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Universidade Católica do Salvador Mestrado em Políticas Sociais e Cidadania Gestão e Avaliação de Políticas e Projetos Sociais Professoras: Denise Cristina V. R. Mendes e Katia S. de Freitas Semestre: 01/2010 A AVALIAÇÃO DA ESCOLA PÚBLICA: entre qualidade do mercado e a qualidade social da Educação Virgílio Alberto S. Pinto 1 RESUMO: A avaliação da escola pública foi colocada no centro do debate da reforma educacional brasileira a partir dos questionamentos sobre os índices de desempenhos dos alunos das escolas públicas e a própria qualidade da educação, que coloca em cheque a reestruturação do Estado no âmbito da economia globalizada e da reestruturação produtiva toyotista. Isso reforça a idéia de que a proposição de avaliação da educação migrou do “mundo” da economia. Nesse sentido, o presente artigo tem como objetivos discutir a o conceito de qualidade da educação e a avaliação da educação básica relacionando com o ideário neoliberal da política educacional que pouco a pouco tem sido introduzida no sistema público de ensino, impondo conceitos da literatura do mercado na práxis educativa, na própria concepção de sistema educacional e na profissão dos educadores e educadoras. PALAVRAS-CHAVE: Avaliação da Educação. Qualidade da Educação. Neoliberalismo. Política Educacional. 1 Mestrando em Políticas Sociais e Cidadania pela Universidade Católica do Salvador.

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Page 1: A avaliação da_escola_pública_-_entre_qualidade_do_mercado_e_a_qualidade_social_da_educação

Universidade Católica do Salvador Mestrado em Políticas Sociais e Cidadania Gestão e Avaliação de Políticas e Projetos Sociais Professoras: Denise Cristina V. R. Mendes e Katia S. de Freitas Semestre: 01/2010

A AVALIAÇÃO DA ESCOLA PÚBLICA: entre qualidade do

mercado e a qualidade social da Educação

Virgílio Alberto S. Pinto1

RESUMO:

A avaliação da escola pública foi colocada no centro do debate da reforma

educacional brasileira a partir dos questionamentos sobre os índices de

desempenhos dos alunos das escolas públicas e a própria qualidade da

educação, que coloca em cheque a reestruturação do Estado no âmbito da

economia globalizada e da reestruturação produtiva toyotista. Isso reforça a

idéia de que a proposição de avaliação da educação migrou do “mundo” da

economia. Nesse sentido, o presente artigo tem como objetivos discutir a o

conceito de qualidade da educação e a avaliação da educação básica

relacionando com o ideário neoliberal da política educacional que pouco a

pouco tem sido introduzida no sistema público de ensino, impondo conceitos da

literatura do mercado na práxis educativa, na própria concepção de sistema

educacional e na profissão dos educadores e educadoras.

PALAVRAS-CHAVE: Avaliação da Educação. Qualidade da Educação.

Neoliberalismo. Política Educacional.

1 Mestrando em Políticas Sociais e Cidadania pela Universidade Católica do Salvador.

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Introdução

A pesquisa sobre qualidade da educação ganhou importância nas

últimas décadas, principalmente no contexto recente da educação brasileira,

com a universalização do acesso à educação básica e com a reforma do

sistema educacional e do próprio Estado, com referenciais baseados na

racionalidade a partir de princípios como custo-benefício e custo-efetividade,

dentre outros da literatura econômica e neoliberal.

O apelo à educação de qualidade tem sido também uma retórica da

mídia que atinge a opinião pública e a agenda de governos, movimentos

sociais, pais, estudantes e pesquisadores do campo da educação. N caso

brasileiro, vale ressaltar que a elevação das escolas a um patamar de

qualidade se apresenta como um complexo e grande desafio – basta verificar

os novos índices do IDEB com elevações tímidas em relação às metas

estabelecidas pelo Ministério da Educação e do INEP. Se, nas últimas

décadas, observamos avanços em termos de acesso e cobertura,

principalmente no ensino fundamental. Tal processo carece, contudo, de

melhoria no tocante a uma aprendizagem mais efetiva. E isso está na essência

da questão da qualidade.

Na ponta dessa polêmica estão os agentes executores da política

educacional que são os educadores e educadoras. Ai entra em cena outro fator

importante da nova política educacional brasileira que é a avaliação de

desempenho baseada na aferição da qualidade do trabalho docente a partir de

indicadores de desempenho dos educandos e provas periódicas de

conhecimentos específicos e pedagógicos fundada em referenciais reguladores

da carreira do magistério enquanto forma de fomento da qualidade da

educação.

