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Universidade Federal do Rio de Janeiro A AÇÃO COADJUVANTE DO LEITOR NA PRODUÇÃO DO DISCURSO MIDIÁTICO Por Amanda Heiderich Marchon 2011

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Page 1: A AÇÃO COADJUVANTE DO LEITOR NA PRODUÇÃO … A AÇÃO COADJUVANTE DO LEITOR NA PRODUÇÃO DO DISCURSO MIDIÁTICO AMANDA HEIDERICH MARCHON Dissertação de Mestrado apresentada

Universidade Federal do Rio de Janeiro

A AÇÃO COADJUVANTE DO LEITOR

NA PRODUÇÃO DO DISCURSO MIDIÁTICO

Por

Amanda Heiderich Marchon

2011

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A AÇÃO COADJUVANTE DO LEITOR

NA PRODUÇÃO DO DISCURSO MIDIÁTICO

AMANDA HEIDERICH MARCHON

Dissertação de Mestrado apresentada ao

Programa de Pós-Graduação em Letras

Vernáculas, da Faculdade de Letras da

Universidade Federal do Rio de Janeiro,

como parte dos requisitos necessários à

obtenção do título de Mestre em Letras

Vernáculas, na Área de Concentração

Língua Portuguesa.

Orientadora: Professora Doutora Maria

Aparecida Lino Pauliukonis

Rio de Janeiro

Agosto de 2011

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A AÇÃO COADJUVANTE DO LEITOR

NA PRODUÇÃO DO DISCURSO MIDIÁTICO

Amanda Heiderich Marchon

Orientadora: Professora Doutora Maria Aparecida Lino Pauliukonis

Dissertação de Mestrado submetida ao programa de Pós-Graduação em Letras

Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos

necessários à obtenção do título de Mestre em Língua Portuguesa.

Aprovada por:

_________________________________________________________________

Presidente: Profª. Drª. Maria Aparecida Lino Pauliukonis – UFRJ (Orientadora)

_________________________________________________________________

Prof. Dr. Helênio Fonseca de Oliveira – UERJ

_________________________________________________________________

Profª. Drª. Vera Lúcia Paredes Pereira da Silva (Linguística) – UFRJ

_________________________________________________________________

Profª. Drª. Márcia dos Santos Machado Vieira – UFRJ (Suplente)

_________________________________________________________________

Profª. Drª. Regina Souza Gomes – UFRJ (Suplente)

Rio de Janeiro

Agosto de 2011

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DEDICATÓRIA

À minha filha, Ana Clara, a brilhante cheia de

graça, meu presente de Deus, por encher de luz a

minha vida e ser a razão do meu viver.

À minha mãe Mariléia, pela dedicação e amor

constantes... e por ter sido também mãe da minha

filha durante a minha ausência.

Ao meu tio Edimar, meu verdadeiro pai, e ao meu

ao meu avô Alcides, ponto de equilíbrio e de união

de toda a família, por terem me ensinado lindas

lições.

A todas as vítimas das chuvas que destruíram Nova

Friburgo em janeiro deste ano, em especial, à

amiga Cristiane Araújo Martins e familiares,

adiando, assim, a conclusão desta pesquisa.

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AGRADECIMENTOS

À professora Maria Aparecida Lino Pauliukonis, pela amizade, compreensão, confiança

e orientação extremamente objetiva, segura e competente que tornaram possível a

realização deste trabalho.

Às professoras Lucia Helena Martins Gouvêa e Violeta Rodrigues, pelo carinho,

sorrisos e importante contribuição teórica durante o curso de Mestrado.

Às professoras Silvia Rodrigues, Márcia Machado e Maria Eugênia Lamoglia, por me

ensinarem, tão gentilmente, a dar os primeiros passos rumo à metodologia de pesquisa.

À professora Anabelle Loivos Considera Conde Sangenis, valiosa amizade, por

despertar em mim, ainda no Ensino Médio, e reforçar, na Graduação, o meu gosto pelas

“letras” e por sempre me apontar o caminho certo a seguir.

À professora Lucia Raminelli, eterna mestra, por todos os ensinamentos transmitidos

durante a Graduação, na Faculdade de Filosofia Santa Dorotéia.

À professora Simone Faria Figueiró, presença marcante no Ensino Médio e, hoje,

colega de trabalho, por quem conservo grande admiração.

Às professoras Simone Salomão e Madalena Tavares (a minha „AmadaLena‟), por todo

o caminho percorrido no Centro Educacional Labor de Cordeiro, minha primeira

experiência profissional. Agradeço, também, às diretoras Tia Léo e Tia Elô, que fizeram

do CELC a extensão da minha casa.

Aos companheiros do Colégio Municipal Professor Alberto Meyer, pelo

companheirismo e ajuda constantes. Um agradecimento especial às diretoras Adriana

Bom e Rosane Saldanha, por compreenderem as minhas faltas para que esta pesquisa

fosse concluída e por cuidarem tão bem de mim.

Aos amigos do Colégio Nossa Senhora das Dores, pela cumplicidade e convivência

harmoniosa de todos os dias. Agradeço, em especial, aos membros da direção colegiada

Jean Beatriz Fersura Wermelinger e Robério Canto, por acreditarem em meu trabalho

desde o meu estágio de docência, bem como aos coordenadores Felipe Ferreira e

Alexandre Nicolas Soares, por permitirem – e estimularem – minhas „ousadias

pedagógicas‟.

A todos os meus alunos, sem os quais a minha caminhada acadêmica e esta pesquisa

não teriam sentido.

À fiel escudeira, Adriane Pólo Freitas, à querida amiga Jaqueline Novaes, à „mãezona‟

Iris Thurler Leal e ao „primo-irmão‟ D´Angelo Carlo Magliano, pela presença constante

em minha vida e pelo sincero carinho que sentem por mim.

Ao amado Domingos Calvo, que com tanto amor, escreveu um importante capítulo de

nossas vidas.

A Deus, essa força extraordinária que tudo rege, e à intercessão de Nossa Senhora das

Graças, por terem colocado essas pessoas em meu caminho e por fortalecerem o meu

espírito nesta caminhada.

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MARCHON, Amanda Heiderich.

A ação coadjuvante do leitor na produção do discurso midiático. Amanda

Heiderich Marchon. Rio de Janeiro: UFRJ/Faculdade de Letras, 2011.

xi, 118f.

Orientadora: Maria Aparecida Lino Pauliukonis

Dissertação (Mestrado) – UFRJ/ Faculdade de Letras/ Programa de Pós-Graduação

em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa), 2011.

Referências bibliográficas: f.116

1. Introdução 2. A Revolução bakthiniana 3. A Semiolinguística: uma teoria de

alicerces bakthinianos 4. A constituição do corpus e o tratamento dos dados 5. Uma

mesma empresa em dois jornais diversos. I. PAULIUKONIS, Maria Aparecida Lino. II.

Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, Programa de Pós-

Graduação em Letras Vernáculas. III. Título.

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“Quem saberá contar o

enredo

sem alterar o tom,

o teor e o desfecho,

sem errar nem mudar

uma vírgula?”

(Djavan, “Sílaba”)

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RESUMO

A AÇÃO COADJUVANTE DO LEITOR

NA PRODUÇÃO DO DISCURSO MIDIÁTICO

Amanda Heiderich Marchon

Orientadora: Professora Doutora Maria Aparecida Lino Pauliukonis

Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao programa de Pós-Graduação

em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos

requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Língua Portuguesa.

Uma questão importante relacionada à produção textual reside na presença da

subjetividade, que pode ser evidenciada mediante marcas linguísticas deixadas pelo

enunciador. No domínio discursivo do jornal, a questão ainda é mais discutida, uma vez

que a maior parte dos textos tem a função primeira de informar, e informar com

imparcialidade. Baseados nos pressupostos da Semiolinguística, de Patrick Charaudeau

e nos estudos de Émile Benveniste (2005, 2006) e de Kerbrat-Orecchioni (1997) sobre a

Teoria da Enunciação, que procuram identificar e descrever os procedimentos

linguísticos por meio dos quais o enunciador imprime suas marcas no enunciado,

procuraremos revelar as operações linguístico-discursivas que um único comunicante

utiliza para atingir diferentes destinatários. Para tanto, coletamos, durante o mês de

março de 2009, notícias e reportagens que abordaram o mesmo tema, publicadas pelos

jornais EXTRA e O GLOBO –– veículos de comunicação da Infoglobo Comunicações

Ltda..Assim, a presente dissertação tem como objetivo estudar as seleções temáticas e o

vocabulário distinto que um mesmo comunicante, em obediência ao duplo contrato de

comunicação midiática – que, ao mesmo tempo, busca informar e seduzir o público-alvo

– utiliza para tentar se aproximar do leitor, verdadeiro co-autor dos textos publicados na

mídia.

Palavras-chave: semiolinguística, enunciação, subjetividade, público-alvo, discurso

midiático.

Rio de Janeiro

Agosto de 2011

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ABSTRACT

SUPPORTING READER ACTION

IN THE PRODUCTION OF MEDIATIC DISCOURSE

Amanda Heiderich Marchon

Advisor: Professor Maria Aparecida Lino Pauliukonis

Summary of Dissertation submitted to the Graduate Program in Literature Vernacular

Federal University of Rio de Janeiro as part of the requirements for obtaining the title of

Master in Portuguese Language.

An important issue related to text production is the presence of subjectivity,

which can be detected through linguistic traces left by the speaker. In the discourse of

the newspaper, the issue is further discussed, since most of the texts have the primary

function to inform and report fairly. Based on the presuppositions of semiolinguistics,

from Patrick Charaudeau and the studies of Emile Benveniste (2005, 2006) and Kerbrat-

Orecchioni (1997) on the Theory of Utterance, which seek to identify and describe the

procedures by which the speaker prints his utter marks in the statement, we will try to

reveal the linguistic-discursive operations that a single communicator uses to reach

different audiences. We collected during the month of March 2009, news and reports

that addressed the same topic, published in the newspapers O Globo and EXTRA -

vehicles of communication Infoglobo Communications Ltda. So, this paper aims to

study the thematic selections and the distinctive vocabulary that the same

communicator, in obedience to the dual media communication contract - at the same

time that he seeks to inform and entice the audience – tries to approach the reader, a true

co-author of the texts published in the media.

Keywords: semiolinguistics, enunciation, subjectivity, target public, mediatic discourse.

Rio de Janeiro

Agosto de 2011

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SINOPSE

Estudo dos processos de construção dos

ethos discursivo de um mesmo comunicante

– Infoglobo Comunicação Ltda. – em

função dos diferentes receptores – leitores

dos jornais O Globo e Extra. Observação da

seleção temática, das fotos e da escolha

morfo-lexical nas manchetes, subtítulos e

legendas que atuam na captação do leitor,

verdadeiro co-autor do discurso midiático.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 12

2. REVOLUÇÃO BAKTHINIANA ........................................................................... 18

2.1. O que é linguagem? ..................................................................................... 18

2.2. O que é enunciação? .................................................................................... 20

3. A SEMIOLINGUÍSTICA: TEORIA DE ALICERCES BAKTHINIANOS ...... 24

3.1. O contrato de comunicação .......................................................................... 25

3.2. Modos de organização do discurso .............................................................. 29

3.2.1. Modo enunciativo ........................................................................... 32

3.2.2. Modo descritivo .............................................................................. 33

3.2.3 Modo narrativo ................................................................................ 35

3.3. Notícia & reportagem .................................................................................. 36

3.3.1. A construção temática da notícia e da reportagem ....................... 38

3.3.2. A construção de sentido da informação: duplo processo................ 41

3.3.3. A escolha lexical:a construção de sentido da informação............... 44

4. MEDOTOLOGIA DE PESQUISA ........................................................................ 52

4.1. Seleção do corpus ....................................................................................... 52

4.2. Tratamento dos dados ................................................................................. 54

5. UMA MESMA EMPRESA EM DOIS JORNAIS DIVERSOS ........................... 56

5.1 Um levantamento semântico: análise macrotextual ..................................... 57

5.1.1 Domínio civil ................................................................................. 60

5.1.2 Domínio político ........................................................................... 75

5.1.3 Domínio cidadão ........................................................................... 85

5.1.4. Comprovação dos resultados ....................................................... 86

5.2. Um levantamento lexical: análise microtextual .......................................... 94

5.2.1. Escolha lexical: a construção do leitor ....................................... 94

5.2.1. Processo de nomeação: substantivos próprios e comuns ............ 98

5.2.2. Processo de atribuição:o papel específico da adjetivação ........ 106

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 112

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................ 116

8.ANEXOS .................................................................................................................. 118

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INTRODUÇÃO

Ao considerarmos que o homem vive e constrói sua humanidade por meio da

linguagem, torna-se de fundamental importância analisar as várias formas de

comunicação social presentes nas interações discursivas.

