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Universidade de Lisboa Faculdade de Direito A Adoção Internacional e o Superior Interesse da Criança Rafael José Esteves Atalaio Mestrado Profissionalizante Ciências Jurídico-Forenses 2017

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  • Universidade de Lisboa

    Faculdade de Direito

    A Adoo Internacional e o Superior

    Interesse da Criana

    Rafael Jos Esteves Atalaio

    Mestrado Profissionalizante

    Cincias Jurdico-Forenses

    2017

  • - 2 -

    Universidade de Lisboa

    Faculdade de Direito

    A Adoo Internacional e o Superior

    Interesse da Criana

    Rafael Jos Esteves Atalaio

    Dissertao Orientada

    pela Prof. Doutora Maria Margarida Silva Pereira

    Mestrado Profissionalizante

    Cincias Jurdico-Forenses

    2017

  • - 3 -

    Dedico esta dissertao aos meus pais, Jos e Olga,

    Por me ensinarem o significado de famlia.

  • - 4 -

    Agradecimentos

    Agradeo minha orientadora, a Prof. Doutora Maria Margarida Silva Pereira, pela sua

    incansvel ajuda e disponibilidade que sempre demostrou ao longo da elaborao desta

    dissertao.

    Aos meus pais e irmos, de duas e quatro patas, pelo amparo e motivao constantes.

    Ana Catarina, Carolina e Solange, as trs graas, pela sua ateno e conselho.

    todos os meus amigos, de duas e quatro patas, por suportaram as minhas ausncias e

    silncios prolongados.

  • - 5 -

    Resumo

    O instituto da adoo atravessa todas as culturas e existe desde h muito, tendo

    desempenhado diferentes papis ao longo dos tempos. Tal instituto tem vindo a refletir

    as mudanas sociais relativas ao modo como a sociedade encara as necessidades da

    criana, o modo de exerccio das responsabilidades parentais e, as necessidades dos pais

    biolgicos e dos pais adotivos. Este um assunto cada vez mais relevante com o

    fenmeno da globalizao e premncia dada na sociedade contempornea s crianas e

    seus direitos. Este um assunto de hoje e para o futuro.

    O presente estudo pretende abordar este instituto, j to antigo e, em particular

    estudar a adoo internacional. A presente monografia tratar sobre adoo

    internacional numa perspetiva global, e de modo especial, na perspetiva do

    ordenamento jurdico portugus.

    A forte ligao da adoo ao princpio do superior interesse da criana, principio

    maior do direito da famlia, influncia profundamente todo o instituto jurdico, e em

    especial o caso da adoo internacional. A colocao de crianas em famlias

    estrangeiras uma opo subsidiria, em grande parte pelas dificuldades que iro

    encontrar, a partir do momento de sada de seu pas de origem. Dificuldades como

    diferenas de cultura, lngua, religio, hbitos, entre outras, podendo resultar num

    desenraizamento cultural das crianas e afetar as suas identidades culturais, alm do

    corte com as suas famlias biolgicas que est implcito em qualquer adoo.

    Nesta dissertao sero analisados os aspetos gerais da adoo, as fontes de

    direito internacional e nacional em matria de adoo, e em especial, a Conveno de

    Haia de 1993, com a qual os Estados-membros por meio de acordos bilaterais ou

    multilaterais procuraram regular este tipo de adoo, e a unificadora Lei n. 143/2015,

    de 8 de setembro.

    Por fim, ser analisado o princpio do superior interesse da criana e as ligaes

    e especificidades que apresenta na adoo internacional, em especial em ligao com o

    princpio do primado da continuidade das relaes psicolgicos profundas e o da

    subsidiariedade da adoo internacional.

    Palavras-chave: Adoo; adoo internacional; crianas; superior interesse; Portugal.

  • - 6 -

    Abstract

    The adoption institute transcends all cultures and has long since existed, having

    played different functions over time. This institute has come to reflect social changes

    relating to how society faces child's needs, the way of exercising parental

    responsibilities and the needs of birth parents and adoptive parents. This is a subject

    increasingly relevant within the phenomenon of globalizations and the urgency given

    to children and their rights in contemporary society. This is a subject from today e to the

    future.

    The present study aims to approach this ancient institute and, in particular, to

    study international adoption. The present monography will address international

    adoption in a global perspective, and more significantly, under the perspective of

    Portuguese legal system.

    The strong connection between the principle of the childs best interest, major

    principle of family law, deeply influences the entire legal institute and, specially, the

    matter of international adoption. The placing of children in a foreign family is a

    subsidiary option, in great deal due to the difficulties that they will find from the

    moment they exit their country of origin. Difficulties such as differences in culture,

    language, religion, habits, among others that may result in childrens cultural uprooting

    and affect their cultural identity, beyond the cut with their biological family, implied in

    any adoption.

    In this dissertation we shall analyze the general aspects of adoption, international

    and national sources of law and specially, the 1993 Hague Convention, in which the

    Member-States, by means of bi-lateral or multi-lateral agreements, sought to regulate

    this kind of adoption, and the unifying Law n. 143/2015, of 8 of september.

    At last, we will analyze the principle of the childs best interest and its

    connections and specificities regarding international adoption, in particular in

    connection with the principle of primacy of the continuity of deep psychological

    relations and the subsidiarity of international adoption.

    Key words: Adoption; international adoption; children; best interest; Portugal.

  • - 7 -

    Lista de Abreviaturas e Siglas

    Ac. Acrdo

    al./als. Alnea/alneas art./arts. Artigo/artigos

    AC Autoridade Central para Adoo Internacional

    CC Cdigo Civil

    CPC Cdigo de Processo Civil

    CH 1993 Conveno de Haia de 1993

    CDC Conveno sobre os Direitos da Criana cf. Confira

    CRP Constituio da Repblica Portuguesa DL Decreto-Lei

    ed. Edio Etc. Entre tantas outras coisas

    LPCJP Lei de Proteo de Crianas e Jovens em Perigo

    n./n.s Nmero/nmeros p./pp. Pgina/pginas

    RJPA Regime Jurdico do Processo de Adoo

    s./ss. Seguinte/seguintes

    vol./vols. Volume/volumes

  • - 8 -

    ndice

    Introduo p.9

    I. - Da Adoo p.10

    I.1. - Evoluo Histrica p.10

    I.2. - Evoluo Histrica do Instituto da Adoo em Portugal p.15

    I.3. - Definio do Conceito de Adoo p.21

    I.4. - Natureza Jurdica da Adoo p.24

    II. - Da Adoo Internacional p.26

    II.1. - No direito internacional, e em especial, na Conveno de Haia de 1993 p.26

    II.2. - No direito portugus, e em especial, na Lei n. 143/2015, de 8 de setembro p.30

    II.2.1. - Adoo de crianas estrangeiras em Portugal p.34

    II.2.2. - Adoo de crianas residentes em Portugal por candidatos residentes no

    estrangeiro p.35

    II.3. - Da Autoridade Central e das entidades mediadoras p.36

    II.4. - Adoo internacional em pases no-contratantes da Conveno de Haia p.38

    II.5. - Reconhecimento das decises de adoo internacional p.39

    II.6. - Efeitos da adoo internacional p.40

    II.7. - Conhecimento das origens do adotado na adoo internacional p.42

    III. - Do Superior Interesse da Criana p.44

    III.1. - Aproximao Conceptual p.44

    III.2. - A Adoo Internacional e o Principio do Superior Interesse da Criana p.50

    Concluses p.63

    Bibliografia p.65

  • - 9 -

    Introduo

    A presente dissertao tem por objetivo inserir-se no grande rol de estudos e

    artigos sobre a adoo, esse milenar instituto, desenvolvendo o tema especfico e ainda

    pouco trabalhado da adoo internacional no ordenamento jurdico portugus.

    A seleo deste tema relaciona-se primeiramente ao interesse jurdico adjacente,

    mas tambm pela matria sensvel de que trata, a criana e os seus direitos, sendo que

    tudo ao que s crianas diz respeito nos parece de grande importncia.

    Esta forma de estabelecer a filiao, por necessariamente depender de relaes

    entre vrios pases, pelo seu incremento exponencial nas ltimas dcadas, muito devido

    quebra de barreiras de comunicao e incrementado por fenmenos migratrios e de

    refugiados, pela sua utilizao potencial para prticas de trfico e pela falta de um

    estudo jurdico conciso, detalhado e atualizado sobre esta matria no nosso pais, entre

    outros, so os motivos que nos levam a escolher este tema apaixonante.

    A pesquisa feita para poder desenvolver este trabalho ter como suporte a

    legislao nacional e internacional sobre a matria, mas tambm teremos o apoio da

    doutrina e tentaremos igualmente proceder anlise de alguma jurisprudncia, sempre

    que tal se mostre pertinente.

    Em relao estrutura da presente dissertao, em primeiro lugar faremos um

    enquadramento histrico sumrio relativo adoo, instituto verdadeiramente milenar,

    que sofreu diversas alteraes e atualizaes no tempo e no espao. Nesta sede faremos

    tambm uma anlise especfica da evoluo histrica do instituto da adoo em

    Portugal, at s mais recentes alteraes legislativas. Posteriormente tentaremos

    aproximarmo-nos do conceito de adoo, luz do ordenamento jurdico portugus.

    Na segunda parte da presente dissertao, a parte mais expositiva, faremos uma

    anlise aprofundada do direito internacional e nacional sobre o assunto, com especial

    enfase a Conveno de Haia de 1993 e a Lei n. 143/2015, de 8 de setembro, estudando

    com algum detalhe os mecanismos da adoo internacional em Portugal.

    Na terceira parte, tendo em conta que o princpio do superior interesse da criana

    o princpio que norteia o direito dos menores, e que no instituto da adoo

    internacional este tem uma grande importncia e especificidades relevantes, tentaremos,

    aps um estudo do presente conceito, estudar os afloramentos deste princpio no

    presente regime, e por outro lado, as contribuies do presente regime para o

    aprofundamento e determinao do princpio do superior interesse da criana.

    Por fim, anunciaremos as nossas concluses.

  • - 10 -

    I. - Da Adoo

    I.1. - Evoluo Histrica

    A adoo um instituto milenar, sendo uma prtica irregular ao longo da

    histria da humanidade. To antigo quanto o conceito da famlia foi uma soluo para

    satisfazer a necessidade religiosa de descentes para exercerem o culto dos antepassados.

    Na antiga Mesopotmia, no Cdigo de Hamurabi, atualmente apontado como o

    primeiro conjunto de leis jamais encontrado, de 1.7000 a. C., trata claramente da figura

    nos seus arts. 185 a 1931, chamando-a de mrutu. Com esta coexistia a figura da

    tarbtu, que tinha como finalidade principal a educao da criana2 sem lhe atribuir a

    qualidade de herdeiro, no se devendo considerar esta como uma verdadeira adoo3.

    Tambm j no Cdigo de Manu, na antiga ndia, se faz referncia a adoo no seu livro

    IX4, com o fim primrio de permitir as cerimnias fnebres do adotante, visto que

    apenas os filhos vares do de cujus podiam celebrar os ritos fnebres deste.

