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Universidade federal da bahia Faculdade de comunicação Aluno concluinte : cristiane perrucho pieroni Orientador : renato da silveira projeto o pasquim e suas influências sobre a charge baiana

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Universidade federal da bahiaFaculdade de comunicaçãoAluno concluinte : cristiane perrucho pieroniOrientador : renato da silveira

projeto

o pasquim e suas influências sobre

a charge baiana

agosto / 1998

Universidade federal da bahiaFaculdade de comunicação

Projeto experimental O pasquim e suas influências sobre a charge

baiana

Cristiane perrucho pieroni

Salvador — bahiaagosto / 1998

2

agradecimentos

Reconheço a paciência do meu querido esposo Ricardo que, por

muitas vezes, teve que me substituir no cuidado com o Victor e o Gustavo

em virtude das minhas ausências para elaboração deste projeto.

Faço um agradecimento póstumo ao meu amado pai Wilson que

muito me incentivou ao longo do meu curso e que transformou em suas as

minhas conquistas.

Agradeço à minha mãe e aos meus irmãos pelo incentivo que me foi

dado.

sumário

3

IDENTIFICAÇÃO DO RESPONSÁVEL PELO PROJETO.....5

APRESENTAÇÃO...................................................................6

INTRODUÇÃO........................................................................7

O QUE É E COMO FUNCIONA A CHARGE.........................91. Juízes de sua época.........................................................142. Codecri - uma editora diferente........................................15

ASPECTOS HISTÓRICOS .....................................................18

DÉCADA DE 70 — O "BOOM" DO HUMOR DE RESISTÊNCIA...21 1.Vivendo em tempos de Ditadura.......................................26

O PASQUIM — CELEIRO DOS HUMORISTAS DA GERAÇÃO PÓS-68..32 A COISA.................................................................................34

HENFIL POR UM FIO ...........................................................37

ÂMBITO BAIANO.................................................................39 1. Mercado Profissional......................................................40

COMO É FEITA E QUEM A FAZ.........................................42

ÍCONES DAS ARTES GRÁFICAS.......................................54

CONCLUSÃO........................................................................60

BIBLIOGRAFIA.....................................................................62

IDENTIFICAÇÃO DO RESPONSÁVEL PELO PROJETO

4

CRISTIANE PERRUCHO PIERONIMatrícula nº. — 951501607

Endereço — Rua Augusto Lopes Pontes, nº.493 Aptº. 101 Edf. Faraildes

Costa Azul - Salvador-Ba.

Telefone — (071) 3422102

______________________CRISTIANE PERRUCHO

PIERONI

apresentação

5

Esse estudo tem o propósito de mostrar os caminhos que a charge

percorre até a veiculação do jornal.

O objeto estudado é a informação contida na charge e seu perfil no

âmbito baiano. Exploraremos até que ponto precisamos ter conhecimento

do assunto charge, para entendermos o que o chargista quer "dizer" na sua

ilustração.

Faremos uma incursão pelos fatores que influenciam a manufatura da

charge nos jornais A Tarde e Tribuna da Bahia, para fazer um contraponto,

salientando a diferença de linha entre os dois jornais.

Abordaremos os critérios para a elaboração e a influência que sofrem

da pauta, da linha política e/ou do projeto do jornal; e se há censura na

criação e como se dá essa censura.

Ao longo do trabalho destacaremos a performance do Douglaz,

Reinaldo e Carlos França no Jornal A Tarde e do Lage na Tribuna da

Bahia; conhecendo um pouco do ambiente onde esses artistas criam.

Apontaremos os acontecimentos ocorridos na década de 70,

explicitando os árduos caminhos percorridos pelos humoristas para

conseguir que as suas idéias chegassem até o público, e indicaremos

Henfil, como o grande vencedor desta arte de criar tendo como munição a

criatividade e os seus subterfúgios.

IntroduçãoEm 1910, uma charge de Ramos Lobão na Revista O Malho

provocou uma crise na Câmara dos Deputados e forçou a demissão do

6

presidente da casa, Sabino Barroso. O desenho reprovava a "malandragem

parlamentar" , pela representada falta constante de quórum e teve a

infelicidade de ser publicado no jornal de Antônio Azeredo, vice-presidente

da Câmara, dando início à crise. O acontecimento serve para demonstrar

como, ao longo dos anos, as instituições têm se mostrado vulneráveis à

produção crítica dos chargistas e caricaturistas brasileiros. Durante os anos

de ditadura militar no Brasil a coisa não foi diferente. O grupo de

humoristas brasileiros daquele período deu continuidade à pretensão do

humor na sua acepção mais pura — a crítica vigorosa, desnudadora, de

todos os fatos e fenômenos que permeiam a vida brasileira.

Desde os movimentos pela abolição da escravatura e pela

implantação da República o humor político brasileiro tem mostrado a sua

força e criticidade. As caricaturas já perseguiam os políticos brasileiros já

nos tempos do Segundo Império, mas foi no Período Republicano que as

publicações voltadas exclusivamente para o humor se multiplicaram.

O regime militar instalado no Brasil, a partir de 1964, impôs

mudanças bruscas no cotidiano do brasileiro. Alterações que o obrigaram a

adaptar-se a novas formas de comportamento e de linguagem. Com a

criação do AI-5, a ditadura ficou ainda mais autoritária, sendo a imprensa o

alvo mais visado pelas forças de segurança.

A charge e o cartum se destacaram entre as formas de expressão

usadas para driblar a censura. As histórias produzidas pelos cartunistas

atuantes da década de 70 se transformaram em verdadeiras fábulas de

referência política. O grande mérito das tiras e quadrinhos desse período foi

a tentativa, muitas vezes vitoriosa, de passar uma mensagem interditada

pela censura prévia.

Essa valiosa produção só foi possível graças à imprensa alternativa.

E o impulso que tiveram as publicações alternativas de humor, nos anos de

7

ditadura, se deveu ao fato de a grande imprensa, comprometida com o

poder, estar praticamente fechada para a charge. Tal objetivo funciona

como uma crítica humorística imediata de um fato ou de um

acontecimento, em geral de natureza política.

A grande imprensa trabalhava basicamente com quadrinhos

estrangeiros, que não tratavam das questões do Brasil, e, assim, os donos

de jornais, com esta política, não se indispunham com os militares.

Ao traçar um panorama da imprensa alternativa no livro Jornalistas

e revolucionários — nos tempos da imprensa alternativa, Bernardo

Kucinski atribui aos humoristas da década de 70 um papel de extrema

importância no combate ao regime militar . "Cínicos e libertários, os

escritores satíricos e cartunistas desempenharam um papel central na

resistência à ditadura brasileira. Nenhuma outra categoria se opôs de

maneira tão coesa", afirma o escritor.

Salvador não ficou alheia a este movimento que invadiu o país.

Muito pouco levados a sério e também sem espaço para publicar os seus

trabalhos, os cartunistas da Bahia enfrentaram o preconceito que ainda

existia contra os seus trabalhos, considerados uma arte menor na melhor

das hipóteses, e as limitações impostas pelo regime militar.

O resultado dessas criações será examinado neste projeto.

O que é e como funciona a charge

O universo opinativo do jornal e da revista não se limita ao texto,

mas incorpora igualmente a imagem. O uso da imagem como instrumento

8

de opinião atende, muitas vezes, ao imperativo de influenciar um público

maior que aquele dedicado à leitura atenta dos gêneros opinativos

convencionais: editorial, artigo, crônica etc.

Ao leitor que se limita a uma simples vista d'olhos pelo jornal,

muitas vezes, escapa a adesão ou o posicionamento quanto às opiniões

explícitas do veículo. Já no caso da imagem, que produz um impacto

imediato, seja pela evidência, seja pelo eventual humorismo, nota-se uma

participação mais consciente na captação do cotidiano."Isso se dá devido à

cumplicidade criada entre o leitor e a imagem, que funciona como um

espelho das suas angústias, retratando a realidade. Essa realidade é o

grande "gancho" da charge, pois é isso que faz com que o leitor tenha

maior familiaridade com o desenho por se tratar de fatos próximos a ele". O

que não quer dizer que toda imagem inserida na imprensa tem função

opinativa. Algumas são meros recursos gráficos para informar ou explicar,

os mapas funcionam como localizadores, os gráficos dão uma visão

estatística e as vinhetas funcionam como um repouso para o olhar, as

ilustrações apelam para um lado mais contemplativo da vida mental, assim

por diante.

Numa acepção mais ampla, jornalisticamente, a charge é uma crítica

humorística de um fato ou acontecimento específico, funcionando como

uma reprodução gráfica de uma notícia já conhecida do público, segundo a

ótica do desenhista. Tanto pode se apresentar somente através de imagens

quanto combinando imagem e texto (título, diálogos).

A validade humorística da charge advém do real, da apreensão de

facetas ou de instantes que traduzem o ritmo de vida da sociedade, que

flagram as expressões hilariantes do cotidiano. Sua intenção é representar o

real, criticando-o.

9

O desenho chargístico contém a expressão de uma opinião sobre

determinado acontecimento, só adquirindo sentido no espaço jornalístico,

porque se nutre dos símbolos e valores que fluem permanentemente e está

sincronizada com o comportamento coletivo.

A charge, muitas das vezes, utiliza meios do cartum("piada

desenhada que especula sobre qualquer situação, quebrando as expectativas

do leitor. Trabalha em cima do non-sense, do inesperado, embaralha as

referências; da surpresa nasce o efeito humorístico. Usa temas, por

exemplo, a ilha deserta")1 cujo objetivo é a crítica humorística imediata de

um fato ou acontecimento específico, em geral de natureza política. O

conhecimento prévio, por parte do leitor, do assunto de uma charge é,

quase sempre, um fator essencial para a sua compreensão. Uma boa charge,

portanto, deve procurar um assunto de momento e buscar ir direto aonde

estão centrados a atenção e o interesse do público leitor. A charge se nutre

do assunto comentado naquele momento. Com algo que todo mundo tem

conhecimento, geralmente um fato político, uma atitude de quem está no

poder, que é ridicularizada. A mensagem contida numa charge é

eminentemente interpretativa e crítica e, pelo seu poder de síntese, pode ter,

às vezes, o peso de um editorial. Alguns jornais da imprensa ocidental,

como o Le Monde, por exemplo, chegam a usar a charge como um

editorial, sendo ela uma manifestação direta do pensamento do jornal que a

publica.

