a agency theory e a contabilidade - fucape ... · web viewportanto, deve tender a haver...

24
A TEORIA DO AGENCIAMENTO E A CONTABILIDADE Autoria: Valcemiro Nossa, José Roberto Kassai e Sílvia Kassai RESUMO: O conflito de interesses entre proprietários/gestores, credores/gestores, gestores/empregados, gerentes/fornecedores, gerentes/auditores etc. implica em uma série de problemas nas empresas, que podem ser amenizados ou explicados pela teoria do agenciamento. Este artigo trata da Agency Theory e o seu relacionamento com a contabilidade. A teoria do agenciamento busca explicar as relações contratuais entre os membros de uma organização, considerando que esses são motivados exclusivamente pelos seus interesses. Dos conflitos existentes entre o principal e o agente surgem os problemas de agenciamento que geram os custos de agenciamento. Os custos de agenciamento são os gastos incorridos na prevenção e resolução de conflitos, ou seja, aqueles associados à contratação entre as partes, bem como das perdas resultantes das atitudes oportunistas do agente. Para minimização desses custos as empresas podem adotar controles e incentivos sob uma perspectiva de agency. O presente artigo foi desenvolvido a partir de revisão bibliográfica de diversos artigos, livros, teses e dissertações, a maioria internacionais. São discutidos rapidamente a teoria da firma e a teoria dos contratos. Em seguida é feita uma abordagem sobre a teoria do agenciamento, seus principais conflitos, os custos de agenciamento, os principais tipos de controles e incentivos para sua minimização. E, por último, é realizada uma discussão sobre a relação entre a teoria do agenciamento e a contabilidade, seguido das considerações finais. TEXTO: INTRODUÇÃO No meio social e no mundo dos negócios sempre esteve presente o relacionamento entre pessoas. E todo relacionamento, em algum momento, está sujeito a conflitos, uma vez que, naturalmente cada um está propenso a defender seus próprios interesses. 1

Upload: others

Post on 15-Feb-2020

18 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: A AGENCY THEORY E A CONTABILIDADE - FUCAPE ... · Web viewPortanto, deve tender a haver negligência e desperdício, até certo ponto, na gestão de tal tipo de empresa (Adam Smith,

A TEORIA DO AGENCIAMENTO E A CONTABILIDADE

Autoria: Valcemiro Nossa, José Roberto Kassai e Sílvia Kassai

RESUMO:

O conflito de interesses entre proprietários/gestores, credores/gestores, gestores/empregados, gerentes/fornecedores, gerentes/auditores etc. implica em uma série de problemas nas empresas, que podem ser amenizados ou explicados pela teoria do agenciamento. Este artigo trata da Agency Theory e o seu relacionamento com a contabilidade. A teoria do agenciamento busca explicar as relações contratuais entre os membros de uma organização, considerando que esses são motivados exclusivamente pelos seus interesses. Dos conflitos existentes entre o principal e o agente surgem os problemas de agenciamento que geram os custos de agenciamento. Os custos de agenciamento são os gastos incorridos na prevenção e resolução de conflitos, ou seja, aqueles associados à contratação entre as partes, bem como das perdas resultantes das atitudes oportunistas do agente. Para minimização desses custos as empresas podem adotar controles e incentivos sob uma perspectiva de agency. O presente artigo foi desenvolvido a partir de revisão bibliográfica de diversos artigos, livros, teses e dissertações, a maioria internacionais. São discutidos rapidamente a teoria da firma e a teoria dos contratos. Em seguida é feita uma abordagem sobre a teoria do agenciamento, seus principais conflitos, os custos de agenciamento, os principais tipos de controles e incentivos para sua minimização. E, por último, é realizada uma discussão sobre a relação entre a teoria do agenciamento e a contabilidade, seguido das considerações finais.

TEXTO:

INTRODUÇÃO No meio social e no mundo dos negócios sempre esteve presente o relacionamento entre

pessoas. E todo relacionamento, em algum momento, está sujeito a conflitos, uma vez que, naturalmente cada um está propenso a defender seus próprios interesses.

As pessoas ligadas a uma empresa, mais especificamente, se relacionam entre si, com seus superiores, seus subordinados, com os proprietários da firma, com seus clientes, fornecedores, membros do governo etc. Por trás dessa relação existe sempre um contrato, formal ou informal, delimitando os direitos e deveres das partes. Neste sentido a empresa é tida como um “conjunto de contratos”.

A teoria do agenciamento vem justamente procurar explicar as relações contratuais entre os membros de uma empresa, considerando que estes são motivados exclusivamente por seus interesses. Toda vez em que há um conflito entre as partes (o principal e o agente) são gerados os chamados custos de agenciamento.

O que se pretende com este artigo é mostrar a ligação existente entre a teoria do agenciamento e a contabilidade.

No Brasil são poucos os trabalhos sobre esse tema apesar de sua importância crescente na medida em que cada vez mais se precisa conhecer a realidade das empresas, para desenvolver sistemas de informações contábeis abrangentes e capazes de suprir as necessidades informacionais dos tomadores de decisões.

1

Page 2: A AGENCY THEORY E A CONTABILIDADE - FUCAPE ... · Web viewPortanto, deve tender a haver negligência e desperdício, até certo ponto, na gestão de tal tipo de empresa (Adam Smith,

TEORIA DA FIRMASiffert Filho (1996) comenta que a teoria econômica tem dado relativamente pouca

atenção à maioria das transações econômicas sob o comando administrativo e hierárquico, realizadas no interior da firma. Talvez esse relativo descaso deva-se ao fato de que essas questões não compunham as principais preocupações da maioria dos economistas. Segundo Holmstron & Tirole (apud Siffert Filho, 1996:86),

a teoria da firma foi um problema por muito tempo para os economistas. Enquanto houve um progresso significativo na descrição e análise de desempenho do mercado, o comportamento e a organização da firma permaneceram pouco compreendidos. Tipicamente, a firma foi tratada sem nenhum detalhe maior que o consumidor.

Muitas das referências sobre a teoria da firma apresentadas na literatura da área econômica são, na verdade, teoria do mercado, na qual as firmas desempenham papel importante.

A firma é tida como uma “caixa preta” tecnológica, que combina os fatores de produção do mercado com os seus recursos específicos, a fim de gerar produtos comercializáveis no mercado. As possibilidades tecnológicas são usualmente representadas pela função de produção, a qual especifica, para cada produto factível, a correspondente combinação de insumos (Aoki, apud Siffert Filho, 1996:92).

