemente um iacutedolo o

bezerro de ourordquo (ALENCAR 2009 p377) E que ouro Eacute ali que ldquotodos os dias se

formam almas progressistas que devem mais tarde substituir os corifeus da

atualidaderdquo (ALENCAR 2009 p377) A moral base da sociedade estaacute subvertida

Vale lembrar que o argumento eacute legal A moral catoacutelica pregada eacute a ordem presente

para todos e assumida na lei dentro do projeto conservador de Alencar Mesmo o

herdeiro do trono jaacute rezava a constituiccedilatildeo poliacutetica do impeacuterio do Brasil de 1824 no

juramento que prestaria perante o senado ao aniversaacuterio de quatorze anos como

indica o artigo 106 se comprometia a manter a religiatildeo Catoacutelica Apostoacutelica Romana

observar a Constituiccedilatildeo Politica da Naccedilatildeo Brasileira e ser obediente aacutes leis e ao

Imperador

Voltando ao texto a sugestatildeo de Alencar eacute a de civilizar o negro ndash influecircncia

perniciosa dentro da famiacutelia - pelo trabalho e em seu contato com o branco - a ldquoraccedila

cultardquo O escravo domeacutestico eacute aquele que estaacute mais proacuteximo dos patrotildees do contato

direto com o branco partilhando de seus segredos seus problemas e suas

deficiecircncias Conhece o cotidiano da casa e partilha de um espaccedilo de limitaccedilotildees

com mulheres e crianccedilas entes de menor valor na sociedade patriarcal do seacuteculo

XIX Natildeo eacute nunca um igual algueacutem que partilha dos mesmos direitos de seus

senhores Eacute sempre um ser inferior que nunca mereceria ser elevado a dignidade

de seus senhores Gorender (2002) nos conta que Thomas Jefferson que foi o

redator da declaraccedilatildeo da Independecircncia dos Estados Unidos segundo a qual todos

os homens satildeo iguais era um grande proprietaacuterio de escravos e natildeo via nenhuma

incoerecircncia nisto pois julgava que os negros pertenciam a uma raccedila de inteligecircncia

inferior Eacute como se Alencar abraccedilasse o princiacutepio juriacutedico baacutesico de diferenciaccedilatildeo

entre naccedilatildeo e populaccedilatildeo onde sua defesa do liberalismo se refere a naccedilatildeo

brasileira e como se a escravidatildeo referisse aos elementos da populaccedilatildeo ndash os

desvinculados a naccedilatildeo brasileira mas de nacionalidade africana transportados para

o Brasil por meio da escravidatildeo Todos dentro de um mesmo territoacuterio mas com

realidades diferentes determinadas pela lei

Tornando ao texto percebe-se aqui uma associaccedilatildeo da cultura negra cooptada

para ldquodentrordquo da famiacutelia e nas relaccedilotildees do patriarcado em oposiccedilatildeo ao elemento

externo tanto o europeu (inglecircs ou portuguecircs ou outro mais) que se estabelece e

passa a usufruir das condiccedilotildees propiacutecias que a coroa ainda permite como o

imigrante com seus valores e idiossincrasias um elemento externo agrave famiacutelia mas

totalmente associada ao contexto das relaccedilotildees econocircmicas do periacuteodo Alencar

sugere uma escolha entre a escravidatildeo e a imigraccedilatildeo os dois males presentes e ao

mesmo tempo as duas soluccedilotildees possiacuteveis para a manutenccedilatildeo tanto do trabalho

como das elites

Podemos admitir que o Rio de Janeiro do periacuteodo se caracteriza como uma

sociedade onde o maior distanciamento social se manifesta com a maior

proximidade social entre os pares senhorescravo (CHARTIER 1999) e eacute a proacutepria

concepccedilatildeo ndash ou usufruto ndash da liberdade que os diferencia Um caso particular eacute o do

escravo domeacutestico Um escravo domeacutestico natildeo eacute um trabalhador do campo um

escravo do eito ndash diretamente ligado agrave produccedilatildeo Pertence ao mundo urbano ao

ambiente da casa-grande e natildeo da senzala O tratamento modelar que propotildee

deriva da questatildeo para a adaptaccedilatildeo do modelo econocircmico escravo para o trabalho

livre a partir da demanda criada pela cidade com novos empregos devido ao

desenvolvimento do capitalismo O modelo que propotildee seria para um escravo da

cidade se adaptar as relaccedilotildees econocircmicas dali para a constituiccedilatildeo talvez de um

proletariado urbano enquanto a massa de matildeo-de-obra agriacutecola permaneceria da

mesma forma enquanto conviesse ao produtor rural ao Senhor de escravos E a

transformaccedilatildeo do modelo deve ser tambeacutem tutelada e monitorada pela Elite Alencar

defende veementemente a tutela posterior do escravo liberto pelo antigo senhor Em

Alencar mesmo que haja o fim do viacutenculo da escravidatildeo os laccedilos criados

permanecem com a tutela e a manutenccedilatildeo da matildeo de obra No fim nada muda

nem mesmo as condiccedilotildees de trabalho O elemento branco masculino europeu

cristatildeo se torna tambeacutem aqui no Brasil o modelo a ser seguido e obedecido

mesmo porque a percentagem de escravos na cidade natildeo era pequena Novais

(1997) informa que a Corte abriga em 1849 em nuacutemeros absolutos a maior

concentraccedilatildeo de escravos urbanos no mundo desde o impeacuterio romano Em 1850

de um total de 206 mil habitantes em aacuterea urbana 79 mil (portanto 36) eram

escravos Sabemos que os padrotildees de comportamento da sociedade acompanham

as mudanccedilas no cenaacuterio poliacutetico que vem a acontecer no Brasil desde o iniacutecio do

seacuteculo XIX isso foi sentido tambeacutem no modelo da famiacutelia Com o fortalecimento

econocircmico do Rio de Janeiro ndash capital do reino ndash a riqueza passa a fazer parte da

