a arte de viver de arte

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A ARTE DE VIVER DA ARTE Manual para a autogestão de artistas plástic@s Felipe Ehrenberg @s artistas que prosperam são os que têm o coração na arte e os pés na terra. Sea regular y ordenad@ en su vida para poder ser violent@ y original en su trabajo. Gustave Flaubert

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Page 1: A ARTE DE VIVER DE ARTE

A ARTE DE VIVER DA ARTEManual para a autogestão de artistas plástic@s

Felipe Ehrenberg

@s artistas que prosperam são os que têm o coração na arte e os pés

na terra.

Sea regular y ordenad@ en su vida para poder ser violent@ y original en su trabajo.

Gustave Flaubert

Page 2: A ARTE DE VIVER DE ARTE

ÍNDICE

INTRODUÇÃO: @s artistas que prosperam são os que têm o coração

na arte e os pés na terra. página

1. O UNIVERSO QUE NOS RODEIA: Das circunstancias em que

vivemos e das maneiras em que se difunde a arte.

- Aceitando a crua realidade página

- Sobre os territórios das artes página

- O panorama das artes visuais página

- A infra-estrutura que nos apóia página

- Em busca de mais espectadores/as página

- O mundo íntimo que nos rodeia: Pessoal de Apoio – direto e

indireto página

- Pessoal de Apoio Direto (PAD) página

- Pessoal de apoio indireto (PAI) página

- Nosso público (agora sim): Públicos ativos (PA) e Públicos

Passivos (PP) página

2. OS ESPAÇOS PARA A PRODUÇÃO ARTÍSTICA: De o simples

encontrar soluções imediatas e mediatas para resolver nossos

problemas de espaço. página

Page 3: A ARTE DE VIVER DE ARTE

- Quanto maior a produção, maior a projeção página

- As partes essenciais do ateliê ideal página

- Entre dizer e fazer hà que caminhar página

- Projeto integral/ergonômico em pequenas dimensões

página

- Dividindo espaços (civilizadamente) página

- Acordos práticos para a convivência página

3. OS TEMPOS DA PRODUÇÃO ARTÍSTICA: De quão simples é

encontrar soluções imediatas e mediatas para redesenhar os tempos

disponíveis, necessários para produzir. página

- Quando você sonha, quando você sonha? página

- A agenda de bolso página

- Ah, sim... pontualidade! página

- ...e o caderno de contatos página

- O calendário na parede página

- Cronologias regressivas página

- Tempos e temporadas página

-Os bloqueios página

4. ESTRATÉGIAS E TÁTICAS: De certas chaves contidas na historia

da arte e no senso comum (outra vez), onde, além disso, se fala de

tomar “a Alternativa”. página

- Medicina, tauromaquia e gastronomia? página

- O momento da decisão página

- Questão de graus página

- Quem falou de exércitos? página

- A chave para sobreviver e prosperar página

- Como conseguir bolsas, estímulos e residências página

- Cinco pontos para conseguir uma bolsa página

- Nunca desperdiçar esforços página

Page 4: A ARTE DE VIVER DE ARTE

5. A TRANSIÇÃO DA PAIXÃO A PROFISSIONALIZAÇÃO: De como é aconselhável educar-se em academias, mas também por caminhos não tradicionais página

6. O HABITO SIM FAZ O MONGE: De usos e costumes e demais hábitos (maus e bons) que nos fazem o que somos página

7. O INVENTARIO DE NOSSA OBRA: Sobre as muitas opiniões que nos dão, sempre e quando saibamos quanta obra ter página

8. INFORMAÇÃO BIOGRÁFICA: Sobre as muitas vidas paralelas que levamos e como não ficar confus@s nem confundir ninguém

página

9. NOSSO ARQUIVO E SUAS PARTES: De como criar os elos na cadeia da vida... página

10. MANEIRAS DE PROTEGER-NOS E PROMOVER-NOS: De como a cortesia não tira a audácia, e como tudo vale na guerra e no amor

página

11. FECHANDO ACORDO COM TERCEIROS: De como podemos incidir no mundo que nos rodeia, funcionando como se deve

página

12. PROMOVENDO-NOS PELO MUNDO AFORA: De como inverter a mesa na relação entre n@s mesm@s e outros parentes

página

13. NOSSAS DEFESAS: Dos direitos e responsabilidade e das possibilidades de ganhar dinheiro que nem imaginávamos

página

14. COLOCANDO PREÇOS: De onde podemos finalmente agarrar a ponta da madeixa e deixar as duvidas para trás... e se alguém quer um desconto, pois logo o pensaremos página

15. EXPOR NO ATELIÊ (OU QUANDO QUER QUE SEJA): De como não necessitamos de galerias se queremos expor quando quer que seja, á nossa vontade página

Page 5: A ARTE DE VIVER DE ARTE

ANEXOS

BREVE E CONCISA TIPIFICAÇÃO DA GALERIA página

O VALOR DA ARTE CONTEMPORÂNEA, por cortesia de Paula

Mastroberti página

Page 6: A ARTE DE VIVER DE ARTE

INTRODUÇÃO

A ARTE DE VIVER DA ARTE

@s artistas que prosperam são os que têm o coração na arte e os pés

na terra!

A profissão de artista não é – e nunca foi – um “louco acontecimento

vergonhoso”. É uma atividade tão necessária para a sobrevivência

física e espiritual dos indivíduos como o os mil e um ofícios e

profissões que permitem à humanidade florescer. Todo mundo precisa

da arte, e como sempre há um roto para um esfarrapado, qualquer um

que se proponha a isso pode, sem um só espaço para dúvidas, viver

exclusivamente de sua produção artística.

A missão deste livro é recuperar os esplendores de uma das mais

antigas atividades inventadas pela humanidade. Seu propósito é servir

tanto a artistas emergentes que procuram fazer seus primeiros

esforços como a profissionais que já estão há anos na lida.

Este ofício é profundo e maravilhoso, e requer muitos anos, às vezes a

vida toda, para que se possa exercê-lo em plenitude. Antes de entrar

no assunto, pedirei ao meu leitor/a que recorra à imaginação e se

coloque a si mesm@ sob una lupa com o propósito de descartar

aqueles preconceitos que tantos danos trazem à nossa profissão.

Existem alguns mitos que enaltecem, como os d@s médic@s

abnegad@s ou o dos capitães que afundam com seu barco. Mas quase

sem exceção, os mitos que rodeiam @s artistas há uns cem anos,

quando muito, nos envilecem. Para ser artista – se diz – é preciso

“nascer com talento” e “esperar que as musas nos inspirem”, e

Page 7: A ARTE DE VIVER DE ARTE

enquanto isso não acontece, deve-se vestir de maneira esdrúxula,

beber e fornicar pantagruélicamente. Somos – diz a lenda – seres

espirituflautic@s ou báquic@s, entes quase incorpóreos que

subsistimos de ar e sonhos quiméricos. Habitamos clarabóias ou

palácios (nunca uma casa normal), jamais sabemos que horas são e

somos sempre informais; nossos bolsos não têm fundo, somos como...

crianças pequenas!: impulsiv@s, arrogantes, desobrigad@s,

interessantes (muito interessantes, faltava essa!), e sempre

imprevisíveis. @s artistas – arremata o mito – somos valorizados

depois de morrer!

Seria difícil listar as falácias que continuam tecendo ao redor do nosso

maravilhoso labor. O ruim é que, apesar de suspeitarem do contrario,

muit@s artistas preferem a mentira, é tão romântica! O pior é que há

entre nós aqueles que vestem essa carapuça e decidem, para sua

desgraça, viver a farsa. Quanta gente com talento não almeja ser

artista? E destes quantos jamais conseguiram alcançá-lo?

Entre as falácias que se deve destacar de imediato está a crença que

se não nos dão atenção é porque “ninguém nos entende”, ou pior

ainda, a que alimenta a esperança de que algum dia “seremos

descobert@s”. Pensar assim só nos conduz a definhar no

esquecimento. Certamente para ser artista profissional se requer

muito mais do que saber desenhar, modelar massinha ou pintar a

óleo; é igualmente importante divulgar nosso trabalho e, sobretudo,

cobrar o justo. Para viver da arte, nós artistas devemos organizar

nossas vidas de modo que tenhamos os tempos requeridos para criar,

por um lado; e por outro, para administrar a nossa produção.

Page 8: A ARTE DE VIVER DE ARTE

Não estamos sós

Muit@s aspirantes a artistas ignoram os meandros da profissão e

desconhecem o âmbito em que exercemos nossa atividade: um mundo

farto, complexo e labiríntico. Não sabem que para funcionarmos como

se deve, dependemos de uma ampla rede de apoios proporcionados

por um universo de pessoas especializadas: estão, em primeira

instância, @s colegas de grêmio e uma surpreendente variedade de

associações que criamos (algumas importantes e influentes); também

nos apóiam nossos provedores e produtores, homens e mulheres

especializados em mil e uma tarefas que nos proporcionam todo o

necessário para realizarmos nosso trabalho; existem representantes e

galeristas (duas ocupações muito diferentes) que são os principais

encarregados de distribuir nossa obra; @s curadores/as, crític@s e

historiadores/as que localizam nossa produção e lhe dão contexto; @s

empregad@s e funcionári@s de museus e instituições públicas e

privadas; as pessoas que trabalham na imprensa e nos meios de

comunicação de massa, e claro, @s colecionadores e toda a variedade

de clientes, que são @s principais – mas não são os únicos –

destinatários de nossa produção.

Paralelamente à criação de nossa obra, temos a obrigação de tratar

com empregad@s, assistentes e sub-contratados, realizar trâmites

burocráticos de todo tipo, elaborar orçamentos e cumprir

compromissos com seriedade, dirigir nossas finanças e contas

bancárias, manter correspondência com terceiros, zelar por nossos

direitos autorais e lidar com o fisco (pagar ou não pagar impostos, eis

a questão...).

Para conseguir tudo isso, devemos fotografar a obra que estamos

Page 9: A ARTE DE VIVER DE ARTE

produzindo e inventariá-la (é necessário saber com precisão tudo o

que temos armazenado), redigir currículos especializados, montar

portfólios para nos promover e estabelecer contatos privados e

institucionais (tanto em nosso país como no exterior).

Ao longo da vida profissional é necessário empacotar, assegurar e

exportar as obras, tratar com intermediários e funcionários e conhecer

a diferença entre empréstimos, subsídios e mecenatos. Deve-se saber

decidir quando vender diretamente e quando fazê-lo através de

terceiros, se vamos dar aulas ou vender cachorro-quente, se

queremos ser empregados ou atuar de modo independente. Devemos

inclusive saber como formar uma coleção própria. Todo um labirinto de

atividades e opções!

@s que sabem disso são @s artistas que operam de maneira

profissional. Alguns se apercebem da realidade no início da carreira.

Outr@s vão aprendendo pelo caminho, lentamente; mas tod@s sabem

que para desenvolver-se em plenitude é necessário administrar-se de

maneira cuidadosa: @s artistas que prosperam são @s que têm o

coração na arte e os pés na terra!

Quem não se dá conta da realidade a tempo acaba ganhando um

salário como funcionári@ de algum trabalho, geralmente como

professor/a ou empregad@ menor. Tornam-se melancólic@s porque

lhes parece que sua obra “não atinge o público”, há aqueles que se

conformam em trabalhar de dia e criar à noite. Os sonhos se

desvanecem e muit@s caem abatid@s pelo caminho. Quem insiste em

produzir sem se profissionalizar, vão se amargurando porque não lhes

chega o reconhecimento; produzem cada vez menos e vendem pouco

Page 10: A ARTE DE VIVER DE ARTE

ou nada. Em sua frustração, se reduzem a falar mal de seus colegas e

do próximo e, como conseqüência, degradam a profissão.

Aqueles de nós que conseguem ver como nossas obras comovem

quando as compartilhamos, são @s que praticam o ofício milenar com

o respeito que exige a disciplina: somos os que criam para logo fazer a

entrega pontual de nossas criações. Só assim se pode operar o

verdadeiro mistério da arte, o da interlocução, através do qual nós

artistas contribuimos no imaginário de nossa geração. Se nossa obra é

significativa aos olhos do próximo, pode chegar a transcender. Se

corrermos com sorte, nos destacaremos em vida, mas, ainda que a

fama ajude, não é o que importa: se é artista para cumprir uma

função vital.

O senso comum

A única coisa que intermedia a desilusão e os prazeres do sucesso é o

senso comum. Disso se trata o livro: do senso comum que fui

adquirindo ao longo da vida e que aplico desde que soube que seria

artista.

Quando voltei ao México, em 1974, depois de viver seis anos na

Inglaterra, tinha 30 e poucos anos de idade. Foi lá onde aprendi como

ser profissional de fato e direito. Quero dizer que por fim vivia daquilo

que fazia. Capacitado nas artes tradicionais, mas metido em

experimentações, ao retornar deparei-me com um mundo de arte

ermo e hostil. Concentrado numa capital que ultrapassava os 10

milhões de habitantes, afundado em práticas e costumes anacrônicos

até em seu próprio entorno, a profissão das artes visuais (que naquele

então ainda eram “plásticas”) se desenvolvia carente de suportes

Page 11: A ARTE DE VIVER DE ARTE

essenciais: as galerias que havia podiam ser contadas em uma mão;

escreviam por coincidência o mesmo numero de crític@s nos jornais e

revistas e apenas se lhes era outorgada alguma esquina e não havia

uma só tribuna especializada. Certo, umas quantas pessoas

compravam arte, mas daí a dizer que constituíam um mercado de arte

seria mentira. Nestas circunstancias, a única coisa que me permitiu

avançar em minhas propostas foi meu profissionalismo. Muita água

passou por debaixo da ponte desde então. Á primeira vista pareceria

que conseguimos avançar, mas na realidade a situação mudou pouco

na capital e quase nada no resto do país.

Se eu fosse pessimista nunca teria roubado um quarto de século da

minha vida e produção para conduzir um seminário chamado “A arte

de viver da arte” e compartilhar os conhecimentos que aplico para

administrar minha obra. No entanto, sou e continuarei sendo um

otimista; acredito na capacidade redentora da arte e, sobretudo, na

força que tem o milenar grêmio ao qual pertenço, para efetuar

mudanças profundas.

Minha intenção explicita ao escrever este manual é, como já expressei

acima, compartilhar experiências com colegas no México e outros

países da América nossa, num afã por diminuir os desgastes e

dissabores que nosso trabalho encerra; também procuro recuperar os

ritmos e compassos que a profissão perdeu na turbulenta

modernização do continente latino-americano. Razão menos óbvia é a

de colaborar na criação de um contexto, um ambiente compartilhado

que permita a@s artistas do continente ampliar a capacidade de nossa

infra-estrutura de apoio. Isso nos permitirá perceber melhor a

presença em âmbito internacional e evitar, na medida do possível,

Page 12: A ARTE DE VIVER DE ARTE

caminhar dois passos adiante, um passinho pra trás (e outro tanto

pros lados), como acontece na atualidade.

Sedimento de nosso imaginário coletivo, a plástica, da mesma forma

que todas as outras artes (incluindo a culinária), é tão importante

como uma cesta básica. Sua fragmentação nos cega e desgasta a

todos por igual.

Agradecimentos

No Brasil, em 2007:

À Tatiane Reverdito, ex-assistente, cúmplice e amiga especial desde os

tempos difíceis quando trabalhamos juntos na Embaixada do México

no Brasil. Ninguém mais poderia ter traduzido este livro.

À Beatriz Arantes, alegre amiga e também ex-assistente, pela primeira

revisão do texto.

À historiadora Flavia Cesarino, pela última e determinante revisão feita

em circunstancias difíceis; sem seus comentários e observações este

livro não seria o que é.

À maravilhosa e hospitaleira e aconchegante Cooperativa de Artistas

Visuais do Brasil, pela sua insistência em existir.

À artista plástica Monique Allain, por me abrir as portas de São Paulo.

À artista plástica e ensaísta Paula Mastroberti, quem com muita

generosidade e sem me conhecer mesmo, cedeu graciosamente seu

corajoso e esclarecedor texto, O valor da arte contemporânea.

A escultora Sol Abadie pela tradução na última hora dos dois ensaios

finais.

À Malu e Roberto Viana, pela sua paciente generosidade e o seu amor

á arte.

Ah sim! Obrigado ao Chamusquita e o Cuitlacoche, meus gatinhos

pretos, que desistiram de trepar-se no meu colo enquanto trabalhei.

Page 13: A ARTE DE VIVER DE ARTE

No México, em 2000:

A@s técnic@s e operadoras/es que trabalharam na impressão, meus

primeiros agradecimentos. Ainda não os conheço enquanto redijo

estas linhas, mas quero que saibam que ninguém melhor que eu sei

que sem seu trabalho, este livro não existiria.

À Rosina Conde, poeta e escritora, editora cúmplice, por corrigir,

melhorar e cuidar deste texto (e tantos outros).

Devo mencionar, assim mesmo, o Sistema Nacional de Criadores. Foi,

sem dúvida alguma, a grande segurança que me proporcionou o apoio

deste organismo do Conselho Nacional para a Cultura e as Artes, o que

permitiu sentar cabeça e traduzir o oral para o escrito; e depois, muito

obrigado á confiança que o SNC concedeu à Biombo Negro Editores,

que tornou possível a publicação deste manual.

Não sou um iludido: não só aprendi que para chegar à redenção é

preciso dirigir nossos próprios esforços com precisão, também aprendi

que não há possibilidade de exercer a profissão de maneira isolada,

sem contar com as cumplicidades carinhosas d@s colegas. Neste

manual resumo os conhecimentos que muita gente me ensinou ao

longo da vida, teci-os na trama dos conselhos que nunca me

recusaram as amizades profundas e admirad@s, como a historiadora e

crítica Raquel Tibol, a atriz Lilia Aragón, o fotógrafo Pedro Meyer, o

situacionista Juan José Gurrola, o artista brasileiro Rubens Gerchman,

o compositor Michael Nyman, o ex-argentino Néstor García Canclini, o

Ulises Carrión (RIP), pela confiança inicial, a Tere del Conde, o velho

gringo Howie Becker, @s fotógraf@s Nathan e Joan Lyons, @s

FLUXian@s Dick Higgins (RIP), Takako Saito e Carolee Schneemann, o

arquivista Clive Philpot, os perfomadores Guillermo Gómez Peña e

Carlos Zerpa, e a grande historiadora Shifra Goldman. Todos são

Page 14: A ARTE DE VIVER DE ARTE

amigos muito, muitíssimos queridos que sempre exerceram suas

atividades com ética e profissionalismo.

Incluo neste livro certos segredos e doces artimanhas do ofício que

aprendi com conhecid@s e amig@s sabi@s e dinámic@s: Mathias

Goeritz (RIP), José Chavéz Morado, Manuel Felguérez, José Luis

Cuevas, Rosa Luisa Márquez e Antonio Martorell, Francisco Toledo,

Silvia Pandolfi e a irmã Karen Boccalero (RIP). Seus exemplos – e os

de alguns mais – me serviram para salvar-me de mil e um recifes.

Devo admitir que se ainda me depare com problemas, isto se deve a

minha própria intolerância e teimosia.

Em congruência, este livro está dedicado à memória de um de meus

melhores amigos e maior mestre, Arnold Belkin. Ao mesmo tempo,

também o dedico à minha filha Annatlalli Ehrenberg Diaz, cuja tese

versa sobre a comunicação em casas de cultura, e a meu sobrinho Ary

Ehrenberg Lesur, quem como artista incipiente, poderá consultá-lo

para resolver sua vida com sensatez.

De modo muito especial, agradeço aos deuses e deusas pela existência

de meus filh@s e meus net@s, cujas vidas são – e foram sempre –

minha razão de ser artista. Suas milagrosas vidas me impulsionam a

organizar a minha num afã de legar-lhes algo mais que minha coleção

de chapéus usados. Agradeço à minha esposa Lourdes Hernandez

Fuentes (a Cozinheira Atrevida) pela tranqüila paciência que teve

comigo durante o tempo que desapareci atrás do monitor de La

Calandria (meu PC), bem como pelos acertados comentários que me

fez depois de cada leitura que lhe pedi; obrigado também a Francisco

Rocha Merino, desenvolto assistente que tão bem me cobriu as costas

em outros misteres, e obrigado a todos os Comensais do Crime,

cúmplices na Editora Biombo Negro, pelo apoio moral que significa a

Page 15: A ARTE DE VIVER DE ARTE

sua constante companhia.

As etapas finais do livro foram dias de trabalho braçal ingrato: um

milhão (e muitos outros) de agradecimentos ao advogado e Grande

Juiz Ricardo (cuja identidade reservo só a mim) e a Angelina Cué e

Maria Dueñas (advogadas autorais por antonomásia), que me deram

suas imprescindíveis opiniões; e de maneira muito especial, obrigado a

Rosina Conde, que leu e anotou e corrigiu e limpou o deduscrito (eu

teclo com dois dedos). Last but not least, obrigado a Vampi, minha

gatinha, que decidiu ter sua camada de seis bolinhas em vez de

trepar-se a meu colo. Obrigado a todos: em seu coração sabem bem o

quanto continuarei precisando.

Felipe Ehrenberg; agosto de 2000, após as históricas eleições (as

quais me conduziram – indiretamente- a virar diplomata e viajar para

o Brasil

Page 16: A ARTE DE VIVER DE ARTE

I. O UNIVERSO QUE NOS RODEIA

Das circunstancias em que vivemos

e das maneiras em que se difunde a arte.

Aceitando a crua realidade

As estatísticas, ainda que se exagere, são contundentes: de cada cem

aspirantes que começam a faculdade de artes visuais, só oito chegam

a se formar, cinco permanecem dentro da profissão e apenas um

gozará da lamparina do êxito. A maioria daqueles que continua numa

pós-graduação ou no mestrado deixa de produzir; alguns passam a

ocupar vagas como professores/as, outr@s a ser pesquisadores/as e

promotoras/es e alguns, mais recentemente, a inventar sua muito

particular versão do exercício curatorial.

Longe da academia (quer dizer, fora das grandes cidades que contam

com centros de ensino superior de artes) o grau de mortalidade é

talvez menor. Com outros ritmos, outras exigências; se não há escola

para compactar oito semestres em uma tese, não há vara que regule a

qualificação. Quem se torna artista na caminhada tem toda a vida para

se formar... uma coisa para se meditar.

Seja como for, os números refletem a realidade: muit@s começam,

pouc@s conseguem ser artistas. Tod@s constituem, no entanto, o

complexo universo de relações sociais que conhecemos como “o

mundo da arte”: nós profissionais visuais vivemos inextricavelmente

entrelaçados num universo paralelo de gente sem cuja presença ativa

seria impossível sobreviver, e o contexto que nos rodeia é um labirinto

cujo motor é o dinheiro, mais na atualidade que nos tempos passados.

Page 17: A ARTE DE VIVER DE ARTE

Hoje, nossos mundos de arte distam muito do que foram não há muito

tempo: nós artistas produzíamos e o objeto de arte passava a

terceiros em simples operações de patrocínio ou compra-e-venda: sem

dealers intermediários, suas senhorias, os burgomestres, ordenavam,

Rembrandt entregava.

Antanho, o uso do objeto artístico, fosse este um desenho, uma

estampa, uma tela ou uma escultura, reduzia-se a umas quantas

pessoas e cumpria funções simples, ainda que profundas.

Hoje, a arte mudou, mudaram seus materiais e seus suportes,

mudaram seus alcances. Continuamos usando tinta a óleo, mas

também pintamos com uma infinidade adicional de materiais; a

fotografia se combina com o laser e os computadores, e recorremos a

gigantes tratores ou microscópicos chips como também a muitas

outras ferramentas inusuais. Mas por que não? Acaso não acontece o

mesmo com as demais tarefas humanas?

Assim mesmo, a difusão e distribuição da arte mudaram de maneira

radical. Atualmente, nós artistas temos à nossa disposição tecnologia

de reprodução e meios visuais sofisticados ao extremo. Sua

versatilidade permite e propicia que uma obra de arte cumpra

muitíssimas outras funções – que tenha mais usos – e que sirva a uma

maior quantidade de pessoas.

Ainda que hoje, como antes, as obras continuem sendo usadas para

ornamentar luxuosas residências e dar lustro a escritórios públicos e

privados, também são usadas para iluminar com seu brilho esplanadas

comerciais e halls de hotéis e hospitais. São utilizadas para incitar o

Page 18: A ARTE DE VIVER DE ARTE

turismo, vender produtos fotográficos, como base de programas de

computadores, para anunciar licores, como capas de livros e discos,

para decorar cenários de telenovelas, para constituir e herdar capitais,

até para lavar dinheiro sujo! O dinheiro que produz a arte se multiplica

e se esparrama.

É lógico que ao complicar-se nosso universo profissional, complicam-se

as relações entre @s artistas e o público espectador. A função d@s

intermediári@s, outrora temerosa, hoje é imprescindível. Temos que

viver com eles/as, por isso devemos regular nossa convivência.

Sobre os territórios das artes

As artes se dividem por tradição em cinco grandes áreas: as cênicas,

que são essencialmente três: a música, a dança e o drama (e sem

dúvida a gastronomia), e as não cênicas: que são a literatura e as

artes visuais.

A vida cênica é gregária e seus praticantes percebem ingressos que

provém, de forma geral, da bilheteria, em ocasiões do patrocínio; é

muito diferente do modo como nós artistas e literatos, que

trabalhamos em maior solidão.

Os ingressos recebidos pelos poetas, novelistas e escritores/as provêm

da multi reprodução de seus textos na imprensa e por meio da venda

de seus livros, de conferências e seminários. Para a maioria d@s

artistas, no entanto, a natureza de nossas obras nos obriga a manter a

antiga relação um-a-um com nosso público.

Tanto o ingresso na bilheteria e no restaurante como as edições de

Page 19: A ARTE DE VIVER DE ARTE

livros parcelam os lucros que as pessoas do drama, literatura e a

gastronomia recebem: @s espectadores/as de uma função de teatro,

dança, música ou os comensais no restaurante pagam uma quantidade

relativamente pequena por entrada, e do que entra na bilheteria sai

para os gastos, salários, honorários e direitos; de modo parecido, o

total arrecadado na venda da edição de um livro se divide e seu

autor/a geralmente recebe 10% de direitos. Vender bilheteria e em

livrarias requer medidas muito distintas das que se requer para

convencer o povo endinheirado a gastar uma alta soma em uma única

peça.

Enquanto isso, nós artistas temos dificuldade para compreender

quanto mudaram as maneiras que há para usar nossa obra.

O panorama das artes visuais

A circunstância das artes visuais é singular, sem dúvida alguma. Isto

responde a uma realidade atual da sociedade e, portanto, da arte; e

quem protagoniza seu desenvolvimento são sempre @s propri@s

artistas. Tanto se amplia e se bifurca nosso território que, para

prosseguir nesta leitura, temos rever suas especializações. A plástica

se parece muito com a medicina, já que ambas as disciplinas se

subdividem em especialidades, cada uma das quais tem suas

particularidades técnicas, sua história, sua teoria, e claro, seu próprio

destino dentro do todo.

Atualmente, as artes visuais se dividem em dois blocos principais: o

mais familiar é o da obra retinal (ou retiniana), que inclui tudo o que

se sustenta em objetos. Menos conhecido é o da obra conceitual (ou

não objetual), que privilegia as idéias relativas ao visual, o que se

Page 20: A ARTE DE VIVER DE ARTE

traduz usualmente na produção de textos e gestos, ações

(performances), instalações, fotografia, vídeo e documentação diversa.

As especialidades são, em ordem de aparição histórica:

Desenho

- carvão e à sanguina

- prata ou ouro, sobre caulim;

- grafite (lápis)

- cera (lápis de cera e lápis de cor)

- tinta, negra e colorida (pena e/ou pincel);

- giz e pastel

Pintura

- guache

- encáustica

- óleo

- aquarela

- acrílico

- afresco (pintura mural)

- secco (pintura mural)

Escultura (hoje chamada obra tridimensional ou 3-D)

- modelada (barro, cera, gesso, massa de modelar, etc.),

- talhada (madeira),

- lavrada ou cinzelada (pedra),

- colada (metal, cimento, plásticos, etc.),

- soldada (metal, plástico),

- assamblage (madeira, metal, plástico, etc.) que pode incluir

Page 21: A ARTE DE VIVER DE ARTE

mecanismos automotores,

- instalação (de cunho recente, freqüentemente efêmera) que

pode incluir áudio e/ou vídeo,

- ambientação (recente, frequentemente efêmera) que também

pode incluir áudio e/ou vídeo;

Estampa (frequentemente chamada erradamente de gravura)

- carimbos e a rolo

- madeira (xilogravura), da qual deriva a linoleografia,

- Planilhas/estêncil (de onde deriva a atual mimeografia e a

serigrafia),

- monotipia (uma única impressão),

- metal: cobre, zinco, ferro,

- colografia,

etc., até chegar à digitalização.

Fotografia (próxima á estampa)

- a cor, preta e branca,

- revelada,

- digitalizada,

Têxtil

- macramê,

- tecido,

- tingimento (e batik),

- costura e/ou colagem,

- misto, Etc.

Cerâmica

Page 22: A ARTE DE VIVER DE ARTE

- modelada,

- moldada,

Artes temporárias

- performance (performance art),

- vídeo,

- digitais.

Para os propósitos dessa classificação tão reduzida e esquemática é

aconselhável descartar a tradicional distinção que fazemos entre as

chamadas “artes” e os chamados “artesanatos”. As teorias mais

recentes sobre os processos e as funções da arte, assim como a

emergência de grupos sociais outrora reprimidos já não permitem

manter essa diferenciação. É mister formular marcos de referência

diferentes, mais atentos à circunstância mundial. Com isso quero dizer

que é necessário colocar a grande criatividade de artistas que se

identificam com as chamadas etnias, dentro de qualquer uma das

especialidades acima elencadas. Sô um exemplo: no vale do Rio

Balsas, no estado de Guerrero (MX), há muitos artistas ceramistas por

tradição, que nos últimos anos começaram a transferir seu

extraordinário desenho ao papel amate; há entre esses, criadores do

mais alto calibre, que já começam a ser reconhecidos no exterior. Se a

política cultural do México –e na maior parte dos paises da América

latina- não fosse racista, eles também seriam considerad@s autores

de artes visuais.

Pelo andar da carruagem, tudo indica que nossa lista terá que

continuar sendo ampliada para incluir mais e mais especializações que

já estão sendo gestadas.

Page 23: A ARTE DE VIVER DE ARTE

A infra-estrutura que nos apóia

Quase sem exceção, os países industrializados contam com uma

enorme infra-estrutura, mercados diversificados e uma cidadania

assaz receptiva que permite a@s artistas especializarem-se, se assim

o quiserem, para viver de “um só cultivo”. Em países menos

desenvolvidos como o México e o Brasil existem, é claro, infra-

estruturas parecidas; mas como ainda é frágil a engrenagem entre

suas partes e no resto da sociedade, e como os níveis de percepção de

nossa gente são tão dispares, a possibilidade de especializar-se é

reduzida quase a zero. Talvez seja melhor assim: maior

especialização, menor visão panorâmica; maior versatilidade, maiores

possibilidades expressivas para dialogar com o próximo.

Para dar um exemplo: no México – cujo imaginário é eminentemente

visual – cultivou-se durante séculos, e muito bem, a escultura. Legado

de nosso passado pre-colombiano, ela reflete uma particular

sensibilidade rumo ao tridimensional. Os setores poderosos da

atualidade, no entanto, pouco se interessam por nossa história, muito

menos por nosso imaginário coletivo, ou seja, nossa cultura.

Submersos em uma assustadora apatia, guiados pela frivolidade de

revistas importadas de moda e decoração, imaginam que uma

escultura só pode ser de pedra, metal ou cimento, e que dizer “arte” é

dizer “óleo”. Para satisfazer seu afã de consumo conspícuo, as galerias

pressionam para que @s artistas, sobretudo os recém-formados das

academias, cultivem a especialidade do óleo a despeito da escultura e

da enorme variedade de especialidades que existem. Salvo exceções

que confirmam a regra, o resultado é que a escultura quase não é

cultivada no México, e @s pouc@s artistas que insistem em continuar

Page 24: A ARTE DE VIVER DE ARTE

trabalhando vêem um horizonte negro adiante.

Em busca de mais espectadores/as

É possível, e de fato desejável, escaparmos a essa dinâmica

constrangedora e procurarmos OUTROS públicos, casualmente

pauperizados, mas sem dúvida menos ostentosos e muito mais

curiosos, aos que podemos chegar sem necessidade dos serviços de

galeristas, de maneira direta, desde nossos estúdios. Refiro-me a

gente como nossos familiares e vizinhos que também têm seu

coraçãozinho... Perceberemos que as necessidades estéticas deste

outro público podem converter-se em poderoso estímulo para ampliar

nossa capacidade expressiva, para utilizar uma maior variedade de

técnicas, suportes, ferramentas e materiais, sempre e quando os

aproximemos a nossa obra.

Eu, por exemplo, não pratico apenas uma ou duas técnicas, na

verdade sou (da mesma forma que um clínico geral) um profissional

geral. Tenho duas poderosas razões para trabalhar assim: por um

lado, minha desmedida curiosidade e minha impaciência (me

aborreceria só pintar ou fazer gravuras); por outro lado, a quase

provinciana timidez do mercado mexicano (que não admite nada além

do que lhe seja familiar). De modo que, há muitos anos, produzo com

alguma perícia e muitíssimo prazer desenhos, estampas e pinturas que

vendo principalmente no México, a preços mais que justos; enquanto

me dou asas elaborando instalações e performances para exibi-las no

exterior, onde ninguém barganha o cachê, e recebo porcentagens da

bilheteria.

O mundo íntimo que nos rodeia: Pessoal de apoio – direto e

Page 25: A ARTE DE VIVER DE ARTE

indireto

Ao longo de suas mil historias, a humanidade vem desenvolvendo toda

sorte de especializações que são realizadas por técnicos e

profissionais, com o objetivo de enlaçar a@s artistas e sua sociedade

com maior eficácia. Tais especialistas nos podem ser de extrema

utilidade, por isso deve reconhecê-l@s com cuidado para saber o que

fazem, como fazem e em que condições fazem.

O destacado jazzista, fotógrafo e sociólogo de arte, Howard S.Becker,

classificou-@s como pessoal de apoio, e @s divide em PESSOAL DE

APOIO DIRETO (PAD) e PESSOAL DE APOIO INDIRETO (PAI).

Muitas dessas pessoas são cúmplices d@s artistas, outras cumprem

tarefas de intermediação essencial. Outras ainda, como galeristas e

curadores/as, poderiam ser consideradas figuras parasitas, úteis em

algumas ocasiões, sempre e quando saibamos como e quando recorrer

a eles. No conjunto, suas habilidades e serviços nos permitem dedicar

mais tempo de qualidade à nossa criação.

Pessoal de Apoio Direto (PAD)

Técnic@:

Sem dúvida, os primeiros que nos vêm à mente são:

- fabricantes de ferramentas para artistas;

- fabricantes de materiais de pintura (lápis, aquarela, tinta a óleo

e acrílicos) para artistas;

- fabricantes de suportes (papéis especiais, telas, bastidores,

etc.);

- fundidores/as, serralheir@s e ceramistas artístic@s;

- emolduradores de arte;

Page 26: A ARTE DE VIVER DE ARTE

- comerciantes especializad@s, ambulantes e estabelecidos;

- técnic@s impressores/as, de gravuras, litografia e serigrafia;

- programadores/as de computador especializados;

- noss@s propri@s colegas! refiro-me às amizades verdadeiras,

sem cuja companhia e apoio ninguém de nós poderia se

desenvolver;

Prestadores de serviço:

- mestres e professores de arte, não necessariamente ligados a

centros de ensino;

- assistentes especializad@s em estúdio e/ou ateliê, quase sempre

estudantes de arte;

- fotograf@s especializad@s (não é a mesma coisa tirar foto

artística e fotografar arte);

- empacotadores especializad@s (toda a obra de arte requer

embalagens especiais);

- seguradoras familiarizadas com as artes, para cobrir qualquer

contingência com máxima eficácia e mínimo custo;

- transportadores especializad@s, que sabem mexer com obras de

arte sem danificá-las;

- agentes alfandegários que conhecem a regulamentação

mercantil relativa à arte;

- curadores/as, que estabelecem os parâmetros conceituais de

coleções, exposições e atividades adjacentes;

- museógraf@s, que seguem um roteiro curatorial para compor as

exposições;

- vigilantes e monitores, cujas funções que @s artistas

desdenhamos injustamente, mas cujo trabalho é indispensável

para aproximar-nos do público;

Page 27: A ARTE DE VIVER DE ARTE

- contadores/as e advogad@s familiarizados com as artes, @s

primeir@s, que sabem dividir nossas atividades entre emissão de

notas fiscais e recibos de honorários para propósitos fiscais; @s

segund@s, que sabem proteger-nos em querelas, lesões autorais

e demais situações;

- pesquisadores/as especializad@s, que sabem onde procurar a

informação ou materiais que podemos precisar a qualquer

momento;

- noss@s colegas, @s artistas, me refiro às amizades verdadeiras,

sem a qual companhia e apoio ninguém de nós poderia se

desenvolver, e cujos conselhos baseados em uma realidade

compartilhada são sempre inestimáveis;

ATENÇÃO! Também são PAD em serviços:

- associações de grêmio e autorais nacionais e internacionais

(como a Cooperativa de Artistas Visuais do Brasil ou a Sociedade

Mexicana de Autores de Artes Plásticas, no México);

- organizações filantrópicas nacionais e internacionais;

- fundações culturais nacionais e internacionais;

- clubes e círculos culturais nacionais e internacionais;

- organismos dedicados à proteção legal e contável de artistas;

- comissões culturais em corpos legislativos estatais e federais;

- noss@s colegas, @s artistas organizad@s em associações - me

refiro às amizades verdadeiras, sem cuja companhia e apoio

ninguém de nós poderia se desenvolver, e cujos conselhos

baseados numa realidade compartilhada são sempre inestimáveis:

cerrar fileiras, na alegria e na tristeza, visitar-se nos ateliês para

compartilhar a crítica construtiva, acompanhar-se em exposições,

intercambiar informação sobre compradores morosos em seus

Page 28: A ARTE DE VIVER DE ARTE

pagamentos, falar de galerias... Tudo se traduz em criar um

grêmio.

Pessoal de exceção:

- @ companheir@! O marido, a esposa, @ namorad@, @s amantes.

Trata-se de cúmplices que nos amam (pelo menos, assim supomos),

que nos conhecem intimamente, que sabem pelo que passamos para

criar, e que costumam presentear-nos com amor, às vezes com

paixão, seu mais desinteressado apoio.

Ainda se conta em muitas sobremesas, para explicar o êxito do mestre

Rufino Tamayo, que ele era um santo dadivoso e amoroso enquanto

Olga, sua esposa, era uma mercenária avara e desalmada. A fofoca

oculta um dos elementos mais importantes relacionados com o casal:

a divisão de trabalho! Ninguém se surpreende que se um casal decide

abrir um pequeno comércio, e que enquanto uns d@s dois atende o

balcão, seu companheiro se encarregue de atender os fornecedores e

fazer entregas. Também não é incomum que dois médic@s, digamos

uma pediatra e um dentista, abatam custos e dividam o consultório.

De fato, quantas empresas não surgiram do esforço conjunto de um

casal que decidiu tentar a sorte para prosperar? Mas é tal o gosto pela

fofoca que se perde o ensinamento que a anedota do matrimonio

Tamayo encerra. Que ignorância! Não apreciam o aspecto pragmático

do assunto: enquanto uma metade do binômio cria obras de arte, a

outra metade pode atuar como gerente para administrar a produção.

Os Tamayo prosperaram porque ambos assumiram funções

complementares, O mestre Rufino pode ter sido o gênio que quiserem,

mas gênios abundam. O que falta são que gênios se administrem.

