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A charge na sala de aula e uma proposta de leitura crítica: saberes necessários à
(auto)reflexão de uma aprendizagem contextualizada no cotidiano escolar
Janicleide Vidal Maia
Universidade Federal do Ceará
Ana Paula Martins Alves Universidade Estadual do Ceará
Resumo: Este trabalho tem por objetivo apresentar e analisar uma proposta de trabalho
realizada com uma turma de alunos do ensino fundamental, pertencente à rede pública
cearense. Para realizarmos tal intento, baseamo-nos nas propostas de Carraher (1983),
Fiorin (1988),Grogoletto (1995) e Maia (2011). As oficinas foram realizadas durante o
ano de 2012. Visando ao desenvolvimento de estratégias na perspectiva de fomentar a
leitura crítica, nossa hipótese foi que o gênero charge, devido às características que lhe
são peculiares, tais como seu forte aspecto temporal, seu teor irônico e crítico, traz em
seu bojo, temáticas ricas que propiciam a discussão em sala de aula e, por conseguinte, a
análise crítica dos textos. Nesse sentido, desenvolvemos atividades que evidenciassem,
por meio das reflexões em sala, o caráter ideológico e responsivo da linguagem
(BAKHTIN, 2010), o texto como um documento revelador de ideologias, de crenças e
de valores (GRIGOLETTO, 1995) e a leitura das charges no debate de temas do
cotidiano do aluno na perspectiva de fazê-lo refletir e agir criticamente. Os resultados
obtidos nos mostraram que é imprescindível que se respeite na sala de aula a autonomia
e identidade do educando, para que o protagonismo do aprendiz possa se manifestar na
perspectiva da promoção do empoderamento necessário para não simplesmente
aprender, mas aprender para transformar sua condição e realidade social. Ademais, faz-
se necessário ao professor uma reflexão e formação voltada nesse (novo) contexto social
marcado pela semiose visual e, assim, estar apto a inserir na aula de leitura textos que,
ultrapassando as fronteiras linguísticas, constituem-se por meio de imagens, símbolos,
gráficos e desenhos.
Palavras-chave: Charge, leitura crítica, aprendizagem contextualizada.
1. Introdução
Ler não significa apenas emitir sons. Esse pensamento certamente se deve à
concepção tradicional de leitura que, por muito tempo, permeou (e quiçá ainda permeie)
alguns universos escolares. Todavia, a leitura não se limita à simples decifração, emitir
sons não significa ler. O ato de ler exige compreensão. Sendo assim, o pré-requisito
para que se efetue a leitura é a compreensão e não a simples emissão de sons.
Ser professor de língua portuguesa, nesse contexto social marcado pela
semiose visual, implica também saber que o texto ultrapassou as fronteiras linguísticas e
se constitui por meio de imagens, símbolos, gráficos e desenhos. Levando em
consideração as peculiaridades do texto não-verbal, pode-se dizer que a compreensão
deve estar atrelada a outras estratégias que independem da decifração de sons.
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Em relação à critica, é bem comum também a ideia de que criticar significa
simplesmente contestar algo, emitir opinião contrária ao assunto em questão. Essa, no
entanto, é uma visão cerceada do ato de criticar. Dessa maneira, quando se pretende
suscitar o debate crítico entre os alunos, faz-se necessário, primeiramente, que o
professor levante o questionamento do que seja uma análise crítica, para só depois
abordar o tema criticidade em sala de aula. Logo, a formação do leitor crítico perpassa
pela conscientização da significação: avaliar criticamente.
Destarte, é pertinente a indagação por parte do professor de língua portuguesa:
É possível, por meio do gênero discurso charge, desenvolver uma proposta de leitura
que desenvolva uma estratégia capaz de contemplar a leitura crítica? A resposta a essa
problemática ou simplesmente o norte que nos levaria à resposta nos veio a partir da
decisão de pesquisar o gênero charge no Mestrado. A discussão que fazemos neste
trabalho é fruto da pesquisa de Maia (2011) a respeito da leitura crítica de charges
jornalísticas.
