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CAPÍTULO 4 A CONFIGURAÇÃO ESPACIAL PARA O DIAGNÓSTICO DOS ASSENTAMENTOS PRECÁRIOS NO BRASIL 1 Ana Paula Borba Gonçalves Barros Valério Augusto Soares de Medeiros Maria da Piedade Morais 1 INTRODUÇÃO Este capítulo investiga a utilização da variável configuracional para estudos de segregação espacial em quatro capitais brasileiras (Belém, Manaus, Recife e São Paulo), com foco nos assentamentos precários e na localização das classes sociais no espaço urbano e o seu relativo grau de acessibilidade/integração com a cidade como um todo. O estudo procura averiguar em que medida tais assentamentos se apresentam mais segregados/isolados no tecido urbano em relação às demais áreas da cidade. Para tanto, utiliza-se a classificação dos setores censitários elaborada pelo Centro de Estudo da Metrópole (CEM) para o Ministério das Cidades (MCidades) (Marques et al., 2007), a partir dos dados do Censo Demográfico de 2000, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), além dos mapas axiais das respectivas cidades, conforme subsídio metodológico e ferramental da Teoria da lógica social do espaço (Hillier e Hanson, 1984). O confronto das informações, organizadas em um sistema de informações geográficas, permitiu uma série de interpretações sobre o processo de segregação “voluntária” e “involuntária” existente em tais cidades brasileiras, esclarecendo a importância da variável configuracional para estudos urbanos desta natureza. A primeira seção apresenta uma introdução geral sobre os temas dos assentamentos precários, da estrutura espacial das cidades e da mobilidade urbana à luz do processo de urbanização brasileiro. As considerações metodológicas relativas à sintaxe espacial e aos procedimentos adotados no trabalho são descritas na seção 2. A seção 3 apresenta os resultados preliminares da pesquisa do Ipea para as quatro cidades objeto de estudo, além de se deter com maior detalhamento no caso do município de São Paulo, a partir de resultados de trabalho anterior de um dos autores sobre o grau de integração dos bairros da capital paulista. Por último, a seção 4 apresenta as principais conclusões do capítulo. 1. Este capítulo corresponde à versão revisada de Barros, Medeiros e Morais (2009). Para versões modificadas em inglês, ver Barros, Medeiros e Morais (2010a; 2010b).

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CAPÍTULO 4

A CONFIGURAÇÃO ESPACIAL PARA O DIAGNÓSTICO DOS ASSENTAMENTOS PRECÁRIOS NO BRASIL1

Ana Paula Borba Gonçalves BarrosValério Augusto Soares de Medeiros

Maria da Piedade Morais

1 INTRODUÇÃO

Este capítulo investiga a utilização da variável configuracional para estudos de segregação espacial em quatro capitais brasileiras (Belém, Manaus, Recife e São Paulo), com foco nos assentamentos precários e na localização das classes sociais no espaço urbano e o seu relativo grau de acessibilidade/integração com a cidade como um todo. O estudo procura averiguar em que medida tais assentamentos se apresentam mais segregados/isolados no tecido urbano em relação às demais áreas da cidade. Para tanto, utiliza-se a classificação dos setores censitários elaborada pelo Centro de Estudo da Metrópole (CEM) para o Ministério das Cidades (MCidades) (Marques et al., 2007), a partir dos dados do Censo Demográfico de 2000, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), além dos mapas axiais das respectivas cidades, conforme subsídio metodológico e ferramental da Teoria da lógica social do espaço (Hillier e Hanson, 1984). O confronto das informações, organizadas em um sistema de informações geográficas, permitiu uma série de interpretações sobre o processo de segregação “voluntária” e “involuntária” existente em tais cidades brasileiras, esclarecendo a importância da variável configuracional para estudos urbanos desta natureza. A primeira seção apresenta uma introdução geral sobre os temas dos assentamentos precários, da estrutura espacial das cidades e da mobilidade urbana à luz do processo de urbanização brasileiro. As considerações metodológicas relativas à sintaxe espacial e aos procedimentos adotados no trabalho são descritas na seção 2. A seção 3 apresenta os resultados preliminares da pesquisa do Ipea para as quatro cidades objeto de estudo, além de se deter com maior detalhamento no caso do município de São Paulo, a partir de resultados de trabalho anterior de um dos autores sobre o grau de integração dos bairros da capital paulista. Por último, a seção 4 apresenta as principais conclusões do capítulo.

1. Este capítulo corresponde à versão revisada de Barros, Medeiros e Morais (2009). Para versões modificadas em inglês, ver Barros, Medeiros e Morais (2010a; 2010b).

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A pesquisa apresenta uma abordagem preliminar da inserção da variável configuracional em estudos sobre o padrão locacional, a segregação residencial e o grau de acessibilidade viária dos assentamentos precários nos municípios de Belém, Manaus, Recife e São Paulo e o seu maior ou menor grau de isolamento/integração ao conjunto da cidade.