A charge sempre foi veículo de opinião e uma grande arma das

campanhas políticas e sociais de todos os tempos. Os políticos e as pessoas

de destaque são alvos constantes dos chargistas que diariamente publicam

os seus desenhos em diversos jornais e revistas. Os governantes geralmente

os odeiam; são poucos os que têm senso de humor para aturá-los. E,

1 Josanildo Dias Lacerda — Nildão.10

mesmo tendo atingido a fama, o chargista é marginalizado; a profissão e a

regulamentação do trabalho não existem.

Reprimida em determinados momentos políticos, indesejada como

elemento de sátira, a caricatura brasileira surgida com a chegada da Família

Real já revelou grandes artistas, como Ângelo Agostini, Rafael Bordalo

Pinheiro. O humor gráfico sempre teve força na vida baiana, ao dar as mais

variadas interpretações à nossa realidade. Desde que a imprensa foi

instalada no Brasil, a caricatura, que antes era divulgada em

pranchas(semelhantes aos atuais posters), constituiu-se num elemento

importante nas disputas sociais e políticas. A importância do desenho

humorístico na imprensa, seja como documento histórico, como fonte de

informação social e política, como fenômeno estético e como forma de

expressão artística e literária, é de grande valor. O humor gráfico exige do

seu criador um mínimo de destreza de traço e um mínimo de julgamento

estético. A arte da caricatura é uma das mais difíceis de serem realizadas.

Exige muita síntese e muito talento; por causa do impacto visual que deve

provocar, para que a mensagem passe a todos os leitores.

Apesar de expressa fundamentalmente em traço, a caricatura está

perto da narrativa de expressão e das artes plásticas. É um retrato

exagerado geralmente cruel, que carrega nos defeitos, nas deformações do

rosto, no peso da expressão facial. O caráter crítico da caricatura não vem

de um conteúdo discursivo qualquer, vem do próprio expressionismo

gráfico, da maneira como a personagem é retratada. No desenho

humorístico o tratamento estético sempre ocupa o segundo plano e a idéia,

o ponto central. A evolução estética do desenho tem sido acompanhada de

modificações em sua forma de expressão, que tem sido simplificada. Os

textos ou legendas, quando existem, são mais curtos e mais implícitos; os

desenhos, exceto quando necessário, são menos detalhados. Com isso o

11

desenho ganhou completa autonomia e uma força própria de expressão. A

maioria dos desenhos humorísticos do século passado eram quase

ilustrações de um texto que era um trocadilho ou uma piada literária. Hoje

o interesse pelo desenho humorístico é enorme. Os desenhos não são mais

usados apenas para encher vazios nos jornais e revistas; eles ocupam

espaços privilegiados nas melhores páginas, ao lado do editorial e dos

colaboradores de maior prestígio.

A charge usa, quase sempre, os elementos da caricatura na sua

primeira acepção, o que nunca acontece com o cartum, onde os bonecos

são a representação de um tipo de ser humano e não de uma pessoa

específica. Na Bahia o desenho de humor é desprezado como forma

artística. Os humoristas não são considerados sérios. Para um povo

acostumado à imagem e à comunicação rápida, uma população quer lê

pouco, o desenho de humor é informação. E nas grandes cidades substituiu

a literatura de cordel. Afinal, o humor é uma forma de retratar a realidade

social. Uma linguagem crítica, mesmo quando parece descompromissada.

Serão poucos os jornais que por este mundo afora não publiquem

charges, notadamente nas páginas opinativas, as chamadas páginas

editoriais. Contribuindo visualmente para amenizar o espaço gráfico,

ocupado na sua maior parte pelos textos das matérias, a charge preenche

ainda duas funções, quais sejam a de divertir o leitor, pela feição jocosa do

desenho, e a de caricaturar personagens ou fatos que estejam em evidência.

É uma espécie de comentário sem palavras; ou uma sátira que gargalha na

linguagem da caricatura.

Hoje ela se tornou um elemento indispensável, por assim dizer, em

qualquer jornal de porte médio ou de maior categoria. E não é utilizada

apenas nas páginas opinativas, pois constitui um recurso muito comum para

ilustrar colunas e seções no jornal, como a de notas comentadas, a de cartas

12

de leitores, a do dia-a-dia policial, e outras. Não é raro ser acompanhada de

uma pequena charge a notícia telegráfica dando conta de um fato inusitado

ocorrido no País ou no estrangeiro. A ilustração engraçada concorre para

acentuar o lado cômico do episódio, ratificando a informação contida no

texto. Ao mesmo tempo que na sua criação o artista usa uma certa dose de

radicalismo, pois segundo Nildão, "não existe humor à favor, todo humor é

engajado".

A modernização da imprensa brasileira teve o seu grande momento

na reforma do Jornal do Brasil, em 1958. Mas a expressão mais requintada,

mais sofisticada dessa modernização é o lançamento, em 1962, da revista

Senhor. Impressa em papel encorpado, permeada por um visual de muito

bom gosto, Senhor teve em suas páginas textos de Paulo Francis, Clarice

Lispector, Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos e Vinícius de

Morais. O humor também fez parte da revista, inspirado e amadurecido.

Mais a influência mais visível que passou para os desenhistas baianos foi,

sem dúvida, o semanário O Pasquim. De 1964 a 1968, a imprensa

brasileira vive uma fase de grande avanço técnico, mas as situações

políticas são tensas e a falta de liberdade a ameaça permanentemente. Com

a Revolução de 1964, um grande número de jornais e revistas havia sido

fechado. O semanário carioca Pasquim, criado pelo jornalista Tarso de

Castro e lançado em junho de 1969, inaugurou a imprensa alternativa e

revolucionou o jornalismo ao tratar com humor e ironia temas antes só

encontrados em textos formais dos grandes periódicos. Jornal de tamanho

tablóide,se notabilizou pelos textos leves, muitas vezes irônicos, e pela

grande quantidade de cartuns.

Juízes de sua épocaOs caricaturistas e chargistas são responsáveis pelas entrelinhas da

história oficial impressa, traçadas no dia-a-dia com atualidade de um

13

editorial e a potência de uma bomba. Afinal, a caricatura, a charge, o

desenho de humor, mesmo sendo uma área freqüentemente esquecida, é

sempre um indício seguro do pensamento e da cultura de uma época. O

desenho de humor é uma parte narrativa e descritiva da arte do nosso

tempo. Ele é necessário para a crítica social, para fixar os novos hábitos e

costumes e para demonstrar com vigor mais imediato as novas idéias.

A arte secular de se formar fisionomias, exagerar características e

desmascarar a hipocrisia chegou ao Brasil em pranchas avulsas criticando

um político carioca. O termo caricatura vem do século XVI e foi usado pela

primeira vez para definir uma série de desenhos dos irmãos Caraci, de

Bolonha. Num sentido restrito, significa a representação da fisionomia

humana com características grotescas ou cômicas.

A charge de natureza sempre política, diz respeito ao assunto em

destaque no noticiário cotidiano. Pode — ou não — utilizar-se da caricatura

pessoal. Em comum, elas têm as origens de seus nomes: charge, do francês,

quer dizer carga.

Caricare, verbo italiano, é traduzido como fazer carga. O

desenvolvimento da tecnologia gráfica e da linguagem jornalística permitiu

que ambos alcançassem o status de obras de arte, dignas de figurar em

exposições internacionais bastante concorridas.

Ao longo da História Ocidental, depois que surgiu a imprensa e sob

os regimes mais obscurantistas, o crítico do lápis sempre esteve presente. A

Ângelo Agostini e seus colegas coube o mérito de registrar, sob a óptica do

humor, o período mais tumultuado da monarquia. A charge política,

introduzida na imprensa brasileira desde o século passado com Agostini,

tornou-se uma tradição, por vezes interrompida por bloqueios políticos.

Processado diversas vezes por políticos que se sentiam caluniados,

difamados e injuriados, o desenhista tinha muitos fãs entre suas "vítimas".

14

A censura prévia chegava com o Estado Novo de Getúlio Vargas.

Depois o golpe de 1964, o AI-5, o "ame-o ou deixe-o", o milagre e a

abertura lenta, segura e gradual soaram como verdadeiros convites ao

exercício da criatividade(ou sobrevivência).

Os chargistas aprenderam a ser mais sutis. Quando os grandes jornais

eram impedidos de dizer o que queriam, o humorista não se calava, passava

a informação nas entrelinhas. Era o momento das metáforas visuais.

Por estes e outros fatos, a nova geração de humor no Brasil

aprimorou a consciência da função do seu trabalho. Talvez este seja apenas

um dos reflexos do trabalho do humorista.

Codecri - uma editora diferenteO Codecri - Comitê de Defesa do Crioléu, era uma editora formada

por artistas(humoristas, escritores, pintores). O ponto de partida foi O

Pasquim.Com o crescimento desse, eles inauguraram uma editora

publicando inicialmente as melhores reportagens(entrevistas) publicadas no

Pasquim. Mais tarde, os livros de cartuns. Isso deu uma grande guinada em

nossos desenhistas que começaram a ase valorizar mais como artistas

gráficos e passaram a acreditar no cartum como forma de arte. Naquela

época, bastava abrir os principais jornais e revistas brasileiros para

constatar o óbvio. O desenho de humor florescia na imprensa escrita com

espaço e brilho inéditos. Era a charge cumprindo um papel fundamental na

15

cultura brasileira - o de cravar, num único lance, um retrato instantâneo do

país. A partir daí uma verdadeira febre de desenho de humor surgiu em

cada canto do país. E a Bahia não iria ficar de fora. Com o crescimento da

competição pela preferência do leitor, os órgãos de imprensa são levados a

oferecer não apenas sua matéria prima fundamental, a notícia, mas uma

mercadoria cada vez mais procurada - a opinião. E boa parte do primeiro

time de desenhistas de humor brasileiros começou a rabiscar no início dos

anos 70, em pleno regime do AI-5. Logo em seguida, Salvador abria suas

galerias para os salões de humor, assim como acontecia na cidade paulista

de Piracicaba. A supremacia da ilustração e das charges na imprensa da

época significava a garantia de um mercado de trabalho para os

desenhistas. Mas a censura continuava a ditar as cartas nas redações. Desde

então o cartunismo mudou bastante. Há mais de 20 anos, os cartunistas

eram um claro instrumento de crítica ao regime. Podia até ser um ato de

coragem, mas o ponto de partida para um bom desenho já estava dado.

Mais complicada era a tarefa de transportar o que se queria dizer para o

papel. Metafóricos, no lugar da imagem do presidente da República eles

usavam símbolos de evidente conotação política - e pouquíssimas palavras.

