a bola de cristal dos gerentes

3
1 ANUALPEC 2007 A bola de cristal dos gerentes O planejamento de pastagens permite antever condições adversas e realizar em tempo ações necessárias para contorná-las Quase metade dos 45 a 50 milhões de hectares de pastagens cultivadas no cerrado apresenta algum grau de degradação, resultado do manejo inadequado da pastagem. As tecnologias para reversão desse quadro são muitas, geradas por diversas instituições de pesquisa, mas, para mostrar resultado, todas requerem um bom planejamento. O planejamento é a função básica da gestão. A falta de um plano que mantenha em equilíbrio a oferta e a demanda de forrageira é a causa da degradação das pastagens. Não raro, proprietários e gerentes desenvolvem planos com objetivos, metas e linhas de ação, mas os mantêm apenas na cabeça. Isso reduz sua abrangência e dificulta a avaliação e comparação de estratégias, bem como a comunicação com os demais envolvidos na produção e na administração. Sem contar que tais planos geralmente não contemplam a previsão de ações. Em geral, o planejamento informal consiste no “plano do ocorrido”: serve para conhecer o passado, mas não tem a visão do futuro. O planejamento formal, em contrapartida, tem as seguintes vantagens: Capacidade de utilização de medidas objetivas e de manipulação de maior quantidade de dados; Possibilidade de verificação dos dados, erros de estimativa e falhas lógicas, e aprendizado do sistema de produção; Documentação do histórico técnico-administrativo que auxilia na avaliação de erros e acertos ocorridos no passado; Promoção de um foco mais nítido para as decisões, evitando exageros na atenção a aspectos e problemas isolados, que nem sempre são relevantes. O objetivo do planejamento é definir as ações que conduzam o empreendimento a um estado desejado. Definem-se as metas, que representam o caminho a ser percorrido para a concretização dos objetivos. A gestão do planejamento compõe-se de análise, opção e decisão. Tais itens dependem da execução e do acompanhamento do plano proposto. São fatores relacionados com a qualificação e motivação da mão-de- obra, e com o comprometimento da gerência. Execução e monitoramento são interdependentes e são continuamente revisados para garantir o sucesso do planejamento, ou seja, a concretização das metas e dos objetivos. Fatores incontroláveis como clima, custo de insumos, preço de venda e políticas envolvendo o setor precisam ser considerados. Os fatores controláveis, geralmente ligados ao sistema de produção, são acompanhados o tempo todo, pois o monitoramento permite aferir os resultados do plano e identificar prontamente a necessidade de uma eventual intervenção. Existem metodologias específicas para o planejamento de pastagens, dentre as quais se destaca a existente no “Comunicado técnico n.º 100”, da Embrapa Cerrados, de Planaltina (DF). A publicação é de autoria dos pesquisadores Luís Gustavo Barioni e Geraldo Bueno Martha Júnior e intitula-se “Manejo para estimar o tamponamento nutricional para vacas de corte em sistemas pastoris”. Elaboração do planejamento forrageiro . O primeiro passo para a execução do planejamento das pastagens é a quantificação do estoque de forragem. Há vários modos de se estimar esse valor, seja por métodos diretos ou indiretos. O método direto é mais trabalhoso, porém mais confiável. Tais métodos, contudo, não são o objetivo deste artigo. Os efeitos da sazonalidade na produção de pastagens são amplamente conhecidos. Segundo vários pesquisadores, os capins tropicais concentram 80% de sua produção no período das águas, restando apenas 20% para o período sem chuvas. O ajuste do planejamento exige a estimativa do comportamento da produção desses períodos, efeito conhecido como variação estacional. Também é necessário projetar a dinâmica do estoque animal. As reses se desenvolvem, mudam de categoria, aumentam o consumo e vão para abate. As metas de desempenho do rebanho, bem como os abates e descartes, compõem a dinâmica do estoque animal, que precisa ser conhecida para que se possa estimar a demanda de forragem. Dinâmica do estoque animal . É necessário conhecer o peso médio das categorias existentes, bem como suas metas de desempenho e evolução do ganho de peso. Pode-se assim presumir também os abates e descartes. Tome-se como exemplo uma propriedade com 380 cabeças de recria e as seguintes metas: idade de

Upload: josmar-almeida-junior

Post on 25-Jul-2015

1.014 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: A bola de cristal dos gerentes

1

ANUALPEC 2007

A bola de cristal dos gerentes

O planejamento de pastagens permite antever condições adversas erealizar em tempo ações necessárias para contorná-las

Quase metade dos 45 a 50 milhões de hectares depastagens cultivadas no cerrado apresenta algum graude degradação, resultado do manejo inadequado dapastagem. As tecnologias para reversão desse quadrosão muitas, geradas por diversas instituições depesquisa, mas, para mostrar resultado, todas requeremum bom planejamento.

