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A AMAZÔNIA NO DIREITO INTERNACIONAL

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A AmAzôniA no Direito internAcionAl

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A AmAzôniA no Direito internAcionAl

ANDRÉ DE PAIVA TOLEDO(OrganizadOr)

Belo Horizonte2015

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341.347 A Amazônia no direito internacional / [organizado por] André de Paiva Toledo. A489 Belo Horizonte: Arraes Editores, 2015. 2015 p.262

ISBN: 978-85-8238-168-7

1. Direito ambiental. 2. Direito internacional – Amazônia. 3. Amazônia – Relações internacionais. 4. Tratado de Cooperação Amazônica – TCA. 5. Biodiversidade – Amazônia. 6. Amazônia – Proteção jurídica internacional. 7. Etnobiodiversidade. I. Toledo, André de Paiva (org.). II. Título.

CDD – 341.347 CDU – 351.71(918.11)

Belo Horizonte2015

CONSELHO EDITORIAL

Elaborada por: Fátima Falci CRB/6-nº700

É proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio eletrônico,inclusive por processos reprográficos, sem autorização expressa da editora.

Impresso no Brasil | Printed in Brazil

Arraes Editores Ltda., 2015.

Coordenação Editorial: Produção Editorial e Capa:

Revisão:

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Álvaro Ricardo de Souza CruzAndré Cordeiro Leal

André Lipp Pinto Basto LupiAntônio Márcio da Cunha Guimarães

Bernardo G. B. NogueiraCarlos Augusto Canedo G. da Silva

Carlos Bruno Ferreira da SilvaCarlos Henrique SoaresClaudia Rosane Roesler

Clèmerson Merlin ClèveDavid França Ribeiro de Carvalho

Dhenis Cruz MadeiraDircêo Torrecillas Ramos

Emerson GarciaFelipe Chiarello de Souza Pinto

Florisbal de Souza Del’OlmoFrederico Barbosa Gomes

Gilberto BercoviciGregório Assagra de Almeida

Gustavo CorgosinhoJamile Bergamaschine Mata Diz

Janaína Rigo SantinJean Carlos Fernandes

Jorge Bacelar Gouveia – PortugalJorge M. LasmarJose Antonio Moreno Molina – EspanhaJosé Luiz Quadros de MagalhãesKiwonghi BizawuLeandro Eustáquio de Matos MonteiroLuciano Stoller de FariaLuiz Manoel Gomes JúniorLuiz MoreiraMárcio Luís de OliveiraMaria de Fátima Freire SáMário Lúcio Quintão SoaresMartonio Mont’Alverne Barreto LimaNelson RosenvaldRenato CaramRoberto Correia da Silva Gomes CaldasRodolfo Viana PereiraRodrigo Almeida MagalhãesRogério Filippetto de OliveiraRubens BeçakVladmir Oliveira da SilveiraWagner MenezesWilliam Eduardo Freire

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V

Onde vás assim? Porque abandonasA terra em flôr de yaras e de máguas,

Ó jangada de cedros do Amazonas?Onde a levais, bebendo os horizontes,

Na successão da [sic] aguas,Seringueiros-titans de brônzeas frontes?

Entre ribas azues e grandes aguasE com a saudade a uivar nos horizontes,

A jangada de cedros, no Amazonas,Vae para longe,Muito longe...

(Álvaro Maia, 1927)

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A Pery Teixeira, que, como professor da Universidade Federal do Amazonas, dedicou-se a pesquisar a dinâmica de vida

das populações indígenas da Amazônia.

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VII

Sumário*

aPrESEnTaÇÃO .................................................................................................... X

CaPíTulO 1RELAÇÕES INTERNACIONAIS NA AMAZÔNIA: EXPERIÊNCIA DE COOPERAÇÃOMa. do P. Socorro Rodrigues Chaves................................................................... 1

CaPíTulO 2A AMAZÔNIA COMO ESPAÇO TRANSNACIONAL E O TRATADO DE COOPERAÇÃO AMAZÔNICACarla Ribeiro Volpini Silva e Bruno Wanderley Júnior ............................... 26

CaPíTulO 3A PRINCIPIOLOGIA DO TRATADO DE COOPERAÇÃO AMAZÔNICA: ELEMENTOS PARA UMA UNIDADE REGIONAL David França Ribeiro de Carvalho ..................................................................... 35