A Língua coloca à disposição dos falantes uma infinidade de recursos que

precisam os limites dos sentidos da fala e de sua utilização. Como estudar a Língua

implica levar-se em conta a enunciação, que se manifesta no enunciado e nele imprime

suas marcas, a Análise do Discurso, no interior das Ciências da Linguagem, preocupa-se

com as várias maneiras de se perceber a realidade e considera que há um sujeito que

atravessa a relação linguagem–mundo, sujeito este que registra, por meio de certos

elementos linguísticos, seu maior ou menor comprometimento em relação ao conteúdo

que enuncia, expressando diferentes atitudes, em função de seus objetivos e

condicionamentos situacionais e interacionais

Em virtude da influência que os textos midiáticos exercem sobre a sociedade, o

presente estudo tem por objetivo analisar a subjetividade discursiva dos textos

midiáticos e os recursos modalizadores engendrados pelos enunciadores. Dessa forma,

busca-se analisar o recurso da modalização com que o usuário procura marcar a

distância em que se coloca em relação ao que enuncia em situação específica de

interação por meio da mídia impressa. Sob a hipótese de que todo sujeito define-se na

medida em que se dirige a um outro – problemática da alteridade, estudada por Mikhail

Bakhtin (2006) –, esta pesquisa tem também por objetivo revelar operações linguístico-

discursivas que um mesmo comunicante utiliza para atingir diferentes destinatários –

podendo, até mesmo, constituir múltiplos sujeitos enunciadores. Para tanto, coletamos,

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durante o mês de março de 2009, notícias e reportagens que abordaram o mesmo tema,

publicadas pelos jornais EXTRA e O GLOBO – veículos de comunicação da Infoglobo

Comunicações Ltda..

Ao observarmos os índices de subjetividade mais frequentes no discurso dos

referidos periódicos, investigaremos as marcas linguísticas que revelam seus ethé

discursivos – segundo a retórica clássica, imagem de si projetada pelo locutor através de

seu discurso –, e também os dispositivos de que se valem os jornalistas para atingirem

seus leitores e aferirem legitimidade e credibilidade à imagem dos enunciadores

veiculada pela mídia impressa.

Sob a perspectiva da Teoria Semiolinguística, de Patrick Charaudeau, uma das

bases teóricas para esta pesquisa, buscaremos focalizar a voz que está por trás das

notícias, cuja situação de comunicação se inscreve em um duplo contrato: um de

informação e outro de captação.

Por se tratar de um trabalho que versa sobre a subjetividade da linguagem,

fundamentarão também esta análise os estudos de Émile Benveniste (2006) sobre a

presença do homem na língua (“O aparelho formal da enunciação”) e de Kerbrat-

Orecchioni (1997) sobre a Teoria da Enunciação, que procuram identificar e descrever

os procedimentos linguísticos que atuam na construção da subjetividade e revelam a

presença do sujeito enunciador.

Assim, considerando que a significação discursiva é fruto da relação entre forma

e situação sócio-linguageira, e aceitando que o ethos possui materialidade linguística, já

que se firma em marcas da enunciação, buscaremos, pois, discutir a neutralidade

ilusória que perpassa o discurso jornalístico, bem como demonstrar a ação coadjuvante

do leitor na produção do discurso midiático.

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Para tanto, a análise proposta se pautará na observação das estratégias de

interlocução social do sujeito comunicante, realizadas por meio das marcas linguísticas

impressas nas capas, nas manchetes, nos subtítulos, nas fotos e legendas que

acompanham as matérias, principais diferenças encontradas entre os dois jornais que

compõem o corpus em estudo – segundo o jornalista Maurício Siaines, esses elementos

paratextuais guiam a leitura do texto, conforme entrevista em anexo. Serão avaliados os

efeitos de sentido resultantes dos destaques temáticos e das escolhas lexicais que atuam

na sedução do leitor, sobretudo o papel dos substantivos comuns e próprios, usados na

operação de nomeação dos atores do espaço social noticiado, e dos adjetivos, que são

apresentados pelo enunciador para convencer o público-alvo acerca do posicionamento

veiculado.

Esta pesquisa levará em consideração também os modos de organização do

discurso – “procedimentos que constituem em utilizar determinadas categorias de língua

para ordená-las em função das finalidades discursivas do ato de comunicação

(CHARAUDEAU, 2008) –, sobretudo os modos enunciativo, descritivo e narrativo.

Embora o propósito deste estudo esteja relacionado à análise qualitativa dos

dados, uma vez que ressaltaremos a necessidade de sintonizar as estratégias linguístico-

discursivas dos veículos de comunicação à heterogeneidade de culturas e de interesses

de seus leitores, procuraremos contabilizar, no plano semântico, a distribuição dos

acontecimentos noticiados, o que CHARAUDEAU (2008) divide em político, cidadão e

civil; no plano morfo-lexical, os substantivos comuns e próprios que nomeiam os

actantes que participam dos fatos narrados, bem como o papel específico dos adjetivos

portadores da marca avaliadora e persuasiva do sujeito.

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No que se refere à metodologia, foram analisadas 92 casos noticiados pelos

jornais EXTRA e O GLOBO, entre os dias 01 de março e 31 de março de 2009, sobre

os mesmos assuntos. A opção por tais gêneros se justifica pelas supostas – e ilusórias –

neutralidade e imparcialidade características de tais textos.

Foram escolhidos os periódicos já citados, ambos da Infoglobo Comunicações

Ltda., para uma melhor compreensão dos processos de construção do ethos discursivo

dos enunciadores em função dos diferentes receptores. Em outras palavras, buscamos

avaliar as estratégias de manipulação da linguagem de um mesmo EU comunicante em

relação à captação de diferentes leitores (TU destinatários).

O método de análise utilizado foi o comparativo. Operou-se o reconhecimento

da instância temática, em seguida, foram contrastados os seguintes índices de

subjetividade presentes nos dois jornais: identificação e caracterização dos atores do

fato noticiado, por meio do levantamento de substantivos comuns e próprios e de

adjetivos mais ou menos axiológicos.

A partir do corpus analisado, este estudo pretende comprovar as seguintes

hipóteses:

a) por meio de estratégias linguístico-discursivas, um mesmo comunicante busca

a captação de diferentes receptores, constituindo para isso, até mesmo, múltiplos

sujeitos enunciadores;

b) o ethos discursivo dos enunciadores constitui-se em função dos receptores,

verdadeiros co-autores dos discursos;

c) mesmo diante de textos quase idênticos, os elementos paratextuais

(manchetes, subtítulos, fotos e legendas) orientam a leitura e formam uma hierarquia

entre os pontos que os leitores devem considerar relevantes na matéria jornalística;

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d) a neutralidade que permeia os gêneros notícia e reportagem é ilusória, sendo

simples relatos de acontecimentos, ou seja, uma interpretação de quem os relata, sob

certo ponto de vista, determinados por uma perspectiva socioeconômica e balizados por

interesses comerciais.

Espera-se, por meio desta pesquisa, constatar que, apesar da aparente

objetividade e racionalidade que constrói a estrutura narrativa e descritiva das notícias e

das reportagens, essas apresentam um acentuado grau de subjetividade revelado nas

marcas linguísticas, o que denuncia o sujeito enunciador. A imagem de neutralidade é,

assim, estrategicamente construída pelo jornal para afirmar sua identidade como veículo

comprometido com a veracidade dos fatos.

No que concerne ao conteúdo das partes constituintes desta dissertação, adotar-

se-á a organização que se segue.

Na Introdução, apresentam-se, além da proposta temática e do objetivo deste

trabalho, a justificativa para a escolha do tema, a metodologia, as hipóteses a serem

confirmadas e a orientação teórica adotada.

O segundo capítulo percorre, sucintamente, os caminhos trilhados pelos estudos

linguísticos em busca das definições dadas à linguagem e à enunciação. Destacam-se as

perspectivas de BENVENISTE (2006) e de KERBRAT-ORECCHIONI (1997) sobre a

subjetividade que perpassa o processo da construção do discurso.

O capítulo seguinte versa sobre a Teoria Semiolinguística, desenvolvida por

Patrick Charaudeau (2007, 2009), destacando-se os conceitos básicos a serem utilizados

neste estudo, a saber: o ato de linguagem como encenação – sujeitos da linguagem,

contratos e estratégias de discurso –, os modos de organização do discurso – em

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especial, os modos enunciativo, descritivo e narrativo – e a construção de sentido da

informação – os processos de transformação e transação.

Em linhas gerais, a literatura teórica subsidia a análise da enunciação que

constitui os textos do corpus numa abordagem do discurso mais preocupada com o

fenômeno das interações sociais, buscando a reconstrução do espaço interativo como

um dos elementos significativos do ato da linguagem. Para tanto, foram colocadas em

evidência as relações entre os atores enunciativos, a construção de sua imagem

(identidade) e função social (ethos).

O quarto capítulo compreende a constituição do corpus e o tratamento dos

dados, observando as marcas de subjetividade presentes desde a escolha dos fatos a

serem noticiados pela instância de informação até o tratamento redacional dos mesmos,

seguindo um método comparativo.

No capítulo cinco, apresentam-se as análises quantitativas e qualitativas do

corpus, numa perspectiva macro e microtextual, o que possibilitará a comprovação das

hipóteses apresentadas, sobretudo a que o intitula esta pesquisa: ação coadjuvante do

leitor na produção do discurso midiático.

Nas considerações finais, levantamos as contribuições desta pesquisa no que se

refere à formação do leitor crítico, que precisa ser apto a compreender os mecanismos

linguístico-discursivos que atuam nos processos de produção textual para a captação do

leitor, assunto que merece destaque nas salas de aula.

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CAPÍTULO 2

A REVOLUÇÃO BAKTHINIANA

2.1. O que é linguagem?

No princípio, Deus criou o céu e a terra. A terra, porém, estava informe e

vazia, e as trevas cobriam a face do abismo, e o Espírito de Deus movia-se

sobre as águas. E Deus disse: Exista a luz. E a luz existiu. E Deus viu que a

luz era boa; e separou a luz das trevas. E chamou à luz de dia, e às trevas

noite. E fez-se tarde e manhã, (e foi) o primeiro dia. (grifos nossos)

(Gênesis, 1, 1-5)

A linguagem humana tem o poder que permite não só criar e nomear o mundo,

mas também possibilita a interrelação com o outro e com a coletividade. Nessa

perspectiva, a linguagem verbal é, então, a matéria do pensamento e o veículo de

comunicação social.

De acordo com KOCH (2007), os diferentes modos de se considerar a linguagem

humana tem sofrido transformações. Historicamente, há três posicionamentos em

relação à língua: como representação (“espelho”) do mundo e do pensamento; como

estrutura, instrumento (“ferramenta”) de comunicação; como forma (“lugar”) de ação e

interação.

A língua como representação do pensamento admite o sujeito – psicológico,

controlador de suas vontades e ações – como o único responsável pela construção de

sentido. Compreender um enunciado constitui um evento mental que se realiza somente

quando o ouvinte apreende do enunciado o pensamento que o falante pretendia veicular.

Saussure acreditava que, pelo fato de a linguagem ser compreendida como a

totalidade de todas as manifestações – físicas, fisiológicas e psíquicas – que compõem a

comunicação, ela não poderia ser objeto da linguística, já que lhe falta unidade interna e

leis independentes. A linguística, então, deveria partir da língua como sistema de

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formas, cuja identidade se refirisse a uma norma, para esclarecer todos os fatos de

linguagem com referência a suas formas estáveis e autônomas.

Tomada como um todo, a linguagem é multiforme e heteróclita (...) ela não

se deixa classificar em nenhuma categoria dos fatos humanos, porque não se

sabe isolar sua unidade.

A língua, ao contrário, é um todo em si mesma e um princípio de

classificação.(SAUSSURE, apud BAKTHIN, 2006: 88)

Segundo KOCH (2007:7), na concepção de língua como estrutura, como

instrumento de comunicação, sua principal função é materializar, representar o

pensamento do falante e o seu conhecimento de mundo, aproximando-se da visão

saussureana, que vê a língua como um produto que o indivíduo registra passivamente.