Neste trabalho, entendem-se como assentamentos precários o conjunto de setores censitários classificados originalmente pelo IBGE (2000) como setores especiais de aglomerados subnormais,2 conforme Marques et al. (2007):

um grupo constituído por um mínimo de 51 domicílios (barracos, casas) ocupando até período recente terra de propriedade de terceiros (públicas ou privadas), geralmente dispostas de maneira densa e desordenada e carentes de serviços de infraestrutura essenciais, também designados assentamentos informais, “favelas”, “mocambos”, “alagados” etc. acrescidos dos setores censitários classificados pelo CEM como precários (“aqueles identificados entre os setores classificados como não especiais (pelo IBGE), mas que mais se assemelham aos do tipo subnormal, segundo variáveis socioeconômicas, demográficas e de características habitacionais”.3

Os resultados relativos ao grau de integração dos diferentes tipos de setores censitários nas quatro cidades são comparados posteriormente com os indicadores de acessibilidade viária obtidos ao se organizarem os setores censitários de acordo com a renda média do chefe de família. No caso de São Paulo, é feita uma comparação desses índices com os resultados obtidos para os índices de integração dos principais bairros da capital paulista.

Objetiva-se interpretar o quanto a investigação dos diferentes graus de acessibilidade viária distribuídos na trama urbana, oriundos dos modos de articulação entre os elementos componentes da cidade (configuração espacial), é capaz de revelar significativos achados sobre o processo de segregação espacial, o que se entende contribuir para a formulação, o acompanhamento e a avaliação de ações, projetos e políticas urbanas. Portanto, pretende-se inserir a discussão de como a estrutura da malha viária nas cidades (desenho/layout do conjunto de rodovias), entendida em seu caráter relacional, isto é,

2. Para a realização do Censo 2000, o IBGE dividiu o Brasil em 215.811 setores censitários (menor agregação espacial para a qual são divulgadas informações estatísticas censitárias, que correspondia, grosso modo, a um conjunto de aproximadamente trezentos domicílios), classificando-os em setores não especiais e setores especiais de aglomerados subnormais, setores especiais de embarcações etc., setores especiais de acampamentos etc., setores especiais de penitenciárias etc., setores especiais de asilos etc. e setores especiais de aldeias indígenas. Em 2000, havia no Brasil 7.891 setores classificados como setores especiais de aglomerados subnormais pelo IBGE, 7.701 (98%) dos quais foram considerados pelo CEM, que realizou o estudo, considerados os 561 municípios com população superior a 150 mil habitantes em 2000 (Marques et al., 2007).3. Para mais detalhes sobre a metodologia e as variáveis utilizadas pelo estudo do CEM, ver Ferreira et al. (2007) e o capítulo 2 deste livro.

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de interdependência entre as diversas partes componentes, é capaz de interferir nas questões de circulação (ação de circular), acessibilidade (capacidade de alcançar um determinado lugar) e segregação espacial (distribuição de indivíduos conforme estratos de renda, classe social, raça ou qualquer outro fator que se refira a separação física de grupos distintos no espaço urbano com base em seu local de residência/condições de moradia).

Sabe-se que o rápido processo de urbanização no Brasil, especialmente nas últimas décadas do século XX, é reputado a uma série de fatores: i) acentuada industrialização; ii) migração campo-cidade; iii) crescimento demográfico significativo; e iv) políticas públicas. Estes fatores associados favoreceram a robusta transformação dos espaços urbanos no país. A investigação do quadro brasileiro revela que esta urbanização ou crescimento ocorreu de forma desenfreada, principalmente entre as décadas de 1960 e 1980 (Rolnik, 1998; Villaça, 2001; Santos, 2005; Holanda, 2002; Medeiros, 2006), produzindo um cenário contemporâneo que apresenta diversos desafios para a melhoria da qualidade de vida nas cidades.

Das consequências, talvez a mais nítida corresponda ao processo de segregação social impressa no espaço urbano: o estrato menos favorecido tende a instalar-se nos subúrbios das cidades ou em favelas localizadas em áreas de risco ou impróprias para a construção por conta do alto valor do solo urbano, o que progressivamente provoca um distanciamento entre as áreas de periferias, as favelas e os centros ativos – entendidos como aqueles para onde convergem, em quantidade e diversidade, usos e fluxos diversos (Hillier e Hanson, 1984; Hillier, 1996; Trigueiro et al., 2001). As distâncias acentuadas, além de provocarem um aumento nos trajetos e deslocamentos médios, progressivamente produzem um espaço urbano que, fragmentado, aparta os diversos segmentos sociais. Ademais, acabam por ocasionar um ônus elevado aos aglomerados urbanos, tendo em vista simultaneamente provocar o aumento nos custos econômicos, sociais e ambientais dos transportes (infraestrutura, manutenção, preços, espraiamento urbano, queima de combustíveis fósseis etc.), vinculado ao processo de redução na capacidade de deslocamento dos cidadãos.

Devido à promoção de distâncias gradualmente estendidas, o deslocamento até o centro, ou o retorno dele (mas não apenas, e sim entre as diversas partes componentes da cidade), torna-se comprometido, ocasionando, portanto, sérias implicações à mobilidade urbana.

É fato que a definição de mobilidade urbana é ampla e contempla significados que dizem respeito à própria dinâmica e permanência das cidades. Etimologicamente,

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mobilidade diz respeito ao movimento ou à capacidade de movimento, o que, em última instância, contempla as noções de circulação e acessibilidade no espaço urbano. Portanto, acima de tudo, no contexto das cidades, mobilidade é um meio, e não um fim. Incorpora uma gama de implicações ao movimento que facilitam ou dificultam o desempenho e a realização das relações sociais que se processam no espaço das cidades.