Para a firma desempenhar seu papel é necessário que haja um relacionamento entre seus agentes internos e externos. Os proprietários das firmas geralmente contratam outras pessoas para administrar seus negócios. Inicia-se aí um importante ponto de relacionamento na firma. Os administradores, por sua vez, também se relacionam com funcionários da empresa, fornecedores, clientes etc.

Todos esses relacionamentos fazem surgir contratos, muitos destes formalizados e outros de maneira informal. Neste sentido, a firma pode ser entendida como um conjunto (uma rede) de relações contratuais que se intercalam que se cruzam em vários sentidos e em diferentes partes da empresa e têm por objetivo maximizar a riqueza dos proprietários.

TEORIA DOS CONTRATOS As imperfeições do ambiente informacional e a racionalidade limitada dos agentes

econômicos dão origem aos contratos, que por sua vez, ajudam estabelecer mecanismos de rotina e autoridade. A função dos contratos pode ser entendida como a de regular a relação, compreendida por direitos e deveres, entre as partes envolvidas. Brousseau (apud Siffert Filho, 1996:104) menciona que a necessidade dos contratos deve-se a três obstáculos geralmente existentes na firma: dificuldade de tomar decisões, ao mesmo tempo, compatíveis e ótimas; oportunismo dos agentes; e risco e incerteza da atividade econômica.

Vale ressaltar que a tomada de decisão sem um modelo estruturado implica em gastos de recursos para coletar, processar e modelar a informação.

Os contratos implicam em autoridade e definem rotinas a serem seguidas, ou seja, um dos contratantes decide pelos dois (num contrato bilateral) permitindo acelerar o processo de tomada de decisão.

Brousseau (apud Siffert Filho, 1996:105) aponta algumas questões que surgem nesse relacionamento de tomada de decisão e que tradicionalmente são tratadas pelas teorias da organização: A quem delegar poder de decisão? Existiria uma organização ótima de capacidades de decisão? Quais devem ser os limites da autoridade?

2

Page 3: A AGENCY THEORY E A CONTABILIDADE - FUCAPE ... · Web viewPortanto, deve tender a haver negligência e desperdício, até certo ponto, na gestão de tal tipo de empresa (Adam Smith,

Como garantir que as decisões tomadas sejam ótimas?Outra questão que pode ser percebida é que nem sempre se consegue prever todas as

situações que impliquem em decisões futuras na firma. Assim surge a pergunta: Como as firmas e os contratos lidam com o problema de delegação de competências e o monitoramento desses problemas? A teoria do agente/principal (ou teoria do agenciamento) estuda justamente sobre esse relacionamento.

TEORIA DO AGENCIAMENTO (AGENCY THEORY)

Visão geralNão se deve esperar que os diretores ... [das] sociedades, porém, sendo gestores do dinheiro de outras pessoas, e não do seu, cuidem dele com tanta atenção quanto os sócios de companhias limitadas o fazem. Tais como o administrador do dinheiro do homem rico, tendem a se preocupar com as pequenas coisas não do ponto de vista de seu patrão, e tendem muito facilmente a se aproveitar dele. Portanto, deve tender a haver negligência e desperdício, até certo ponto, na gestão de tal tipo de empresa (Adam Smith, 1776, apud Jensen & Meckling, 1978:305).

A teoria do agenciamento busca explicar as relações contratuais entre os membros de uma organização, considerando que estes são motivados exclusivamente pelos seus interesses. Consiste em uma conexão contratual, na qual o principal encarrega o agente de prestar algum serviço em seu benefício, delegando para tal, certos poderes de decisão.

Eisenhardt (1989:59) expõe que em geral a teoria do agenciamento é a relação que espelha a estrutura básica de agency de um principal e um agente que estão engajados em um comportamento cooperativo, mas que possuem diferentes metas e diferentes atitudes com relação ao risco.

A unidade de análise da teoria do agenciamento é o contrato existente entre o principal e o agente. Vale ressaltar que esses contratos não necessariamente existem fisicamente (formalizados), podem ser tão-somente no plano informal.

Na teoria do agenciamento são assumidas algumas hipóteses para a composição do modelo que determina o contrato mais eficiente:

Hipóteses Humanas Interesses pessoais; Racionalidade; Aversão ao risco.

Hipóteses Organizacionais Conflitos de metas parciais entre os participantes; Eficiência no critério de efetividade; Agente é responsável pelas atividades delegadas pelo principal; Assimetria de informações entre principal e agente.

Hipóteses Informacionais Informação como uma commodity adquirível

Até o momento, sempre que se fala de principal e agente está-se referindo à proprietário/acionista e administrador/gestor (membros da equipe administrativa), respectivamente. A literatura organizacional, em sua maioria, consagra desta maneira. Entretanto, o conceito de principal e agente é flexível e pode ser estendido para diferentes tipos de relações. Algumas situações de relacionamento entre principal e agente são apresentadas na tabela a seguir:

RelaçõesPrincipal – Agente O que o Principal espera do Agente?

Acionistas – Gerentes Gerentes maximizem a riqueza do Acionista (valor das ações)Debenturistas – Gerentes Gerentes maximizem o retorno do Debenturista

Credores – Gerentes Gerentes assegurem o cumprimento dos contratos de financiamento

3

Page 4: A AGENCY THEORY E A CONTABILIDADE - FUCAPE ... · Web viewPortanto, deve tender a haver negligência e desperdício, até certo ponto, na gestão de tal tipo de empresa (Adam Smith,

Clientes – Gerentes Gerentes assegurem a entrega de produtos de valor para o Cliente; qualidade (maior), tempo (menor), serviço (maior) e custo (menor)

Governo – Gerentes Gerentes assegurem o cumprimento das obrigações fiscais, trabalhistas e previdenciárias da empresa

Comunidade – Gerentes Gerentes assegurem a preservação dos interesses comunitários, cultura, valores, meio ambiente etc.

Acionistas – Auditores Externos

Auditores Externos atestem a validade das demonstrações contábeis (foco na rentabilidade e na eficiência)

Credores – Auditores Externos

Auditores Externos atestem a validade das demonstrações contábeis (foco na liquidez e endividamento)

Gerentes – Auditores Internos

Auditores internos avaliem as operações na ótica de sua eficiência e eficácia, gerando recomendações que agreguem valor

Gerentes – Empregados Empregados trabalhem para os gerentes com o melhor de seus esforços, atendendo as expectativas dos mesmos

Gerentes – Fornecedores Fornecedores supram as necessidades de materiais dos gerentes no momento necessário e nas quantidades requisitadas

Fonte: Adaptado de Martinez (1998:2)Como pode-se observar o principal caracteriza a figura de um sujeito ativo e o agente a

de um sujeito passivo.Segundo Eisenhardt (1989:58) a teoria do agenciamento está relacionada com a

resolução de dois problemas que podem ocorrer na relação de agência: primeiro problema surge (1) quando o desejo ou objetivo do principal e agente conflitam e

(2) com a dificuldade e o custo para o principal em verificar o que o agente está realmente fazendo.

segundo é o problema do risco compartilhado que surge quando o principal e agente têm atitudes diferentes com relação ao risco.