Instaurar um debate sobre tais questões remete a um conjunto de

determinantes que interferem nesse processo, no âmbito das relações sociais

mais amplas, envolvendo questões macroestruturais da reforma do Estado,

qualidade da educação, educação como direito, entre outras. Também nos

levar, igualmente, a questões concernentes à análise de qual qualidade da

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educação interessa ao coletivo, a fundamentação das propostas em curso bem

como à responsabilidade do Estado sobre a qualidade da educação pública o

que implica verificar a proposta de avaliação do magistério público enquanto

possibilidade de garantia dessa suposta qualidade requerida pelo ente

federativo estadual.

O arcabouço propositivo acima nos remete a outras tantas questões

como condições de trabalho, processos de gestão da escola, dinâmica

curricular, formação e profissionalização docente, condições socioeconômicas

dos sujeitos do processo educativo e suas relações com a qualidade que se

pretende para a educação pública. Em outras palavras, a educação escolar se

articula a uma pluralidade de dimensões e espaços da vida social sendo, ela

própria, elemento constitutivo e constituinte das relações sociais mais amplas.

O processo educativo, portanto, é eixo vertebrador, perpassado pelos limites e

possibilidades da dinâmica da pedagogia, da economia, da sociologia, da

antropologia, da cultural e política de qualquer sociedade.

Objetivando contribuir para a construção de referências analíticas para a

qualidade da educação e para a avaliação do sistema educacional de forma

articulada e não apenas de segmentos desse sistema como de professores, o

presente texto visa problematizar as múltiplas significações e conceitos

relativos à qualidade da educação.

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AVALIAÇÃO DA QUALIDADE EM EDUCAÇÃO: quem a pensa? A quem

serve?

Neste trabalho dois conceitos se impõem enquanto categorias epistemológicas

- avaliação docente e qualidade da educação.

“A idéia de que tudo pode e deve ser avaliado no sentido de

melhorar a qualidade da “coisa” que se produz ou do “serviço” que se

presta tem vindo a ganhar terreno no nosso quotidiano e a alargar- se

mesmo a horizontes que têm estado fora da obsessão avaliativa” .

(BELMIRO, 2009, p.179).

A idéia de medir os resultados da educação pública tem origem na idéia

de eficiência e eficácia que, na ciência econômica se utiliza para medir, aferir a

qualidade dos investimentos nos diversos ramos da economia privada. Tal

proposição foi introduzida no campo educacional a partir do ideário neoliberal

de reestruturação do Estado que tem na educação um viés de produtividade e

no cidadão um consumidor dos serviços públicos enquanto produtos.

Para Belmiro Gil Cabrito, a origem “a avaliação no sentido de melhorar a

qualidade desenvolveu-se nos meandros da economia e da finança, e a ela

não será estranho a necessidade de medir em termos econômicos a

rentabilidade do investimento aplicado”.(idem, p. 179).

Entretanto, a avaliação no âmbito da educação pública sempre pautou a

dimensão aluno. Avaliava-se, apenas o rendimento acadêmico dos alunos. A

partir da reestruturação do sistema educacional com a Constituição de 1988 e

a LDB 9394/96 uma nova perspectiva avaliativa se impôs pelo princípio da

“qualidade”.

Então a avaliação vai ser pautada pelos resultados negativos da

educação pública que não atendem à nova ordem econômica mundial

globalizada onde a competitividade do sistema produtivo entre nações é fator

determinante de estabilidade e crescimento econômico.

A reforma educacional na década de 1990, ganha força com o ideário

neoliberal, imperativo no governo de FHC, baseado na concepção de

“qualidade total”. Para Maria Malta Campos, os organismos multilaterais

(Banco Munidial, Fundo Monetário Internacional), influenciam nas reformas

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educacionais na América Latina pautando a implantação de sistemas

educacionais fundados nos princípios da “qualidade total”.

“(...) elas também são parte integrante das reformas

educacionais desenvolvidas nos países latinos americanos,

influenciadas pelos acordos e convênios firmados com agências

multilaterais, os quais trazem em suas cláusulas a previsão de projetos

de monitoramento e avaliação das políticas implantadas nas redes

escolares públicas, com a preocupação de estimar as relações de

custo-benefício dessas intervenções e subsidiar a continuidade das

reformas”. (CAMPOS, 2000, p. 07).