A análise da literatura expõe significados mais específicos, que podem ser sintetizados por aquele adotado pelo MCidades (Brasil, 2006, p. 19), em que mobilidade urbana é entendida como

um atributo das cidades e se refere à facilidade de deslocamentos de pessoas e bens no espaço urbano. Tais deslocamentos são feitos através de veículos, vias e toda a infraestrutura (vias, calçadas etc.) que possibilite esse ir e vir cotidiano (...). É o resultado da interação entre os deslocamentos de pessoas e bens com a cidade.

Por essa visão, a facilidade de deslocamento parece produto exclusivamente dos elementos de infraestrutura que servem de substrato ou amparo para a circulação, o que revela um forte conteúdo de geometria do espaço, isto é, a mobilidade urbana como dependente da organização, funcionamento e desempenho de vias, calçadas, calhas etc. Como se percebe, o conceito é restrito ao âmbito dos transportes, não incorporando outras feições ou variáveis que parecem de forte incidência para a avaliação da capacidade de deslocamento. Segundo Vasconcellos (2001), a inter-pretação da mobilidade urbana precisa avançar além de questões exclusivamente de geometria e projeto do espaço e incorporar variáveis como uso do solo, renda, ocupação, idade, gênero, escolaridade, tamanho de família etc., expandindo os itens de incidência na disponibilização e desempenho de tais deslocamentos. Este trabalho apresenta precisamente um esforço nesse sentido ao incorporar ao estudo da mobilidade e acessibilidade urbanas questões relativas à segregação espacial por tipo de setor censitário e estratos de renda familiar.

A esse conjunto de variáveis, que nitidamente revelam interesse ou por questões de engenharia de tráfego, ou pela inserção do aspecto socioeconômico dos envolvidos, carece ainda de um olhar que incorpore a estrutura espacial da cidade, em sua complexa rede de relações, como agente de importância significativa para as questões de deslocamento – o que implica, portanto, a inserção da variável configuracional (figura 1).

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FIGURA 1Estruturas espaciais distintas geram padrões de movimento distintos

1.000m

1000m1.000m

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5000m5.000m

5000m5.000m

Elaboração dos autores.Obs.: Em cima, Pelotas (RS) e a regularidade da grelha em formato de tabuleiro em xadrez; embaixo, Salvador (BA) e a característica

de uma irregularidade significativa na malha viária – as cores representam potenciais de movimento: quanto mais quentes, mais movimentadas, quanto mais frias, menos movimentadas.

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2 PROCEDIMENTOS

2.1 Sobre a teoria da lógica social do espaço

Como subsídio teórico, metodológico e ferramental para a discussão sobre configuração da malha viária e segregação, adota-se a teoria da lógica social do espaço, mais conhecida por sintaxe espacial, que trata da investigação do espaço a partir da lógica social que nele está embutida. Para fins desta pesquisa, significa dizer que na concepção de um espaço urbano estão implícitos (ou explícitos) os atributos sociais pertencentes à sociedade que o constrói, conforme uma série de expectativas, incluindo aquelas por circulação.

O objetivo principal da sintaxe espacial é estudar o relacionamento entre o espaço arquitetônico – entendido como também o espaço urbano – e a sociedade – vista como um sistema de possibilidades de encontros (Holanda, 2002). A criação da teoria, amparada pelos pensamentos sistêmico e estruturalista (Derridá, 1971; Foucault, 1971; Hillier et al., 1993; Lefebvre, 1999; Capra, 2003), deriva da preocupação de que, segundo Hillier e Hanson (1997), as teorias espaciais têm sido extremamente normativas e pouco analíticas.

Propõe-se, à vista disso, que no lugar de postular uma fórmula e tentar a qualquer custo encaixá-la em espaços urbanos, se estude o fenômeno à exaustão e se procure encontrar propriedades gerais dos esquemas relacionais a ele associados (Medeiros, 2006).

Para os criadores da teoria, o desenvolvimento gradual das técnicas os convenceu que existe na investigação do espaço uma propriedade relacional muito relevante que chamamos de configuração (Hillier e Hanson, 1997). Configuração é sim um complexo de relações de interdependência no espaço com duas propriedades fundamentais – a configuração é diferente quando vista de: i) diferentes pontos dentro de um mesmo sistema; e ii) quando apenas de uma parte do sistema. Seja em razão de mudanças em um elemento no sistema, seja em uma relação, todo o conjunto pode se alterar, em graus variados.

A interpretação das variações na configuração pode revelar atributos derivados da interação entre forma espacial e diferentes processos associados à circulação, acessibilidade e mobilidade urbana.

A investigação dessas associações pode relevar novas interpretações sobre o fenômeno urbano, trazendo informações sobre as questões de deslocamento que ocorrem na cidade. A despeito disso, engenheiros, arquitetos, urbanistas e planejadores, ao se debruçarem sobre o espaço, muitas vezes não percebem que seus focos de atuação surgem e são produto de uma série de relações complexas associando os artefatos. Tanto os objetos físicos (edifícios, quarteirões, vias e sistemas de circulação) quanto estas relações são produtos da concepção do espaço e apresentam propriedades estreitamente associadas ao seu funcionamento.