Daqueles desenhos toscos, de traço nervoso e técnicas por vezes sofrível,

energia um mar de fadas verde-oliva, óculos escuros e coturnos, os

estereótipos da ditadura. Havia também crítica social de primeira linha.

Muitos garotos deixaram de desenhar amadoristicamente para trabalhar

como profissionais nos jornais da grande imprensa e/ou alternativos. À

medida que a censura abrandava, até terminar oficialmente em 1985, fazer

um bom desenho tornou-se uma tarefa mais complicada para o chargista.

Para fazer um bom trabalho, o chargista precisa encontrar uma piada

perfeita, normalmente fornecida pelo próprio noticiário. Essa parece ser

uma tarefa fácil, mas não é. O bom chargista difere dos demais justamente

16

por explorar o aspecto mais contundente de uma situação que quase sempre

é a mesma para todos os cartunistas. No cartum contemporâneo, além de

uma boa idéia pede-se também que o cartunista seja pelo menos um

desenhista talentoso.

Aspectos Históricos

Tradicionalmente registra-se como primeira caricatura brasileira uma

charge política litografada: o jornalista Justiniano José da Rocha a receber

dinheiro de um membro do Partido Conservador, datada de 15 de dezembro

de 1835, editou-se no Rio de Janeiro pela tipografia de Francisco Marques

dos Santos e vendeu-se em pranchas soltas por 160 réis. Sua autoria,

incerta, é atribuída a Manuel de Araújo Porto Alegre.

O jornalismo gaúcho foi pródigo na produção de jornalismo caricato,

tais manifestações principiam na década de 1830 — periódicos

humorísticos, críticos e ilustrados que desde logo comunicam aos prelos

17

provincianos, nublados e ásperos, um colorido mais vivo e um ritmo mais

alegre.

1831 - O Carcundão em Pernambuco, onde o jornalismo caricato era

escrito com extrema mordacidade; trazia grosseiras vinhetas abertas

a canivete em entrecasca de cajazeiro.

1844 - Surge a Lanterna Mágica no Rio de Janeiro.

1864 - Aparece em São Paulo o italiano Ângelo Agostini publicando

suas

obras nos periódicos O Diabo Coxo e O Cabrião.

1870 - Ocorre a pujança d O Carcundão com a implantação do

sistema litográfico.

1871 - Surge A América Ilustrada.

Na primeira metade do século passado, o pasquim configurou a

forma dominante da pequena imprensa brasileira, multiplicando-se na fase

que se caracterizou pelo avanço liberal, atingindo seu apogeu no período

regencial. Dessa maneira, foram os pasquins que prepararam o solo sob o

qual se instalou a forma caricatural no Brasil.

2Em sua 1ª. fase (1844-1895) a charge no Brasil revelou um caráter

combativo, marcando uma nova posição do artista face à sociedade. Os

pasquins irreverentes e panfletários do período da Regência, atingiram seu

apogeu em Salvador em 1860/1870 com cerca de 36 títulos. Um dos

aspectos mais curiosos nos jornais baianos no século passado foram os seus

títulos: A Ronda dos Capadócios, O Tolo Falador, O Diabo Disfarçado em

Urtiga, O Caceto, O Diabo a Quatro, entre outros.

Um dos mais criativos e combativos jornalistas de toda a

história da imprensa do Brasil, Agostini, lançou periódicos satíricos como 22 CRUZ,Gutemberg. Feras do Humor Baiano,p.08.

18

O Diabo Coxo, O Cabrião, Vida Fluminense, Revista Ilustrada, Don

Quixote e era um artista versátil (fazia aquarelas, gravuras, quadros a óleo,

ilustrações e litogravuras). Seu trabalho era a sua mais afiada arma contra

a prepotência, a injustiça, as instituições arcaicas e a imbecilidade dos

poderosos. Charges agressivas e textos dotados da mais fina ironia iam se

firmando, criando os verdadeiros contornos do desenho de humor no Brasil.

As revistas e jornais de humor, criticando principalmente a política e

os costumes, sempre tiveram sucesso no Brasil. A imprensa ilustrada em

nosso país tinha — no período do Segundo Reinado — a seu serviço,

apenas a litografia e, por isso mesmo, foi a época de ouro da caricatura,

executada diretamente nas pedras de impressão por artistas de excepcional

talento, entre os quais Ângelo Agostini, Rafael Bordalo Pinheiro, Cândido

de Faria e vários outros.

O surto dessas revistas satíricas ilustradas é acompanhado, no início,

pela irregularidade da publicação. Por motivos vários, as revistas não

ultrapassam os primeiros números ou sofrem várias interrupções. Entre

outras razões, registram-se dificuldades técnicas e econômicas e o próprio

tom combativo e irreverente das revistas, que provocam represálias e

intimidações.

Foram pequenos jornais sem fins mercantis, produzidos

precariamente, às vezes por um só homem, como eram muitos pasquins,

dirigiam-se à sociedade civil e às classes subalternas criticando o Estado e

propagando mudanças.

Assim, pode se conhecer a história da era moderna através das

caricaturas. Impiedosos ou amenos, cruéis ou generosos, os caricaturistas

com 3 ou 4 riscos numa folha em branco, são capazes de retratar uma

época, ou pelo menos alguns dos seus aspectos mais essenciais, e

reconstituir um passado de interrogações.

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DÉCADA DE 70 — O "BOOM" DO HUMOR DE

RESISTÊNCIA

Os anos duros da ditadura traziam a necessidade de abertura das

portas da comunicação. Durante a década de 70, é inegável a existência de

um boom editorial de revistas de humor. Eram publicações irônicas,

divertidas, e, ao mesmo tempo, profundamente sérias. Difíceis de fazer,

difíceis de manter, fáceis de entender. Publicações que se afogaram nas

próprias dificuldades, mas que deixaram saudades e uma marca na história

da imprensa alternativa brasileira.

No período de 64 a 72, marcado por um grande número de protestos

estudantis contra o regime militar, a censura impulsionava o surgimento

dos quadrinhos underground brasileiros, ou movimento udigrudi, como

ficou conhecido. Na falta de veículos de vinculação de idéias, dezenas de

revistas surgiam nos meios universitários. Apesar de nem todas possuirem

20

bandeira definida de luta, retratavam de maneira clara e real o que se

passava no Brasil dessa época.

As pequenas publicações de humor assumiam os riscos da oposição

ao regime, os grandes jornais incorporavam uma postura de obediência que

pudesse garantir, além da sobrevivência, o seu crescimento enquanto

indústria. Com isso, os jornalões só publicavam desenhos ilustrativos de

matérias ou artigos, nunca um produto autônomo, de mensagem própria —

exceção apenas para as charges publicadas, com destaque, no Jornal do

Brasil e na Folha de São Paulo. O Visual se sobrepunha ao conteúdo, o

que era inadmissível para os criadores dispostos a construir seus próprios

caminhos, através de uma linguagem independente e autosuficiente. A

ausência de um mercado de trabalho obrigava os cartunistas a criarem

publicações alternativas, numa grande ansiedade de veiculação de sua

produção.

As circunstâncias em que era produzido o desenho de humor

contribuíam, de certa forma, para um reimpulso criativo. Quanto piores as

coisas se tornavam, melhor para o humorista trabalhar, como a própria

trajetória da sátira nacional tem demonstrado. O riso e a reflexão

estabeleceram um casamento que acompanhou todo o percurso destes

produtores engajados e terminaram se transformando na receita ideal para

as épocas de crise — afinal o humor sempre foi uma das poucas armas do

oprimido contra os opressores. Não é à toa que as piadas de comunista na

antiga União Soviética, piadas de Pinochet no Chile ditatorial, da mulher de

Figueiredo aqui no Brasil; veiculadas cada qual no seu país de origem

sempre reafirmaram o uso do humor entre a sociedade para ilustrar as

críticas à política.

É a indignação apoiada pelo riso vingador. Diante da impotência para

exigir justiça, os humoristas lançam toda a sua carga de sátira e

21

ridicularização do poder. Em alguns momentos o nível de galhofa é tão

grande que surgem verdadeiras pérolas dos momentos trágico-cômicos

nacionais. Henfil, por exemplo, passou a lançar no Pasquim, pragas contra

os adversários. De forma irônica, o humorista se colocou na posição de

quem se reconhecesse tão fraco que não pode mais do que praguejar contra

o opressor.

Depois do golpe dentro do golpe, representado pelo AI-5, restavam

poucas possibilidades de resistência. Enquanto alguns radicalizavam seu

protesto partindo para a luta armada, a tentativa de reação intelectual,

artística e jornalística tomava outros rumos.

O sistema de governo não dava espaço para o inconformismo, a

contestação, a crítica ou a subversão. O poder era raramente criticado nos

grandes jornais e na televisão, que foram seguidamente alvo de pressões. É

nos quadrinhos, então, que as críticas mais irrestritas tiveram expressão

contra a aparente fortaleza ditatorial.

A miséria e a repressão terminaram por gerar uma ótima literatura

quadrinhística, representativa da necessidade de recuperar no imaginário o

que se perdera no concreto, construir no sonho o que não era possível de se

ver na realidade.

Durante um período de 15 anos o humor serviu como arma poderosa

anti-repressão e anti-ditadura. O regime repressivo estimulou o surgimento

de um fenômeno que se pode denominar hiperpolitização da expressão

humorística. O tratamento crítico dispensado à situação sócio-político-

econômica brasileira, em grande parte dos cartuns e quadrinhos publicados

durante a Ditadura Militar, servem como elemento facilmente comprovador

desta questão. Apesar de possuirem estilos e visões diferentes no que

concerne à criação, os produtores de humor formavam um bloco sólido de

oposição à ditadura.

22

A força da linguagem humorística daqueles anos foi apontada pelo

caricaturista Paulo Caruso numa entrevista ao jornal A Tarde , quando

aproveitou para comparar o papel do humor daqueles anos com a produção

atual : "Na época de repressão, a charge era uma bandeira, um manifesto de

todos os jornalistas que acabaram comprando esse espaço da charge como

um espaço de denúncia da supressão da liberdade e da prepotência do

Governo Militar(...). Acho que a importância da charge cresceu, mas,

apesar de hoje ter um papel mais sagaz, mais agudo, chegando mais fundo

nas relações de poder, a potência e o poder da charge enquanto linguagem

se enfraqueceram".3

A capacidade de depreciar e ridicularizar o poder fez do humor dos

anos 70 um veículo importante enquanto resistência. Foi através dele que

houve a permissão de se exprimir uma certa vingança contra o opressor.