Por fim, de acordo com a noção da língua como o lugar de interação, os sujeitos,

por participarem ativamente no contexto em que estão inseridos, são atores nas

situações comunicativas que buscam influenciar um ao outro. A comunicação, portanto,

decorre da indissociável relação entre os interlocutores, para que se possa depreender

das palavras seus sentidos concretos. É, na interação verbal, que a língua se faz

significante e assume as marcas do sujeito.

Essa última concepção remete aos estudos sobre a linguagem desenvolvidos por

BAKTHIN (2006), que concebe a comunicação como um processo interativo, muito

mais amplo do que a mera transmissão de informações. O filósofo contesta o

pressuposto da unicidade do sujeito e introduz o conceito de dialogia: atividade do

diálogo entre o eu e o outro em um território preciso socialmente organizado em

interação linguística. O sujeito, ao falar ou escrever, deixa em seu texto marcas

profundas de sua sociedade, seu núcleo familiar, suas experiências, além de

pressuposições sobre o que o interlocutor gostaria ou não de ouvir ou ler, tendo em vista

também seu contexto social.

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Assim, são indissociáveis os conceitos de dialogia e de alteridade – o eu

necessita do outro para constituir seu mundo e para constituir-se a si mesmo.

Toda palavra serve de expressão de um em relação ao outro. Através da

palavra, defino-me em relação ao outro, isto é, em última análise, em

relação à coletividade. A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim

e os outros. Se ela se apóia sobre mim numa extremidade, na outra apóia-se

sobre meu interlocutor. A palavra é o território comum do locutor e do

interlocutor.(BAKHTIN, 2006: 117)

Essa terceira concepção de linguagem também é adotada pela Semiolinguística,

desenvolvida por Patrick Charaudeau, ao considerar o material verbal estruturado em

categorias linguísticas, sem, contudo, deixar de se preocupar com o contexto

psicossocial – em que se definem os seres como atores sociais e sujeitos comunicantes –

que possibilita a aparição de determinados enunciados e não de outros. Assim, a

interação é uma premissa no processo de comunicação. Estima-se, nesta visão, um

sujeito que interage até mesmo com o próprio „eu‟ ou com as vozes reflexivas que o

circundam em um monólogo. Nessa contínua interação, o signo linguístico nunca se

esgota, estando sempre apto a assumir uma nova significação em outro processo

comunicativo.

2.2. O que é enunciação?

Tentativa de ultrapassar a fronteira entre língua e linguagem, o conceito de

enunciação busca evidenciar as relações da língua não apenas como sistema abstrato e

de combinações de elementos fonológicos, morfológicos e sintáticos, mas como

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atividade linguística assumida por um sujeito, constituindo, pois, o liame entre a língua

e o mundo, mediado por esse indivíduo.

Antes de discutirmos a maneira como os estudiosos concebem a enunciação, faz-

se necessário lembrar a oposição que estabelecem entre frase e enunciado –

posicionamento, desde já, adotado nesta pesquisa: a frase é vista como unidade formal

do sistema da língua, estruturada de acordo com os princípios da gramática e passível de

inúmeras realizações; já o enunciado é a manifestação concreta e única da frase, em

situações de interlocução, conforme assevera DUCROT (1987:67):

O que eu chamo de “frase” é um objeto teórico, entendo por isso, que ele

não pertence, para o linguista, ao domínio do observável, mas constitui uma

invenção desta ciência particular que é a gramática. O que o linguista pode

tomar como observável é o enunciado, considerado como a manifestação

particular, como a ocorrência hic et nunc de uma frase.

Segundo uma concepção mais formal da língua, a construção do sentido

constitui apenas uma etapa, pois, como frisou Oswald Ducrot, a observação é feita

sempre a partir do enunciado (realizado) em determinada situação por atores específicos

durante a enunciação. Nesse caso, interessa preocupar-se, simultaneamente, com o que

se diz e com o modo como se diz. Em outras palavras, considerar a enunciação – evento

único e jamais repetido na produção do enunciado, a qual deixa marcas que indicam a

que título o enunciado é proferido.

Apesar das diferenças conceituais que os linguistas imprimem ao termo em

pauta, eles estão de acordo ao conceberem a enunciação como a realização dos

procedimentos linguísticos com os quais o locutor se posiciona em relação ao que

enuncia.

Charles Bally, por exemplo, define a enunciação como a ação influenciada por

fatores sociais: “ato do falante de utilizar os meios de expressão comuns a todos os

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indivíduos de uma comunidade linguística para expressar suas ideias e sua

subjetividade” (BALLY, apud FLORES, 2009: 101)

Se Bally vê a enunciação como a ação, Mikahil Bakhtin a concebe como o

“produto da interação de dois indivíduos socialmente organizados” (BAKHTIN, 2006:

116), atribuindo ao diálogo o status de unidade fundamental da língua, mesmo que o

interlocutor seja uma virtualidade que represente a comunidade na qual o locutor está

inserido.

A orientação da palavra em função do interlocutor tem uma importância

muito grande. Na realidade, toda palavra comporta duas faces. Ela é

determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de

que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da interação

do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de expressão de um em relação

ao outro. (BAKHTIN, 2006:117)

Considerado o linguista da enunciação e, consequentemente, o principal

representante do que se convencionou chamar de teoria da enunciação, Émile

Benveniste conceitua enunciação como “colocar em funcionamento a língua por um ato

individual de utilização” (BENVENISTE, 2006:82). Por esse prisma, o locutor

apropria-se da língua e a transforma em discurso, tendo um alocutário como parâmetro.

Assim, Benveniste imprime um tom pragmático à enunciação, atribuindo a posição de

protagonista ao sujeito enunciador.

Antes da enunciação, a língua não é senão possibilidade da língua. Depois

da enunciação, a língua é efetuada em uma instância de discurso, que emana

de um locutor, forma sonora que atinge um ouvinte e que suscita uma outra

enunciação de retorno. (BENVENISTE, 2006:84)

Oswald Ducrot, por sua vez, se afasta de Benveniste por não ter elaborado uma

definição de enunciação comprometida com o sujeito produtor, nem endereçada a

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nenhum alocutário. Para Ducrot, enunciação não está associada ao ato de produção de

um enunciado, mas ao fato de seu surgimento.

O que designarei por este termo (enunciação) é o acontecimento constituído

pelo aparecimento de um enunciado. A realização de um enunciado é de fato

um acontecimento histórico: é dada existência a alguma coisa antes de se

falar e que não existirá depois. Ressaltar-se-á que não faço intervir a minha

caracterização da enunciação a noção de ato – a fortiori, não introduzo,

pois, a noção de sujeito autor da fala e dos atos da fala. Não digo que a

enunciação é o ato de alguém que produz um enunciado: para mim é

simplesmente o fato de que um enunciado aparece. (DUCROT, 1987:68)

Se entre os linguistas há acordo acerca do caráter da irrepetibilidade da

enunciação – “a enunciação é um acontecimento que não se repete; tem uma

singularidade situada e datada que não se pode reproduzir” (FOUCAULT, 1986:116) –,

também há unanimidade em reconhecer que não é possível estudar diretamente o ato de

produção, buscando-se apenas identificar e descrever os vestígios do ato no produto – o

que este trabalho se propõe a fazer com os textos midiáticos selecionados.

El problema que se plantea es el descubrir las leyes de la enunciación

partiendo del enunciado realizado. Existen estructuras específicas de la

enunciación, elementos discretos analizables que permitan estabelecer

claramente el proceso de enunciación en el interior del enunciado como un

hilo de trama invisible pero presente em uma tela? (COURDESSES, apud

KERBRAT-ORECCHIONI, 1997:40)

Como esta pesquisa analisará o enunciado realizado, buscando marcas que

remetem ao processo de criação deste, usaremos também como aporte teórico, aliado à

Teoria da Enunciação, os postulados da Teoria Semiolinguítica, de Patrick Charaudeau,

que passamos a descrever no item subsequente.

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CAPÍTULO 3

A SEMIOLINGUÍSTICA: TEORIA DE ALICERCES BAKTHINIANOS

Como já postulava Mikhail Bakthin, a linguagem é vista como um constante

processo de interação mediado pelo diálogo – e não apenas como um sistema autônomo.

Neste contexto, é importante suscitar esse filósofo, para quem:

A língua materna, seu vocabulário e sua estrutura gramatical, não

conhecemos por meio de dicionários ou manuais de gramática, mas graças

aos enunciados concretos que ouvimos e reproduzimos na comunicação

efetiva com as pessoas que nos rodeiam.(BAKTHIN, 2006)

Alicerçada nos postulados bakthinianos, a Semiolinguística, de Patrick

Charaudeau, insere o discurso numa problemática que procura relacionar, numa

perspectiva linguística, questionamentos que tratam do fenômeno da linguagem – sendo

uns mais externos (lógica das ações e influência social), outros mais internos

(construção de sentido e do texto) –, que se realiza através da interação entre os sujeitos

participantes do evento comunicativo.

Para explicar os pressupostos norteadores da Semiolinguística,

CHARAUDEAU (2009) se vale do próprio nome dessa teoria e separa a partícula sémio

da palavra linguística. A primeira parte vem do grego semeiosis, que aponta o fato de

que a construção do sentido e sua configuração se constroem por meio de uma relação

forma-sentido. A segunda parte, linguística, significa, para o autor, o material

linguageiro da comunicação que impõe significação ao mundo. É preciso pensar esse

material linguageiro como representação de uma realidade e, ao mesmo tempo, uma

parte dessa realidade. No que diz respeito aos sentidos, podemos dizer que são

construídos tanto na produção quanto na recepção dos enunciados, frutos da interação

entre os sujeitos. Essas instâncias enunciativas funcionam com base em

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intencionalidades, porque tanto aquele que produz quanto aquele que interpreta o fazem

com alguma intenção. Os objetivos do sujeito, na interação verbal, não são somente a

informação e o convencimento do outro, mas também o envolvimento dele no seu

discurso. Os sentidos não existem fora da situação de comunicação e não são

propriedades de apenas um dos parceiros, já que o outro também deve ser considerado

para que o ato de linguagem seja eficiente.

Assim, a Teoria Semiolinguística apreende a linguagem como algo indissociável

de seu contexto sócio-histórico. Nele, a linguagem emerge para satisfazer certas

intenções vindas dos sujeitos em interação e para produzir efeitos por meio de seu uso.

Essa forma de tratar a linguagem caracteriza-se por uma conduta de elucidação

responsável por revelar a maneira pela qual as formas da língua são organizadas para

atender determinadas demandas que vêm de circunstâncias particulares em que se

realiza o discurso.

Os itens a seguir destacarão os conceitos básicos da Semiolinguística utilizados

nesta pesquisa.

3.1 . O contrato de comunicação

Segundo CHARAUDEAU (2009), o ato da linguagem não deve ser concebido

como um ato de comunicação resultante da simples produção de uma mensagem que

um emissor envia a um receptor. Ele deve ser considerado sob duas perspectivas: a de

produção e a de interpretação – um encontro imaginário de dois universos de discurso

não idênticos, em que múltiplos sujeitos participam: o Eu comunicante (EUc), o Eu

enunciador (EUe), o Tu interpretante (TUi) e o TU destinatário (TUd).

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DIZER

ESPAÇO INTERNO

ESPAÇO EXTERNO

Como podemos perceber na figura 1, a situação de comunicação é composta de

um espaço externo e um espaço interno dentro dos quais as siglas referem-se à instância

de produção – EUc e EUe, que são respectivamente sujeito comunicante e sujeito

enunciador – e à instância de recepção – TUd e TUi, respectivamente, sujeito

destinatário e sujeito interpretante. No espaço interno, temos o mundo discursivo, onde

se apresenta a encenação discursiva, enquanto, no espaço externo, temos o mundo

situacional, onde circulam os saberes partilhados entre os sujeitos.

O EUc é concebido por CHARAUDEUAU (2009), como testemunha do mundo

real, dotado de identidade e de estatuto. Ele inicia o processo de produção por meio da

articulação de um projeto de fala (O que dizer?) e de um como falar (De que modo

dizer?) que se liga às estratégias de manipulação (Como dizer para convencer o meu

parceiro?). Para isso, EUc engendra EUe.