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Em termos ferramentais, a sintaxe espacial oferece instrumentos de entendimento e representação do espaço urbano. Das estratégias recomendadas, a linear é útil para a investigação do movimento e dos vários aspectos urbanos relacionados a ele. É a que melhor se aplica a grandes sistemas e estruturas, como a cidade.

A representação linear é obtida traçando-se sobre a malha viária, a partir da base cartográfica disponível, o menor número possível de retas que representam acessos diretos através da trama urbana. Após o processamento destas retas, pode-se gerar uma matriz de interseções, a partir da qual são calculados, por aplicativos especialmente programados para este fim, valores representativos de suas inter-relações axiais (Hillier e Hanson, 1984; Hillier, 1996; Holanda, 2002; Medeiros, 2006), que traduzem o potencial de atração de fluxos e movimento de determinado eixo ante o complexo urbano, ao qual dá-se o nome de valor ou potencial de integração, acessibilidade ou permeabilidade.

Esses valores podem ser representados numericamente ou numa escala cromática com gradação indo do vermelho, passando pelo laranja e verde até chegar ao azul – onde os eixos com maior valor de integração tendem ao vermelho, e os de menor, ao azul –, o que produz o denominado mapa axial (figura 2).

FIGURA 2Mapa axial da cidade de Belém

5000m5.000m

Elaboração dos autores.

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Eixos mais integrados são aqueles mais permeáveis e acessíveis no espaço urbano, de onde mais facilmente se alcançam os demais. Implicam, em média, os caminhos topologicamente mais curtos para serem atingidos a partir de qualquer eixo do sistema. Eixos mais integrados tendem a assumir uma posição de controle, uma vez que podem se conectar a um maior número de eixos e hierarquicamente apresentam um potencial de integração superior. Ao conjunto de eixos mais integrados se dá o nome de núcleo de integração.

Por essas informações elementares, infere-se que dos procedimentos que investigam a configuração da malha viária de uma cidade, as simulações realizadas por meio da sintaxe espacial consistem em um instrumento capaz de medir, quantificar e hierarquizar níveis diferenciados de conexões entre cada via e o complexo onde esta se insere, estabelecendo dessa maneira correlações, conexões e hierarquização entre todas as ruas do complexo urbano (Medeiros, 2006).

Isso permite consequentemente a visualização de uma malha viária em gradações de potenciais de fluxos e movimentos, isto é, de integração. Torna-se perceptível a definição de áreas com predominância de eixos de grande potencial de movimento em oposição àquelas áreas periféricas de menor fluxo. Tem-se, dessa maneira, uma ferramenta valiosa para estudos de mobilidade urbana por possibilitar que fatores relacionados à configuração sejam matematicamente mensurados e claramente visualizados, além de, portanto, poderem ser correlacionados com a infinidade de informações que envolvem deslocamento e circulação.

2.2 Demais procedimentos

Procedido o levantamento das informações sobre acessibilidade dos mapas axiais – oriundos de estudo elaborado por Medeiros (2006) para: i) os sistemas urbanos como um todo; ii) os setores censitários classificados como subnormais pelo IBGE e assentamentos precários pelo CEM; e iii) os demais setores. Os dados foram confrontados com informações sobre a renda média do chefe de família (em salários mínimos), a partir da base de dados do CEM. Objetivou-se, desta forma, verificar quais os padrões de segregação espacial mais recorrentes, segundo a classificação de Gist e Fava (apud Villaça, 2001), em voluntária (quando o indivíduo ou a família optam pelo isolamento) ou involuntária (quando o indivíduo ou a família são obrigados a viverem em certas áreas da cidade). Todas as informações inventariadas foram dispostas em um software de geoprocessamento (ArcGIS®), de modo a facilitar o correlacionamento visual e estatístico das variáveis.

3 ANÁLISES E RESULTADOS

Esta seção apresenta os resultados preliminares do estudo do Ipea para as cidades de Belém, Manaus, Recife e São Paulo. A tabela 1 mostra a população residindo em setores precários, que correspondem ao somatório dos residentes em setores

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Caracterização e Tipologia de Assentamentos Precários: estudos de caso brasileiros104 |

classificados como setores especiais de aglomerados subnormais pelo IBGE (A) e setores classificados como precários pelo CEM, cujas características socioeconômicas são semelhantes às dos aglomerados subnormais (B). Como se pode ver, em termos relativos, os maiores níveis de precariedade habitacional encontram-se nas capitais da região Norte, notadamente no município de Belém, onde mais da metade da população reside em assentamentos precários. São Paulo apresenta os maiores níveis absolutos para o problema, com quase 1,5 bilhão de pessoas morando em assentamentos precários. Manaus e Recife também apresentam percentuais de precariedade superiores à média dos municípios estudados (14,1%).

