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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa Universidade Federal da Paraíba 15 a 18 de agosto de 2017 ISSN 2236-1855 2987 A ATUAÇÃO E PRODUÇÃO EDUCACIONAL DE ALCIDES BEZERRA NA PARAHYBA (1917-1921) 1 Ingrid Karla Cruz Biserra 2 Ana Luiza de Vasconcelos Marques 3 Vida, obra e sociabilidades de João Alcides Bezerra Cavalcanti (1891-1938): algumas aproximações No período republicano o crescente movimento de modernização da cidade e da escola foi alvo de debates na agenda política do Estado. As questões educacionais foram pensadas e produzidas por sujeitos que circularam na esfera pública e agiram em prol de causas educacionais. Na Paraíba, o intelectual 4 João Alcides Bezerra Cavalcanti (1891-1938) foi um homem que esteve presente em várias esferas e discutiu sobre algumas questões importantes nas áreas em que atuou. Este trabalho teve como objetivo tecer algumas considerações sobre a atuação e a produção educacional de Alcides Bezerra na Paraíba, em especial no período de 1917 a 1921, quando participou da elaboração da Reforma da instrução pública do estado e foi diretor geral da instrução pública. A análise desses documentos foi norteada por um tema específico, os jardins de infância. Alcides Bezerra, como foi chamado pelos pares e por seus intérpretes, tem sido citado em alguns trabalhos desde 1938, e ainda assim, percebemos uma lacuna em torno da produção sobre esse homem e sua obra, sentida em várias esferas, como a da sociologia e do direito, mas principalmente, a educacional. Esse artigo se caracteriza como um primeiro texto que especificamente se debruça sobre esse sujeito na busca de iniciar uma análise sobre a sua produção educacional. Antes de adentrarmos na atuação desse intelectual em causas educacionais, nos interessa indicar brevemente a literatura que inferiu sobre o seu pensamento. Começamos 1 Bolsistas pelo Programa de Demanda Social da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CAPES. 2 Doutoranda em Educação pela Universidade Federal da Paraíba. E-Mail: <[email protected]>. 3 Doutoranda em Educação pela Universidade Federal da Paraíba. E-Mail: <[email protected]>. 4 Utilizamos o conceito de intelectual a partir das discussões relacionadas aos quatro aspectos delimitados por Vieira (2011, p. 02): “1) sentimento de pertencimento ao estrato social que, ao longo dos séculos dezenove e vinte, produziu a identidade social do intelectual; 2) engajamento político propiciado pelo sentimento de missão ou de dever social; 3) elaboração e veiculação do discurso que estabelece a relação entre educação e modernidade; 4) assunção da centralidade do Estado como agente político para a efetivação do projeto moderno de reforma social.”

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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017

ISSN 2236-1855 2987

A ATUAÇÃO E PRODUÇÃO EDUCACIONAL DE ALCIDES BEZERRA NA PARAHYBA (1917-1921)1

Ingrid Karla Cruz Biserra2

Ana Luiza de Vasconcelos Marques3

Vida, obra e sociabilidades de João Alcides Bezerra Cavalcanti (1891-1938): algumas aproximações

No período republicano o crescente movimento de modernização da cidade e da escola

foi alvo de debates na agenda política do Estado. As questões educacionais foram pensadas e

produzidas por sujeitos que circularam na esfera pública e agiram em prol de causas

educacionais. Na Paraíba, o intelectual4 João Alcides Bezerra Cavalcanti (1891-1938) foi um

homem que esteve presente em várias esferas e discutiu sobre algumas questões importantes

nas áreas em que atuou. Este trabalho teve como objetivo tecer algumas considerações sobre

a atuação e a produção educacional de Alcides Bezerra na Paraíba, em especial no período de

1917 a 1921, quando participou da elaboração da Reforma da instrução pública do estado e foi

diretor geral da instrução pública. A análise desses documentos foi norteada por um tema

específico, os jardins de infância.

Alcides Bezerra, como foi chamado pelos pares e por seus intérpretes, tem sido citado

em alguns trabalhos desde 1938, e ainda assim, percebemos uma lacuna em torno da

produção sobre esse homem e sua obra, sentida em várias esferas, como a da sociologia e do

direito, mas principalmente, a educacional. Esse artigo se caracteriza como um primeiro

texto que especificamente se debruça sobre esse sujeito na busca de iniciar uma análise sobre

a sua produção educacional.

Antes de adentrarmos na atuação desse intelectual em causas educacionais, nos

interessa indicar brevemente a literatura que inferiu sobre o seu pensamento. Começamos

1 Bolsistas pelo Programa de Demanda Social da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES.

2Doutoranda em Educação pela Universidade Federal da Paraíba. E-Mail: <[email protected]>. 3 Doutoranda em Educação pela Universidade Federal da Paraíba. E-Mail: <[email protected]>. 4 Utilizamos o conceito de intelectual a partir das discussões relacionadas aos quatro aspectos delimitados por

Vieira (2011, p. 02): “1) sentimento de pertencimento ao estrato social que, ao longo dos séculos dezenove e vinte, produziu a identidade social do intelectual; 2) engajamento político propiciado pelo sentimento de missão ou de dever social; 3) elaboração e veiculação do discurso que estabelece a relação entre educação e modernidade; 4) assunção da centralidade do Estado como agente político para a efetivação do projeto moderno de reforma social.”