Page 29: A ARTE DE VIVER DE ARTE

@s intermediári@s:

Diferentemente d@s técnic@s, com quem estabelecemos relações de

trabalho claras e sem subterfúgios (eu solicito, você sabe como, me

cobra e eu te pago), os intermediários geralmente têm agenda

própria, quer dizer, quando recorrem a nós é para cumprir projetos

próprios. Os intermediários funcionam tanto no âmbito privado como

no público:

No âmbito da IP:

- vendedores/as, que vão desde mascastes de condomínio até

comerciantes estabelecidos como empresa;

- representantes, ainda que na América latina existam poucos, em

outros países funcionam bastante bem, onde comprovaram serem

mais úteis que @s donos de galeria. Depende de nos estimular a

sua aparição hoje em dia;

- historiadores/as da arte;

- sociolog@s das artes;

- curadores independentes;

- promotores/as especializad@s, sejam já empregados de

instituições privadas ou independentes;

- proprietári@s de jornais, revistas e concessionárias de rádio e

TV;

- cibernautas don@s de sites na rede;

- editores/as de seções culturais na imprensa, radio e TV;

- repórteres culturais, na imprensa, radio e TV;

- colunistas e cronistas especializad@s;

- crític@s de arte;

- noss@s colegas, @s artistas organizados em associações - me

refiro às amizades verdadeiras, sem a qual companhia e apoio

ninguém de n@s poderia se desenvolver, e cujos conselhos

Page 30: A ARTE DE VIVER DE ARTE

baseados em uma realidade compartilhada são sempre

inestimáveis: cerrar fileiras, na alegria e na tristeza, visitar-se nos

ateliês para compartilhar a crítica construtiva, acompanhar-se em

exposições, intercambiar informação sobre compradores morosos

em seus pagamentos, falar de galerias... Tudo se traduz em criar

um grêmio. (Não, isto não é um erro de edição. A repetição é

proposital).

O âmbito do setor público:

- Funcionári@s, mais velhos e mais novos, especializad@s,

diretores/as e chefes de institutos, museus, departamentos de

artes plásticas, casas de cultura, instâncias públicas de promoção

cultural, etc.;

- historiadores/as de arte;

- sociólog@s da artes;

- curadores/as;

- promotores/as especializad@s, sejam já empregados de

instituições privadas ou independentes;

- noss@s colegas, @s artistas organizad@s em associações, me

refiro a amizades verdadeiras...

Pessoal de apoio indireto (PAI):

Acima listamos quem devemos considerar pessoal de apoio direto.

Trata-se de pessoas que, bem ou mal, desempenham atividades

claramente delineadas por hábitos e determinações legais previamente

estabelecidas. Fazem parte do que Becker chama de infra-estrutura.

São, em paises desenvolvidos, figuras respeitadas, mas não temidas.

Dizer que nossa sociedade está em “vias de desenvolvimento” é

Page 31: A ARTE DE VIVER DE ARTE

querer dizer que nossa infra-estrutura está tão cheia de buracos como

uma esponja, e que é apenas um esboço daquilo que esperamos que

chegue ser algum dia. Boa parte de nossas falhas obedecem à situação

de nossas economias. A maioria dos problemas infra-estruturais de

que padecemos, no entanto, é conseqüência de uma ignorância

generalizada, e em ocasiões, da corrupção que campeia o interior dos

setores universitários e acomodados a cargo da cultura. Também @s

artistas, gostemos ou não de admiti-lo, fazemos parte desta triste

realidade: se os intermediários se perpetuam com impunidade nos

lugares que desempenham mal ou dirigem com imperícia as coisas é

porque nós permitimos, seja por desconhecimento ou por preguiça.

Enquanto não encontrarmos a maneira de obrigar aos intermediários

em postos públicos a trabalhar com rigor, disciplina e honestidade

teremos que fortalecer nossas relações com os setores técnicos e de

serviços. Vejamos então qual é a diferença entre PAD e PAI. Um

exemplo simples para ilustrar é o lápis!

Um lápis – digamos um Berol HB – é absolutamente indispensável

para tod@ desenhista, portanto os anônimos operários da Berol que os

fabricam devem ser considerados pessoal de apoio. No entanto,

aqueles lápis não são para uso exclusivo dos artistas, Usam-no

também estudantes, carpinteiros, engenheiros, ladrões de banco, até

deputados. Esses trabalhadores são então pessoal de apoio indireto.

Na mesma fábrica, outro grupo de operários produz lápis de cor com

grafite de cera (melhores do que se produzem nos EUA, diga-se de

passagem), portanto são pessoal de apoio direto, já que o destino dos

ditos produtos é direitinho á mão do/a artista, ainda que possa ser

usado por estudantes.

Page 32: A ARTE DE VIVER DE ARTE

Da mesma forma, um bom marceneiro não necessariamente sabe

construir bastidores ou cavaletes. Pode nos ser útil – como pessoal de

apoio indireto - para construirmos uma mesa de trabalho comum. O

dia em que siga os planos para construir uma mesa de desenho ou um

bastidor passará a ser pessoal de apoio direto. Daqui para frente

poderemos recorrer a ele com a confiança de que nos será útil no

âmbito particular.

Nosso grêmio inclui fotógraf@s, muit@s dos quais subsidiam suas

propostas criativas com o que ganham em trabalho de corte comercial,

fotos para revistas de moda ou arquitetura, tomadas de fábricas e de

carros. Não necessariamente sabem fotografar um mural de cerâmica,

uma instalação ou uma performance. Podemos ser úteis a eles se os

ensinarmos como fazer. Então passam a ser pessoal de apoio direto

para artistas.

Os mesmos princípios são aplicáveis a outras disciplinas. Contadores,

advogados, profissionais de todo tipo e gente que nada sabe de arte

podem, se assim o desejarem e se nos tomamos o tempo de

familiarizá-los com nossa lida, transformarem-se em pessoal de apoio

direto e colaborar com o grêmio.

Nosso público (agora sim): Públicos ativos (PA) e Públicos

Passivos (PP):

De acordo com a muito sensata classificação de públicos que faz o

professor Becker, nossos espectadores podem ser divididos em dois

setores: público ativo (PA) e público passivo (PP).

Page 33: A ARTE DE VIVER DE ARTE

O PA, que é uma minúscula minoria aqui e nas ilhas Fidji, compra arte.

Quem não compra -a grande maioria- são PP. O curioso deste assunto

é que enquanto o primeiro (PA) representa o setor pouco entendido

em assuntos de cultura e arte, é no setor PP onde encontraremos as

pessoas mais receptivas às artes. Não terá capacidade aquisitiva, mas

é sem dúvida, sensível a elas.

Entende-se, como conseqüência, que o PA é aquele que freqüenta

galerias privadas e leilões e costuma adquirir os chamados coffee table

books de luxo; enquanto o PP é aquele que visita museus e galerias de

casas de cultura, e compra revistas de arte em sebos ou artigos de

segunda mão. Embora o público ativo nos pareça, à primeira vista,

mais desejável, nosso melhor público sempre será o público passivo.

Da mesma maneira em que @s artistas podemos incidir para

transformar o pessoal de apoio direto (PAI) em direto (PAD), podemos

também incidir para transformar o PP em PA. Não é que podamos

fazer que fiquem ricos (deram saltos de felicidade!), mas sim podemos

pôr nosso trabalho a seu alcance, quer dizer, vender nossas obras a

preços acessíveis. Parece fácil e realmente é. Basta definir como e em

que circunstancias a obra sai de nossos ateliês.

Haverá ainda quem insista em alegar que “nós artistas estamos

sozinhos”?

Page 34: A ARTE DE VIVER DE ARTE

II. OS ESPACOS PARA A PRODUÇÃO ARTÍSTICADe o simples encontrar soluções imediatas e mediatas

para resolver nossos problemas de espaço.

Quanto maior a produção, maior a projeção.

A falta de um espaço adequado para produzir é um problema

endêmico de que padecem quase tod@s @s artistas do mundo. Depois

de formar-se, @s jovens emergentes passam da paradisíaca existência

de que gozaram na academia durante seus anos de formação à

inesperada e desagradável realidade que os obriga a desenhar na

mesa da cozinha, pintar no quarto entulhado de coisas na casa dos

pais ou, na melhor das hipóteses, trabalhar no quartinho de serviço.

Existem aqueles que se tornam independentes de imediato, é claro.

Então, põem-se de acordo com dois ou três colegas e amontoam-se

num apartamento alugado. Depois de alguns meses entram em

disputas por causa do espaço divido e, confusões daqui confusões dali,

acabam brigados de morte. Uma vez mais, sem lugar onde trabalhar.

O triste é que tem quem nunca aprenda a remediar seu problema de

espaço. Deixam que os anos passem, casam-se, têm filhos, mas

persistem em trabalhar sob condições inimaginavelmente precárias:

no quintal que algum dia cobriram com placas de eternit, no

microscópico jardim onde a duras penas construíram um tipo de

cabana... Não é de se surpreender que se esqueçam de seus

entusiasmos juvenis, como a gravura e ou a escultura em pedra, pois

onde colocar o tórculo e a caixa de resina e as bandejas para os

ácidos, se há crianças engatinhando por toda parte? Onde armazenar

o granito e o mármore e realizar trabalhos tão poeirentos e ruidosos

Page 35: A ARTE DE VIVER DE ARTE

sem incomodar a vizinhança?

Desesperados, muit@s procuram um emprego como professor@s em

algum lugar onde haja espaço (cruzam os dedos) para trabalhar.

Poucas vezes são satisfatórios esses arranjos. Para um/a artista,

qualquer emprego se traduz, não em espaço, mas em salário; e um

salário é igual à morte criativa (bem o dizia Dick Higgins: tenure is

death, conseguir uma base é morrer...). Muit@s pouc@s artistas que

ocupam espaços alheios contam com áreas para diversificar sua

produção, muito menos contam com o espaço físico necessário para

deixar as obras de ontem à vista e compará-las com a peça em

processo hoje.

Além do mais, produzir não é tudo. Se não contamos com espaço

adicional para armazenar nossa produção, como será possível ordenar

o inventário necessário para exibir e vender diariamente? Como

poderemos produzir o suficiente para projetarmo-nos?

As partes essenciais do ateliê ideal

A primeira coisa a qual se deve dedicar qualquer artista, emergente ou

com experiência, será a de conseguir espaço apropriado para criar à

vontade. Só assim alguém pode desenvolver-se e crescer. O lugar

ideal deve satisfazer não só nossa produção atual: deve servir para o

que vier no futuro. No momento de montar ou desenhar um ateliê à

nossa medida, é preciso considerar os seguintes elementos:

Zona de trabalhos “limpos”:

Onde se trabalha, sobretudo com papel: desenhos, aquarelas, desenho

de planos e maquetes etc. São necessárias mesas de trabalho, mesas

Page 36: A ARTE DE VIVER DE ARTE

de desenho (inclusive as desmontáveis), cadeiras e bancos, prateleiras

para materiais e ferramentas, luminárias de mesa. Tudo deve se

encaixar, de modo a facilitar ao máximo o trabalho.

Zona de trabalhos “semi-sujos” e “sujos”:

Para elaborar pintura e estampa, e, dependendo, para esculpir,

modelar etc. são necessárias mesas desmontáveis de trabalho (tábua

e cavaletes), prateleiras para materiais e ferramentas, às vezes

cavaletes, bancos e tamboretes; tudo se deve ajustar ao tipo de

trabalho que estamos fazendo.

Zona de trabalhos “tanto faz”:

É necessária para preparar instalações, práticas de performance, etc.

Trata-se de contar com uma área aberta e de múltiplos usos que nos

permita experimentar e projetar antes de exibir ao público a(s) obra(s)

em turnos, de modo que possamos evitar a improvisação que tanto

empobrece as boas idéias.

Zona de escritório:

Hà quem se surpreenda quando se fale em “escritório”; é necessário,

no entanto, contar com um espaço dedicado à administração de

maneira exclusiva. Com isto, além de não entulhar as zonas de

trabalho com papéis, pizzas velhas e ressecadas, cartas de amor ou

negócios, baralho, contratos, camisinhas e demais coisas, para nos

facilitar aquelas tarefas que tanto odiamos, as escritorialísticas.

Hoje em dia, nós artistas devemos contar com um computador (com

seu modem e tudo o mais), com pelo menos com dois telefones e

suficientes arquivos, tanto para documentos como para fotos e

Page 37: A ARTE DE VIVER DE ARTE

transparências. Adicionalmente, é no escritório, em estantes onde se

guardam revistas, convites, livros técnicos e de referência, e toda a

parafernália informativa requerida para nosso trabalho.

Zona de armazenamento:

Assunto de máxima prioridade, o armazenamento seguro e limpo de

nossa obra deve ser planejado com cuidado, para resguardar a obra

em processo, sem marcar e/ou a obra que esteja pronta para sua

exposição. Deve-se desenhá-lo de maneira que se possa incluir

objetos de tamanho e natureza diversa.

Zona de exposição:

Todo ano, uma plêiade de artistas emergentes se soma aos

contingentes em atividade que competem entre si para fazer ato de

presença em fóruns nacionais. Seu número ultrapassa e muito as por

si só limitadíssimas capacidades das poucas galerias que existem por

aí. É ilusório e contraproducente pensar que estas empresas são nossa

única possibilidade de vender. Dai que tant@s artistas, em todo o

mundo, regressam a essa antiga tradição (que existia muito antes de

ser aberta a primeira galeria): expor e vender no próprio ateliê!

Qualquer pessoa agradecerá a emoção que lhe causa visitar um ateliê:

estudantes, critic@s e curador@s, pesquisador@s e, claro, o público

(ativo e passivo). Zona hospitaleira onde se pode conversar, mostrar

obra e vender, é precisamente aqui, em encontros cara a cara, onde

se estabelecem as interlocuções mais significativas, aquelas que

acrescentam substância à nossa lida. Esta zona deve cumprir os

seguintes requisitos:

• Proximidade ao espaço de armazenamento (muito

Page 38: A ARTE DE VIVER DE ARTE

importante), para não andar correndo de um lugar para outro

arranhando obrinhas, obras e obronas.

• Espaço suficiente para permitir a contemplação mais cômoda

possível da obra.

• Boa iluminação, necessária para banhar de luz a obra que

queremos mostrar. Muito cuidado com focos incandescentes

porque dão uma luz muito amarela, que pode deformar as cores

da obra. O ideal é balancear luz incandescente com

fluorescente.

• Mobiliário e/ou suportes para exibir a obra uma por uma

(cavaletes, “tesouras” para expor obra não emoldurada,

tamboretes de leitura etc., sem esquecer mesa de luz e/ou

projetor de slides e tela, para estudar transparências). Com

moveis cômodos (sofás e poltronas) e mesa de centro para

mostrar nossos livros e catálogos, e claro, pôr os refrescos de

cortesia. É recomendável contar, além disso, com equipamento

de vídeo e de som; o primeiro para mostrar mais a obra, o

segundo para passar um momento agradável.

Não se deve esquecer que o nosso ateliê precisa ter:

Acessos generosos (portas, janelas, garagem... na mesma rua) para

não termos problemas na hora de colocar e tirar materiais, maquinaria

e obras de formatos maiores.

Sistema de cabos elétricos capaz de suportar cargas variáveis.

Iluminação apropriada (tubos de néon branco balanceados com luzes

amarelas e azuis, spots, etc.), contatos suficientes para não ter que

improvisar.

Tomadas especiais (talvez até para corrente trifásica) prevendo a

possibilidade de usar alguma vez máquinas, ferramentas (serras,

Page 39: A ARTE DE VIVER DE ARTE

tornos, etc.).

Alimentação de água e drenagem apropriados.

Ventilação até o exagero: em geral nós artistas descuidamos dos

gases, eflúvios e pós que o nosso trabalho causa, e com freqüência

padecemos de males que poderiam ter sido evitados.

Entre dizer e fazer hà que caminhar

Um ateliê tal qual se descreve acima pode parecer um sonho, uma

loucura inalcançável; mas só para quem desconhece as veredas da

profissão. Profissionais que somos (ou queremos ser), nossa obrigação

é fixar como meta clara, imediata, a obtenção de um espaço que,

embora reduzido, nos permita trabalhar, expor e vender da maneira

mais cômoda possível. Não se pode esquecer nunca que... Quanto

maior a produção, maior a projeção!

Existem somente dois caminhos para resolver o problema: improvisar

com engenho para redesenhar o lugar que no momento utilizamos (o

quatro ou a sala? O quarto de serviço? A garagem?), ou ainda alugar

um lugar que seja o maior possível. Ambas as opções têm seus prós e

seus contras.

Projeto integral/ergonômico em pequenas dimensões

Um dia, hà muitos anos, viajei para Nova York (alguém lembra aquela

cidade, que um dia foi a capital da arte?). Entre as amizades que fui

visitar havia um casal de artistas, ambos sul-americanos, que vivia em

um pequeníssimo apartamento em Greenwich Village (ah! Que tempos

aqueles!). O lugar era longo e estreito, mínimo!, como dizer que era

quase tão estreito como a única janela que dava para a rua. O singular

é que ali viviam, ali trabalhavam, ali recebiam visitas. Evidentemente,

Page 40: A ARTE DE VIVER DE ARTE

era um espaço de usos múltiplos, pois haviam resolvido sua

aglomeração da maneira mais imaginativa.

Em um extremo, graças a um engenhoso sistema de rodas e polias, a

cama podia ser elevada até o teto para abrir espaço a uma mesinha,

que por sua vez saía de um armário colado à parede. No outro

extremo do apartamento estava à mesa de trabalho que ambos

usavam, cujo tampo se levantava para descobrir o espaço no qual

guardavam papéis, tintas, brochas, canetas e tudo muito arrumado.

Eu mesmo, quando alguma vez soltei as amarras e me atirei às

léguas, viajava com um velho baú de marinheiro, de 73 centímetros

cúbicos. Ao abrir sua tampa, se despregava uma mesa cujas “pernas”

eram dobráveis (como a porta de um elevador antigo). Mais abaixo,

em prateleiras dobradas como uma caixa de ferramentas, havia os

trecos e cacarecos, cadernos de desenhos, pincéis e tintas e caixas de

aquarela, todo o necessário para produzir onde quer que me

encontrasse. Quanto ao escritório, pois, um laptop era mais do que

suficiente.

Isto, creio, pode dar-nos uma idéia de como redesenhar o espaço que

ocupamos neste momento, e incluir pelo menos alguns dos elementos

mais importantes acima enumerados. Não se pode esquecer ter

sempre à mão o que usamos com maior freqüência, para evitar que

nos escapem idéias... Das quais vivemos.

Dividindo espaços (civilizadamente)

Muito melhor que trabalhar em espaços reduzidos e enclausurados é

criar no amplo. A tão cobiçada zona baixa de Manhattan, ao sul da

Avenida Houston (hoje conhecida como Soho) se transformou a

Page 41: A ARTE DE VIVER DE ARTE

meados dos anos 70 de um setor dominado por fábricas de roupas, em

um empório de prósperas galerias, lojas muito chiques, bares e cafés.

Tudo começou quando um punhado de artistas pragmáticos se instalou

em velhas fábricas que, obrigadas pelos novos regulamentos, iam

abandonando a ilha, deixando para trás edifícios inteiros, de oito, dez,

e até quatorze andares, totalmente vazios.

Estou falando, claro, dos famosos lofts, cuja ocupação e transformação

em ateliês de trabalho foi se dando em crescente, a ponto que @s

marchands e representantes, curadores/as, clientes e demais parentes

que visitavam os artistas em seus novos estúdios, viram que o mais

prático era abrir suas lojas e galerias perto de seus clientes e

provedores. O resto é história, um fenômeno que se estende cada vez

em mais cidades do mundo.

A concentração de artistas, galerias e lugares de reunião em um só

lugar não é novidade. O bairro Montparnasse, em Paris, outrora caldo

de cultivo de idéias e do comércio cultural, continua sendo um modelo

a seguir. Um dos bemóis do fenômeno é que esta dinâmica conduz ao

encarecimento dos imóveis. Da mesma forma que em Chicago, na

parte oriental de Berlim, La Condesa na Cidade do México, Vila

Madalena em São Paulo, onde no início dos anos 90 os aluguéis

baratos congregaram a gente de todas as disciplinas, agora jà não

convém mudar-se... Sic transit gloria mundis. Mas sempre haverá

outras paragens baratas e práticas em uma urbe. Não obstante a isto,

@s artistas sagazes reconhecem as regras de ouro no que se refere a

seus espaços:

1) Procure não trabalhar dentro de casa (demasiadas distrações,

Page 42: A ARTE DE VIVER DE ARTE

demasiadas restrições);

2) Procure sempre contar com espaços o mais amplos possíveis;

3) Se não é possível ficar sozinh@, cerre filas com outr@s!

Dividir é abater gastos fixos (aluguel, luz, água e manutenção). Mas

dividir é também conviver. Daí que, para colocar-se de acordo com

três, quatro, quiçá até mais colegas, seja necessaríssimo estabelecer

certos alinhamentos para a convivência. Há, de antemão, normas que

devem ser consideradas tanto no que diz respeito à prática tanto

quanto no que diz respeito à ética:

Acordos práticos para a convivência

Á procura do espaço ideal:

A tarefa de encontrar um lugar ideal deve ser decidida entre todos os

citados cúmplices. Falar é fácil, mas não se pode esquecer que todo

grupo se divide em dois tipos de pessoas, as ativas, que fazem tudo

sem se abalar, e as passivas, que fazem pouco ou nada.

Para começar, o grupo em seu conjunto terá que determinar em que

parte da cidade quererá procurar (quanto menos central, mais barata).

Consultam-se as seções de classificados da imprensa, indaga-se entre

as amizades, mas, sobretudo se procura rua a rua pessoalmente. A

tarefa é tediosa e pode ser delegada a um dos colegas, sempre e

quando se anuncie como este será recompensado por fazê-lo.

É obvio que quanto mais pessoas se unam para dividir, maior deverá

ser o espaço, e a regra de ouro diz: quanto maior espaço, menor é o

aluguel por metro quadrado.

Page 43: A ARTE DE VIVER DE ARTE

UMA DICA: Acontece que em quase todas as cidades existem imóveis

que são de propriedade da prefeitura. Vale a pena começar por ai, já

que por se tratar de artistas e com a intenção de dar uso a grandes

espaços, as autoridades locais costumam assinar com gosto contratos

de comodato (empréstimo ao invés de aluguel).

Responsabilidades legais:

Logo após a aprovação por consenso do espaço ideal, vêm as

primeiras complicações. A menos que o grupo se registre como

associação (possibilidade que não se pode descartar), alguém do

grupo terá que se encarregar de negociar contratos: de luz, telefones

e aluguel, seja esta de comodato ou não (por um ano? por cinco?),

para o qual se requererá algum aval e com toda probabilidade, um

depósito.

@s compartilhantes precisam estabelecer por escrito que se

responsabilizam por igual ante seu aval pela duração do contrato; que

o depósito será pago em partes iguais e que todos se encarregarão

dos pagamentos mensais do aluguel, água, luz, telefones, e

dependendo do caso, certos impostos como o IPTU ou contribuições.

Prevendo a eventual dissolução da associação, os membros do grupo

terão que assentar por escrito como adquirirão os bens que lhes serão

comuns (muros divisórios, instalações elétricas, encanamentos,

móveis e ferramentas divididas, etc.) e como procederão para

distribuí-los e terminar em paz.

Tudo, eu repito, por escrito e assinado. Contas claras e amizade longa.

Page 44: A ARTE DE VIVER DE ARTE

Acordos éticos:

Tão ou mais importante que os acordos práticos são os acordos éticos

que precisam ser estabelecidos desde o princípio da associação. Trata-

se de normatizar a convivência diária entre pessoas com hábitos muito

diferentes de vida e trabalho. Se para sua própria comodidade alguém

decide trazer, por exemplo, uma cafeteira ou uma geladeira, será ela

de uso exclusivo ou compartilhado? No último caso (o mais sensato),

deve-se então determinar como a usarão os demais. De fato, comprar

um pacote sempre baixa custos (seja café, comida, telas ou tintas).

As formas de compartilhar devem ser definidas com clareza,

generosidade e sensatez. O mesmo se aplica a coisas intangíveis como

o tempo e os comportamentos de cada um, que exige pequenas e

carinhosas regras para não incomodar ao próximo.

Finalmente, os espaços compartilhados podem ser utilizados não só

para criar, mas também para expor e realizar eventos públicos

coletivos. Mil e uma experiências em todo o mundo demonstram que o

impacto de artistas unidos é sempre maior que a soma de suas partes.

Page 45: A ARTE DE VIVER DE ARTE

III – OS TEMPOS DA PRODUÇÃO ARTISTICADe quão simples é encontrar soluções imediatas

e mediatas para redesenhar os tempos disponíveis,necessários para produzir.

Quando você sonha, quando você sonha?

Apresento o seminário “A arte de viver da arte” no México e no

exterior há mais de vinte anos. Uma das primeiras perguntas que faço

aos participantes é: “A que horas vocês trabalham para criar suas

obras?” Quase sem exceção me respondem “à noite!” Compreensível,

pois quem se inscreve em um seminário é, precisamente, gente que

quer aprender a viver de sua obra, quer dizer, pessoas que

desempenham dois ou mais trabalhos para manter-se na superfície.

Como conseqüência, produz suas criações no tempo livre que lhe

resta! Tempo geralmente noturno.

Artistas ativos, ou seja, criadores/as de período integral conhecem

bem quando produzem melhor, a que horas as idéias lhes ocorrem,

em que momento do dia ou da noite podem entrar em transe e

trabalhar sem se cansar e até resolver a obra. São marés internas que

nos animam para ditar quando estamos “em baixa” ou “em alta”, o

que alguns estudios@s de comportamento humano chamam “ritmo

biológico”, ou “biorritmo”. Aqueles que produzem aos poucos, em

impulsos esporádicos, poucas vezes chegam a dar-se conta que se

devem criar quando estão “em alta”.

Uma maneira de resolver o problema, uma medida tática em nossa

estratégia para viver da arte, é não procurar ocupações alheias à

própria que nos distraiam em tempos de maior criatividade. O ideal, é

Page 46: A ARTE DE VIVER DE ARTE

claro, é não trabalhar mais que em sua própria obra. Assim chegamos

a reconhecer os momentos do dia de maior intensidade criativa e

parcelar as horas: umas (as altas) para desenhar, pintar, o que é

muito importante, conceber idéias; outras (as baixas) para nos

administrar e cuidar de assuntos vindos do mundo externo, como

preparar uma palestra, arrumar a casa ou o carro ou desempenhar a

função de professor.

Há muitos artistas, é claro, que enriquecem a vida com atividades

complementares, e para os de mente aberta, estas adições também

são medidas táticas. Conheço desenhistas que estudam as cactáceas

com a mesma seriedade (e talvez maior acerto) que muitos biólog@s.

O Dr. Atl se converteu em eminente vulcanólogista, José Fors faz bicos

com grande sucesso como músico, eu mesmo divido tempos iguais

entre o visual e o literário.

O assunto aqui é reconhecer a necessidade de arrumar tempo para

não se perder em distrações que impedem nosso desenvolvimento.

A agenda de bolso

Hoje é impossível funcionar de modo profissional se não distribuímos

as horas da vida. Para isto serve a agenda, ferramenta de enorme

utilidade. Muit@s a usam como parte de medidas táticas que traçam

para, em sua estratégia, alcançar a meta. O que surpreende é o mau

uso que fazem da mesma: saem de casa ou do ateliê ao vasto mundo,

agenda na mão (bom, na bolsa), e passam anotando com muita

diligência quantos encontros apareçam ou lhes atraia. Muito

organizad@s e formais cumprem pontualmente com seus

compromissos. No entanto, terminam descobrindo com grande

Page 47: A ARTE DE VIVER DE ARTE

perplexidade que “nunca têm tempo para nada”! Por muito simples

que pareça, o problema da falta de tempo não se resolve e continua

supurando.

Parecerá uma trapalhada, mas quantos de nós, pelo simples fatos de

saber-nos artistas, esquecemos de anotar nossos próprios dias para

criar?

Quem precisa controlar a agenda não é o mundo exterior, mas nós

mesm@s! Dito em outras palavras, a agenda deve ser utilizada como

ferramenta de controle e proteção, deve servir-nos em primeira

instância para poder cumprir com os compromissos que nós mesm@s

nos determinamos. Só então a presença de terceir@s pode ocupar

nosso tempo.

É recomendável determinar a semana em que enfrentamos, mais

tardar à tarde do domingo anterior, e marcar com precisão que dias,

que horas dedicaremos no curso da próxima semana a: 1) nossa

produção; 2) nossa administração; 3) nosso lazer (á nossa vida

familiar!). Com base nessas anotações poderemos então ir

acomodando nas lacunas que ficam, aqueles compromissos que

surgem do mundo externo ao longo da semana.

Não se pode esquecer que a agenda bem utilizada (boa tática) se

converte também em diário de bordo. Daqui a muitos anos, quando

alguém quiser organizar uma retrospectiva de nossos trabalhos,

quando nos visite uma historiadora francesa ou um sociólogo uruguaio

trazendo-nos fatos que já quase tínhamos esquecido... Bom, todos

sabemos como são importantes os diários na hora da verdade. Essa

Page 48: A ARTE DE VIVER DE ARTE

verdade tem que ser a nossa verdade.

Ah, sim... pontualidade!

@s artistas temos a reputação de sermos bagunceiros e impontuais.

Ainda que nunca nos traga malefícios o glamour que nos rodeia,

baseado em nossos horários e nossa forma de vestir (como não vamos

andar com a roupa manchada de pigmentos, se isso é o que

fazemos!), existem aspectos da lenda maldita que nos colocam em

plena desvantagem.

Atrasar-se no primeiro encontro com a diretora do museu, com o

coordenador de uma bienal, com qualquer funcionári@ cultural,

inevitavelmente, nos debilita e lhes dá margem para recusar um

projeto, ou pelo menos para desconfiar de nós. Da mesma forma,

chegar na hora (ou antes, se possível) serve muito para colocá-los na

defensiva: sua desculpa, por muito automática que saia, valerá como

ponto a nosso favor.

Ser pontuais nos dá tempo para transferirmos ao território conceitual

da pessoa com quem vamos tratar e, no processo, armar melhor

nossas alegações. Trata-se sempre de alcançar nossas metas.

...e o caderno de contatos

A outra parte de toda boa agenda é o caderno telefônico, que devemos

ir armando como extremo cuidado, dia a dia, para não desperdiçar as

mil e uma possibilidades que nos permitirão operar com

profissionalismo.

Que fazer para não nos desconectarmos quando nos roubem a bolsa

Page 49: A ARTE DE VIVER DE ARTE

ou o port-fólio, quando esqueçamos a agenda numa cabine telefônica,

no banheiro de um cabaré ou no ônibus? Devemos criar um fichário.

É preciso começar e agora! a transferir os nomes, endereços e

telefones a cartões a serem guardados num fichário, que deve estar

sempre no escritório, perto do telefone. (Uma versão do fichário deve

existir também no computador).

Eu sei, eu sei. O simples fato de pensar em fazê-lo dá preguiça, mas

sem um fichário ninguém, nem @s artistas, podem funcionar. Mais

adiante falarei deste fichário e de como dividi-lo; enquanto isso, darei

uma simples recomendação: para evitar as terríveis soçobras do

isolamento que causa a perda da agenda, deve-se foto copiar (xérox

ou scanner) suas páginas cada três ou quatro meses e guardar as

cópias enquanto não se começa a fazer as fichas.

O calendário na parede

O prolongamento direto da agenda é o calendário de parede que se

pendura sempre no lugar mais visível do ateliê ou, melhor ainda, do

escritório. Pode-se traçar um à mão, mas há papelarias que vendem

calendários de trabalho mensais, semestrais e anuais. Para mim

sempre foi mais prático o anual, pois permite visualizar planos de

médio e longo prazo.

Enquanto a agenda serve para controlar encontros e situações

imediatas, o calendário de parede é útil para organizar universos de

trabalho mais complexos, como para projetos criativos específicos, o

planejamento de uma exposição de museu ou a programação de uma

mostra itinerante.

Page 50: A ARTE DE VIVER DE ARTE

Nos países desenvolvidos, quem se encarrega de boa parte dessas

funções operativas são os representantes e/ou donos de galeria com

quem o artista assina contrato de exclusividade. Nem o México ou

Brasil, nem o resto da América Latina costumam manter essas

relações tão úteis, o que nos obriga, a nós artistas, a fazê-lo nós

mesm@s.

Cronologias regressivas

No calendário de parede se marca a data de inauguração de uma

exposição. Mas a abertura não é tudo. É preciso cuidar do sucesso de

sua permanência, portanto, devem-se consignar, em ordem

cronológica regressiva, outras datas-chave que assegurem que tanto a

inauguração como os dias que durará a obra exposta cumprira bem

sua função:

Em que dia se transportará a obra à galeria ou ao museu; e antes

disso,

Em que dia se entregará o catálogo à imprensa, mas antes disso,

Quanto tempo demorará em ser editado o catálogo, mas ainda antes

disso,

Em que dia devem-se entregar os textos e as fotos do catálogo, e

antes disso,

Em que dia devemos emoldurar a obra (e quantos dias demoram em

fazê-lo), e antes disso,

Em que dia deverá ser fotografada a obra (levando-se em

consideração que se a obra é sobre papel ou fica atrás de um vidro,

sua foto deve ser feita antes de emoldurá-la... e levando-se em

consideração o tempo que o/a fotógraf@ levará para revelá-la e

Page 51: A ARTE DE VIVER DE ARTE

entregá-la) e... Bom, para que continuar se já deu para entender.

Tempos e temporadas

Se a economia do país se dinamiza no rumo do final do segundo

semestre e aumenta o fluxo de dinheiro, o lógico é apresentar as

exposições mais importantes nessa época, senso comum posto em

prática. Daí que, há muito tempo, as cidades mais importantes do

mundo estabelecem uma temporada de exposições, temporada esta

que começa na segunda quinzena de setembro e termina na primeira

quinzena de dezembro. É quando se inauguram salões nacionais,

apresentam-se mostras coletivas de alto calibre e maior envergadura,

e o público pode ver as grandes propostas individuais.

As galerias privadas mais sagazes, em especial as corporativas,

procuram sempre programar mostras paralelas: se o Museu Tal Qual

anuncia que apresentará uma mega exposição de pinturas à óleo de

Fulan@, ou de instalações de Beltran@, a galeria apresentará a mostra

da obra mais vendável desses mesm@s artistas: desenhos e guaches,

projetos desenhados, maquetes e outras coisas.

Do mesmo modo que há um tempo para expor, também há o tempo

para produzir: a temporada de produção costuma ser, por

conseguinte, de janeiro a meados de agosto, meses que também são

dedicados a@s artistas emergentes que, ao emular as ações da grande

temporada, aprendem a escaldar-se nessas lidas.

São também nesse período que se pactuam convênios, se organizam

calendários e se estabelecem planos de trabalho para o resto do ano e

os que estão por vir.

Page 52: A ARTE DE VIVER DE ARTE

Planejar é adiantar-se para que as coisas saiam melhores. Não se

pode esquecer que @s críticos, pesquisadores/as e poetas

encarregados de escrever textos que acompanham a mostra

necessitam tempo para contemplar as obras e depois redigir seus

textos... Rapadura é doce, mas não é mole não! Quanto mais tempo

lhes dermos a esse pessoal de apoio direto (PAD), melhor sairá o texto

que nos escreverão. Se tais escritos não saírem a tempo será difícil

para os repórteres e cronistas (também PAD, lembra?) redigir a

informação.

Em relação à maneira de nos movermos no tempo, creio que o mais

importante é reconhecer que temos uma única oportunidade para

vivê-lo. Não existe assunto que mereça nosso tempo se este não pode

estimular nossa imaginação e enriquecer nossa tarefa criativa.

Os bloqueios

Há ocasiões em que “as musas se esquecem do artista”, quando

simples e absolutamente não nos ocorre absolutamente nada, por

mais que folheemos livros de arte e conversemos com os colegas.

Estes períodos de vazio duram poucos dias, quando muito um par de

semanas. Mas há ocasiões que, por qualquer motivo, esses períodos

chegam a se prolongar por meses. Então começamos a nos deprimir,

certo de que perdemos o “dom”. Alguns artistas ficam tão espantados

que cheguem a extremos como o suicídio ou a política.

Tod@ criador/a profissional sabe que os ditos bloqueios são coisas

comuns; aparecem quando existe algum problema de saúde ou

financeiro, ou em momentos da vida que sentimos que ninguém nos

Page 53: A ARTE DE VIVER DE ARTE

nota e temos a impressão que nossa obra não repercute em nosso

âmbito.

Saber que quase todo artista sofre deles periodicamente e que logo

desaparecem é importante para não se mortificar demais e colocar o

sol no mau tempo. No entanto, é simples combater um bloqueio se

aprendemos a arquivar de modo organizado as idéias!: as anotações,

os esboços e os mil e um projetos que nos vão surgindo dia a dia e

para os quais nunca temos tempo suficiente. Chegado o tempo de

secas, um bom banco de idéias pode ser a nossa salvação.

Finalmente uma fábula que me chegou por e-mail:

Isto me chegou por e-mail. É de um curso de gestão empresarial para

aproveitar melhor o tempo.

Um assessor de empresas especialista em gestão de tempo quis

surpreender os assistentes de sua conferência.

Tirou de debaixo da escrivaninha um grande frasco com uma larga

boca. Colocou-o sobre a mesa, junto com uma bandeja com pedras do

tamanho de uma mão e perguntou:

– Quantas pedras vocês acham que cabem neste frasco?

Depois que os assistentes fizeram suas conjunturas, o visitante

começou a colocar as pedras até que encheu o frasco. E em seguida

perguntou:

- Está cheio?

Todo mundo olhou e assentiu. Então ele tirou de debaixo da mesa um

cubo com cascalho. Pôs parte do cascalho no frasco e o agitou. As

pedrinhas penetraram pelos espaços que deixavam as pedras grandes.

Page 54: A ARTE DE VIVER DE ARTE

O especialista sorriu com ironia e repetiu:

- Está cheio?

Desta vez os ouvintes duvidaram, talvez não.

– Bem! – disse o homem, e pos à mesa um cubo com areia, que

começou entornar dentro do frasco. A areia se infiltrava nos pequenos

espaços entre as pedras e o cascalho.

- Está cheio? – perguntou de novo.

- Não! – exclamaram os assistentes.

- Bem! -, disse e pegou uma jarra com água e começou a vertê-la no

frasco. O frasco ainda não transbordara.

- Então, o que demonstramos? – perguntou.

Um aluno respondeu: - Que não importa o que enche sua agenda, se

você tentar, pode sempre fazer que caibam mais coisas.

- Não – concluiu o especialista. O que esta lição nos ensina é que se

você não coloca as pedras grandes primeiro, nunca poderá colocá-las

depois.

Quais são as grandes pedras? Seus filhos, seus amigos, seus sonhos,

sua saúde, sua pessoa amada? Lembre-se, coloque-as antes. O resto

encontrará seu lugar.

Page 55: A ARTE DE VIVER DE ARTE

IV. ESTRATEGIAS E TATICASDe certas chaves contidas na

historia da arte e no senso comum (outra vez),onde, além disso, se fala de tomar “a Alternativa”.

Medicina, tauromaquia e gastronomia?

O maior desafio que a vida nos brinda, a quem gosta de desenhar ou

pintar ou modelar, é decidir ser ou não ser artista. Traduzindo, quer

dizer: viver ou não de nossas criações. Não é a mesma coisa pintar

nas horas vagas, que exercer a disciplina da arte da mesma maneira

como fazem @s médic@s, @s biolog@s ou @s astronautas: todos os

dias de suas vidas.

Existem mães que sabem como cuidar de expectorações, diarréias,

sarampo, catapora e tudo o que atacar seus pimpolhos, com muita

perícia. Daí a considerá-las médicas, no entanto, é um grande passo.

As pessoas que se inscrevem em meus seminários vêm de todos os

tipos de vida e representam um leque muito amplo de pessoas. Todas

professam um grande amor pela arte. Existem pessoas que gostam só

de “desenhar” e outr@s que levam anos fazendo cerâmica ou

pintando. Também existem pessoas que, muito de vez em quando,

apresentem uma exposição. A maioria tem a (muito equivocada)

crença de que assim é a vida, pensam que “as musas nos visitam de

vez em quando”, ou que “a arte e o dinheiro são como água e óleo”, e

conseqüentemente se condenam a vagar pela vida pintando suas

coisinhas, estampando suas gravurinhas, esperando – em vão –

“serem reconhecid@s”.