Abordagens da teoria do agenciamentoPartindo da mesma unidade de análise da agency theory que é o contrato entre o

principal e o agente, duas abordagens têm sido desenvolvidas na teoria do agenciamento, conforme Eisenhardt (1989:59): a teoria positivista do agenciamento e a teoria do principal/agente. Ambas as abordagens assumem as hipóteses da teoria do agenciamento já mencionadas neste trabalho.

a) Teoria positivista do agenciamentoEsta teoria possui uma abordagem menos matemática e tem como foco a identificação

de situações na qual o principal e o agente provavelmente poderão ter conflitos de metas ou objetivos. A teoria está preocupada também em descrever os mecanismos de governança que limitam o comportamento dos interesses pessoais dos agentes. Nessa teoria são identificadas as várias alternativas de contrato entre agente e principal.

O nível de capitalização das organizações, o grau de especialização dos ativos, os custos de informação e os mercados de capitais, são variáveis que influenciam as relações contratuais e a necessidade de um sistema de informações contábeis.

b) Teoria do principal/agenteÉ uma teoria abstrata que envolve a especificação de hipóteses, que são seguidas de

dedução lógica e testes matemáticos. Esta teoria busca identificar o contrato mais eficiente, levando em consideração os diversos níveis de incertezas que contribuem para o resultado, de aversão ao risco, de informações etc.

4

Page 5: A AGENCY THEORY E A CONTABILIDADE - FUCAPE ... · Web viewPortanto, deve tender a haver negligência e desperdício, até certo ponto, na gestão de tal tipo de empresa (Adam Smith,

Em geral, a teoria do principal/agente visa modelar de forma matemática os efeitos dos três fatores que interagem os contratos entre o principal e o agente, que são (Martin, 1987:70): a estrutura de preferências entre as partes (principal versus agente); a natureza da incerteza; e a estrutura informacional da organização e o seu ambiente.

O ponto essencial da teoria principal/agente é determinar o contrato ótimo entre as relações do principal e do agente, baseados em aspectos comportamentais versus de resultado (Eisenhardt, 1989:60). A teoria do principal/agente pode ser considerada complementar à positivista, uma vez que a primeira está preocupada em identificar as várias alternativas de contrato e a segunda em determinar o contrato ótimo entre o principal e o agente.

Relações e conflitos entre principal e agenteConsiderando a firma como um conjunto complexo de relações contratuais, conclui-se

que está sempre presente a figura do principal e a do agente, ou seja, as duas partes de um contrato (bilateral).

Geralmente todo relacionamento entre o principal e o agente implica em tomada de decisões. O desempenho de uma empresa, por exemplo, é altamente influenciado pelas decisões de seus agentes.

Nas relações de agenciamento surgem amplos desafios para o principal, no intuito de monitorar as ações do agente. Entre os problemas fundamentais de agenciamento aparece a questão comportamental dos agentes, de assimetria de informações, influenciados pelo perigo moral 1 e a seleção adversa 2 .

Os administradores de uma empresa (agentes) podem adotar políticas operacionais, financeiras ou de investimentos que melhor ajustem às suas preferências de tempo e de risco aos invés daquelas dos acionistas. Ou seja, podem tomar decisões que levem a resultados diferentes daqueles que os acionistas gostariam.

Os gestores (agentes) são cobrados por decisões que aumentem a riqueza dos acionistas (principal). Por um lado, os acionistas estão com seus capitais expostos ao risco, mas sem muitas influências diretas nas atividades das empresas. Eles vêem as organizações como um veículo de investimento e esperam que seus administradores tenham como objetivo a maximização do valor de seus patrimônios. Os gestores, por sua vez, consideram os proprietários simplesmente como uma parte do relacionamento com a firma. Eles vêem a empresa, mais ainda, como fonte de salários, auto-estima e como meio de criar valor de seu próprio capital humano. Para aumentar esses benefícios, muitas vezes, os gestores tomam decisões que beneficiam eles mesmos às custas dos acionistas (Byrd et alii, 1998:14).

Segundo Byrd et alii (1998:14) a qualidade das decisões dos agentes não dependem somente de suas habilidades, mas também dos incentivos que lhes são oferecidos nas decisões que criam valor para os acionistas (no caso dos agentes serem os gestores).

Os problemas de agenciamento surgem com os conflitos existentes entre o principal e o agente. Por menor que seja a divergência de interesses entre as partes, principalmente nas políticas operacionais, financeiras e de investimentos de uma empresa, pode acarretar perdas significativas para os acionistas.

Diversos são os problemas de agenciamento que geralmente surgem entre principal e agente. Byrd et alii, (1998:14) apresentam como principais os seguintes:

a) Problema de esforço Quando os administradores das empresas (agentes) são empregados assalariados,

geralmente surge o problema de agenciamento por esforço (melhor dizendo: falta de esforço). O agente tende a defender primeiramente seus interesses pessoais. Se, além do salário, possui

5

Page 6: A AGENCY THEORY E A CONTABILIDADE - FUCAPE ... · Web viewPortanto, deve tender a haver negligência e desperdício, até certo ponto, na gestão de tal tipo de empresa (Adam Smith,

algum incentivo, como participação nos resultados, participação acionária, bônus etc., tendem a priorizar também os objetivos dos acionistas, uma vez que estes convergem com suas metas pessoais.

b) Problema de horizonteAcionistas e administradores possuem diferentes horizontes de tempo. Supõe-se que a

firma tem vida infinita e os acionistas consideram o valor da firma como uma série infinita de fluxos de caixa. Já os administradores limitam-se em grande parte aos fluxos de caixa gerados durante os seus empregos, assim dificilmente descontam os fluxos de caixa que são prováveis acontecer depois que eles deixem a firma.

Essa divergência de horizonte existente entre acionistas e administradores tendem a tomar grande importância quando se aproxima o período de aposentadoria do executivo (agente). Nesses casos há uma tendência do administrador a dar preferência às estratégias operacionais ou de investimentos com custos menores e geração rápida de resultados do que aquelas mais lucrativas e com investimentos de longo prazo e mais caros.