CaPíTulO 4O REPENSAR DO TRATADO DA COOPERAÇÃO AMAZÔNICA À LUZ DOS OBJETIVOS DO MILÊNIOSébastien Kiwonghi Bizawu e Victória Coimbra Fonseca ............................ 54

CaPíTulO 5O TRATADO DE COOPERAÇÃO AMAZÔNICA E A INTEGRAÇÃO REGIONAL POR MEIO DA NAVEGAÇÃO NOS RIOS DA AMAZÔNIA David França Ribeiro de Carvalho e Marcos Edmar Ramos Alvares da Silva 74

CaPíTulO 6A AMAZÔNIA BRASILEIRA, A PROTEÇÃO JURÍDICA NACIONAL DAS FLORESTAS E SUA RELAÇÃO COM O DIREITO INTERNACIONALLilian Mendes Haber .............................................................................................. 91

* O Organizador e a Arraes Editores não se responsabilizam pelo conteúdo e pela revisão dos artigos, bem como pela correção do novo acordo ortográfico.

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CaPíTulO 7CONHECIMENTOS TRADICIONAIS: UMA ANÁLISE DA LEI DE BIODIVERSIDADE À LUZ DA CONVENÇÃO SOBRE DIVERSIDADE BIOLÓGICA E DO PROTOCOLO DE NAGOYA Pedro Gustavo Gomes Andrade e Gabriela Machado Coelho Grandi ........ 108

CaPíTulO 8A NECESSIDADE DE ATENÇÃO ESPECIAL QUANTO ÀS NASCENTES HIDROGRÁFICAS E A AUSÊNCIA DE TRATADO DE COOPERAÇÃO ENTRE BRASIL E PERU PARA PROTEÇÃO DA NASCENTE DO RIO AMAZONASRafaela Câmara Silva ............................................................................................. 137

CaPíTulO 9ASPECTOS DA CONSTRUÇÃO DA HIDRELÉTRICA DE BELO MONTE: UMA ANÁLISE À LUZ DA CONVENÇÃO 169 DA OIT SOBRE O DIREITO DE CONSULTA E PARTICIPAÇÃO DA POPULAÇÃO INDÍGENA ATINGIDA Fernanda Campos Maia Wrobel e Mariana Swerts Cunha ......................... 147

CaPíTulO 10MINERAÇÃO EM TERRAS INDÍGENAS NA AMAZÔNIA VENEZUELANA: DIREITO INTERNACIONAL E DIREITO INTERNO NA TUTELA DOS DIREITOS COMUNAISFabiana Pacheco de Souza Silva e Paula Vieira Teles .................................. 165

CaPíTulO 11DIREITOS DOS POVOS AMAZÔNICOS: ENTRE A PROTEÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL, OS ESTADOS PLURINACIONAIS DA PAN-AMAZÔNIA E AS VIOLAÇÕES NO BRASIL Liana Amin Lima da Silva ................................................................................... 180

CaPíTulO 12COMUNIDADE INDÍGENA YANOMAMI-TUTELA JURÍDICA DOS RECURSOS NATURAIS PARA ALÉM DAS FRONTEIRAS GEOGRÁFICASGraziella Ferreira Giostri e Renata de Bessa Nascimento ............................. 201

CaPíTulO 13PARA ALÉM DOS RECURSOS NATURAIS: A ETNOBIODIVERSIDADE (COMO ELEMENTO DA SUSTENTABILIDADE) E SEUS PROBLEMAS INTERNACIONAIS Bruno Albergaria ..................................................................................................... 218

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IX

CaPíTulO 14O DIREITO AO MEIO AMBIENTE COMO DIREITO HUMANO À LUZ DA JURISPRUDENCIA INTERNACIONAL DA COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS William Ken Aoki e Raquel Lima de Abreu Aoki ........................................... 233

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X

ApreSentAção

A Amazônia é um espaço florestal que compete ao Direito Internacional em três dimensões principais.

A primeira é relativa ao fato geográfico segundo o qual a Amazônia se encon-tra no território de diversos Estados soberanos, o que faz dela uma floresta inter-nacionalmente compartilhada. Diante disso, pode-se dizer que o simples fato de a Amazônia estar presente em muitos países da América do Sul é razão suficiente para que o Direito Internacional possa produzir seus efeitos jurídicos específicos. Neste caso, pode-se mencionar como exemplo a existência do Tratado de Cooperação Amazônica, celebrado em Brasília, em 1978, no âmbito do qual instituiu-se uma Organização Internacional destinada a coordenar os procedimentos do Tratado e influir no sistema de execução de suas decisões.