cidade e o comeacutercio se desenvolve grandemente A escravidatildeo ainda eacute uma questatildeo

mal resolvida dentro e fora de casa para o desenvolvimento de um liberalismo

poliacutetico e econocircmico Mas essa amalgama proposta por Alencar eacute seu projeto

liberalconservador com a moralizaccedilatildeo do Estado a diminuiccedilatildeo da intervenccedilatildeo

deste nos negoacutecios privados um desenvolvimento do capitalismo ainda ldquoperifeacutericordquo

onde haacute consumidores e natildeo existe produccedilatildeo e a manutenccedilatildeo da escravidatildeo como

base para a agricultura agroexportadora se faz necessaacuteria para a manutenccedilatildeo dos

privileacutegios da elite e garantia de uma induacutestria (agricultura) lucrativa Alencar

concorda com a pregaccedilatildeo dos liberais moderados em que os privileacutegios dos grupos

ligados a propriedade de terra deve ser mantido mesmo que a custo da manutenccedilatildeo

da escravidatildeo pois eacute o que garante o desenvolvimento da economia e da proacutepria

naccedilatildeo O argumento contra a mudanccedila eacute expresso por Evaristo da Veiga em uma

ediccedilatildeo do Aurora Fluminense em 1829 quando diz que os moderados satildeo contra

toda espeacutecie de ldquotiraniardquo contra todos os excessos que possa haver (PRADO

2001) Mas aqui ldquoexcessosrdquo para Evaristo quer dizer atitudes que possam mudar

as condiccedilotildees de produccedilatildeo de forma brusca Extremismos dos liberais radicais que

possam deturpar a ordem estabelecida

Alencar sugere que o clima percebido no paiacutes (na opiniatildeo puacuteblica) anuncia

mudanccedilas revolucionaacuterias talvez E natildeo estamos muito distantes aqui das uacuteltimas

revoluccedilotildees liberais do periacuteodo regencial Zacarias de Goacuteis entatildeo no gabinete eacute um

dos grandes defensores da proposta de que o Imperador reina mas natildeo governa

(chega a publicar um livro sobre o assunto) que D Pedro II natildeo deve interferir

diretamente na administraccedilatildeo ndash leia-se poder moderador Mas segundo Alencar o

gabinete do jeito que estaacute tambeacutem natildeo consegue levar o governo O que haacute de se

esperar Propotildee jaacute que somente com a pressatildeo popular conseguiraacute mudar tal

gabinete ldquodai reacutedeas ao ministeacuterio Quanto mais breve provoque ele o motim com

seus erros menos sofreremosrdquo (ALENCAR 2009 p382) A questatildeo em Alencar

contudo natildeo eacute a defesa do modelo de trabalho escravo A lei garante isto Sua

defesa visa a opiniatildeo puacuteblica e a manutenccedilatildeo dos valores em um quadro em que eacute

preciso ldquoadministrarrdquo o conteuacutedo liberal a ser mostrado sob um filtro conservador

Concordando entatildeo com o que diz Bosi (1988) afirmamos que o liberalismo

defendido por Alencar se apresenta como uma sineacutedoque em que um conteuacutedo

escolhido se torna representativo do todo desvirtuando assim as ideias originais do

liberalismo e criando discurso ideoloacutegico que visa sustentar uma elite no poder

representada pelos latifundiaacuterios ricos comerciantes e traficantes de escravos para

quem a economia agroexportadora baseada no braccedilo escravo trazia lucros e

portanto deveria permanecer como a base econocircmica do Brasil

No uacuteltimo capiacutetulo anuncia a despedida de Erasmo certo de que sua identidade eacute

conhecida Justifica o seu pseudocircnimo dizendo que para se dirigir a figura do

Imperador com um conjunto de criacuteticas poderoso ndash escolhe entatildeo o pseudocircnimo

baseando-se na figura do filoacutesofo e intelectual renascentista que natildeo casualmente

foi tambeacutem professor - como o fez ldquoera necessaacuterio ter um nome respeitado cheio de

prestiacutegio e autoridade Faltando [-me] esse tiacutetulo soacute me restava o da verdaderdquo

(ALENCAR 2009 p385) e eacute a verdade (sob sua oacutetica a de um intelectual do

periacuteodo claro) que foi descrita aqui A soluccedilatildeo para o cidadatildeo comum eacute rir disto

tudo da comeacutedia que se tornou o paiacutes O cidadatildeo cordado diz ou chora ou

gargalha E parece cada vez mais ser isolado de uma efetiva participaccedilatildeo poliacutetica

extremamente necessaacuteria nesse regime constitucional Anuncia que natildeo acredita ser

tudo isto culpa de D Pedro II mas das elites que dominam o povo Termina com

letras garrafais afirmando que ldquoa liberdade nos paiacuteses constitucionais natildeo depende

do rei e soacute do povo () Mas infelizmente do povo que natildeo sabe governar-serdquo

(ALENCAR 2009 p389)

A resposta de D Pedro II viria logo depois com a queda do gabinete Zacarias de

Goacuteis Para o novo ministeacuterio a pasta da justiccedila eacute entregue a Alencar por sugestatildeo

do presidente do gabinete Itaboraiacute no chamado gabinete-bomba sob a presidecircncia

de Itaboraiacute A soluccedilatildeo eacute bem simples para o Imperador e pode parecer como uma

pequena vinganccedila pessoal como Alencar parece conhecer tatildeo bem os problemas

do Brasil ele que os resolva

4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A histoacuteria das antigas religiotildees e escolas como a dos partidos e revoluccedilotildees modernas nos ensina que o preccedilo da sobrevivecircncia eacute o envolvimento praacutetico a transformaccedilatildeo de ideias em dominaccedilatildeo

