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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO ARIANE ROCHELLE MENDONÇA A APOSTA DA REORIENTAÇÃO CURRICULAR VIA TEMA GERADOR NO PROJETO PARNAMIRIM INTERDISCIPLINAR NATAL/RN 2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

ARIANE ROCHELLE MENDONÇA

A APOSTA DA REORIENTAÇÃO CURRICULAR VIA TEMA

GERADOR NO PROJETO PARNAMIRIM INTERDISCIPLINAR

NATAL/RN

2016

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ARIANE ROCHELLE MENDONÇA

A APOSTA DA REORIENTAÇÃO CURRICULAR VIA TEMA

GERADOR NO PROJETO PARNAMIRIM INTERDISCIPLINAR

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Educação (PPGEd) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), como requisito parcial para a obtenção do título de mestre em Educação.

Linha de Pesquisa: Educação, Construção das Ciências e Práticas Educativas.

Orientadora: Profa. Dra. Marta Maria Almeida Castanho Pernambuco

NATAL/RN

2016

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Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA

Mendonça, Ariane Rochelle. A aposta da reorientação curricular via tema gerador no Projeto Parnamirim

Interdisciplinar / Ariane Rochelle Mendonça. - Natal, 2016. 163f.: il. Orientador: Profa. Dra. Marta Maria Almeida Castanho Pernambuco. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande

do Norte. Centro de Educação. Programa de Pós-graduação em Educação. 1. Educação fundamental – Dissertação. 2. Currículo – Dissertação. 3. Tema

gerador - Projeto Parnamirim Interdisciplinar – Dissertação. 4. Paulo Freire - Dissertação. I. Pernambuco, Marta Maria Almeida Castanho. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título. RN/BS/CCSA CDU 373.3

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ARIANE ROCHELLE MENDONÇA

A APOSTA DA REORIENTAÇÃO CURRICULAR VIA TEMA GERADOR NO

PROJETO PARNAMIRIM INTERDISCIPLINAR

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Educação (PPGEd) da Universidade

Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), como requisito parcial para a obtenção do título de

mestre em Educação.

Aprovada em: ___/____/_______

____________________________________________________________

Profa. Dra. Marta Maria Almeida Castanho Pernambuco

Orientadora – UFRN

____________________________________________________________

Profa. Dra. Maria Aparecida Dias

Examinadora externa – UFRN

____________________________________________________________

Profa. Dra. Hostina Maria Ferreira do Nascimento

Examinadora externa - UERN

____________________________________________________________

Prof. Dr. Juarez Melgaço Valadares

Examinador externo (suplente) – UFMG

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O trabalho aqui “experienciado” é dedicado a fonte de

esforços construídos na amizade, no dia a dia a dia de meu

aprendizado junto ao grupo GEPEM, a quem devo

minhas inspirações profundas, fundadas na teoria-prática-

partilha do trabalho coletivo. Sobretudo, em nome da luta

dos que nunca desistem do sonho possível, que é tão nosso.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço ao reencontro constante do amor que nutro pelas pessoas, ele é a força motriz

do que me move a ter a crença na mudança das coisas. Que me alimenta sempre, quando penso

no para quê de minha escrita, em benefício de quem e de quê. Mente e corpo são manifestações

de uma mesma substancia, mas os sentimentos são alicerce da visão inovadora.

A minha mãe Josye Mendonça, por seu exemplo de obstinação/luta e minha tia Maria

Gerlane, pelos verdadeiros gestos de força que não se afastam da sensibilidade.

Aos meus companheiros de base de pesquisa (GEPEM), que com suas singularidades me

ajudam a exercitar a troca em suas dimensões.

Demais amigos que direta e indiretamente me apoiaram, em especial: Melqui, amigo que

tanto desatou ações e palavras ancoradoras, mudavam dias confusos. Samira que com sua poesia

e luta pelo equilíbrio coloria minhas tensões. Tudo vai dar certo! Paulo de Souza que fez e tanto

faz por mim, por nossa batalha parecida. Nicarla Moura que por vezes com amabilidade e avidez

me encorajou a acreditar, Lucas Xavier que com sua generosidade me ajudou em partes

imprescindíveis de organização desse trabalho.

A kezia, grata amizade que sem arestas esteve a meu lado para ouvir reclames em momen

tos de cansaços, libertários e até silenciosos, amenizando os grandes pesos ao lado de

Clara, amiga de todas as luas e de confissões, por vezes inconfessáveis. Vocês foram a grande

parceria necessária.

As professoras Aparecida, Hostina e professor Juarez que com cuidado me deram

orientações importantes para escrita deste trabalho. Irene Paiva, aquelas conversas estimularam a

direção deste trabalho.

No que respeita diretamente este trabalho agradeço a professora, orientadora e exemplo,

Marta Pernambuco, sem você as ideias contidas, acumuladas – e a alegria e estímulo para crer em

tudo que na pesquisa busco – não seria possível! Agradecer não é pouco, mas não supri o tanto

de minhas gratidões por nossas construções coletivas que me ensinam a enxergar cenários

possíveis.

Por fim agradeço a experiência composta por todos que participaram do Parnamirim

Interdisciplinar e pelos que não desistiram de apostar na educação e, consequentemente, na

humanidade.

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As teorias e as escolas, como os micróbios e os glóbulos, se

devoram reciprocamente e asseguram por sua luta a

continuidade da vida.

“Marcel Proust, em Sodoma e Gomorra”.

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RESUMO O presente trabalho traça uma análise da experiência do Projeto Parnamirim Interdisciplinar, este promovido pela Secretaria Municipal de Educação de Parnamirim, com assessoria do Grupo de Estudos e Pesquisas de Práticas Educativas em Movimento (GEPEM) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). O projeto envolveu 23 escolas que trabalhavam de 6º à 9º ano do Ensino Fundamental e visava fomentar um processo de Reorientação Curricular Via Tema Gerador. Esse processo é parte de um princípio de ações já realizadas em diversas experiências em sistemas públicos de ensino em algumas redes do Brasil e tomando por base o Tema Gerador e pressupostos freireanos. A premissa ocupa-se não apenas a um caráter interdisciplinar de trabalhar os conteúdos, mas traduzi-los na realidade do educando através de uma pesquisa que se origina da problematização do tema que por sua vez deve estar diretamente ligado ao universo temático dos alunos. Como objetivo desta pesquisa realizamos uma análise desse processo verificando quais os fatores que levaram a interrupção do projeto “Parnamirim Interdisciplinar”. A escrita desta dissertação baseia-se nos princípios Freireanos na medida em que considera a compreensão do estudo local como parte da organização do conhecimento, com vistas á problematização do processo em questão. Paulo Freire foi, em suma, o pilar teórico utilizado neste trabalho além de alguns de seus interlocutores como Antônio Gouvêa, Marta Pernambuco, Demétrio Delizoicov, José André Angotti, Antônio Moreira, dentre outros. Visando a organização e sistematização desse estudo, fora realizado um levantamento histórico do município de Parnamirim, analise de arquivos e documentos (atas das reuniões e registros da pesquisa de campo levantadas pelos professores, elaboração de perguntas e aplicação de entrevista com os envolvidos na experiência do Projeto, considerando a sua influência direta no processo de construção do trabalho da Secretaria Municipal de Educação e Cultura do município). De forma que esse trabalho buscou descrever as estratégias e práticas educativas para processos de formação fundamentados em propostas progressistas, assim como problematizar entraves e empecilhos que inviabilizam e rompem a concretização do trabalho coletivo com vistas à emancipação dos sujeitos. Palavras-chave: Paulo Freire, Tema Gerador, Currículo.

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RESUMEN

En este trabajo se presenta un análisis de la experiencia del Proyecto Parnamirim interdisciplinario,

esto promovido por la Secretaría Municipal de Educación de Parnamirim, con la asistencia del Grupo

de Estudios e Investigación de las Prácticas Educativas en Movimiento (GEPEM) de la Universidad

Federal del Rio Grande do Norte (UFRN). En el proyecto participaron 23 escuelas donde se

trabajaban del 6° al 9° grado de la escuela primaria con objetivo de fomentar un proceso de

reorientación del plan de estudio por el Tema Generador. Este proceso es parte de un principio de las

acciones ya llevadas a cabo en varios experimentos en los sistemas de educación pública en algunas

redes en Brasil basados en el tema generador y los supuestos freireanos. La premisa lleva a cabo no

sólo la característica del trabajo interdisciplinario del contenido, pero traducirlos en la realidad del

alumno a través de la investigación que se origina del cuestionamiento del tema que a su vez debe ir

unido directamente al universo temático de los estudiantes. El objetivo de esta investigación se llevó a

cabo un análisis de este proceso mediante la comprobación de los factores que llevaron a la

interrupción del proyecto " Parnamirim Interdisciplinario." La escritura de este trabajo se basa en los

principios del Freire en la que considera la comprensión del estudio local como parte de la

organización del conocimiento, con el fin de cuestionar el proceso en cuestión. Paulo Freire fue, en

definitiva, el pilar teórico utilizado en este trabajo, así como algunos de sus interlocutores como

Antônio Gouvêa, Marta Pernambuco, Demétrio Delizoicov, José André Angotti, Antônio Moreira,

entre otros. Con el objetivo de la organización y sistematización de este estudio, se llevó a cabo un

estudio histórico del municipio de Parnamirim, análisis de archivos y documentos (actas de las

reuniones y registros de la investigación de campo planteadas por los profesores, preparación de

preguntas y entrevista con los involucrados en la experiencia del Proyecto, teniendo en cuenta su

influencia directa en el proceso de construcción del trabajo de la Secretaría Municipal de Educación y

Cultura del municipio). Por lo que este trabajo fue describir las estrategias y prácticas educativas para

los procesos de formación basados en las propuestas progresistas y discutir las barreras y obstáculos

que impiden e interrumpe la ejecución del trabajo colectivo con el objetivo la emancipación de los

sujetos.

Palabras clave: Paulo Freire, Tema Generador, Plan de Estudio.

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

BANT – Base Aérea de Natal

BNB – Banco do Nordeste

CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e

Tecnológico COMPERVE – Núcleo Permanente de Concursos CSN – Companhia Siderúrgica Nacional de Volta Redonda

DITEC – Departamento de Infraestrutura Tecnológica

EaD – Educação à Distância FJP – Fundação João Pinheiro

FUNDEB – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos

Profissionais da Educação FUNDEF – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de

Valorização do Magistério GEPEM – Grupo de Estudos e Pesquisas de Práticas Educativas em Movimento

GEEP – Grupo de Estudos do Ensino Problematizador em Ciências

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IDEC – Instituto de Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente do RN

IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica IDHM – Índice de desenvolvimento humano municipal

IDI – Índice de desenvolvimento da infância INEP – Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais

IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

MDB – Movimento Democrático Brasileiro

MEC – Ministério da Educação

NTEs – Núcleos de Tecnologia Educacional

PADCT – Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico

PDE – Plano de Desenvolvimento da Educação

PDT – Partido Democrático Trabalhista PNAIC – Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa

PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

PPGEd – Programa de Pós Graduação em Educação

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PROINFO – Programa Nacional de Informática na Educação

PUC/SP – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

SEDIS – Secretária de Educação à Distância SEED – Secretaria de Educação a Distância

SECAD – Sistema de Educação Continuada a Distância

SEMEC – Secretaria Municipal de Educação e Cultura UERN

– Universidade Estadual do Rio Grande do Norte UFRN –

Universidade Federal do Rio Grande do Norte UN-HABITAT

– Nações Unidas para assentamentos humanos XIXICA –

Escola Municipal Francisca Fernandes da Rocha

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LISTAS DE QUADROS

Quadro 1 – Grupos envolvidos e funções no Projeto Parnamirim Interdisciplinar ...................................... 22

Quadro 2 – Relação das escolas de 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental II ..................................... 38

Quadro 3 – Etapas destinadas à investigação temática. ........................................................................... 70

Quadro 4 – Implicações do programa escolar via Tema Gerador. ....................................................... 71

Quadro 5 – Intencionalidades na construção de práticas educacionais críticas .................................. 72

LISTAS DE FIGURAS

Figura 1 – Mapa das microrregiões em torno do Município de Parnamirim.. ............................................... 27

Figura 2 – Vista da base americana em Natal (1944) ........................................................................................ 29

Figura 3 – Crescimento da Educação em Parnamirim. ............................................................................ 35

Figura 4 – Mapa do Município de Parnamirim: descrição dos bairros. ................................................ 36

Figura 5 – Fluxo escolar por faixa etária – Parnamirim. .......................................................................... 39

Figura 6 – Inserção dos dados da escola no espaço virtual do projeto Parnamirim Interdisciplinar. . 79

Figura 7 – Equipe do projeto Parnamirim Interdisciplinar.. .................................................................................. 84

Figura 8 – Reunião na plenária (plenária Parnamirim Interdisciplinar .................................................................. 88

Figura 9 – Estudos na plenária. ..................................................................................................................... 91

Figura 10 – Construção coletiva da relação micro-macro-local. ............................................................ 93

Figura 11 – Reunião com o professor Gouvêa e as equipes. .................................................................. 95

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................... 14

CAPÍTULO 1 – CARACTERIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DE PARNAMIRIM ................. 25

1.1 RECONHECENDO AS CARACTERÍSTICAS DO MUNICÍPIO DE PARNAMIRIM .. 25

1.1.1. Uma breve história de Parnamirim............................................................................................. 25

1.1.2 Parnamirim e o processo de industrialização .......................................................................... 30

1.2 DADOS SOCIOECONÔMICOS E REFERENTES À EDUCAÇÃO .................................... 31

1.2.1 Renda. ....................................................................................................................................................... 34

1.2.2 Educação ............................................................................................................................................... 36

1.2.3 Contexto da Secretaria de Educação em 2009/2010 ............................................................. 39

1.3 O MOTIVO DE O MUNICÍPIO BUSCAR A ASSESSORIA DO GRUPO DA

UNIVERSIDADE ......................................................................................................................................... 43 CAPÍTULO 2 – A NATUREZA DA FORMAÇÃO: O PROCESSO DE REORIENTAÇÃO

CURRICULAR VIA TEMA GERADOR ........................................................................................... 46 2.1 A ESCOLA ENQUANTO SELEÇÃO SOCIAL E PROPOSTAS ALTERNATIVAS PAR O

ENSINO ........................................................................................................................................................... 46

2.1.1 A escola e a seleção social ............................................................................................................... 49

2.2 O PAPEL DO PROFESSOR NA FORMAÇÃO DO SUJEITO CRÍTICO ........................... 56

2.3 A PROPOSTA DE REORIENTAÇÃO CURRICULAR VIA TEMA GERADOR COMO

PROPOSTA DE EMANCIPAÇÃO .......................................................................................................... 64

2.3.1 O Tema Gerador e sua investigação ............................................................................................ 65

CAPÍTULO 3 – PROJETO PARNAMIRIM INTERDISCIPLINAR: SUAS

INTENÇÕES, ETAPAS E REPERCUSÕES ................................................................................... 74

3.1 AS ETAPAS DE FORMAÇÃO PARA A REORIENTAÇÃO CURRICULAR VIA TEMA

GERADOR EM PARNAMIRIM ............................................................................................................... 74

3.1.1 O percurso da formação ..................................................................................................................... 75

3.1.2 O estudo da realidade ........................................................................................................................ 76

3.1.3. Organizando o conhecimento ........................................................................................................ 80

3.2 APLICANDO O CONHECIMENTO: A SEMANA PEDAGÓGICA DO MUNICÍPIO –

EXERCÍCIO COLETIVO PARA PROFESSORES DA REDE NA CONSTRUÇÃO DO

TEMA GERADOR ......................................................................................................................................... 86

3.2.1 Organização do trabalho coletivo .................................................................................................. 86

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3.2.2 Na plenária ............................................................................................................................................. 87

3.2.3 Nas salas ................................................................................................................................................. 88

3.1.4 As atividades nos dias de formação ............................................................................................ 89

3.2.4.1 Primeiro dia ........................................................................................................................................ 89

3.2.4.2 Segundo dia ........................................................................................................................................ 91

3.2.4.3 Terceiro dia ........................................................................................................................................ 93

3.3 AVALIAÇÃO DOS TRÊS GRUPOS ENVOLVIDOS NA FORMAÇÃO DA SEMANA

PEDAGÓGICA ............................................................................................................................................. 96

3.4 OS ECOS DA EXPERIÊNCIA PARA OS PROFESSORES/COORDENADORES ........ 96

EXERCÍCIO COLETIVO PARA PROFESSORES DA REDE NA CONSTRUÇÃO DO

TEMA GERADOR ......................................................................................................................................... 97

3.4.1 Escolha dos participantes e instrumento de coleta de dados ............................................. 97

3.4.2 Sujeitos participantes ......................................................................................................................... 98

3.4.3 Os conteúdos trabalhados a partir da realidade do aluno e do modo interdisciplinar ...

98

3.4.4 A sensibilização e o envolvimento da comunidade escolar sobre os problemas do

entorno das escolas...................................................................................................................................... 99

3.5 CONTRIBUIÇÕES QUE A EXPERIÊNCIA VIVENCIADA TROUXE PARA A

FORMAÇÃO E A PRÁTICA DOCENTE ........................................................................................... 100

3.5.1 Aspectos negativos e limitações ................................................................................................... 101

4 –A INFLUÊNCIA DAS SECRETARIAS NA CONCRETUDE DOS PROJETOS ...... 105

44.1 JOGO POLÍTICO DE FUNDO QUE PERMEIA AS PRÁTICAS DA SECRETARIAS:

AS LIMITAÇÕES QUE AS PROPOSTAS CONTRA HEGEMÔNICAS ENCONTRAM

DENTRO DOS JOGOS DE INTERESSES ........................................................................................ 108

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................................. 117

REFERÊNCIAS .......................................................................................................................................... 120

APÊNDICES

ANEXOS

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INTRODUÇÃO

O problema educacional brasileiro, de importância incontestavelmente grande, é desses que precisam ser vistos organicamente. Precisam ser vistos do ponto de vista de nossa atualidade. No jogo de suas forças, algumas ou muitas dentre elas, em antinomia umas com as outras (FREIRE, 2003, p.10).

Como Freire (2011) muito bem considera, não há como refletir criticamente acerca das

práticas educativas, sem considerar organicamente a sociedade a qual responde, pois, o jogo de

relações de poder no campo social colabora diretamente para construção de práticas

emancipatórias ou mantenedoras da ordem vigente.

Nosso trabalho parte desta postura epistemológica, analisando a partir da possibilidade de

uma reorientação curricular no município de Parnamirim-RN, as relações de poder que cercam as

construções político educacionais e os impactos destas nos rumos de projetos de natureza

Freireana.

É recorrente nas obras de Freire o desejo e intenção sobre a superação das desigualdades

e a busca por uma prática anti-hegemônica que deve ter a educação para a ampliação de visões

conscientes de suas opressões e de suas buscas por “ser-mais”.

Essa ideia usada por Freire abarca não só a potência dos homens pela busca continua de

ir além em sua existência, mas visa a busca permanente dos seres humanos por sua humanização

individual e coletiva, considerando deste modo a satisfação de todas as condições necessárias,

para uma vida plena e acesso digno a formas adequadas de bem viver como, alimentação, saúde,

moradia, segurança, trabalho, lazer e educação (SILVA, 2004).

Porém, não é absurdo dizer que grande parte do povo está aquém dessas garantias, quer

seja pelas condições do sistema econômico vigente, quer seja pelas intencionalidades e práticas

educativas que legitimam a opressão. Boa parte dessas práticas conduzem os educandos não

somente a uma leitura ingênua e inadequada da realidade, mas acabam por comprometer a

qualidade da participação dos mesmos na vida em sociedade.

Perante esse contexto social, a escola pode vir a assumir um papel crítico, visando elencar

meios que combatam o senso comum pedagógico, promovendo vivencias curriculares

humanizadoras. A seleção e sistematização do currículo, neste caso, deve assumir um papel de

colocar em xeque as situações de opressão que se refletem na vida cotidiana dos sujeitos e,

sobretudo, sendo um campo de resistência, de contestação.

Pensar nas alternativas e práticas de ensino e num currículo crítico pode ser um dos

caminhos senão aquele que antecede horizontes de mudanças para sociedade.

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A Gênese da Pesquisa

Minha trajetória acadêmica foi influenciada e fundamentada na estreita relação com a

pedagogia Freireana, parte especialmente na direção de melhor compreendê-la e somá-la a minha

práxis profissional e humana, algo que exercito não separar e compreendo que seja inseparável.

Ao me aproximar da compreensão Freireana de se fazer educação, pude perceber um campo

estimulante de respostas ao propósito de minha prática, a busca sempre rumou desejando fazer desta

uma espécie de luta por mudanças, que recaem sobre o modo como sempre enxerguei a escola

antidemocrática e via em sua organização uma direção para selecionar, contrária a emancipação.

Para isso fui entendendo a necessidade de pensar num currículo que possibilite o rompimento de

uma escola, que mais parece uma prescrição: é inflexível e sem alternativas para um pensar profundo

sobre as distinções-negações-opressões que as camadas mais sofridas da sociedade passam. Este

currículo percebido em meus contatos com o legado feireano e seus desdobramentos em grupos de

pesquisa, aos quais fui encontrando, me fizeram ir tecendo compreensões do como construir um

currículo para fortalecimento dos saberes, permitindo aos educandos, além da informação e do

conhecimento científico, a valorização do conhecimento cotidiano e das culturas diversas.

Sinto que no muito compartilho desse lugar de luta pela mudança de onde Freire sempre

falou e assim o disse:

Que não escrevo somente porque me dá prazer escrever, mas também porque me sinto politicamente comprometido, porque gostaria de convencer outras pessoas, sem lhes mentir, de que vale apena tentar colocar em prática o sonho ou os sonhos de que, sobre os quais escrevo e pelos quais luto. (FREIRE, 1997, p. 17).

Sua práxis, como testemunho de luta, é um convite constante para vencer o opressor. O

opressor introjetado em cada um e cada uma de nós, removendo os instintos mais primários do ser

humano, aninhando-se no inconsciente e desatando as mais terríveis e destrutivas ações, as que

cometemos contra os outros cada vez que nos tornamos cumplices da exclusão. Cada vez mais

aderimos ao racismo e outras mazelas e formas de discriminar, aos nossos desejos de eliminar o

outro, a outra. Quando aceitamos a miséria como algo natural ou mal necessário, quando diante do

medo que sentimos de sermos pisoteados, vencidos pelo opressor, nos tornamos seus cúmplices,

seus súditos, coniventes e similares.

Esta não é a consequência que eu sonho para minha prática educativa e muito menos para os

demais, mesmo que indiretamente, certamente por isso meu encantamento pela leitura de luta por

um caminho educativo que me conceba a partilha, o crescimento das ideias, das visões diferentes e

do respeito pelo direito de estar no mundo com ele contribuindo.

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A possibilidade de ter entrado em contato com o grupo ao qual hoje faço parte foi

condicionante para pensar esses caminhos quer seja pela referência teórica que me abre os olhos

direcionando as mãos, quer seja pela pratica de visionar um fazer educativo aliançado com a

transformação das relações, das ciências, do mundo.

Estou inserida no Grupo de Estudos de Práticas Educativas em Movimento – GEPEM, que

segundo Pernambuco1(2011), surgiu como um desdobramento do GEEP - Grupo de Estudos do

Ensino Problematizador em Ciências, base de pesquisa do PPGEd/UFRN, que funcionou até 1994,

tendo coordenado vários projetos de Ensino de Ciências Naturais, financiados pelo

SPEC/CAPES/PADCT e pelo CNPq, desde 1976.

Entre 1989 e 1993, dois pesquisadores do GEEP, Delizoicov e Pernambuco, participaram da

assessoria dada à rede municipal de S. Paulo, na gestão em que Paulo Freire foi Secretário, no

Projeto de Interdisciplinaridade via Tema Gerador.

Desde 2002 tem concentrado esforços em educação ambiental, educação do campo e

educação a distância, além de continuar o aprofundamento na relação entre conteúdos e

metodologias de ensino em várias áreas do conhecimento, o que tem permitido construir referências

para formação inicial e continuada de professores e para a construção temática de currículos e

programas em diferentes níveis de escolaridade. O resultado das sistematizações dessas ações foi

registrado em algumas teses de doutorado e no livro Ensino de Ciências: Fundamentos e Métodos

da coleção Docência da Editora Cortez.

O GEPEM participou também, institucionalmente, da implantação da Secretária de

Educação à Distância (SEDIS), com alguns dos seus participantes assessorando a tentativa de

elaboração de grades interdisciplinares para licenciaturas, criação de um sistema de produção de

material didático para os alunos, como também redigindo e ofertando disciplinas para os alunos de

Educação à Distância (EaD) da UFRN.

Como consequência do trabalho que o grupo vem realizando com Educação do Campo, o

grupo estabelece parceria em 2009 com a SECAD/MEC, possibilitando a aquisição e renovação dos

equipamentos da sala que o grupo ocupa, bem como ter dado a um grupo de 12 alunos da graduação

a possibilidade de, como estagiários, desenvolver aprendizagens relacionadas as suas áreas de

formação contribuindo nas pesquisas e projetos em andamento.

A prática pedagógica no GEPEM é atrelada aos pressupostos Freireanos considerando a

articulação entre teoria e prática na construção da ação e produção do conhecimento,

fundamentando-se na ideia de ação-reflexão-ação, dialogicidade, e trabalho coletivo. A educação é

construída voltando-se para o sujeito, considerando seu contexto histórico, em um pensar dialético.

1 Fonte: http://www.sigaa.ufrn.br. Acessado em 19 de junho de 2015 às 18h47min.

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17

Considerando Rêgo (2006, p. 101) destacam-se quatro princípios organizadores recorrentes

nas ações formativas do GEPEM, a articulação teoria e prática, que se daria no fazer e refazer da

prática escolar, construindo uma atitude investigativa; a escola como foco, colocando a instituição

escola como uma das dimensões da formação docente, estruturante desta; problematização e

diálogo na proposição e execução do fazer docente, considerando que o sujeito se constrói em

meio as relações sociais, na relação com o outro, e na tomada de decisões; e profundidade x

extensão, onde é proporcionado o despertar para curiosidade epistemológica.

A intenção do grupo (GEPEM) é articular uma proposta diferenciada junto à escola, onde a dialogicidade e o processo de conscientização são referências para construção coletiva do currículo e como proposta para o desenvolvimento das atividades em sala de aula (RÊGO, 2006, p.127)

Uma questão recorrente na pesquisa em ensino é a relação entre a produção de pesquisa

e a prática educacional, estudos como os que caracterizam este grupo procuram tratar de algumas

das questões mais contemporâneas que se colocam tanto na área de pedagogia como de ensino de

conhecimentos em áreas específicas (PERNAMBUCO; PAIVA, 2013, p.08).

O meu estudo para construção desta dissertação origina-se de inquietações e indagações

surgidas desde meu trabalho de monografia: um olhar sobre a formação docente na perspectiva da ação-

reflexão- ação, apresentado em 2012. Nele discutia-se o percurso do projeto Parnamirim

Interdisciplinar.

Esse projeto foi promovido pela Secretaria Municipal de Educação de Parnamirim, com

assessoria do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Práticas Educativas em Movimento (GEPEM)

da UFRN, teve início em setembro de 2010.

Ele surge através de um convite feito pelo Nestor Lima2, assessor da secretária da

Secretaria Municipal de Educação e Cultura (SEMEC) do município de Parnamirim-RN, para

professora Marta Pernambuco da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, responsável

pelo Grupo de Educação e Práticas Educativas em Movimento (GEPEM). Esse convite veio na

intenção de fazer uma formação junto aos professores da rede municipal, do nível de Ensino

Fundamental II, anos finais (sexto ao nono ano).

O consenso entre Secretaria de Educação e o grupo da universidade foi o de que a

reorientação curricular via Tema Gerador3 poderia ser o foco da formação. Para isso o grupo da

2 Professor aposentado do Centro de Educação da UFRN nas áreas de Ensino de Ciências e assessor da secretária de educação e responsável por pensar as estratégias de melhoria para o ensino fundamental II.

3 Esse movimento de reorientação curricular, que rompe com o modelo tradicional de um currículo linear, hierárquico e fragmentado, tomou como pressupostos teóricos metodológicos os princípios e categorias freireanos da pedagogia crítica, que pressupõe um currículo interdisciplinar, dialógico, democrático, crítico e contextual, a partir

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universidade faria uma formação inicial, sobre o trabalhar Tema Gerador, com cinquenta técnicos

da secretaria (muitos dos quais que também atuavam ou tinham atuado como coordenadores nas

escolas de sexto ao nono ano).

De início foi organizada toda equipe que faria parte da formação (técnicos da

secretaria/coordenadores, professores e alunos da universidade), além do material de apoio que

subsidiaria o trabalho da equipe. Ao principiar essa etapa passou-se para fase de estudo da análise

da realidade local e por fim o exercício de descoberta e aplicação do tema gerador.

O Tema Gerador, com base nos pressupostos freireanos ocupa-se não apenas a um

caráter interdisciplinar de trabalhar os conteúdos, mas traduzi-los na realidade do educando

através de uma pesquisa que se origina da problematização do tema que por sua vez deve estar

diretamente ligado ao universo dos alunos. Segundo Freire (1980):

Procurar o tema gerador é procurar o pensamento do homem sobre a realidade e sua ação sobre esta realidade que está em sua práxis. Na medida em que os homens tomam uma atitude ativa na exploração de suas temáticas, nessa medida sua consciência crítica da realidade se aprofunda e anuncia estas temáticas da realidade. (FREIRE, 1980, p. 28)

Esse processo de reorientação curricular que fora pensado é parte de um princípio de ações

já realizadas em diversas experiências em sistemas públicos de ensino em algumas redes e está numa

das matrizes de análise e pesquisa da Cátedra Paulo Freire PUC/SP4, tomando por base o

pensamento Freireano. Corresponde a uma proposta de reorientação moldada em princípios

metodológicos que visam em suma, a construção curricular crítica da prática dialógica.

A partir desse acordo entre Secretaria do Município de Parnamirim e Universidade Federal

do Rio Grande Do Norte pensou-se então em formalizar com isso um projeto de Extensão para

garantir condições de trabalho, inserção de alunos bolsistas e certificados para os técnicos da

Secretaria de Educação.

O projeto de extensão ganhou o nome de A produção de material didático como suporte de ações

interdisciplinares em escolas públicas. O objetivo era o de aprender a desencadear processos de trabalho

interdisciplinares através de ações coletivas entre os professores das escolas, participar da qualificação

de uma proposta teórico-metodológica de reorientação curricular via Tema Gerador, ou seja, partindo das situações-problema da comunidade escolar, fazendo relações mediadas pelos conhecimentos escolares para a compreensão e possível intervenção na realidade. Essa proposta vem sendo implementada em várias partes do Brasil. E é um dos núcleos de estudos/pesquisas da professora Marta Pernambuco.

4 A cátedra Paulo Freire da PUC/SP é um espaço acadêmico para estudar e pesquisar o legado Freireano, com perspectiva de reinventá-lo. Essa pesquisa que vem se desenvolvendo na cátedra tem o objetivo de pesquisar a influência do pensamento de Paulo Freire em sistemas públicos de ensino no Brasil, a partir da década de 90, com destaque para investigação de políticas de currículo.

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da equipe da SEMEC, acompanhar e auxiliar as ações das escolas e em conseguinte conduzir uma

dessas contribuindo para produção de material didático5 para os alunos, criando com isso uma

infraestrutura de esteio ás ações das escolas.

Mais que uma produção de material didático e trabalho interdisciplinar o foco central dessa

formação era numa proposta de reorientação curricular. Isso significava organizar uma estrutura que

desse conta da formação, planejamento de reuniões e orientações sobre o estudo da realidade local,

análise dos documentos coletados e o exercício de trabalhar pedagogicamente sobre a margem do

tema gerador.

Em dezembro, do mesmo ano, foram pensadas três reuniões preliminares ocorridas em

03,08 e 16 de dezembro de 2010. Tiveram presentes nestes primeiros encontros: a equipe do

GEPEM composta por professores da instituição UFRN, e UERN, além dos alunos da graduação/

bolsistas da base de pesquisa de diferentes áreas. O grupo da SEMEC era integrado por cinquenta

servidores da Secretaria de Educação e PROINFO6.

Esses primeiros encontros em Parnamirim, na escola Municipal Nestor Lima, deram conta

da apresentação do projeto, nos anseios previstos e etapas iniciais, que traziam em suas perspectivas

um trabalho articulado entre todos profissionais envolvidos e em todo transcurso do processo de

formação.

Inicia-se o ano de 2011 visando-se abranger com essa formação, posteriormente, as 23

escolas municipais da rede do município de Parnamirim de sexto ao nono ano, distribuídas em 13

bairros. Esse número de escolas representava um total de 320 professores e algo em torno de 8.200

alunos. A ideia foi de fazer uma formação já no início de janeiro, com 50 participantes, servidores da

secretaria de educação, alguns deles também atuavam como coordenadores em escolas.

Essa formação teve 40 horas, concentradas em uma semana, baseando-se no desencadeamento

de discussões cuja transposição e foco fossem aprender a trabalhar a partir do tema gerador e preparar

em coletivo uma formação que seria levada na semana pedagógica do município. O entendimento era

5 O GEPEM entende a necessidade da produção de material didático para os alunos construído por aqueles que melhor reconhecem suas necessidades, a expectativa era de constituir até o final do processo um portal de referência e suporte para as escolas ajudando-as com isso a terem uma maior autonomia e ampliação na formação.

6 PROINFO – Programa Nacional de Informática na Educação – é desenvolvido pela Secretaria de Educação a Distância (SEED), por meio do Departamento de Infraestrutura Tecnológica (DITEC), em parceria com as Secretarias de Educação Estaduais e Municipais. O programa funciona de forma descentralizada, sendo que em cada Unidade da Federação existe uma Coordenação Estadual do ProInfo, cuja atribuição principal é a de introduzir o uso das tecnologias de informação e comunicação nas escolas da rede pública, além de articular as atividades desenvolvidas sob sua jurisdição, em especial as ações dos Núcleos de Tecnologia Educacional (NTEs). O endereço do link é: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=244&Itemid=823. O PRONFO entraria na experiência enquanto suporte informacional, auxiliando tanto na parte técnica quanto na organização do evento da semana pedagógica do município (momento posterior as primeiras semanas de formação junto aos técnicos da secretaria).

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o de que os técnicos/coordenadores da secretaria pudessem fazer a formação junto aos professores

da rede, já que anteriormente os mesmos teriam tido esse tipo de formação inicial.

Além dessa compreensão, o grupo se preparou no sentido de que se reunissem e juntos

construíssem diversos exercícios e trocas de experiências, num mesmo espaço, para ensaio de seus

processos metodológicos, a necessidade de compreensão da realidade frente aos problemas

enfrentados durante o ano, para uma convergência das possíveis soluções, ponderações e sugestões

que intercorressem.

Tabela 1 - Grupos envolvidos e funções no Projeto Parnamirim Interdisciplinar

GRUPO FUNÇÃO

Esse grupo tinha o papel de articular a universidade aos

técnicos/coordenadores das escolas, subsidiar a infraestrutura Equipe de assessoria da SEMEC: do projeto, garantindo com isso segurança no apoio político ao

mesmo. Esse foi o grupo criado pela secretária para pensar as formações para os diversos níveis de ensino no município.

Tinha a tarefa de fomentar apoio técnico, no que se refere aos

Equipe do PROINFO: recursos tecnológicos informacional, garantindo a infraestrutura e logística.

Equipe de formação da SEMEC: Técnicos coordenadores da secretaria que estavam recebendo a formação do GEPEM.

Professores da rede municipal de ensino, que compreendia o Equipes de professores da Rede: Ensino Fundamental II e que participaram da semana

pedagógica.

UFRN- (GEPEM ): Coordenado pela Professora Marta Pernambuco

Professores que acompanharam a formação para auxiliar na

Equipe de professores da elaboração do material didático das escolas e aprender a

metodologia Freireana vivenciando o processo de construção. SEDIS/ UERN:

Equipe de alunos do grupo Alunos do GEPEM, oriundos de diferentes áreas do

conhecimento e de graduação, mestrado e doutorado, que GEPEM: acompanhavam as etapas dos projetos para apreender as etapas

do processo de formação.

Fonte: elaboração da autora.

Mesmo com o planejamento e organização dos grupos para enseada a Reorientação

Curricular Via Tema Gerador esse processo deparou-se com variáveis políticas que levaram ao optar

pelo objetivo principal dessa dissertação. O objetivo é analisar, portanto, quais os fatores levaram a

interrupção do projeto “Parnamirim Interdisciplinar”.

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Construindo o Método

Como modo de organizar e sistematizar, este estudo foi realizado um levantamento histórico

do município, através da análise de dados educacionais e socioeconômicos extraídos de reportagens,

livros e fontes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Instituto Nacional de

Pesquisas Educacionais (INEP), como meio de investigar como estava a situação local do município,

assim como a contextualização da educação e, consequentemente, a secretaria municipal de

Parnamirim entre 2009 a 2011, tendo em vista ser este o contexto em que se inseriu o projeto

analisado.

Após fazer uma análise do período da experiência do projeto, foi feita a verificação de todos

os arquivos e documentos do mesmo: atas das reuniões e registros da pesquisa de campo, levantadas

pelos professores (nestes continham fotografias, entrevistas de moradores e materiais utilizados

pelas e sobre as escolas envolvidas no projeto).

Posterior a esse primeiro momento de levantamento do contexto e de materiais da pesquisa foi o

momento de elaborar as perguntas e aplicar a entrevista com quatro dos envolvidos na experiência do

Projeto Parnamirim Interdisciplinar, selecionados considerando a sua influência direta no processo de

construção do trabalho da Secretaria Municipal de Educação e Cultura do município.

No terceiro momento foram realizadas as transcrições das entrevistas, o material foi lido

inúmeras vezes para podermos organizar os conteúdos significativos e recorrentes que emergiram dos

diálogos. Com este procedimento buscamos compreender como os sujeitos significaram a realidade que

eles vivenciaram. Nesse sentido, Minayo (2008), ao falar da entrevista como instrumento utilizado nas

pesquisas qualitativas afirma: “sabemos que não é possível apreender fidedignamente as práticas dos

sujeitos, mas as narrativas de suas práticas, segundo a visão destes narradores” (idem. p. 49).

Logo, os relatos apresentados pelos participantes nos possibilitaram identificar temáticas

outras que procuramos contemplar em função da importância, e não ficarmos presos apenas às

impressões sobre a questão inicial de pesquisa.

Essa metodologia faz parte de princípios Freireanos, pois considera que a compreensão do

estudo local colabora para a organização do conhecimento, com vistas a aplicar a problematização

do processo em questão.

Este trabalho, metodologicamente integra uma pesquisa de abrangência nacional, contendo

diversos outros trabalhos já escritos, partindo do mesmo viés metodológico, desenvolvida pela Cátedra

Paulo Freire, coordenado pela Professora Ana Maria Saul, denominado A Presença de Paulo Freire na

Educação Brasileira: Uma análise dos sistemas públicos de ensino a partir da década de 90. Foi aprovado no edital

universal 14/2010, polo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

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(CNPQ). Essa pesquisa tem como objetivo analisar a influência do pensamento Freireano nos

sistemas públicos de educação do país, através de:

Subsidiar o fazer político-pedagógico das redes públicas de ensino comprometidas com a

democratização da educação.

Identificar e analisar a influência de Paulo Freire nos sistemas públicos de ensino do Brasil.

Construir um banco de dados sobre diferentes gestões das redes públicas de ensino do

Brasil, sob a influência do pensamento de Paulo Freire.

Documentar e publicar os resultados da pesquisa e divulga-los no site da Cátedra de Paulo

Freire, de modo a permitir uma consulta permanente e uma interação constante entre os

educadores interessados.

Articular pesquisadores e pós-graduados de várias regiões do País e do exterior que investigam a

influência de Freire na educação, e em especial, nos sistemas públicos de ensino.

Divulgar os resultados das pesquisas em eventos nacionais e internacionais.

Tanto no trabalho que se desenvolve no GEPEM, como na pesquisa sobre o legado Freireano

e na intenção do projeto analisado, a estrutura é a mesma: Paulo Freire nas dimensões da teoria e da

prática, deste modo se consubstanciando no estudo da realidade, Organização do conhecimento e

aplicação do conhecimento, ou seja, na ação-reflexão-ação. Essa metodologia concerne em conhecer

para transformar.

Composição do Trabalho

A dissertação está organizada em quatro capítulos, tendo em vista a necessidade de

sistematização metodológica do trabalho, partindo da caracterização, passando para a justificativa e

fundamentação teórica, relatando a experiência e concluindo com os desafios do processo.

No primeiro capítulo caracteriza-se o município na intenção de esclarecer como se deu seu

nascimento e organização e na época do projeto o motivo da nova gestão, secretaria de educação,

em buscar a assessoria da universidade (Grupo GEPEM), trazendo também as pretensões do

Projeto Parnamirim Interdisciplinar.

No segundo capítulo trata da natureza da formação, o processo de reorientação curricular via

tema gerador, a escola enquanto seleção social e o chamado a novas propostas de reorientação como

meio para emancipação. É nesse capítulo que enfoco o referencial teórico de baseado

fundamentalmente em Paulo Freire e seus interlocutores como Antônio Gouvêa, Marta

Pernambuco, Demétrio Delizoicov, José André Angotti, Antônio Moreira, dentre outros.

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No terceiro capítulo foi discutido a trajetória do Projeto Parnamirim Interdisciplinar,

mostrando as etapas de formação para a proposta de reorientação curricular no município, o estudo

da realidade, a organização do conhecimento e a aplicação do conhecimento na semana pedagógica

do município, avaliação dos grupos envolvidos e os ecos da experiência para os professores da rede.

No quarto capítulo traçamos uma análise feita a partir dos relatos daqueles que compuseram

a experiência do Projeto Parnamirim Interdisciplinar, a influência da Secretaria Municipal na

concretude dos projetos, como o jogo de interesses que se deu e a reincidência contida na

fragilização de propostas para o ensino de Parnamirim.

Por fim, as considerações finais trazem apontamentos no que concerne aos implicadores da

ação vivenciada no município, como forma de indicar fatores que viabilizam e inviabilizam as

práticas em processos de natureza freireana.

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CAPÍTULO 1 – CARACTERIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DE PARNAMIRIM

Na medida em que um compromisso não pode ser um ato passivo, mas práxis-ação- reflexão-sobre realidade inserção nela, ele implica indubitavelmente um conhecimento da realidade [...]. (FREIRE, 2011).

Neste capítulo buscamos trazer o conhecimento da realidade do município de Parnamirim

(na época da experiência) e o lócus de pesquisa, como meio de revelar os contextos da sua

formação histórica e analisar a sua configuração no ano de 2010, na intenção tanto de apresentar

o município como de compreender o que motivou a secretaria de educação buscar a assessoria do

grupo da UFRN.

Na primeira parte deste capítulo apresentamos as origens históricas do município quando

povoado, que passou por um crescimento enquanto distrito durante a Segunda Guerra Mundial,

destacando sua emancipação política do município de Natal, na década de 1950, e sua

configuração econômica e política.

No segundo tópico detenho minha análise sobre como se configuravam os dados

referentes à questão socioeconômica e educacional em 2010 e, por fim, o motivo do município

em buscar assessoria do grupo da universidade (GEPEM).

1.1 RECONHECENDO AS CARACTERÍSTICAS DO MUNICÍPIO DE PARNAMIRIM

1.1.1. Uma breve história de Parnamirim

Parnamirim é dos municípios que compõe a zona metropolitana da capital, Natal, e é o

terceiro município mais populoso do estado do Rio Grande do Norte. O município abrange uma

área de 123.471 km², que corresponde a 0,24% da área do estado e 5%, da área da Região

Metropolitana de Natal, juntamente com os outros municípios de Ceará-Mirim, Extremoz, São

Gonçalo do Amarante, Macaíba, São José de Mipibu e Nísia Floresta.

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Figura 1 - Mapa das microrregiões em torno do Município de Parnamirim

Fonte: Diagnóstico/Parnamirim

O município de Parnamirim, segundo Câmara Cascudo (1968), na obra Histórias da cidade

do Natal, permaneceu desabitado até o ano de 1927. Antes desse período ele o caracteriza como

sendo uma planície arenosa, de vegetação esparsa e de pequeno porte: “região totalmente deserta,

improdutiva, inútil”. Este mesmo autor define os limites de Parnamirim no começo do século

XX como sendo o bairro do Alecrim, em Natal, e a comunidade de Taborda, localizada no

município de São José do Mipibu (CASCUDO, 1968, p. 226).

Nessa época havia uma expansão da aviação comercial que, no final da década de 1920,

oportunizou a chegada ao estado de uma comitiva de franceses, tendo à frente o aviador Paulo

Vechet, com finalidade de construir um campo de pouso e decolagem nas proximidades de Natal.

Vechet avaliou o lugar mais adequado para a instalação do aeródromo e, ao fazê-lo, escolheu uma

planície conhecida como Tabuleiro de Parnamirim, situada nas redondezas da Lagoa de

Parnamirim.

O proprietário do terreno, um português chamado João Machado resolveu, de imediato,

fazer a doação da área (MORAIS, 2004, p. 170). Nesse momento Parnamirim entra no circuito de

aviação comercial internacional transoceânica.

O campo de Parnamirim, base principal para fundação da futura cidade, foi inaugurado no dia

14 de outubro de 1927, com a aterrissagem do avião Nungesser-ET-coll. Ainda no mesmo ano,

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no dia 20 de novembro, o avião Late-25 estabelecia a linha aeropostal dando registro definitivo ao

campo de pouso.

Nos anos que se sucederam ocorreu a popularização do campo de pouso com a realização

dos reides aéreos, que diziam respeito à vôos realizados sem escalas em pequenas aeronaves,

durante as décadas de 20 e 30, cujo objetivo era cruzar o oceano Atlântico.

Viveiros (1974) conta que importantes aviadores pousaram no aeródromo, entre eles,

Martinez Pinillos e Zegara (1928), J. A. Mollisson (1933), Laura Ingalls (1934), o aviador italiano

Moscatelli (1938) e, as Fortalezas voadoras, comandadas pelo Major general norte americano

Delos C. Emmins. Entretanto, o início da II Guerra Mundial significou o fim da aviação

comercial transatlântica e o aeródromo de Parnamirim assumiu outro papel na aviação mundial.

Tinha a finalidade de preparar uma base para operações de uma unidade tática de envergadura, a

fim de enfrentar qualquer ameaça à segurança do hemisfério ocidental, servindo de base de apoio

às forças aliadas.

Nesse período de 1930 até 1945 o Brasil foi governado pela figura de Getúlio Vargas. Seu

governo inicia sob os efeitos da crise de 1929 no mundo, a ascensão dos partidos de extrema-

direita e a eclosão da II Guerra Mundial, fato extremamente importante para a origem da história

de Parnamirim.

Em termos estratégicos Parnamirim Field (maior base americana fora dos Estados

Unidos) foi à base de um triângulo que apontava para o "teatro de operações" (Brasil, o norte da

África e o sul da Europa), em que a sorte dos aliados contra os nazistas estava sendo lançada.

Este triângulo era identificado nos mapas estratégicos norte-americanos como Trampoline of

Victory (Trampolim da Vitória).

A partir de 1937 a ditadura varguista aproxima-se do modelo implantado pelos regimes de

exceção e, assim, passou a ocorrer uma cooperação tanto no campo político-ideológico quanto

no plano econômico. Diante desse posicionamento Getúlio Vargas anuncia a sua neutralidade

diante da deflagração do conflito de 1939, permanecendo com esse discurso até o ano de 1942,

quando os Estados Unidos pressionaram todos os países americanos para entrar no conflito ao

lado das forças aliadas.

O ano de 1942 foi crucial para participação ativa dos Estados Unidos no conflito e

entrada de todo o continente americano nos efetivos de guerra. Um ano antes o chefe da missão

militar americana, tenente-coronel Miller, assinou com o ministro da guerra do Brasil, o general

Dutra, um acordo para a criação do “Brazilian American Joint Group of staff Officers”. De

acordo com Bandeira (1978):

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O plano do tenente- coronel Miller consistia em obter que o governo de Vargas, quando se tornasse necessário pusesse à disposição das forças armadas dos Estados Unidos, portos enseadas, aeroportos e instalações aeronáuticas do Rio de Janeiro, Salvador, Maceió, Recife, Natal, Fortaleza, São Luiz do Maranhão, Belém e Amapá; estradas de ferro e de rodagem, principalmente as que serviam àquelas regiões; rádio, cabos, telégrafo e telefones, usinas de energia elétrica, alojamentos, hospitais, armazéns (incluindo gás e óleo), frigoríficos e abastecimento local, enfim, todos os setores vitais do Estado brasileiro. (BANDEIRA, 1978, p. 246)

Com os acordos firmados entre os governos dos dois países, o nordeste brasileiro passou

a ser escala obrigatória das aeronaves aliadas com destino aos pontos da guerra na África e

Europa. O Nordeste transformou-se em uma importante área para as operações ao sul do

equador e ponto de partida para as aeronaves que precisavam cruzar o atlântico sul em direção ao

front. Segundo Morais (2004):

O interesse internacional tinha vínculo direto com a estratégica localização do campo de aviação, situado na chamada esquina do continente. Após várias negociações, foi fechado um acordo entre Brasil e Estados Unidos, em julho de 1941, incluindo campo de pouso de Parnamirim no projeto de estratégia bélica coordenado pelos americanos. (MORAIS, 2004, p. 170)

Foi nesse contexto que o pequeno povoado de Parnamirim foi modificado mais uma vez,

sediando a mais importante base americana fora de seu território e entrando para a história como

a base aliada mais movimentada do mundo, consagrando-se como “trampolim to victory”. Nesse

momento ocorre também a elevação de Parnamirim à categoria de vila, pertencente a Natal.

Figura 2 – Vista da base americana em Natal (1944)

Fonte: Arquivos BANT (BASE AÉREA DE NATAL).

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Ao núcleo original somou-se grande quantidade de novos moradores que vinham dos

municípios vizinhos para aproveitar a oferta de empregos, ou mesmo para circular pelo terreno

da base em busca de outras atividades. Diante das evidências é possível afirmar que o processo de

urbanização de Parnamirim está relacionado diretamente com o estabelecimento das estruturas

bélicas no Rio Grande do Norte, em função dos esforços de guerra como bem assinala

Clementino (2001).

Desta forma, a base militar de Parnamirim Field atraiu novos habitantes, desenvolvendo a

economia local, auxiliando no processo de urbanização, transformando a paisagem com a

montagem de uma infraestrutura nunca vista no estado.