O planejamento é a função básica da gestão. A faltade um plano que mantenha em equilíbrio a oferta e ademanda de forrageira é a causa da degradação daspastagens. Não raro, proprietários e gerentesdesenvolvem planos com objetivos, metas e linhas deação, mas os mantêm apenas na cabeça. Isso reduz suaabrangência e dificulta a avaliação e comparação deestratégias, bem como a comunicação com os demaisenvolvidos na produção e na administração. Sem contarque tais planos geralmente não contemplam a previsãode ações. Em geral, o planejamento informal consisteno “plano do ocorrido”: serve para conhecer o passado,mas não tem a visão do futuro.

O planejamento formal, em contrapartida, tem asseguintes vantagens:

• Capacidade de utilização de medidas objetivas ede manipulação de maior quantidade de dados;

• Possibilidade de verificação dos dados, erros deestimativa e falhas lógicas, e aprendizado do sistemade produção;

• Documentação do histórico técnico-administrativoque auxilia na avaliação de erros e acertos ocorridosno passado;

• Promoção de um foco mais nítido para as decisões,evitando exageros na atenção a aspectos e problemasisolados, que nem sempre são relevantes.

O objetivo do planejamento é definir as ações queconduzam o empreendimento a um estado desejado.Definem-se as metas, que representam o caminho a serpercorrido para a concretização dos objetivos.

A gestão do planejamento compõe-se de análise,opção e decisão. Tais itens dependem da execução e doacompanhamento do plano proposto. São fatoresrelacionados com a qualificação e motivação da mão-de-obra, e com o comprometimento da gerência. Execução emonitoramento são interdependentes e são continuamente

revisados para garantir o sucesso do planejamento, ou seja,a concretização das metas e dos objetivos.

Fatores incontroláveis como clima, custo de insumos,preço de venda e políticas envolvendo o setor precisamser considerados. Os fatores controláveis, geralmenteligados ao sistema de produção, são acompanhados otempo todo, pois o monitoramento permite aferir osresultados do plano e identificar prontamente anecessidade de uma eventual intervenção.

Existem metodologias específicas para oplanejamento de pastagens, dentre as quais se destaca aexistente no “Comunicado técnico n.º 100”, da EmbrapaCerrados, de Planaltina (DF). A publicação é de autoriados pesquisadores Luís Gustavo Barioni e Geraldo BuenoMartha Júnior e intitula-se “Manejo para estimar otamponamento nutricional para vacas de corte emsistemas pastoris”.

Elaboração do planejamento forrageiro. − Oprimeiro passo para a execução do planejamento daspastagens é a quantificação do estoque de forragem. Hávários modos de se estimar esse valor, seja por métodosdiretos ou indiretos. O método direto é mais trabalhoso,porém mais confiável. Tais métodos, contudo, não sãoo objetivo deste artigo.

Os efeitos da sazonalidade na produção de pastagenssão amplamente conhecidos. Segundo váriospesquisadores, os capins tropicais concentram 80% desua produção no período das águas, restando apenas 20%para o período sem chuvas. O ajuste do planejamentoexige a estimativa do comportamento da produção dessesperíodos, efeito conhecido como variação estacional.

Também é necessário projetar a dinâmica do estoqueanimal. As reses se desenvolvem, mudam de categoria,aumentam o consumo e vão para abate. As metas dedesempenho do rebanho, bem como os abates edescartes, compõem a dinâmica do estoque animal, queprecisa ser conhecida para que se possa estimar ademanda de forragem.

Dinâmica do estoque animal. − É necessárioconhecer o peso médio das categorias existentes, bemcomo suas metas de desempenho e evolução do ganhode peso. Pode-se assim presumir também os abates edescartes. Tome-se como exemplo uma propriedade com380 cabeças de recria e as seguintes metas: idade de

Page 2: A bola de cristal dos gerentes

2

ANUALPEC 2007

abate de 31 meses, peso de desmame de 180 kg, pesode abate de 480 kg, e ganho de peso por animal de 0,6kg/dia nas águas e 0,3 kg/dia na seca (desempenhomédio anual de 0,423 kg/dia por animal). A demandade forragem é dimensionada para a idade de 1 a 2 anosda categoria, iniciando em janeiro, com 209 kg de pesovivo, e terminando o ano com peso estimado de 363kg. Observa-se no Quadro 1 a variação na demanda depastagem ao longo dos 12 meses.

Quadro 1 −−−−− Demanda de forragem*em kg/MS/dia nos 12 meses do ano

* Considerando o consumo médio de 2,5% do peso vivo nas águas(período de janeiro a abril e de outubro a dezembro) e de 2% do pesovivo na seca (de maio a setembro).

* Eficiência de pastejo: 60% (exigência diária de matéria seca [MS],considerando 40% como perda de pastagem).