Adorno e Horkheimer

Para o conjunto das cartas - aqui analisado de forma natildeo exaustiva - haacute muitos

outros aspectos relevantes que dada a dimensatildeo do trabalho natildeo pudemos

alcanccedilar Natildeo se pretende aqui um diagnoacutestico geral e futuro da sociedade brasileira

mas sobretudo a partir do texto a compreensatildeo da situaccedilatildeo poliacutetica econocircmica e

social do periacuteodo na visatildeo de um agente poliacutetico que se apresenta como um

intelectual orgacircnico Sua praacutexis transformadora eacute a criacutetica ao sistema em forma de

mobilizaccedilatildeo da opiniatildeo puacuteblica Esse eacute um exemplo do processo ao qual Gramsci

(1999) chama de catarse a elaboraccedilatildeo da estrutura em superestrutura quando da

tomada de consciecircncia destes leitores da capacidade de transformaccedilatildeo social que

lhes eacute possiacutevel conseguir e que soacute se efetiva a partir da participaccedilatildeo de cada

indiviacuteduo Alencar consegue mobilizar-se (e usar) em um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo

com um novo formato e distribuiccedilatildeo com as cartas e alcanccedilar um puacuteblico leitor que

caracteriza a maior parte da opiniatildeo puacutebica do periacuteodo Dissemos anteriormente que

o alcance eacute dado importante na consolidaccedilatildeo da ideologia que eacute preciso partilhar

com o grupo o discurso Deixamos claro tambeacutem que discurso em favor da

manutenccedilatildeo da escravidatildeo natildeo era novo estaacute em debate jaacute com as ideias de Joseacute

Bonifaacutecio no primeiro reinado com os produtores de cana nordestinos e seus

representantes com Euzeacutebio de Queiroz com o grupo saquarema e vaacuterios outros

deputados e senadores que se apresentavam com seus proacutes e contras Alencar

poderia escrever livros e livros justificando a escravidatildeo mas tinha a clareza de que

seu argumento eacute injustificado ndash considerando-se algueacutem que se propotildee um liberal -

e que a aboliccedilatildeo era mais dia menos dia inevitaacutevel Diferindo da accedilatildeo de Gramsci

que pretendia reduzir desigualdades entre todos os homens o nuacutecleo transformador

de Alencar era mais segmentado (afinal ele nunca deixou de ser um representante

da aristocracia) como pudemos observar examinando dos dados sobre o niacutevel de

formaccedilatildeo intelectuais desses grupos mas eacute a disseminaccedilatildeo de suas ideias que as

tornaraacute comum a todos (era esta a sua proposta) determinando assim o curso

contiacutenuo da ideologia

Pudemos observar que o diferencial de Alencar foi identificar uma mudanccedila na

conjuntura poliacutetica com grupos de pressatildeo os mais diversos alimentando a ideia de

uma aboliccedilatildeo da escravidatildeo em um momento que a imprensa ndash entatildeo em

emergecircncia na Corte do Brasil ndash traz novas ideias baseadas no liberalismo poliacutetico e

econocircmico europeu para os grupos perifeacutericos da elite que se configuram como

uma opiniatildeo puacuteblica centrada em uma burguesia citadina que se desenvolve

grandemente no periacuteodo Com isso Alencar busca usar um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo

de grande alcance para tentar mobilizar esta opiniatildeo puacuteblica em seu favor no caso

aqui tratado em favor das ideias de manutenccedilatildeo da escravidatildeo Dessa feita

observamos tambeacutem que as cartas poliacuteticas de Alencar objeto de nosso estudo satildeo

uma obra de teor criacutetico poliacutetico-social mas tambeacutem tem como objetivo divulgar o

pensamento de Alencar e consolida-lo como figura valorosa no cenaacuterio poliacutetico da

Corte Seu caminho jaacute foi escolhido eacute o do partido conservador ser-lhe-aacute fiel ateacute o

fim Mas como pudemos observar as diferenccedilas entre os dois partidos natildeo eram

tatildeo acentuadas e os dois acabavam por defender o sistema monaacuterquico O Rio de

Janeiro com a onda de independecircncia poliacutetica nos seacuteculos XVIII e XIX eacute o reduto

monarquista da Ameacuterica Latina eacute bom lembrar

O que tambeacutem pudemos observar no texto de Joseacute de Alencar eacute a tentativa a partir

de estrateacutegias discursivas muacuteltiplas de disseminar um conteuacutedo ideoloacutegico

sugerindo a manutenccedilatildeo de um conservadorismo de molde monarquista e baseado

no regime escravagista Tais estrateacutegias buscam um ldquolugarrdquo diferenciado para o

discurso longe das disputas partidaacuterias longe da possibilidade do debate direto

Isso eacute mostrado na opccedilatildeo para a publicaccedilatildeo das cartas em ldquofolhetinsrdquo textos

impressos tambeacutem em graacuteficas mas natildeo no ldquocorpordquo de um jornal (o que poderia ter

sido relativamente faacutecil para Alencar no momento visto sua posiccedilatildeo como editor de

um importante jornal na Corte) Deslocar o texto da miacutedia ldquojornalrdquo para um veiacuteculo

alternativo desloca tambeacutem o discurso e cria uma situaccedilatildeo confortaacutevel de

hegemonia podemos assim dizer ndash mesmo porque era ele o uacutenico a fazecirc-lo no

momento Um traccedilo do manifesto de Alencar no texto eacute acreditar que o intelectual

tem o dever de iluminar o caminho do desenvolvimento e o desenvolvimento poliacutetico

e econocircmico pregado nas ideias de Alencar tem base nas ideias liberais D Pedro II

se guiaria pela opiniatildeo puacuteblica que pode ndash segundo dados de Alencar ndash ser medida

na publicitaccedilatildeo dos atos do governo pelos jornais E os jornais da Corte nos garante

ele jaacute estatildeo todos nas matildeos do ministeacuterio e o Imperador prefere sempre o caminho

da conciliaccedilatildeo os partidos conservador e liberal natildeo detecircm espaccedilos na imprensa de

grande circulaccedilatildeo e seus pequenos jornais poliacuteticos natildeo satildeo de grande alcance o

que apresenta um campo aberto para o texto de Alencar Eacute dessa forma que

entendemos o que pode ser aqui descrito pelo conceito de bloco histoacuterico

(GRAMSCI 1999) que eacute a articulaccedilatildeo de um conjunto de praacuteticas e concepccedilotildees

para garantir a manutenccedilatildeo de uma situaccedilatildeo histoacuterica determinada