    A figura da adoo aparece j no livro do xodo, na histria do profeta Moiss.

    Pelos antigos Hebreus era pratica corrente o adoo, bem como o levirato, pratica com

    semelhanas com o adoo, que consistia na obrigao de um homem a casar-se com

    a viva do seu irmo quando este no deixou descendncia masculina, sendo que o filho

    deste casamento considerado descendente do morto e no do pai biolgico, como

    forma de evitar o desaparecimento do nome do morto5. No Antigo Egipto, a figura da

    adoo no era conhecida, mas a prtica de assumir a paternidade de crianas

    abandonadas era possvel. Na antiga Grcia a adoo tambm era praticada, sendo que

    aparece inclusivamente na mitologia grega, no mito de dipo.

    Na antiga Roma, uma sociedade marcadamente patriarcal e onde o conceito de

    famlia abrangia todos os colaterais, a adoo tinha inicialmente dois institutos adotivos,

    a adrogatio e a adoptio. O direito romano concebia a adrogatio, de maior abrangncia,

    como a incorporao de um pater familias, que sofria uma diminuio da sua

    capacidade, no poder de outro pater familias, transmitindo-se no s o adotado como

    todos os seus dependentes e bens para o potestas do pater familias adrogante, enquanto

    1Disponvel em http://www.angelfire.com/me/babiloniabrasil/hamur.html, consultado a 09-01-2017. 2Os conceitos de menor e criana no tm contedos exatamente iguais. Tentaremos por isso, utilizar

    preferencialmente o termo criana, visto que o termo utilizado pelo legislador no RJPA, chegando a

    defini-lo no art. 2. al. d) do RJPA, e claramente demarcando os dois conceitos ao s permitir a adoo de

    uma menor, com mais de 15 anos, nos casos previstos na lei. Vide Maria Margarida Silva Pereira, Direito

    da Famlia, p. 490. 3Cf. Rabindranath Valentino A. Capelo de Sousa, A adopo: constituio da relao adoptiva, p. 15. 4Disponvel em http://www.sacred-texts.com/hin/manu/manu09.htm, consultado a 09-01-2017. 5Como explicito no Gnesis 38:8 e Deuteronmio 25:5-6.

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Casamentohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Vi%C3%BAvahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Irm%C3%A3ohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Descend%C3%AAnciahttp://www.sacred-texts.com/hin/manu/manu09.htmhttp://pt.wikisource.org/wiki/Tradu%C3%A7%C3%A3o_Brasileira_da_B%C3%ADblia/G%C3%AAnesis/XXXVIII#38:8http://pt.wikisource.org/wiki/Tradu%C3%A7%C3%A3o_Brasileira_da_B%C3%ADblia/Deuteron%C3%B4mio/XXV#25:5

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    no adoptio apenas havia adoo do individuo, de um nico filius familiar, sem os seus

    dependentes, quebrando todas as ligaes com a famlia de origem e integrando-se na

    famlia adotiva de forma plena6.

    O instituto tinha como objetivo principal dar continuidade ao culto do pater

    famlias e era utilizado com frequncia, sendo j previsto na Lei das XII tbuas,

    baseando-se tambm no culto familiar da famlia. Outros objetivos possveis eram

    tambm o acesso condio jurdica de cidado romano ou permitir a sucesso num

    cargo ou dignidade pblica, como mais tarde, por exemplo, no cargo de Imperador.

    Tambm na antiga Roma era permitido a adoptio per testamentum, que como ato

    de ltima vontade do testador produzia efeitos aps a sua morte, sendo que para ter

    eficcia tinha de ser confirmado pela Cria. O exemplo mais clebre desta prtica foi a

    adoo de Octvio, futuro Augusto e primeiro Imperador romano, por Jlio Cesar,

    atravs do seu testamento.

    Na poca justiniana surgem duas modalidades de adoptio, a adoptio plena e a

    adoptio minus plena. A adoptio plena era realizada por um ascendente do adotado,

    ficando este sujeito ao patria potestas do adotante. Na adoptio minus plena era o

    adotante no familiar ao adotado e s tendo efeitos para o direito sucessrio do

    adotante, tendo portante estas modalidades funes e objetivos diferentes7. No fim do

    Imperio Romano, com o declnio do patria potestas, o instituto perdeu o seu cunho

    religioso, passando a comtemplar maioritariamente casais estreis.

    Nas tribos germnicas, por influncia do contacto com o Imprio Romano e o

    seu direito, a adoo aparece como verdadeira figura jurdica, com fins exclusivamente

    patrimoniais, e sucessrios em particular. A existncia do instituto manteve-se em

    alguns povos como os Visigodos, durante o perodo inicial da Idade Mdia, para

    transmisso do nome e do patrimnio do adotante apenas, no prevendo o

    estabelecimento de relaes de parentesco entre adotado e adotante.

    Na Arbia pr-islmica a adoo era prtica comum. O prprio profeta Maom

    foi adotado pelo tio depois da sua orfandade e mais tarde, e por sua vez, adotou o

    escravo Zaid. Mas com a proibio expressa por parte do Alcoro8, nos pases de

    confisso muulmana a adoo foi sendo progressivamente proibida.

    Na Europa, com o decorrer da Idade Mdia, sob grande influncia do direito

    6Cf. Rui Jos Simes Bayo de S Gomes, O novo regime de adopo, p. 6. 7Cf. Eduardo dos Santos, Direito da Famlia, pp. 632 e 633. 8Alcoro, sura XXXIII, versculos 4 e 5, disponvel em http://al-quran.info/#33, consultado a 09.01.2017.

    Ver tambm Joseph, Schacht, An introduction to Islamic Law, pp. 166 e 167.

    http://al-quran.info/#33

  • - 12 -

    cannico, a adoo quase desapareceu enquanto instituto jurdico. Esta negativa

    influncia prendeu-se com o facto de que a adoo contrariava os interesses

    patrimoniais da Igreja e dos monarcas, pois com o falecimento dos senhores feudais

    sem herdeiros caberia a estes arrecadar as propriedades deixada pelos mesmos, atravs

    do donatio post obitum.

    Tambm de notar que o conceito de famlia passa a estar fortemente associado

    ideia do sacramento do casamento e dos descendentes resultantes desse vnculo,

    conceo que no se encaixava bem com a adoo. igualmente de notar o facto de que

    o enfraquecimento prtico dos fundamentos que levavam at este perodo adoo,

    como o culto dos antepassados, levou tambm decadncia crescente do instituto9.

    Contudo, neste perodo a prtica da adoo no desapareceu completamente em

    pases de civil law, portanto em sistemas jurdicos com origens no direito romano, mas

    o foco passou a ser exclusivamente patrimonial10, pois visava apenas a transmisso de

    propriedade tal qual como ocorria na sia Oriental.

    A figura, presente nas leis visigticas como a Lex Romana Visigothorum,

    chamada de perfiliatio11, criava um vnculo artificial de filiao entre duas pessoas, de

    forma similar ao parentesco consanguneo. A perfiliatio e outros institutos como a

    affiliatio, da Epistola episcoporum Hispaniae ad episcopos Franciae, ou o porfijar, das

    Seite Partidas de Afonso X, so outras formas de designar o que os romanos

    denominavam de adoo.

    Em culturas de origem no europeia a adoo era tambm prtica corrente, tendo

    como fim principal a continuao da famlia, e tambm o bem-estar da adotado12. Por

    exemplo, ente os Tchuktche da Asia Oriental, entre os habitantes da ilhas Murray na

    Ocenia ou entre os ndios Crow no norte dos Continente Americano, a adoo revestia-

    se de forte afetividade e privilegiava muitas vezes a adoo de memores com laos

    sanguneos aos adotantes13.

    Entretanto os pases regidos pela common law impunham regras proibitivas

    9Cf. Nuno Gonalo da Ascenso Silva, A constituio da adopo de menores nas relaes privadas

    internacionais: alguns aspectos, pp. 28 e 29, nota de rodap 26. 10No produzindo efeitos pessoais, Guilherme Braga da Cruz, Algumas consideraes sobre a perfiliatio,

    pp. 30 e ss. 11Quando a problemtica do instituto da perfiliatio e das suas semelhanas e distines com a adopo

    romana, ver Guilherme Braga da Cruz, ibidem, pp. 2 e ss. 12A funo social da adoo j existia por exemplo entre os ndios dos territrios dos Estados Unidos da

    Amrica, consequncia do grande nmero de rfos resultados dos frequentes conflitos, Fausto Amaro,

    Aspectos sociolgicos da adopo em Portugal: um estudo exploratrio , pp. 7 e 8. 13Cf. Fausto Amaro, ibidem, p. 5.

  • - 13 -

    adoo, devido a uma conceo da inalienabilidade do poder paternal. No entanto, nos

    Estados Unidos da Amrica, o instituto da adoo foi introduzido no sistema jurdico,

    primeiramente no Louisiana, ainda no incio do sculo XIX. Este era um territrio

    inicialmente francs, e clara a influncia do Cdigo Civil de Napoleo, que aprovado

    no princpio do sculo, permitia a adoo de maiores e surtiu muita influncia nos

    tempos de ento.

    Tambm no Texas, por influncia do direito espanhol o instituto foi bem

    acolhido. O instituto foi-se alastrando para outros estados, mas foi tambm sofrendo

    alteraes. Assim rompendo com a regra proibitiva da common law face a adoo, nos

    Estados Unidos da Amrica passou a existir um sistema de acolhimento de crianas,

    com o objetivo de estas serem colocadas ao cuidado de outras famlias a fim de

    aprenderem um ofcio14.

    Foi s a partir da 1. Guerra Mundial que a criana passou a ser encarado como

    sujeito titular de direitos, sendo que por exemplo em 1919 foi instituda uma idade

    mnima para trabalhar pela Conferencia Internacional do Trabalho e em 1924 foi

    aprovada a Declarao de Genebra sobre Direitos da Criana15, que aps ter sido

    aprovada pela Liga das Naes, deu origem Carta da Liga sobre a Criana.

    Com milhares de crianas rfs, como resultado do conflito, a 19 de junho de

    1923 em Frana a adoo passou a poder ser tambm de menores. Na primeira metade

    do sculo XX, outros pases que tinham consagrado a adoo segundo o modelo

    oitocentista francs vieram pois adotar este novo paradigma, e em vrios ornamentos

    jurdicos que no tinham qualquer forma da adoo foi este novo modelo reconhecido16.

    Com a situao de muitos rfos ainda mais agravada pela crise econmica de

    1929, e mas tarde a 2. Guerra Mundial, a adoo passou a ser socialmente bem vista

    enquanto forma de proteger o alto nmero de crianas desvalidas e impedi-los de aderir

    a uma vida marginal e criminosa. A adoo foi pois reconsiderada como forma de

    colaborao dos privados com o Estado para ajudar as crianas desvalidas17.