Para Mendes (2004) na medida em que as atividades na base militar ficavam mais

intensas, aumentava o número de pessoas que chegavam para morar e trabalhar na primeira

Parnamirim e, aos poucos, o traçado das ruas era criado.

Parnamirim teve sua maior expansão, segundo Mendes (2014), em função da base militar.

O pequeno povoado original serviu de apoio às novas construções que se edificaram ao redor do

aeroporto com o fornecimento de mão-de-obra barata, abundante e desqualificada, vinda dos

municípios vizinhos como São José do Mipibu, Goianinha e de outros estados nordestinos como

Paraíba, Pernambuco e Ceará.

Para quem conseguiu trabalho nas obras da base aérea brasileira era mais fácil, cômodo e

barato tentar se instalar nas proximidades do que empreender, diariamente, a viagem desde a

Natal. Deste modo começou-se a ocupação do território ocupado devido à área de base militar,

que hoje compreende o município de Parnamirim.

De acordo com Morais (2004) a cidade que surgia, e que começava a nascer,

acompanhava com expectativa o subir e o descer dos aviões de guerra, os comentários triunfantes

dos aviadores, as angústias próprias desses tempos, a fé no sucesso e na esperança que o tempo

reservou. Com o fim da guerra em 1945 a localidade em pleno crescimento começava a conviver

com os tempos de paz.

No dia 23 de dezembro de 1948 Parnamirim foi elevada à condição de distrito de Natal.

Dez anos depois, em 17 de dezembro de 1958, através da lei número 2.325, promulgada pelo

então Governador do estado, Dinarte de Medeiros Mariz, desmembrou-se da capital, tornando-se

um próspero município do Rio Grande do Norte.

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1.1.2 Parnamirim e o processo de industrialização

A expansão das indústrias está diretamente relacionada ao processo de urbanização e

crescimento demográfico nas cidades, pois esse fenômeno exerce grande poder de atração para a

população rural, fato que, por exemplo, desencadeia os fluxos migratórios para as cidades. Outros

aspectos da industrialização é o desenvolvimento de infraestrutura, transporte, comunicação,

diversos ramos de serviços, degradação ambiental, entre outros.

As primeiras indústrias surgiram no país no início do século XX e eram basicamente

indústrias de bens de consumo não duráveis (alimentícias, têxteis, etc.). Impulsos de ordem

econômica, como a dificuldade do país em importar devido à crise do preço dos produtos

agrícolas nacionais, favoreceram a industrialização após 1930.

Essa dificuldade em importar, aliada ainda mais à necessidade de manter a produção

industrial durante o período da II Guerra Mundial (1939-1945), impulsionou o aparecimento das

primeiras indústrias de base, setor industrial que alimentou os demais, destacando-se a

Companhia Siderúrgica Nacional de Volta Redonda (CSN) e a Petrobrás.

A Industrialização do Rio Grande do Norte, segundo Peixoto (2003, p.173), só passa a ser

planejada como meta de administração pública no século XX na década de 60, quando o governo

de Aluizio Alves investiu na infra-estrutura necessária (chegada da energia elétrica de Paulo

Afonso, em 1964).

Na década de 1980, o crescimento industrial em Parnamirim caracterizou-se por

apresentar um tipo de localização industrial de efervescente crescimento e investimento. No final

da década, um levantamento feito pelo Instituto de Desenvolvimento Econômico e Meio

Ambiente do RN (IDEC), registrou a existência de 40 indústrias em atividades diversificadas,

com ênfase na indústria de alimentação e no setor têxtil.

A presença das indústrias permitiu que a economia local, até então centrada no comércio

e nas atividades de serviços relacionados com as necessidades da base militar, progredisse em

outra direção e a cidade tomasse um novo impulso para dar continuidade ao crescimento

registrado desde o início de sua formação.

Nos anos 90, a realidade do município se viu diante do fechamento de grandes indústrias,

dado o encerramento de grandes investimentos do capital financeiro na indústria local.

A crise financeira fechou várias das grandes fábricas pioneiras no município: a

Tecblu, filial da Teka; a indústria de leite de coco indiano; a Brasinox, que fabricava

equipamentos para cozinhas industriais fechou e desempregou centenas de

operários. A fábrica da Coca-Cola virou depósito para distribuição do produto.

Além disso, havia a sempre ausente atitude do governo estadual que

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continuou a ignorar o distrito industrial que nascera à margem dos planos oficiais (PEIXOTO, 2003, p. 178).

Nos últimos anos as principais atividades econômicas do município têm dado sinais de ter

encontrado alternativas de desenvolvimento à margem das opções industriais, tais como:

agropecuária, comércio e turismo. Parnamirim, nos últimos anos, tem crescido de modo

acelerado. A prefeitura, no ano de 2010, estava sob a gestão do então prefeito Maurício Marques

dos Santos7. A cidade há alguns anos vinha (e vem) aumentando, consideravelmente, sua

população. Em 2000 havia 124.690 mil habitantes; em 2010 o número passa para 202.456, o que

expressa um aumento de 61% da população em uma década8 e, desta forma, seu crescimento

emerge em concomitância a variados tipos de problemas.

Segundo Costa (2003) a urbanização que vem ocorrendo no mundo, nas últimas décadas,

associada ao desenvolvimento do capitalismo, tem-se caracterizado pelo rápido crescimento dos

grandes centros e pelo surgimento de problemas socioespaciais dos mais diversos no seu interior,

favorecendo com isto o comprometimento da qualidade de vida.

A realidade histórica se transforma muito mais rapidamente do que a nossa capacidade

teórica de assimilar os fatos e interpretá-los. O crescimento desordenado das cidades resulta em

diferentes novos desafios. As façanhas do aceleramento das cidades surpreendem e provocam o

poder explicativo das nossas categorias de análise sobre todos os ramos sociais.

É importante compreender que, nem sempre, o sentido e a expressão dos fenômenos de

um determinado lugar coincidem exatamente com os de outros lugares e, portanto, é necessário

descobrir aquilo que permanece nublado pelos acontecimentos imediatos de cada realidade, como

algo que transcorre e se interliga a totalidade numa unidade comum que dá sentido à realidade de

determinado lugar, desvendando tendências e configurações.

Essa é a maior imprevisão que o desenvolvimento traz à medida que o tempo passa, os

problemas de ordem físico-estrutural e ambiental aumentam de maneira assustadora. Observamos

7 Prefeito Municipal, eleito no dia 05 de outubro de 2008, tomou posse no dia 01 de janeiro de 2009. Reeleito para o 2º mandato (2013 a 2016). A carreira política de Maurício Marques começou em 2001, a convite do então prefeito Agnelo Alves. Marques foi secretário de Administração e Finanças; secretário-chefe do Gabinete Civil; articulador político e parlamentar; membro do Comitê de Acompanhamento e Fiscalização de Obras e Serviços; conselheiro de desenvolvimento municipal. Em 2004 se elegeu vice-prefeito, cargo que exerceu durante o segundo mandato de Agnelo. Em 2008 foi indicado candidato a prefeito pela coligação “Vitória da Continuidade”, sendo eleito com mais de 50% dos votos válidos. Na campanha pela reeleição, Maurício Marques foi apoiado por Agnelo Alves. Na Prefeitura de Parnamirim assumiu vários cargos, incluindo os de secretário de Administração e Finanças; Administração e Recursos Humanos; chefe do Gabinete Civil e vice-prefeito.

8 O crescimento das cidades é um processo que vem sendo irrefreável e, muito possivelmente, será irreversível. De acordo com as Nações Unidas para assentamentos humanos (UN-HABITAT), a população urbana foi multiplicada por cinco entre 1950 e 2011 no mundo todo, o que expressa que Parnamirim inclui-se no fenômeno do crescimento acelerado que acomete diversas partes do mundo. Os dados apresentados nesta coluna fazem parte da pesquisa “(Mis) Informedcities? The urban level of climate change as reported on the pages of UK prestige press”, conduzida no âmbito do

PressFellowshipProgramme – Easter Term 2011, da Universidade de Cambridge/UK.

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que a cidade se encontra estruturada de forma desigual, sendo estabelecida uma segregação

socioespacial em que, por um lado, a população de melhor poder aquisitivo se insere nas áreas

privilegiadas, detentoras, quase sempre, dos melhores serviços de infra-estrutura e, por outro,

predomina o assentamento da população de baixa renda nas áreas desprovidas de tais serviços.

Em Natal, capital do estado e vizinha do município de Parnamirim, os diversos

problemas socioespaciais, em decorrência da expansão urbana, têm se acelerado nas últimas

décadas, uma vez que a cidade apresenta as mesmas carências de infraestrutura que geralmente

ocorrem nas urbes de porte médio do Brasil.

Similar a Natal (tendo em vista que são cidades “co-urbanadas”), em Parnamirim seguem-

se diferentes realidades desde aquelas cujos sujeitos são oriundos de outros municípios – por isso,

procuram sair de seus interiores para morar em Natal – e, muitos, por não conseguirem

estabelecerem-se na capital optam por morar em Parnamirim.

Segundo entrevista do professor Lula Couto9 acerca do crescimento acelerado das cidades, ele

comenta que as mesmas cresceram sem planejamento, excluindo os mais pobres e ampliando o abismo

entre centro e periferia: “o que se percebe nesse processo inicial de urbanização e crescimento das cidades

brasileiras é certa despreocupação do que fazer com a população mais humilde, carente, que mora nas

cidades. Observa-se cada vez mais que essa população que ocupa o espaço urbano do centro

é deslocada para periferia”, destacou o professor.

Se esse crescimento em Parnamirim, por um lado, favoreceu o estabelecimento de

pessoas que buscavam novas oportunidades de melhorias de vida, por outro sofre, como tantas

outras, as consequências do crescimento acelerado e desordenado que força a política, as

instituições e demais órgãos a pensarem e tomarem medidas para minimizar desequilíbrios sociais

como falta de acesso, violência e demais problemas.

1.2 DADOS SOCIOECONÔMICOS E REFERENTES À EDUCAÇÃO

Em 2010, devido ao seu crescimento desordenado e, sobretudo, acelerado, o município,

segundo atlas do desenvolvimento, entre 1991 e 2010, o IDHM10 passou de 0, 472, em 1991 para

9 Disponível em http://defender.org.br/tag/urbanizacao/page/3?print=print-search.

10 O IDHM diz respeito ao índice de desenvolvimento humano municipal e é uma medida composta de indicadores de três dimensões do desenvolvimento humano: longevidade, educação e renda. O índice varia de 0 a 1. Quanto mais próximo de 1, maior o desenvolvimento humano.

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0,766, em 2010, enquanto o IDHM do RN passou de 0,493 para 0,727. Isso implica em uma taxa

de crescimento de 62% para o município e 47% para a RN; e em uma taxa de redução do hiato

de desenvolvimento humano de 44% para o município e 53% para a RN.

Ademais, deve-se mencionar o crescimento do município ao que confere este indicador

tendo em vista a ascensão do mesmo, da faixa dos municípios com IDHM muito baixo em 1991,

passando em 2000 para a faixa de IDHM médio e chegando ao presente patamar em 2010,

inclusive, liderando o ranking deste indicador no estado do Rio Grande do Norte.

Em termos de economia, o município registrou em 2010 um Produto Interno Bruto (PIB) de

R$ 2.350.562.000,00 (IBGE), o que o coloca na terceira posição deste ranking no estado, sendo

responsável pelo equivalente a 7% de tudo aquilo que é produzido no Rio Grande do Norte.

O setor de serviços é o que tem maior importância econômica, sendo responsável por

78,8% da riqueza do município, com destaque para o segmento turístico, em virtude dos atrativos

naturais (como as praias e o maior cajueiro do mundo).

Deve-se destacar que o crescimento populacional deste município tem relações com

diversos fatores, dentre os quais podem ser destacados:

A proximidade com a capital do estado e a ausência de espaços para a construção de

edificações no município de Natal.

A disponibilidade de terrenos para construção de imóveis residenciais, que inclusive têm

sido bastante utilizados, por ocasião do Programa Minha Casa, Minha Vida.

Oportunidades de emprego e negócios que vem surgindo, a partir do distrito industrial

presente no município, bem como pelo setor do turismo na região do litoral. Em suma,

pode-se destacar o fluxo migratório, como um dos principais fatores deste crescimento

populacional do município em tela.

Tais considerações tornam-se pertinentes, tendo em vista os princípios apontados por

Rigotti (2012, p. 468) de que “o fortalecimento e o desenvolvimento [...] só poderão ser atingidos

se os investimentos do presente levarem em conta as perspectivas futuras” e, ainda, que “a análise

do impacto das mudanças do padrão demográfico sobre as estruturas etárias é fundamental para

se planejar novas questões e demandas, [...] em relação aos serviços que os governos e a

sociedade devem prestar aos distintos grupos de cidadãos” (RIGOTTI, 2012, p. 479).

No município, a dimensão cujo índice mais cresceu em termos absolutos foi Educação

(com crescimento de 0, 454), seguida por Renda e por Longevidade. No RN, por sua vez, a

dimensão cujo índice mais cresceu em termos absolutos foi Educação (com crescimento de

0,358), seguida por Longevidade e por Renda.

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Figura 3 – Crescimento da Educação em Parnamirim

Fonte: PNUD, IPEA e FJP

Isto conferia ao município uma expressão do crescimento e, portanto, preocupações com

o que fazer em relação às políticas públicas, planejamento urbano e demais necessidades que só

tendenciavam a crescer, caso não se começasse a buscar melhorias, no que confere especialmente

ao aumento de demanda na e para educação.

1.2.1 Renda

As realidades econômicas no município são diversas. Apresentam um constante

crescimento em empreendimentos imobiliários voltados para classe média e média alta. Neles

percebe-se a concentração de grandes redes de supermercado, a exemplo, boa parte da área de

bairros como Nova Parnamirim, Cajupiranga e Pirangi do Norte. Neste último é onde centraliza-se a

zona litorânea do município, uma área de praia que compreende três outros bairros como Pium,

Cotovelo e Barreira do Inferno.

Trazem por sua vez um montante de rede de pousadas, resorts e restaurantes voltados para

atender o turismo. Em contrapartida, mesmo com um estilo e aspecto voltado a tais necessidades,

Pirangi do Norte ainda possui comunidades ribeirinhas que dependem da pesca e da agricultura.

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A área do bairro Parque Industrial, por estar juntamente com os bairros de Emaús, Nova

Parnamirim e Parque do Jiqui, bem vizinho à cidade de Natal, também vinha crescendo tanto em

suas construções de fábricas e indústrias como em condomínios fechados, mais especificamente

no entorno do Cemitério Morada da Paz.

Figura 4 – Mapa do Município de Parnamirim: descrição dos bairros

Fonte: Diagnóstico social/Prefeitura de Parnamirim

Também há incidência de comunidades em situações de moradia mais ruralizadas, em que

não há, ainda, saneamento apropriado, assim como acesso a linhas de ônibus de maneira regular.

Normalmente são bairros um pouco mais distantes do centro da cidade, a exemplo: Vida Nova,

Bela Parnamirim, Nova esperança e Passagem de Areia.

Em se tratando da renda, segundo o IBGE, o maior percentual de pessoas ganha entre

meio salário mínimo a dois salários, o que incidem em 91.106 pessoas, a maioria parda/preta.

Segundo a análise de distribuição da população com ocupação verifica-se que é alto o número de

pessoas que trabalham com comércio.

1.2.2 Educação

O Brasil tem passado por importantes mudanças

demográficas nas últimas décadas, das quais a queda

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nos níveis de fecundidade certamente foi uma das

mais importantes e com grandes implicações nas

questões educacionais, pelo seu impacto na estrutura

etária do país. A redução na demanda por ensino,

principalmente de primeiro grau, refletida nos

indicadores de escolarização, que beiram atualmente

os 100% de atendimento, são acompanhadas,

entretanto, de uma série de problemas a serem

contornados, entre eles a melhoria na qualidade, na

eficácia e no acesso aos serviços oferecidos.

(CERQUEIRA, 2004, p.35).

Parnamirim possui, no âmbito do município, unidades de ensino privado e público, no

público atende desde a educação básica até ensino superior, totalizando algo em torno de 48.906

matrículas, na Educação Básica. Na esfera privada, encontram-se no município unidades desde a

educação infantil até o ensino superior.

A secretaria de educação, além de disponibilizar o ensino regular às crianças e adolescentes do

município, também oferece, em parceria com outros entes e instituições, programas de incentivo ao

esporte, lazer, cultura e reforço escolar, como por exemplo: Forças no Esporte, Segundo Tempo e

Mais Educação. Além destes projetos, mantêm parcerias com o governo federal, nas áreas de gestão,

qualificação e desenvolvimento da educação, com as seguintes iniciativas:

a) o PDE, um programa do MEC, com o intuito de atender as escolas com baixo

desempenho no IDEB, a partir do planejamento estratégico e participativo. No entanto, na

perspectiva de ampliar o alcance desse projeto, foi criada a Plataforma PDE Interativo, que

possibilita o acesso a qualquer escola da rede pública independente do escore obtido no IDEB.

b) o Plano de Ações Articuladas, resultado dos desdobramentos do Plano de

Desenvolvimento da Educação apresentado pelo MEC no ano de 2007, surgindo como um novo

modelo de colaboração das ações desenvolvidas pelos entes federativos sem que lhes sejam

tirados a questão da autonomia, mas que propiciasse a melhoria dos indicadores educacionais,

através da decisão política, ação técnica e atendimento da demanda educacional.

c) o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), que consiste em um

compromisso firmado pelos entes da união, em nível nacional a fim de propiciar que todas as

crianças estejam alfabetizadas até os oito anos de idade, portanto, ao final do terceiro ano do

ensino fundamental.

O município em 2010 oferecia, através da secretaria de educação, 23 (vinte e três) escolas

do Município, do Ensino Fundamental II. Esse número de escolas representa um total de 8.200

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alunos e algo em torno de 320 professores das várias disciplinas11, além das equipes de suporte

técnico e pedagógico.

As 23 escolas municipais eram distribuídas em 25 bairros do Município, bairros esses que

como foi supracitado possuem dificuldades/realidades distintas e, em outros, realidades similares.

Abaixo segue a lista de escolas que trabalham o ensino fundamental II nos bairros do município

de Parnamirim.

Quadro 1 – Relação das escolas de 6º ao 9° ano do Ensino Fundamental II ESCOLAS BAIRROS

Escola Municipal ProfªAlzelina de Sena Valença Rosa dos ventos

Escola Municipal Augusto Severo Centro

Escola Municipal Presidente Artur da Costa e Silva Centro

Escola Municipal Senador Carlos Alberto de Souza Passagem de Areia

Escola Municipal João Gomes da costa Neto Liberdade

Escola Municipal Profª Francisca Bezerra de Souza Liberdade

Escola Municipal Profª. Francisca Fernandes da Rocha Santos Reis

Escola Municipal Profª. Ivanira de Vasconcelos Paisinho Cohabinal

Escola Municipal Administrador Josafá Sisino Machado Emaús

Escola Municipal Manoel Machado Jardim Aeroporto

Escola Municipal Prof. Luiz Maranhão Filho Monte Castelo

Escola Municipal Historiador Hélio Mamede Galvão Vale do Sol

EscolaMunicipal Maria do Céu Fernandes Monte Castelo

Escola Municipal Maura de Morais Cruz Emaus

Escola Municipal Deputado Erivan França Pirangi do Norte

Escola Municipal Dr. Sadi Mendes Sobreira Nova Parnamirim

Escola Municipal Desembargador Silvino Bezerra Neto Santa Tereza

Escola Municipal Eva Lucia Bezerra Parque de Exposições II

Escola Municipal Jornalista Rubens Manoel Lemos Emaus

Escola Municipal Emérito Nestor Lima Passagem de Areia

Escola Municipal Brigadeiro Eduardo Gomes Nova Parnamirim

Escola Municipal Maria de Jesus Nova Esperança

Escola Municipal Maria Saraiva Bela Parnamirim

Fonte: GEPEM.

No município, a proporção de crianças de 5 a 6 anos na escola era de 95%, em 2010. No

mesmo ano, a proporção de crianças/adolescentes de 11 a 13 anos frequentando os anos finais

do ensino fundamental era 89%; a proporção de jovens/adolescentes de 15 a 17 anos com ensino

fundamental completo era 62%; e a proporção de jovens de 18 a 20 anos com ensino médio

completo 52%.

11 Parnamirim contava em 2010 com uma rede de professores novos de um concurso que ocorrerá um ano antesPelo Edital Nº 001/2009, o concurso destinava-se ao provimento de 700 vagas, sendo destas, 227 dirigidas professores de sexto ao nono ano do ensino fundamental das áreas de português, inglês, matemática, geografia, história, artes, educação física, ciências, Ensino Religioso. Num regime de 30 horas semanais.

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Entre 1991 e 2010, essas proporções aumentaram, respectivamente, em 53 pontos

percentuais, 58 pontos percentuais, 45 pontos percentuais e 41 pontos percentuais. Abaixo o

gráfico sobre o fluxo escolar, o que revela o aumento expressivo na demanda educacional no

município.

Figura 5 – Fluxo escolar por faixa etária - Parnamirim

Fonte: PNUD, IPEA e FJP

Quantos aos indicadores demográficos e educacionais12, em 2009, na rede municipal, os

anos finais do ensino fundamental, o IDEB observado era de 3.6. No que se refere à prova Brasil,

na rede municipal em Parnamirim, compreendendo oitava série/ nono ano a padronização em

matemática foi 4.36 e padronização em língua portuguesa 4.19. De 8.432 matrículas, 2009, anos

finais do ensino fundamental II, a taxa de aprovação na oitava série/nono ano foi o de 85.40,

reprovação 7. 30 e abandono 7.30.

Mesmo que de maneira superficial isso incide no aumento de alunos na escola, ou seja,

percebe-se uma ampliação quantitativa das demandas para as políticas educacionais, mas o que se

estava recebendo nessa escola era a questão primordial a ser pensada: acesso versus qualidade de

ensino, essa é uma questão preponderante na discussão e busca de unidade entre acesso e

qualidade de ensino na Educação Pública.

No entanto, o município ainda apresenta algumas dificuldades que devem ser enfrentadas a

fim de que possa melhorar sua educação de forma integral. A heterogeneidade do desempenho das

escolas da rede municipal é algo extremamente delicada, pois mesmo sabendo que os aspectos

socioeconômicos podem interferir nas condições de aprendizagem, é necessário que o município

construa uma rede integrada de cooperação, em que as práticas exitosas de escolas de alto nível de

12 Conjunto de tabelas que trazem informações sobre população, produto interno bruto (PIB), índice de desenvolvimento humano (IDH), Índice de desenvolvimento da infância (IDI) e taxa de analfabetismo. Também há estatísticas sobre a educação no município.

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desempenho possam ser replicadas ou adaptadas em escolas com níveis de desempenho inferior,

levando em consideração, obviamente, as realidades de cada unidade escolar.

1.2.3 Contexto da Secretaria de Educação em 2009/2010

Na história do município de Parnamirim, que vem de uma origem de partidos políticos de

direita, o que era comum é o chamado “mito agneliano”13, uma espécie de grandes meios de

tornar-se ícone para o povo e para que se garantisse isso se fazia necessário ter controle sobre

todos os espaços como as Secretarias e demais espaços que podem influir em retenção de poder.

Assim, é possível manter a máquina pública nas mãos dos que já estão no poder, que na maioria

das vezes são provenientes das antigas oligarquias que dominavam o cenário político no

Nordeste, principalmente.

Na gestão do antigo prefeito Agnelo Alves existia a prática de criar um grande espaço de

bolsas, para que as pessoas nutrissem uma gratidão ao poder político da cidade. Realidade que é

conivente com o que é conhecido por coronelismo ou mesmo patriarcado. Era comum no fim do

ano, já que a cidade tinha um número baixo de professores efetivos (180 docentes) e quase 600

estagiários, além de 200 temporários, os quais não gozavam de direitos trabalhistas formais de um

funcionário público, que esses professores efetivos fossem agraciados com salários acima do que

realmente deveriam receber e, com isso, eram revisitados à lógica patriarcal que impunha ao

oprimido nutrir um sentimento de gratidão sobre as práticas opressivas do seu “bem feitor”.

Com isso, no fim do ano o que deveria ser pago a uma rede de professores equivalente a

quase 1000 professores, era distribuído como rateio apenas aos efetivos, número

significativamente para não dizer gritantemente menor, flagrando-se e evidenciando-se com isso

uma rede docente efetiva “feliz e satisfeita” que gozava de um décimo terceiro quatro ou cinco

vezes maior do que o esperado pelo quadro de uma rede de professores habitual.

Esse é um dos elementos que dão forma aos jogos políticos de fundo, que por sua vez

controlam e direcionam como se dão as políticas públicas em vigência. Como se dão as oscilações

13

Agnelo Alves nasceu na cidade de Ceara Mirim, na Grande Natal, no dia 16 de julho de 1932. É membro de uma das

famílias mais influentes do Rio Grande do Norte: é irmão de Aluízio Alves; pai do atual prefeito de Natal, Carlos Eduardo Alves; e tio do atual ministro do Turismo, Henrique Eduardo Alves, e do senador Garibalde Alves Filho. Em 1965, Agnelo Alves foi candidato a prefeito de Natal e venceu as eleições. Governou de 1966 até 1969, pelo MDB, quando teve seus direitos políticos cassados pelo regime militar em maio de 1969. Como jornalista, teve participação efetiva ao lado do irmão Aluízio Alves na campanha das “Diretas Já”, e depois na campanha de Tancredo Neves à Presidência da República. Com o retorno do Brasil ao regime democrático, assumiu a diretoria de crédito geral do BNB, e em seguida a presidência do banco até maio de 1990. Em 1998, se tornou suplente do senador Fernando Bezerra. Com a posse de Bezerra no Ministério da Integração Nacional, Agnelo Alves assumiu o mandato entre 3 de agosto de 1999 a 31 de dezembro de 2000. Ainda no ano 2000 se candidatou a Prefeitura de Parnamirim, município da Grande Natal, e venceu as eleições. Foi reeleito em 2004. Em 2010 foi eleito deputado estadual pelo PDT e reeleito em 2014.

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de poder dentro desses próprios jogos políticos, dado que eles são movidos por interesses

privados que nada tem a ver com propostas de melhorias para o bem público, mas ao contrário

nutrem as situações de corrupção, de clientelismo que reforçam o mau funcionamento da

máquina pública em geral.

Com a indicação da professora Raimunda Basílio pelo prefeito Mauricio Marques para o

cargo de Secretária do município no ano de 2010, inicia-se o que a secretária (na época) chamou

de planejamento para mudanças urgentes na educação do município, assim sendo, foi composta

uma equipe para dar suporte aos níveis da educação básica, assim como atender as demandas de

suporte técnico na secretaria.

Raimundinha escolheu então para compor a organização dos projetos para educação a

professora Dorivan Lima Ritvel, professora aposentada do Centro de Educação da UFRN, nas

áreas de Formação de Professores e Didática, que se responsabilizaria pelas séries iniciais e os

projetos voltados a alfabetização e, Nestor lima, também professor aposentado do Centro de

Educação da UFRN nas área de Ensino de Ciências e assessor da secretária de educação e

responsável por pensar as estratégias de melhoria para o Ensino Fundamental II. Ambos

compunham a equipe de assessoria para dar suporte às formações e pensar as melhorias possíveis

para educação no município.

Segundo José Rildo Martins da Cruz, atual Secretário de Educação de Parnamirim, foi a

primeira vez que o município contou com a organização de uma equipe voltada para pensar a

formação de professores em todos os níveis e que em coletivo pensou, planejou e executou

tomada de decisões importantes para o rumo a uma educação que se comprometesse tanto com a

formação de professores quanto em medidas que beneficiariam e auxiliariam os alunos a

avançarem em seus conhecimentos.

A equipe pensava em conjunto as melhores medidas e essa assessoria veio para pôr em

prática todo um desejo de reorganizar e propiciar avanços, já que nessa época o município

possuía, segundo ele, bastante atrasos.

Para Raimundinha, que assumiu a Secretaria de Educação nessa atmosfera de mudança de

prefeito e de exigências que já vinham sendo cobradas pelo próprio Ministério Público, era preciso

começar a gestão com os pés no chão, sentindo o que deveria ser feito e mantendo um diálogo para a

concretização de ações que se sustentassem dentro e fora da Secretaria. Essa evidencia do grande

número de estagiários supracitados na rede era o primeiro grande entrave a ser resolvido.

A mesma conta que não colocava a culpa da desorganização apenas no número alto de

estagiários, mas que considerava que era de extrema urgência entender que num município que

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cresceu aceleradamente como Parnamirim e com uma rede de 25 mil alunos ainda se ter

estagiários ao invés de professores efetivos não era nem de longe o ideal.

Quando se trabalha com estagiários ou professores temporários, é necessário se ter, no

mínimo, instabilidades para produção do conhecimento e uma formação que se sustente. Isso

porque, segundo Raimundinha, ter estagiários, perfil de pessoas que passavam no vestibular,

pegavam uma declaração (por exemplo de aluno de Pedagogia) e só, isso já era suficiente para

mesmo sem experiência nenhuma assumirem uma sala de aula na qual a qualquer momento

poderiam deixar.

Isso a levava a crer que não haveria qualquer proposta pedagógica que se sustentasse ante

um quadro oscilante de professores. A urgência foi recorrer à COMPERVE e abrir um concurso

para contratação efetiva de 700 professores de imediato para amenizar a desorganização do

quadro e dar início a uma formação de professores que fosse séria, contundente e crítica.

Paralelo à organização do concurso foi feita a criação de conselhos para auxiliar na gestão

pública de modo que não era só o diretor que participava no que se referisse a educação

participariam todos e haveriam conselhos para todos (pais, escola, comunidade, alunos, além de

conselhos para cumprir as exigências do MEC a respeito do FUNDEB, na época FUNDEF).

Na época em que Raimundinha era Secretária de Educação, havia sessenta escolas em

diferentes níveis e situações, e por isso em cada visita que ela fazia a essas escolas comprovava

cada vez mais a ausência de práticas pedagógicas. Em uma de suas visitas a centros infantis, conta

que ouviu o seguinte relato de uma professora: “com as crianças do infantil não precisamos

preparar para alfabetizar, só precisa alfabetizar no tempo que for para alfabetizar”.

Imediatamente, Raimundinha contestou a afirmação da professora, alegando que era

preciso dar bases às crianças assistidas pelos centros infantis de Parnamirim, porque se a criança

chega ao primeiro ano habituada ao universo da alfabetização ela avança muito mais e assim

deveria ser a atenção a qualquer nível, dado ao sistema educacional ser de qualidade este deve se

fazer de forma continuada. Onde não haja a compreensão capciosa de que não existe relação

entre os distintos níveis, já que não há uma separação entre um nível e outro, ou mesmo uma

noção hierárquica que torne um nível mais importante que o outro.

Dessa forma, Raimundinha cada vez mais tomava consciência da urgência que a situação

impunha tanto do ponto de vista político quanto pedagógico, tendo em vista que desvios de

condutas, falta de compreensão em relação à complexidade da responsabilidade em fazer parte de

um sistema de ensino começaram a se mostrar cada vez mais serias, complexas e imperativas,

causando também uma urgência de tomadas de atitude que pudessem amenizar tal realidade de

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desacertos. Essa transformação se mostrava para a gestora um caminho escorregadio diante do

gerenciamento de todas essas atribuições.

Para que essa transformação pudesse se dar da melhor forma, Raimundinha conta que era

necessária atenção, observação, escutas, cautelas e sobre tudo um planejamento conciso, não

rígido e honesto em relação ao destino da educação que se pretendia desenvolver. Para isso, em

suas visitas diárias às escolas não eram apenas diretores e professores que eram ouvidos, o

diálogo era com todos: merendeiras, zeladores, pessoal de apoio. Característica essa compatível

com uma conduta democrática, uma vez que numa situação democrática todos os populares são

chamados a fazerem parte das discussões sobre aquilo que está sendo pleiteado, e ao gestor cabe,

entre outras coisas, proporcionar esse olhar inclusivo.

A gestora por ser responsável pela Secretaria de Educação no ano de 2010 compreendia

que todos, em seus papeis, poderiam contribuir e participar, logo deveriam estar dentro das

discussões e podendo operar nos planos para mudanças construtivas na educação do município.

Por isso era necessário que fosse construído um diálogo entre todas as partes que compunham a

realidade da educação de Parnamirim, como caminho para que as demandas dessas partes fossem

pleiteadas pelo projeto que deveria surgir em sua gestão.

Mesmo com toda sua bagagem de sala de aula e gestão escolar, Raimundinha sabia que

precisaria unir forças com aqueles que partilhavam da mesma essência de compreensão do que é

se fazer educação e nisso seu assessor Nestor Lima foi de fundamental papel, tanto nas trocas de

orientação quanto nos planejamentos sobre o que fazer.

Havia inúmeras questões imediatas para cobrir, que o grupo de Raimundinha tinha que

dar início; melhoria dos dados educacionais, por exemplo: a escola que possuía o melhor IDEB

era num bairro distante do centro e só havia 60 alunos, o que diante do quadro era um número

muito ínfimo, e com isso começaram a pensar alternativas para minimizar as diferenças quanto à

quantidade versus qualidade.

Havia escolas que tinham computadores, salas de laboratório com 15-20 computadores,

mas cerca da metade dos professores da rede se quer sabiam utilizá-los. A formação era algo

imprescindível.

Dorivan que tinha experiência com formação para alunos das series inicias foi quem

primeiro comentou sobre um projeto de intervenção pedagógica. Como era comum trazer

professores de fora para realizar formações junto aos professores, nessa situação se fez diferente,

começaram chamando os professores mais experientes da rede para serem multiplicadores em

suas escolas e aos poucos se foram montando em cada escola uma linha de formação.

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Nascia, assim, a primeira tentativa de formação próxima e conectada entre os professores,

neste caso de series inicias coordenada pela Dorivan Lima Ritzel. Era comum chegar aluno no 6º

ano do Ensino Fundamental II sem saber ler e escrever, muitos colocavam a culpa no que

chamavam de lei, já que tinham que passar os alunos de ano. Raimundinha dizia que o

entendimento era errôneo, que até o 3º ano a criança deve ser alfabetizada para que consiga

chegar ao 6º ano não só alfabetizada, mas em estado de letramento.

Assim, com essas orientações, deu-se início o caminho de formação para não só o ensino

das series iniciais, mas todo o ensino básico. A aposta dessa gestão era deixar não só para as

próximas gestões que viessem, mas para a educação de Parnamirim, um rumo autônomo e de

maior qualidade.

Acredita-se que quando as pessoas se sentem parte de uma construção curricular e veem

que essa construção fornece mudanças, melhoras, que estão dentro desse processo, a satisfação e

o desejo de aprender se torna latente e as reais mudanças podem acontecer.

1.3 O MOTIVO DE O MUNICÍPIO BUSCAR A ASSESSORIA DO GRUPO DA UNIVERSIDADE

Nestor Lima nos contou que ao chegar na secretaria de educação deparou-se com uma

situação bastante difícil na Secretaria, do ponto de vista de começar uma nova estratégia de

trabalho com um quadro de pessoas habituadas a outra dinâmica diferente da que ele tinha

planejado iniciar, junto aos outros assessores que como ele viam urgência em fazer um trabalho

contundente na Secretaria de Educação. Assim, para ele nesse primeiro encontro:

Encontramos por exemplo, uma centralização muito grande por parte da secretaria e certa divergência de grupos internos, acho até que por causa das políticas, dos grupos, dos interesses... então, era difícil pela falta de informação, o problema de como lidar com uma equipe que já vinha a muito tempo trabalhando na secretaria, com uma forma muito própria de pensar a educação, o papel da secretaria frente a educação. Então tivemos que pensar uma série de passos, porque você sabe, quando chega alguém de fora há toda uma apreensão sobre o que vai acontecer, como é que vai ser.

Pensar novas mudanças, segundo ele, com um quadro de servidores com práticas arraigadas e

que olhava com desconfiança a nova gestão é uma limitação clara, já que todo apoio numa hora de

retomada da organização é uma força a mais para concretização dos planos para o futuro não só da

secretaria, mas para o processo de mudança da educação no município. A primeira coisa que

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foi feita pela equipe de assessoria da secretaria foi compreender os programas que já estavam em

andamento, verificar como eles estavam sendo aplicados.

À frente de pensar o que fazer e maturando possíveis propostas voltadas para os anos

finais do ensino fundamental, Nestor entra em contato com a professora Marta Pernambuco da

Universidade Federal do Rio Grande do Norte, coordenadora do GEPEM, com quem trabalhou

no mesmo departamento durante anos.

Recordando da referência dela em práticas, metodologias de ensino, experiências em

projetos de extensão, de natureza interdisciplinar e por saber de sua competência nas formações

que primam pela interdisciplinaridade, viu nela a melhor pessoa para planejar em conjunto,

atrelando experiência de formação com espaço para pôr em prática aquilo que precisa sair de fato

dos muros da universidade e ser experimentado e acessível ao contexto escolar.

Surge o convite e unem-se os grupos da universidade e os grupos da secretaria do município

dando início à análise e reflexão para pôr em prática uma proposta de formação baseada na práxis

freireana, para os professores desse nível de ensino supracitado, já que nele, segundo o assessor da

secretaria, sofre-se uma ausência de alternativas de ensino-aprendizagem e formação permanente.

Existiam versões de formação no município para professores de outras modalidades, mas

para o nicho do sexto ao nono ano o que havia era uma carência de formação. Nestor se via

diante de uma nova demanda de professores que acabara de passar no concurso do município e

não sabia como fazer ante uma formação voltada para esses professores que estavam chegando

no município, daí que o grupo da universidade entra para prestar assessoria a secretaria e como

uma tentativa de aprimorar o currículo existente.

As primeiras reuniões com a equipe da secretaria para falar da proposta do projeto foi

bem recebida por todos, Nestor acreditava ser possível fazer um trabalho que tivesse, além de

tudo, a cara do município, e a proposta da professora Marta Pernambuco ia ao encontro aos

anseios do que o grupo da secretaria pretendia trabalhar naquele momento, com uma

metodologia pautada no conhecimento da comunidade, partindo dessa comunidade como

referencial, visando sempre a interdisciplinaridade como elo educativo entre os professores,

fundamentação mais crítica dos conteúdos e a escola como foco.

Os demais participantes dessa equipe de assessoria da secretaria confiaram nisso também,

encarando uma proposta que para os grupos envolvidos seria inovadora para o município e que

possibilitaria novos conhecimentos no “que fazer” de suas práticas pedagógicas. Quer seja para

quem atuava na secretaria quer seja para quem estava querendo aprender a fazer. A curiosidade

mobilizou desde cedo todos os grupos envolvidos.

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CAPÍTULO 2 – A NATUREZA DA FORMAÇÃO: O PROCESSO DE REORIENTAÇÃO CURRICULAR VIA TEMA GERADOR

2.1 A ESCOLA ENQUANTO SELEÇÃO SOCIAL E PROPOSTAS ALTERNATIVAS PARA O ENSINO

Nesta seção abordaremos como a situação da escola no contexto social precisa ser

repensada, tendo em vista que estamos diante de políticas e práticas pedagógicas que não

promovem um rumo à emancipação das pessoas já que as mesmas se encontram imbuídas nos

interesses e nas relações de poder.

Dentro do sistema educativo as finalidades que direcionam as práticas de ensino são as

mais diversas, tais como: as que consistem na instrução e transmissão de técnicas e conteúdos que

visão o ingresso ao mercado de trabalho; a aquisição de valores e comportamentos socialmente

recomendados; as que se relacionam com a promoção da autorrealização; e as que têm como

finalidade não só o ingresso ao mercado de trabalho, mas também aqueles que visão contribuir

para igualdade entre os indivíduos por meio das práticas educativas.

Isto acontece por ser o espaço educativo uma área de conflitos onde se expõe a variação

de compreensão sobre qual seria a finalidade da educação escolar, quais são suas

responsabilidades dentro da sociedade, logo, como o sistema, deve-se colocar diante dos

problemas sociais. Nessa direção, encontraremos para cada questão dessa uma variação de

compreensão sobre o tema, que, por sua vez, gera uma multiplicidade de práticas educacionais,

cada uma relacionada a uma perspectiva, ou mesmo a várias perspectivas pedagógicas.

Para exemplificarmos aquilo que foi dito acima torna-se importante pensar sobre como se

diferenciaria uma perspectiva de educação freriana, que entende a educação como meio possível

de transformação e direciona práticas de ensino em prol da emancipação do coletivo que

circunda o espaço escolar.

Essa prática freriana seria diferente de uma prática de ensino que entende o homem como

um depositório e que, por isso, acredita que a escola é apenas um espaço de transmissão de

conhecimentos pré-estabelecido, que deve adaptar o mesmo àquilo que é determinado pelo meio.

Tais perspectivas fazem jus a uma perspectiva tecnocrata que entende que a escola é apenas um

espaço de transmissão das técnicas para a formação de mão de obra e, por isso, deve responder as

necessidades econômicas do meio.

Pensando nessas diferenças que constroem os espaços educativos, iremos discutir esse

espaço, enquanto lócus de transformação social, e não somente reprodutores de tensões, tendo em

vista que pode ser um espaço de diferentes modos de socialização de saberes e conhecimentos,

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assim como de uma formação docente permanente (pertinente), que vise encarar os desafios

atuais enfrentados em nossa sociedade, a saber: as desigualdades, violências e processos

desumanizadores, entre outros.

Por fim, levantaremos o processo de reorientação curricular via Tema Gerador como

aposta à alternativa crítica na busca de um ensino mais justo, e como ponto de mudança para

alternativas de ensino a partir do Tema Gerador. Essa direção denota uma responsabilidade

desses espaços com o sujeito em seu processo de tornar-se mais de si mesmo, fazendo uso

daquilo que o conhecimento pode os oferecer para esse fim transformador.

No estreito contexto de uma pedagogia que providencia o hábito de elencar respostas ao

invés de promover perguntas, o aluno, por vezes, não tem contato com a realidade concreta,

aquela realidade em que as lutas são interpretadas, dominadas, em que impera a discriminação, a

astúcia, a competição e negligencia-se a resistência, a tomada de consciência. Esta não é a

realidade que o aluno deve ler; entendendo leitura como aquela que remete ao olhar sobre o

mundo de modo a esclarecer e compreender como está, como se configura e qual o papel de cada

um para e na mudança do mesmo.

Há que se pensar que as leituras do mundo variam de pessoa para pessoa, pois a leitura de

mundo está diretamente ligada as experiências que vivemos no mundo. A leitura de mundo de

cada um interfere na produção de sentido. Se uma mesma produção, texto, fala, for produzido,

interpretado por várias pessoas, cada um terá um sentido a sua maneira, de acordo com sua visão

de mundo, percepções que estão inscritas em nós mesmos. Nesse sentido Merleau Ponty (1971)

nos diz:

Três realidades, no espaço e no tempo da história, encontram-se soldadas, indiscriminavelmente: o mundo, nós e os outros. É a palavra que estabelece uma circularidade comunicativa, constituidora e de mutuo partejamento de tudo e de todos como totalidade. A leitura do mundo, no entanto precede a palavra que dizemos. O mundo nos precede. (PONTY, 1971, p. 32)

Ler o mundo então é um mergulhar no mundo com os outros mantendo sua particularidade

de leitura e, ao mesmo tempo, usando tal particularidade como ponto de diálogo entre essas três

realidades que formam o todo. Logo, a leitura de cada um sobre sua realidade é um se afirmar nessa

realidade, é viver, ser, estar no mundo e concretizar-se se tornando parte do mundo com os outros.

Neste contexto é fundamental explicitar a compreensão de Paulo Freire quanto à

especificidade e natureza pedagógica da escola, para ele:

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É uma escola em que realmente se estude e se trabalhe. Quando criticamos, ao lado de outros educadores, o intelectualismo de nossa escola, não pretendemos defender posição para a escola em que se diluíssem disciplinas de estudo e uma disciplina de estudar. Talvez nunca tenhamos tido em nossa história necessidade tão grande de ensinar, de estudar, de aprender mais do que hoje. De aprender a ler, a escrever, a contar. De estudar história, geografia. De compreender a situação ou as situações do país. O intelectualismo combatido é precisamente esse palavreado oco, vazio, sonoro, sem relação com a realidade circundante, em que nascemos, crescemos e de que ainda hoje, em grande parte, nos nutrimos. Temos de nos resguardar deste tipo de intelectualismo como também de uma posição chamada antitradicionalista que reduz o trabalho escolar a meras experiências disso ou daquilo e a que falta o exercício duro, pesado, do estudo sério, honesto, de que resulta uma disciplina intelectual. (FREIRE, 2003, p. 114).

Tais explicitações frerianas nos levam a pensar sobre o que forma o chão da escola, quais

os elementos que eclodem ao pensarmos sobre a relação dos professores e dos alunos.

Diante dessa relação que se mantem conflitante, cada vez mais se silenciam os pontos de

inquietação desse conflito, graças ao enquadramento de modelos educativos pré-estabelecidos. Se

buscarmos pensar sobre isso entender o silencio dos rumores que inquietam, ao invés de

promoverem o movimento do conflito, da pergunta, da clareza do desconforto e da ação.

A aposta freireana vai em direção de que ao se perceber o desconforto, percebemos, também,

a semente que torna possível o germinar da mudança em potência. Essa potência diz respeito direto a

capacidade de pensar nossa existência, mas também no nosso agir sobre o mundo.

Paulo Freire (2003), colocando-se como aprendiz da própria experiência, chama a atenção

ao processo de ensinar e aprender, propondo refletir as formas de abordagem com o corpo

discente, trazendo para as discussões a importância do educando reconhecer-se como tal e,

portanto, compreender sua tarefa no processo de aprendizagem:

O educando precisa assumir -se como tal, mas assumir-se como educando significa reconhecer-se como sujeito que é capaz de conhecer o que quer conhecer em relação com o outro sujeito igualmente capaz de conhecer, o educador e, entre os dois, possibilitando a tarefa de ambos, o objeto de conhecimento. Ensinar e aprender são assim momentos de um processo maior – o de conhecer, que implicar re-conhecer. (FREIRE, 2003, p. 47).

Isto nos leva a entender que em um espaço educativo, onde surge o desinteresse entre o

processo de ensino e a rotulação do que se deve aprender, esse desinteresse pode ser o indicador

de que ocorre nesse espaço um não reconhecimento de ambos os lados de seus papeis como

sujeitos criadores, re-conhecedores de seus lugares no mundo, propagadores de mudanças para o

bem comum.

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Desta forma, exige-se a compreensão da sociedade em que se está inserido, buscando a

permanente análise da estrutura social, cultural, política e econômica, a compreensão da educação

no contexto de crianças, adolescentes, jovens e adultos trabalhadores que podem estar por traz

desse desinteresse que nega aos sujeitos o seu re-conhecer dos conhecimentos possíveis.

Para Freire (2011), a escola se apresenta como local privilegiado à libertação, pois é pela

possibilidade de debater, discutir, dialogar que se alcançará a compreensão sobre a realidade

circundante, e assim, ser possível, escrever a história das mudanças e das transformações. Na

educação, sua opção teórica, traduz a constante necessidade de diálogo14, a importância do pensar

a prática como forma de refazer, refazendo-se.

Isso indica não apenas a ideia de “aprender a andar andando”, mas o vigor do significado

da relação da prática com a teoria, dando ao ensino que é construído cuidado a práxis como base

educativa. Para exemplificar o que acabamos de dizer, pensemos na situação de reconhecimento

dos problemas sociais como algo dado, sem problematizar que é soma das mudanças que somos

capazes de construir. Se pensarmos assim, que esses problemas são externos a nós, não

interpretaremos de modo claro nossa própria realidade.

Esse elo entre vivencia e experiência pelo mundo acumulado leva o perceber-se com o

mundo e não somente nele, oferece uma leitura da ação como ato consciente, capaz de libertar,

de emancipar e, portanto, transformar.

2.1.1 A escola e a seleção social

A simples ideia de interpretar a escola e o sistema escolar, segundo Licinio C. lima (2014)

da Universidade do Minho, confere a esta escola e a este sistema um caráter de relações de poder,

de interesses e conflitos, de admitir que as organizações educativas possam ser estudadas como

burocracias, sistemas políticos, arenas políticas. É ainda por vezes, considerada chocante, com

funções e concepções de educação e de pedagogia de feição consensualista e funcionalista, bem

como de representações de gestão escolar que não partilha decisões ou as constrói coletivamente,

formando uma cultura escolar fortemente uniformizadora.

Nessa direção Frigotto (2007) nos esclarece que o campo escolar reflete os conflitos de

interesses entre os grupos sociais. Sobre isso o mesmo esclarece que:

14 O diálogo para Paulo Freire seria “á força que impulsiona o pensar crítico-problematizador em relação á condição humana no mundo. Através do diálogo podemos dizer o mundo segundo nosso modo de ver. Além disso, o diálogo implica uma práxis social, que é o compromisso entre a palavra dita e nossa ação humanizadora” (ZIRKOSKI, 2016, p 117).

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O campo educativo e, mais amplamente, a formação humana, tem se constituído, desde o projeto da burguesia nascente, um campo problemático para definir sua natureza e função social. Os dilemas – que assumem conteúdos históricos específicos – decorrem, de um lado, do fato que a forma parcial (de classe), mediante a qual a burguesia analisa a realidade, limita, em certa medida, a concretização de seus próprios interesses; de outro, porém, decorrem do fato da existência de interesses concretos antagônicos dos grupos sociais que constituem a classe trabalhadora e que tornam o campo educativo, na escola e no conjunto das instituições e movimentos sociais, um espaço de luta contra hegemônicas. (FRIGOTTO, 2007, p. 33).

Ao compreendemos tais afirmações o que elas denunciam é que somos levados a

compreender que existe uma variação de grupos, logo de finalidades, que compreendem a escola

de formas diferentes, onde muitas dessas compreensões submetem a escola a utilidades

direcionadas.

São interesses voltados a economia, pois enxergam a educação como instrumento de

seleção para produtividade, em que se ignora a educação como instrumento de transformação

social, em nome de uma objetividade tecnocrática, que enrijece a escola a um fim transmissor pré-

estabelecido. Sujeitando o homem àquilo que lhe é indicado como seu lugar social pré-disposto,

da mesma forma que indica os conhecimentos que devem ser transmitidos pelo homem para ele

tornar-se apto para tal fim determinado.

