a concentração econômica no setor siderúrgico de vergalhões

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SOCIEDADE EDUCACIONAL E CULTURAL DE DIVINÓPOLIS FACULDADES INTEGRADAS DO OESTE DE MINAS FADOM DIREITO A CONCENTRAÇÃO ECONÔMICA NO SETOR SIDERURGICO DE VERGALHÕES COMO DETERMINANTE DO PODER DE MERCADO RINALDO MACIEL DE FREITAS Divinópolis,setembro,2004

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Page 1: A Concentração Econômica no Setor Siderúrgico de Vergalhões

SOCIEDADE EDUCACIONAL E CULTURAL DE DIVINÓPOLIS

FACULDADES INTEGRADAS DO OESTE DE MINAS – FADOM

DIREITO

A CONCENTRAÇÃO ECONÔMICA NO SETOR SIDERURGICO DE

VERGALHÕES COMO DETERMINANTE DO PODER DE MERCADO

RINALDO MACIEL DE FREITAS

Divinópolis,setembro,2004

Page 2: A Concentração Econômica no Setor Siderúrgico de Vergalhões

SOCIEDADE EDUCACIONAL E CULTURAL DE DIVINÓPOLIS

FACULDADES INTEGRADAS DO OESTE DE MINAS FADOM

DIREITO

A CONCENTRAÇÃO ECONÔMICA NO SETOR SIDERURGICO DE

VERGALHÕES COMO DETERMINANTE DO PODER DE MERCADO

RINALDO MACIEL DE FREITAS

Monografia apresentada à FADOM - Faculdades

do Oeste de Minas como requisito para obtenção

do título de bacharel em Direito, de acordo com a

Portaria 1886/94 do MEC.

Orientador: Professor Gilberto Ribeiro de Castro

Divinópolis,setembro,2004

Page 3: A Concentração Econômica no Setor Siderúrgico de Vergalhões

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.................................................................................................................. 08

1 – A EVOLUÇÃO DO DIREITO DE CONCORRÊNCIA............................................. 10

1.1 – Lei 8.884/94 Lei Brasileira de Defesa da Concorrência...................................... 11

2 – HISTÓRICO DO SETOR SIDERÚRGICO BRASILEIRO........................................ 19

3 – CONCORRÊNCIA NA SIDERURGIA BRASILEIRA, DUOPÓLIO.................... 22

3.1 – As Privatizações.................................................................................................. 22

3.2 – Mercado Siderúrgico de Produtos Longos.......................................................... 23

3.3 – Duopólio na Siderurgia Brasileira de Longos................................................... 29

3.4 – Siderurgia, Oligopólio e Concorrência Imperfeita.............................................. 38

4 – CONCENTRAÇÃO E CARTELIZAÇÂO NA SIDERURGIA.................................. 41

5 – CONCLUSÃO.............................................................................................................. 48

OBRAS CONSULTADAS........................................................................................50

Page 4: A Concentração Econômica no Setor Siderúrgico de Vergalhões

AVALIAÇÃO DA DEFESA

Nome do Aluno: Rinaldo Maciel de Freitas

Nº de matrícula: 5030 Curso: Direito

Título do Trabalho: A Concentração no Setor Siderúrgico de Vergalhões como

Determinante do Poder de Mercado.

Orientador: Profº Gilberto Ribeiro de Castro

AVALIAÇÃO:

1º Argüidor:_____________________________________________

Grau____________

2º Argüidor:_____________________________________________

Grau____________

3º Argüidor:_____________________________________________

Grau____________

Conceitos

Zero a 6,9: INSUFICIENTE

7,0 a 8,9: APROVADO

9,0 a 10,0: APROVADO COM DISTINÇÃO

CONCEITO FINAL:_________

Divinópolis,setembro de 2004

_________________________________________________

_________________________________________________

_________________________________________________

Page 5: A Concentração Econômica no Setor Siderúrgico de Vergalhões

DEDICATÓRIA

Para Andréa, Paulo e Pedro, pelos bons

momentos e pelo apoio nestes anos.

Page 6: A Concentração Econômica no Setor Siderúrgico de Vergalhões

“Imaginar que exista algum mecanismo de ajuste

automático e funcionamento perfeito que preserve o

equilíbrio, bastando para isso que confiemos nas

práticas do ‘laissez-faire’ é uma fantasia doutrinária

que desconsidera as lições da experiência histórica

sem apoio em uma teoria sólida”.

John Maynard Keynes

Page 7: A Concentração Econômica no Setor Siderúrgico de Vergalhões

AGRADECIMENTOS

Estive nos últimos anos envolvido com o trabalho de pesquisa

sobre siderurgia brasileira, em especial com distribuição de

aços, praticamente por influência de meu ex-professor de

Direito Econômico Fernando Guilhon, também ex-diretor da

Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Fazenda –

SDE/MF.

Dentre esses profissionais, merece especial agradecimento o

Prof. Germano Mendes de Paula, da Universidade Federal de

Uberlândia, pela atenção sempre dispensada e a paciência que

teve em sempre esclarecer dúvidas que surgiram.

Também não poderia deixar de citar as experiências

adquiridas com o engenheiro José Ângelo Passeti ex-diretor do

sistema “Belgo-Pronto” da Cia. Siderúrgica Belgo Mineira.

Desde o primeiro ano do curso de Direito, já havia solicitado

ao meu Orientador, professor Gilberto Ribeiro de Castro, que

no futuro orientasse esse meu trabalho e aproveito para através

dele, homenagear a todos os educadores da FADOM –

Faculdades Integradas do Oeste de Minas, pelos

conhecimentos adquiridos.

Page 8: A Concentração Econômica no Setor Siderúrgico de Vergalhões

Introdução

O objetivo do presente trabalho é apresentar um retrato do setor siderúrgico de

aços longos, ou seja, vergalhões para a construção civil e assim, demonstrar como que

através do Programa Nacional de Desestatização – PND, pode este segmento da indústria

nacional chegar a formação de um grande cartel.

As regulamentações do mercado, somente vieram no auge do PND com a Lei

8.158/91 e posteriormente com a atual Lei de Defesa da Concorrência 8.884/94, o que

demonstramos no primeiro capítulo com a evolução do direito da concorrência no Brasil.

A partir do segundo capítulo, mostramos um histórico do setor siderúrgico,

passando pelas privatizações, até chegarmos à concentração com cartelização observada

na siderurgia brasileira de produtos longos.

É proposital a citação a produtos longos, uma vez que estes não se resumem apenas

em vergalhões para construção civil, mas, em cantoneiras, barras chatas, fio-máquina que

é um commoditie usado na fabricação de outros produtos, perfis leves e outros. Há no

mercado brasileiro, os conhecidos “relaminadores” que são empresas que adquirem no

mercado, placas de aço para relaminar e produzir cantoneiras, barras chatas, perfis e, até

possivelmente os vergalhões de aço.

Este tema, sempre me chamou a atenção, haja vista que o setor siderúrgico é

responsável, em todo o mundo, pelas maiores movimentações de volume de cargas e de

dinheiro.

É fundamental esclarecer que o Programa Nacional de Desestatização concentrou

demais a produção siderúrgica nas mãos de poucos grupos. Em especial, a siderúrgica

brasileira de produtos longos (vergalhões), que no período de 1990 a 1996 passou a

concentrar-se nas siderúrgicas Gerdau e Belgo-Mineira. Essas empresas passaram a

adquirir unidades, reestruturando algumas e fechando outras.

Page 9: A Concentração Econômica no Setor Siderúrgico de Vergalhões

Havia até então no mercado, um bom número de empresas que produziam além do

aço CA-50A, o CA-50B, além do CA-40 (padrão internacional) e o aço CA-25, sendo estas

denominações em função do grau de carbono no aço e outras características físicas.

Para ampliarem seus lucros, as empresas criaram uma barreira técnica que

determina ser o vergalhão de aço CA-50A o único com possibilidade de comercialização

no país. Com essa atitude passaram a impedir a entrada de produtos e produtores

concorrentes no país, podendo inclusive influir nos resultados de concorrências públicas.

Há registros de reuniões em diversas ocasiões, com distribuidores e coordenadas

conjuntamente pelas usinas para a combinação de preços e divisão do mercado.

Demonstramos que é preciso repensar a siderúrgica brasileira na sua finitude. Este

mercado é altamente competitivo e está ligado a um mercado mundial. Todas as empresas

estratégicas brasileiras que foram privatizados ou, de certa forma deixaram de ter controle

público, tiveram criadas suas agências reguladoras. A Lei 8.884 de 1994 é um bom

instrumento, mas, insuficiente para coibir os abusos que vem ocorrendo no mercado

brasileiro.

Page 10: A Concentração Econômica no Setor Siderúrgico de Vergalhões

1 A EVOLUÇÃO DO DIREITO DE CONCORRÊNCIA

O direito econômico, visto como ramo que estuda e regula a organização do

mercado, tem na intervenção do Estado, no domínio econômico, o seu grande

instrumental1.

O modelo intervencionista surgiu no final do século XIX e dominou a economia

durante todo o século XX, assumindo o Estado a responsabilidade de conduzir o

desenrolar do processo econômico e de realizar novas formas de atuação2.

A mão invisível de Adam Smith, que regularia o mercado, sem a necessidade da

interferência estatal, foi substituída pela mão visível do Estado, e posteriormente pelos

grandes grupos que diante da necessidade de ganhos de escala, dominaram a economia. A

intervenção estatal na economia se fez mais intensa e reiterada em decorrência das duas

grandes guerras e das crises econômicas (principalmente a de 1929), sendo esta a lição do

professor João Bosco Leopoldino:

“... o fenômeno da concentração do poder econômico nas mãos de uns

poucos veio trazer a necessidade de o Estado intervir para sanar a

crise do liberalismo econômico, salvando a liberdade de iniciativa.

Assinale-se que o Estado não interveio para coibir a liberdade

econômica das empresas, mas para garanti-la mais concreta e

efetivamente3”.

É esta a garantia manifestada pela Constituição Federal de 1988, que trouxe outra

fundamentação ideológica para a atuação do Estado no domínio econômico.

A exploração direta da atividade econômica pelo Estado constitui-se numa

exceção, a regra, é a de que o Estado não deva atuar diretamente no domínio econômico.

1 GLÓRIA, Daniel de Almeida. A Livre Concorrência como Garantia do Consumidor. São Paulo:

Del Rey, 2003. 78 p. 2 FONSECA, João Leopoldino. Direito Econômico. 5 ed. São Paulo: Forense. 2004. 168 p. 3 FONSECA, João Leopoldino. Direito Econômico. 5 ed. São Paulo: Forense. 2004. 179 p.

Page 11: A Concentração Econômica no Setor Siderúrgico de Vergalhões

Esta exceção está restrita à necessidade decorrente de dois fatores determinantes:

imperativos de segurança nacional e relevante interesse coletivo.

No entanto, fica vago e difícil determinar essas duas regras4. Há uma infinidade de

atividades econômicas que podem ser colocadas como imperativo de segurança nacional,

assim como de interesse coletivo.

É neste contexto econômico que o direito da concorrência, núcleo do direito

econômico contemporâneo assume ares de importância, transformando o Direito

Econômico de um Direito da Intervenção do Estado para um instrumento de defesa dos

direitos do cidadão e das liberdades fundamentais previstas na Constituição.