Vista inicialmente como brincadeira inofensiva, a crítica humorística

encontrou terreno livre para praticar tudo aquilo que à imprensa escrita não

era permitido fazer. Com o poder bombástico de verdadeiros editoriais, as

publicações de humor desmascararam a perfeição do governo e apontaram

aos leitores caminhos de conscientização e desenvolvimento do espírito

crítico.

O surgimento e afirmação de um grande número de humoristas nos

anos duros do Regime Militar indicaram a necessidade da procura de uma

espécie de compensação frente a uma conjuntura adversa à discussão e à

liberdade de pensamento. O humor passava, então, a funcionar de duas

maneiras. De um lado, o que se poderia denominar "humor de

compensação" e, de outro, a descoberta do humor enquanto veículo no qual

se podia dizer as coisas proibidas de serem ditas em outras circunstâncias e

por outros canais de expressão.

3 FAUSTO,Hilda Guanais. A Coisa — O Humor na Bahia, p. 21.23

O humor brasileiro, portanto, cumpria um papel de preenchimento da

lacuna deixada por um regime político fechado, repressivo, que impedia a

liberdade de pensamento e o posicionamento político. Contra a fossa da

frustração política, a crítica e a galhofa. Como afirma José Luiz Braga, em

O pasquim e os Anos 70, "fossa de artista tem mais charme".4

A necessidade de enfrentar a solidão e o isolamento de um regime

totalitário constituía elemento de atração e consumo de publicações que

partilhassem dos mesmos ideais, da mesma indignação e da mesma

frustração pelo silêncio imposto pelos militares. O sucesso de publicações

como O Pasquim ou a própria Revista do Fradim talvez possa ser explicado

a partir deste ponto de vista. A resposta dos leitores vinha facilmente e

personagens, como os criados por Henfil no período tinham a capacidade

de despertar enorme afetividade, que pode, inevitavelmente, ser confundida

com identificação, como por exemplo, a Graúna, o Bode, Zeferino, etc. Por

outro lado, era socializada uma das principais funções psicológicas do riso:

dissipar tensões acumuladas.

A comunicação de resistência — resposta ao silêncio instituído pelo

regime — foge dos marcos instituídos por este para ir mais além. A

historiografia oficial é substituída por uma visão saborosamente crítica da

realidade, alternativa que adquire enorme credibilidade junto ao público

leitor. Neste contexto a sátira aparece como importante elemento de

vertente dessa insatisfação, e os quadrinhos passam a incorporar um

significado paraliterário, articulado com a realidade política e social

brasileira, através da constituição de uma crítica feroz e de um humor

inteligente.

4 BRAGA,José Luiz. O Pasquim e os anos 70, p.26.

24

5No livro Jornalistas e Revolucionários — nos tempos da imprensa

alternativa, o jornalista Bernardo Kucinski se refere à reação da sátira

brasileira denominando o humor como um ato coletivo e atribuindo ao seu

trabalho de resistência o papel de precursor em relação às demais

publicações alternativas — a Revista Pif-Paf, sob o comando de Millôr

Fernandes, começou a fazer oposição antes mesmo do golpe ter sido

instituído.

As investidas contra o autoritarismo por parte dos criadores do

quadrinho nacional tiveram início através da crítica de costumes, evoluindo

para um discurso ideológico menos indireto. Mais do que por uma

imposição, a evolução da crítica de costumes para um trabalho mais

político se deu por um aumento da percepção dos profissionais do humor

impresso. A censura à criação feita em cima da crítica de costumes alertou

os cartunistas brasileiros para a existência do inimigo real, que já não era

mais o preconceito ou o moralismo, mas o gerente destas duas coisas,

incorporado no regime instalado no país pelos militares. Daí em diante o

nível da briga ampliou-se para um alvo preferencial — a ditadura.

Vivendo em tempos de ditaduraA referência política não deixava de ter, em sua substância, a crítica

de costumes. A estreita relação entre o comportamento cotidiano das

pessoas e grupos sociais e os fatos políticos era percebida e trabalhada

pelos produtores de humor. Manejando estas duas dimensões do social, os

humoristas investiam na primeira para se referir a segunda. O objetivo era

observar os fatos cotidianos para extrair deles as causalidades políticas.

O humor ia do existencial ao político e deste ao satírico, sem nunca

perder de vista, no entanto, o sujeito de suas investidas. O moralismo

5 KUCINSKI, Bernardo. Jornalistas e Revolucionários — nos tempos da imprensa alternativa, p.19.

25

hipócrita da classe média foi um dos principais alvos de ataque dos

humoristas, e através dele buscava-se uma negação dos valores impostos

por esta classe social, alicerce do Governo Militar. O objetivo era, a

qualquer custo, "passar o recado". O combate político-ideológico de que se

travava representava uma luta sem fim por mudanças estruturais na

sociedade e no contexto político de então. A oposição era dupla: na vida e

no humor.

Enquanto a década de 60 — apesar de já ser marcada pela presença

de alguns cartunistas — aparece como uma década marcada principalmente

pelo humor descritivo (redigido) de gente como Pontes de Carvalho,

Stanislaw Ponte Preta, Leon Eliachar e Millôr Fernandes, os anos 70

trouxeram o cartum como linguagem mais praticada pelos humoristas. O

fato se deve, em grande parte, à força da censura sobre os textos escritos,

coisa que não era possível nos cartuns, por terem estes a possibilidade de

incorporar uma certa abstração em suas falas.

O duplo sentido, a sutileza, a maneira hábil de se referir às coisas

apelando para um ângulo mais inexplorado ou desconhecido — nunca

foram tão postos em prática quanto durante os anos em que o Governo

Militar se instalou no país, como por exemplo, no Balão Sangrento, de

Teresina, no Almanaque do Mino, de Fortaleza, etc. Quando descobriu-se

que as tiras dos jornais — menos visadas pela censura do que os textos

escritos — poderiam falar o que estava proibido para o resto do jornal ou

outra publicação qualquer, os quadrinhos e cartuns ganharam uma

importância fundamental. Os censores pareciam achar que o quadrinho

fosse uma coisa infantil e, por isso mesmo, inofensiva. Daí o humor se

transformar no canal "oficial permitido" para se fazer oposição de maneira

mais livre, passando a se constituir numa importante oportunidade para

26

divulgação do discurso contestatório. Aos humoristas só restava, portanto,

explorar suas possibilidades.

A crítica com criatividade, talento e invenção em sua forma mais

ampla passou a ser o caminho seguido pelos produtores de humor nacional.

A criação passou a ser trabalhada no sentido de estar em permanente

sintonia com a imaginação e a cumplicidade dos leitores, sempre dispostos

a decifrar o contexto subentendido nas entrelinhas. Através da obra destes

autores identifica-se a presença de uma fala que necessita interpretação e

onde se observa facilmente as relações que esta apresenta com o contexto

antagônico em que foi criada.

Para conseguir soltar-se das amarras da censura, a imaginação era

altamente solicitada, trabalhando a todo vapor. Tudo era sugerido,

implicitado, subentendido, entrelinhado. Os acontecimentos políticos eram

referidos de maneira indireta e identificados pelo leitor a partir de um olho

treinado pela necessidade de comunicação no silêncio. É a paródia sem

limites como forma de libertação de toda e qualquer espécie de repressão.

As histórias produzidas pelos quadrinhistas atuantes na década de 70

se transformavam, desta forma, em verdadeiras fábulas de referência

política. O grande esforço era feito no sentido de entrelinhar o máximo

possível sugestões analíticas sobre a realidade do Brasil. Censurados

ambos, literatura e humor, este último levava a vantagem do implícito que

sempre fez a sua força, que sempre foi próprio do humor. A estratégia das

entrelinhas, no entanto, vai além do simples implicitar. O grande mérito dos

quadrinhos deste período foi a tentativa de se passar uma mensagem

interditada pela censura prévia, construindo uma espécie de jogo de

esconde-esconde com os censores. Diante da impossibilidade de

explicitação dos fatos políticos, a solução era insinuar, sempre contando, é

claro, com a cumplicidade e o entendimento do leitor.

27

A construção de uma técnica essencialmente voltada para o implícito

alcança níveis de refinamento surpreendentes no trato com a censura. Não

podendo atacar o regime diretamente, os humoristas tratam de ridicularizar

uma série de fatos sociais coerentes com a lógica do sistema. A moral e os

costumes da classe média, assim como os últimos acontecimentos político-

sociais do período recebem um tratamento todo especial por parte dos

criadores do humor impresso. Isso sem falar da hierarquia e disciplina

militares, um dos alvos preferidos para os ataques dos humoristas.

Quando as entrelinhas e a intuição do leitor se encontram é que

acontece o milagre. Percebidas pelo leitor, as insinuações provocam o riso

da desforra, do desafogo, da identificação, surgido através do

desnudamento e da agressão ao sistema de que ele é vítima. O humor

aparece, aí, como uma espécie de terapia coletiva, onde a cumplicidade

com o leitor deriva da impossibilidade de ambos — criador e consumidor

— de intervir no desenrolar do processo político.

O riso e o sério se integram, formando uma coisa só. O humor e a

seriedade, ingredientes tão opostos, passam a se voltar contra o mesmo

objeto: as regras do regime. O objetivo é idêntico: contestar. Os dois

processos convergem para um mesmo ponto — quando não se pode

argumentar abertamente contra o sistema, combate-se a sua lógica

implicitamente. De uma forma ou de outra, desponta a crítica contra o

autoritarismo, objetivo último da produção artística engajada daqueles

anos.

No livro O Pasquim e os Anos 70, José Luiz Braga se refere ao

humor de resistência como uma "proposta de raciocínio contestador que

estimula o leitor a partilhar uma postura crítica" diante da realidade em que

vive. Na opinião de Braga, a sátira atinge o máximo de eficiência a partir

do momento em que o humor passa a servir como aguçador da percepção

28

em busca de subentendidos. "A descoberta das implicitações sérias

propõem um prazer lúdico próximo ao prazer próprio do riso", conclui.

Foi no período de maior repressão, entretanto, que a sensibilidade

frente aos acontecimentos políticos e a tentativa de se fazer subentender as

coisas aflorou com mais força no trabalho dos quadrinhistas brasileiros. De

1970 a 1974, o quadrinho alegórico foi presença marcante no trabalho de

muitos deles. Apesar de todas as dificuldades, importava resistir.

A alegoria da realidade brasileira começa já na constituição do tipo

físico dos personagens, ampliando-se para os enredos e os diálogos de

HQs. O resultado são tiras extremamente ricas em sua denúncia social que

refletem uma busca de um conteúdo voltado para os assuntos nacionais e,

mais ainda, que retomam a brasilidade que a invasão de super-heróis

estrangeiros insiste em excluir do panorama quadrinhístico.