Esses entendimentos do que seria a escola vão contra sua função como meio

humanizador, propagador da liberdade entre os sujeitos criadores, que é indicado nesta

dissertação, uma vez que nega do sujeito que deve ser adaptado, sujeitado, seu potencial de

tornar-se mais, de construir além do que o sistema de competências, competitividade e

meritocracia determinam. O construir além vai em direção à possibilidade de condições dignas de

vida, pela participação e igualdade entre os homens.

Por isso comungamos com o entendimento de que a escola não pode ser tratada como

um espaço onde apenas se transmite fórmulas já dadas de ensino e aprendizagem, como é a

compressão de grupos que compartilham da o ideário de educação bancária, como se um sistema

educacional estivesse fazendo seu papel apenas ao reproduzir programas que lhes são impostos

por esferas macros.

Esses programas são elaborados sem ter a noção total das singularidades que formam as

distintas realidades das escolas brasileiras, independente de tais grupos que aceitam a utilidade

desse sentido e argumentam que essa perspectiva bancaria serve as necessidades da sociedade.

Tais compreensões se mostram como não críticas por ignorarem o elemento desumanizante que

se esconde por traz de perspectivas negadoras do sujeito em sua particularidade. Contrariamente

a isso Freire (2011) dirá que:

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Quando vivemos a autenticidade exigida pela prática de ensinar-aprender, participamos de uma experiência total, diretiva, política, ideológica, gnosiológica, pedagógica, estética e ética, em que a boniteza deve achar-se de mãos dadas com a decência e com a seriedade. (FREIRE, 2011, p.26)

E esclarecerá ainda que:

Uma das tarefas essenciais da escola, como centro de produção sistemática de conhecimento, é trabalhar criticamente a inteligibilidade das coisas e dos fatos e sua comunicabilidade. É imprescindível tanto, que a escola instigue constantemente a curiosidade do educando em vez de “amaciá”-la ou “domesticá”-lá. (FREIRE, 2011, p. 121).

A escola é o espaço onde se encontram pessoas em todas suas complexidades, esses

encontros de pessoas, que não podem ser tratadas como coisas, só se tornam um instrumento de

mudança em espaço realmente democrático. Se essas pessoas são desmerecidas e suas falas são

ignoradas, diminuídas ou induzidas, não encontram meios para participarem efetivamente da

construção desses espaços.

Daí a urgência de cindir esse caráter de cunho antidemocrático e anti-emancipatório

dando reforço à escola para sua autonomia. Para que isso ocorra, a escola precisa do movimento

de se fazer realizar ante a situação de hegemonia. Esse processo contra hegemônico é

possivelmente o caminho para a construção de uma escola que não funciona enquanto seleção

social, pois dentro dela privilegia-se a intenção de incluir, gerando a real situação de participação

da população nos enredos sociais.

Devemos entender que vivemos uma conjuntura marcada por transformações profundas

e contraditórias, transformações essas relacionadas a relativização do tempo, dos laços afetivos,

da forma que percebemos o mundo e a nós mesmos, transformações que estão envolvidas com

as transformações dos meios de produção, com os meios de comunicação, incidindo em nosso

modo de nos organizarmos socialmente e, dessa forma, irrompem a crença dos direitos iguais,

aprisionando os pobres a sua condição de destino dado. Segundo Frigoto e Gentilli (2007):

O impressionante avanço das forças produtivas aumenta as possibilidades de prolongar e melhorar a vida humana, ao mesmo tempo que mutila e torna precária a vida de quase metade dos habitantes do planeta. Milhões de seres humanos, especialmente os de terceiro mundo, sofrem, ainda hoje, as conseqüências brutais da fome e de doenças endêmicas, cuja cura já era conhecida desde a idade média. Mais de mil e duzentos milhões de adultos são violentados pelo horror político e econômico do desemprego desestrutural, enquanto milhões de meninos e meninas são quotidianamente submetidos a

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maus tratos e violência em um mercado de trabalho que os reduz a meros escravos, negando-lhes os mais elementares direitos humanos e desintegrando-os física, psicológica e afetivamente. (FRIGOTO, GENTILLI, 2007, p.10)

Essa citação acima nos denuncia como esses espaços conservadores, a exemplo a escola

de caráter seletivo, reproduzem situações de negações, de negligencia para com aqueles que são

postos a margem. A escola que não busca em suas práticas romper com isso tornar-se um

instrumento reprodutor dessas situações de dominação e exploração, do mesmo modo que um

sistema educacional que não busca construir meios para romper com práticas que reproduz essas

situações de exploração e dominação, também tornar-se uma peça na engrenagem da

hegemonização, da naturalização das situações de negação, de exploração, de dominação.

Então deveríamos pensar que a educação está fadada ao fracasso, assim como a

sociedade, já que a mesma compartilha situações de opressão social, e que não existe

possibilidade de mudança, como nos aponta Saul (2011):

Convive-se, de um lado, com a derrota anunciada que aponta os limites aparentemente intransponíveis para uma condição de vida melhor e, de outro, com a pressão do próprio sistema capitalista para que esses limites sejam transpostos. O “estímulo” que o sistema oferece para a superação das dificuldades, todavia, na maioria das vezes, valoriza tão somente o esforço individual, a subjetividade, desconsiderando as condições históricas e materiais, nas quais os fenômenos estão circunscritos. [...] Desenvolvem, assim, posicionamentos fatalistas, uma falsa consciência geradora de pensamentos que as acomodam como: “Não tem jeito mesmo, não há o que fazer”. [...] em decorrência as pessoas passam a ter uma prática de adaptação e não de inserção política, de passividade. (SAUL, 2011, p. 14)

Contudo, contrariamente, a escola é também o mecanismo, o lugar, em que pode

colaborar propiciamente para audibilidade dos sujeitos e ser campo de problematização das

contradições e antagonismos, pois sendo coerente de seu papel na vida dos alunos trabalharia na

direção de iniciativas que possibilitassem traze-los a partilhar, participar e sentir–se conscientes da

importância dos conteúdos, temáticas e informações compartilhadas nesse espaço. Saul (2011), de

acordo com o pensamento freireano, afirma que “é preciso lutar para que a realidade se dê de

outra forma, na qual a utopia seja sonho possível, reagindo-se, dessa forma, contra o discurso

neoliberal de que já não há classes sociais e nem conflito entre elas” (p.21).

Logo, seria uma educação voltada a construir uma nova visão de mundo, onde as diferenças

sejam reconhecidas sem serem desmerecidas, rompendo estigmas e desmontando opressões.

Nessa perspectiva, Freire (2009) lança o olhar à esperança da escola enquanto trecho de

anúncio e produção de mudanças. Partindo da ideia de libertar os oprimidos de suas condições de

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opressão, reage através de um agir e pensar educativos impregnados de troca, cuidado, falas e

escutas. Segundo ele:

É bem verdade que a educação não é a alavanca da transformação social. Mas sem ela esta transformação não se dá. Nenhuma nação se afirma fora desta louca paixão pelo conhecimento, sem que se aventure, plena de emoção, na reinvenção constante de si mesma, sem que se arrisque criadoramente. (FREIRE, 2009, p. 53).

O que significa dizer que sem o espaço educativo, as mudanças teriam espaços restritos já

que não discutimos ou criamos sozinhos, nem somos seres de um processo inato, próprio e não

influenciado. Somos a soma do mundo, da cultura e do nosso próprio olhar, que perpassando o

dos outros, ouvindo-os e com eles trocando, vamos mudando a nós e junto a eles, o mundo.

Na distribuição social do conhecimento, que busca a adaptação, que exalta as

oportunidades, os traços agressivos da realidade são ignorados e emudecidos. A classe dominante

os condena a uma “cultura do silêncio”15. É este silêncio, nas suas formas de resistências, respeito

às diferentes visões, que o professor deve estar atento para despertar, para conhecer com o aluno.

É fundamental para os planos de uma ação político-pedagógica conhecer as verdadeiras

resistências que subsistem no seio da cultura do silêncio. Ao nos aproximarmos das resistências

que o aluno opõe diante dos embates da ideologia dominante, será possível reconhecer os

resquícios, opressões e ideologias que a classe dominante criou.

Como Paulo Freire (2011) indica é na relação do conhecer a realidade criticamente que

nós tomamos consciência de nossa condição de opressão, por sua vez podemos inferir que as

ideologias negadoras das potencialidades do sujeito como criador, são responsáveis, em parte,

pela reprodução de muitas limitações que paralisam o sujeito diante do seu próprio estado de

negação. Contudo, sabemos que há a confronto dessas ideologias negadoras, confrontos como o

feito pelo próprio Paulo Feire em sua trajetória de vida que visa à construção de uma escola

coerente com o processo de humanização.

O conceito de ideologia surgiu no contexto das transformações sociais e políticas que

marcaram os séculos XVIII e XIX (Revolução Industrial e Revolução Francesa). Desde seu

surgimento, até nossos dias, há um intenso debate sobre o papel que as ideias ocupam na

sociedade: se fazem parte dela ou se são apenas reflexo da realidade.

15 A cultura do silêncio é gerada, como forma de resistência cultural, na estrutura opressora. Portanto como diz Freire, toda luta contra a ideologia ou as ideologias dominantes deve se basear na resistência feita pelas classes populares e, a partir daí, elaborar ideologias que se oponham a ideologia ou ideologias dominantes. E não o contrário, criando ideologias em oposição ás ideologias dominantes, sem considerar que se deve partir de uma base concreta: as resistências feitas pelo povo, e isto é básico em qualquer luta ideológica.

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Esse conceito tinha, a priori, o objetivo de tomar o lugar da teologia como ciência das

ideias, tendo em vista que o mundo se tornava cada vez mais racional e menos teológico. Sob a

nova crença, a humanidade era responsável por seus atos e pelas consequências advindas deles

(CHAUÍ, 1984).

No cotidiano, a ideologia dominante se constitui num processo social que busca assegurar

a obediência e gerar a conformidade social através de inúmeros mecanismos. Por esse motivo

podemos descobrir que o que pensamos não é resultado de uma ação própria de um ato de

conhecimento, mas são ideias que escutamos, lemos, ou vimos nos meios de comunicação, ideias

assimiladas sem um senso crítico que convertemos em realidade, em ação.

Essa ideologia é embebida numa maneira de explicar como os anseios do sistema capitalista

configuram-se nas intenções de um sistema que, em seu núcleo, visa à supremacia de uns sobre

outros, promovendo a competição, gerando desigualdades das mais diversas, submissão

“intelectual” de uns por outros e a sociedade preordenada ao consumo.

Chauí (1984) define ideologia como o conjunto de condutas pré-disposta ao homem que

direcionam seu modo de ser, dessa forma o retirando em parte seu poder sobre decidir por si

mesmo seu modo de ser. Dessa forma a ideologia é reconhecida como negadora do sujeito e

propagadora de uma passividade que poda seu poder de criação sobre si mesmo e sobre o

mundo, como foi indicado a cima. A ideologia é, portanto, um corpo explicativo (representações)

e prático (normas, regras, preceito) de caráter prescritivo normativo e regulador, que nega ação

do sujeito sobre si mesmo e sobre seu mundo por lhe determinar como deve agir.

Para a autora, portanto, para que essa ideologia se realize é necessário que haja um

processo de alienação, e, para isso: “a alienação social é o desconhecimento das condições

histórico-sociais concretas em que vivemos e que são produzidas pela ação humana, também, sob

o peso de outras condições históricas anteriores e determinadas” (CHAUI, 2003, p.173).

Essa reflexão nos levou a questionar que em uma escola que toma a transformação do

mundo por meio dos conhecimentos dos sujeitos e seu poder de criar, as ideologias devem servir

como instrumentos propiciadores das situações de problematização, de negações que denunciam

o como esse mecanismo negador funciona e como em coletivo podemos desconstruir os efeitos

da passividade.

Assim em uma escola emancipadora as ideologias são tornadas objetos que puncionam a

própria transformação, tal que é a compreensão do seu funcionamento na realidade que nos abre,

possivelmente, para a construção de estratégias que rompem com a reprodução das mesmas na

vida social.

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Por isso é tão sério pensar a educação que está posta nesse momento, como devemos

analisá-la e se esta condiz com a autonomia das pessoas. É visível sua linha meritocrática e

distante sua tarefa em problematizar o meio social que faça com que os alunos enxerguem o meio

social e possam lutar por uma realidade mais digna.

Numa perspectiva progressista, em que o professor está no contato direto com o aluno, da

relação de ensinar e aprender, na medida em que o professor tem clareza a respeito de sua opção

político-pedagógica, pode conhecer melhor as razões que nutrem suas ações contra o mau hábito do

pensar a prática: o pensar estático puramente conteudista, não dialético e não dinâmico. Dessa forma

ele vai criando coerências entre a teoria e a prática, validando-se na crítica e na autocritica para uma

proposta de educação que problematiza; educação esta que precisa estar aberta às diferenças e ao

novo na história, sem abrir mão de sua posição política a favor dos oprimidos.

É preciso sim lutar por uma educação para a liberdade, que dê sentido às relações

humanas, mobilizando para os caminhos de acesso ao conhecimento, associada à cultura. Cultura

essa, usada nas lutas, por melhor viver.

2.2 O PAPEL DO PROFESSOR NA FORMAÇÃO DO SUJEITO CRÍTICO

Sob a égide do pensamento freireano, reconhecemos importantes direcionamentos como

a necessidade da consciência crítica na ação pedagógica, dá organização de estratégias coletivas

que partam do diálogo, da necessidade de perspectiva da experiência pedagógica relacionada às

todas as esferas sociais entre outras que são esmiuçados abaixo e que se concatenam com a

perspectiva de formar professores capazes de assumirem um papel mediador, questionador e

instigador no processo de construção do conhecimento, por um viés de emancipação.

Essa emancipação humana apresenta-se na obra de Freire imbuída de um caráter de

intencionalidade política de fazer com que homens e mulheres possam exercer seu direito de ser

no mundo, atuar, pensar para mudar.

É bem sabido que a tomada de consciência, para que o homem possa se conscientizar da

sua opressão no mundo e consiga assim agir sobre ela, só será possível se houver um estímulo

para pensar o mundo, encará-lo com coparticipação para mudança, uns com os outros, para um

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benefício comum, visionando caminhos possíveis, mudanças precisas e compartilhamento. Falar

de emancipação em Freire (1997) significa:

Uma grande conquista política a ser efetivada pela práxis humana, na luta ininterrupta a favor da libertação das pessoas de suas vidas desumanizadas pela opressão e dominação social. As diferentes formas de opressão e de dominação existentes em um mundo apartado por políticas neoliberais e excludentes não retiram o direito e o dever dos homens e mulheres mudarem o mundo através da rigorosidade da análise da sociedade, com vivências de necessidades materiais e subjetivas que contemplem a festa, a celebração e a alegria de viver. (FREIRE, 1997, p.11)

É nessa perspectiva de análise da sociedade que a formação de professores deve atentar, seja

em sua intenção política de contribuir para melhoria da sociedade, seja no direito de possibilitar ao

seu aluno um pensar mais esclarecido e liberto. Paulo Freire, em seu legado, postula que os

professores pensem na direção de uma prática pedagógica não distanciada dessa busca pela liberdade,

dessa luta pela emancipação dos homens. Nesse direcionamento, Auler (2002), falando sobre os

pressupostos de Freire, destaca que na direção da formação de professores a ideia deve:

Apontar para além do simples treinamento de competências e habilidades. A

dimensão ética, o projeto utópico implícito em seu fazer educacional, a crença

na vocação ontológica do ser hu mano em “ser mais” (ser sujeito histórico e

não objeto), eixos balizadores de sua obra, conferem, ao seu projeto político-

pedagógico, uma perspectiva de “reinvenção” da sociedade, processo

consubstanciado pela participação daqueles que, hoje, encontram-se imersos na

“cultura do silêncio”, submetidos à condição de objetos ao invés de sujeitos

históricos. Freire entende como uma questão ética a constituição de uma

sociedade mais democrática, sendo, para tal, necessário a superação da “cultura do silêncio”. (AULER, 2002, p.3).

Os professores por si só não garantem isso sozinhos, é preciso investir na formação

permanente do educador, é, portanto, uma necessidade pedagógica e uma opção política. Em

nossa síntese coletiva16, observamos que o significado de “formação permanente” no âmbito do

pensamento de Paulo Freire tem suas raízes na própria condição humana, ou seja, por sermos

inconclusos, precisamos “ser mais” não apenas no sentido da busca pelo aprimoramento

intelectual, mas, sobretudo, da busca pela humanização. Como o próprio Paulo Freire (2011)

16 Essa síntese de análise sobre formação permanente ocorreu em uma disciplina ofertada pelo grupo GEPEM, na pós-graduação do centro de educação da UFRN, chamava ateliê, que, em coletivo, numa das atividades, a partir de leituras em obras freireanas, somamos ideias a respeito do que viria a ser a formação permanente em Freire. A disciplina foi ofertada em 2014.1 e continua sendo ofertada como meio de conhecimento acerca das análises de tese que utilizam conceitos freireanos.

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sinaliza ao longo de sua obra, esse “ser mais” é uma vocação histórica e ontológica dos seres

humanos.

Esse aprimoramento formativo voltado ao ser mais, cabe salientar, não se encerra em um

processo institucionalizado de ensino e de aprendizagem, posto que se realiza enquanto prática

social orientada pela necessidade de transformação e humanização das relações sociais.

É na prática educativa, na intenção do “ser mais”, que a escola pode receber os saberes e

unir desejos, compreensões de mundo que trabalhados pelo professor, com os educandos, de

maneira atenciosa e crítica podem ganhar novas forças, tons, direções e lutas. Para isso não é

somente necessário ter-se paredes, cadeiras e incrementos materiais, mas também a compreensão

e ética educativa de quem orienta caminhos possíveis e problematiza a realidade.

Segundo Shor (2000), a formação do professor, ainda é um grande problema, pois limita

seus experimentos e sua curiosidade. Modelos de formação que não atende às necessidades dos

educandos que os professores atenderão. Geralmente, professores originários das classes

populares, que continuando recebendo uma educação excludente, continuarão na condição de

sujeitos oprimidos, castrando a possibilidade de se reconhecerem e serem reconhecidos como

sujeitos históricos inseridos no meio social.

Os professores têm poucas oportunidades de ver salas de aula libertadoras. Os programas

de formação de professores são quase sempre tradicionais e as escolas que eles frequentam não

estimulam a experimentação. Assim, o problema dos modelos é a primeira questão que os

professores levantam. (SHOR, 2000).

Para Freire e Shor (2000), todo esse processo prejudica a transformação de simples

professores, a serviço da transmissão de conhecimentos em educadores libertadores. A

importância da compreensão do contexto social para distinguir os objetivos de uma educação

opressora e uma educação libertadora é um elemento fundamental nessa transformação.

O educador no qual nos referimos, é esse sujeito questionador, teimoso, rebelde, que mesmo

“desorganizado”, insiste na mudança, pessoal e coletiva. Que a educação deva ser ofertada às camadas populares a fim de que correspondam às suas expectativas. E que a escola seja esse

ambiente de aprendizado mútuo, respeitando e aprendendo a conviver com as diferenças e os

diferentes.

Nessa direção, a “formação permanente” se constitui em um movimento praxiológico no

qual os indivíduos devem se fazer sujeitos de sua prática, recriando-a continuamente por meio do

processo de “ação-reflexão-ação” sobre o mundo.

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O educador deve ter consigo desde o início do seu processo de formação a consciência de

quem ensina também aprende, de que sua ação não será transmitir conhecimento ou conteúdos,

mas possibilitar ao educando produzir e promover seus próprios conhecimentos.

Ao falarmos de Formação Permanente, atentamos não apenas quanto às inovações

tecnológicas, mas, além disso, colocamos em relevo aqui a necessidade de nos questionarmos

sobre uma formação permanente que auxilie o professor a se manter, construindo-se como um

propagador da necessidade de transformação por meio do processo de ensino-aprendizagem.

Isso repercute em sua construção como um profissional que precisa se manter atualizado

sobre as modificações do seu meio, dos problemas que circundam sua prática, sejam esses,

políticos, culturais, sociais ou econômicos. Para isso esse professor deve ser um pesquisador no

sentido mais amplo da palavra, dado que deve ter meios de continuamente construir-se e

reconstruir-se conforme a realidade que é apresentada ao mesmo.

Esses elementos poderiam tornar o professor capaz de orientar em direção ao processo

de emancipação, isso nos leva a pensar a formação em uma visão mais ampla e profunda da

realidade dos nossos tempos que, problematizando as características desse tempo e sua relação

com a história, possa trazer percepções sobre essas transformações.

Essa formação para a emancipação por sua vez deve potencializar o senso crítico, a

vivencia em coletividade, a ação política desses professores, favorecendo aos mesmos, vivencias

dialógicas sobre sua realidade, de seus alunos, seus conflitos, suas situações que expressam

possibilidades e limites da prática escolar. Tornando possível, entre outras coisas, sua organização

docente e desdobramentos críticos para os conteúdos escolares, ou seja, trocas de vivencias que

ajudam a pensar a teoria-pratica-educativa.

Para Bauman (1999), no mundo de hoje, se espera que os seres humanos busquem

soluções privadas para os problemas derivados da sociedade e não soluções derivadas da

sociedade para problemas privados. Ele acredita que hoje muitos pensam que o importante é

atentar para assimilação de novas informações, para não serem deixados para trás e fora do

progresso tecnológico, todavia é importante se atualizar também quanto aos desenvolvimentos

políticos o que está por trás de todas essas mudanças. Para o referido autor:

Não nos preocupamos com a velocidade impressionante com que o conhecimento muda de ritmo, o conhecimento precedente envelhece e o novo, recém-nascido, é destinado a envelhecer do mesmo modo: a volatilidade do mundo líquido, parcamente integrado e multicêntrico, faz com que uma série de competências sejam pregressas e as informações memorizadas. (BAUMAN, 1999, p. 2).

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Como indica Bauman, em sua citação acima, nossa forma de nos relacionarmos com o

conhecimento mudou, e essa mudança denota uma criticidade que deve auxiliar o professor a

lidar com tais características desse mundo líquido. Essa criticidade infere a compressão de que o

conhecimento só tem sentido se relacionado a um fim transformador, como indica Freire (2013)

no livro Extensão ou Comunicação.

A formação de professores, por sua vez, deve estar atenta à bagagem de conhecimentos

trazidos por seus alunos em tempos como esses de sucessivos novos inícios, coisas mudando

numa velocidade acelerada e sobre (ou sob) dose efêmera de novas vontades.

Nessa direção, Araújo (2005) trata esse conhecimento prévio, como a “cultura que os

sujeitos da educação trazem para o processo educativo, de modo que todas as explicações, ideias

e práticas dos quais os sujeitos são portadores, serão sempre anteriores a qualquer processo de

ensino sistematizado que lhe seja apresentado” (ARAÚJO, 2005, p. 95).

Esse conhecimento irá interferir nesse processo, positivamente ou negativamente, a

depender da forma como é reconhecido e relacionado ao que se pretende construir a partir daí, a

partir da cultura prevalente. Contrariamente a isso continuamos enfrentando em grande parte da

escola pública não só desejos condicionados pelo consumismo/capitalismo, lógica que precisa ser

rompida, resultando em interesses individuais que desembocam nas escolas em forma de

problemas sociais, emotivos, desigualdades, violência, individualismo, entre outros.

Um dos desafios da Contemporaneidade é interpretar estas questões propondo formas de

compreender e/ou propor práticas sociais que possam subsistir nesse momento. A escola precisa

problematizar a partir dos dilemas e situações opressivas e desafiadoras um pensar que rume à

superação desses problemas, sejam os velhos, sejam os novos. Debatendo, discutindo, incluindo

nos conteúdos de sala de aula os diferentes debates e enfrentamentos sociais. Enquanto

professores é preciso, segundo Freire (1997), atentar para:

O que é o homem, qual a sua posição no mundo - são perguntas que temos de fazer no momento mesmo em que nos preocupamos com educação. Se essa preocupação, em si, implica nas referidas indagações (preocupações também, no fundo), a resposta que a ela dermos encaminhará a educação para uma finalidade humanista ou não. (FREIRE, 1997, p. 22)

Falar dessa finalidade de educação é antes de tudo se comprometer diante de um desafio

urgente de projeto de mundo em que homens interessem mais que objetos, que sejam respeitados

em sua dignidade de ser gente. Uma formação que não reforce no homem seu valor de

importância e de importar-se uns com os outros não é uma formação coerente com a libertação

desses homens das mais variadas estruturas de distinções.

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Por esse motivo a escola pode vir a garantir o espírito de emancipação, tendo em vista

que essa emancipação se relaciona diretamente com o exercício da plena cidadania do sujeito

social, que pensa criticamente e intervém na sociedade.

Paulo Freire (1991) faz um convite para pensar um projeto político pedagógico centrado

na construção de uma escola “séria, competente, justa, alegre, curiosa” (FREIRE, 1991, p. 42),

uma escola em que todos tenham “condições de aprender e de criar, de arriscar-se, de perguntar,

de crescer” (idem, ibidem).

Para isso requer profissionais, educadores, que lutem pela escola pública, pela melhoria de

seus padrões de ensino, que defendam a dignidade dos docentes, a sua formação permanente, que

acreditem na educação popular pela participação de todos e com clareza política. Que lutem pela

reformulação do currículo em que ao ensino dos conteúdos, acrescente-se a leitura crítica sobre a

realidade.

Por fim, a que se pensar a educação, a priori pública – já que é de direito – com vistas à

emancipação dos sujeitos, no seu direito de pensar, para o cumprimento de uma sociedade mais

justa. Escola pública que pensa o meio e abre possibilidades para todos, eis aí a urgente tarefa de

uma formação de professores consciente desse caminho a ser percorrido.

Quando se fala em formar para emancipar é sumamente importante uma atividade educativa

que possibilite a realização ampla das potencialidades e a formação harmoniosa para personalidade

humana. Todo indivíduo deveria ter o direito ao pleno desabrochar de suas ideias num espaço que o

respeitasse e fornecesse, ao mesmo, experiências aos diferentes conhecimentos.

Contudo, o pleno desabrochar destas possibilidades é bloqueado e pervertido pelas

relações sociais, fundadas na propriedade privada. O acesso à educação de qualidade por mais que

já tenha ganhado alguns saltos e garantias, ainda se reveste de conteúdos fragmentados e

alienados e o processo educativo continua submetido as regras do mercado.

Isto acontece, como indica Santomé (2003), por meio dos vários mecanismos que são

responsáveis pela reprodução do status quo, como por exemplo, a transição das ideologias

dominantes dentro dos espaços educativos por meio de discursos gerencialistas.

Por sua vez isso acontece por que é necessário para os grupos dominantes que se

mantenha a estrutura funcional que lhe beneficia, logo manter o status quo é ideologicamente

introjetado ao meio social por vários meios de transmissão ideológico como algo natural e por

isso não passível de mudança (SANTOMÈ, 2003). Com isso se deflagra a formação de indivíduos

cada vez mais unilateral, deformada e empobrecida, a desigualdade e exclusão social, o que

intensifica o apelo por uma formação humanística, participativa, democrática e integral.

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Pensar uma educação para emancipação é antes de tudo um pensar integrador, neste não

há uma distinção preconceituosa, arbitraria, impositiva, ao contrário, parte da sensível interação

do homem com o mundo e com isso sua ação neste mundo. Freire (2011) evidencia que:

A partir das relações do homem com a realidade, resultantes de estar com ela e de

estar nela, pelos atos de criação, recriação e decisão, vai ele dinamizando o seu

mundo. Vai dominando a realidade. Vai humanizando-a. Vai acrescentando a ela

algo de que ele mesmo é o fazedor, vai temporalizando os espaços geográficos. Faz

cultura. E é ainda o jogo destas relações do homem com o mundo e do homem

com os homens, desafiado e respondendo ao desafio, alterando, criando, que não

permite a mobilidade, a não ser em termos de relativa preponderância, nem das

sociedades e nem das culturas. E a medida que cria, recria e decide, vão se

conformando as épocas históricas. É também criando, recriando e decidindo que o

homem deve participar destas épocas. (FREIRE, 2011, p.43)

A comunhão e a ação no mundo vão tonalizando a condição para a emancipação dos

homens e sua libertação da condição de anonimato no mesmo. Isso é possível a partir do

momento que os homens passam a agir, ter espaço para essa ação. O homem alienado e

oprimido, diferentemente, lhe é negado essa capacidade pelo próprio modelo de mundo que

valoriza o individualismo, que lhe é imposto pelas negações do dia a dia.

Uma espécie de violência naturalizada a partir da ideia de que condições melhores de vida só

são possíveis pela “capacidade que uns nascerão com e outros sem”, causando com isso cada vez mais

um aumento de visão dos homens enquanto coisas. Freire (2011) a esse respeito discorre que:

Toda relação de dominação, de exploração, de opressão já é em si, violenta. Não

importa que se faça através de meios drásticos ou não.É, a um tempo, desamor e

óbice ao amor. Óbice ao amor na medida em que dominador e dominado,

desumanizando-se o primeiro, por excesso, o segundo, por falta de poder, se fazem

coisas. E coisas não se amam. De modo geral, porém, quando o oprimido

legitimamente se levanta contra o opressor, em quem identifica a opressão, é a ele

que se chama de violento, de bárbaro, de desumano, de frio. É que, entre os

incontáveis direitos que se admite a si, a consciência dominadora tem mais estes: o

de definir a violência. O de caracterizá-la O de localizá- la. E se este direito lhe

assiste, com exclusividade, não será nela mesma que irá encontrar a violência. Não

será a si própria que chamará de violenta. Na verdade, a violência do oprimido,

ademais de ser mera resposta em que revela o intento de recuperar sua

humanidade, é, no fundo, ainda, a lição que recebeu do opressor. Com ele, desde

cedo como salienta Fanon, é que o oprimido aprende a torturar. Com uma sutil

diferença neste aprendizado- o opressor aprende a torturar, torturando o oprimido.

O oprimido, sendo torturado pelo opressor. (FREIRE, 2011, p.69)

Logo, podemos inferir que uma formação que reproduz a coisificação dos homens não pode

ser base de uma ação emancipadora. Nesse sentido a formação de professores deve promover o

romper com os elementos coisificiadores, e isso infere elementos como processos formativos

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que primem pela criação de estratégias críticas de ensino, que sejam amparadas por princípios que

visem construções coletivas voltadas à participação e conscientização dos sujeitos.

Sabe-se que não é fácil modificar todo um histórico de atrasos e ausências de um dia para

o outro ou apenas colocar sob a responsabilidade dos professores essa missão de ensinar para

uma transformação social. Esta é uma dívida histórica que vem sendo sanada a passos curtos, em

longas jornadas, mas que caminha – ou deveria – para um pensamento e posicionamento de

educação mais coerente e digna.

Desta forma podemos entender que em uma escola não crítica, onde o sujeito não seja

convidado a refletir sobre seu poder político – enquanto parte de um estado democrático – em

uma educação crítica acontece à situação inversa, o sujeito participa se tornando autor de

mudanças. Isso acontece porque na situação de domesticação, e de alienação, se faz em um

processo de prescrição de quais os papeis sociais os homens devem se adaptar onde a dicotomia

opressor/oprimido não é ultrapassada e sim usada como elemento que define o passivo e o ativo

dentro da situação de ensino e aprendizagem.

Já a educação para a libertação, política-crítica concebe o saber como um processo ativo,

por isso é de natureza dialogal e, sobretudo existencial, valorizando o humano e seu meio.

E importante deixar claro, que formar professores progressistas não é o ponto de partida

central, nem é por onde começamos a pensar a construção de uma educação e sociedade justa, o

propulsor da ação crítica começa pela construção de um currículo crítico, construído a partir das

pessoas, problemas e interesses locais, de cada dada realidade.

2.3 A PROPOSTA DE REORIENTAÇÃO CURRICULAR VIA TEMA GERADOR COMO

PROPOSTA DE EMANCIPAÇÃO

[...] O processo de empoderamento não se restringe a uma experiência individual-ele precisa inserir- se num processo social, coletivo de desenvolvimento dos potenciais, pois sua evolução depende de fatores facilitadores relacionados ao meio-ambiental, espaço de vida dos indivíduos que os experienciem. Por isto, é essencial descobrir-se/sentir-se parte do coletivo e da história, sentir-se e assumir-se enquanto sujeito, ao mesmo tempo condicionado e condicionante do meio. Á medida que as intervenções trouxerem resultados positivos, os envolvidos perceberão sua força e sua capacidade para agir, o que poderá desperta-lhe (sic) a vontade e a disposição para novas ações. (KLEBA, 2005, p. 215).

As bases teóricas que fundamentam as vivências curriculares dessa proposta de reorientação

curricular são baseadas no pensamento de Paulo Freire. Segundo Pierre Furter (2011), em sua

apresentação sobre Freire no livro educação como prática para liberdade, incita que este é um dos

maiores intelectuais brasileiros do século XX, elaborou uma teoria ou, como ele mesmo

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preferia dizer, uma compreensão ético-crítico-político da educação, que tem como uma de suas

bases o diálogo que possibilita a conscientização com um objetivo de formar cidadãos da práxis

progressista, transformadores da ordem social, econômica e política injusta.

Paulo Freire, em detrimento de sua práxis que se consubstancia na relação eu-tu, ademais

tu-eu, de modo dialético, humilde, aberto, crítico, construtivo, mutável, por isso dialógico. É o

que faz com que mais do que umas práxis imbuídas no diálogo, seja esta, sobretudo uma práxis

que vise à quebra de um estado de sociedade condicionada pelo capitalismo e pela opressão.

Paulo Freire agrega em seu pensamento o limiar da busca pelo ser que se reconhece no

mundo e mais que isso, que em comum pode modificar com seus pares a situação de

desumanização posta, sendo esta a que renega a educação como prática para liberdade.

O pensamento de Paulo Freire nos ajuda a entender com olhar crítico propostas

educativas de combate às concepções de ensino que se configuram impositivas e acríticas, tão

difundidas quando analisamos ainda o cenário educativo nesta e em outras épocas. O olhar

freireano para a educação favorece e oportuniza que as vozes dos sujeitos da prática educativa

sejam ouvidas, possibilitando assim a fala e a possibilidade de ação de alunos e professores.

Esse modo de educação favorece uma mudança que ascende no rompimento de

ideologias alienantes e de práticas que se repetem, para tornar-se geradora, isto significa um

instrumento de transformação global do homem e da sociedade.

Este ideário freireano é uma teoria crítica da educação que se diferencia das teorias não

críticas e das teorias crítico-reprodutivistas, por conceberem a educação e a escola como um

possível meio para transformação social. Essa teoria crítica, portanto, aponta e analisa as barreiras

que se colocam a frente do modo como as opressões sociais se realizam.

Segundo Libâneo (1990) as tendências pedagógicas progressistas, em oposição às liberais,

têm em comum a análise crítica do sistema capitalista. De base empirista e Paulo Freire se

proclamava um deles, como afirma Libâneo, aprender é um ato de conhecimento da realidade

concreta, isto é, da situação real vivida pelo educando, e só tem sentido se resulta de uma

aproximação crítica dessa realidade. Portanto, o conhecimento que o educando transfere

representa uma resposta à situação de opressão a que se chega pelo processo de compreensão,

reflexão e crítica.

Uma das tendências progressistas, conhecida também como tendência crítica da educação, é a

Tendência Progressista Libertadora, proposta por Paulo Freire que orienta práticas não-formais de

educação. Muitos professores interessados na transformação da realidade social adotaram esta

tendência em suas práticas pedagógicas, utilizando-a como referência para questionar as relações de

trabalho objetivando a conscientização da classe social excluída de direitos econômicos e sociais

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para se engajarem na luta pela melhoria de suas condições de vida (LIBÂNEO, 1994). Esta

tendência objetivava um ensino voltado para a denúncia dos meios de opressão da classe

dominante.

Segundo Libâneo (1994), esta pedagogia não tem uma sistematização explícita para a

didática. Há, no entanto, uma didática implícita na orientação do trabalho na escola, sendo que a

realidade social é o centro do processo de ensino e o educador um coordenador das atividades a

serem desenvolvidas de forma conjunta com os alunos.

Embora Paulo Freire se preocupasse mais com a educação das classes menos favorecidas,

fora dos muros educacionais (educação não-formal) suas ideias, princípios e práticas, levaram

docentes de diferentes regiões dentro e fora do Brasil a orientarem seus trabalhos baseados nesta

teoria. Pode-se afirmar que, alguns desses pontos relevantes que fizeram refletir a prática

pedagógica de muitos docentes, foram: a valorização da vida diária do educando; uma educação

voltada à consciência crítica do aluno através da teoria e prática; que o aluno se torne sujeito de

sua própria história; a relação amigável entre professor e aluno; o docente como mediador entre

educando e o objeto de estudo; e a realidade social sendo desvendada pelos conteúdos de ensino

(LIBÂNEO, 1994).

Nesta pedagogia, o papel da escola é a formação da consciência política do educando,

principalmente através da problematização do meio cultural do qual este faz parte. E o professor,

junto com o aluno, são sujeitos na aplicabilidade da ação do conhecimento. Portanto, o aluno não

é um depositário de conteúdos, visto como um ser passivo, nesta pedagogia ele é visto como um

ser ativo (LIBÂNEO, 1994). A avaliação, nesta perspectiva, visa o desenvolvimento de uma

prática comprometida com a emancipação do sujeito e com a construção coletiva de programas

de ação. Processo que se dá por meio de práticas reflexivas por parte do docente e do aluno, de

trabalhos escritos e autoavaliação (em relação às atribuições assumidas com o coletivo de alunos),

de grupos de discussões, debates e entrevistas.

Percebe-se, então, que estas ações e princípios foram fundamentais para elaboração de

um entendimento próprio e político quanto à ação de ensinar, através de uma posição filosófica

que orienta a prática educativa de muitos docentes no ensino formal, nas diversas instituições de

ensino no Brasil.

É sobre esse “ser” e “não pode ser”, da denúncia de uma desigualdade de condições, que

a teoria crítica busca compreender a realidade, estimular os que estão dentro dela a se verem, se

perceberem. Daí que Freire se torna referencial pilar, amparando pesquisas e experiências práticas

que visam a reforma dessa condição que legitima o silêncio das camadas mais humildes da

sociedade.

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Para pensarmos uma condução diferente no caminho á uma educação libertadora, é

necessário o exercício permanente de construção da criticidade já que a atitude crítica pressupõe

não aceitar soluções mágicas sobre a realidade, mas sim uma atitude de inquietação, busca e

entusiasmo.

Segundo Saul e Gouvêa da Silva (2009) o tecnicismo ainda predomina nas políticas

curriculares brasileiras, especialmente para o ensino fundamental e médio, através da natureza não

participativa, de sua elaboração, da centralização e a perda de poder do professorado, da

padronização e do caráter prescritivo. O processo de reorientação curricular via tema gerador é

uma intenção de contribuir no rompimento desse currículo fechado que fomenta a educação não

crítica. Esse processo de reorientação curricular via tema gerador proporciona, sobretudo, o

aprofundamento do trabalho interdisciplinar, que na leitura freireana contribui para revelação de

contradições existentes.

Segundo Gouvêa da Silva (2007), podemos assinalar diretrizes gerais para nortear uma

ação crítica em uma concepção de educação libertadora: a tomada de consciência das implicações

políticas da prática sociocultural tradicional e a construção de um novo paradigma e sua

respectiva implementação crítica. Assim, a formação participativa freireana (em que todos são

envolvidos: comunidade escolar e de bairro) via tema gerador, apoia-se na dialogicidade17 como

referência para a construção do conhecimento e como metodologia proposta para a vivência das

atividades participativas da comunidade.

2.3.1 O Tema Gerador e sua investigação

O Tema Gerador (ou os temas geradores, pois podem ser eleitos mais de um tema) é

identificado a partir do desenvolvimento da investigação temática, a qual é fundamentada e

sistematizada por Paulo Freire (2011) no capítulo três da pedagogia do oprimido.

Isso nos remete à ideia de problematização das contradições sociais, por meio de um

processo educativo como prática social, que anseie a transformação da realidade em um espaço

cada vez mais humano e humanizante. A problematização dessas contradições sociais requer uma

postura investigativa, ou, para utilizar uma expressão freireana, deve ser suscitada através de uma “curiosidade epistemológica” sobre o mundo capaz de desencadear um estudo da realidade que

se desdobre na elaboração de “temas geradores”. Segundo Pernambuco (1993):

17 Freire na obra Pedagogia do Oprimido, mais precisamente no terceiro capítulo discute o conceito de diálogo como processo dialético-problematizador, isto incide em ter pelo diálogo o processo de olhar o mundo. comunicar-se com ele e nossa existência em sociedade, enxergando isso tudo como processo, que muda. No dizer freireano a palavra verdadeira é a práxis social.

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Buscar o tema gerador, compreender o que é significativo nas dimensões analítica e vivencial, trabalhar a partir desse tema é trazer à tona as contradições e tentar ir além delas, superá-las, possibilitando a conquista de novos conhecimentos para todos os participantes. Significa uma ruptura, uma mudança profunda do olhar, na construção do diálogo, da aceitação honesta, mais do que isso, na busca das diferenças, da sua superação em uma construção coletiva. (PERNAMBUCO, 1993, p. 78)

O trabalho com os “temas geradores” permite a problematização em torno das

contradições que a realidade investigada apresentou, de modo que, ao perceber e problematizar

os antagonismos sociais por meio de vários conhecimentos, educadores e educandos possam se

perceber como sujeitos da práxis e, portanto, sujeitos de transformação.

Para Freire (2011), este é o esforço de que precisamos realizar: propor ao povo sua situação

existencial concreta, como algo que o desafia e para isso, precisa ser entendida dentro da totalidade.

Isto exige uma metodologia cuja análise crítica, possibilita reconhecer a interação das partes.

A questão fundamental, neste caso, está em que faltando aos homens uma compreensão crítica da totalidade em que estão captando-a em pedaços nos quais não conhecem a interação constituinte da mesma totalidade, não podem conhecê-la. E não podem porque, para conhecê- la seria necessário partir do ponto inverso. Isto é, lhes seria indispensável ter uma visão de totalidade do contexto para, em seguida, separarem ou isolarem os elementos ou as parcialidades do contexto, através de cuja visão voltariam com mais claridade à totalidade analisada. (FREIRE, 2011, p. 133).

Pensando nisso é que se entende através dessa prática problematizadora que a captação e

a compreensão da realidade podem potencializar um nível antes não tido. “Os homens tendem a

perceber que sua compreensão e que a 'razão' da realidade não estão fora dela, como, por sua vez,

ela não se encontra deles dicotomizada, como se fosse um mundo à parte, misterioso e estranho,

que os esmagasse”. (FREIRE, 2011, p. 134).

Em nossa visão, os temas geradores são momentos da ação educativa que propiciam a

conscientização sobre uma realidade desumanizadora e opressora e, nessa direção, contribui para

que os envolvidos no processo possam se perceber tanto como sujeitos de uma realidade a ser

modificada, quanto como sujeitos carentes de novas respostas.

A pesquisa do Tema Gerador pode ser considerado o momento inicial do processo de

construção curricular na pedagogia freireana. Seu desenvolvimento é liderado pelos educadores,

que formando uma equipe interdisciplinar mergulham na realidade existencial em que a escola se

insere, buscando uma apreensão profunda sobre o conjunto aproximado de contradições sociais

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existentes na área, mais especificamente, das concepções de mundo dos educandos. Segundo

Pernambuco (2005):

Compreender quem é o aluno, quais são os interesses, referências culturais e os problemas que mobilizam as comunidades do local onde mora, permite criar desafios e organizar o ensino a partir de situações que são significativas, envolvendo o aluno no processo de aprendizagem de uma maneira mais prazerosa. (PERNAMBUCO, 2005, p. 14)

Para dar início a essa jornada de prática participativa para o conhecimento é necessário que se

construam princípios, que se faça uma pesquisa partindo do universo dos alunos. A investigação,

nesta concepção, passa ser a possibilidade de apreensão da temática significativa e a tomada de

consciência em torno desta temática. Argumenta: “esta investigação implica, necessariamente, uma

metodologia que não pode contradizer a dialocidade da educação libertadora. Daí que seja igualmente

dialógica. Daí que, conscientizadora também, proporcione, ao mesmo tempo, a apreensão dos 'temas

geradores' e a tomada de consciência dos indivíduos em torno dos mesmos” (PERNAMBUCO, 1987, p. 87).

A investigação temática se faz, assim, um esforço comum de consciência da realidade e da

autoconsciência, que se inscreve como ponto de partida do processo educativo, ou da ação

cultural de caráter libertador (FREIRE, 2011, p.141).

Para melhor compreender como se realiza essa investigação temática Delizoicov (2013, p.

31-33), referência a partir de Freire (2011), as cinco etapas consideradas para investigação, neste

caso usando como objeto (de exemplificação) a alfabetização de adultos na educação informal,

tendo-a, desde modo como referência para caracterizar as etapas:

Quadro 3 – Etapas destinadas à investigação temática

1ª Levantamento preliminar É o momento em que se realiza um levantamento das condições da localidade, onde por meio de fontes secundárias (de modo geral, dados escritos) e conversas informais com os indivíduos (alunos, pais, representantes de associações, dentre outros), visitas e observação de órgãos públicos, tais como postos de saúde, hospitais, delegacias de polícia, mercados etc. e uso de questionários, realizam-se a “primeira aproximação” à localidade e uma recolha de dados.

2ª Análise das situações e escolha das codificações

É a etapa na qual, em função da análise dos dados apreendidos, é feita a escolha de situações que encerram as contradições vividas e a preparação de suas codificações que serão apresentadas na etapa seguinte.

3ª Diálogos descodificadores É a etapa onde: “preparadas as codificações, estudados pela equipe interdisciplinar todos os possíveis ângulos temáticos nelas contidas, iniciam os investigadores a terceira fase da investigação. Nesta, voltam à área para inaugurar os diálogos descodificadores, nos círculos de investigação temática”. (FREIRE, 1975, p.131).

4ª Redução temática Constitui-se como um desafio para a compreensão dos temas

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de modo a planejar a sua abordagem no processo produtivo: “A sua última etapa [da investigação temática] se inicia quando os investigadores, terminadas as descodificações nos círculos, dão começo ao estudo sistemático e interdisciplinar de seus achados. Estes temas devem ser classificados num quadro geral de ciências, sem que isto signifique, contudo, que sejam vistos na futura elaboração do programa, como fazendo parte de departamentos estanques. Significa, apenas, que há uma visão mais específica, central, de um tema, conforme a sua situação num domínio qualquer das especializações”. (FREIRE, 1975, p.134-135).

5ª Círculos de cultura No caso da alfabetização de adultos, na educação informal, e caracteriza o trabalho em sala de aula, se nos referirmos à educação escolar. É somente após as quatro etapas anteriores, destinadas à obtenção, estudo por equipe interdisciplinar e planejamento dos temas, que haverá uma retomada da ação educativa, numa etapa mais ampliada, com o programa estabelecido e o material didático a ser utilizado com os alunos já sistematizados.

Fonte: livro: práticas coletivas na escola (2013).

Para construir uma dinâmica de formação munindo-se do Tema Gerador e sua

investigação no processo de Reorientação Curricular trabalhamos, também, sobre alguns

princípios e momentos organizativos, entre eles o Estudo da Realidade (ER), Organização do

Conhecimento (OC) e Aplicação do Conhecimento (AC). Esses três momentos dizem respeito a

construção de programas escolares via temas geradores, que são frutos de experiências

educacionais vividas, pesquisadas e sistematizadas, de compreender uma situação, sendo

elaboradas pelos autores: Marta Maria Castanho de Almeida Pernambuco, José André Angotti e

Demétrio Delizoicov. (PERNAMBUCO, 2013, p. 55).

O ER dentro da elaboração do programa confere a necessidade de compreender uma

situação proveniente da realidade local, problematizando-a. Nessa etapa, para, Pernambuco

(2013), a realidade pelo aluno codificada vai sendo trabalhada de modo a ser descodificada,

através de outras e/ou novas visões. O OC é o segundo momento, dá conta do estudo de partes

do conhecimento universalmente construído, utilizando a problematização, as diversas visões sem

deixar de dar prioridade ao conhecimento já acumulado. Por fim o AC que diz respeito ao

desdobramento do segundo momento com fins a novas situações, reinterpretando o primeiro

momento- a visão primeira.

As práticas que se executam dentro desse horizonte da realidade vivida do estudante

desafiam a compreensão do mesmo sobre seu lugar, sua condição de vida e demais novos

conhecimentos. Segundo Freitas (2001) a consciência gerada a partir desse tipo de formação de

natureza política e consciência democrática propõe o desenvolvimento do caráter educativo e

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dinamizador da indignação, do espanto, da rebeldia, do inconformismo, da suspeita, da raiva, da

coragem, da ousadia, do sonho e da esperança, transformando-as em atitudes críticas de formação.

Algumas implicações dessa proposta de Construção do Programa escolar via Tema

Gerador, sistematizada por Pernambuco (2013), podem ser tidas como:

Quadro 4 – Implicações do programa escolar via Tema Gerador

Quanto ao professor

Autonomia docente para decidir e planejar sua prática profissional, o professor precisa ser remunerado para que tenha condições de participar do processo de construção coletiva e para que tenha condições de atualizar seu fazer pedagógico.

Quanto à escola

Gestão financeira autônoma devido às diferentes necessidades de cada escola.

Organização interna democrática, a qual permite que diferentes setores (comunidade, pais, estudantes, funcionários, professores e especialistas profissionais) interajam de forma cooperativa.

Racionalização do espaço físico e equipamentos, assim como a aquisição de materiais indispensáveis, como material produzido pelos próprios professores e materiais alternativos.

Quanto ao sistema educacional

Serviços administrativos descentralizados.

Assessoria pedagógica enquanto uma possibilidade para as diferentes áreas de conhecimento.

Acervo de materiais de apoio didático aos professores.

Articulação com outros órgãos públicos que prestam serviço ou que definem políticas nas áreas onde as escolas estão situadas.

Fonte: livro: práticas coletivas na escola (2013).

A proposta de Reorientação Curricular Via Tema Gerador se faz necessário nesse

momento histórico por diluir a concentração vertical do conhecimento, por reprimir a autoridade

do que se deve aprender e para que aprender. A ação de transformações sociais se faz na história,

na compreensão das contradições sociais que não são vistas a olho nu, mas sentidas na pele pela

parte mais reprimida da sociedade, aquela que recebe as centelhas, traços e fatos da opressão.

Existe nessa proposta intensões educativas, constituídas de práticas que, especialmente,

rumam para fomentar um diálogo que incida na mudança do modo de aprender, ensinar e

perceber e intervir nas coisas como estão.