2. A leitura tradicional no cotidiano escolar
Há uma predominância muito forte, na sala de aula, de priorizar a leitura dos
textos dispostos no livro didático. Aliás, o livro didático em muitos casos, é o único
material utilizado em sala. Não há como negar a abrangência e a força que esse recurso
pedagógico possui dentro da escola. Em alguns casos, parece ser a única
responsabilidade do poder público, comprar o livro e enviá-lo para as unidades de
ensino, como se nada mais necessitasse ser feito, a missão estivera cumprida com o
simples envio do material à escola. É comum atrelar grandes compras de livros ao
sinônimo de (possível) êxito na aprendizagem dos alunos.
Não raramente, na sala de aula, a leitura é apenas um pretexto para resolução
dos questionários propostos pelo livro didático, questionário que, muitas vezes, limita-
se a perguntas superficiais, as quais não exigem do leitor, uma formulação de juízo de
valor, uma contra-argumentação, um posicionamento crítico. Não podemos afirmar que
predomina em todas as escolas o trabalho com a leitura dissociado de sua função social,
tampouco pretendemos afirmar que o livro didático sempre é o principal mediador de
aprendizagem em qualquer instância escolar. Mas não há como refutar o fato de ser a
leitura, nesse ambiente, restrita, muitas vezes, a esse suporte.
Não é novidade, também para o professor, que os alunos constantemente
apresentam dificuldades em relação à leitura e à interpretação de textos. É importante
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que se saiba que a base para o desenvolvimento da leitura ocorre no processo de
alfabetização, no entanto esse processo se estende às fases posteriores, período no qual
o aluno deve ser estimulado à leitura para que adquira gosto e, consequentemente,
desenvolva competências que o habilitem a fazer leituras de textos mais complexos,
conseguindo, assim, interpretá-los.
Por isso é importantíssimo que o professor utilize textos, nas práticas de leitura,
que sejam vinculados à realidade do aluno, caso contrário, a leitura não passará de
exercícios artificiais que nada dizem às experiências, aos anseios e desejos dos
educandos, principalmente daqueles que veem de classes mais pobres ou, quiça, têm
pouca exposição à escrita. Ao se deparar com textos dessa natureza, o aluno não se
sentirá motivado para a leitura, o que corrobora negativamente para sua formação
enquanto leitor proficiente.
A partir dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), que trazem a
abordagem de linguagem fundamentada nos estudos Bakhtinianos, novos métodos e
técnicas passaram a povoar a escola. Por meio dos PCN é possível conceber a
linguagem como um produto das ações sociais. No entanto, nem sempre o ensino de
leitura segue esses preceitos. Segundo Indursky & Zinn (1985, p.17) apud Araújo
(2001, p. 42), a leitura proposta pela escola “é uma leitura mecânica, padronizada,
linear; realizada apenas em nível de identificação... O aluno lê apenas para reter
conhecimentos, sem conferir sentido ao que lê, sem questionar e sem posicionar-se”.
Já para Kleiman (2008), a leitura dos textos didáticos é apresentada para o
aluno-leitor de maneira que as informações não são buscadas no texto, elas são sempre
dadas. Sendo assim, o aluno não lê, o aluno recebe, ou seja, ele espera a transmissão da
informação, sendo assim não há espaços para equívocos, mas também não há espaço
para reflexão. “O texto didático não é lido: no processo não há seletividade mediante a
reconstrução de relações implícitas, não há inferências, não há integração: há apenas a
identificação de explícitos e o estabelecimento de correspondências formais”
(KLEIMAN, idem, p.174). Para a autora, a solução não está em reformular o texto
didático, mas em ensinar o aluno a ler. E para que isso seja possível, faz-se necessário
que o professor trabalhe com textos, os quais Kleiman chama de textos legíveis, a saber,
textos que permitam o envolvimento do aluno como sujeito que infere, reflete, avalia.
Como podemos perceber, a leitura proposta pela escola apresenta uma série de
problemas. O maior deles parece ser a questão de inibir a manifestação do pensamento
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crítico na medida em que prioriza interpretações superficiais dos textos analisados em
sala de aula.
3. Abordagem crítica da charge na sala de aula: uma leitura possível
E como mudar essa realidade? Como transformar a sala de aula em um
ambiente agradável e propício ao desenvolvimento do raciocínio crítico? É necessário
que as inter-relações ocorram de modo a subsidiarem discussões que culminem na
prática do exercício da criticidade. Não há mais espaço na sala de aula para a figura do
professor supremo detentor do saber em oposição à excessiva passividade do aluno.