Kassai et alii (2000:28) apresenta um Quadro Resumo das diferentes expectativas das pessoas envolvidas na empresa considerando sua vida útil, em anos, que esclarece essa questão.Pessoas Envolvidas Vida útil na empresaUm dono da empresa 50 anosUma família 3 geraçõesUm gestor 35 anosUm operário 15 anosEMPRESA CONTINUIDADE

E explica (Kassai et alii, 2000:29):Considerando que o brasileiro tem uma expectativa média de vida de 65 anos e que pode começar a trabalhar aos 15 anos de idade, um dono de empresa teria uma vida útil de trabalho de até 50 anos. O ditado popular: "Pais ricos, filhos nobres e netos pobres" infere que uma mesma família permanece no máximo três gerações na mesma empresa. Os gestores não acionistas que exerçam cargos de autoridade permaneceriam até o prazo legal de aposentadoria, enquanto os demais operários desprovidos de qualificações técnicas ou de níveis de autoridades dificilmente trabalhariam toda a vida em uma única empresa.

c) Problema de diferentes preferências de riscoDe acordo com a teoria dos portfólios a diversificação elimina o risco específico da

empresa mas não exclui as flutuações sistemáticas ou de mercado no retorno dos investimentos em ações. Neste contexto, um investidor bem diversificado está preocupado inicialmente com o risco sistemático.

A maior parte da riqueza dos administradores geralmente está ligada ao sucesso da empresa para a qual eles trabalham, o que significa que não está bem diversificada. Os seus recursos disponíveis, presentes e futuros (receitas salariais, valor das ações da empresa que possui, experiências e treinamentos etc.), dependem da sobrevivência da firma. A falência da empresa, ou mesmo um distúrbio financeiro, pode implicar na demissão do administrador e conseqüentemente afetar negativamente sua reputação no mercado de trabalho.

O resultado dessa situação em que os gestores podem ter altas perdas quando a firma permanece com algum distúrbio, mas relativamente pouco benefício quando isso não acontece, leva os administradores a preferirem menores riscos que os acionistas.

Assim, os administradores podem escolher políticas de financiamento e de investimentos que reduzem o risco total ao qual a empresa está sujeita. Por exemplo, ao invés

6

Page 7: A AGENCY THEORY E A CONTABILIDADE - FUCAPE ... · Web viewPortanto, deve tender a haver negligência e desperdício, até certo ponto, na gestão de tal tipo de empresa (Adam Smith,

de apostar pesado em novos produtos, novos mercados e tecnologia, o gestor pode escolher um caminho de menor risco, expandindo uma linha de produtos existente que utiliza tecnologias e vendas em um mercado conhecido.

Renunciar projetos potencialmente muito lucrativos reduz a expectativa de riqueza dos acionistas, mas aumenta a expectativa de riqueza dos administradores.

d) Problema de utilização dos ativosPara atrair ou manter administradores talentosos as empresas oferecem algumas

vantagens ou mordomias, tais como: carros da empresa, participação em clubes de recreação, sofisticados ambientes de trabalho etc. Os gestores também podem fazer investimentos improdutivos para aumentar suas compensações e/ou prestígio.

Nessas situações, principalmente com o uso excessivo desses ativos da empresa pelos agentes, pode gerar um conflito de agenciamento.

CUSTOS DE AGENCIAMENTO

ConceitoOs custos de agenciamento são os gastos incorridos na prevenção e resolução de

conflitos entre o principal e o agente, ou seja, aqueles associados à contratação entre as partes, bem como as perdas resultantes das atitudes oportunistas do agente.

Classificação dos custosVários autores tentaram apresentar uma classificação para os custos de agenciamento.

Vale destacar que não há muitas divergências nessas classificações. O que se percebe é que a maioria dos autores parte do trabalho de Jensen & Meckling (1976:308) que definem os custos de agenciamento como a soma: das despesas de monitoramento pelo principal, das despesas com cobertura de seguros e das perdas residuais.Despesas de monitoramento pelo principal

Com o objetivo de avaliar, acompanhar e restringir o comportamento dos gestores (agente) no que se refere às suas atuações que melhor atendam aos interesses dos proprietários (principal), são incorridos gastos com a estruturação de sistemas de informações, com controles, com auditorias e outras despesas diretas, com o intuito de evitar uma situação de oportunismo por parte do agente.

Podem ser incluídos também nesta classificação as despesas de estruturação, que são os custos da estrutura organizacional da empresa, que formam as diversas relações de agenciamento. Assim também são os custos com planos de incentivos dados aos agentes. Despesas com coberturas de seguros

São gastos incorridos pela empresa para criar mecanismos de proteção contra danos causados por atos desonestos (oportunismo) do agente. Geralmente são realizados contratos de seguros com outra companhia, por exemplo, que concorda em reembolsar até um determinado limite de valor, caso ocorram perdas para a empresa decorrentes de atitudes de oportunismo de seus administradores.Perdas residuais

São as perdas decorrentes das divergências de comportamento ocorridas entre as decisões tomadas pelos agentes e as decisões que maximizariam o bem-estar do principal. Podem ser consideradas como perdas de oportunidades de tomada de decisão para o principal, que nem sempre são de fácil mensuração mas, no entanto, não podem ser desconsideradas.

7

Page 8: A AGENCY THEORY E A CONTABILIDADE - FUCAPE ... · Web viewPortanto, deve tender a haver negligência e desperdício, até certo ponto, na gestão de tal tipo de empresa (Adam Smith,

Outra classificação interessante dos custos de agenciamento que possui como base os contratos, pode ser encontrada em Willianson (1985, apud Siffert Filho, 1996), dividindo-os em dois tipos (ou dois momentos): custos ex-ante e ex-post aos contratos.

Como ex-ante estão os custos de estruturação, desenvolvimento, montagem, negociação, salvaguarda (garantias) do acordo (contrato) realizado entre o principal e o agente.

Para os custos ex-post são considerados aqueles decorrentes da não realização do que haveria sido acordado; de algumas renegociações para suprir eventuais mal adaptações às cláusulas contratuais; dos esforços para resolver prováveis conflitos entre as partes; do acompanhamento e monitoramento da observância dos acordos acertados etc.

Durante a vigência dos acordos ou contratos, tanto o principal como o agente, devem adotar uma postura de negociação das diferenças, seguindo para uma convergência de interesses. Neste sentido, o conjunto de informações, o sistema de acompanhamento de desempenho e os mecanismos de incentivo e punição são fundamentais para a solução de inevitáveis contingências que eventualmente surjam durante a execução do contrato.

Buscar a eficiência contratual, redundando na minimização dos custo de agency, pode ser colocado como um dos principais objetivos da teoria do agenciamento.