Para que as situações de negação possam ser trabalhadas nos espaços educativos (formais e

informais) em concomitância com conhecimento científico acumulado o processo dialógico-

participativo deve ser constante, realizado pela comunidade (sobre sua realidade). Esse processo

constante de análise, construído coletivamente é, segundo Gouvêa (2003), utilizado no sentido de:

Quadro 5 – Intencionalidades na construção de práticas educacionais críticas

Facilitar a seleção de objetos de estudos contextualizados na realidade local e na macro organização social, estabelecendo totalizações, sempre parciais, que permitam relacionar falas e concepções da comunidade ás dos educadores populares, aspectos da realidade local

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a elementos da infraestrutura social mais ampla, a realidade próxima à distante, explicitando conflitos culturais, tensões entre conhecimentos e contradições sociais. Favorecer o diálogo e a negociação entre educadores populares e especialistas de diferentes áreas para asseverar a pertinência dos recortes dos conhecimentos específicos e do contexto sociocultural analisado.

Nortear o caminho político educacional a ser percorrido, procurando prever diferentes graus de abstração nos diversos momentos de análise do real, considerando tanto os limites explicativos da comunidade quanto seus avanços nas análises desveladoras da realidade local, vislumbrando as possíveis ações transformadoras.

Ser um referencial na perspectiva da construção do conhecimento (epistemológica) e um diagnóstico no enfoque político educacional durante todo processo de formação da comunidade.

Balizar as alterações do planejamento inicial que se fizerem necessárias durante a formação da comunidade. Convergir e propiciar a interação entre conhecimentos a partir da demanda analítica dos objetos, ou seja, limitar distanciamentos que artificializam a visão especifica e unilateral das temáticas e de situações significativas locais impostas pela fragmentação das áreas do conhecimento e, por outro lado, explicitar a necessidade de composições epistemológicas, relacionais e históricas entre essas áreas para análise interpretativa a realidade local e de suas contradições sociais.

Contextualizar o processo de produção do conhecimento humano na estrutura sócio-histórica, estabelecendo relações entre práticas sócio-culturais e modelos socioeconômicos.

Fonte: extraído da tese de Antônio Gouvêa da Silva (2003).

Essas intencionalidades constroem, entre outras coisas, uma formação, tanto para os alunos

quanto de professores, que viabilizam, portanto, a leitura de mundo que visita o passado, o presente e

o futuro, vendo a mudança enquanto engrenagem que vai possibilitando ao oprimido enxergar e

pensar sua opressão, assim, como revelar o ser oprimido, que muitas vezes, opera essa opressão.

Quando incluímos o sujeito no processo de construção do conhecimento e quando aquilo

se torna legível, ele começa a estabelecer pelo menos algumas das próprias bases de interpretação

de sua opressão vivida e ao longo de seu entendimento sobre essa mesma opressão, bases para

pensar a alteração dessa situação. Daí a emergência em se pensar uma escola e uma proposta

curricular condizente com um sujeito que pense crítico, existencial e politicamente.

A pedagogia freireana é, ao mesmo tempo, uma forma, um meio, de transformação da

realidade e uma denúncia do sistema capitalista de exploração e de opressão. É diante dessa

intenção revolucionária e pretensiosa que o projeto Parnamirim Interdisciplinar fora pensado,

embasando conhecimentos acumulados por professores que estudaram e evidenciaram a urgência

do pôr em prática o entendimento de educação que prevê um amanhã diferente.

A concepção Freireana também fundamenta procedimentos e instrumentaliza práticas

educativas, embora tenha demandado pesquisa para sua implementação na educação escolar, uma

vez que originalmente foi concebida para espaços educativos informais (DELIZOICOV, 2013, p.

44).

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Conclui-se que esses adendos educacionais, que influenciam toda a sociedade, sejam

revisitados e problematizados em prol da conquista de um leque de possíveis respostas que

caminhem na direção de uma educação para emancipação. Esse é o rumo que as orientações para

uma formação de professores devem dirigir-se na hora de formar para emancipar. Emancipação

esta que se nutre do direito e do desejo a novas ideias, novas inserções, pela busca comprometida

do avanço das consciências e do direito de ser e agir no mundo.

Balizados por esses princípios Freireanos, consubstanciados por outras experiências

estudadas, pesquisadas e praticadas no Brasil e no mundo, é que o nosso grupo (GEPEM), ao ser

convidado pela Secretaria de Educação do município de Parnamirim, decide pôr em prática o

processo de Reorientação Curricular Via Tema Gerador, como veremos no próximo capítulo.

Era, em suma, o sentido mais estrito e fidedigno ao qual se estruturava a proposta pedagógica

para o município de Parnamirim, atendendo as etapas que são necessárias para sua realização.

A seguir traremos os caminhos percorridos pela trajetória do projeto que ocorreu no

município, as tarefas desenvolvidas pelos diferentes grupos da ação e a aposta para trabalharmos

com o tema gerador em 23 escolas municipais do município. Descreveremos a formação na

semana pedagógica e como foi sentida a experiência por alguns professores posteriormente.

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CAPITULO 3 – PROJETO PARNAMIRIM INTERDISCIPLINAR: SUAS INTENÇÕES,

ETAPAS E REPERCUSÕES

As numerosas obras de Freire serviram de referência a várias gerações de trabalhadores educacionais críticos. Ele é importante para toda essa imensidão de pessoas, em tantos países, que reconhecem, que a nossa tarefa é “dar nome ao mundo e construir coletivamente uma educação anti-hegemônica; reconhecem, ainda, que a alfabetização crítica (que ele denominou conscientização) está ligada a lutas reais, é realizada por pessoas reais, em comunidades reais. (APPLEA in NOVOA,1998, p.167-173)

3.1 AS ETAPAS DE FORMAÇÃO A PARA REORIENTAÇÃO CURRICULAR VIA TEMA

GERADOR EM PARNAMIRIM

Quando se fala em um projeto como o projeto “Parnamirim interdisciplinar”,

necessariamente está se trazendo uma discussão não só sobre em que sentido se deve ensinar,

baseado em quê e em benefício de quem, mas também sobre como está se dando a realidade de

algumas gestões municipais que, pelas mais diversas razoes, não conseguem impulsionar

autonomamente sua realidade escolar ao rumo de um destino mais crítico, em um sentido de

formação cooperativa democrática.

Nessa formação, todos os grupos que compõem a organização direta e indireta da

Secretaria de Educação foram chamados a pensar e fazer parte das transformações desse espaço,

como foi colocado na pretensão do processo de Reorientação Curricular.

Dessa forma isso desencadeou problematizações entre o que é proposto por essa perspectiva

de formação e o que é oferecido pela própria Secretaria como um todo. Isto nos faz perceber que se

abre aqui uma situação limitante que envolve as possibilidades e os caminhos que esse projeto de

natureza freiriana busca – ou oferece abrir em sua práxis – e as limitações para que isso se torne

efetivo. O choque entre o que foi proposto pelo projeto e as limitações da organização da escola no

Brasil faz despontar características que desenham essa escola atualmente.

3.1.1 O percurso da formação

De acordo com as entrevistas realizadas com alguns dos participantes, antes do processo

de Reorientação Curricular Via Tema Gerador começar, no atendimento do nível de sexto e nono

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ano do Ensino Fundamental II, foi perceptível esse caminho de integrar a comunidade escolar

nas tomadas de decisão forneceria bons resultados. Já que a angústia do grupo de assessoria da

SEMEC18 era, entre muitas, aprender a formar professores nesse nível de ensino atrelando aos

desafios da realidade do município. Pois, para o grupo de assessoria da Secretaria entender a

realidade e os anseios do município fazia todo sentido se estavam à procura de uma formação de

autoria municipal, que dialogasse com a realidade local, incluindo professores, técnicos da

secretaria, alunos e comunidade em geral.

Segundo Raimundinha, secretária de educação, a maior dificuldade seria então aprender a

trabalhar levando em consideração a prática coletiva. O como fazer formação nesses moldes era

um desafio e a articulação com o grupo da universidade – GEPEM – foi a alternativa condizente

com esse desejo, em meio a ausência de propostas consistentes de trabalho para o Ensino

Fundamental II e uma rede nova e ampliada de professores.

A proposta demandava reestruturar todas as áreas da Secretaria (PROINFO), assessores

de formação e professores, para que houvesse coerência entre todas as áreas da educação. Junto

ao grupo PROINFO planejaram-se cursos que incluíam não só professores, mas também pais de

alunos. É fato que: do que adianta ter materiais e estrutura dada pelo governo, de boa qualidade,

cadeiras, mesas, computadores se não havia uma formação que avançasse pedagogicamente.

Para Nestor, assessor da secretária, quando se iniciou o processo de formação para os

servidores/técnicos da Secretaria de Educação de Parnamirim a aposta era a de que eles

começassem a desenvolver no município um jeito novo de se pensar e praticar a educação.

Para o GEPEM, essas etapas planejadas para o processo de Reorientação Curricular Via

Tema Gerador foram pensadas com vistas a orientar os técnicos da Secretaria para que eles

percebessem as interfaces de uma pesquisa atenta a situação real de vida dos alunos da rede de

ensino e, mais que isso, a construção coletiva na escola, pois para o grupo era essa construção de

trabalho coletivo na escola que garantiria o bom andamento do processo de Reorientação

Curricular.

3.1.2 O estudo da realidade

Nas primeiras reuniões da formação em novembro/dezembro 2010 o grupo do GEPEM

(iniciando sua assessoria de formação) investiu nas orientações para o grupo da SEMEC sobre o

reconhecimento da realidade local das variadas áreas do município com vistas a análise do Tema

Gerador.

18 Ver tabela na introdução deste trabalho.

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Nessas primeiras reuniões o GEPEM tinha um papel de orientar sobre a concepção que

embasaria o projeto, e também na direção de tarefas acerca de pesquisas preliminares sobre a

comunidade local, entorno das escolas. O intuito era o de já começar a registrar e analisar a

realidade dos bairros.

Os servidores da SEMEC se dividiram em grupos por escolas, ou seja, de acordo com a

escola que trabalhavam como coordenadores ou professores, seria essa a área que iriam pesquisar

as realidades locais.

Essa pesquisa deu conta de coletar informações diversas que servissem para análise e

escolha do tema gerador. Dentre as diversas informações que eles trariam foi pedido,

especialmente, que fossem a campo e fizessem uma pesquisa quantitativa, análise histórica e

documental do bairro, fotografias. Esta análise poderia ser recolhida em órgãos públicos e

privados sobre as condições sociais da localidade. Também foram levantados dados qualitativos,

estes advindos da interpretação da Comunidade, explicações dadas pela mesma, em relação aos

problemas enfrentados, visitas e entrevistas com os moradores, às falas da comunidade, chamadas

de falas significativas.

O levantamento preliminar da realidade local, segundo Gouvea da Silva (2013) é uma

pesquisa socioantropológica participante, a partir de dados coletados na comunidade, que são

organizados para que as situações consideradas significativas sejam selecionadas, no sentido de:

Evidenciar diferentes visões e percepções dos diversos segmentos da comunidade; inter-relacionar dados e informações que permitam configurar a realidade estudada; analisar coletivamente e contextualizar na sociedade os fenômenos locais; explicitar contradições que em princípio podem estar ocultas para maioria da comunidade. (SILVA, 2013, p.77).

Essa etapa de reconhecimento do local (da área onde convivem os alunos e situa-se a escola)

é fundamental para que o tema gerador escolhido seja condizente com a real situação vivida. A

realidade social é algo mais que fatos ou dados tomados em si mesmos, ela é todos esses fatos e todos

esses dados e mais a percepção que deles esteja tendo a população envolvida. Assim a realidade

concreta se dá na relação dialética entre objetividade e subjetividade (FREIRE, 2001, p. 35). A

intenção era de propiciar ao grupo da Secretaria aprender, por meio da pesquisa, como interpretar os

dados obtidos, as análises adquiridas da situação real, vividas no entorno das escolas.

Nessa pesquisa feita pelo grupo da Secretaria que foi a campo reconhecer a realidade,

muitos foram os materiais trazidos, tanto os dados qualitativos quanto os quantitativos. Nas 40

horas de formação inicial, ocorridas em de janeiro de 2011, a sistematização dos dados coletados

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pelo grupo foi discutida e debatida por todos, antes de ser inserido no espaço virtual do projeto

Parnamirim interdisciplinar.

A construção desse espaço foi parte da formação e foi pensado para registro dos dados

obtidos das escolas, já que todas as escolas teriam apoio do PROINFO, e a possibilidade de

utilizar o meio virtual como forma de garantir tanto o registro das escolas quanto o acesso dos

professores aos diferentes dados, ou seja, a memória e a troca entre as escolas.

Esse foi um momento importante para a formação no sentido não só do aprender a inserir os

dados obtidos do estudo da realidade, mas também de compreender e se comprometer com a

importância do registro, da memória que as escolas deveriam poder preservar. Era uma maneira de

manter inscrito, documentado e acessível, informações úteis a pesquisas que pudessem emergir.

Sabendo-se que com mudanças que ocorrem constantemente, de gestão para gestão, não

se correria o risco de perder fatos relativos ao chão da escola e que fazem parte de sua identidade.

Nesse espaço seriam expostas e inseridas informações necessárias de cada escola, uma espécie de

plataforma de consulta e interatividade que integraria de modo sistemático e informativo às 23

escolas envolvidas no projeto.

Os grupos perceberam na prática o quão difícil é resgatar a memória das escolas, muitas

delas sequer tinham informações que ajudassem a compreender o que já tinha sido feito e até do

que estavam fazendo.

Figura 6 – Inserção dos dados da escola no espaço virtual do projeto Parnamirim Interdisciplinar

Fonte: Gestor da Escola Municipal Augusto Severo, Luiz Carlos Freire (2011)

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Evidenciamos o quão importante é a iniciativa de se criar um espaço de consulta

interativa para as escolas e tentar se garantir, com isso, a preservação e registro das ações nas

mesmas. No entanto, nos deparamos com a dificuldade tanto do pessoal do PROINFO em

organizar pela primeira vez um só espaço de intercâmbio entre as escolas, quanto à dificuldade de

boa parte da equipe em inserir os dados na plataforma de consulta.

Tereza, coordenadora do PROINFO, conta que essa dificuldade dos professores em lidar

com o meio digital era esperada, dado ao fato da recente utilização do meio por muitos deles.

Para a equipe do PROINFO foi pioneira a criação de um espaço com a característica de agregar

tantas diversidades de informações e documentos, mas que com o tempo esses desafios seriam

trabalhados com a intenção de buscar aprender com eles.

Diante desse cenário, em que vivemos hoje, o espaço virtual torna-se quase que

imperioso na ligeireza de acesso a novas informações. Essa rede de contato e trocas de

informações sobre as escolas e suas características gerais, faz jus aos princípios dialógicos

imbuídos na natureza da formação, já que, comunicar-se, transtrocar, complementar e conhecer é

uma tarefa presente e contínua.

Os dados e impressões das pesquisas feitas, fotos das diferentes escolas e seu entorno, e

as falas dos moradores sinalizaram diferentes e macros problemas vivenciados pelos diferentes

bairros. Pôde-se em grupo discutir sobre quais seriam os próximos passos, diante das falas

descritas e do uso das informações junto ás problematizações coletivamente construídas.

Nessa perspectiva, foi possível elucidar algumas situações-limites, conceito freireano que

expressa as barreiras que o ser humano encontra em sua caminhada, diante das quais pode

assumir várias atitudes como se submeter a elas, ou então, vê-las como obstáculos que devem ser

vencidos. Segundo Freire (2011):

O esforço de propor aos indivíduos dimensões significativas de sua realidade, cuja análise crítica lhes possibilite reconhecer a interação de suas partes. Desta maneira as dimensões significativas que, por sua vez, estão constituídas de partes em interação, ao serem analisadas, devem ser percebidas pelos indivíduos como dimensões da totalidade. Deste modo a análise crítica de uma dimensão significativo-existencial possibilita aos indivíduos uma nova postura, também crítica, em face das “situações-limite”. A captação e a compreensão da realidade se refazem, ganhando um nível que até então não tinham. (FREIRE, 2011, p. 134)

Muitas delas apresentam-se codificadas ou como formas culturais aceitas naturalmente e

quem delas participa não percebe nenhuma possibilidade de alterá-las, pois sente-se sem condições de

produzir mudanças. Daí a intensão de encontrar as situações limites para desdobrar possíveis

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apreensões de esclarecimento de seus problemas e de como trabalhar esses problemas em

conteúdo, neste caso, de sala de aula.

A partir da pesquisa das falas percebidas começamos (todos os grupos da formação) a

refletir sobre as intencionalidades presentes nas mesmas, selecionando aquelas que seriam mais

significativas.

Das 23 (vinte e três) escolas municipais envolvidas na pesquisa, as primeiras impressões e

relatos deram conta de que dentre os diferentes problemas, encontrados nos bairros e suas

escolas, a violência, drogas, prostituição, desemprego, famílias desestruturadas, falta de saneamento e atendimento

à saúde, despontaram dando, deste modo, início das primeiras problematizações e diálogos

coletivos, daquilo que cada um trouxe nos reclames principais das entrevistas levantadas.

Esta é uma etapa fundante no que alude o processo crítico-reflexivo de investigação do

tema gerador, já que esse processo investigativo de pesquisa em equipe multidisciplinar informa o

encadeamento dos temas significativos e a interpenetração dos problemas, envolvendo as visões

de mundo, experiências vivenciais dos alunos incorporados aos planos de processos pedagógicos

dos professores.

Assim, investigadores e sujeitos investigados da dada realidade concreta se tornam sujeitos

da investigação. Logo, “educação e investigação temática, na concepção problematizadora da

educação, se tornam momentos de um mesmo processo” (FREIRE, 2011, p.140).

Portanto começar com o estudo da realidade dos bairros e escolas de Parnamirim foi um

exercício necessário para todo grupo envolvido, nós do GEPEM, a SEMEC, PROINFO.

Estávamos aprendendo a pesquisar a realidade local e também compreendendo uma perspectiva

de formar professores num viés crítico. Assim, pôde-se entender melhor a prática de busca do

tema gerador e que etapas são necessárias para chegar nele.

Buscamos o entendimento e a compreensão prática do como fazer uma formação

qualificada e autêntica, percebendo que ensinar exige pesquisa, que exige prudência, atenção ao

funcionamento da sociedade e, enquanto grupo, se pôde discutir e elaborar possíveis trajetos de

pesquisa.

3.1.3. Organizando o conhecimento

Para esta etapa do processo, foram compartilhados alguns textos de subsídio teórico, textos estes

que propiciaram uma análise maior acerca dos conteúdos, procedimentos, ações, preocupações quanto à

promoção de um ensino pensado para o povo, fazendo com que houvesse uma intervenção

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na via de uma melhoria de ensino e fazendo com que os professores notassem a dimensão desse

exercício, no que alude o estudo da realidade.

Depois do exercício de problematizar a realidade local e os dados extraídos da pesquisa de

campo, na sala de informática da escola, os grupos (SEMEC, GEPEM e PROINFO) se reuniram no

intuito de se familiarizar com a página do Parnamirim Interdisciplinar19 e aprender a movimentá-la no

que se refere à postagem de seus arquivos, dados de suas pesquisas e das escolas, bem como

visualizar os demais levantamentos preliminares coletados por outros grupos em bairros diferentes.

Nos outros dias restantes da formação a tarefa foi de continuar a inserção dos dados no

espaço virtual e paralelo a essa tarefa houve leitura e discussão do terceiro capítulo do livro

Pedagogia do Oprimido, obra de referência do educador Paulo Freire, que veio a servir de base para

leitura e entendimento a importância e relevância do Tema Gerador. Capítulo esse que serviu para

amparar a análise do que foi coletado, propiciando assim alguns diálogos importantes, dos quais se

colocou em pauta apontamentos, visões construtivas para reflexão conjunta.

Problematizamos a obra de Freire (2011), trazendo-a para discutir a prática em face da:

dialogicidade: essência da educação como prática da liberdade; educação dialógica e diálogo; o diálogo começa na busca

do conteúdo programático; as relações homens-mundo, os-temas geradores e o conteúdo programático desta educação, a

investigação dos temas geradores e sua metodologia; a significação conscientizadora da investigação dos temas geradores.

A importância desse capítulo em especial é por sua perspectiva de visão/ação global de

procedimentos e também de uma análise práxis-social do aprender, do tema gerador e de uma

fundamentação teórico-filosófica.

No terceiro capítulo de sua obra, Freire (2011) reflete ainda mais sobre a concepção do

diálogo como processo Dialético – Problematizador e sua implicação para uma educação

humanizadora. É nesse capítulo que o tema gerador é discutido na obra freireana com maior ênfase

metodológica, passos para sua busca e sua finalidade.

A incitação freireana chega-se em direção a clareza de construirmos novos caminhos, novos

saberes a partir da situação dialógica que estimula a relação e a partilha de mundos diferentes. Esses

novos caminhos visa o combate da disparidade social, que infere ao corrosivo processo de

desumanização, naturalizado em nossa sociedade, que pré-concebe os ideais capitalistas, sustentadas

historicamente em nossa esfera educativa. As ideias postuladas por Freire (2011) podem ser

aplicadas ás práticas que se estava tentando construir a partir dessa formação.

Esse processo desumano inviabiliza, a “todos”, um acesso democrático aos direitos

fundamentais de dignidade na vida, de espaço e oportunidade de pronúncia dos homens no mundo,

de modo menos desumanizante. Freire (2011) esclarece que:

19 Disponível em [email protected]

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Na verdade, se admitíssemos que a desumanização é a vocação histórica dos

homens, nada mais teríamos que fazer, a não ser adotar uma atitude impudente, de

total desespero. A luta pela humanização, pelo trabalho livre, pela desalienação,

pela afirmação dos homens como pessoas, como seres para si, não teria

significação. Esta somente é possível porque a desumanização, mesmo que um fato

concreto na história, não é, porém, destino dado, mas resultado de uma

“ordem” injusta que gera a violência dos opressores e está, o ser menos”.

(FREIRE, 2011, p. 32)

Sendo assim, começou-se a formação, desde o início, atentando para o urgente olhar que

se deve lançar à condição de vida dos alunos e do papel do professor nesse processo

interpretativo da realidade dos mesmos.

Não só a leitura desse capítulo como também de partes de outras obras importantes

foram colocadas para desencadear leituras coletivas e orientações para começar a pensar

alternativas, unindo deste modo tanto às leituras quanto os dados e informações das pesquisas

feitas pelos participantes anteriormente.

Além dos textos de subsidio teórico, dois formulários20 de pesquisa e instrumento de

informação, foram distribuídos para toda equipe, como modelo para contribuir com pesquisas

posteriores.

Em cada etapa da formação havia um foco, primeiro foi feita a pesquisa de campo, a fim

de que com isso se pudesse interpretar melhor a dinâmica social da comunidade, sua realidade.

Após serem compartilhados os dados obtidos entre todo o grupo, a professora Marta

Pernambuco orientou, então o caminho do como fazer para descobrir e trabalhar o tema gerador.

Para isso escolheu-se as falas significativas extraídas da pesquisa pensando o possível tema

gerador e como trabalha-lo nas diferentes disciplinas/áreas de conhecimento como forma de

conteúdo escolar. Isto objetivava mostrar como o tema gerador se desdobrava em conteúdo

escolar e principalmente trazer a tona um exercício de “pensar sobre o pensar”, que para

Pernambuco (1993) significa entre outras premissas:

Criticar o próprio procedimento de pensar, descobrir no que se baseia, buscar

onde e como estamos distorcendo a realidade ou ignorando informações. Só

assim pode-se fazer uma valoração seletiva da forma primeira de encarar o

mundo, redescobrindo valores, compartibilizando comportamentos com

opiniões, encontrando, modificando, ampliando a forma de se organizar.

(PERNAMBUCO, 1993, p. 77)

20 Ver anexo I

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Essa etapa da formação incidia fazer o exercício do trabalho interdisciplinar junto ao tema

gerador revelando que esta possibilidade só era palpável no campo do trabalho coletivo, que essa

ampliação do conhecimento não era possível ser feita sozinho, mas em grupo, na correlação de

percepções em benefício do bem coletivo, comum, em razão do desejo das rupturas de limites

sociais.

Paralelo às formações na escola Augusto Severo, nós (GEPEM) problematizávamos o

como fazer nas próximas etapas que se seguiriam. Reuníamos na base de pesquisa, onde fazíamos

um exercício de ir e vir constante que se fazia baseado na Ação-Reflexão-Ação que, na leitura

Freireana, diz respeito a um saber que realimenta criticamente o fazer, cujo resultado repercute

novamente sobre esse saber e, assim, ambos se refazem continuamente. Na medida em que as

etapas de formação iam ocorrendo, tentávamos discutir enquanto grupo como melhor adequar

nossa prática (que também se realizava a partir das situações que iam surgindo).

Figura 5 – Equipe do projeto Parnamirim Interdisciplinar

Fonte: Gestor da Escola Municipal Augusto Severo, Luiz Carlos Freire (2011)

Na relação do trabalho coletivo e do ato de pensar a prática nas ações que foram

produzidas, conduziram-se várias reuniões e sempre que voltávamos para a base de pesquisa, nos

reportávamos aos enfrentamentos relatados pela equipe da SEMEC, a fim de pensar em como

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reintegrar aquelas confissões e dúvidas aos nossos conhecimentos e, assim, voltávamos a

problematizar de maneira mais ampliada.

No diálogo, dizia Merleau Ponty, sou libertado de mim mesmo; os pensamentos dos outros são verdadeiramente pensamentos deles e não sou eu que os formo, por mais que os apreenda logo que nascem ou que me antecipe a ele, e mesmo a objeção que me faz o interlocutor, arranca-me pensamentos que não sabia possuir, de modo que, se lhes atribuo pensamentos, ele em troca faz-me pensar. (GUSDORF, 2003, p.164).

A ampliação a que me refiro, em que se dá no momento em que voltamos para o grupo

que problematizamos inicialmente, é onde o trabalho coletivo torna-se canal de uma Ação-

Reflexão-Ação, que ocorre pela possibilidade de não apenas agir e refletir, mas aprimorar e

retornar ao fenômeno que estamos discutindo, com vistas a refletir melhor e, novamente, num

circuito que não se isola em si, mas repensa globalmente, desde a sua origem ao que o devir tende

a nos mostrar. Conforme defende Nascimento (2011):

O círculo de ação-reflexão-ação resultante da relação entre essas abordagens teórico-metodológicas poderá promover o desenvolvimento das três dimensões da construção do conhecimento sobre a prática pedagógica necessárias à formação do professor na perspectiva da conscientização sobre a realidade: a primeira é a observação e auto-observação da prática pedagógica - o desenvolvimento da capacidade de distanciar-se epistemologicamente para conseguir enxergar a prática; a segunda é a reflexão sobre a ação fundada em bases teóricas, nos conhecimentos já sistematizados de maneira a construir e reconstruir conhecimentos sobre ela; e a terceira é a teorização e metarreflexão: a compreensão do próprio processo de ação-reflexão-ação. (NASCIMENTOM, 2011, p. 148)

A importância do círculo citado acima, se dá pela percepção de que a consciência que bate

em nós, seres humanos, ao pensar nossas práticas, nos transmite uma inquietação sobre quem e o

que somos e mais além, o que queremos saber, e desse modo vão “horizontando” os novos

conhecimentos a serem construídos. Vão alicerçando nossas ideias, possibilidades rumo ao olhar

crítico da realidade posta.

O passo seguinte da formação foi o de organização e preparação para semana pedagógica,

para todas as escolas do sexto ao nono ano foram três dias de encontros da equipe (formada pelo

GEPEM, PROINFO e SEMEC), para preparar a oficina pedagógica que ocorreria dos dias 09 à

11/02/2011, prevendo atividade geral e grupos por escolas.

Nesses dias em que, em grupo, organizou-se e planejou-se a semana pedagógica, pôde-se

separar a equipe de maneira mista, subgrupos compostos por técnicos do PROINFO, GEPEM e

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SEMEC que se misturaram, para que, em cada sala de formação na semana pedagógica, tivesse

um membro de cada grupo que participou da formação anterior.

Isso era necessário para que cada membro dos diferentes grupos tivessem maiores visões

do processo de pesquisa. Por sermos de grupos diferentes em uma mesma sala tínhamos cada

um, funções diferentes, e isso contribuiria na hora de auxiliarmos os professores da rede no

entendimento da pesquisa.

Além disso, a formação era voltada para dar autonomia de formação aos técnicos da

Secretaria para que estes aprendessem a fazer na prática a formação para a busca do Tema

Gerador com professores das diferentes áreas, sobretudo professores que já atuavam na área da

pesquisa levantada anteriormente por eles. Isso gerava menos desconfiança, já que se tratava de

uma realidade que mesmo que de maneira indireta os professores já conheciam.

Também nessa preparação foi distribuído o material que a SEMEC coletou sobre as falas

da comunidade, repartido nos subgrupos que se dividiriam por escola e que mediariam as oficinas

durante a semana (Ver anexo 1: cronograma de semana pedagógica/participantes e falas

significativas. Programação dos 3 dias).

Na organização e preparação para semana pedagógica, os três grupos se organizaram de modo

que essa mediação deu-se norteada pelo princípio coletivo, já que cada grupo em sua respectiva sala

construiria na semana pedagógica, junto com os demais professores da rede municipal, um estudo

coletivo da realidade, utilizando-se de uma investigação analítica do contexto, as falas da comunidade

coletadas pelo grupo da SEMEC e o material elaborado como suporte teórico pelo GEPEM, com

vistas a contribuir nos exercícios de busca pela definição do tema gerador.

A dinâmica para os dias foi pensada em três movimentos:

O primeiro movimento em plenária geral, comum a todos e presidida pelo professor Antonio

Gouvea e pela professora Marta Pernambuco. Eles dariam a formação no primeiro

momento para todos os participantes

O segundo movimento era onde os grupos, por escola, se dividiam e recebiam orientações em

suas salas pelo grupo SEMEC e GEPEM, como modo de exercitarem as orientações

dadas em plenária.

O terceiro movimento se dava ao fim do dia, constituído como o momento de se voltarem

novamente à plenária para que todos pudessem compartilhar as experiências de suas salas

de formação.

Eram turmas diferentes no turno da manhã e tarde, mas o movimento de formação era o

mesmo. Objetivava-se que cada turma, durante a semana pedagógica, iria chegar ao tema gerador

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aprendendo a construir conteúdo escolar a partir da realidade local. Presumia-se que esse trabalho

coletivo e orientação seria, posteriormente, acompanhado e articulado a ações interdisciplinares

nas escolas ao longo do ano de 2011, como sequência dessa formação iniciada na semana

pedagógica.

3.2 APLICANDO O CONHECIMENTO: A SEMANA PEDAGÓGICA DO MUNICÍPIO –

EXERCÍCIO COLETIVO PARA PROFESSORES DA REDE NA CONSTRUÇÃODO

TEMA GERADOR

“Todo encontro nos desloca e nos recompõe”. O encontro sempre é possível, é sempre esperado secretamente, mesmo que jamais se realize. A expectativa das pessoas pode transformar a menor troca de frases numa armadilha do destino. (HOFMANNSTHAL Apud GUSDORF, 2003, p. 34).

A Semana pedagógica foi o momento de uma maior sistematização dos trabalhos em

grupos, dada à quantidade de professores participantes, o equivalente a quase 370 professores, o

objetivo era o de desenvolver a investigação do Tema Gerador e Contra-Temas, a serem desvendados

pelos grupos componentes das diferentes escolas, através de um trabalho coletivo que se

propagaria a partir da análise da realidade local, baseados pelas informações utilizadas na

formação dada anteriormente a equipe da SEMEC.

A oficina foi dividida em três momentos, assim em cada dia ia sendo compreendido os passos

de uma investigação de temas relacionando partes importantes como analises e situações significativas

coletadas nas comunidades, construções e programações interdisciplinares, mas, sobretudo críticas, a

partir das problemáticas locais e pôr fim a preparação de atividades dialógicas.

3.2.1 Organização do trabalho coletivo

Além dos professores participantes das 23 escolas, as equipes da SEMEC, GEPEM e

PROINFO estavam presentes enquanto organizadoras, e por mais que tivessem atribuições pré-

estabelecidas a intenção era de que todos os grupos conseguissem compreender a dinâmica de

formação entre si:

O GEPEM no apoio pedagógico, com a responsabilidade de fomentar o material usado

nas oficinas, planejando a programação, formação nas oficinas e as palestras orientadoras

precedidas pela Professora Marta Pernambuco e pelo professor Antônio Gouvea.

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A SEMEC deu apoio de infraestrutura, comunicação e apoio de orientação dentro das

oficinas.

PROINFO no apoio técnico e também de comunicação, já que foi o Responsável pela

transmissão, em tempo real, no site da SEMEC nos momentos da plenária (momento de

diálogo geral sobre os planejamentos e resultados da construção coletiva e encontro de toda

a equipe do projeto).

O momento de formação para os professores da rede de sexto ao nono ano envolveu 370

professores das 23 escolas municipais de sexto a nono ano, divididos em 08 grupos de escolas,

em 08 salas, o que correspondia 2 a 3 escolas por sala nos horários da manhã e da tarde.

Figura 8 – Reunião na plenária (plenária Parnamirim Interdisciplinar)

Fonte: Acervo do GEPEM/2011

3.2.2. Na plenária

Havia uma dinâmica de começar o turno na plenária, em seguida trabalhos em pequenos

grupos que eram divididos por salas e no final do turno esses grupos se reuniam novamente na

plenária, na intenção de compartilhar as tarefas desenvolvidas por todos. Essa orientação era

sempre feita pelo professor Antônio Gouvêa e pela professora Marta Pernambuco. Eram eles que

encaminhavam a partir de suas experiências em processos de Reorientação Curricular os passos

necessários para o Tema Gerador.

Essa metodologia de começar a problematizar no pequeno grupo e em seguida voltar ao

grande grupo socializando o que tinha sido discorrido e elaborado é parte de uma metodologia

proposta pelo grupo GEPEM desde a primeira fase da formação. O grupo compreende a importância

dessa prática por levar em consideração o espaço e vez a todos os sujeitos envolvidos. Essa

metodologia é oriunda das bases de intervenções necessárias propostas por Freire (2011),

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tanto em seu fazer como em sua teoria. Em Educação na Cidade (1991), o sentido da palavra

participação traz uma posição muito precisa do significado de participação para Freire:

Para nós, a participação não pode ser reduzida a uma colaboração que setores populacionais devessem e pudessem dar á administração pública. [...] implica, por parte das classes populares, um “estar presente na história e não simplesmente nela estar representadas”. Implica a participação política das classes populares através de suas representações ao nível das opções, das decisões e não só do fazer o já programado. [...] Participação popular para nós não é um slogan, mas a expressão e, ao mesmo tempo, o caminho de realização democrática da cidade. (FREIRE, 1991, p.76).

O que direcionava essa prática de formação era o envolvimento de todos os grupos na

construção coletiva do aprender a participar e construir junto nas escolhas de seus conteúdos

baseados no tema gerador, isso só se daria com a troca coletiva baseada na participação e no

debate crítico da realidade.

3.2.3 Nas Salas

Sempre no segundo momento da manhã era a vez da separação dos grupos por escola,

cada sala teve uma média de 20 a 30 professores de diferentes disciplinas, de duas (2) a três (3)

escolas diferentes, e contava com a orientação e mediação de duas pessoas da equipe da SEMEC

e duas do GEPEM.

Nas salas de aula ocorria a mesma dinâmica de trabalhar em grupo e em seguida

sistematizar com todos da sala a compreensão sobre as etapas e a investigação da realidade local.

Ao final de cada turno voltavam todos os integrantes das diferentes salas ao auditório, para

dividirem dúvidas pendentes, sistematizarem a produção dos seus trabalhos em sala,

contribuições e encaminhamentos para o dia seguinte, sob novamente, as orientações dos dois

professores responsáveis pela plenária.

Esse mesmo esquema era feito na parte da tarde com os outros professores do horário e

era um momento em que aprofundávamos, na teoria-prática, as orientações da construção

curricular fundada na teoria crítica de Paulo Freire.

Em cada sala havia professores de diferentes áreas para consubstanciar a prática no rumo

do trabalho interdisciplinar. Isso significava fazer o exercício de trabalhar o mesmo Tema

Gerador nas diferentes áreas, estimulando-os assim a pensarem coletivamente os conteúdos.

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A divisão do grupo que iria orientar os professores nas salas foi feita nesse mesmo

sentido interdisciplinar, já que havia um professor ou aluno do GEPEM, juntamente com um

técnico da Secretaria.

Isso pode contribuir para o rumo a uma participação e troca fundamental, aquela atribuída ao

ato de incluir todos nos processos de discussão, mas não só isso, no próprio processo de mudança

para uma sociedade menos opressiva e um ensino mais condizente com a realidade social.

3.2.4. As atividades nos dias de formação

3.2.4.1 Primeiro dia

A professora Marta e o professor Gouvêa iniciaram a semana pedagógica apresentando a

importância, e intensão da proposta de construção curricular, fundamentada na pedagogia crítica.

No primeiro dia a plenária objetivou levar uma compreensão geral do processo de reorientação

curricular via Tema Gerador, elencando a ênfase no objetivo político-pedagógico,

esclarecimentos sobre tema gerador/contra tema, nos momentos de construção do currículo.

Isso significava problematizar as dificuldades observadas na prática pedagógica que,

segundo eles, encontra quatro grandes desafios:

Relação distante entre prática pedagógica e cidadania.

Descontextualização dos conteúdos selecionados.

Fragmentação do conhecimento da realidade social pelas diferentes

disciplinas/áreas.

Desconsidera o que é significativo para os alunos no processo de

ensino/aprendizagem.

O passo seguinte da formação foi questionar quando um conhecimento rompe com o

tecnicismo e passa a ser crítico. Apontando o processo de organização da práxis libertadora

proposta por Gouvea (2013): Investigação Temática: pesquisa qualitativa para transformação das situações da

realidade desumanizada.

Caracterização dos Temas Geradores: síntese dos conflitos vivenciados pela comunidade, concebidos como contradições sociais pelos educadores.

Redução temática: seleção de conteúdo das diferentes áreas do conhecimento articulados para análise crítica das situações contraditórias vivenciadas na comunidade.

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Dialogicidade: práxis pedagógica de descodificação de situações codificadas da realidade local e que, para tanto, fazem uso dos conteúdos pertinentes ás contradições em estudo.

E nesse momento da formação os orientadores explicaram então para os professores da

rede o que significava partir da realidade da comunidade, em que se baseava a pesquisa

participante e as análises dos dados quantitativos e qualitativos e o que significava a expressão das

falas significativas desta comunidade.

Não só nesse primeiro dia, mas nos que se sucederam, o movimento era o de, após a

palestra, trabalharem nas atividades em sala em grupos menores sob orientação daqueles que

tinham feito a mesma formação dois meses antes, dezembro/janeiro. E que já tinham feito a

pesquisa e extraído as falas significativas dos determinados bairros que compõem o entorno das

escolas.

O material disponibilizado para a atividade (ver anexo 2) contava com o quadro para

selecionarmos em grupo as falas/situações significativas (contradições e conflitos explicitados

pela comunidade, além de textos de aprofundamento teórico); além de avaliar a proposta de

Tema Gerador e a justificativa da proposta que era feita por cada grupo na sala, apresentado e

sistematizado na plenária ao fim do dia.

Figura 9 – Estudos na plenária

Fonte: Acervo do GEPEM (2011)

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3.2.4.2. Segundo dia

No segundo dia a plenária discutiu os dados qualitativos extraídos da realidade: regiões do

município (agrupamentos das escolas), estes deram conta de evidenciar as problemáticas locais

apontadas pelos grupos da formação a partir das falas da comunidade:

Violência, gangues entre jovens, drogas, falta de lazer.

Nas escolas centrais (concentração e passagem de alunos de vários bairros sinalizando vários tipos de violências).

Desemprego, drogas, presença do turismo, lixo.

Roubo, violência dos “outros bairros”, convivência conflituosa.

Violência aceita de forma fatalista, drogas associadas á violência, falta de lazer.

Desemprego, pobreza, educação, cidade dormitório.

Outras questões recorrentes: Saneamento básico precário (lixo, iluminação), saúde (posto

precário), marginalidades associada à pobreza, prostituição na adolescência, transporte

insuficiente, entre outros.

Diante dessas situações problemas sistematizadas pelos diferentes grupos das salas de

formação, os professores Marta e Gouvêa foram orientando na palestra do dia, o uso das

falas/situações significativas para o caminho de escolha do Tema Gerador. Utilizando nesta etapa

os exemplos de falas locais para redução temática, foram orientando sobre os elementos e

conteúdos relacionados ás condições da comunidade nos planos local e micro-macro.

Paulo freire ao discutir redução temática em seu terceiro capítulo da pedagogia do

oprimido esclarecia que:

Por isso é que a investigação se fará tão mais pedagógica quanto mais crítica e tão mais crítica quanto, deixando de perde-se nos esquemas estreitos das visões parciais da realidade, das visões “focalistas” da realidade, se fixe na compreensão da totalidade...assim é que, no processo de busca da temática significativa, já deve estar presente a preocupação pela problematização dos próprios temas. Por sua vinculação com outros. Por seu envolvimento histórico cultural. (FREIRE, 2011, p. 139).

Significou discutir com os professores o exercício de compreensão da totalidade, dos

problemas sociais em convergência com os problemas locais, pois deste modo na hora em que se

pensam conteúdos escolares, aqueles problemas da realidade local devem ser expostos enquanto

desdobramentos de problemas sociais mais amplos, que perpassam nossa sociedade de maneira

geral recaindo nas demais comunidades.

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Após discutirem a ênfase no estudo da análise local/micro-macro/local, Marta e Gouvêa

abordaram as diferentes perspectivas da dimensão interdisciplinar do currículo e a análise coletiva

de um exemplo programático.

Na segunda parte do turno os grupos trabalharam no objetivo de fazer um levantamento

de elementos socioculturais e econômicos das dimensões local e macro para análise das falas

significativas selecionadas, selecionando conteúdos específicos para as diferentes áreas do

conhecimento a partir das falas e dos elementos socioculturais e econômicos. Por fim, a

elaboração de síntese de programação contendo elementos socioculturais e econômicos, falas e

seleção de conteúdos.

Figura 10 – Construção coletiva da relação micro-macro-local

Fonte: Acervo GEPEM (2011)

A dinâmica proposta (com a síntese de trabalhos do dia anterior):

1. Definir nos grupos por escola os elementos da realidade local e da macroestrutura

sociocultural e econômica selecionados ao tema, preenchendo o quadro II do material distribuído

(ver anexo 3) para responder as seguintes questões:

1.1. Que pontos quantitativos e analíticos precisamos ainda buscar? Onde encontrá-los?

1.2. Compare a visão dos educadores com aquela apresentada pela comunidade. Que

diferenças podem observar entre elas?

2. Socialização dessa produção dos grupos e elaboração de uma síntese desse quadro II para sala.

3. Nos grupos por área (ou disciplina) preencher o quadro III do material tentando definir

uma previsão de tempo para desenvolver os conteúdos selecionados na construção de

programações.

4. Socialização dessa programação construída pelos grupos por área, anotando a síntese

para retorno do dia seguinte.

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3.2.4.3 Terceiro dia

A finalização dos três dias da semana pedagógica teve início no intuito de abordar a

concepção de diálogo em Freire (2011), em apresentar o exemplo de uma atividade organizada de

forma dialógica; objetivando também discutir os três momentos pedagógicos, através de uma dinâmica

de Exposição Participativa. A metodologia adotada nos três momentos pedagógicos consiste em: 1. Problematização Inicial - questões e/ou situações problematizadoras são apresentadas,

visando levantar a discussão e os conhecimentos prévios. 2. Organização do Conhecimento - “conhecimentos necessários para a compreensão do tema

central e da problematização inicial serão sistematicamente estudados nesse momento, sob a

orientação do professor. ” (Delizoicov e Angotti, 1990, p. 55; Delizoicov e Angotti, 1991, p.

29). 3. Aplicação do Conhecimento - relacionar o conhecimento científico com situações reais

cotidianas, para melhor entendê-las.

No segundo momento do dia, objetivou-se: analisar e discutir outro exemplo de atividade,

para preparo de atividades dialógicas por área e socialização das atividades no grupo por escola.

Dinâmica proposta baseando-se nos três momentos pedagógicos, acerca do que são e do como

fazer uma metodologia nesse viés.

1. leitura e análise, nos grupos, de uma atividade orientada pelos três momentos.

2. Discussão e encaminhamentos para a construção de atividade dialógicas.

3. A partir das sínteses dos dias anteriores, preparação nos grupos de uma atividade

contemplando os três momentos pedagógicos.

4. Socialização da produção dos grupos com o preenchimento do quadro contido no

material do dia (ver anexo 4).

Todos estes momentos foram subsidiados por orientação teórica e diálogo em plenária

acerca dos aspectos fundamentais relacionados às atividades, tais como: processo de reorientação

curricular e características metodológicas da proposta curricular via tema gerador; abordagem

interdisciplinar e crítica; seleção de conteúdos e construção de programações na abordagem

interdisciplinar crítica; concepção de diálogo de Paulo freire e metodologia de preparação de

atividades dialógicas por área.

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3.3 AVALIAÇÃO DOS TRÊS GRUPOS ENVOLVIDOS NA FORMAÇÃO DA SEMANA

PEDAGÓGICA

A avaliação dos dias de formação tomou como base a impressão e a experiência

vivenciada pelos oito grupos de formação divididos nas diferentes salas. Apesar do pouco tempo,

grande parte dos grupos teve êxito na construção das propostas interdisciplinares a serem

consolidadas nas escolas e a compreensão de que aquele era apenas um primeiro momento na

construção desta nova proposta.

As dificuldades foram naturais dado ao fato de ser, para muitos de nós, alunos,

professores do GEPEM e SEMEC, uma experiência primeira de se planejar conteúdos escolares

a partir de temas extraídos das falas da comunidade.

Para o grupo da SEMEC era uma oportunidade de exercitar na prática o como fazer

pedagógico e embasar a experiência anterior de formação sobre o Tema Gerador. Para eles que

iriam após a semana pedagógica trabalhar especificamente de maneira mais focada com as escolas

envolvidas, foi de extrema importância fazerem o movimento de aprender e executar passos

metodológicos consubstanciados pela teoria freireana e sistematizados pelos professores Marta e

Gouvêa, que já trabalharam diretamente essa metodologia em diferentes experiências escolares.

Figura 11 – Reunião com o professor Gouvêa e as equipes

Fonte: Acervo GEPEM (2011)

Como em qualquer trabalho em grupo, a participação dos sujeitos envolvidos não foi

integral o que apontou a necessidade de novas reflexões e avaliações do processo. Neste processo

de reflexão a equipe da SEMEC propôs investimento maior nas escolas cujos sujeitos aderiram e

mostraram forte envolvimento com a proposta.

Era preciso também pensar o calendário de trabalho coletivo nas escolas durante o ano e

as reuniões de acompanhamento e orientação sobre a condução do grupo da universidade para

assegurar uma formação mais segura e concisa.

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Mas, ainda na semana pedagógica fomos informados da mudança da Secretária de

Educação, fato que inviabilizaria o projeto de Reorientação Curricular pensado e em estado de

construção. Essa mudança deixava de garantir trabalho coletivo nas escolas, algo substancial para

o processo.

Com a quebra de apoio da Secretaria de Educação do Município ocasionada pela

mudança de secretária (principal vetor na desestruturação do projeto), alguns desses participantes

(técnicos da secretaria e técnicos do PROINFO) que fizeram parte das formações iniciais,

passaram a se reunir na escola Francisca Fernandes (Xixica). O PROINFO, sobretudo buscou

articular e garantir no que pôde o apoio, mesmo que mínimo a continuidade do projeto.

O nosso grupo (GEPEM) tinha sua própria demanda institucional que fazia com que,

mesmo sem o apoio da secretaria, o projeto de extensão se mantivesse em continuidade, pois

tinha que continuar seu cronograma de extensão até o final do ano. Foi necessário repensar e

remontar como seriam as reuniões/ações e trabalhou-se diante das possibilidades que existiam.

Continuamos mantendo a metodologia de acão-reflexão-ação, intercalando as reuniões num

circuito que se compunha em trazer reflexões das reuniões na escola para reuniões da base de

pesquisa, com os participantes que se reuniam na Escola Xixica, voltando e problematizando na base

novamente. O grupo encontrou com essa situação a possibilidade de aprender como fazer em

situações de entrave como essa, reinventando e ousando novos meios de análise da realidade social,

perspectiva de trabalho coletivo crítico, moldado nos fundamentos do Paulo Freire atrelados ao GEPEM.

Nas reuniões que se sucederam durante o ano de 2011 o grupo do GEPEM continuou a

formação e agora ao invés de usar o método de descoberta e aplicação do tema gerador discutiu-

se em grupo o que os coordenadores/educadores participantes já desenvolviam em seus projetos

trabalhados nas escolas, foi nesse momento que começaram a trabalhar diretamente com

atividades que incidiriam e contribuiriam em seus projetos.

Trabalhando agora com um grupo bem menor o GEPEM pôde se aproximar e discutir

levantamentos trazidos pelos professores participantes. Ao nos reunirmos na base de pesquisa

para planejar as atividades que trabalharíamos passávamos por um processo muito produtivo no

aspecto do exercício teoria-prática, já que ao discutir como trabalhar na perspectiva

interdisciplinar, rediscutia-se o que fora proposto anteriormente na universidade.

Esse foi um exercício enriquecedor para o grupo, levantar questões importantes e trabalhar

no surgimento de ações que pudessem repercutir no modo de planejar dos professores, muito embora

a nuvem do desestímulo proveniente da mudança da secretária tenha afastado e não garantido boa

parte dos professores e técnicos do município de Parnamirim, o direito a novas experiências de

formação, levadas a fundo.

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Previamente o grupo GEPEM negociou certa garantia de funcionamento do

projeto/formação, antes de começar já prevendo o possível não apoio, devido à ruptura das

experiências similares que deram de frente com esses mesmos empecilhos de transitoriedade de

governo. Fizemos a autocrítica também em relação a nosso modo de construir formação, pois

aprendendo com o fazer notamos que poderíamos ter feito de outras formas, nos planejado mais

enquanto grupo no sentido de ter inclusive nos reunidos mais vezes para discutir detalhes que

precisariam ser melhor trabalhados, refletidos e até mesmo sistematizado.

Compreendemos também que essa análise avaliativa faz parte da ação reflexão ação que

tanto apostamos, pois compreendemos que para melhorar nossa prática o fazer é fundamental e é

nele que descobrimos as apostas (caminhos) que dão (ou podem dar) certo e nossas fragilidades

enquanto grupo formativo.