Gostar de artes plásticas como passatempo e exercê-las de modo

Page 56: A ARTE DE VIVER DE ARTE

profissional são coisas muito diferentes. Para ilustrar a diferença,

costumo comparar as artes visuais com três atividades que tod@s

conhecemos muito bem: além da medicina, há semelhanças com a

tauromaquia e a gastronomia.

Como já havia dito, se comparamos nossa profissão com a medicina,

podemos vê-la como um território com muitas especializações. Assim

como há médicos que se especializam em pediatria, geriatria ou

neurologia, há artistas que se especializam em desenho, em pintura ou

em videoarte. Mas também como há médicos gerais, que sabem, da

mesma forma, cuidar de um braço quebrado, assistir um parto e curar

uma infecção de pele, há artistas gerais que sabem gravar, que

pintam murais em afresco e, além disso, esculpem.

Entendido isso, se poderá identificar como artista gravurista, ou artista

instalador/a, ou ainda como artista a secas (ou seja, geral), com o que

talvez consigamos evitar que as pessoas lhe digam “pintor” a um/a

escultor/a que em sua vida usou um pincel para pintar um quadro.

O momento da decisão

Só os deuses sabem o que nos pica quando nos apaixonamos pelos

touros. Passa o tempo e nos familiarizamos com a tauromaquia, sua

história e suas diversas escolas, aprendendo a conhecer as diferenças

entre um e outro tipo de gado. Temos matadores preferidos e

reconhecemos as sutilezas dos distintos passes. Uma ou outra pessoa

decide ainda muito jovem, a entrar seriamente no mundo dos touros

e, depois de intensos anos de treinamento, converte-se em novilheiro,

lidando com novilhos de praça em praça, recebendo chifradas e

aplausos. Chegada a hora que a tradição estabelece, todo novilheiro

Page 57: A ARTE DE VIVER DE ARTE

enfrenta a decisão mais transcendente de sua vida na Festa: tomar ou

não A Alternativa.

Não se trata de um curso medido em semestres nem há exames em

grupo. Nada disso. A alternativa é uma decisão que cada novilheiro

enfrenta na solidão. Há quem opte por deixar as coisas como estão.

Nunca se distanciam da Festa, mas passam a converter-se em

monosábios (assistentes) ou em publico cativo.

@s que decidem continuar, por sua vez, buscam padrinhos, que em

uma tarde gloriosa, lhes outorgam A Alternativa! Dai para frente serão

toureir@s. Farão exatamente o que faziam antes, só que agora nas

grandes temporadas, diante de platéias muito maiores, em todas as

arenas do mundo hispano-falante. Também ganharão muito mais.

Um/a bom/a artista pode ou não se formar na academia, mas a todos

chega o dia de decidir: ou tomam a alternativa e se profissionalizam.

A diferença está radicada na visão que temos da arte. Quem insiste

em crer que não se possa viver da arte, fica como simples taurófilo.

Quem entende que há que emular os passos d@s artistas que

sobressaíram em todas as épocas será matador/a.

Questão de graus

Finalmente, as artes plásticas podem ser comparadas à gastronomia:

não é a mesma coisa ser cozinheir@ que ser chef. Como cozinheiro a

pessoa pode ser maravilhosa, mas aos olhos (e paladares) de um

limitado círculo de gente, quando muito. Ser chef implica não só saber

cozinhar e planejar menus, mas também organizar um exército de

Page 58: A ARTE DE VIVER DE ARTE

cozinheir@s, ajudantes e garçons, encarregar-se de aquisições e do

controle de qualidade, organizar festivais e mil coisas, todas para

satisfazer diariamente a exércitos de comensais.

Há artistas que decidem trabalhar a vida inteira para satisfazer aos

gostos de um círculo limitado de amizades, para quem produz obras

de pequeno e médio formato. E há artistas que optam por trabalhar

em grande escala e uma grande quantidade de obras para o qual

devem projetar-se nacional e internacionalmente.

Cada um escolhe seu cada qual.

Quem falou de exércitos?

Como acima mencionei a palavra “exércitos”, talvez seja o momento

certo para fazer uma última comparação. Todo general (tod@

executiv@, tod@ pensador/a) sabe qual é a diferença entre estratégia

e tática. Estratégia é a arte de elaborar ou empregar planos e

estratagemas para alcançar um objetivo; tática é a arte ou habilidade

para empregar os meios necessários para alcançar esse objetivo. Em

outras palavras, elaborar uma estratégia é fixar uma meta,

conceitualizá-la e defini-la. Só assim se pode proceder às medidas

táticas necessárias para cumprir a estratégia.

Com grande precisão define o General Vallarta Cecena: “Ao iniciar uma

guerra as estratégias fixam um objetivo e os interesses que esperam

conseguir ou manter nos quatro campos do poder: político, econômico,

social e militar. Depois de fazê-lo e conhecendo seu poder nacional, e

em seu caso, e o de seus possíveis aliados, elaboram os planos

respectivos para combater a capacidade, ameaça e danos que o

inimigo pode provocar-lhes, para mais tarde impor-lhes sua vontade.

Page 59: A ARTE DE VIVER DE ARTE

Nos planos se estabelece quando e como se devem desenvolver as

operações correspondentes”.

Mal faria um/a artista em desdenhar o conceito: hoje em dia, tudo

parecia conspirar contra o avanço das artes (e dos artistas), e em

especial, de todo aquilo que signifique avanços de cultura.

Tod@ profissional da arte trabalha com base em estratégias, de curto,

médio e longo prazo. Ora uma série de monotemática de óleos de

grande formato para, dentro de três anos, mostrá-los em um museu

brasileiro, ora conceber uma performance com nove anões e uma

girafa, de uma hora de duração, para um encontro internacional por

realizar-se na Austrália no ano que vem.

Cada estratégia requer passos táticos: se nosso espaço de trabalho é

pequeno demais, teremos que localizar e alugar um lugar especial

para pintar esses quinze quadros de formato monumental, para o qual

será necessário procurar com tempo um financiamento em seis

fundações; além disso, é preciso estabelecer prazos-limite e assinar

contratos com o museu brasileiro. Ou ainda, para reunir aos nove

pessoas de estatura mínima, deverá publicar anúncios nos jornais de

Sydney; enquanto isso se deve solicitar com meses de antecipação o

empréstimo da girafa a um zoológico australiano. Se não se pensa nos

passos táticos necessários, nossa estratégia não terá servido de nada,

posto que será impossível cumprir.

Para acabar logo: de onde surgiu a palavra “vanguarda” se não do

mundo militar? De fato a palavra contém todas as conotações para

cumprir com seu uso. A vanguarda é formada por aqueles soldados

Page 60: A ARTE DE VIVER DE ARTE

que, de maneira irregular, são enviados pelo general muito além da

fronte a explorar o território desconhecido. Com o relato dos

sobreviventes que regressam, o general planeja as medidas táticas

necessárias para sua estratégia, que é ganhar!

As vanguardas artísticas de todos os tempos são constituídas por

artistas que se adiantam com o objetivo de ajudar aos que vem atrás

a avançar até consolidar novas conquistas estéticas. Os estropiados

sobreviventes do pelotão vanguardista às vezes recebem sua

medalhinha. Os méis da glória, no entanto, são para o general e seus

coronéis. Assim na guerra como na arte.

Se se compreende que a estratégia é a decisão de converter-se em

toureir@, e os passos de novilhada que se tomam para consegui-lo são

táticos, então também se compreenderá que se a estratégia é a

decisão de profissionalizar-nos como artistas, a tática serão os passos

que devemos levara cabo para prosperar. Estudar este livro/manual,

fazer a tia rica apaixonar-se por você, jogar na loteria ou exibir nossa

obra para sua venda dentro do próprio ateliê, todas podem ser

medidas táticas.

A chave para sobreviver e prosperar

Como se poderá inferir desde as primeiras páginas deste livro, a chave

para sobreviver e prosperar como profissional visual ancora-se num

poderoso impulso: decidido@s a dedicar a vida às artes visuais.

Devemos aprender a traçar-nos estratégias e, como conseqüência

imediata, a definir as medidas táticas necessárias para cumpri-las.

Page 61: A ARTE DE VIVER DE ARTE

Não há uma única estratégia de vida. Podemos definir uma para

seguirmos adiante com nossa obra, outra para dar aulas sem ser

empregado de uma escola, outra ainda para conquistar a pessoa que

amamos. Há, como já disse, estratégias de curto, médio e longo

prazo, mas também há estratégias que, ao cabo de um tempo de

prova, terão de ser descartadas.

Finalmente, todo bom estrategista sabe que perder uma batalha não

significa perder a guerra; e que não existe pior luta que aquela que

não se faz. Há quem perca uma escaramuça de propósito para

confundir o inimigo e no final, aniquilá-lo, como pode acontecer na

hora de buscar fundos para realizar algum projeto.

Como conseguir bolsas, estímulos e residências

Todo ano, os jornais publicam editais que as instituições públicas

lançam (e uma ou outra privada) e que oferecem bolsas para

desenvolver algum projeto. As bases estabelecem claramente o prazo

final para entregar as solicitações. É quando começa a contagem

regressiva do relógio e o galinheiro alvoroça-se. @s artistas, então,

recortam o anúncio, colocam-no em sua mesa de trabalho ou pregam

na parede, enchem-se de esperanças e sonham no que aconteceria se

ganhassem o dinheiro. Às cinco para o meio-dia (quer dizer, três, dois,

um dia! antes de vencer o prazo de entrega), põem-se a armar sua

solicitação. Um minuto antes de fechar, chegam patinando na décima

primeira hora, suarentas, pasta na mão, olheiras profundas e cabelo

em pé, e o tumulto se forma na recepção. Logo voltam a suas casas

(poucos tem o próprio ateliê, claro, por isso pedem bolsas) e se

sentam em um cantinho obscuro para comer as unhas e esperar que

se publiquem os resultados.

Page 62: A ARTE DE VIVER DE ARTE

As estatísticas são inclementes: dos muitos solicitantes, só alguns

resultam agraciados. @s demais continuam a sentir-se rejeitados,

deprimem-se, caem na melancolia. Vários rasgam suas roupas,

chupam o dedo, cobrem-se de cinzas e há quem se enforca na própria

gravata. A maioria rejeitada vê como se confirmam suas piores

suspeitas e se lança em acusações aos quatro ventos: “Marmelada!”

gritam despeitad@s. “Cartas marcadas! Discriminação!” “Corrupção!”

O que aconteceu na realidade é o que a maioria dos solicitantes

rejeitados não definiu nem sua estratégia muito menos sua tática, e

que ao perder uma das tantas batalhas, sentem que perderam a

guerra.

Este assunto não é como uma loteria, que depende da sorte! Os

membros de um júri nunca fecham os olhos, metem a mão num saco

e tiram o numero da pasta para “premiá-lo”. Trata-se de um concurso

cultural de arte, como tantos outros no mundo; que procura estimular,

com uma espécie de estipêndio, o talento e o propósito, atributos que

tod@s @s rejeitad@s, sem exceção, estão cert@s de ter. Talvez os

tenham. O que não tem é o senso comum necessário para reduzir as

probabilidades de rejeição ao mínimo.

Sim, porque não se incomodam em informar-se sobre os operativos

aplicados para distribuir o orçamento em bolsas; porque não sabem

como se constituem ou mudam, ano após ano, os jurados

qualificadores; porque não se aplicam com disciplina para desenvolver

um projeto ganhador nem fazem bem as suas contas; porque não

reúnem corretamente os materiais solicitados (CV, fotos, textos etc.).

Muitos solicitantes sequer são artistas, mas sim desenhistas gráficos,

Page 63: A ARTE DE VIVER DE ARTE

mergulhadores, arquitetos, astronautas e coisas do estilo, e o que é

pior, chegam sempre na última hora! Exemplos perfeitos de más

táticas.

Cinco passos para conseguir uma bolsa

2. Estar preparado de antemão

Ler com muito cuidado todos os pontos enumerados pelo edital e

segui-los ao pé da letra parece óbvio, mas pouc@s o fazem. Só

assim saberemos se nos convém ou não as condições oferecidas

pelas instâncias convocantes e se realmente queremos solicitar o

oferecido.

Se estivermos atentos (e se pedirmos informes em instituições e

fundações nacionais e estrangeiras, embaixadas, consulados, etc.)

veremos que os editais em todo o mundo são cíclicos: ano após ano

lançam-se e outorgam-se nos mesmos meses. Portanto, nosso

calendário de parede deve ostentar os períodos anuais de

convocatórias de modo que, chegado o dia em que se anunciam,

tenhamos tudo pronto para armar nossa solicitação e sermos os

primeiros a entregá-la.

A última observação é muito importante: cada inscrição recebida (não,

não são “aplicações”, só falam assim aqueles que falam mal o

português e pensam “to apply for”, em inglês) é numerada em

ordem de recepção. Ao jurado entregam caixas cheias de pastas

numeradas em quantidades que podem passar de três dígitos.

Então, cada membro do júri se senta e os lê um por um, um após o

outro. O processo fica complicado e tedioso: se estudam os

antecedentes de cada solicitante, se olham as fotos, se lêem as

propostas e então se pondera e qualifica ponto por ponto. @s

jurad@s começam fresc@s e terminam cansad@s; quero dizer que

Page 64: A ARTE DE VIVER DE ARTE

são mais atent@s se a solicitação é bem feita!

2. Conceber um projeto concreto, em termos claros.

A lógica continua sendo inexorável: se solicitamos fundos para algo

nebuloso, seremos rejeitados. É aqui que se põe à prova a

habilidade – que devemos desenvolver – para verbalizar nossa obra

e sintetizar sua explicação de modo que qualquer pessoa, seja ou

não membro do júri, nos entenda. Não se pode esquecer que o que

dizemos é cotejado com fotos de nossa obra. Se há coerência,

sobem as probabilidades de sermos beneficiad@s. O xis da questão

é não somente participar, mas puxar para ganhar!

3. Proporcionar de maneira impecável os materiais solicitados

Más fotos, fotocópias borradas, erros tipográficos e gramaticais nos

textos, CDs ou DVD mal feitos, etc., tudo vai descontando pontos.

4. Evitar solicitar cartas de aval na última hora

Não podemos impugnar a lógica que se refere às cartas de aval: a

informação teórica que esses escritos proporcionam serve muito ao

jurado, não importa se quem a assina é um desconhecid@.

Certamente se a assinatura do pé de página é de El Greco ou Andy

Warhol, bastaria que pusessem: dêem a bolsa a ele! para que o

jurado outorgasse seu parecer favorável. Mas, cuidado. Isto pode

ser contraproducente, especialmente quando o/a artista solicitante

redige uma carta modelo para que assinem as luminárias de sua

predileção. Por muito que impressionem seus nomes, se a

solicitação é vaga ou é uma “carta modelo” pré-escrita, os

membros do júri podem justamente recusá-la.

Page 65: A ARTE DE VIVER DE ARTE

O ideal é cultivar @s especialistas que se admira, mantê-l@s a par de

nosso trabalho, em especial sobre o projeto para o qual buscamos

apoio, e então, pedir-lhes, com bom tempo de antecedência, que

redijam sua recomendação. Não se deve esquecer que podem

demorar até um mês para escrevê-la.

5. Apresentar as contas claras e fidedignas

Usualmente um júri é composto por pares, artistas de trajetória que

sabem muito bem se um orçamento é viável ou não; portanto não

devemos nem aumentá-lo nem calculá-lo mal. A idéia proposta

pode ser muito boa, mas se os cálculos estão mal feitos, causará

desconfiança. Pelas mesmas razões, nunca se deve prometer o

impossível, nem ser mirabolantes e tratar de impressionar com

linguagem rebuscada.

Nunca desperdiçar esforços

É estúpido desperdiçar: elaborar a pasta de solicitação significa

dedicar-lhe tempo e dinheiro. Tudo isso se perde se a nossa solicitação

é recusada. Outra maneira de elevar as possibilidades de conseguir

apoios, então, é apresentar a mesma solicitação (com variantes se for

o caso) a mais de uma instituição do país e no exterior, ao mesmo

tempo! Medida tática, sem dúvida alguma.

Preparemos uma lista o mais completa possível de fundações,

instituições, bancos, embaixadas, etc., para contatá-los e pedir-lhes

que nos incluam em suas listas de correios no momento de enviar

suas convocatórias.

Finalmente, uma opinião: o estado nunca pode funcionar como

Page 66: A ARTE DE VIVER DE ARTE

mecenas. O mecenato é assunto de filantropia. A função de um

ministério da cultura (e de qualquer instituição publica) é distribuir

dinheiro público para beneficiar a cidadania em sua totalidade, não

para privilegiar uns quant@s artistas por ano.

Em relação às bolsas governamentais (quer dizer, financiadas com o

dinheiro dos impostos) creio injusto que a solicitemos para criar uma

obra que terminará em mãos privadas, logo a beneficiar as galerias.

Mais sensato me pareceria, que na hora de solicitar dinheiro público

para produzir a obra de consumo suntuoso, que nos propuséssemos a

devolver uma porcentagem à instituição por cada obra feita com seus

fundos e vendida em galeria, a fim de ressarcir o orçamento que nos

beneficiou, mas que a cada ano se reduz mais. Isso, por exemplo, é

assunto de consciência. A pergunta é: @s artistas temos ou não

consciência cívica?

*=*=*=*=*=*=*=*=*

Como se verá: a diferentes estratégias, diferentes medidas táticas.

Não é a mesma coisa procurar o reconhecimento de nosso trabalho

dentro dos setores pudentes da sociedade (público ativo), que

procurar a interlocução com a maior quantidade possível de pessoas,

digamos “normais” (público passivo). Quero dizer que para ver

pendurada nossa obra em residências de empresários, produtores e

financeiros, é preciso táticas muito distintas às que necessitamos para

chegar, por meio de museus e instituições parecidas, ao coração de

outros setores sócio-econômicos. Em todo caso, @s artistas devemos

preparar a administração solicitada, lida que por sua mesma definição

é para nós aborrecíveis.

Page 67: A ARTE DE VIVER DE ARTE

Como é preciso sorrir também em tempos de dificuldade, será preciso

nos organizarmos de tal maneira que o trabalho administrativo seja o

mais indolor possível. Continuemos na leitura...

Page 68: A ARTE DE VIVER DE ARTE

V. A TRANSIÇÃO DA PAIXÃO A PROFISSIONALIZAÇÃODe como é aconselhável educar-se em academias,

mas também por caminhos não tradicionais

Monosabi@s, novilheir@s ou toureir@s?

O que distingue qualquer profissional de um apaixonado é a sua

dedicação: somos profissionais quando praticamos o tempo todo, de

maneira constante, nossos conhecimentos. @s apaixonad@s

trabalham de vez em quando, usualmente no tempo livre. Em

português há uma palavra antiga para descrever os apaixonados:

“diletante”, da qual gosto muito, pois vem de “deleite”. @s diletantes

são pessoas-chave nas artes, pois constituem nosso melhor público.

De fato, muitos profissionais começam como apaixonados diletantes,

logo “tomam a alternativa” e alguns até se tornam protagonistas na

arena cultural.

Os latino-americanos têm uma visão das profissões artísticas que vem

se deformando paulatinamente com o tempo. Todo mundo sabe que

@s bailarin@s e @s pianistas começam muito pequenos e que devem

praticar diária e incessantemente; que os atores e atrizes passam

noites em claro para memorizar seus papéis e que, na hora de

trabalhar em cena, sofrem muito. Porém, ao falar de artistas e de

escritores/as tem-se a crença – claro, errada – que vivemos de ar e

produzimos somente “quando nos visitam as musas”. Para nossa

desgraça, há muitos artistas que se entregam a essa mentira.

Com tais referências, não é de se estranhar que uma família seja

tomada pelo pânico quando um/a jovem anuncia sua decisão de

estudar artes visuais e que @s genitores façam até o impossível para

Page 69: A ARTE DE VIVER DE ARTE

convencê-los a estudar desenho gráfico (antes era certamente

arquitetura). Quando você se formar (nos dizem) e se ainda insistir

nessa aberração, você pode desenhar, pintar e o que quiser, nos teus

tempos livres! Acreditam que se pode ser artista de meio período!

Podemos provar o quão ridícula é essa atitude, se nos perguntamos:

no caso de uma doença de um bebê, a quem recorremos: a alguém

que nos aconselha atrás da vitrine da farmácia ou alguém que cura

nos fins-de-semana, ou ainda a um/a pediatra com diploma e

consultório próprio? Na hora de construirmos nossa casa, recorremos a

um/a estagiária de arquitetura que trabalha como moto-boy da Pizza

Hut ou a alguém que se formou e tem o próprio escritório?

O importante na vida é definir o mais rápido possível e decidir se se

vai ser um monosabi@ (espectador ativo), novilheir@ (afeiçoado) ou

toureir@ (profissional da arte).

Um/a profissional da arte geralmente se forma em escolas

universitárias ou em academias de arte, mas é sabido também que

muit@s outr@s se formam pelo caminho da vida. Cada opção tem

suas armadilhas: quantos egressos da licenciatura, até do mestrado,

não abandonam a carreira para terminar como funcionários menores

ou criando inconseqüências nos tempos livres? E o contrário, quantos

artistas afamad@s não se destacam apesar de nunca ter tido uma

educação formal? No fundo, tudo depende das pessoas, de sua

vocação, de sua obstinação, mas, sobretudo, da visão que podem ter

de sua profissão.

A seleção do método de formação depende, é claro, das oportunidades

Page 70: A ARTE DE VIVER DE ARTE

que tenhamos ao nosso redor: se a cidade onde vivemos conta com

mais de um centro de ensino de artes, a lógica indica fazer nossas

pesquisas, visitar as academias, conversar com @s professores/as,

interrogar os estudantes e recém-formados de cada lugar.

As vantagens que proporciona a academia são inquestionáveis:

economizamos tempo e dissabores porque podemos receber o

treinamento em oficinas equipadas com os instrumentos necessários e

absorver todo tipo de informação histórica e teórica de modo

compacto. Além disso, contar com o bacharelado nos serve para pós-

graduações e especializações, para solicitar bolsas e viajar, e inclusive

para converter-nos em professores/as (com o que mudamos de

direção, é claro).

Da mesma forma que no México, muitos países da nossa América

contam apenas com dois ou três centros de ensino superior das artes,

que se concentram na capital ou em grandes centros. Para muitos a

decisão está em “fugir ou ficar”. A menos que alguém goze de uma

posição econômica confortável, será sempre muito difícil migrar para

estudar, sobretudo porque, diferentemente do sistema universitário

norte-americano e europeu, nossos centros de ensino artístico e

universidades não estão pensados para as pessoas que trabalham

enquanto estudam.

Quem se muda quase sempre acaba se fixando onde se forma, longe

da cidade natal. A fuga de cérebros e talentos é na realidade uma fuga

de corações. Os vazios tão lamentáveis que sofram as "pátrias

pequenas" quando seus filhos as abandonam serão sempre

irreparáveis, e as comunidades vão perdendo toda a possibilidade de

Page 71: A ARTE DE VIVER DE ARTE

desenvolver seu imaginário coletivo.

Por circunstâncias que não vêm ao caso relatar, eu me capacitei à

moda antiga (do jeito que ainda se faz em muitas partes da América),

no caminhar de minha profissão, como assistente em ateliês de

artistas maiores, fazendo cursos, e acima de tudo, lendo livros de

história da arte, biografias de artistas, manuais técnicos e tratados

teóricos.

De uns quinze anos para cá, tenho me servido mais e mais de La

Calandria (meu querido computador), para me conectar á Rede das

Redes. Descobri um mundo enorme e fascinante de informação gerada

por nosso universo hispanoparlante que oferece todas as

possibilidades de internacionalizarmos em direção à América nossa, à

latina, em direção à Ibéria na Europa, no Oriente, às Filipinas... Eu

recomendo não se limitar à consulta de sites em inglês. Please, please,

não façam isso! Tudo bem?

Indo ao encontro, ao invés de esperar.

Se ao invés de migrar para a capital ou para o exterior, optamos por

ficarmos na terra pátria para fazermos méritos no caminhar, é

indispensável não perder tempo. O melhor será definir o quanto antes

nossas estratégias (e conseguir um computador) para cumprir como o

nosso prometido. Empregos com mestres artistas, cursos, oficinas,

seminários, tudo isso nos oferece possibilidades extraordinárias para

nos desenvolvermos. Mas atenção! Isso pode traduzir-se em grandes

perdas de tempo se: 1) os instrutores/as ou mestres não são

competentes, e 2) se faz ao acaso, sem critério de escolha.

Page 72: A ARTE DE VIVER DE ARTE

Dir-me-ão que se faz aquilo que se tem. Hmm... Possivelmente, mas

só até certo ponto, pois pelo que se refere “aquilo que nos chega” é

preciso discernir: quem nos traz esses cursos ou oficinas? Quais são as

credenciais do instrutor/a ou mestre vindo de fora? E, de maneira

muito especial, onde se encaixa esse curso em minha formação?

Com a intenção de cumprir o mais elementar seus programas, muitas

instituições públicas contratam instrutores/as que oferecem seus

serviços grátis. O mal é que, como os honorários são baixos, atraem

pessoas que aceitam contratinhos justamente porque não conseguiram

defender-se em outros trabalhos. Suas intenções podem até ser boas,

mas nada nos garante que sabem transmitir um ensino de qualidade.

Não se pode esquecer que a gratuidade nunca é garantia de qualidade,

de fato, o barato inevitavelmente nos sairá caro. Pelo demais, de que

nos servirá fazer um curso de macramé se somos escultores/as em

pedra?

Quando se vive em desertos acadêmicos, o mais importante é

aprender os truques necessários para atrair conhecimento, ou seja,

para atrair mestres de prestígio. No México, por exemplo, o conselho

Nacional para a Cultura e as Artes opera há muito tempo em seu

programa “Criadores nos estados”. Mas há muitas instituições mais,

públicas e privadas, nacionais e estrangeiras (como fundações dos

grandes bancos) que também têm fundos para organizar programas

breves de ensino básico ou especializado, sempre e quando se saiba

solicitar os serviços. Tratar-se-ia, então, de contatá-los em grupo para

garantir resultados.

Mãos a obra, pois!! A união faz a força.

Page 73: A ARTE DE VIVER DE ARTE

VI. O HABITO SIM FAZ O MONGEDe usos e costumes e demais hábitos

(maus e bons) que nos fazem o que somos...

Usos e costumes

Não é que se queira insistir no assunto dos hábitos (bem, na verdade

quero sim!). Acontece que ao longo deste instrutivo manual (outros

autores diriam “modesto”, rá!) tentei sugerir formas para substituir os

maus hábitos que nos alastram, por outros bons, ou pelo menos por

outros muito melhores.

Infelizmente, pouc@s se lembram de onde vem o hábito que

praticamos @s profissionais visuais. Existem os de ação e os de

tradição. Os hábitos de ação têm a ver com técnicas, com tratos

compartilhados entre o pessoal de apoio direto que nos acompanha,

com os colegas, com os tempos das grandes cidades (por exemplo,

bancos e escritórios abrem a certa hora), com elementos similares de

natureza prática. Por sua vez, os hábitos de tradição são de natureza

ritual, se tratam de hábitos e atitudes que são transmitidos de uma

geração a outra.

Os problemas surgem quando assumimos sem questionar aqueles

hábitos que nos inibem ou que nos submetem a interesses alheios.

Isto, por simples que seja, se complica com o “o que vão dizer”. O

exemplo clássico é a idéia que “o dinheiro corrompe”, e que se nos

mostrarmos demasiado agressiv@s para divulgar nossa obra, se dirá

que somos “comerciais”. Mais insidiosas são as práticas herdadas de

romances de banca, como a inconstância e o desalinho, o do carente

sonhador ou “poeta maldito”. Coisa estranha, a imagem que nos evoca

o último nunca é uma mulher...

Page 74: A ARTE DE VIVER DE ARTE

Boa parte dos maus hábitos apela a idéias vagas sobre a essência da

arte. Chegam-nos tarde e de outros lugares (por exemplo, da França

de há mais de cem anos). São anacrônicos. Para a nossa má sorte,

confundimo-los com tradição, e os assumimos como comportamento

natural. Isso só nos prejudica.

Há muitos outros hábitos, no entanto, que nos são úteis. Por exemplo,

o de abandonar o lar para viajar, tanto para aprender como para dar

aulas e expor, ou de manter-se informad@ em assuntos do ofício e a

par dos acontecimentos globais: quanto mais leitura, mais cultura.

O costume da assinatura

Na hora de assinar uma obra, muit@s artistas costumam adicionar

uma data. A data de realização é efetivamente de importância para a

critica e para @s estudios@s, já que lhes serve para localizar as obras

de um/a artista no contexto de sua vida. Acontece com freqüência, no

entanto, que ao ver a data em uma obra realizada quatro, oito ou mais

anos atrás, cert@s possíveis clientes, em sua ignorância, sentem que

“a peça está velha”. Para quê ostentar a data se tanto incomoda a

clientela? Artistas como Francisco Toledo nunca põem a data na frente,

mas atrás da obra.

Não ostentar a data é uma medida tática.

O hábito epistolar

Uma magnífica porção da história da arte se nutriu do epistolário

havido entre artistas, historiadores/as, poetas, critic@s, marchands

(bom, dealers, para não ofender ouvidos castos), e até colecionadores.

Durante séculos, a carta foi o único meio para comunicar-se à longa

distancia. Com o aparecimento do rádio e da telefonia, a epístola - que

Page 75: A ARTE DE VIVER DE ARTE

havia alcançado categoria de gênero literário – foi caindo em desuso.

Volta a renascer com o fax (palavra derivada de fac-similar) e se

vitaliza com o correio eletrônico (ou e-mail). Novamente, a epístola

assume lugar preponderante no intercâmbio de idéias, no debate do

dia, na proteção autoral, em tudo. Na rede, por exemplo, se realizam

toda sorte de fóruns, alguns dos quais já existem há vários anos,

como não se via há muito tempo.

Em uma missiva dirigida a algum/a colega podemos sempre discorrer

sobre assuntos de gravidade ou importância sem sentir a necessidade

de um esforço literário, fazemos com e com confiança. Essa mesma

carta, escrita na íntima segurança da amizade, no entanto, pode logo

transformar-se em um texto público que sirva para alimentar a teoria

estética do momento. Os arquivos pessoais dos grandes artistas estão

cheios desses casos.

Creio que fica claro que dificilmente poderemos retomar o hábito

epistolário nem operar com eficácia como profissionais se não

comprarmos nosso computador e nos conectarmos ao internet.

Entre os costumes mais destrutivos de que padecemos nós artistas

existe um que há milênios foi elevado à categoria de pecado. Refiro-

me ao orgulho, que não é senão uma manifestação da insegurança e

ignorância. Quantos de nós não nos sentimos dadivos@s e sonhad@s

simplesmente por sermos artistas? Desconheceremos a história de

nossa profissão, praticaremos habilidades mal aprendidas, exibiremos

pouco e venderemos menos, mas como “somos artistas”, nos sentimos

as graças mais divinas do paraíso.

Com o tempo, aqueles que se liguem para funcionar melhor, aqueles

Page 76: A ARTE DE VIVER DE ARTE

que expõem fora de sua querência (talvez no exterior, onde dão os

ombros aos profissionais visuais de outras latitudes), possivelmente se

tornem menos déspotas. Porém, é difícil curar-se do mal do orgulho.

Reflitamos: Repugna-me o mau costume, generalizado entre tantos

pesquisadores/as – de que, quando publicam um livro ou um catálogo,

mencionam a tod@s @s dignatári@s existentes e por existir, mas “se

esquecem” de consignar os agradecimentos de rigor @s trabalhadores

que confeccionam a publicação. Quase nenhum dos que se produzem

no México e em outras partes da América Latina menciona o trabalho

dos tipógraf@s, fotomecânic@s, prensist@s e encadernadores/as que

intervieram na fabricação do livro. Chegado o momento de publicar um

catálogo, um caderno, um texto, eu recomendo aos meus colegas

jamais esquecer que sem cada um destes técnic@s esquecid@s, não

poderiam andar presenteando suas publicações pelo mundo afora.

Page 77: A ARTE DE VIVER DE ARTE

VII. O INVENTARIO DE NOSSA OBRASobre as muitas opiniões que nos dão, sempre e quando saibamos

quanta obra ter.

Ainda que doa, é preciso fazê-lo.

Agora sim chegamos à parte mais chata deste livro (e no caso, da

minha vida). Mas só aparentemente.

Veremos aqui tudo o que concerne a inventários, pactos, arranjos,

negociações, congressos e contratos, acordos fiscais, proteção autoral,

promoção, vendas, faturação... Para que continuar, se a lista é

interminável? Quase sem exceção, nós artistas nos aborrecemos com

este assunto porque “disso eu não sei nada...”, afirmamos. “Eu me

ocupo de questões espirituais”. Será que por pensar que a arte e o

dim-dim não se bicam, acabamos sempre zuretas e confusos? Eu só

posso dizer que no momento em que aprendi a negociar e a por as

coisas por escrito, minha vida começou melhorar. Mortifico-me menos

que antes e meu saldo financeiro tem melhorado substancialmente.

Nossas opções, o tempo para gozá-las e as coisas em seu lugar.

Para tirar o suco de nossos talentos é necessário administrar nossa

produção e seu destino com extremo cuidado, o que nos exige ver as

coisas panoramicamente, simplificando assim a nossa papelada ao

máximo. Para fazê-lo devem-se levar em consideração três elementos

fundamentais:

1) a diversidade de opções que nos oferece a profissão;

2) a idéia precisa sobre como parcelar e controlar nosso tempo de

produção;

3) a consciência do número de pessoas que gravitam ao nosso redor;

Page 78: A ARTE DE VIVER DE ARTE

Vale a pena reler esses três pontos com cuidado e ponderá-los. Uma

vez digeridas as suas implicações, podemos começar a organizar os

mil e um assuntos sobre os quais se sustenta o nosso processo

criativo, ou seja, o tedioso mas importante trabalhão que significa

administrar com eficácia nosso trabalho.

É preciso admitir que ninguém goste de responder cartas, organizar

seus currículos especializados, chegar a tempo nos encontros, subir e

descer para entregar mercadoria, enfim, realizar as tarefas feitas por

qualquer pessoa normal, ou seja, as pessoas que vivem do que fazem.

Em que pesem todas as lendas negras que insistem no contrário,

deve-se sublinhar que nós artistas profissionais somos tão normais

como a filha do vizinho. E mais, somos pessoas normais plus, quero

dizer que somos tão cidadãos como qualquer pessoa, tanto que

devemos pagar impostos e aluguel, alimenta-nos, pôer gasolina no

carro e, além disso, tiramos férias de vez em quando; mas somos plus

porque, ao termos escolhido nossa profissão, ganhamos o privilégio de

sonhar e imaginar, de usar a mente e as mãos para desafiar a

segunda lei da termodinâmica: criar algo do nada! Se a isso se

acrescenta a (duvidosa) recompensa da fama, pois o plus é luxo puro!

Inventariando a produção ou... Quantas mercadorias têm na

mão?

A chave da profissão de tod@ artista é – além da qualidade, é claro, –

a quantidade de obra que produz. Volto a insistir: quanto maior a

produção, maior a projeção.

Page 79: A ARTE DE VIVER DE ARTE

Existem pessoas prolíficas e as pessoas que demoram ao criar. Isso

pode obedecer aos processos internos de criação de cada individuo,

mas depende mais ainda do tempo que temos disponível. Cert@s

artistas são meticulos@s e exigentes ao exagero. Se ainda por cima

recorrem a técnicas muitas trabalhosas, o volume de sua produção

pode ser baixo. Também é obvio que se produzimos só á noite, nos

fins de semana ou entre um emprego e outro, nunca conseguiremos

encher nosso atelier e as gavetas de planos com obras.

Não se pode esquecer que uma galeria, até a mais desorganizada,

dirige uma média de dez artistas “de base”, grupo que constituem os

que elas chamam “seu estábulo”. (A palavra ignominiosa (em espanhol

e português) provém do francês étable e se refere a artista que uma

galeria representa de modo estável).

Alem disso, as empresas melhor organizadas administram obras de

uns dez ou quinze artistas adicionais cuja obra, mesmo sem contrato

de exclusividade, fica a disposição da galeria. Afinal, todo negocio que

se aprecie como tal, compra e venda o que pede sua clientela (seja o

que for) e por tanto conta com uma ampla gama de objetos artísticos

para vender a@s indecisos e a quem escute as sugestões.

Como a escassez das galerias é uma realidade, nós artistas, que

queremos distribuir a nossa produção com o sem ajuda de uma

galeria, também devemos oferecer uma seleção de produtos tão

variados quanto possível. Quanto maior a nossa versatilidade, maior a

probabilidade de exibir em coletivas, ilustrar revistas e vender, tudo ao

mesmo tempo.

Page 80: A ARTE DE VIVER DE ARTE

Quero fazer um parêntese para falar da diferença que existe

entre objeto de arte e uma obra de arte (objet d’art VS

l’oeuvre d’art) já que atualmente a mais e mais artistas que

renegam – ou de caso pensado, abandonam – a produção de

objetos tradicionais para criar obras seja de vida efêmera ou

virtual (conceituais, instaladores/as, performances, ciber e

vídeo artistas, etc.).

O objeto de arte, que é conhecido por quase todo mundo,

passa de mão em mão do mesmo modo que uma mesa, um

carro ou um imóvel. Bom ou mau, é - ou deve ser -

acompanhado de um certificado de autenticidade e uma nota

fiscal, da mesma forma que um carro ou um terreno. De

outra maneira, seria difícil a esses revendê-los a outros

compradores/as.

Por outro lado, a obra de arte não é necessariamente uma

“coisa”, um objeto. Pode ser uma instalação ou uma

performance, uma fita de vídeo-arte ou um DVD. As

instalações e as performances, por sua vez, se cobram como

um serviço. Do mesmo modo que um concerto de flauta, um

recital de piano ou inclusive uma conferência magistral, @

artist@ combina uma percentual dos bilhetes ou cobra por

honorários.

No caso de uma fita de vídeo, um CD-ROM ou um DVD não

tem retorno, a copia é vendida da mesma forma que um CD

ou um livro. Seu conteúdo não requer um certificado de

autenticidade, mas a fita ou o disco (o suporte) pode precisar

ser faturado.

Na era midiática em que vivemos (e isso é extremamente

importante) existem formas adicionais de vender nossa obra

Page 81: A ARTE DE VIVER DE ARTE

e ganhar dinheiro. Trata-se do uso secundário que se pode

dar às reproduções, em revistas, catálogos, telas de

computador, selos postais ou bilhetes da loteria, ou como

parte de um desenho gráfico ou de telas... O que se cobra,

então, é o uso, além do direito de autor.

Há mais: podemos alugar nossa obra! O alugue de obras é

cada vez mais freqüente, para casamentos ou reuniões no

fim do ano de uma empresa, para servir de cenário a

telenovelas, e o que é em especial atrativo, simplesmente

para o deleite de quem gosta de arte, como se trata de um

smoking ou de um carro de aluguel. Como se pode ver, isso

de ganhar dinheiro com o que fazemos não é simples, mas

tampouco é tão limitado... E continuamos:

De um extremo a outro, das operações básicas às mais complexas, as

leis da demanda e da oferta, quer dizer, do mercado, é que mandam.

Consequentemente temos de aprender como:

1) reunir,

2) armazenar,

3) fazer o registro de nossa produção em sua totalidade.

Sublinho esse ultimo, pois a totalidade da produção de um/a artista

profissional não se limita a obras terminadas e emolduradas, e muito

menos ao que algum/a especialist@ considere “arte válida”. Tudo o

que @s artistas produzimos, pinturas, desenhos, anotações, esboços,

notas apontadas em guardanapos, até nossa correspondência e

“memorabilia”, tudo é passível de contemplação, de pesquisa e claro,

de compra e venda.

Page 82: A ARTE DE VIVER DE ARTE

Devemos, pois reunir todas as nossas criações, armazená-las bem e

chegar a um registro razoavelmente classificado que nos sirva para

explorar melhor nossa produção. Cadernos de desenho assim como

esboços soltos, guardanapos rabiscados, lenços de papel garatujados,

tentativas de gouache e aquarela, roteiros para performances e

diagramas de instalações, serigrafias feitas sobre pão sírio, até fotos

polaroid ou digitais malogradas, tudo-tudo-tudo deve ser resguardado.

