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A ATUAÇÃO DOS ASSISTENTES SOCIAIS NO ESPAÇO DOS CENTROS DE REFERÊNCIA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL – CRAS: reflexões sobre a prática profissional à luz do projeto ético-político. Denise de Jesus Albuquerque 1 Resumo O presente artigo trata da análise da atuação profissional dos assistentes sociais no âmbito dos Centros de Referência de Assistência Social – CRAS, apresentando de forma breve a trajetória da política de assistência social, a constituição do Sistema Único de Assistência Social e em seu contexto dos Centros de Referência. Apresenta-se aqui algumas reflexões sobre a prática dos assistentes sociais nos CRAS tomando- se como elemento de referência para a análise dessa prática o projeto ético-político do Serviço Social. Palavras-Chave: Prática profissional. Projeto ético-político do Serviço Social. Assistência Social. Centro de Referência de Assistência Social. Abstract The present article is about the analysis of the social workers professional performance in the ambit of the Centers of Reference of Social Attendance - CRAS, presenting in a brief way the trajectory of the politics of social attendance, the constitution of the Only System of Social Attendance and in its context of the Centers of Reference. He/she comes here some reflections on the social workers practice in CRAS being taken as reference element for the analysis of that practice the ethical-political project of the Social Service. Keywords: Professional practice. Ethical-political project of the Social Service. Social attendance. Center of Reference of Social Attendance. 1 Estudante de Pós Graduação. Universidade Estadual do Maranhã[email protected]

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A ATUAÇÃO DOS ASSISTENTES SOCIAIS NO ESPAÇO DOS CENTROS DE

REFERÊNCIA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL – CRAS: reflexões sobre a prática profissional à luz do

projeto ético-político.

Denise de Jesus Albuquerque1

Resumo

O presente artigo trata da análise da atuação profissional dos assistentes sociais no âmbito dos Centros de Referência de Assistência Social – CRAS, apresentando de forma breve a trajetória da política de assistência social, a constituição do Sistema Único de Assistência Social e em seu contexto dos Centros de Referência. Apresenta-se aqui algumas reflexões sobre a prática dos assistentes sociais nos CRAS tomando-se como elemento de referência para a análise dessa prática o projeto ético-político do Serviço Social. Palavras-Chave: Prática profissional. Projeto ético-político do Serviço Social. Assistência Social. Centro de Referência de Assistência Social.

Abstract

The present article is about the analysis of the social workers professional performance in the ambit of the Centers of Reference of Social Attendance - CRAS, presenting in a brief way the trajectory of the politics of social attendance, the constitution of the Only System of Social Attendance and in its context of the Centers of Reference. He/she comes here some reflections on the social workers practice in CRAS being taken as reference element for the analysis of that practice the ethical-political project of the Social Service. Keywords: Professional practice. Ethical-political project of the Social Service. Social attendance. Center of Reference of Social Attendance.

1 Estudante de Pós Graduação. Universidade Estadual do Maranhã[email protected]

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo faz uma reflexão sobre a prática dos assistentes sociais no âmbito dos

Centros de Referência de Assistência Social – CRAS, tendo-se por referencial teórico o projeto

ético-político do Serviço Social.

A motivação para o estudo deste tema se deu pela prática profissional exercida em um dos

Centros de Referência de Assistência Social do município de São Luís/MA. Nesse espaço de

intervenção profissional foi possível vivenciar algumas das contradições que perpassam o Serviço

Social e que são utilizadas por alguns assistentes sociais como justificativa para o abandono a

uma prática profissional crítica, pautada no projeto ético-político da profissão.

Como forma de contribuir para o debate a cerca da prática profissional, optamos por um

resgate histórico da política de assistência social no Brasil que nos possibilitasse compreender a

constituição dos CRAS no âmbito do Sistema Único de Assistência Social - SUAS, espaço

privilegiado neste trabalho para a reflexão sobre a prática dos assistentes sociais.

Por fim, trazemos uma reflexão sobre o fazer profissional dos assistentes sociais nos

CRAS à luz do projeto ético-político da profissão, apresentando as contradições que perpassam o

exercício da mesma e a negação versus afirmação desse projeto.