Se for verdade que o sistema educacional está fundado na ideologia

dominante, o ideário de qualidade da educação desenvolvida no interior desse

sistema estará também articulado nos seus fundamentos. Sobre tal relação

entre avaliação e interesses ideológicos reformistas, Marília Fonseca apresenta

a indicação da política de avaliação pensada pelo Banco Mundial para

educação publica brasileira:

No final daquela década, o MEC negociava com o Banco Mundial outro

acordo para o desenvolvimento da educação fundamental nos estados do

Nordeste (Projeto Nordeste), cuja execução dar-se-ia na década de 1990. No

plano das ações, este acordo dava continuidade ao Projeto EDURURAL,

encerrado em 1987. Uma das propostas do Banco era dar seguimento ao

processo de avaliação externa desenvolvido nos projetos anteriores, desta

feita, alcançando o desempenho do aluno, dos professores e da rede escolar.

A proposta acordada entre o MEC e o Banco era estender a avaliação à

totalidade do sistema educacional. De fato, as experiências avaliativas

efetuadas nos âmbito dos acordos internacionais deram suporte aos projetos

nacionais de avaliação que se consolidariam na década de 1990 e que se

constituiriam a principal referência para a qualidade educacional. (FONSECA,

2009., p. 165).

Observamos que a autora aponta três dimensões a serem avaliadas,

segundo o Banco Mundial: a dimensão aluno, a dimensão professor e a

dimensão rede escolar. Todas elas contempladas no arcabouço da reforma e

em curso na conjuntura atual.

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Quando destacamos tais elementos não nos posicionamos contrários à

avaliação, queremos desvelar a sua lógica. A que se pretende avaliar tais

dimensões? Em detrimento da qualidade do ensino e das escolas? Sob que

ótica?

Novamente nos deparamos com a questão da qualidade. É aí que

abrimos um debate propositivo acerca do tipo de qualidade que esta pensada

para a escola pública brasileira. Se o conceito de qualidade está alicerçado nos

fundamentos da reforma como pontuamos aqui, então nos cabe buscar

entender o pensa o Banco Mundial. Inquirirmos se o que os executivos dos

organismos internacionais ligados ao capitalismo financeiro pensam sobre

educação é o que necessitam os alunos, professores e pais de alunos das

nossas escolas públicas. Sobre essa questão, analisando o Comunicado da

Comissão das Comunidades Européias ao Conselho e ao Parlamento Europeu

sobre a eficiência e equidade da educação e formação de professores,

observamos que tais preocupações estão intimamente ligadas às exigências do

mercado mundial que é competitivo.

O conselho Europeu da Primavera de 2006 definiu os dois desafios que

se colocam aos sistemas de educação e formação, ao concluir que são

factores determinantes para o desenvolvimento do potencial de

competitividade da EU alongo prazo e para a coesão social. Afirmou

ainda que é necessário acelerar os processos de reforma para garantir

a existência de sistemas de educação e formação de grande qualidade

e simultaneamente eficientes e equitativos. Estes aspectos são

fundamentais para o crescimento e o emprego e no método aberto de

coordenação aplicado à inclusão social e à proteção social. (COSELHO

EUROPEU, 2006., p. 02).

O mundo do capital financeiro impõe uma reforma ao Estado-

Providência que abarcou todos os setores da esfera pública, principalmente a

de serviços como educação. Nesse cenário, o mundo europeu também vem

rearticulando seu sistema educacional com orientações neoliberais baseadas

na eficiência e equidade, marcadamente por uma preocupação mais

orçamentária que social mais econômica que humana – ou para um grupo

específico e pequeno de humanos.

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O que está por traz da qualidade educacional pensada pelo ONU,

Organizações das Nações Unidas, é a reestruturação produtiva imposta pela

dinâmica histórica do processo de globalização que lançou os Estados-Nação,

numa competição mercadológica e financeira nunca experienciada na história

da humanidade. Se o capitalismo, no seu nascedouro a partir do século XVI,

teve que superar a servidão e, no apogeu da Revolução Industrial, o

escravismo e o colonialismo nos séculos XVIII, XIX e XX; na atualidade, tendo

superado o modelo de produção taylorista e fordista, centrado na especialidade

e repetição no processo produtivo; busca na desregulamentação dos mercados

em todo o mundo e na formação de um novo referencial humano capaz de

produzir saídas para a crise estrutural do capitalismo mundial; impor um novo

paradigma de sociedade.