Concebido sob o ponto de vista do processo de produção, o EUe é uma instância

criada pelo EUc. O EUe é, então, o traço de intencionalidade do EUc. Concebido sob o

ponto de vista da interpretação, o EUe é uma imagem construída por TUi. É no

EUe

Enunciador

(Ser de fala)

TUd

Destinatário

(Ser de fala)

Locutor – EUc

(Sujeito

Comunicante

– ser social)

Receptor –

TUi

(Sujeito

Interpretante – ser social)

SITUAÇÃO DE COMUNICAÇÃO

Finalidade + Projeto de Fala

Figura 1: A representação do ato de linguagem (CHARAUDEAU, 2009:52)

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dizer que os enunciadores assumem diferentes papéis que lhes são atribuídos pelos

parceiros – EUc eTUi.

O TUd é o protagonista da interação linguageira. É concebido pelo EUe como

sujeito ideal, no processo interacional. Sendo assim, o TUd é considerado uma figura

discursiva sempre presente no ato de linguagem explicitamente marcado ou não. Em

outras palavras, é uma entidade prevista/fabricada pelo EUe. O TUi (assim como EUc)

é um sujeito empírico, dotado de identidade e de estatuto. É o parceiro de EUc

responsável pelo processo de interpretação. Ele constrói uma interpretação relacionada a

uma determinada intenção na esfera situacional.

CHARAUDEAU (2009) considera os sujeitos como lugares de

produção/interpretação de significação linguageira e explica que há uma unidade no

universo discursivo de cada sujeito, uma vez que a individualidade é manifestada a

partir da escolha das estratégias discursivas de cada um, mas, ao mesmo tempo, as

crenças, as convicções e as representações desse universo discursivo irão refletir em um

sujeito coletivo. Esse sujeito é individual na medida em que escolhe as estratégias e é

coletivo na medida em que usa a língua, a linguagem e o discurso como ferramentas

para se constituir enquanto ser social frente ao outro.

Nesse cenário, constrói-se o contrato de comunicação, caracterizado pela

reunião de processos linguístico-discursivos e psicossociais determinados pela situação

de comunicação. Para tratar daquilo que torna legítima a construção dos sentidos

durante as interações humanas, o contrato é o que rege as expectativas mútuas dos

sujeitos do ato de linguagem. Ato este que pressupõe uma intencionalidade (dos

sujeitos), depende da identidade dos parceiros, visa a uma influência, é portador de uma

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proposição acerca da realidade e realiza-se num tempo e num espaço determinados (a

situação).

O contrato de comunicação impõe a obediência a dois princípios básicos: o

direito à palavra – que um parceiro deve conceder ao outro para que se processe o jogo

comunicativo – e a exigência de um saber comum partilhado – que pode ser de ordem

linguística, experiencial ou interdiscursiva.

Toda situação de comunicação depende, portanto, de um contrato (normalmente

implícito), que prevê um espaço de estratégias discursivas – uma margem de manobra

de que os sujeitos comunicantes dispõem para executar seu projeto de fala –, bem como

um espaço de restrições – condições mínimas às quais é necessário atender.

O contrato de comunicação midiático

No que diz respeito ao contrato de comunicação midiático, para

CHARAUDEAU (2007), a situação da comunicação das mídias se inscreve em um

duplo contrato: um de informação e outro de captação.

O contrato de informação centra-se na informação propriamente dita e tende a

produzir um objeto de saber segundo uma lógica cívica: informar o cidadão. A

obediência a certas regras busca garantir a credibilidade do jornal e do conteúdo

veiculado: emprego de recursos gramaticais que simulam o afastamento do sujeito

comunicante (uso de 3ª pessoa, voz passiva etc.); a autenticidade dos fatos e a

imparcialidade nos relatos (reconstrução narrativa dos acontecimentos através das vozes

discordantes, que representam diferentes visões e interpretações); julgamentos – quando

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ocorrem – são balizados por informações precisas de dados ou por depoimentos de

testemunhas.

O contrato de captação procura produzir um objeto de consumo segundo uma

lógica comercial – captar as massas para sobreviver à concorrência. Busca seduzir os

leitores através de formas retóricas e interpelativas: as manchetes, os conteúdos

chocantes e dramáticos, os sinais de identificação afetiva e axiológica etc.

Dessa forma, as empresas de mídia constroem-se numa visão psicossociológica

do público que passa a guiar as escolhas redacionais e as estratégias de funcionamento

do jornal, constituindo uma base relevante de elaboração dos parâmetros contratuais que

orientam a comunicação. A escolha dos conteúdos e o tratamento da informação estão

relacionados com a identidade dos leitores, dessa forma, co-autores do discurso da

informação.

3.2. Modos de organização do discurso

CHARAUDEU (2009, p. 67) problematiza a noção de comunicar e afirma que é

preciso representar o ato de comunicação como um dispositivo no centro do qual se

encontra o sujeito falante (o locutor que fala ou escreve) em relação a um outro parceiro

(o interlocutor). Nesta interação, regulada pelo princípio da intencionalidade

comunicativa do ser de fala e balizada pelas regras de que dispõe o contrato de

comunicação, o enunciador deixa, em seu enunciado, marcas de si expressas pelas

categorias da língua e pelos modos de organização do discurso.

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O autor define os modos de organização do discurso como procedimentos

discursivos que constroem o texto; princípios de organização da matéria linguageira

dependentes da finalidade comunicativa do sujeito falante (enunciar, descrever, narrar,

argumentar), o que, respectivamente, forma o modo enunciativo, descritivo, narrativo e

argumentativo.

Para distinguir esses quatro modos, analisa, primeiramente, a sua função base. O

modo será enunciativo se a relação entre os interlocutores estiver em foco. Será

descritivo se qualificar e identificar um participante do processo de comunicação for o

objetivo principal. Será narrativo se o processo temporal/acional se destacar, e, por fim,

argumentativo, quando as relações de causa e efeito forem ressaltadas.

Vale destacar que tais modos de organização discursiva não são completamente

separados uns dos outros, mas interpenetram-se no desenvolvimento do texto, a

depender da intenção comunicativa. O modo enunciativo, por excelência, intervém na

encenação de todos os outros modos, uma vez que “sua vocação essencial é a de dar

conta da posição do locutor com relação ao interlocutor, a si mesmo e aos outros”

(CHARAUDEAU, 2009:74).

As características dos modos de organização do discurso podem ser visualizadas

no quadro a seguir:

MODO DE ORGANIZAÇÃO FUNÇÃO DE BASE PRINCÍPIOS DE

ORGANIZAÇÃO

ENUNCIATIVO

Relação de influência

(EU TU)

Ponto de vista do sujeito

(EU ELE)

Retomada do que já foi dito

(ELE)

Posição em relação ao

interlocutor

Posição em relação ao

mundo

Posição em relação aos

outros discursos

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DESCRITIVO

Identificar e qualificar

seres de maneira

objetiva/subjetiva

Organização da construção

descritiva (Nomear –

Localizar– Qualificar)

Encenação descritiva

NARRATIVO

Construir as sucessões das

ações de uma história no tempo,

com a finalidade de fazer um

relato

Organização da lógica

narrativa

Encenação narrativa

ARGUMENTATIVO

Expor e provar causalidades numa visada racionalizante para

influenciar o interlocutor

Organização da lógica

argumentativa

Encenação argumentativa

Tabela 1: Modos de organização do discurso (CHARAUDEAU, 2009:79)

Como o ethos do enunciador reflete o ethos do leitor, esperamos chegar ao

pathos1 discursivo, partindo da análise das estratégias discursivas usadas pelo

enunciador para atingir o público alvo, neste caso, os diferentes leitores dos jornais O

Globo e Extra.

... a mídia é um tipo de comunicação em que o ethos do enunciador funciona

como espelho do ethos do leitor. Ao constituir uma imagem, cria a

legitimação de sua própria enunciação, um tom próprio que justifica o

conteúdo e o conteúdo que justifica o tom. Maingeuneau estabelece uma

circularidade em relação à questão do ethos: o ethos remete a um

determinado mundo ético (mundo de valores) que, por sua vez, reforça a

imagem do enunciador, que funciona como espelho da imagem do co-

enunciador. O enunciador toma corpo e o leitor incorpora o ethos, ao se

identificar com ele, ocorrendo uma incorporação a uma comunidade

imaginária. (ROLIM, 2004, p. 282)

1 Entendemos o pathos discursivo como um conjunto de recursos linguístico-discursivos voltados à

construção de efeitos de sentido passionais que, de acordo com um dado contexto sócio-histórico, uma

dada formação ideológica e sua correspondente formação discursiva, participam do processo de

interpelação do sujeito. Nesse ponto de vista, as paixões se afiguram também como um sistema de

evidências e de percepções que oferece ao sujeito a experiência de comungar uma dada emoção numa

dada situação de enunciação. Essa comunhão passional está presente na construção dos efeitos de

identificação entre o enunciador e seu interlocutor, fazendo com que este as experimente também (o que

faz interferir em seu julgamento). Deduzimos daí que o tipo de pathos tem parte na qualidade de ethos

que é construído no discurso, pois as emoções estão imbricadas a modos de falar, de enunciar, logo a

modos de ser e de se comportar no mundo. (PIRIS, 2009)

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Em virtude do corpus escolhido e dos objetivos traçados, nesta pesquisa, serão

destacados os modos enunciativo, descritivo e narrativo.

3.2.1. Modo enunciativo

O modo de organização enunciativo “aponta para a maneira pela qual o sujeito

falante age na encenação do ato de comunicação” (CHARAUDEAU, 2009, p. 81). Ao

enunciar – à luz do postulado teórico da Análise do Discurso –, um sujeito falante

utiliza categorias da língua e, por meio delas, vão se estabelecer algumas posições em

relação ao seu interlocutor. O modo enunciativo é marcado pela presença de atos

enunciativos, chamados de atos locutivos e que se subdividem:

Alocutivo: estabelece uma relação de influência entre locutor e interlocutor, em que o

sujeito falante, por meio do seu dizer, mostra sua posição em relação ao interlocutor, ao

mesmo tempo em que lhe solicita um comportamento, exige uma tomada de atitude.

Elocutivo: revela o ponto de vista do locutor sobre o mundo (Propósito referencial),

sem que o interlocutor seja implicado na tomada de posição. “O resultado é uma

enunciação que tem como efeito modalizar subjetivamente a verdade do Propósito

enunciado, revelando o ponto de vista interno do sujeito falante” (CHARAUDEAU,

2009, p. 83).

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Delocutivo: retoma a fala de um terceiro, como se o sujeito falante fosse uma espécie

de testemunha dos discursos que o mundo lhe impõe. “O sujeito falante se apaga do seu

ato de enunciação e não implica o interlocutor” (CHARAUDEAU, 2009, p. 83).

Nas notícias e nas reportagens, sobressai o discurso, aparentemente descolado,

de um sujeito enunciador, o que caracteriza o modo de organização enunciativo

delocutivo.

O resultado é uma enunciação aparentemente objetiva (no sentido de

“desvinculada da subjetividade do locutor”) que faz a retomada, no

ato de comunicação, de Propósitos e Textos que não pertencem ao

sujeito falante (ponto de vista externo). (CHARAUDEAU, 2009:83)

É mister que atentemos que a neutralidade que perpassa o discurso jornalístico é

ilusória, uma vez que aparecem, ao longo do texto, as marcas do sujeito enunciador,

sua ideologia, sua visão de mundo. Contudo, traços de subjetividade, muitas vezes,

são atenuados para não ameaçar a credibilidade do texto.

O ato de enunciação que descreve a “relação com um terceiro” é de fato

peculiar. Sabemos que todo ato de linguagem depende, de um modo ou de

outro, do sujeito falante e de seus diferentes pontos de vista.

Trata-se, portanto, de um “jogo” protagonizado pelo sujeito falante, como se

fosse possível a ele não ter ponto de vista, como se pudesse desaparecer por

completo do ato de enunciação e deixar o discurso falar por si.