1.1 - Lei 8.884 de 1994 – Lei brasileira de defesa da concorrência

É necessário fazer uma breve analise do histórico constitucional brasileiro antes da

Constituição de 1988, seguindo em análise a legislação infraconstitucional.

A Constituição de 1824 não continha um capítulo sobre a ordem econômica ou

sobre direitos sociais e nem sobre a tutela da concorrência. A Constituição de 1891 adotou

mesma postura. Ao Estado cabia a manutenção da ordem e da segurança. Já a constituição

de 1934, previu normas de natureza social e econômica. A intervenção do Estado no

processo econômico foi maior, tendo por objetivo suprir as deficiências da iniciativa

individual. Foi assim a primeira Constituição com um capítulo para a ordem econômica e

social, Título IV, artigo 115 e parágrafo único:

Art. 115 – A ordem econômica deve ser organizada conforme os

princípios da justiça e as necessidades da vida nacional, de modo que

possibilite a todos existência digna. Dentro desses limites, é garantida

a liberdade econômica (Constituição Federal de 1934).

4 Dispõe o artigo 173 da CF/88: “Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração

direta da atividade econômica só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança

nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei”.

Page 12: A Concentração Econômica no Setor Siderúrgico de Vergalhões

Parágrafo único – Os poderes públicos verificarão, periodicamente, o

padrão de vida nas varias regiões do paiz.

Ainda, seus artigos 116 e 117 previam a possibilidade de monopólio estatal de

certas atividades econômicas e dispunha sobre incentivo:

Art. 116 – Por motivo de interesse público e autorizada em lei

especial, a União poderá monopolizar determinada indústria ou

actividade econômica, asseguradas as indenizações devidas, conforme

o artigo 112 n. 17, e ressalvados os serviços municipalizados ou de

competência dos poderes locaes.

Art. 117 – A lei promoverá o fomento da economia popular, o

desenvolvimento do credito e a nacionalização progressiva dos bancos

de deposito. Igualmente providenciará sobre a nacionalização das

empresas de seguros em todas as suas modalidades, devendo

constituir-se em sociedade brasileira as estrangeiras que actualmente

operam no paiz.

Parágrafo único – É prohibida a usura, que será punida na fórma da

lei.

Na Constituição de 1937 não houve rompimento formal com o modelo econômico

liberal. Esta destacava em seu artigo 135 a liberdade econômica e a intervenção do Estado

no domínio econômico, somente para suprir as deficiências da iniciativa individual e

coordenar os fatores de produção, a fim de evitar ou resolver seus conflitos. No artigo

141, ao lado do fomento, eram estabelecidas garantias especiais à economia popular5:

Art. 135 – Na iniciativa individual, no poder de creação, de

organização e de invenção do individuo, exercido nos limites do bem

público, funda-se a riqueza e a prosperidade nacional. A intervenção

do Estado no domínio econômico só se legitima para suprir as

deficiências da iniciativa individual e coordenar os fatores da

produção, de maneira a evitar ou resolver os seus conflitos e introduzir

5 CHAMPANHOLE, Hilton Lobo. Constituições do Brasil. 2 ed. São Paulo: Atlas. 2003.

Page 13: A Concentração Econômica no Setor Siderúrgico de Vergalhões

no jogo das competições individuais o pensamento dos interêsses da

Nação, representados pelo Estado. A intervenção no domínio

econômico poderá ser mediata e imediata, revestindo a forma do

contrôle, do estímulo ou da gestão direta (Constituição Federal de

1937).

Art. 141 – A lei fomentará a economia popular, assegurando-lhe

garantias especiais. Os crimes contra a economia popular são

equiparados aos crimes contra o Estado, devendo a lei cominar-lhes

penas graves e prescrever-lhes processo e julgamento adequados à sua

pronta e segura punição.

Em 1946, a Constituição consagrou os princípios da justiça social, liberdade de

iniciativa e valorização do trabalho humano. Normatizou ainda, em seu artigo 148 que:

Art. 148 – A lei reprimirá tôda e qualquer forma de abuso do poder

econômico, inclusive as uniões ou agrupamentos de emprêsas

individuais ou sociais, seja qual fôr a sua natureza, que tenham por

fim dominar os mercados nacionais, eliminar a concorrência e

aumentar arbitràriamente os lucros (Constituição Federal de 1946).

A Constituição de 1967 e a Emenda nº 1 de 1969 determinaram a expansão da

atividade pública, com a previsão de intervenção estatal na economia, manutenção da

valorização da livre empresa, atuação suplementar do Estado e destacaram a repressão ao

abuso do poder econômico, elevando-o, no artigo 160, inciso V a princípio da ordem

econômica e social:

Art. 160 – A ordem econômica e social tem por fim realizar o

desenvolvimento nacional e justiça social, com base nos seguintes

princípios (Constituição Federal de 1969):

V – repressão ao abuso do poder econômico, caracterizado pelo

domínio dos mercados, a eliminação da concorrência e o aumento

arbitrário dos lucros; e

Page 14: A Concentração Econômica no Setor Siderúrgico de Vergalhões

A Constituição da República de 1988 dispensou tratamento totalmente inovador à

matéria, positivando a livre concorrência como princípio constitucional da ordem

econômica, sendo tratada pelo professor Washington Albino da Universidade Federal de

Minas Gerais como “Constituição Econômica”. No artigo 170, IV, há a exigência de lei

ordinária para se reprimir o abuso do poder econômico que busque a sua eliminação,

artigo 173, § 4º do Título VII, Da Ordem Econômica e Financeira:

Art. 170 – A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho

humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência

digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes

princípios (Constituição Federal de 1988):

IV – livre concorrência;

A regulamentação vem pela Lei 8.884 de 1994, que disciplina o funcionamento do

Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, do Ministério da Justiça, formado pelo

CADE, SEAE e SDE. Desde sua criação em 1962 até o final dos anos oitenta, o Conselho

Administrativo de Defesa Econômica – CADE, não exerceu maior influência, dada a

lógica protecionista da industrialização por substituição de importações e conseqüente

estímulo à ampliação da participação do Estado e da concentração econômica. Até o

advento da Lei 8.884 constituía-se o CADE em órgão integrante da Administração Direta,

encontrando-se diretamente subordinado ao Ministério da Justiça.

Com a Lei brasileira de defesa da concorrência o CADE passou a se constituir em

autarquia federal, passando assim, a estar apenas vinculado ao Ministério da Justiça, mas

dotado de orçamento próprio.

Além de transformar o CADE em autarquia, a lei 8.884/94, introduziu o controle

sobre fusões e aquisições, tornou mais severas as penalidades para os infratores da ordem

econômica.

Page 15: A Concentração Econômica no Setor Siderúrgico de Vergalhões

Karl Marx6 afirma que a concentração econômica é lei imanente do capitalismo. O

desenvolvimento do capitalismo e a concentração econômica caminham juntos. Segundo

Marx, a concentração é a tendência centralizadora dos meios de produção cada vez mais

nas mãos de um menor número de agentes. Isso ocorre por meio do crescimento interno

da empresa ou mediante sua concentração, ou seja, pela união de diferentes empresas em

uma só ou sob sua submissão a controle comum.

Esse fenômeno do capitalismo ocorre por inúmeros motivos. O motivo comum

apontado é atingir economias de escala, pois se acredita que o maior porte da empresa

garante melhor eficiência produtiva, com menor custo para a mesma quantidade fabricada.

O Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, disciplina o controle dos atos de

concentração pelo artigo 54 da Lei 8.884 de 1994. O caput do artigo prescreve que: “Os

atos, sob qualquer forma manifestados, que possam limitar ou de qualquer forma

prejudicar a livre concorrência, ou resultar na dominação de mercados relevantes de bens

ou serviços, deverão ser submetidos à apreciação do CADE”.

De acordo com o seu § 1º o CADE pode autorizar atos que atendam às condições:

“I - tenham por objetivo, cumulada ou alternativamente: a) aumentar a produtividade; b)

melhorar a qualidade de bens ou serviços; ou c) propiciar a eficiência e o desenvolvimento

tecnológico ou econômico; II – os benefícios decorrentes sejam distribuídos

equitativamente entre os seus participantes, de um lado, e os consumidores ou usuários

finais, de outro; III – não impliquem eliminação da concorrência de parte substancial de

mercado relevante de bens e serviços; e IV – sejam observados os limites estritamente

necessários para atingir os objetivos visados".

O § 2º estabelece, ainda, a possibilidade de serem considerados legítimos os atos

necessários por motivo preponderante da economia nacional e do bem comum, desde que

atendidas pelo menos três das condições previstas nos incisos do parágrafo anterior, desde

que não impliquem prejuízo ao consumidor ou usuário final.

6 GOLDMAN, Berthold. Droit Commercial Européen. Paris: Ed. Dalloz. 1994. Citação 473 p.

Page 16: A Concentração Econômica no Setor Siderúrgico de Vergalhões

O art. 54 traz, ainda, uma regra específica às operações de concentração, no § 3º,

que estabelece: “Incluem-se nos atos de que trata o caput àqueles que visem a qualquer

forma de concentração econômica, seja através de fusão ou incorporação de empresas,

constituição de sociedade para exercer o controle de empresas ou qualquer forma de

agrupamento societário, que implique participação de empresas ou grupos de empresas

resultante em 20% de um mercado relevante, ou em que qualquer dos participantes tenha

registrado faturamento bruto anual no último balanço equivalente a R$ 400.000.000,00

(quatrocentos milhões de reais)”.

Foram muito poucas as alterações da nova lei à sistemática em vigência desde a

Lei 8.158, de 1991. Com efeito, foi retirada a referência ao aumento das exportações entre

as condições do inciso I do § 1º do art. 54 da nova lei, tendo-se modificado também as

condições para a aprovação dos atos de que trata o § 2º da lei, posterior, pois antes exigia-

se que a restrição tivesse duração prefixada e fosse comprovado que sem sua prática

haveria prejuízo ao consumidor final, sendo, nesse aspecto, a redação da Lei 8.884, de

1994, mais benevolente à operação de concentração. Finalmente, a competência para a

apreciação e aprovação dos atos, antes da SNDE, passou de volta ao CADE, cujos poderes

foram aumentados na nova lei, sobretudo com sua transformação em autarquia.

Deve ser observado que a elaboração da Lei 8.884, de 1994, inclusive com o

controle de atos de concentração, expressou uma opção pela independência do CADE e da

aplicação da lei, de maneira geral, com relação a interesses políticos ou setoriais. Editada

sob o peso da histórica inefetividade da lei anterior, a de n. 4.137, de 1962, procurou-se

por os órgãos encarregados da aplicação da lei a salvo de pressões de interesses

econômicos envolvidos. Não existe na lei antitruste brasileira, assim, a previsão de uma

instância política de revisão das decisões do CADE em matéria de concentrações, tal

como na lei alemã ou na francesa, nas quais o Ministro da Economia pode reconsiderar a

operação a pedido das partes envolvidas e aprová-la em consideração a questões sociais,

de comércio internacional ou de racionalização.