TABELA 1Estimativa da população residindo em assentamentos precários em áreas urbanas¹ por tipo de setor e município (2000)

Nome do município

Pessoas em setores subnormais (A)

Pessoas em setores precários (B)

Pessoas em assentamentos

precários (A + B)

Total de pessoas em todos os tipos de

setores

Pessoas em assentamentos precários (%)

Belém 447.915 205.039 652.954 1.268.230 51,49

Manaus 166.870 193.006 359.876 1.389.892 25,89

Recife 134.317 121.990 256.307 1.413.119 18,14

São Paulo 902.490 557.158 1.459.648 10.215.800 14,29

Fonte: Marques et al. (2007).²Elaboração dos autores.Notas: ¹ Inclusive áreas rurais de extensão urbana.

² Com base em dados do Censo Demográfico do IBGE 2000.

Por meio da investigação das variáveis renda do chefe de família versus grau de acessibilidade viária, oriundo dos mapas axiais, percebe-se que há correlação significativa para todas as cidades, visto que é nítida a tendência de pessoas com rendas mais altas ou moradoras de setores não especiais (proxy para bairros de classe média e classe média alta) se localizarem próximas às áreas mais centrais ou com maior grau de acessibilidade. Tais espaços, conforme revelado pelos mapas, coincidem com os denominados centros ativos ou núcleos de integração, isto é, áreas com a maior quantidade de vias potencialmente mais acessíveis ao sistema de circulação como um todo (eixos vermelhos).

Para as quatro cidades, observou-se que, à medida que a faixa de renda cresce, há tendência a um progressivo aumento na média de integração, o que significa maior acessibilidade/proximidade em relação ao centro ativo urbano e, portanto, maior facilidade de deslocamento (gráfico 1). Opostamente, quanto menor a faixa de renda, maior a tendência ao distanciamento do centro urbano, expressando o quanto a acessibilidade é indicativa do status social, excetuando-se as situações de segregação voluntária. Afinal, acessibilidade é um bem incorporado positivamente especialmente pelo mercado imobiliário e que se reflete no preço das moradias.

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A Configuração Espacial para o Diagnóstico dos Assentamentos Precários no Brasil | 105

Quando observadas as médias de integração para setores precários do CEM (proxy para loteamentos periféricos) e aglomerados subnormais do IBGE (proxy para favelas e assemelhados) em relação às médias para os assentamentos não especiais (proxy para bairros de classe média e classe média alta) e para a cidade como um todo (gráfico 2) – à exceção de Recife, onde o padrão locacional dos assentamentos precários é relativamente mais central –, é perceptível o quanto estes espaços relativos aos assentamentos precários pertencentes aos dois primeiros grupos (A + B) são pouco acessíveis e apresentam médias de integração mais baixas – exceto quando localizados próximos aos centros, em cenários de aproveitamento de áreas residuais (espaços em aclives acentuados e margens de rios/córregos predominantemente). Em geral, os setores subnormais apresentam localizações mais centrais quando comparados aos setores precários do CEM, confirmando resultados encontrados em outros estudos sobre o tema, que argumentam que a população residente em favelas e semelhantes buscam localizações mais próximas aos centros de emprego (Morais et al., 2003).

Em Belém, por exemplo, confirma-se que as classes média e classe média alta (com renda acima de 20 salários mínimos) localizam-se em áreas mais nobres da cidade (bairros de Nazaré e Batista Campos), situadas no núcleo de integração (figuras 5 e 6). Embora em menor proporção, há igualmente setores de condomínios fechados, que contemplam chefes de família com o mesmo intervalo de renda, situados em áreas periféricas, como o bairro de Parque Verde, o que representa cenário de segregação voluntária na forma dos denominados “enclaves fortificados”, como define Caldeira (2000).

GRÁFICO 1Correlação entre renda média e acessibilidade viária3A – Belém

0,25

0,35

0,45

0,55

0,65

0,75

0,85

1 a 2 SMs 2 a 3 SMs 3 a 5 SMs 5 a 10 SMs 10 a 20 SMs Acima de 20 SMs

Ace

ssib

ilid

ade

viár

ia

Renda

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3B – Recife

0,25

0,35

0,45

0,55

0,65

0,75

0,85

1 a 2 SMs 2 a 3 SMs 3 a 5 SMs 5 a 10 SMs 10 a 20 SMs Acima de 20 SMs

Ace

ssib

ilid

ade

viár

ia

Renda

3C – São Paulo

0,25

0,35

0,45

0,55

0,65

0,75

0,85

1 a 2 SMs 2 a 3 SMs 3 a 5 SMs 5 a 10 SMs 10 a 20 SMs Acima de 20 SMs

Ace

ssib

ilid

ade

viár

ia

Renda

3D – Manaus

0,25

0,35

0,45

0,55

0,65

0,75

0,85

1 a 2 SMs 2 a 3 SMs 3 a 5 SMs 5 a 10 SMs 10 a 20 SMs Acima de 20 SMs

Ace

ssib

ilid

ade

viár

ia

Renda

Elaboração dos autores.Obs.: SMs – salários mínimos.