A ficha técnica

A ficha técnica é uma descrição que se anexa a uma obra em toda e

qualquer circunstancia. Deve acompanhar sempre a obra, em

exibições, leilões e qualquer mudança de donos. A dita descrição tem

usos muito variados:

1) como identificação, escrita e/ou colada atrás ou debaixo da obra;

2) como ficha técnica, para acompanhar a peça em seu périplo por

salas de exibição;

3) Como pé de gravado, para apoiar sua reprodução fotográfica;

4) como guia para ajudar a restauradores/as em caso de dano;

5) como texto descritivo em catálogos e listas de preços, em listas de

seguros e exportação (temporária ou permanente) por conduto de

agente alfandegário, etc.

A ficha técnica não deve ser vaga. Não podemos, por exemplo,

descrever um óleo pintado sobre acrílica, empastado com pó de

mármore e intervindo com craion, como “técnica mista”, assim sem

mais.

A ficha técnica deve descrever com toda a precisão possível, o

Page 83: A ARTE DE VIVER DE ARTE

seguinte:

Obra plana

AUTOR(A): Mariana Martines

ANO: 2000

TITULO: Cocolinhos (Da série: “Brincos e saltos”)

TECNICA: Desenho com carbono e sanguina sobre papel Strathmore

MEDIDAS: 58.5 x 45 cm (23’’ x 17 3/8’’)

VALOR: US$ 280,00

Deve-se anotar vários elementos:

- Se a peça pertence a uma série temática, se acrescenta o titulo

genérico da mesma: Da série: “Brincos e saltos”.

- È recomendável consignar até a marca do papel, para fazer conhecer

seu nível de acidez.

MEDIDAS: Ainda que o sistema métrico seja reconhecido em todo o

mundo, convém acrescentar – como cortesia aos anglos, mas também

por conveniência – as medidas em polegadas. Para isso não são

necessárias complicadas operações matemáticas, basta pegar uma fita

métrica com as medidas em polegadas (ou conferir no google!)

ATENÇÃO: as medidas sempre se dão nesta ordem:

Altura x largura x profundidade

Com freqüência (por exemplo, para esculturas de médio ou grande

formato), deve-se descrever o peso em quilogramas.

VALOR E PREÇO: Nem sempre significam a mesma coisa. A palavra

preço se usa quando se trata de vender, valor serve para seguros. O

termo preço se aplica à operação de venda, enquanto que o termo

valor é utilizado para fazer o seguro da obra. A diferença é importante

Page 84: A ARTE DE VIVER DE ARTE

porque no momento de exportar a obra, quanto menor o seu preço,

menor o imposto a ser pago, mas por outro lado quanto maior o valor

declarado ao seguro, mais alto será o pagamento em caso de danos ou

perda da obra de arte.

Cotar em dólares? Sim, ainda que as leis do país determinem que toda

cotação deva ser feita em moeda nacional, não podemos dar-nos ao

luxo de permitir que a cada espirro ou tosse do ministério da fazenda

balancem nossas, já por si, precárias finanças pessoais. De fato, todos

os cúmplices dos grupelhos no poder cotizam seus assuntos em

dólares norte-americanos (ou em euros) e é a eles a quem procuram

seduzir as galerias mais ativas do país. Cotar em dólares ou em euros,

além do mais, os tranqüiliza: se assustam se vêem a etiqueta em

moeda nacional, pelos zeros a mais.

Obra tridimensional:

AUTOR(A): Jorge Negrete Cruzado

ANO: 1997

TITULO: Aeolia

TECNICA: Ensamblado: madeiras diversas, bambu, serragem de raiz

de samambaia, cânhamo, folhas de prata e ouro falsas, unhas de

caranguejo, alfinete de gravata com perola de fantasia.

MEDIDAS: 103 x 142 x 23 cm (401/2’’ x 56’’x 9’’)

PESO: 9.458 kg

VALOR: US$ 1.520,00

Como se pode ver, quando se trata de uma peça de construção

complexa, lista-se todos os materiais.

Page 85: A ARTE DE VIVER DE ARTE

Obra estampada:

AUTOR(A): Ulisses Marcado

TITULO: Terra povoada (vi/x/100)

TECNICA: estampa em água-forte, agua-tinta e ponta seca sobre

lâminas de zinco e de cobre, impressa sobre papel Liberon.

MEDIDAS: 35.7 x 28,1 cm (14’’ x 11’’)

LUGAR E DATA DE REALIZAÇÃO: Artegrafías Limitadas, S.A., 1998.

ASSISTENTES NA CONFECÇÃO: Mestre impressor René Serra

Edição de 100 exemplares com 5 provas do artista, 5 provas da gráfica

e 1 prova do impressor, mais edição especial de 10 copias numeradas

em romanos; intitulado da direita, assinado à esquerda.

VALOR: US$ 220,00

O estampado representa uma das possibilidades mais viáveis de venda

para um público leigo, mas sensível (PP) que, depois de sua primeira

aquisição costuma transformar-se em publico ativo (PA).

É comum que as pessoas comecem a colecionar obra estampada se

inventar certas regras, como em um jogo, para fazê-lo; assim muit@s

particularizam sua coleção, e em caso de revenda, incrementam sua

cotação. Existem comprador@es que só adquirem a cópia número 1 de

uma edição, pelo simples fato de ser a primeira.

Outr@s, ao contrário, compram a última (por ex: 120/120) por ser o

encerramento da edição. Há pessoas que compram o número

correspondente à data de seu aniversario, ou que juntam só provas de

artistas (P/A) ou do ateliê (P/A). E existem ainda pessoas que

colecionam exemplares com falhas, como na filatelia. Portanto os

dados da ficha técnica devem detalhar as características particulares

Page 86: A ARTE DE VIVER DE ARTE

da estampa. Isso inclui especificar onde e quem colaborou em sua

realização, pois como há ateliês muito prestigiados, sua reputação se

transmite a quem consegue produzir neles. Se forem desconhecidos,

quem melhor para prestigar-lhes que não n@s mesm@s?

São especialmente apreciadas, certamente, as estampas impressas

por artistas em seu próprio ateliê, pois as tiragens são quase sempre

muito menores aos que podem imprimir numa gráfica.

Muita atenção: o que em principio se cotiza na arte estampada é a

matriz, a madeira, a lâmina ou a pedra sobre a qual trabalhamos, cujo

preço se divide entre o número de cópias que configuram uma edição.

Assim, um jogo de lâminas (para imagem policromada) poderia ser

avaliado em U$12.000,00. Se 100 cópias são impressas, o preço de

casa será de U$ 120,00. Mas se apenas 60 copias forem produzidas,

estas serão cotadas em U$ 200,00 cada uma.

Compreendida a enorme utilidade da ficha técnica, passemos ao mais

importante, ao que hoje em dia pode ser uma fonte de renda em

ocasiões maior ao que produz a venda de uma peça: sua

documentação fotográfica.

Fotografando a obra

O registro fotográfico de nossa obra, em vídeo ou digitalizado, pode

ser realizado por nós mesm@s. É muito mais barato e, em ocasiões,

mais preciso, pois dependendo do que trata a obra, pode-se fazê-la

destacar-se como não saberia fazer um/a terceir@. Hoje praticamente

tod@s @s artistas sabem usar uma máquina fotográfica.

@s verdadeiros especialist@s são @s fotógraf@s, colegas de grêmio

Page 87: A ARTE DE VIVER DE ARTE

que em vez de cobrar sua tarifa, talvez sejam amigos, e aceitem

intercambiar seu trabalho por uma obra nossa.

Não devemos nunca omitir ou permitir que se omita o crédito autoral

d@s fotógraf@s. Não só é uma imperdoável falta de ética, como

também a lei o exige. Se o/a fotógraf@ não põe seu carimbo atrás das

impressões que nos entrega, deve-se fazer o seguinte:

CRÉDITO OBRIGATORIO

Nome e sobrenome / ano

Domicilio e/ou telefone e/ou e-mail d@ fotógraf@

Fotos reveladas em cores e em preto e branco, diapositivos (slides)

pequenos e grandes, vídeos e imagens digitalizadas, tudo ajuda a

aproximar a nossa obra de quem queira conhecê-la, mas não tenha a

possibilidade (ou disposição) de vê-la ao vivo: pesquisadores/as,

historiadores/as, curadores e colecionadores.

A foto é necessária para em convites, catálogos e cartazes, jornais e

revistas. Ajuda inclusive na transmissão pela televisão no caso de uma

entrevista ou crônica.

Os avanços da informática praticamente têm feito caducar muitos

sistemas de documentação fotográfica indispensáveis há pouco tempo

atrás. Porem convém conhecer tanto as velhas como as novas

convenções:

Do jeito antigo

- Fotografia em branco e preto: ideal para reprodução em diários e

Page 88: A ARTE DE VIVER DE ARTE

hebdomadários (se não conhecem a palavrinha, peguem o dicionário,

caramba!) Deve ser impressa em brilhante, com borda em branco, não

precisa ser maior que 7 x 5.

Atenção: no caso de fotos P/B, seu negativo é propriedade inalienável

d@ fotógraf@, que cobra cada vez mais quando se pede novas

impressões.

Cada impressão P/B deve ter no dorso, além do crédito autoral, uma

etiqueta com a ficha técnica da obra.

- Diapositivo (slide) em cores, 35 mm: ideal para quase todos os usos.

Os slides de 35 mm são usados para participar de editais e bienais,

para imprimir convites, cartões-postais, catálogos e cartazes. São

utilizados também para estabelecer contanto com galerias e museus,

onde existe sem exceção projetores de carrossel ou mesas de luz. Os

diapositivos de 35 mm podem ser escane

ocasiões, eu contratei um sobrinho abusado ou a filha mais inteligente

de meus caros para fazê-lo. Conheço artistas que usam seu

computador para imprimir diminuta

Page 89: A ARTE DE VIVER DE ARTE

e foto copiar três ou quatro co

muito@s artistas pegam uma etiqueta atrás d

Page 90: A ARTE DE VIVER DE ARTE

currículum vitae (CV) ou currículo, que se elabora em três

modalidades:

3. O currículo extenso:

Lista de todos os passos que demos ao longo da vida profissional,

ponto por ponto e, de modo sucinto, sem exceção.

2) O currículo resumido e especializado:

Lista ponto por ponto certos dados específicos, e faz menção aos

demais termos gerais. O propósito é destacar alguma especialidade,

por exemplo, nossa produção gráfica, ou nossa experiência docente,

que desejemos promover em uma situação particular, como conseguir

um patrocínio para produzir uma capa gráfica, ou para dar aulas;

3) O currículo relatado (um memorial completo e/ou de tempos

recentes):

É uma narração, em prosa simples, das etapas mais significativas em

nossa vida profissional. Quando é redigido pel@ própri@ artista, se

escreve na primeira pessoa, a terceira pessoa só é utilizada quando o

redigiu um terceiro. A narração pode abarcar toda nossa vida ou ainda

concentrar-se em vitórias especificas ou gerais, de anos recentes.

Page 91: A ARTE DE VIVER DE ARTE

O currículo extenso

1. Dados pessoais

1. 1. Nome e/ou pseudônimo:

Na hora de definir nome e/ou pseudônimo, é preciso informar se o

pseudônimo está legalmente registrado ou não. Será difícil, ainda que

não impossível, descontar um cheque ou fazer valer um contrato

legalmente se o pseudônimo não está registrado.

1.2. Data e lugar de nascimento:

Há mulheres que jamais admitem sua idade. Não admiti-la poderá ser

a norma em seu circulo social, mas é inadmissível no âmbito

profissional já que é um dado indispensável para editais que

determinam limite de idade, especialmente para que os

pesquisadores/as especializad@s possam localizar no tempo e

relacionar com a nossa geração.

1.3. Domicilio atual do ateliê:

Rua, número, bairro, CEP, cidade, pais.

Telefone(s) com códigos completos, correio eletrônico (e-mail), página

web (se a possui).

E incrível quanta gente esquece de mencionar dados vitais como o CEP

e os códigos de longa distância, ainda que se deva escrever assim:

++ (55 11) 4579. 89 00

1.4 Domicilio Residencial (optativo):

Idem

Atenção: Se a circunstância exige, podemos anotar o da galeria ou

do/a representante que dirige nosso trabalho, em vez de anotar nosso

domicilio particular.

Em outros tempos, a lista de nossas conquistas se marcava

Page 92: A ARTE DE VIVER DE ARTE

estritamente em ordem cronológica; as exigências atuais nos obrigam

a inverter a ordem. Hoje, há mais artistas e menos tempo para dar-

lhes atenção; funcionári@s e don@s de galerias recebem não três ou

quatro CVs por semana, como antes; mas em seus escritórios chegam

a acumularem-se pilhas com cem currículos de uma única vez. Como

suas ocupações não lhes permitemlê-los detidamente, folheiam-nos

rápido para saber quantas e quais são as atividades mais recentes

d@s artistas; se lhes interessa, então lêem o CV com calma. Por esta

razão, nosso CV deve ser feito em ordem cronológica inversa!

2. EXPOSIÇOES INDIVIDUAIS

Algumas regras de ouro:

• O titulo da mostra (se houve) deve ser o mesmo referido nos

convites;

• Detalhamento resumido do conteúdo da exposição;

• Nome preciso da sede anfitriã;

• Quando houve assistência curatorial, costuma-se mencionar o nome

do/a curador/a responsável;

• Quando se exibe na capital, basta colocar seu nome (Ottawa,

Washington, Guatemala, Brasília, Assunção, etc.) No entanto, o

nome de qualquer outra cidade deve vir seguido das iniciais ou a

abreviatura do nome do estado, província ou o pais.

Exemplo:

1999

- Virgens e vitimas e algo mais; 15 anos de estampas gráficas (água-

forte, aquatintas, pontas secas, serigrafias e litografias); A

Cúpula/Espaço Neológico; Cidade do México.

1998.

Page 93: A ARTE DE VIVER DE ARTE

- ...pra’ logo é tarde: ao redor da Morte, desenhos com caneta e tinta

sobre papel; Universidade Tecnológica de Nezahualcóyotl, Cidade do

México. Curadora: Sandra Racotta.

3. EXPOSIÇOES COLETIVAS

Seguir as mesmas. Exemplo:

1999

• “99 Budoh No Kuni International Bienalle Exbition of Prints; Museu

Provincial de Bellas Artes de Yamanashi, Tokyo.

1998

• A morte menina, coletiva antológica temática (séculos XVIII, XIX,

XX), curadoria: Gutierre Aceves Pina; Museu da Secretaria da

Fazenda e Crédito Público, Antigo Palácio do Arcebispado; Cidade

do México.

• Fullbright-Garcia Robles: fotografia e estampa; exposição e

apresentação da pasta que contém a obra de L. Argudin, F.E., E.

Ladrón de Guevara, Eniac Martinez, H. Ortega e R. Ortiz; Casa do

Tempo/UAM; Cidade do México.

1997

- Latin American Artists: a travelling exhibition; exposição itinerante

curada por Carol Norman para o Departamento de Arte e Desenho,

East Tennessee State University, Johnson City, Tennessee, EUA.

4. EXPOSICOES DE OBRA DE INSTALAÇÃO, PERFORMANCES E

OUTRAS ESPECIALIDADES

É cada vez mais comum que @s artistas distingam entre sua produção

de obra de arte de corte tradicional (como desenho, pintura e

estampa), e não tradicional (como instalação, vídeo arte e

performance). A razão está em que cada vez mais espaços públicos e

Page 94: A ARTE DE VIVER DE ARTE

privados estão se especializando. Uma galeria estadual na Escócia, que

dedica seus espaços a apresentar obra tradicional, não se interessará

em nossa lida como instaladores/as ou performances mais que em

linhas gerais, enquanto para um centro de arte contemporânea na

Venezuela na ficará olhando esculturas de bronze. Cada um para cada

qual.

5. OBRA COMISSIONADA

Nossa obra se apresenta não apenas em salas de exposição, mas

também in situ, de acordo com sua natureza. (escultura monumental,

murais externos, instalação e outras obras fora de serie). Trata-se com

freqüência de obra comissionada por empresas, instituições ou

indivíduos, e deve-se também listá-las em ordem cronológica inversa,

do seguinte modo:

- data de apresentação, término e develação da obra;

- titulo;

- técnicas utilizadas;

- medidas;

- instância da comissão;

- instância que a comissionou;

- assistentes (se houver);

- localização (localidade, cidade e pais).

Exemplo:

1997

- O andar das meninas;

Acrílicos sobre M45 (chapa prensada), em bastidor montado sobre a

parede.

3 x 5,60 metros

Page 95: A ARTE DE VIVER DE ARTE

Assistentes: Maria Verde, Juan Delgado e Benito F. Juarez. Salão de

uso múltiplo, sede da Delegacia do Conselho Estadual para Proteção

da Infância, Cidade Arredondo, Morelia, México.

6. PRÉMIOS E DISTINÇÕES

Assinala-se a data, o nome do premio, a razão que nos acreditou o

mesmo, o nome e a localização de que o outorgou. Exemplo:

1983

- Premio El Tabachín Negro; a instalações de micro formato, II

Encontro Internacional de Três Dimensões, San Gregorio de Polanco,

departamento Tacuarembó, Uruguai.

7. COLEÇÕES

Pela lógica, esta lista deve ser feita estritamente em ordem alfabética.

Ela deve especificar o nome completo das pessoas e/ou instituições

que possuem nossa obra (não importa se foi recebida em donativo ou

aquisição), bem como seu país de origem. A lista se divide em duas

partes, a saber:

7.1 Instituições públicas e privadas

7.2 Particulares

Aqui só podemos listar o nome completo dos particulares que nos

autorizam mencioná-los, preferivelmente por escrito. Há quem, por

qualquer motivo, prefira não ser mencionad@.

O assunto do colecionismo é muito interessante. Como se define uma

coleção? Será acaso qualquer acumulação sem pé nem cabeça de

objetos de arte, sejam ou não de qualidade? O assunto é vital quando

se trata de coleções publicas ou corporativas, que devem guardar

coerência conceitual, e que, por ser publicas ou ter a ver com

Page 96: A ARTE DE VIVER DE ARTE

acionistas, devem justificar os gastos com transparência. Pelo menos

nos países desenvolvidos, pois no México e em muitas partes da

América do Sul as coisas costumam ficar ocultas em uma neblina de

regulamentos vagos e anacrônicos, foros inexplicáveis e até corrupção.

A apatia do publico e do grêmio de artistas não os isenta da culpa. No

melhor dos casos, teriam que ser @s especialistas, historiadores/as,

sociólog@s, crític@s e, mas recentemente, curadores/as, quem

exigiram informação a respeito de alguma coleção que se forme de

modo duvidoso.

Toda coleção particular é assunto privado e ninguém pode exigir

informação alguma, salvo quando seus donos decidem exibir, doar ou

vender suas coleções a uma instituição publica. Há pessoas e casais

que possuem uma quantidade eclética de peças (velhas, novas, más,

boas, muito a seu gosto). Muit@s não se consideram

colecionadores/as, talvez porque não começaram a comprar com essa

intenção. Determinar se são ou não depende da decisão que tome

cada quem depois de amassar certo numero de peças. Decide-se

definir o acervo como coleção, então o é e tomará medidas que julgue

necessárias ou convenientes: legitimará a procedência de cada peça

(se não o fizer, corre riscos – no caso de guardar uma peça pre-

hispânica ou colonial – de ser detida pelas autoridades); cuidará das

condições em que as armazena, as avaliará e assegurará, se

preocupará em restaurar obras e molduras quando seja necessário, e

para cada objeto ou conjunto terá uma pasta própria.

As questões que decorrem da decisão de criar uma coleção particular

são conseqüência do gosto de cada indivíduo, da dinâmica do

mercado, e com freqüência, da agenda pessoal dos mercadores.

Page 97: A ARTE DE VIVER DE ARTE

Adquirir uma obra de arte não é moleza, não. Deve-se conhecer algo

de arte, ou então saber ouvir o chamado da intuição.

Desgraçadamente, pouca gente com capacidade aquisitiva entende

dessas coisas. É então quando @s vendedores/as de arte (marchands

em francês, dealers em inglês) se fazem presentes, não sempre

desinteressadamente. No nosso desconcerto, nós artistas

costumamos julgar seus ofícios como acertados só quando são a nosso

favor, do contrario os satanizamos. Pareceria obviedade insistir em

que os corretores estão com todo o direito de dirigir o que mais lhes

convenha, e mais vale calar que falar mal desses, pois chegará o

momento em que lhes convenha dirigir o que é nosso.

O importante é reconhecer que as artes visuais, como as doenças,

prosperam em climas propícios: em colônias de semelhantes, em

círculos de conhecidos que pertençam à mesma classe social. Como

todo mundo, os membros de cada círculo buscam parecer-se com seus

pares e, mais ainda, quando se trata de dinheiro. Assim, se o

conhecido banqueiro E____ C_____ F____ compra um Gerchman, já

aconteceu que seu vizinho em Moema, Edimilson Ramires (ou quem

seja) também adquirira o seu, ainda que se vomite cada vez que

passe na frente da peça.

Disso vivem as galerias, que no México e na América Latina são em

sua maioria de caráter parasitário: dirigem obras já reconhecidas, de

prestigio geralmente ganho no exterior, graças aos esforços de seus

autores/as (ver anexos: Galerias). Contam-se nos dedos as empresas

que sabem como projetar devidamente seus artistas. Por sua

natureza, o trabalho desses negócios é eminentemente cortesão;

depende de muito pressionar, pelo que preferem logicamente

Page 98: A ARTE DE VIVER DE ARTE

trabalhar com aqueles/as artistas que compartilham sua predileção

pelo jogo cortesão (que existem, sim, perto de nós e em qualquer

parte).

Sobre gosto se rompem gêneros: cada um de nos saberá decidir em

seu coração se prefere cortejar políticos e empresários grandes para,

na melhor das hipóteses, decorarem suas mansões. Ou se preferem

realizar vendas mais modestas, mas mais freqüentes. @s primeir@s

terão que expor em galerias elegantes e ajustar-se aos gostos da

clientela dessas empresas; @s segund@s podem expor em espaços

institucionais e acrescentar algo à historia do pensamento e da

cultura.

Na realidade, a única coisa complicada do colecionismo é a maneira

com que se misturam e entrelaçam os interesses particulares com os

das instituições públicas, cujos orçamentos saem de nossos impostos.

Os funcionários latino-americanos são mais atentos a interesses do

mercado e ao que podem lucrar, social e economicamente falando,

que nos mistérios da estética e da historia. Não nos reconforta saber o

que acontece na região. O que não se pode perder de vista é que

nenhuma opção anula as possibilidades de incidir no problema para

resolvê-lo.

Para voltarmos ao currículo. Terminando a lista de nossas conquistas

profissionais, prossigamos:

8. OBRA PUBLICADA

Listarmos os livros, revistas, inclusive os canais e programas de

televisão em que publicamos o fato público de nossa obra, sejam

Page 99: A ARTE DE VIVER DE ARTE

essas capas, ilustrações, antologias, resenhas visuais ou em televisão,

em ordem alfabética. Exemplos:

Biombo Negro, revista de literatura negra, Cidade do México, n.1 ao 8,

Rolando Trokas, o camionheiro intergaláctico, quadrinho seriado, sobre

roteiro de Jaime Lopez, 1993 e 1994.

Reforma, A, México D.F; Vinhetas semanais para Diário de uma

cozinheira atrevida, coluna culinária de Lourdes Hernandez Fuentes,

durante o ano de 1994.

Universitários Os, Órgão de Difusão UNAM, Cidade do México;

desenhos de Dia dos Mortos: novembro de 1993, novembro de 1994,

novembro de 1995, novembro de 1996.

9. BIBLIOGRAFIA

Sob esta categoria, listamos os livros e ensaios publicados sobre uma

pessoa em antologias. Consigna-se o nome d@ autor em ordem

cronológica, depois o titulo do texto, o nome da cidade onde foi

publicado, a editora e finalmente o ano.

Exemplo: - BECKER, Carol et all. The subversive imagination – artists,

society and social responsibility. N.Y., EUA/Inglaterra. Routledge,

1994.

KASSNER, Lilly. Diccionario de Escultores Méxicanos del Siglo XX.

Colección Arte e imagen. México, Consejo Nacional para la cultura y

las Artes, 1997.

LAUF, Cornelia e CLIVE Phillpot. Artist/Author –Contemporary Artist’s

Books. N.Y, distributed by Art Publishers Inc., 1998.

10. HEMEROGRAFIA

Sob esta categoria, listaremos as crônicas, entrevistas, resenhas

críticas e textos símiles sobre uma pessoa, publicados em jornais e

Page 100: A ARTE DE VIVER DE ARTE

revistas. Consigna-se o nome do/a autor/a e ordem cronológica,

depois o título do texto, o nome da cidade onde foi publicado, a

editora e finalmente o ano.

Exemplo: MAYER, Mônica. Gráfica periférica: o que fiz primeiro. Cidade

do México, El Universal, 2 de dezembro de 1994.

11. MIDIAGRAFIA (radio e TV)

É muito comum que @s artistas omitam o elenco de crônicas, revistas,

resenhas, reportagens ou entrevistas transmitidas pela radio ou pela

televisão. Talvez não se dêem conta de que os meios eletrônicos têm

maior penetração no público que os impressos. Diferentemente desses

últimos, o elenco sob essa categoria deve seguir também ordem

cronológica inversa, do mais recente ao mais antigo.

Exemplo: 1997 A cozinheira atrevida, conversa com Lourdes

Hernández Fuentes, Cidade do México; Radio Educación/Setembro;

11h, terça-feira 27, 1997.

ANEXOS

- Associações em organizações culturais.

Essa categoria é especialmente importante para historiador@s,

pesquisador@s, sociólog@s e demais acadêmic@s, uma vez que no

momento de recriar o passado, seja esse distante ou imediato, possam

recorrer a esses dados para localizar @s artistas em seu contexto

social. Aqui se proporciona informação sobre as associações e

organizações artísticas nas quais participou, tais como clubes,

sindicados, frentes, etc. A lista é em ordem alfabética, seguindo os

modelos anteriores.

- Trabalho docente ou jornalista ou qualquer outra atividade que

manteve de importância.

Page 101: A ARTE DE VIVER DE ARTE

Elencamos os trabalhos que realizamos como instrutores/as, mestres,

professor@s, assessor@s, conselheir@s, etc. Também em ordem

cronológica inversa.

- Palestras, mesas-redondas, debates, júris, etc. Também aqui em

ordem cronológica inversa.

- Outras atividades

Na dinâmica de nossa profissão, a curiosidade ocupa um lugar muito

próximo à imaginação e é lógico que isso nos impulsiona à aventura.

Qualquer experimento, viagem ou conquista que tenha sido

determinante em nosso trabalho deve ser elencado nessa ultima

categoria, claro, em ordem cronológica inversa.

- Formação profissional

Elenca-se a educação formal e informal que recebemos para

capacitarmos-nos como artistas. Ninguém esta interessado em saber

qual maternal, jardim de infância e escola fundamental freqüentamos.

A única coisa que importa é a formação profissional: academias,

oficinas, cursos, inclusive viagens de estudo, para informar dos quais

se deve sempre informar datas e demais dados pertinentes.

Um CV deve conter unicamente a verdade

Um Currículo Vitae é de enorme utilidade entre outras coisas para

concordar exibições, conseguir bolsas, receber apoios especiais,

cumprir residências e dar palestras. Este documento é considerado de

cunho legal em todo o mundo, ou seja, a informação vertida no CV

deve ser fidedigna e comprovável. Por essa razão e para respaldar a

lista, será necessário guardar em arquivo e em ordem, todos os

títulos, diplomas, certificados, constâncias, anúncios de exibição,

catálogos, recortes de jornais e revistas, gravações de entrevistas e

demais testemunhos.

Page 102: A ARTE DE VIVER DE ARTE

Especializando o CV para cada ocasião

Não obstante a estratégia geral que tenhamos traçado para o nosso

futuro, ao longo da vida, irão aparecer oportunidade que nos ofereçam

opiniões inesperadas. Não se trata de “abandonar” as artes, mas sim

encadeá-las a um plano maior. Quanto mais experiência pudermos

acumular, mais substância terá nossa obra. Para aproveitarmos ao

máximo algum panorama novo, temos que cumprir com os requisitos

de rigor, em primeiro lugar, apresentar o currículo apropriado para

cada ocasião.

Assim, ao ir revisando as opções que nos vão apresentando – esta

bienal de gravuras, o convite de alguma universidade a dar um

seminário, aquela cenografia-, ou quando por qualquer motivo

tenhamos que trabalhar para terceiros, então, tomamos no nosso CV

extenso e selecionamos o que mais poderá interessar à pessoa com

quem tratamos: nossa produção gráfica, nossa experiência

pedagógica, ou nossos trabalhos cenográficos e de ambientação. O

listado detalhado é a nossa melhor carta de apresentação.

O CV relato

Por muito útil que possa ser um elenco ponto por ponto, não deixa de

ser um documento frio, chato inventario de datas, nomes e dados.

Muitas pessoas estão interessadas em uma narração biográfica

anedótica, texto que serve para nos apresentarmos em uma mesa

redonda ou nos inclua em antologia, para atualizar a informação

requerida por colunistas e jornalistas..., enfim.

O que se entrega é uma simples e sucinta narração de momentos

Page 103: A ARTE DE VIVER DE ARTE

significativos de nossa vida profissional. Há artistas que podem

escrever com maior facilidade que outr@s, portanto podem redigir em

primeira pessoa. Quem tem maior dificuldade para fazê-lo, pode

recorrer aos serviços de algum/a amig@ literat@ para fazê-lo. Claro,

em terceira pessoa e com a sua assinatura ao final.

Verbalizando nosso trabalho

Além dos mitos que rodeiam a@s artist@s e que nos acarreta

gravíssimas conseqüências, o mais danoso é aquele que reza que @s

artistas não pensam, só sentem. Nos dois ou três qüinqüênios

recentes, muit@s artistas, especialmente @s mais jovens, deu-lhes

para cultivar uma sorte de balbuciar gago, quase troglomegalítico, ao

falar de motivos que os impulsionam. A incapacidade para verbalizar

nossa lida reflete o vazio que envolve a plástica contemporânea em

muitos paises do nosso continente. Trata-se de uma gradual

diminuição na qualidade dos debates das artes atuais. O pior é que,

com a falta de apoios conceituais, muit@s d@s autores/as que

publicam catálogos e discorrem em mesas-redondas se expressam em

termos cada vez mais mirabolantes e menos precisos.

Nas escolas e academias dos paises desenvolvidos, o alunado começa

desde o terceiro semestre a expor-se à critica de seus pares e de seus

professores/as. Tem que exibir periodicamente sua produção mais

recente em petit comitê, e racionalizá-la, de modo que não só

aprendem a ouvir opiniões que retro alimentam, mas também a

explicar seus motivos e madurecer frente á critica. Ao sair pelo vasto

mundo, tem as armas para defender-se com argumentos requeridos

para abrir passagens nos âmbitos acadêmico e mercantil.

É essencial verbalizar sobre a nossa obra. Cada novo projeto, cada

Page 104: A ARTE DE VIVER DE ARTE

ação visual que realizarmos tem sua razão de ser. Ninguém melhor

que nós para conhecê-la, ninguém pode verbalizar nossos motivos

melhor que nos mesmos. Os dados que possamos oferecer servem

para informar a quem não conheça nosso trabalho, repórteres,

promotor@s e curador@s, até os clientes. Eventualmente, esses dados

passam a fazer parte do discurso crítico do momento e dai, da historia

da Arte.

Para escrever sobre a nossa obra é preciso praticar, redigir textos

breves e uma vez outrora, lê-los no círculo que freqüentamos. Ou

escrever cartas e e-mails...

Page 105: A ARTE DE VIVER DE ARTE

IX – NOSSO ARQUIVO E SUAS PARTESDe como criar os elos na cadeia da vida...

Cada coisa em seu lugar e uma pasta para tudo

Já nos familiarizamos, em linha geral, com o mundo que nos rodeia.

Habitam-no desde noss@s primeir@s mestres até diretores de

museus, jornalistas, carpinteiros, restauradores e muitas outras

pessoas. E todo o nosso mundo interno está rodeado, obviamente,

pelo publico. Trata-se de nossos interlocutores, a quem já dividimos

em publico ativo e publico passivo.

Tanto as pessoas que apóiam nosso trabalho como as que o desfrutam

devem ser consideradas laços: é tal a sua importância que devemos

aprender a tratá-los com todo o cuidado que merecem. Para

mantermos contato com tantas pessoas, utilizamos o fichário de

endereços, e para dar um bom prosseguimento as nossas relações de

trabalho com cada uma das pessoas ou instituição, é necessário criar

um arquivo dividido em classificações.

É preciso combater o caos onde este surgir. A única forma de não nos

afogarmos em um mar de papéis soltos, convites, mostruários, cartas

pendentes, uma meia velha sem par e cheques extraviados entre

revistas e desenhos, é organizando nosso arquivo corretamente. Á

medida que avancemos em nossa profissão, vamos acumulando

projetos, compromissos e atividades, cada um dos quais exige uma

pasta própria, que se classifica de acordo com o assunto no arquivo.

Parece complicado, mas não é. Especialmente se começarmos a

construir este arquivo no inicio da carreira, quando temos apenas três

cartas, seis recibos e uma exibição coletiva em amadurecimento

(total: 10 pastas ou folders, se preferir).

Page 106: A ARTE DE VIVER DE ARTE

Comecemos por definir as divisões de nosso arquivo (classificação),

para então acomodar cada pasta em um lugar apropriado. Meu

arquivo, por exemplo, está dividido assim:

ÍNDICE

Assunto Caixa

1. Informação Biográfica (CV) A

2. Assuntos domésticos A

3. Aulas, assessorias, palestras B

4. Haltos2Ornos (Oficina H2O) N

5. Trabalho jornalista: - ativo B e C

- passivo C

6. Administração - ativa D e E

- passiva E e F

7. Correspondência

7.1 Geral

7.2 Grêmio F, G e H

7.3 Organizações e Publicações Internacionais H e I

7.4 Organizações e Publicações Nacionais I

7.5 Críticos e cronistas I e J

8. Inventario da obra J e K

9. Questões de política (ou de estética, ou...) K

10. Assuntos diversos L

Page 107: A ARTE DE VIVER DE ARTE

11. Museus

11.1 Nacionais

11.2 Exterior M

12. Arquivo Morto caixas de papelão 1,2 e 3

13. Seção intocável de foto móvel de metal à esquerda

14. Material promocional móvel de metal à direita

Note-se que as seções mais importantes, a 13 e a 14, têm seu próprio

móvel.

Comecei a acumular e ordenar meus papeis há pelo menos quarenta

anos. Não me deu trabalho fazê-lo, já que comecei com muito poucos

papeis. O tempo e o costume de guardá-los se encarregaram do resto.

Agora tenho um total de quinze gavetas repletas, todas razoavelmente

arrumadas (isso só eu que digo, pois, provavelmente, se alguma vez

algum administrador profissional as viesse desataria em gargalhadas).

Entretanto, me serve muito bem, pois como surgiu de maneira

orgânica partir de meu trabalho, responde às minhas necessidades

particulares. Hoje, quem quer que busque algum dado, uma

historiadora, meu contador ou algum pesquisador poderá resgatá-lo

em questão de segundos.

Logicamente, desde o inicio dos anos 90 meu arquivo começou a ser

virtual, pois se estendeu ao interior de meu computador (os espanhóis

e franceses, muito sagazes, dizem “ordenador”, por algum motivo

será). Juntos os dois sistemas, o físico e o virtual, são as ferramentas

mais úteis de meu trabalho. As pastas de cada uma das pessoas,

Page 108: A ARTE DE VIVER DE ARTE

instituições, organizações ou fundações que povoam nosso universo de

trabalho se localizam no momento graças a uma lista, ou cardex, que

se duplica no escritório virtual.

O fichário de domicílios especializados

É impossível dirigir o arquivo com eficácia e relacionarmos com o

mundo que nos rodeia, se não contarmos com um fichário de

domicilio, dividido também em classificadores. Trata-se de um sistema

para guardar e consultar os nomes e domicílios de clientes e

provedores, PAD e PAI, galerias e instituições, meios de comunicação,

colegas etc. Cada um pode inventar seu método para fazê-lo, mas

qualquer papelaria grande oferece uma variedade de fichários da qual

podemos selecionar o que mais convier. São muito bons os fichários

circulares chamados “rolex” (ou algo do gênero), pois admitem uma

boa quantidade de cartões que se pode consultar com um simples

movimento da mão. Hoje há uma série de softwares que podem nos

ajudar neste trabalho de classificação.

Confesso que sou um pouco obsessivo nisto de manter-me em contato

com as pessoas. Acontece que não me custa muito trabalho, pois já

tenho meus hábitos para fazê-lo da forma menos indolor possível.

Além dos domicílios e telefones que anoto na minha agenda de bolso e

que logo copio em fichas, também guardo na bolsa direita de minha

camisa uns quantos cartões de apresentação ou papelzinho rabiscado

que vou pegando no caminho. Ao chegar ao escritório, os coloco em

uma caixinha e a cada oito ou dez dias, me sento para copiar as

fichinhas. Chatíssimo, mas utilíssimo.

Obviamente essa tarefa nunca termina, pois a mobilidade das pessoas,

a fugacidade de executivos e funcionários e demais mudanças que

Page 109: A ARTE DE VIVER DE ARTE

exige atualização no fichário constantemente.

No caso de precisarmos de dados que não estejam em nosso fichário,

sempre podemos recorrer à agenda de telefones, em qualquer parte

do mundo. Bato o pé no obvio, pois, ainda sabendo de sua existência,

muit@s artistas não sabem como localizar telefones ou endereços e

depois se queixam por se sentirem isolados. Internet, por sua vez,

também tem informações equivalentes aos telefônicos, basta clicar na

cabeça do nosso ratinho para consultar a rede.

Meu fichário de domicílios está divido da seguinte maneira:

- Seção Geral, com subclassificações tais como: Amizades,

Colecionadores, Família, Galerias, Hotéis, Instituições publicas e

privadas, Médicos, Museus, Provedores (por especialidade),

Restaurantes, Serviços (como Fotógraf@s, Modelos, Fundidores, e

outros), Zoólog@s, etc.

- Seção Artistas

- Seção Meios de Comunicação

- Seção Estados do País,

- Seção Exterior

Esses últimos, repito, em ordem de subdivisão para conservar sob a

lupa os contatos que vou conhecendo.

Cada seção de nosso fichário de domicílios cobra importância em

distintos momentos da vida produtiva. Na hora de preparar uma

exibição, por exemplo, se consulta a seção dedicada a Meios de

comunicação, a qual se divide da seguinte forma:

- imprensa,

- televisão,

Page 110: A ARTE DE VIVER DE ARTE

- radio

É fácil usar telefones, fax ou correios eletrônicos de jornais e revistas,

para depois proporcionar-lhes informação: através da rede, se

tivermos computador. Consultando as páginas amarelas e na pior das

hipóteses, comprando na banca de jornal mais próxima.

Conseguir os dados é o de menos. O importante é aprender a nos

concentrarmos no importante. Por exemplo, não é preciso guardar os

dados de qualquer jornalista, a menos que seja uma amizade.

Armazenamos só os dados daquelas pessoas cujo trabalho nos seja

afim. Como saber quem são? Lendo o que escrevem!

Correspondência

As cartas-caracol, correio tradicional que bem ou mal continuam

funcionando, se acrescenta agora a eficaz velocidade dos correios

eletrônicos. O resultado é que ganha novos brios aquele importante

adjunto da literatura de todos os tempos, a arte epistolar. A escritura

que resgata para nosso deleite (e para bem da memória coletiva) o

mais recôndito da atualidade. Como já disse anteriormente, cartas nos

ajudam a verbalizar com precisão assuntos que de outra maneira

poderiam ficar no balbuciar ou perder-se no silencio.

Com uma produção em marcha sobre rodas e arrumadela, e com o

fichário atualizado à mão, pronto para descobrir que se nos

aproximará mais e mais das pessoas. E não é só isso, descobriremos

com prazer que contaremos com muito mais tempo para criar nossa

obra.