2. OS CRAS ENQUANTO ESPAÇO DE GARANTIA DE DIREITOS NO ÂMBITO DA

POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL

Os Centros de Referência de Assistência Social – CRAS, constituem uma inovação contida

no SUAS e são definidos como unidade de referência e contra-referência da política de Assistência

Social no território.

Segundo Silva, Yasbek e Giovanni (2004), a constituição de um sistema de proteção social

no Brasil se dá inicialmente no período compreendido entre 1930 e 1943. Nesse momento o

Estado mais extensivamente assume a regulação ou provisão direta da educação, saúde,

previdência, habitação popular, saneamento, etc.

O padrão de cidadania que se forjou no início era baseado no mercado de trabalho,

controlado rigidamente pelo Estado. Tinha-se uma espécie de Cidadania Regulada, limitada ao

meio urbano.

A consolidação desse sistema de proteção social se deu durante as décadas de 70 e 80,

no contexto da ditadura militar. Segundo Pereira (2002, p. 126),

[..] a política social brasileira teve seus momentos de expansão justamente nos períodos mais avessos à instituição da cidadania: durante os regimes autoritários e sob o governo de coalizões conservadoras. Isso deu ensejo à prevalência de um padrão nacional de proteção social com as seguintes características: ingerência imperativa do poder executivo; seletividade dos gastos sociais e da oferta de benefícios e serviços públicos; heterogeneidade e superposição de ações; desarticulação institucional; intermitência da provisão; restrição e incerteza financeira.

No período de transição do regime autoritário para a democracia liberal no Brasil, temos

uma reorganização institucional que culminou com a convocação da Assembléia Nacional

Constituinte em 1986. No que diz respeito à proteção social, tanto os direitos sociais quanto as

políticas concretizadoras desses direitos receberam atenção especial.

A grande inovação da Constituição de 1988 está na área da Assistência Social ao

reconhecer como um direito aquilo que por tantos anos foi visto e tratado como favor.

No entanto, os avanços sociais contidos na nova Constituição não passaram

despercebidos pelas elites brasileiras e foram alvos de severas críticas pela classe dominante que

chegaram a dizer que a mesma tornava o país ingovernável.

Foi nesse contexto que se deu a aprovação da Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS,

em 1993 que veio regulamentar o direito constitucional à Assistência Social, definindo-a como

política de Seguridade Social não contributiva responsável por garantir os mínimos sociais.

No que se refere aos objetivos da Assistência Social, a LOAS estabelece:

I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II – o amparo às crianças e adolescentes carentes; III – a promoção da integração ao mercado de trabalho; IV – a habitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; V – a garantia de 1 (um) salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.

Os princípios e diretrizes constantes na LOAS vão servir de balizadores para a Política

Nacional de Assistência Social –PNAS/2004, aprovada na IV Conferência Nacional da Assistência

Social (dezembro de 2003). Nesta conferência, tem-se como principal deliberação a construção e

implementação do Sistema Único de Assistência Social – SUAS.

O SUAS possui um modelo de gestão descentralizado e participativo e consiste na

regulação e organização em todo o território nacional das ações socioassistenciais. O seu foco

prioritário de atenção é as famílias e seus membros e indivíduos e tem como base de organização

o território. (MDS, 2005)

No que se refere à proteção social, a Norma Operacional Básica do SUAS – NOB/SUAS,

estabelece:

A proteção social de Assistência Social consiste no conjunto de ações, cuidados, atenções, benefícios e auxílios ofertados pelo SUAS para redução e prevenção do impacto das vicissitudes sociais e naturais ao ciclo da vida, à dignidade humana e à família como núcleo básico de sustentação afetiva, biológica e relacional.

A proteção social no SUAS é hierarquizada em básica e especial, sendo que esta última

divide-se em média e alta complexidade.

A proteção social básica destina-se a prevenir situações de risco, através do

desenvolvimento de potencialidades, aquisições e o fortalecimento dos vínculos familiares e

comunitários.

O CRAS, por sua vez, insere-se no contexto da proteção social básica, sendo considerado

a porta de entrada para o SUAS. A definição do MDS (2006), é de que o CRAS é:

1.1 a unidade pública estatal responsável pela oferta de serviços continuados de proteção social básica de assistência social às famílias, grupos e indivíduos em situação de vulnerabilidade social; 1.2 a unidade efetivadora da referência e contra-referência do usuário na rede sociassistencial do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e unidade de referência para os serviços das demais políticas públicas; 1.3 a “porta de entrada” dos usuários à rede de proteção social básica do SUAS; 1.4 (...) 1.5 uma unidade pública que concretiza o direito socioassistencial quanto à garantia de acessos a serviços de proteção social básica com matricialidade sócio-familiar e ênfase no território de referência; (...)