(CHARAUDEAU, 2009:84)

3.2.2. Modo descritivo

O modo descritivo faz surgir a realidade exterior através dos olhos de um sujeito

observador que identifica seres e objetos, nomeia-os, localiza-os e atribui-lhes certas

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qualidades. Além disso, esse modo pode se combinar com o narrativo e com o

argumentativo, para que um texto seja organizado de maneira descritiva, ora em sua

totalidade, ora em parte, como assevera Patrick Charaudeau:

Enquanto contar consiste em expor o que é da ordem da experiência e do

desenvolvimento das ações no tempo, e cujos protagonistas são os seres

humanos, descrever consiste em ver o mundo com um “olhar parado” que

faz existir os seres ao nomeá-los, localizá-los e atribuir-lhes qualidades que

os singularizam. Entretanto, descrever está estritamente ligado a contar,

pois as ações só têm sentido em relação às identidades e às qualificações de

seus actantes. Não é a mesma coisa dizer: “O leão salvou o camundongo”, e

dizer “o pequeno camundongo salvou o leão, rei dos animais”.

(CHARAUDEAU, 2009:111)

Os componentes de uma construção descritiva são: nomear, localizar-situar e

qualificar. Nomear significa fazer com que os seres existam no mundo a partir de

classificações dadas em função das semelhanças e diferenças na comparação com outros

seres. De acordo com CHARAUDEAU (2009:112): Nomear não corresponde a um

simples processo de etiquetagem de uma referência pré-existente. É o resultado de uma

operação que consiste em fazer existir seres significantes no mundo, ao classificá-los.

Localizar-situar é determinar o espaço e o tempo que o ser ocupa, o que está

diretamente relacionado com o componente nomear, já que suas características também

são dependentes da sua posição espaço-temporal. Qualificar é atribuir particularidades,

é algo mais específico e singular, portanto, do que nomear.

Qualificar é, então, uma atividade que permite ao sujeito falante manifestar

o seu imaginário, individual e/ou coletivo, imaginário da construção e da

apropriação do mundo (outros dirão “predação”) num jogo de conflito entre

as visões normativas importas pelos consensos sociais e as visões próprias

ao sujeito. (CHARAUDEAU, 2009:116)

Ao construir subjetivamente o mundo, o sujeito descreve os seres e seus

comportamentos através de sua própria visão, a qual não é necessariamente verificável.

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“O universo assim construído é relativo ao imaginário pessoal do sujeito.”

(CHARAUDEAU, 2009:125)

3.2.3. Modo narrativo

Quanto ao modo de organização narrativo, CHARAUDEAU (2009:151)

antecipa que se trata de um caso delicado. Um dos motivos que justifica essa afirmação

são as diferentes formas de se entender o termo contar. Contar vai além da significação

normalmente dada pelo dicionário, vai além de descrever uma sequência de fatos ou

acontecimentos, e o autor nos apresenta várias formas relacionadas ao termo “contar”:

(...) é uma atividade linguageira cujo desenvolvimento implica uma série de

tensões e até de contradições.

(...) é também constituir um universo de representações das ações humanas

por meio de um duplo imaginário baseado em dois tipos de crenças que

dizem respeito ao mundo, ao ser humano e à verdade. (CHARAUDEAU,

2009:154)

Diferentemente do modo de organização descritivo, o narrativo organiza o

mundo de forma sucessiva e contínua, com início e fim. Caracteriza-se, pois, por uma

sucessão de ações que deve ser limitada em seu princípio e fim para haver coerência.

Essa sucessão é motivada pela intenção do sujeito, “que elabora um projeto de fazer e

tenta conduzi-lo bem”. (CHARAUDEAU, 2009:168).

Como esta pesquisa estuda a atuação do sujeito no discurso (modo de

organização enunciativo), ao analisar textos de natureza narrativa que se valem do

processo descritivo para identificar e qualificar seus actantes, é importante considerar os

modos de organização do discurso no tratamento dos dados e suas relações com o

enunciado.

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3.3. Notícia & reportagem

A reflexão sobre a questão dos gêneros textuais há muito se constitui como

problemática recorrente em diferentes áreas do conhecimento, uma vez que diferentes

são os objetos e também os pressupostos de categorização adotados, desde as

perspectivas literária, linguística e discursiva às teorias da comunicação. Não sendo,

pois, o objetivo desta pesquisa o aprofundamento da teoria dos gêneros sobre textos

identificados como notícia e reportagem2, este item deter-se-á na identificação do

posicionamento de Patrick Charaudeau frente à determinação dos gêneros – com o qual

se filia desde já a perspectiva aqui adotada.

O linguista francês propõe a consideração do que se poderia entender por

gêneros a partir da articulação dos diferentes níveis constitutivos do ato comunicativo, a

começar pelo contrato instituído em cada situação de comunicação.

A situação de comunicação é, assim, o que determina, através das

características de seus componentes, as condições de produção e de

reconhecimento dos atos de comunicação, condições de enunciação sob seu

aspecto externo. Por conseguinte, ela estrutura o domínio de prática – que é

sociologicamente vasto – em domínio de comunicação. (CHARAUDEAU,

2004:26)

Nessa perspectiva, os textos que partilham as mesmas condições situacionais

podem, então, ser reunidos em torno de um mesmo contrato global ou de variantes

(subcontratos), no caso de haver especificidades de um ou mais componentes da

situação. Assim, os textos de informação midiática estariam agrupados sob a regência

de um contrato global, enquanto as notícias/reportagens – doravante chamadas matérias

2 Sobre a diferença entre notícia e reportagem, o jornalista do Extra, Marcelo Dias, nos explicou que

reportagem é o processo de produção de uma notícia. O esforço de apuração, checagem de informações,

entrevistas, conferência de documentos etc. conduzem à elaboração da notícia.

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– da mídia impressa e do telejornalismo se distinguiriam como variantes, em função das

especificidades de dispositivo, por exemplo.

Sendo tais textos de natureza informativa, CHARAUDEAU (2007:19) afirma

que “a informação é essencialmente uma questão de linguagem, e a linguagem não é

transparente ao mundo, ela apresenta sua própria opacidade através da qual se constrói

uma visão, um sentido particular de mundo.”.

Dessa forma, ele propõe chamar notícia a um conjunto de informações:

que se relaciona a um mesmo espaço temático: o acontecimento é um fato que se

inscreve num certo domínio do espaço público, e que pode ser reportado sobre a

forma de minirrelato.

que tem caráter de novidade: não significa, necessariamente, que não se tenha falado

antes do acontecimento, mas é trazido um novo elemento que, até então, era

desconhecido.

que pode ser diversamente tratado: no mesmo instante em que se dá a notícia, ela é

tratada sob a forma discursiva (descreve o que passou, reporta reações, analisa fatos).

O jornalista, ao relatar um acontecimento, deve adotar um ponto de vista

distanciado e global e deve propor, ao mesmo tempo, um questionamento sobre o

fenômeno tratado, integrando um comentário.

Contudo, a garantia de imparcialidade da reportagem é um tanto ilusória, uma

vez que, não há questionamento nem tentativa de análise que possa fazer-se fora de um

modo de pensamento crítico: toda construção de sentido depende de um ponto de vista

particular e todo procedimento de análise implica tomadas de posição.

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CHARAUDEAU (2007) explica que a neutralidade dos gêneros textuais que

compõem o corpus pode ser preservada – ou disfarçada. O jornalista adota a técnica da

“gangorra”, ou seja, propõe pontos de vista diferentes, até mesmo contrários, sem

hierarquizá-los (ou fazendo em dose mínima), e cuja conclusão se resume numa série de

novas questões, cujas respostas ficam a cargo do leitor para que este possa construir seu

pensamento.

3.3.1. A construção temática da notícia e da reportagem

O discurso midiático, ao oferecer „visibilidade social‟, institui um espaço social

e, ao mesmo tempo, reflete-se nele. Isto é, a mídia, se por um lado constrói argumentos

que vêm a ser de domínio da opinião pública, por outro, encontra-se perpassada pelos

valores culturais compartilhados pelo grupo que tem nela sua expressão.

Assim, quando se pensa na construção temática da notícia e da reportagem, duas

perguntas são fundamentais: Quais são os princípios da seleção dos fatos? Quais são os

modos de recorte midiático do espaço social?

Para responder a essas perguntas, apoiamo-nos na classificação de

EMEDIATO (2005) que propõe quatro princípios que orientam a construção da

informação: as leis de proximidade.

Lei de proximidade cronológica: o que há de mais novo e atual. Define a

informação jornalística no centro da atualidade (o agora). Conforme manchete a

seguir do jornal O Globo, que traz novas informações a respeito da guerra entre

policias e traficantes em morro da Zona Sul do Rio de Janeiro. Pelo caráter atual e

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pela repercussão social, outros jornais do país publicaram, no mesmo dia,

informações sobre o confronto que deixou moradores da cidade maravilhosa como

reféns.

TRÁFICO EM GUERRA ATERRORIZA CINCO BAIRROS NA ZONA SUL

Confronto em Copacabana se espalha por Lagoa, Humaitá, Jardim Botânico e

Botafogo

(O Globo, 24 e março de 2011)

Lei de proximidade geográfica: o que há de mais próximo no espaço. Define a

informação que implica de modo mais imediato o leitor enquanto membro de uma

comunidade, o cidadão no sentido estrito do termo. O jornal Extra, por exemplo, de

distribuição quase restrita ao Estado do Rio de Janeiro, cujos leitores – membros da

classe B e C, em geral – demonstram maior interesse aos fatos do que às polêmicas

que os circundam, trouxe, logo na primeira página, a questão do analfabetismo entre

as crianças das escolas do município do Rio.

ESCOLAS DA PREFEITURA TÊM 25 MIL ANALFABETOS

Provão revela estrago causado pela aprovação automática nos alunos dos

colégios do Rio

(Extra, 18 de março de 2009)

Lei de proximidade psico-afetiva: o que há de mais humano, o que toca mais os

leitores, criando dois tipos de interesse – o cognitivo (conhecer o novo sobre a base

do antigo) e o afetivo (priorizar, na seleção do novo, o que mais toca a paixão do

leitor e é capaz de criar ainda uma tensão sobre o antigo). O caso da menina de 5

anos encontrada morta e com sinais de violência sexual chocou o país, como

exemplifica chamada do jornal Extra:

MENINA SOME EM FESTA E APARECE MORTA EM VALÃO

Corpo encontrado horas depois, nu, com sinais de violência sexual

(Extra, 09 de março de 2009)

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Lei de proximidade específica: o que diferencia os leitores uns dos outros. As

paixões dos leitores, desta vez, são consideradas como específicas de grupos mais

particulares, fazendo com que a escolha e o tratamento do fato se ancorem na

faculdade do gosto e do julgamento de comunidades consumidoras de formas

genéricas de informação. Foi significativa, por exemplo, a dimensão que o jornal

Extra deu à paralisação dos trens no Rio de Janeiro, trazendo, em destaque e

sombreado de vermelho, na primeira página, duas fotos do caos sofrido pelos

trabalhadores das classes B e C– leitoras do jornal em pauta – e uma manchete que

choca pelos números apresentado:

(Extra, 07 de março de 2009)

Além dessas leis de proximidade, é importante ressaltar que, como a finalidade

da informação midiática é a de relatar o que ocorre no espaço público, o acontecimento

que dará origem à notícia será selecionado e construído em função de seu potencial de:

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atualidade : avaliado segundo a distância que separa o momento de aparição do

acontecimento do momento da sua veiculação;

sociabilidade: avaliado segundo a aptidão em representar o que acontece num

mundo em que nada pode ser estranho aos indivíduos que nele se inserem.

“Trata-se, para as mídias, de responder à condição de pregnância, o que

leva a construir os universos de discurso do espaço público, configurando-os

sob a forma de rubricas: política, economia, esportes, cultura, ciências,

religião etc.” (CHARAUDEAU, 2007:102);

imprevisibilidade: o acontecimento escolhido perturba a tranquilidade dos

sistemas de expectativa do sujeito consumidor da informação, o que levará a

instância midiática a pôr em evidência o insólito ou o particularmente notável.

3.3.2. A construção do sentido da informação: um duplo processo

Como afirma CHARAUDEAU (2009:21), “o mundo não é dado a princípio.

Ele se faz através da estratégia humana de significação”, a Semiolinguística insere o

discurso numa problemática que procura relacionar, numa perspectiva linguística,

questionamentos que tratam do fenômeno da linguagem – sendo uns mais externos

(lógica das ações e influência social), outros mais internos (construção e sentido do

texto) –, que se realiza através da intervenção de um sujeito.

Assim, o sentido de um discurso é construído pela ação linguageira do homem

em situação de troca social, sendo perceptível através de formas, ao término de um

duplo processo de semiotização do mundo – transformação e transação.