O modelo de educação que resiste às mudanças históricas da sociedade

hegemônica baseia-se num referencial positivista de homem, mundo e

conhecimento que não atendem ao novo reclame “pós-moderno” do mundo dos

negócios e da produção industrial. Se aquele homem positivista bastava ao

modelo de produção taylorista/fordista porque fechado, repetitivo, especialista;

o novo homem reclamado pelo padrão toyotista japonês, importado para o

ocidente, tem que ser flexível, adaptável, multifuncional e polivalente. Ai é

imperativo reformar esse sistema educacional para forma o novo homem.

Sobre essa argumentação em torno da metamorfose do sistema

capitalista, se faz necessário o diálogo com E. Dias que afirma:

A experiência taylorista foi a forma da subsunção real do

trabalho ao capital, de forma ainda mais completa praticada no início

do século XX. O fordismo, como conjunto de medidas de

contratendência, incorporou uma nova modalidade de gestão fabril. O

taylorismo foi o instrumento da criação de uma disciplina operária

através da perda da sua subjetividade classista; os trabalhadores

deveriam abrir mão do controle que possuíam sobre a produção e

passar a executar o trabalho a partir da objetividade do capital,

centrada na reconstrução das lógicas operativas. (DIAS, 1998. p. 47).

Nesse diálogo fica claro que se impõe outro paradigma de educação.

Não cabe reproduzir conteúdos como se treinássemos pessoas para uma única

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ação. O contraponto da ação flexível, polivalente, gerencial exige uma

subjetividade, exige-se tomada de decisão no interior do processo produtivo.

Então se reclama outro modelo de qualidade. Contudo há que se preparar essa

nova subjetividade com cuidado para que o novo trabalhador sirva ao velho

sistema produtivo que se multifaceta. A qualidade da educação é outra. Não é

só ler e escrever e contar. Esse mundo globalizado necessita de outras

habilidades e competências. Então deve se reformar o sistema educativo

buscando modelar a construção da visão de homem, educação, mundo e

sociedade ao seu interesse. Os ajustes organizacionais dos sistemas

educacionais seguem a lógica da do sistema produtivo pois tal sistema

depende da educação básica para “qualificar” a sua mão de obra. Há de se

perguntar: Que tipo de educação?

Sobre essa questão, Frigotto afirma:

Trata-se de uma educação e formação que desenvolva

habilidades básicas no plano do conhecimento, das atitudes e dos

valores, produzindo competências para a gestão da qualidade, para a

produtividade e competitividade e, consequentemente, para a

“empregabilidade”. Todos estes parâmetros devem ser definidos no

mundo produtivo, e, portanto os intelectuais coletivos confiáveis deste

novo conformismo são os organismos internacionais (Banco Mundial,

OIT) e os organismos vinculados ao mundo produtivo de cada país.

(FRIGOTTO, 1998. p.45).

Se a qualidade da educação na reforma estatal em curso move-se na

lógica da produção e do consumo, então cabe questionar: Onde entra a lógica

da avaliação do professor? Observamos que ambas estão enquadradas na

mesma lógica, a do capital.

Essa lógica foi a bússola das reformas européias:

Com um de nós já tive oportunidade de mostrar (Neto-Mendes, 1999),

a orientação das políticas educativas para o mercado foi desenvolvida

nos anos 80, em Inglaterra, sob a governação de Margaret Thatcher.

Dando corpo a uma matéria complexa e que tem suscitado os mais

vivos debates. (NETO-MENDES, 2003).

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Esse autor traz alguns constructos que segundo ele caracterizam esse

paradigma mercadológico na educação:

(...) o mercado da educação caracteriza-se por apresentar

quatro pilares fundamentais que ajudam também à sua compreensão:

i) liberdade de escolha da escola por parte dos pais (“parental choice")

incrementadora, como se disse antes, da concorrência entre escolas; ii)

promoção da diversidade da oferta escolar, baseada na ideia de que

“quem escolhe deve possuir uma pluralidade suficientemente ampla de

opções no acto da escolha" (Neto-Mendes, 1999: 43); iii) autonomia

das escolas, assistindo-se a uma retórica de defesa do governo local

das escolas por oposição a uma outra forma de descentralização, em

Inglaterra, que dava às autoridades locais de educação (as LEA, “local

education authorities") margens significativas de decisão, isto é, trata-

se de uma autonomia de escola associada a uma recentralização das

políticas educativas; iv) cortes nas despesas com a educação, por

outras palavras, é a crise económica dos anos 70 e 80 um dos

“pretextos invocados para questionar o peso preponderante do Estado

na orientação do sistema educativo, pedra de toque para o avanço

alternativo do mercado" (Neto-Mendes, 1999: 48). (Neto-Mendes,

Costa y Ventura, 2003, p. 3).