Controles e incentivos para minimização dos custos de agenciamento

Gitman (1997:21) apresenta uma história que pode ilustrar a questão dos incentivos:A Liberty Media Corporation embarcou num festival de aquisições em dezembro de 1992. O fornecedor de programas de rede a cabo adquiriu o controle da Home Shopping Network e de sua rival, a QVC Networks. Em seguida, a Liberty Media associou-se à Sports Channel para criar uma rede de canais de esportes, transmitidos a 41 milhões de lares. A reação positiva de Wall Street elevou o preço das ações em doze vezes. Entre os favorecidos estava o presidente da Liberty Media, John Malone, que recebeu mais de 10 milhões de ações da Liberty Media, em lugar do salário. Estimativas conservadoras acerca do retorno obtido pelo presidente Malone superam $ 150 milhões no período de doze anos. Ainda assim, quase não houve queixa dos investidores. Por exemplo, William Nygren, diretor de pesquisas de uma empresa com grande participação na Liberty Media afirmou: ‘É claro que não me importo de ser sócio do homem mais esperto do ramo, especialmente se ele tem seus próprios fundos comprometidos no negócio’.

Vários são os mecanismos existentes que podem ajudar no alinhamento das relações entre o principal e o agente e, conseqüentemente, minimizar os custos de agenciamento. Byrd et alii (1998:14) apresentam alguns desses mecanismos de controle e incentivos, os quais estão resumidos a seguir:

a) Participação acionária

Aumentar o montante de ações possuídas pelos administradores é o método mais direto para alinhar os interesses dos gerentes com os dos acionistas.

Isto é factível, uma vez que um administrador que possui grande número de ações da empresa que gerencia, sofre as conseqüências, bem como colhe as recompensas das atitudes gerenciais que destroem ou criam valor para o acionista.

As decisões gerenciais de um administrador que é também acionista são provavelmente melhores e há uma tendência desse gestor vestir realmente a “camisa” da empresa.

8

Page 9: A AGENCY THEORY E A CONTABILIDADE - FUCAPE ... · Web viewPortanto, deve tender a haver negligência e desperdício, até certo ponto, na gestão de tal tipo de empresa (Adam Smith,

b) Compensação

Contratos de compensações são mecanismos fundamentais para alinhar os interesses entre principal e agente. Esse tipo de contrato é essencialmente importante em empresa na qual o principal não pode facilmente monitorar as decisões tomadas pelo agente.

Nas empresas um dos desafios na estruturação desse tipo de contrato é determinar uma compensação suficiente para atrair e manter administradores talentosos e, ao mesmo tempo, fornecer incentivos que façam com que tomem decisões que criam valor para os acionistas.

Byrd et alii (1998:19) apontam três componentes principais de planos de compensação que podem ser usados para reduzir os problemas de agenciamento e automaticamente os seus custos: salário, plano de bônus baseados na contabilidade e concessão de ações da empresa.

Salário: o salário ligado a um sistema de avaliação de desempenho pode ser um importante instrumento de incentivo no comportamento dos gestores nos seus processos de tomada de decisões que agreguem valor ao acionista.

As avaliações de desempenho podem resultar em aumento de salário por mérito, promoções, degradação e até demissão, ou seja, pode ser usado para recompensar (ou castigar) um desempenho desejável (ou indesejável).

Há de se ressaltar que alguns problemas práticos podem existir na avaliação de desempenho, como por exemplo, identificar uma medida de avaliação apropriada.

Plano de bônus baseado na contabilidade: incentivos ligados a medida de desempenho baseada na contabilidade, tais como aumento de lucro por ação, pode ajudar na redução dos custos de agenciamento.

Esses bônus geralmente são repassados aos administradores na forma de dinheiro, ações ou uma combinação de dinheiro e ações da firma que estão gerenciando.

Opção e concessão de ações da empresa: tipo de incentivo que permite aos administradores comprarem ações ao preço de mercado fixado à época da concessão. Se o preço de mercado das ações se elevar, automaticamente eles serão beneficiados pela valorização. Neste sentido, quanto maiores forem os preços futuros das ações, maior compensação se destinará à administração.

Segundo Byrd et alii (1998:21) os planos de incentivos baseados na contabilidade tendem a ser mais importantes quando os retornos de mercado são relativamente distorcidos. Por outro lado, as compensações baseadas no mercado são mais apropriadas quando as empresas enfrentam problemas de liquidez e têm oportunidades de crescimento relativamente grandes.

c) Diretoria

A diretoria de uma empresa é indicada como a representação dos interesses dos acionistas. A escolha pode recair sobre funcionários de carreira da firma ou selecionado no mercado de trabalho fora da organização. A questão é: qual desses dois extremos está melhor alinhado com os interesses do principal?

O que se conclui com base nos diversos trabalhos citados por Byrd et alii (1998:21) é que os diretores de fora estão dispostos a suportar uma mudança significativa nas políticas da firma quando necessária.

d) Mercado de trabalho dos gerentes

O desempenho atual e passado dos administradores pode influenciar em futuras contratações por outras empresas. Preocupado com essa situação o administrador procura se

9

Page 10: A AGENCY THEORY E A CONTABILIDADE - FUCAPE ... · Web viewPortanto, deve tender a haver negligência e desperdício, até certo ponto, na gestão de tal tipo de empresa (Adam Smith,

abster de um comportamento pautado nos interesses próprios às custas de acionistas. Isso pode ser um ponto positivo na redução dos custos de agenciamento.

e) Controle da empresa pelo mercado

Segundo Byrd at alii (1998:22) muitas teorias descrevem que a aquisição de uma empresa por outra ajuda a diminuir os conflitos de agenciamento quando a estrutura de gestão interna da empresa falha. Segundo os mesmos autores, essas teorias estão baseadas na premissa de que

o mercado estima antecipadamente os custos de agenciamento; o preço das ações de uma firma declina de acordo como os investidores vêem ou prevêem as fracas decisões estratégicas tomadas pelos administradores, gerindo ineficientemente os ativos ou usando os recursos da empresa de maneira não produtiva. Uma queda no valor de mercado atrai a atenção de licitantes potenciais, acreditando que possam ter lucros comprando a firma e mudando suas estratégias, melhorando sua eficiência operacional ou eliminando atividades esbanjadoras.