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O processo de transformação consiste em transformar o “mundo a significar”

em um “mundo significado”, expressando-o por meio de formas. Segundo

CHARAUDEAU (2007), o ato de informar inscreve-se nesse processo porque deve

descrever (identificar, qualificar fatos), contar (reportar acontecimentos), explicar

(fornecer as causas desses fatos e acontecimentos).

O processo de transação consiste, para o sujeito que produz um ato de

linguagem, em dar uma significação psicossocial ao seu ato, isto é, atribuir um objetivo

em função da identidade do destinatário; do efeito que pretende produzir nesse outro; do

tipo de relação que se intenta instaurar com esse parceiro, etc.. Por isso, o processo de

transação comanda o processo de transformação, não o inverso.

Vejamos, esquematicamente, tal processo de construção de sentido:

A CONSTRUÇÃO DO SENTIDO

Processo de transformação Processo de interpretação

Processo de transação

Figura 2: Mecânica da construção do sentido (CHARAUDEAU, 2007:42)

Como todo ato de comunicação se realiza segundo o duplo processo de

construção do sentido, podemos pensar que, em relação ao discurso jornalístico, “o

mundo a descrever” é o lugar onde se encontra o “acontecimento bruto” e o processo de

transformação consiste, para a instância midiática3, em fazer passar o acontecimento de

3 Falamos em instância midiática já que compreende vários atores: os da direção do organismo de

informação, responsáveis pela administração da empresa; os da programação, que fazem com que as

Mundo a

descrever e

a comentar

Mundo

descrito e

comentado

Mundo

interpretado

Instância de

produção da

informação

Instância de

recepção -

interpretação

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um estado bruto (mas já interpretado), à notícia ou à reportagem – mundo midiático

construído. Essa construção depende do processo de transação, em que a instância

midiática constrói seu texto em função de como ela imagina a instância receptora, que,

por sua vez, reinterpreta a notícia e a reportagem a sua maneira.

A seguir, observemos o esquema, proposto por CHARAUDEAU (2007), sobre a

mecânica do contrato de comunicação:

Figura 3: Mecânica do contrato de comunicação (CHARAUDEAU, 2007:114)

Destarte, se o sujeito informador representa o mundo em função de uma relação

intersubjetiva, nenhuma informação pode pretender à neutralidade, já que é fruto de um

processo de transação e do tratamento dado durante esse processo – maneira pela qual

esse sujeito decide transpor em linguagem os acontecimentos selecionados em função

do alvo pretendido, com o efeito que escolheu produzir. Ao empreender escolhas, o

enunciador põe em evidência certos fatos, deixando, porém, outros à sombra.

Outra questão que põe em xeque a neutralidade informativa diz respeito às

escolhas discursivas, devido à natureza polissêmica e sinonímica da linguagem – as

informações escolhidas tenham sucesso junto ao público; os da redação, que tratam a informação

conforme a linha editorial. Assim, o jornalista não é o único ator.

transação

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nuances de sentido características do léxico, já que são as palavras que apontam para as

representações.

Vejamos o que diz CHARAUDEAU (2007:39) sobre essas questões:

Comunicar, informar, tudo é linguagem. Não somente escolha de conteúdos

a transmitir, não somente escolha das formas adequadas para estar de

acordo com as normas do bem falar e ter clareza, mas escolha de efeitos de

sentido para influenciar o outro, isto é, no fim das contas, escolhas de

estratégias discursivas.

Concluímos, então, que a informação – mesmo a veiculada sob a forma de

notícia e/ou reportagem – nada mais é do que pura enunciação, pois depende, ao mesmo

tempo, do campo de conhecimento que a circunscreve, da situação enunciativa na qual

se inscreve e do dispositivo no qual é posta em funcionamento.

Para ficar mais claro, vejamos, no próximo item, como ocorre o processo de

transformação em um nível microtextual, envolvendo a escolha lexical que fará parte da

composição o texto jornalístico.

3.3.3. A escolha lexical: a construção do sentido da informação em nível microtextual

Como o discutido anteriormente, para que se realize a semiotização do mundo,

segundo CHARAUDEU (2009:21), é necessário um duplo processo: o primeiro, o

processo de transformação, que efetiva a passagem do “mundo a significar” para o

“mundo significado”, sob a ação de um agente; o segundo, o processo de transação, que

faz desse “mundo significado” um objeto de intercâmbio entre locutor e interlocutor.

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De acordo com CARNEIRO (1996), o processo de transformação compreende,

de forma didaticamente resumida, seis operações:

a) Operação de identificação: reconhece e conceitua os seres do mundo, dando

origem às entidades discursivas que podem ser nomeadas textualmente como seres

concretos ou abstratos, representados linguisticamente pelos substantivos comuns ou

pelos substantivos próprios. Os primeiros informam, por si mesmos, qualidades e

atributos dos objetos, enquanto os segundos particularizam um referente determinado

sem contudo conotá-lo, como ilustram as legendas das fotos:

O boneco junto a um buraco na

Estrada de Itaúna, em são Gonçalo:

repúdio à agressão à equipe de

reportagem

(O Globo, 13 de março de 2009)

Na Estrada de Itaúna, João fez

uma pausa para mostrar o que Panisset

tentou esconder

(Extra, 13 de março de 2009)

O emprego do substantivo comum boneco indica que o referente é do sexo

masculino, inanimado, não-humano etc. Contudo, o uso do substantivo próprio João

tem função apenas denominativa, sem indicar qualquer qualidade particular do

referente, uma vez que poderia ser usado para designar qualquer ser.

Ao nomear um referente, o falante realiza um processo de seleção entre os

elementos da língua, já que há uma grande variedade de aspectos pelos quais um objeto

pode ser designado e só um deles é escolhido, “justamente aquele mais estrategicamente

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eficiente no reconhecimento do objeto pelo interlocutor”, como bem observa Searle

(SEARLE apud CARNEIRO, 1996: 81). Assim, pode-se pensar que: na pressuposição

do locutor d´O Globo, o interlocutor desconhece o nome do boneco que “denuncia” a

má conservação de ruas e estradas pelo poder público. Esse viés de análise pode se

estender ao leitor do Extra, que, por representar, estatisticamente, a classe C, está mais

vulnerável a sofrer com os buracos nas vias terrestres e, consequentemente, já está mais

familiarizado com João Buracão, não sendo, pois, necessário citar também o segundo

nome do boneco.

b) Operação de atribuição: destaca ora propriedades das entidades, dando

origem aos atributos discursivos que podem ser atualizados por meio de qualidades,

características ou informações, representados linguisticamente pelas várias formas de

adjetivação, ora circunstâncias de processos ou atributos, cuja representação linguística

é feita pelos advérbios.

(O Globo, 05 de março de 2009)

(Extra, 05 de março de 2009)

No subtítulo do jornal Extra, verificam-se os dois atributos discursivos: a

expressão grifada de vermelho acrescenta uma informação sobre o ex-presidente; a

informação grifada de azul, circunstancial de causa sobre seu afastamento. Há duas

interpretações para o emprego da operação de atribuição pelo Extra: (i) como o nome de

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Collor não é anteriormente citado, como n´O Globo, a operação de atribuição foi

necessária para que ficasse claro quem era o referente, uma vez que o leitor pode não se

lembrar de que a letra „l‟ dupla em verde e amarelo era uma das marcas de campanha à

presidência; (ii) a qualificação sugere que não é oportuno Collor assumir a comissão do

Senado, já que o ex-presidente foi obrigado a deixar o poder por conta de atos

corruptos.

c) Operação de processualização: indica as ações praticadas ou sofridas pelas

entidades, dando origem aos processos discursivos, atualizados por vários tipos de

ações, representadas linguísticamente pelos verbos.

O GLOBO (10/03/09) EXTRA (10/03/09)

CASO VERÔNICA: FAMÍLIA PEDE

EXUMAÇÃO DO CORPO

FAMÍLIA QUER EXUMAR O CORPO

De acordo com KERBRAT-ORECCHIONI (1997:131), o emprego de qualquer

unidade léxica – e os verbos não escapam a esta regra – pode ser considerado, em certo

sentido, como subjetivo. Assim, as manchetes publicadas pelos jornais O Globo e Extra,

no dia 10 de março de 2009, referem-se ao erro médico, cometido no Hospital Getúlio

Vargas, que, supostamente, causou a morte de uma mulher. Os jornalistas, diante de um

mesmo fato, constroem diferentes interpretações sobre o que presenciaram e ouviram.

Uma boa pista a apontar essa diferença é indiciada pelos verbos: o segundo enunciado

citado, por exemplo, aponta para um desejo que não avalia os balizamentos legais para a

exumação de um corpo.

d) Operação de relação: indica as relações entre os elementos discursivos,

dando origem às ligações discursivas, atualizadas linguisticamente pelos conectores

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textuais, representados linguisticamente pelas conjunções, preposições e pronomes

relativos. Vejamos as chamadas de capa dos jornais:

O GLOBO (14/03/09) EXTRA (14/03/09)

CAPA:

MILÍCIA ATACA POSTO DA PM E MATA

POLICIAL

CAPA:

MILÍCIA MATA PM PARA LEVAR ARMAS

O conectivo aditivo empregado pelo jornal O Globo deixa a dúvida se o

assassinato foi previamente planejado ou se foi uma consequência imprevista do ataque.

Já a preposição para da segunda manchete sugere que a morte do policial era a condição

para o roubo das armas.

e) Operação de delimitação: marca a extensão semântica das entidades por meio

dos delimitadores discursivos, atualizados por vários tipos de determinantes textuais,

efetivados linguisticamente por uma série de apresentadores: artigos, numerais e

pronomes (indefinidos, demonstrativos e possessivos). Para ilustrar, tomemos como

exemplo a análise das legendas das fotos a seguir, cujas matérias se referem ao roubo de

armamentos do Centro de Treinamento Tático, entidade especializada na prestação de

serviços de ensino no setor de armamento, controlada pelas autoridades governamentais

das áreas militar e policial.

Casa arrombada: vários policiais

militares e civis em frente ao CTT

(O Globo, 07 de março de 2009)

O centro no ABC paulista: 14 fuzis

e 40 pistolas foram levadas

(Extra, 07 de março de 2009)

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Como esta pesquisa visa ao confronto dos enunciados publicados, sobre o

mesmo fato, pelos jornais em pauta, é notório que, enquanto O Globo fez um

comentário em tom descritivo da foto, chamando a atenção para a quantidade de

policias que estavam diante do CTT, o outro veículo de comunicação, ao apresentar os

detalhes quanto à quantidade de armas roubadas – mesmo que a foto não faça alusão a

isso –, contribui para a construção de uma espetacularização do fato, uma vez que

chama atenção não só para o quantitativo de armamentos de uso militar roubados, mas

também para a especificação do tipo de armas levadas.

f) Operação de modalização: inclui o ponto de vista do locutor sobre o mundo

significado, dando origem às modalizações discursivas, efetivadas textualmente pelas

modalidades, representadas linguisticamente por palavras denotativas, exclamativas e

interrogativas.

O GLOBO (07/03/09) EXTRA (07/03/09)

ARCEBISPO ACONSELHA LULA A

CONSULTAR TEÓLOGO

Dom José Cardoso diz que perdão aos envolvidos

em aborto de menina é possível, mas só com

arrependimento

ARCEBISPO: ENVOLVIDOS EM ABORTO

PODEM SER PERDOADOS

Os enunciados acima referem-se ao polêmico aborto feito em menina de 9 anos,

que foi estuprada pelo padrasto, resultando na excomunhão da mãe da menor e da

equipe médica responsável pela retirada dos fetos gêmeos. Como o perdão está

condicionado ao arrependimento, e as declarações dos médicos e da mãe da menina

apontam para o sentido contrário, a manchetes empregam a modalidade epistêmica da

língua, já que não é um fato certo de ocorrer.

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Apesar de as operações ligadas ao processo de transformação criarem elementos

discursivos, atualizados textualmente de modo diverso e representados linguisticamente

pelo material verbal, a produção de significação dos enunciados – como mostram os

exemplos comentados –, no entanto, só é alcançada com a participação, junto ao

processo de transformação, do processo de transação, que inclui o material psicossocial.