Todas as cartas que enviamos passam a ocupar seus lugares nos

Page 111: A ARTE DE VIVER DE ARTE

arquivos de nossos co-responsáveis. Podemos ajudar-lhes a classificar

identificando-as: colocar cabeçalho, datar e assinar, além de ser útil,

causa muito boa impressão.

Certamente antes mandar imprimir nossa papelaria era um luxo. Hoje,

com o computador podemos criar até nossos cartões de visita. Artistas

com cartões de visita? Claro que sim! Como podemos figurar nos

fichários de outras pessoas melhor organizadas que nos, se não

distribuímos os ditos cartõezinhos? Pessoalmente considero o desenho

desses papeizinhos uma arte, um parêntesis na arte do estampado. A

fazer voar a imaginação!

Page 112: A ARTE DE VIVER DE ARTE

X. MANEIRAS DE PROTEGER-NOS E PROMOVER-NOSDe como a cortesia não tira a audácia, e como tudo vale

na guerra e no amor

Com certeza a vida de artista não é fácil. Porém não temos porque

complicá-la mais atuando como seres passivos. Contas claras e

amizade longa, diz o ditado, que traduzido nos indica que no momento

de estabelecermos convênios e outros acordos, de dirimir diferenças,

de construir relações e, em geral, de funcionar como profissionais que

queremos ser, é preciso pôr as cartas sobre a mesa, deixar as coisas

claras e por escrito. Infelizmente ficaram para trás os dias em que o

que valia era o fio da barba. Hoje só por escrito é que as coisas têm

valor, por isso é necessário saber quando e como escrever cartas.

Deve-se ponderar com cuidado, isso sim, como responder à nossa

correspondência. Uma epistola manuscrita de 74 paginas dirigida a

uma preciosa colega no Brasil, não é o mesmo que um e-mail ao

sempiterno Romario Silva, no Ministério de Relações Exteriores, a

quem devemos proporcionar de imediato as medidas das seis peças

que viajarão ao Canadá. Também é diferente entabular comunicação

com um/a crític@ de arte e com um/a sociólog@ da arte. @s crític@s

precisam de informação muito diferente da que procuram, por

exemplo, @s sociólog@s ou @s historiadores/as.

Mais importante ainda, em tempos de competitividade muito alta e

punhaladas nas costas, é aprender a defender-se, seja legalmente,

seja de maneira publica. A seguir ofereço uma série de cartas que

podem nos servir como modelo.

Modelos de cartas

Page 113: A ARTE DE VIVER DE ARTE

A carta técnica:

Trata-se de uma comunicação na qual ou repetimos alguma

conversação telefônica ou afinamos detalhes da relação que estamos

levando a cabo.

Felipe EhrenbergAv. Necaxa 125 bisCol. Portales 03300México DF, México

[email protected]Á atenção de:F.. C... F...Castellana 101 – 2 andar28046 Madrid, EspanhaTel: ++(34 1) 556-2044Fax: ++(34 1) 556-2053

Cidade do México, 18 de outubro de 1993

Estimado F...,

Depois de uma ligação internacional e dois envios de fax falidos, envio-lhe a confirmação oficial de seu muito grato convite para participar da mesa redonda “Estética, niilismo e violência” a se realizar no dia 25 de novembro do ano em curso, no Museu Nacional Centro de Artes Rainha Sofia.Considero, também, aceitável o pagamento de R$ 750,00 reais pela participação.Assim mesmo, terei muito prazer de dar um curso de quatro sessões sob o nome “Novas artes e comportamentos estéticos”, no Instituto Estético e Teoria das Artes, da UAM, do dia 22 ao 25 do mesmo mês. Também considero justo o honorário de 1.000 reais. Com esta mensagem , F., lhe envio também meus mais sinceros e agradecidos cumprimentos,Fico a sua disposição,

Felipe Ehrenberg

PS- Lembro-lhe que estarei fora da Cidade do México do dia 23 de outubro até dia 3 de novembro, por motivo da exposição olímpica (!) em Atlanta, EUA.

Page 114: A ARTE DE VIVER DE ARTE

A cortesia não tira á audácia... Nem acovarda o bom humor.

Carta de conteúdo:

Refiro-me àquelas que escrevemos para intercambiar opiniões e

críticas construtivas, simplesmente para dialogar ou proporcionar

indícios ao modo em que pensamos e funcionamos, com o que se

enriquece toda relação:

EHRENBERGGONZALEZ ORTEG 58-1 COL. MORELOS 06200- MEXICO DF

Tel e Fax: ++(52 55) 795-7975

A atenção de:M.G. e/ou L.M.SCoordenação de Difusão Cultural Museu Universitário do Chopo/UNAMPresentes

Cidade do México, dia 20 de abril de 1992

Queridas amigas,

Acuso o recebimento de sua carta (10/08/1992) com referencia aos

donativos de esculturas que solicitam para sua coleção permanente.

Respondo-lhes:

4. Sempre acreditei prejudicial insistir na cronologia para distinguir

gerações de artistas plásticos. Não se faz isso em outras

categorias de atividades sociais (ninguém, por exemplo, se

refere a advogados ou a médicos jovens e não se fala da

arquitetura ou da engenharia jovem).

O tempo se reflete certamente nas artes, mas a palavra jovem, na

imprecisão que lhe outorga a moda, é incapaz de descrever as

diferenças geracionais e muito menos estilísticas. Meu conselho é

que tomem o touro pelos chifres, que a palavra “jovem” fique com

Page 115: A ARTE DE VIVER DE ARTE

o que é, um mero recurso de marketing de nossos marchantinhos

da arte, e que em seu afã pedagógico, o museu assuma

frontalmente tarefa de redefinir para precisar.

2. O governo atual delineia com claridade sua política fiscal, e cobra

impostos a@s artistas plásticos com rigor. Sendo a UNAM uma

instituição publica, não entendo porque a recadação não é

distribuída de tal forma que os museus oficiais contem com

orçamento de aquisição para enriquecer seu acervo.

Enquanto não mudem a mencionada fiscalização dos artistas,

não vou dar de presente um só bem cultural que deveria ser

comprado com os impostos que pagamos.

5. Além disso acredito – e isso como membro fundador da

Sociedade de Amigos do Museu do Chopo – que nós amigos

deveríamos marcar como prioritária a tarefa de criar uma

coleção permanente da sociedade, mesma que se albergaria no

museu, para protegê-la das inconstâncias e desacertos de

administrações futuras... Mas isso é, talvez, farinha de outro

saco.

Agradeço a oportunidade que sua carta me deu para expressar

minhas inquietudes e reitero minha admiração pelo trabalham que

vocês realizam frente ao Chopo.

Atenciosamente,

Felipe Ehrenberg E.

Carta tipo “a cortesia não tira a audácia”:

Pouco comum em nosso meio, mas se explica sozinha. Felipe Ehrenberg

Av. Necaxa 125 bis

Page 116: A ARTE DE VIVER DE ARTE

Col. Portales 03300México DF, México

TEL/fax ++(52 55) [email protected]

Á atenção de C.P.Av. Miguel Angel de Quevedo, 3967Coyoacán, D.FTel: 5539-5270

Cidade do México, dia 6 de março de 1997

C______,

Acredito que você não pode mais guardar na memória a boa

convivência que sempre tivemos, desde que você era ainda muito

jovem. A natureza agradável de nossa relação se mantinha e até se

reconfirmou durante a época que compartilhamos entusiasmos no

jornal O Mercantilista, você na redação e eu como colaborador.

Quis o destino que eu me descuidasse de meus assuntos até agora

que, chegado o momento, solicitei á R____ a devolução de meus

desenhos e você os tinha levado e guardado para devolvê-los a mim.

Já emolduradas, as obras estão cotadas a quase US$ 500,00 dólares,

ou seja, uns US$4.000,00 dólares cada uma. Nestes momentos, tenho

a oportunidade de vender, pelo menos 15, e o dinheiro viria em muito

boa hora.

Já faz algum tempo, tentei comunicar-me com você por todos os

meios sem nenhum resultado. Quero pensar que foi o azar que

impediu você de responder a minha solicitação. Portanto agora, em

minha ultima tentativa amistosa por aclarar o assunto, volto a pedir-

lhe que me traga as obras (no endereço acima mencionado), que me

envie pelo correio ou indique onde meu assistente poderá pega-las.

Agradeceria se isso não passasse deste mês.

Page 117: A ARTE DE VIVER DE ARTE

Despeço-me,

FAX zangadissimo!

Temos n@s artistas a reputação de sermos muito dóceis, e a julgar

por mil e uma historias de maus tratos e despojos, talvez a

mereçamos. Porém assim não é a vida: se não nos defendemos n@s

mesm@s, ninguém mais o fará...

++++++++++++++++++++++++

Folha de transmissão de Fazn. paginas: 1De: neologista Felipe Ehrenberg E. Fax: ++(52 55) 532-64 87Data: 4 de março de 1996IMPORTANTE AS LINHAS TELEFONICAS NO MEXICO ESTÂO TÃO RUINS QUE OS FAXS COSTUMAM CHEGAR MULTILADOS. FAVOR RETORNAR SE ESTE FAX CHEGAR INCOMPLETO.

+++++++++++++++++++

Atenção: C.B.GFax. 5543-1273C________,Em questões de ética nada é inoportuno. Acabo de receber do serviço de recortes, a fotocópia de um artigo seu, Incidentes II, (O financeiro, 2 jan. 96), no qual exterioriza informações falaciosas e opiniões que constituem um inusitado ataque a minha pessoa.

Reitero neste fax o que lhe disse no telefonema que mantivemos há alguns minutos: em minha qualidade de co-curador da coleção de imagens digitais produzidas por meia centena de plásticos para a empresa Edumac, EM NENHUM MOMENTO RECUSEI A IMAGEM POR VOCE CRIADA – a única que você ofereceu a escolha, certamente – nem soube que tivesse sido excluída da coleção final.

G.L (em sua qualidade de organizadora, não de curadora, como você afirma), me informou sem ambigüidades:

1. a imagem por você criada faz parte SIM da seleção final,

Page 118: A ARTE DE VIVER DE ARTE

2. até a data em que se publicou a sua nota, não havia sido oferecido o pacote de imagens a nenhum possível comprador. Eu não poderia ter-me “submetido”, portanto à censurar-lhe, nem você afirmar o que só pode ser considerado um calunia.

O que você publicou no citado texto é absolutamente falso. Continuará sendo uma mentira até que não a esclareça e evite que o libelo a fique assentado como verdade na crônica de artes destes dias.

C___, eu havia considerado você até essa data como um amigo. Quero pensar que você se afastou do rigor acadêmico e profissional que sempre o caracterizou por equivoco. Sob nenhum motivo quero pensar que a gravíssima acusação de censor que você me dá, obedeça a outra obscura razão. Sei que de seu cavalheirismo e sua disciplina, lhe permitirão de dar-me a satisfação que exige nossa profissão e uma amizade que temos mantido ao longo de muitos anos. Será, lhe asseguro, apagado e começaremos do zero quando você me entregar os exatos 19,5 cm (medindo a partir de “O (neo)costume... etc.) seu próximo artigo em O financeiro.

Mais que evidenciar, o que quero mostrar aqui é como nenhuma

arbitrariedade ou ato de prepotência cometidos contra n@s por

ocupantes de postos de poder ou tribunas da mídia, deve ficar sem

resposta.

E-mail íntimo:

De: felipe ehrenberg (SMTP: [email protected])

Enviado: sexta-feira, 14 de maio de 2001 12:59 PM

Para: M.B

Assunto: Obrigado e mais sobre a mesa redonda

M___, vamos ver se vocé responde ao meu e-mail A.Z. - ...se não,

terei que ligar para ela. É M. H. , quem anda trás de V.S. -... e onde

vivia, dizem que “sumiu” (?) hmmmmmm.....

Me super mega hiper encantaria participar da mesa redonda Arte VS

Desenho. Bem difundida, poderia resultar não só esclarecedor, mas

Page 119: A ARTE DE VIVER DE ARTE

também, quem me dera, determinante para acabar com as confusões

e limpar AMBOS OS territórios... E por tabela, evitar duplicidades...

Quando você volta de Nova Orleans????? Por mim, voltarei de

Monterrey no dia 25 de maio. Aí você quem manda.

Você não virá à Cúpula hoje à noite?

Beijos às meninas,

F.

Esses exemplos ilustram varias verdades, que nunca é demais

reiterar:

- vida e trabalho formam um continuo ininterrupto

- a informalidade não tira a precisão;

- é preciso (sempre) deixar por escrito o que se pactua verbalmente;

- não devemos deixar para amanhã a carta que devemos enviar hoje.

Relações de negócios e promoção

Um dos mais temíveis obstáculos que se interpõem entre @s artistas e

o mundo lá fora é a nossa incerteza em relação à realidade. É muito

comum topar, num coquetel de embaixada ou num boteco, com

alguém interessante, com quem conversamos como se nos conhecesse

há muito tempo. Em algum momento surge a pergunta inevitável:

“bem, e por falar nisso.... Você estuda ou trabalha?”

- Pois eu, como lhe disse, - responde alguém, pondo-se tod@

vermelho no rosto e varrendo o piso com os pés -. Eu, bom, eu

pretendo ser pintor/a.

@s únicos artistas que respondem “sou artista” ou “sou pintora” são

@s que já chegaram, @s que já organizaram sua vida. Nunca cruzei

com um médico, por mais modest@ ou desconhecid@ que seja, que

Page 120: A ARTE DE VIVER DE ARTE

me diga com pena: “pois, olha, eu curo...” Ah, não, sempre

respondem com firmeza: Sou médico!

O assunto é preocupante, porque a maneira pela qual nos

identificamos e nos (mal) promovemos como artistas pode levar a que

nos tratem com desdém.

Quantas vezes não acontece que um/a possível comprador/a de nossa

obra pechinche o preço ?: “E... para mim?”, costumam dizer, “você faz

por quanto?” Uma pergunta que jamais a pessoa se atreveria a fazer a

um dentista ou inclusive a seu estilista. Se por acaso esses cobram

caro, ou querem pagarem parcelas, por que diabos não perguntam

que desconto podemos fazer-lhes para pagamento a vista? Por que

nos tratam como um camelô na rua (que também não merece esse

tratamento)? Sem dúvida, isso se deve ao fato de que nos custa a

muit@s admitir que somos artistas... Como sentimos que não nos irão

levar a serio essa sensação se projeta como luz de farol.

Talvez um/a analista possa descrever melhor a confusão de

sentimentos encontrados que se engasga em nossas almas torturadas

e confundidas pelos mitos que foram construídos ao nosso redor (tcha

tcacha tchãn!) e que também são a causa das ambigüidades

associadas com a palavra “artista” na fala comum.

Artista como vocábulo descritivo costuma ser usado de maneira

admirativa para descrever excelência em qualquer atividade (essa

cozinheira é uma artista, aquele trombadinha que rondava pelo metro

era um completo artista). Utiliza-se também de modo genérico no

mundo da mídia e das celebridades (os artistas do Globo ou SBT, tanto

Page 121: A ARTE DE VIVER DE ARTE

faz). Para nossos propósitos, é e será sempre o nome da profissão, tão

acertado como dizer mineiro, bailarino/a, chef ou administrador/a de

empresas. Além disso, diga-se já não tão de passagem assim, não é a

mesma profissão artista visual a do designer gráfico, da mesma forma

que não é a mesma coisa a veterinária e a medicina...

Enquanto não nos profissionalizemos, enquanto não levemos os

assuntos próprios da profissão com a seriedade e a disciplina que

merecem, inclusive até que não nos assumam como pequenos

empresários com intenções de crescer, nunca avançaremos mais do

que os níveis primários. As pessoas continuarão desdenhando-nos

como quem “faz um favor”.

Posso ver o cabelo em pé e as sobrancelhas franzidas dos colegas

leitores/as que se preparam para jogar este livro no lixo.. Estarão

exclamando em seu interior, indignadíssim@s, “imagina, igualar @s

artistas aos pequen@s empresári@s! Ora essa! Se nos não somos

feitos da mesma matéria do que a desses mercenários!”.

A isso só posso responder: leiam a sua Historia... Estudem como

operavam @s artistas que mais admiram, aprendam como cuidaram

de seu próprio dinheiro. E se não quiserem seguir seu exemplo, não

joguem esse livro no lixo, dêem-no a outr@s...

Maneiras de promover-nos

Métodos artesanais:

A maneira mais antiga e eficaz de pôr nosso próximo a par do que

fazemos é mostrando-lhe a obra de modo direto, quer dizer,

convidando as pessoas par ir à nossa casa ou ao nosso ateliê, em

Page 122: A ARTE DE VIVER DE ARTE

cujas paredes e espaços de exibição penduramos nossa obra, velha e

nova. Descobrimos depois de cada visita o quanto é eficaz a noticia

transmitida boca a boca. Claro, se nosso espaço de trabalho é uma

biboca, todo sujo e virado de pernas para o ar, o tiro pode sair pela

culatra.

O passo seguinte é expor trabalhos com a maior freqüência possível e

avisar meio mundo, até a vovozinha, quando e onde estamos

expondo, e se necessário entregar todos os convites em mãos. Adiante

veremos como, quando e porque é mais pratico exibir no ateliê e em

casa, com todas as da lei, ao invés da andar procurando uma galeria

que nos faça o favor.

Ainda que dependa do prolífico que sejamos, se temos bem

organizados nossas gavetas de mapas, nosso armazém e nossa

documentação, podemos participar até em 10 ou 12 coletivas por ano.

No que se refere às exposições individuais, o ideal é apresentar pelo

menos uma por ano.

Métodos surpreendentes:

Sei de um artista colombiano de grande renome que logo depois de

fazer a via crucis no México nos anos setenta, decidiu emigrar para

Nova York, naquele tempo uma importante capital da arte. A primeira

coisa que fez ao chegar foi uma lista de absolutamente todos os

museus, grandes e pequenos, que existiam nos Estados Unidos.

Depois redigiu uma carta/forma que rezava mais ou menos assim:

“Prezado/a diretor/a... sou artista da Colômbia... acabo de chegar dos

EUA... impactou-me em especial o trabalho que realiza o museu que

Page 123: A ARTE DE VIVER DE ARTE

tão dignamente o Senhor(a) dirige... como sinal de minha admiração

gostaria de doar a seu acervo a seguinte obra...”.

... E a enviou, com uma de suas gravuras, a todos os museus. Sem

exceção, todos aceitaram sua “doação”. Ao fim de um par de meses

pode este artista arrumar seu currículo sob a categoria colecionadores,

os nomes de um monte de museus americanos. Consequentemente

suas cotações foram às alturas.

Desde então, mudaram muito as circunstâncias. Atualmente, sempre é

possível doar obras aos museus, ainda que estes agora se apóiem em

um conselho de especialistas e curadores para assim construir suas

coleções de modo coerente. O importante do exemplo é que não há

nada reprovável em ser agressiv@. Mal é mentir ou falsificar dados.

Por sua parte, José Luis Cuevas também é muito bom exemplo de

como tratar @s amigo@s nos meios de comunicação. Sabendo que

merecem uma atenção muito especial, sempre deu jogo. Como

compreende bem que um/a jornalista cultural tem tanto apreço por

seu trabalho como ele o tem pelo seu, nunca esquece de mandar uma

nota, invariavelmente manuscrita, para agradecer a todas e cada uma

das menções que o citam, sem exceção. E nada lhe custa acompanhar

suas linhas com um delicado desenho, que sabe será imediatamente

emoldurado. Gesto generoso que rende a todos...

Métodos de marketing:

Passemos agora a territórios muito mais delicados e complexos,

reservados a@s marchands e seus propagandistas. Não por isso,

podemos perdê-los de vista.

Page 124: A ARTE DE VIVER DE ARTE

Conta-se de um artista de uma cidade do norte, filho de família

quatrocentona. Os pais, mostrando uma grande confiança em seu

rebento, investiram ao longo de dois anos, com muita sagacidade,

mais de um milhão de dólares para promovê-lo no exterior, alugando

galerias na Suíça, em Nova York, em Berlim, financiando impressão de

luxuosos catálogos, e vendendo suas obras entre parentes e amizades.

Em menos do que canta o galo, o dito artista – nada desprezível, diga-

se de passagem – conseguiu efetivamente posicionar-se entre os mais

cotados do país.

Sirva o botão de mostra para ilustrar o assunto. A promoção não faz

a@s artistas, mas pode funcionar.

Page 125: A ARTE DE VIVER DE ARTE

XI. FECHANDO ACORDO COM TERCEIROSDe como podemos incidir no mundo que nos rodeia,

funcionando como se deve

Passos para expor sem dor

Atacaremos agora o tema das galerias e como devemos nos relacionar

com elas. Grandes ou pequenas, públicas ou privadas, elegantes ou

bibocas, temos que considerá-las como um negócio comercial. De

qualquer forma, para que perder tempo se podemos expor no ateliê?

Daqui para frente vou me referir a elas como “empresas”,

simplesmente porque é isso que são. Para cada objeção que nós

artistas expressemos contra as galerias, elas expressaram cinco vezes

mais contra nós. Para dizer a verdade, tem-se que admitir que elas

têm muitas razões para fazê-lo: nos somos são tão doidos, e se eu

fosse dono de galeria, a transformaria em sapataria ipso facto!

Sempre que se pactua uma exposição com uma empresa, seja publica

ou privada, devemos levar a cabo uma série de passos para suavizar o

que costuma degenerar em uma relação ríspida, para transformá-la

em uma associação agradável que beneficie ($$$) ambas as partes.

6. Intercâmbio de lembretes onde se põe por escrito tudo que foi

falado.

Nunca faltarão mal-entendidos na relação entre artistas e empresas.

Surgem em um piscar de olhos e as conseqüências podem ser

nefastas. Sobre o desenho dos convites, sobre a maneira de redigir os

informes de imprensa, sobre se a comissão será descontada do preço

da obra ou da obra toda, com moldura... Aliás, o assunto das molduras

é um bom exemplo: para um/a artista emoldurar pode chegar a ser

Page 126: A ARTE DE VIVER DE ARTE

um gasto proibitivo; é mais conveniente, então, chegar a um acordo

para que a empresa cubra esse gasto e logo, ao encerrar a mostra e

fazer as contas, que se desconte o gasto que nos corresponde das

vendas (também é comum dar obra em troca de molduras). É

diferente se pactuamos com uma instituição, que normalmente

protege a obra com os vidros e as bases que guarda em seus

depósitos. Não há pior luta que aquela que não se faz: se não

podemos negociar o pagamento ou a troca de obra por moldura,

podemos sugerir a quem represente a instituição que cubra a moldura

em troca de um recibo de honorários, e logo fazemos as contas…

Da mesma forma delicada (e típica) pode ser o seguinte exemplo, que

se refere ás listas de endereços (a nossa e a da empresa): - Me dá os

convites que me correspondem e eu os envio, ou te empresto a minha

lista para que a envie junto da sua? Porque se a galeria vende para

um de meus clientes o contrato diz claramente que a comissão será

menor, não é?

(CONTRATO? O que é que isso de contrato? De onde mesmo saiu essa

historia de contrato? Fiquem tranquil@s! Continuemos a ler, e isso virá

mais tarde).

O assunto dos convites físicos, impressos, pouco a pouco está ficando

no passado. Tenho recebido por e-mail mais e mais convites lindos e

bem desenhados; com o qual, alias, evitamos o trabalho de lamber e

colar os selos e levá-los ao correio e paga-las e…

Outro exemplo: o que é que será servido para o coquetel de inauguração e quem se encarregará de pagá-lo? (na Europa e nos Estados Unidos é costume cobrar dos convidad@s a partir da segunda bebida e vender os canapés. Mas é LÁ, me dirão. Pois é justamente lá onde se tem mais dinheiro e que se cuida melhor que nós, justamente porque eles sabem sim economizar).

Page 127: A ARTE DE VIVER DE ARTE

Também é conveniente chegar a algum acordo com a galeria sobre a possibilidade de pagar aos nossos amigos pessoais uma porcentagem de comissão, para o caso de venda dentro de nosso circulo de amizade. Se a galeria não concorda, não nos impeça de estimular nossos conhecidos a pagar alguns centavinhos a mais.

2. Confirmem os arranjos combinados no calendário, e com toda a cordialidade do mundo, se cotejam ambas as partes.

3. Chegada a hora de assinar o contrato (um minutinho de paciência, mais adiante trataremos do assunto), se determina a data para compartilhar um jantar ou almoço agradável e fechar o acordo.

4. Se procede a tudo o que se procede, com sorrisos e pontualidade… quer dizer, cumprimos o combinado de maneira agradável mas formal.

Convênios verbais ou por escrito?

Começo por tocar em um assunto de senso comum: na hora de

negociar, seja com @s promotores/as de qualquer instituição

encarregados de organizar nossa mostra, seja com a dona da galeria

da zona mais elegante da cidade, se não soubermos abertamente

como é que queremos trabalhar como eles antes de passar aos

negócios maiores, corremos o risco de acabar sendo puxados pelos

cabelos. A culpa será nossa. Pensemos em só algumas possibilidades:

Na Instituição

• Vai inaugurar em fins de janeiro do ano que vem…

• Como? Não tínhamos combinado dentro de três semanas?

(Talvez, mas não por escrito).

• O senhor tem a décima - quarta apresentação na mesa-redonda.

Tem cerca de 3 minutos para apresentar seu trabalho… e pode

projetar somente quatro diapositivos.

• O que? Vocês não me pediram uma palestra magistral? Estou

Page 128: A ARTE DE VIVER DE ARTE

preparando há meio ano meu texto, organizei minhas fotos em

um PowerPoint fantástico, já avisei toda a família que vem

desde…

(Talvez, mas não por escrito).

No Festival

• Finalmente ficou pronta a programação. Você vai apresentar a

sua performance na ultima terça-feira às sete e meia da

manha…

• COMO ASSIM? Lembro-me perfeitamente que a minha

performance iria abrir o festival.

(Talvez, mas não por escrito). Quem, quando e como é que

vocês decidiram a mudança…?

• Em nome do diretor e de todos seus colaboradores, é para nós

uma honra entregar-lhe este diploma como sinal de nosso

agradec…

• O que?? O que? Como assim? E as 350 notas de um real que

vocês prometeram me pagar?

(Ficou por escrito?)

Na galeria

• Bom, aí está o que ficou de tuas obras, menos o óleo que me

cabe...

• O óleo que lhe cabe...? O que? Não tínhamos combinado que eu

pagava a impressão e o coquetel e você cobriria o…?

(Talvez, mas não por escrito).

• Aqui está o seu saldo, logo que descontar minha comissão…

• O que é que aconteceu!!!?? Eu me lembro de termos combinado

Page 129: A ARTE DE VIVER DE ARTE

que você ficaria com 55% e não com 97%. Segundo meus

cálculos…

E assim por diante. Se não se estabelece em detalhes nos tempos de

negociação prévia, se não pusermos por escrito e se não assinarmos

as partes, vão nos prejudicar de todas as maneiras. Sempre. (E será

bem merecido).

O Convênio, agora sim.

O documento que agora passaremos a estudar em detalhe contém

sugestões para múltiplos usos, quer dizer, suas diferentes partes

oferecem cada uma, um modelo a seguir, de acordo com a

circunstância. Chegada a oportunidade de elaborar um acordo, bastará

selecionar as partes necessárias do mesmo para aplicá-las no caso

especifico.

O resultado não pode ser mais longo que uma, no máximo três, folhas.

Uma vez selecionados os pontos de interesse, redige-se um rascunho

como primeira proposta, e ambas as partes o estudam com cuidado. É

um momento em que se corrige e se modifica. O dito encontro deve

ser uma reunião tranqüila, calorosa, com alguma coisa para beber.

Ganhamos pontos se convidamos a outra pessoa para comer ou jantar

em casa.

Uma vez que amb@s cheguemos a um acordo, qualquer das duas partes redige o convênio definitivo e o assinamos diante de testemunhas. Assim é simples.

O maior problema que enfrentamos tem sua origem na falta de costume e pouca seriedade com que costumamos levar os assuntos de

Page 130: A ARTE DE VIVER DE ARTE

arte. Nem os artistas nem @s don@s de galeria têm o habito de assinar acordos. Não é de se surpreender que surjam, quase inevitavelmente, os mal-entendidos.

A diferença entre um convênio e um contrato é um tanto vaga. Minha muito querida amiga, Angelina Cué, me explicou que convênio é um termo mais suave, mais cortês que “contrato”. Contudo, no momento de algum desentendimento, diz-me minha amiga, ambos operam igualmente diante da lei. Além disso, lembra me essa eminente especialista em direito autoral que há convênios privados e convênios registrados no cartório. Quase sem exceção, os acordos assinados serão privados. Decidir entre um e outro dependerá, claro, da magnitude dos acordos que queremos pactuar, mas mais das conseqüências que poderiam ocorrer no caso de alguém (qualquer uma das partes) mudar suas clausulas.

Nossa conveniência deve estar acima de tudo, sem duvida. Insistir sempre na assinatura de acordos é útil tanto para @s artistas como para @s contratantes, pois nos proporciona a seriedade exigida por qualquer operação seja ou não comercial. Muita atenção.

Duas advertências

Primeira: O modelo de convênio que exponho a seguir foi elaborado

com base na média de contratos que tenho assinado ao longo de

minha vida profissional tanto no México (poucos, muito poucos) como

na América Latina, Europa e Estados Unidos, mas que conheci graças á

generosidade de amigos e colegas.

É possível que alguém, entendido em leis, ache-o um pouco norte-

americanizado. Duas razões me levam a precisamente este modelo:

por um lado, o universo legal que até então regia a nossa vida social

começou a mudar, sobretudo no que se refere aos tratos comerciais.

Conseqüentemente, nós latino-americanos estamos suspensos nessa

trama formada pelo choque de duas cosmogonias, a ibero-americana

(baseada no direito romano, no código napoleônico e nossos muito

próprios costumes), e a estadunidense (baseada no direito comum

Page 131: A ARTE DE VIVER DE ARTE

anglo-saxão e nos uso e costumes especificamente do vizinho

dominante).Entretanto, creio que possamos celebrar o pragmatismo

que rege o mundo da arte dos europeus e dos estadunidenses. Por que

não? A César o que é de César. Se vamos emular modelos, que

emulemos o melhor.

Segunda: Os comentários que irei acrescentar para ilustrar pontos e

cláusulas estão marcados em tipografia cursiva.

Passemos agora a conhecer a utilíssima ferramenta:

MODELO DE CONVÊNIO

Acordo assinado no dia _______________________,

de_________________ de __________, entre (nome legal completo,

pseudônimo se o usa). Residente em (número da rua, bairro, cidade,

CEP, estado e país), daqui por diante denominado “O ARTISTA”; e

(nome do dono ou responsável legal, nome da instituição ou empresa),

com domicílio fiscal em (número da rua, bairro, cidade, CEP, estado e

país), daqui em diante denominado “A EMPRESA”.

Considerando que o ARTISTA, como profissional nas áreas (desenho

e/ou gravuras e/ou esculturas etc. Você que escolhe) deseja por

vontade própria mostrar obras de sua autoria nas galerias da

empresa;

e

Considerando que a EMPRESA expressa a vontade de representar O

ARTISTA nos termos abaixo acordados, ambas as partes subscrevem o

CONVÊNIO a seguir detalhado:

Page 132: A ARTE DE VIVER DE ARTE

7. SOBRE OS ALCANCES DA REPRESENTAÇÃO

O ARTISTA tem a bem designar a EMPRESA como seu

representante (exclusivo) (não exclusivo) para a exibição,

promoção e vendas de obras consignadas durante o período de

tempo que ampara este convênio (vide clausula 18).

(Exclusividade é proteção, mas para ambas as partes. Pode-se

outorgar exclusividade á empresa , pode-se determinar em um único

caso: só se a empresa pode vender tudo o que produzimos, e se fosse

assim já seriamos quase exclusivos de maneira automática. Uma

opção quando uma empresa nos pede exclusividade è assegurar-nos

que se comprometa a representar-nos, e não só a vender nossa obra

em ocasião da exposição. Em todo caso, podemos estabelecer por

mutuo acordo uma duração justa para o período de exclusividade que

costuma ser de dois a cinco anos – ao cabo do quais ambas as partes

avaliam os resultados e, de acordo com esses, assinam ou não um

novo acordo. Outra opção é outorgar exclusividade somente em uma

das modalidades que praticamos, por exemplo, só no que se refere a

obra gráfica ou a desenho, mais não a pinturas ou esculturas.

Capito?).

2. SOBRE AS CONSIGNAÇÕES

Durante a vigência deste CONVÊNIO, o ARTISTA dará a

EMPRESA as obras abaixo detalhadas, em consignação:

(___) Todas e cada uma das obras detalhadas no RECIBO DE

CONSIGNAÇÃO que se anexa a este acordo sejam listadas com

seus respectivos recibos, mesmo que se acrescente a este

acordo.

Page 133: A ARTE DE VIVER DE ARTE

(___) Toda obra nova criada pelo ARTISTA a partir da assinatura

deste CONVÊNIO, excluindo a obra que o artista reserve para

sua coleção pessoal, e que seja produzida com os seguintes

materiais, suportes e meios:

Obra gráfica (detalhar que tipo)

Escultura (detalhar que tipo)

Outro tipo de obra (detalhar)

(____) Toda obra, antiga ou recente, QUE SEJA SELECIONADA

PELA EMPRESA, mas excluindo aquilo que o ARTISTA reserve

para sua coleção pessoal, e que tampouco inclua a obra que o

ARTISTA retenha para vender DE MANEIRA DIRETA em seu

ateliê, realizada com os seguintes matérias, técnicas e suportes:

___________

___________ (etc.)

(______) Não menos de _______ obras ao ano sobre as que se

chegue a um acordo mutuo realizada com os seguintes

materiais, técnicas e suportes:

___________

___________ (etc.)

O ARTISTA tem o direito de exibir, vender ou dispor de qualquer

maneira de toda obra que não esteja especificada neste

CONVÊNIO:

O ARTISTA informará a EMPRESA, no caso de que esta o solicite,

sobre todo e qualquer acordo que subscreva o ARTISTA em

outras empresas ou representantes.

(Será necessário ler o ponto dois (2) varias vezes. Essencialmente,

Page 134: A ARTE DE VIVER DE ARTE

nos serve para reduzir qualquer possibilidade de confusão. ATENÇÃO

ao ultimo parágrafo deste ponto. Não se trata de prejudicar ninguém,

mas de jogar o jogo mais limpo possível. Isso implica em entrar em

cumplicidade verdadeiramente amistosa com a empresa).

3. SOBRE A PROPRIEDADE E OS RECIBOS

O ARTISTA afirma como verdade ser autor e dono exclusivo e

incondicional de toda a obra consignada a EMPRESA nos termos do

CONVÊNIO. Manterá a inteira propriedade da obra consignada, até

que esta não seja liquidada em sua totalidade.

A EMPRESA acusa recibo de todas as obras listadas no RECIBO DE

CONSIGNAÇAO anexado a este CONVÊNIO e suas adicionais em

caso de haver, e cujas copias assinadas serão entregues AO

ARTISTA no momento em que a EMPRESA receba a obra.

(O primeiro parágrafo deste ponto pode parecer néscio. Não o é. Deve-se oferecer sempre a quem lida com nossa obra a absoluta segurança de que não está comprometida. Quantas vezes, quando nos vimos pressionad@s por questões econômicas ou qualquer outro motivo não tomamos essa tela e damos a alguém que diz ter um cliente? Essa mesma noite chega á casa a nossa cara-metade e CARAMBA! O que é que aconteceu com o quadro que você me presenteou quando… E aí que estamos tentando explicar que o aluguel, o veterinário, que… NAO ME IMPORTA! Esse quadro è meu! E na hora de telefonar para recuperá-lo… “Pois, já o vendi” Não me importa! ESSE QUADRO É MEU! Agora vou buscá-lo… Ufff… a encrenca na qual nos metemos, por não respeitar o que presenteamos).

4. SOBRE A REPRESENTAÇÃO E PROMOÇÃO PROLONGADA

A EMPRESA se empenhará em promover sempre e em todo caso a

obra a ela consignada pelo ARTISTA, como o fim de projetá-lo da

maneira mais decorosa, e atuará como seu representante mediante

as seguintes ações:

Page 135: A ARTE DE VIVER DE ARTE

- Visitas periódicas a seu ateliê para familiarizar-se com seus logros

e avances;

(UAUAU!! Leram isso? Visitas? Periódicas? Ao ateliê? Estamos muito mal acostumad@s a ir vira-latas em galerias levando obrinhas embaixo do braço, fazendo filas e ante-salas, enquanto nos recusam com a mão na cintura ou nos fazem o favor de pó «por aí, vamos ver se vendem» Puxa, nem se fossemos... Pois, me ocorre uma ignomínia para colocar aqui.

O problema é que assim não se fazem as coisas. Ponto. O que procede é fazer chegar nosso port-fólio à galera para que possa ser estudado uns dias. Se os proprietários gostam do que produzimos, eles irão marcar um primeiro encontro em nosso ateliê – e, por favor, que não esqueçam de devolver o port-fólio, pois nos custou os olhos da cara fazê-lo – e dai, sem duvida, poderá florescer uma boa relação. O miolo do assunto estriba que as visitas de ateliê devem pactuar-se e ficar estabelecidas como prática usual.

- Planificando e especificando em linha geral os lugares onde

procurará exibir sua obra;

- Descrevendo a maneira pela qual exibirá a obra tanto em seus

espaços como em outros lugares (muros, divisórias, gavetas de

mapas, tesouras, transparências, impressos e publicações etc.).

ATENÇÃO

Em todo e qualquer caso, o uso da obra fica amparada pela Lei de

Defesa do Direito Autoral, (citar os incisos pertinentes). A empresa

e o adquirente estão impedidos de autorizar a reprodução ou

utilização alguma das obras, sem considerar a autorização fidedigna

e por escrito do autor ou de seus herdeiros, já que o instrumento

legal autoriza somente a exibição privada desta obra. O uso ou a

exploração diversa a simples possesso viola a lei.

Page 136: A ARTE DE VIVER DE ARTE

5. SOBRE AS VENDAS

A EMPRESA venderá a obra a ela consignada, ao preço especificado

no RECIBO DE CONSIGNAÇÃO, ao qual acrescentar-se-à / ficará

o________ pela comissão.

(Acrescentar ou subtrair, somar ou restar, eis a questão. No México –

e em geral, na América Latina – é usual ficar uma parte do valor total

a galeria. Mas não há porque se surpreender se em outros países se

acrescenta a comissão. Talvez alguém que seja mais crânio do que eu

em matemática possa explicar a diferença entre ficar com uma

percentual (U$ 1.000,00 – 35% = U$ 650,00) e somar uma

percentual (se calculamos 35% de mil, trezentos e cinqüenta dólares,

o resultado é U$ 866,50… hmmm. O que não se pode aceitar, sob

nenhuma circunstancia, como acontece ultimamente, é que as galerias

congelem-se em uma soma fixa. No ponto sete, mais abaixo, veremos

o assunto em maior detalhe.)

a) A EMPRESA poderá outorgar descontos sem prévia autorização

do ARTISTA, sempre e quando esses não excedam _____ % do

preço pactuado, e unicamente quando se trate de vendas a museu,

a outra galeria, a decorador de interiores ou a arquiteto. Neste caso

a quantidade descontada será deduzida da comissão que

corresponde à EMPRESA.

b) O preço de venda de cada obra inclui os pagamentos de

impostos previstos pela lei.

c) A EMPRESA entregará ao ARTISTA para seu arquivo, uma

comprovação de revenda, indicando devidamente cada uma das

Page 137: A ARTE DE VIVER DE ARTE

obras vendidas.

d) Os preços das obras NÃO incluem os custos de entrega ao

cliente. Os ditos custos (transporte, embalagem, seguro etc.)

correrão por conta e risco da EMPRESA, e se sujeitarão aos acertos

feitos por ela para que a obra chegue a seu cliente.

e) O ARTISTA apoiará em todo momentos os esforços e o trabalho

da EMPRESA, e cuidará em respeitar o preço de varejo no mercado,

nas vendas que se levam a cabo em seu próprio ateliê, ou dado o

caso, em acordos que se façam com outros representantes e

empresas. Isto inclui cotizações que façam sobre as obras

consignadas ou doadas para leilão. O ARTISTA dará informes

pormenorizados de suas vendas e demais tratos a EMPRESA, se

essa o solicitar.