No trabalho de Henfil, muitas vezes os quadrinhos substituíam o

cartum por uma necessidade de compreensão maior por parte dos leitores.

Quando a comunicação através do cartum fica limitada — porque o cartum

exige uma série de conhecimentos para entender os símbolos utilizados —

o jeito era apelar para a história em quadrinhos, onde pode-se ir explicando

aos poucos, criando o clima para o último quadrinho, que termina sendo o

cartum anteriormente incompreendido.

O desenvolvimento do cartum e da charge como expressão do

inconformismo também se a deve existência de um acordo implícito entre

os humoristas de não se produzir caricatura. Este tipo de linguagem, além

de popularizar o criticado, representa um perigo maior frente à censura. A

partir do momento que individualiza o ataque, o caricaturista fica mais

vulnerável a retaliações. A produção deste tipo de humor, portanto, foi

reduzida de forma drástica, sendo substituída pelo cartum e pela charge,

29

que ao se referir a situações mais genéricas conseguem "passar o recado"

de forma não menos eficiente.

A produção caricatural só retomaria sua força após a derrota da

linha-dura militar, a partir de 1977. A única exceção está nas capas do

alternativo Opinião, que trabalhava muito explorando muito esta forma de

linguagem. No final da década de 80, a caricatura voltou a ser modalidade

dominante no trabalho de Chico e Paulo Caruso, este último com seu Bar

Brasil, posteriormente modificado para Avenida Brasil.

O relato cartunístico não representa apenas um trabalho de crítica ou

sátira, indo muito além disso. Mais do que um trabalho de humor, o cartum

é um trabalho de documentação histórica concomitante ao momento em

que ela está ocorrendo. O cartum da década de 70 conta a história do país

com mais verdade do que muitos livros de história mais voltados para a

versão "oficial" dos fatos. O desenho cartunístico documentou devidamente

uma época difícil para o país, fugindo de todas as mentiras do Brasil do

Milagre. O humor político dos cartuns e quadrinhos conduzem a um outro

nível de conscientização que leva até a realidade. Na falta de outros meios,

o humor possibilita a informação a respeito de situações reais, sejam elas

políticas ou sócio-econômicas.

Até a censura cair, o humor foi um sinal de fumaça da notícia. Muita

gente se especializou em saber dos fatos do país lendo cartum. A partir do

momento em que acabou a censura nos jornais é que o cartum abandonou o

posto de divulgador para voltar à função de ilustrar, comentar ou criticar os

fatos já noticiados.

O pasquim — celeiro dos humoristas da geração pós-68

30

O fechamento dos poucos espaços para publicação da produção de

humor nacional e a fúria criativa desencadeada pelo que de grotesco existia

no golpe levaram os criadores de HQ a sentir a necessidade de um veículo

próprio, independente, que servisse como porta-voz da produção nacional.

Os jornais estavam tomados pelas tiras estrangeiras, bem mais baratas que

as nacionais devido ao sistema de distribuição dos sindicatos americanos e,

além disso, estavam distantes dos problemas políticos do período. Para os

veteranos já com algum espaço garantido para publicar, tratava-se da

vontade de contar com um veículo onde pudessem criar mais livremente.

A primeira tentativa no sentido de encontrar um canal de expressão

do humor que se produzia, à época, havia sido abortada quando da morte

repentina de Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta. O famoso criador do

Festival de Besteira que Assola o País (Febeapá) havia lançado, em agosto

de 1968, a revista Carapuça, que na época vendia cerca de 18 mil

exemplares. Com todo o esquema de distribuição e divulgação já montado,

a Carapuça representava uma ótima oportunidade para os humoristas

sedentos de novos espaços. A idéia de união a Sérgio Porto veio de Tarso

de Castro, que, junto com outros humoristas, achou que não valia a pena

dar seguimento à proposta sem a presença de Stanislaw Ponte Preta, cuja

fama garantia os alicerces da publicação.

Ao grupo de humoristas ansiosos por novos rumos restava a

construção de um canal próprio, onde pudessem dizer o que queriam e da

forma como achassem melhor. O primeiro pensamento veio no sentido de

se fazer uma cooperativa de humor, idéia dada por Fortuna e que não

vingou pelas discordâncias em relação à forma de propriedade. Os

cartunistas consagrados não achavam correto ter o mesmo espaço e os

mesmos direitos dos humoristas jovens. O problema culminou com o

rompimento do grupo — os humorista mais novos, liderados por Henfil,

31

resolveram criar uma dissidência onde se incluíam Miguel Paiva, Juarez

Machado e Wagner Tadeu. Jaguar, então, propôs a criação de um jornal

distante dos moldes de A Carapuça e que, ao invés de cooperativa, fosse

uma sociedade, onde os profissionais do humor entrassem apenas com o

know-how.6

O surgimento do Pasquim e a linguagem imprimida aos seus textos

vem refletir também na produção de quadrinhos e cartuns publicados no

alternativo. O novo grupo de humoristas do período passa a incorporar em

seu trabalho uma linguagem onde a coloquialidade é marca registrada. Os

diálogos entre os personagens traduzem uma oralidade bastante evidente,

onde a escrita é a própria fala. A simplificação através do coloquial e do

popular constitui todo um novo modo de expressão, dotando o texto de

cada quadrinhista ou escritor dos atributos de expressividade de sua fala.

Vide Henfil, cujas entrevistas são um espelho de seus cartuns e,

principalmente, da narração que desenvolve em seus livros como Diário

de um Cucaracha ou Henfil na China.

O estilo coloquial, herdado do Febeapá Festival de Besteira que

Assola o País de Sérgio Porto e, mais remotamente, do Barão de Itararé,

não ficou, entretanto, na mera transferência da linguagem do dia-a-dia para

os textos das HQs. Além da presença das gírias e expressões em moda do

período, havia toda uma construção de novas palavras com base na fusão

de dois ou mais termos. Pode-se tomar a produção de Henfil como

exemplificadora a partir do momento em que ela inclui nas palavras de

terminação inho o sufixo im. Assim, temos: fradim baixim, fradim

cumpridim, zeferinim...No trabalho do cartunista aparece, também, uma

nova gama de palavras, a exemplo de sulmaravilha, putisgrila, cacilda,

tutaneia...Exemplo mais perfeito ainda é a famosa definição do Pasquim

para os anos 70: "Decadazinha Fedapê".6 BRAGA,José Luiz. O Pasquim e os anos 70,p.33.

32

Por outro lado, os quadrinhos brasileiros sempre foram pautados, em

suas vertentes cômico-satíricas, por uma forte origem caricatural. É a partir

de Angelo Agostini que esta característica fica mais evidente. Os traços

caricatural e chargístico se mostram quase sempre através da sátira política

e/ou da crítica de costumes e da moral vigente. Igualmente caricatural, o

cartum tem dado, ao longo dos anos, sustentação ao quadrinho tupiniquim.

A relação quadrinho/cartum, já presente nas obras de criadores como

J. Carlos e Péricles, recebe um novo impulso na década de 60,

principalmente depois de 64, passando a se tornar característica básica do

humor que se fazia então. Mesmo os criadores que surgiram nos anos

anteriores aos 60 — Fortuna, Ziraldo e Jaguar, só para citar alguns

exemplos — teriam o seu trabalho amadurecido através do cartum, surgido

da necessidade política de demonstrar insatisfação frente a todo um estado

de coisas.

A coisaApontado, por muitos, como o filhote de O Pasquim. Uma das

primeiras publicações do gênero que surgiu em Salvador na década de 70,

comoeçou em formato de jornal, como suplemento da Tribuna da Bahia, A

Coisa. E depois virou a Coisa Nostra, com uma vida curta quatro

edições.

Os cartunistas e estudiosos dos quadrinhos na Bahia sentiram

necessidade de divulgar os seus trabalhos, torná-los conhecidos. Na

impossibilidade de se produzir, por falta de recursos, um jornal

independente, surgiu a idéia de fazer um suplemento que veiculasse na

grande imprensa. O grupo decidiu apresentar à diretoria da Tribuna da

Bahiaescolhida porque, além de ser o jornal mais aberto a inovações,

Lage já trabalhava na empresa como cartunistao projeto de um

suplemento de humor e quadrinhos. A idéia foi bem aceita, contando com o

33

importante incentivo de um dos diretores, o jornalista Jairo Simões, já

falecido. Ficou acertado que a empresa de responsabilizaria pela

comercialização do espaço publicitárioa forma encontrada para sustentar

o projeto, pela composição dos textos e impressão do jornalzinho. O

suplemento, tamanho tablóide, teve veiculação semanal, todas as sextas-

feiras, com oito páginas. A Coisa foi o nome escolhido pelo grupo para o

tablóide.

Durante a semana que antecedeu o lançamento, saíram chamadas na

primeira página do jornal anunciando a chegada de A Coisa. A primeira

chamada teve problemas com a censura. O diagramador colocou, não se

sabe se intencionalmente, ao lado da notícia que anunciava o

pronunciamento em cadeia de rádio e televisão que seria feito pelo

presidente Ernesto Geisel, um desenho anunciando A Coisa. Este desenho,

feito por Lage, era um vaso sanitário, de onde saía um balão com os dizeres

"A coisa vem aí" e utilizava a linguagem onomatopéica para produzir o

barulho da descarga "splosh!". Isso foi o suficiente para que os censores de

plantão acusassem o jornal de está desacatando o presidente. Mesmo

depois deste incidente, a direção do jornal deu total liberdade à equipe do

suplemento, que não teve um trabalho sequer censurado, apesar de ainda

ser rotina das redações dos jornais a chegada de bilhetes proibindo

determinadas notícias.

Por motivos econômicos, a partir do nº. 26 a direção da Tribuna da

Bahia decidiu acabar com o suplemento. A Coisa foi reduzida para uma

página, passando a ser publicada na página 11 das edições de sexta-feira da

Tribuna da Bahia até o nº. 32(12/03/76), quando veiculou pela última vez.

Ironicamente, era um momento em que os leitores, através de cartas,

reinvindicavm a ampliação do suplemento. Com a drástica redução, as

seções eram revezadas semanalmente. Essa mudança dificultou e

34

desestimulou bastante o trabalho de equipe. Com o dinheiro economizado

durante a veiculação de A Coisa, a equipe se mobilizou e no dia 18 de

junho de 1976 lançou o tablóide Coisa Nostra, cujas 20 páginas incluíam

reportagens, colunas de cinema, música e cartuns. O editorial do número

um alertava que o "importante é que riso não fique na boca. Ele tem que

dar uma chegadinha na consciência". Coisa Nostra só teve quatro

números.