Certamente se não houvesse tido esse rompimento de apoio da secretaria poderíamos ter

colocado em prática outros âmbitos da formação que estávamos planejando, nas etapas seguintes,

as quais estavam nos preparando, aprendendo e, consequentemente, aprimorado nossa formação

e ousado pôr em prática uma Reorientação Curricular de caráter freireano.

3.4 OS ECOS DA EXPERIÊNCIA PARA OS PROFESSORES/COORDENADORES

Foi assim... algo apaixonante, porque quando você se depara com Paulo Freire apresentado pelos olhos de quem tem experiência e sabe do que estão falando, é outra coisa. Porque na graduação passamos por muito teóricos. De Paulo Freire fica só a questão dialógica. (Professora da rede).

Um ano e meio depois, para o desenvolvimento dessa análise, acerca do que ficou para os

professores que participaram da experiência do projeto Parnamirim Interdisciplinar, foi feito um

resgate preliminar para sustentar a reflexão da quebra do projeto, que visava, além da

interdisciplinaridade, a reorientação curricular via Tema Gerador o sentimento que fica para os

professores de um momento de formação sob aquele modelo freireano crítico.

3.4.1 Escolha dos participantes e instrumento de coleta de dados

A escolha dos participantes entrevistados, cujos depoimentos foram reunidos para exame,

admitiu o seguinte critério: ser professor e/ou coordenador pedagógico e estar em escola na época

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do projeto, considerando, pois, que uma parcela significativa dos envolvidos no Parnamirim

Interdisciplinar integrava o quadro de técnicos da SEMEC que, após a semana pedagógica, seriam

multiplicadores (acompanhariam os projetos desenvolvidos nas escolas).

Desta maneira, a partir da lista dos participantes do projeto, foram feitos contatos

telefônicos e o convite a participar de uma entrevista, isto é, uma “conversa informal” para se

abordar a experiência sobre a semana pedagógica, que ocorreu em 2011, organizada pela SEMEC

de Parnamirim em parceria com a UFRN, bem como as demais etapas do projeto.

Procuramos deixá-los a vontade e não seguimos o modelo clássico de perguntas e respostas,

mas procuramos aprofundar o que não parecia elucidativo. Neste processo, a pergunta basilar foi: “como foi para você esta semana pedagógica e o que foi mais significativo? ”. No decorrer da

conversa procuramos aprofundar a discussão seguindo com outros questionamentos, tais como: “o que você destaca de importante? ” E “o que foi relevante para sua prática e para sua formação

profissional? ”; “quais foram os principais óbices que impediram a continuidade do projeto? ”.

3.4.2. Sujeitos participantes

Participaram cinco sujeitos que vivenciaram a experiência do projeto: professores (2) e

coordenadores (3). Todos eram do sexo feminino. O tempo de experiência na educação variava

de 6 a 23 anos; todos com pós-graduação sendo um em nível de mestrado e os demais em nível

de especialização.

3.4.3. Os conteúdos trabalhados a partir da realidade do aluno e de modo interdisciplinar

Convém comentar que a proposta de Freire (2011), em relação à prática educativa, é

oriunda das contradições sociais, questionando a realidade que se apresenta naquele lugar, para

aquela comunidade. Os conteúdos não são dados, e sim construídos, organizados, sistematizados

a partir da realidade concreta que é questionada, problematizada.

Dessa forma, os conteúdos emergem como questões que necessitam de uma resolução

pelo grupo. Daí a necessidade de que seja um trabalho coletivo, para que partindo de inquietações

individuais se chegue ao problema comum, suscitando uma mudança para todos e não apenas

individual.

Após análise das falas nas entrevistas e nas reuniões poderíamos interrogar se o projeto

Parnamirim Interdisciplinar trouxe mudanças para o currículo desenvolvido nas escolas ou mesmo

para a proposta pedagógica mesmo tendo sido um projeto com pouco tempo de realização, mas

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com vontade de mudança. Neste viés, vejamos algumas falas que demonstram a percepção dos

participantes:

Um projeto maravilhoso... porque trabalha com a interdisciplinaridade e busca dentro disso a problemática da comunidade... trabalhar com aquilo que a comunidade está precisando... porque a proposta era fazer um levantamento prévio, no bairro, na comunidade para ver que problemas a comunidade vivenciava. (Coordenadora Pedagógica)

Eu me encantei com o projeto porque era mais empírico do que teórico. Para mim, o que ficou o que me encantou foi a questão de associar os conteúdos à realidade. Atualmente os professores das disciplinas pecam muito no sentido de ensinar os conteúdos afastados da realidade do aluno. A aula não é convidativa. O aluno não consegue perceber a teoria, fica só nos conceitos, fica na ‘decoreba’. A partir da realidade o aluno é capaz de associar a teoria à empiria. (Professora da Rede Estadual e Técnica da SEMEC)

O projeto tinha como proposta trabalhar de forma interdisciplinar. Tudo começava com a história do aluno. Cada escola construía um projeto. Dentro do projeto de cada escola o trabalho foi 7 dividido por subtemas, por bimestre. Aqui na escola funcionou todo o ano de 2011, mesmo que depois não tivesse o acompanhamento da SEMEC. (Coordenadora Pedagógica)

Na Semana Pedagógica foi assim... algo apaixonante, porque quando você se depara com Paulo Freire apresentado pelos olhos de quem tem experiência e sabe do que está falando, é outra coisa. Porque na graduação passamos por muito teóricos. De Paulo Freire fica só a questão dialógica, de Freinet fica só a aula passeio. Mas quem é Paulo Freire, quem é Freinet? Então, fica muito superficial. (Coordenadora Pedagógica).

Com efeito, podemos considerar que a finalidade da proposta Freirana para a educação é

que ao longo do processo educativo o ser humano se torne cada vez mais humano. Isso implica

conscientização do processo de opressão que o ser humano está submetido no decorrer de sua

existência.

3.4.4 A sensibilização e o envolvimento da comunidade escolar sobre os problemas do

entorno das escolas

Foi perceptível que a sensibilização e o envolvimento de toda comunidade escolar a partir

dos problemas do entorno das escolas com o propósito de construção de um trabalho coletivo,

foi destacado pelos participantes como demasiadamente importante, o que é inseparável à

proposta de se partir da realidade dos alunos.

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Entretanto, observa-se a insegurança diante do novo; as dificuldades com os professores

que têm uma formação específica e se preocupam em ministrar bem os conteúdos de suas áreas.

Esses professores amiúde incorporam desde a graduação que o seu dever é ensinar bem os

conhecimentos específicos adquiridos em sua formação.

Em contrapartida a este cenário, os estudos nas áreas das políticas de formação de

professor observam que os avanços tecnológicos, a globalização da economia, trouxeram

mudanças para o campo educacional. Se antes o trabalho exigia da escola uma formação pautada

na memorização, agora exige capacidade de trabalhar em grupo, capacidade de adaptação. Diante

deste panorama, como os professores/coordenadores envolvidos no Projeto Parnamirim

Interdisciplinar recebem esta nova proposta de trabalho?

Os professores questionavam como iam solucionar os problemas detectados e a gente dizia que não iria solucionar, mas proporcionar o entendimento aos alunos acerca da problemática que está acontecendo com eles, para que eles tenham instrumentos para futuramente modificar aquela realidade... isso mexeu muito com os professores porque quer queira quer não eles se envolvem. (Professora da Rede Estadual e Técnica da SEMEC)

A semana pedagógica não foi àquela situação maçante de você estar numa palestra que muitas vezes não te interessa. Era um trabalho de construção coletiva. (Professora da Rede Estadual e Técnica da SEMEC)

Esse primeiro momento foi muito rico porque teve discussão junto com outros professores, de outras escolas, outros professores que enfrentavam os mesmos problemas. Foi muito salutar e proveitoso porque estávamos tendo espaço para discutir e encontrar caminhos para quando chegarmos à escola termos as condições de elaborar o projeto. (Coordenadora pedagógica)

Esse projeto a gente pegou porque tinha a ver com a história do bairro. Se trabalhava a partir do conhecimento do aluno. Para isso foi feito um levantamento prévio dos problemas que o bairro enfrentava. (Coordenadora pedagógica).

Neste contexto muda-se também a formação do professor. Se antes a escola exigia um

professor que transmitisse conteúdo da sua área de formação específica, agora o professor deve

ter uma formação ampla que consiga dar conta da diversidade de problemas que encontra na

escola, fruto do meio social e do momento histórico em que vive. Antes para ser bom professor

bastava o domínio da área do conhecimento específico que se aí ensinar (KUENZER, 1999).

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3.5 CONTRIBUIÇÕES QUE A EXPERIÊNCIA VIVENCIADA TROUXE PARA A

FORMAÇÃO E A PRÁTICA DOCENTE

A pergunta problematizadora desta questão foi: “O que ficou para você, para a sua prática

como professora/coordenadora? O que mudou? ” A partir das falas, sintetizamos em alguns itens:

1. Aprender a trabalhar de modo interdisciplinar

“Percebi que os professores aprenderam a trabalhar de modo interdisciplinar. O projeto ajudou a entender melhor a interdisciplinaridade, de forma contextualizada”. (Coordenadora pedagógica)

2. Observar mais a realidade do aluno ao organizar os conteúdos, usar situações cotidianas para explicar os conteúdos.

“Esse professor que disse que não sabia, mas ia tentar o novo projeto chegou na primeira semana de aula e disse: ‘estou tão feliz, pois é o primeiro ano de educador na minha vida que não estou rouco’... isso porque os alunos estavam todos trabalhando e ele estava apenas tirando dúvidas, não precisava ficar o tempo todo falando, falando...” (Coordenadora pedagógica)

3. Aprender a sensibilizar os professores para se engajarem em projetos

“Os professores participaram. Eu acredito que foi através do meu jeito... e isso eu aprendi com o projeto. Isso também é minha função”. (Coordenadora pedagógica)

4. Conhecer mais a realidade do bairro. Compreender a realidade em que vive e a dinâmica da sociedade. “Eu nunca tinha saído da escola para visitar o bairro”. (Coordenadora pedagógica)

“Eu sou professora da EJA, os alunos são adultos e eles não conseguem

compreender que eles fazem parte de toda uma dinâmica social... São explorados.

Agora eu observo mais a realidade deles, eu uso mais a situação deles em sala de

aula... Sempre tive certa sensibilidade para problemas sociais, mas eu não sabia

como sistematizar, assim, eu sofria muito. O menino chegava na sala e estava quase

desmaiando. Eu pedia para a merendeira colocar a merenda dele. Então, eu chegava

em casa e chorava, não sabia como lidar com isso de eu ter e eles não terem e hoje

eu sei. Quando você passa a entender a realidade você explica melhor aquilo ali e

eles entendem... então foi isso: eles perceberem a exploração. Eles perceberem

como a sociedade se dinamiza... que nada é por acaso... tudo foi historicamente

construído. Mas também os instrumentos que temos para mudar.... Nem sempre eu

tive tudo que tenho, mas fui conseguindo os instrumentos para mudar. ”

(Professora da Rede Estadual e Técnica da SEMEC)

“Para mim foi gratificante... Porque você sabe: é complicado trabalhar com os professores de 6º ao 9º ano, por serem de áreas específicas são muito individuais... Eles pensam muito na questão do conteúdo..., mas aqui à tarde eu vi essa aceitação e acho que foi a maneira como eu tentei sensibilizar porque acho que isso é também uma função da coordenação. Eu não posso chegar e impor o projeto... Então eu acho que minha função foi também importante e isso eu tirei como lição do projeto”. (Coordenadora pedagógica)

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“No ano seguinte percebi que os professores utilizavam a metodologia mesmo que não falassem. Os professores trabalhavam uma temática e no final do bimestre tinha o momento de culminância: os alunos através de apresentações orais, escritas, peça de teatro com a orientação do professor apresentavam os trabalhos”. (Coordenadora pedagógica)

“Percebi que serviu para a construção do Projeto Político Pedagógico. A metodologia até hoje serve como exemplo, como modelo. Os professores aderiram e envolveram mais a comunidade, eles gostaram dessa metodologia: sair da sala de aula (tinha aula de campo). Então tudo partia do conhecimento do aluno e daí eles se interessavam mais”. (Coordenadora pedagógica)

3.5.1 Aspectos negativos e limitações

Mesmo que professores/coordenadores pedagógicos tenham demonstrando entusiasmo

com o projeto quando falam, por exemplo: “eu me encantei com o projeto”; “Um projeto

maravilhoso”; consideramos interessante registrar e discutir os aspectos apontados como

negativos, o que pode servir de referência a outros trabalhos na vertente freireana.

a) O levantamento dos temas geradores deveria ter sido feito pelos próprios professores, e

não pela equipe técnica da SEMEC.

Esta objeção é plenamente compreendida, uma vez que a proposta se apoiava no

pensamento de Freire (2011) e, conforme comentamos anteriormente, na ideia de Tema Gerador.

No entanto a que se dizer que na semana pedagógica, a pretensão era de se fazer o exercício

preliminar de aprender a buscar o tema gerador.

b) O tempo de formação em uma semana foi insuficiente

Outro aspecto negativo do projeto foi no tocante ao tempo de formação. A fala a seguir

comunga com esta opinião:

Como é que em uma semana eu me encanto, e na outra já vou executar o proposto? Não dá! Emergem inúmeras dúvidas: ‘é por aqui mesmo? (Coordenadora pedagógica).

Nesta dimensão, concordamos que 40 horas não dão conta de uma proposta tão ampla,

mas é preciso esclarecer que em Freire a formação do educador é permanente, portanto acontece

no processo. As 40 horas constituíram apenas um “ponta pé” inicial para aqueles que desejassem

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se envolver ou que se sentissem motivados a se engajar no projeto e aprofundar estudos na

vertente freiriana, visto que desde o começo foi explicitado que o projeto não era uma imposição,

a comunidade escolar estava sendo convidada a conhecer uma proposta de trabalho diferenciada.

c) A greve fazia-se necessário no momento, embora acabasse ajudando a dispersar os

professores na atenção ao projeto.

Durante a implantação do projeto Parnamirim Interdisciplinar, os profissionais da educação,

deflagraram uma greve que durou cinco meses. É sabido que tal fato traz consequências para

projetos em andamento nas escolas, mas reconhecemos que como entendem os juristas, é uma

forma de “exercer pressão, visando conquistas de interesses coletivos, ou com objetivos sociais

mais amplos” (QUEIROZ, 2011, p. 81).

Segundo depoimentos dos educadores envolvidos no projeto, era preciso lutar por velhos

anseios no município, esses anseios referiam-se, entre outros, ao mantimento do recurso do

rateio, que implicava diretamente no “quarto salário” deles. Com o concurso e convocação de

novos professores o recurso que vinha e era rateado já não poderia sê-lo em face da contratação

dos novos professores e com isso o rateio passou a não existir. A greve acabou surgindo em meio

a mudança da Secretaria e ao desenvolvimento do Parnamirim Interdisciplinar na Semana

Pedagogica, posto que desarticulou muitos professores (alguns, inclusive, foram realocados após

este período pela nova gestão da Secretaria) e membros da equipe, havendo significativa evasão

notada inclusive nos últimos momentos da Semana Pedagógica.

d) A Interrupção do projeto e falta de acompanhamento pela SEMEC

Embora todos tivessem expressado a decepção por não terem tido uma continuidade de

formação após a semana pedagógica, confiaram no caminho de pensar os conteúdos a partir de

vivências de problemas que surgem na escola e, nesse sentido, pelas falas dos entrevistados,

podemos pensar que os professores e a comunidade escolar de modo geral (pais, alunos e

professores) estão dispostos a abraçar uma causa maior pela qualidade de um ensino que faça

sentido, que entusiasme e envolva a comunidade em um processo de ensino/aprendizagem mais

significativo, comprometido com uma transformação social.

Isto se explica pelo fato de no ano seguinte, os professores ao se reunirem para o

planejamento, demonstrarem preocupação com o diálogo, de observarem conteúdos que

poderiam desenvolver em parceria com outros colegas, ou seja, de forma interdisciplinar.

A maioria das coordenadoras pedagógicas identificou que no ano seguinte, os professores, ao

elaborar uma proposta de trabalho ainda seguiam a linha do projeto no que se refere ao

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levantamento dos problemas no contexto escolar, e preocupação com um trabalho coletivo.

Neste aspecto, a coordenadora expõe:

O projeto Parnamirim Interdisciplinar foi muito interessante... nos motivou a continuar trabalhando com temas geradores. Por exemplo... em 2012, os professores observaram, junto à comunidade, o problema do bullying.

Um trabalho coletivo, não só internamente entre os professores, mas que envolva a

comunidade pode melhorar a aprendizagem e a organização escolar, como aponta uma

coordenadora:

Não adianta só dizer que vai trabalhar com tema gerador. O grupo foi educado no tradicional, então, se você percebe que o professor tem alguns traços, que pode fazer algum trabalho... por exemplo: temos uma professora que fez um trabalho com correspondência, com outra professora de outra escola, e a gente percebeu que caiu a indisciplina. (Coordenadora pedagógica).

Como aponta Alonso (2002), concordamos que à medida que o professor se torna

parceiro do colega, através da busca de soluções para problemas comuns, amplia a formação, mas

para tanto se faz necessário ter objetivos claros do que se deseja como resultado. Nesta mesma

direção Chaluh (2010), entende que o trabalho coletivo promove desenvolvimento e autonomia.

A ausência de um acompanhamento efetivo também foi reclamada pelos entrevistados.

Então, por meio dos relatos é perceptível que o projeto, no âmbito das escolas, necessitou de

orientação, uma vez que os professores não tinham certeza se estavam executando o planejado de

maneira adequada. Uma coordenadora comenta:

Cada escola tinha que organizar o seu projeto. Na Secretaria de Educação foi dito que a pessoa designada como coordenadora faria visitas periódicas à escola para nos auxiliar a implantar o projeto. O problema é que na escola que eu trabalho isto não aconteceu. Eu apresento este ponto como algo negativo.

Após análise das falas dos entrevistados, poderíamos interrogar-nos se o projeto

Parnamirim Interdisciplinar trouxe mudanças para o currículo desenvolvido nas escolas ou

mesmo para a proposta pedagógica.

Fora percebido que apesar dessa quebra do projeto alguns dos professores tiveram sobre

o projeto um limiar de uma possibilidade crítica no exercício da educação, experimentada em

grupo, num coletivo de ações provenientes da memória que restou de um projeto bem aceito por

eles e que infelizmente não chegou a se realizar em sua completude.

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Também notou-se que professores passam a desacreditar dessas iniciativas de formação,

justamente por experimentarem começos otimistas de projetos que simplesmente se quebram.

Cansam-se e ficam descrentes de experimentarem rodízios de projetos que chegam ao chão das

secretárias e antes de realizarem-se enquanto experiência nas escolas e facilmente dissipam-se.

4 – A INFLUÊNCIA DAS SECRETARIAS NA CONCRETUDE DOS PROJETOS

Primeiro se silencia e se elimina todos os dissidentes, e o regime implantado a seguir não terá oposição, pois haverá apenas um modo de pensar; todos viverão sob o modelo do pensamento único. É claro que isto justifica que não podem existir modelos alternativos. (TORRES, 2003: p. 22).

Neste capítulo pretende-se compreender a ruptura do processo de Reorientação

Curricular via Tema Gerador, que se deu entre outros motivos, pela mudança de cargo da

Secretária de Educação. A análise foi feita a partir das observações das situações que se eclodiram

das ações dos sujeitos participantes do projeto “Parnamirim Interdisciplinar”, como também a

partir do que foi descrito pela própria ex-Secretária Raimundinha, seu assessor, na época, Nestor

Lima e a coordenadora do PROINFO de Parnamirim, Tereza Felix.

A análise da fala da ex-Secretária de educação, seu Assessor e da Coordenadora do

PROINFO. Foram feitas por meio de entrevistas realizadas após o rompimento do projeto,

como forma de pensar como isso ocorreu e como o jogo de interesses se fez visível ante a

experiência vivenciada na gestão da ex-Secretária.

A experiência do projeto Parnamirim Interdisciplinar possibilitou perceber o quanto os

entraves políticos influenciam as Secretarias de Educação, e consequentemente os espaços

escolares, pois na situação de Parnamirim pôde-se observar como as movimentações políticas que

se deram verticalmente incidiram na não realização desse projeto, dado o afastamento da

Secretária de Educação e a não garantia de manutenção do projeto pela nova gestão.

Esse afastamento culminou no desmantelamento dos meios de funcionamento que

estavam garantindo a concretização do projeto, como ficou claro nos resultados das situações de

rompimento de parceria entre nova Secretaria de Educação, a acessória/GEPEM e as escolas.

A falta de garantia por parte da nova Secretaria de Educação, que assegurava os meios de

continuidade das ações responsáveis pelas vivencias significativas – Vivencias significativas: termo

que se refere as situações libertadoras que foram construídas no projeto Parnamirim

interdisciplinar e referenciam as suas etapas que partem da relação sujeito no mundo e com o

mundo – daqueles que fizeram parte de ação coletiva, foi o reflexo da ruptura que desencadeou

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os entraves que incidiram no fechamento do projeto. Dessa forma, pôde-se notar o quanto as

mudanças políticas foram relevantes no termino do projeto, uma vez que mudado a Secretária de

educação, o projeto Parnamirim interdisciplinar não encontrou mais base de apoio político para

sustentação da continuidade das ações pedagógicas que davam corpo ao mesmo.

Quando o processo de Reorientação Curricular via tema gerador começou a ser pensado e

implementado em Parnamirim, através do projeto Parnamirim interdisciplinar, se ansiava

segundo Raimundinha (ex Secretária), a implantação de uma política educacional progressista que

visasse trazer através da educação, melhorias em diversos ângulos. Ela enunciou que sonhava

proporcionar em sua gestão uma proposta transformadora para que também o município pudesse

servir de referência a outros municípios, assim, saindo do “mais do mesmo” que é reproduzido

na dinâmica do entra gestão e sai gestão no município.

Na situação onde a então Secretária de Educação Raimundinha ainda se encontrava

responsável pela pasta da Educação, a mesma lembra que dentro da Secretaria a atenção que se

dava por todo o corpo que formava o sistema de educação era agir em conformidade com o

“cumprimento” das exigências do MEC, pois era entendido por esses personagens que isso

garantiria a vinda de mais recursos. Esclarece em sua fala que era como se os recursos fossem a

maior preocupação, tornando-se um direcionador das práticas e decisões que eram exercidas

dentro daquele espaço.

Como se pode observar ao analisar a fala dela, é evidente que não só os Secretários

anteriores, mas os próprios funcionários, cargos comissionados da secretaria, viam nesse

cumprimento dos programas e investimentos do MEC a principal tarefa a se executar. Contudo

tais direcionamento propostas pelo MEC foi introjetada nas ações da secretaria também por

decisão do corpo que forma a mesma.

Pensando sobre isso Raimundinha conta que se trata de uma faca de dois gumes, esse tipo

de situação em relação ao que vem do MEC, pois se por um lado o investimento é importante,

por outro se questiona: Como o MEC, verticalmente, podia garantir que as propostas sugeridas

eram compatíveis com as necessidades de uma realidade que tais projetos ignoram, sendo eles

elaborados de cima para baixo? Como ter certeza que essas propostas verticalizadas abarcavam a

singularidade daquelas escolas que formavam o sistema escolar de Parnamirim?

E, ainda sobre isso, ela questionava também se realmente a amostra de dados, de

matrículas e permanências nas escolas, instrumento quantitativo que é usado pelo MEC para

construir seus projetos, se esses instrumentos quantitativos seriam assertivos ao ponto de garantir

que o município, ao adotar tais projetos verticalizados, auxiliaria a Secretaria de Educação de

Parnamirim e principalmente as repercussões positivas para a comunidade local.

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A ex-secretária declarou que sua gestão gerava desconforto em muitos profissionais da

Secretaria (com métodos/práticas arraigadas), por tocar em questões, que segundo ela, são a

muito incorporadas no modo de lidar com a educação do município e que qualquer decisão

quando se está no poder gera abalos, desconfianças e sensação de invasão.

Já no segundo ano da gestão da ex-secretária, quando houve o momento da Semana

Pedagógica prevendo o processo de Reorientação Curricular Via Tema Gerador em que se deu o

encontro de todos os professores da rede municipal, foi para a Secretária e os demais assessores,

assim como o grupo GEPEM, um momento de expectativa. Aquele elo e aquela troca

participativa era a abertura para se colocar em prática um momento de mudança curricular, que se

alçava no calor dos diferentes diálogos.

Os profissionais da rede experimentaram o gosto do trabalho coletivo, do respeito mútuo,

do dialogo acolhedor, já que foi um momento em que puderam construir, interdisciplinarmente,

possíveis conteúdos aplicados às realidades provenientes de suas escolas, estabelecendo

comunicações, muitas vezes inviáveis já que para trabalhar do sexto ao nono ano, segundo

Nestor Lima tratava-se de um trabalho que era feito isoladamente. Daí que esta era uma

experiência conjunta e pioneira para muitos deles.

Ao mesmo tempo também testemunharam o desrespeito de parte dos dirigentes que

ignoraram os projetos em andamento, rompendo, sem debate os rumos do projeto Parnamirim

Interdisciplinar.

Após a semana pedagógica de 2011, Raimundinha foi realocada de cargo, sendo

transferida para a Fundação de Cultura gerando, assim, a desestabilização dos projetos que

estavam em andamento. Relatou que sua saída da Secretaria de Educação foi ocasionada por

pressões políticas internas que o prefeito vinha sofrendo as quais não foram por ele descritas, mas

que acarretaram nesta mudança de cargo.

A ex Secretária ainda tentou segurar o grupo de assessores que com ela vinham

trabalhando na Secretaria de Educação, para que juntos tentassem de algum modo sustentar

propostas para fundação de Cultura, já que era o que se podia fazer naquela situação, mas o

próprio Nestor Lima se recusou a entrar na nova Secretaria, concluindo não haver sentido fazer

parte da arbitrariedade contra um projeto que ele tanto apostou, acreditou, e se engajou.

Na época, dos projetos que vinham sendo trabalhados pela equipe da Secretaria apenas

“um” (1) continuou – o projeto de intervenção na alfabetização e letramento - por conta de já estar em

etapas de finalização da formação. Mesmo assim, Dorivan que orientava a formação neste nível

de ensino, ficou apenas até o fim do ano e os demais assessores, como Nestor Lima, que era

responsável pelo ensino fundamental II pararam com seus projetos e as formações nesse nível

foram paralisadas. Em detrimento dos motivos que serão melhores expressos adiante.

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4.1 JOGO POLÍTICO DE FUNDO QUE PERMEIA AS PRÁTICAS DAS SECRETARIAS:

AS LIMITAÇÕES QUE AS PROPOSTAS CONTRA HEGEMÔNICAS ENCONTRAM

DENTRO DOS JOGOS DE INTERESSES

Antonio Flavio Moreira em seu artigo intitulado Propostas curriculares alternativas: limites e

avanços (2000) relata que as reformas curriculares de cunho crítico que desde a década de 80 vem

sendo vivenciadas em várias partes do Brasil, sobretudo no Sudeste (Minas gerais, Rio de Janeiro

e São Paulo), estimulam algumas reflexões acerca dos enfrentamentos e condições necessárias

para obtenção das reformas curriculares nos municípios.

Ele focaliza, em primeiro lugar, aspectos referentes ao caráter claramente político das

reformas examinadas sugerindo, assim, que uma proposta fortemente marcada por uma dada

orientação política torna-se alvo fácil de outros partidos que se elejam ao término da

administração que a adota.

Isto significa dizer que o movimento das administrações, sendo resultado das

movimentações políticas, determinam os rumos das propostas alternativas. Daí que se faz

necessário que a gestão que entra esteja em consonância com o aspecto de ensino crítico e

principalmente que a escola, independentemente da gestão que entra na administração do

município ou na secretaria, possa ter autonomia e apoio político para consolidar as suas

propostas e adequá-las mais livremente aos interesses da comunidade.

Uma vez que a discordância se dá como resultado do fato das conjunturais politicas

refletirem a situação de desumanização da realidade local, este componente termina sendo um

fator inviabilizante da construção de um projeto de escola mais compatível com o víeis

emancipatório e participativo.

É importante frisar que a despeito das reformas escolares é compreendido que se tratam

de reformas que só alcançam uma ética educativa quando partilhadas e construídas em coletivo

tanto dos setores da Secretaria quanto da comunidade assistida pela escola.

Sobre isso, Cunha (1995) discorre que:

A política ziguezague, que corresponde às oscilações e mudanças na política educacional em função da entrada de novos administradores e que contribui significativamente para o insucesso das reformas e para a descrença do professorado em relação a elas, pode ser amenizada quando a reforma se elabora com efetivos envolvimento e participação dos sujeitos mais diretamente interessados. Sugiro ser o currículo centrado na escola, e não o decidido nos órgãos administrativos centrais, o que mais favorece o comprometimento de professores e alunos. Devidamente engajados, serão eles os mais leais guardiães das iniciativas que ajudaram a conceber e a implantar. (CUNHA, 1995, p. 126)

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Deste modo, a comunidade que partilha e estará envolvida e vendo a escola funcionando

dentro da construção participativa, ajudará na manutenção desse modelo de currículo popular,

somando esforços para que o que traz melhoria não possa ser retirado por interesses puramente

políticos, já que a representação política não pode estar acima das decisões do povo, povo esse

que deveria ser estimulado a participar.

As modificações que se deram por razão da mudança de cargo, sendo resultado de uma

ruptura de interesses entre a antiga Secretaria e a esfera política, caracteriza uma nuança do jogo

de interesse ocorrido em Parnamirim.

Essa visibilidade desse jogo que despontou a situação supracitada, nos oferece a

compreensão de que a mesma nos possibilita entender o que estamos chamando de jogo político

de interesse movido por interesses eleitorais, já que, pelo que foi analisado nesta pesquisa a partir

dos relatos, os cargos comissionados ocorrem dentro da ideia de arranjos políticos com vistas a

garantias de votos e permanência de cargos.

Tal situação aponta a fragilidade do processo de autonomia não só das escolas frente às

secretarias de ensino, mas também a fragilidade da autonomia da Secretaria frente ao poder

executivo dos governantes, a saber, Prefeitos, Secretários de Educação e adjuntos.

Isso faz com que o processo de monocultualização, característica do processo de

hegemonização22, gere dois grandes modelos de posturas públicas no meio social: os “homo

sociologicus” e os “homo economicus”, onde respectivamente um:“ é regido por normas e valores

internalizados, porém não possui plena consciência de seus motivos” e o outro “ é traduzido por uma

racionalidade instrumental e pela busca calculada de benefícios que satisfaçam a si mesmo ou a outras

pessoas, porém de forma calculada, sabendo que ele também vai obter vantagens ” (SANTOMÈ, 2003, p. 22).

Como podemos inferir pela fala de Raimundinha, ex Secretária de educação, a atitude do

prefeito ao destituí-la do cargo, demonstra o que é compatível com o modelo “homo

economicus”, tendo em vista que o dirigente ao tomar sua decisão não levou em questão o que

era melhor para todos que estavam sendo assistidos pela Secretaria, apenas levou em pauta aquilo

que era mais viável a sua estadia ou planejamento político na cena política de Parnamirim.

Esse caso não fugiu a regra, e por isso a fala dela denuncia que essas pressões e essas

escolhas não foram bem explicitadas, mas certamente estão imersas nos interesses políticos e

fazem parte de um sistema comum de se fazer política no município, que reproduz a lógica de

indicar cargos para determinados sujeitos e para determinados interesses.

22 Processo de hegemonização diz respeito ao que foi colocado sobre as ideologias determinante que são responsáveis pelo processo de reprodução da realidade desumanizadora na realidade local.

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A Secretária então substituída teve que ser remanejada para um novo cargo, pelo prefeito,

e a grande maioria dos técnicos e servidores, coordenadores que estavam no processo prático de

formação para o processo de Reorientação Curricular- que fomentava o projeto Parnamirim

Interdisciplinar- foram redistribuídos para salas de aulas e para outras funções pela então nova

Secretária de Educação. Como será melhor descrito ao decorrer deste capítulo.

Isso inviabilizou, em suma, que não fosse garantido o tempo de trabalho coletivo.

Fazendo com que, assim, se desse por encerrado um projeto que estava possibilitando a

construção de um sistema educacional municipal democrático, tido pelo grau de

comprometimento e participação dos que dele fizeram parte.

Duas questões surgem como implicadoras dessa construção, o fim do tempo de trabalho

coletivo para os professores nas escolas e o remanejamento da equipe de formação –

Coordenadores- Diretores-Técnicos da Secretaria que estavam em processo de formação para

desenvolvimento de seus projetos nas escolas. Como foi descrita na formação que tentou-se fazer

no decorrer desse trabalho.

Infelizmente com a intervenção dos arranjos e interesses políticos nos planos do grupo da

Secretaria foi o fim do processo de Reorientação Curricular, como foi exposto acima,

concretizando o fato de que uma gestão democrática não se realiza só por estar normatizada por

uma lei, mas por que são garantidos os meios que tornem essa prática respeitosa e inclusiva. Essa

é uma realidade e não uma possibilidade, que leva a diversos sentimentos incluindo o de de

frustração, dado ao que é gerado nesses sujeitos que fizeram parte do projeto.

Desse modo, inviabilizou-se qualquer apoio e estrutura para o projeto, já que, o grupo da

universidade não podia se responsabilizar sozinho pela continuidade formação, nem se propunha

a tal tarefa isoladamente, e por isso teve que abrir mão daquela possibilidade que estava se

mostrando tão frutífera para todos que a encabeçaram.

Nestor Lima, relembrou que durante essa mudança de Secretária, foi um verdadeiro caos, um

clima tenso de instabilidade, insegurança e imprecisão. A notícia chegou como um balde de água fria

para todos os grupos envolvidos; os da Secretaria (SEMEC), o grupo da Universidade (GEPEM), o

PROINFO (que vinha num processo de entendimento do como trabalhar com o registro, espaço de

informação no espaço virtual que estava em andamento) e o grupo de formação orientado e

assessorado por Dorivan (que compreendia Ensino Infantil e as Series Inicias).

Todos os grupos envolvidos não entendiam os reais motivos políticos da mudança de

Secretária, simplesmente perdeu-se o apoio aos projetos, sem nem ao menos haver uma avaliação

dos mesmos pela nova Secretária ou pelo próprio prefeito, que para Nestor em sua longa

trajetória diz ser: “a peça política que define o projeto que entra, que fica ou que sai”.

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Não houve o cuidado por parte da nova Secretária em organizar uma reunião para

esclarecer ou reconhecer os projetos em andamento, no que consistia, quais as bases, princípios

que o fundamentava e para que fim, e se essa proposta teria ou não validade para a nova gestão.

Simplesmente a proposta foi cortada sem maiores explicações e/ou curiosidade, independente

dos benefícios que o projeto proporcionaria a grande parte das escolas do município.

Para quem viveu de perto o desabrochar dessa mudança, acredita-se que a Secretária foi

alocada para outra Secretaria por interesses internos no cargo ou por pura pressão, que segundo

conta a ex secretária, foram provenientes das divergências políticas dentro do mesmo partido ou

coligações.

Afinal o prefeito precisa do apoio dos partidos para manter-se em equilíbrio eleitoral e no

funcionamento da máquina pública. Isso estava relacionado com a conquista de espaço no jogo

de poder, que fazem mover as peças no jogo político de interesse de cargos públicos com fins

eleitorais.

Essas agitações oscilantes de interesses que movimentam as decisões daqueles que estão

em um cargo público e que continuam a manter posturas movidas por interesses, são fruto de um

aparelhamento da máquina pública por grupos, que muitas vezes estão relacionados às antigas

oligarquias do lugar e por isso já naturalizaram posturas políticas antidemocráticas.

Isso faz com que se faça uso do poder emanado dos cargos públicos, para proveito

próprio e não para proporcionar melhorias na vida daqueles que compõem o município: O que

havia eram tanto acordos internos quanto visões opostas dentro do mesmo partido ocasionando

a mudança, isto é o jogo de interesses políticos eleitorais.

Nestor Lima chamou esse fenômeno de aspectos políticos internos que quando não se

afinam, geram rupturas indiscriminadas e novas relações de interesses movidas pelos cargos de

interesse no município.

Para Nestor é recorrente haver essas quebras e cortes, é um mecanismo comum de

esvaziamento de pessoas dos projetos pensados, quer seja por correntes partidárias divergentes

ainda que coligados ou divergências de correntes dentro do mesmo partido.

Nesse sentido, os interesses são os mais diversos possíveis menos do que de fato poderia ser

o adequado para melhoria da população. Isto por sua vez caracteriza a pulverização de projetos ou

mesmo de políticas públicas de educação que não comungam com o espírito hegemônico e por isso

são fragilizadas pelos mecanismos de adaptação dentro do sistema de ensino brasileiro.

Adicionada a essas mudanças de cargos que ocorreram e deslocamento de servidores e da

própria Secretária, houve uma greve dos professores do município. Nestor Lima não soube precisar

todos os motivos, mas considera que muitas das reivindicações davam-se pelas melhorias salariais.

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Ao que podemos detectar como um dos elementos que podem ser indicados como

entrave de projetos progressistas, como o realizado em Parnamirim em 2010-2011, a falta de

diálogo é um destaque entre as esferas que formam esse sistema. Por esse projeto ter um caráter

dialógico que se estrutura a partir da participação cooperativa de políticos engajados, direção

comprometida, professores, pais, alunos e funcionários participativos a carência dessa

participação nos denuncia que as estruturas hierárquicas como são formadas no sistema de

educação atualmente, fragilizam possibilidades que trazem como característica de sua efetivação

uma construção democrática participativa.

Essa falta de espaço participativo democrático dentro desse sistema se relaciona com as

posturas não tão democráticas de muitos personagens que fazem parte desse enredo e por isso

evidenciam a “superficialidade democrática”.

Esse termo se refere a situações onde o termo democrático é usado como legitimador de

ações políticas restritas a decisões ou a ações de um grupo específico e por isso é negado nessa

situação o que fundaria uma real democracia: para todos e por todos. Independentemente de a

democracia poder ser entendida como apenas um método de governabilidade administrativa, ela

extrapola essa perspectiva simplória. Sobre isso infere Santomé (2007):

No fundo, a democracia parece ser um método ou uma técnica em que o menos importante é se interrogar sobre a necessidade, a utilidade, a veracidade ou a adequação daquilo sobre o que se toma uma decisão. No entanto, ela é a forma de governo de uma sociedade que pretende ser cada dia mais justa, equitativa, solidaria e respeitosa dos direitos individuais e coletivos. (SANTOMÉ, 2007, p. 90)

E por isso mesmo não se pode ignorar que falar em democracia, em gestão democrática,

em governabilidade democrática, em escola democrática é falar em participação, é falar em

respeito entre aqueles que fazem parte de um todo.

Contudo, o choque das necessidades do projeto Parnamirim Interdisciplinar, que desejava

se realizar, com as limitações das estruturas desse sistema, denunciam o conservadorismo e o

espírito conformista que o emolduram assemelhando-se assim ao sistema escolar vigente, fato

consonante com aquilo que Jurjo Torres Santomé (2003) ira denunciar como “hegemonia de

pensamento vigente”.

Essa hegemonia do pensamento vigente do qual Santomé (2003) se propõem discutir é

uma característica dessa escola da / para exclusão, como afirma Pablo Gentile (2010) e

Gaudêncio Frigotto (2010). Tais pesquisadores sobre a escola denunciam os empecilhos de uma

estrutura política quantitativa, que por se focar em mostrar produtividade terminam por ignorar a

importância de como se dará os meios que geram essa possível produtividade.

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A produtividade da escola não pode ser pensada desatrelada a função dessa escola, se é

pensada em consonância com a função dessa escola não pode ignorar necessariamente as falas

daqueles que formam esses espaços.

Conforme Gentile (2010, p. 5) dentro dessa situação que caracteriza o modus operandi do

sistema como um todo, isso é, em sua esfera macro:

Em um modelo de sociedade onde só poucas pessoas podem participar da tomada de decisão sobre os modos de produção, de distribuição e de consumo, não é de se esperar que o debate democrático sobre conteúdos, capacidades, procedimentos e valores que devem ser estimulados nas novas gerações seja uma das disciplinas cruciais. Em geral, isto será furtado da sociedade, passando a ser decidido por grupos de pessoas um tanto ocultos (pois seus nomes

geralmente não são tornados públicos). (GENTILE, 2010, p 28).

Esse fato é um fenômeno resultante de um espaço hierárquico onde as necessidades dos

personagens que o constrói não são vistas como basilares, por ser imposto a esses personagens

expectativas alheias, expectativas que não sendo fruto de um momento democrático real são

normalmente gerados por anseios e necessidades privadas que acirram ainda mais os conflitos

dentro dos jogos políticos que banham essas situações.

Essa gestão engessada que ata as ações dos personagens que fazem parte desse espaço e

apenas reproduz aquilo que já está vigente, negando a esses personagens o direito de uma

participação ativa, é por sua vez reflexo de um sistema educacional engessado em si mesmo,

associado a um passado de processos históricos anteriores que dificultam a possibilidade de

ruptura, de transformação.

Da mesma forma que o sistema que delimita a escola a tornar-se apenas reprodutora do

“mais do mesmo” é por sua vez reflexo de um sistema político, que engessa esse sistema escolar a

manter-se em consonância com uma situação histórica socioeconômica e cultural que reforça em

suma, a corrupção, o clientelismo, o favorecimento antidemocrático, o mau uso de recursos

públicos, a refração a controles democráticos (COSTA, 2010).

Na mudança de cargo da secretaria, Nestor conta que se convence de algo positivo e

negativo. Se por um lado conquistou a confiança de velhos e novos servidores da secretaria,

professores e envolvidos em pensar a educação na intenção de uma proposta crítica de formação,

por outro se arrepende de não ter tentado convencer a nova Secretária e o prefeito, assim como,

outras lideranças da importância do projeto, de olharem, de terem interesse, certamente porque

sabe que isso não era o que mais importava para os dirigentes políticos.

No terreno da política não só a ex-secretária Raimundinha (em sua fala) mais também a

própria equipe de assessores, puderam compor uma experiência desagradável no sentido do desejo

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de realizar um sonho que parecia outrora ser possível, mas que não pôde sê-lo devido ao modo

como se estrutura a política.

Outro ponto importante de ser debatido e garantido vai na direção das políticas para

melhoria da educação nos municípios, estas quando aprovadas por uma comunidade, poderiam

tornar-se resoluções, para que assim outros governantes não interrompessem os projetos já

confirmados por uma comunidade.

Concordamos com o professor/pesquisador Francisco Imbernón (2011), quando em uma

entrevista à revista Gestão Escolar afirma que o salto de qualidade na execução de um projeto

que implique mudanças nas escolas, depende do trabalho colaborativo em equipe, mas cabe às “administrações públicas, às secretarias estaduais e municipais de Educação, oferecer apoio

concreto às unidades escolares” para que os professores atuem de modo satisfatório.

A educação na cidade (FREIRE,1991) obra em que freire traz os traços e passos de sua

experiência enquanto Secretário de educação, traz também sua posição sobre o significado de

participação para ele.

A participação, a partir da leitura freireana, surge nos movimentos de mobilização social

pela democratização da sociedade, logo os processos participativos são inerentes a mudança da

sociedade, mudança ética que não desprivilegia as camadas oprimidas. Ele relaciona, portanto, o

grau de participação com a questão da democratização das estruturas sociais.

Muitos são os grupos que lutam contra a ausência de um currículo, formação permanente,

moldados no viés da participação popular e pela qualidade da escola pública brasileira. O projeto

Parnamirim Interdiciplinar, é um exemplo de esforço conjunto que poderia resgatar uma escola de

qualidade, a partir de um projeto consistente que incorpora teoria e prática. Mas não aconteceu

em decorrência da ausência do exercício de democracia e o silêncio que inibe e que cala as

possibilidades das falas do povo.

Desse modo, a descontinuidade de projetos em função de entraves políticos e

consequentemente da falta de participação favorece a desqualificação da educação em seu sentido

mais fidedigno, ético e de direito.

Os jogos de interesses acabam atropelando medidas que não chegam a serem

experimentadas, pois, não é interessante valorizar uma proposta que não foi construída numa

gestão quer seja de partido político oposto, ou mesmo de corrente divergente dentro do mesmo

partido.

Acaba sendo simples resolver o fim das medidas, projetos e planejamentos que estavam

anteriormente em ação, basta que se mudem cargos de lugar, quebrem apoio infraestrutural para

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mantimento dos projetos e não se registrem os mesmos enquanto experiência da história da

educação do lugar.

Essa mudança de nomeação e também remoção indiscriminada quebra não só projetos e

planos de trabalhos que estão em andamento, como provoca o deslocamento de outros cargos de

gestão como a de diretores de escola e assessores. Essa é uma política comum tendo em vista que

se trata de cargos comissionados (tida não só em Parnamirim como em outras partes do Nordeste

do Brasil), amparados pelo jogo eleitoreiro, política comum no município e que sustenta a

hegemonia da governabilidade. Isso garante ao executivo sua base política aliada, a isso se

chamaria de “jogo político do interesse”.

Isso é visto no momento em que o cargo que encabeça essa Secretaria é um cargo de

confiança e por isso funciona por nomeação, por aquele que está no poder, culminando assim em

uma situação onde a Secretaria fica à mercê das oscilações dos jogos de interesses que se dão fora

da esfera dessa Secretaria, mas que respingam nesse espaço, modificando-o.

Esse elemento (acima descrito) que desponta dos relatos dos envolvidos no processo de

Reorientação Curricular Via Tema Gerador dirige-se para uma característica que é gritante em

situações antidemocráticas, dentro do processo de hegemonização: o fato de que grande parte

dos gestores confunde aquilo que é benéfico para a sociedade com aquilo que legitima seu poder

de decisão para benefícios próprios ou de grupos partidários.

É sobretudo necessário que em relação ao nascimento de novas propostas, ainda que

controles e regulamentações estatais constituam evidentes limites para as mesmas, uma

construção curricular bem estabelecida pode reduzir, com o apoio de todas as partes, os apoios

burocráticos que usualmente restringem novas organizações do tempo, do espaço e do

conhecimento na escola, favorecendo, então mudanças menos superficiais. (MOREIRA, 2000,

p.127).

Um aspecto que pode contribuir para uma maior possibilidade e a permanência de

iniciativas pedagógicas consonantes com uma educação problematizadora, requer entre outras

coisas uma organização coerente com os preceitos que fomentam o pensar crítico e a construção

de uma educação para emancipação dos sujeitos, para isso é preciso que se coloque em prática a

autonomia das escolas sobre seus currículos e principalmente que o trabalho coletivo seja

garantido, independentemente da administração que esteja (ou vá está) gerindo as Secretarias de

Educação.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

As reflexões e propostas aqui apresentadas estão inseridas no campo das produções e

discussões de práticas pedagógicas baseadas no referencial Freireano, como busca por uma

educação crítica/emancipadora que valoriza os conhecimentos direcionados ao sujeito,

sustentados pela ideia de transformação das realidades de opressão. Além disso, aponta-se como

uma das produções desenvolvidas no âmbito do GEPEM (Grupo de Estudos e Pesquisas sobre

Práticas Educativas em Movimento), considerando como premissa os três momentos

pedagógicos: Estudo da Realidade, Organização do Conhecimento e Aplicação do conhecimento,

visando o desenvolvimento de uma prática que na experiência do Projeto Parnamirim

Interdisciplinar apostou no Processo de Reorientação Curricular Via Tema gerador.

Nesse sentido, a pesquisa fora desenvolvida numa perspectiva Freireana, de modo que

seu pensamento pudesse servir de limiar as práticas de ensino crítico que se tentou colocar em

ação na experiência apresentada. Como princípios teóricos-metodológicos outros autores que

possuem experiências nesse viés crítico, foram utilizados para sustentar o processo aqui

problematizado; dentre ele Antonio Gouvêa, e sua escrita sobre o Currículo Crítico e Marta

Pernambuco, Demétrio Delizoicov e Jose Angotti á respeito dos três momentos pedagógicos,

visando fomentar o Tema Gerador.

Entendendo que a pesquisa começou a partir dos questionamentos que surgiram a partir

da experiência de formação, vivenciada por mim, enquanto aluna e componente do GEPEM, no

projeto Parnamirim Interdisciplinar, pretendeu-se nessa pesquisa entender, em face do

rompimento do projeto, como, como os jogos de interesses com seus arranjos políticos e

pretensões eleitorais, tendem a impossibilitar o pôr em prática os projetos emancipadores.

A trajetória do projeto Parnamirim Interdisciplinar possibilitou perceber o quanto o

entrave político incidiu na sua não realização, logo do processo de Reorientação Curricular Via

Tema Gerador. O afastamento da secretária e a não garantia de manutenção do projeto pela nova

gestão, esbarraram todas as aspirações. Ficou claro essa falta de garantia para que o projeto

pudesse ser vivenciado em suas etapas previstas e no quanto a base de apoio político para

sustentação de iniciativas como a que estava sendo implementada torna-se imprescindível para

concretude de projetos dessa natureza emancipadora.

Outro apontamento de suma importância é que conquistando esse apoio político, a classe

docente possa rumar para garantia de um tempo de trabalho coletivo na escola. É urgente um tipo de

escola que tenha a participação como ferramenta de construção educativa, os sujeitos envolvidos

nessa construção precisam de um tempo para planejar coletivamente as ações para a escola.

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O tempo de trabalho coletivo entre os professores na escola tem de ser garantido

politicamente para que se abra ao menos uma possibilidade de diálogo entre os envolvidos no

processo. A práxis educativa só consegue se consubstanciar e se fortalecer tendo um mínimo de

tempo para reflexão e dialogo para prévias tomadas de atitude. No caso do processo de

Reorientação Curricular Via Tema Gerador o tipo de pesquisa comunitária, de levantamento da

realidade local compreende ir a campo coletar informações e esse tempo deve está garantido

entre outras garantias no cronograma escolar, não pode ser algo que demande do professor fazer

por livre iniciativa, mas que seja assegurado em seu tempo de trabalho.

É necessário incorporar essa consciência da pesquisa-ação, mas há que conjuntamente

deliberarem garantias políticas para isso. Muitas ocorrências negativas surgem a partir de

mudanças como esta da Secretária. No caso dessa experiência do projeto em pauta a mudança se

deu, segundo a ex-secretária que foi destituída, por motivo de pressão política que o prefeito do

município sofreu de terceiros que queriam o cargo da secretaria de educação. A nova gestão que

entra para definir e dar conta das demandas do município quebra o caminho que já estava

anteriormente sendo construído e com isso os envolvidos com as antigas propostas se veem

diante da frustração de suas tentativas de mudança, consequência da transitoriedade de gestão.