A segunda dimensão em que a Amazônia diz respeito ao Direito Internacional refere-se ao tema da preservação da biodiversidade, considerada uma preocupação comum da humanidade, nos termos da Convenção sobre Diversidade Biológica, de 1992. Nos anos de 1960, com o aumento do número e da importância do impacto dos acidentes ambientais, especialmente aqueles referentes à poluição atmosférica e marinha, constituiu-se uma conjuntura internacional favorável à discussão de temas ambientais. De fato, a partir de 1972, desenvolveu-se, com a realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano, em Estocolmo, todo um arcabouço normativo internacional dedicado exclusivamente às questões ambientais. Nessa primeira etapa de formação do Direito Internacional do Meio Ambiente, construiu-se a teoria segundo a qual a Amazônia seria o pulmão do mun-do, isto é, a floresta amazônica seria a responsável pela retirada de gás carbônico da atmosfera e sua transformação em oxigênio. A Amazônia teria assim a função primordial de resgatar os principais gases do efeito estufa.

Com base nessa teoria, sustentou-se que esse espaço no coração da América do Sul deveria se tornar juridicamente um patrimônio comum da humanidade, assim como já o eram os fundos do mar para além da plataforma continental, conforme o disposto na Convenção sobre o Direito do Mar, firmada em Montego Bay, em 1982. Tal teoria mostrou-se posteriormente descabida, uma vez que ficou provado que todo o oxigênio produzido pela floresta era, em seguida, consumido por ela mesma, haja vista se tratar de uma floresta estável. A Amazônia não libera qualquer oxigê-nio para consumo alheio. De qualquer forma, naquele momento, com a eventual

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implementação da teoria do pulmão do mundo – sustentada majoritariamente pelos Estados desenvolvidos do Norte, que são os responsáveis históricos pela poluição at-mosférica e o efeito estufa –, haveria uma formal internacionalização da Amazônia, isto é, deixaria de existir naquele espaço qualquer possibilidade jurídica de exercício de soberania, assim como já acontecia com o espaço extra-atmosférico, a Antártica e o próprio alto mar.

Diante da ameaça de internacionalização da Amazônia, os Estados em desen-volvimento, ricos em biodiversidade, uniram-se de tal modo durante a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, ocorrida no Rio de Janeiro, em 1992, que a Convenção sobre a Diversidade Biológica não só reafir-mou a soberania nacional permanente sobre os recursos naturais encontrados nos territórios dos Estados, como definiu que a preservação do patrimônio biológico planetário não se funda no patrimônio comum da humanidade, mas constitui uma preocupação comum da humanidade. Logo, a biodiversidade amazônica faz parte do território de cada um dos Estados da Pan-Amazônia, estando, consequentemen-te, submetida ao poder soberano de cada um desses Estados. Isso não significa, en-tretanto, que sua conservação deixe de ser objeto de interesse dos demais Estados da comunidade internacional. Ao contrário, a Convenção sobre Diversidade Biológica internacionaliza o interesse de que o meio ambiente seja conservado em todas as regiões do planeta. No que concerne à riqueza em biodiversidade, nada se compara à Amazônia. Essa riqueza natural não faz com que sua preservação seja tratada de maneira diferente daquela vigente no resto do mundo. Vige aqui o princípio da igualdade internacional. A gestão e a conservação desse patrimônio natural perma-necem inseridas no rol de competências do Estado titular da soberania territorial, como foi reafirmado pelas Nações Unidas, no início dos anos de 1990. Qualquer exploração dessa riqueza deve ser previamente autorizada pelo Estado soberano. A utilização livre da biodiversidade amazônica, seja pelo regime da res nullius, vigente em alto mar, seja pelo regime da res communis, próprio do patrimônio comum da humanidade, não se concretizou.

A terceira dimensão diz respeito à existência, na Amazônia, de recursos natu-rais importantes para o processo produtivo realizado pelo homem. Diversas rique-zas naturais da Amazônia despertam efetivamente o interesse e a cobiça de agentes econômicos espalhados por todo o planeta. Como representantes desses desejos globalizados, os Estados membros da comunidade internacional muitas vezes agem, no âmbito das relações internacionais, como verdadeiros mandatários desses agen-tes econômicos. Dentre os muitos recursos naturais importantes da Amazônia, há os recursos minerais, que são explorados em ritmo cada vez mais acelerado e inten-so. Basta lembrar que, no Brasil, o Pará ocupa hoje a posição de maior explorador de minério, deixando Minas Gerais para trás.