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pelo livro lançado em 1938 por Afonso Costa, Alcides Bezerra (Em Memória), em que este

autor, a época presidente da Academia Carioca de Letras, fez uma espécie de biografia sobre

Alcides. Décadas mais tarde, em 1891, Alcides teve uma parcela da sua obra analisada na

produção do professor do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do

Rio de Janeiro, Francisco Martins de Souza, intitulada O culturalismo sociológico de Alcides

Bezerra. Neste livro Souza aborda sobre aspectos da vida e da obra de Alcides Bezerra,

discute o culturalismo no pensamento social brasileiro e dá ênfase ao culturalismo

sociológico desse paraibano. O autor discutiu principalmente o pressuposto norteador da

concepção de cultura na obra de Alcides, qual seja, que a moral subjaz todo e qualquer

processo de cultura, estabelecendo relações com a política, o direito, a antropologia e a

história. Antônio Paim5, historiador do pensamento brasileiro, fez a apresentação do livro de

Souza (1891) e assim o define:

O livro de Francisco Martins de Souza constitui exemplo significativo das possibilidades de aprofundamento da consciência filosófica. Seu grande mérito reside em evidenciar que a importância do culturalismo sociológico, como se supunha até recentemente, não se resume em haver preservado o interesse pela temática aventada por Tobias Barreto, ainda que renunciando ao sentido filosófico de sua investigação. Na feição que lhe deu Alcides Bezerra palpita a magnitude da moral, que é, no final das contas, o apanágio da pessoa humana. Momento olvidado [...] a retomada por Alcides Bezerra da meditação e dos temas de Silvio Romero e Artur Orlando, nos anos que se seguiram à sua morte, situa-se, hoje, graças à perspicaz análise de Francisco Martins de Souza, como um elo essencial no curso histórico da corrente naturalista. (PAIM, 1981, p. 05).

Algumas décadas após essa publicação, a obra de Alcides retorna a partir do olhar de

alguns historiadores. Em 2015 foi publicado o livro História e historiadores no Brasil: do fim

do Império ao alvorecer da República c. 1870-1940, organizado por Fernando Nicolazzi,

professor de História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. A obra é composta por

uma coletânea de textos de alguns intelectuais brasileiros importantes “[...] para a

compreensão dos desenvolvimentos, influxos, desvios e mesmo rupturas ocorridas na

história da historiografia nacional.” (NICOLAZZI, 2015, p. 05). Sujeitos como João

Capistrano de Abreu, Sílvio Romero e Euclides da Cunha figuram entre os autores escolhidos.

O texto de Alcides Bezerra publicado neste livro foi uma conferência proferida em

agosto de 1926 no Centro de Cultura Brasileira e publicada como separata do Relatório anual

5 Em 1977 Antônio Paim publicou o livro Problemática do Culturalismo, pela editora da PUC do Rio Grande do Sul em que discute, entre outras coisas, a evolução histórica do culturalismo, o culturalismo brasileiro, suas nuances, principais autores, e dentre eles, Alcides Bezerra, quando analisou em um dos capítulos o que é culturalismo sociológico.

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da Diretoria do Arquivo Nacional deste mesmo ano. O texto da conferência foi intitulado de

Os historiadores do Brasil no século XIX. Antes de cada texto publicado no livro de Nicolazzi

(2015) há uma apresentação sobre o intelectual que escreveu o texto, e em seguida a sua

transcrição na íntegra. A apresentação de Alcides Bezerra foi feita pelos historiadores Pedro

Santos e Mateus Pereira que afirmam que, entre outras discussões, “nesta conferência de

1926, que apresentamos, Alcides chega a corrigir Euclides da Cunha, que, n’Os Sertões,

pensara em luta de raças, quando de fato, em sua visão, o conflito de Canudos expusera uma

luta de culturas.” (PEREIRA; SANTOS, 2015, p. 120). Neste mesmo ano, foi publicado na

Revista Estudos Filosóficos o texto O culturalismo sociológico de Alcides Bezerra, em que o

autor Arsênio Corrêa discutiu sobre o culturalismo sociológico do intelectual paraibano na

visão de Francisco Martins de Souza (1891).

Além desses intérpretes situados no campo da história, sociologia e filosofia, alguns

pesquisadores da história da educação citaram Alcides Bezerra em seus trabalhos, não como

objeto central, mas como um sujeito que participou de algumas discussões e ocupou cargos

administrativos no setor educacional do estado da Paraíba. Exemplo dessa pequena produção

é a dissertação de Rosângela Lima (2010), apresentada ao PPGE/UFPB, que investigou o

Grupo Escolar Thomas Mindello (1916-1935). Ao debruçar-se sobre essa instituição a autora

indicou algumas informações sobre esse sujeito, como o fato dele ter sido o primeiro diretor

do Grupo Escolar Thomas Mindello, diretor da instrução pública entre 1919 e 1921, membro

na função de fiscal da Caixa Escolar Arruda Câmara e integrante da comissão que elaborou a

reforma da instrução pública no estado, oficializada pelo decreto 873 de 21 de dezembro de

1917. Além disso, apontou que no relatório enquanto diretor da instrução, publicado no

jornal O Educador (1921), periódico pedagógico voltado aos professores/as, Alcides defendeu

a criação de jardins de infância na Parahyba.