Outro aspecto relevante da lei foi a consolidação da sistemática estabelecida na Lei

8.158, de 1991, que eliminou o anterior sistema de manter suspensas, em princípio, as

Page 17: A Concentração Econômica no Setor Siderúrgico de Vergalhões

operações sujeitas à apreciação da autoridade antitruste. Com efeito, no sistema do art. 74

da Lei 4.137, de 1962 os ajustes, acordos ou convenções entre empresas que produzissem

efeitos anticoncorrenciais não tinham validade senão após a aprovação. Existia, assim, em

teoria, uma cláusula suspensiva de todas as práticas restritivas, que produziam efeitos

somente após a aprovação pela autoridade antitruste. No regime do art. 54 da Lei 8.884,

de 1994, porém, os negócios jurídicos sujeitos ao controle do CADE devem ser

celebrados com cláusula resolutiva tácita, ficando sua eficácia condicionada a evento

futuro e incerto. Enquanto a autorização não for concedida, porém, o ato jurídico tem

plena eficácia.

Nesse sentido, o controle de atos de concentração na lei brasileira caracteriza-se

pela predominância dos interesses concorrencias sobre outros interesses de política

econômica ou industrial. Com efeito, embora a lei trate certos aspectos de caráter

econômico como idôneos a, de certa forma, compensar uma redução da concorrência no

mercado envolvido, sua consideração prende-se aos limites estabelecidos na lei.

A necessidade de notificação das concentrações econômicas, por sua vez, é objeto

do § 3º do artigo 54. A rigor, a regra do caput já seria suficiente para determinar a

apreciação pelo CADE de atos de concentração cujos efeitos potenciais fossem um

daqueles descritos pelo artigo. No entanto, além de reforçar a submissão das

concentrações à regra, o § 3º estabelece algumas presunções de efeitos críticos à livre

concorrência. Uma delas se refere à participação das empresas envolvidas na operação, ou

seu grupo, no mercado relevante, fixando como parâmetro de definição desse ponto crítico

a porcentagem de 20% do mercado, a mesma estabelecida no artigo 20 da lei como

presunção de posição dominante. A outra se refere ao faturamento bruto anual no último

balanço de pelo menos um dos participantes, quando igual ou superior a

R$400.000.000,00 (Quatrocentos milhões de reais)

Nesse sentido, qualquer operação que se enquadre em um ou nos dois critérios

estabelecidos no parágrafo tem que ser submetida à apreciação do CADE.

Page 18: A Concentração Econômica no Setor Siderúrgico de Vergalhões

O § 4º do artigo 54 estabelece o prazo máximo de 15 dias úteis da sua realização

para a apresentação das operações a SDE, o que pode ser feito também previamente. A

partir desse momento inicia-se o trâmite do ato de concentração. Em primeiro lugar,

incumbe à Secretaria de Acompanhamento Econômico – SEAE, emitir parecer técnico,

em 30 dias, após o que deve manifestar-se à Secretaria de Direito Econômico – SDE, no

mesmo prazo. Juntados os pareceres, a SDE encaminha o processo ao plenário do

Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, para decisão.

Cabe ao CADE, após apreciação do processo, verificar se as operações impõem

riscos ou causaram prejuízos à livre concorrência e a ordem econômica através da

dominação do mercado, que, conforme o caput do artigo, podem resultar na sua ilicitude.

A lei 8.884, de 1994 estabelece, no artigo 58, que o plenário do CADE deve levar

em consideração o grau de exposição do setor à competição internacional e as alterações

no nível de emprego, dentre outras circunstâncias relevantes, ao definir os compromissos

de desempenho, cuja finalidade principal, de qualquer forma, é assegurar o cumprimento

das condições previstas no artigo 1º.

O objetivo desses tipos de cláusulas no Direito brasileiro é a adequação da

operação às exigências estabelecidas nos incisos III e IV do § 1º do artigo 54 da lei 8.884,

de 1994. Um dos exemplos polêmicos de sua utilização foi no caso da aquisição da Cia.

Siderúrgica Pains pelo Gerdau, no qual a aprovação foi condicionada a diversas

exigências como exclusiva fabricação de aços especiais e a venda da unidade de

Contagem/MG.

Page 19: A Concentração Econômica no Setor Siderúrgico de Vergalhões

2 HISTÓRICO DO SETOR SIDERÚRGICO BRASILEIRO

As estatais siderúrgicas vieram, no Brasil, em substituição às importações, como

objetivo de diminuição da dependência de manufaturados provenientes de países

desenvolvidos, sendo que a principal foi a Cia. Siderúrgica Nacional - CSN (1942 no

governo de Getúlio Vargas).

Ao longo dos anos 80, a crise da dívida externa refletiu negativamente na demanda

interna de aço. As siderúrgicas passaram assim a exportar seus produtos com menor

retorno, de forma a somente garantir a presença no mercado internacional e a manutenção

da produção e de empregos, embora estes últimos tiveram um reflexo negativo em função

das novas tecnologias e da globalização.

O processo de reestruturação da siderurgia brasileira causou significativa redução

do número de empresas, conforme tendência mundial. Na década de 80, o setor era

composto por mais de trinta empresas que contavam com reserva de mercado via pesadas

alíquotas de importação e controle de preços internos pelo governo.

No início da década de 90, com o programa de privatização e abertura de mercado

iniciou-se o processo de reestruturação ampliando a competitividade do setor que

apresenta a seguinte estruturação:

Não Planos:

Gerdau: Açominas – Cia Sid. Pains – Aliperti – Usiba;

Belgo Mineira: Mendes Junior – Cofavi – Dedini - Itaunense.

Planos:

Usiminas – Cosipa;

Acesita – Cia. Sid. Tubarão – CST. (Arcelor);

Cia. Siderúrgica Nacional – CSN.

Page 20: A Concentração Econômica no Setor Siderúrgico de Vergalhões

O setor siderúrgico brasileiro consolidou-se em dois grandes grupos na área de

longos (fio máquina – vergalhões – arames), e três no setor de planos (Chapas e

revestidos)7:

QUADRO 2.1

Setor Siderúrgico Brasileiro

Usinas

Integradas

PRODUTOS EMPRESAS

Semi-acabados Açominas/MG. - CST/ES.

Aços Especiais Acesita/MG. – Mannesman/MG.

Laminados Planos Cosipa/SP. – CSN/RJ. – Usiminas/MG. –

CST/ES.

Laminados Longos Belgo Mineira/MG. - Gerdau/MG.

Belgo Mineira/ES.

Usinas Semi

Integradas

Aços Especiais Aços Villares/SP. – Villares Metais/SP.

Gerdau/RS.

Laminados Longos Gerdau (CE., PE., BA., RJ., PR., RS)

Cia. Siderúrgica Barra Mansa/RJ.

Belgo Mineira Participações/MG.

Cia. Siderúrgica Itaúna/MG.

Laminados Planos Vega do Sul/SC. CSN/PR.

FONTE: BNDES (1998) – Atualizado até Dezembro de 2003.

Para a internacionalização da siderurgia e conseqüente reestruturação, a

privatização teve papel determinante. A globalização acirrou a concorrência existente no

setor, fazendo com que seus players8 buscassem ganhos de produtividade e tecnologia de

escala para terem vantagens em seus segmentos de atuação. As empresas privatizadas

ganharam assim agilidade e voltaram-se para o cliente, investiram mais em pesquisa e

desenvolvimento, buscaram ganhos de produtividade e deram ênfase à obtenção de

vantagens competitivas, concomitantemente os mercados se beneficiaram com esses

ganhos.

Em função desse novo padrão competitivo e de acordo com esta nova base

tecnológica, e considerando também as influências da globalização dos mercados, ocorreu

a reestruturação do setor siderúrgico brasileiro.

7 BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONÕMICO E SOCIAL - BNDES.

Informe Setorial de Mineração e Metalurgia nº 13. Rio de Janeiro, 1998.

8 Players: “Jogadores” ou seja, participantes do mercado. Tratamento internacional.

Page 21: A Concentração Econômica no Setor Siderúrgico de Vergalhões

A reestruturação econômica, financeira e política que ocorreu com o processo da

globalização no setor siderúrgico, ensejaram a criação de uma nova realidade jurídica.

Novos paradigmas no processo produtivo que geraram ao mesmo tempo a necessidade de

centralizar e descentralizar e de estabelecer novas formas de associação, como as fusões

entre empresas e a criação de holdings, ao mesmo tempo em que se verifica a ampliação

do mercado mundial e, crescimento do terceiro setor com ênfase à transformação de

produtos e serviços.

Na década de 90 a siderurgia brasileira passou por grandes transformações, tanto

do ponto de vista da sua reestruturação societária quanto da aceleração dos investimentos.

Estes investimentos foram mais dirigidos para modernização tecnológica, enobrecimento

de produtos e meio ambiente, dentre outros, mas com menor ênfase no crescimento da

capacidade instalada de produção de aço.

Em termos nominais a produção evoluiu de 25,2 milhões de t para 27,8 milhões de

t, no período 1993/2000, chegando a 32 milhões de toneladas no ano de 2003 o que foi

suficiente para o atendimento da mudança do “mix” ocorrida no mercado, com maior

oferta de aço à demanda interna e externa9.

Esta mudança consolidou-se a partir de 1993 com a oferta de aço dirigindo-se mais

ao atendimento do mercado interno, impulsionado pela crescente demanda especialmente

dos segmentos automobilístico, construção civil e eletro–eletrônicos, grandes

consumidores de produtos de aço.

Neste período, 1990/96, iniciou-se a concentração no setor siderúrgico de

vergalhões e fios de aço tendo a Cia. Belgo Mineira e o Grupo Gerdau como os principais

atores.

9 BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONÕMICO E SOCIAL - BNDES.

Informe Setorial de Mineração e Metalurgia nº 13. Rio de Janeiro, 1998.

Page 22: A Concentração Econômica no Setor Siderúrgico de Vergalhões

3 CONCORRÊNCIA NA SIDERURGIA BRASILEIRA: DUOPÓLIO.

Alguns setores da economia mundial necessitam de grandes capitais para sua

implantação e desenvolvimento. Entre estes setores, destaca-se a siderurgia, onde poucos

agentes econômicos têm estrutura financeira para captação de recursos.

A instalação e o funcionamento de uma planta siderúrgica, e, sobretudo, o

desenvolvimento de novas tecnologias depende de recursos suficientemente altos.

A compreensão dos objetivos da legislação de defesa da concorrência, em tese, no

setor siderúrgico, passa pelo entendimento do significado do título do presente capítulo. A

palavra concorrência demonstra disputa entre vários agentes econômicos, como rivalidade

onde buscam suplantar-se. Para a compreensão da extensão do termo concorrência e a

necessidade de sua regulação, há que se observar alguns princípios econômicos. A

siderurgia brasileira foi submetida, nas últimas décadas, a profundas transformações,

decorrentes da revolução imposta pelas novas posturas internacionais em termos

comerciais, financeiros e tecnológicos, em função da globalização da economia e dos

impactos deste processo na realidade brasileira. Transformações estas iniciadas em 1988,

com as privatizações de menor porte, e mais enfaticamente no período 1991/93, com o

PND - Programa Nacional de Desestatização.