Apesar da importância crescente do setor de mineração na Amazônia, os re-cursos biológicos continuam a ser o principal atrativo da região. Desses recursos biológicos, distinguimos os bióticos, isto é, aqueles que possuem vida em si, dos abióticos, que são os recursos biológicos que, embora não sejam recursos vivos,

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desempenham um papel fundamental para a existência e a manutenção da vida planetária. Os recursos em água ou recursos hídricos correspondem a esses recursos biológicos abióticos.

Quando se analisam as águas da Amazônia, onde se concentram 20% de toda a água potável do planeta, não se pode deixar de considerar o caráter geopoliticamente estratégico desse espaço florestal, tendo em vista a escassez crescente do abastecimento de água para as populações distribuídas pelos diversos Estados nacionais. Além disso, como bem demonstra o caso de Belo Monte, os cursos d’água amazônicos também possuem um enorme potencial hidrelétrico que, por sua vez, têm colocado em risco os direitos das populações tradicionais, ribeirinhas e indígenas, que são cada vez mais considerados pelos tribunais internacionais como direitos humanos.

No que diz respeito aos recursos biológicos bióticos, encontra-se na Amazônia o ápice de sua magnitude. Ali, há milhares de espécies da fauna e da flora. Boa parte dessas espécies animais e vegetais ainda não foi descoberta pelo homem, permane-cendo ainda um mistério a ser desvendado. Além da importância dessas espécies para a manutenção do equilíbrio ecológico da Hileia – referente ao âmbito da segunda dimensão da Amazônia no Direito Internacional mencionada acima –, há que se examinar a importância crescente dos recursos biológicos bióticos como ma-téria-prima da produção biotecnológica. Cada vez mais, o setor bioindustrial tem buscado novos elementos para o desenvolvimento de bens e mercadorias, que com-põem instrumentos de incremento da qualidade de vida humana. Neste conjunto, destacam-se, ao lado dos cosméticos, os medicamentos, que são produzidos a partir de componentes da biodiversidade tropical, especialmente a amazônica. Diante das desigualdades internacionais, são os países desenvolvidos que detêm a biotecnolo-gia suficiente para realizar os trabalhos de pesquisa e exploração da matéria-prima amazônica. Com o intuito de ter acesso a esses recursos biológicos, segundo os princípios do Direito Internacional, os agentes econômicos devem obter o consenti-mento prévio do Estado de origem, comprometendo-se obrigatoriamente a repartir de maneira justa os benefícios de sua exploração. A biopirataria surge, então, como estratégia desse setor biotecnológico para ter acesso – irregular – aos recursos bioló-gicos sem ser obrigado a repartir qualquer benefício, notadamente a transferência de tecnologia a ser utilizada como alavanca de desenvolvimento dos Estados ricos em biodiversidade, em sua maioria, Estados tropicais de passado colonial.

Para maximizar os benefícios da utilização do patrimônio biológico dos Es-tados amazônicos e com o intuito de minimizar os custos da pesquisa e desenvol-vimento de produtos biotecnológicos, os prospectores locais procuram não apenas o recurso em si, mas também o conhecimento tradicional associado, o qual detêm as populações indígenas e tradicionais. Esses conhecimentos foram desenvolvidos culturalmente pelas comunidades instaladas na Amazônia há muitas gerações e significam uma maneira eficiente e sustentável de lidar com os recursos biológicos locais. As populações, que tradicionalmente se relacionam com a fauna e a flora amazônicas, conhecem suas características e interagem com elas de modo a se be-neficiar diretamente, seja no campo da medicina, seja no campo da alimentação.

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XIII

A proteção e valorização desse conhecimento tradicional associado é outro desafio para o Direito Internacional, pois os mesmos agentes econômicos, que financiam a biopirataria, são aqueles que se interessam em ter acesso privilegiado ao saber-fazer tradicional, sem qualquer contrapartida.

Vistas as dimensões de interação do Direito Internacional com a Amazônia e considerando que boa parte da Amazônia encontra-se no território brasileiro, deci-dimos, então, iniciar as atividades do Grupo de Pesquisa em Direito Internacional dos Recursos Naturais (DIRNAT) com um projeto anual sobre a Amazônia no Direito Internacional.