Cabe lembrar que para que a ideologia seja eficaz o discurso deve se manter o

mesmo ignorando as mudanccedilas que possam vir a acontecer (CHAUI 1997) Mesmo

com o fim da escravidatildeo que Alencar sugere eminente eacute preciso que ela se

mantenha por mais algum tempo (e enquanto for possiacutevel) A decorrente captaccedilatildeo

de Alencar para o ministeacuterio vem disso Sua capacidade de reflexatildeo e mobilizaccedilatildeo

foi reconhecida e este que jaacute foi deputado e pertence agraves fileiras do partido

conservador seria devidamente enquadrado nos quadros do governo onde sua

ldquoliacutenguardquo pudesse ser reduzida via cargo puacuteblico juntando-o agrave burocracia passando

assim a fazer parte do governo que criticara Natildeo eacute de todo correto o que os

bioacutegrafos pesquisados aqui como Menezes (1965) Neto (2006) e Aguiar (1984)

dizem sobre a relaccedilatildeo de desconfianccedila ideoloacutegica que D Pedro II teria por Alencar

quando natildeo escolhe em lista triacuteplice seu nome para uma cadeira no senado o

motivo natildeo eacute somente este Com as cartas o imperador vecirc que Alencar eacute mesmo

um elemento importante do conservadorismo e que poderia confiar em suas ideias

e em suas atitudes colocando-o sob os braccedilos do governo A captaccedilatildeo de Alencar

para o ministeacuterio apesar de ele revelar-se extremamente competente segue o

mesmo caminho das condecoraccedilotildees e concessotildees de tiacutetulos que eacute criar uma

aristocracia dependente dos favores da coroa tendo no caso da burocracia o

elemento controlador e deixando o ldquoperigordquo bem a vista do imperador Os motivos

tambeacutem parecem ser de ordem pessoal em um relacionamento que nunca teve

tanta cordialidade D Pedro II como mostramos sequer queria demitir o Alencar do

cargo de Ministro da Justiccedila atestando assim a competecircncia deste

Novamente com Gramsci entendemos que o discurso desenvolvido nas cartas de

Erasmo tem todas as caracteriacutesticas da ideologia partilhada pelas classes

dominantes Alencar tenta se localizar acima do lugar comum acima das outras

miacutedias como o jornal ou mesmo os folhetins que ajudou a popularizar acima ateacute dos

partidos reafirmamos que essa proposta conservadora ndash baseada em uma eacutetica

moral cristatilde ndash eacute parte de um conjunto ideoloacutegico partilhado pelas classes dominantes

(mesmo por segmentos liberais e conservadores) e que tem em vista ndash agora com

Alencar ndash a criaccedilatildeo de uma utopia

A partir de nossa anaacutelise sustentamos aqui que - segundo Chauiacute - a utopia nasce

como gecircnero na literatura constituindo a narrativa sobre uma sociedade perfeita e

feliz e ao mesmo tempo como discurso poliacutetico na exposiccedilatildeo sobre uma forma para

a cidade justa (CHAUIacute 2008) O termo topos em grego significa lugar e o prefixo ldquourdquo

indica um sentido negativo como um ldquonatildeo lugarrdquo ou lugar desconhecido ou ainda

no sentido da obra o diferente do que conhecemos e praticamos eacute a possibilidade

de interaccedilatildeo com a alteridade (CHAUIacute 2008) Eacute esta a proposta de Alencar a utopia

no sentido possiacutevel alcanccedilaacutevel por meio de um conjunto de ideias baseadas no

liberalismo claacutessico com traccedilos marcantes de conservadorismo Seu texto ndash natildeo

lugar ndash eacute lugar de passagem rumo a construccedilatildeo de um fim possiacutevel que ele

acredita indicar como uma postura para a sociedade que comeccedila a se desenvolver

no paiacutes Mas uma sociedade em que as classes satildeo bem definidas a elite o povo e

os outros50 Vale argumentar como jaacute comentado anteriormente no capiacutetulo que

refere a biografia de Alencar sua praacutetica de leitura para um grupo de pessoas Em

Chartier (1999) por exemplo observamos tal praacutetica (dentro da famiacutelia ateacute com

grupos proacuteximos ao nuacutecleo familiar) na Europa ainda nos seacuteculos XVII e XVIII com a

venda avulsa de livros sobre a vida dos santos contos de fadas e romances de

cavalaria ndash para citar os gecircneros com maior venda - por toda a parte para as

50

Um dado interessante eacute o de que Tomas Morus autor do claacutessico Utopia a que nos referimos aqui

natildeo chega a publicar seu livro sendo decapitado a mando de Henrique VIII em 1535 O livro seria publicado poucos anos depois na Basileacuteia (Suiacuteccedila) por Erasmo a quem este estava ligado por laccedilos de amizade

camadas populares natildeo soacute nas cidades mas tambeacutem em lugares os mais distantes

As ideias de Alencar poderiam chegar a mais e mais pessoas sem que o proacuteprio

autor tivesse condiccedilotildees de mensurar tal alcance Mas por outro lado natildeo podemos

ser ingecircnuos e acreditar que tais condiccedilotildees de leitura natildeo fossem - mesmo que

parcialmente - conhecidas por Alencar sendo este um jornalista e autor literaacuterio de

renome e um dos poucos que puderam dizer ainda em vida que vendiam suas

obras

Alencar estava ciente da forccedila de seu projeto e tinha consciecircncia da repercussatildeo

que conseguiu logo depois da publicaccedilatildeo da primeira carta Na segunda ediccedilatildeo das

cartas ao Imperador datada de 1866 e impressa na Typographia de Cacircndido

Augusto de Mello no Rio de Janeiro Alencar escreve na advertecircncia ao texto ndash

referindo-se a publicitaccedilatildeo da primeira ediccedilatildeo que ldquoa tentativa foi bem decidida O

favor puacuteblico a acompanhou e deu-lhe forccedilas e estiacutemulos para progredirrdquo