O processo de privatização, onde 100% da capacidade instalada da siderurgia

passou para o controle do setor privado, permitiu o fortalecimento da siderurgia, com

importantes benefícios para as empresas, as quais se libertaram de interferências políticas

e restrições comerciais, administrativas e financeiras, por outro lado, permitiu uma

concentração no setor jamais vista o que acabou por prejudicar o mercado, permitindo o

nascimento de um duopólio no setor de longos.

3.1. - As Privatizações

Para a internacionalização da siderurgia e consequente reestruturação, a

privatização teve papel determinante.

Page 23: A Concentração Econômica no Setor Siderúrgico de Vergalhões

A Privatização concentrou muito poder nas mãos de poucos grupos, fazendo com

que seus players buscassem racionalização de produtividade e dominassem tecnologias de

escala para terem vantagens em seus segmentos de atuação.

Concentração: fusões, incorporações e fechamento de unidades;

Tendência de enobrecimento de produtos;

Internacionalização das empresas;

Expansão da siderurgia no sudeste asiático;

A privatização foi determinante para a reestruturação do setor siderúrgico

brasileiro, influenciando a internacionalização das empresas, e desenvolveu novos

mecanismos de atuação, investiram em pesquisa e passaram a atuar na distribuição.

O processo de privatização da siderurgia brasileira teve duas etapas: em 1988 com

o Plano de Saneamento do Sistema Telebrás que privatizou as usinas de menor porte,

sendo a Cosim (1988), Cimetal (1989), Cofavi (1989), e Usiba (1989), que eram

produtoras de aços longos e foram absorvidas pelos grupos Gerdau e Villares; a segunda

etapa ocorreu no início da década de 90 (1990/93) com o Programa Nacional de

Desestatização (PND), onde foram vendidas as siderúrgicas de maior valor agregado e,

estratégicas no plano mundial.

O processo de reestruturação da siderurgia brasileira causou significativa redução

do número de empresas, conforme tendência mundial. Na década de 80, o setor era

composto por mais de trinta empresas que contavam com reserva de mercado via pesadas

alíquotas de importação e controle de preços internos pelo governo. No início da década

de 90, com o programa de privatização e abertura de mercado iniciou-se o processo de

reestruturação ampliando a competitividade do setor.

3.2 – Mercado siderúrgico de Produtos longos

Os laminados longos resultam do processo de laminação dos tarugos (ver nota 18

na página 28), sendo ofertados em aços carbono com baixo teor de ligas e aços

ligados/especiais, incluindo-se os de alto carbono.

Page 24: A Concentração Econômica no Setor Siderúrgico de Vergalhões

Em aço carbono tem-se os produtos: perfis leves, médios e pesados (eletrificação e

torres de transmissão); trilhos e acessórios ferroviários; vergalhões (construção civil) ; fio-

máquina (arames, trefilados, etc) e barras (automobilística, forjados e extrudados).

Em aços ligados, tem-se o produto: fio-máquina (parafusos e outros); barras (aço

para construção mecânica, ferramentas, inoxidáveis e para válvulas) e finalmente tubos

sem costura (petróleo e gás).O principal mercado local para aços longos especiais é a

indústria automobilística.

A produção de laminados longos no Brasil é distribuída entre três principais

empresas, com grande concentração nos Grupos Gerdau (49,5%) e na Belgo-Mineira

(40,9%), no caso dos laminados longos comuns. Nos laminados longos especiais, os

Grupos Villares e Gerdau têm 66,7% e 27,7%, respectivamente.

A produção do Grupo Gerdau é efetivada utilizando sucata, com redução em forno

elétrico (no conceito de mini mills), enquanto a da Belgo-Mineira é obtida em sua

principal unidade, através de alto forno, à base de carvão mineral e minério de ferro.

O Grupo Belgo-Mineira controla ainda quatro unidades industriais (Piracicaba,

Juiz de Fora, Cariacica e Itaúna) com processo tecnológico à base de forno elétrico e

sucata, à semelhança do Grupo Gerdau. Gerdau e Belgo ganharam market share ao longo

dos anos, por força da aquisição/incorporação de diversas empresas produtoras de

laminados longos, razão pela qual apresentam crescimento nas produções ano a ano.

Em contrapartida, a produção da outra produtora do setor (Barra Mansa), não vem

apresentando crescimento relevante nos últimos anos.

O modelo de concorrência perfeita existe somente em mercados competitivos, que,

segundo a teoria econômica moderna, são aqueles nos quais o número de empresas

vendendo um produto homogêneo é tão grande e a participação de cada um é tão pequena,

que nenhuma delas, individualmente, poderia influenciar o preço por meio de uma

variação da oferta de produtos10.

10 ROSSETTI, José Paschoal. Introdução à Economia – 18 ed. São Paulo: Atlas. 2000.

Page 25: A Concentração Econômica no Setor Siderúrgico de Vergalhões

Segundo Paula11, a literatura sobre concentração industrial na siderurgia foi

extremamente influenciada pelo trabalho de outro economista, Orris C. Herfindahl. Este

economista desenvolveu originalmente um dos índices de concentração mais utilizados no

mundo, que atualmente é conhecido como Herfindahl-Hirschman. Além da importância

deste indicador para o estudo de concentração em qualquer indústria, não se pode

esquecer que a própria tese de doutorado de Herfindahl foi sobre a indústria siderúrgica.

Ela foi defendida, em 1950, na Columbia University, sob o título de “Concentration in the

Steel Industry”.

Conforme Paula12, os primeiros anos da década de 80 foram dramáticos para os

produtores de aços longos comuns, por pelo menos três razões; a) várias empresas

estavam completando seus planos de expansão iniciados na década de 70; b) em 1984,

entrou em operação uma nova grande siderúrgica: a Mendes Jr.; c) algumas produtoras de

laminados longos especiais, frente à queda mais acentuada da demanda destes produtos,

intensificaram a fabricação de laminados longos comuns. Como a crise afetou mais

vigorosamente o segmento de laminados especiais, seus produtores fizeram um

downgrading13, acentuando a concorrência no segmento de longos comuns.

Com as mudanças, o parque nacional ficou composto por um grande número de

empresas, com produção de vergalhões. A partir de 1990, estas empresas, foram sendo

adquiridas, sendo umas fechadas e outras reestruturadas para funcionamento no contexto

concentrado. No contexto da abertura da economia brasileira e com o fim do mercado

protegido por tarifas, tornou-se primordial produzir com maior nível de qualidade e com

custos dentro da realidade mundial. No entanto, em 1996, já com a extrema concentração

no setor, o mercado se fechou criando uma barreira à entrada de concorrentes via

normatização de barras e fio de aços destinados à armadura para concreto estabelecido no

âmbito do Comitê Técnico de Certificação de Aços longos para construção civil -

ABNT/CTC-04, a NBR 7480/96 e posteriormente com a Portaria INMETRO 46/99.

11 PAULA, Germano Mendes. Setor de Aços Longos Comuns (Vergalhões). Instituto de Economia.

Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 1996.

12 PAULA, Germano Mendes. Setor de Aços Longos Comuns (Vergalhões). Instituto de Economia.

Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 1996.

13 Degradação

Page 26: A Concentração Econômica no Setor Siderúrgico de Vergalhões

Resumidamente, as principais condições de existência da concorrência perfeita no

mercado siderúrgico brasileiro de produtos longos passariam por um grande número de

compradores e vendedores, no entanto, os produtores estão limitados a três, conforme

indicados no quadro abaixo, já os compradores, estão pulverizados, sendo uma pequena

parcela de grandes construtoras que compram com preços diferenciados:

QUADRO 3.1

SETOR SIDERÚRGICO DE AÇOS LONGOS

PRODUTOS EMPRESAS

USINAS

INTEGRADAS

Laminados

Longos

Belgo Mineira (MG – ES) – Gerdau (MG)

USINAS

SEMI

INTEGRADAS

Laminados

Longos

Gerdau (CE – PE – BA – RJ – PR – RS) – Mendes Jr.

BMP (MG) – Barra Mansa (RJ) – Belgo Mineira

Dedini (SP) – Belgo Mineira-Itaúna (MG)

Fonte: BNDES (1998) Atualizado até Dezembro de 2003.

Somente com um grande numero de vendedores, onde nenhum desses pudessem

cobrar além do custo da mercadoria, somado com razoável retorno do investimento,

levaria à concorrência perfeita. No entanto, o preço histórico no mercado internacional

para vergalhões de aço é de US$220,00 sendo que neste momento com a alta demanda

chinesa chegou a US$420,00 enquanto que no Brasil, desde a concentração, os preços

praticados nunca foram inferiores a US$600,00 por tonelada. Caso contrário, em um

ambiente de concorrência perfeita, se um agente econômico tentasse elevar seus preços

acima daquele praticado por seus competidores, perderia mercado para seus concorrentes

que mantivessem o preço anterior.

Com a concentração no setor siderúrgico brasileiro o mercado caminhou para a

consolidação de dois grandes grupos com poder de mercado na área de longos (fio

máquina – vergalhões – arames):

Aços Longos:

Page 27: A Concentração Econômica no Setor Siderúrgico de Vergalhões

Gerdau: Açominas – Cia Sid. Pains – Aliperti – Usiba – Usinorte;

Belgo Mineira: Mendes Junior – Cofavi – Dedini – Itaunense, Belgo Mineira;

Votorantin: Cia. Siderúrgica de Barra Mansa.

Neste contexto, o princípio da livre concorrência teria um caráter instrumental ao

princípio da livre iniciativa, na medida em que constitui um dos elementos a balizar seu

exercício, a fim de que ela seja exercida dentro de suas finalidades, que é garantir o

equilíbrio do mercado, mantendo condições propícias à atuação dos agentes econômicos,

de um lado, e beneficiando os consumidores, de outro.

É importante notar, porém, que a livre concorrência não constitui um corolário da

livre iniciativa, vale dizer, não é uma consequência natural, ou um mero desdobramento,

dessa última. Com efeito, à medida que se constatou ser o mercado falho na alocação de

recursos e na manutenção do jogo concorrencial, não foi mais possível identificar a livre

concorrência como um subproduto da livre iniciativa.

Quanto ao seu conteúdo, o princípio da livre concorrência teria que ser identificado

com a liberdade de atuar nos mercados buscando a conquista de clientela, com a

expectativa de sua aplicação levar os preços do aço a níveis razoavelmente baixos,

chegando, no caso extremo de concorrência perfeita, o que não se percebe.

A liberdade jurídica de conquista da clientela pelos potenciais concorrentes deveria

somar-se a liberdade dos consumidores de usufruírem alternativas, ou seja, produtos

substituíveis; a substitubilidade por produtos similares, o que não é possível por causa da

barreira técnica, já citada, que impede a entrada no mercado brasileiro do aço para

construção CA-40, que é consumido em todo o mundo, com exceção de Brasil, Bolívia e

Paraguai.