Para ese autores, essa reforma educacional a partir da exposição de

ranking de escolas, implementada na Inglaterra, não foi observada em

Portugal, pois os objetivos em cada um dos países eran diferentes. Para esses,

a preocupação era em prestar contas à sociedade.

A problemática dos rankings de escolas está popularizada em

vários países e nem sempre pelas melhores razões, pelo menos sob o

ponto de vista da análise objectiva e pautada por critérios científicos.

Este tema possui na realidade portuguesa contornos de alguma

especificidade: contrariamente ao que se registou nos países anglo-

saxónicos, com especial relevo para a Inglaterra dos anos 80, sob a

governação de Margaret Thatcher, o debate suscitado em Portugal não

ocorreu tendo como pano de fundo a opção inequívoca por uma

orientação das políticas educativas para o mercado, sabendo-se que

tal implica a liberdade de escolha da escola por parte dos pais

(liberdade da procura), a concorrência entre escolas (livre

concorrência) e a diversidade da oferta formativa das escolas

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(liberdade de oferta). Aparentemente, a emergência do tema “rankings

de escolas" surge como uma reivindicação em nome da necessidade

de prestação de contas e da transparência, podendo mesmo assumir-

se perante a opinião pública como o resultado, de per si, de uma

avaliação das escolas, ainda para mais legitimada pelo carácter

externo que lhe dá o facto de se apoiar nos resultados dos exames

nacionais (…). (Neto-Mendes, Costa y Ventura, 2003, p. 1).

Observa-se que os principios são os mesmos nos dois casos e que tem

com pano de fundo a avaliação por resultados que é uma proposta mais

afinada com o mercado, contrariamente à avaliação do proceso. Sobre essa

mudança de paradigma na educação inglesa, Almerindo Janela Afonso

expondo o pensamento de autores como Mary Henkel e E. House, faz uma

analise crítica a essa opção da avaliação por resultado em detrimento dos

procesos:

(…) Como mostra Mary Henkel em Government, evaluation and

change – estudo que cobre um período decisivo de transformações nas

políticas públicas inglesas, entre 1983 e 1989 –, “o governo identificou

a avaliação como uma componente significativa na sua estratégia de

conseguir alguns objetivos decisivos: controlar as despesas públicas,

mudar a cultura do setor público e alterar as fronteiras e a definição das

esferas de atividade pública e privada” (cf. Henkel 1991a, p. 9). Desse

modo, a avaliação reaparece claramente relacionada com funções

gestionárias tendendo a ser, como refere E. House (1993, p. x), uma

“avaliação centrada na eficiência e na produtividade sob o controle

direto do Estado”. Considerando esses vetores, torna-se agora mais

evidente a razão pela qual, no período em análise, uma das mudanças

importantes, tanto fora como dentro do contexto educacional, foi

precisamente a ênfase genérica na avaliação dos resultados (e

produtos), e a conseqüente desvalorização da avaliação dos

processos, independentemente da natureza e dos fins específicos das

organizações ou instituições públicas consideradas.

Essa lógica do resultado só serve ao mercado pois instaura a

cultura da concorrência em detrimento da troca, do compartilhamento de

experiências, de saberes. Isso implica o modelo de financiamento educacional

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que passa à lógica dos organismos internacionais, implicando a busca pelo

resultado, “porque quando as instituições são financiadas de acordo com os

resultados elas tornam-se obsessivas em relação ao seu

desempenho”.(AFONSO, 1999, P. 147).

Contrapondo à lógica mercadológica, Maria Abadia Silva traz ao debate

a tese de “qualidade social da educação pública”, que, segundo ela, seu texto

“busca compreender a educação como uma prática social e um ato político”.

(SILVA,2009, p. 216).