Em 2015, outra produção desse Programa, na Linha de História da Educação, auferiu

informações sobre esse intelectual. Biserra (2015) ao analisar as principais discussões em

torno da educação durante o governo de Camillo de Hollanda (1916-1920), principalmente no

tocante a Reforma de 1917 e a Sociedade dos Professores Primarios da Parahiba, criada em

1919, se deparou com a figura desse sujeito nesses espaços. A autora afirmou que Alcides

Bezerra participou desta Sociedade, que tinha como veículo de propagação de ideias um

Boletim pedagógico. Observou que no referido impresso havia a indicação para os

professores/as, de uma obra de Alcides Bezerra, Ensaios de Critica e Philosophia (1919),

especialmente o capítulo intitulado Educação dos Sentidos, e analisou o texto Educação

Moral (1919), de autoria dele, no Boletim dessa Sociedade (1919).

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Ademais, são essas as referências que encontramos sobre os autores que abordaram

aspectos da vida e/ou da obra desse paraibano que nasceu na capital da Paraíba em 24 de

outubro de 1891, filho do casal João Perdigão Bezerra Cavalcanti e Felonila Clara Carneiro da

Cunha. Estudou na Faculdade de Direito do Recife, onde fez bacharelado em ciências

jurídicas, formando-se em 1911. Exerceu vários cargos públicos e administrativos, dentre

eles: procurador interino da República em 1913, procurador adjunto da capital da Paraíba em

1914, diretor do Grupo Escolar Dr. Thomas Mindello, promotor público de 1917 a 1918 em

Catolé do Rocha, secretário da Imprensa Oficial paraibana em 1919. Alcides Bezerra foi eleito

deputado estadual para a 9ª legislatura (1920-1923), mas se afastou para ocupar o cargo de

Diretor Geral da Instrução Pública que exerceu de 1919 a 1921 em seu estado natal. Foi para o

Rio de Janeiro em 1922 e desempenhou o cargo de diretor do Arquivo Nacional, nomeado

pelo presidente da República Epitácio Pessoa6, lugar onde trabalhou até o seu falecimento em

maio de 1938.

Alcides Bezerra foi um dos fundadores do Instituto Histórico da Paraíba em 1905 e

membro da diretoria (1914-1923). Na Revista do IHGP ele escreveu alguns textos: Restos de

antigos cultos na Paraíba (1911), O Banditismo (suas causas biopsíquicas), Um deus

asiático na Parahyba e Demopsychologia (1912), A história da imprensa na Paraíba ainda

está por se fazer (1922). Cabe destacar que na revista nº 5, em que este último texto citado

foi publicado, na Seção Bibliografia, Alcides Bezerra apresentou comentários sobre algumas

obras de sujeitos do cenário político e intelectual da Paraíba, lançadas naquele período, como

a Monografia de Epitácio Pessoa e Políticos do Norte – III, de Carlos Dias Fernandes7,

Apanhados Históricos da Parahyba, de Celso Mariz, o livro Escorço de Chorographia da

Parahyba, de José Coelho8, Pontos de História do Brasil, de Eudésia Vieira9, entre outros.

6 Epitácio Lindolfo da Silva Pessoa nasceu em Umbuzeiro – PB, em 1865, e faleceu em Petrópolis/RJ, em 1942. Exerceu vários cargos, incluindo os de promotor, procurador, ministro da Justiça e negócios interiores, ministro do Supremo Tribunal Federal, secretário de governo, advogado, professor e jornalista. Na política, exerceu os mandatos de deputado, senador e presidente da República. Foi um personagem de grande prestígio na época e uma forte liderança na Paraíba. Recebeu várias homenagens, como a Grã-cruz da Legião de Honra, da França, Grã-cruz de Leopoldo, da Bélgica. É patrono da cadeira número 31 da Academia Paraibana de Letras.

7 Carlos Dias Fernandes nasceu no município de Mamanguape, em 1874, e faleceu na cidade do Rio de Janeiro em 1942. Foi escritor, jornalista, bacharel em Direito, diretor do jornal A União (1913-1925).

8 José Coelho nasceu em 1898, no município de Esperança – PB, e faleceu em 1954 na capital do estado. Formou-se professor pela Escola Normal, bacharel em Direito pela Faculdade do Recife e agrimensor formado pela Escola de Agrimensura da Parahyba. Foi professor e diretor do Liceu e da Escola Normal, professor do Instituto Underwood e da Faculdade de Ciências Econômicas da Paraíba e exerceu os cargos de inspetor fiscal do ensino, diretor dos serviços elétricos, secretário da Fazenda, juiz do Tribunal Regional Eleitoral e bibliotecário.

9 Eudésia Vieira nasceu em 1894 na cidade de Livramento – PB e faleceu em João Pessoa no ano de 1981. Exerceu as profissões de professora primária, médica e jornalista. No Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, exerceu as funções de 1ª secretária (1925-1926), de oradora (1956-1959) e trabalhou na comissão de contas do Instituto (1959-1962). Colaborou na Revista Era Nova, nos jornais A Imprensa, O Norte, A União, entre outros.