(ALENCAR 2009 p08) Natildeo haacute uma poetizaccedilatildeo da poliacutetica nem a utopia romacircntica

nesse momento apenas as estrateacutegias discursivas no texto com o objetivo

especiacutefico de disseminar um discurso ideoloacutegico para a construccedilatildeo da verdadeira

utopia O seu modelo de naccedilatildeo que como advogado segue o princiacutepio geral do

Direito e apresenta uma clara separaccedilatildeo entre povo e populaccedilatildeo

Alencar bem sabia o que estava a fazer com as cartas e sabia tambeacutem que estava

sendo acompanhado pelos leitores e tinha condiccedilatildeo de sugerir ldquoopiniotildeesrdquo para esse

puacuteblico enquanto reafirma constantemente sua opccedilatildeo pela aristocracia e a

monarquia ndash confirmando tambeacutem as ideias em defesa da escravidatildeo Em seu

modelo de transformaccedilatildeoconservaccedilatildeo opta pela afirmaccedilatildeo de valores

tradicionalmente aceitos pela burguesia pela moral cristatilde e a preservaccedilatildeo do

modelo da famiacutelia cristatilde do patriarcado e pelo liberalismo econocircmico Um modelo

que deve ndash segundo suas convicccedilotildees - perpetuar-se mesmo com as transformaccedilotildees

sociais que o desenvolvimento da cidade e da sociedade brasileira prenuncia

Cabe lembrar que pode ser observado que os grupos representativos das elites no

Rio de Janeiro jaacute demonstravam um misto de preconceito racial e econocircmico tanto

com a populaccedilatildeo livre e mesticcedila como a populaccedilatildeo de escravos e ex-escravos que

se multiplicava vendo nessas pessoas apenas instrumentos para o trabalho e

obtenccedilatildeo de lucros E sua ideia nos parece claro eacute que permanecessem assim

Cabe lembrar que quando da publicaccedilatildeo das ldquonovas cartas ao Imperadorrdquo entre

186869 a Inglaterra paiacutes que exercia forte influencia na sociedade brasileira tanto

poliacutetica quanto economicamente jaacute dava os primeiros sinais das mudanccedilas de

relaccedilotildees trabalhistas com a liberaccedilatildeo dos sindicatos trabalhistas e o direito de greve

e outros direitos que viriam a integrar o conjunto ateacute 1875 (HOBSBAWN 2011) e

com certa resistecircncia tambeacutem na Franccedila o que consequentemente poderia se

estender e chegar aqui junto com trabalhadores imigrantes europeus modificando

as relaccedilotildees entre patratildeo e empregado - que seriam inevitavelmente muito diferentes

da anterior relaccedilatildeo senhorescravo Acreditamos que nessa perspectiva o estudo

do trabalho de Alencar e suas ideias frente agrave escravidatildeo se torna pertinente visto

que as teorias que se podem classificar como ldquoracistasrdquo e de valorizaccedilatildeo da raccedila

branca soacute vem a se instalar no Brasil em uma eacutepoca senatildeo posterior ao menos

contemporacircnea ao nosso recorte Destacamos aqui baseado no que mostra

Skidmore (1989) o trabalho do historiador inglecircs Henry Thomas Buckle a ldquoHistoacuteria

da civilizaccedilatildeo na Inglaterrardquo publicada em vaacuterios volumes entre 1857 e 1861 que

defendia uma filosofia do determinismo climaacutetico onde as raccedilas oriundas de lugares

de climas mais quentes seriam mais bem adaptadas para o trabalho braccedilal Seu

contemporacircneo Arthur de Gobineau um francecircs que chega a trabalhar no Brasil

como diplomata em 1869 edita seu ldquoEssai sur lrsquoInegaliteacute des Races Humainesrdquo em

1853 aonde defende que a sociedade multirracial que se via aqui soacute servia para a

degeneraccedilatildeo tanto de negros como de europeus criando uma mesticcedilagem fraca e

esteacutereo Outras teoacutericos tiveram suas ideias divulgadas em um periacuteodo posterior e

alguns ficaram bastante conhecidos aqui como no caso do argentino Joseacute Inginieros

e do francecircs Louis Couty que publica um diaacuterio de sua viagem pelo Brasil em 1868

feita com o auxilio de sua esposa trecircs anos antes (SKIDMORE 1989) Cabe

lembrar tambeacutem que a questatildeo do preconceito eacute somente uma parte da histoacuteria

A defesa da instituiccedilatildeo familiar em seu modelo cristatildeo catoacutelico tambeacutem eacute uma

caracteriacutestica do pensamento do missivista Segundo Alencar faz-se necessaacuterio

dentro deste projeto submeter-se a instituiccedilatildeo a certos ajustes optando pela

reafirmaccedilatildeo de valores tradicionalmente aceitos reafirma todo seu modelo como o

adequado e defende que este deve perpetuar-se em detrimento das

transformaccedilotildees sociais que vem ocorrendo com o desenvolvimento da cidade e que

acusa como degradadoras dos valores morais Que eacute preciso acabar com a ineacutercia

do povo (talvez se referindo a necessidade de braccedilos para a lavoura natildeo a

revoluccedilotildees populares) com o egoiacutesmo dos estadistas e a distacircncia que o Estado ndash

na figura do Imperador ndash tem da administraccedilatildeo puacuteblica A constante criacutetica a ineacutercia

do povo configura a afirmaccedilatildeo de que no constitucionalismo todo participam do