Variação estacional − O efeito da sazonalidade naprodução das pastagens pode ser estimado por meio datemperatura e umidade do solo, fatores que estãorelacionados com a quantidade e a distribuição das chuvas.

O efeito temperatura é estimado por intermédio dasoma térmica do período. É preciso conhecer atemperatura-base (T

b) do capim (temperatura abaixo da

qual a produtividade tende a zero), além de suatemperatura ótima (T

ótima – aquela em que a produção

tende a ser máxima) e a temperatura média (T) noperíodo. Esse valores são aplicados na Equação 1.

, se T < Tótima

*

* Quando a temperatura média mensal for superior a temperatura ótima,considera-se PPR = 1.

O efeito umidade do solo pode ser previsto pelobalanço hídrico. Este depende da evapotranspiração real(ETR) e da evapotranspiração máxima (ETM). A produçãode capim se reduz linearmente quando a razão ETR /

ETM é menor que 0,5, como mostra a Equação 2, naqual o valor de FH serve como fator de correção para aprodução projetada de forragem.

FH: (ETR / ETM > 0,5) = 1

A magnitude de produção tem relação com opotencial produtivo, o manejo e a fertilidade do capim.Essa estimativa ressalta a importância do manejo dopastejo. Sua execução e monitoramento propiciarãomaior eficiência fotossintética, resultando em maiorprodutividade. Para o cálculo, pode-se utilizar o valorde produtividade de referência (M), que se refere aopotencial produtivo na temperatura ótima, semdeficiência hídrica e com fertilidade do solo típica dosistema, conformo se expõe no Quadro 2.

Quadro 2 −−−−− Produtividade de referência (M)para diferentes tipos de pastagens

tropicais no Brasil Central

A produtividade (Pi) será estimada pela Equação 3.

Pi: M x PPRi x FH

Elaboração do orçamento forrageiro − O Quadro 3mostra um exemplo de orçamento forrageiro. Nesseexemplo considera-se uma área de 120 hectaresdestinada à categoria animal do Quadro 1. A pastagemé formada com Braquiária brizanta cultivar Marandu,de condição extensiva e de primeiro ano.

Como mostra o orçamento, a massa de forragemdisponível declina a partir de agosto, tornando-senegativa nos meses seguintes. O fato decorre da menorprodutividade de forragem nesse período e do aumentoda demanda de capim, em razão do maior peso vivo(projetado) dos animais. As condições desfavoráveis damassa de forragem não permitirão o ganho nem aprodutividade desejados.

Com o orçamento nas mãos, o gerente pode optarpela ação que julgar mais adequada, seja a adubação dapastagem, a venda de animais, a suplementação comração de alto consumo ou a divisão dos lotes. Como sevê, o planejamento é a função básica da gestão, poispermite ao administrador antecipar-se ao fato e ter tempopara analisar as tecnologias disponíveis e aplicar as quejulgar mais adequadas às condições da propriedade.

bótima

b

TT

TTPPR

−−= Equação 1

Equação 2

Condição da pastagem M - Produtividade referência

Extensiva 30 – 80

Extensiva de 1.° ano 80 – 150

Consorciada com leguminosas 80 – 150

1.° ano em sucessão a cultivos adubados 150 – 250

2.° ano em sucessão a cultivos e adubação intensiva 100 – 180

Equação 3

Categoria animal Novilhos 1 a 2 anos

Janeiro 3.303

Fevereiro 3.569

Março 3.863

Abril 4.148

Maio 3.436

Junho 3.550

Julho 3.668

Agosto 3.782

Setembro 3.900

Outubro 5.160

Novembro 5.455

Dezembro 5.740

Page 3: A bola de cristal dos gerentes

3

ANUALPEC 2007

Quadro 3 −−−−− Exemplo de orçamento forrageiro

Dados: Estimativa inicial de massa de forragem: 1200 kg/MS/ha; temperatura base 16 °C; temperatura ótima 30 °C; produtividade de referência (M) 80kg/MS/ha/dia.

Mês Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez

Temperatura média (°C) 26 24 23 22 21 20 18 20 23 24 24 25

PPR 0,71 0,61 0,50 0,44 0,35 0,28 0,14 0,28 0,55 0,57 0,57 0,64

ETR/ETM (mm) 0,89 0,97 0,93 0,93 0,61 0,05 0,00 0,00 0,00 0,57 0,95 0,97

FH 1 1 1 1 1 0 0 0 0 1 1 1

Pi (kg/MS/ha/dia) 57 49 40 35 29 0 0 0 0 46 46 51

Taxa de desaparecimento (kg/MS/ha/dia) 28 30 32 35 29 30 31 32 33 43 45 48

Massa de forragem (kg/MS/ha) 2.096 2.682 2.919 2.932 2.943 2.044 1.114 156 (832) (741) (724) (628)

Josmar Almeida Junior,zootecnista MSc., [email protected],

[email protected],www.tecnopasto.com