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Em anos anteriores, mais precisamente em 1916, Alcides Bezerra foi o relator da

Comissão designada para avaliar se o livro de José Coelho, que também era sócio do IHGP e

participou com ele da comissão que elaborou a Reforma de 1917, intitulado Escorço de

Chorographia da Parahiba, deveria ser adotado nas escolas públicas do estado. O parecer

favorável do Instituto Histórico e Geográfico da Parahyba apresentou a assinatura de Alcides

e outros sócios. Eram comuns os pareceres dos próprios pares, em geral, pertencentes a

institutos como o Instituto Histórico e Geográfico Paraibano – IHGP, sobre seus trabalhos,

principalmente em obras de caráter histórico e em livros didáticos. Outro exemplo se refere

ao parecer do livro didático de Eudésia Vieira, intitulado Pontos de História do Brasil (1921)

feito por Alcides.

Um dos aspectos que nos chamou a atenção durante a leitura da obra de Alcides

Bezerra, Ensaios de Critica e Philosofia, publicada em 1919 e na própria trajetória dele, foi

observar como os sujeitos estavam envoltos em redes de sociabilidade. Não podemos ignorar

tampouco subestimar essas estruturas presentes no meio intelectual, onde “[...] os laços se

atam, por exemplo, em torno da redação de uma revista ou do conselho editorial de uma

editora. A linguagem comum homologou o termo “redes” para definir tais estruturas”.

(SIRINELLI, 2003, p. 248).

Alcides circulou em vários espaços diferentes, como os Institutos Históricos e

Geográficos, os impressos, os cargos públicos, a diretoria do Arquivo Nacional, e estabeleceu

elos de ligação com lugares e pessoas, vínculos, amizades e acordos com seus pares de forma

direta ou indiretamente. Isso certamente influenciou nos caminhos que foram percorridos e

no modo como ocorreu. A análise desses lugares de enunciação, a observação atenta às

relações pessoais, as sensibilidades entre o intelectual e os sujeitos/pares, a frequência a

determinados espaços, as publicações e os locais de publicação, a troca de elogios ou críticas,

etc, nos ajudam a entender as redes de sociabilidade.

A atração e a amizade e, ao contrário, a hostilidade e a rivalidade, a ruptura, a briga e o rancor desempenham igualmente um papel às vezes decisivo [...] de um lado, esse peso de afetividade adquire uma significação específica [...] de outro lado, a imbricação das tensões devidas aos debates de idéias e desses fatores afetivos desemboca talvez, em alguns casos, numa patologia do intelectual. (SIRINELLI, 2003, p. 250).

Percebemos características das redes de Alcides Bezerra, por exemplo, no capítulo VIII

do livro Ensaios de Critica e Philosofia, intitulado Carlos Dias Fernandes. Nesse livro,

Alcides faz uma expressiva crítica literária à obra desse escritor e jornalista e incide seus

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muitos elogios especialmente às obras A Renegada (1908) e Talcos e Avelórios (1915), além

de fazer considerações sobre as bases teóricas e o caráter estilístico de Dias Fernandes.

De facto, a cultura scientifica e literária do nosso elegante estylista e primoroso causeur é verdadeiramente ampla, methodica e encyclopedica. São-lhes familiares a filosofia, as literaturas classicas e modernas, as sciencias jurídicas e sociaes e as da natureza. [...] E não é sómente a fórma, mas tambéma essência do livro que nos prende a attenção, encanta e seduz. Quem escreveu A Renegada tem de certo uma rara lucidez philosophica e em gráo subido aquella clarividência e penetração psychologica que descobre no tecido dos phenomenos que constitui a vida dos personagens, focalizados pela imaginação artistica, os motores passionais, os motivos de obra que os determina, Dir-se-ia que o artista entra nos corações das personagens que anima. (BEZERRA, 1919, p. 49-52).

O fato é que eles liam e escreviam suas opiniões sobre as obras de outros intelectuais

partícipes das suas redes. Essa obra de Alcides Bezerra foi lançada e publicada pela Imprensa

Oficcial da Parahyba, inclusive, quando o mesmo era secretário da Imprensa Oficial e

estabelecia relações políticas e elogiosas publicamente a Carlos Dias Fernandes, então diretor

da Imprensa Oficial. Ainda neste livro, no último capítulo intitulado Epitacio Pessôa, Alcides

Bezerra fez observações sobre a monografia produzida por Carlos Dias Fernandes sobre

Epitácio e elogios ao então Presidente da República.

Toda a vida de Epitacio Pessôa, desde a sua meninice escolar e adolescencia até os seus ultimos triunphos na Conferencia da Paz, é apreciada na monographia com o nitido relevo que caracteriza, de modo inconfundivel, tudo o que sae da penna adamantina de Carlos Dias Fernandes. [...] Prestou um grande serviço ás letras e á historia de seu país com fixar no bronze de sus prosa o retrato desse homem admiravel, cuja vida pode servir de modêlo aos contemporaneos e aos posteros [...]. (BEZERRA, 1919, p. 274-275).