Uma das primeiras explicações dos professores ao relembrarem do projeto foi a de que se

interessavam pela proposta, mas que não tinham tempo nem material para fazerem isso, por si

próprio, e a intenção se esgotou devido a esse sentimento de estarem fazendo o processo de

mudança sozinhos e, praticamente, tirando de seus tempos de descanso, já que a secretaria não

iria garantir tempo de trabalho e investimento para tal fim.

Professores se veem diante de projetos mandados “de cima” e que impedem a tomada de

decisão construída coletivamente por aqueles que atuam na escola. Normalmente são projetos

pensados por direções hierárquicas, diretrizes nacionais, ou estaduais, sem considerar as

características locais; projetos que são produtos de alternativas padronizadas/emprestadas de

outros modelos pré-existentes, que não levam em consideração o fato de que cada escola tem

suas especificidades e necessidades.

A construção desse trabalho me possibilitou, além de outras novas percepções perceber

como esses implicadores, tornam quase que uma utopia colocar em prática processos de

formação que sejam fundamentados em propostas progressistas libertadoras. Não há como

efetivar essas propostas sem o apoio político, o trabalho coletivo e a educação de cunho

problematizador, participativa, com vistas à emancipação dos sujeitos e utilização temas gerados

de seus contextos e realidades.

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APÊNDICE

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1. GRUPOS DA SEMANA PEDAGÓGICA

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Falas Sigificativas

Principais falas coletadas pelos grupos na pesquisa sobre a realidade da comunidade.

GRUPO 1 ( Parque Industrial)

1)“Moro aqui há 8 anos, detesto, não tem nenhuma festa, nenhuma banda, é morgado, devia vim Grafith...

2)“Devia vir o exército,policiamento, a polícia do posto não funciona e quando vem é só pra dar nos boy”.

3)Aqui eu não saio, só tem diversão nos bares , pra mim não tem futuro”.

4)Eu Matriculei meu filho (na escola nova) no primeiro dia ele veio bater em casa correndo por causa dos vândalos, tinha uns 20 meninos correndo atrás deles, o menino chegou assustado e já pensou se pegam?”

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5)”Sei lá acho que correram porque me confundiram com Máfia ou Gang.” 6)”Moro aqui, porque é tranquilo, ainda dá pra andar na rua ...só tem riscos na praça, os caras não respeitam ninguém, fumam maconha, e quando querem usar a quadra mandam todo mundo embora”.

7)Aqui não tem nada pros meninos, porque naquela praça os vândalos são as próprias comunidades que praticam assaltos e se drogam”.

8)O posto policial...ao invés de abordarem os marginais, abordam os jovens que não tem nada a ver pra dar baculejo, no dia que precisa não tem”.

GRUPO 5 (Monte Castelo)

1)”Roubo, aqui tem muito roubo”.

2)”Esse bairro toda semana sai no patrulha”.

3)”Olha, esses dias mataram dois aqui. Não disseram na tv porque eram gente perigosa”.

4) “Lixo, o bairro é muito sujo”.

GRUPO 6 A (Santos Reis, Passagem de areia, Monte castelo e Rosa dos Ventos)

1) “Há trés anos atras nossa escola era muito melhor. Os professores eram mais responsáveis em relação aos seus deveres e a direção era mais parceira dos pais e alunos”. 2) “Quando eu peço para o professor repetir a explicação ele diz que não tem necessidade, porque não vai mudar nada, já que não temos condições de aprender.” 3) “Eu quero estudar, mas o professor não quer ensinar.” 4) “O problema do bairro é a falta de saneamento básico, além da falta de iluminação de algumas ruas, facilitando a ação dos bandidos.” 5) “O nosso bairro é um referencial no município, já que nele está situado o hospital regional de grande movimentação, além do posto de saúde, delegacia civil, a paróquia de santos reis, mercados e maior escola privada do bairro.” 6) “Muitas pessoas que moram por aqui estão desempregadas e passam muitas necessidade.” 7) “O bairro não tem nenhuma área de laser para as crianças e jovens usarem. O lazer por aqui são os barzinhos e as igrejas evangélicas, que são muitas.” 8) “Os jovens que frequentam as igrejas do bairro estão protegidos das drogas e outras perdições do mundo, mas os outros se drogam, bebem, e as meninas vendem o corpo.”

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119 9) “A violência dentro da escola é frequente. Grupos de outras escolas ou até mesmo jovens que não estudam entram aqui atrás de briga e confusão.” 10) “O que falta aqui no bairro é um serviço de transporte que sirva a todo bairro, além das paradas mais arrumadinhas.” 11) “A escola hoje é outra, antes era bem melhor. As crianças aprendiam! Hoje eles vem pra cá, mas não sabem nada. Os professores não querem ensinar. Acho que eles não ligam para os alunos. Eles nem são daqui, vem tudo de fora.” 12) “Mesmo assim acredito que todos gostam do diretor ele é uma pessoa boa.” 13) “Tem professor que entra na sala só pra falar da vida dele, mas aula que é bom não dá não.” 14) “Eu quero ser alguém na vida, por isso preciso de uma boa educação.” 15) “Reconheço a importância da escola para ter uma vida melhor, mas de um tempo pra cá a escola já não é a mesma. Antes nós podíamos conversar sobre os problemas da escola, hoje temos medo de nossos filhos serem perseguidos pelos professores.” 16) “Eu quero estudar mas o professor não quer ensinar.” 17) “Nós queremos ensinar e os alunos não querem aprender.” 18) “ Muitos são os problemas, mas o principal é a indisciplina.” 19) “Não gosto do atendimento desse posto é uma bagunça quando vão distribuir as fichas, é uma dificuldade para marcar consultas com os médicos.” 20) “Eu sofro de diabetes, e o posto dá esses remédios, mas as vezes falta remédio.” 21) “O rio é poluído, nós pesca e come... tem problema não.” 22) “Eu tomo banho no rio, eu gosto.” 23) “Não sou catador de lixo coleto material para reciclagem.”

Fala dos funcionários da escola: Professores e Gestão

1) “Muitos dos nossos alunos moram em casas simples ou sobrados que são divididos com um espaço para pequenos comércios que sustentam as famílias.”

2) “Grandes partes dos professores não são daqui e só conhecem o entorno da escola, por isso não conhecem a realidade dos alunos.”

3) “Nessa região fica situado o mercado popular, fábricas, indústrias de botões (BONNOR) e a única feira da cidade.” 4) “Eu não conheço nada ao redor da escola só conheço o trajeto que faço para chegar a escola.”

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GRUPO 6 B (Passagem de areia /Bela Parnamirim)

1)”...Os jovens se drogam. Tem muito assalto por aqui”...Oque é ruim é que não tem nada para os meninos fazerem aqui”.

2) “ ...Tenho medo da violência...O bairro é bom, mas não tem nenhum divertimento para as pessoas que moram aqui. Antigamente tinha um campo de futebol, mas, com a construção de muitas casas por aqui o campinho desapareceu.

3)”...La tem assalto”.

4)”...Antes era uma área frequentada por marginais, maconheiro, e tinha muita prostituição.

5) “...Com a construção da escola também melhorou o aluguel e veio o calçamento também ...”

6)”...Para jogar no campo de futebol temos que pagar. Antes a gente jogava a vontade Mas o dono do terreno colocou um campo de jogar bola que é pago, ai fica difícil”.

7)”...Acredito muito na recuperação dessa juventude que sem tem o que fazer vão atrás de coisa ruim, como drogas por exemplo”.

8)”...Tem dias que vamos dormir de madrugada e não temos medo. É tudo tranquilo”.

9)”...As vezes tem tiroteio em outros lugares ...só vemos gente passando por aqui correndo”. “São os marginais.

10)Sou aposentado, não saio de casa ( gosto não) tenho receio de me acontecer algo de ruim por ai “...ser professor hoje em dia é muito difícil, pois os alunos estão muito violentos e enfrentam o professor de homem pra homem. Para professora é mais fácil. Acho que eles respeitam mais...”

GRUPO 7 (Nova Esperança/Vale do Sol)

1) “É surpreendente o número de animais nas ruas do bairro, o que preocupa mais, é que não se sabe a procedência e os planos” 2) “Os degraus formados pela má compactação das galerias de drenagem trazem dor de cabeça para as pessoas que trafegam em nossas ruas”

3)”Uma questão que preocupa bastante os moradores é o que diz respeito à iluminação, sabe-se que a comunidade iluminada se torna mais segura”

4)”Santa Tereza tem problemas sérios de infraestrutura, como a falta de equipamentos de lazer e espaços reservados à prática de esportes”

5) “Enfrenta Problemas sérios de segurança pública. Hoje o posto policial tem servido como blitz da polícia rodoviária estadual” 6) “Hoje, o bairro funciona como dormitório, e muitos moradores trabalham em Natal, e não participam das decisões das comunidades”

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2. PROGRAMAÇÃO PARA PROFESSORES

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3. S

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ANEXO

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3. MOMENTO 1

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REDE MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO – PARNAMIRIM/RN SEMANA PEDAGÓGICA – FEVEREIRO / 2011

Momento 1 (09/02/2011) Objetivos:

Apresentação geral da proposta; Análise de falas e situações significativas coletadas nas comunidades;

Dinâmica: Plenária – visão geral do processo de reorientação curricular. Grupos – socialização dos materiais das diferentes comunidades e análise das questões mais relevantes a serem trabalhadas pedagogicamente pelas escolas. Plenária – socialização, esclarecimento e síntese do material produzido

.Seqüência das atividades e previsão dos dias podem variar;

Observações: Tempo previsto e horário das atividades; .Dinâmica em função do número de participantes; .Questões pendentes; .Contribuição dos grupos; .Procurar trazer o material dos dias anteriores; . Exemplos de atividades; . Limites dos dados de pesquisa para o exercício programático vivenciado

MATERIAL PARA ORIENTAR AS ATIVIDADES DA OFICINA CARACTERÍSTICAS METODOLÓGICAS DA PROPOSTA CURRICULAR

VIA TEMA GERADOR (EDUCAÇÃO CRÍTICA

A COMUNIDADE ESCOLAR COMO SUJEITO COLETIVO CONSTRUTOR DE SUA PRÁTICA A PARTIR DA PESQUISA - PROCESSO PERMANENTE DE INVESTIGAÇÃO E AÇÃO -E DO DIÁLOGO MEDIATIZADO PELA REALIDADE LOCAL CONTEXTUALIZADA.

A PERSPECTIVA DA IMPLEMENTAÇÃO DE UMA PRÁTICA EDUCACIONAL CONTRA-HEGEMÔNICA, PARTICIPATIVA, PROBLEMATIZADORA E COMPROMETIDA COM O RESGATE CRÍTICO E COM A RECRIAÇÃO DAS PRÁTICAS SOCIOCULTURAIS LOCAIS, PRÁTICAS PEDAGÓGICAS TRANSFORMADORAS DA REALIDADE CONCRETA.

PROCESSO DE FORMAÇÃO PERMANENTE DE TODOS OS SUJEITOS ENVOLVIDOS NO FAZER PEDAGÓGICO, QUE BUSCA PEDAGOGICAMENTE A CONSCIENTIZAÇÃO PROFISSIONAL, EDUCACIONAL, SOCIOCULTURAL E DE CLASSE SOCIAL, COM A PERSPECTIVA DE TRANSFORMAR E CONSTRUIR COLETIVAMENTE A SOCIEDADE EFETIVAMENTE DEMOCRÁTICA.

A FORMAÇÃO DOS SUJEITOS CRÍTICOS E PARTICIPATIVOS SÓ É POSSÍVEL A PARTIR DA PEDAGOGIA PRAXIOLÓGICA QUE NO PROCESSO ENSINO / APRENDIZAGEM TOMA, DIALOGICAMENTE, A REALIDADE CONCRETA COMO CONTEÚDO ESCOLAR.

PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO DA EDUCAÇÃO CRÍTICA COMPROMISSO COM A HUMANIZAÇÃO DOS SUJEITOS E COM A TRANSFORMAÇÃO DA

REALIDADE SOCIOCULTURAL E ECONÔMICA INJUSTA E DESIGUAL; PARTE DA DENÚNCIA DAS SITUAÇÕES DESUMANAS VIVENCIADAS PELA MAIORIA E ANUNCIA

UMA FORMA DEMOCRÁTICA DE ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE; A EDUCAÇÃO DEMOCRÁTICA COMO PRÁXIS POLÍTICA EXIGE A PARTICIPAÇÃO EFETIVA DE

TODOS NA CONSTRUÇÃO COLETIVA DO CONHECIMENTO

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PARA FREIRE, 1970: MOMENTOS DO PROCESSO DE ORGANIZAÇÃO DA PRÁXIS LIBERTADORA

1 INVESTIGAÇÃO TEMÁTICA

―é a investigação e busca do universo temático da comunidade (―investiga-se não os homens, como se fossem peças anatômicas, mas o seu pensamento-linguagem referido à realidade, os níveis de sua percepção desta realidade, a sua visão do mundo em que se encontram envolvidos seus “temas geradores‖.

2. CARACTERIZAÇÃO DOS TEMAS GERADORES:

Núcleo de contradições vivenciadas pelo povo “situações-limites” (percepção que os homens têm num dado momento histórico, como um

freio a eles, como algo que eles não podem ultrapassar‖. ―uma unidade epocal (conjunto de idéias, de concepções, esperanças, dúvidas, valores,

desafios, em interação dialética com seus contrários, buscando plenitude. A representação concreta de muitas destas idéias, destes valores, destas concepções e esperanças, como também os obstáculos ao ser mais dos homens, constituem os temas da época. Estes, não somente implicam outros que são seus contrários, às vezes antagônicos, mas também indicam tarefas a serem realizadas e cumpridas. Desta forma, não há como surpreender os temas históricos isolados, soltos, desconectados, coisificados, parados, mas em relação dialética com outros, seus opostos.”

3. O DIÁLOGO DESCODIFICADOR DA REALIDADE ―a partir da inicial percepção deste núcleo de contradições, entre as quais estará incluída a principal da sociedade como uma unidade epocal maior, é estudar em que nível de percepção delas se encontram os indivíduos da área. (...) As codificações, de um lado, são a mediação entre o ―contexto concreto ou real‖ , em que se dão os fatos, e o ―contexto teórico‖, em que são analisadas; de outro, são o objeto cognoscível sobre que o educador-educando e os educandos-educadores, como sujeitos cognoscentes, incidem sua reflexão crítica.‖

4. REDUÇÃO TEMÁTICA Na ―redução” temática, que é a operação de ―cisão‖ dos temas enquanto totalidades, se buscam seus

núcleos fundamentais, que são as suas parcialidades. Desta forma, “reduzir” um tema é cindi-lo em suas

partes para, voltando-se a ele como totalidade, melhor conhecê-lo. Na ―codificação‖ se procura re-totalizar

o tema cindido, na representação de situações existenciais. Na ―descodificação‖, os indivíduos, cindindo a

codificação como totalidade, apreendem o tema ou os temas nela implícitos ou a ela referidos. SÍNTESE

1. Análise das dificuldades 2. Pesquisa qualitativa 3. Caracterização de pedagógicas do cotidiano participativa e intervencionista necessidades e conflitos como

comunitário contradições sociais

Avaliação crítica das práticas implementadas

10. Organização coletiva das programações e dos materiais didáticos - pedagógicos 9. Organização metodológica das práticas pedagógicas

MOMENTOS METODOLÓGICOS DA

ORGANIZAÇÃO CURRICULAR CRÍTICA

4. Seleção de falas significativas, temas geradores e contra-temas

5. Análise contextualizada e crítica da realidade local

6. Seleção dos conhecimentos

sistematizados (conteúdos

pertinentes)

8. Organização interdisciplinar das Programações

7. Escolha do ponto de partida pertinente para a construção da prática pedagógica

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QUADRO SINTÉTICO – PESQUISA E PROPOSTA PARA A SELEÇÃO DE FALAS SIGNIFICATIVAS

PESQUISA QUALITATIVA

Visão da comunidade: resgate dos problemas que a comunidade explicita vivenciar e as explicações e propostas que ela apresenta para a superação desses problemas;

Visitas e entrevistas com moradores e lideranças da comunidade;

Dinâmicas envolvendo prof. comunidade e funcionários;

REALIDADE LOCAL

CONSTRUÇÃO DA PRÁXIS CURRICULAR

Dados quantitativos: coletados em diferentes

órgãos públicos e privados que possibilitem uma

análise das condições sociais da localidade em

relação ao acesso aos equipamentos coletivos, ao

desenvolvimento cultural, ao atendimento das

condições básicas para o exercício crítico da

cidadania (mobilização política, sindical,

associação de moradores, pastorais, etc.), ao

Visão dos educadores: Identificação de contradições sociais e de diferentes formas de preconceitos e de opressões (sociais, culturais, econômicas, étnicas, de sexo, etc.);

Análise contextualizada e conjuntural da realidade local (caracterização das relações entre a macro e a micro estrutura social, entre especificidade e generalização);

Organização metodológica visando o diálogo crítico entre as visões de mundo (comunidade e educadores) na busca de práticas sócioculturais de superação das contradições observadas;

OBSERVAÇÕES SOBRE A SELEÇÃO DE FALAS SIGNIFICATIVAS Devem ser selecionadas falas que expressem visões de mundo;

Falas que possibilitem perceber o conflito, a contradição social e, sobretudo, sejam situações significativas do ponto de vista da(s) comunidade(s) investigada(s);

As falas devem representar uma situação-limite, limite explicativo na visão da comunidade a ser superado (senso comum), caracterizando-se como um contraponto à visão do educador;

Devem ser falas explicativas, abrangentes, que extrapolem a simples constatação ou situações restritas a uma pessoa ou família, que opinem sobre dada realidade e que envolvam a coletividade;

Dentro do possível devem ser resgatadas falas como originalmente aparecem, ou seja, sem o filtro do pesquisador, com gírias e dialetos;

As observações, inferências e interpretação do grupo pesquisador são imprescindíveis, todavia na seleção é desejável que sejam contempladas as falas da(s) comunidade(s) e do(as) usuários(as);

O número de falas destacadas orienta-se pelo grau de saturação na análise dos dados. Não há um número mínimo nem máximo. O requisito é de que representem uma totalidade orgânica;

Abordam questões recorrentes da realidade local e apresentam algum grau de dissociação entre as diferentes dimensões e planos da realidade (aspectos amplos da macro organização sociocultural e econômica não articulados às situações significativas vivenciadas);

Geralmente o limite explicativo aparece de forma explícita e pragmática no discurso da comunidade, entretanto, quando marcada pela baixa auto-estima, pode estar implícita em muitas situações e discursos, em diferentes formas de expressão;

Contextualizar sempre as falas selecionadas (compreensão dos processos de construção dos paradigmas explicativos da realidade);

A seleção se dá por contradições, por diferenças nas visões de mundo e concepções da realidade concreta entre educadores e comunidade (evitar a escolha narcisista, do idêntico);

Toda fala significativa é significativa porque demanda um patamar analítico (epistemológico) desconhecido para o ―Outro‖ – referencial diferenciado do pesquisador;

É, portanto, fundamental apreender os conceitos cotidianos e as obviedades presentes nas explicações e proposições presentes na leitura de mundo da comunidade;

É imprescindível perceber que as diferenças entre as concepções de realidade (de educadores e educandos) baseiam-se em referenciais epistemológicos distintos, vão além das informações sobre o real para uma fundamentação conceitual analítica e relacional;

Ao selecionar uma fala significativa já estamos, implícita ou explicitamente, relacionando informações e conceitos epistemológicos analíticos a serem trabalhados por diferentes áreas;

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MOMENTOS DO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO CURRÍCULO A PARTIR DA PESQUISA 1 Levantamentos de dados que já possuímos (quantitativos e qualitativos) 2 Levantamento de hipóteses sobre: Quais os problemas que a comunidade enfrenta (olhar do educador)? Quais seriam as questões problemáticas na perspectiva dos moradores? Como a comunidade explica sua vivência concreta? 3 Preparação do roteiro de observação participativa e de entrevistas (privilegiar diferentes dinâmicas e instrumentos) 4 Organização e análise dos dados coletados: problemas e contradições na visão da comunidade e na perspectiva dos educadores – seleção de falas e fenômenos significativos (descritivos, analíticos e propositivos); 5 Escolha de temas geradores considerando a perspectiva dos grupos sociais envolvidos; 6 Redução temática: rede temática, tema / contratema / objetivo geral; 7 Seleção de conhecimentos sistematizados a partir das relações presentes na rede temática; 8 Negociação entre os educadores dos conhecimentos e das relações da rede que se pretende trabalhar; 9 Preparação de programações interdisciplinares; 10 Preparação de atividades para as reuniões com a comunidade;

UMA LEITURA DE FREIRE1: TEMA GERADOR:

Temas geradores: - está presente na fala da comunidade; - é o limite de compreensão que a comunidade possui de sua realidade; - apresenta-se de uma forma estanque (limítrofe); - sua vivência e concretude permitem soluções isoladas e pontuais; - - pedagogicamente pode ser considerado como interfaces entre conhecimentos e saberes; - é eminentemente qualitativo; - epistemologicamente pode ser reduzido a partir dos conhecimentos das diferentes Áreas; - seria o ponto de partida para a organização dialógica da programação;

Caracterização das situações significativas: descritivas,

analíticas e/ou propositivas (não é rígido!); locais e

questões amplas da organização social;

expressem visões de mundo diferentes das concebidas pelos educadores;

Tema gerador ...―todo tema gerador é um problema vivido pela comunidade, cuja superação ainda não é por ela percebida‖.

Tabela: Questão temática (problema) x elemento da macro-estrutura social Problema (temática) Elemento da estrutura social

Desorganização social Organização social

Falta de lazer Lazer

Desemprego e salários baixos CONHECIMENTO Trabalho

Violência Segurança

escola deficiente Educação

moradia precária Moradia

preconceitos Relações Sociais

doença Saúde

CONTRADIÇÕES LOCAIS CONTEXTUALIZAÇÃO DAS VIVIDAS E PERCEBIDAS QUESTÕES NA MACRO-

(MICRO-ESTRUTURA) ESTRUTURA SOCIAL

Questões para discussão: # Que aspectos da realidade devemos considerar no processo pedagógico?

1 Fontes bibliográficas: 1 - CHOMSKY, Noam - Aspects of the Theory of Syntax, Mouton, 1965. 2.- GOLDMANN, Lucien - Ciências Humanas e

Filosofia - Difel - Difusão Editorial SA, 1980. 3.- NICOLAI, André - Comportamento econômico e estruturas sociais . Companhia Editora

Nacional,1973. 4 - DELIZOICOV, Demétrio - Uma no crava, outra na ferradura - Universidade de Taubaté, 1988.

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A PARTIR DOS DADOS DA COMUNIDADE ESCOLAR

1. Selecionar falas e / ou situações significativas; 2. Avaliar a relevância do tema gerador sugerido; 3. Construir um contra-tema que aborde a problemática explicitada no tema gerador a partir do

olhar crítico dos educadores; 4. Selecionar algumas falas para serem abordadas nas programações

MATERIAL SISTEMATIZADO A PARTIR DA PESQUISA QUALITATIVA NA COMUNIDADE

QUADRO I

Falas / situações significativas Tema Gerador

Contra-tema

(contradições e conflitos explicitados pela (visão crítica dos educadores

(síntese das contradições)

comunidade)

sobre o tema gerador)

Avaliar a proposta de Tema Contradição: gerador apresentada

Contradição:

JUSTIFICAR A PROPOSTA

Contradição:

Contradição:

Contradição:

Contradição:

MATERIAL PROGRAMÁTICO

GRUPO:

SELEÇÃO DE FALAS / SITUAÇÕES SIGNIFICATIVAS JUSTIFICATIVAS PARA AS ESCOLHAS

PARA SEREM TRABALHADAS NAS PROGRAMAÇÕES REALIZADAS

TEMA GERADOR

CONTRA-TEMA

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SUBSÍDIOS PARA APROFUNDAMENTO TEÓRICO DAS TEMÁTICAS PEDAGÓGICAS EDUCAÇÃO: O SONHO POSSÍVEL

FREIRE, P. IN: BRANDÃO, C. R., CHAUI, M. S. FREIRE, P. EDUCADOR VIDA E MORTE. RIO DE JANEIRO, GRAAL, 1982.

Educação e Política (...) Como educador eu dou muito mais ênfase a uma compreensão de um método rigoroso de

conhecer. E aí é que eu falo em método; eu só falo em método para me referir a isto e não os chamamos métodos pedagógicos, didáticos, etc. A minha grande preocupação é o método enquanto caminho de conhecimento. Mas a gente ainda tem que perguntar em favor de que conhecer e, portanto, contra que conhecer; em favor de quem conhecer e contra quem conhecer. Essas perguntas que a gente se faz enquanto educadores, ao lado do conhecimento que é sempre a educação, nos levam à confirmação de outra obviedade que é a da natureza política da educação. Quer dizer, a educação enquanto ato de conhecimento é também e por isso mesmo um ato político. No momento em que a gente se pergunta em favor de que e contra que, em favor de quem e contra quem eu conheço, nós conhecemos, não há mais como admitir uma educação neutra a serviço da humanidade, como abstração. Aí, então, necessariamente, entra na reflexão sobre educação a questão do poder, de que nós os educadores quase sempre nos distanciamos tanto. É como se tivéssemos assim uma espécie de vergonha do poder, nojo do poder, nojo de ser políticos. Pois eu diria que houve momentos na história da minha prática em que eu me comportei angelicalmente. Por exemplo, em Educação como Prática da Liberdade eu não fiz referência um minuto siquer a esta natureza política da educação. Não é o que se verifica nos livros posteriores a este, mas neste, na verdade eu não me referi uma só vez. E é interessante, porque na verdade eu sabia que estava fazendo uma prática política, mas só que eu não assumia. Ao nível crítico eu não assumo então uma prática que fosse eminentemente política. E como educadores nós somos artistas e políticos, mas nunca técnicos.

Mas, se isso é verdade, eu acho que algumas outras perguntas, ou alguns outros problemas colocam-se para nós. O primeiro problema é o da nossa não-neutralidade, o do nosso compromisso, o que significa então a exigência que devemos fazer a nós próprios com relação a uma certa clareza política que será iluminada cada vez mais pela nossa prática política e do político-educativo. E é essa clareza política que eu exijo para nós enquanto educadores. A nossa opção política, na medida em que eu tenho que me perguntar a favor de quem eu estou a favor de que eu estou. Essa clareza política, contudo, não significa que deva ser transformada em nossas mãos numa espécie de pedrinha branca, que deva ser depositada na cabeça dos educandos, sobre quem estamos transferindo nessa pedrinha branca a nossa clareza política, a nossa opção política. Mas o que eu acho é que não é possível eu me declarar neutro diante dos educandos simplesmente porque devo respeitá-los. E, exatamente porque devo respeitá-los, é que devo falar da minha opção e não silenciar a minha opção. Quer dizer: eu não posso silenciar uma verdade, mas devo respeitar os outros. Esta me parece que é já uma outra pergunta que a gente se faz em torno de nossa prática de educadores.

Há uma outra pergunta que eu acho de uma importância enorme, na medida em que a gente cai clareando a opção política que assumiu. E há necessariamente uma coincidência entre a clareza política que vai aumentado em nós e um certo discurso político que cada um de nós vai assumindo ou vai fazendo. É com relação a isto que eu gostaria de lançar outro desafio, que é o da coerência entre o discurso progressista ou revolucionário, entre o discurso político que fazemos enquanto educadores ou não fazemos, e a nossa prática. Será exatamente esta coerência que autentica a opção política e a clareza política. E esta coerência vai crescendo na medida sobretudo em que a gente descobre outra objetividade que é a seguinte: não é o discurso, a oralidade, o que ajuíza a prática, mas ao contrário, é a prática quem ajuíza o discurso.

Então, o que é preciso saber ao me estudarem (perdoem-me esta falta de humildade), é como eu pratico a minha educação, e não o que escrevi apenas. Mesmo considerando-se todos os livrinhos que eu escrevi até hoje, eles são relatórios de práticas. Porque, se há uma coisa difícil para mim, é escrever sobre o que eu não faço. Às vezes, eu tenho dificuldade até para escrever um pequeno trecho sobre o que eu não fiz. Até carta é difícil quando não estiver escrevendo sobre o que eu não fiz. Até carta, quanto mais livro. Eu não sei como se escreve aí uma quantidade enorme de livros sobre o que parece ser. Então, eu insisto que não é o meu discurso progressista e revolucionário o que dá o ajuizamento à minha prática. Porque, o que ocorre é que eu posso fazer um discurso enorme, estrondoso, dentro da Universidade ou num comício, um discurso eminentemente revolucionário, e a minha prática em casa consistir em me apropriar de minha mulher, que passa a ser meu objeto, ou domesticar as minhas filhas para defender a virgindade delas. Ou, então, eu faço um discurso espetacular e, quando vou à noite me encontrar com as chamadas populações periféricas, eu as trato de cima pra baixo, com um discurso que eu repito e que não tem nada a ver com a dura existência e com a maneira como a população favelada inclusive vive. Quer dizer, eu não me preocupo em nada com o que seria uma sabedoria popular e qual a sua relação com o conhecimento chamado rigoroso. Porque eu começo dicotomizando os dois e me pondo na posição de superioridade do que pensa que está no lado de cá. Ou então eu faço o discurso revolucionário e trato os grupos populares de forma simplista. No lugar de usar uma linguagem simples, eu uso uma linguagem simplista, que não é a mesma coisa, e eu acho inclusive que todo simplismo é elitista, toso simplismo é como se o simplista estivesse

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dizendo: ―Olhem, na verdade vocês não têm nível pra me entender; então, por isso, eu fico nas meais-verdades‖. Isto que reflete a opção e a prática, autentica a própria claridade da opção política que a gente tem e dá o selo a esta clareza. Eu acho que esta é uma pergunta que devemos nos fazer enquanto supervisores, enquanto professores de História ou disto ou daquilo. Quer dizer, se eu sou supervisor e faço um discurso democrático em torno da supervisão, eu devo experimentar o meu discurso e não usá-lo apenas como o pano-de-boca de uma prática que eu escondo. Eu acho que essa consistência, essa coerência entre a prática e o discurso é absolutamente fundamental.

Educação: o sonho possível Uma outra pergunta que eu me venho fazendo de alguns anos pra cá, se faz em torno do que eu

chamo um lugar na educação ou na prática educativa para os sonhos possíveis. Corro o risco de parecer ingênuo, mas na verdade nada aí é ingênuo, eu diria a vocês. Ai de nós, educadores, se deixamos de sonhar sonhos possíveis. E o que é que eu quero dizer com sonhar sonho possível? Em primeiro lugar, quando eu digo sonho possível é porque há na verdade sonhos impossíveis, e o critério da possibilidade ou impossibilidade dos sonhos é um critério histórico-social e não individual.

O sonho viável exige de mim pensar diariamente a minha prática; exige de mim a descoberta, a descoberta constante dos limites da minha própria prática, que significa perceber e demarcar a existência do que eu chamo espaços livres a serem preenchidos. O sonho possível tem a ver com os limites destes espaços e estes limites são históricos. Por exemplo, os limites de espaços que a minha geração teve não são os limites que a geração de agora está tendo e de que eu vim participar. São outros os limites, como são outros os sonhos e alguns deles são os mesmos, na medida em que alguns problemas de ontem são os mesmos de hoje, no Brasil.

A questão do sonho possível tem que ver exatamente com a educação libertadora, não com a educação domesticadora. A questão dos sonhos possíveis, repito, tem que ver com a educação libertadora enquanto prática utópica. Mas não utópica no sentido do irrealizável; não utópica no sentido de quem discursa sobre o impossível, sobre os sonhos impossíveis. Utópica no sentido de que é esta uma prática que vive a unidade dialética, dinâmica, entre a denúncia e o anúncio, entre a denúncia de uma sociedade injusta e expoliadora e o anúncio do sonho possível de uma sociedade que pelo menos seja menos expoliadora, do ponro de vista das grandes massas populares que estão constituindo as classes sociais dominadas.

Eu tenho a impressão que se começarmos a aceitar as primeiras perguntas que eu me coloquei aqui, não poderemos escapar a esta que eu acabo de colocar, a da dimensão utópica, deninciante de um sistema explorador.

(...) Eu agora diria a nós, como educadores e educadores: ai daqueles e daquelas, entre nós, que pararem com a sua capacidade de sonhar, de inventar a sua coragem de denunciar e de anunciar. Ai daqueles e daquelas que, em lugar de visitar de vez em quando o amanhã, o futuro, pelo profundo engajamento com o hoje, com o aqui e com o agora, ai daqueles que em lugar desta viagem constante ao amanhã, se atrelem a um passado de exploração e de rotina.

EDUCAÇÃO DIALÓGICA E DIÁLOGO

(Freire, P. .Pedagogia do Oprimido, l970) O diálogo, como encontro dos homens para a tarefa comum de saber agir, se rompe, se seus pólos

(ou um deles) perdem a humildade. Como posso dialogar, se alieno a ignorância, isto é, se a vejo sempre no outro, nunca em mim? Como posso dialogar, se me admito como um homem diferente, virtuoso por herança, diante dos outros, meros ―isto‖, em quem não reconheço outros eu? Como posso dialogar, se me sinto participante de um gueto de homens puros, donos da verdade e do saber, para quem todos os que estão fora são ―essa gente‖, ou são ―nativos inferiores‖?

Como posso dialogar, se parto de que a pronúncia do mundo é tarefa de homens seletos e que a presença das massas na história é sinal de sua deterioração que devo evitar? Como posso dialogar, se me fecho à contribuição dos outros, que jamais reconheço, e até me sinto ofendido com ela? Como posso dialogar se temo a superação e se, só em pensar nela, sofro e definho?

A auto-suficiência é incompatível com o diálogo. Os homens que não têm humildade ou a perdem, não podem aproximar-se do povo. Não podem ser seus companheiros de pronúncia do mundo. Se alguém não é capaz de sentir-se e saber-se tão homem quanto os outros, é que lhe falta ainda muito que caminhar, para chegar ao lugar de encontro com eles. Neste lugar de encontro, não há ignorantes absolutos, nem sábios absolutos: há homens que, em comunhão, buscam saber mais. Não há também diálogo, se não há uma intensa fé nos homens. Fé no seu poder de fazer e de refazer. De criar e recriar. Fé na sua vocação de ser mais, que não é privilégio de alguns eleitos, mas direito dos homens.

A fé nos homens é um dado a priori do diálogo. Por isto, existe antes mesmo de que ele se instale. O homem dialógico tem fé nos homens antes de encontrar-se frente a frente com eles. Esta, contudo, não é uma ingênua fé. O homem dialógico, que é crítico, sabe que, se o poder de fazer, de criar, de transformar, é um poder dos homens, sabe também que podem eles, em situação concreta, alienados, ter este poder prejudicado. Esta possibilidade, porém, em lugar de matar no homem dialógico a sua fé nos homens, aparece a ele, pelo contrário, como um desafio ao qual tem de responder. Está convencido de que este

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poder de fazer e transformar, mesmo que negado em situações concretas, tende a renascer. Pode renascer. Pode constituir-se. Não gratuitamente, mas na e pela luta por sua libertação. Com a instalação do trabalho não mais escravo, mas livre, que dá a alegria de viver. Sem esta fé nos homens o diálogo é uma farsa. Transforma-se, na melhor das hipóteses, em manipulação adocicadamente paternalista.

Ao fundar-se no amor, na humildade, na fé nos homens, o diálogo se faz uma relação horizontal, em que a confiança de um pólo no outro é conseqüência óbvia. Seria uma contradição se, amoroso, humilde e cheio de fé, o diálogo não provocasse este clima de confiança entre seus sujeitos. Por isto inexiste esta confiança na antidialogicidade da concepção ―bancária‖ da educação. Se a fé nos homens é um dado a priori do diálogo, a confiança se instaura com ele. A confiança vai fazendo os sujeitos dialógicos cada vez mais companheiros na pronúncia do mundo. Se falha esta confiança, é que falharam as condições discutidas anteriormente. Um falso amor, uma falsa humildade, uma debilitada fé nos homens não podem gerar confiança. A confiança implica o testemunho que um sujeito dá aos outros de suas reais e concretas intenções. Não pode existir, se a palavra, descaracterizada, não coincide com os atos. Dizer uma coisa e fazer outra, não levando a palavra a sério, não pode ser estímulo à confiança. Falar, por exemplo, em democracia e silenciar o povo é uma farsa. Falar em humanismo e negar os homens é uma mentira.

Não existe, tampouco, diálogo sem esperança. A esperança está na própria essência da imperfeição dos homens, levando-os a uma eterna busca. Uma tal busca, como já vimos, não se faz no isolamento, mas na comunicação entre os homens — o que é impraticável numa situação de agressão. O desespero é uma espécie de silêncio, de recusa do mundo, de fuga. No entanto a desumanização que resulta da ―ordem‖ injusta não deveria ser uma razão da perda da esperança, mas, ao contrário, uma razão de desejar ainda mais, e de procurar sem descanso, restaurar a humanidade esmagada pela injustiça. Não é. porém, a esperança um cruzar de braços e esperar. Movo-me na esperança enquanto luto e, se luto com esperança, espero. Se o diálogo é o encontro dos homens para ser mais, não pode fazer-se na desesperança. Se os sujeitos do diálogo nada esperam do seu quefazer, já não pode haver diálogo. O seu encontro é vazio e estéril. É burocrático e fastidioso.

Finalmente, não há o diálogo verdadeiro se não há nos seus sujeitos um pensar verdadeiro. Pensar crítico. Pensar que, não aceitando a dicotomia mundo-homens, reconhece entre eles’ uma inquebrantável solidariedade. Este é um pensar que percebe a realidade como processo, que a capta em constante devenir e não como algo estático. Não se dicotomiza a si mesmo na ação. ―Banha-se‖ permanentemente de temporalidade cujos riscos não teme.

Opõe-se ao pensar ingênuo, que vê o ―tempo histérico como um peso, como uma estratificação das aquisições e experiências do passado‖, de que resulta dever ser o presente algo normalizado e bem-comportado. Para o pensar ingênuo, o importante é a acomodação a este hoje normalizado. Para o crítico, a transformação permanente da realidade, para a permanente humanização dos homens. Para o pensar crítico, diria Pierre Furter, ―a meta não será mais eliminar os riscos da temporalidade, agarrando-se ao espaço garantido, mas temporalizar o espaço. O universo não se revela a mim (diz ainda Furter) no espaço, impondo-me uma presença maciça a que só posso me adaptar, mas como um campo, um domínio, que vai tomando forma na medida de minha ação‖. Para o pensar ingênuo, a meta é agarrar-se a este espaço garantido, ajustando-se a ele e, negando a temporalidade, negar-se a si mesmo.

Somente o diálogo, que implica um pensar crítico, é capaz, também, de gerá-lo. Sem ele não há comunicação e sem esta não há verdadeira educação. A que, operando a superação da contradição educador-educandos, se instaura como situação gnosiológica, em que os sujeitos incidem seu ato cognoscente sobre o objeto cognoscível que os mediatiza

(P. 87) CARACTERIZAÇÃO DOS TEMAS GERADORES ...O momento deste buscar é o que inaugura o diálogo da educação como prática da liberdade.

É o momento em que se realiza a investigação do que chamamos de universo temático do povo ou o conjunto de seus temas geradores. O momento desta buscar é o que inaugura o diálogo da educação como prática da liberdade. É o momento em que se realiza a investigação do que chamamos de universo temático do povo, o conjunto de seus temas geradores. # O que se pretende investigar, realmente, não são os homens, como se fossem peças anatômicas, mas o seu pensamento-linguagem referido à realidade, os níveis de sua percepção desta realidade, a sua visão do mundo em que se encontram envolvidos seus “temas geradores‖. # Ao se separarem do mundo, que objetivam, ao separarem sua atividade de si mesmos, ao terem o ponto de decisão de sua atividade em si, em suas relações com o mundo e com os outros, os homens ultrapassam as “situações limites‖, que não devem ser tomadas como se fossem barreiras insuperáveis, mais além das quais nada existisse. No momento mesmo em que os homens as apreendem como freios, em que elas se configuram como obstáculos à sua libertação, se transformam em ―percebidos destacados‖ em sua “visão de fundo‖. Revelam-se assim como realmente são : dimensões concretas e históricas de uma dada realidade. # Esta é a razão pela qual não são as “situações-limites” , em si mesmas, geradoras de um clima de desesperança, mas a percepção que os homens tenham delas num dado momento histórico, como um freio a eles, como algo que eles não podem ultrapassar. No momento em que a percepção crítica se instaura, na ação mesma, se desenvolve um clima de esperança e confiança que leva os homens a se empenharem

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na superação das ―situações-limites‖. Esta superação, que não existe fora das relações homens-mundo, somente pode verificar-se através da ação dos homens sobre a realidade concreta em que se dão as ―situações-limites‖. Superadas estas, com a transformação da realidade, novas surgirão, provocando outros “atos-limites” dos homens. # Estes, não somente implicam outros que são seus contrários, às vezes antagônicos, mas também indicam tarefas a serem realizadas e cumpridas. Desta forma, não há como surpreender os temas históricos isolados, soltos, desconectados, coisificados, parados, mas em relação dialética com outros, seus opostos. Como também não há outro lugar para encontrá-los que não seja nas relações homens-mundo.

O CURRÍCULO COMO CIÊNCIA CRÍTICA Teresinha Maria Nelli Silva. A construção do currículo na sala de aula EPU,1990 Os estudiosos do currículo para uma cidadania crítica têm uma perspectiva histórica e relacional

para analisar o currículo e centram sua investigação na sala de aula. Tentam responder a questões tais como: a quem pertence esse conhecimento? Quem o selecionou? Por que é organizado e transmitido dessa forma? E para que grupo determinado? Nessa ótica, a ideologia torna-se questão relevante para a compreensão das relações entre o ensino e o currículo. Não estamos mais diante do paradigma da ciência natural, mas do paradigma antropológico e com uma metodologia de trabalho calcada em pressupostos, conceitos e terminologia próprios.

A perspectiva do currículo como ciência crítica é essencialmente a de um currículo - formação, voltado para a consciência crítica, para a emancipação e humanização do homem. Um currículo dessa natureza trabalha questões éticas, políticas, sociais, e não só questões técnicas e instrumentais. Assume um pacto com a justiça social, no sentido de maximizar a igualdade econômica, social e educacional. O trabalho do professor - curriculista orientado por esses pressupostos nunca será neutro, mas perpassado por compromisso e imbuído de intencionalidade.

O enfoque relacional e estrutural situa a escola e o currículo na totalidade das relações sociais. Traz uma visão de homem concreto, situado no seu tempo e não uma abstração teórica. Reconhece a existência do conflito e trabalha com ele, questionando o consenso normativo e intelectual. É uma outra concepção de planejamento educacional, que procura responder questões sobre quem planeja e com que finalidade, não se atendo unicamente aos aspectos metodológicos. Assim, ao se reconhecer que a escola não é uma instituição totalmente determinada e as pessoas não são espelhos passivos da economia, mas agentes ativos no processo de produzir cultura e conhecimento, tem-se um campo para a contestação das relações sociais dominantes.

Vamos nos deter, a seguir, nas significativas contribuições de Apple, Giroux, Freire e Faundez, autores que se alinham na discussão da educação sob a perspectiva de contestação do reprodutivismo e que, portanto, se propõem questões além da reprodução, permitindo discutir o currículo como ciência crítica.

As idéias de Apple e Weis (1986) sobre o papel ideológico das escolas aprofundam questões relativas ao poder e ao saber. Os conteúdos e as formas ideológicas estão engastados no currículo da escola, nas práticas docentes e, por um processo de formação, tanto estudantes como professores internalizam a ideologia em suas mentes. As escolas exercem diferentes papéis: o de reprodução, o de produção e o de legitimação do conhecimento.

No papel reprodutivo, cabe à escola a seleção e a distribuição do conhecimento. A estruturação do conhecimento está relacionada com o controle social e cultural na sociedade. Há uma relação entre a dominação econômica e a dominação cultural. Ao proceder à seleção da cultura, filtrando o conhecimento para torná-lo acessível e estratificado para a população, o currículo promove a seletividade social.

A seletividade social é assim explicada por esses autores: “...a grupos diferentes de estudantes são ensinadas diferentes normas, capacidades, valores,

conhecimento e disposições de acordo com a raça, classe e sexo. Desta forma, as escolas ajudam a atender as necessidades que tem a economia de um corpo de empregados estratificado e ao menos parcialmente socializado.”

O conhecimento de alto nível (técnico) não é distribuído para toda a população, mas ocorre a maximização do conhecimento para atender à maximização da produção. O processo reprodutivo assegura relações sociais desiguais pela estratificação do conhecimento. As instituições culturais criam níveis insatisfatórios de desempenho e dessa forma selecionam-se pessoas para ocupar posições econômicas e sociais de acordo com a posse do conhecimento de alto nível que venham a ter ou não ter.

O papel de produção do conhecimento é o que a escola exerce enquanto instituição cultural que cria conhecimento técnico - administrativo em alto nível para ser utilizado pelas empresas econômicas. Portanto, as escolas exercem o papel econômico e o papel ideológico. Nesse último sentido, ela é produtora de formas culturais ideológicas para os grupos que estão no poder.

O papel de legitimação é entendido como sendo a justificação da ação de um grupo e sua aceitação social. A questão do poder está sempre presente nas disputas ideológicas que se fazem acompanhar de um discurso - a justificação ou retórica. Nesse caso, o papel da escola está em fazer com que o sistema

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econômico pareça natural, justo, ao mesmo tempo que mascara as desigualdades e promove a discriminação quanto à classe, raça e sexo.

A identificação do papel econômico e ideológico exercido pela escola encaminha as investigações de Apple para o estudo do currículo, que é onde se concretiza o controle social do campo educacional.

Os conceitos de currículo manifesto e currículo oculto propostos por Apple são significativos para orientar a leitura do conhecimento formal e informal que perpassa o processo de ensino.

Apple (1982) identifica, na vida escolar, dois aspectos com funções distributivas sociais e econômicas e os localiza nas formas de interação da vida escolar e no corpo do conhecimento escolar: as formas de interação, quando comunicam significados normativos, tendências, regras sociais; e o corpo formal, quando inclui ou exclui o conhecimento escolar determinando o que tem ou não tem importância. Esses dois aspectos confirmam o currículo como um mecanismo de reprodução social.

O currículo manifesto e o discurso legitimador são transmitidos no corpo formal do conhecimento escolar assegurando a distribuição cultural e a seletividade social. O currículo oculto apresenta-se como uma estrutura profunda, construído que foi historicamente. Ao longo do tempo, as formas cotidianas de interação tornaram-se padronizadas, constituindo-se em regularidades comportamentais. Desse modo, formou-se na escola um conjunto ideológico de regras do senso comum que passaram a integrar o currículo, determinando a seleção dos conteúdos a serem transmitidos e a organização da experiência escolar.

Para desocultar esse currículo, é preciso que se responda: de onde vem, de quem é e para quem é distribuído o conhecimento escolar. É assim que Apple introduz o conceito de tradição seletiva: ―É preciso levar muito a sério as questões acerca da tradição seletiva, como as seguintes: a quem pertence esse conhecimento? Quem o selecionou? Por que é organizado e transmitido dessa forma? E para que grupo determinado? “ Na visão de Apple, a tradição seletiva apresenta-se como ―tradição‖, o passado significativo, e passa à seletividade quando filtra determinados significados e práticas, e negligencia ou exclui outros. Alguns significados são reinterpretados, outros diluídos, sempre tendo em vista não contradizer a cultura dominante. Ao desempenharem a função de agentes da tradição seletiva, as escolas estão desempenhando um papel reprodutivo e de manutenção da hegemonia.

Henry Giroux (1986) contesta o papel reprodutivo da escola e é com base nos momentos não-reprodutivos proporcionados pela autonomia relativa encontrada na cultura, na ideologia, na hegemonia, que vai construir a sua teoria crítica da resistência. A seu ver, os alunos de todas as classes e grupos carregam a lógica da dominação e do controle, em graus diferentes; assim sendo, pessoas podem escolher entre ser sujeitos da dominação ou sujeitos da história. Em Giroux, o conceito de resistência tem um valor pedagógico:

“O valor pedagógico da resistência está, em parte, no fato de ela situar as noções de estrutura e ação humana e os conceitos de cultura e autoformação, em uma nova problemática para se entender o processo de escolarização. Ela rejeita a noção de que as escolas são simplesmente locais de instrução e, ao fazer isso, não apenas politizar a noção de cultura, mas também indica a necessidade de se analisar a cultura da escola dentro do terreno cambiante da luta e contestação.‖

Em Giroux, encontramos uma nítida preocupação com a cultura e a consciência, marcando uma posição pedagógica na análise da escola e do currículo, com uma visão de que a ação humana tem um papel ativo na transformação da sociedade.

Paulo Freire, educador brasileiro, também está identificado com uma visão crítica e tem contribuído significativamente com suas idéias e suas obras para a construção de uma pedagogia a favor dos oprimidos. As reflexões de Freire sobre o currículo encontram-se de forma esparsa em sua obra e é possível, ao aproximá-la e recolhê-las, perceber que a questão do currículo não pode ser tratada independentemente do conhecimento e da cultura.

Freire trabalha a questão epistemológica no currículo e é por esse caminho que tenta compreender a produção do conhecimento, sempre considerado como um ato de criar e recriar coletivo e não a simples transferência e reprodução do conhecimento existente. O primeiro momento do ciclo do conhecimento, diz Freire:

―É o momento da produção de um conhecimento novo, de algo novo. O outro momento é aquele em que o conhecimento produzido é conhecido ou percebido. Um momento é a produção de um conhecimento novo e o segundo é aquele em que você conhece o conhecimento existente. O que acontece, geralmente, é que dicotomizamos esses dois momentos, isolamos um do outro. Conseqüentemente, reduzimos o ato de conhecer o conhecimento existente a uma mera transferência do conhecimento existente. E o professor se torna exatamente o especialista em transferir o conhecimento. Então, ele perde algumas das qualidades necessárias, indispensáveis, requeridas na produção do conhecimento, assim como no conhecer o conhecimento existente. Algumas dessas qualidades são, por exemplo, a ação, a reflexão crítica, a curiosidade exigente, a inquietação, a incerteza - todas estas virtudes são indispensáveis ao sujeito cognoscente.”