Para a perfeita contextualização da concorrência nas siderúrgicas de longos no

mercado brasileiro, haveria necessariamente a implantação da seguinte estrutura, que

mesmo assim, em caso de combinações poderia apresentar falha14:

14 ROSSETTI, José Paschoal. Introdução à Economia. 18 ed. São Paulo: Atlas. 2000.

Page 28: A Concentração Econômica no Setor Siderúrgico de Vergalhões

Atomização. Onde o número de agentes compradores e vendedores fosse

de tal ordem que nenhum deles possuíssem condições para influenciar o

mercado. A expressão de cada um fosse insignificante no contexto. Suas

decisões, quaisquer que sejam, em nada interferissem no mercado. Esse

fosse totalmente despersonalizado (somente se nota no lado comprador).

As condições de equilíbrio prevalecentes não se modificassem sob a ação

de qualquer agente.

Homogeneidade. Neste caso, os produtos vindo dos produtores

brasileiros de longos, são substitutos perfeitos, considerando-se a norma

brasileira, e, é ofertado por todos os produtores brasileiros. Os aços

longos brasileiros são perfeitamente homogêneos, nenhuma empresa

diferencia o produto que oferece, mas, por outro lado, ao estabelecer

barreira à entrada, via norma técnica, não permite a entrada de produtos

substituíveis no mercado. A homogeneidade neste caso há de ser

observada não em relação ao produto, mas, a sua empregabilidade. Neste

sentido, os produtos CA-50 e CA-40 não são homogêneos entre si, mas

são substituíveis, sendo que ambos são empregados com a mesma

finalidade, ou seja, na construção civil.

Mobilidade. Cada agente comprador e vendedor atua independentemente de

todos os demais. A mobilidade é livre e não há qualquer acordo entre os que

participam do mercado. Também, não há restrições governamentais de

qualquer espécie. No mercado de produtos, empresas expandem ou reduzem

livremente suas plantas, sem que quaisquer reações sejam observadas;

ingressam e saem de quaisquer segmentos do mercado. No mercado de

recursos, como no de trabalho, por exemplo, os trabalhadores deslocam-se

livremente e com facilidade de uma região para a outra. Nada impede que se

tomem quaisquer decisões alocativas.

Permeabilidade15. Necessária para que não haja quaisquer barreiras para

entrada ou saída dos agentes que atuam ou querem atuar no mercado.

Barreiras técnicas, financeiras, legais, emocionais ou de qualquer outra

ordem não existem sob situação de perfeita concorrência.

15 ROSSETTI, José Paschoal. Introdução à Economia. “Ausência de barreiras de entrada ou saída dos agentes que atuam no mercado”. 18 ed. São Paulo: Atlas. 2000.

Page 29: A Concentração Econômica no Setor Siderúrgico de Vergalhões

Preço-Limite. Nenhum vendedor do produto pode em tese praticar preços

acima daquele que está estabelecido no mercado (aqui se entende mercado

mundial), resultante da livre atuação das forças de oferta e de procura. Em

contrapartida, nenhum comprador pode impor um preço abaixo do de

equilíbrio. O prelo-limite é dado pelo mercado. Define-se impessoalmente.

Ninguém o estabeleceu a não ser o mercado livre. Ele resulta de forças que

nenhum agente é capaz de comandar. Neste sentido, observa-se que o

mercado siderúrgico como um todo não apresenta um equilíbrio.

Extrapreço. Não há qualquer eficácia em normas de concorrência

fundamentadas em mecanismos extrapreço. A oferta de qualquer vantagem

adicionais, associáveis ao produto ou ao fator, não faz qualquer sentido. Esta

característica é subproduto da homogeneidade. Manobras extrapreço

descaracterizam o atributo da padronização.

Transparência. Por fim, o mercado deve ser absolutamente transparente.

Onde não haja qualquer agente que detenha informações mercadológicas

privilegiadas ou diferentes daquelas que todos detêm. As informações que

possam influenciar o mercado sejam perfeitamente acessíveis a todos. E

todos possam pactuar, em igualdade de condições, de decisões delas

decorrentes.

3.3 – Duopólio na Siderurgia Brasileira de Longos

O tema duopólio é recorrente na literatura de defesa da concorrência, em especial,

na siderurgia. Regra básica, o duopólio privado representa o outro lado da moeda,

comparado à concorrência perfeita. Caracteriza-se pela inexistência de competição no

mercado, no caso em estudo, na siderurgia de longos brasileira, no qual os atuais players16

demonstram poder para estabelecer o preço do produto no mercado brasileiro, ainda mais,

pela falta de substitubilidade do produto e determinar em concorrências públicas, quem

será o fornecedor de determinada obra.

16 Participantes do mercado Brasileiro de produtos longos: Belgo Mineira, Grupo Gerdau e

Grupo Votorantin.

Page 30: A Concentração Econômica no Setor Siderúrgico de Vergalhões

No caso verificado no mercado brasileiro, o duopólio, com duas empresas

determinando as regras de mercado e uma terceira acompanhando as decisões. Para a

caracterização de um duopólio, devem estar presentes três elementos: dois únicos

vendedores com poder de mercado, o produto que vendem ser único e, barreiras

substanciais impedindo a entrada de outras empresas no mercado.

QUADRO 3.2

Participação das Siderúrgicas de Vergalhões no Mercado Brasileiro

GRUPO/EMPRESA PARTICIPAÇÃO UNIDADES

Grupo Gerdau 49,5% Gerdau – Cosigua – Usiba – Pains –

Aliperti - Açominas

Belgo Mineira 40,9% Belgo Mineira – Dedini – Cofavi –

Mendes Júnior – Itaunense

Barra Mansa 9,6% Cia. Siderúrgica Barra Mansa

Fonte BNDES 1998. Atualizado até 2002.

Neste caso, o agente econômico, aqui considerado, o duopólio existente conforme

demonstrado no quadro acima, responsável por toda a produção, e sendo o total desta o

fator que fixa o preço do produto, por meio da relação de oferta e procura, claro,

considerando-se o aspecto do mercado relevante geográfico, poderá aumentar o valor

cobrado pelo produto, mediante redução de oferta, maximizando seus lucros17.

Um mercado relevante do produto compreende todos os

produtos/serviços considerados substituíveis entre si pelo consumidor

devido às suas características, preço e utilização. Um mercado relevante

do produto pode eventualmente ser composto por um certo número de

produtos/serviços que apresentam características físicas, técnicas ou de

comercialização que recomendem o agrupamento.

17 FONSECA, João Bosco Leopoldino. Lei de Proteção da Concorrência. 2. ed. São Paulo: Forense.

155 e 156 p.

Page 31: A Concentração Econômica no Setor Siderúrgico de Vergalhões

Um mercado relevante geográfico compreende a área em que as

empresas ofertam e procuram produtos/serviços em condições de

concorrência suficientemente homogêneas em termos de preços,

preferências dos consumidores, características dos produtos/serviços. A

definição de um mercado relevante geográfico exige também a

identificação dos obstáculos à entrada de produtos ofertados por firmas

situadas fora dessa área. As firmas capazes de iniciar a oferta de

produtos/serviços na área considerada após uma pequena, mas

substancial elevação dos preços praticados fazem parte do mercado

relevante geográfico. Nesse mesmo sentido, fazem parte de um mercado

relevante geográfico, de um modo geral, todas as firmas levadas em

conta por ofertantes e demandantes nas negociações para a fixação dos

preços e demais condições comerciais na área considerada18.

No monopólio, o produto da empresa monopolista não tem substituto. A

necessidade a que atende não tem como ser satisfeita por qualquer similar. Com a NBR

7480, o que se percebe é a completa ausência de alternativas. Ou comprarão do único

vendedor existente ou então não terão acesso aos produtos de sua necessidade. O preço

praticado se mostra então, maior do que aquele praticado se houvesse concorrência

perfeita, prejudicando consumidores, que pagam mais pelos mesmos produtos.

O monopólio caracteriza-se pela existência de uma única empresa apta a satisfazer

a demanda do mercado, sem a ameaça de entrada no mercado de outro agente para

concorrer. Aqui, especialmente tratamos de um duopólio em excelência, composto por

duas empresas e acompanhado por uma terceira com menor poder de mercado. A garantia

da não entrada de outro agente no mercado é exercida pela barreira técnica da NBR 7480

e, pelo próprio poder econômico das empresas detentoras de tecnologia e da produção de

fio-máquina e tarugos19, uma commoditie quadrada, ambos matéria prima para a produção

de vergalhões. Nota-se que a existência de um só produtor no mercado é muito rara, salvo,

conforme citado, nos casos de proteções legais, como as patentes.

18 ROSSETTI, José Paschoal. Introdução à Economia – 18 ed. São Paulo: Atlas. 2000.

19 Tarugos são barras quadradas com diâmetro de 95 X 95 a 160 X 160 medindo até 12 metros,

obtidos a partir da fusão do aço, commoditie com aplicação na fabricação de tubos laminados a quente

(Mannesman), fio-máquina (que é outra commoditie), vergalhões, perfis, tubos, etc.

Page 32: A Concentração Econômica no Setor Siderúrgico de Vergalhões

Para efeitos da aplicação da lei antitruste, porém, considera-se monopolizado o

mercado que tem uma empresa dominante e outras concorrentes comparativamente

pequenas, que não têm condições de enfrentar a monopolista. Esta última age de forma

independente e indiferente com relação às demais. Nos mercados monopolizados, a

fixação do preço e da quantidade produzida dá-se em bases bem diferentes da ocorrida em

outros regimes. Resumidamente, a informalidade de eventuais acertos favorece que eles

sejam frequentemente rompidos pelos produtores. Neste caso, o produtor influencia o

preço do bem controlando sua oferta, aliás, é em princípio igual à produção total do

mercado. Para maximizar seu lucro o monopolista produz uma quantidade menor do que

aquela que seria oferecida em condições competitivas.

Ao lado do conceito de mercado relevante geográfico, deve-se analisar a

possibilidade de dominação destes. Segundo Fonseca20, o domínio de mercado decorre

sempre de uma força econômica maior, de tecnologias mais avançadas, de organização

mais eficiente por parte de uma empresa no contexto do mercado.

Ao invés de produzir até que seu custo marginal se iguale ao preço, a conduta

racional esperada do monopolista é a produção até que seu lucro marginal – ou seja, o

preço que obtém pela unidade vendida a mais, menos seu custo de produção – seja igual

ao preço. Essa forma, obviamente, fixa o preço num patamar superior ao estabelecido em

concorrência, a este respeito leciona Shieber21:

“Conclui-se que „dominar os mercados nacionais‟ só é um abuso do

poder econômico quando conseguido „por meio de‟ as ações

delineadas nas alíneas „a‟ a „g‟ do item I, do art. 2º, e.g., ajuste ou

acordo entre empresas, aquisição de acervo de empresas, ou criação de

dificuldade à constituição ou ao funcionamento de uma empresa”.

20 FONSECA, João Bosco Leopoldino. Lei de Proteção da Concorrência. 2 ed. São Paulo: Forense.

2001. 156 p.

21 Shieber, Inocêncio. O Conceito de Dominação dos Mercados Nacionais na Lei Antitruste. São

Paulo: Revista dos Tribunais, v. 338. 1963. 36 p.