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GRÁFICO 2Correlação entre tipo de assentamento e acessibilidade viária4A – Belém

0,25

0,3

0,35

0,4

0,45

0,5

0,55

0,6

0,65

0,7

0,75

Aglomeradosubnormal (A)

Assentamentosprecários (B)

A + B Não especiais Belém

Ace

ssib

ilid

ade

viár

ia

Tipos de assentamento

4B – Recife

0,25

0,3

0,35

0,4

0,45

0,5

0,55

0,6

0,65

0,7

0,75

Aglomeradosubnormal (A)

Assentamentosprecários (B)

A + B Não especiais Recife

Ace

ssib

ilid

ade

viár

ia

Tipos de assentamento

4C – São Paulo

0,25

0,3

0,35

0,4

0,45

0,5

0,55

0,6

0,65

0,7

0,75

Aglomeradosubnormal (A)

Assentamentosprecários (B)

A + B Não especiais São Paulo

Ace

ssib

ilid

ade

viár

ia

Tipos de assentamento

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Caracterização e Tipologia de Assentamentos Precários: estudos de caso brasileiros108 |

4D – Manaus

0,25

0,3

0,35

0,4

0,45

0,5

0,55

0,6

0,65

0,7

0,75

Aglomeradosubnormal (A)

Assentamentosprecários (B)

A + B Não especiais Manaus

Ace

ssib

ilid

ade

viár

ia

Tipos de assentamento

Elaboração dos autores.

FIGURA 3Belém: renda média do chefe de família

Sem informaçãoAté 1 SMDe 1 a 2 SMsDe 2 a 3 SMsDe 3 a 5 SMsDe 5 a 10 SMsDe 10 a 20 SMsAcima de 20 SMs

Elaboração dos autores.Obs.: SMs – salários mínimos.

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A Configuração Espacial para o Diagnóstico dos Assentamentos Precários no Brasil | 109

FIGURA 4Belém: integração

0.165 - 0.3350.335 - 0.5060.506 - 0.6770.677 - 0.8480.848 - 1.019

Elaboração dos autores.

Importa esclarecer, todavia, que tais cenários de segregação voluntária são relativos, pois, a despeito de uma maior distância, tais áreas tendem a ser acessíveis a partir de vias expressas que amenizam a distância, a exemplo da BR-316, que atua como continuidade da avenida Almirante Barroso e penetra em Belém na forma de uma das mais acessíveis vias do sistema. Opostamente, casos evidentes de segregação involuntária estão situados em bairros como Terra Firme e Guamá, de baixa acessibilidade em relação ao sistema urbano como um todo, que, além de apresentarem rendas médias entre 1 e 3 salários mínimos, conformam padrão de assentamentos precários (figura 5).

Para Manaus, as classes média e média alta situam-se no entorno imediato do centro urbano, mas acompanhando seu centro ativo ou núcleo de integração (figuras 8 e 9), e sua distribuição pode ser considerada mais dispersa se comparada ao cenário de Belém. Aqui a segregação voluntária também ocorre, com grande evidência no bairro de Ponta Negra, a oeste da cidade, que concentra boa parte da parcela da população cuja renda dos chefes de família está acima dos 20 salários mínimos.

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Caracterização e Tipologia de Assentamentos Precários: estudos de caso brasileiros110 |

As classes menos abastadas situam-se nos arredores do centro, mais ao sul, quando ocupando áreas residuais oriundas predominantemente de igarapés aterrados, ou áreas bem mais distantes, ao norte e ao leste, o que se percebe pela forte presença ali de assentamentos precários e aglomerados subnormais (figura 8).

FIGURA 5Belém: tipos de assentamento

Aglomerações subnormais – IBGE

Assentamentos precários – CEMNão especiais (exceto assentamentosprecários – CEM) IBGESem domicílios particulares permanentes

Sem informação

Elaboração dos autores.

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A Configuração Espacial para o Diagnóstico dos Assentamentos Precários no Brasil | 111

FIGURA 6Manaus: renda média do chefe de família

Sem informaçãoAté 1 SMDe 1 a 2 SMsDe 2 a 3 SMsDe 3 a 5 SMsDe 5 a 10 SMsDe 10 a 20 SMsAcima de 20 SMs

Elaboração dos autores.Obs.: SMs – salários mínimos.

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Caracterização e Tipologia de Assentamentos Precários: estudos de caso brasileiros112 |

FIGURA 7Manaus: mapa axial

0.222 - 0.3340.334 - 0.4460.446 - 0.5580.558 - 0.670.67 - 0.782

Elaboração dos autores.

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A Configuração Espacial para o Diagnóstico dos Assentamentos Precários no Brasil | 113

FIGURA 8Manaus: tipos de assentamento

Aglomerações subnormais – IBGEAssentamentos precários – CEMNão especial (exceto assentamentosprecários – CEM) IBGESem informação ASem domicílios particularespermanentesSem informação

Elaboração dos autores.

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Caracterização e Tipologia de Assentamentos Precários: estudos de caso brasileiros114 |

No Recife, por sua vez, o centro ativo urbano (figura 10) localiza-se no centro norte da cidade, coincidindo com o bairro de Graça, concentrador de famílias cujo chefe apresenta renda acima de 20 salários mínimos (figura 9). A praia de Boa Viagem e o bairro respectivo correspondem ao chamariz da segregação voluntária, visto que a mesma tipologia de renda apresentada em Graça é verificada aqui, e o mesmo acontece com a expansão sul, já avançando pelo município de Jaboatão dos Guararapes (figura 11).

FIGURA 9Recife: renda média do chefe de família

Sem informaçãoAté 1 SMDe 1 a 2 SMsDe 2 a 3 SMsDe 3 a 5 SMsDe 5 a 10 SMsDe 10 a 20 SMsAcima de 20 SMs

Elaboração dos autores.Obs.: SMs – salários mínimos.