6. SOBRE TRANSFERENCIAS DE OBRAS PARA ALUGUEL, “E

EXPOSIÇÃO PUBLICAÇÃO” E OUTROS ASSUNTOS

a) A EMPRESA não poderá dispor de obra « como mostruário »e

fora da galeria por mais de __ dias.

(Conheço um artista que há nove meses anda atrás de uma galeria

para que essa o devolva duas pinturas em acrílicos que saíram de seu

espaço « como mostruário ». Resulta que as obras foram pedidas por

um possível cliente, um restaurante que as tem penduradas em sua

sala principal desde então. Ele, por descuido, não especificou suas

condições, e agora chora. Isto pode acontecer com qualquer pessoa,

de modo que mais vale que nestes casos também fique claro e por

escrito).

Page 138: A ARTE DE VIVER DE ARTE

b) A EMPRESA pode com prévio consentimento de O ARTISTA,

estabelecer convênios de representação com outra(s) empresa(s)

ou corretores de arte. Em tal caso, a comissão que resultara das

vendas será dividida segundo conveniência, entre a EMPRESA e o(s)

terceiro(s).

c) O período por conceito de aluguel de obra não excederá o limite

de _________ semanas, a menos que O ARTISTA autorize a

prorrogação por escrito.

(Como assim? Não acabaram as surpresas? O que é isso de aluguel?

Pois hei de avisar, se não pularam paginas atrás quando falei de

aluguéis, que esse costume, muito saudável em minha opinião, já se

pratica há muito tempo. Parece-me que começou no Museu de Arte

Moderna de Nova York há mais de 40 anos, de onde se difundiu a mil

e um lugares. Na América Latina apenas começa. Costumam alugar

obras as companhias produtoras de telenovelas, serviços de

banquetes… Assim que «coloquem a massa cinzenta para trabalhar,

minha gente! »

d) Se depois de alugar uma obra o cliente deseja adquirir-la, a

quantidade já abonada por conceito de aluguel será (___) // não

será (___) dedutível do preço total da obra citada.

7. SOBRE AS COMISSÕES

(Atenção redobrada: este é um ponto que exige cuidado especial e

diplomacia, já o adverti acima. Todas as distintas comissões devem

pactuar-se de antemão, sempre de acordo com o trabalho que invista

a galeria. Da minha parte, não teria nenhum impedimento de pagar

Page 139: A ARTE DE VIVER DE ARTE

até 75% de comissão, sempre e quando o único, absolutamente o

único! que tivera eu que fazer è produzir. Que lindo, não?

A mesma importância em um futuro não muito distante, @s artistas

terão de pensar em lograr acordos sobre o máximo de comissão que

se poderá cobrar que adquira sua obra para revender (“droit de

suivre”, ou direito de seguimento). É lógico – e justo – que se o

revendedor investe adquirindo obra e a pagando em dinheiro, possa

ganhar uma comissão maior do que a que se paga em consignações).

A EMPRESA receberá as seguintes comissões sobre a venda da

obra consignada:

a) (___) % sobre o preço convênio para venda ao varejo, tal e qual

se estipula no RECIBO DE CONSIGNAÇÃO.

b) (___) % do preço da obra consignada á EMPRESA, sempre e

quando tenha sido O ARTISTA quem tenha enviado ao cliente.

c) (___) % do preço de obra em venda realizada pelo ARTISTA do

seu ateliê durante a vigência deste CONVÊNIO.

d) (___) % do preço de venda realizada pelo ARTISTA em seu

ateliê, sempre e quando tenha sido a EMPRESA quem tenha

enviado ao cliente.

e) (___) % do preço de obra comissionada ao ARTISTA, sempre e

quando tenha sido a EMPRESA quem tenha conseguido o contrato.

f) (___) % de honorários recebidos pelo ARTISTA por

conferencias,palestras, participação em debates, mesas redondas e

Page 140: A ARTE DE VIVER DE ARTE

outros serviços, sempre e quando tenha sido a EMPRESA a

encarregada de todos os trâmites para sua participação nos ditos

eventos.

g) (___) % da quantidade que receba o ARTISTA por conceito de

prêmios, sempre e quando tenha sido A EMPRESA a encarregada de

todos os trâmites de sua participação no concurso.

h) (___) % por conceito de alugueis pactuados EXCLUSIVAMENTE

pela EMPRESA.

i) (___) % de alegueis pactuados pela EMPRESA mediante gestões

realizadas pelo ARTISTA.

j) (___) % e outras possibilidades…

8. SOBRE A FORMA DE PAGAMENTOS DA EMPRESA AO ARTISTA

Com respeito ao Ponto 7, incisões ___, ___, ___:

a) Em pagamentos recebidos em dinheiro ou por cheques, a

EMPRESA liquidará a quantidade que corresponde ao ARTISTA em

um tempo não maior do que 30 dias a partir de que o cliente liquide

sua divida. Se for pagamento em cartão de crédito, será a partir de

30 dias de que a quantidade fique comprovadamente depositada na

conta do artista.

b) Em acertos de pagamentos deferidos (parcelas) a EMPRESA

destinará em primeira instancia o ingresso para liquidar a porção

correspondente ao ARTISTA. Em todo caso, esta liquidação

Page 141: A ARTE DE VIVER DE ARTE

prioritária será feita dentro dos 30 dias posteriores ao pagamento

(aparcelado).

A EMPRESA reterá as quantidades que ingressem por conceito de

vendas de obras consignadas em deposito e em beneficio de o

ARTISTA. A EMPRESA acorda garantir a confiabilidade de seus

clientes e de assumir perdas em caso de morosidade ou falta de

pagamento dos mesmos.

9. SOBRE A FORMA DE PAGAMENTOS DO ARTISTA Á EMPRESA

Com respeito ao Ponto 7, incisões ___, ___, ___:

a) Em vendas liquidadas em dinheiro ou com cheque, o ARTISTA

pagará a comissão á EMPRESA em um tempo não maior de 30 dias

a partir de que o cliente liquide sua divida. Se for com cartão de

crédito, será a partir de 30 dias de que a quantidade fique

depositada na conta.

b) Em acertos de pagamentos deferidos, O ARTISTA reterá os

primeiros ingressos para cobrir a parte que lhe corresponde. O

pagamento á EMPRESA se fará dentro de 30 dias depois de cada

pagamento adicional que receba o ARTISTA. O ARTISTA acorda

garantir a confiabilidade de seus clientes e de assumir perdas em

caso de morosidade ou falta de pagamentos dos mesmos.

(Todos estes pontos e incisões podem soar complicados. Não o são.

Trata-se de evitar, no momento de fazer contas e até onde seja

possível, diferenças que podem chegar a ser maiores. Se estas

incisões ficam claramente escritas, tudo se dirime na pratica com a

Page 142: A ARTE DE VIVER DE ARTE

uma calculadora de bolso: “Vamos ver, você vendeu tanto e eu devo

tanto de comissão para você, mas eu vendi este tanto pelo que você

me deve… tiremos a diferença e pronto.

10. SOBRE OS ESTADOS DAS CONTAS

(Nota: Este ponto opera no caso da existência de um CONVÊNIO de

exclusividade, ou com motivo de uma exibição).

A EMPRESA se compromete a entregar AO ARTISTA um Estado

das Conta pormenorizado

( ) dentro de 15 dias depois de cada trimestre,

( ) dentro de 30 dias depois do encerramento da exposição,

( ) a partir do ____ de ______ de 20__.

Dito o Estado das Contas incluirá a seguinte informação:

a) A relação de obras vendidas (e/ou alugadas),

b) Nome e domicílio do(s) cliente(s),

c) Data da venda (e/ou aluguel), com preço e condições de

pagamento (em dinheiro, cheque, cartão, letras etc.),

d) Quantidade correspondente ao ARTISTA depois de descontar a

comissão pactuada;

e) Saldo a favor ou contra o ARTISTA no caso de pagamento

adiantado;

f) Localização precisa da obra consignada no caso de encontrar-se

« como mostrário » e/ou fora da galeria.

11. SOBRE AS EXPOSIÇÕES

Durante o período coberto por este CONVÊNIO e ademais da

representação continua que da obra do ARTISTA se fará pela

EMPRESA, esta ultima instalará e promoverá (pelo menos) UMA

Page 143: A ARTE DE VIVER DE ARTE

exposição individual da obra do ARTISTA, cuja duração será de

____ dias, cada ____ meses.

Além disso, se dedicará a que a obra do ARTISTA seja exibida

individualmente, e incluída em mostras coletivas, em museus,

galerias e outras instituições, sob o acordo de que não se fará

nenhuma negociação sem o consentimento pleno (por escrito, se

necessário) do ARTISTA.

a) A EMPRESA avisará ao ARTISTA da programação de sua

exibição com ____ meses de antecipação.

b) A EMPRESA proporcionará ao ARTISTA a programação

detalhada dos preparativos necessários para a realização da

mostra, marcando claramente quais correspondam a cada parte.

(Muita atenção aos assuntos como o das fotos da obra, quando

podem-se dividir os custos da documentação. Em troca, é claro, das

concessões do uso das mesmas. Será conveniente reler varias vezes o

ponto 14, que trata dos direitos autorais).

Ademais, a EMPRESA determinará a data e condições de

devolução de obra não vendida (ver ponto 12).

c) Previamente a toda exposição, a EMPRESA notificara O

ARTISTA de qualquer condição que, por questões de espaço e

movimentação, limite o tipo de obra a exibir.

O ARTISTA, por sua vez, informará á EMPRESA com suficiente

antecipação, qualquer requisito que exija a montagem de sua

Page 144: A ARTE DE VIVER DE ARTE

obra.

d) Antes da exibição se acordará por escrito sobre a

responsabilidade que todo o quem assumirá em relação ao custo

da montagem (molduras, pintura de paredes etc.), promoção

(cabine de imprensa, convites, catálogo, cartazes, correio,

coquetel de recepção etc.).

e) Em caso de que o ARTISTA proporcione sua Lista de e-mail

Privada á EMPRESA, esta a receberá respeitando integramente seu

caráter confidencial.

f) Ao final da exposição, a EMPRESA e o ARTISTA intercambiarão

fotocópias das resenhas, críticas e matérias que tenham

compilado ambas as partes sobre a mostra.

12. SOBRE A ENTREGA DAS OBRAS

A entrega de obras a consignar á EMPRESA será responsabilidade

de _____________.

A devolução de obra consignada ao ARTISTA será

responsabilidade de _____________.

(Optativo: Os gastos ocasionados pela transferência da obra

(embalagem, seguro, transporte) serão divididos, correspondendo

____ % à EMPRESA e ____ % ao ARTISTA.

13. SOBRE DANOS E PERDAS

O ARTISTA e A EMPRESA acordam o seguinte:

a) A EMPRESA tomará todas as precauções possíveis para evitar

danos maliciosos ou acidentais á obra consignada. Ademais, será

Page 145: A ARTE DE VIVER DE ARTE

responsável pela manutenção, pela limpeza e, se necessário, pela

restauração de toda e qualquer obra consignada que for

danificada. Isto também se refere às molduras.

b) Assim mesmo, a EMPRESA assumirá a responsabilidade por

qualquer dano ou perda em caso de ter sido feito em seu espaço

físico (ver Ponto 6).

(Assunto de constantes fricções entre artistas e galerias, mas,

sobretudo, entre artistas e instituições, isto de danos e perdas e

molduras pode chegar a maiores discussões. Se queremos que se

respeitem nossas obras, @s artistas devemos por força entregar toda

e qualquer obra, emoldurada ou não, devidamente envolvida para sua

total proteção. E assim devem devolver-nos depois da exposição. Para

entregar nosso trabalho em condições ótimas para sua transferência e

seu manejo, é muito recomendável ter sempre a mão, no ateliê, um

rolo de papel Kraft e outro de plástico bolha.

b) Se a EMPRESA o requeira, o ARTISTA proporcionará uma lista

pormenorizada por escrito, no qual descreve a condição física da

obra que entrega em consignação.

c) No caso de que uma obra danifica requeira restauro, A

EMPRESA se encarregará de fazê-lo por conta própria, acordado

que dará prioridade ao ARTISTA de fazer a restauração, em troca

de um pagamento de honorário justo.

(Este IMPORTANTISSIMO parágrafo não precisa de maiores

explicações, mas bato o pé em suas bondades: convém às duas

Page 146: A ARTE DE VIVER DE ARTE

partes, sobretudo á galeria, já que o artista sempre cobra menos que

@s restauradores/as.

d) No caso de perda ou destruição total da obra, o ARTISTA será

compensado com a quantidade estipulada para sua venda e

descontando a comissão, de acordo com o RECIBO DE

CONSIGNAÇÃO.

14. SOBRE OS DIREITOS DO AUTOR

(Para a elaboração deste parágrafo devem-se consultar as leis locais e

federais, assim como os regulamentos vigentes tanto da entidade

federativa como da Federação. Geralmente, se inclui em um

documento legal quando se trata de um CONVÊNIO ou Contrato de

Representação prolongada. Ver, além disso, pontos 4 e 6, incisões b);

e Ponto 7).

15. SOBRE DIREITOS ETICOS E MORAIS

A EMPRESA fará o possível para impedir todo uso do nome ou da

obra do ARTISTA que pudesse lesar sua honra profissional, ou

desvirtuar o espírito e sentido de sua obra.

16. SOBRE AS MEDIDAS DE SEGURANÇA

Nenhuma obra consignada á EMPRESA, na qualidade de

empréstimo, poderá ser alienada por ação legal ou embargo

algum contra a EMPRESA.

No caso de quebra ou bancarrota, ou qualquer outro fechamento

da EMPRESA, o ARTISTA poderá exercer seus direitos conforme as

leis vigentes na entidade onde se assina este CONVÊNIO.

Page 147: A ARTE DE VIVER DE ARTE

17. SOBRE A VIGÊNCIA DO PRESENTE CONVÊNIO

Este CONVÊNIO entra em plena vigência na data em que é

assinado e vencerá no dia ___ de ___ do ano de _______.

a) A petição de qualquer das partes, este CONVÊNIO pode ser

rescindido mediante um aviso por escrito, fechado e entregue ao

menos 45 dias prévios a qualquer operação ou movimento

programado.

b) Este CONVÊNIO não poderá ser rescindido por nenhuma das

duas partes em um período de 60 dias antes da inauguração da

exposição programada, ou até 30 dias depois do encerramento,

sempre e quando tenham sido liquidadas todas as dividas.

c) Este CONVÊNIO caduca de maneira automática no caso de

morte do ARTISTA, ou no caso que quebra ou de insolvência

devida e legalmente comprovada pela EMPRESA.

d) Ao término deste CONVÊNIO, a EMPRESA devolverá toda a obra

consignada ao ARTISTA dentro um prazo máximo de 30 dias (ver

Ponto 13).

18. SOBRE QUESTÕES DE ARBITRAGEM

(Atenção: toda disputa entre ambos contratantes se sujeitará

necessariamente ás leis vigentes na entidade e na Federação, pelo

que, repito, deve-se consultá-las e citá-las. Talvez valha a pena – para

atritar @ galerista imoral - escrever o seguinte: “se submetem às

partes a direção legal para revolver os conflitos possíveis”. Como os

direitos de autor vêm de uma lei federal, talvez seja mais conveniente

Page 148: A ARTE DE VIVER DE ARTE

fixar como competentes os Tribunais Federais aqueles de domicílio do

artista.

a) Este CONVÊNIO è INTRANSFERÍVEL.

b) No caso de determinar-se a ilegitimidade de alguma das partes

das partes deste CONVÊNIO, o fato não afetará a legalidade das

duas partes.

c) O presente CONVÊNIO contém todos os acordos, tratos e

entendimentos e condições tomadas oralmente e por escrito entre

os contratantes; e não poderá ser modificado em suas parte

exceto por CONVÊNIO mutuo e previamente avisado por escrito.

d) Toda notificação dirigida a O ARTISTA será o seguinte

endereço:

- Rua e número:

- Cidade, bairro e CEP:

- Telefones, fax e e-mail:

Enquanto que toda notificação dirigida à EMPRESA será ao

seguinte endereço:

- Rua e número:

- Cidade, bairro e CEP:

- Telefones, fax e e-mail:

e) A validade deste CONVÊNIO e de todo o contendo, assim como

as responsabilidades e direitos a que se submetem ambos

contratantes se aplica estritamente àquilo que respeita à lei, e em

Page 149: A ARTE DE VIVER DE ARTE

especial, ao regulamento vigente na entidade onde se assina.

(LUGAR E DATA)

CONCORDANDO COM TUDO ACIMA EXPOSTO E ENUMERADO,

ASSINAM A CONFORMIDADE AMBAS AS PARTES:

___________________ ___________________

O ARTISTA A EMPRESA

___________________ ___________________

TESTEMUNHA #1 TESTEMUNHA #2

=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=

Para finalizar este longo e complicado capitulo volto a insistir em que o

documento acima exposto é só um modelo a seguir. No momento de

elaborar nossos convênios, bastará selecionar as partes necessárias

para aplicá-las ao caso especifico. O resultado poder ser não mais

longo do que uma, ou ao máximo três, folhas.

PS-

Agradeço de maneira muito especial e carinhosa a revisão feita pelo

bom amigo Ricardo Guzman Wolffer, quem me escreveu:

“No geral, é muito bom contrato; certo é que uma serie de contratos em um só: mandato, representação, venda, aluguel de obra (pelas reparações); de modo que se necessitaria de tempo para estudar com calma, muito calma, cada um dos assuntos que por sua especialidade jurídica, ainda que solo se mencione em uma ou em outra clausula, tem distintas implicações jurídicas. Mas esse tipo de detalhes deverão ser redigidos com calma.”

Page 150: A ARTE DE VIVER DE ARTE

XII. PROMOVENDO-NOS PELO MUNDO AFORADe como inverter a mesa na relação entre n@s mesm@s

e outros parentes

O que é um port-fólio?

É totalmente inútil lançar-se pelo mundo afora em procura de... de...

dealers! (Antes eram chamados de marchands, em português são

revendedores, as vezes representantes). Ninguém sai de seu ateliê,

com o carro (próprio ou emprestado) cheio de obras, carregando e

descarregando em uma ou outra galeria, como se costumava fazer

antes. Hoje as pessoas interessadas em nosso trabalho costumam

fazer-nos visitas periódicas e freqüentes em nosso ateliê. Quem ainda

não o faz deve entender que a única maneira que um vendedor/a de

arte se compenetra no mundo e na produção de seus artistas. Para

isso, primeiro é preciso despertar o interesse deles pelo nosso

trabalho, coisa que conseguimos mostrando nosso port-fólio.

Coisa estranha, a única palavra parecida a port-fólio que está no

Pequeno Larousse Ilustrado, 1990, é “porta-documento”. @s artistas

latino-americanos entendemos o conceito tal e como nos chega do

mundo dos negócios de arte que fala inglês. Vejamos pois como o

define a décima edição de Merriam Webster’s Collegiate Dictionary:

Port-fólio (it. Portafoglio, fr. Portare + folgio: carregar a folha, pagina

1. uma capa com dobradiça ou estojo flexível para carregar folhas

soltas, retratos, ou panfletos. 2. um jogo de retratos (com desenhos

ou fotografias) encadernados em forma de livro ou soltos em uma

pasta.

Repito, se trata de um mecanismo que utilizamos para despertar-lhes

a curiosidade a pessoas interessadas em gerenciar (ou estudar) nossa

obra, para que logo passe a ve-las em nosso ateliê.

Page 151: A ARTE DE VIVER DE ARTE

Sempre servem os velhos ditados, como o que reza “segundo o sapo,

a pedrada”, quer dizer, teremos que apresentar port-fólios distintos

para distintas ocasiões. Por exemplo, para mostrar ou vender uma

obra a uma empresa que distribui só estampas gráficas, não será

preciso mostra a seu representante fotos de nossos murais e

esculturas.

Deve-se estar preparado, além do mais, para ter à mão três, quatro,

sete port-fólios, dez se for necessário! Sobretudo se se parte em

viagem. Em outras latitudes é habito deixá-lo uns quantos dias nas

mãos da pessoa apropriada que trabalha em galerias e nos museus

que nos interessam, afim de que possa decidir se nos recebem ou não.

Dai que se deve “armar” nossos port-fólios da maneira mais

convincente e persuasiva possível. Se não cai impactada aos nossos

pés, que nos devolva o port-fólio! Mas se entramos em acordos, então

sem duvida nos pedirá outro, armado sob medida das correções que

faremos chegar até aquela pessoa. Normalmente, os custos dos

subseqüentes port-fólios que a empresa nos peça, vão por conta

dessa.

Como a esta altura do campeonato já aprendemos muitas coisas, nos

será facílimo armar todos os port-fólios que serem precisos:

Os conteúdos do port-fólio

- Currículo vitae: geral e especializado (capítulos VIII)

- Currículo relato: idem

- Diapositivos (slides): devidamente etiquetados e arrumados em

laminas porta-transparencia e/ou impressões em cores de alta

qualidade, da obra recente (capítulos VII). Ainda que hoje em dia os

Page 152: A ARTE DE VIVER DE ARTE

diapositivos são menos usados, continuam sendo práticos.

- Exemplares: dos convites mais recentes (capítulos IX).

- Copias: de catálogos e/ou CD-ROMs ou DVDs (capítulos VII e XI).

- Fotocópias: de resenhas criticas, crônicas e textos diversos. Nunca

incluir colunas sociais (capítulos VII e XI)

- CD-ROM ou DVD: que devem conter todos os elementos já

mencionados.

Não se pode esquecer que quanto melhor a apresentação, melhor o

impacto: um port-fólio que contenha o CV limpo e bem redigido, boas

fotos, fotocópias arrumadas de crônicas e resenhas, apresentado em

um estojo elegante, faz a diferença entre uma rejeição e uma aliança

de trabalho. Da mesma forma ao contrario, tampouco se deve passar

de espertos e apresentar port-fólios exageradamente luxuosos... Se

tivermos dinheiro para impressionar assim, porque solicitamos essa

“bolsa”?...

Por que e como publicar convites, cartões postais, cartazes,

catálogos, livros e demais parentes

Nosso trabalho é info-visual (isso será um neologismo?). Nunca como

hoje tinha se proliferado em tal quantidade de propostas artísticas

que, entre tantas informações que bombardeia o publico, custa

trabalho digerir: as novidades parecem contraditórios e em sentido a

primeira vista, e a segunda também. Cada um de nos pratica algum

dos mil e um “dialetos”, que por sua vez se desprendem das centenas

de “idiomas” visuais que convivem contemporaneamente. Por isso

mesmo, nossa obra precisa ser traduzida e transmitida. Por que – nos

perguntamos perplexos – temos que explicar o inexplicável? Por acaso

o que fazemos não é... Pois visual?

Page 153: A ARTE DE VIVER DE ARTE

Não se trata de “explicar” a obra. O que devemos saber fazer é

complementar para contextualizar.

Outrora quando as condições que rodeavam o uso da arte eram

relativamente simples, os textos complementares não eram

necessários posto que o que @s artistas produziam se comentava de

boca em boca na sua zona.

Tomemos como exemplo El Guercino (1591-1666), aquele grande

pintor barroco do Sul da Europa, a quem chamavam assim porque era

vesgo. A obra mais conhecida deste bolonhês é “Aurora”, que pintou

no teto do Cassino Ludovisi, em Roma. Trata-se de uma obra de

ilusionismo decorativo das mais incríveis da era da Contra-reforma. Ao

longo de sua carreira, O Vesgo mudou varias vezes de estilo. Começou

a pintar muito influenciado por seu mestre, D. Ludovico Caracci, mas

logo adotou um estilo de chiaro-oscuro muito marcado (à Caravaggio,

porém mais suaves). Depois, muito atento á seu tempo, desenvolveu

um sentido de iluminação uniforme e sem ênfase, de ar mecânico,

muito didático e concorde ás exigências do dia. Ao longo de 55 anos

de vida profissional, com todas as voltas REVIRADAS? que deu sua

obra, nunca confundiu a seus espectadores! A explicação é obvia: o

seu era um publico relativamente reduzido (a população de Roma e

seus arredores naquela época não ultrapassava os 60 mil habitantes e

de Bolonha era ainda menor). Mas sobretudo, seus contemporâne@s

estiveram sempre a par de suas mudanças de rota, portanto iam se

adaptando com prazer ás mutações de linguagem visual do Vesgo,

cujo verdadeiro nome era Giovanni Francesco Barbieri.

Page 154: A ARTE DE VIVER DE ARTE

Para fechar a historia com chave de ouro: o Guercino deixou uma

resma de cadernos de anotações que cobrem um período de 37 anos

(1629-1666), nos quais podemos ver que sua principal preocupação foi

a clientela, suas dividas e os pagamentos que fazia, detalhes e

resumos de renda anual, mil e um assuntos mais de sua diária

administração.

A novos tempos, novas maneiras de informar! Não em vão a

humanidade inventa mais e melhores modos para comunicar-se: de

tambores e sinais de fumaça até a rede das redes. Assim

simplesmente é a coisa. Não seria lógico continuar a grande tradição e

emular a@s artistas do passado, recorrendo às ferramentas do

presente? Que melhor maneira de manter o próximo a par de nossa

obra, senão imprimindo e distribuindo informação?

Os convites que costumamos enviar para atrair ao publico uma

EXIBIÇÃO (palavra contraria a inibição):

Não há pior desperdício que um convite sem informação. Toda a minha

vida eu guardei só aquilo que me proporcionou informação: um texto

inteligente (me chocam os panegíricos pseudopoéticos), uma foto d@

artista ou de sua obra, uma breve nota biográfica. Está na moda o

habito de desenhar convites como cartões postais desprendíveis. E por

que não? Serve como promoção inclusive depois do evento (ver

abaixo).

Os catálogos que são sempre bem-vindos já que além de alentar as

vendas de cada uma das peças exibidas, ficam como memória do que

se apresentou naquele momento. Ainda que você não crie, ha muit@s

artistas que não conhecem a diferença entre um convite e um

Page 155: A ARTE DE VIVER DE ARTE

catálogo. Na palavra está a diferença. O convite convida, pelo que

dever ser o mais atrativo possível e incluir o mínimo de informação. Ao

contrario, um catalogo consigna cada uma das obras apresentadas,

pelo que, em ocasiões, deve incluir um ou vários textos que lhes dêem

sustância teórica á mostra. Enquanto os convites se presenteiam, os

catálogos podem ser vendidos para recuperar o investimento.

Os cartazes que podem acompanhar uma mostra, mas podem também

ser produzidos sem maior motivo que luzir nossa obra nas paredes dos

escritórios, escolas, oficinas, quartos... Os cartazes (ou pôsteres, como

dizem alguns) são especialmente úteis para promover exibições

itinerantes. Desenham-se de maneira que seja possível colar uma

etiqueta diferente pra todas as sedes, nas que se consiga data e

domicílios. De resto, não ha quem resista a comprar um bom cartaz.

Os cartões postais (e os carimbos) que costumam converte-se em

objetos de colecionadores. Em todo o mundo se presenteiam postais,

coisa que @s artistas podemos aproveitar. Podemos publicar nossos

próprios cartões postais, ou vender nossas imagens a don@s de

discotecas, bares e cafés, para sua distribuição gratuita. Ha inclusive

criadores/as que desenham e imprimem seus próprios carimbos

postais, com tudo e picotagem, que logo colam em cada envelope que

enviam pelo correio. Se nos decidimos por fazer disso um costume dos

postais, podemos logo em seu tempo reuni-las para vendê-las como

pacotes.

O que a imaginação propuser: selos de borracha para onde seja,

formas para estarcir nos muros da rua, panfletos para colocar nos

vidros de carros parados ... Ou em bolsas de supermercado. PUTZ!

Page 156: A ARTE DE VIVER DE ARTE

Tudo é arte. O negocio é exibir, não inibir!

Já posso ouvir os comentários: Ah! Caramba! Vamos nos queimar, que

idéias tão palurdas, não pois não, isso não vai comigo, eu que sou tão

frufru,...

Não resta duvida que “o que dirão” é um poderoso elemento inibidor.

Coisa estranha entre que goza de reputação de boêmios desinibidos,

não? Na realidade são pruritos que atentam contra o que motiva a

nossa lida profissional: comunicar-nos com o próximo. Porém, bem, da

minha parte só posso dizer: Sou totalmente... Livre!

Page 157: A ARTE DE VIVER DE ARTE

XIII. NOSSAS DEFESASDos direitos e responsabilidade e das possibilidades de

ganhar dinheiro que nem imaginávamos Entre citações, homenagens, plágios e roubos.

Quem copia um texto ou imagem sem permissão ou pagamento de

direitos comete um roubo, sem dúvida alguma. Existem alguns

empréstimos ou apropriações que são lícitos, quando sua intenção é

construir sobre o fato, como homenagem, ou como parte de um

diálogo em tempo. O plágio, seja cometido por dolo ou ignorância, é

penalizado quando se comprova a forma em que se utilizam os

resultados do plágio.

A Universidade Estadual de Pensilvânia destacada por cuidar e dar a

conhecer as normas respeito à “honestidade acadêmica” e em seu

lugar na rede tem um espaço especial para este capitulo, pois

enquanto nós artistas sofremos muito com plágios cometidos contra

n@s, é justo admitir que também incorremos em plagiar outr@s.

Para parafrasear o site da mencionada universidade, ao falar de plágio

“é difícil evitar referir-se às idéias como se fossem objetos como

mesas e cadeiras. É evidente que não o são.” Tratando-se da arte, que

é um sistema de conhecimentos acumulados, nos explica o site, as

idéias visuais de outr@s podem ser – de fato, são – mecanismos

disparadores que fazem fluir as próprias idéias. Em grande medida, o

chamado pós-modernismo constitui todo um movimento em âmbito

mundial de idéias e conceitos que, em vez de mover-se em impulsos

“para a frente” (como pretendia o modernismo), fuçam o passado para

retomar e recriar idéias que ficaram pendentes, ou que voltam a ser-

nos de utilidade. As ditas idéias podem ser produto da criatividade

coletiva de todo um povo ou de mentes criativas individuais.

Page 158: A ARTE DE VIVER DE ARTE

O que é que acontece quando Alberto Gironella retoma As meninas

que Diego Rodríguez de Silva Velásquez (1599-1660) pintou a seus 57

anos de idade? Da mesma maneira, o que é que acontece quando

Rupert García pinta um quadro no qual transcreve a foto Obreiro de

Manuel Álvarez Bravo? Será que comete um ato ilícito?

Não, eles não plagiam. Quando Gironella retoma As meninas de

Velázquez, e quando García pinta um quadro baseado na foto de

Álvarez Bravo, estão citando. Seu propósito é transformar uma idéia e

contextualizá-la novamente. Os artistas não ocultam a fonte de

inspiração, mas a incluem no título de sua obra. Ao devolvermos as

imagens que criaram seus antecessores pedem-nos para meditar ao

redor de ambas as propostas

O plágio se comete quando se oculta a origem da idéia, quando se

nega o crédito devido a seu autor/a ou quando não se pagam os

direitos. Alguns copiam uma obra de arte linha por linha; outr@s

incorrem no que a literatura chama de “parafrasear” e tomam traços e

cores reconhecíveis de outr@s autores/as, porém há muit@s que,

muito no estilo da era eletrônica em que vivemos, reproduzem por

meios virtuais e/ou fotomecánicos uma pintura, uma escultura, uma

proposta visual, para usá-la em um cartaz publicitário, um cardápio ou

uma camiseta, sem pedir permissão, sem dar créditos a@ autor/a e

sem pagar o uso da obra.

Um exemplo de especial mau gosto (à margem da legalidade) é a

campanha publicitária de um monopólio mexicano, produtor de pão,

cujos publicitários e desenhistas gráficos mutilam o comovedor auto-

Page 159: A ARTE DE VIVER DE ARTE

retrato de Van Gogh e reproduzem em seus anúncios espetaculares e

sobre o pára-choque de caminhões repartidores, sem a permissão dos

proprietários herdeiros de Van Gogh. Ao mutilar a obra e compará-la

com seu pão banalizam o grande holandês diante dos olhos públicos

que mereceria ser conhecido em melhor circunstância.

Outro exemplo, menos insultante mais igualmente imoral, é o da

Loteria Nacional para a Assistência Publica (no México) quando

reproduz em seus boletos obras de artistas vivos sem pagar-lhes

direitos por seu uso, sem sequer avisá-los do que está fazendo. O dolo

se duplica quando, no momento de ser notificada para ressarcir o dano

patrimonial, a autarquia se nega a fazê-lo por escrito! Seu plágio

vulnera nossos direitos autorais e deve ser sancionada com todo o

rigor da lei.

Direitos e obrigações autorais

O conceito de direito autoral representa um dos avanços qualitativos

mais generosos concebidos pelo intelecto humano. Em nossa transição

de um passado simples, de comunicações diretas, a um presente

explosivo e a futuros desconhecidos e midiatizados, o registro,

armazenamento, transmissão e utilização das idéias se erige como o

conjunto de mecanismos capaz de criar os maiores lucros ($$$) jamais

concebidos.

Basta saber quantas pessoas vivem de processar a informação (entre

as que se incluem as idéias); basta observar as indústrias de

informática e conhecer a magnitude dos capitais que geram; basta ver

o impacto na sociedade para nos darmos conta que o tema nos atinge

diretamente.

Page 160: A ARTE DE VIVER DE ARTE

Dada a importância que adquirem os conceitos sobre os objetos

(assunto fielmente refletido nas artes) e a necessidade que se requer

para resguardar os direitos criados por intelectos individuais, sejam ou

não reconhecidos, o tema exige atenção prioritária.

O dinheiro é gerado em todos os níveis da estrutura informática: na

origem, no registro e no armazenamento, onde se protegem as idéias,

as propostas, os planos e, naturalmente, todas as obras de todas as

artes; assim como no desenho, a transmissão e a utilização onde se

concentram no mundo todo astronômicas utilidades.

O terreno das artes plásticas, por sua vez, é talvez o espaço gerador

de idéias mais desprotegido, em especial em Ibero - América. Isso se

deve em maior medida a voracidade dos depredadores que nos

rondam. Porém boa parte da culpa é responsabilidade d@s artistas

quando preferiam ignorar e até desdenhar o assunto, quando

permitimos a terceiros (empresas, publicitários, desenhistas gráfic@s,

etc.) utilizarem nossas obras e nossas idéias sem nos dar conta

alguma nem a nos nem ás leis: “deixa aberta a gaveta e terá um

ladrão”.

O universo que rodeia às artes plásticas é hoje muito diferente do que

foi no passado imediato. Até pouco tempo atrás, a obra d@s artistas

se transladava a mãos de terceiros em simples operações de

patrocínio ou de compra e venda. O uso do objeto artístico, que fosse

um desenho, uma gravura, uma pintura em tela, um mural, ou uma

escultura se reduzia a poucas pessoas e a poucas funções. A relação

autor-espectador era praticamente “um-a-um”, pessoa a pessoa.

Page 161: A ARTE DE VIVER DE ARTE

A situação agora é muito mais complexa. Mudou a arte, mudaram os

materiais; suas possibilidades de expressão e efeitos cresceram de

modo exponencial graças à tecnologia de reprodução e dos meios de

difusão que se tornam cada vez mais sofisticados e versáteis. Uma

obra de arte cumpre hoje muitíssimas funções a mais: tem mais usos

e serve a um número maior de pessoas. Nós artistas visuais gozamos

agora de um potencial para espalhar nossas idéias jamais antes

imaginado.

Complica-se também a relação entre @s artistas e o público, de modo

que é necessário regular a função tanto de quem trafica as idéias, os

intermediários, como de seus destinatários, os usuários.

As funções intermediárias não se limitam a vendedores/as de arte, aos

chamados dealers. Em uma primeira instância, consideram-se

intermediários também os representantes, os promotores/as, o

pessoal da redação da mídia, vendedores de anúncios, crític@s,

diretores/as e empregad@s de galeria e museus, seus museógraf@s e

curadores/as. São assim mesmo intermediários, os fotógraf@s,

desenhistas gráfic@s e agências de publicidade, a indústria editorial, a

de embalagens, a têxtil e, em especial, a de computação.

Todo esse universo de pessoas recorre com mais e mais freqüência ao

engenho de autores/as plásticos para seus muito particulares

propósitos. Considere-se o seguinte: eles editam, imprimem,

publicam, difundem, promovem, distribuem, comercializam e até

registram todo tipo de mercadoria impressa, livros, jornais, revistas

especializadas, folhetos publicitários, etc., relacionada com seus

Page 162: A ARTE DE VIVER DE ARTE

objetivos. Ninguém a primeira vista poderia objetar esse

desenvolvimento, mas isso tem seu lado trágico: entre a multidão que

usufrua do produto artístico, quem menos se beneficia são nós

própri@s, os artistas. Deve-se, pois, ampliar nossa cultura autoral. De

outra forma, não saberemos como dirigir com familiaridade todas as

possibilidades que existem de aproveitar ao máximo as possibilidades

de nossas obras, ainda mais depois que o objeto físico deixe nossas

mãos.

É preciso saber, portanto, como negociar com eles as licenças de uso

de nossas obras, particularizando ou por repertórios. Deve-se saber,

sobretudo, como negociar os direitos.

Também os usos que tem uma obra fora dos mercados de arte tem se

estendido. Somem-se os intermediári@s enumerados, outros como

contadores, advogados: o universo das artes plásticas é toda uma

indústria, aparentemente robusta, viçosa. Na realidade é uma

complicadíssima madeixa, cheia de buracos legais de que sabem

aproveitar os depredadores.

Para afrontar a situação, @s artistas profissionais em todo o mundo

começaram a formar sociedades de autores que nos brindam com

representatividade e proteção, que buscam sanear nossas relações

com o mundo que nos rodeia, que estimulam a atitude ética e justa a

nossa lida. Deve-se apoiá-las e robustecê-las.

Uma sociedade de autores se forma com o objetivo de proteger @s

membr@s, para que se considerem autores/as de obras plástico-

visuais e que se encarrega de arrecadar e pagar-lhes as quantidades

Page 163: A ARTE DE VIVER DE ARTE

que por conceito de direitos do autor se geram a seu favor. Assim

mesmo, proporciona ajuda mútua entre seus associad@s e funciona

com alinhamentos definidos pela lei (precisamente a que a converte

em uma entidade de interesse público). Não só protege autores

nacionais e internacionais, como também se ocupa de proteger @s

titulares de direitos patrimoniais de autor, não importa onde se

localizem. Isso implica em toda classe de procedimentos

administrativos, em ocasiões, legais: uma sociedade autoral

“apresenta, ratifica ou se desiste da demanda ou querela em nome de

seus sócios, sempre que conte com poder geral para pleitos e

cobranças...”

Nisto, como em tantas outras coisas, os países desenvolvidos estão à

frente, mas o México e o Brasil não ficam muito atrás. Existe há quase

20 anos, uma sociedade Mexicana de Autores das Artes Plásticas

(SOMAAP). Membro da Confederação Internacional de Autores e

Compositores (CISAC), a SOMAAP é uma sociedade de autores

chamada “de interesse público” sem fins lucrativos. Atualmente é uma

organização fraca, que peca pela ingenuidade e má administração.

Entretanto está legalmente constituída e poderia crescer em

importância, se simplesmente @s artistas se preocupassem em

associar-se e participar de modo ativo para defender os direitos do

grêmio.

Todos os países têm a sua legislação. Para regular sua relação com os

vizinhos, a maioria ajusta suas leis autorias com os tratados

internacionais assinados entre as nações. Como entre dizer e fazer há

um caminho a percorrer, toca-nos transitá-lo.

Page 164: A ARTE DE VIVER DE ARTE

Passemos agora a outro grande tema, o de nossa relação com o Fisco

(iiiiiiiiiich!)

Obrigações fiscais

Pareceria que nós artistas sentimos que as leis que afetam aos mortais

comuns não são aplicadas a nós: apenas uma bem pequena proporção

do grêmio cumpre com suas obrigações cidadãs, o resto sonega o

pagamento de impostos (e ainda exigem dos funcionários que atuem

com responsabilidade!).

Entretanto, quando buscamos retificar o caminho, deparamo-nos com

o fato de que o fisco não só não nos contempla em suas leis e

regulamentos, mas que nos impede de exercer cabalmente nossa

profissão. Perfeito exemplo no Brasil é o parágrafo ________, da lei

sobre o Imposto de Renda, a única que nos reconhece como artista.