    14Cf. Clment Launay, Michel Soul e Simone Veil, L'adoption: donns mdicales psychologiques et

    socials, pp. 17 e s. 15A Declarao de Genebra foi o primeiro instrumento jurdico internacional a fazer referncia a direitos

    da criana. Disponvel em http://www.gddc.pt/direitos-humanos/onu-proteccao-dh/orgaos-onu-estudos-

    ca-dc.html#IA, consultado a 09-01-2017. 16Cf. Nuno Gonalo da Ascenso Silva, ibidem, p. 33, nota de rodap 37. 17No se pode deixar de notar a ligao do florescimento do instituto da adoo no sculo XX a situaes

    de conflitos armados ou grandes desastres naturais, tendo em conta que estes resultam num grande

    nmero de crianas rfs, ou pelo menos afastadas dos seus pais.

  • - 14 -

    O instituto foi repensado18, beneficiando agora, especialmente, os incapazes e

    tornando mais completos os seus efeitos. Assim passou o instituto a ter um tratamento

    jurdico avanado, na sua forma plena, semelhante filiao biolgica, legitimando o

    adotado e conferindo-lhe a designao e direitos de um filho biolgico.

    A efetivao dos direitos das crianas tambm continuou e em 1959 foi

    aprovada pela Organizao das Naes Unidas, organismo que sucedeu Liga das

    Naes, a Declarao dos Direitos da Criana, declarao que em 1989 deu origem

    CDC, um verdadeiro instrumento jurdico.

    A adoo passou neste perodo por profundas transformaes na sua finalidade.

    Originalmente estabelecida no interesse do adotante, para garantir a perpetuidade da

    famlia, assegurar a transmisso do nome e tambm do patrimnio, a adoo

    contempornea ordenada ao interesse do adotado, tendo por fim ampara-lo e defend-

    lo, mediante insero numa nova famlia.

    Apesar da generalizada aceitao internacional da adoo, ainda hoje, nos pases

    de confisso muulmana proibida a adoo, por exemplo em Marrocos ou na Arglia,

    por imposio do Alcoro e da Charia decorrente, negando-se os efeitos da adoo.

    Nestes pases a adoo foi substituda por outra figura, a kalafa, sendo a filiao natural

    a nica forma de filiao nos pases de confisso islmica. O instituto da kalafa no

    estabelece relaes de parentesco e no tem efeitos matrimoniais e sucessrios, ao

    contrrio da adoo.

    Na kalafa, o menor apenas tem direito a cuidados materiais e a uma educao,

    sendo uma figura que mais se aproxima do acolhimento19. tambm de notar que a

    kalafa no tem os mesmos efeitos em todos os pases com esta figura jurdica. Por

    exemplo na Tunsia20, pas de confisso muulmana, pela forte influncia francesa

    partir dos anos cinquenta, foi permitida a adoo dos pupilos do estado e crianas

    abandonadas. A prtica de institutos semelhantes adoo, como a kalafa marroquina,

    ainda assim existe nestes pases.

    Assim como na kalafa islmica, na kindschaft alem ou no acogimiento familiar

    espanhol, bem como em outros institutos, em que no se estabelea uma verdadeira

    18Cf. Fernandes Pires de Lima e Antunes Varela, Cdigo civil anotado, Vol. 5, p 505, onde os autores

    tentam esquematizar em trs fases o movimento de ressurreio da adoo na Europa, usando o modelo

    francs como paradigma. Nas pp. ss. demostra-se que a evoluo no direito portugus da figura da adoo

    segundo este modelo. 19Cf. Agustn Motilla, La Filiacin natural y adoptiva en el derecho islmico y en los cdigos de

    Marruecos, Argelia y Tnez: relevancia en el derecho espaol In El Derecho de familia ante el siglo XXI,

    pp. 588 e 589. 20Cf. Nuno Gonalo da Ascenso Silva, ibidem, p. 29, nota de rodap 28.

  • - 15 -

    relao de parentesco semelhante filiao natural entre o adotado e adotante no

    estamos perante a figura da adoo. A adoptio in fratem ou fraternitatem21, entre irmos

    portanto, que estabelece um vnculo de parentesco diverso de filiao, tambm no deve

    ser encarado como vnculo semelhante adoo.

    A adoo inseriu-se assim no movimento universal de promoo e proteo

    infncia22, sobretudo a abandonada, denotando a preocupao social que hoje orienta o

    instituto. O principal intuito da adoo consolidou-se na proteo da criana,

    deslocando-se do adotante, e passando a atender aos interesses do adotado23, o superior

    interesse da criana.

    I.2. - Evoluo Histrica do Instituto da Adoo em Portugal

    A palavra portuguesa adoo deriva do latim adoptio, que significa dar seu

    prprio nome a.

    No ordenamento jurdico portugus24 a proteo dos menores aparece pela

    primeira vez a 14 de maro de 1543, com a Carta Rgia que atribuiu Santa Casa da

    Misericrdia de Lisboa25 as funes de recolher e proteger as crianas desvalidas e

    abandonadas. Em Portugal, a aceitao social da adoo tambm no foi pacfica, tendo

    um cunho marcadamente ligado aristocracia, sendo utilizada como mecanismo de

    transmisso de ttulos nobilirquicos.

    Aps a Carta Rgia, a adoo foi tambm regulada nas Ordenaes Afonsinas e

    mais tarde nas Manuelinas, chamada de perfiliatio, com o fim primordial de conceder

    ao adotado a qualidade de herdeiro. Esta figura de perfiliatio aproximava-se mais do

    instituto da adoo para os povos Visigticos do que do conceito romano. O instituto da

    adoo s voltou a ressurgir plenamente na Europa com o Cdigo de Napoleo26, em

    1804, e mesmo antes disso, tendo forte influncia romanstica, especificamente da

    adoptio minus plena de Justiniano. Ressurgindo mais por interveno pessoal de

    21Cf. Joo de Castro Mendes, Direito de famlia, p 314, nota de rodap 1. 22Sobre a orientao do instituto e a diferenciao na perspetiva entre a adoo contempornea e a

    adoo antiga, muito interessante considerar a opinio de Diogo Leite de Campos e Mnica Martinez

    de Campos, Lies de direito da famlia, p. 31. 23Cf. Jorge Augusto Pais de Amaral, Direito da famlia e das sucesses, p. 23 e Antunes Varela, Direito

    da famlia, p. 113. 24Cf. Mrio Almeida Costa, A adopo na histria do direito portugus, pp. 8 e ss, traa trs ciclos da

    adoo do direito portugus, sendo que o primeiro se reportar ao perodo anterior fundao da

    nacionalidade. 25Para uma anlise profunda do trabalho da Santa Casa da Misericrdia de Lisboa na proteo dos

    crianas desvalidos e abandonados, Dora Santos Rosa, Adopo: o bero da adopo: histrias de amor. 26Nos seus arts. 343. a 370..

  • - 16 -

    Napoleo, que no tinha herdeiros, do que pela necessidade social da poca. O facto de

    ser um sistema artificial atraiu a desconfiana das pessoas, tambm pelo facto de estar

    este instituto reservado para a adoo de maiores de idade e destes apenas, tendo

    natureza contratual e tendo como objetivo a transmisso do nome e bens patrimoniais,

    alm de outras condies que davam ao instituto jurdico pouca utilidade.

    A influncia deste cdigo no direito das naes europeias inegvel, contudo o

    instituto da adoo entrou em declnio, ao ponto de no ter sido consagrado no Cdigo

    Civil de 186727, assim como em muitas codificaes estrangeiras da poca,

    desconsiderando este ato como fonte agregadora de afeto. Pautado por este equvoco28,

    o primeiro Cdigo Civil portugus, de forte inspirao francesa, ignorou por completo o

    instituto da adoo29, at porque o pouco contedo do instituto se resumia a matria de

    cunho patrimonial30.

    Apesar de algumas tentativas de voltar a consagrar a adoo31, s em 196532,

    com inspirao na legislao francesa, coube a edio de nova lei, a Lei n. 4665/65,

    que criou a legitimao adotiva33, passando-se a autorizar a adoo em Portugal. Esta

    dispensava a necessidade de comprovao do perodo de cinco anos de casamento entre

    os adotantes e designao da adoo como um ato irrevogvel, mas exigia que houvesse

    comprovao de esterilidade de um dos cnjuges e estabilidade conjugal. Em 1966, o

    novo CC34, volta a consagrar a adoo, sendo uma das principais inovaes deste

    cdigo, procurando acompanhar a evoluo do direito internacional35 na proteo das

    crianas desprovidas de meio familiar normal, passando assim a existir duas espcies de

    27Cf. Antnio Lus de Seabra, Apostilla censura do Sr. Alberto Moraes Carvalho : sbre a primeira

    parte do projecto do Cdigo Civil, pp.42 e ss. 28Cf. Mrio Almeida Costa, ibidem, pp. 29 e 30, concluiu que o facto de ter tido outros fins, at aos

    nossos dias, permite afirmar que a adoo s em certa medida um instituto tradicional no direito

    portugus. Ainda assim, o mesmo conclui que o passado do instituto no compromete o seu futuro. 29Cf. Joo de Castro Mendes, Direito de famlia, p 314, nota de rodap 2. 30E nesta sede importante lembrarmos que luz do Cdigo Civil de 1897 as adoes realizadas no

    estrangeiro no eram reconhecidas em Portugal com base nos princpios da ordem pblica portuguesa.

    Joo de Castro Mendes, ibidem, p. 386, nota de rodap 2. 31Como por exemplo atravs no Projecto (legislativo) de reforma dos Servios Jurisdicionais de Menores,

    de 1942, da autoria de Pires de Lima e o Anteprojecto de Gomes da Silva e Pessoa Jorge. 32Houve tambm algumas leis aprovadas neste perodo, como por exemplo o Decreto n. 10 767, de 15 de

    maio de 1925, com o objetivo de proteger crianas desvalidas, mas que no trouxeram qualquer alterao

    jurdica ao estado das crianas. 33A legitimao adotiva , segundo o direito comparado, apenas outra terminologia para a adoo plena,

    Rabindranath Valentino A. Capelo de Sousa, A adopo: constituio da relao adoptiva, p 44, nota de

    rodap 2. 34Na falta de indicao em contrrio CC referente ao atual Cdigo Civil Portugus. O mesmo acontece

    com a referncia ao CPC, que na falta de indicao em contrrio refere-se ao atual Cdigo de Processo

    Civil Portugus. 35O facto de se constituir a adoo por sentena judicial permite averiguar se o adotante preencher todas

    os requisitos necessrios, permitindo assim verificar da adequao da adoo.

  • - 17 -

    adoo, a regida pelo CC de 1966 e a regida pela Lei n. 4665/65.

    O DL n. 496/77, de 25 de novembro, veio reformar parte do CC de 1966, e no

    que diz respeito adoo, tratou do consentimento prvio para a adoo por parte dos

    pais biolgicos, bem como da sua dispensa e ainda da aplicao da declarao do estado

    judicial do estado de abandono, passando a adoo plena a ser a regra. No esquecer

    que esta reforma do CC muito se deveu necessidade de adequar este nova CRP, de

    1976, que veio trazer uma nova perspetiva sobre a famlia e os menores.