Morais (2000) critica esse comportamento como sendo desastroso, na medida em que
prejudica a formação moral e intelectual do aluno. Chegando também a acarretar-lhe
danos emocionais quando este se vê vítima do autoritarismo do lar estendido, muitas
vezes, para sala de aula.
É essencial também que esqueçamos a prática de usar a leitura como
“instrumento de punição” na sala de aula, prática esta que se manifesta em situações do
tipo: “vai ler todo o livro de história até amanhã, porque não se comportou bem em sala,
ou então, ser “obrigado” a fazer leitura em voz alta para toda a turma, porque estava
conversando com um colega na hora da aula.
A valorização da leitura jamais poderá ocorrer através dessa “pedagogia do
terror”. Regis de Morais (op. cit.) citando Santo Agostinho, afirma que o pensamento
agostiniano é do que ensinar é seduzir para as riquezas de um tema. É nesse sentido que
a aula de leitura precisa e deve ser agradável para que desperte no aluno o desejo pela
busca do novo.
Entretanto, não rara às vezes, escutamos depoimentos de alunos reafirmando
seu desgosto pela leitura, essa realidade se deve, muitas vezes, a uma práxis pedagógica
pautada nos moldes tradicionais de ensino, nos quais ler se resume a decifrar palavras e
a responder perguntas.
Fugir desses moldes tradicionais de leitura é necessário se pretendemos
alcançar êxito com nossos alunos no que diz respeito à sua compreensão leitora e
raciocínio crítico. O que apresentamos nesse trabalho, através da pesquisa com o gênero
charge, é uma proposta de leitura crítica a ser desenvolvida pelo professor juntamente
com seus alunos em sala de aula.
Cabe ao professor, como mediador do processo de ensino e de aprendizagem,
buscar novas metodologias para o ensino de leitura, torná-la agradável aos olhos do
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educando, levar seu aluno a participar verdadeiramente desse processo, o que significa
tirá-lo da situação de letargia e instigá-lo a opinar nas aulas de leitura. Um bom começo
seria, por exemplo, pedir a sugestão de assuntos que os alunos gostariam de abordar em
sala de aula ou quem sabe pedir para cada aluno sugerir um tema que lhe parece
interessante e que gostasse de compartilhar com os colegas. Feita essa primeira
abordagem, cada um ficaria com a missão de trazer seu texto para sala de aula.
Certamente, diversos gêneros seriam contemplados nessa seleção de material. Seria,
então, uma ótima oportunidade para trabalhar, juntamente com a atividade de
compreensão leitora, a caracterização de cada gênero.
Dentre tantos gêneros, optamos por trabalhar com o gênero charge por
acreditarmos que ele nos propiciará a oportunidade de levantarmos discussões de temas
recorrentes na sociedade que merecem ser refletidos em sala de aula. Trata-se também
de gênero multifacetado, que dialoga ora com o discurso jornalístico, ora com o
discurso crítico-humorístico.
Nossa reflexão sobre a possibilidade de desenvolver uma metodologia que
subsidie a leitura crítica foi inspirada também na leitura do ensaio a criticidade como
fundamento do humanoi de Regis de Morais, que ao se referir aos aspectos
metodológicos da ação crítica em sala de aula, faz, primeiramente, uma reflexão sobre o
que é um método. Etimologicamente a palavra método significa “o caminho através do
qual” (odós: caminho; metha: através de).
Diante do exposto resta-nos a indagação: de que maneira o trabalho com a
charge pode proporcionar o aprimoramento do raciocínio crítico dos alunos? Como
pensar uma metodologia que extrapole a resolução de situações problemas pensadas em
sala de aula e possam ser aplicadas em situações diárias de convívio social? Afinal, não
podemos pensar a sala de aula como uma realidade estanque, apartada da realidade
social. Os problemas sociais repercutem na sala de aula, sendo assim, “o que é feito na
sala de aula não deve ser feito para a sala de aula, mas para a vida” (REGIS DE
MORAIS, op. cit, p. 68).