A‟ Parahyba pobre e pequenina coube a gloria de dar ao país esse preclaro typo de homem representativo, fadado pelas suas virtudes, seu temperamento e seu caracter a abrir novos horizontes á politica nacional. O triumpho de Epitacio Pessôa representa a victoria das forças moraes, a victoria do caracter e dos principios. (BEZERRA, 1919, p.279-280).

Percebemos que, ao relatar as ideias, as obras e os posicionamentos de determinados

sujeitos, a opinião pessoal e política de alguns personagens engajados no debate público

ficam evidentes, como no caso de Alcides Bezerra sobre Carlos Dias Fernandes e Epitácio

Pessoa. Sobre este último, muitos elogios recaem ao estadista conhecido nacionalmente e

revelam o posicionamento político de Alcides. Cabe ressaltar que Alcides era vinculado ao

partido do influente senador e posteriormente Presidente da República, Epitácio Pessoa, e

ocupou cargos políticos e no âmbito da educação (secretário da imprensa oficial, diretor do

grupo escolar Thomas Mindello, diretor da instrução pública, inspetor geral do ensino), nos

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governos de Camillo de Hollanda e Solon de Lucena10 (primo de 2º grau de Epitácio Pessoa),

sujeitos ligados politicamente a esse importante político brasileiro. Assim, inferimos que essa

escrita elogiosa não era desinteressada, devido à circulação de Alcides com a figura pública de

Epitácio Pessoa, e fazia parte das relações de amizade e compadrio estabelecidas entre eles.

Antes de ser transferido em 1922 para ser diretor do Arquivo Nacional no Rio de

Janeiro quando Epitácio Pessoa era Presidente da República, em março de 1920, Alcides

Bezerra foi designado Secretário da Comissão Organizadora do VII Congresso Brasileiro de

Geografia, que seria realizado em João Pessoa. De acordo com texto do IHGP sobre esse

sujeito, “entre os 25 trabalhos encaminhados ao Congresso, encontravam-se dois de Alcides

Bezerra: O ensino de Geographia nas escolas primárias e A cidade da Parahyba.” (IHGP, s/d,

p. 5).

Como diretor do Arquivo Nacional, essa função lhe proporcionou a circulação por

diversos espaços, a participação de conferências nacionais e internacionais e a publicação de

relatórios e diversos textos por essa Instituição. No Rio de Janeiro foi presidente e membro

da Academia Carioca de Letras, membro da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro, da

Sociedade dos amigos de Alberto Torres, da Federação Nacional das Sociedades de Educação,

da Sociedade Capistrano de Abreu, Sociedade Brasileira de Filosofia, Comissão Brasileira de

Cooperação Intelectual e Conselho Brasileiro de Geografia. Foi também correspondente de

outros Institutos Geográficos, como o de Ceará, São Paulo, Espírito Santo e Pará. (IHGP,

s/d).

A sua obra é muito vasta. Ele publicou alguns livros, como Ensaios de Crítica e

Philosophia (1919), Maria da Glória (1922), Achegas da História da Filosofia (1936);

discursos, a exemplo de Vicente Licínio Cardoso, O ensaísta, O filósofo (1931/1933); e

prefaciou vários volumes e introduções de documentos do Arquivo Nacional. Segue abaixo

algumas das suas conferências. (SOUZA, 1981).

A Paraíba na Confederação do Equador (1925); Os Historiadores do Brasil do Século XIX (1926); A vida doméstica da Imperatriz Leopoldina (1927); A filosofia Fenomenista de Harald Hofisicading (1928); A Paraíba no século XVI (1929); O problema da Cultura: aspecto evolutivo e base biológica (1929); Silvio Romero, o pensador e o sociólogo (1929);

10 Solon de Lucena nasceu em 1878 em Bananeiras/ PB. Exerceu as funções de professor, em Bananeiras, secretário do Estado e deputado federal no governo de Camillo de Hollanda. Assumiu o governo do estado duas vezes, a primeira, em caráter emergencial, em razão da renúncia de Antônio da Silva Pessoa, e a segunda, quando eleito para os anos de 1920-1924. Implantou o Grupo Escolar de Campina Grande, através do decreto de nº. 1.317 de 30 de setembro de 1924 e transformou a Lagoa dos Irerês em Parque Solon de Lucena, um dos principais cartões postais da capital da Paraíba atualmente.

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Os fatores da independência nacional (1929); Um estadista colonial: Fernando Delgado Freire de Castilho (1930); Evolução psicológica da humanidade (1931); Vida e obra de Taunay (1931); Goethe e sua concepção de vida (1932); Idéia moderna do direito (1933); Aspectos antropogeográficos da constituição (1935); Visconde de Cairú: vida e obra (1935); Histórica do I Reinado à Maioridade (1936).

Alcides Bezerra ocupou como patrono a cadeira nº 5 da Academia Paraibana de Letras,

possui uma avenida com o seu nome no bairro de Cruz das Armas na cidade de João Pessoa,

hoje capital da Paraíba. No município de Cabaceiras, interior desse estado, há uma escola em

homenagem a esse sujeito, a Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Alcides

Bezerra. Tido como personagem importante de um período da história do Brasil, esse

intelectual merece ser investigado em suas várias facetas, inclusive, a educacional. Na seção

seguinte dialogamos sobre duas produções/ atuações educacionais e pedagógicas de Alcides

Bezerra.