Aqui se instaura outro olhar que implica a negação da subversão do

espaço público pelo privado. E é sobre tal postura que Maria Abadia analisa o

paradigma de qualidade da educação mostrando as facetas do mercado ao

reformular tal conceito:

(...) no campo econômico, o conceito de qualidade dispõe de

parâmetros de utilidade, praticidade e comparabilidade, utilizando

medidas e níveis mensuráveis, padrões, rankings, testes comparativos,

hierarquização e estandardização próprias do âmbito mercantil. De

acordo com essa perspectiva, a qualidade de um produto, objeto,

artefato ou coisa pode ser aferida com o uso de tabelas, gráficos,

opiniões, medidas e regras previamente estabelecidas. Portanto,

apreender a qualidade significa aferir padrões ou modelos exigidos,

conforto individual e coletivo, praticidade e utilidade que apontem

melhoria de vida do consumidor. (SILVA, 2009., p. 219).

Essa autora historicisa a implantação desse referencial de qualidade na

educação brasileira, afirmando que “A avaliação quantitativa constituiu um dos

instrumentos para adaptar o sistema educacional brasileiro à nova ordem

global instituída nos anos de 1990”. (idem). Para ela, tal proposição tem origem

no Banco Mundial:

A concepção de qualidade educacional que emana do Banco

fundamenta-se na adoção de “insumos”, que deverão conduzir a

resultados a serem avaliados por meio de índices de desempenho e de

rendimento escolar dos alunos e das escolas. Seus técnicos

preconizam um raciocínio linear, segundo o qual a mera adoção de

equipamentos gera resultados satisfatórios. A concepção de qualidade

assentada na racionalidade técnica e nos critérios econômicos serviu e

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serve de referência para a formulação de políticas para a educação

pública no país. (SILVA, 2009., p. 222).

Contudo, pensar educação é pensar relações sociais, políticas e,

sobretudo, relações culturais plurais, heterogêneas – e por que não dizer

dicotômicas, contraditórias. Tal heterogeneidade implica em riqueza social que

não pode se curvar aos interesses comerciais pois implicaria em

homogeneização de valores, de práticas laborais da vida que é diversa. Num

país de dimensões continentais como o Brasil, isso implica também a

diversidade sociocultural enorme que permeia o tecido social, enriquecendo o

espaço social, enquanto parte desse tecido plural de valores.

Nesse contexto, contrapondo aquela lógica dos insumos, da clssificação

hierarquização do vivido e produzido no ambiente escolar, se impõe a

qualidade social. Aqui observamos o que sugere DA SILVA:

Dentre os determinantes externos que contribuem para a referência da qualidade da

educação escolar, citamos:

a) Fatores socioeconômicos, como condições de moradia; situação de trabalho ou de

desemprego dos responsáveis pelo estudante; renda familiar; trabalho de crianças e

de adolescentes; distância dos locais de moradia e de estudo.

b) Fatores socioculturais, como escolaridade da família; tempo dedicado pela família à

formação cultural dos filhos; hábitos de leitura em casa; viagens, recursos

tecnológicos em casa; espaços sociais frequentados pela família; formas de lazer e

de proveitamento do tempo livre; expectativas dos familiares em relação aos

estudos e ao futuro das crianças e dos jovens.

c) Financiamento público adequado, com recursos previstos e executados; decisões

coletivas referentes aos recursos da escola; conduta ética no uso dos recursos e

transparência financeira e administrativa.

d) Compromisso dos gestores centrais com a boa formação dos docentes e funcionários da

educação, propiciando o seu ingresso por concurso público, a sua formação continuada e a

valorização da carreira; ambiente e condições propícias ao bom trabalho pedagógico;

conhecimento e domínio de processos de avaliação que reorientem as ações. (SILVA, 2009., p.

224).

Esse arcabouço complexo de fatores e relações humanas não pode ser

submetido a uma lógica formal linear, cartesiana. Não há como manter o

interesse dos grupos sociais numa lógica do mercado, pois ela anula o

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contraditório que produz as sínteses. Então para a qualidade mercadológica da

educação, como que os neoliberais, não importa o processo:

No interior da escola, outros elementos sinalizam a qualidade social da

educação, entre eles, a organização do trabalho pedagógico e gestão da escola;

os projetos escolares; as formas de interlocução da escola com as famílias; o

ambiente saudável; a política de inclusão efetiva; o respeito às diferenças e o

diálogo como premissa básica; o trabalho colaborativo e as práticas efetivas de

funcionamento dos colegiados e/ou dos conselhos escolares. (SILVA, 2009., p. 224).

Estandardizar a partir da classificação e publicação o fazer humano de

um espaço social permeado por conceitos, valores, símbolos, hábitos,

atitudes, mediado pelo bem comum é negar o caráter humano da educação.

Isso implica que a única qualidade possível para a escola pública é a qualidade

social

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