Freire reconhece a possibilidade de um momento não reprodutivo quando se trabalha a produção de um conhecimento com o próprio educando. Há uma acessibilidade de produzir conhecimento em

qualquer nível de escolarização. Na perspectiva de Freire, há uma valorização da cultura geral e do senso

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comum e uma proposta de democratização do conhecimento. Sua posição marca uma reação ao currículo-padrão, como um currículo de transferência que veicula o conhecimento reprodutivo, já filtrado e selecionado para ser transmitido aos alunos que conseguirem atingir e ter acesso às seriações dos diferentes níveis de ensino. Se elaborado com uma orientação tecnicista e burocrática, conduz a uma forma autoritária de programação do conhecimento, dadas as suas características de predeterminação e de fragmentação. Um currículo crítico que parte da experiência vivida e do senso comum precisará romper com o currículo de transferência.

A ideologia que está presente na cultura do senso comum vem à tona quando os alunos são deixados livres para expressar seu pensamento. O senso comum precisa ser trabalhado com um questionamento crítico para proceder à ruptura com a cotidianeidade acrítica.

A democratização do saber como questão curricular passa pela superação do conhecimento do senso comum, acrítico, em direção a um conhecimento crítico de captação da realidade. Freire reconhece o conhecimento crítico como sendo científico e trabalha a questão do rigor de uma perspectiva não elitista, quando afirma:

“Não dicotomizo essas duas dimensões do mundo - vida diária do rigor, senso comum do senso filosófico, na expressão de Gramsci. Não compreendo conhecimento crítico ou científico que aparece por acaso, por um passe de mágica ou por acidente, como se não precisasse se submeter ao teste da realidade. O rigor científico vem de um esforço para superar uma compreensão ingênua do mundo.”

Um currículo na perspectiva crítica, no trabalhar com a construção do conhecimento, no ato mesmo do ensinar, precisa da criatividade dos professores e dos alunos para produzir um conhecimento emergente da cultura e da realidade em que estiver inserido.

Faundez, por sua vez, assume o conhecimento como centro de suas reflexões e dirige sua atenção para a questão de como as idéias se concretizam nas ações e nas mentes dos indivíduos e dos grupos para interpretarem a realidade e transformá-la ou não. Nesse aspecto, a cotidianeidade é o objeto de sua teorização. No conceito de cultura inclui a cotidianeidade, retirando a visão elitista com que se apresenta na ótica da dominação.

“Cultura para nós, insisto, são todas as manifestações humanas, inclusive a cotidianeidade e fundamentalmente na cotidianeidade está a descoberta do diferente, que é essencial.”

A compreensão do cotidiano de uma postura crítica o leva a contestar que tudo que exista na cotidianeidade popular seja pura reprodução da ideologia dominante.

Um trabalho educacional a partir da realidade, da ação cotidiana, do povo, de cada um de nós, vai possibilitar o diálogo permanente, crítico. E as idéias que forem surgindo como reflexão sobre a ação não serão aceitas como idéias-modelo, mas como fazendo parte de um processo de recriação permanente.

O conhecimento é um processo e é alcançado pelo diálogo. O professor deveria ensinar a perguntar dentro da cotidianeidade, pois é este o caminho do conhecimento. A construção de um currículo crítico com sua busca da concreticidade encontra resposta na cotidianeidade do aluno, na cultura de que é portador, como um caminho para a construção do conhecimento que seja transformador da realidade.

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4. MOMENTO 2

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MUNICÍPIO DE PARNAMIRIM SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO E CULTURA – PARNAMIRIM/RN

SEMANA PEDAGÓGICA – 8 a 11 Fevereiro 2011 (Ensino Fundamental 6 ao 9 ano)

MOMENTO 2 (10/02/2011)

Objetivo: Construção de programações interdisciplinares e críticas a partir das problemáticas locais

Dinâmica: Plenária –. Discussão sobre abordagem interdisciplinar e crítica Grupos – Seleção de conteúdos específicos para as diferentes áreas do conhecimento; Plenária – Socialização e análise das programações construídas nos grupos

MATERIAL PARA ORIENTAR AS ATIVIDADES DA OFICINA

Ex.: Americanópolis (periferia de S. Paulo) - alunos 6a - abril/92

Estudo da realidade local: Planejamento na área de ciências (5a série) (tradicional) Após levantamentos e discussões sobre os problemas

encontrados pelos alunos em seu cotidiano na Livro didático: José L. Soares. comunidade local, foi feita a seguinte síntese de falas Ed. Moderna sobre o abastecimento de água na região:

1. A falta de água é freqüente na região; Unidade II - A ÁGUA

2. Quando falta água, a ordem em que acaba nos Cap.1 O que é a água? / características da equipamentos da residência (tanques, pias, bacias, água / composição química. etc.) varia de casa para casa;

Cap.2 A água na natureza / origem da água / 3. Após a falta de água, ela chega esbranquiçada e ciclo da água / água nos seres e no ambiente. com cheiro desagradável; ....... Cap.3 Estados físicos da água / tensão 4. A água acaba sempre antes em algumas casas e superficial / características dos estados físicos / depois em outras; mudanças de estado físico. ....... 5. Nem sempre acaba a água em todas as regiões do Cap.4 Qualidade e purificação da água. bairro; há regiões onde a falta é mais freqüente; ....... Cap.5 Propriedades da água e dos demais 6. A falta de chuva é uma fatalidade; quando há líquidos / densidade / princípio de Arquimedes / estiagem sempre falta água; pressão da água / vasos comunicantes. ....... 7. Mesmo nos períodos chuvosos há falta de água; Leituras complementares

QUESTÃO GERAL:

1. Para uma escola cuja meta seja a construção da cidadania, a realidade deve ser considerada uma ilustração do conteúdo escolar ou este conhecimento deve propiciar o desvelamento dessa realidade? 2. A partir dessa situação da realidade local, como a programação de Ciências para a 7º ano pode contribuir para levar os alunos a compreenderem melhor o problema da falta de água e buscar soluções?

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138

PROGRAMAÇÃO - CIÊNCIAS - 6a s/abril/92 - FALTA D’ÁGUA EM AMERICANÓPOLIS.SP Blocos: Falas x Atividades

Tópicos program. (organização metodológica)

Fala 2: Quando falta ...

ER* Quais os equipamentos hidr. de sua casa? Como funcionam?

.Classificando os eq. hidr.;

I. Da pia para outros .Pia como um sistema; equipamentos OC* .Funcionamento de uma torneira: alavanca, torque, pressão, rosca e ação hidráulicos e reação;

.Funções: cano, bacia e ralo; - .Abrindo e fechando o sistema;

AC* Extrapolando para outros eq. hidráulicos;

Fala 2: Quando falta ...

II. Da caixa de ER: Como funciona a caixa de descarga?

descarga para a

OC Sifão e bóia: vasos comunicantes, empuxo e feed-back neg.;

caixa d’água

AC Reservatórios de água;

F. 4, 5: A água acaba ... - Nem sempre acaba ...

III. Distribuição da ER:

A água apresenta a mesma pressão em todos os eq. hidr. da casa?

água:

Quando ocorre vazamentos?

da casa para o OC

.Relações entre os eq. hidr. de uma casa; bairro

.Vazamentos no sistema (desequilíbrios e conservações);

AC .Distribuição da água no bairro;

Fala 3: Após a falta ...

IV. Estação de ER:

Que usos fazemos da água? Quando podemos considerar a água como

tratamento de

de boa qualidade para o consumo?

.Propriedades físico-químicas da água: solubilidade, miscibilidade, água OC densidade, etc. - .Fracionamento de misturas;

.Utilização da água pelos seres vivos;

AC .Estação de tratamento de água;

V. Consumo ER: Qual o consumo de água em sua casa? E no seu bairro?

de água pelo OC

.Leitura do hidrômetro;

homem

.Cálculo do consumo médio e controle;

AC .Consumo total de água na cidade (estimativa);

Fala 6: A falta de chuva ...

VI .Estação de ER

Para onde vai a água utilizada em sua casa? Ela poderia ser reutilizada?

tratamento de

Como?

esgoto; .Sistema de coleta de esgoto;

OC .Esgoto doméstico e industrial;

Represa - ciclo da .Coleta parcial: perda na captação;

água na natureza .Fontes fornecedoras: Mananciais

AC .Ciclo da água (natureza); .Calor e clima como fatores reguladores;

VII. Distribuição F. 1, 5 A falta de água ... - Nem sempre acaba ...

social da água - e 7: Mesmo nos períodos ...

visão geral do O que há de comum entre o funcionamento de um eq. hidr. e a distribuição

ER da água urbana? Quais são os fatores reguladores nos dois níveis? Só a processo e

falta de chuva explica o abastecimento precário em alguns bairros?

extrapolações para OC

.Retomando o funcionamento hidráulico (tanque, casa e cidade);

o planeta

.Distribuição da água (prioridades sócio-econômicas e políticas);

.Ciclo da água no planeta e a interferência humana; AC .Retomando e questionando todas as sete falas iniciais; .Propostas para a superação da falta d’água no bairro

Momentos Pedagógicos: er* = estudo da realidade; oc* = organização do conhecimento; ac* = aplicação do conhecimento;

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139

Lo

cal

Mic

ro

M

eso

Macro

SELEÇÃO DE CONTEÚDOS PARA A CONSTRUÇÃO DE PROGRAMAÇÕES

Modelo Sócio-econômico

Cultura Transporte Trabalho Moradia

Migração Organização Social Ocupação do Solo urbano

CONHECIMENTO

EQUIPAMENTOS COLETIVOS PERTINENTES À ANÁLISE DO SISTEMATIZADO TEMA GERADOR EM QUESTÃO (CONTEÚDOS 2)

Aspectos que caracterizam Segmentos sociais Aspectos geofísicos e

a cultura local locais materiais da localidade

CONHECIMENTO

REALIDADE LOCAL / COMUNIDADE SISTEMATIZADO

(CONTEÚDOS 1)

VISÃO DOS EDUCADORES Contra-tema:

VISÃO DA COMUNIDADE Tema Gerador:

Fala: Fala:

Fala: Fala / tema: Fala:

Analisar as falas selecionadas, o tema e o contra-tema, levando em consideração os seguintes elementos e aspectos da micro e macro-estrutura sociocultural e econômica:

QUADRO II - VISÃO DOS EDUCADORES

Falas Elementos da Distribuição dos tópicos em

Exemplos de parâmetros / estrutura social diferentes dimensões do real significativas

fatores a serem contemplados (presentes no contra- Local Região Brasil /

(e t. gerador)

tema)

Mundo

Origem social, cultural e econômica Moradia

da comunidade Trabalho

Relações culturais e étnicas Transporte

Condições de saneamento e saúde Saúde

Ocupação atual do solo Educação

Organização política Abastecimento

Correntes migratórias Convivência

Êxodo rural Comunicação

Preconceitos sociais Saneamento

Aspectos físicos e ambientais Lazer

Divisões administrativas Cultura

Tradição e etnia Segurança

Planejamento e previsões Organização

Cultos religiosos social

Histórico da ocupação do solo Outros

Distribuição e densidade demográfica

Determinantes populacionais

Produção rural e industrial

Escolaridade

Comércio e serviços

Energia

Acesso aos equipamentos coletivos

Tecnologia disponível

Modelos políticos e científicos

Postos de trabalho

Outros ...

1. Que dados quantitativos e analíticos precisaríamos ainda buscar? Onde encontrá-los? 2. Compare a visão dos educadores com aquela apresentada pela comunidade. Que diferenças podemos observar entre elas?

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QUADRO III – SELEÇÃO DE CONTEÚDOS PARA A CONSTRUÇÃO DE PROGRAMAÇÕES Elementos, Seqüência dos conhecimentos Detalhamento dos tópicos (conteúdos) a serem

Falas fatores e relevantes em relação aos trabalhados por área do conhecimento

significativas parâmetros elementos (disciplina) selecionados (relações entre local micro, macro) Tempo previsto

Síntese geral da discussão

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SUBSÍDIOS PARA APROFUNDAMENTO TEÓRICO DAS TEMÁTICAS PEDAGÓGICAS

INÚTEIS E PERNICIOSOS (RUBEM ALVES - colunista da Folha de S.Paulo / 26/08/2003)

Resumindo: os vestibulares são, em primeiro lugar, inúteis. Um leitor, assustado com minha sugestão insólita

de que os vestibulares sejam substituídos por um sorteio, enviou-me um e-mail em que me acusava de estar trocando

um critério baseado na competência —critério racional, portanto— por um critério baseado na sorte, coisa irracional.

Mas eu pergunto a você que conseguiu sobreviver à câmara de torturas: o vestibular os tornou competentes em quê?

Competência tem a ver com a capacidade de resolver problemas reais, situações tais como elas aparecem na

vida. Em que o preparo para os vestibulares o tornou competente? Eu me arrisco a dizer que a única competência que

o preparo para os vestibulares desenvolve é... a efêmera capacidade de passar nos vestibulares...

Efêmera, que dura apenas um dia. Tanto esforço, tanto sofrimento, para nada. Pois, como já demonstramos,

essa capacidade logo desaparece no buraco negro do esquecimento. A memória é uma função da vida, do corpo. E o

corpo não é bobo. Aquilo que não é instrumental para a vida é logo esquecido.

Pense na memória como um escorredor de macarrão. Um escorredor de macarrão é uma bacia cheia de furos.

A gente põe o macarrão na água fervente para amolecer. Amolecido o macarrão, é preciso livrar-se da água. Jogam-se,

então, macarrão e água no escorredor de macarrão. A água escorre pelos buracos, e o macarrão fica. A memória é

assim: ela se livra do que não tem serventia por meio do esquecimento. E o que é que tem serventia? Duas coisas,

apenas. Primeiro, coisas que são úteis, conhecimentos-ferramentas, conhecimentos que nos ajudam a entender e a

fazer coisas. (Note que a utilidade é variável. Para os esquimós, é conhecimento instrumental a arte de fazer iglus. Mas

esse conhecimento é inútil para beduínos no deserto. Para eles, o instrumental é fazer tendas. Conhecimentos que são

úteis para as crianças das praias de Alagoas são totalmente inúteis para as crianças que vivem nas montanhas de

Minas. Daí o absurdo dos programas que ensinam as mesmas ferramentas, como os nossos).

A outra coisa que tem serventia são os prazeres. Prazeres não são ferramentas. Não têm uma função prática.

Mas dão alegria. Dão sentido à vida. O corpo não se esquece dos prazeres. Educar, assim, tem a ver com as duas

caixas que o corpo carrega: a caixa das ferramentas e a caixa dos brinquedos. Na caixa das ferramentas, estão os

conhecimentos que são meios para viver. Na caixa dos brinquedos, os conhecimentos que nos dão razões para viver.

E eu pergunto: que ferramentas o preparo para os vestibulares lhe deu? Que prazeres? Ao final, o escorredor

de macarrão fica vazio —não havia macarrão, só havia água.

Mas, além de serem inúteis, os vestibulares são perniciosos, por deformar a nossa capacidade de pensar. Eu

lhe pergunto: o que é mais importante: saber as respostas ou saber fazer as perguntas? Se você me disser que o mais

importante é saber as respostas, eu lhe digo: você já está obsoleto ou está a caminho da obsolescência. Porque uma

das características do nosso momento histórico é o caráter efêmero das respostas. Quem sabe as respostas logo fica

sabendo nada.

Pensar não é saber as respostas. Pensar é saber fazer perguntas. Sobre esse assunto, aconselho a leitura do

prefácio à "Crítica da Razão Pura", de Kant, em que ele diz precisamente isso —que o conhecimento se inicia com as

perguntas que fazemos à natureza. Mas essas perguntas surgem quando nós, contemplando a natureza, nos sentimos

provocados por seus assombros. O início do pensamento se encontra nos olhos que têm a capacidade de se

assombrarem com o que vêem. Mas é precisamente isso, os olhos assombrados, que o preparo para os vestibulares

destrói. Vestibulares são cega-olhos...

Schopenhauer tem um curto e delicioso texto sobre livros e leitura em que ele diz o seguinte: "Quando lemos,

outra pessoa pensa por nós: só repetimos o seu processo mental". Segue-se que "aquele que lê muito ou quase o dia

inteiro (...) perde paulatinamente a capacidade de pensar por conta própria" —o que é o caso de muito eruditos, que

"leram até ficar estúpidos".

Coisa semelhante acontece com aqueles que se preparam para os vestibulares: de tanto serem treinados para

dar as respostas certas, acabam por perder a capacidade de fazer perguntas, a essência do pensamento inteligente. O

preparo para os vestibulares, assim, é um processo estupidificador, um mecanismo pernicioso para a inteligência.

Acrescente-se a isso o fato de que, devido à fúria da competição, os candidatos, no seu preparo, são forçados a

abandonar tudo aquilo que tem a ver com a "caixa dos brinquedos", o que provoca um embrutecimento da sua

sensibilidade.

O maior benefício da abolição dos vestibulares seria este: as escolas estariam finalmente livres dessa

guilhotina horrenda no horizonte e poderiam se dedicar à tarefa de educar, de desenvolver a arte de pensar, que nada

tem a ver com o preparo para os vestibulares.

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ALFABETIZAÇÃO E CONSCIENTIZAÇÃO

(Freire, P. Conscientização: Teoria e Prática da Libertação. 3ª ed. São Paulo, Moraes, 1980, p. 28 – 33.) ...

Diante de um "universo de temas" em contradição dialética, os homens tomam posições

contraditórias; alguns trabalham na manutenção das estruturas, e outros, em sua mudança. Na medida em

que cresce o antagonismo entre os temas que são a expressão da realidade, os temas da realidade mesma

possuem tendências a serem mitificados, ao mesmo tempo que se estabelece um clima de irracionalidade e

de sectarismo. Este clima ameaça arrancar dos temas sua significação profunda e privá-los do aspecto

dinâmico que os caracteriza. Numa tal situação, a irracionalidade criadora de mitos converte-se, ela própria,

em tema fundamental. O tema que se lhe opõe, a visão crítica e dinâmica do mundo, permite "des-

velar" a realidade, desmascarar sua mitificação e chegar à plena realização do trabalho humano: a

transformação permanente da realidade para a libertação dos homens.

Em última instância, os temas estão contidos nas situações-limite e as contêm; as tarefas que eles

implicam exigem atos-limite. Quando os temas estão ocultos pelas situações-limite, e não percebidas

claramente, as tarefas correspondentes - as respostas dos homens sob a forma de uma ação histórica - não

podem ser cumpridas, nem de maneira autêntica, nem de maneira crítica. Nesta situação, os homens são

incapazes de transcender as situações-limite para descobrir que além destas situações e em contradição

com elas encontra-se algo não experimentado. Em resumo, as situações-limite implicam na existência de pessoas que são servidas direta ou

indiretamente por estas situações, e outras para as quais elas possuem um caráter negativo e

domesticado. Quando estas últimas percebem tais situações como a fronteira entre ser e ser mais humano,

melhor que a fronteira entre ser e não ser, começam a atuar de maneira mais e mais crítica para alcançar o

"possível não experimentado" contido nesta percepção. Por outra parte, aqueles que são servidos pela

situação-limite atual vêem o possível não experimentado como uma situação-limite ameaçadora, que deve

ser impedida de realizar-se, e atuam para manter o "status quo". Conseqüentememte, as ações

libertadoras, num certo meio histórico. devem corresponder não somente aos temas geradores

como ao modo de se perceber estes temas. Esta exigência implica em outra: a procura de temáticas

significativas.

Os temas geradores podem situar-se em círculos concêntricos que vão do geral ao particular. A

unidade histórica mais ampla compreende um conjunto diversificado de unidades e subunidades

(continentais, regionais, nacionais etc.) e comporta temas de tipo universal. Eu considero que o tema

fundamental de nossa época é o da dominação, que supõe seu reverso, o tema da libertação, como

objetivo que deve ser alcançado.

É este tema que preocupa, e é ele que dá à nossa época a característica antropológica que

mencionei anteriormente. Para realizar a humanização que supõe a eliminação da opressão

desumanizante, é absolutamente necessário transcender as situacões-limite nas quais 'os ,homens

são reduzidos ao estado de coisas.

Sem dúvida, quando os homens percebem a realidade como densa, impenetrável e envolvente, é

indispensável proceder a esta procura por meio da abstração. Este método não implica que se deva reduzir

o concreto ao abstrato (o que significaria que o método não é de tipo dialético), mas que se mantenham os

dois elementos, como contrários, em inter-relação dialética no ato da reflexão. Encontra-se um excelente exemplo deste movimento de pensamento dialético na análise de uma

situação concreta, existencial, "codificada". Sua "descodificação" exige que passe do abstrato ao concreto;

ou melhor, da parte ao todo, para voltar depois às partes; isto implica que o sujeito se reconheça no objeto

como uma situação na qual se encontra com outras pessoas. Se a descodificação for bem feita, este

movimento de fluxo e refluxo do abstrato ao concreto, que se produz na análise de uma situação codificada,

conduz a substituir a abstração pela percepção crítica do concreto, que deixou já de ser uma realidade

densa impenetrável. Sem dúvida, como o código é a representação de uma situação existencial, o descodificador tende

a passar da representação à situação muito concreta na qual e com a qual trabalha. Assim é possível

explicar, por meio de conceitos, por que os indivíduos começam a portar-se de uma maneira diferente frente

à realidade objetiva, uma vez que esta realidade deixou de apresentar-se como um beco sem saída e tomou

o seu verdadeiro aspecto; um desafio a que os homens devem responder.

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143

No nosso método, a codificação, a princípio, toma a forma de uma fotografia ou de um desenho que

representa uma situação existencial real ou uma situação existencial construída pelos alunos. Quando se

projeta esta representação, os alunos fazem uma operação que se encontra na base do ato de

conhecimento; se distanciam do objeto cognoscível. Desta maneira os educadores fazem a experiência

da distanciação, de forma que educadores e alunos possam refletir juntos, de modo crítico, sobre o objeto

que os mediatiza. O fim da descodificação é chegar a um nível crítico de conhecimento, começando pela

experiência que o aluno tem de sua situação em seu "contexto real".

Enquanto a representação codificada é o objeto cognoscível que mediatiza sujeitos conhecedores,

a descodificação - decompor o código em seus elementos constituintes - é a operação pela qual os sujeitos

conhecedores percebem as relações entre os elementos da codificação e entre os fatos que a

situação real apresenta, relações que antes não eram percebidas.

A codificação representa uma dimensão dada da realidade tal como a vivem os indivíduos, e esta

dimensão é proposta à sua análise num contexto diferente daquele no qual eles a vivem. Assim a

codificação transforma o que era uma maneira de viver num contexto real, num "objectum" no contexto

teórico. Os alunos, mais que receber uma informação a propósito disto ou daquilo, analisam os aspectos de

sua própria experiência existencial representada na codificação. Em todas as fases da descodificação, os homens revelam sua visão do mundo. Conforme a

maneira como eles vêem o mundo e como o abordam - de modo fatalista, estático, ou dinâmico - podem-se

encontrar seus temas geradores. Um grupo que não expressa concretamente temas geradores (o que

pareceria significar que não possui temas ) sugere, ao contrário, um tema trágico: o tema do silêncio. O

tema do silêncio sugere uma estrutura de mutismo frente à força esmagadora das situações-limite. Procurar o tema gerador é procurar o pensamento do homem sobre a realidade e a sua ação

sobre esta realidade que está em sua práxis. Na medida em que os homens tomam uma atitude ativa na

exploração de suas temáticas, nessa medida sua consciência crítica da realidade se aprofunda e anuncia

estas temáticas da realidade. Devemos perceber que as aspirações, os motivos e os objetivos contidos nas temáticas

significativas são aspirações, motivos e objetivos humanos. Não existem em alguma parte "fora", como

entidades estáticas; são históricas como os homens mesmos; conseqüentemente, não podem ser captadas

prescindindo dos homens. Captar estes temas é compreendê-los, e compreender, portanto, os homens

que os encarnam e a realidade à qual se referem.

Mas, precisamente porque não é possível compreender estes temas prescindindo dos homens, é

necessário que os homens implicados os compreendam também. A procura temática converte-se assim

numa luta comum por uma consciência da realidade e uma consciência de si, que fazem desta procura o

ponto de partida do processo de educação e da ação cultural de tipo libertador. O perigo real desta procura não é que os objetos que se supõem serem os seus deturpem os

resultados analíticos; ao contrário, o perigo encontra-se no risco de fazer desviar o eixo da procura dos

temas significativos para as homens mesmos, considerando assim os homens como objetos da

procura. Precisando: a procura temática implica na procura do pensamento dos homens, pensamento

que se encontra somente no meio dos homens que questionam reunidos esta realidade. Não posso pensar

no lugar dos outros ou sem os outros, e os demais também não podem pensar em substituição aos homens.

Os homens enquanto "seres-em-situação" encontram-se submersos em condições espaço-temporais que

influem neles e nas quais eles igualmente influem. Refletirão sobre seu caráter de seres situados, na medida em que sejam desafiados a atuar. Os

homens são porque estão situados. Quanto mais refletirem de maneira crítica sobre sua existência, e mais

atuarem sobre ela, serão mais homens. A educação e a investigação temática numa concepção crítica de educação constituem somente

diferentes momentos do mesmo processo.

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EDUCAÇÃO DIALÓGICA E DIÁLOGO (Freire, P. .Pedagogia do Oprimido, l970,p.83)

O DIÁLOGO COMEÇA NA BUSCA DO CONTEÚDO PROGRAMÁTICO

Daí que, para esta concepção como prática da liberdade, a sua dialogicidade comece, não quando

o educador-educando se encontra com os educando-educadores em uma situação pedagógica, mas antes,

quando aquele se pergunta em torno do que vai dialogar com estes. Esta inquietação em torno do conteúdo

do diálogo é a inquietação em torno do conteúdo programático da educação. Para o ―educador-bancário‖ ,

na sua antidialogicidade, a pergunta, obviamente, não é a propósito do conteúdo do diálogo, que para ele

não existe, mas a respeito do programa sobre o qual dissertará a seus alunos. E a esta pergunta

responderá ele mesmo, organizando seu programa. Para o educador-educando, dialógico, problematizador,

o conteúdo programático da educação não é uma doação ou uma imposição - um conjunto de informes a

ser depositado nos educandos - mas a devolução organizada, sistematizada e acrescentada ao povo

daqueles elementos que este lhe entregou de forma desestruturada.

A educação autêntica, repitamos, não se faz de A para B ou de A sobre B, mas de A com B,

mediatizados pelo mundo. Mundo que impressiona e desafia a uns e a outros, originando visões ou pontos

de vista sobre ele. Visões impregnadas de anseios, de dúvidas, de esperanças ou desesperanças que

implicitam temas significativos, à base dos quais se constituirá o conteúdo programático da educação. Um

dos equívocos de uma concepção ingênua do humanismo está em que, na ânsia de corporificar um modelo

ideal de ―bom homem‖, se esquece da situação concreta, existencial, presente, dos homens mesmos.

Simplesmente, não podemos chegar aos operários, urbanos ou camponeses, estes, de modo geral, imersos

num contexto colonial, quase umbilicalmente ligados ao mundo da natureza de que se sentem mais parte

que transformadores, para, à maneira da concepção ―bancária‖ , entregar-lhes ―conhecimento‖ ou impor-

lhes um modelo de bom homem, contido no programa cujo conteúdo nós mesmos organizamos. Não seriam

poucos os exemplos que poderiam ser citados, de planos, de natureza política ou simplesmente docente,

que falharam porque os seus realizadores partiram de uma visão pessoal da realidade. Porque não levaram

em conta, num mínimo instante, os homens em situação a quem se dirigia seu programa.

Para o educador humanista ou o revolucionário autêntico, a incidência da ação é a realidade a ser

transformada por eles com os outros homens e não estes. Quem atua sobre os homens para, doutrinando-

os, adaptá-los cada vez mais à realidade que deve permanecer intocada, são os dominadores.

Lamentavelmente, porém, neste ―conto‖ da verticalidade da programação, ―conto‖ da concepção

―bancária‖, caem muitas vezes lideranças revolucionárias, no seu empenho de obter a adesão do povo à

ação revolucionária. Acercam-se das massas camponesas ou urbanas com projetos que podem

corresponder à sua visão do mundo, mas não necessariamente à do povo. Esquecem-se de que o seu

objetivo fundamental é lutar com o povo pela recuperação da humanidade roubada e não conquistar o povo.

Este verbo não deve caber na sua linguagem, mas na do do minador. Ao revolucionário cabe libertar e

libertar-se com o povo, não conquistá-lo.

As elites dominadoras, na sua atuação política, são eficientes no uso da concepção ―bancária‖

(em que a conquista é um dos instrumentos) porque, na medida em que esta desenvolve uma ação

apassivadora, coincide com o estado de ―imersão‖ da consciência oprimida. Aproveitando esta ―imersão‖

da consciência oprimida, estas elites vão transformando-a naquela ―vasilha‖ de que falamos e ponde nela

slogans que a fazem mais temerosa ainda da liberdade. Um trabalho verdadeiramente libertador é

incompatível com esta prática. Através dele, o que se há de fazer é propor aos oprimidos os slogans dos

opressores, como problema, proporcionando-se assim, a sua expulsão de ―dentro‖ dos oprimidos.

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REDUÇÃO TEMÁTICA (P. Freire. Pedagogia do Oprimido -cap III. Paz e Terra. Rio de janeiro, 1970.)

A questão fundamental, neste caso, está em que, faltando aos homens uma compreensão crítica da

totalidade em que estão, captando-a em pedaços nos quais não reconhecem a interação constituinte da

mesma totalidade, não podem conhecê-la. E não o podem porque, para conhecê-la, seria necessário

partir do ponto inverso. Isto é, lhes seria indispensável ter antes a visão totalizada do contexto para,

em seguida, separarem ou isolarem os elementos ou as parcialidades do contexto, através de cuja cisão

voltariam com mais claridade à totalidade analisada. Na medida, porém, em que, na captação do todo que se oferece à compreensão dos homens, este se

lhes apresenta como algo espesso que os envolve e que não chegam a vislumbrar, se faz indispensável

que a sua busca se realiza através da abstração. Isto não significa a redução do concreto ao

abstrato, o que seria negar a sua dialeticidade, mas tê-los como opostos que se dialetizam no ato de

pensar. Por isto é que a investigação se fará tão mais pedagógica quanto mais crítica e tão mais crítica quanto,

deixando de perder-se nos esquemas estreitos das visões parciais da realidade, das visões ―focalistas‖

da realidade, se fixe na compreensão da totalidade. Assim é que, no processo de busca da temática significativa, já deve estar presente a preocupação pela

problematização dos próprios temas. Por suas vinculações com outros. Por seu envolvimento histórico-

cultural. A investigação da temática, repitamos, envolve a investigação do próprio pensar do povo. Pensar que

não se dá fora dos homens, nem num homem só, nem no vazio, mas nos homens e entre os homens, e

sempre referido à realidade. Na verdade, o básico, a partir da inicial percepção deste núcleo de contradições, entre as quais estará

incluída a principal da sociedade como uma unidade epocal maior, é estudar em que nível de

percepção delas se encontram os indivíduos da área. As codificações, de um lado, são a mediação entre o ―contexto concreto ou real‖ , em que se dão os

fatos, e o ―contexto teórico‖, em que são analisadas; de outro, são o objeto cognoscível sobre que o

educador-educando e os educandos-educadores, como sujeitos cognoscentes, incidem sua reflexão

crítica. Neste esforço de “redução” da temática significativa, a equipe reconhecerá a necessidade de colocar

alguns temas fundamentais que, não obstante, não foram sugeridos pelo povo, quando da investigação.

Se encaramos o programa em sua extensão, observamos que ele é uma totalidade cuja autonomia se

encontra nas inter-relações de suas unidades que são, também, em si, totalidades, ao mesmo tempo

em que são parcialidades da totalidade maior. Os temas, sendo em si totalidades, também são

parcialidades que, em interação, constituem as unidades temáticas da totalidade programática. Na ―redução” temática, que é a operação de ―cisão‖ dos temas enquanto totalidades, se buscam seus

núcleos fundamentais, que são as suas parcialidades. Desta forma, “reduzir” um tema é cindi-lo em

suas partes para, voltando-se a ele como totalidade, melhor conhecê-lo. Na ―descodificação‖, os indivíduos, cindindo a codificação como totalidade, apreendem o tema ou os

temas nela implícitos ou a ela referidos. Este processo de ―descodificação” que, na sua dialeticidade,

não morre na cisão, que realizam na codificação como totalidade temática, se completa na re-

totalização de totalidade cindida, com que não apenas a compreendem mais claramente, mas também

vão percebendo as relações com outras situações codificadas, todas elas representações de situações

existenciais.

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O COMPROMISSO DOS EDUCADORES COM O INTERDISCIPLINAR: A EXIGÊNCIA DA TEORIA E DA PRÁTICA - (Severino, A. J.. In: Interdisciplinaridade: para além da filosofia do sujeito. Vozes,1995.)

... Mas quando analisamos a prática da educação em nosso contexto histórico, seja apoiando-nos em nossas

experiências empíricas, seja fundamentando-nos nas pesquisas científicas, um dos aspectos que mais chama a

atenção é o seu caráter fragmentário. Esta fragmentação se expressa de várias formas.

Sem dúvida, o que primeiro impressiona, tal a sua visibilidade, é que conteúdos dos diversos componentes

curriculares bem como as atividades didáticas não se integram. As diversas atividades e contribuições das disciplinas e

do trabalho dos professores acontecem apenas se acumulando por justaposição: não se somam por integração, por

convergência. É como se a cultura fosse algo puramente múltiplo, sem nenhuma unidade interna. De sua parte, os

alunos vivenciam sua aprendizagem como se os elementos culturais que dão conteúdo ao seu saber fossem estanques

e oriundos de fontes isoladas entre si.

Além disso, as ações docentes, as atividades técnicas e as intervenções administrativas, desenvolvidas no

interior da escola pelos diversos profissionais da área, não conseguem convergir e se articular em função da unicidade

do fim. A impressão que se tem é que cada uma delas adquire um certo grau de autonomia, cada uma trilha seu próprio

caminho, como se cada uma tivesse seu próprio fim. Merece destaque, nesse âmbito, a hipertrofia do administrativo

sobre o pedagógico, com o estranho desenvolvimento de uma postura autoritária e autocrática no exercício do poder.

Nossa experiência cotidiana das relações no interior da escola comprova, mais uma vez, que à divisão técnica do

trabalho se sobrepõe uma divisão social, fundada na distribuição desigual do poder.

A desarticulação fragmentária se manifesta ainda na dificuldade, reconhecidamente presente nas diversas

instâncias do sistema instrucional de ensino, de se articular os meios aos fins, de utilização dos recursos para a

consecução dos objetivos essenciais. Os recursos, mesmo quando disponíveis, não são adequadamente explorados e

utilizados como meios para que se alcancem os fins essenciais do processo.

Outra expressão marcante dessa fragmentação se encontra na verdadeira ruptura entre o discurso teórico e a

prática real dos agentes. Isso compromete profundamente a atuação do agente, tornando-a totalmente estéril, uma vez

que ele não consegue se dar conta do mecanicismo de sua prática e das exigências de sua contínua reavaliação . Ao

mesmo tempo que vai pronunciando um discurso teórico esclarecido e crítico, transformador, vai realizando outro

discurso prático rotineiro, dogmático e conservador.

Finalmente, é possível identificar como vinculada a essa fragmentação generalizada a desarticulação da vida

da escola com a vida da comunidade a que serve, do pedagógico com o político, do micro-social com o macro-social.

Tudo se passa como se tratasse de dois universos autônomos, desenvolvendo-se paralelamente, intercomunicando-se

apenas de maneira formal, mecânica, burocrática, como se entre escola e comunidade não houvesse um cordão

umbilical.

A superação da fragmentação da prática da escola só se tornará possível se ela se tornar o lugar de um projeto

educacional, entendido este como o conjunto articulado de propostas e planos de ação em função de finalidades

baseadas em valores previamente explicitados e assumidos, ou seja, de propostas e planos fundados numa

intencionalidade. Por intencionalidade está se entendendo a força norteadora da organização e do funcionamento da

escola provindo dos objetivos preestabelecidos.

O projeto educacional cria um campo de forças, como se fosse um campo magnético, no âmbito do qual as

ações isoladas, autônomas, diferenciadas, postas pelos agentes da prática educacional, encontrando sua articulação e

convergência em torno de um sentido norteador. A explicitação e o delineamento desta intencionalidade constituem o

fruto primacial da atividade teórica para a prática, exatamente em decorrência do fato que a prática humana em geral, e

a prática educacional, em particular, não podem ser práticas puramente mecânicas e transitivas. Daí a grande

contribuição do saber também para o fazer pedagógico e para o poder educacional.

Só no campo de um projeto, o educador, enquanto profissional poderá articular o seu projeto pessoal,

existencial, ao projeto global da sociedade na qual se encontra, seja este um projeto universalizado, identificado com os

interesses de todos, ou um projeto ―egoístico‖, identificado com os interesses de poucos, ideologizado, caso em que o

trabalho educacional ainda terá que se dar uma dimensão de crítica e de resistência.

Mas é ainda apenas sob condução de uma intencionalidade que a equipe dos agentes do trabalho escolar

poderá constituir efetivamente uma equipe, ou seja, agir como um sujeito coletivo, superando as idiossincrasias de seus

projetos particulares de existência e de suas características pessoais. É que, incorporada por todos, é a

intencionalidade que guia a ação e sendo ela estabelecida em função do projeto universalizado da sociedade não

haverá como contrapor os interesses particulares aos interesses universais que estarão em jogo. O projeto viabiliza a

instauração de um universo de relações sociais onde se desenvolvem as condições da cidadania e da democracia,

entendidas estas como as duas referências fundamentais da existência dos seres humanos numa realidade histórica.

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Também as demais manifestações da fragmentação da prática escolar vão se diluindo quando a

intencionalidade é efetivamente vivenciada no contexto de um projeto educacional consolidado. A convergência dos

meios aos fins, a integração das funções especializadas e, at last but not at least, a integração curricular.

Conseqüentemente, a prática da interdisciplinaridade, em qualquer nível, inclusive no plano da integração curricular,

depende radicalmente da presença efetiva de um projeto educacional centrado numa intencionalidade, definida esta a

partir dos objetivos a serem alcançados pelos sujeitos educandos.

Redimensionando o sentido do interdisciplinar

Do que foi visto, podemos concluir que o saber ao mesmo tempo que se propõe como desvendamento dos

nexos lógicos do real, tornando-se então instrumento do fazer, ele se propõe também como desvendamento dos nexos

políticos do social, tornando-se instrumento do poder. Por isso mesmo o saber não pode se exercer perdendo de vista

esta sua complexidade: só pode mesmo exercer-se interdisciplinarmente. Ser interdisciplinar, para o saber, é uma

exigência intrínseca, não uma circunstância aleatória. Com efeito, pode-se constatar que a prática interdisciplinar do

saber é a face subjetiva da coletividade política dos sujeitos. Em todas as esferas de sua prática, os homens atuam

como sujeitos coletivos. Por isso mesmo, o saber, enquanto expressão da prática simbolizadora dos homens, só será

autenticamente humano e autenticamente saber, quando se der interdisciplinarmente. Ainda que mediado pela ação

singular e dispersa dos indivíduos, o conhecimento só tem seu pleno sentido quando inserido nesse tecido mais amplo

do cultural.

O fundamental no conhecimento não é a sua condição de produto, mas o seu processo. Com efeito, o saber é

resultante de uma construção histórica, realizada por um sujeito coletivo. Daí a importância da pesquisa, entendida

como processo de construção dos objetos do conhecimento, e a relevância que a ciência assume em nossa sociedade.

Mas impões-se à ciência a necessidade de se efetivar como um processo interdisciplinar, exatamente ao contrário das

tendências predominantes no positivismo, historicamente tão importante na consolidação da postura científica no

Ocidente mas tão pouco interdisciplinar em sua proposta de divisão epistemológica do saber.

Tanto quanto o agir, também o saber não pode se dar na fragmentação: precisa acontecer sob a perspectiva

da totalidade. E isto é válido tanto para as situações de ensino como de pesquisa. O desafio da multiplicidade,

expressão da riqueza da manifestação do mundo em nossa experiência, não nos exime da exigência da unidade,

garantia da significação especificamente humana do mundo que os homens inauguraram.

Mas se o sentido do interdisciplinar precisa ser redimensionado quando se trata do saber teórico, ele precisa

ser construído quando se trata do fazer prático. Rompidas as fronteiras entre as disciplina, mediações do saber, na

teoria e na pesquisa, impõe-se considerar que a interdisciplinaridade é condição também da prática social. Com efeito,

toda ação social, atravessada pela análise científica e pela reflexão filosófica, é uma práxis e, portanto, coloca as

exigências de eficácia do agir tanto quanto aquelas de elucidação do pensar. A intervenção prática é o correspondente

social e concreto da concepção antropológica do homem como ser histórico e social, o que exige para sua prática

subsídios produzidos por uma convergente colaboração dos especialistas das várias áreas das Ciências Humanas,

evitando-se assim a hipertrofia, tanto de uma fundamentação unidimensional como de uma intervenção puramente

técnico-profissional.

O que não falar então da prática na esfera do ensino? A questão aqui se torna ainda mais crucial, dado o efeito

multiplicador da ação pedagógica. A educação, em todas as suas dimensões, torna ainda mais patente a necessidade

da postura interdisciplinar: tanto enquanto objeto de conhecimento e de pesquisa como espaço e mediação de

intervenção sociocultural.

Esta interdisciplinaridade exigida na esfera do pedagógico-educacional não se refere unicamente aos requisitos

epistemológicos da formação do cientista. Ela se impõe, à luz dos pressupostos anteriormente colocados, também com

relação à formação do profissional, dos agentes sociais no sentido amplo. Na verdade, o que está em jogo é a formação

do homem, mas o homem só pode ser efetivamente formado como humano se for formado como cidadão... Não sem

razão se pode dizer ainda que o projeto educacional se torna necessário tanto para os indivíduos como para a

sociedade. O indivíduo precisa dele para superar sua condição de mera individualidade, alçando-se à condição de

cidadão, membro da cidade; a sociedade precisa dele para estender a todos os indivíduos emergentes das novas

gerações a intencionalidade da cidadania, de modo a poder garantir a tessitura democrática de suas relações sociais.

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5. MOMENTO 3

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MUNICÍPIO DE PARNAMIRIM

SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO E CULTURA– PARNAMIRIM/RN

SEMANA PEDAGÓGICA – 8 a 11 Fevereiro 2011

(Ensino Fundamental 6 ao 9 ano)

MOMENTO 3 (11/02/2011)

Objetivo: Preparação de atividades dialógicas

Dinâmica: Plenária –. Concepção de diálogo em Freire;

Grupos – Preparação de atividades dialógicas por área

Plenária – Socialização de atividades construídas pelos grupos

MATERIAL PARA ORIENTAR AS ATIVIDADES DA OFICINA

Análise de 2 programações (5ª série – ciências – Escola Pública de São Paulo)

1. Procure caracterizar as propostas pedagógicas a partir do quadro abaixo: Aspectos Proposta I Proposta II 2 A realidade local deve ilustrar

Objetivos o conteúdo de sua disciplina ou Qual a função social do conteúdo esse conteúdo deve servir para selecionado? desvelar a realidade? Quais as

implicações pedagógicas das Método didático - pedagógico

duas visões?

PROPOSTA PROGRAMÁTICA I

Mom Atividade Meta e contexto - Em função de um problema de falta de esgoto observado na região, o professor resolve abordar as conseqüências do problema para a qualidade de vida da comunidade; Objetivo: Ao final da programação o aluno deverá relacionar a qualidade de vida de uma população às condições de saneamento básico;

I - O professor apresenta o texto Saneamento Básico para os alunos e organiza a classe em grupos para realizarem as seguintes atividades: # leitura silenciosa do texto; # destacar as palavras de difícil compreensão pesquisando no dicionário o seu significado; II - O professor destaca as palavras no quadro, anota os significados corretos e explica os conceitos científicos mais importantes; Os alunos fazem o registro e perguntam as dúvidas;

III - O professor faz um resumo da aula no quadro destacando a importância do saneamento para a qualidade de vida;

IV - Os alunos fazem exercícios de fixação sobre os conceitos científicos abordados e ocorre a correção no quadro;

V - Avaliação Seqüência programática: Poluição do solo em nosso planeta: composição e formação do solo, importância ecológica e contaminação do solo, erosão e lixo; Os seres vivos: conhecer e preservar: perceber a interferência do meio ambiente no comportamento animal e vegetal; formar um pensamento conservacionista;

Texto : SANEAMENTO BÁSICO

Como vimos, as condições de salubridade em que se encontra uma população são primordiais para que se

estabeleça o equilíbrio do organismo. Desde as civilizações mais antigas (astecas, assírios, babilônios), bem como nos dias atuais, o homem vem tentando divulgar a importância das medidas sanitárias, uma vez que as mesmas constituem fator de aumento da vida média do cidadão. Ferver a água contaminada, expô-la ao sol, ou usar produtos químicos para o seu tratamento, constituem processos que apenas evoluíram com o tempo. Porém, a idéia é única: promover a saúde através da higiene e da segurança, o que implica no saneamento. O saneamento básico consiste fundamentalmente no tratamento das redes de água e construção de esgotos, destino adequado ao lixo e controle dos vetores biológicos. Tomando como base tais medidas podemos verificar as condições de higiene em que se encontram as casas, as escolas, as piscinas, as praias e os locais de trabalho.. Este controle, através da inspeção sanitária, visa diminuir a incidência de doenças e óbitos, principalmente em crianças menores de 4 anos de idade. Infelizmente, boa parte da população mundial, inclusive no Brasil, vive em condições precárias, sem água encanada nem rede de esgoto. Evidentemente tais condições prejudicam a qualidade de vida, influindo negativamente sobre a saúde física e mental das pessoas e facilitando a disseminação de doenças infecciosas. Dados fornecidos pela Organização Mundial de Saúde indicam a água como responsável por 1/3 dos doentes hospitalares, exigindo por parte dos órgãos públicos uma atenção especial. A matéria orgânica (fezes) pode infiltrar-se pelo subsolo contaminando a água do lençol freático, dos poços, podendo chegar às águas profundas que são canalizadas pelo serviço municipal de abastecimento de água. Essa infiltração justifica a necessidade de se reivindicar uma melhoria nas medidas saneadoras, uma vez que as obras de encanamento e tratamento da água que chega às residências e a construção de redes de esgoto são importantes no combate às doenças parasitárias, como por exemplo verminoses.

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PROPOSTA PROGRAMÁTICA II Atividade

Em função de um problema de falta de esgoto observado na região, o professor resolve abordar as conseqüências do problema para a qualidade de vida da comunidade; Questão programática: A partir da percepção de que a convivência com o esgoto tem implicações maiores para a qualidade de vida que a relacionada com qualidade do ar, como a comunidade pode buscar formas de superar o problema do esgoto a céu aberto?

I - Resgate do conhecimento prévio do aluno (trabalho em grupo). Fala freqüente na comunidade: “Um dos problemas que a gente enfrenta é o cheiro forte desse córrego no calor, mas fazer o quê? A Prefeitura não toma providência!” - # Você concorda com a fala do morador? Como você explica esse mau cheiro? # Para onde vai a água usada de sua casa? Desenhe seu trajeto. # Descreva características dessa água. Por que precisamos nos livrar da água usada? # A forma como a água usada é eliminada traz problema para a comunidade? Quais? Qual é a diferença entre córrego e esgoto? Síntese das respostas no quadro II - A partir das respostas e da visão dos alunos, o professor pergunta: # Como podemos saber se uma água é boa ou não para o uso humano? # Por que as pessoas dizem que a água de esgoto é suja e causa doenças? # Que doenças são essas e o que é uma doença? Leitura em duplas e discussão do texto Convivendo com o Esgoto (uso de dicionário)

III - # Retomar as questões iniciais e avaliar se há alteração nas respostas; # Propor aos alunos um levantamento da incidência das doenças na comunidade com os sintomas mencionados e suas possíveis causas. Síntese das respostas

IV - # Ciclos de transmissão de vários parasitas e medidas preventivas: a) Construir os ciclos das parasitoses. b) Relacionar os pontos mais adequados para interromper os ciclos dos parasitas, deduzindo, portanto, quais são as medidas profiláticas mais adequadas. c) Qual a importância da canalização do esgoto? V - # Que propostas poderíamos fazer para resolver o problema do esgoto em nossa comunidade? De quem depende a resolução do problema? Por quê? Síntese das respostas Seqüência programática: visita ao Posto de Saúde e análise dos dados coletados; como explicamos as doenças mais freqüentes do bairro? Além do esgoto, que outros fatores ambientais interferem na qualidade de vida da comunidade? Por quê? As doenças afetam todos os moradores do bairro da mesma forma? Em que condições o organismo está mais suscetível às doenças?

Texto: CONVIVENDO COM O ESGOTO

Muitas pessoas vêm para as cidades em busca de trabalho. Ao chegar em centros urbanos, por receberem

baixos salários, são obrigadas a viver em locais que não atendem às condições adequadas para uma vida saudável.

Um dos problemas geralmente enfrentados pelas pessoas é não saber como se livrar da água que foi utilizada no

banho, na lavagem de roupa e para eliminar fezes e urina. Então , muitas vezes, lançam a água usada em riachos,

córregos, valas os escavações do terreno. São os chamados esgotos a céu aberto. Mas por que precisamos eliminar essa água? O que significa dizer que essa água é suja? As pessoas

possuem uma noção de “sujeira” associada a características estéticas (aparência) e não sanitárias (benefícios e

prejuízos à saúde). Percebe-se que o conceito de sujeira se apóia em valores percebidos pelos sentidos, ou seja, há

rejeição à água suja (turva), barrenta ou de odor desagradável por serem consideradas nocivas à saúde. Que

características apresenta a água que chega à sua casa? As sociedades primitivas não associavam a presença de fezes

à transmissão de doenças pelos rios, mas sim a cor turva e o mau cheiro a epidemias. Que diferenças você observa

entre a visão das comunidades primitivas e a visão atual? Atualmente, essa relação deixa de existir, na medida em que são criados os sistemas de afastamento de

dejetos por esgotos sanitários, embora a contaminação dos rios e barragens continue existindo em períodos de chuva.