    Em 1979, houve a edio do chamado de Cdigo de Menores, passando-se a

    adoo plena a ser regida pelas regras deste cdigo e a adoo restrita pelas disposies

    do CC. E em 1982 a adoo teve finalmente consagrao constitucional, no art. 36. n.

    7 da CRP, introduzida pela Lei constitucional n. 1/82, de 30 de setembro. Nesta

    primeira reviso constitucional apenas foi garantido o institudo da adoo, dando-se

    guarida constitucional a esta figura36.

    JORGE MIRANDA37 e JOSE DE MELO ALEXANDRINO38 qualificam a

    consagrao constitucional da adoo como uma garantia institucional, sendo que o art.

    referente no pretende apenas comprovar a existncia mas tambm assegurar-lhe uma

    proteo especial. Assim sendo, a adoo assegurada pela CRC, no se permitindo a

    partir dessa alterao constitucional ao legislador ordinrio suprimir, desfigurar ou

    descaracterizar o ncleo essencial deste instituto.

    Na quarta reviso constitucional, de 1997, foi adicionado ao n. 7 do art. 36., a

    necessidade da lei estabelecer formas cleres para a tramitao do processo de adoo,

    fazendo uma remisso para a lei ordinria. A insero do preceito da adoo em sede

    constitucional permite-nos chegar mesma concluso de JOO DE CASTRO

    MENDES39, de que a filiao adotiva goza da mesma proteo da filiao natural,

    contida por exemplo nos arts. 36. n. 3, 67. e 68. n.s 1 e 2 da CRP.

    No ano de 1993, foi aprovado o DL n. 185/93, de 22 de maio, que promoveu

    novas reformas no instituto de adoo, de onde se pode destacar a consagrao da figura

    da confiana judicial da criana, a um casal, pessoa singular ou mesmo a uma

    instituio, com vista a uma futura adoo. Buscou-se com esse mecanismo maximizar

    a proteo da criana no processo de adoo, provendo a sua integrao, que pode ser

    36Cf. J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituio da Repblica portuguesa : anotada, pp.566 e

    567. 37Vide Jorge Miranda, Manual de direito constitucional, Vol. 2: Tomo IV, p. 90. 38Vide Jos de Melo Alexandrino, Direitos fundamentais : introduo geral, pp. 38 e 39. 39Vide Joo de Castro Mendes, ibidem, p. 387.

  • - 18 -

    causa de graves prejuzos para a criana.

    igualmente muito relevante lembrar que foi este o primeiro a regulamentar a

    adoo intencional em Portugal40, consagrando como princpios fundamentais, o

    princpio da necessidade prvia de deciso judicial e o da subsidiariedade da adoo

    internacional adoo nacional. Esta regulamentao da adoo internacional tambm

    distinguiu muito claramente entre a adoo de crianas residentes em Portugal e de

    crianas residentes no estrangeiro41.

    No DL n. 120/98, de 8 de maio, novas alteraes foram introduzidas, como o

    candidato a adotante aps a confiana administrativa ter a possibilidade de ser nomeado

    curador provisrio da criana ou a viabilidade da guarda provisria aos pretendentes

    adoo quando requerida a confiana judicial. Este tambm consagrou a necessidade do

    consentimento do criana, se este for maior de 12 anos, art. 1981. n.1 al. a) do CC.

    Com a Lei n. 135/99, de 28 de agosto, a noo jurdica de famlia sofreu uma

    evoluo, ao atribuir-se aos unidos de facto h mais de dois anos a possibilidade de

    adotarem em condies anlogas s das pessoas unidas pelo casamento. Esta legislao

    das unies de facto foi reformada pela Lei n. 7/2001, de 11 de maio, que apesar de

    estender a regulao das unies de facto s pessoas do mesmo sexo, no reconhecia o

    direito de adoo conjunta aos unidos de facto do mesmo sexo, art. 7..

    Introduzindo uma ampla reforma no regime da adoo, a Lei n. 31/2003, de 22

    de agosto, firmou que a lei devia sempre preferir os direitos das crianas se estes e dos

    adultos entrarem em conflito, passando a ser o princpio do superior interesse da criana

    a finalidade ltima do instituto da adoo. No que diz respeito aos requisitos dos

    adotantes, esta consagrou o requisito de que partir dos sessenta anos de idade s

    poder haver adoo se a diferena de idades entre o adotante e o adotado no for

    superior a cinquenta anos, limites que no se aplicam adoo do filho do cnjuge ou

    unido de facto, admitindo porm que este limite possa ser suprido em situaes

    excecionais, sempre que o exige o interesse superior da criana.

    40A histria da modalidade atual de adoo que se consubstancia na adoo internacional muito recente.

    Com o atual sentido, estabeleceu-se na tentativa de proteger os interesses da criana. Antonia Durn

    Ayago, El inters del menor como principio inspirador de la adopcin internacional, p. 357. 41Para um estudo aprofundado sobre esta regulamentao sugere-se Helena Isabel Dias Bolieiro,

    A criana e a famlia : uma questo de direitos : viso prtica dos principais institutos do direito da

    famlia e das crianas jovens, pp. 419 e ss.

  • - 19 -

    At Lei n. 143/2015, de 8 de setembro, existiam duas modalidades da

    adoo42: a plena, prevista nos arts. 1979. a 1991. do CC, e a restrita43, distinguindo-se

    pela extenso dos seus efeitos. Mas apesar de terem escopos e requisitos diferentes,

    existia a possibilidade de converso da adoo restrita em plena, consagrada no art.

    1977. n. 2 do CC, atualmente revogado, alm de existirem requisitos de constituio e

    efeitos comuns s duas modalidades de adoo.

    Ambas exigiam consentimento do adotante, e tambm do adotado em certos

    casos, e capacidade de ambos, para alm do respeito pelo requisito geral de realizar o

    superior interesse da criana, art. 1974 n. 1 do CC. Quanto forma, ambas exigiam

    homologao, ou seja, a interveno constitutiva do tribunal atravs de sentena

    judicial, art. 1973 n. 1 do CC, no se permitindo em Portugal as adoes particulares.

    Na adoo plena, o adotando adquiria a situao de filho do adotante,

    extinguindo-se as relaes entre o adotado e a sua famlia natural. Esta modalidade era

    irrevogvel44, pois impossibilitava a retomada do poder familiar pela famlia natural,

    tendo pois tambm caracter definito. A adoo tornava pois iguais o filho biolgico do

    adotante e o adotado, sendo que os requisitos especiais da adoo plena visavam

    desvincular afetivamente o adotado da sua famlia naturais de forma a inseri-los de

    forma plena e exclusiva na famlia do adotante45. Como efeitos tinha, derivados da

    equiparao do adotando ao filho bilogo, efeitos a nvel do poder paternal,

    impedimentos matrimonias, concesso de alimentos, efeitos sucessrios, etc..

    Na adoo restrita46, antigamente prevista nos arts. 1992. a 2002.-D do CC, o

    adotado mantinha todos os direitos e deveres em relao famlia natural, com algumas

    restries. Alm dos requisitos gerais da adoo, a adoo restrita exigia alguns

    requisitos especficos, naturalmente mais elementares que os da adoo plena. O poder

    paternal cabia exclusivamente ao adotante, com algumas excees, mas esta no tinha

    efeitos patrimoniais ou familiares, e apenas alguns efeitos sucessrios e alimentares.

    Esta modalidade do instituto podia ser revogada e, como j acima descrito, podia

    42Assim como em Frana, Itlia, Uruguai ou Chile, a ttulo da exemplo. Manuel Duarte Gomes da Silva e

    Fernando Pessoa Jorge, O direito de famlia no futuro cdigo civil : terceira parte, p. 9 43Tendo a Lei n. 143/2015, de 8 de setembro, revogado o captulo III do ttulo IV do CC, precisamente o

    captulo sobre a adoo restrita. 44Sendo contudo possvel rever a sentena, mas apenas em casos muito especficos e sempre com a

    ressalva do art. 1990. n. 3 do CC. 45A legitimao adotiva , segundo o direito comparado, apenas outra terminologia para a adoo plena,

    Rabindranath Valentino A. Capelo de Sousa, A adopo: constituio da relao adoptiva, p. 46. 46Chamadas de adoes simples em Espanha. Juan Mara Daz Fraile, Problemas Actuales de la Adopcin

    Internacional, pp. 136 e ss.

  • - 20 -

    a todo o momento, a pedido do adotante, atravs de deciso judicial, ser convertida em

    adoo plena, desde que se verificassem os respetivos requisitos. A adoo restrita

    apresentava-se pois como muito prxima da figura do acolhimento familiar.

    A revogao da adoo restrita foi uma das grandes alteraes trazidas pela Lei

    n. 143/2015, de 8 de setembro. E a modalidade de adoo plena passou a ser a nica

    adoo, quanto aos efeitos, permitida, assumindo o unificante nome de adoo. E no

    podemos deixar de seguir MARIA MARGARIDA SILVA PEREIRA na concluso feliz

    de que tal conferiu mais dignidade ao instituto jurdico47.

    Quanto a questo da adoo por casais do mesmo sexo, j em 2010 foi aprovada

    a Lei n. 9/2010, de 31 de maio, que veio permitir o casamento civil entre pessoas do

    mesmo sexo. Mas quanto capacidade para adotar, o art. 3. n. 1 proibiu a adoo,

    ficando expressamente afastada a possibilidade de adoo por cnjuges do mesmo sexo.

    Esta continuou a ser uma questo fraturante em Portugal, no tendo sido

    desenvolvida pelo legislador ao ponto de acompanhar a proteo jurdica que foi sendo

    concedida s unies de pessoas do mesmo sexo, seja uma unio de facto ou uma unio

    conjugal, neste ltimo caso desde 2010. Aos casais do mesmo sexo era vedada a adoo

    conjunta e a adoo pelo cnjuge ou unido de facto do mesmo sexo do filho do seu

    cnjuge ou unido de facto.

    Finalmente, com a Lei n. 2/2016, de 29 de fevereiro, foram eliminadas as

    discriminaes para pessoas do mesmo sexo que vivam em unio de facto ou sejam

    casadas, no acesso adoo, apadrinhamento civil e demais relaes jurdicas

    familiares, procedendo a alteraes dos regimes correspondestes.

    Quanto figura atual da adoo propriamente dita, no art. 1576. do CC trata a

    adoo como uma fonte de relaes jurdicas familiares48, definindo-se a adoo no art.

    1586. do mesmo cdigo, como o vnculo que se estabelece entre duas pessoas,

    independentemente dos laos de sangue, sendo uma relao de parentesco semelhante

    filiao natural, a filiao adotiva. A adoo regulada do art. 1973. ao art. 2002.-D

    do CC, com as alteraes trazidas pela Lei n. 143/2015, incluindo o RJPA, aprovado

    em anexo presente lei, pelo seu art. 5..