A Reforma de 1917 e o relatório do Diretor Geral da Instrução Pública da Paraíba (1921): atuações/ produções de Alcides Bezerra

Em 1921 Alcides Bezerra escreveu um relatório que foi destinado ao presidente de

estado Solon Barbosa de Lucena em 18 de julho deste ano e publicado em algumas edições do

jornal O Educador11 (de 1º de novembro de 1921 a 9 de março de 1922). Esse documento

apresenta algumas divisões de seções na primeira e na segunda parte. Na primeira seguem os

seguintes títulos: Necessidade da difusão do ensino, Inspecção do ensino – da necessidade

absoluta da sua organização, Dos jardins de infancia, Predios escolares, Ensino profissional,

Educação Physica, Educação moral, civica e religiosa, Do ensino. Já a segunda parte do

relatório, intitulada Mensão das principaes occorrencias, é dividida conforme tais seções:

sessões e deliberações do conselho superior de instrucção, cadeiras em concurso, remoções,

licenças, movimento da secretaria, novas escolas, suppressão de escolas, caixa escolar Arruda

Camara, mobiliario, inspectoria geral do ensino, inspectoria do ensino nocturno, inspecção

sanitaria nas escolas, do pessoal docente, fallecimentos, o regulamento da instrucção publica,

estatistica escolar, conclusão.

O relatório é extenso e como visto na quantidade de seções aborda vários temas ligados

à educação. Em razão do espaço disponível optamos por discutir de modo mais específico

sobre um dos temas que aparecem no relatório: os jardins de infância.

11 Órgão do professorado primário do estado da Paraíba que circulou entre novembro de 1921 e setembro de 1922.

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A temática dos jardins de infância aparece na legislação educacional da Paraíba no

decreto 873 de 21 de dezembro de 1917. Essa normativa reformou a instrução do estado e foi

elaborada por um grupo de intelectuais: José Francisco de Moura, Manoel Tavares

Cavalcanti, Alcides Bezerra Cavalcanti, Odilon Coutinho, Celso Afonso Pereira, José Frutuoso

Dantas Júnior e José Gomes Coelho. A maioria exerceu função no magistério e circulou em

cargos públicos ligados a educação.

Considerando que Alcides Bezerra fez parte da comissão que elaborou a reforma de

1917, e que, portanto, contribuiu para os elementos postos nesse decreto, é importante

destacar como essa reforma da instrução apresentou a temática dos jardins de infância. O

capítulo X da normativa, intitulado Dos jardins de infancia, composto por oito artigos (192 a

199) instituiu que “O Govêrno creará, onde fôr mais conveniente, jardins de infancia

destinados á educação dos sentidos de creanças de ambos os sexos, segundo os processos

mais adiantados”. (PARAHYBA, 1917, artigo 192).

A legislação estabelece alguns elementos necessários a estrutura desses

estabelecimentos, que funcionariam durante os mesmos períodos letivos das escolas

primárias, no tempo escolar diário das 9 horas da manhã às 14 horas da tarde com recreios

quando necessários. Para matricularem-se as crianças deveriam cumprir dois requisitos:

serem maiores de 3 anos e menores que 6, e serem vacinadas, assim como também não

possuírem doenças infectocontagiosas. É perceptível a matriz higienista com a qual o governo

conduziu o estado durante o período. Essas prescrições faziam parte do auspicioso projeto de

constituição do Estado Nacional ligado a um amplo movimento médico-higienista que,

baseado no discurso de erradicar a ignorância, modelar os corpos, civilizar as pessoas e

formar um país ordeiro, reorganizava os espaços e, por consequência, a educação.

Os alunos seriam organizados em três classes conforme o desenvolvimento dos

mesmos, e o programa pedagógico deveria ser instituído pelo diretor geral da instrução.

Lembramos que neste período (1917) o diretor da instrução pública era o professor José

Francisco de Moura, e o inspetor geral do ensino, Alcides Bezerra. Ambos participaram da

elaboração da reforma.

Ao prescrever que os discentes seriam organizados em classes conforme os seus níveis

de desenvolvimento, apontamos que essa legislação estava inserida nas discussões em torno

das escolas graduadas, amplamente difundidas ao longo do século XX, e também no debate

relativo à importância da escola em pensar sobre a criança e os seus níveis de

desenvolvimento. Esses elementos são indícios, podemos dizer, do que entre os anos 1920 e

1930 se convencionou chamar de escola nova.

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A organização do pessoal docente também foi estabelecida na lei: uma diretora, uma

professora para cada classe, uma inspetora e uma servente. As diretoras e professoras dessas

instituições deveriam ser formadas em escolas normais. Observamos aqui que todos os

funcionários desta instituição, pelo menos do modo como está apresentado na lei, seriam

mulheres. Isto talvez esteja atrelado a feminização do magistério ocorrida durante o século

XX e a representação da mulher como a melhor figura na função de educar, sendo esta

também a detentora da vocação para o magistério.