O DIRNAT foi criado em agosto de 2014, no âmbito do Programa de Pós--Graduação em Direito da Escola Superior Dom Helder Câmara. Este grupo surgiu de nossa decisão de examinar a gestão dos recursos naturais, algo tão importante para a conservação ambiental, sob o viés econômico, isto é, enfatizando o caráter material desses recursos como componentes do processo de produção de bens e mercadorias. Pretendeu-se, em um primeiro momento, nomear o sistema jurídico de análise desse fenômeno envolvendo exploração e preservação, em nível global, como Direito Internacional do Meio Ambiente Econômico, o que se apresentou problemático por uma série de questões teóricas. Diante do impasse, preferiu-se, então, ao invés de destacar os aspectos ambiental e econômico dos recursos natu-rais, colocar o próprio objeto de pesquisa em evidência. Desta forma, decidiu-se adotar em definitivo a terminologia Direito Internacional dos Recursos Naturais para designar a perspectiva de trabalho do grupo. Os recursos naturais são simulta-neamente bens ambientais e econômicos. É diante deste caráter híbrido da natureza que se posta o DIRNAT, cujas pesquisas focam as questões ambientais envolvendo os recursos naturais enquanto bens econômicos. Logo, o objetivo geral do DIRNAT é o estudo dos mecanismos jurídicos de realização do desenvolvimento sustentável, o que passa necessariamente por uma análise econômica do meio ambiente.

Quando chegamos ao fim do primeiro ano de trabalho do DIRNAT, período em que tanto se discutiu acerca das implicações internacionais da Amazônia, fomos convidados pela Arraes Editores a organizar uma obra coletiva sobre o tema que nos pautou nos últimos meses. Para tanto, além de contribuições dos pesquisado-res membros do grupo, contamos com a participação de professores de diversas universidades do Brasil, que, de forma relevante, têm se destacado na construção doutrinária sobre a questão.

A publicação deste livro corresponde à iniciativa de recolocar a Amazônia no centro dos debates jurídicos de Direito Internacional, tendo em vista os desafios con-temporâneos associados ao desenvolvimento sustentável, preservação ambiental, ex-tinção da pobreza, realização dos direitos humanos e respeito às soberanias nacionais.

Especificamente, os capítulos desta obra discorrem sobre diversos aspectos re-lacionados à Amazônia no Direito Internacional como, por exemplo, a etnobiodi-versidade como elemento do conceito de sustentabilidade, o Tratado de Cooperação Amazônica como instrumento de cooperação regional, a utilização dos cursos d’água amazônicos como mecanismo de integração continental, a construção da hidrelétrica

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XIV

de Belo Monte e o direito de participação indígena, os movimentos transfronteiriços das populações indígenas, a proteção dos direitos humanos dos indígenas, a proteção internacional das florestas, a mineração em terras indígenas, a comparação do marco da biodiversidade com os instrumentos internacionais específicos, os mecanismos de proteção das nascentes do Rio Amazonas, entre outros exames.

Os diversos pontos de vista apresentados permitirão ao leitor transitar pelas três dimensões, nas quais a questão amazônica se insere internacionalmente. Como dito no início desta apresentação, as três dimensões, que justificam o tratamento jurídi-co internacional da Amazônia, compõem as próximas páginas. A Amazônia como espaço regional sulamericano, a Amazônia como espaço de preservação ambiental e a Amazônia como fonte de matéria-prima se interrelacionam neste livro, de modo a construir um arcabouço doutrinário que atenda o propósito para o qual o DIRNAT foi criado, qual seja, compreender a natureza, de maneira geral – e a Amazônia, em particular – como um espaço em que se enfrentam as contradições contemporâneas. É na Amazônia que a conservação ambiental e a exploração econômica chegam ao para-doxo. É na Amazônia que a autodeterminação e o neocolonialismo são escancarados. É na Amazônia que a vida é colocada em questão, globalmente.

Campos Altos, julho de 2015

ANDRÉ DE PAIVA TOLEDOProfessor da Escola Superior Dom Helder Câmara

Doutor em Direito pela Universidade Panthéon-Assas Paris II (Sorbonne)Líder do Grupo de Pesquisa em Direito Internacional dos Recursos Naturais (DIRNAT)