Embora as disposições desta chave nos impeçam de estender faturas,

o que nos obriga a vender obras em troca de recibos honorários. A

medida é claramente uma aberração, pois sem fatura, um/a

comprador/a nunca poderá crer ser don@ legitimo da peça, não

poderá assegurá-la, e muito menos poderá ser incorporada ao seu

capital fixo ativo.

Sem outorgar reconhecimento à profissão de artista, o único lugar

onde o fisco nos permite estender faturas é o parágrafo _________

(entradas por atividades empresariais). Isso nos obriga a registrar-nos

sob duas chaves e embaralhar nossas declarações como Deus – e @s

contadores – queiram.

Pagamento em espécie ou em dinheiro

Page 165: A ARTE DE VIVER DE ARTE

Certamente existe no México o chamado “pagamento em espécie”,

sistema que um presidente anterior inventou , sem duvida com boas

intenções, mas que foi modificado pelo tristemente célebre Salinas.

Está tão mal organizado que só alguns artistas podem recorrer a este

sistema, já que opera em apenas algumas zonas do país. Rege-se por

critérios absolutamente arbitrários: favorece apenas artistas que

produzam obra tradicional e exclui a crescente grei de praticantes

atualizados.

Resumindo, a atual legislação em toda a América Latina é tão confusa

que até parece maquiavélica: proporciona aos malandros de colarinho

branco os mecanismos ideais para lavar dinheiro sujo.

Page 166: A ARTE DE VIVER DE ARTE

XIV. Pondo preçosDe onde podemos finalmente agarrar a ponta da

madeixa e deixar as duvidas para trás... e se alguém quer umdesconto, pois logo o pensaremos

Quem você puxa, quando sonha...

Saber em quem pensamos quando creamos, a que publico queremos

chegar, é condição sine qua non da nossa profissão, por mais que

existam pessoas insistindo que “a arte é universal”. Os parâmetros

estéticos de uma francesa são muitíssimo diferentes dos japoneses,

tanto como são diferentes as sensibilidades de uma cidade sulista e

calorosa aos lugarzinhos do campo nórdico e frios. Vai! As

necessidades e interesses espirituais e recreativos de uma operaria

são completamente diferentes aos de seu patrão ou patroa, nem

melhores nem piores, são simplesmente outros.

De onde viemos, onde trabalhamos, em que direção vamos são fatores

que também influenciam quando criamos. Para localizar-nos no tempo

e no espaço e tirar o máximo proveito de nosso trabalho, é bom

repensar nossa relação com as instituições culturais publicas, por um

lado, e com fundações e empresas privadas, por outro. Dito de modo

claro e direto: queremos viver de salários e subsídios ou de vendas,

direitos autorais e honorários?

Se quisermos produzir com base em salários e subsídios, teremos que

procurar lugares onde esses sejam oferecidos. Geralmente isso ocorre

em instituições publicas e fundações privadas. Se queremos viver de

vendas, de direitos autorais e honorários, teremos que procurar

cultivar a freguesia. A opção do subsidio, não se esqueça, será sempre

e por sua natureza, de curto prazo. A das vendas vai aumentando à

medida que se ponha em marcha.

Page 167: A ARTE DE VIVER DE ARTE

Conseqüentemente, a pergunta: que preços devemos por na nossa

obra? Será determinada pela resposta que formulemos a uma

pergunta anterior: Com quem procuramos estabelecer a interlocução:

com gente comum ou com gente poderosa? Com a enorme classe

média ou com a minúscula elite?

Falando claramente: onde há mais publico passivo (PP) sujeito a

transformar-se em publico ativo (PA), entre a multidão de rendas

médias ou em pequenos grupos de altos salários?

Enquanto mais caro queiramos vender, mais teremos que cortejar

setores de alto poder aquisitivo. Em seu desconhecimento, o PA

prefere tratar com galerias empresariais, com tudo e com seu

marketing, pois pelo menos recebem conselhos, úteis ou não, a

respeito do “investimento” que fazem. Se pelo contrario,

estabelecemos preços mais acessíveis, mais poderemos incidir – de

modo direto – no PP e ajudar a convertê-lo em PA.

Assim simples? Não, não tanto, porque os riscos do primeiro caminho

são enormes, não menos o de ter que fazer pré-vendas aos pudentes,

concessões que possam lesar o espírito criador de maneira

irremediável. Os riscos, eu lhe asseguro, são menores no segundo

caminho. E, já não há com o que se preocupar. Afinal de contas, o

que se impõe é o acerto da obra por si mesma. Se acaso chega a

comover as fibras do público e os comentários começam a passar, a

obra pode chegar a ser muito cotizada. Francisco Toledo, artista

mexicano, é a melhor prova disso.

Page 168: A ARTE DE VIVER DE ARTE

O tema dá pano para manga:

No quimérico final da administração de De la Madrid e depois durante

todo á de Salinas, no México dos 90s, muitos colegas ficaram gulosos

com a riqueza que se dizia circulante no país. Isso os impulsionou a

subir os preços, que chegaram a cifras astronômicas, e o mercado,

uma minoria de consumidores conspícuos afim, se saturou. Hoje a

maioria daqueles artistas sofre as conseqüências, já que lhes foi

impossível sustentar os preços de então. Enquanto as obras se

acumulam em seus ateliês, cortejam com desespero a nomenclatura

na moda com idéia de receber apoios para internacionalizar-se, dividir

seu tempo entre a pintura de retratos de senhores/as acomodados/as

e sua obra pessoal. No melhor dos casos, dão aulas em casa. As

exceções confirmam a regra e sublinha a tragédia.

De minha parte, vendo a um modesto ritmo, duas ou três peças por

mês, a preços igualmente modestos, pelo que meus compradores são

pessoas de minha condição social, amizades e vizinhos. (Até minha

própria ex-assistente e agora a minha cúmplice, a Tatiane, coleciona

minha obra).

Pelo mais, nunca, nunca joguemos fora a nossos próprios colegas

aliad@s, quem costumam ser nossos melhores promotores, que em

ocasiões atuam como curadores/as e até funcionári@s: eles também

podem chegar a ser nossos melhores colecionadores. Se não fosse

assim, como poderia ter-se dotado de obras o Museu Rufino Tamayo,

o de José Luis Cuevas, os dos irmãos Coronel em Zacatecas, o do José

Garcia Ocejo em Córdoba, Veracruz...?

Page 169: A ARTE DE VIVER DE ARTE

Agora sim, a etiquetar nossas obras:

A matemática não é a matéria preferida dos artistas. Pelo menos isso

é o que dizem por ai. Mas não é preciso trigonometria para anotar uns

números e por preços ao nosso trabalho. Vejamos:

O lógico é que nosso trabalho cubra os gastos do lar. A primeira coisa

que precisamos fazer, então, é dividir o orçamento/a economia

doméstica da o orçamento/economia profissional.

Para isso, somemos os gastos mensais das despesas:

- Aluguel ou condomínio R$

- Luz, água (média) R$

- Telefones (média) R$

- Alimentos (média) R$

- Dependentes (média) R$

- Transporte (média) R$

- Vestimenta (média) R$

- Gastos médicos (convênio) R$

- Geral R$

- Imprevistos: R$

Total R$

Digamos que a média mensal total é de... (o colocarei em dólares?

Não melhor em reais... a final é só um exemplo): R$ 1.100 por mês.

Para estarmos tranqüilos em casa, teremos que ganhar esse total em

nossa lida visual, MAIS o que se precise para produzir nossa obra,

MAIS o gasto fixo de nosso ateliê e imprevistos diversos.

Page 170: A ARTE DE VIVER DE ARTE

Digamos outro tanto, a soma do doméstico e profissional sejam R$

2.200 por mês.

Agora calculemos outra média, desta vez, de nossa produção.

Há artistas parcos em seu trabalho, produzem pouco e de maneira

pausada. Outros produzem muito. Seja como for, devemos calcular de

modo realista que média de obras podemos criar por mês, entre

esboços, desenhos, gravuras, pinturas, esculturas, instalações,

objetos, etc. Se as condições de trabalho são boas, quer dizer, se

podemos trabalhar em um ateliê acondicionado e equipado sob medida

às nossas (primeiras) possibilidades, vamos criar muito mais obras

que se trabalhássemos em meio à desordem.

A aritmética nos indica que se fazemos um só quadro por mês,

teríamos que vende-lo a 2.000 reais, mas se produzimos quatro

quadros, poderíamos vendê-los a 500 reais.... E que tal se criamos 9

obras, e as avaliamos em 300 reais cada uma. Fácil não?

Continuemos com a aritmética: se por mês podemos produzir dois

quadros médios, oito desenhos de bom tamanho e duas esculturinhas,

poderíamos vendê-los assim:

2 óleos R$ 600 cada um = R$ 1.200,00

8 desenhos R$ 120 cada um = R$ 960,00

Total: R$ 2.160,00

O que nos indica que ultrapassamos o orçamento por 160 reais. Se

além disso vendermos uma das esculturinhas (o que não pus em

minha listinha porque não esperava vendê-la) em 300 reais, pois

chegamos a poder viajar no feriado prolongado para o Guarujá.

Page 171: A ARTE DE VIVER DE ARTE

Quando se trata de arte, as coisas podem complicar-se (quem sou eu

para negá-lo?), por isso deve-se levar em consideração o TEMPO e o

ESFORÇO que foram necessários investir para vender os óleos, oito

desenhos e a esculturinha, em 30 dias! A resposta é o mês inteiro.

Então, quando criamos?

Como a freguesia nunca é abundante devemos ser realistas e fazer

nossos cálculos de outra maneira. Digamos que demoraremos um mês

para produzir e um mês para vender nossa produção. Para cobrir os

gastos dos dois meses (R$ 4.000) deve-se dobrar o preço de cada

coisa, teremos que vender cada óleo a R$1.200 e os desenhos a

R$240 cada um.

Não existem mecanismos que tabulem os preços. No momento de

calcular nossos gastos fixos e custos de produção a máxima

prioridade, acima de qualquer outra, são nossas próprias

necessidades. Mas não podemos ignorar o mundo que nos rodeia. Ver

por onde andam os preços de colegas que trabalham temas ou

técnicas ou formatos similares aos nossos, ver como vendem no ateliê

ou na galeria, pode nos ser útil. Se o mercado local agüenta a barra,

podemos subir nossos preços um pouquinho. Se não, cuidado! É muito

fácil cair na tentação (nunca faltam os delírios de grandeza) e por

preços tão estrambóticos ao trabalho, que ainda que chegue a

interessar a alguém, não poderia paga-lo.

Todas essas decisões são táticas, medidas que devem ser pensadas e

repensadas para cumprir de modo mais cabal nossa estratégia: que é

– nesse caso especifico – vender nossa produção constante e

Page 172: A ARTE DE VIVER DE ARTE

parceladamente.

A vida não é um sonho, até que possamos descansar sabendo que já

funcionamos profissionalmente. Duas das opções que temos em vista

são vender um pouquinho por mês, como vimos acima, ou vender de

uma só tacada um bom número de obras, uma vez ou, ao máximo,

duas vezes por ano. Para isso temos que organizar uma ou duas

exposições individuais por ano.

Pode-se exibir em uma galeria privada que tenha boa carteira de

clientes, ou em uma institucional onde teremos que vender por conta

própria. Mas também podemos exibir durante vários meses, logo que

separarmos outro tempo exclusivo para organizarmos o evento, depois

inaugurar com pompa e circunstância, para finalmente dedicar os dias

que dure a exposição a promovê-la e vendê-la.

Essa ultima opção tem sido a mais comum, começa, no entanto, a cair

em desuso, em parte porque nos obrigar a cuidar do dinheiro que

entra de repente e fazê-lo durar até a exposição seguinte. Com outras

palavras, exige de nós calcularmos o tempo e programar com prazos

mais largos.

Pode-se compreender que países mais civilizados que o nosso marcam

suas temporadas, a principio do ano para produzir, e no final para

expor, promover e vender.

Todos esses cálculos se baseiam em que, efetivamente, tenha clientela

que adquira nossa obra, o que quer dizer, que haja quem queira o

produto de nosso talento, ou ainda que @s artistas sejamos capazes

Page 173: A ARTE DE VIVER DE ARTE

de detectar quem goste de nossa obra. UUFFAA! A coisa, vista assim,

fica preta. É quando pensamos: melhor que outra pessoa se

encarregue de vender! Que preguiça!

Mas se já lemos até aqui, é porque já entendemos como ter nossos

assuntos sob o nosso controle: sabemos, por um lado, que temos que

contar com o ateliê, seu armazém e o escritório; arquivos e fichários

arrumados (entre os quais se encontram alguns nomes de clientes e

de noss@s amig@s do meio); por outro lado, sabemos que se deve ter

suficientes obras e que devem ser apresentadas de modo decoroso.

Finalmente, sabemos que é recomendável recrutar a@ namorad@,

amante, espos@ ou sobrinha do senhor que não sabe nada de arte,

para vender nosso trabalho em troca de uma comissão (essa sim,

previamente pactuada).

Ah, então tá bom!

Mas não! Não! Ainda faltam coisas: dada a cabeça dura do PP, que não

se deixa converter em PA com facilidade, dada a situação econômica

que atravessa o país (o país? O continente inteiro!), visto que vivemos

na querela que vivemos, a quem passaria pela cabeça vender só em

território nacional?

Não íamos viajar para outras cidades, outros países? Não é no

escritório que temos nosso computador e a conexão a rede, e sabemos

daquele edital da Argentina e aquele concurso no Japão? Então, o que

estamos esperando? O mundo inteiro é nosso, NÃO IMPORTA ONDE

ESTEJA NOSSO ATELIÊ.

Page 174: A ARTE DE VIVER DE ARTE

Voltemos ao ateliê, onde estamos a ponto de decidir que preços dar

ao que acumulamos. O sensato, na hora de decidir que preços dar aos

19 acrílicos e aos 60 desenhos de diversos tamanhos e à série de

xilogravuras que fizemos no mês anterior... E aos quinze modelinhos

em barro cozido que queimamos quando fomos a Minas Gerais, é com

papéis nas mãos listando as fichas técnicas – escrever o preço de cada

peça em uma etiqueta aderente e grudá-la atrás ou abaixo ou onde se

possa.

Com esta previsão economizamos intocáveis mortificações quando

alguém nos visite ou quando os das lojas ou da galeria venham ao

ateliê pegar as obras: já não haverá possibilidade de que pechinchem

o preço, que o esqueçamos ou erremos. Está por escrito, a etiqueta o

diz, esse é o preço definitivo. Ponto final.

Espera um pouquinho... Uma ultima lembrança: uma coisa é o preço

na obra e outra coisa é o custo da moldura... Ou a base da escultura,

ou o que seja. Claro, o incluímos ao calcular nossos preços, mas se por

casualidade alguém se atreve a pedir-nos um descontinho, então

podemos oferecer-lhe o desenho SEM moldura (mas já tinha dito isso

em algum lugar, né?).

Boa sorte!

Custos dos honorários

Nós artistas não podemos andar expondo nesta ou aquela instituição

gratuitamente, ou só porque dizem por ai que “nos convém”. Claro

que nos ajuda fazê-lo, mas a quem convém mais é à instituição, se

não, de que maneira justificaria seu trabalho aos funcionári@s? A nós

cabe cobrir os gastos mais pesados: criar as obras, emoldurá-las, às

Page 175: A ARTE DE VIVER DE ARTE

vezes até pagarmos o coquetel e a promoção. Isso é especialmente

ingrato quando se trata de obra não vendável, como instalações e

performances, que pelo geral apresentamos em espaços institucionais.

Qualquer instituição simplesmente se reduz a exercer um orçamento

fixo de antemão, nossa exposição simplesmente é acrescentada às

demais atividades que logo listam no relatório anual, esse sim muito

importante para as instituições.

O que é pior: ainda que um outro museu da capital comece a pagar

honorários aos artistas para expor suas instalações e performances em

seus espaços (como se costuma fazer em outros países), escassas

instituições públicas contemplam sequer a possibilidade de vender as

obras expostas em seus espaços (o estatuto não permite, costumam

sussurrar seus funcionári@s).

Possuem orçamento para pagar honorários do pessoal do teatro, da musica, da dança e a@s escritores/as por suas apresentações e conferencias. Além disso, cobram ingresso e vendem livros. Por acaso não mereceríamos o mesmo tratamento? Poderiam estabelecer, no pior dos casos, uma porcentual pela venda da obra, ou permitir a uma comissionista vender durante os dias que duram a exposição. A final de contas, tudo volta a depender de nos, @s artistas e de nossa capacidade de convencer a@s [email protected] a n@s mesmos.

Page 176: A ARTE DE VIVER DE ARTE

XV. EXPOR NO ATELIÊ (OU QUANDO QUER QUE SEJA)De como não necessitamos de galerias

se queremos expor quando quer que seja, á nossa vontade.

Expor no ateliê ou na galeria, eis a questão

A queixa mais comum d@s artistas que participam de meu seminário é

em relação a dificuldades que têm para exibir sua obra. Seu lamento

sempiterno é: “Ah, aqui em Lagoa do Bauzinho (ou onde for) não há

boas galerias”. Só posso responder o lógico: não há galerias boas ou

más. Só se pode distinguir entre as que vendem e as que não. O que

por acaso existe sim, é obras boas ou más... E nem isso, porque, o

que é bom e o que é mau? Como se mede a qualidade? A resposta à

falta de galerias e a sua qualidade está na definição das funções das

ditas empresas.

Uma galeria não é nem mais nem menos que uma loja, uma loja

privada de mercadoria artística, que vende o fruto de nosso trabalho.

Se @s proprietári@s de uma galeria vendem muitas obras, podemos

considerá-l@s bons empresário@s. Se não vendem, jogam casinha de

bonecas, simples assim. Como qualquer loja, uma galeria empresarial

oferece só o que apreciam, ou seja, seus don@s ou gerentes vendem

precisamente porque gostam da mercadoria com a qual mexem. Em

outras palavras: só venderão nossas obras se gostarem delas. Ponto.

A capacidade de qualquer uma dessas empresas que se queira

respeitar está logicamente limitada ao numero de artistas que seus

don@s podem gerenciar com soltura e facilidade, sem parecer-se a um

supermercado ou mercado das pulgas (também existem essas...)

Vender arte não é fácil, e “gerenciar uma obra” é ainda mais

complicado que a compra-e-venda de imóveis. Uma má galeria limita-

Page 177: A ARTE DE VIVER DE ARTE

se a aceitar obras que tragam ao seu estabelecimento, pendurá-las e

contar-lhe qualquer historieta à clientela incauta com o propósito de

ganhar uma comissão injusta. Ao contrario, uma boa galeria se

compenetra até onde lhes seja possível com a obra e a vida do artista,

assume suas propostas estéticas e acrescenta as próprias, para

desenhar sua estratégia de venda. Compactando o discurso de seus

artistas, o aplica no momento de abordar um cliente em potencial.

Consegue-se convence-l@, vende. Se não, tenta de novo.

A clientela de uma galeria se encontra de modo predominante no seio

sociocultural, entre os pares de seus don@s. Se @s clientes são

ignorantes ou se gostam só de paisagens, marinha e naturezas

mortas, a galeria lhes poderá vender isso e mais nada... A menos que

seu dono seja especialmente persuasivo em seus métodos e consiga

convencer suas amizades de ampliar seu panorama de gostos. Este

ultima é o que pode distinguir uma galeria de outras, porque além de

vender, chega a sensibilizar seus consumidores, educando-@s no

processo.

Muit@s de nos, por desconhecer a realidade, nunca vamos conseguir

ajustar-nos a essa e caminhamos envolvidos em uma nevoa de sonhos

caipiras. Desanimamos-nos com demasiada facilidade quando somos

rejeitados pel@s don@s de uma galeria, quando segundo eles nosso

trabalho “não é bom”. O que na realidade está dizendo é que, bom ou

mal, nossa obra não é do agrado a sua galeria nem a sua freguesia,

nada mais. Em vez de nos sentirmos rejeitad@s pelo mundo, devemos

tomar suas opiniões com uma medida de cepticismo, e levar nossos

port-fólios a outros lugares, mesmo que selecionamos exclusivamente

porque gerenciam obras parecidas à natureza da nossa.

Page 178: A ARTE DE VIVER DE ARTE

Nunca se pode esquecer que, no fundo, uma galeria é só um espaço

de quatro paredes que alguém habilitou com carpete e luzes para

expor. Todo o resto, sua capacidade para promover sua mercadoria,

para cuidar de seus provedores (nos), para publicar inaugurações,

para telefonar a contatos em museus, para vender, dependera do nível

de operacional d@s don@s. A maior parte das pessoas que abre

galerias, por aqui e por acolá, as fecha em um par de anos

simplesmente porque não soube fazer de sua galeria uma empresa

operativa.

A realidade é que há uma severa escassez de espaços de galeria e,

mais ainda, de pessoas com o cacife financeiro e os conhecimentos

necessários para gerenciá-los. Consequentemente, mais e mais

artistas voltam a tomar os hábitos de sempre, e regressam ao milenar

costume de expor a produção em seu lugar de trabalho.

Substituir a galeria é simples

A vida é tão simples quando aplicamos o senso comum: se por acaso

este livro nos serviu para alguma coisa, se já conseguimos nos

organizar ainda que fosse a uns 25%, estamos já em possibilidade de

satisfazer a necessidade de exibir e vender para substituir a galeria

com nosso ateliê, ou temporariamente com um espaço emprestado.

Os passos a serem dados são:

1. Habilitar o espaço (seja nosso ateliê ou um temporário);

2. Programar as operações necessárias (capítulo III);

3. Reunir as obras e enquadrá-las;

4. Examinar as finanças (cap. I, IV, e X.III);

Page 179: A ARTE DE VIVER DE ARTE

5. Adaptar nosso ateliê, casa ou lugar onde será realizada a exposição

(cap. II);

6. Resolver a apresentação das obras (sentido comum);

7. Anunciar e/o promover o evento (cap. IV, VII e IX)

7.1 convite, catálogo e/ou cartaz (cap. IX),

7.2 Fazer boletim (cap. IV e IX),

7.3 Preparar a noite inaugural (senso comum);

8. Inaugurar (senso festeiro)

9. Presença na mostra até, e depois do encerramento (cap. IV, IX e

XIII)

9.1 Organizar eventos enquanto durar a mostra (cap. III , IV e IX),

9.2 Liquidar comissões (senso comum);

10. Programar novos lugares para expor a mesma mostra ou o que

ficar dessa (cap. III, IV e IX).

Cada um dos passos necessários para a organização com sucesso de

uma mostra está claro. Todos se sustentam no que temos estudado ao

longo deste manual. Não há nada que nos empeça de levar a cabo

esta ou qualquer ação que eu tenha proposto, salvo pelas inibições

que cada um guarda em seu coração. Saberão os deuses por quais

motivos (porque razoes não tem não).

Certamente é muito difícil desfazermos de mil e um preconceitos que

se tem formado inculcados desde que somos pequen@s. Acreditar, por

exemplo, que se não exibimos em uma galeria “famosa” não o

faremos pelo mundo afora, impedirá que organize as nossas próprias

exibições onde, na realidade, é melhor para n@s mesm@s. Acreditar

que @s critic@s não visitam exposições se não em museus e galerias é

uma falácia. Acreditar que o preço de nossas obras seja determinado

Page 180: A ARTE DE VIVER DE ARTE

pelas forças desconhecidas de algum lugar do Olímpio artístico,

impedirá que coloquemos preços justos, concordes com as nossas

necessidades. Acreditar que a freguesia prefira comprar em lugares

elegantes, ao invés de um ateliê... Trata-se só disso, de crenças, tão

infundadas como qualquer superstição.

Retomo as palavras da introdução deste livro: sempre tá um sujo para

um mal lavado. Sempre é possível viver da arte de maneira exclusiva!

Basta assumir que a profissão que escolhemos, a de artista visual, não

é incomum nem envergonhante, nem coisa de outro mundo. Produzir

e viver das artes é, simplesmente, indispensáveis para a sobrevivência

humana.

Page 181: A ARTE DE VIVER DE ARTE

ANEXOS

O VALOR DA ARTE CONTEMPORÂNEA

Paula Mastroberti

Li, em 1996, um livro cujo teor reacionário, apesar de generalizar e

salientar apenas os aspectos negativos da arte pós-moderna,

idealizando as expressões artísticas que lhe precedem, ainda assim

oferece uma pertinente e corajosa reflexão sobre os bastidores do

meio artístico em suas diferentes instâncias. Cultura ou Lixo (1996,

Civilização Brasileira, 256 págs.), de James Gardner, com tradução de

Fausto Wolff. Afinal, ele desnuda muito da arbitrariedade desmedida,

da hipocrisia e do jogo de vaidades que regem este mundinho maluco

do qual muitos artistas são, consciente ou inconscientemente,

cúmplices.

As denúncias de James Gardner sobre a mediocridade mal-disfarçada

que há por trás de certas expressões artísticas dos últimos vinte anos,

apesar de amargas, foram úteis na compreensão de como qualquer

juízo de valor, desde que Foucault e sua tribo gritaram aos quatro

ventos o fim das ideologias totalitárias, havia se tornado precário,

dependente de critérios e interesses subjetivos. O que, no caso da

arte, significa dizer: dependente da maneira como ela é experienciada,

do grau de seriedade e de responsabilidade com todos os envolvidos

se posicionam, para que uma obra de arte mereça ser denominada

Page 182: A ARTE DE VIVER DE ARTE

como tal.

Não que o objeto-arte não tenha valor em si mesmo. Eu acredito que

sim, que ele pode conter e agregar sobre si informações importantes,

cuja leitura sempre rica apenas variará conforme a época ou do

contexto em que for analisado. Algumas obras (e, por favor, quero

incluir qualquer forma de expressão humana, literatura, música, etc.)

certamente preencherão requisitos para uma leitura mais perene e

universal do que outras. Paradoxalmente, parece que toda vez que

insistimos em determinar regras para estes valores, ou toda vez que

um artista pensa ter inventado uma fórmula que conduza uma obra a

este patamar, a coisa não funciona e se banaliza.

Há sempre certa polêmica envolvida no que se refere ao valor da arte

– principalmente da arte contemporânea. Tanto quanto a polêmica

(esta mais danada) sobre o que ela significa e qual a sua função. Há

sempre tentativas absurdas de reduzir a arte a um mero objeto

utilitário e, como tal, sujeito às regras capitalistas que abarcam

qualquer produto criado para ser consumido.

Ou ainda, tentativas no sentido contrário: a verdadeira arte não pode

ser útil e não se consome – ponto final. Fica a questão: A arte tem

valor de consumo? Ou não?

Ante esta provocação difícil, cuja resposta requereria que citássemos

uma penca de filósofos dedicados ao assunto, eu gostaria de começar

pelo princípio do fenômeno e sua fonte, ou seja, pelo próprio homem,

que é quem a produz e para a qual ela se volta.

Pois a diferença está aí. Na fonte. Na verdade, o modo como se

Page 183: A ARTE DE VIVER DE ARTE

consome, circula ou se gerencia o objeto-arte pouco tem a ver com o

sentido de valorizá-lo enquanto arte-autêntica (notem que eu liguei

por um hífen as duas palavras). A autenticidade já nasce agregada ao

próprio processo criativo do artista. Ou, como pretendo dizer: ela já

nasce arte-autêntica – ou embuste, trapaça, picaretagem, chamem

como quiserem – lá no estúdio, em seu protótipo, antes de concluída.

Se o artista realmente comprometido com seu labor falha, ou é bem-

sucedido, ele o saberá imediatamente – esta que é a verdade. O resto,

marchands, curadores, críticos (e os há?), vão contribuir apenas com

um glacê que pode encobrir um bolo ruim ou muito gostoso.

O mercado de arte tem suas modas, é bom que se diga. Quando eu

comecei, a pintura estava em alta, principalmente a pintura-pastiche,

ou neo-expressionista, como a dos alemães. Hoje a moda é outra, a

pintura aparentemente caiu, outros materiais e linguagens subiram,

mas nada disso determina o que é bom ou ruim de fato. Tanto em

termos de investimento quanto de valor estético ou poético. Quem

segue modismos geralmente é quem não entende nada, e obedece

dieritinho às orientações do arquiteto (bem comissionado por um

galerista) ao decorar a sua fantástica cobertura com peças de última

linha pra exibir aos amigos (e quanto mais esfíngicas, maior o

impacto). O que não quer dizer que ele acabe comprando uma obra

ruim. Quem sabe?

Artistas iniciantes sempre são uma promessa. Que podem não se

cumprir. Aposta quem tem olho profético. Ou quem tem menos

dinheiro. Artistas já consagrados – bem, aí já temos outra história.

Que merece ser contada.

Entende-se por Artistas consagrados aqueles que já têm por aí uns dez

Page 184: A ARTE DE VIVER DE ARTE

anos pra mais de carreira, os que foram aprovados após cumprirem o

percurso necessário para sua promoção profissional, a saber: um bom

número de mostras individuais em galerias de destaque, seleção em

salões institucionais, prêmios de importância reconhecida, alguma

bienal (qualquer uma, desde que tenha esta palavra escrita no

currículo), quem sabe uma pós-graduação em alguma área de poética

visual (com bolsa-residência no exterior), acervo em galerias e

museus, catálogo com textos em jargão acadêmico intraduzível etc.

Então o investidor vê todo aquele dossiê e pensa: estou seguro. O

marchand garante. O curador abaliza. Até o jornal, que geralmente

não dá mais que uma notinha sobre artes plásticas, já fez o cara

merecer pelo menos meia-página no caderno de cultura. Ele compra.

Fez uma boa compra? Quem sabe?

Artistas consagrados são certamente seguros, pra quem vê a arte

como um objeto de investimento capital. Artistas consagrados têm a

garantia da consolidação de suas carreiras. É provável que continuem

a aumentar seus currículos, a produzir até o fim de suas vidas coisas

boas e às vezes nem tanto (Artistas consagrados também falham,

também sucumbem às modas, patinando num mesmo estilo, o que

pode desvalorizá-lo no futuro). Entretanto, o sistema assegura,

através da palavra de curadores, críticos e marchands, e o investidor

arrisca. Simples assim. Como a bolsa de valores, como uma aplicação

financeira. E agora chegamos a outra ponta. A questão é: quando

desejamos um objeto de arte, o desejamos com que intenção?

Notaram que eu usei dois vocábulos para definir o interessado em

arte? Consumidor e investidor. A princípio, quem compra arte é um ou

outro, ou os dois juntos. Há, entretanto, uma diferença sutil entre

eles: o consumidor aparentemente compra para decorar a sala de

Page 185: A ARTE DE VIVER DE ARTE

estar; o investidor aparentemente inicia uma coleção para ganhar

dinheiro. Nenhum dos dois está errado. Porque a arte não pode ser

destinada a enfeitar o espaço residencial ou a ante-sala de um

consultório, afinal de contas? E porque não haveria de ser um bom

investimento? O mercado de arte é um dos mais valorizados no

mundo, cujas cifras podem atingir bilhões.

Ambos, consumidor e investidor, compram arte com intenções

diversas, porém ambos podem ter ainda uma segunda, mas não

menos importante intenção, a do colecionador – o que compra arte

pela fruição estética. E é aí que a cobra fuma. Voltando ao nosso

princípio:

qualquer obra de arte será tanto mais autêntica e pontual se tiver

aplicados sobre si conceitos tanto mais profundos e universais acerca

da visão de mundo de quem a cria, e se exprimir estes conceitos

através de uma linguagem tanto mais bem elaborada, clara e precisa.

Independente de modismos, do que quer que digam os críticos e os

curadores, o sistema e o mercado, esta obra já nasceu carregada de

auto-estima pela própria mão do artista profundamente comprometido

com as questões do fazer artístico e, se não cair no ostracismo

destruidor de um depósito qualquer, é bem possível que brilhe

independente de quaisquer previsões ou circunstâncias.

Tudo muito bonito. Mas estamos falando de sistemas, e os sistemas,

em nome da consagração de certos padrões, são obrigados a rejeitar

outros. Em geral, tudo o que se produz visando cumprir padrões,

tende ao superficial e imediato. O colecionador de arte, se está em

busca da arte-autêntica ou de uma arte que preencha quesitos mais

exigentes, terá, portanto, que estar atento não só ao que o marchand

Page 186: A ARTE DE VIVER DE ARTE

ou curador lhe diz, ou o tamanho do currículo parece provar, mas

sobretudo à pessoa do artista – ele deve investigá-lo bem. Todo

aquele que se pretende um connaisseur deve educar-se e ao seu olhar

(e quanto mais cedo começar, melhor). Intuição vale mais do que a

razão, na maioria dos casos. Mas esta intuição só vale se instruída

pela educação e a convivência com o meio.

Afinal, a arte-autêntica está também presente no mercado de arte (e

porque não estaria? Há mercadoria para todas as necessidades e

gostos.). Seu canto-de-sereia, contudo, é mais sutil, complexo, e

requer uma atitude contemplativa demorada, perscrutadora. Às vezes

pode ser levada para casa, às vezes terá efeito temporário ou volátil,

só podendo ser apreciada no local onde se instalou.

O que se quer dizer aqui é que não se pode esperar que o sistema de

arte determine o valor absoluto de uma obra, seja ela pintura,

instalação, ou um site-specific. O sistema está estruturado sobre

padrões estéticos transitórios (circunstanciado pela axiologia do

momento), interesses mercadológicos e é em nome destes valores que

julga o que é arte ou o que não é. Exigir que o mercado de arte atue

de forma puritana e idealista é um absurdo tão grande quanto querer

o mesmo do supermercado onde você faz as compras ou mesmo do

editorial ou do fonográfico, que, em sua maioria, também vende e

consagra enorme quantidade de lixo.

Como um bom livro, ou uma boa música, que recebe maior ou menor

aclamação mediante nossa sensibilidade e preparo intelectual, assim

também é com a obra de arte. Feliz ou infelizmente, meu caro leitor,

cabe exclusivamente a você, consumidor, investidor ou colecionador,

Page 187: A ARTE DE VIVER DE ARTE

visitante ocasional de museus e galerias, exercitar-se o máximo

possível a fim de não se sujeitar ingenuamente ao que querem lhe

impor.

Neste momento, a escala de valores mais importantes é a sua, e é

com base nela que você deve ir atrás do que deseja. Boa sorte.

©® 2006 Paula Mastroberti, artista plástica e escritora www.mastroberti.art.br

AnexosBreve e concisa tipificação de galerias.

Onde se entende como publico ativo @os que podem adquirir, e o

passivo @os que se limitam a contemplar

Tradução: Sol Abadi

É possível que alguém, em algum lugar, tenha escrito um texto que

recolha a historia da Galeria como instituição no Ocidente. Se existir,

eu desconheço. Desconheço também de texto algum que classifique os

diferentes tipos de galerias que tem surgido desde que se

institucionalizou este conceito empresarial. Do que eu tenho certeza é

que não tem um único estudo sistemático que trate, em concreto, das

galerias mexicanas, nem da sua historia e desenvolvimento, nem das

repercussões que tiveram e tem na plástica deste país.

No referente ao mercado mundial da arte, podemos ler diariamente de

leiloes internacionais, lavado de dinheiro, oscilações de preço sem

muita explicação, mega-investimentos para construir novos museus,

roubos, seguros e polícias especializadas. Pela sua magnitude, é difícil

calcular a quantidade de dinheiro envolvida neste setor.

Page 188: A ARTE DE VIVER DE ARTE

Nem México, nem Brasil não éstao à margem deste fenômeno. O

desenvolvimento de nossa economia assim como os desafios aos quais

nos enfrentamos exigem uma investigação sobre o funcionamento das

galerias que funcionam na América Latina, para analisar o fenômeno e

regular as relações com a nossa sociedade.

No momento, tentarei uma aproximação ao assunto. Advirto-lhes que

não sendo um investigador na matéria, minhas observações são

absolutamente empíricas. Baseiam-se exclusivamente nos meus

conhecimentos e experiências como artista (como se isto não

bastasse…), me impulsiona o afã de estimular o debate em torno ao

assunto, que considero de máxima importância, justo agora, quando

coincidem por um lado, os esforços “modernizadores” com os que os

estados em Latino-América descartam o histórico modelo de apoio â

cultura, e com a responsabilidade que começam a assumir, para bem

ou para mal, os setorer mais privilegiados de nossas sociedades, a

chamada “iniciativa privada”, tanto na forma de possíveis clientes

como a través da filantropia.

Encerro este ensaio com uma listagem dos diferentes tipos de galerias

que operam na atualidade em nossos âmbitos.

1

Do Palácio a periferia

Praticamente desde que o homem deixou de ser nômade, o acesso e o

desfrute da alta cultura se estabeleceu como um direito outorgado por

deus e privilegio exclusivo de todas as pequenas e grandes teocracias

e monarquias. Esta muito especial relação entre o artesão (ou o

artista) e o poderoso e sua corte nunca precisou de intermediários

Page 189: A ARTE DE VIVER DE ARTE

especializados.

O intermediário surge só depois da Revolução Francesa.

Chefes, caciques, duques, reis, czares, paxás, imperadores, faraós,

bispos, papas, tlatoanis, regentes e presidentes, todos competiram

entre si para deleitar sua existência com o talento dos mais

destacados criadores de seus tempos, próprios ou estrangeiros.

Num processo de seleção natural, os mais importantes músicos e

compositores, os mais requintados ourives, poetas e bardos mais

hábeis, os melhores bufões e trovadores, os dramaturgos, pintores e

escultores, passavam a formar parte da corte – às vezes durante toda

a vida- para entreter a seus soberanos, interpretar as crenças de seus

súditos e imortalizar a passagem de seus amos por este mundo.

Certamente, tiveram que elaborar loas aos deuses e césares, mas

graças à tranqüilidade em que viveram, albergados nos claustros ou

palácios, protegidos pelos poderosos senhores – ou com freqüência,

pelas consortes destes – aqueles criadores também traduziram as

visões cósmicas de seu tempo. Neste processo, refinaram suas

habilidades e conhecimentos para retransmiti-los às gerações

posteriores, legitimando desta forma o poder.

A relação entre o mecenas e o artista foi invariavelmente direta e

pessoal. O soberano ordenava e o artesão executava. Dificilmente

poderemos fazer justiça ao papel que de forma tão calada

desempenhou e continua desempenhando a esposa (ou a amante) do

grande patrão.

Foi somente na metade do século XIX, na França, que surge e adquire

carta de naturalização a Galeria, instancia distribuidora de obras de

arte, empresa privada que oferece sua mercadoria a um público

seleto. (Não deixa de ser um dado curioso porém significativo o fato

Page 190: A ARTE DE VIVER DE ARTE

de que isto acontecera pouco mais de duzentos anos depois do

surgimento de aquela outra grande instituição distribuidora do saber

humano, a Livraria.)

O nascimento da galeria deve ser visto como conseqüência lógica dos

processos sociais na Europa, onde as mudanças de ordem econômica

se traduzem numa gradual redução dos poderes monárquicos e no

crescimento das classes medias. As mudanças se refletem fielmente

na produção cultural. Começam também a se desmoronar os

mecanismos de mecenato tradicionais que apoiavam e estimulavam as

belas artes.

A ascensão da classe media não ocorre de forma homogênea, mas de

forma estratificada. Seus setores mais vorazes procuram adquirir um

refinamento social para se legitimar perante seus pares e por cima de

seus congêneres menos afortunados. Alguns (os menos) o fazem com

o autentico intuito de enriquecer sua existência, mas a maioria dos

que começam a comprar, nada seguros do lugar que ocupam nas

novas hierarquias sociais, se limita a emular os ritos cortesãos das

aristocracias que se desmoronam. (Se tudo isto nos resulta familiar

nos dias de hoje, não será por mera coincidência…)

Com o objetivo de elevar o status social, os novos compradores de

objetos de arte se apropriam, antes de qualquer coisa, dos aspectos

cerimoniais da alta cultura, que tão bem serviram a velha ordem para

manter seus privilégios.

O poder se impõe mais quando mais se cerca de pompa e

circunstancia e o luxo de todo cortesão consiste em aproveitar o ócio

para inventar coreografias sociais, eventos que também podem ser

considerados rituais de afirmação. As artes não ficam excluídas deste

processo.