As Orientações Curriculares para o Ensino Médio (BRASIL, 2006) ressaltam o
papel da leitura para o ensino médio, sendo o papel do professor o de ser um facilitador
nos exercícios de leitura de textos dos mais variados gêneros, de maneira que estimule a
formação de alunos leitores. Por ser responsável pelo direcionamento dos estudos na
sala de aula, é função da escola, e também do professor, observar o tipo de leitura que
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está sendo trabalhada, de maneira que possa proporcionar a formação de leitores
críticos, ávidos por conhecimento e capazes de fazer escolhas literárias.
Nossa pesquisa dialoga com esses preceitos das Orientações Curriculares
Nacionais de Língua Portuguesa, na medida em que visa ao aprimoramento do senso
crítico e da análise crítica por parte dos alunos.
Nossa proposta de leitura crítica por meio do gênero charge parte do
pressuposto de que o ato de ler é um fenômeno complexo que envolve tanto aspectos
cognitivos quanto sociais. Logo, durante o desenvolvimento dos passos, ambos os
aspectos foram contemplados. Os passos introdutórios são ações necessárias para que
toda a turma esteja apta à leitura das charges e conscientes da atividade de análise que
irão desenvolver.
O primeiro passo a ser seguido é bem elementar, mas não menos importante, é
necessário saber o que é críticidade. Os alunos devem estar conscientes da ação que
vão desenvolver. Primeiramente, o professor pode sondar a ideia que os alunos possuem
a respeito do ato de criticar. Sondagem feita, o professor fará uma explanação sobre o
assunto, de modo que cada aluno verá se confirmar ou não sua ideia sobre o
questionamento feito. Pode começar pela etimologia da palavra crítica. No grego, o
verbo Krino (que é a raiz de termos como critica e crítico) significa exatamente ações de
discernir, de distinguir, de interpretar e julgar.
Quanto à criticidade, entendemos que seja ela é um fenômeno mental que exige
do indivíduo capacidade cognitiva para examinar, valorar, questionar através de
argumentos no intuito de emitir um juízo de valor, um pensamento crítico. Tais eventos
estão ligados a esquemas cognitivos internalizados, mas não individuais e únicos.
Nossos critérios de valores, nossas percepções, crenças são frutos de nossas relações
interpessoais. É nesse sentido que nossas percepções, são, em boa medida, guiadas e
ativadas pelo nosso sistema sociocultural (MARCUSCHI, 2008).
A análise não se encontra no plano da emoção e sim no plano da percepção.
Para realizar uma análise crítica, primeiro se compreende, e para se compreender
primeiro se elabora dados cognitivos. “Pensamos com categorias e esquemas e não com
as sensações” (MARCUSCHI, op. cit, p.228). Citamos o exemplo proposto pelo autor
para explicitar sua afirmação. Se perceber é reconhecer com categorias, ver algo ainda
não significa perceber tal objeto. Expliquemos, não vemos uma cadeira e sim um objeto
que é percebido pelas condições cognitivas internalizadas e só então tal objeto é
reconhecido como cadeira. Só tomamos conhecimento de algo e o reconhecemos se
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tivermos categoria ou esquemas cognitivos para isso. Se um indivíduo nunca viu uma
cadeira e nunca construiu a experiência de cadeira, ele não será capaz de reconhecê-la
nem na sua condição de objeto físico, nem na condição de objeto cultural. Logo, será
desconhecido para o indivíduo, que ela foi feita para sentar, por exemplo. E saber que a
sua função é sentar não é um dado dos sentidos e sim uma elaboração cognitiva. E
assim ocorre com todo processo de compreensão.
Segundo passo, saber que as inter-relações são importantíssimas na
elaboração do pensamento crítico.
Nossos esquemas ou categorias não são elaborações individuais e sim
coletivas, pensamento também defendido por Vygotsky (1989), isso significa dizer que
nosso conhecimento não é uma atividade individual, fruto da psicologia cognitiva de
origem subjetivista, mas que se constrói no coletivo, é o que defende a abordagem
sociointerativa da cognição (MARCUSCHI, op. cit).
As inter-relações são fruto dos eventos intermediados pela linguagem. A ideia
de que a linguagem seria uma realidade autônoma, como pensavam os filósofos
idealistas, já foi superada. Seguindo o raciocínio sociocognitivista, podemos dizer que
as línguas não podem ser explicadas apenas por mecanismos formais autossuficientes.