    No h dvida que a forma como a criana vista tem evoludo com o passar

    dos tempos. O instituto da adoo tem evoludo com esta alterao da viso da criana,

    47Vide Maria Margarida Silva Pereira, Direito da Famlia, p. 478 48Adoo, dir. Paulo Guerra ; conceo e org. Ana Massena, p.2, A adoo, um segundo nascimento do

    homem, um parentesco legal, , nos termos do art. 1576. do CC, uma das fontes de relaes familiares

    em Portugal, a par do casamento, do parentesco e da afinidade.

  • - 21 -

    como todo o direito dos menores, no sentido de colocar o superior interesse da criana

    como o seu fim ltimo, colocando na adoo os direitos do adotado em primeiro lugar,

    tanto em Portugal, como no Mundo.

    I.3. - Definio do Conceito de Adoo

    A adoo o instituto em que algum assume de forma voluntria os direitos e

    deveres parentais, sobre uma pessoa49 que no seu descendente biolgico50, sendo

    apropriado lembrarmos a expresso, adoptio naturam imitatur51, a adoo imita a

    natureza.

    A adoo um conceito complexo, existindo dois grandes modelos deste

    instituto jurdico. Um deles a adoo pblica, onde o estado e as autoridades pblicas

    exercem controlo sobre a adoo, tendo em vista proteger o interesse do adotado, como

    em Portugal. Por oposio existe a adoo privada, modelo vigente por exemplo nos

    Estados Unidos da Amrica e onde o elemento fundamental um contrato entre a me

    bilogo da criana e os pais adotivos, sendo que a autoridade pblica apenas formaliza e

    fiscaliza esta relao. Existem ainda alguns pases onde a adoo nem sequer possvel,

    como por exemplos nos pases islmicos onde no permitida, existindo ao invs, por

    exemplo, a kafala.

    Como j acima indicado, a lei portuguesa apresenta uma noo de adoo no art.

    1586. do CC, enquanto vnculo que semelhana da filiao natural, mas

    independente dos laos de sangue, se estabelece legalmente entre duas pessoas52. Nesta

    sede no podemos deixar de seguir PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA que

    afirmam que () a adoo tem na sua base uma realidade individual, sentimental e

    social, diferentes da procriao, mas to real como este lao biolgico.5354

    A adoo um ato pessoal, devendo ser utilizada somente quando esgotados os

    recursos de manuteno da criana ou adolescente na famlia natural. O superior

    49 Em Portugal no permitida a adoo de maiores de idade. 50Apesar de nos parecer mais til a presente noo, pela sua maior abrangncia, com a extino da

    modalidade da adoo restrita, a definio do art. 1586. do CC abrange a totalidade do instituto, pelo que

    a questo est ultrapassada. Consultar Jorge Duarte Pinheiro, A Adopo em Portugal, in Estudos de

    Direito da Famlia e das Crianas, p 89. 51Cf. Rui Jos Simes Bayo de S Gomes, O novo regime de adopo, p. 5. 52Cf. Manuel Duarte Gomes da Silva e Fernando Pessoa Jorge, O direito de famlia no futuro cdigo

    civil : terceira parte, pp. 6 e 7, a adoo um vnculo de filiao em sentido analgico, que participa da

    ideia de procriao, na medida em que envolve certa paternidade espiritual, em sequencia da misso

    assumida pelo adotante, de contribuir para a formao e realizao da personalidade do adotado. 53Vide Fernandes Pires de Lima e Antunes Varela, Cdigo civil anotado, Vol. 5, p. 506. 54Tambm tratando a adoo como realidade psicolgica, afetiva e social, Rui Jos Simes Bayo de S

    Gomes, O novo regime de adopo , p. 6.

  • - 22 -

    interesse da criana o fim a realizar com a adoo, como explicito nos requisitos

    gerais da adoo, art. 1974. do CC. Tal fim tambm fica claro com a proibio de

    adoo de adultos, pelo que nesse caso no seria o superior interesse da criana o fim

    prosseguido.

    A adoo torna iguais os filhos biolgicos e os adotados do adotante, e no

    dever a adoo implicar sacrficos injustos para os outros filhos do adotante. A adoo

    tem de ser declarada por sentena judicial, sendo pois um parentesco legal, tendo como

    paradigma a filiao biolgica55. Contudo no se trata simplesmente de uma fico,

    antes precede de uma facto afetivo, uma realidade psicolgico, afetiva e social56 que

    merece a proteo da lei desde, desde que no atente contra o superior interesse da

    criana57.

    A adoo no copia simplesmente a consanguinidade, ambas tem causas

    diferentes e os seus efeitos so semelhantes58, sem serem exatamente iguais. Segundo

    CARLA AMADO GOMES, a consagrao da filiao em art. distinto da adoo

    porque estamos perante realidades prximas, mas merecedoras de diferentes graus de

    tutela59. Mas se os efeitos no so exatamente iguais, tal se deve ao facto de no

    estarmos perante situaes exatamente iguais, pelo que algumas adaptaes so

    necessrias. Pelo grande grau de aproximao podemos portanto considerar a adoo

    anloga filiao.

    Por outro lado, o conceito universal de adoo no fcil de definir rigidamente,

    devido s suas diferentes designaes, alm de por vezes, atrs de nomes semelhantes

    estarem institutos com contedos diferentes. NUNO GONALO DA ASCENSO

    SILVA procura expor as caractersticas fundamentais e universais da figura jurdica,

    chegando concluso que so o carcter duradouro, a voluntariedade, e a criao de

    uma relao de filiao60. Podemos ento chegar concluso que o instituto da adoo

    no direito portugus se trata de facto da figura da adoo universalmente reconhecida.

    55Vide Jorge Duarte Pinheiro, A Adopo em Portugal, in Estudos de Direito da Famlia e das Crianas, p.

    102, que considera que o modelo de adoo em Portugal, que esta assente na ideia da adoo como

    imitao da filiao natural, obsta ao crescimento deste instituto, secundarizando-o. No podemos deixar

    de lhe dar alguma razo. 56Cf. Rui Jos Simes Bayo de S Gomes, O novo regime de adopo, pp. 6 e ss. 57Cf. Francisco Pereira Coelho e Guilherme Oliveira, Curso de Direito da Famlia, vol. 2.1, p. 262. 58Cf. Ac. do Supremo Tribunal de Justia, de 20-10-2009, Processo n. 115/09.0TBPTL.S1, Relator:

    Sebastio Pvoas. 59Vide Carla Amado Gomes, Filiao, adopo e proteco de menores : quadro constitucional e notas

    de jurisprudncia, pp.35 e ss. 60Vide Nuno Gonalo da Ascenso Silva, A constituio da adopo de menores nas relaes privadas

    internacionais: alguns aspectos, pp. 317 e 318.

  • - 23 -

    Tendo em conta o regime atual da adoo em Portugal j no se distinguem

    modalidades de adoo quanto aos efeitos, visto que a adoo agora um regime nico

    quanto aos seus efeitos. Mas quanto ao nmero de adotantes, podemos ainda distinguir

    entre a adoo singular (uma s pessoa) e conjunta (por duas pessoas). E tambm

    podemos distinguir entre a adoo nacional e a adoo internacional, tendo em conta

    que apresentam regime jurdicos especficos, e no exatamente iguais, e que na adoo

    internacional est implcita a mudana do pas de residncia habitual da criana.

    Cumpre-se ainda distinguir nesta sede o instituto da adoo de figuras

    semelhantes. A perfilhao, o reconhecimento oficioso e o reconhecimento judicial, tal

    com a adoo, alteram o estatuto pessoal dos indivduos criando relaes de filiao e

    paternidade, mas enquanto a adoo no tem base em relaes biolgicas, as outras

    figuras assentam sobre o vnculo biolgico da consanguinidade. A adoo

    determinada pela vontade livre e esclarecida do adotante, ao contrrio do que acontece

    eventualmente nas outras figuras jurdicas. Os requisitos constitutivos, efeitos e as

    causas de extino so tambm amplamente diferentes.

    Quanto a legitimao, esta tambm baseada no facto biolgico, ao contrrio da

    adoo, tendo origem no casamento. A equiparao dos filhos resultante da legitimao

    absoluta e tem efeitos retroativos, ao contrrio do que acontece na adoo.

    Quanto a tutela, esta ao contrrio da adoo apenas visa suprimir o poder paternal,

    sendo esse o seu nico propsito. A adoo tem no domnio da constituio, dos efeitos

    e da extino muito acentuadas diferenas, a tutela um mero meio de suprimento das

    responsabilidades parentais e que apenas impe ao tutor o dever de sustentar o pupilo

    (art. 1935., n. 1 do CC), terminando automaticamente com a maioridade.

    Finalmente quanto ao apadrinhamento civil, consagrado na Lei n. 103/2009, de

    11 de setembro, este no confere quaisquer direitos sucessrios legais e devem

    observar-se maiores restries do que o adotante no exerccio da administrao do

    patrimnio da criana adotada. O apadrinhamento civil visa sobretudo promover a

    desinstitucionalizao da criana ou jovem, evitando que permaneam internados

    demasiado tempo em instituies de acolhimento.

    Os pressupostos da adoo so muito mais exigentes que os do instituto de

    apadrinhamento civil, sendo que o apadrinhamento civil revogvel. Para alm destas

    distines, no se prev a atribuio ao afilhado dos apelidos do padrinho.

    Entre a adoo e o apadrinhamento civil os requisitos quanto s responsabilidades

    parentais so tambm diferentes. Na adoo o seu exerccio cabe ao adotante sem

  • - 24 -

    limitaes, enquanto no apadrinhamento cabe ao padrinho mas podem existir

    limitaes, ou do padrinho, ou dos pais, ou em igual medida.

    I.4. - Natureza Jurdica da Adoo

    Quanto questo da natureza jurdica da adoo, confrontamo-nos com a

    conceo privatista e a conceo publicista da adoo, e todo o espao dogmtico que as

    separa61. A conceo privatista defende que a adoo um contrato, ou pelo menos um

    ato negocial, onde a declarao de vontade do adotante o ato nuclear da adoo. Esta

    soluo extrema parece enquadrar-se no instituto jurdico da adoo nos moldes que

    esta apresentava, por exemplo, no Direito Romano ou no Cdigo Napolenico.

    O regime portugus vigente do instituto da adoo no se coaduna com esta

    viso, visto que s com a sentena judicial que declarada a adoo. Mais argumentos

    se entrepem contra esta posio, nomeadamente, o facto de que conforme a idade do

    adotando exigido o seu consentimento, alm do consentimento dos pais naturais ou do

    representante legal da criana, por exemplo, e mais importante ainda nos parece, o facto

    de a adoo ter como fim o superior interesse da criana permite que no caso especfico

    o juiz decida livremente sobre a oportunidade62 da adoo, s devendo decretar a

    adoo se esta apresentar de facto reais vantagens para o adotante.