Assim, o processo de transação, segundo CHARAUDEAU (2005) ocorre

segundo quatro princípios que estão inseridos em um postulado de intencionalidade: os

princípios de alteridade, pertinência, influência e regulação:

a) Princípio de alteridade: qualquer ato de linguagem se realiza numa troca

entre os parceiros de um processo comunicativo. Esses parceiros precisam se reconhecer

como tais nas suas semelhanças e diferenças. As semelhanças se encontram nos saberes

partilhados sobre os universos de referência e na motivação comum que constitui a

finalidade do ato de linguagem; as diferenças dizem respeito aos papéis dos

interlocutores do processo comunicativo: papel de sujeito comunicante para o emissor

da mensagem e de sujeito interpretante para o receptor da mensagem. O

reconhecimento dos parceiros, que ocorre num processo recíproco de interação, confere

a estes uma legitimidade. Assim, todo ato de comunicação implica

um reconhecimento e uma legitimação recíproca dos parceiros. Este princípio constitui

o fundamento do aspecto contratual do ato de comunicação.

b) Princípio da pertinência: neste princípio, realiza-se o reconhecimento do

universo de referência, que se dá pelo compartilhamento dos saberes implicados no ato

de linguagem – saberes sobre o mundo, sobre os valores psicológicos e sociais, sobre os

comportamentos etc., que conferem aos parceiros credibilidade. Neste princípio, os atos

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de linguagem devem ser apropriados a seu contexto e a sua finalidade, contribuindo

para o aspecto contratual do dispositivo sócio-linguageiro.

c) Princípio de influência: através deste princípio, busca-se atingir o

interlocutor, afetando-o nas suas ações, emoções e pensamentos. Este princípio se

relaciona diretamente com a finalidade intencional que se acha inscrita no dispositivo

sócio-linguageiro.

d) Princípio de regulação: os parceiros procedem à regulação do jogo de

influências. Assim como todo sujeito receptor de uma mensagem é alvo de influência do

sujeito emissor, toda influência pode estar exposta a uma contra-influência. Esse jogo

de influência e contra-influência pode causar confronto ou ruptura do processo

comunicativo. Dessa forma, para a regulação, os parceiros recorrem a estratégias no

interior de um quadro de situações e este espaço de estratégia está inscrito no

dispositivo sócio-linguageiro.

As operações do processo de transformação não se realizam autonomamente.

Elas são efetuadas sob o controle do processo de transação, conforme as diretrizes

deste, o que significa dizer que, na dialética entre os dois processos, há uma

dependência do primeiro em relação ao segundo. Essa dependência busca apreender o

sentido comunicativo nos valores semânticos que emanam da operação discursiva. Isso

pressupõe, em outras palavras, que o valor proposicional se subordina aos valores inter-

relacionais no intercâmbio do processo linguageiro, como afirma CHARAUDEAU

(2009):

Processo de transformação e processo de transação realizam-se, pois,

segundo procedimentos diferentes, embora sejam solidários um do outro,

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sobretudo através do princípio de pertinência que exige um saber comum,

construído precisamente ao término do processo de transformação. Pode-se

até dizer que esta solidariedade é hierarquizada. Com efeito, as operações

de identificação, de qualificação, etc. do processo de transformação não se

fazem livremente. Elas são efetuadas sob “liberdade vigiada”, sob o controle

do processo de transação, segundo as diretivas deste último - o qual confere

às operações uma orientação comunicativa, um sentido.

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CAPÍTULO 4

METODOLOGIA DE PESQUISA

Com o objetivo de identificar as estratégias linguístico-discursivas empregadas

por um mesmo comunicante visando a atingir destinatários distintos, a pesquisa se

debruça sobre um corpus de análise composto por textos que versaram sobre o mesmo

assunto, produzidos pelos jornais O Globo e Extra em suas versões impressas. Tal

seleção se deu em função de os periódicos pertencerem à mesma empresa, a Infoglobo

Comunicações Ltda., representando, assim, um sujeito comunicante que se transfigura

em enunciadores diferentes a depender do público a que destina. O tratamento dos

dados seguiu um levantamento estatístico das ocorrências temáticas dos fatos comuns

noticiados pelas duas mídias, bem como uma análise comparativa das manchetes,

subtítulos, fotos e legendas, principais diferenças entre os dois veículos em estudo.

4.1. Seleção do corpus de análise

Definido o método comparativo em função dos objetivos da pesquisa, o passo

seguinte é a determinação das instituições midiáticas a serem analisadas, pois a

grandeza numérica de produções jornalísticas brasileiras pertencentes a um mesmo

grupo empresarial nas diferentes mídias, bem como sua diversidade, inviabiliza a

completa cobertura. Assim, visando a uma amostra ampla e generalizante, optou-se pela

seleção de jornais impressos que (i) não são direcionados a temas específicos, (ii) têm

relevância reconhecida e (iii) apresentam grande número de tiragem. Desse modo,

chegou-se à seleção das instituições midiáticas já referidas (O Globo e Extra), que, além

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de atenderem aos critérios de seleção, atuam como publicações de referência em todo o

território nacional.

Em relação aos gêneros textuais analisados, optamos por compor nosso corpus

por notícias e reportagens sobre os mesmos assuntos, publicadas pelos ditos periódicos,

entre os dias 01 de março e 31 de março de 2009. A opção por tais gêneros se justifica

pelas supostas – e ilusórias – neutralidade e imparcialidade características de tais textos.

Outro fator determinante para a escolha dos textos foi a cobertura de diferentes

tipos de evento e áreas de interesse, para se evitar a produção de dados específicos que,

posteriormente, seriam generalizados. Por isso, foram selecionadas matérias

jornalísticas referentes aos três domínios da atividade social: civil, política e cidadã.

Embora publicados em mídias diferentes, os textos são praticamente iguais em

relação às construções sintáticas e às escolhas lexicais, apresentando, inclusive, os

mesmos jornalistas como autores. Por isso, foram objeto de análise apenas os elementos

paratextuais: manchetes, subtítulos, fotos e legendas, produções textuais que,

submetidas à comparação, apresentam contrastes significativos.

Como o tratamento dado ao noticiário esportivo destoa dessa tendência, já que,

diante de um mesmo acontecimento relacionado ao mundo dos esportes, jornalistas

distintos o relatam em textos diferentes no Extra e n´O Globo, optou-se por não analisar

essa temática.4

4 O editor-chefe do Extra, Bruno Thys, explicou que a temática esportiva é frequente em todas as mídias:

diariamente, há notícias relacionadas a jogos e placares, campeonatos e contratações de atletas. Além

disso, nos dois jornais analisados, há cadernos diários e específicos sobre o esporte, o que exige uma

grande diversidade de textos que buscam atrair – e fidelizar – um leitor muito específico, já habituado

com a linguagem do periódico lê.

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4.2. Tratamento dos dados

A amplitude do que se pretende nessa dissertação exige que o tratamento dos

dados selecionados se dê de modo abrangente e diverso, tanto no que se refere ao

método de análise (quantitativo e qualitativo), quanto aos níveis linguístico-discursivos

que se espera atingir.

Dessa forma, foram propostas análises que cobrissem aspectos relacionados à

seleção temática dos fatos noticiosos e ao tratamento linguístico dado aos mesmos,

recortes entendidos como relevantes às determinações dos componentes do contrato de

comunicação midiática, que busca informar e seduzir o leitor.

Assim, os parâmetros de divisão dos domínios de atividade social estabelecidos

por CHARAUDEAU (2008) foram quantificados e contribuíram para o estabelecimento

dos tipos, espaços e vozes priorizados pelas mídias em análise e, consequentemente, das

imagens criadas pelas instituições midiáticas de si e do outro. Aliado a esse

levantamento estatístico, segue-se um estudo qualitativo de alguns casos considerados

significativos para evidenciar o cumprimento do contrato de comunicação que rege as

mídias.

Para a comprovação dos resultados chegados em relação à temática veiculada

(análise em nível macrotextual), foi proposto a cento e vinte alunos do 2º Ano do

Ensino Médio, do Colégio Nossa Senhora das Dores, em Nova Friburgo, após duas

semanas de estudos sobre enunciação, a análise de parte do corpus, composta por seis

casos noticiosos veiculados pelos jornais O Globo e Extra. Essa etapa da pesquisa

comprova que as atividades de compreensão e produção textual, balizadas pela teoria da

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enunciação, melhoram aspectos relacionados à leitura e à escritura de textos por parte

do aluno.

No tocante ao estudo em nível microtextual, foram consideradas as escolhas

morfo-lexicais engendradas pelos dois periódicos da seguinte forma: inicialmente,

destacam-se os níveis relacionados à maior ou menor formalidade na linguagem; em

seguida, destacam-se as operações de nomeação (análise quantitativa e qualitativa dos

substantivos próprios empregados para nomear os actantes envolvidos no acontecimento

noticiado), bem como a análise qualitativa do papel específico da adjetivação para a

operação de atribuição.

Todos esses levantamentos e observações produziram dados que, analisados a

partir dos fundamentos da Semiolinguística e de outros estudos referentes à enunciação,

possibilitaram a verificação das estratégias linguístico-discursivas que um mesmo

sujeito comunicante emprega para atingir múltiplos e diferentes destinatários.

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CAPÍTULO 5

UMA MESMA EMPRESA EM DOIS JORNAIS DIVERSOS

Com o propósito de identificar a presença dos múltiplos sujeitos envolvidos no

ato enunciativo e de apontar que a intenção comunicativa de um mesmo comunicante

pode levá-lo a construir um sujeito enunciador distinto, a depender do destinatário que

ele idealiza, analisamos as notícias e as reportagens, que versaram sobre o mesmo

assunto, publicadas durante todo o mês de março de 2009.

Em relação aos dois veículos de comunicação ora analisados, podemos afirmar

que detêm o mesmo sujeito comunicante, já que pertencem à mesma empresa

(Infoglobo Comunicações Ltda.), e, na maioria das vezes, apresentam os mesmos

jornalistas responsáveis pela cobertura das matérias. Ao comparar as notícias e

reportagens no interior do jornal, fica evidenciado que retratam, basicamente, os

mesmos fatos, sendo, inclusive, muitos textos idênticos – exceção apenas para os títulos

das matérias e para as legendas e fotos. Todavia, o sujeito enunciador é bastante

distinto, projetado a partir das diferenças socioeconômicas e culturais dos sujeitos

destinatários de cada periódico.

Quanto a essa instância receptora dos textos midiáticos, vale lembrar que é

projetada, pela instância de produção, a partir de hipóteses feitas sobre um conjunto

impreciso de valores étnico-sociais e afetivo-sociais. Por meio de pesquisas de mercado,

a mídia projeta seu público-alvo.

De acordo com CHARAUDEAU (2007), os leitores, quanto à dupla finalidade do

contrato de comunicação, podem ser abordados de duas maneiras: como alvo intelectivo

ou como alvo afetivo.

O alvo intelectivo é considerado capaz de avaliar seu interesse com relação

àquilo que lhe é proposto, à credibilidade que confere ao organismo que

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informa, a sua própria aptidão para compreender a notícia, isto é, ter acesso

a ela. Um alvo intelectivo é um alvo ao qual se atribui a capacidade de

pensar. (CHARAUDEAU, 2007:80)

Um alvo afetivo é, diferentemente do precedente, aquele que se acredita não

avaliar nada de maneira racional, mas sim de modo inconsciente através de

reações de ordem emocional. Assim sendo, a instância midiática constrói

hipóteses sobre o que é o mais apropriado para tocar a afetividade do sujeito

alvo. (CHARAUDEAU, 2007: 81)

Em função dessa dupla abordagem, questionamos o que preside às escolhas

efetuadas pela imprensa no que tange a estruturação midiática do espaço social na

conversão do acontecimento em notícia. Para tanto, na seção a seguir, apresentaremos o

estudo da divisão do corpus desta pesquisa em função dos três domínios de atividades

que, de acordo com Patrick Charaudeau, estruturam o espaço da sociedade nas mídias, a

saber: domínios das atividades política, civil e cidadã.

5.1 Um levantamento semântico: análise macrotextual

Na obra O Discurso das Mídias, Patrick Charaudeau problematiza a questão da

estruturação midiática do espaço social.

A estruturação do espaço social depende da instância fornecedora de

informação que é obrigada a constituir seu propósito gerenciando a

visibilidade pública dos acontecimentos de que trata. Essa instância não

pode ignorar que existe “uma verdadeira dialética entre a descrição inicial

do acontecimento e as reações que tal descrição suscita”, porque a instância

de recepção à qual se dirige detém a qualidade de “ator participando da

vida pública.” (CHARAUDEAU, 2007:143)

Assim, propõe que as instâncias midiáticas façam uma repartição do espaço

público em categorias – e não em fatos em si mesmos – que permitem a tais atores

reconhecê-las, compreendê-las e reagir diante delas.