Sendo assim, é de suma importância considerar-se os processos de pensamento
subjacentes à utilização de estruturas linguísticas e adequá-las às situações de uso nas
quais são construídas (MARTELOTTA & PALOMANES, 2008).
Fica clara a ideia de que esses aspectos se concretizam socialmente, ou seja,
não refletem simplesmente aspectos mentais, mas aspectos mentais de indivíduos
inseridos em um ambiente cultural. Percebe-se, portanto, um imbricamento entre
linguagem, pensamento e experiência.
Daí a grande importância da participação do aluno em sala de aula “Se o aluno
o aluno quer crescer na sua vida escolar, ou se ao menos os seus professores querem
orientá-lo para isso, a participação tem de ser o lema da relação ensino-aprendizagem.”
(REGIS DE MORAIS, op.cit, p. 69, grifo do autor).
Terceiro passo, saber que criticar é avaliar usando critérios. O exercício da
crítica é uma atividade complexa e multifacetada, que dialoga com diferentes vertentes.
Deve ficar claro para o aluno que ter senso crítico não significa ser mal humorado e ter
espírito de contradição, um tomar-se sempre a posição do contra. Se atentarmos para o
vocábulo grego Kriterion, veremos que o ato de criticar significa justamente avaliar,
discenir e julgar mediante o uso de critérios (REGIS DE MORAIS, op. cit).
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A pessoa que faz uso do senso crítico constantemente levanta dúvidas sobre o
que lhe é exposto, sendo assim não acredita cegamente no que outras pessoas
comumente acredita. A pessoa crítica é aquela que vai em busca da gênese das
informações, para assim, certificar-se da verdade dos fatos. Nas palavras de Carraher
(1983, p. 14) “ela tende a ser produtora ao invés de apenas consumidora do
conhecimento, não podendo aceitar passivamente a ideia dos outros”.
Quarto passo, saber que o uso da linguagem é por natureza ideológica. É
importante que essa reflexão seja feita com os alunos, é imprescindível saber que as
ideias não surgem do acaso. Não podemos falar em discurso crítico sem remetermos ao
aspecto sociocultural, que por sua vez está atrelado às questões ideológicas.
Fiorin (1988, p.06) apresenta linguagem como sendo “uma instituição social,
veículo das ideologias, o instrumento de mediação entre os homens e a natureza, os
homens e os outros”. Sendo assim, ao manifestar o seu pensamento crítico, o leitor
estará defendendo o seu posicionamento, ao interagir com seu colega, diante do fato que
lhe foi exposto e, por conseguinte, seu discurso refletirá uma ideologia (Bakhtin, 2010).
Adotar uma postura de aparente neutralidade e fazer uso de linguagem artificial
no contexto escolar contribui para o processo de reificação do leitor-aluno. O
desenvolvimento da compreensão crítica exige ao mesmo tempo a ativação de processos
mentais cognitivos múltiplos e complexos envolvidos na assimilação tanto de elementos
linguísticos quanto de elementos culturais e sócio-histórico, que são usados na
construção do sentido do texto (ALMEIDA, 1999).
Quinto passo, conhecer o gênero a ser pesquisado. Certificar-se de que todos
conhecem o gênero que vai ser utilizado, no nosso caso a charge. Pedir para os alunos
dizerem o que sabem a respeito, características, suporte, autores conhecidos etc. É um
momento muito importante de interação e demonstração de conhecimento prévio que
cada educando traz consigo.
O gênero charge traz pouca ou, às vezes, nenhuma informação linguística. É
nesse sentido que Romualdo (2000) afirma que a charge, enquanto mensagem icônica,
não será recebida nem decifrada se o leitor não possuir informações necessárias para
interpretá-la. Dessa maneira a charge pode ser compreendida como “um texto visual
humorístico que critica uma personagem, fato ou acontecimento político específico. Por
focalizar uma realidade específica, ela se prende mais ao momento, tendo, portanto,
uma limitação temporal” (ROMUALDO, 2000, p.21).