O fato de acontecer uma mudança de propriedade na empresa ajuda a reduzir a inércia contra a necessária mudança organizacional. Conseqüentemente, contribui com a minimização dos custos de agenciamento. Esta situação de aquisição da firma por outra empresa é mais difícil de acontecer quando o administrador possui grandes quantidades de ações da organização na qual trabalha.

f) Grandes acionistas e investidores ativistas

Segundo Shleifer & Vishny (1986 apud Byrd at alii, 1998:23) a teoria econômica sugere que os acionistas não monitoram os gerentes das empresas como deveriam. A razão pode estar no fato de que se apenas uma (pequena) parte dos acionistas procurar acompanhar as atitudes comportamentais dos administradores, eles acabam assumindo todos os custos do monitoramento e por outro lado, só conseguem os benefícios proporcionais às participações acionárias. A verdade é que se apenas uma parte participa, a outra “pega carona” nas vantagens alcançadas.

Os custos de agenciamento podem ser diminuídos quando a empresa possui grandes acionistas que se propõem a monitorar o desempenho da empresa. Os Investidores Institucionais podem ser um exemplo dessa situação, uma vez que, na maioria dos casos, detém grandes participações em várias companhias e possuem pessoas especializadas (experts) trabalhando na avaliação da performance das empresas. Como são várias organizações, os custos são diluídos.

g) Dívidas e dividendos

Altos níveis de dívidas e de dividendos reduzem os custos de agenciamento. São os argumentos de Jensen (1986), Easterbrook (1984) e Rozeff (1982) todos citados por Byrd et alii (1998:24).O pagamento de juros sobre as dívidas à terceiros podem absorver fluxos excedentes de caixa que as empresas poderiam estar tentadas a gastar com a utilização improdutiva de ativos. A dívida poderá forçar a empresa a distribuir fluxo de caixa aos credores (pelo pagamento de juros), ao invés de desperdiçá-lo em benefícios dos administradores. Neste ponto, pode-se considerar que o credor passa a ser caracterizado como principal, juntamente com os acionistas, no sentido de monitorar o agente (os administradores).

O pagamento de dividendos também pode ser um minimizador dos custos de agenciamento, uma vez que, ao distribuí-los a empresa fica com menos recursos gerados

10

Page 11: A AGENCY THEORY E A CONTABILIDADE - FUCAPE ... · Web viewPortanto, deve tender a haver negligência e desperdício, até certo ponto, na gestão de tal tipo de empresa (Adam Smith,

internamente, apertando assim, o fluxo de caixa. Neste sentido os administradores ficam menos tentados a gastar em benefícios próprios.

A TEORIA DO AGENCIAMENTO E A CONTABILIDADE

A pesquisa positiva em contabilidade e a teoria do agenciamento

Até meados da década de 70 a teoria contábil foi preponderantemente normativa. A partir dessa década, após uma seqüência de estudos empíricos, começou a emergir uma literatura sobre a teoria contábil positiva. Os precursores dessa teoria foram Watts & Zimmerman, que em 1978, publicaram o primeiro trabalho sobre o assunto: “Toward a positive theory of determination of accounting standards”.

No ano seguinte (1979) os autores divulgaram outro artigo, no qual buscam explicar o papel das teorias contábeis, sob o título “The demand for and supply of accounting theories: the market for excuses”.

Mas foi em 1986 que os autores publicam o livro “Positive accounting theory” que, conforme escrito no início de seu prefácio, “revê a teoria e a metodologia nas quais se fundamenta a ampla e crescente literatura contábil empírica de base econômica” (Watts & Zimmerman, 1986:ix). Além da teoria da contabilidade positiva, o livro aborda diversos temas, tais como, a hipótese do mercado eficiente, o modelo CAPM (Capital Asset Pricing Model), teoria das expectativas racionais, teoria dos processos políticos e a introdução da teoria do agenciamento na contabilidade.

A teoria positiva da contabilidade pretendia explicar “como o mundo se comporta” com a regulamentação da prática contábil e “como o mundo se comportaria” sem essa regulamentação. Através de uma metodologia de pesquisa que investiga a prática contábil, tal como ela é, a teoria positiva busca tirar conclusões sobre a validade ou não das premissas que são utilizadas para justificar os objetivos dos procedimentos contábeis.

Alguns axiomas da teoria positiva da contabilidade são extraídos da obra “The methodology of positive economics” do Prêmio Nobel de Economia Milton Friedman, a qual supõe-se que tenha sido a inspiração de Watts & Zimmerman (segundo Martinez, 1998:9):

i) O tomador de decisões tem um conhecimento correto de sua situação econômica;ii) O tomador de decisões prefere a melhor alternativa disponível dado seus

conhecimentos sobre a sua situação e dos recursos que dispõe;iii)O tomador de decisões é motivado pelos seus próprios interesses e não apenas pelo

interesse público;iv) Unidades e agentes econômicos apresentam um comportamento estável;iv) A firma é considerada um nexo de contratos (explícitos e implícitos) entre partes de

interesses próprios.

Como pode-se observar a teoria do agenciamento tem grande proximidade com a teoria positiva da contabilidade. A primeira trata das diversas relações e conflitos existentes na empresa e a segunda procura investigar nessas diversas relações contratuais, como gerar informações de acordo com a necessidade de seus usuários.

A teoria do agenciamento e a demanda por informação contábil

Os gestores, auditores, credores, investidores e analistas financeiros demandam informações que permitam entender (explicar) o porquê de uma determinada prática (ou negar seus fundamentos), derivando daí uma condição de estabelecer predições sobre as conseqüências futuras das ações presentes.

11

Page 12: A AGENCY THEORY E A CONTABILIDADE - FUCAPE ... · Web viewPortanto, deve tender a haver negligência e desperdício, até certo ponto, na gestão de tal tipo de empresa (Adam Smith,

Esse entendimento pode ser conseguido quando se tem um grande conhecimento sobre o funcionamento das empresas, ou seja, o desenvolvimento da teoria da contabilidade está largamente associado ao crescimento da teoria das organizações. Jensen (1983:319) apresenta duas proposições básicas que une a contabilidade às firmas:

1. Contabilidade é uma parte integral da estrutura de cada organização; e2. Um entendimento fundamental de porquê as práticas contábeis evoluem, como elas

são feitas e como melhorá-las requer um profundo entendimento sobre as organizações que agora existem nas ciências sociais.

A empresa é definida como um “emaranhado de contratos”, explícitos ou implícitos. Em cada contrato há uma relação entre o principal e o agente. Nessa relação surgem conflitos entre as partes que, por sua vez, geram custos e são tratados pela teoria do agenciamento. Desde a estruturação prévia dos contratos até o seu monitoramento posterior, surge a necessidade de informações que envolvem a empresa como um todo. É nesse ponto que a contabilidade desempenha seu papel importante de gerar informações. Por outro lado os pesquisadores contábeis necessitam conhecer as relações contratuais da firma, para que possam fazer evoluir as práticas contábeis.