Henfil por um fio

35

Com seu desenho simples, despojado, de traço vigoroso, ele é a

assinatura de um período e de um pensador. No seu trabalho o país

encontrou uma de suas mais completas traduções políticas. Sintetizador de

muitas idéias, Henfil desafiou a burrice ditatorial de seu país ao apresentar,

na boca de seus personagens, um inconformismo carregado de humor. No

seu trabalho, as idéias importavam mais que o traço — econômico,

estilizado, apenas sugerido. As falas dos personagens, lidas hoje, ainda são

atuais, ainda são capazes de significar o presente.

Simples, direto, apaixonado, lúcido, ele contribuiu como oposição à

política dominante, como contestação ao silêncio e à repressão, como

criação original e como sustentação de valores populares. Contribuiu com

um humor ácido, mordaz, sem freios, extraído dos fatos, da situação

política, da conjuntura, do comportamento.

O ritmo narrativo de suas histórias é construído de forma muito

eficaz, através de uma constituição de um esquema de preparação, suspense

e surpresa final, que desemboca no último quadrinho. Ao mesmo tempo, o

cartunista mineiro extrai de seus personagens o máximo de intensidade

dramática e de fluência narrativa.

Ao contrário dos inúmeros personagens que passavam pelas páginas

de jornais, como o Pasquim, de forma rápida e efêmera, Henfil elaborava

para as suas criações todo um perfil psicológico que seria a sua marca

registrada em todas as histórias. A personalidade de cada personagem passa

a ser do conhecimento do leitor, que a identifica nas mais variadas

situações apresentadas nos cartuns e histórias em quadrinhos. Com isso, em

lugar da simples anedota surgem espécies de fábulas constitutivas de um

modo próprio, onde os personagens evoluem dentro de seu próprio

referencial.

36

Henfil, aliás, é um dos poucos humoristas a desenvolver histórias

com personagens fixos. Alguns personagens, como o Sig, chegam a servir

de suporte para várias tiras, e adquirem flexibilidade dramática para o

desenvolvimento narrativo. Na maioria dos casos, o personagem aparece

como facilitador da intenção de se transmitir uma mensagem. A

intensidade, então, passa a estar tanto no argumento, quanto nos

personagens. Em Henfil argumento e personagens caminham juntos. Além

de reconhecer o traço, o leitor do cartunista mineiro passa a identificar os

personagens e as situações em que eles se envolvem.

Seus personagens inspiram até hoje outros humoristas. Na televisão,

tem-se Ubaldo inspirando um antigo personagem de Jô Soares, que só

sabia dizer "Não me comprometa!" e "Da minha casa não, não telefono da

minha casa" . E uma das personagens de maior sucesso de Chico Anísio : a

Salomé inspirada nas cartas de Henfil ao "primo" Figueiredo . E há toda a

nova geração de humoristas que se reuniram em torno da Revista Chiclete

com Banana e que até hoje criam personagens ligados aos de Henfil, como

é o caso de Os skrotinhos, de Angeli, filhos confessos do fradim baixim.

Âmbito baiano

37

Os desenhistas mais destacados do século XIX foram H. Odilon, J.

Cardoso, Gavarni e Fortunato Soares dos Santos. Na Bahia, alguns

desses artistas usaram o desenho para comentários sobre a política, quase

sempre, com o formato tablóide, eram contadas histórias através de

desenhos impressos apenas num dos lados e, geralmente numerados.

BAHIA ILUSTRADA

Nº.01 ao nº.26 - 1867, H.Odilon

Nº.27 em diante - J. Cardoso e H. Odilon

O FAÍSCA - Durou até o nº.79 (22 de outubro de 1885)

1885 a maio de 1886 - Gavarni (Nº.04 ao nº.55)

1886 - Fortunato Soares dos Santos(Aluno de desenho de

Cañysares na antiga Academia de Belas Artes), (Nº.56 ao nº.79)

A MALAGUETA - Durou de 15 de dezembro de 1897 a 23 de dezembro

de 1898

1897 e 1898 - Fortunato Soares dos Santos

Esses desenhistas exerceram grande influência em muitos artistas da

época, ajudando a estabelecer a Bahia como um dos centros criativos do

humorismo.

As publicações ilustradas criaram um vasto repertório iconográfico,

até hoje carente de melhores avaliações, cuja difusão levou vantagem sobre

as outras formas de expressão visual da época. Essas publicações foram

mais pródigas do que as belas artes na elaboração e divulgação das imagens

do cotidiano do país e da vida corrente.

38

Desde o dia 28 de julho de 1831 já circulava em Salvador, O

Pereira, jornal humorístico que durou até abril de 1832, com 26 números.

Reapareceu em 1835 a 1836. Depois disso surgiram O Pereirinha, A Ronda

dos Capadócios, O Diabo a Quatro, O Diabo Coxo, O Mequetrefe, A

Mutuca, O Patusco entre outros. No período de 1880 a 1900, a Bahia já

publicava mais de 50 periódicos humorísticos de pequeno formato e de

curta duração. Entre eles estão O Satanaz, A Troça, O Neto do Diabo, O

Papagaio, Foia dos Rocêro e D. Ratão. Satíricos, audaciosos, irreverentes.7

Mercado Profissional

O mercado gráfico baiano sofre com as castrações impostas pelos

jornais. Tomando como exemplo o Jornal A Tarde, observamos que por ser

o veículo de maior importância na Bahia e, que como tantos outros, atende

a diversos interesses, acaba comprometendo a liberdade de criação do

artista devido às imposições editoriais. Diariamente, há uma encomenda de

ilustrações que passa pelo crivo do chefe de redação, Cruz Rios, ele faz a

escolha num esquema de rodízio de ilustradores.

Há, também, um desconhecimento dos próprios jornalistas que por

não saberem o que significa charge, solicitam ilustrações que não

condizem com o fim a que elas se destinam.

Há uma necessidade de mudanças nesse veículo, mudanças essas de

caráter estrutural e conjuntural. Os ilustradores, é como são reconhecidos,

ainda lidam com lápis de cor, hidrocor, papel e lápis preto, o que os deixam

em desvantagem em relação aos chargistas do sul que têm acesso à

7 CRUZ,Gutemberg. Feras do Humor Baiano, p.17.

39

computação gráfica que é o maior aliado dos profissionais da área da

ilustração jornalística.

Não há um critério na escolha das charges e, o que acontece com

freqüência, é a publicação de charges de fatos com 2 dias de atraso. Isso se

dá devido à maneira como é escolhida e fechada a 6ª. Página; é feita pela

manhã, ignorando os acontecimentos que ocorrem ao longo do dia, sendo

que o editor de política trabalha à tarde. Isso acaba culminando na

defasagem da notícia, pois os assuntos que surgem, podem suscitar outras

abordagens que só poderão ser veiculadas no dia seguinte ou dali a dois

dias.

Tomando como outro exemplo a Tribuna da Bahia, observa-se que

Lage conquistou a liberdade de criação no veículo, ele é quem responde

pelas tiras e charges diárias. A ele é permitido criar e, veicular, todas as

suas idéias sem censuras e castrações. É aí que ele desenvolve sua verve

artística crítica, explorando os costumes baianos e satirizando os fatos

políticos.

Por pressão do mercado, alguns profissionais têm que pagar pela

falta de opções e pela imposição da dura realidade, onde a sobrevivência

fala mais alto do que a ideologia da liberdade total de criação.

Como é feita e quem a faz

40

A TARDE

ANTÔNIO CARLOS FRANÇA OLIVEIRA

Natural de Itiruçu (Bahia), 49 anos, Carlos França passou toda a

infância em Feira de Santana, onde começou a desenvolver suas

habilidades profissionais numa agência de publicidade.

Em 1974, entrou para a Escola de Belas Artes da Universidade

Federal da Bahia, onde fez o curso de Artes Plásticas, desenvolvendo

várias técnicas com os professores Juarez Paraíso, Onias, Camardelli,

Graça Ramos e outros.

Ingressou no jornal A Tarde em 1975, como ilustrador e chargista,

funções que vem desenvolvendo até hoje. Ilustrou livros de Jorge Calmon

( Grã-Colômbia Vista e Comentada), Sílvio Simões (Fantoches); Adroaldo

Ribeiro Costa (Igarapé); Antonio Sobrinho (Cicatrizes) e Sérgio Mattos

(Poema Cartaz).

Participou do I Salão de Verão, realizado em 1977, no Museu de

Arte da Bahia, e da mostra Quadrinhos na Imprensa Baiana, realizada

também em 77, no Instituto Cultural Brasil-Alemanha (ICBA), expondo o

personagem Bacuri, que era publicado em tiras de A Tarde. A pintura

ocupa suas horas vagas, já tendo participado de várias exposições coletivas.

É ainda programador visual do Sesc/Senac, onde desenvolve trabalhos em

editoração eletrônica.

41

42

TRAÇO

Quando entrou na Escola de Belas Artes se identificou muito com O

Pasquim, lia todos os exemplares mas, não tinha idéia de ser chargista.

Gostava muito do traço do Henfil mas, foi Ziraldo quem mais o inspirou e

deu-lhe este traço limpo e com uma certa carga no semblante dos

personagens. Atualmente, tem muita admiração pelo trabalho do Angeli da

Folha de São Paulo, Caruso do Globo, Reinaldo e Douglaz de A Tarde.

REINALDO ROCHA GONZAGA

Nasceu em Buerarema (Bahia), 46 anos, passando a residir em

Itabuna, onde começou a desenhar, ingressando depois no curso de

Desenho Artístico e Publicitário.

43

Em 1973, iniciou seus estudos na Escola de Belas Artes da

Universidade Federal da Bahia, formando-se em Artes Plásticas. Durante

os estudos, exerceu atividades de monitor de composição decorativa de

Desenho Artístico na EBA.

Em 1974, prestou concurso para chargista em A Tarde, passando a

pertencer ao quadro funcional do jornal, onde ainda trabalha. Em 1977, foi

selecionado no concurso para programador visual do Instituto de

Radiodifusão Educativa do Estado da Bahia (IRDEB), para participar da

implantação do Projeto de Radiovisão, convênio Brasil/Canadá, função que

ainda exerce.