processo decisoacuterio a partir do ldquocontrato socialrdquo Entatildeo todos devem se mobilizar

pois satildeo corresponsaacuteveis por tudo na sociedade

A tiacutetulo de organizaccedilatildeo das ideias podemos afirmar que Alencar um intelectual

militante no oitocentos busca na imprensa uma forma de educaccedilatildeo e ao mesmo

tempo de mobilizaccedilatildeo de determinadas camadas sociais que estatildeo na periferia da

elite e que vem estruturando-se como uma opiniatildeo puacuteblica na Corte com um

discurso ideoloacutegico e moralizante marcado pela valorizaccedilatildeo das tradiccedilotildees e pelo

pensamento liberal ndash devidamente adaptado para a realidade escravagista do Brasil

o que vem a se tornar um sistema com caracteriacutesticas ao mesmo tempo liberais e

conservadoras No caso Alencar serve como instrumento para uma multiplicaccedilatildeo da

ideologia da elite aristocraacutetica que se forma no Brasil depois da independecircncia

tendo na Corte do Rio de Janeiro e na defesa das instituiccedilotildees seu nuacutecleo de poder e

seu norte de dominaccedilatildeo Alencar se forma no curso de Direito em 1849 (na turma de

50) e jaacute no iniacutecio de sua militacircncia jornaliacutestica observa os reflexos da restauraccedilatildeo

da Europa depois das malsucedidas accedilotildees da primavera dos povos E segundo

Hobsbawn (2011) as economias se recompuseram e a partir daiacute paiacuteses como a

Alemanha Itaacutelia o impeacuterio dos Habsburgos (para citar alguns) tiveram um

desenvolvimento econocircmico acelerado Era esta a referecircncia direta observada pelo

Alencar para a defesa da monarquia e este deveria ser o modelo para o Brasil

Monarquia e constitucionalismo

Observa-se assim concordando com o que propotildee Foucault (2004) que o poder

natildeo se restringe ao Estado a uma pessoa determinada ou a um grupo de pessoas

este eacute muacuteltiplo e diversificado aparecendo de modo diferente em diferentes esferas

da sociedade O poder no sentido aqui descrito eacute algo que se manteacutem a partir do

aceite do grupo a que este se refere Norberto Bobbio apresenta um conceito de

poder que vai ao encontro do que procuramos Poder eacute ldquoa capacidade do homem

em determinar o comportamento do homemrdquo (BOBBIO 1998 p933) Mais adiante

o autor alarga seu conceito de poder explicitando

O conceito em que conveacutem basear este alargamento da noccedilatildeo de Poder eacute o conceito de interesse tomado em sentido subjetivo isto eacute como estado da mente de quem exerce o Poder Diremos entatildeo que o comportamento de A que exerce o Poder pode ser associado mais que agrave intenccedilatildeo de determinar o comportamento de B objeto do Poder ao interesse que A tem por tal comportamento As relaccedilotildees de imitaccedilatildeo por exemplo onde falta a intenccedilatildeo no imitado de se propor como modelo se incluem em Poder se a imitaccedilatildeo corresponde ao interesse do imitado (como em certas relaccedilotildees entre pai e filho) mas natildeo se incluem se agrave imitaccedilatildeo natildeo corresponde o interesse do imitado (BOBBIO 1998 p 934)

Entendemos que haacute sempre algueacutem predisposto a aceitar o poder Mas como se daacute

tal aceite Eacute justamente nas relaccedilotildees interpessoais as quais se constituem por meio

da internalizaccedilatildeo de discursos alheios No caso de um texto como o apresentado por

Alencar nas ldquoCartas de Erasmordquo eacute por meio de uma relaccedilatildeo de confianccedila que o

leitor passa a ter com o autor como algueacutem que compreende a realidade e a mostra

para este o que sustenta uma relaccedilatildeo de confianccedila entre as partes Entendemos

tambeacutem que essa construccedilatildeo subjetiva da realidade que passa a ser ldquosocialrdquo a partir

do compartilhamento de sua leitura eacute histoacuterica porquanto assume significaccedilatildeo para

os grupos a que se referem A obra eacute entendida como uma conceptualizaccedilatildeo do

mundo onde se constitui como conjuntos de enunciados e eacute o enunciado o portador

da significaccedilatildeo (MORSON 2008) Isso se daacute a partir da construccedilatildeo de uma

representaccedilatildeo social onde haacute sempre a perspectiva da alteridade em forma de

resposta imediata ao texto ou retomada posteriormente Eacute por meio desta leitura das

representaccedilotildees e do poder que entendemos - na concepccedilatildeo de Gramsci - a funccedilatildeo

do intelectual de disseminar ideias propostas e conceitos E mesmo de forma

indireta como um agente de mobilizaccedilatildeo Eacute preciso lembrar que os reflexos da

ldquoprimavera dos povosrdquo ainda estavam presentes na memoacuteria de uma elite que

desenvolvera laccedilos econocircmicos e sociais com naccedilotildees europeias e as elites tinham

a dimensatildeo do que poderia acontecer com a mobilizaccedilatildeo da massa Hobsbawm