Page 33: A Concentração Econômica no Setor Siderúrgico de Vergalhões

Os prejuízos sofridos pelos consumidores em mercados monopolizados são

evidentes, pois há uma redução do consumo e um aumento do preço pago pelo bem. No

seu livro “Defesa da Concorrência e Globalização Econômica”, Nusdeo fala dos reflexos

sociais do monopólio22:

“Por outro lado, sob o ponto de vista da alocação geral de recursos, a

sociedade também perde com o monopólio. Ao excluir do acesso ao

produto uma faixa de consumidores que não está disposta ou

capacitada a adquiri-lo pelo novo preço, gera-se uma perda social”.

Segundo Paula23, até então não se verificava um cartel formalizado. O número

reduzido de produtores favorecia “acordos de cavalheiros”, que incluíssem metas de

colocação nos mercados interno e externo. O que se via, muitas vezes, eram acordos

fechados entre várias empresas, filiadas a ASP (Associação de Siderúrgicas Privadas), com o

objetivo de „sustentar a estrutura de mercado”. A ASP foi fundida com o Instituto Brasileiro

de Siderurgia, conservando a denominação deste último. Inexiste, também, um mecanismo

de coerção para eventuais descumprimentos destes acordos.

A informalidade de eventuais acertos favorece que eles sejam freqüentemente

rompidos pelos produtores. A compra da Cosinor permitiu ao grupo Gerdau consolidar

um virtual monopólio no mercado de laminados longos nas regiões Norte e Nordeste.

Até a concentração hoje verificada, a produção de produtos longos no Brasil era

assim representada:

22 NUSDEO, Ana Maria de Oliveira. Defesa da Concorrência e Globalização Econômica. São

Paulo: Malheiros. 2002. 39 p.

23 PAULA, Germano Mendes. Setor de Aços Longos Comuns (Vergalhões). Instituto de Economia.

Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 1996.

Page 34: A Concentração Econômica no Setor Siderúrgico de Vergalhões

QUADRO 3.3

Laminadores de Longos Comuns no Brasil Até 1996

Em Mil ton.

Aço Pf. Vg. F-M Tri. + Pf.

Br. + Vg.

Br. + Pf.

Br. + Pf. + Vg.

F-M + Vg.

F-M, Br. + Vg.

Total Lamin,

Trefil.

Açonorte 260 260 260 120

Aliperti 400 100 260 360

Barra Mansa 420 90 220 310 60

Belgo-Mineira Monlevade Cariacica

1320 1000

320

1100 1100

1100 1100

740 740

C.B.Aço 81 81 81

Cearense 87 77 77

Cofavi - 110 150 260

Comesa 48 44 44

Copala 18 18 18

Cosigua Santa Cruz Barão de

Cocais

São Gonçalo Trefilarias

1665 1000

240 325

130

130

490 370 120

730 730

1350 1100 120 130

309 190

15

104

Cosinor 120 100 100

CSN (aços longos)

- 290 290

Dedini 330 300 300

Ferroeste 130 96 96

Guairá 420 130 130

Itaunense 150 144 144

Mendes Jr. 600 1200 1200 200

Montepino (relam.)

- 90 90

Pains Divinópolis São José

Campos

450 450

60 60

120

120

200 200

120 120

40 40

540 420 120

96

60

Riograndense 300 260 345 605 265

Usiba 350 350 350 20

TOTAL 7019 90 508 1220 290 344 771 1501 1431 1550 7705 950 Fonte: Paula, Germano Mendes (1996).

Legenda: Pf = Perfis, Vg = Vergalhões, F-M = Fio-máquina, Tr. = Trilhos, Br = Barras, Lamin. = Laminados Trefil. =

Trefilados

Page 35: A Concentração Econômica no Setor Siderúrgico de Vergalhões

Esta estratégia fica evidenciada pela aquisição e posterior desativação das

atividades siderúrgicas da Usina do Cabo. Esta hipótese é, de certa forma, ratificada pelas

declarações do Sr. Jorge Gerdau Johannpeter, no dia de aquisição da empresa:

“Considerando a rentabilidade histórica da Cosinor, negativa, o preço foi muito alto”.24

Como o Grupo Gerdau foi obrigado a comprar os 10% reservados aos

funcionários, acabou-se desembolsando mais US$ 1,4 milhões. O Grupo investiu ao todo

US$ 15 milhões na compra da Cosinor. Em agosto de 1992, os setores de fundição,

mecânica e caldeiraria foram revendidos a Simioni Metalúrgica, uma empresa

especializada no fornecimento de maquinaria a usinas de açúcar e álcool baseadas em

Sertãozinho-SP, por US$ 6 milhões. O desembolso líquido acabou sendo de US$ 9

milhões.

Outro caso polêmico do grupo Gerdau, foi a operação envolvendo a empresa

Siderúrgica Laisa S/A (Grupo Gerdau) e a Korf GmbH (Cia. Siderúrgica Pains). Trata-se

da aquisição pela Siderúrgica Laisa S/A da totalidade das quotas da empresa Korf GmbH,

que, por sua vez, era acionista majoritária da Cia. Siderúrgica Pains (quarta empresa

produtora no mercado nacional de aços longos comuns). A operação envolveu também a

integração vertical no mercado relevante de desenvolvimento e comercialização de

tecnologia para processos siderúrgicos, comércio de produtos siderúrgicos e produção de

ferro gusa. Com essas operações, o Grupo Gerdau atingiu o percentual de 49,5% do

mercado relevante brasileiro de aços longos comuns (vergalhões, barras e perfis e fio-

máquina), ao mesmo tempo em que eliminou alguns concorrentes.

Conforme Paula25, o segundo grupo mais importante do duopólio, com cerca de

41% do mercado relevante de aços longos comuns é a Companhia Siderúrgica Belgo-

Mineira. Sua trajetória e a estrutura produtiva e as estratégias adotadas divergem-se

daquelas verificadas no Grupo Gerdau.

24 Gazeta Mercantil. São Paulo, 15 de novembro de 1991 – página 32.

25 PAULA, Germano Mendes. Setor de Aços Longos Comuns (Vergalhões). Instituto de Economia.

Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 1996.

Page 36: A Concentração Econômica no Setor Siderúrgico de Vergalhões

A Belgo-Mineira se confunde com a evolução da siderurgia brasileira e, em

particular, das produtoras integradas à base de carvão vegetal. As instalações iniciais da

Belgo-Mineira correspondiam a um alto-forno em Sabará, que tinha entrado em operação

em novembro de 1920. Em 1925, a chamada Usina de Siderúrgica (Sabará) tornou-se a

primeira usina integrada da América do Sul, isto é, fabricava desde o ferro gusa até o

produto final. Na década de 70, a laminação de perfis de Sabará foi desativada, mantendo-

se em operação um alto-forno (construído em 1975), a aciaria Siemens-Martin e a

trefilaria. A aciaria adotou, em dezembro de 1979, o processo sopro combinado, mas foi

desativada no início de 1983. Em janeiro de 1996, foi anunciada para março do mesmo

ano a desativação da área de fundição de Sabará26.

Em 1935, a Belgo-Mineira iniciou a construção da usina de João Monlevade-MG,

até hoje a principal planta da empresa. O primeiro alto-forno entrou em operação em julho

de 1937, e a aciaria em abril de 1938. Em janeiro de 1940, foram inauguradas a laminação

e a trefilaria. A usina, também integrada a carvão vegetal, tinha uma capacidade inicial de

50 mil toneladas. Na verdade, apenas em 1943, todos os trabalhos foram completados,

incluindo a instalação do laminador de trilhos, elevando a capacidade para 100 mil

toneladas de aço. Um terço da produção constituía-se de trilhos, enquanto a maior parte do

restante da produção era de arame farpado.

De 1924 a 1946, a produção anual brasileira evoluiu de 4,5 para 342 mil toneladas,

sendo a Belgo-Mineira responsável por 70% da produção. Em maio de 1947, foi

inaugurada a fábrica de tubos soldados e em janeiro do ano seguinte a galvanização de

tubos. A primeira sinterização27 que funcionou na América do Sul foi igualmente instalada

em Monlevade, operando a partir de setembro de 1948. E, em outubro de 1949, foi

comissionado o laminador “Steckel”, fabricando chapas para a planta de tubos e venda a

terceiros. Finalmente, a Belgo-Mineira instalou, em outubro de 1957, a primeira aciaria

LD do continente americano, com uma capacidade de 240 mil toneladas (ABM, 1975:

73). A Belgo-Mineira foi a sexta usina do mundo a implantar os conversores LD.

26 Folha de São Paulo. São Paulo, 12 de janeiro de 1996 – caderno 2, página 1.

27 Tipo de processo de beneficiamento do minério de ferro.

Page 37: A Concentração Econômica no Setor Siderúrgico de Vergalhões

Desde finais dos anos 40 e início dos 50, a Belgo-Mineira começou a desenhar

duas de suas principais estratégias. De um lado, a crescente importância dos trefilados no

mix de produtos. Em 1947, começou a construção da Cimaf, dedicada à fabricação de

cabos, arames e parafusos. Em 1963, entrou em operação a Trefilaria de Contagem, com

capacidade nominal de 100 mil toneladas, que teve seu maquinário transferido da Usina

de Monlevade. Em março de 1968, foi inaugurado um novo trem contínuo de fio-máquina

Morgan, de 300 mil toneladas, em Monlevade. Em novembro de 1972, este laminador foi

reformado, passando a contar com três blocos acabadores tipo No Twist e ampliando a

capacidade de produção para 500 mil toneladas de fio-máquina.

A centralização dos esforços da Belgo-Mineira na área de trefilados foi acentuada

quando ela se retirou de alguns segmentos de tubos e perfilados. O Laminador “Steckel”

(de 120 mil toneladas) foi paralisado em janeiro de 1971, enquanto o de tubos com costura

(24 mil toneladas) em dezembro do mesmo ano. Finalmente, em fevereiro de 1974, foram

desativados os laminadores de trilhos e perfis, com capacidade conjunta de 60 mil

toneladas. Em contrapartida, foram instalados uma nova sinterização (em fevereiro de

1978) e um novo alto-forno de grande maior (em dezembro de 1980), este último a custo

de US$ 36 milhões.

A partir de 1985, a Belgo-Mineira colocou em operação quatro equipamentos

muito importantes. No ano de 1985 propriamente dito, entrou em operação a nova aciaria

LD, com capacidade de 1 milhão de toneladas, permitindo a desativação dos fornos

Siemens-Martin (de Sabará e Monlevade) e da aciaria LD instalada em 1957, cuja

capacidade instalada já tinha sido incrementada para 550 mil toneladas. Já os starts-up do

forno-panela e do lingotamento contínuo (400 mil toneladas e US$ 30 milhões) foram,

respectivamente, em 1986 e 1988. Estes investimentos culminaram, na inauguração em

setembro de 1991, do segundo Laminador Morgan No Twist, a um custo de US$ 110

milhões. Com este novo equipamento, a capacidade de laminação aumentou de 770 mil

para 1,043 milhão de toneladas.

Page 38: A Concentração Econômica no Setor Siderúrgico de Vergalhões

O Grupo Belgo-Mineira controla ainda quatro unidades industriais (Itaúna,

Piracicaba, Juiz de Fora e Cariacica) com processo tecnológico à base de forno elétrico e

sucata, à semelhança do Grupo Gerdau.

Gerdau e Belgo ganharam market share ao longo dos anos, por força da

aquisição/incorporação de diversas empresas produtoras de laminados longos, razão pela

qual apresentam crescimento nas produções ano a ano.