    A conceo publicista, no outro extremo, que considera a sentena, ato judicial,

    o nico ato relevante da adoo tambm no se consubstancia com a realidade do

    presente instituto jurdico. Ainda que o CC expressamente afirme que a adoo se

    constitui com a sentena judicial, a declarao de vontade do adotante no pode ser

    considerado como mero pressuposto, visto que sem esta nunca pode a adoo ser

    decretada. PERREIRA COELHO63 considera a adoo como um ato complexo, sendo a

    declarao de vontade de adotante, ato de direito privado, e a sentena, ato de direito

    pblico, os dois atos constitutivos da adoo. Desta forma justifica o autor, a proteo

    do interesse geral pelo instituto da adoo. H nesta matria um consenso alargado entre

    61Sobre a controvrsia da natureza jurdica contratualista ou publicista da adoo no Brasil, Sabrina

    Batista Barroso da Silva, A Conveno de Haia de 1993 e a problemtica da adoo internacional no

    Brasil, pp. 17, 18, 138 e 139. 62No se trata de um mero juzo de legalidade, antes um juzo de oportunidade. Cf. Rabindranath

    Valentino A. Capelo de Sousa, A adopo : constituio da relao adoptiva, p. 114. 63Vide Francisco Manuel Pereira Coelho, Direito de famlia : sumrios das lies ao curso de 1966-1967,

    pp. 17 a 19.

  • - 25 -

    os autores64.

    Por fim, e antecipando-nos um pouco, compete-nos questionar a natureza

    jurdica da modalidade de adoo do presente estudo, a adoo internacional. A adoo

    internacional est sujeita um procedimento que rejeita a adoo independente ou

    privada e implica a interveno de autoridades de dois estados, o estado de residncia da

    criana e o estado de residncia do adotante. Visto que preciso a vontade expressa do

    adotante e a interveno de mais de um estado, de forma a preservar o superior interesse

    da criana65, os elementos que levam a classificar a adoo como ato complexo no

    parecem apresentar especificidades muito relevantes na questo da adoo

    internacional, pelo que esta tem a mesma natureza jurdica do instituto geral. A maior

    especificidade face adoo nacional a duplicao das entidades envolvidas, que

    torna a adoo internacional ainda mais complexa que a adoo nacional.

    64Como por exemplo Rabindranath Valentino A. Capelo de Sousa, A adopo : constituio da relao

    adoptiva, pp. 211 a 221, Eduardo dos Santos, Direito da Famlia, pp. 634 e 635 ou Rui Jos Simes

    Bayo de S Gomes, O novo regime de adopo, p. 4. 65Cf. Sabrina Batista Barroso da Silva, A Conveno de Haia de 1993 e a problemtica da adoo

    internacional no Brasil, p. 139

  • - 26 -

    II. - Da Adoo Internacional

    II.1. - No direto internacional, e em especial, na Conveno de Haia de 1993

    No mbito internacional, a primeira referncia aos direitos da criana de 1924,

    a quando da proclamao da Declarao dos Direitos da Criana, tambm conhecida

    como a Declarao de Genebra. A presente declarao no criou normas, antes instituiu

    princpios, no mbito da proteo da criana e dos seus direitos.

    Se no rescaldo da 2. Guerra Mundial se procurou proteger e consagrar os

    direitos humanos, aps to grandes violaes contra os mesmos, foi natural a evoluo

    da proteo da criana e da famlia66 onde ela se insere, o que levou necessidade de

    regulamentao internacional para os direitos das crianas.

    Com a criao da Organizao das Naes Unidas, e do seu rgo especfico

    para a defesa dos direitos das crianas, o Fundo das Naes Unidas para a Infncia,

    UNICEF, aumentou-se a conscincia internacional para a situao da criana e dos seus

    direitos. Em 1959 proclamada por unanimidade, como resoluo da Assembleia Geral,

    a Declarao Universal dos Direitos das Crianas, precisando e ampliando o contedo

    da Declarao de Genebra, e ampliando os direitos fundamentais das crianas. Esta

    contm meros valores programticos, estando dividida em dez princpios.

    Esta a base da CDC. A conveno, enquanto documento internacional, assenta

    na importncia da infncia, de onde resulta a preponderncia do princpio da proteo

    integral da criana.

    Esta foi formulada pela Organizao das Naes Unidas e adotada pela

    Assembleia Geral das Naes Unidas, em 20 de novembro de 1989, atravs da

    Resoluo n. 44/25, sendo a criana definido no seu art. 1. como todo aquele com

    idade inferior a 18 anos. A CDC, que serviu por sua vez de grande inspirao para a CH

    1993, declara no seu prembulo a luta pela igualdade, justia social e econmica, e

    ressaltando o dever de proteo da criana, servindo portanto como bastio de proteo

    da criana e seus direitos no mbito internacional.

    A CDC trouxe tambm um grande avano ao conseguir unificar no mesmo

    tratado internacional normas de mbito civil, politico, social e econmico, travando

    assim a grande proliferao de instrumentos de direito internacional.

    66A famlia passou a ser enunciada nos instrumentos de direito internacional como o elemento

    fundamental da sociedade, por exemplo no art. 16. da Declarao Universal dos Direitos Humanos, no

    art. 23. do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Polticos ou no art. 18. da Carta Africana dos

    Direitos Humanos e dos Povos.

  • - 27 -

    Contudo, sem dvida que o maior desenvolvimento da presente conveno foi o

    facto de ser um instrumento de direito internacional com caracter imperativo, um

    verdadeiro tratado, isto , as suas normas no so meras indicaes morais, antes

    normas efetivas. Como tal suas normas vinculam verdadeiramente os estados.

    As normas da CDC tm obrigatoriedade de cumprimento para os pases

    ratificantes67, pelo que estes pases comprometem-se pela ratificao a adotar as

    medidas internas necessria para assegurar os direitos previstos na conveno. Se bem

    que a aceitao internacional deste instrumento internacional tenha sido rpida, a sua

    consagrao nos direitos internos dos pases que a ratificaram tem sido mais lenta.

    tambm de notar que apesar de a CDC ter um grande nmero de ratificaes, tem

    tambm um grande nmero de reservas e declaraes, em especial sobre os arts.

    referentes adoo, pelo que a efetividade da CDC nunca ser a mesma em todos os

    pases que ratificaram a conveno68.

    Nesta sede no nos podemos deixar de debruar sobre o art. 3 da presente

    conveno, visto que este consagra o princpio do superior interesse do criana,

    impondo que todas as decises relativas s crianas, adotadas por instituies pblicas

    ou privadas de proteo social, por tribunais, autoridades administrativas ou rgos

    legislativos, tero primacialmente em conta o interesse superior da criana. O interesse

    dos pais biolgicos e dos adotantes ter assim de ser sempre secundarizado face ao

    interesse da criana. Daqui podemos extrair a ideia de que o superior interesse da

    criana um princpio transnacional. Este princpio, bem como outros, seria mais tarde

    reafirmando na CH 1993, de que trataremos em seguida.

    A CDC trata diretamente da adoo nos seus arts. 20. e 21.69. O art. 20. n. 3

    prev que a criana possa ser privada do seu ambiente familiar de forma permanente, no

    caso da adoo, para proteger o seu superior interesse e fornecer-lhe uma famlia mais

    condizente como esse mesmo interesse. O art. 21. al. b) por outro lado prev

    expressamente a subsidiariedade da adoo internacional, e a al. c) prev a aplicao

    das mesmas garantias e dos mesmos efeitos, quer adoo constituda no estrangeiro,

    quer adoo nacional. Tambm de muita relevncia ainda o art. 21. al. d) da CDC,

    que probe ainda o aproveitamento econmico da adoo. A presente conveno prev

    67Portugal foi um dos primeiros pases a ratificar a presente conveno. Helena Isabel Dias Bolieiro, O

    Direito da Criana a uma Famlia: Algumas Reflexes, p. 99. 68Cf. Valria Rodinia Zanette, Adoo internacional, p. 17. 69No podemos deixar de nesta sede lembrar o muito relevante artigo de Nuno Gonalo da Asceno

    Silva, A adopo internacional, pp. 93 a 109

  • - 28 -

    ainda um rgo para supervisionar a aplicao da conveno, o Comit dos Direitos da

    Criana das Naes Unidas.

    Contudo, continuou-se a sentir a necessidade de criao de um instrumento de

    direito multilateral que regulasse especificamente este instituto da adoo internacional

    e que garantisse a cooperao dos pases signatrios, tanto os de origem, como os de

    acolhimento de crianas.

    Enquanto fonte de direito internacional sobre o instituto da adoo, a mais

    relevante sem dvida a Conveno Relativa Proteo das Crianas e Cooperao

    em Matria de Adoo Internacional70, de 29 de maio de 1993, tambm conhecida como

    Conveno de Haia de 1993, que entrou em vigor no ordenamento jurdico portugus

    em 2004 e que tambm j foi ratificado por muitos outros pases71.

    A CH 1993 um instrumento internacional que prev uma cooperao entre os

    pases de origem das crianas e os pases de acolhimento, com vista operacionalizao

    da adoo, tendo como principal objetivo, de acordo com o seu art.1.:

    a) Estabelecer as garantias para assegurar que as adoes internacionais sejam

    feitas no interesse superior da criana e no respeito dos seus direitos fundamentais, nos

    termos do direito internacional;

    b) Estabelecer um sistema de cooperao entre os Estados contratantes que

    assegure o respeito dessas garantias, prevenindo assim o rapto, a venda ou o trfico de

    crianas;

    c) Assegurar o reconhecimento, nos Estados contratantes, das adoes realizadas

    de acordo com a Conveno.

    Primeiramente, a CH 1993 instituiu no art. 4. al. b) o princpio da

    subsidiariedade, que estabelece que a adoo internacional tem carter subsidirio,

    privilegiando-se a manuteno da criana na sua famlia biolgica e a conservao dos

    vnculos familiares. Assim sendo, a deciso de transferir a criana, por meio da adoo

    internacional, somente dever ser tomada se no for possvel ou recomendvel uma

    soluo nacional. Este princpio tem tambm grande consagrao nas legislaes

    nacionais, incluindo em Portugal.

    70Conveno elaborada na 17. Seo da Conferencia de Haia de Direito Internacional Privado e assinada

    em 29 de maio de 1993, foi ratificado pelo Decreto do Presidente da Repblica n. 7/2003, de 25 de

    fevereiro, que seria publicado, em anexo Resoluo da Assembleia da Repblica n. 8/2003, no Dirio

    da Repblica, srie-A, de 25 de fevereiro de 2013. A CH 1993 entrou em vigor em Portugal em 1 de julho

    de 2004. 71Para um exemplo das adaptabilidades acrescidas necessrias para a aplicao da CH 1993 num estado

    federal, consultar Ann Laquer Estin, Families Across Borders: The Hague Childrens Conventions and

    the Case For International Family Law in the United States, pp. 101 a 104.

  • - 29 -

    A CH 1993 s tem aplicao quanto tanto a criana como o adotante tenham

    residncia habitual72 em estados que tenham ratificado a conveno, sendo este o

    mbito de aplicao espacial. Doutra forma, a conveno no se aplica. Alm da

    residncia habitual em pases contratantes, para a aplicao da CH 1993 necessria a

    deslocao da criana entre os pases contratantes, de outra forma estamos perante um

    adoo nacional e a CH 1993 simplesmente no se aplica. O critrio da residncia

    habitual tambm o consagrado atualmente na legislao nacional portuguesa.