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A Configuração Espacial para o Diagnóstico dos Assentamentos Precários no Brasil | 115

Por fim, no caso de São Paulo, a camada de renda mais alta (acima de 20 salários mínimos – figura 12) localiza-se no centro-oeste da cidade, onde ficam os bairros mais nobres, como Morumbi, Jardim Paulista, Alto de Pinheiros, Pinheiros, Santo Amaro, Vila Andrade e Moema, todos de elevado grau de acessibilidade viária (figura 13). Aqui praticamente inexistem setores censitários que sejam classificados como subnormais ou assentamentos precários, apenas comuns em áreas periféricas, como nos bairros de Capão Redondo, Pedreira, Jardim Ângela, Grajaú, São Rafael, Jardim Helena, Itaim Paulista, Lajeado, Cidade Tiradentes, Jaraguá, Brasilândia, entre outros, caracterizando a segregação involuntária (figura 14).

FIGURA 10Recife: mapa axial

0.264 - 0.4250.425 - 0.5860.586 - 0.7470.747 - 0.9080.908 - 1.069

Elaboração dos autores.

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Caracterização e Tipologia de Assentamentos Precários: estudos de caso brasileiros116 |

FIGURA 11Recife: tipos de assentamento

Aglomerações subnormais – IBGEAssentamentos precários – CEMNão especial (exceto assentamentosprecários – CEM) IBGESem informação ASem domicílios particularespermanentesSem informação

Elaboração dos autores.

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A Configuração Espacial para o Diagnóstico dos Assentamentos Precários no Brasil | 117

FIGURA 12São Paulo: renda média do chefe de família

Sem informação

Até 1 SM

De 1 a 2 SMs

De 2 a 3 SMs

De 3 a 5 SMs

De 5 a 10 SMs

De 10 a 20 SMs

Acima de 20 SMs

Elaboração dos autores.Obs.: SMs – salários mínimos.

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Caracterização e Tipologia de Assentamentos Precários: estudos de caso brasileiros118 |

FIGURA 13São Paulo: mapa axial

0.15 - 0.266

0.266 - 0.335

0.335 - 0.401

0.401 - 0.47

0.47 - 0.597

Elaboração dos autores.

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A Configuração Espacial para o Diagnóstico dos Assentamentos Precários no Brasil | 119

FIGURA 14São Paulo: tipos de assentamento

Aglomerações subnormais – IBGE

Assentamentos precários – CEMNão especial (exceto assentamentosprecários – CEM) IBGESem informação A

Sem domicílios particulares permanentes

Sem informação

Elaboração dos autores.

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Caracterização e Tipologia de Assentamentos Precários: estudos de caso brasileiros120 |

Permanecendo em São Paulo, se analisarmos separadamente os valores de integração segundo as subprefeituras, encontramos que as de poder aquisitivo mais elevado tendem a corresponder às áreas mais acessíveis, como ocorre em Pinheiros (0,500) e Vila Mariana (0,504). O oposto também é verdadeiro: Cidade Tiradentes apresenta o mais baixo valor de integração da cidade, alcançando apenas 0,213 (gráfico 3).

Experimento realizado para comparar o desempenho de alguns bairros que se localizassem a uma mesma distância da região Sé/República (8,5 km) revelou a continuidade da tendência (figuras 18 e 19): quanto maior o poder aquisitivo, maior o grau de facilidade de deslocamento – Mandaqui: 0,338; Tucuruvi: 0,404; Freguesia do Ó: 0,410; Butantã: 0,432; Morumbi: 0,438; Alto de Pinheiros: 0,466; e Itaimbibi: 0,509. Ao que se vê, a acessibilidade ao espaço urbano, resultante de sua configuração, tende a ser um indicativo de concentração de renda, já que a acessibilidade também se converte num bem: áreas mais permeáveis, em tese, são aquelas que garantem uma maior mobilidade.

GRÁFICO 3São Paulo: acessibilidade viária (valor de integração) por subprefeitura

0,21

30,

263

0,26

8

0,28

7

0,29 0,

303

0,30

9

0,31

7

0,32

6

0,33

3

0,33

6

0,35

2

0,36

2

0,37

3

0,38

8

0,38

9

0,39

7

0,39

8

0,40

6

0,42

3

0,43

7

0,44

5

0,44

9

0,45

3

0,45

4

0,45

9 0,5

0,50

4

0,51

4

0,53

3

0,2

0,25

0,3

0,35

0,4

0,45

0,5

0,55

Cid

ade

Tira

den

tes

Gu

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ases

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Vila

Mar

ia/V

ila G

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Ari

can

du

va

Pin

hei

ros

Vila

Mar

ian

a

Mo

oca Sé

Elaboração dos autores.