(2010) nos mostra a importacircncia dos intelectuais na revoluccedilatildeo de 1848 enquanto

sujeitos de uma praacutexis poliacutetica que senatildeo imprescindiacutevel eacute relevante na

caracterizaccedilatildeo do que tais movimentos viriam a apresentar

Eles [os intelectuais] natildeo eram mais importantes nesta revoluccedilatildeo que em quaisquer das outras que ocorreram assim como nesta em paiacuteses

relativamente atrasados onde o melhor do estrato meacutedio consistia de pessoas caracterizadas por sua escolarizaccedilatildeo e comando da palavra escrita graduados de todos os tipos jornalistas professores funcionaacuterios Mas natildeo havia duacutevida de que os intelectuais eram proeminentes poetas tais como Petoumlfi na Hungria Herwegh e Freiligrath na Alemanha (que pertencia ao corpo editorial da Neue Rheinische Zei-tung) Victor Hugo e o consistente moderado Lamartine na Franccedila (os professores franceses ainda que suspeitos para os governos permaneceram quietos sob a monarquia de julho e supotildee-se terem feito frente com a ordem em 1848) acadecircmicos em grande nuacutemero na Alemanha (a maioria no lado moderado) meacutedicos como C G Jacoby (1804-51) na Pruacutessia Adolf Fischhof (1816-93) na Aacuteustria cientistas como F V Raspail (1794-1878) na Franccedila e uma vasta quantidade de jornalistas e publicistas dos quais Kossuth era entre todos o mais celebrado e Marx provava ser o mais formidaacutevel Como indiviacuteduos tais homens podiam exercer um papel decisivo como membros de um estado social especiacutefico ou como membros de uma pequena-burguesia radical natildeo o podiam

51 (HOBSBAWN 2010 p36)

Tornando ao texto de nossa anaacutelise pudemos perceber como Alencar se aproveita

dos veiacuteculos de comunicaccedilatildeo a que tem acesso para divulgar suas ideias e como

consegue adapta-las aos diferentes formatos que tais miacutedias exigem conseguindo

assim alcanccedilar natildeo somente uma maior quantidade de pessoas mas uma variedade

grande de camadas sociais e a propalada ldquoopiniatildeo puacuteblicardquo com maior intensidade

tentando fomentar a ampliaccedilatildeo da participaccedilatildeo poliacutetica ativa (ao menos enquanto

conscientizaccedilatildeo de um maior grupo tirando a exclusividade da atividade poliacutetica

apenas do recinto parlamentar) podendo ndash e por isso mesmo - ampliar as

possibilidades de alcance do conjunto da dominaccedilatildeo Essa mesma opiniatildeo puacuteblica

que temos alguma dificuldade de representar numericamente mas que eacute elemento

fundamental no periacuteodo E eacute tambeacutem com intenccedilatildeo de ldquoconstruirrdquo uma opiniatildeo natildeo

somente na elite mas em seus representantes mais diretos como o funcionaacuterio

puacuteblico representante de uma administraccedilatildeo centralizadora que fatalmente deveria

promover pelo paiacutes a ideologia do Estado No dizer de Uruguai o agente da

administraccedilatildeo puacuteblica eacute efetivamente um agente da centralizaccedilatildeo (MATTOS I

1987) D Pedro II chega a escrever agrave princesa Isabel em um dos momentos que

esta assume a regecircncia prevenindo-a contra uma possiacutevel maacute interpretaccedilatildeo das

notiacutecias e criacuteticas publicadas nos vaacuterios jornais da Corte considerando que o

ldquosistema poliacutetico do Brasil funda-se na opiniatildeo nacional que muitas vezes natildeo eacute

manifestada pela opiniatildeo que se apregoa como puacuteblicardquo (FAORO 2004 p 343)

Mas natildeo podemos esquecer que ateacute o momento (estamos no segundo reinado) natildeo

51

O grifo eacute meu

haacute como mensurar tal opiniatildeo puacuteblica ou a dimensatildeo das accedilotildees que esta possa

alcanccedilar A preocupaccedilatildeo imediata de D Pedro II seria com o que poderiacuteamos

chamar de os ldquoformadoresrdquo de uma opiniatildeo puacuteblica Com o texto dos agentes

poliacuteticos publicados em jornais ou outras miacutedias em um momento privilegiado de

liberdade de imprensa

Fica claro que a defesa da escravidatildeo eacute para Alencar necessaacuteria no momento -

tendo mesmo a certeza de a aboliccedilatildeo natildeo tardaria - funcionando como um discurso

que busca retardar a disseminaccedilatildeo de ideais progressistas e abolicionistas para o

conjunto da opiniatildeo puacuteblica conquanto esta passa a ser um elemento de pressatildeo

sobre as elites que controlavam o sistema econocircmico vigente e ele busca seus

argumentos nos teoacutericos liberais europeus O que se vecirc em Alencar natildeo eacute uma

discussatildeo sobre o direito de propriedade de um ser humano sobre o outro isto estaacute

posto pela legislaccedilatildeo a praacutetica do cativeiro eacute legitimada pelo Estado brasileiro O

que temos satildeo as criacuteticas de Alencar a forma como o governo trata o problema

inevitaacutevel da emancipaccedilatildeo com promessas de aboliccedilatildeo ao fim da guerra de forma

progressiva e por meio da estimulaccedilatildeo da emigraccedilatildeo Tais promessas natildeo se

efetivam o que abre um precedente para que o pensamento de Alencar ndash se natildeo o

mais eacutetico ndash acabe se apresentando como o melhor aceito pelas elites e sendo

reproduzo Outro ponto a ser lembrado eacute que com o fim do traacutefico a partir de 1850 e

a expansatildeo das lavouras cafeeiras no interior do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo haacute

tambeacutem uma transferecircncia gradual de escravos urbanos para essas regiotildees Com o

aumento do valor do escravo no mercado interno vaacuterias famiacutelias venderam seus

cativos para as fazendas causando uma consequente diminuiccedilatildeo no percentual da

escravaria na corte e outros nuacutecleos urbanos (NOVAIS 1997) A pulverizaccedilatildeo da

posse de escravos na cidade regride o que em pouco tempo pode levar a uma

mudanccedila de consciecircncia da opiniatildeo puacuteblica centrada na Corte sobre a escravidatildeo