Isso implica numa alteração básica do conceito de contaminação: águas com características estéticas desagradáveis

podem ser sanitárias, próprias para o consumo, e, por outro lado, águas de boa aparência podem conter grande

quantidade de microorganismos causadores de doenças. E o que é uma doença? Normalmente, chamamos de doença qualquer estado de mau funcionamento do nosso

organismo. Esse mau funcionamento pode ser devido a problemas desde o nascimento (doença congênita e

hereditária), devido a ausência de alimentos adequados (doença de carência), causadas por fatores internos do

organismo (doenças degenerativas) ou causadas por fatores externos como calor, substâncias tóxicas ou outros

organismos (doenças parasitárias). O contato com água de esgoto facilita o surgimento de doenças parasitárias. Microorganismos invisíveis

presentes nas fezes de um indivíduo da população podem contaminar a água do esgoto. Outro indivíduo sadio, ao

entrar em contato com essa água, adquire a doença. Você conhece alguém que tenha ficado doente por entrar em

contato com água de esgoto? Na sua família é comum as pessoas terem diarréias (e/ou disenterias), vômitos e dores

de barriga? Você acha que essas "doenças" poderiam ser causadas pelo esgoto? Por quê? Analisando uma doença: Diarréia e Disenteria: Quando uma pessoa elimina fezes aquosas (líquidas) ela tem

diarréia. Quando junto com as fezes aparecem muco e sangue, ela tem disenteria. A diarréia pode ser leve ou grave.

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Pode ser aguda (súbita e grave) ou crônica (quando dura muitos dias). A diarréia é mais comum e mais perigosa na

criança pequena, principalmente se estiver desnutrida. Causas mais importantes da diarréia: - Desnutrição. Enfraquece a criança e faz com que a diarréia fique mais freqüente

e mais grave; - Infecção por vírus ou "gripe intestinal" (diarréia leve); Infecção intestinal causada por bactérias, amebas

ou giárdias e vermes; Outras infecções (otite, amigdalite, sarampo, infecção urinária); - Alergia a certos alimentos

(peixe, camarão e outros); - Efeito produzido por certos medicamentos, purgantes e alguns venenos. Um exemplo: a ameba. - As fezes da pessoa infectada com amebas contêm milhões destes pequeninos parasitas. Pela

falta de higiene, as amebas dessas fezes entram na fonte de água de beber ou nos alimentos e outra pessoa se

contamina. Quando são ingeridas por uma pessoa através de alimentos contaminados (água, verduras, frutas, etc.),

ocorre a reprodução e várias amebas são eliminados com as fezes do indivíduo.

Homem contaminado

Ciclo de transmissão da ameba água, verduras e frutas fezes com amebas

Sinais de infecção: Muitas pessoas sadias têm amebas sem ficarem doentes. Entretanto, as amebas são uma causa

comum de diarréia forte ou disenteria (diarréia com sangue), principalmente em pessoas enfraquecidas por outra

doença ou mal alimentadas. Em casos raros, as amebas causam abscesso no fígado. Tratamento: Se você desconfia ter amebíase, faça exame de fezes. Para disenteria grave ou abscesso amebiano

procure ajuda médica. Prevenção: Construa e use privadas, proteja a fonte de água potável. Roteiro para discussão com a classe: - Que outras doenças têm a mesma forma de transmissão? Por quê? Quais são

freqüentes no bairro? - A malária é uma doença causada por um microorganismo (plasmódio) e é transmitida pela

picada de um mosquito (anófeles) causando febre e anemia. O nome malária se origina do italiano malaria que significa “mau ar” devido ao fato de a doença ter sido inicialmente relacionada à qualidade do ar em certas regiões da África. Você considera que seu bairro está sujeito a uma epidemia de malária? Por quê? E de dengue? Por quê?

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ATIVIDADE DE HISTÓRIA Objetivo: Que mudanças sociais e benefícios (e para quem?), a construção da estrada trouxe para a

região? Por Quê? Atividade 1 ER --Falas: “A escola trouxe cimento e OC -- Fontes e Registros AC: - - De que comunidade

iluminação.” - “A escola é boa porque evita históricos (formais e informais): é mais fácil obter acidentes na BR.” - Como era a região da Pesquisas nos registros formais informações históricas: Lambicada antes da construção da BR? da Verolme e com Lambicada ou Verolme? Como você obteve (ou pode obter) essas moradores/trabalhadores Como você explica essa

informações? (Pesquisa)- Síntese das antigos da região; diferença nos Registros?

respostas.

Atividade 2 ER - 1. Que modificações a construção da BR trouxe para a região em relação a: a) Áreas povoadas; b) Comércio; c) Transporte; d) Educação; e) Lazer; f) Trabalho; .g) Vegetação; 2. Que comunidade foi mais beneficiada com a construção da BR: Lambicada ou Verolme? Por quê? Síntese das respostas.

OC - Texto 1: Revolução Texto 2: O Milagre Econômico (História do Brasil, N. Piletti. Ed. Ática, 1991.)

Industrial(trechos) “...O êxodo De 1968 a 1973, período áureo do “milagre”, a economia brasileira teve um crescimento

rural aumentou médio anual de cerca de 11%. O “milagre” resultou de fatores: .contenção de salários, permitindo consideravelmente...;” maior poupança aos capitalistas para investir; .situação internacional vantajosa: preços altos na “...As cidades, venda dos nossos produtos e preços baixos na compra de alguns produtos estrangeiros, como o despreparadas, incharam, petróleo; .grandes investimentos estatais; .taxas de juros internacionais baixas; .grande gerando periferias desorganizadas endividamento externo, tanto por parte do governo quanto de empresas particulares; .participação com as mais variadas carências: das multinacionais. . . .No Brasil a crise mostrou-se duplamente grave porque: .o “milagre” - saneamento, habitação, saúde, construído com base em financiamentos externos, que acarretaram imensa dívida - não educação, ...;” desenvolveu o mercado interno; concentrou-se na construção de grandes obras, em boa parte “...Para sobreviver, a desnecessárias (usinas nucleares, por exemplo) e na produção de bens duráveis população dessas periferias foi (eletrodomésticos, aparelhos eletrônicos, automóveis), inacessíveis à grande maioria da população; obrigada: a explorar o tra-balho do .com a crise mundial, os juros subiram muito e o Brasil passou a receber por suas exportações menor e da mulher; aumentar a menos do que pagava pelos juros de seus empréstimos. jornada de trabalho; residir em De 1970 a 1980 houve uma crescente concentração da renda no Brasil: os ricos ficaram moradias sem as mínimas ainda mais ricos e os pobres ainda mais pobres. Os 5% mais ricos aumentaram sua participação de condições de infra-estrutura; ...” 30,3% para 34,7% na renda urbana e de 23,7% para 44,2% na renda rural. Enquanto isso, os 50% “...Portanto, para a maioria da mais pobres diminuiram sua participação de 16% para 13,1% na renda urbana e de 22,4% para população, apesar dos avanços 14,9% na renda rural. tecnológicos e benefícios Para justificar tal concentração - que impediu a maioria da populaçào brasileira de tirar proporcionados pela Revolução proveito do “milagre” - o governo afirmava que era preciso “fazer o bolo crescer para depois Industrial, houve apenas uma distribuí-lo”. Mas a distribuiçào nunca se fez. Com a crise, a situação do povo tornou-se dramática, mudança de camponês para principalmente a partir de 1980: a produção diminuiu, o desemprego chegou a taxas nunca antes operário, permanecendo a alcançadas, os salários reais baixaram, redução drástica do consumo e a fome atingiu proporções situação de exploração do alarmantes. Em 1984, dois em cada três brasileiros passavam fome e cerca de 1000 crianças de trabalho.” até um ano morriam de fome diariamente. AC - As melhorias na qualidade de vida propiciadas pela construção da BR favoreceram Lambicada ou Verolme? Por quê?

Atividade 3 ER - “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, ...” “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, ...” “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: seguro-desemprego, fundo de garantia, salário mínimo, piso salarial, décimo terceiro salário, participação nos lucros das empresas, remuneração do trabalho noturno, jornada de trabalho de seis horas, repouso semanal remunerado, férias anuais remuneradas, proteção ao mercado de trabalho da mulher, ...” Questões: 1.De que texto foram retirados os trechos acima? 2.Os direitos mencionados são respeitados na Lambicada? Por

quê? Síntese das respostas

OC - Texto 1: A “polis” ateniense “...As Texto 2: Revolução Francesa “...Os Texto 3: Reforma Constitucional “...Para

decisões eram tomadas por todos os cidadãos ideais da

Revolução atender os interesses do empresariado atenienses em assembléia (eclesia) na praça consubstanciados na expressão que nacional, o projeto neo-liberal de reforma da pública (ágora). Essas decisões é que se tornou célebre: Liberdade,

Constituição investe na retirada de direitos organizavam as relações de todos os habitantes Igualdade e Fraternidade,

de Atenas. Na verdade, não se pode esquecer representam, na verdade, apenas o já garantidos, tais como: licença

paternidade, diminuição da licença gestante, que cidadãos atenienses representavam apenas deslocamento do eixo de dominação:

aposentadoria por tempo e ou idade, 10% dos seus habitantes, os eu-pátridas (bem da Nobreza para a Burguesia. A

nascidos): descendentes dos antigos aqueus e grande maioria do povo - responsável aposentadorias especiais, etc. ...Na

verdade, com essas mudanças, alguns jônios. Os demais - a quase totalidade - não eram pela Revolução - continuou

poucos continuarão mais cidadãos,

contemplados naquelas decisões, pois , não explorada, não usufruindo daqueles

sendo cidadãos não participavam da ideais: houve apenas uma troca de enquanto a maioria, cidadãos de segunda assembléia.” donos.” classe (!).”

O QUE HÁ DE COMUM NOS TRÊS MOMENTOS HISTÓRICOS RELATADOS?

AC - Questões: 1.Todos os segmentos sociais usufruem da cidadania proposta na 2.Como respeitar as diferenças Constituição? O que podemos fazer para que isso efetivamente culturais no exercícioda

aconteça? cidadania?

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ALGUMAS OBSERVAÇÕES SOBRE A CONSTRUÇÃO CURRICULAR A PARTIR DA PESQUISA

Preparação de programações e de atividades para sala de aula: Tomar efetivamente a fala como objeto de estudo:

Qual é o fato que está sendo problematizado pela comunidade?

Quais são os argumentos e explicações para o problema?

Por que não concordo com a visão do entrevistado?

Que conhecimentos detenho e que relações estabeleço que me permitem uma visão diferenciada do problema?

Como entendo ser possível modificar a situação mencionada?

Sempre iniciar esse processo analítico a partir do fenômeno concreto evitando generalizações prematuras e respostas prontas e amplas.

Fala significativa: fala emblemática que explicita e explica uma situação problemática permeada de contradições.

Problema: Qual é a questão

explicitada? Quem são os sujeitos

(agentes)? Por que acontece?

OBJETO DE ESTUDO DA ATIVIDADE

inte

ncio

nalid

ade

Se há contradições é porque discordo parcial ou totalmente da visão de mundo explicitada, então, qual é a minha visão? Em que ela é diferente/ por que penso assim?

SELEÇÃO DE CONHECIMENTOS, INFORMAÇÕES, DADOS, RELAÇÕES QUE ESTABELEÇO E DETENHO QUE A COMUNIDADE NÃO POSSUI.

ORGANIZAÇÃO DA PRÁXIS PEDAGÓGICA Falas Problematização inicial Seleção de tópicos para a reconstrução a Intervenção no real (ações)

/ apreensão / partir de recortes pertinentes do e extrapolações (AC) – decomposição das conhecimento sistematizado (OC) - plano de ação falas (ER) aprofundamento teórico

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ROTEIRO PARA PREPARAÇÃO DE ATIVIDADES PARA A SALA DE AULA (Modificado a partir de Dilizoicov,1991 e Pernambuco, 1994)

OBJETIVOS DA ATIVIDADE: Sempre relacionada a um processo de codificação-descodificação de uma situação da realidade, buscando desafiar os limites explicativos para uma superação na compreensão. Procura-se contemplar esse processo elaborando uma questão (Questão geradora da aula), cuja resposta a atividade buscará responder. Para tanto, devemos considerar na elaboração da atividade:

- Contexto de realidade: Que visão de mundo percebida pretende-se mudar ou romper? Que nova concepção necessita ser apreendida? Que desdobramentos e ações concretas na realidade local esta concepção pode desencadear? Que trama de relações sociais vividas lhe dão suporte? (Questão geradora geral)

- Estrutura do pensamento: a faixa etária e o desenvolvimento do pensamento, associados ao contexto social, cultural e à linguagem dos alunos, devem estar sendo considerados em um processo construtivista de aprendizagem;

- Recorte ou seleção de tópicos do conhecimento universal sistematizado: Que conhecimentos, tanto em termos de instrumentos analíticos (conceitos das Áreas) quanto em relação às informações que as diferentes Áreas podem fornecer, suscitariam uma releitura dos objetos de estudo? (Questão geradora da Área)

- Contexto programático: Em que momento da programação me encontro? Como ele se relaciona com as atividades anteriores? Por que surgiu a necessidade de se abordar determinados tópicos?

ESTUDO DA REALIDADE (ER): I. Situações codificadas: Escolha de falas do dossiê, fotografias e/ou filmagens da região que contenham de forma implícita contradições da problemática local. A perspectiva é a de estar resgatando da vivência dos alunos situações que são significativas para a comunidade e que se apresentam como limites explicativos na compreensão de sua realidade II. Dinâmica: São apresentadas essas questões e/ou situações para discussão com os alunos. Sua função, mais do que simples motivação para se introduzir um conteúdo específico, é fazer a ligação desse conteúdo com situações reais que os alunos conhecem e presenciam, para as quais, provavelmente, não dispõem de conhecimentos sistematizados suficientes para interpretar total ou corretamente. A problematização poderá ocorrer pelo menos em dois sentidos. De um lado, pode ser que o aluno já tenha noção ou noções sobre as questões colocadas, fruto de sua aprendizagem anterior, na escola ou fora dela. Suas noções poderão ou não estar de acordo com as teorias e as explicações das Ciências, o que tem sido chamado de "concepções alternativas" ou "conceitos intuitivos" dos alunos. A discussão problematizadora pode permitir que essas concepções surjam. De outro lado, a problematização poderá permitir que o aluno sinta necessidade de adquirir outros conhecimentos que ainda não detêm; ou seja, coloca-se para ele um problema a ser resolvido. Eis por que as questões e situações devem ser problematizadas. Neste primeiro momento, caracterizado pela compreensão e apreensão da posição dos alunos frente ao assunto, é desejável que a postura do professor seja mais a de questionar, lançar dúvidas, do que a de responder ou fornecer explicações. Quando se considera a programação, é este o momento em que se explora a experiência vivencial do aluno, ajudando-o a olhá-la de forma distanciada. Envolve, necessariamente, descrição das situações de vida, de modo quantitativo e qualitativo, buscando as relações que podem ser estabelecidas nesse primeiro momento, sistematizando e ampliando coletivamente as interpretações que os alunos já têm

ORGANIZAÇÃO DO CONHECIMENTO (OC): Neste momento, o conhecimento necessário para a compreensão da problematização inicial será sistematicamente estudado sob orientação do professor. Serão desenvolvidas definições, conceitos, relações. O conhecimento é programado e preparado em termos instrucionais para que o aluno apreenda de forma a, por um lado, perceber a existência de outras visões e explicações para as situações e fenômenos problematizados e, por outro, comparar este conhecimento com o seu, podendo escolher o que usar para melhor interpretar aqueles fenômenos e situações.

APLICAÇÃO DO CONHECIMENTO (AC): Aborda sistematicamente o conhecimento que vem sendo incorporado pelo aluno para analisar e interpretar tanto as situações iniciais que determinaram o seu estudo quanto outras situações que não estejam diretamente ligadas ao motivo inicial mas que são explicadas pelo mesmo conhecimento. Deste modo pretende-se que, de forma dinâmica e paulatina, se vá percebendo que o conhecimento, além de ser historicamente produzido, está disponível para que qualquer cidadão faça uso dele - e para isso dever ser apreendido. Pode-se então evitar a excessiva dicotomização entre processo e produto, ciência de "quadro negro" e ciência da "vida". Caracteriza-se pela generalização e transferência do conteúdo adquirido na Organização do Conhecimento, por uma releitura da problematização feita no Estudo da Realidade, tendo sempre em vista as possibilidades de ação sobre o real.

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PREPARAÇÃO DE ATIVIDADES E PLANEJAMENTO GERAL

ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL:_____________________________________________________

Falas:

Tema gerador: Contra-tema:

PLANEJAMENTO DAS ATIVIDADES A PARTIR DA REALIDADE LOCAL

Falas DIMENSÕES PRESENTES NAS FALAS RECORTES DO CONHECIMENTO SISTEMATIZADO significativa

Local? Micro/ Macro? Local 2? (DETALHAMENTOS DOS CONTEÚDOS)

ORGANIZAÇÃO METODOLÓGICA DE ATIVIDADES Objetivos da atividade (intencionalidade):

PROBLEMATIZAÇÃO INICIAL OU ESTUDO DA REALIDADE (ER): I. Situações codificadas (fala):

II. Dinâmica:

ORGANIZAÇÃO DO CONHECIMENTO (OC):

APLICAÇÃO DO CONHECIMENTO (AC):

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156

ORGANIZAÇÃO METODOLÓGICA DA PROGRAMAÇÃO

ÁREAS PROGRAMAÇÃO/ATIVIDADES (ORG. METODOLÓGICA)

I ESTUDO DA REALIDADE

MOM. PED. ER OC AC

TODAS

II ORGANIZAÇÃO DO CONHECIMENTO INTENCIONALIDADE DA ÁREA: CONTEÚDOS: HIST.

INTENCIONALIDADE DA ÁREA: CONTEÚDOS: GEOGR.

INTENCIONALIDADE DA ÁREA: CONTEÚDOS: PORT.

INTENCIONALIDADE DA ÁREA: CONTEÚDOS: MAT.

INTENCIONALIDADE DA ÁREA: CONTEÚDOS: CIÊN.

INTENCIONALIDADE DA ÁREA: CONTEÚDOS: EDA

INTENCIONALIDADE DA ÁREA: CONTEÚDOS: ED FÍS

INTENCIONALIDADE DA ÁREA: CONTEÚDOS: INGL.

III APLICAÇÃO DO CONHECIMENTO TODAS

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SUBSÍDIOS PARA APROFUNDAMENTO TEÓRICO DAS TEMÁTICAS PEDAGÓGICAS

EXTENSÃO OU COMUNICAÇÃO? Freire, Paulo. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1992 (1977).

O EQUIVOCO GNOSIOLÓGICO DA EXTENSÃO (excertos a partir da página 24)

Parece-nos obvio, (mas ainda assim discutamo-lo), que ao estabelecer suas relações permanentes com os

camponeses, o objetivo fundamental do extensionista, no trabalho de extensão, e tentar fazer com que aqueles

substituam seus "conhecimentos", associados a sua ação sobre a realidade, por outros. E estes são os

conhecimentos do extensionista. (...) a expressão "extensão educativa" só tem sentido se se toma a educação como

pratica da "domesticação". Educar e educar-se, na pratica da liberdade, não estender algo desde a "sede do saber", ate

a "sede da ignorância" para "salvar", com este saber, os que habitam nesta. Ao contrario, educar e educar-se, na pratica da liberdade, e tarefa daqueles que sabem que pouco sabem - por

isto sabem que sabem algo e podem assim chegar a saber mais - em dialogo com aqueles que, quase sempre, pensam

que nada sabem, para que estes, transformando seu pensar que nada sabem em saber que pouco sabem, possam

igualmente saber mais. (...) Na medida em que, no termo extensão, esta implícita a ação de levar, de transferir, de entregar, de

depositar algo em alguém, ressalta, nele, uma conotação indiscutivelmente mecanicista. Mas, como este algo que esta

sendo levado, transmitido, transferido (para ser, em ultima instancia, depositado em alguém - que são os camponeses)

e um conjunto de procedimentos técnicos, que implicam em conhecimento, que são conhecimento, se impõem as

perguntas: será o ato de conhecer aquele através do qual um sujeito, transformado em objeto, recebe pacientemente

um conteúdo de outro? Pode este conteúdo, que é conhecimento de, ser "tratado" como se fosse algo estático? Estará

ou não submetendo o conhecimento a condicionamentos histórico - sociológicos? Se a pura tomada de consciência

das coisas não constitui ainda um "saber cabal", já que pertence à esfera da mera opinião (doxa), como enfrentar a

superação desta esfera por aquela em que as coisas são desveladas e se atinge a razão das mesmas? O primeiro equívoco gnosiológico da extensão está em que, se ha algo dinâmico na pratica sugerida por tal

conceito, este algo se reduz à pura ação de estender (o estender em si mesmo) em que, porém, o conteúdo estendido

se torna estático. Desta forma, o sujeito que estende é, enquanto ator, ativo, em face de "espectadores" em quem

deposita o conteúdo que estende. Talvez se diga que o trabalho do agrônomo educador, chamado extensionista, com o

trabalho do agrônomo em qualquer outro campo, escapa ao tipo de considerações e analises que estamos fazendo

neste estudo. Esta seria uma afirmação que só se explicaria de um ponto de vista estreito, ingênuo, acrítico. (...) A reflexão filosófica se impõe neste como em outros casos. Não e possível eludi-la, já que o que a

Extensão pretende, basicamente, e substituir uma forma de conhecimento por outra. E basta que estejam em jogo

formas de conhecimento para que não se possa deixar de lado uma reflexão filosófica. O fundamental, porém, e que

esta reflexão, de caráter teórico, não se degenere nos verbalismos vazios nem por outro lado, na mera explicação da

realidade que devesse permanecer intocada. Em outras palavras, reflexão em que a explicação do mundo devesse

significar a sua aceitação, transformando-se, desta forma, o conhecimento do mundo em instrumento para a

adaptação do homem a ele. Uma tal reflexão, que reconhecemos ser, neste ensaio apenas sugerida, desde que realmente critica, nos

possibilita a compreensão, em termos dialéticos, das diferentes formas como o homem conhece, nas suas relações com

o mundo. Dai que se torne indispensável a superação da compreensão ingênua do conhecimento humano, na qual

muitas vezes nos conservamos. Ingenuidade que se reflete nas situações educativas em que o conhecimento do

mundo e tomado como algo que deve ser transferido e depositado nos educandos. Este e um modo estático,

verbalizado, de entender o conhecimento, que desconhece a confrontação com o mundo como a fonte verdadeira do

conhecimento, nas suas fases e nos seus níveis diferentes, não só entre os homens, mas também entre os seres vivos

em geral. Conhecer, na dimensão humana, que aqui nos interessa, qualquer que seja o nível em que se de, não é o ato

através do qual um sujeito, transformado em objeto, recebe, dócil e passivamente, os conteúdos que outro lhe da ou

impõe. O conhecimento, pelo contrario, exige uma presença curiosa do sujeito em face do mundo. Requer sua ação

transformadora sobre a realidade. Demanda uma busca constante. Implica em invenção e em reinvenção. Reclama a

reflexão critica de cada um sobre o ato mesmo de conhecer, pelo qual se reconhece conhecendo e, ao reconhecer-se

assim, percebe o "como" de seu conhecer e os condicionamentos a que está submetido seu ato. Conhecer é tarefa de sujeitos, não de objetos. E é como sujeito e somente enquanto sujeito, que o homem

pode realmente conhecer. Por isto mesmo é que, no processo de aprendizagem, só aprende verdadeiramente aquele que se apropria do

aprendido, transformando-o em apreendido, com o que pode, por isto mesmo, reinventá-lo; aquele que e capaz de

aplicar o aprendido-apreendido a situações existenciais concretas. (...) Para isto, e necessário que, na situação educativa, educador e educando assumam o papel de sujeitos

cognoscentes, mediatizados pelo objeto cognoscível que buscam conhecer. A nada disto nos leva a pensar o conceito

de extensão.

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Esta e a razão pela qual, se alguém, juntamente com outros, busca realmente conhecer, o que significa sua

inserção nesta dialogicidade dos sujeitos em torno do objeto cognoscível, não faz extensão, enquanto que, se faz

extensão, não proporciona, na verdade, as condições para o conhecimento, uma vez que sua ação não e outra senão

a de estender um "conhecimento" elaborado aos que ainda não o tem, matando, deste modo, nestes, a capacidade

critica para tê-lo. No processo de extensão, observado do ponto de vista gnosiológico, o máximo que se pode fazer e mostrar,

sem revelar ou desvelar, aos indivíduos, uma presença nova: a presença dos conteúdos estendidos. A captação destes, como mera presença, por si mesma, não possibilita, àqueles que os captam, que deles

tenham um verdadeiro conhecimento. E que, a mera captação dos objetos como das coisas, e um puro dar-se conta

deles e não ainda conhecê-los. Por outro lado, o homem, que não pode ser compreendido fora de suas relações com o mundo, de vez que e

um "ser-em-situação", é também um ser do trabalho e da transformação do mundo. O homem e um ser da "práxis"; da

ação e da reflexão. Nestas relações com o mundo, através de sua ação sobre ele, o homem se encontra marcado pelos resultados

de sua própria ação. Atuando, transforma; transformando, cria uma realidade que, por sua vez, "envolvendo-o", condiciona sua

forma de atuar. Não há, por isto mesmo, possibilidade de dicotomizar o homem do mundo, pois que não existe um sem o outro.

Através destas relações, em que transforma e capta a presença das coisas (o que não é ainda conhecimento

verdadeiro), e que se constitui o domínio da mera opinião ou da "doxa". Este é o campo em que os fatos, os fenômenos naturais, as coisas, são presenças captadas pelos homens,

mas não desveladas nas suas autênticas inter-relações. (...) Esta é a razão pela qual ao perceber um fato concreto da realidade sem que o "ad-mire", em termos

críticos, para poder "mirá-lo" de dentro, perplexo frente a aparência do mistério, inseguro de si, o homem se torna

mágico. Impossibilitado de captar o desafio em suas relações autênticas com outros fatos, atônito ante o desafio, sua

tendência, compreensível, é buscar, além das relações verdadeiras, a razão explicativa para o dado percebido. Isto se

dá, não apenas com relação ao mundo natural, mas também quanto ao mundo histórico-social. (...) Expliquemo-nos: a posição normal do homem no mundo, como um ser da ação e da reflexão, e a de "ad-

mirador" do mundo. Como um ser da atividade que é capaz de refletir sobre si e sobre a própria atividade que dele se

desliga, o homem é capaz de "afastar-se" do mundo para ficar nele e com ele. Somente o homem é capaz de realizar

esta operação, de que resulta sua inserção crítica na realidade. "Ad-mirar" a realidade significa objetivá-la, apreendê-la

como campo de sua ação a reflexão. Significa penetrá-la, cada vez mais lucidamente, para descobrir as inter-relações

verdadeiras dos fatos percebidos. (...) O que não se pode negar é que, seja no domínio da pura "doxa", seja no domínio do pensar mágico,

estamos em face de formas ingênuas de captação da realidade objetiva; estamos em face de formas desarmadas de

conhecimento pré-científico. (...) O que não se pode negar é que, ao manter-se o nível de percepção do mundo,

condicionado pela própria estrutura social em que se encontram os homens, estes objetos ou esta técnica, ou estas

formas de proceder, como manifestações culturais estranhas à cultura em que se introduzem, poderão também ser

percebidos magicamente. Dai a distorção que podem sofrer no novo contexto ao qual foram estendidos. (...) No fundo, a substituição de procedimentos mágicos por técnicas "elaboradas", envolve o cultural, os níveis

de percepção que se constituem na estrutura social; envolve problemas de linguagem que não podem ser dissociados

do pensamento, como ambos, linguagem e pensamento, não podem sê-lo da estrutura. Qualquer que seja o momento

histórico em que esteja uma estrutura social (esteja transformando-se aceleradamente ou não), o trabalho básico do

agrônomo educador (no primeiro caso mais facilmente) e tentar, simultaneamente com a capacitação técnica, a

superação da percepção mágica da realidade, como a superação da "doxa", pelo "logos" da realidade. É tentar superar

o conhecimento preponderantemente sensível por um conhecimento, que, partindo do sensível, alcança a razão da

realidade. Quanto mais alguém, por meio da ação e da reflexão, se aproxima da "razão", do "logos" da realidade, objetiva

e desafiadora, tanto mais, introduzindo-se nela, alcançar o seu desvelamento. Desta forma, a substituição do procedimento empírico dos camponeses por nossas técnicas "elaboradas" é um

problema antropológico, epistemológico e também estrutural. Não pode, por isso mesmo, ser resolvido através do

equivoco gnosiológico a que conduz o conceito de "extensão". Estamos convencidos de que; qualquer esforço de educação popular, esteja ou não associado a uma

capacitação profissional, seja no campo agrícola ou no industrial urbano, deve ter, pelas razões até agora analisadas,

um objetivo fundamental: através da problematização do homem-mundo ou do homem em suas relações com o mundo

e com os homens, possibilitar que estes aprofundem sua tomada de consciência da realidade na qual e com a qual

estão. Este aprofundamento da tomada de consciência, que precisa desdobrar-se na ação transformadora.da

realidade, provoca, com esta ação, a superação do conhecimento preponderantemente sensível daquela com que se

alcança a razão da mesma. É uma apropriação que faz o homem da posição que ocupa no seu aqui e no seu agora, do

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que resulta (e ao mesmo tempo produz) o descobrir-se em uma totalidade, em uma estrutura, e não "preso", ou

"aderido" a ela ou às partes que a constituem. Ao não perceber a realidade como totalidade, na qual se encontram as

partes em processo de interação, se perde o homem na visão "focalista" da mesma. A percepção parcializada da

realidade rouba ao homem a possibilidade de uma ação autentica sobre ela.

EXTENSÃO E INVASÃO CULTURAL (excertos a partir da página 39)

A análise que nos propomos fazer neste capítulo de nosso estudo exige, necessariamente, algumas

considerações prévias. Considerações que girarão em torno de um tema cuja extensão reconhecemos e que será

apresentado aqui em forma sumária, o suficiente apenas para iluminar as afirmações básicas que iremos fazer. São

considerações a propósito da antidialogicidade como fonte de uma teoria da ação que se opõe antagonicamente à

teoria da ação que tem como matriz a dialogicidade. Comecemos por afirmar que somente o homem, como um ser que trabalha, que tem um pensamento-

linguagem, que atua e é capaz de refletir sobre si mesmo e sobre a sua própria atividade, que dele se separa, somente

ele, ao alcançar tais níveis, se fez um ser da práxis. Somente ele vem sendo um ser de relações num mundo de

relações. Sua presença num tal mundo, presença que é um estar com, compreende um permanente defrontar-se com

ele. (...) Esta ação sobre o mundo, que, sendo mundo do homem, não é apenas natureza, porque é cultura e

história, se acha submetida aos condicionamentos de seus próprios resultados. (...) Qualquer que seja, contudo, o nível em que se dá a ação do homem sobre o mundo, esta ação subentende

uma teoria. Tal é o que ocorre também com as formas mágicas da ação. Sendo assim, impõe-se que tenhamos uma

clara e lúcida compreensão de nossa ação, que envolve uma teoria, quer o saibamos ou não. Impõe-se que, em lugar

da simples "doxa" em torno da ação que desenvolvemos, alcancemos o "logos" de nossa ação. Isso é tarefa específica

da reflexão filosófica. Cabe a esta reflexão incidir sobre a ação e desvelá-la em seus objetivos, em seus meios, em sua

eficiência. Ao fazê-lo, o que antes talvez não se apresentasse a nós como teoria de nossa ação, se nos revela como tal.

E, se a teoria e a prática são algo indicotomizável, a reflexão sobre a ação ressalta a teoria, sem a qual a ação (ou a

prática) não é verdadeira. A prática, por sua vez, ganha uma significação nova ao ser iluminada por uma teoria da qual o sujeito que atua

se apropria lucidamente. (...) Entre as várias características da teoria antidialógica da ação, nos deteremos em uma: a invasão cultural.

Toda invasão sugere, obviamente, um sujeito que invade. Seu espaço histórico-cultural, que lhe dá sua visão de mundo, é o espaço de onde ele parte para penetrar outro espaço histórico-cultural, superpondo aos indivíduos deste

seu sistema de valores. O invasor reduz os homens do espaço invadido a meros objetivos de sua ação. (...) Na verdade, manipulação e conquista, expressões da invasão cultural e, ao mesmo tempo, instrumentos

para mantê-la, não são caminhos de libertação. São caminhos de "domesticação". O humanismo verdadeiro não pode aceitá-las em nome de coisa alguma, na medida em que ele se encontra a

serviço do homem concreto. Daí que, para este humanismo, não haja outro caminho senão a dialogicidade. Para ser

autêntico só pode ser dialógico. E ser dialógico, para o humanismo verdadeiro, não é dizer-se descomprometidamente dialógico; é vivenciar o

diálogo. Ser dialógico é não invadir, é não manipular, é não sloganizar. Ser dialógico é empenhar-se na transformação

constante da realidade. Esta é a razão pela qual, sendo o diálogo o conteúdo da forma de ser própria à existência

humana, está excluído de toda relação na qual alguns homens sejam transformados em "seres para outro" por homens

que são falsos "seres para si". É que o diálogo não pode travar-se numa relação antagônica. O diálogo é o encontro amoroso dos homens que, mediatizados pelo mundo, o "pronunciam", isto é, o

transformam, e, transformando-o, o humanizam para a humanização de todos. (...) Na verdade, porém, bastaria que reconhecêssemos o homem como um ser de permanentes relações com

o mundo, que ele transforma através de seu trabalho, para que o percebêssemos como um ser que conhece, ainda que

este conhecimento se dê em níveis diferentes: da "doxa", da magia e do "logos", que é o verdadeiro saber. Apesar de

tudo isto, porém, e talvez por isto mesmo, não há absolutização da ignorância nem absolutização do saber. Ninguém

sabe tudo, assim como ninguém ignora tudo. O saber começa com a consciência do saber pouco (enquanto alguém

atua). É sabendo que sabe pouco que uma pessoa se prepara para saber mais. Se tivéssemos um saber absoluto, já

não poderíamos continuar sabendo, pois que este seria um saber que não estaria sendo. Quem tudo soubesse já não

poderia saber, pois não indagaria. O homem, como um ser histórico, inserido num permanente movimento de procura,

faz e refaz constantemente o seu saber. E é por isto que todo saber novo se gera num saber que passou a ser velho, o

qual, anteriormente, gerando-se num outro saber que também se tornara velho, se havia instalado como saber novo. Há, portanto, uma sucessão constante do saber, de tal forma que todo novo saber, ao instalar-se, aponta para

o que virá substituí-lo. (...) O que se pretende com o diálogo, em qualquer hipótese (seja em torno de um conhecimento científico e

técnico, seja de um conhecimento "experiencial"), é a problematização do próprio conhecimento em sua indiscutível

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reação com a realidade concreta na qual se gera e sobre a qual incide, para melhor compreendê-la, explicá-la,

transformá-la. Do mesmo modo, concomitantemente com a demonstração experimental, no laboratório, da composição

química da água, é necessário que o educando perceba, em termos críticos o sentido do saber como uma busca

permanente. É preciso que discuta o significado deste achado científico; a dimensão histórica do saber, sua inserção no

tempo, sua instrumentalidade. E tudo isto é tema de indagação, de diálogo. (...) Se a educação é dialógica, é óbvio que o papel do professor, em qualquer situação, é importante. Na

medida em que ele dialoga com os educandos, deve chamar a atenção destes para um ou outro ponto menos claro,

mais ingênuo, problematizando-os sempre. Por quê? Como? Será assim? Que relação vê você entre sua afirmação

feita agora e a de seu companheiro "A"? Haverá contradição entre elas? Por quê? (...) O diálogo problematizador não depende do conteúdo que vai ser problematizado.

Tudo pode ser problematizado. O papel do educador não é o de "encher" o educando de "conhecimento", de ordem técnica ou não, mas sim

o de proporcionar, através da relação dialógica educador-educando, educando-educador, a organização de um

pensamento correto em ambos. (...) Na verdade, nenhum pensador, como nenhum cientista, elaborou seu pensamento ou sistematizou seu

saber científico sem ter sido problematizado, desafiado. Embora isso não signifique que todo homem desafiado se torne

filósofo ou cientista, significa, sim, que o desafio é fundamental â constituição do saber. (...) O que defendemos é precisamente isto: se o conhecimento científico e a elaboração de um pensamento

rigoroso não podem prescindir de sua matriz problematizadora, a apreensão deste conhecimento científico e do rigor

deste pensamento filosófico não pode prescindir igualmente da problematização que deve ser feita em torno do próprio

saber que o educando deve incorporar. (...) A cultura só é enquanto está sendo. Só permanece porque muda. Ou, talvez dizendo melhor: a cultura só

"dura" no jogo contraditório da permanência e da mudança. (...) O diálogo e a problematização não adormecem a ninguém. Conscientizam: Na dialogicidade, na

problematização, educador-educando e educando-educador vão ambos desenvolvendo uma postura crítica da qual

resulta a percepção de que este conjunto de saber se encontra em interação. Saber que reflete o mundo e os homens,

no mundo e com ele, explicando o mundo, mas sobretudo, tendo de justificar-se na sua transformação. A problematização dialógica supera o velho magister dixit, em que pretendem esconder-se os que se julgam

"proprietários", "administradores" ou "portadores" do saber. Rejeitar, em qualquer nível, a problematização dialógica é insistir num injustificável pessimismo em relação aos

homens e à vida. É cair na prática depositante de um falso saber que, anestesiando o espírito crítico, serve à

"domesticação" dos homens e instrumentaliza a invasão cultural.

O SENTIDO DA PERTINÊNCIA

Torres, Rosa Maria. QUE (E COMO) É NECESSÁRIO APRENDER? Campinas, Papirus, 1995.

Exige-se dos conteúdos (maior) pertinência. Para alguns, a pertinência se refere ao mundo imediato e à

realidade concreta do educando (81) (82). Mas pode-se entender a pertinência a partir de uma perspectiva mais ampla,

que vai além da realidade e dos interesses imediatos, das necessidades sentidas, da demanda expressa. De fato, “a

realidade” ou “o mundo” do sujeito não se refere unicamente a seu contexto imediato, ao concreto, o funcional, o

próximo, mas “está atravessado por toda a gama do abstrato e do concreto, do imediato e do longínquo” (26) . Alem

disso, o sentido de pertinência aplica-se não somente às necessidades individuais, mas também às necessidades

sistêmicas, as quais são colocadas desde fora do sujeito e sua realidade imediata. Supõe-se, dessa forma, que a

educação não se deve limitar a responder a necessidades e interesses, mas contribuir para abrir o caminho para novas

necessidades e interesses. Um objetivo fundamental do aprendizado científico é precisamente a modificação dos

esquemas de conhecimento de quem aprende, estendendo sua experiência tão longe quanto possível dentro da esfera

do cotidiano, de tal forma que, mediante a apropriação do saber científico, possa compreender e controlar seu corpo e

seu meio socio-natural. O próprio ponto de vista pedagógico exige ampliar a perspectiva. Como se pode advertir, não somente os

temas próximos, mas também os temas exóticos, desconhecidos, intrigam os alunos, parecendo-lhes particularmente

atrativos e sendo, portanto, chaves para a motivação e a aprendizagem. Conforme se sabe, um dos traços da

personalidade criativa - cujo desenvolvimento é sempre visado no currículo - é a capacidade de estabelecer

associações remotas entre elementos que aparentemente nada têm a ver entre eles, e que estão muito além do raio

imediato de percepção e ação do sujeito. Por outro lado, como foi apontado, a “pertinência” do conhecimento (a

existência de uma forma de conhecimento situacional) não garante, por si só, um aprendizado eficaz na ausência de

modificações na forma de ensinar. Do mesmo modo, a ênfase na “situação vivencial” e na “capacidade de elaboração

do aluno” pode dissociar-se de qualquer possibilidade de visar ao conhecimento, ficando na simples reprodução o

conhecimento inicial.

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SABER COMUM/ SABER ELABORADO A escola tem negado sistematicamente a possibilidade de aprendizado fora dela e, portanto, o conhecimento

gerado à margem das salas de aula e da instrução formal. O “saber comum” „(que tanto alunos como professores

possuem) não somente não é reconhecido, mas também rejeitado. Não obstante, todo currículo deve enfrentar o

desafio de contrastar e articular ambos os saberes. Neste, como em outros campos, tendeu-se à polarização: desde o sistema escolar se tem negado e

estigmatizado o “saber comum” , apresentando-se o saber escolar como o saber verdadeiro, inquestionável e universal.

desde as posições críticas contrárias à escola idealizou-se o “saber comum” (sobretudo o chamado “saber popular”) e

desvalorizou-se o “saber elaborado”, ao ponto que adjetivos tais como “científico”, “acadêmico”, “teórico” passaram a ter

conotação negativa. A articulação entre ambos os saberes é complexa, tanto no nível conceitual como no pedagógico. Legitimar

curricularmente o primeiro passa por legitimá-lo socialmente. Seu modo de articulação não é fácil de resolver nem está

totalmente trabalhado, falando-se em “relação, “encontro”, “intercâmbio”, “complementaridade”, “superação”,

“enriquecimento mútuo”, “reforço mútuo”, etc. Para alguns, o problema é apresentado em termos de “como se coloca

um saber do lado de outro para que se integrem e se complementem, e não se imponham um ao outro

hegemonicamente”. Para outros, o “saber comum” é definitivamente um saber ponto de partida a se ter em conta, para

se superar, considerando-se a aprendizagem como um processo de distanciamento progressivo desse saber e de

aproximação ao saber elaborado. Não obstante, uma visão objetiva do saber comum poderia considerar não apenas

sua superação como também seu desenvolvimento, na medida em que ele inclui não somente preconceitos e

concepções ingênuas, mas também conhecimento científico, verdadeiro, aproveitável. O reconhecimento da realidade e a recuperação do saber do educando foram enfatizados no campo da

educação de adultos e, em particular, dentro da corrente da educação popular, sob o signo do “saber popular”. Nesse

contexto, o tema foi colocado sobretudo como: a) um problema de ética, justiça, igualdade, direito, etc., antes do que

como um problema e uma exigência pedagógicos; b) um referente inicial, a ser levado em conta como ponto de partida

antes do que como um referente permanente ao longo do processo de ensino; c) um saber adulto, próprio dos

educandos adultos dos setores populares - com isso foi deixado virtualmente de fora da problemática o saber do

educando criança. De fato, se bem que freqüentemente reduzida ao âmbito do “saber popular” , a questão é mais ampla

e deve-se considerar a necessidade de se ter em conta o saber que todo educando possui (popular ou não, criança,

jovem e adulto) como ponto de partida e insumo de seu processo de ensino-aprendizagem. Finalmente, reconhecer e recuperar o conhecimento de que aprende é norma básica da aprendizagem, uma

vez que ela é produto da interação entre o conhecimento que o aluno possui e as novas informações que lhe são

proporcionadas. As concepções dos alunos e as do professor interagem na sala de aula, constituindo um processo

conjunto de avanço direcionado para um saber mais elaborado. Os alunos precisam ter oportunidade e ser estimulados

a explicitar suas concepções, a tomar consciência delas para poder confrontá-las com as novas informações, dando

lugar a um processo de ajuste cognitivo que é, sem dúvida, o processo de construção do conhecimento.

O RECONHECIMENTO DO “SABER COMUM” DOS PROFESSORES

A problemática do saber comum e do saber elaborado é colocada geralmente em relação ao aluno. Mas o

professor também é portador de um saber igualmente condenado e reprimido pelo sistema escolar, não somente como

ponto de partida, mas como insumo na construção ativa do conhecimento que tem lugar dentro da sala de aula. O

professor precisa saber - ou fazer e agir como se soubesse - tudo, tudo aquilo considerado saber escolar desejável.

Essa idealização do professor como portador do saber é, na verdade, o seu próprio cárcere. Na medida em que o

professor não pode errar, ignorar, duvidar, estão-lhe vedadas a necessidade e a possibilidade de aprender e de

reconhecer que aprende. Assumir seu próprio aprendizado passa, então, por reconhecer e recuperar para si mesmo o

papel do “saber comum” e sua necessidade de aproximar-se de um conhecimento que está em contínuo

aprimoramento.

O CONHECIMENTO CIENTÍFICO

Além do peso a ele atribuído no currículo e na educação em geral, e do reconhecimento da necessidade de

incorporar o saber comum, assume-se a necessidade de pôr o conhecimento científico ao alcance e ao serviço de todos

os membros da sociedade. Hoje, parece claro que o desenvolvimento e a apropriação desiguais da ciência e da

tecnologia estão contribuindo para ressaltar e criar novas formas de exclusão entre os países e no seu interior. A idéia de “ciência” que prevalece nos sistemas educacionais é a de disciplinas denominadas dessa forma,

desenvolvidas num determinado horário e sob a responsabilidade de determinados professores (“aulas de ciência”,

“professores de ciência”, etc.). Por outro lado, a ciência é considerada exclusividade de determinados setores sociais,

idades, níveis educativos, profissões e ocupações, útil somente para aqueles que irão prosseguir os estudos e optar por

carreiras científicas ou técnicas. Isso tudo exige uma profunda revisão. Não se trata de engavetar o conhecimento

científico em uma ou mais disciplinas, mas de entendê-lo como um componente fundamental de todo processo de

ensino e aprendizagem, como método de pensamento e ação em todos os campos do saber. São todos os professores,

e não somente os “professores de ciências”, que precisam ocupar-se do conhecimento científico e de sua própria

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formação e atualização cientificas. Também não corresponde a uma idade, uma classe social ou a um determinado

nível dos alunos: ter acesso ao conhecimento científico é parte consubstancial do direito de toda pessoa à educação,

desde a infância. Por causa disso tudo, “parece urgente especificar por que e como ensinar ciência na educação básica,

a partir das exigências e das disponibilidades existentes em cada país”. A noção de “ciência”, no âmbito escolar, é fortemente associada às ciências formais e naturais, enquanto que

as ciências sociais - até mesmo nas ocasiões em que são chamadas como tal - ficam de fato fora da categoria de

ciência. De qualquer forma, o tratamento das disciplinas consideradas cientificas tem pouco de científico. O

conhecimento científico é resultado de um processo histórico longo e complexo, é um conhecimento em permanente

revisão e aprimoramento, hoje sujeito a grandes e rápidas transformações; no entanto, no âmbito escolar esse

conhecimento é apresentado como a verdade eterna, imutável, inquestionável, Nem sequer as ciências naturais são

ensinadas como tal (isto é, experiências são feitas sem explicar o papel que desempenham na forma de conhecer da

ciência empírica; não se explica o que seja a ciência empírica nem seu método; as leis científicas são apresentadas

como se fossem definições não são proporcionados os rudimentos necessários sobre a histórica das ciências, as

origens desse tipo de conhecimento, sua evolução e modificações, etc.). O problema da verdade, e como

eventualmente obtê-la, não aparece. A matemática é ensinada sem se explicar que se trata de uma ciência que também

tem história. Não se explica como foram surgindo os diversos conceitos de números, à medida que novas operações

foram sendo definidas como possíveis. As operações são ensinadas mecanicamente, inclusive com as suas possíveis

aplicações, geralmente sem referência a problemas concretos (isto é, como e quando é útil calcular o volume ou a

superfície da sala de aula). Também não é apontada, apesar de óbvia nesse caso, a relação entre a matemática e as

ciências físicas e biológicas. O tratamento das ciências sociais é particularmente deficitário (e uma parte de suas conseqüências manifesta-

se na notória desvalorização dessa área no currículo, assim como na falta de interesse dos alunos por ela). As ciências

sociais são ensinadas como um conjunto de dados (nomes, datas, lugares, números), ou conjuntos de partes (alturas de

montanhas e cadeias, sistemas hidrográficos, sistemas nervosos, etc.), sem se trabalhar os conceitos de mecanicismo

ou sistema, chaves para começar a ver o sentido e a possível unidade das ciências. Chega-se inclusive a propor

tipologias sem nenhuma tentativa de explicação científica da classificação. Os fatos são apresentados sem se explicitar

as interpretações, seus critérios de validade e os princípios que as regem (o ponto de partida, ou a origem cultural,

social e histórica e o papel que ela desempenha na interpretação, etc.). De fato, a categoria “sociais” poderia ser

considerada como uma instância em que se abandonou o ensino por disciplinas, partindo para um estudo de “assuntos”,

como nas enciclopédias, sem ir além de aprender o necessário para o exame. Um problema central do currículo de ciências é a repetição. Ano após ano, nível após nível, os mesmos temas

são trabalhados, colocados da mesma forma e com os mesmos elementos. A repetição é necessária como forma de

retomar um assunto de modo cada vez mais complexo, problematizando o que antes foi apresentado como verdade

indiscutível, numa espiral ascendente, não em círculos. Em geral, pode parecer que a elaboração dos programas gire

em torno de “temas”, não de problemáticas, por isso os professores podem simplesmente estar dando voltas em

círculos (com o agravante de que não é o mesmo professor que acompanha o processo, devido à sua hierarquização

em níveis). O programa de educação básica deveria incluir uma estratégia explicando a forma de ir avançando no

conhecimento e na problematização, de identificar quais habilidades precisam ser desenvolvidas em cada estágio, como

devem construi-se as noções e os conceitos, seguindo táticas programadas de retificação/superação. Precisaria ser

explicada a forma como os conhecimentos das disciplinas devem-se associar, integrando-se, questionando-se uns aos

outros; como se deve desenvolver o espírito crítico, como se devem sustentar os valores que se quer incutir, com

práticas que permitam ilustrá-los, etc. Uma formulação epistemológica do ensino do conhecimento científico coloca diversos problema: Mediante

quais procedimentos se produz a aprendizagem das ciências em situação escolar? Que conceitos científicos são

relevantes como núcleos estruturadores dessa aprendizagem? Como esses conceitos se relacionam entre eles Como

aprofundar-se neles tendo presente o desenvolvimento cognitivo dos alunos? A esse respeito, reconhece-se a especial

importância - no ensino do conhecimento científico de partir dos pressupostos e dos esquemas cognitivos anteriores,

tanto das crianças quanto dos jovens e dos adultos, a fim de ir construindo um novo conhecimento por meio de

aproximações sucessivas, assim como a utilidade que as redes ou tramas conceituais têm para o ensino das ciências. Um problema fundamental de todo currículo é a identificação de núcleos conceituais básicos, que sirvam de

eixo e alicerce na construção do conhecimento científico. Entre esses conceitos estruturadores, mencionam-se na

bibliografia consultada: sistema, mudança, duração, energia, força, tempo histórico, a relação causa-efeito, a diferença

entre opinião e fato (chave para poder encarar criticamente o próprio discurso e o dos outros), a noção que é a

comunicação (comunicação interpessoal como base de toda relação), a passagem do subjetivo para o objetivo, do

global para o analítico.