Essa estrutura de mercado oligopolista permite estabelecer conduta restritiva à

concorrência entre os integrantes, até mesmo, sem comunicação expressa. Trata-se do

chamado comportamento interdependente, através do qual os agentes restringem sua

produção a fim de chegar a um preço de mercado próximo ao que seria fixado por um

único monopolista.

3.4 – Siderurgia: Oligopólio e Concorrência Imperfeita

O setor siderúrgico, um dos primeiros atingido pelas privatizações brasileiras, vem

desde o período citado passando por um claro processo de concentração. O Grupo Gerdau

explicitamente adquiriu a Cosinor como o objetivo de fechá-la diminuindo assim a

concorrência no subsetor de aços não-planos.

A incorporação da Cosinor não sofreu maior resistência. Quando a Gerdau tentou

repetir o mesmo procedimento com a Siderúrgica Pains chegou a haver certa resistência

do CADE, no entanto intervenção do Ministro da Justiça Nelson Jobim demonstrou apoio

a iniciativa da Gerdau que acabou obtendo o seu intento. Posteriormente a Secretaria de

Direito Econômico recomendou por parecer no Processo Administrativo

08012.004086/2000-21, a condenação das empresas Gerdau, Belgo Mineira e Barra por

formação de um oligopólio cartelizado na siderurgia.

Como já deve estar claro, essa última discussão não pretende ser exaustiva, mas

apenas apontar evidências iniciais de que a privatização no Brasil não contribuiu para

Page 39: A Concentração Econômica no Setor Siderúrgico de Vergalhões

aumentar a competitividade nos setores atingidos. O que provavelmente tornará

irrelevante o efeito das mesmas sobre a eficiência das empresas.

O oligopólio caracteriza-se pela existência de um número reduzido de produtores

num determinado mercado relevante ou, ainda, pela atuação de um número reduzido de

produtores de grande porte, coexistindo com concorrentes bem menores, sem condições

de alterar as condições do mercado:

Quadro 3.5 QUADRO RESUMO DAS ESTRUTURAS DE MERCADOS BÁSICAS

$ Número

de

Empresas

Diferenciação

do produto

Condições

de Entrada e

saída

Controle

sobre o

preço

Exemplo

Concorrência

Perfeita Muitos

Produtos

Padronizados Fácil Nenhum Agricultura

Concorrência

Monopolística Considerável

Produto

Diferenciado

Relativamente

Fácil Leve Restaurantes

Monopólio Um Produto

único Bloqueada Forte

Utilidades

públicas

Oligopólio Poucas Diferenciado

Padronizado Difícil Considerável

Automóveis

Aços

Fonte: ROSSETTI, José Paschoal. Introdução à Economia.

Esta é a estrutura mais complexa cuja disciplina incumbe às normas antitrustes. A

política de privatizações realizadas no Brasil não parece ter levando em conta a tendência

à concentração empresarial nos setores atingidos. Ou pior, parecem ter desconsiderado

que a substituição de um monopólio estatal por um monopólio privado não traz nenhum

ganho de eficiência no longo prazo. As conseqüências dessa falha já começam a aparecer.

Eles são visíveis até mesmo na grande imprensa e mais ainda nos processos que estão

sendo submetidos ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) desde o

início dos anos 90.

A existência de poucos concorrentes propicia a prática do cartel – acordo expresso

entre competidores para a regulação da concorrência no mercado relevante.

Page 40: A Concentração Econômica no Setor Siderúrgico de Vergalhões

QUADRO 3.4

ESTRUTURA DE NEGÓCIOS DO GRUPO BELGO-MINEIRA

(mil toneladas) Empresa Localização Data

Implantação

Atividade Minério

de Ferro

Aciaria Lami-

nação

Trefilaria

Belgo-

Mineira

Sabará, MG. 1925 Arames - - - 110

João Monlevade,

MG.

1937 Siderurgia - 1.000 1.100 -

Contagem, MG. 1959 Arames - - - 340

Cariacica, ES 1993 Aciaria - 320 - -

Cimaf Osasco, SP. 1947 Cabos - - - 50

BMB Vespesiano, MG. 1975 Cordonéis

Aço

- - - 33

Jossan Feira de Santana,

BA.

1982 Arames - - - -

Brazaço

Mapri

São Paulo, SP. 1986 Parafusos - - - 24

Bemaf Sumaré, SP. 1986 Arames

Finos

- - - -

Dedini Piracicaba, SP. 1994 Siderurgia - 330 - -

Mendes Jr. Juiz de Fora, MG. 1995 Siderurgia - 720 1.200 220

Itaúna Itaúna, MG. 2000 Siderurgia - - 1.200 -

Bekaert Itaúna, MG. 1998 Siderurgia - - - 500

TOTAL 22.600 2.370 3.500 1.277 Fonte: Paulo, Germano Mendes (1996).

Page 41: A Concentração Econômica no Setor Siderúrgico de Vergalhões

4 CONCENTRAÇÂO E CARTELIZAÇÃO NA SIDERURGIA

Segundo Fonseca28, a concorrência no mercado decorre de um conjunto de

condições que permite a todos os agentes do mercado recorrer à compra e venda de forma

a que cada um possa alcançar seus objetivos sem ferir, desarrazoadamente, as metas

pretendidas pelos demais. Entende-se que nesse jogo de interesses se propicie a formação

dos preços pelo ajustamento espontâneo e recíproco da procura e da oferta, assegurando-

se a compradores e vendedores plena liberdade de comportamento. O justo preço seria

assim o resultado da interatuação de todos os integrantes do mercado, que atenderiam à

sua maior vantagem individual.

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu um novo quadro jurídico-econômico

no Brasil. Com a retirada do Estado como agente de atividades econômicas, dando-se

ênfase ao seu papel regulador. Uma economia de mercado tem no seu centro a

preocupação com a concorrência entre as empresas, sempre dentro de um contorno de leis

e de instituições com competência para aplicar as leis garantidoras da liberdade de

concorrência.

A partir de 1988, o direito à concorrência é uma garantia constitucional,

disciplinado no artigo 170 da Constituição Federal de 1988, que delegou à lei ordinária a

sua regulação, sendo esta a Lei 8.884 de 1994.

Com a delegação, no direito brasileiro, os artigos 20 e 21 da Lei 8.884 de 1994,

previram as infrações à livre concorrência, artigos estes que se confundem com a relação

de acusações que são feitas às siderúrgicas brasileiras de produtos longos.

A reestruturação do setor siderúrgico brasileiro praticamente criou um monopólio

privado, no caso em estudo, do setor de longos, propriamente ditos, de vergalhões para a

construção civil. Necessário reconhecer que o processo dinâmico de redução significativa

28 FONSECA, João Bosco Leopoldino. Lei de Proteção da Concorrência. 2 ed. São Paulo.

Forense. 2001. 156 p.

Page 42: A Concentração Econômica no Setor Siderúrgico de Vergalhões

do número de competidores vem seguindo uma tendência mundial e coincidindo com a

privatização da siderurgia no país.

A revista ISTOÉ DINHEIRO 33729 de 18/02/2004 trouxe importante matéria

relativa ao relatório de nº 08012.004086/2000-21 da Secretaria de Direito Econômico que

recomenda a condenação das empresas, a saber, Cia. Siderúrgica Belgo Mineira, Grupo

Gerdau e Cia Siderúrgica Barra Mansa, por infrações cometidas a ordem econômica. O

relatório com 188 páginas resumido pela revista descreve uma reunião entre executivos

das siderúrgicas Gerdau, Barra Mansa e Belgo Mineira para a formação de um cartel do

aço. A revista descreve o relatório como explosivo. As denúncias nasceram no Secovi e

no Sinduscon paulistas, as entidades que representam corretores e empresas de construção

civil, e foram protocoladas na Secretaria de Acompanhamento Econômico em setembro

de 2000.

O ponto alto do documento é a descrição de uma reunião ocorrida em 18 de março

de 1999, em Belo Horizonte, no escritório da Belgo Mineira situado na Avenida dos

Andradas. Lá estavam representantes das áreas comerciais das três companhias. Nas

investigações feitas pelos técnicos da SDE, conseguiu-se o depoimento de um dos

participantes.

Ele declarou que o tema da reunião era a divisão de mercados e a combinação de

preços. Nos dois anos seguintes a este encontro, o preço do vergalhão de aço, principal

insumo da indústria da construção civil, subiu cerca de 40% no mercado nacional. “Não

houve justificativa econômica para esta escalada de preços”, afirmou à repórter Fabiane

Stefano o vice-presidente do Sinduscon de São Paulo, Eduardo Zaidan. “Acreditamos que

foi o efeito do cartel”.

O parecer da SDE sustenta que a Gerdau, a Belgo Mineira e a Barra Mansa,

pertencente ao grupo Votorantin formaram um triângulo no qual uma não aceitava cotar

preço de aço para os clientes preferenciais das outras duas ou, quando aceitava, oferecia

sempre um preço mais alto. Um esquema traçado a partir do encontro secreto de Belo

29 Istoé Dinheiro. 337. São Paulo, fevereiro de 2004. 28 a 31 pp.

Page 43: A Concentração Econômica no Setor Siderúrgico de Vergalhões

Horizonte que visava segregar áreas de vendas. Na expressão cunhada no relatório, as

companhias criaram “currais” de consumidores.

Conforme já foi citado no presente trabalho, até final da década de 80, o setor

siderúrgico brasileiro era composto por mais de trinta grupos que atuavam em cenário de

reserva de mercado, via altas alíquotas de importação, e preços administrados pelo

governo.

No começo dos anos 90, com o programa de privatização e a abertura da

economia, se iniciou um processo de concentração no sentido de ampliar a

competitividade do setor no novo cenário globalizado, o que acabou não se observando

dada à materialidade do cartel que passou no mínimo a:

Impedir a entrada de novos competidores no mercado, em afronta ao inciso IV e V

do artigo 21 da lei 8.884/94;

Praticar preços uniformes no mercado, em afronta ao inciso I do artigo 21 da lei

8.884/94;

Uniformizar conduta comercial concertada em ofensa ao inciso II do artigo 21 da

lei 8.884/94;

Dividir o mercado de construtoras, sendo que uma construtora não consegue

comprar aços de mais de um fornecedor do grupo, em ofensa ao inciso III do artigo

21 da lei 8.884/94;

Criar dificuldades à constituição de empresa concorrente, sendo o fato observado

em relação às siderúrgicas Itaunense e Mendes Junior, em ofensa ao inciso VI do

artigo 21 da lei 8.884/94;

O que se percebe é que é utópica a idéia de que na globalização o Estado possa agir

como regulador do mercado.

Page 44: A Concentração Econômica no Setor Siderúrgico de Vergalhões

O pensamento filosófico de hoje, entende que a concorrência se dá de mercado

para mercado, e com o fluxo de capitais30, o Estado é simplesmente refém do mercado.

Não se percebe, no caso brasileiro, a “mão invisível” controlando e regulando este

mercado.

A concentração do setor de aços longos comuns no Brasil apresentou crescimento

acentuado nas duas últimas décadas. Atualmente o número de competidores no Brasil

ficou restrito ao Grupo Gerdau e Belgo Mineira, seguidos pela presença da Cia.