    A CH 1993, alm da referncia no art. 1. ao reconhecimento das adoes

    realizadas em conformidade com a conveno, dedicou o seu captulo V a esta matria.

    Estipulou tambm no seu art. 23. que as adoes realizadas em conformidade com a

    conveno sero reconhecidas automaticamente pelos outros pases contratantes da

    conveno. Tendo portanto eficcia automtica nos pases contratantes, como nica

    exceo os casos em que o reconhecimento da adoo internacional seja

    manifestamente contrria ordem pblica, art. 24. da CH 1993. Contudo a CH 1993

    no tem eficcia retroativa, art. 41. da CH 1993, s se aplicando a pedidos de adoo

    entrepostos depois da entrada em vigor da conveno no pas de origem e de

    acolhimento da criana.

    Com o advento da mencionada conveno alguns requisitos foram considerados

    necessrios para a concretizao da adoo internacional, nomeadamente que apenas

    esto abrangidos pela conveno as adoes que estabeleam um vnculo semelhante

    filiao. Por este motivo, o art. 2. n. 2 da CH 1993 deixava de fora a agora revogada

    adoo restrita, pois neste tipo de adoo no se estabelecia um vnculo entre adotante e

    adotado semelhante filiao, bem como em outros institutos jurdicos, como o

    apadrinhamento civil ou a kafala73, por exemplo.

    A CH 1993 aplica-se a adoes internacionais solicitadas tanto por pessoas

    singulares como casais. A CH 1993 no estabelece qualquer impedimento a adoes

    internacionais solicitadas por pessoas do mesmo sexo casadas, unies de facto de casais

    de sexo diferente ou do mesmo sexo. Esta questo fica a cargo das leis nacionais. De

    72Cf. Nathalie Meyer-Fabre, La Convention de La Haye du 29 mai 1993 sur la protection des enfants et la

    coopration en matire d'adoption internationale, pp. 263 a 265. 73No ordenamento jurdico espanhol pode a kafala ser equiparada funcionalmente a um acolhimento

    familiar ou a uma tutela, regulados pelo direito espanhol. Ainda luz do ordenamento jurdico espanhol, e

    em especial na lei de adoo internacional espanhola, expressamente possvel que as adoes simples,

    ou menos plenas, constitudas por autoridade estrangeira competente podem ser convertidas em

    adoes plenas, reguladas pelo direito espanhol, desde que preencham critrios positivados e de difcil

    preenchimento. Sobre esta matria consultar Ver Juan Mara Daz Fraile, ibidem, pp. 138 a 140. Tais

    solues de equivalncia funcional no se apresentam como possveis no direito portugus.

  • - 30 -

    qualquer forma, se um pas de acolhimento permitir a adoo internacional nestas

    situaes, o pas de origem da criana pode opor-se a adoo, de acordo com a sua lei.

    A presente conveno estabeleceu ainda modelo de autoridades centrais,

    organismos centrais dos pases que ratificaram a conveno e que ficam responsveis

    pela processamento e acampamento dos processos de adoo internacional, dedicando o

    captulo III da CH 1993 a este tipo de entidades, tratando tambm dos organismos

    acreditados, entidades que presentemente tambm existem em Portugal.

    A presente conveno verteu claramente no seu art. 40. a proibio dos estados

    ratificantes formularem reservas, pelo que os estados que ratificam a conveco

    aceitam-na na sua integralidade. No podemos deixar de notar que esta conveno foi

    igualmente grande fonte de inspirao e exemplo para o regime vertido na nossa

    legislao nacional.

    Fora destes instrumentos verdadeiramente internacionais, existem vrios outros

    instrumentos transnacionais que trataram da adoo internacional, se bem que, muitos

    sem relevncia para o caso portugus, como por exemplo o Cdigo de Bustamante de

    1928, o Seminrio Europeu sobre a Adoo entre Pases de 1960, a Conveno

    Interamericana sobre Conflitos de Leis em Matria de Adoo de Menores de 1984, a

    Carta Africana dos Direitos e Bem-estar da Criana de 199974 ou a Recomendao 1443

    (2001) do Conselho da Europa.

    Compete ainda nesta sede aludir a outro instrumento internacional relevante para

    o caso portugus, a Conveno Europeia em Matria de Adoo de Crianas, elaborada

    em Estrasburgo em 1967, vertida no ordenamento jurdico pela resoluo da

    Assembleia da Repblica n. 4/90, e ratificado pelo decreto do Presidente da Repblica

    n. 7/90, entrada em vigor em 24 de julho de 1990.

    II.2. - No direito portugus, e em especial, na Lei n. 143/2015 de 8 de setembro

    No que diz respeito ao instituto da adoo no ordenamento jurdico portugus,

    este est consagrado constitucionalmente no j referido art. 36., n. 7 da CRP, como A

    adoo regulada e protegida nos termos da lei. A CRP deixa ao legislador ordinrio a

    funo de regulamentar a adoo, vetando-lhe assim a possibilidade de negar a

    existncia do instituto.

    74Para um estudo mais exaustivo sobre estes instrumentos recomendamos Valria Rodinia Zanette,

    Adoo internacional, pp. 21 a 24.

  • - 31 -

    Nesta sede cumpre esclarecer sobre o critrio para resoluo de conflitos de leis,

    isto , as normas de conflitos, que determinam a aplicabilidade de regras de um

    determinado ordenamento jurdico, atravs de elementos de conexo. No caso portugus

    a lei pessoal, sendo os arts. 60. e 61. do CC as normas de conflito em matria da

    adoo no ordenamento jurdico portugus. O art. 60. n. 1 do CC submete a

    constituio da filiao adotiva lei pessoal do adotante75. At ao DL n. 496/77, de 25

    de novembro, o critrio era o da lei pessoal do marido. Com base no art. 31. n. 1 do

    CC, a lei pessoal da nacionalidade do indivduo.

    No n. 2 do art. 61. do RJPA, j no ttulo da adoo internacional, se remete

    para o CC e para o CPC as questes das normas de conflito, essencialmente pelo

    disposto nos arts. 60. e 61. do CC76, com referncia tambm ao art. 17. n. 3 do CC.

    Quanto aos efeitos da adoo, o art. 60. n. 3 do CC prev que ser a lei do adotante

    que regular as relaes entre adotante e criana, o que vai de encontro plena

    equiparao da adoo filiao biolgica.

    Uma vez que Portugal no se vinculou a Conveno de Haia de 1965, sobre a

    regulao da competncia das autoridades, a lei aplicvel e o reconhecimento das

    decises em matria de adoo, a competncia internacional dos tribunais portugueses

    regulada pelas normas gerais sobre esta matria, o art. 59., que remete para os arts. 62.

    e ss do CPC.

    Quanto a lei material, a j referida Lei n. 143/2016, de 8 de setembro, aprovou

    um anexo o RJPA, no seu art. 5.. O RJPA, regula tanto a adoo nacional como a

    adoo internacional77.

    Na al. a) do art. 2. do RJPA, este comea por apresentar uma definio de

    adoo internacional enquanto processo de adoo, no mbito do qual ocorre a

    transferncia de uma criana do seu pas de residncia habitual para o pas da residncia

    habitual dos adotantes, com vista ou na sequncia da sua adoo.

    O legislador nacional consagrou portanto o mesmo critrio, para classificar uma

    adoo como internacional78, que est consagrado na CH 1993, logo o critrio da lei

    75No se aplica nesta sede o Regulamento Bruxelas II bis, visto o seu art. n. 1. al. 3 excluiu da sua

    aplicao a matria da adoo. 76Tendo como limitaes os mecanismo de reenvio e da exceo da ordem pblica. 77A adoo internacional tambm conhecida por adoo entre pases, adoo por estrangeiros ou adoo

    transnacional. Cf. Valria Rodinia Zanette, Adoo internacional, p. 5. Utilizaremos a expresso da lei,

    visto nos parecer a mais conceptualmente correta. 78 Nesta sede no podemos deixar de chamar a teno para o critrio j bem definido por Isabel Maria de

    Magalhes Colao, Estudos sobre projectos de convenes internacionais : sobre o esboo de conveno

    acerca da adopo internacional de crianas, emanado da conferncia da Haia de direito internacional

  • - 32 -

    portuguesa no o da nacionalidade do adotante e da criana ser diferente, antes o

    critrio do pas de residncia habitual do adotante ser diferente do pais de residncia

    habitual do criana. O superior interesse da criana enquanto critrio basilar para a

    deciso com vista futura adoo, art. 1974. n. 1 do CC, volta a ser reforado na

    presente lei como o principio orientador da adoo, art. 3. al. a) do RJPA, sem contudo

    que o legislador tenha apresentado uma definio concreta deste princpio.

    Depois do ttulo I com disposies gerais e do ttulo II para a adoo nacional, o

    RJPA reserva o ttulo III para regular adoo internacional. Do art. 61. ao 90. do RJPA

    pois amplamente regulamentado o processo da adoo internacional. O art. 61.

    comea por apresentar novamente a noo de adoo internacional anteriormente

    explanada. Sem prejuzo dos princpios orientadores do art. 3. do RJPA, o legislador

    consagrou mais trs princpios orientadores da adoo internacional, o primeiro e nos

    parece mais importante, o da subsidiariedade da adoo internacional, isto , s

    permitida a adoo internacional quando no haja forma de conseguir uma colocao

    permanente de natureza familiar no pas de residncia habitual da criana. Tal princpio

    implica que esta modalidade de adoo no uma soluo de primeiro recurso.

    No podemos deixar de neste mbito refletir que a presente formulao deixa

    espao a que adoo internacional seja posta de parte mesmo que a criana no encontre

    no seu pas um vnculo que, semelhana da filiao natural, mas independentemente

    dos laos de sangue, se estabelece entre duas pessoas. Os outros dois princpios, o da

    cooperao internacional e da colaborao interinstitucional so ambos referentes

    necessidade de promover a colaborao entre as entidades nacionais e transnacionais

    para um processo de adoo bem-sucedido.

    No podemos deixar de concordar com MARIA MARGARIDA SILVA

    PEREIRA, no que respeito h existncia tambm nesta sede da necessidade do segredo

    da identidade do adotante face aos pais naturais79. Ainda no captulo das disposies

    gerais da adoo internacional, o legislador explanou circunstncias impeditivas da

    adoo internacional, sendo estas s em relao aos pases de origem de crianas80. O

    art. 63. do RJPA identifica-as, sendo as ss:

    privado, In: Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, p. 211, nota de rodap 5. Nesta

    aponta as adoes internacionais aquelas em que qualquer elemento pe em causa mais do que uma

    ordem jurdica nacional. 79Vide Maria Margarida Silva Pereira, Direito da Famlia, pp. 512 e 513. 80Esta circunstncia parece denunciar uma verdade que no escapou ao legislador, que apesar dos vrios

    esforos nacionais e internacionais, a realidade da adoo internacional continua a ter as categorias de

    pases de origem e de acolhimento bem diferenciados.