Em uma foacutermula simples Quando todos possuiacuteam escravos isto era visto como algo

comum Quando soacute os ricos cafeicultores passaram a possuiacute-los isto se tornava

errado e antiquado para um paiacutes em desenvolvimento Alencar vai contra isto e

confirma em seu texto os valores do conservadorismo assumindo uma postura que

podemos chamar de liberalconservadora Admitindo isto concordamos com o que

propocircs Bosi (1988) que o liberalismo defendido por Alencar pode ser resumido em

uma figura de linguagem uma sineacutedoque em que uma parte do conteuacutedo eacute tomada

como um todo uniforme desvirtuando assim as ideias originais do liberalismo e

criando novo discurso ideoloacutegico e conservador para sustentar um grupo que se

impotildee no poder Em Alencar se vecirc a escolha da ldquoparte pelo todordquo como em uma

sineacutedoque Alencar defende que se uma parte da populaccedilatildeo estaacute na direccedilatildeo do

Estado e da economia e tem privileacutegios eacute porque essa parte conseguiu consolidar

seu poder pessoal e pode organizar um projeto poliacutetico de desenvolvimento para

que o todo da naccedilatildeo se desenvolva entatildeo satildeo essas pessoas que tem o ldquodireitordquo de

representar a naccedilatildeo Eacute o que pudemos observar

Constatou-se tambeacutem que a situaccedilatildeo do Brasil no periacuteodo segundo Alencar natildeo eacute

de tranquilidade e desenvolvimento mas de corrupccedilatildeo e descontrole Com o

parlamento repleto de elementos sem escruacutepulos ou convicccedilotildees que tomam as

riquezas o paiacutes com sua cobiccedila Alencar defende um Estado de leis com pulso forte

e mesmo a interferecircncia do Imperador para garantir que isto natildeo mais acontecesse

Era apenas assim que se garantiria a ordem puacuteblica e as ldquonecessidades puacuteblicasrdquo

seriam supridas o que natildeo era apenas uma opiniatildeo de Alencar mas uma visatildeo do

Estado compartilhada por boa parte dos homens que passaram pela administraccedilatildeo

puacuteblica no segundo reinado (MATTOS I 1987) Os gabinetes que se seguem sem

estrutura ou conhecimento administrativo levam o paiacutes agrave bancarrota com seus erros

constantes devido a sua ineacutepcia com a coisa puacuteblica O conjunto de instituiccedilotildees que

atuam dentro do sistema estatildeo corroendo-o por conta da ganancia da elite com o

dinheiro do Estado Do outro lado sendo atingida em seus preceitos a famiacutelia que

ldquoassiste sem querer a essa representaccedilatildeo da comeacutedia perigosardquo O que seria o

uacuteltimo refuacutegio da moralidade e base da sociedade

Por fim entendemos que como o sugeriu Carvalho (2007) em uma reflexatildeo sobre o

impeacuterio os fatos mostrados aqui podem ateacute ser reconhecidos pelos estudiosos e jaacute

trilhados mas as explicaccedilotildees tendem a ser insatisfatoacuterias por isso a necessidade

constante de revisitar textos do periacuteodo e teorias Ao mesmo tempo lembrando

Norberto Bobbio (1997) em uma reflexatildeo sobre seus escritos ao enfrentar o tema da

relaccedilatildeo entre os intelectuais e a poliacutetica em frente ao oceano de textos sobre o

tema dizia sentir-se como a crianccedila que despejando um copinho drsquoagua no mar

acreditava estar aumentando o seu niacutevel Eacute como nos vemos aqui Poreacutem

acreditamos ter conseguido demonstrar a presenccedila de um discurso

liberalconservador nas cartas de Erasmo como estrateacutegia discursiva de

disseminaccedilatildeo ideoloacutegica Os dados obtidos nos permitem dizer que nossa hipoacutetese

de que por meio de um discurso poliacutetico conservador vinculado as propostas

ideoloacutegicas das elites escravocratas disseminado pelos jornais e panfletos do

periacuteodo os intelectuais construiacuteram uma imagem paradoxal do liberalismo para o

Brasil no segundo reinado pocircde ser confirmada

As confluecircncias entre tais extremos (liberalismo x conservadorismo) natildeo satildeo

ineacuteditas visto que Hobsbawn (2010) por exemplo pode demonstrar a mobilidade de

agentes poliacuteticos partiacutecipes de movimentos liberais moderados e ateacute mesmo

radicais para as linhas dos partidos conservadores quando os movimentos

revolucionaacuterios da ldquoprimavera dos povosrdquo em 1848 tendiam a modificar a ldquoordem

socialrdquo organizando liberais e conservadores em movimentos unificados ndash onde as

ideias de ambos os lados acabavam por se adaptar as necessidades de

sobrevivecircncia de tais grupos - para uma retomada do poder para as elites europeias

No Brasil a elite nem por um minuto descuidou de estar com as duas matildeos nas

reacutedeas do poder

Por fim esperamos tambeacutem que nosso trabalho tenha sido uacutetil para exemplificar

algumas das muitas relaccedilotildees de poder que existiram (e existem) na relaccedilatildeo Estado

ndash cidadatildeo mediadas pela ideologia atraveacutes de um de seus muitos colaboradores

os intelectuais e ajudar na compreensatildeo de tema tatildeo complexo como a relaccedilatildeo dos

intelectuais com a elite e o poder

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6 ANEXOS

Figura 1 Fac-siacutemile da segunda ediccedilatildeo das Cartas ao Imperador impressa na

Typographia de Candido A de Mello em 1866 Alencar era um autor reconhecido

ainda em vida conseguindo publicar ndash e vender ndash natildeo somente obras literaacuterias mas

tambeacutem estudos sobre poliacutetica e legislaccedilatildeo

Figura 2 Fac-siacutemile da ediccedilatildeo das Cartas ao Povo impressa na Typographia de

Pinheiro e Companhia em 1866 Logo abaixo texto da contra capa indicando pelo

editor o modo de distribuiccedilatildeo do material

Figura 3 Folha de rosto da carta ao M de Olinda onde se vecirc a citaccedilatildeo de Joacute 333

O Diaacuterio do Rio de Janeiro apesar de sustentar uma postura apoliacutetica exibia

cotidianamente (desde seus primeiros exemplares) em suas primeiras paacuteginas o

resumo das seccedilotildees da cacircmara dos deputados e do Senado