Das definições acima, destacamos aquelas que preconizam o CRAS enquanto “porta de

entrada” e “unidade pública que concretiza o direito socioassitencial”. De maneira simples,

poderíamos dizer que tal qual o posto de saúde no bairro é para o usuário da saúde pública a

concretização do Sistema Único de Saúde, o CRAS no território é a materialização – visível para o

usuário da política de Assistência Social – do SUAS.

No entanto, o desenvolvimento e consolidação do SUAS e, em seu contexto, dos CRAS,

não se faz sem que hajam contradições e estas têm imbricações diretas na prática dos assistentes

sociais que atuam nos Centros de Referência de Assistência Social.

3. A PRÁTICA DOS ASSISTENTES SOCIAIS NOS CRAS: AFIRMAÇÃO X NEGAÇÃO

DO PROJETO ÉTICO-POLÍTICO DO SERVIÇO SOCIAL

Para iniciarmos o debate acerca da prática dos assistentes sociais no âmbito dos CRAS

consideramos importante trazer alguns elementos-chave na discussão da própria profissão.

O primeiro deles diz respeito ao caráter contraditório do Serviço Social. Segundo Iamamoto

(1998, p.54):

O Serviço Social dispõe de um caráter contraditório que não deriva dele próprio, mas do caráter mesmo das relações sociais que presidem a sociedade capitalista. Nesta sociedade, o Serviço Social inscreve-se em um campo minado por interesses sociais antagônicos, isto é, interesses de classes distintos e em luta na sociedade.

Essa contraditoriedade vai perpassar também o fazer profissional dos assistentes sociais.

No entanto, a profissão tem uma definição clara de posicionamento frente a esse campo minado. O

projeto ético-político do Serviço Social pauta-se na luta em defesa de uma nova ordem societária e

vincula o projeto profissional à luta geral dos trabalhadores.

Nos princípios fundamentais contidos no Código de Ética do Assistente Social, temos:

• Opção por um projeto profissional vinculado ao processo de construção de uma nova ordem societária, sem discriminação-exploração de classe, etnia e gênero; • Articulação com os movimentos de outras categorias profissionais que partilhem dos princípios deste Código e com a luta geral dos trabalhadores; (CEFESS, 1997, p.18)

Vale dizer que a proteção social não é função exclusiva da Assistência Social. Ao contrário,

ela se dá pela articulação entre as mais variadas políticas públicas, não se podendo atribuir à

política de assistência social a responsabilidade exclusiva pela superação da situação de

vulnerabilidade social.

A compreensão deste processo pelo assistente social é de fundamental importância, pois

lhe permitirá entender seus limites e possibilidades, tirando-lhe o peso de ser o responsável pela

transformação das condições em que o usuário se encontra ao chegar no CRAS demandando um

serviço e incumbindo-lhe o dever de garantir a esse usuário não só o acesso aos serviços,

programas e benefícios oferecidos pelos Centros de Referência, como a articulação e luta para o

acesso às demais políticas públicas.

Um caso emblemático e corriqueiro presente na realidade do município de São Luís,

refere-se ao Programa Bolsa Família - PBF. Na maioria das vezes, o usuário que chega ao CRAS

tem o único objetivo de ser inserido no programa e receber o benefício. Não significa que este

usuário não tenha outras demandas e necessidades. No entanto, para ele, o CRAS é apenas

referência para o PBF. Cabe, portanto, ao assistente social um olhar diferenciado sobre aquele

usuário, percebendo suas outras demandas e possibilitando-lhe buscar a efetivação de seus

direitos.

Outro debate importante relacionado à prática profissional no âmbito dos CRAS tem haver

com as condições de trabalho a que os profissionais de Serviço Social estão submetidos.