No campo da pintura, Reinaldo Gonzaga participou de várias

exposições coletivas, realizou projetos de decoração da cidade (Carnaval) e

trabalhos muralísticos. Como ilustrador, produziu capas de livros e ilustrou

publicações nas áreas de educação, política, trabalhos técnicos e de

literatura.

Reinaldo tem a preocupação com a beleza gráfica do seu trabalho

para que alcance seu objetivo de respeito ao leitor e ao compromisso

consigo mesmo de criar com qualidade. Ele aposta na delimitação no

trabalho do chargista para que acabe a função de "faz-tudo". Ele reconhece

que com o espaço que as charges vêm ganhando com o passar dos anos na

mídia (Tv, jornal), não há lugar para ilustrações mal elaboradas que

desmerecem o leitor.

Rei, assinatura do artista, defende a idéia de que a charge é a

mediação entre o público e os políticos e empresários, exerce o direito de

resposta do povo, pois a charge existe para criticar, informar, alertar e

divertir. A crítica tem que ser feita sem parcialidades e, para tanto, é

necessário que o artista não tenha ideologia política radical.

44

TRAÇO

Reinaldo não se prende a um estilo único, seus desenhos quase

sempre abordam temas nacionais e locais. Sofreu influência no início de

45

carreira de Ziraldo pelos desenhos clássicos, mais bem acabados, de maior

proximidade com o real , com mais volume e sombras.

DOUGLAZ GENTIL BARBOSA

Paulista, 44 anos, Douglaz venceu o Salão da Faculdade de Artes

Plásticas de Santos(SP), em 1980, na categoria Desenho, e, também

primeiro lugar na categoria Charge, no Salão de Humor de Aracajú.

Suas primeiras publicações foram em jornais alternativos —

Pasquim/Rio e Preto no Branco/SP — e em revistas — Homem, Privé e

Chic — no esquema free-lancer.

Sempre trabalhou com ilustração jornalística, veio para Salvador em

1985, trabalhando inicialmente no jornal Afrobrasil e Tribuna da Bahia.

Em 1987, ingressou em A Tarde.

46

TRAÇO

Douglaz não se preocupou em criar um estilo próprio

deliberadamente, seu estilo foi se formando no dia-a-dia. Talvez, isso se

deva á sua entrada descompromissada na área gráfica. Inicialmente, ele

teve que fazer, por exigência do trabalho, um pouco de tudo, retoque de

fotografias, ilustrações, vinhetas, logotipos, mapas, retratos, etc.

A partir daí, ele se identificou com os desenhos de Jaguar e Glauco,

que tinham o trabalho mais espontâneo e com uma carga maior, ou seja, um

47

desenho mais pesado devido a influência do material que lida que é a

política.

TRIBUNA DA BAHIA

HÉLIO ROBERTO LAGE

Arquiteto e pintor nas horas vagas, 52 anos, ele procura se

aprofundar mais em nossas questões políticas e culturais tendo um lado

humorístico nato em contrapartida ao seu temperamento melancólico.

Lage traz um humor sem retoques — autêntico e mordaz que se

cristaliza através de problematizações sociais e culturais. Nas suas tiras ele

mostra o relacionamento humano, seus conflitos e inseguranças, o dia-a-dia

do baiano.

Começou profissionalmente em 1967, ganhou o seu primeiro prêmio

no concurso da Toddy com 8 anos de idade. Acompanhou o trabalho de

Jaguar, Fortuna, Millor e Henfil, cartunistas do sul do país, de quem diz

apreciar o dinamismo e conteúdo ideológico dos trabalhos.

Foi descoberto por um jornalista e foi trabalhar como ilustrador na

Revista de Turfe. Em 1969 começou a desenvolver charge e tiras de humor

no jornal recém fundado, Tribuna da Bahia, ambiente em que Lage já vive

há 27 anos.

O humor caligráfico de Lage tem uma marca pessoal muito forte e

traz, por inteiro a perplexidade nossa de cada dia. Esse humor vem pelos

quadrinhos cartunísticos que se cristaliza através de problematizações

sociais e culturais. Conferindo ainda seus efeitos ideológicos e sua

48

marcante criatividade. Enquanto muitos desenhistas se distanciam dessa

nossa realidade em seus trabalhos, Lage procura se afundar mais em nossas

questões políticas, sociais e culturais. Ele esboça nos seus desenhos de

traços finos, cortantes, comportamentos dos homens da sociedade atual.

A obra de Lage adentra as relações afetivas, vasculha detalhes das

relações de classe escancara os valores do imaginário do autor. Aborda

temas de caráter intimista pontilhados de crítica à realidade sócio-política-

econômica do país, extrapolada muitas vezes quando o fato que questiona

alcança uma repercussão mundial. Ele é o chargista crítico dos desmandos

do poder, exercendo a cidadania tal qual a princípio lhe é conferida como

um direito natural e constitucional, no papel de fiscalizador dos atos dos

políticos e dos governantes, e atinge o seu auge no objetivo quanto o tal

almejado feed-back é de sucesso absoluto: menções na mídia, processos,

como o que, em 1992, moveu o ex-governador da Bahia e senador da

República Antônio Carlos Magalhães por se sentir prejudicado pelo traje

listrado que lhe conferiu o artista, entendido com indumentária típica de

presidiário ou de um criminoso.

O humor se faz presente com uma carga ideológica misto de humor

negro e da sutileza de uma piada bem contada entre amigos. A intimidade

que revela com os personagens e com o público tem origem no cotidiano e

no acompanhamento dos fatos que fatalmente interferem nas relações

sociais quando devidamente dissecados pelas partes interessadas.

49

50

TRAÇO

No início do seu desenho, Lage era muito calcado em Jaguar , o

traço, a proximidade com temas populares. Do passado gostava muito do J.

51

Carlos, teve influência também do Carlos Estevão. Começou pelo

Ziraldo, tentava e não conseguia fazer os traços certinhos, tentava copiar.

Começou através desses desenhistas até que chegou a um traço

próprio, caligráfico, um traço que, segundo ele, é quase "psicográfico".

Ícones das artes gráficas

O lápis irreverente de Manoel Paraguassú é pouco lembrado hoje

em dia. Bastante malicioso, não perdoava um defeito. Com rara felicidade,

o artista traçou os perfis de pessoas destacadas na política, no comércio e

nas indústrias da nossa terra. Fino e espirituoso, marcou época na caricatura

da Bahia, publicando nas revistas A Rensacença, A Fita, Única e nos

jornais A Tarde, Diário da Bahia, O Imparcial e Diário de Notícias. Foi

comedido, mas não lhes perdoou o lado cômico ou mesmo levemente

ridículo.

Raymundo Aguiar, ou K-Lunga, como assinava seus trabalhos, se

dedicou ao desenho, charge, caricatura, gravura, xilogravura e pintura,

distinguindo-se em técnicas como gravura a água-forte, a água-tinta, pastel,

óleo e xilogravura.Sua obra de desenhista, além do valor intrínseco, é

importante por ter registrado, de forma autêntica, acontecimentos sociais e

políticos de sua época. Os desenhos de K-Lunga caracterizam-se pela

maneira irônica de mostrar a sociedade burguesa: sua elegância e

esnobismo eram os pontos ressaltados. Suas charges políticas têm caráter

chistoso, movimentado e retratatm legítimo quadro de costumes dos

bastidores da democracia brasileira. Começou sua vida artística como

52

caricaturista no jornal A Tarde, em 1917, e, em seguida, nas revistas

Cegonha e Renascença. No dia 10 de dezembro do mesmo ano iniciou a

campanha contra o governador Antonio Muniz, que teve sérias

conseqüências: a charge "Cobrindo Estátuas" levou a gazeta A Hora aos

tribunais, e uma outra, "Transformações" (24/05/1918), empastelou o

jornal. Como caricaturista, trabalhou ainda nos jornais O Imparcial, Jornal

de Notícias, A Noite e nas revistas A Luva, A Fita, A Garota, A Farra,

Melindrosa, Revista da Bahia. Ünica e Rensacença, ficando preso durante

36 horas, em 1930, no período da Revolução, por causa das caricaturas.

Pintor, chargista e publicitário, Nicolay Tishchenko divulgou seus

primeiros trabalhos na revista russa Política. No Brasil, seus desenhos

foram publicados de 1958 a 1975 no jornal A Tarde, nas seções O Sorriso

da Semana, Bola na Rede, a Charge Política e outras. Seu traço era

marcado pela sensibilidade européia e, naquela época, foi uma grande

sensação no mercado. A repercussão das charges publicadas em A Tarde

incentivou o desenhista a reuni-las no livro "Charges".

Com atuação em quase todas as áreas, Sinézio Alves foi pintor,

escultor, caricaturista e cenógrafo. Gritar contra as injustiças, as trapaças e

as falcatruas foi sua bandeira. Sofrendo os rigores da censura do Estado

Novo, aprendera a adotar subterfúgios para driblá-la. Ensaísta, poeta,

caricaturista, Fernando Diniz fez sua primeira caricatura em 1936, quando

era então aluno do Ginásio da Bahia. Nesse período escolar, em parceria

com o poeta e caricaturista Jessé de Oliveira Sá, criou um órgão

humorístico, O Tacape, onde satirizava,-se os fatos e vultos da vida cultural

e escolar. Publicou nas revistas América, Única e Fita e no jornal A Tarde.

Em seu trabalho destaca-se a crítica corretiva, ainda que corrosiva, da

53

sociedade ou do indivíduo, coexistindo o traço e o verso chistoso que se

completam,

Gonzalo Cárcamo é um chileno que veio para o Brasil em 1976

para concluir seus estudos de Arquitetura. Escolhera a Bahia como lugar

para viver e instalar seu tão esperado atelier. Seus desenhos, na realidade

belíssimas aquarelas, chegavam às páginas do Pasquim, e ele recebera dos

amigos Jaguar e Luís Trimano o incentivo necessário à sua carreira de

cartunista. Mais tarde começa a publicar suas caricaturas, feitas em

aquarela e óleo, no Jornal da Bahia, O Estado de São Paulo, revista Isto É,

Palyboy, Gráfica, entre outras. Esse talento ele imprime em aquarela, lápis,

bico de pena, ecoline, óleo acrílica, despindo personagens célebres com

um humor cáustico e refinado. O virtuosismo de seu traço é comentado por

diversos desenhistas.

Mais cartunista que desenhista ou chargista, Josanildo Dias Lacerda,

o Nildão nasceu no dia 02 de fevereiro de 1953, em Monte Orebe, Paraíba.