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A Configuração Espacial para o Diagnóstico dos Assentamentos Precários no Brasil | 121

FIGURA 15São Paulo: seleção de bairros para análise

Jaçanã

Vila Medeiros

Tucuruvi

Mandaqui

Freguesia do Ó

Limão Casa Verde Santana

Vila GuilhermeVila Maria

Lapa

São Domingos

Pirituba

Jaguara

Vila Leopoldina

Jaguaré

Alto de Pinheiros

ButantãRio PequenoPinheiros

Perdizes

Barra Funda

Santa Cecília

Bom Retiro

República

Consolação SéBrás

Pari

Bela Vista

LiberdadeCambuci

Mooca

Belém

8,5 km

Tatuapé

Água Rasa

Carrão

Vila Formosa

São LucasVila PrudenteIpiranga

Vila Mariana

Jardim Paulista

Moema

ItaimbibiMorumbi

Vila Sônia

Raposo Tavares

Campo LimpoVila Andrade

Santo Amaro

Campo Belo

Saúde

Cursino Sacomã

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Caracterização e Tipologia de Assentamentos Precários: estudos de caso brasileiros122 |

GRÁFICO 4São Paulo: média de integração segundo seleção de bairros¹

0,33

8

0,37

3 0,40

4

0,41

0,41

0,43

2

0,43

8

0,43

9

0,45 0,

466

0,47

3

0,47

8 0,50

9

0,51

7

0,3

0,35

0,4

0,45

0,5

0,55M

and

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Méd

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Vila

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s

Vila

Pru

den

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Cu

rsin

o

Itai

m B

ibi

Ipir

ang

a

Elaboração dos autores.Nota: ¹ Conforme figura 15.

Por fim, para a última variável – média da acessibilidade viária ou integração –, verificou-se que, entre as cidades investigadas, São Paulo é a que possui a malha urbana com menor acessibilidade viária (0,373 – gráfico 5). De acordo com Medeiros (2006), o valor resulta de uma forma urbana mais labiríntica, com forte irregularidade e descontinuidade dos eixos viários (figura 13). Belém, por sua vez, apresenta o maior índice de acessibilidade viária (0,651), resultado de uma trama em que predominam vias mais retilíneas e nítidas continuidades nos eixos, produzindo um espaço urbano menos labiríntico e, portanto, de mais fácil apreensão (figura 4). Recife tem a acessibilidade bem próxima a de Belém (0,650), apresentando uma boa integração do sistema com o resto da cidade, e isto resulta da malha viária mais contínua e regulada/retilínea (figura 10). Manaus, por sua vez, apresenta média de 0,500, valor mediano diante dos exemplares, indicativo de uma malha ora contínua, ora fragmentada, produto especialmente do sítio físico marcado pela forte presença de igarapés (figura 7).

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A Configuração Espacial para o Diagnóstico dos Assentamentos Precários no Brasil | 123

GRÁFICO 5Média de integração para as cidades investigadas¹

0,19

9

0,30

3

0,32

6

0,35

0

0,37

3

0,43

3

0,50

0

0,51

2

0,58

6

0,59

7

0,60

7

0,64

0

0,65

0

0,65

1

0,65

6

0,78

8

0,81

1

0,83

6

0,86

1

0,96

3

1,45

8

0,000

0,200

0,400

0,600

0,800

1,000

1,200

1,400

1,600Fl

ori

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Val

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de

inte

gra

ção

- R

N

Fonte: Medeiros (2006).Nota: ¹ Em comparação com outras capitais brasileiras.

4 CONCLUSÕES

Das premissas discutidas, observa-se que a estrutura espacial urbana, revelada em seus aspectos de configuração, parece contribuir para um mais claro entendimento das questões de segregação espacial. Historicamente as cidades vêm sendo tratadas na literatura conforme seus distintos graus de geometrização em sua malha viária (Kostof, 1992; 2001; Teixeira, 2000; Morris, 2001; Reis Filho, 2001), classificadas usualmente entre os extremos de irregularidade (padrões orgânicos, com desenhos de geometria complexa) ou regularidade (padrões planejados, cuja estrutura resultante se baseia predominantemente em grelhas, modelos lineares ou esquemas radiais).

Aparte a discussão do leiaute/desenho e das expectativas sociais afins que promoveram/promovem a consolidação de um ou outro padrão de malha viária, é promissor interpretar de que maneira tais padrões – entendidos relacionalmente, isto é, na relação de dependência entre todas as partes componentes – afetam a acessibilidade urbana em cidades, conforme as distintas composições da estrutura espacial. Significa observar de que maneira o arranjo dos elementos componentes do sistema de circulação (isto é, padrões da estrutura de circulação, de acordo com o desenho das vias, a forma das conexões, a existência de nós, os tamanhos dos links, a rarefação ou elevada densidade de caminhos etc.) interfere na mobilidade, implicando restrições ou favorecimento da acessibilidade, o que afeta diretamente os aspectos de segregação espacial, conforme confirmaram os resultados.

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Conclui-se, portanto, que a abordagem configuracional verificada por meio dos mapas axiais colabora para o estudo da segregação espacial existente nas quatro cidades estudadas, demonstrando que a configuração da malha viária é um relevante aspecto a se analisar para explicar algumas das questões urbanas. Ocorre que a hierarquia espacial é dependente direta dos modos de relacionamento entre as diversas partes componentes do sistema de circulação, em seus mais variados graus de regularidade ou irregularidade quanto à estrutura espacial, com incidência significativa na acessibilidade – o que tende a ser uma das expressões mais robustas da distribuição dos estratos sociais na cidade.

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