Em seu último artigo, a lei de 1917 instituiu que o jardim de infância que se organizasse

anexo a escola normal deveria servir de modelo para os demais que fossem instalados no

estado. Os jardins de infância, embora descritos na reforma de 1917, só foram oficialmente

criados em 1934, como consequência das discussões que se seguiram. O primeiro jardim de

infância oficial do estado foi instalado no Grupo Escolar Dr. Thomas Mindello em 2 de julho

de 1934. Pouco depois, ainda no mesmo ano, foi inaugurado outro jardim de infância anexo

ao Grupo Escolar Izabel Maria das Neves.

Apesar de ter sido criado oficialmente como uma instituição pública apenas em 1934,

de acordo com Lima (2010, p. 156), “[...] temos registro da existência de um Jardim de

Infância particular, que funcionou no prédio da Ordem dos Advogados, e que ficou sob os

cuidados das Professoras Alice de Azevêdo Monteiro e Nayde Martins Ribeiro”. A autora faz

essa afirmação com base nas evidências encontradas na coluna de anúncios do Jornal A

União.

Em 1921, o relatório do diretor geral da instrução pública Alcides Bezerra, apresentado

ao presidente Solon de Lucena, foi publicado no jornal O Educador em 7 de novembro, na

edição de número 2, e em 14 de novembro, edição número 3, ambos do ano 1. Alcides iniciou

argumentando que “para complemento das nossas instituições escolares é-nos mister o

jardim de infancia, a creação admiravel de Froebel, da qual em alguns artigos cogita o

regulamento vigente da instrução publica.” Ele estava se referindo ao decreto 873 de 21 de

dezembro de 1917, citado anteriormente.

Froebel (1782-1852), educador o qual Alcides citou no seu relatório, foi um sujeito que

ao longo da sua trajetória preocupou-se com as crianças e com o lugar mais adequado para a

educação das mesmas, o kindergarten. Ele denominou essas instituições de jardins de

infância, pois

[...] para ele, a infância, assim como uma planta, deveria ser objeto de cuidado atencioso: receber água, crescer em solo rico em nutrientes e ter a luz do sol na medida certa. O jardim é um lugar onde as plantas não crescem em estado totalmente silvestre, totalmente selvagem, é um lugar onde elas

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recebem os cuidados do jardineiro ou da jardineira. Mas o jardineiro sabe que, embora tenha por tarefa cuidar para que a planta receba todo o necessário para seu crescimento e desenvolvimento, em última instância é o processo natural da planta que deverá determinar quais cuidados a ela deverão ser dispensados. Certas plantas não crescem bem quando regadas em demasia, já outras precisam de muita água; algumas plantas precisam de muito sol, ao passo que outras crescem melhor à sombra. O bom jardineiro sabe “ouvir” as necessidades de cada planta e respeitar seu processo natural de desenvolvimento. (ARCE, 2002, p. 108).

É possível perceber essa mesma ideia no relatório de Alcides Bezerra. O jardineiro era o

docente, ou melhor, as professoras, e as plantas eram os alunos/as. Aqui também

observamos a imagem atrelada a concepção de que a mulher tinha competências naturais,

vocacionais para o magistério das crianças. A flexão de gênero fica evidente quando o

intelectual pontua que eram as jardineiras, mães responsáveis por corrigir possíveis desvios e

suprir deficiências nos jardins de infância.

O jardim de infancia, que toma a creança do regaço materno aos três annos para conserval-a até aos seis, é o ambiente salutar destinado a promover o desabrochamento intellectual e volitivo dessas tenras flôres humanas. Jardineiras provectas e vigilantes auxiliam a Natureza, corrigindo-lhe os descuidos e supprindo-lhe as defficiencias. Na escala inteira das profissões não ha uma sequer que se assemelhe á sua, que é como um prolongamento da maternidade e se colloca naturalmente na categoria das coisas mais santas e mais augustas. (BEZERRA, 1921, p. 01).

Ao relacionarmos algumas ideias de Alcides Bezerra presentes nesse relatório como um

todo e as prescrições presentes na lei que reformou a instrução do estado, que teve ele como

um dos elaboradores, observamos que muitos elementos estão relacionados entre si. Por

exemplo, no relatório de 1921 o intelectual considera que a finalidade dos jardim de infância

era “[...] aproveitar criteriosamente os jogos e brincos infantis, transformando-os em

processos selectivos de educação, os quaes vão do fortalecimento dos orgãos e membros das

creanças ao desenvolvimento do seu cerebro e formação da sua sensibilidade” (BEZERRA,

1921, p. 01). Essa concepção está relacionada às finalidades da educação presentes na

normativa de 1917, que em seu 1º artigo afirma que “o ensino primario official é leigo e

gratuito e tem por fim promover a educação physica, intellectual e moral de ambos os sexos”.

(PARAHYBA, 1917). Assim, entendemos que o fortalecimento dos órgãos e membros da

criança está ligado a educação física, o desenvolvimento do cérebro está atrelado a educação

intelectual e a formação da sensibilidade associada à educação moral.