A incipiente democracia na Europa exige novas ordens hierárquicas na

Page 191: A ARTE DE VIVER DE ARTE

sociedade. Quando os homens ambiciosos percebem que já não é

necessária uma unção divina para aceder ao poder absoluto, mas que

é possível fazê-lo pelas vias econômicas, palmo a palmo, tostão por

tostão, muda a natureza das subordinações: o europeu aprende a

inserta-las nos novos discursos do momento.

Os novos capitais gerados em base a mais-valia não podem porém

funcionar como os antigos, que se alimentavam dos saqueios vis e do

tributo direto. Pela sua própria mentalidade, o mercador e o monarca

gastam de formas diferentes. Por este motivo se estabelecem novas

relações sociais, onde o dinheiro muda de mão de maneiras novas.

Como conseqüência disto, na produção e em especial, em seus

conteúdos, as artes delataram de forma direta os efeitos de todas

estas transformações. Aos grandes temas do passado se somam um

sem-número de novidades. Na pintura dos Países Baixos, por exemplo,

surge um costumbrismo que retrata as feições simples de simples

mercadores e anônimos camponeses, ou a caipira hospitalidade da

taverna, com a qual se celebra a origem humilde dos novos barões,

com a secularização da vida da cúpula social, aparecem a natureza-

morta e o fogão. (século XVI); enquanto nos lugares mais cálidos da

Europa o paisagismo, especialmente o urbano, cobra vigência como

gênero.

Não devemos esquecer – e isto é muito importante- que naquela

época não tinha sido inventada a câmara fotográfica, razão pela qual

os artistas eram os únicos capazes de criar imagens.

A democratização dos temas, observa John Berger em “Modos de ver”

é o fiel reflexo da origem modesta dos novos patrocinadores das artes,

que daqui para frente se verão permeadas por este pragmatismo.

Ao mesmo tempo em que a arquitetura se transforma para servir ao

Page 192: A ARTE DE VIVER DE ARTE

novo homo urbis, se “democratizam” também as artes e se modificam

de forma substancial os rituais que a cercam. Se antes o artista

residente produzia em troca de um teto, sustento e proteção, agora

será obrigado a negociar pela sua existência de forma diferente, e de

vender seu trabalho, obra por obra. Se antes sua produção se

albergou em templos, castelos e palácios (lugares que tinham sido de

caráter público, ou ao menos semipúblico), agora, necessariamente,

terá que inventar novos espaços onde colocar sua produção, já que os

das residências e palacetes burgueses le resultam por demais íntimos.

Surge então o conceito de museu, que levará um bom tempo em

adquirir as características que possui hoje em dia.

Relações simbiôticas

Mesmo que existiram clérigos, monarcas e mercadores que são

lembrados pela sua sensibilidade e cultura, o poder e a prosperidade

econômica nunca foram, infelizmente, sinônimo de intelectos

refinados. Os novos barões do comercio e da indústria sabiam muito

pouco das questões do pensamento e da alma. A aquisição de bens

artísticos dependeu mais de sua astúcia que de seus conhecimentos

em matéria de cultura. A pesar disso, toda classe de objetos de arte

finamente elaborados por mestres artesões e consumados pintores e

escultores, começaram a preencher as novas mansões de campo e os

palacetes da cidade da classe media alta emergente; e frente à

necessidade de contar com conselho e assessoria, surge o lógico:

aparece em cena, à direita do poderoso comprador, os obrigatórios

cognoscenti , gente que se erige como experta em questões de arte.

Rapidamente será difícil prescindir destes intermediários e muito

pronto também, suas funções se especializarão; mas mesmo que se

bifurquem, nunca deixarão de se complementar: de um lado, se

Page 193: A ARTE DE VIVER DE ARTE

desenvolverá a crítica da arte, e do outro surgirá o marchand de arte .

Convém destacar aqui algo pouco estudado: a profissão de crítico

surge e é capaz de crescer como conseqüência direta do

desenvolvimento em matéria de impressão e reprodução dentro da

industria editorial, em meados do século XVII. Estes avanços, somados

ao gradual incremento da produção do papel, permitiram que a

incipiente imprensa informativa também se ramificara e se

especializara. Nasceram revistas e folhetins de caráter cultural que

procuravam sua freguesia dentro de certos setores da pequena

burguesia, e que publicavam a produção literária de escritores que

faziam a crônica que depois desembocaria na crítica. È este fenômeno,

de fato, o que conduz ao nascimento do que hoje chamamos Historia

da Arte. São os textos de crônica e depois os de opinião, os que

constituem os fundamentos desta, até então inédita disciplina.

O que nos interessa aqui é também que em muito pouco tempo, os

escritos destes novos especialistas se convertem no apoio

imprescindível que fortalece aos corretores de um mercado que, em

menos de cem anos, adquirirá proporções descomunais. São estes

últimos, os corretores, os que preencherão os vazios deixados pelo

desaparecimento dos mecenatos monárquicos. O que daqui pra frente

levara o pão nosso de cada dia à boca dos artistas e estimulara o

desenvolvimento da arte, é a incansável, mas nunca desinteressada

tarefa do marchand (dealer). Em sua função de intermediário, este

aprende a cobrar os serviços prestados: ao cliente ele cobra o

conselho, e ao artista, a comissão sobre o que foi vendido.

Não demora o marchand em descobrir que para que a arte lhe

proporcione maiores rendimentos, ela tem que ser vista, não como

parte de um processo lógico dentro da estrutura social, ou seja, como

um diálogo vivo, porém como algo fora do comum e principalmente

Page 194: A ARTE DE VIVER DE ARTE

alheio aos simples mortais. Teve que se criar uma demanda especial,

pelo que se envolveu ao artista numa áurea de mistério, cheio de

anedotas e mitos para encarecer a obra de arte e de alguma forma,

compensar a ignorância do mercado. A maioria das lendas negras que

até os dias de hoje cercam aos “poetas malditos” e aos “pintores

boêmios”, principalmente aquelas que tipificam o artista como um ser

introvertido e anti-social, como um psicopata genial, se gestaram a

princípios do século XIX. Hoje em dia chamamos este processo de

mercadologia (ou marketing).

No seu inicio, a natureza desta nova instituição mercantil chamada

galeria foi de ordem eminentemente parasitária: os mercadores

começaram lidando com antiguidades, quer dizer, objetos produzidos

por artesões e artistas já falecidos, açambarcando em algumas

ocasiões, para depois vende-los, não necessariamente como obras de

arte (o objet d’art antes da obra, a oeuvre d’art). Fieis ás leis da oferta

e da demanda, os marchands legitimavam o preço dos objetos com

base ao pedigree dos mesmos, quer dizer, em função da estirpe e

importância social de seus anteriores donos.

No que diz respeito á obra de artistas vivos, esta começou a entrar no

mercado com o aval dos expertos, ao receber certificação de qualidade

nos vernissages anuais das também novas academias. Logo mais, este

trânsito da academia a tertúlia social beneficia aos corretores de tal

forma que eles decidem abrir seus próprios centros de reunião, lugares

que eles chamaram “galerias”, espaços onde se desenvolverá um novo

universo social e econômico.

No final do século XIX, diz Aaron Sharf , o costume de visitar galerias

rendia tanto que só em Paris, a compra e venda de obras superavam

os 2.500 objetos por ano.

O mercado de arte continua crescendo, sempre atento as mesmas

Page 195: A ARTE DE VIVER DE ARTE

normas operacionais e principalmente, as mesmas regras básicas da

oferta e da procura que animam os mercados de qualquer produto.

Porém, o fato de que no mercado de arte a procura se apóia – ou é

criada- em base às necessidades espirituais, transforma à questão da

procura num assunto muito delicado de determinar. A incógnita é:

Quem procura e por quê?

Será essencial, então que a gente entenda as relações simbióticas que

se estabelecem entre o marchand e o outro grande intermediário, o

crítico, já que é nesta relação que se encontra a clave de como se cria

e se cultiva esta procura.

A medida em que a produção de arte responde ao crescimento do

mercado e os novos conteúdos da obra de arte se ajustam aos gostos

e expectativas dos compradores, cresce o papel do crítico que assume,

cada vez mais, a tarefa exclusiva de interpretar, e principalmente de

avalizar o objeto artístico. Por sua parte o marchand ficará imbuído de

valora-lo e distribui-lo.

As mudanças também ocorrerão em maior velocidade ao se afirmar o

hábito de consumo: aumenta o número de compradores e cresce o

número de artistas fornecedores. Da mesma forma, o mercado refina

suas regras do jogo. Duas destas serão mantidas como condição sine

qua non até os dias de hoje, a da assinatura de certificação do

artista sobre o objeto criado, e a da durabilidade dos materiais

usados para fabricar uma obra: quanto maior o investimento, mais

tempo devera perdurar a singular aquisição única. Como dote, fiança

ou herança, sempre será um capital ativo.

-II-

Como meu objetivo é oferecer aos galeristas que estudem este livro

Page 196: A ARTE DE VIVER DE ARTE

uma análise aproximado do sistema galerístico que determina o

consumo atual da arte, será necessário também classificar o publico e

dividi-lo entre os que têm possibilidades de compra e os que não a

possuem. Howard Becker os define, grosso modo, como público ativo e

publico passivo, entendendo aos primeiros os que compram objetos de

arte visitando galerias, e os segundos como os que contemplam a arte

visitando museus. Este último representa a grande maioria da

população, enquanto o primeiro grupo representa o sector com

capacidade aquisitiva, que é uma ínfima minoria.

Nestor Garcia Canclini começou uma tarefa- visivelmente interminável-

de analisar as relações que existem entre o público mexicano e nossos

museus: o que é um museu, como surge, como é que se sustenta,

quem determina suas políticas y ao serviço de quem ele está. Eu

insisto: falta agora quem se dedique a estudar profundamente o

galerismo.

A pesar da galeria como instituição que condiciona a estética de

ocidente ter nascido na Europa e ter criado suas raízes em Paris, não

foi ali onde adquire seu atual poderio, porém nos Estados Unidos, a

partir do fim da segunda guerra mundial, após uma serie de brilhantes

golpes de mercado dado pelos galeristas e críticos de Nova York, em

estreita cumplicidade com o Departamento de Estado Americano.

É o modelo norte-americano o que desde aquela época, tem

determinado o perfil do mercado mundial, o qual consiste numa

complexa rede de sistemas e subsistemas ligados entre si de maneira

informal. O que da consistência a esta rede de interdependências é

uma imprensa especializada ubíqua e inalterável: basta consultar os

catálogos e revistas de arte produzidos nos EUA, Alemanha, Japão,

Inglaterra, Itália e França para compreender a natureza desta relação.

A flexibilidade do sistema é tal que permite e até incentiva a existência

Page 197: A ARTE DE VIVER DE ARTE

de subsistemas que servem de plataformas de lançamento, ou como

filtros de obra ou de tendências que de encontrar aceitação, logo serão

consumidas nas metrópoles.

Em sua essência, os mecanismos de compra e venta de arte mudaram

muito pouco nestes dois séculos e meio. Mesmo assim, para que a

galeria possa sobreviver em diferentes latitudes, dentro de sistemas

legais e em diferentes momentos, o comercio teve que se adaptar.

Hoje ele oferece toda uma serie de variações dignas de atenção

especial.

Nos últimos cinqüenta ou sessenta anos se configuraram diferentes

tipos de galeria, projetos embrionários destinados alguns a

desaparecer, outros a continuar a sua transformação, num processo

que tem tudo a ver com o contexto socioeconômico: não é difícil – si

observamos as galerias com atenção- reconhecer as diferenças que

existem entre as que funcionam dentro de uma economia privada,

uma mista e uma de estado.

A galeria se estabelece da mesma forma em sociedades muito

desenvolvidas como nas sociedades em total subdesenvolvimento. A

galeria privada e/ou corporativa prospera nos dois casos, já que o

perfil de sua freguesia é o mesmo. A única diferença é que o nível

cultural do publico comprador em sociedades desenvolvidas é

qualitativamente superior à dos compradores das sociedades

subdesenvolvidas. É em países atrasados e sem infraestrutura onde

surge um perigo real: é comum que o critério da galeria privada se

erija como reitor único da estética do momento, influindo nas

estratégias do setor público.

-III-

Page 198: A ARTE DE VIVER DE ARTE

Na atualidade, as sociedades na América Latina, em fast-track em

direção a sua modernização, parecem condenadas a seguir o modelo

norte-americano de forma exclusiva. Tudo indica que este processo

está afetando, de forma direta e muito profunda, o desenvolvimento

de nossas culturas. As mudanças de fundo que se percebem nos

obrigam a levar a serio, entre outros assuntos, o da galeria: apesar do

aumento gradativo que tem tido nas suas vendas e que representa o

ingresso de maiores divisas para o país, será imperativo vigiar de

perto o seu desenvolvimento conceitual, principalmente agora que

assumem -no México- um grupo de funcionários aos quais a cidadania

lhes exigirá uma prestação de contas.

Será necessário, por exemplo, pressionar pra que os governos criem

os mecanismos necessários, de defesa e de ataque, para nos

assegurar a saúde de nosso mercado de arte; o que em resumo

significa zelar pela saúde no trato entre artistas, compradores e

intermediários. As ações que deverão realizar os funcionários no poder

terão que conter desde a legislação impositiva (impostos) até o apoio

a um desenvolvimento descentralizado da produção artística. Isto

deverá ser assunto de prioridade se queremos evitar ser arrastados,

sem eira nem beira, ao maëlstrom da maquina das artes.

A única esperança que existe de contra arrestar esta tendência fica em

mãos do próprio grêmio e, talvez, de estudiosos independentes. Para

isso, comparemos o desenvolvimento que tiveram as artes plásticas no

México e nos estados Unidos. Vejamos primeiro nos Estados Unidos:

Após as primeiras décadas de nosso século, a produção plástica dos

EEUU (assim como a do resto do continente americano0 tinha sido

considerada como um provinciano remedo do que se produzia na

Europa). Apenas se s mostravam as obras de artistas norte-

americanos em seus museus, que eram poucos. Desde sua relativa

Page 199: A ARTE DE VIVER DE ARTE

modéstia, os artistas norte-americanos não tinham presença no

mercado internacional; vendiam somente a seus conterrâneos.

Foi talvez depois da famosa exibição da nova plástica européia no

Armory (que incluiu o polêmico Desnudo descendo as escadas de

Duchamp) que os norte-americanos, fortemente estimulados pela

inovadora desobediência, começaram a assumir uma atitude que hoje

poderíamos considerar como nacionalismo estético. A mostra

precipitou o surgimento de uma arte que com o tempo, seria

identificada como nitidamente norte-americana.

O vigor da resposta foi ta grande que a crítica teve que tomá-la como

referência, e com isso se marco a pauta: dealers e galeristas se

dedicaram a fortalecer o mercado nacional e a procurar novos clientes

na Europa. O mercado europeu, continuamente interrompido pelos

conflitos internos, foi decaindo e em meados deste século, já quase

não prevalecia como fator determinante no discurso estético de

Ocidente.

A galeria norte-americana, com todo o apóio de seus críticos e dos

meios de comunicação, começou a pontificar. A galeria européia tinha

cimentado o colecionismo nos EUU. A galeria norte-americana se

encarregaria de erigir o resto da construção.

Os museus norte-americanos funcionam de maneira muito diferente

aos mexicanos. Nos EEUU, o museu é, quase sem exceção, um

organismo sem fins de lucro que nasce por iniciativa do setor privado.

A pesar de receber verbas públicas, se sustenta graças às doações de

seus patrocinadores, que são ao mesmo tempo seus conselheiros.

Poderosos empresários a maioria, esses conselheiros são donos, quase

todos, de importantes coleções de obras de arte que adquiriram,

precisamente em galerias. Oferecendo respeitáveis descontos, um

fisco sagaz estimula (ou estimulou) a doação de coleções aos museus.

Page 200: A ARTE DE VIVER DE ARTE

Quanto melhor consiga o colecionador avaliar sua coleção, maior será

o seu valor de mercado e maior será a sua isenção fiscal. Por isso que

é tão determinante a ingerência nas políticas dos museus que tem, ou

procuram ter, as galerias e seus clientes, os patrocinadores dos

museus.

Outro aspecto determinante tem a ver com os processos de seleção

que aplicam os setores pudentes a seus fornecedores, no caso, os

artistas. As galerias norte-americanas, sempre a procura de nova

mercadoria, dependem muito das academias de arte. Na sua maioria

particular, estas escolas capacitam na atualidade uma media de

40.000 formandos anualmente, que concorrem ferozmente uns com os

outros.Todos estes esperançosos e ambiciosos jovens são ensinados

que a única forma de atingir o mercado é através da galeria. Sabem

que esta os conduzirá, com o apoio da crítica e da imprensa

especializada, aos compradores e daí ao museu. O acesso à sociedade,

ao grande público passivo é, por sinal uma conseqüência e não uma

meta.

O estadunidense é um sistema fechado que contem o artista, a critica,

a imprensa e os clientes, e no qual o cadeado é a galeria.

Vejamos agora no México:

Até inícios do século XX, nossas artes tiveram mais o menos o mesmo

destino que as dos EEUU, ou as de outros países do continente. A

partir da Revolução de 1910, o artista no México assume – de forma

singular- o papel de cidadão ativo, cidadão primeiro e artista depois.

Suas idéias se tecem na trama de nossa historia de maneira

significativa.

Graças a Vasconcellos, nosso projeto nacional educativo integra a

cultura a educação. Em resposta aos pedidos de nossos artistas e

pensadores, se dispõe que o estado zele pelos seus criadores e difunda

Page 201: A ARTE DE VIVER DE ARTE

sua obra em beneficio da sociedade. Para atender as entidades da

federação, se procede com o tempo a estabelecer casas da cultura,

com base num modelo francês e na atualidade, se estimula – seguindo

o modelo imposto pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento

(BID) e com acertos cada vez menores- a descentralização por meio

de institutos estaduais que se mantém submetidos ao controle central.

Mesmo que a cúpula no poder tenha sempre defendido de forma

descarada o setor mais privilegiado por cima das classes populares, e

mesmo que na prática deixe muito, demais, a desejar no que respeita

as obrigações do estado, também é verdade que como conseqüência

do impulso vasconcelista, o país foi capaz de elaborar programas

culturais de enorme alcance, em ocasiões exemplares.

De fato, o projeto original para a participação do estado na cultura

conserva sua vigência e pelo menos até meados do sexênio de De La

Madrid, este projeto podia se resumir assim: é motivo do estado: a)

sensibilizar a cidadania de maneira global, b) formar mais e melhores

quadros profissionais através de uma educação sistematizada, c)

reconhecer a pluralidade das artes e a heterogeneidade dos produtores

e finalmente, d) circular à produção artística.

Com a fundação do Instituto Nacional de Belas Artes nos anos 50s, sob

a regência de Carlos Chavez, se abriu o caminho para estabelecer os

primeiros museus contemporâneos de arte e posteriormente, as

primeiras galerias oficiais. Os acervos dos museus foram construindo-

se de maneira um tanto casual: por meio de doações e legados, uma

ou outra aquisição e até impostações fiscais como o programa “Pago

em espécie”, do qual sua muito duvidosa legalidade anula a sua

generosidade. O inventario nacional ficou enriquecido recentemente,

de um jeito bastante habilidoso, graças aos prêmios de aquisição com

que as instituições se fazem possuidoras de obras contemporâneas.

Page 202: A ARTE DE VIVER DE ARTE

Depositários do melhor de nossa essência, os museus do México hoje

em dia resguardam a produção de nossos maiores artistas do passado

e do presente. Eles têm obras acreditadas não tanto pelas suas

cotações no mercado como pela sua pertinência histórica.

E bom ressaltar que praticamente até a formação do Conselho

Nacional para a Cultura e as Artes, durante o governo de Salinas, nem

o setor privado, nem as galerias tinham sido fatores de importância

nas políticas institucionais. Pelo contrario, os critérios que até então

tinham regido os nossos museus tinham sido os de uma elite

intelectual e privilegiada pela sua educação universitária.

Especialmente (e isto eu quero sublinhar), foram muito influentes as

opiniões dos próprios artistas.

Tanto por desígnio como por acidente, quer dizer, tanto pela vontade

da administração salinista que deu a luz a CNCA como pelas condições

que nos arrastaram à assinatura do tratado de Livre Comercio e depois

com a perda de bússola do Zedillismo, este grande projeto mexicano,

único no mundo, parece ter chegado ao fim. Prova disto é o que

acontece na Universidade Nacional Autônoma de México, que destina

um miserável 5% do seu orçamento à cultura. Isto é sem dúvida

preocupante.

-IV-Até pouco tempo atrás, os compradores e colecionadores mexicanos

de importância se podiam contar com os dedos. Alguns surgem do

setor de classe media alta, classe descastada e pouco disposta a se

cultivar. Quase todos provem de um setor crioulo desvinculado por

decisão própria da maioria mestiça e os naturais; consideram a Europa

e EEUU como modelo de comportamento e se envergonham da

morenidade mexicana. Dificilmente poderíamos considerar suas

Page 203: A ARTE DE VIVER DE ARTE

preferências estéticas como representativas da grande comunidade. As

galerias surgem de e servem precisamente a este setor social.

Das numerosas galerias particulares que tem nascido e perecido desde

a década dos trinta, lograram se destacar escassamente três ou quatro

como autenticamente propositivas. Desde então, quase todas – salvo

as honrosas exceções de rigor- podem ser classificadas como

parasitarias, quer dizer, nunca desenvolveram uma prática o uma ética

que lhe permita ao artista viver nem sequer com alguma dignidade,

nunca criaram uma autentica consciência de colecionismo, nem sequer

tem sabido estimular a imprensa especializada para proveito próprio.

A expansão da instituição galeristica privada mexicana, do jeito que a

gente conhece hoje em dia, começa com o efêmero auge petroleiro na

época lopezportillista, e se fortalece quando se afirmam no poder os

tecnocratas que assumiram depois. Alentadas pelo boom de arte

latino-americana nos EEUU, o volumem das vendas das galerias

cresceu de maneira acelerada, obedecendo à norma de que “o que faz

a mão gringa faz também a mexicana”.

Poucas coisas mudaram desde o tempo - não faz tanto tempo- em que

os dealers se aproveitavam do êxito que os artistas se forjavam

sozinhos, freqüentemente amparados por uma instituição pública. As

galerias continuam atentas à programação dos principais museus para

apresentar mostras coincidentes e aproveitam a publicidade que este

pagam com o orçamento público.

O funcionamento destas empresas se da por acaso: operam num clima

no qual a traição e as partes envolvidas concorrem ferozmente entre

si: artistas contra artistas e contra galeristas, galeristas contra

corretores sem carteira; artistas e galeristas contra um fisco cuja

ignorância é maior, se isto é possível, que a dos comerciantes de arte.

E comum que a galeria abra e feche acordos com artistas e terceiros

Page 204: A ARTE DE VIVER DE ARTE

sem prestar contas para ninguém, organize exposições sem que exista

um contrato, maltrate a obra sem se responsabilizar pela mesma,

manipule seus ingressos, cometa evasão fiscal, explore a ignorância

administrativa dos artistas e que como se isto não bastasse, seja

totalmente insensível ás expectativas de seus clientes. Os proprietários

destes comércios possuem em geral uma impunidade que geraria

inveja em qualquer empresa de outros rubros comerciais.

Apesar do aumento dos acordos com o estrangeiro nos últimos anos,

nada indica que nossos mexicaníssimos dealers tenham amadurecido e

se tornado mais responsáveis ou procurem sequer profissionalizar a

sua prática. A maioria continua prosperando como lojas mais do que

como agentes representantes. Privilegiam o objeto e desdenham a

obra.

As conseqüências destas práticas conduzem a uma anarquia que

prejudica a sociedade em sua totalidade. Mesmo que os artífices da

modernidade tentem nega-lo, os ventos de mudança que trouxe o TLC

afetaram a distribuição do produto artístico e também sua produção, e

o que é pior, seus conteúdos: basta ler a Ley Federal de Direito de

Autor que entrou em vigor em 1997 para comprova-lo. Trata-se de

uma disposição que protege aos usuários e prejudica os autores,

especialmente aos artistas plásticos. Os jovens deuses de nossas

economias e os presidentes neoliberais fazem questão de ressaltar a

insensatez que diz: “nossa cultura não se verá afetada, mesmo que

cada vez se homogeneíza mais com a do mundo inteiro”.

Por tanto, os donos e donas de galerias, impunes em sua prosperidade

e atentos ao modelo norte-americano, marcam pautas sui generis que

incluem o lavado de dinheiro.

Mas existem aqueles que como eu lutamos por que as galerias se

rejam por códigos éticos claramente delineados e que levem sua

Page 205: A ARTE DE VIVER DE ARTE

administração em ordem; existem inclusive alguns que sugerem que

“alguém” controle a tabulação de preços. O que se procura estabelecer

é um modelo próprio, que responda por igual à nova economia e às

características de nossa personalidade social. Este será o desafio, não

daqueles que só procuram o lucro, mas daqueles que se preocupam

pelo desenvolvimento cultural do futuro.

-V-

Galerias Públicas e Galerias Privadas

Setor PúblicoA Galeria estudantil, de escola ou academia de arte

Como espaço de existência garantida, a finalidade principal da galeria

estudantil é apoiar a docência. Exemplos destas são: as galerias da

Escuela Nacional de Artes Plásticas (ENAP/UNAM), a de La Esmeralda

(INBA), as da Escuela de Artes Plásticas de la Universidad

Veracruzana, assim como as de alguns institutos estaduais de cultura

e algumas casa de cultura dispersas pelo território nacional, onde se

dedicam ao ensino das artes plásticas. Seu público é passivo e

reduzido, mas informado. Desenhada para “foguear” ao profissional

emergente, em ocasiões estimula a experimentação de alunos

inquietos e às vezes favorece a museografia. A difusão de suas

atividades é praticamente nula. Mesmo alheia ao mercado,

ocasionalmente é visitada por galeristas à procura de novos talentos,

de forma que, às vezes, pode ser uma instancia fornecedora, com tudo

o que este termo implica. Incide raramente na historia da arte.

A Galeria Oficial

Geralmente, este espaço é uma extensão de um organismo público, de

Page 206: A ARTE DE VIVER DE ARTE

um centro de investigação especializado o de alguma universidade

pública. Exemplos são: As galerias dos centros culturais dependentes

do Instituto Mexicano de Seguro Social o do ISSSTE (tanto no D.F.

como nos estados), as galerias da Secretaria da Fazenda, a Galeria

Universitária Aristos, Casa Del Lago y Casa Del Libro (estas últimas

três dependências da UNAM), todas no D.F.

Seu público é passivo. Este espaço é potencialmente próspero, afirma

seu prestigio quase que exclusivamente no do organismo matriz,

dependendo inclusive de suas políticas para programar suas

atividades. Salvo raras exceções, é geralmente dirigido por pessoas

não especializadas em questões de arte, razão pela qual suas

exposições são pouco imaginativas e estão sempre atrás dos

acontecimentos. Diferente da galeria temporária de um museu, este

espaço é mais ágil operativamente falando, já que não tem um acervo

que cuidar nem promove a investigação. Em algumas ocasiões

afortunadas estimula e às vezes até financia a experimentação

artística. Em épocas recentes, muitos destes espaços tem servido

como trampolim para uma atividade recente, a do curador

independente. Mesmo impedida de vender pela rigidez de suas

burocracias, pode servir de ligação entre o comprador e o artista. Este

espaço incide na historia da arte de maneira esporádica e casual.

Os Salões Anuais

Criados pelo INBA na década de setenta, os Salões Anuais operam

como galerias periódicas, itinerantes e efêmeras. Teoricamente foram

concebidos para estimular a gerações de artistas emergentes, e sua

função é a de: a) convocar e reunir b) selecionar c) premiar, através

dos júris. Na pratica, porém, ela tem se convertido em aval por

excelência, em beneficio dos marchands: depois que o INBA/CNCA ou

Page 207: A ARTE DE VIVER DE ARTE

os institutos regionais destinam o orçamento público requerido para

reunir os artistas jovens que serão premiados, entra a galeria para

colher os dividendos. Sua preeminência nos projetos oficiais conduziu

a um abuso no uso do termo “jovens talentos”, conceito que deriva

diretamente de um marketing agressivo que começaram a exercer as

galerias privadas durante o sexênio delamadridista As pessoas que

visitam estes espaços são um tipo de público passivo. Pela

infraestrutura que os apóia incidem significativamente na historia da

arte.

A galeria gremial não lucrativa

Estas galerias são escassas e sua sobrevivência é sempre ditada pelo

acaso. Exemplos são: O Salón de la Plástica Mexicana e a já

desaparecida Galeria Venta Direta (as duas subsidiadas pelo INBA).

Sua finalidade principal pretende “sensibilizar o mercado”. Sujeita aos

gostos da direção de turno ou de uma direção fantasma, este tipo de

galeria recebe em ocasiões obras emergentes ou inovadoras, mas

nunca proporciona fundos para apoiar estas obras. Sua promoção

depende dos departamentos de comunicação social das instituições as

quais ela pertence, pelo qual são pouco conhecidas as suas atividades.

Privilegia um público passivo e incide de maneira pouco significativa na

historia da arte.

A galeria do museu

Como galeria temporária, o museu se situa a principio no topo das

galerias institucionais.

Com capacidade de planejamento de longo prazo, geralmente expõe

artistas com uma trajetória reconhecida, legitimando eles de forma

definitiva. Atende a um publico passivo, mas como ratifica reputações,

Page 208: A ARTE DE VIVER DE ARTE

influi de forma decisiva no público ativo.

Uma coisa alarmante nos últimos anos, é que a galeria temporária do

museu responde cada vez mais as condições próprias das galerias

privadas, e funciona em relação cada vez mais estreita com o

mercado. Conseqüentemente, converteu em costume um sistema de

clientela: favorece as exigências da iniciativa privada ao invés de

definir projetos próprios e de obras menos comercializáveis, mas de

maior relevância para a cultura do país.

Praticamente nenhum museu do México possui um orçamento para a

aquisição de obras. No entanto, nos últimos quinze anos, sugiram as

associações “amigas” de museus, constituídas por industriais,

funcionários, banqueiros – alguns deles colecionadores – e algum ou

outro artista. Isto conduz a um perigo real: que os amigos “cobrem”

seu apoio impondo os gostos particulares.

De caráter protagônico, a galeria de museu tem assegurado a sua

sobrevivência e suas atividades se situam no centro do discurso da

historia da arte.

Setor privadoA Galeria “independente” de artistas

Animados por artistas de espíritos independentes ou marginados pelo

gosto que impera, estes espaços surgem como cogumelos após a

chuva, aparentemente do nada. No seu afã de atrair o público ativo

procuram chegar perto dos setores, quando não abastados, pelo

menos prósperos. É usual que desapareçam após uma curta

existência, devido as suas próprias contradições e a incapacidade

administrativa de seus animadores. Exemplos são -ou foram- o Centro

Proceso Pentágono, el Salón Aztecs, La Quiñonera, La Panaderia,

Zona, etcétera.

Page 209: A ARTE DE VIVER DE ARTE

Estes espaços aparecem em qualquer cidade grande apesar de ter

uma vida breve já que nunca condicionam à produção de seus

afiliados. Se por acaso alguma se mantém funcionando durante um

tempo maior do que dois anos, geralmente é porque aprendeu a

conhecer a dinâmica do mercado. Geralmente são dirigidas por artistas

que sacrificam um valioso tempo de sua própria produção. Este tipo de

espaço galerístico geralmente estimula a inovação , pelo que apesar

de sua curta vida, logra incidir na historia da arte.

O jardim dominical ou de arte

Animado por artistas associados ou cooperados, este espaço copia os

mecanismos da galeria já que se dirige a um publico ativo porém

desinformado, daí que seu caráter seja eminentemente turístico. No

entanto, não pode ser desqualificado já que consegue sensibilizar,

mesmo tangencialmente, ao público leigo. O jardim de arte propicia

uma produção decorativa, derivativa e repetitiva. É especialmente útil

a centenas de artistas que de outra forma não poderiam nem mostrar

nem vender a sua obra em lugares mais exigentes. Não incide na

história da arte.

A Galeria comercial

Existem inúmeras empresas que abusam do nome “Galeria”. São

geralmente comércios que ao mesmo tempo vendem móveis, livros ou

antiguidades, emolduram quadros ou vendem ferramentas e material

artístico. Costumam investir para acumular, pelo que as suas margens

de lucro são bastante altas.

Seu púbico é invariavelmente ativo, mesmo que desinformado.

Algumas destas empresas alugam seus espaços a marchands

independentes ou a artistas para exibir. Sua natureza é sempre

Page 210: A ARTE DE VIVER DE ARTE

parasitária. Lidam com obras “atemporais” ou de gênero: Naturezas

mortas e fogões, marinas, paisagens e obra costumbrista ou

manierista. Também vendem obras decorativas de aceitável execução

que imita a moda na arte. A história da arte as ignora de forma

enfática.

A Galeria Diletante

Com o olhar atento num público ativo próspero e geralmente

desinformado, a galeria diletante costuma se lançar ao rodeio com

pompa e circunstancia a procura da iniciativa de gente com

possibilidades; jovens arquitetos, gente “bem de vida”, “amantes da

arte” ou prósperos designers gráficos. Lamentavelmente, sua falta de

profissionalismo se traduz, voluntária ou involuntariamente, em danos

e perdas de obras e em enganos a clientes e artistas. O dono deste

tipo de espaços parece com o tipo “coiote de condomínio”, (vendedor

sem carteira nem registro), já que investe pouco ou quase nada em

promover os artistas de sua galeria, evade o máximo possível o fisco

(aqui é onde com maior freqüência se faz o lavado de dinheiro sujo) e

com freqüência, desfalca o artista incauto. São poucas dentre estas

negociações as que sobrevivem por mais de dois anos e suas idas e

vindas desprestigiam um setor já por si só frágil. No entanto existiram

empresários capazes de amadurecer e até atingir um nível de

profissionalismo respeitável. Operação de natureza parasitária já que

lida com obra (mercadoria) já previamente prestigiosa, este tipo de

galeria funciona principalmente como centro de reunião social, pelo

que em ocasiões consegue incidir na história da arte.

A Galeria corporativa

Mesmo que contados nos dedos, estes espaços são os que mais se

Page 211: A ARTE DE VIVER DE ARTE

identificam com o modelo desenvolvido pelos EEUU: operam sob os

mesmos princípios e com a mesma dinâmica e eficiência que qualquer

outra empresa dedicada à venda de bens.

Seu funcionamento exige fortes investimentos imobiliários e um

constante aporte, tanto para as despesas fixas como para o “oculto”:

administração, publicidade, e despesas de representação (aluguel de

espaços em feiras, etc). conseqüentemente, são capazes de satisfazer

compromissos de grande envergadura que vão desde a criação de

novas coleções (atividade que adquire cada vez más importância) e a

depuração de coleções antigas, até o estabelecimento de nexos com

galerias, museus, geralmente no exterior.

A galeria corporativa começa a protagonizar, de forma significativa, o

mercado conhecido como “secundário”, aquele da revenda. Apesar de

revender obra de todos os tipos (seja como comissionista ou como

intermediária), a tendência e se especializar em obra contemporânea,

organizando esta por rubros: maestros da abstração, obra objeto,

novas tendências, arte naïf, etcetera. Na prática aprendeu a assumir a

representação exclusiva de artistas que possam interessar a um

círculo de clientes, em algumas ocasiões retendo eles através de

salários fixos.

Para criar uma reputação e valorizar o produto artístico, a galeria

corporativa estabelece parcerias rentáveis com a crítica e a imprensa,

e se enlaça diretamente com as agendas das exposições dos museus,

dos concursos internacionais e recentemente com as das feiras anuais

e internacionais de arte. Incide de maneira muito significativa na

historia da arte.

O atelier do artista

Nos últimos anos, um crescente número de conhecedores com

Page 212: A ARTE DE VIVER DE ARTE

capacidade aquisitiva (público ativo) estão começando a desfrutar das

visitas ao estúdio do artista, o espaço dedicado à produção que cada

vez mais artistas estão habilitando para expor sua obra de forma

decorosa: móveis confortáveis, luzes direcionais, horários de visita e

até maquininhas para pagamento com cartão de crédito. Lugar que

emociona ao comprador pela oportunidade que oferece de conviver

com o artista, este espaço só incide de forma indireta na historia da

arte.

Além das galerias

Mesmo que a visão panorâmica oferecida acima se centraliza em

espaços habilitados para a exibição e venda, cabe mencionar outras

instancias que tem surgido recentemente, e as quais começam a

afetar as formas tradicionais de venda dos objetos artísticos.

Em primeiro lugar estão os leilões e as casas de leilão, fenômenos

relativamente recentes em nosso meio. Inicialmente, estes eventos –

sempre muito emocionantes- vieram refrescar um mercado cauto e

aletargado. Organizadas com caráter de urgência, geralmente a

beneficio de alguma causa de alta investidura (ajuda aos danificados,

apoio a projetos de beneficência, partidos ou movimentos sociais), os

leilões juntavam obras de tipo e origem diverso e convocavam um

grande público, com perfil tão heterogêneo como desigual a sua

capacidade aquisitiva. Tão eficazes foram os primeiros leilões, que se

acreditou que poderiam se converter num mecanismo tabulador de

preços. Prontamente, porém, caiu o entusiasmo que geravam.

São muitas e muito complexas as razões que começaram a

desprestigiar os leilões. Algumas razões que podemos citar são: a

desorganização administrativa dos promotores, quase sempre neófitos

em matéria de arte; o reduzido tamanho do mercado de arte no

Page 213: A ARTE DE VIVER DE ARTE

México, que lhe impede de absorver o caudal de obra em oferta e a

própria ignorância dos compradores que permite que os preços se

elevem fora de proporção. A isso se somam fatores de tipo social: o

leilão se converteu num ritual prazeroso para um setor privilegiado da

sociedade que procura adquirir status ostentando sua capacidade para

adquirir (consumo conspícuo). O caso é que hoje, o público de leilões

prefere a certeza, à margem da qualidade do produto artístico, procura

assinaturas conhecidas.

Atualmente os leilões diminuíram e se dividiram. O público conhecedor

aprendeu a assistir a dois tipos de venda: o leilão organizado pelas

contadas empresas de leilão estabelecidas (algumas de duvidosa

reputação); ou as que são avalizadas pela presença de certos leiloeiros

de prestigio, que também são poucos.

Em segundo lugar estão os “coiotes de condomínio”, ou vendedores

ambulantes, que pela sua falta de escrúpulos podem ser

extremamente nocivos, nem só para o mercado de arte como para a

cultura em geral, já que conseguem distorcer uma realidade já por si

só mal interpretada, à do profissionalismo do artista plástico.

Por contraste e em terceiro lugar, começam a surgir “corretores de

arte independentes”, também conhecidos como promotors, entre os

que podem ser incluídos certos curadores dignos de todo respeito,

apesar de que em principio se trate de uma prática não ética. São

pessoas que prestaram serviços em instituições diversas, publicas ou

privadas, das quais saíram por algum motivo (diferenças com os

titulares ou suas políticas, salários raquíticos, etc.). Como operadores

independentes que oferecem serviços promocionais ou curatoriais,

costumam organizar exposições muito mais imaginativas e de maior

significação que normalmente. Como conseqüência lógica dos

honorários baixos que recebem pelos seus serviços, muitos

Page 214: A ARTE DE VIVER DE ARTE

independentes começam a funcionar como intermediários entre

artistas e compradores. Sua comissão se fixa à discrição, mas

depende, em grande medida, da confiança da qual são merecedores

no meio, assim como pela sua eficácia nas vendas.

Faltaria por mencionar de passagem a um número muito reduzido de

“representantes pessoais” de artistas, gente esta que assume a tarefa

de representar por sua conta e de forma exclusiva a um pintor, uma

escultora ou algum artista gravurista.

Num passado recente, estes representantes não eram senão a esposa

ou marido do/da artista, que demonstravam uma sensata divisão do

trabalho: um produz para que o outro distribua. Logicamente os lucros

são compartidos em partes iguais.

Na medida em que um representante atende a um individuo, quanto

muito a três, se situa como a pessoa mais confiável, tanto para seu

representado como para os seus clientes. É provável que logo vejamos

crescer o número de gente que se dedique a esta tarefa.