Muitos são os exemplos do uso da contabilidade nos contratos firmados pela empresa. Citar-se-ão alguns baseados em Watts & Zimmerman (1986:196):

Os contratos de empréstimos firmados com instituições financeiras requerem que a empresa apresente um desempenho econômico acima de certo nível, gerando uma demanda pela contabilização dos resultados de suas operações para determinar se o nível esperado foi atingido.

O uso da contabilidade para avaliar o desempenho de gestores dos centros de lucros e centros de custos.

As gratificações, que geralmente integram os planos de recompensa e incentivo concedidos aos executivos, são geralmente calculadas a partir dos resultados contábeis, gerando assim demandas para a contabilidade.

Para o monitoramento dos contratos a auditoria desempenha importante papel. Sobre a auditoria discutir-se-á adiante.

Remonta ao século XIX e início do século XX a popularidade da hipótese de que as informações contábeis cumprem seu papel de monitorar o relacionamento entre o principal e o agente e estavam ligadas ao conceito de “administrabilidade”. Essa hipótese tem sido utilizada por historiadores contábeis para explicar a existência da contabilidade, conforme pode-se notar em Yamey (1962, apud Watts & Zimmerman, 1986:197):

As origens da contabilidade e certamente dos registros escritos são provavelmente fundamentados na necessidade de um executivo ‘contábil’ fazer uma declaração do dinheiro e outros ativos recebidos em seu cargo, em nome de seu empregador ou desembolsados em seu nome. Havia uma necessidade de verificar a honestidade e a confiabilidade dos subordinados.

Os argumentos de Watts & Zimmerman (1986:179) com relação à teoria do agenciamento na contabilidade encontram-se resumidos a seguir:

1 O perigo moral (moral hazard) refere-se à falta de esforço por parte do agente. Ele surge quando o principal não é capaz de controlar todas as ações do agente. Essa incapacidade de controle decorre da ocultação das ações do agente. Muitas vezes a utilidade de determinada atividade (ação) para o agente é diferente para o principal. Estão associados à utilidade os níveis de satisfação e de insatisfação de seus tomadores de decisão2 A seleção adversa (adverse selection) refere-se ao problema de ocultação de informações entre principal e agente. Nessa situação há um volume diferente de informações entre as partes e o principal fica incapacitado de monitorar e/ou determinar se as ações de seu agente são as melhores ou não.

12

Page 13: A AGENCY THEORY E A CONTABILIDADE - FUCAPE ... · Web viewPortanto, deve tender a haver negligência e desperdício, até certo ponto, na gestão de tal tipo de empresa (Adam Smith,

Há uma relação de agenciamento entre o acionista e os administradores; Há um contrato implícito entre os acionistas e o administrador que limitam posturas

oportunistas por parte do gestor; Há custos de agenciamento. Ineficiência (perda de confiança entre as partes). Atividades

de monitoramento ajudam a diminuir os custos de agenciamento pela redução de desconfiança dos acionistas para com os administradores;

A necessidade de monitorar explica a demanda pela contabilidade; A simples produção de relatórios financeiros não satisfaz aos acionistas; Surge a demanda por serviços de auditoria, uma vez que o relatório do auditor oferece

credibilidade para a informação contábil disponibilizada pela administração.

No contexto da teoria do agenciamento, pode-se concluir que os sistemas de informações contábeis são vistos como sistemas de monitoramento que produzem informações no qual o principal e o agente baseiam suas relações.

A pesquisa contábil e a teoria do agenciamento

A teoria do agenciamento, possui forte ligação no desenvolvimento das pesquisas contábeis, principalmente no que se refere a estudos empíricos (positivista). Conforme já discutido, a teoria positiva busca tirar conclusões sobre a validade ou não das hipóteses que são utilizadas para justificar os objetivos dos procedimentos contábeis. Neste sentido, os modelos de agenciamento são ferramentas lógicas e úteis para a descoberta de importantes relações no campo da contabilidade.

Várias são as aplicações contábeis dos modelos de agenciamento. Destacar-se-á algumas baseadas no trabalho de Martinez (1998:10):

Teoria do agenciamento na análise da escolha dos critérios contábeis

A escolha dos critérios contábeis pelos agentes podem ser influenciada, além dos termos do contrato entre o principal e o agente, pelos interesses particulares do último. Por exemplo, se o contrato de um gestor prevê uma remuneração definida em termos de lucro, este estará estimulado a adotar procedimentos contábeis mais flexíveis melhorando o resultado da empresa, e por sua vez sua recompensa.

Basicamente são situações que levam os agentes a aumentar os lucros ou prejuízos correntes, às custas dos futuros, segundo os seus interesses. Neste contexto, a pesquisa em termos da teoria do agenciamento procura explicar porque as empresas adotam determinadas práticas contábeis, como por exemplo: o que levaria uma empresa a adotar um critério PEPS ou UEPS na avaliação de estoques? Um critério de depreciação linear ou acelerado?

Teoria do agenciamento nos preços de transferência

O preço de transferência é entendido como um valor pelo qual um produto, componente de outro produto ou serviço é repassado para outra unidade (divisão, setor etc.) da empresa.

Se o desempenho de uma unidade, assim como o incentivo do gerente desta, depende desse preço de transferência, cria-se um estímulo para que o gestor adote uma atitude oportunista, mediante a manipulação da composição dos custos (os direcionadores, por exemplo). Isto pode ser explicado pela teoria do agenciamento.

Teoria do agenciamento e a compensação dos administradores

Para minimizar os custos de agenciamento decorrentes de posturas oportunistas adotadas pelos agentes, necessário se faz criar algum tipo de incentivo que o recompense. Essa compensação precisa, muitas vezes, estar atrelada a indicadores contábeis (financeiros ou não financeiros). A escolha desses

13

Page 14: A AGENCY THEORY E A CONTABILIDADE - FUCAPE ... · Web viewPortanto, deve tender a haver negligência e desperdício, até certo ponto, na gestão de tal tipo de empresa (Adam Smith,

indicadores tem relevante impacto na motivação do agente. O quadro a seguir apresenta alguns desses indicadores:

Medidas Financeiras Medidas não financeiras Margem de Contribuição Ganho na Teoria da Restrições Retorno sobre o Capital Empregado Valor Econômico Agregado ou EVA Fluxo de Caixa Livre

Qualidade e Retrabalho Satisfação do cliente Investimentos em P & D Produtividade Crescimento no Mercado

Fonte: Martinez (1998:12)

O importante papel da auditoria na relação principal/agente

A auditoria também desempenha um importante papel na monitoração dos contratos de agenciamento e está intimamente ligada à contabilidade. A auditoria, tanto interna como externa, é relevante como instrumento para monitorar as atividades e esforços dos agentes. Os auditores conferem se os números utilizados nas cláusulas dos contratos estão calculados de acordo com práticas geralmente aceitas e se tais contratos não estão sendo violados.