Nunca pensou em desenhar na sua vida. Quando menino, gostava de ler

histórias em quadrinhos de Luluzinha, Pernalonga, Dom Quixote. Na sua

adolescência gostou muito do Pererê e só depois de ler O Pasquim

descobriu a sua aptidão para o cartum, largou o curso de Medicina para

fazer Jornalismo, já sonhando em mostrar através do desenho humorístico

uma realidade.

Começou logo a copiar o que via no Pasquim, até que sentiu

necessidade de melhorar e partiu para seu traço e estilo próprios. Seu

primeiro trabalho foi publicado num jornalzinho do interior e, logo em

seguida, no Jornal da Cidade, em Salvador. Depois, no Jornal da Bahia. O

54

público só veio conhecer mesmo seus desenhos no suplemento A Coisa, da

Tribuna da Bahia.

Nildão participou depois de dois jornais Coisa Nostra e Na Era dos

Quadrinhos, mas a duração foi pouca e ele se viu restrito a mostrar os

trabalhos para os amigos e engavetar no final do dia. Sentindo necessidade

de mostrar sua arte a um público maior, adaptou seu estilo às histórias em

quadrinhos e criou Os Bichim. Convidado pelo Centro de Pesquisa de

Comunicação de Massa para integrar a equipe de quadrinhos do jornal A

Tarde, Nildão conseguiu publicar sua tira diária(1977) que tinha o título de

Os Bichim.

1980 - Lançou o livro Me Segura que eu vou dar um Traço, reunindo o

melhor material de seus oito anos como cartunista.

1986 - Co-autor do livro Plano Cruzado Tem que dar Certo.

1987 - Lançou o álbum Bahia Odara ou Desce.

1988 - Junto com Renato da Silveira, lança o livro de desenhos e grafites:

Quem não Risca não Petisca

1991 - Publica cartuns na revista de humor Pau-de-Sebo.

1992 - Publica cartuns na revista de humor Esfera do Humor.

1996 - A campanha que a Propeg/Bahia criou para a Bahiatursa com

cartuns de Nildão foi avencedora da Regional Norte/Nordeste do Prêmio

Abril de Publicidade 95. O trabalho também foi eleito como a Campanha

do Ano, no Prêmio Colunista Bahia/Pernambuco. Hoje ele trabalha como

designer gráfico.8

8 CRUZ, Gutemberg. Feras do Humor Baiano. P.99.

55

Jornalista, ilustrador, caricaturista, chargista, cartunista, cronista,

artista plástico, publicitário, quadrinista e ator Paulo Henrique Setúbal

costuma dar um traço próprio aos seus personagens. Natural de Candeias,

frequentou, por dois anos, a Escola Pan-Americana de Arte, em São Paulo.

Em 1974 teve seu primeiro trabalho publicado na imprensa, um cartum no

Joba, suplemento do Jornal da Bahia. Depois, em 1976 foi contratado pelo

Diário de Notícias para trabalhar com Eduardo Barbosa, um veterano dos

quadrinhos. De 1975 a 77, prestou serviços na área para a Tribuna da Bahia

e, em 1978 foi contratado pelo Correio da Bahia onde ficou até 86. Em 87

colaborou como ilustrador e caricaturista para A Tarde até 1993. Os traços

de Setúbal estão espalhados pelas páginas do Pasquim (1990/91), Coisa

Nostra (1976), Jornal de Salvador (1977), Jornal da Pituba (1986), JC Tour

(1988/93), Jornal do Plenário, da Assembléia Legislativa do Estado da

Bahia(1988), revistas Viver Bahia (1977), Panorama (1985),

Exclusiva(1988), Nave/RJ(1990), Pau de Sebo (1991), Revista da

Bahia91989/90), Veja Bahia(1990), ilustração do roteiro do filme Revoada,

do cineasta José Umberto(1985), criação, storyboard e animação da

mensagem de fim de ano da Rede Globo de Televisão com a equipe de

Felix Follonier(1984), out-doors, publicações de empresas e trabalhos

publicados em coletâneas,nas camisas de vários sindicatos, em bottons,

cartazes, etc. Seus desenhos são personalíssimos, com um senso sutil que

faz sorrir, mas ao mesmo tempo sua irreverência faz soar uma sonora

gargalhada, É um desenho debochado e baiano.9

Gutemberg Cruz nasceu em Salvador em 1954. Em 68 criou,

juntamente com alguns estudantes, o Centro de Pesquisa e Comunicação de

9 CRUZ,Gutemberg. Feras do Humor Baiano. Páginas 131 e132.

56

Massa(o antigo Clube da Editora Juvenil), órgão que estudou os

quadrinhos, cartuns, caricaturas, grafismo em geral. Na época eles

lançaram o fanzine Era dos Quadrinhos. Em julho de 70, escreveu no

jornal A Tarde a coluna semanal os Quadrinhos em Foco, que durou até

março de 72. De 1977 a 78 assinou a coluna Os Quadrinhos em Estudo

em A Tarde. Em meados da década de 80 publicou uma coluna diária,

Cronologia das HQs, no Correio da Bahia. Depois de publicar diversos

artigos sobre quadrinhos, cartuns e cinema no Jornal de Salvador, Notícias

da Bahia, Diário Oficial, revista Quatro Cantos e Revista da Bahia, entre

outras, passa a escrever a colunaQuadrinhos na Tribuna da Bahia de 1989

a 1991. De 1993 a 95 escreve a coluna semanal Quadrinhos no Bahia

Hoje.

Além de jornais, produziu programas nas rádios Educadora, Piatã,

Bandeirantes e na TV Itapoan. Ganhou o prêmio Parker de Jornalismo

Estudantil(1975), foi citado no livro Comics - The Art of the Comic Strip,

da Graphis Press, Zurich, 1972, recebeu os troféus Crítico do Ano no 4º.

Encontro Nacional de HQ, set/91, na cidade de Araxá, MG, e HQ Mix -

considerando o mais importante do mercado brasileiro de quadrinhos - em

São Paulo, pelo livro O Traço dos Mestres, em 1996. Atualmente, além de

escrever para jornais e revistas, está pesquisando e mapeando o humor

gráfico na Bahia.

57

CONCLUSÃO

A censura e a repressão quase uma década depois que a ditadura

militar, após muita mobilização popular, deu lugar à democracia, parecem

algo distante, simples. Por mais que haja esforço, não se consegue traduzir,

com exatidão, a dimensão exata do que significaram aqueles sombrios anos

para o desenvolvimento e para a vida de todo o país. A censura foi

estimulante para a criação, pois foi sob a pressão sofrida na época da

ditadura que surgiram os grandes nomes da arte gráfica humorística

brasileira.

Não se acomodar, muito menos se submeter a um regime arbitrário e

nocivo, foi o grande desafio de todos aqueles que não se intimidaram e

apresentaram alternativas que possibilitaram de alguma maneira o protesto

e a oposição a um regime indigesto.

O que se observa dentro das charges veiculadas todos os dias, é a

economia de detalhes devido a obrigatoriedade diária de criação que acaba

sendo o grande inimigo do artista que tem a liberdade como essência do ato

de criar e que a antiga conotação efêmera que a charge tinha está caindo

por terra devido à repetição dos problemas vividos.

Pouco se escreveu a respeito das obras gráficas baianas,

principalmente sobre o humor. Com exceção de esparsos ensaios na

imprensa, quase sempre insuficientes, nada lemos sobre o grafismo. A

pouca importância dada à obra gráfica vem do preconceito que muitos

estudiosos de arte alimentam em relação ao desenho e à gravura, pois esses

58

estudiosos só valorizam obras de parede a óleo, em vistosas molduras a

óleo ou esculturas.

As obras gráficas, muitas de autênticos valores sociais e culturais,

ficam no esquecimento total. O que muitos não sabem é que a maioria dos

grandes nomes da pintura realizou-se primeiro no desenho, na gravura.

Relegar a obra desses artistas a um segundo plano é desconhecer por

completo os caminhos percorridos, muitas vezes com maior acerto e

determinação do que na obra pictórica.

No jornalismo baiano, o humorismo gráfico ainda está aquém da

expectativa dos profissionais da área, devido à falta de incentivo dos

veículos locais que não fazem investimentos, atitude que os jornais do eixo

Rio-São Paulo tomam normalmente. O que também é observado é que a

presença das mulheres nesta área é quase nula, alguns atribuem esse fato

devido ser a charge um trabalho de cunho racional, não só plástico, e que

por ser o universo feminino permeado pela emoção acaba não facilitando o

seu ingresso nesse espaço.

Devido à falta de lugar no mercado, os artistas gráficos tendem a por

em segundo plano alguns ideais de satisfação profissional privilegiando a

necessidade de sobrevivência e também a aproximação da condição do

artista plástico, realizando exposições em museus e galerias, com charges e

cartuns emoldurados etc.

Esse é um perfil do jornalismo baiano e, consequentemente, dos

artistas gráficos que dele fazem parte.

59

BIBLIOGRAFIA

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* BRAGA, José Luiz. O Pasquim e os anos 70. Brasília, Editora

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Salvador, Empresa Gráfica da Bahia, 1997.

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60

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Bahia, 20 e 21 de maio de 1990.

* Vocabolario Zingarelli della lingua italiana, p.132. Bolonha, Editora

Zanichelli,1962.

61

* ENTREVISTAS *

Maio e Julho 1997 - Douglaz Gentil, nas instalações do Jornal A Tarde.

Agosto 1997 - Hélio Lage , na Tribuna da Bahia.

Outubro 1997 - Nildão , nas instalações da Produtora Manzana - Chiclete

com Banana.

Novembro 1997 - Reinaldo Gonzaga, por telefone.

Setembro 1998 - Gutemberg Cruz, por telefone e por fax.

Aluno concluinte - Cristiane Perrucho Pieroni

Orientador - Renato da Silveira

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Projeto Experimental 98.1- O Pasquim e suas influências

sobre a charge baiana.

resumo

Esse projeto busca estudar a informação contida na charge e seu

perfil no âmbito baiano. Será feita uma incursão pelos fatores que

influenciam a manufatura da charge nos jornais A Tarde e Tribuna da

Bahia, fazendo um contraponto; além de salientar a diferença de linha entre

os dois jornais.

Serão abordados os critérios para a elaboração e a influência que

sofrem da pauta, da linha política e/ou do projeto do jornal; e se há censura

na criação e como ela se dá.

Citaremos os artistas gráficos da atualidade e os ícones da geração

passada, entrando pelos anos 70 e suas criações. Apontaremos o poder de

criação desses artistas gráficos que tinham a ditadura como inspiração

maior e mais frutífera.

63