Siderúrgica Barra Mansa, de acordo com o quadro:

QUADRO 4.1

Participação das Siderúrgicas de Longos no Mercado Brasileiro

GRUPO/EMPRESA PARTICIPAÇÃO UNIDADES

Grupo Gerdau 49,5% Gerdau – Cosigua – Usiba – Pains –

Aliperti - Açominas

Belgo Mineira 40,9% Belgo Mineira – Dedini – Cofavi –

Mendes Júnior – Itaunense

Barra Mansa 9,6% Cia. Siderúrgica Barra Mansa

Fonte: BNDES (1998).

No contexto atual, a dominação do mercado brasileiro pelas empresas dominantes

depende da parcela do mercado detida. Quanto maior a parcela de mercado, mais as

empresas dominantes se assemelham a monopolistas. As últimas concentrações

registradas tiveram impacto negativo, acentuando o domínio do mercado pelo Grupo

Gerdau e pela Belgo Mineira.

Neste contexto, há um modelo de duopólio concentrado. Porém, não se observa no

mercado um acirramento da concorrência entre as duas maiores, que, de fato, dividem o

mercado brasileiro de vergalhões e fio de aço em prejuízo à ordem econômica.

30 CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. São Paulo: Paz e Terra. 1999.

Page 45: A Concentração Econômica no Setor Siderúrgico de Vergalhões

O que está em jogo é o completo domínio do mercado siderúrgico de vergalhões e

fios de aço. Segundo observado por Paula31, “Não existe, um cartel formalizado. O

número reduzido de produtores favorece „acordos de cavalheiros‟, que incluem metas de

colocação nos mercados interno e externo. Não existe, porém, um mecanismo de coerção

para eventuais descumprimentos destes acordos. Resumidamente, as informalidades de

eventuais acertos podem e são freqüentemente descumpridas pelos produtores32”.

Concordamos parcialmente com a posição, haja vista que a simples formalização

de um cartel, já seria crime tipificado nas leis brasileira e internacional. O baixo número

de fornecedores favorece a combinação de regras que, de maneira nenhuma seriam

divulgadas.

Observa-se a divisão de mercado, uma vez que construtoras instaladas nas regiões

metropolitanas não conseguem comprar de uma siderúrgica diferente da que lhe fornece.

Por exemplo, se determinada construtora é cliente Belgo Mineira, esta não consegue

adquirir vergalhões de Gerdau ou Barra Mansa e assim sucessivamente, ou seja, uma obra

iniciada com determinada marca de vergalhão, terminará fatalmente sem alternância do

produto. Não há concorrência33.

Ao longo dos anos, bilhões de dólares foram movimentados no mercado

siderúrgico, com aquisições de participações acionárias, aplicações em mercado de

capital, sendo que quanto maior o lucro, o risco acompanha em igual escala34:

31 PAULA, Germano Mendes. Setor de Aços Longos Comuns (Vergalhões). Instituto de Economia.

Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 1996.

32 PAULA, Germano Mendes. Setor de Aços Longos Comuns (Vergalhões). Instituto de Economia.

Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 1996.

33 SECRETARIA DE DIREITO ECONÔMICO. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Departamento de

Proteção e Defesa Econômica. Processo Administrativo 08012.004086/2000-21. Brasília. 2003

34 CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. São Paulo: Paz e Terra. 1999.

Page 46: A Concentração Econômica no Setor Siderúrgico de Vergalhões

Quadro 4.1

Processos de Concentração Econômica na Siderurgia Brasileira de Aços Longos

Caso Legislação Forma e Decisão

Cosinor/

Gerdau

8.158/91 Denúncia por Potenzinha (empresa dos funcionários) antes do

fechamento da empresa, com base no abuso do poder econômico. O

grupo Gerdau não necessitou encaminhar consulta prévia para

aquisição, em função da legislação do programa de privatização não

exigir este procedimento. Situação: finalizado.

Açominas/

Mendes Jr.

8.158/91 Consulta da Mendes Jr. à Secretaria de Direito Econômico do

Ministério da Justiça. O caso de verticalização recebeu parecer

favorável da SDE/MF em janeiro de 1994. Situação: aprovado

Korf-Pains/

Gerdau

8.884/94 Consulta do Grupo Gerdau á Secretaria de Direito Econômico do

Ministério da Justiça, apesar da transação ser internacional: a

adquirente é a Laísa (Uruguai) e a vendedora é o Metallgesselchaft

(Alemanha). Duas questões foram consideradas: aumento do poder de

mercado do Gerdau e a possibilidade de utilização da tecnologia de

aciaria EOF pelo grupo. Situação: aprovado.

Dedini/

Belgo-Mineira

8.884/94 Consulta da Belgo-Mineira à Secretaria de Direito Econômico do

Ministério da Justiça. O ponto central é o aumento do poder de

mercado. Situação: aprovada.

Mendes Jr. /

Belgo-Mineira

8.884/94 Consulta da Belgo-Mineira à Secretaria de Direito Econômico do

Ministério da Justiça. Deve considerar os riscos de fechamento da

usina. Situação: aprovado.

Cofavi/

Belgo Mineira

8.884/94 A Cia. Ferro e Aço Vitória no Espírito Santo era arrendada da massa

falida pela Cia. Siderúrgica Belgo Mineira. Houve em 2004 o leilão da

empresa que foi adquirida pela Belgo Mineira. Situação: A AMIDA –

Associação Mineira dos Distribuidores de Aço denunciou o fato a SDE

uma vez que o CADE não foi comunicado.

Fonte: Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda

A Belgo Mineira passou a fazer parte do gigante mundial de aços Arcelor, a partir

de 2002 com a fusão de três grupos siderúrgicos europeus: o luxemburguês Arbed que era

o proprietário da Belgo Mineira, o espanhol Aceralia e o francês Usinor.

Percebe-se como é sintomática a questão do cartel no mercado brasileiro.

Page 47: A Concentração Econômica no Setor Siderúrgico de Vergalhões

O grupo Arcelor é o segundo maior grupo individual produtor de aços no mundo,

perdendo apenas para o chinês Baosteel. Segundo a edição 812 da revista EXAME de 03

de março de 2004, o grupo Arcelor mostrou seu primeiro balanço em 18 de fevereiro de

2004. Houve um faturamento de 33 bilhões de dólares com um lucro inexpressivo, de 326

milhões de dólares. A Belgo Mineira com um faturamento da ordem de 1,3 bilhão de

dólares apresentou lucro estimado entre 250 e 300 milhões equivalente a mais de 80% de

todo o lucro obtido por todo o grupo Arcelor. Evidente que esta média jamais seria

alcançada, não fosse a característica de cartel existente no mercado brasileiro sendo a

empresa parte integrante deste.

Page 48: A Concentração Econômica no Setor Siderúrgico de Vergalhões

Conclusão

O setor siderúrgico de laminados longos para a construção civil, a partir de 1990

sentiu grande liberdade de atuação. Concentrou-se, cartelizou-se e hoje, mesmo na

vigência da Lei 8.884 de 1994, continua violando pontos da lei antitruste brasileira,

impedindo, com base em normas internas a entrada de novos concorrentes no mercado.

Os preços praticados no mercado continuam uniformes, o que contraria o inciso I

do artigo 21 da Lei 8.884/1994.

O mercado de construtoras continua dividido e, para citar somente dois exemplos

entre vários, toda a nova estrutura do aeroporto de Congonhas, concluída neste ano, foi

edificada com aços Gerdau, pela construtora Norberto Odebrecht que na divisão de

mercado parece pertencer àquela construtora e, mais próximo, toda a estrutura da

FADOM, campus verde, foi edificada pela construtora Sengel de Belo Horizonte, com

aços Belgo Mineira, sendo que esta mesma construtora edificou o SESI de Bom Despacho

Minas Gerais, com o mesmo aço, ou seja, não se verifica a esperada concorrência no setor

de longos.

É evidente que o Programa Nacional de Desestatização concentrou muito poder

nas mãos de um resumido grupo empresarial. As características estruturais da siderurgia

naquele momento favoreciam uma alta concentração industrial. E num contexto de

reduzido comércio internacional, a estratégia empresarial mais provável era agir de modo

cooperativo, seja através de conluio ou mediante um cartel formalizado.

Ocorreu que no início dos anos 80, algumas produtoras de laminados longos

especiais, frente à queda mais acentuada da demanda destes produtos, intensificaram a

fabricação de laminados longos comuns. Como a crise afetou mais vigorosamente o

segmento de laminados especiais, seus produtores acentuaram a concorrência no

segmento de longos comuns, produzindo vergalhões.

Em 1996 já com a extrema concentração no setor, o mercado se fechou criando

uma barreira à entrada de concorrentes via normatização de barras e fio de aços destinados

à armadura para concreto estabelecido no âmbito do Comitê Técnico de Certificação de

Page 49: A Concentração Econômica no Setor Siderúrgico de Vergalhões

Aços longos para construção civil - ABNT/CTC-04, a NBR 7480/96 e posteriormente

com a Portaria INMETRO 46/99.

O crescimento da concentração de mercado no segmento de vergalhões foi muito

mais pronunciado do que o verificado com a concentração no que se refere às plantas,

como seria de se esperar. Constatou-se uma trajetória de concentração entre os anos de

1990-96 com ênfase nas Siderúrgicas Gerdau e Belgo Mineira que incorporaram as outras

empresas do setor, fechando algumas plantas, a exceção foi a siderúrgica Barra Mansa. A

padronização do vergalhão CA-50A no mercado brasileiro foi fundamental para

consolidação do cartel que passou a contar com uma barreira técnica à entrada de

concorrentes no mercado brasileiro.

No caso das siderúrgicas de longos, todos os setores da economia nacional onde o

Estado deixou de atuar, recebeu uma agência reguladora. Assim com o explícito cartel do

setor de vergalhões da siderurgia brasileira, acreditamos que a única forma de controle

seria com a implantação de agência reguladora do setor.

Os números brasileiros mais recentes também surpreendem. A primeira

condenação por cartel no Brasil ocorreu em 1999. Empresas do setor siderúrgico foram

multadas ao equivalente a 1% do seu faturamento no ano anterior. Até bem pouco tempo,

essa era a única condenação de cartéis ocorrida no Brasil.

A maior dificuldade até hoje para a celebração dos acordos de leniência está no

fato de que, como se viu acima, os cartéis no Brasil são também crimes. Segundo afirmou

o Secretário de Acompanhamento Econômico, Cláudio Considera, o Cade e o Ministério

Público ainda não chegaram a um acordo sobre a viabilidade da extinção da punibilidade

ser declarada mediante o cumprimento do acordo de leniência, mas estão em vias de

superar esse entrave.

Page 50: A Concentração Econômica no Setor Siderúrgico de Vergalhões

Obras Consultadas:

CUNHA, Ricardo T. Direito de Defesa da Concorrência. São Paulo: Manole. 2003.

EICHENGREEN, Barry. A Globalização do Capital. São Paulo: Ed. 34. 2000.

GLÓRIA, Daniel Firmato de Almeida. A Livre Concorrência como Garantia do

Consumidor –– São Paulo: Del Rey. 2003.

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