A teoria do agenciamento pode também ser aplicada aqui sob outro enfoque, ou seja, tendo o auditor numa visão de agente econômico que enfrenta suas próprias restrições e oportunidades. Nessa relação, entre auditor, acionista e administrador podem surgir novos conflitos já na elaboração do contrato, nos quais o auditor poderá assumir uma postura oportunista, caso em que suas atitudes dependa da manutenção do cliente, do faturamento ou do seu bem-estar.

Como as empresas de auditoria possuem outros serviços adicionais a oferecer aos seus clientes, como consultorias, outros conflitos podem aparecer, uma vez que o auditor terá que fazer lobby para vender seus produtos e estaria “negociando” os resultados dos trabalhos de auditoria.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A teoria do agenciamento procura explicar quais seriam as regras contratuais (entre principal e agente) e os incentivos necessários à indução ao comportamento ótimo, mesmo na presença de conflitos de interesses.

Em se tratando de acionista e administrador (como principal e agente, respectivamente) há uma grande probabilidade de acontecer conflitos contratuais e automaticamente aumento dos custos de agenciamento quando o administrador: (1) possui pouca ou nenhuma participação acionária na empresa que gerencia; (2) não tiver planos de incentivos baseados no mercado ou na contabilidade; (3) tiver acesso a grande montante de recursos gerados internamente, e (4) estiver próximo de sua aposentadoria.

A contabilidade e a auditoria possuem extensa relação com a teoria do agenciamento pois desempenham um papel importante que é o de gerar informações e monitorar as relações contratuais das empresas. Os modelos de agenciamento podem também ser muito úteis no processo de esclarecimento de paradigmas intimamente ligados à contabilidade.

BIBLIOGRAFIAANTLE, Rick. The auditor as an economic agent. Journal of Accounting Research. v. 20, n. 2,

Autumn 1982. p. 503-27.

14

Page 15: A AGENCY THEORY E A CONTABILIDADE - FUCAPE ... · Web viewPortanto, deve tender a haver negligência e desperdício, até certo ponto, na gestão de tal tipo de empresa (Adam Smith,

BRIKER, Robert & CHANDAR, Nandini. On applying agency theory in historical account-ing research. Business and Economic History. Williamsburg, v.27, n.2, Winter 1998. p.486-99.

BYRD, John et alii. Stockholder-manager conflits and firm value. Financial Analysts Journal. Charlottesville. v. 54, n. 3, May/Jun 1998. p. 14-30.

CHEN, Carl R. & STEINER, Thomas L. Managerial Ownership and agency conflicts: a non-linear simultaneous equation analysis of manageral ownership, risk taking, debt policy, and dividend policy. The Financial Revew. n. 34, 1999. p. 119-36.

DAVID FILHO, Benedito et alii. Algumas reflexões sobre a teoria do agenciamento aplicada à auditoria contábil. Estudos Acadêmicos UNIBERO. São Paulo, v. 4, n. 8, ago. 1998. p. 9-27.

DEMSKI, J. S. & FELTHAM, G. Economic Incentives and Budgetary Control Systems. The Accounting Review. April 1978. P. 336-59.

EISENHARDT, Kathleen M. Agency theory: an assessment and review. Academy of Man-agement Review. v. 14, n. 1, 1989. p. 57-74.

FAMA, Eugene F. Agency problems and the theory of the firm. Journal of Political Econ-omy. v. 88, n. 2, April 1980. p. 288-307.

GITMAN, Lawrence J. Princípios de administração financeira. 7. ed. São Paulo: Harbra, 1997.

GJESDAL, Froystein. Accounting for Stewardship. Journal of Accounting Research. v. 19, n. 1, Spring 1981. p. 208-32.

HENDRIKSEN, Eldon S. & VAN BREDA, Michael F. Accounting theory. 5. ed. Chicago: Irwin, 1992.

INDJEJIKIAN, Raffi J. Performance Evaluation and Compensation Research: an agency per-spective. Accounting Horizons. v. 13, n. 2, June 1999, p. 147-157.

IUDÍCIBUS, Sérgio de. Teoria da Contabilidade. 5. ed. São Paulo: Atlas, 1997.JENSEN, Michael C. & MECKLING, William H. Theory of the firm: managerial behavior,

agency costs and ownership structure. Journal of Financial Economics. n. 3, 1976. p. 305-60.

JENSEN, Michael C. Organization theory and methodology. The Accounting Review. v. LVIII, n. 2, abr. 1983.

KASSAI, José Roberto et alii. Retorno de investimento: abordagem matemática e contábil do lucro empresarial. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2000.

MARTIN, Nilton Cano. Dos fundamentos da informação contábil de controle. São Paulo, 1987. Tese [Doutorado]. Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo.

MARTINEZ, Antônio Lopo. Agency Theory na Pesquisa Contábil. ENCONTRO DA ANPAD – ENANPAD 98, 22. Anais... Foz do Iguaçú (PR), set. 1998, CD-ROM – CCG12.dot.

MILLAN, Paulo S. Emissão de debêntures, mudança de estrutura de capital e valor da empresa. São Paulo, 1992. Dissertação [Mestrado]. Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo.

PARK, Yun W. The role of controlling shareholders on the use of market and accounting performance measures in CEO incentives: an agency theory and Canadian evidence. On-tário, Canadá. 1997. Tese [Doctor of Philosophy – Management]. Queen’s University.

ROSS, Stephen A. The economic theory of agency: the principal’s problem. The American Economic Revew. v. 63, n. 2, May 1973. p. 134-9.

15

Page 16: A AGENCY THEORY E A CONTABILIDADE - FUCAPE ... · Web viewPortanto, deve tender a haver negligência e desperdício, até certo ponto, na gestão de tal tipo de empresa (Adam Smith,

SHANKMAN, Neil A. Reframing the debate between agency and stakeholder theories of the firm. Journal of Business Ethics. Dordrecht. v. 19, n. 4, May 1999. p. 319-34.

SIFFERT FILHO, Nelson F. A teoria dos contratos econômicos e a firma. São Paulo, 1996. Tese [Doutorado]. Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo.

WATTS, Ross L. & ZIMMERMAN, Jerold L. Towards a positive theory of the determinants of accounting standards. The Accounting Review. Jan. 1978.

_______________. The demand for and suply of accounting theories: the market for excuses. The Accounting Review. April 1979.

_______________. Positive Accounting Theory. New Jersey: Prentice-Hall, 1986.

16