Temos, por um lado, o crescimento da pressão na demanda por serviços, cada vez maior, por parte da população usuária mediante o aumento de sua pauperização. Essa se choca com a já crônica – e agora agravada – falta de verbas e recursos das instituições prestadoras de serviços sociais públicos, expressão da redução de gastos sociais recomendada pela política econômica governamental, que erige o mercado como a “mão invisível” que guia a economia. Verifica-se a inviabilização de programas de trabalho, a falência dos serviços públicos nos campos da saúde, educação, habitação, etc. Em consequência, amplia-se, cada vez mais, a seletividade dos atendimentos, fazendo com que a proclamada universalização dos direitos sociais se torne letra morta. (Iamamoto, 1998, p.160)

Nesse contexto de redução do Estado, temos a diminuição das verbas destinadas aos

gastos sociais como um dos principais dificultadores da implementação e consolidação do Sistema

Único de Assistência Social.

Esse processo tem rebatimentos no fazer profissional do assistente social, uma vez que a

falta de recursos impossibilita a efetivação de uma prática profissional que compreenda o usuário

da política de assistência social numa perspectiva totalizante. Desse modo, pode-se cair na

fragmentação das ações e

restringir a atuação aos atendimentos emergenciais a indivíduos, grupos ou famílias, o que pode caracterizar os CRAS e a atuação profissional como um “grande plantão de emergências”, ou um serviço cartorial de registro e controle das famílias para acessos a benefícios de transferência de renda. (CEPS, CEFESS, 2007, p.31)

A aceitação passiva desses limites institucionais representa a negação do Código de Ética

do Assistente Social e do projeto ético-político da profissão.

A superação dessa perspectiva fragmentadora demanda da categoria dos assistentes

sociais uma apreensão crítica da realidade e uma prática profissional que articule o conhecimento

teórico com a luta política pela afirmação da Assistência Social como direito do cidadão e dever do

Estado.

4. CONCLUSÃO

O Serviço Social como profissão inserida na divisão societária do mundo do trabalho sofre

com os rebatimentos da crise do capital. Num contexto de redução do Estado, impõe-se ainda mais

desafios à reafirmação de um projeto ético-político comprometido com as classes subalternas.

Contraditoriamente, a regulamentação de um padrão mínimo de proteção social no Brasil

se dá num período de enxugamento do Estado sob a ótica do receituário neoliberal. Tais

contradições se abatem também sobre a prática dos assistentes sociais que são obrigados a

exercer a profissão num cenário de afirmação e negação de direitos.

No âmbito dos Centros de Referência de Assistência isso se dá na medida em que este

profissional tem que lidar com uma realidade que tende a levá-lo a um distanciamento do projeto

ético-político do Serviço Social, propondo-lhe uma atuação imediatista e emergencial através de

ações fragmentadas.

Desse modo, a afirmação do compromisso dos assistentes sociais com o projeto ético-

político da profissão, significa a afirmação dos direitos dos usuários da política de assistência

social, na medida em que estes profissionais não encerram seu fazer profissional nos limites

impostos pela política de assistência social e tampouco compreendem a profissão como a

responsável pela transformação geral da sociedade.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Código de Ética do Assistente Social. Lei nº 8.662/93 de regulamentação da

profissão. 3. ed. Brasília: Conselho Federal de Serviço Social, 1997.

_______. Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS. Nº 8.742 de 7 de dezembro de

1993.

______, MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME. Política

Nacional de Assistência Social. Brasília, Governo Federal, 2004.

______, MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME. Norma

Operacional Básica do Sistema único de Assistência Social. Brasília, Governo Federal, 2004.

______, SECRETARIA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. Proteção Básica do

Sistema Único de Assistência Social: orientações técnicas para o centro de referência de

assistência social. Brasília, Governo Federal, 2006.

Conselho Federal de Psicologia (CFP); Conselho Federal de Serviço Social (CEFESS).

Parâmetros para atuação de assistentes sociais e psicológos (as) na Política de Assistência Social.

Brasília: CFP/CEFESS, 20070.

IAMAMOTO, Marilda Vilela. O Serviço Social na contemporaneidade: trabalho e

formação profissional. São Paulo: Cortez, 1998.

PEREIRA, Potyara A. P. Necessidades humanas: subsídios à crítica dos mínimos sociais.

2. ed. São Paulo: Cortez, 2002.

SILVA, Maria Ozanira da Silva e; YASBEK, Maria Carmelita; GIOVANNI, Geraldo di. A

política social brasileira no século XXI: a prevalência dos programas de transferência de renda.

São Paulo: Cortez, 2004.