Estas ideias faziam parte das discussões em torno de explicar a infância e a criança

ocorridas desde meados dos séculos XVII e XVIII, e que movimentaram várias teorias sobre o

desenvolvimento da criança nos séculos seguintes. Debates que culminaram, por exemplo,

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em pensar a criança como o centro do processo educativo, numa estrutura própria para

educar as crianças pequenas, que respeitasse o desenvolvimento físico e intelectual da

mesma. Percebe-se que a consolidação de alguns desses saberes estava relacionada ao

conjunto de ideias e práticas denominadas como escola nova especialmente quando de fato

aparecem as primeiras iniciativas públicas. Para Alcides Bezerra era urgente a necessidade de

construção de instituições voltadas para o público infantil.

E’ preciso, custe o que custar, dotar-se a nossa urbs com um templo educativo dessa natureza, sem o qual não podemos almejar o conceito de progressistas e amantes das luzes. Na Suissa, na Alemanha e nos Estados Unidos, dá-se grande importancia aos jardins de infancia. Gosam elles de súbito conceito na Italia, na França, na Bélgica e na Hollanda, bem como noutros paizes de elevada cultura. (BEZERRA, 1921, p. 01).

Alcides Bezerra demonstrou em seu relatório estar sintonizado com as discussões

difundidas em outros estados e com os preceitos pedagógicos modernos. No relatório ele

citou os números 2 e 3, ano X, da Revista do Ensino de São Paulo, o que demonstra que ele

estava atualizado com o que estava sendo discutido em outros estados. Nessas edições o

periódico paulistano dedicou-se a escrever nas suas páginas sobre os jardins de infância. Ele

justificou a escolha em citar essa revista “[...] não porque ella esgote a materia, mas para

ainda uma vez accentuar que S. Paulo, no Brasil, é o pioneiro no tocante á instrucção

publica.” (BEZERRA, 1921, p.1).

O intelectual destacou que em 1920 viajou a São Paulo e visitou o jardim de infância

público do estado, fundado em 1886, o qual a Revista do Ensino de São Paulo faz referência.

Carvalho (2011, p. 226) apontou que viagens a São Paulo “[...] passam a ser rotina

administrativa na hierarquia das providências com que os responsáveis pela Instrução

Pública dos outros estados tomam iniciativas de remodelação escolar na Primeira República”.

No entanto ele observou que o jardim de infância daquele estado já não estava condizente

com os preceitos pedagógicos modernos.

Os methodos da afamada professora italiana Montessori, os jogos educativos do instituto J. J. Rousseau e outras innovações da pedagogia dos jardins de infancia, são inteiramente desconhecidos no jardim paulista, que não poderá servir de modello ao que tiver de ser fundado aqui. Nelle á sumptuosidade do edificio corresponde infelizmente, grande penuria em material didactico. (BEZERRA, 1921, p. 01).

Dentro dos limites dessa pesquisa não sabemos se de fato isso ocorreu, mas cabe

destacar que a pesquisadora Alessandra Arce (2002) afirmou que nos primeiros anos de

funcionamento do jardim de infância da Escola Caetano Campos em São Paulo, havia uma

equipe dedicada a traduzir trechos das obras de Froebel, divulgadas, inclusive, na Revista do

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Jardim de infancia (1896-1897), e que esse periódico fez adaptações das ideias de Froebel a

realidade brasileira. Acreditamos que essa aproximação das ideias desse educador tenha

contribuído para o desenvolvimento das práticas nessas instituições, embora não saibamos

em que nível isto ocorreu.

Apesar de pequeno espaço no relatório, esse tema e os outros presentes nesse

documento da administração pública estadual, podem ser explorados em vários ângulos e

abrir novos caminhos investigativos. Parece bastante interessante, por exemplo, pensar sobre

as viagens pedagógicas feitas por Alcides Bezerra, os autores que ele cita em seus escritos e a

relação das ideias deles com o que foi proferido pelo paraibano.

Buscamos neste artigo iniciar um debate sobre esse intelectual e a educação. Optamos

por utilizar o decreto 873 de 21 de dezembro de 1917 e o relatório de 1921. Essas atuações e

produções de Alcides Bezerra estão circunscritas numa gama de outras possibilidades de

pesquisa relacionadas a Alcides e as suas ideias pedagógicas. Como dito no início desta seção,

o relatório foi dividido em vários temas e cada um merece atenção especial. Buscamos

dialogar brevemente sobre os jardins de infância e consideramos que essa discussão não foi

esgotada aqui.

Consideramos que são necessárias mais aproximações e análises que investiguem as

obras de Alcides Bezerra na Paraíba e em outros estados. São possibilidades de trabalho: a

atuação dele na Sociedade dos Professores Primarios da Paraiba, o seu artigo sobre

educação moral no boletim pedagógico dessa associação, o seu livro intitulado Ensaios de

Crítica e Philosophia (1919), especialmente o artigo A educação dos sentidos, e a relação que

estabeleceu com alguns sujeitos ao longo da sua trajetória, especialmente com Epitácio

Pessoa. Além disso, seria interessante realizar um esforço investigativo de busca e análise de

outros documentos que nos ajude a pensar sobre o período em que foi diretor da instrução

pública da Paraíba e sobre a sua atuação enquanto diretor do Grupo Escolar Thomas

Mindello, em 1918. Percebe-se que ainda há várias histórias para contar.

Referências

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