  • - 33 -

    -Situaes de conflito armado ou catstrofe natural;

    -Inexistncia de autoridade com competncia para controlar e garantir que a adoo

    corresponde ao superior interesse da criana81;

    -Inexistncia de garantias de observncia dos princpios tico-jurdicos e normas legais

    aplicveis adoo internacional.

    Parece-se-nos que as circunstncias impeditivas da adoo internacional

    anteriormente expostas tambm se devem aplicar aos pases de acolhimento, alis no

    se concebe nenhuma considerao para que assim no seja, por serem estas razes

    atendveis para se negar a adoo em qualquer situao. Por no terem sido previstas

    expressamente pelo legislador nesta ou noutra sede, deve-se fazer a integrao desta

    lacuna patente82, atravs de analogia legis, considerando-se que a presente norma

    tambm aplicvel aos pases de acolhimento83.

    Do art. 1974. n. 1 do CC resulta que a adoo s ser decretada se apresentar

    reais vantagens para o adotado, pressupondo por parte do legislador o entendimento de

    que nem sempre uma relao biolgica de filiao se concretiza numa relao afetiva e

    sociolgica, sendo o contrrio possvel. Seguindo os arts. 1980. e 1978. do CC, a

    natureza destas vantagens no se pode reduzir a vantagens patrimoniais, antes incluindo

    vantagens patrimoniais e no patrimoniais. Com a adoo pretende-se que a criana

    venha a beneficiar de uma famlia estvel, estruturada, que lhe propicie uma educao

    tranquila, preparando-a para o futuro, com realismo, e lhe d um ambiente de carinho,

    afeto e equilbrio psicolgico.

    O art. 1974. tambm consagra que a adoo se deve fundar em motivos

    legtimos, que no envolva sacrifcios injustos para os outros filhos do adotante e que

    seja razovel supor que entre o adotado e adotante se estabelea um vnculo semelhante

    ao da filiao.

    81Acompanhando Jorge Duarte Pinheiro, O direito da famlia contemporneo, p. 165, nota de rodap 359,

    o facto que os pases de origem que ficam de fora segundo este e os outros critrios so os que tm

    maior nmero de crianas que poderiam beneficiar da adoo internacional. De qualquer forma no

    deixamos de ser sensveis argumentao exposta em Comunicado de 10/08/2011, disponvel em

    http://www.seg-social.pt/adopcao-internacional, consultado a 11-01-2017. Este argumenta que algumas

    destas circunstncias acima e no permitem a verificao da situao pessoal e familiar das crianas e que

    a adoo e a adoo internacional no devem ser confundidas com quaisquer medidas ou planos de

    assistncia humanitria e alimentar. 82Sobre a integrao de lacunas cf. Antnio dos Santos Justo, Introduo ao estudo do direito, pp. 349 a

    361. 83Ainda que levando em conta o j citado Comunicado de 10/08/2011, disponvel em http://www.seg-

    social.pt/adopcao-internacional, e que de facto as situaes enunciadas no permitem a verificao da

    situao pessoal e familiar das crianas, tanto o elemento sistemtico como o elemento teleolgico do

    RJPA no permitem que crianas sejam enviadas para pases de acolhimento que estejam nas situaes

    anunciadas, colocando assim os crianas em perigo.

    http://www.seg-social.pt/adopcao-internacionalhttp://www.seg-social.pt/adopcao-internacionalhttp://www.seg-social.pt/adopcao-internacional

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    Sobre a aplicao adoo internacional dos requisitos gerais da adoo

    nacional, e em especial sobre o caso da idade do adotante, a resposta parece ser negativa

    visto no se tratar de uma exigncia da clusula de ordem pblica do estado portugus84

    (art. 22. do CC), tratando-se apenas de uma opo politico-legislativa85.

    II.2.1. - Adoo de crianas estrangeiras em Portugal

    Esta modalidade de adoo internacional encontra-se na seco I do Captulo III

    da Lei n. 143/2015, de 8 de setembro, dos arts. 76. a 81.86. O primeiro passo nesta

    modalidade de adoo internacional o residente em Portugal apresentar a sua

    pretenso de adoo de criana residente no estrangeiro no organismo da segurana

    social da rea da sua residncia.

    As regras da candidatura adoo nacional aplicam-se nesta sede, com as

    devidas adaptaes (art. 76. n. 2 do RJPA). Ser o organismo da segurana social a

    conduzir a instruo da candidatura da adoo internacional, de acordo com as

    informaes disponibilizadas relativamente aos requisitos e elementos probatrios

    exigidos pelo pas de origem. Posteriormente dever remeter a candidatura AC. Esta

    verifica a instruo da candidatura e transmite-a autoridade competente do pas de

    origem.

    Aqui tambm se abre a possibilidade de um entidade mediadora instruir e

    transmitir a candidatura, ficando com a obrigao de informar a AC, alm dos

    candidatos, da data da transmisso da candidatura autoridade competente do pas de

    origem. Todo este processo implica portanto cooperao internacional entre as

    autoridades do pas de origem da criana e do pas de acolhimento, que nesta vertente da

    adoo internacional ser Portugal.

    Aps a receo da candidatura, e se a autoridade competente do pais de origem,

    ou no caso do processo instrudo por um entidade mediadora, apresentar um proposta

    concreta de adoo, competir a AC, juntamente com o organismo de segurana social

    elaborar um estudo da viabilidade da adoo (art. 78. do RJPA), tendo como elementos

    para anlise do perfil do candidatura e o relatrio da autoridade competente do pais de

    84Sobre esta matria confira o Ac. do Tribunal da Relao de Coimbra, de 18-11-2008, Processo n.

    3/08.7YRCBR, Relatora: Slvia Pires. 85Cf. Maria Margarida Silva Pereira, Direito da Famlia, pp. 518 a 527. 86Pela sntese do estudo recomendamos nesta sede, Jorge Duarte Pinheiro, O direito da famlia

    contemporneo, pp 164 e 165.

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    origem sobre a situao da criana. Se as necessidades da criana e a capacidade do

    candidato corresponderem, ser considerado a adoo vivel.

    Nesta sede importante sublinhar que antes de se pronunciar sobre a

    correspondncia das necessidades da criana e a capacidade do candidato

    correspondente, dever a AC exigir o comprovativo da situao de adotabilidade da

    criana, assim como da observncia do princpio da subsidiariedade desta modalidade

    de adoo, isto , dever verificar-se se no seria possvel uma colocao familiar

    permanente da criana no seu pas de residncia habitual. Ainda segundo o art. 78. do

    RJPA, caso se conclua pela viabilidade da adoo, a AC o comunicar autoridade

    competente do pas de origem da criana.

    A adoo decretada em Portugal ou no pas de origem, consoante assim tenha

    sido acordado entre a AC e autoridade competente ou tal resulte imperativamente da

    legislao do pas de origem.

    II.2.2. - Adoo de crianas residentes em Portugal por candidatos residentes no

    estrangeiro

    Esta modalidade de adoo internacional encontra-se na seco II do Captulo III

    da Lei n. 143/2015, de 8 de setembro, dos arts. 82. a 89., s sendo permitida no caso

    de a adoo no poder ocorrer em Portugal. O legislador restringiu esta forma de

    adoo, com garantias substancias e em que o superior interesse da criana tido em

    conta.

    Consagra todo o art. 82. a aplicao do princpio da subsidiariedade nesta

    modalidade de adoo internacional, relevando maior preocupao em firmar este

    princpio nesta vertente que implica a deslocao de crianas residentes em Portugal

    para o estrangeiro. Ainda neste art. estabelece muito claramente as situaes em que

    considera que ser vivel a adoo em Portugal, e portanto no vivel a adoo

    internacional, com um escopo temporal relativamente curto.

    O art. 83. do RJPA s admite esta modalidade de adoo no caso de

    cumprimentos dos requisitos expostos, todos eles visando o superior interesse da

    criana. A al. c) de relevar, pois reproduzindo quase textualmente o art. 1974. n. 1 do

    CC, no reproduz a questo de no envolver um sacrifcio injusto para os outros filhos

    do adotante, deixando em aberto esta possibilidade.

    Mas tambm de revelar que apenas as outras duas als. tem ser comprovadas

    documentalmente, segundo o art. 84. n. 3 do RJPA. Os arts. ss. vo contextualizando o

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    processo de adoo, que envolve grande cooperao e colaborao entre as diversas

    entidades envolvidas. A verdade que em situaes transnacionais o superior interesse

    do menor mais difcil de apurar e preciso uma cooperao reforada das entidades

    envolvidas.

    II.3. - Da Autoridade Central e das entidades mediadoras

    O RJPA criou tambm a Autoridade Central para Adoo Internacional, sendo

    esta uma das entidades competentes em matria de adoo. O legislador define a

    presente autoridade como a responsvel pelo cumprimento dos compromissos

    assumidos por Portugal na Conveno de Haia, de maio de 1993. Apesar de ser o RJPA

    o primeiro diploma legal a tratar exaustivamente da AC, consagrando e explanando de

    forma muito clara as suas competncias, esta figura no nova no regime jurdico

    portugus.

    Com a ratificao da CH 1993 em Portugal, e cumprindo o art. 6. da CH 199387,

    foi designada a Direco-Geral da Segurana Social, da Famlia e da Criana como

    autoridade central. Ainda anteriormente ratificao, segundo o art. 29. n. 1 al. b) do

    DL n. 185/93, de 22 de maio, era a Direco-Geral da Aco Social a autoridade central

    portuguesa nesta matria88.

    Contudo, a criao da AC, com as suas competncias explicitadas, a entrada

    definitiva do legislador nacional no espirito da CH 1993, e no seu modelo assente nas

    autoridades centrais, onde estes tm principalmente de defender os vrios interesses

    possivelmente conflituantes. O legislador consagrou alis na al. a) do art. 65. do RJPA

    este objetivo como uma atribuio da AC. Esta intervm em todos os processos de

    adoo internacional, includo os que envolvam pases no signatrios da CH 199389.

    Uma das grandes funes da AC inspecionar as entidades mediadoras acreditas

    e autorizadas, das quais falaremos em seguida, e comunicar ao Secretariado Permanente

    da Conferencia da Haia de Direito Internacional Privado os dados destas mesmas

    entidades mediadores.

    87Cf. Adoo, dir. Paulo Guerra ; conceo e org. Ana Massena, p. 275. 88E neste evoluir histrico compete ainda aludir que segundo o art. 3. n. 2, al. x) do DL n. 83/2012, de

    30 de maro, passou a ser o Instituto da Segurana Social, I.P. a autoridade central portuguesa. 89Como indicado por Jorge Duarte Pinheiro, O direito da famlia contemporneo, p. 165, no

    procedimento da adoo internacional temos de ter duas autoridades centrais a apreciar a pretenso do

    adotante e a acompanhar o procedimento de adoo, a autoridade do pas de origem e d