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Dada a especificidade do gênero, as estratégias a serem trabalhadas com as
charges visando à leitura crítica, não serão necessariamente as mesmas utilizadas no
texto verbal. Em relação à leitura dessa categoria de textos, Oliveira (2000) acredita que
falta aos alunos uma percepção mais aguçada, que a pesquisadora chama de uma
“sintonia fina”, no olhar para ler as imagens de forma mais sensível, de modo a resultar
na interpretação do referido texto. No entanto, independente do gênero textual
abordado, acreditamos que a busca pela leitura crítica deve constituísse como o objetivo
primordial numa tarefa que vise à compreensão leitora. “A necessidade da prática crítica
vem se revelando uma das facetas da resposta que buscamos e tem se mostrado
exigência da moderna pedagogia em todos os níveis de ensino” (OLIVEIRA, 2006, p.
21).
Sexto passo, escolha do tema. O professor deve escolher com a turma a
temática a ser discutida. Certamente não será fácil entrar em um consenso. Aqui já será
uma ótima oportunidade para cada aluno defender sua opinião, argumentando o porquê
de sua temática merecer ser a escolhida. Dependendo do tempo disponível para os
debates, poderá ser escolhida mais de uma temática, a turma poderá ser divida em
equipes, de acordo com o número de temáticas, por exemplo.
Sétimo passo, avaliar criticamente exige conhecimento prévio do assunto.
Não se pode falar do que não se tem conhecimento, portanto para que a análise não seja
superficial, baseada em pensamento vagos, deve-se buscar conhecimento sobre o que se
quer analisar. Uma vez que criticar exige a escolha de critérios para o pronunciamento,
o leitor deve se certificar da natureza da situação, se for positiva, seu senso crítico deve
ser no sentido de elogiá-la (independente de sua opinião particular ser contra
determinado assunto, por exemplo). A avaliação crítica não deve ser passional, mas
racional (REGIS DE MORAIS, op. cit).
Oitavo passo, escolha das charges para leitura. É hora de buscar as charges
que correspondem ao tema escolhido. É importante, nessa etapa, destacar o suporte no
qual a charge foi retirada, se foi de um jornal impresso, se foi de um jornal veiculado na
Internet; enfim, cada charge deve vir com sua fonte devidamente declarada. O professor
deve salientar ao aluno de que o texto apresentado nas charges escolhidas, são
reveladores de ideologias, de crenças e de valores (GRIGOLETTO, 1995).
Nono passo, elaboração do instrumental de compreensão leitora das charges.
O professor deve pensar na melhor atividade a ser utilizada de acordo com o perfil da
turma, desde que seja explorado ao máximo o potencial de cada aluno. É um momento
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de perceber as várias habilidades dos educandos. Se há algum desenhista na sala de
aula, por exemplo, esse potencial pode ser explorado. Da mesma forma se houver algum
músico. É interessante elaborar atividades que contemplem essas particularidades.
Décimo passo, análise dos dados coletados durante as discussões. Este é um
momento muito importante. Os dados poderão ser analisados qualitativamente e
quantitativamente, ou seja, além de analisar a natureza das respostas (argumentações)
dos alunos para avaliar o nível de compreensão leitora, poderá também quantificar o
percentual da turma que atingiu o nível almejado de leitura. Se tiverem sido escolhidas
mais de uma temática, poderá ser feita uma análise compara para ver em qual assunto os
alunos se saíram melhor, qual assunto suscitou mais debate e, por conseguinte, mais
manifestação do pensamento crítico. Através dessa análise o professor terá uma visão
mais precisa do nível de compreensão leitora da turma, além de saber quais pontos
devem ser melhorados para que os alunos que não tiveram um resultado satisfatório
venham atingi-lo de uma próxima vez.
4. Considerações finais
Temos a certeza de que a práxis pedagógica se constrói dia a dia na sala de
aula, que o fazer laboral do professor é alicerçado ano após ano. Sendo assim,
entendemos que nossa proposta não se apresenta como uma receita pronta para o uso,
ela se constitui em uma sugestão e reflexão para o professor em relação ao ensino da
leitura. Portanto, nossa proposta deve ser adaptada a cada situação de uso. No entanto,
acreditamos ser um passo largo na busca do aprimoramento do senso crítico tão
almejado nesse caminho rumo a um ensino de qualidade. Que busquemos, pois, adequar
nossa práxis para que verdadeiramente façamos brotar no nosso aluno o sentimento de
capacidade, sentimento de autonomia, que o leve a ser sujeito da sua história.
Referências
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ARAÚJO, Elda Gomes. A construção de sentido na leitura por crianças de meios de
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MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São
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