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Tais categorias concernem, por um lado, ao modo de repartição do mundo

social em espaços de ação e de representação que designaremos “domínios

de atividade”, por outro lado, concerne “à natureza dos atores” que dela

participam, adquirindo, assim, o direito de acesso às mídias.

(CHARAUDEAU, 2007:143)

Os ditos domínios de atividade, por refletirem a forma pela qual cada grupo

social representa o conjunto das atividades realizadas por seus membros, podem ser

classificados em três domínios:

Domínio da atividade política: destaca aqueles que protagonizam no espaço do

poder político, os eleitos e outros representantes acreditados, considerados

responsáveis, e que as mídias põem em cena em diversos relatos que descrevem

a vida do corpo social do estado, os atos e propósitos de seus responsáveis.

Domínio da atividade cidadã: destaca aqueles cidadãos que participam da vida

política, seja como contribuintes ou usuários, como contra-poder enquanto

representantes acreditados de diferentes grupos de pressão mais ou menos

institucionalizados, ou como cidadão de base, homem ou mulher da rua que tem

direito de opinar sobre a organização da vida política. Para as mídias, trata-se de

reportar os atos de reivindicação mais ou menos organizados dos cidadãos

(manifestações, greves etc.), assim como as palavras de protesto ou de

interpelação que dirigem aos poderes públicos.

Domínio da atividade civil: são destacados aqueles que atuam ou testemunham

fatos de seu próprio cotidiano, ordinário ou extraordinário, tendo passado pela

experiência de heróis ou vitimas.

“As mídias raramente os colocam em cena, a não ser para inseri-los em

catástrofes ou em acontecimentos insólitos, para atender à sua finalidade de

captação.” (CHARAUDEAU, 2007:144)

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Os primeiros dados levantados do corpus de estudo desta pesquisa já apontam

para a confirmação da hipótese inicial, a de que o ethos discursivo do enunciador se

reflete no ethos do receptor, desde a escolha dos fatos a serem noticiados até o

tratamento linguístico-discursivo dado aos mesmos – obedecendo à cláusula de captação

do contrato de comunicação midiático.

Sob uma perspectiva macrotextual, analisamos estatisticamente em que recorte

do espaço social se encaixavam as matérias comuns aos dois jornais. Nesta

perspectiva, notamos que, dos 92 acontecimentos que perfazem o corpus – casos

noticiosos analisados em matérias sobre os mesmos temas veiculadas nos jornais Extra

e O Globo –, 73 ocorrências recaem sobre o domínio civil, 17 representam o domínio

político e apenas 2 constituem o domínio cidadão, como confirma o gráfico a seguir:

Gráfico 1: Divisão espaço público em categorias

Como os acontecimentos que se produzem no mundo são em número bem

superior ao dos acontecimentos tratados nas e pelas mídias, a discrepância numérica

apresentada pelo gráfico 1 aponta para a confirmação das hipóteses que guiam esta

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pesquisa, uma vez que, o mesmo comunicante, a Infoglobo Ltda., ao transfigurar-se em

dois enunciadores distintos, jornais O Globo e Extra, de acordo com o perfil sócio-

econômico dos leitores, seleciona e coloca em evidência fatos que presume ser de

interesse do público alvo, o que trataremos com mais detalhes no itens subsequentes.

A esse respeito, o jornalista do Extra, Marcelo Dias, esclarece:

Existe uma sinergia entre os produtos da Infoglobo. Digo produtos porque a

empresa possui diversos veículos de comunicação. Como vivemos em uma

metrópole, há assuntos que interessam mais aos leitores do Extra e outros

que interessam mais aos do Globo. Uma prova de hipismo, por exemplo, não

interessa ao leitor do Extra. Assim, o Globo cobre a prova e faz a matéria. Se

o Extra publicá-la (há casos em que um jornal não se interessa por

determinados assuntos do outro), o enxugamento do texto será feito por sua

própria equipe.

Um caso prático. Nestas eleições, o Extra se encarregou de acompanhar o

dia de votação na Baixada e na Zona Oeste, cabendo ao Globo a Zona Sul e

a Tijuca. No fim, ambos aproveitaram o material e fecharam o jornal

conforme sua linha editorial.

O mesmo é visto no grupo Arca, onde O Dia, o Meia Hora e o Marca

Campeão produzem o mesmo procedimento de sinergia.

(Entrevista feita com o jornalista Marcelo Dias, do jornal Extra,

conforme anexo 1)

5.1.1 Domínio civil

De acordo com o explicado no capítulo anterior, esta pesquisa limitou-se a

coletar apenas os fatos em comum noticiados pelos jornais O Globo e Extra. Assim, por

meio da leitura do gráfico 1, é nítida a superioridade das atividades do domínio civil

que, como veremos adiante, vincula-se ao apelo das tragédias humanas midiaticamente

dramatizadas.

Ao que parece, a grande oferta de acontecimentos trágicos protagonizados pelo

cidadão comum é decorrente da estratégia dos jornais para aproximarem-se do seu

leitor, apostando na veiculação de matérias que, ao mesmo tempo, visam ao público

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como alvo afetivo e apresentam potencial de atualidade, imprevisibilidade e

sociabilidade dos acontecimentos. Como revela o gráfico 2, das 73 ocorrências do

domínio da atividade civil analisadas publicadas nos Periódicos analisados, 65 são de

editoria policial, o que configura 89% desse domínio. Além dos casos de assaltos e

agressões, tiroteios e mortes, colaboram para alcançar esse número também as notícias

sobre as celebridades do mundo artístico, em que muitos dos fatos publicados são

relacionados à temática policial.

Gráfico 2: Subdivisão do Domínio Civil

Como o sentido é construído a cada situação de comunicação e sendo a

enunciação um evento único e que jamais se repete, mais do que o tratamento

quantitativo dos dados, faz-se necessária a análise qualitativa dos mesmos. Na busca

para revelar as marcas deixadas, no texto, pelo enunciador, visando à comprovação das

hipóteses apresentadas no início deste estudo, passemos à discussão de algumas

matérias publicadas pelos dois jornais, numa perspectiva macrotextual, de acordo com a

subdivisão do domínio da atividade civil proposta no gráfico anterior.

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Mortes e Tiroteios

A morte resultante da violência urbana desperta medo e indignação em toda a

sociedade que, a cada dia, parece estar mais desprotegida contra esses tipos de tragédia.

O texto de Aydano André Motta, publicado num box que acompanha a reportagem

sobre a guerra entre policiais e traficantes cariocas, publicada no dia 23 de março de

2009, no jornal O Globo, ilustra muito bem essa situação:

A manhã cinza do primeiro domingo de outono se aproximava do meio-dia

quando a Fonte da Saudade (minibairro xará da rua principal, nas franjas

do Rebouças) se viu transportada ao terrível cotidiano das comunidades

pobres do Rio. Rajadas explodiram em sequência,levando terror...

O sobe-e-desce de patrulhas e camburões se estendeu pelo domingo. Só não

mudou uma certeza: moramos todos, pobres, ricos e remediados,

tragicamente na mesma cidade. (Grifos nossos)

Esse jornal reservou uma página inteira para a publicação da matéria escrita

pelas jornalistas, Cristiane de Cássia e Fabíola Gerbase, e ainda ¼ da capa, com foto e

breves explicações, para narrar o drama vivido pelas classes A e B, suas leitoras

prototípicas. Apesar da grande repercussão do acontecimento que paralisou a cidade do

Rio de Janeiro, o Extra publicou apenas um resumo do mesmo texto e, na primeira

página, limitou-se a apresentar somente uma breve chamada: “ZONA SUL FICA EM

PÂNICO COM TIROS NA TABAJARAS”. Isso comprova nossa tese de que o leitor é,

de fato, co-autor do discurso midiático, uma vez que, mesmo tendo compartilhado o

mesmo texto, as distintas instâncias enunciadoras, em respeito às leis de proximidade

específica e geográfica, deram ênfase e manchetes diferentes ao mesmo texto:

O GLOBO (23/03/09) EXTRA (23/03/09)

BALA PERDIDA E DE LONGA DISTÂNCIA

Tiroteio na Ladeira dos Tabajaras, em

Copacabana, assusta moradores até do Humaitá

TRÊS BAIRROS REFÉNS DA VIOLÊNCIA O

RIO

Tiroteio na Ladeira dos Tabajaras leva pânico à

Zona Sul

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O Globo destaca o extenso reflexo do confronto, em construções linguísticas que

enfatizam que os tiros disparados em favela de Copacabana foram capazes de atingir o

bairro vizinho. O mapa intitulado “A distância que o tiro de fuzil percorreu”, além de

ilustrar o percurso da bala, já sinaliza, em seu título, para a periculosidade do confronto,

ao marcar, numa operação de atribuição, que o projétil foi disparado de uma arma com

grande poder de destruição.

O Extra, no entanto, apenas retrata que os confrontos ocorridos em comunidade

pobre do Rio de Janeiro podem também aterrorizar bairros nobres da cidade. Isso revela

que, mesmo com recursos financeiros para investir em segurança, os moradores dessas

localidades, também não têm garantia de proteção.

Ainda em relação às semelhanças e diferenças presentes nos dois jornais,

observamos que ambos publicaram a mesma foto, entretanto, com legendas distintas:

O GLOBO (23/03/09) EXTRA (23/03/09)

LEGENDA:

Policiais vigiam uma das entradas da Ladeira dos

Tabajaras, palco de diversos tiroteios desde a noite

de sábado: traficantes da Rocinha teriam invadido a

favela

LEGENDA:

Policiais militares de três batalhões foram

à Ladeira dos Tabajaras para dar um basta no

tiroteio

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O tom analítico presente na legenda do primeiro veículo de comunicação leva ao

público-alvo informações mais detalhadas sobre o confronto, permitindo uma melhor

avaliação do acontecimento, uma vez que grande parte dos leitores reside na área

afetada (leis de proximidade específica e geográfica). O Extra, em contra partida, não

faz alusão às causas que resultaram no tiroteio, informando de forma pontual apenas a

intenção da polícia em ir ao local dos tiros.

Vale lembrar que essas diferenças na transformação do “acontecimento bruto e

interpretado” à “notícia, acontecimento constituído”, conforme ilustra a figura 3 da

página 43, está condicionada à situação comunicativa e ao contrato de comunicação,

que têm o leitor como centro. Assim, não podemos considerar como uma regra rígida ou

como condição para diferenciar esses dois jornais da Infoglobo, o eu comunicante deste

estudo, o fato de O Globo apresentar maior riqueza de detalhes nos subtítulos e nas

legendas que o Extra, se tal detalhamento varia de acordo com o assunto em pauta.

Prova disso é o destaque dado, pelo Extra, ao assassinato de uma menina de

cinco anos na zona oeste do Rio, área de grande circulação do jornal. Enquanto O Globo

publicou uma matéria pequena sobre o assunto, com uma manchete objetiva e sem

subtítulo (“MENINA DE 5 ANOS É ACHADA MORTA EM JACAREPAGUÁ”), os

paratextos (manchete, subtítulo, fotos e legendas) do Extra foram usados para detalhar o

caso, numa espécie de micronarrativa, em que os apelos emocionais são nítidos: além da

foto do local lúgubre onde o corpo foi encontrado, salta aos olhos do leitor a imagem de

doçura da menina, que, segundo sugerem a legenda e o subtítulo, teria sido violentada

por cabeludo. A combinação dos elementos paratextuais remete o leitor para uma

realidade antitética, em que inocência e violência sexual são postas em contraste.

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Cabe ainda ressaltar que a apresentação dos detalhes agregados à representação

do suspeito por meio do vocábulo “cabeludo” – homem que, culturalmente, foge aos

padrões de comportamento pré-definidos pela sociedade e remete à tríade sexo, droga e

rock´n holl – contribuem para aumentar o efeito dramático que o periódico busca

alcançar. De acordo com EMEDIATO (2007), “a grande emoção da informação

midiática começa pela essência da informação negativa que deixa ver o mundo pelo

avesso.”.

A seguir, continua-se o estudo sobre as formas como a violência é veiculada pela

mídia, mais especificamente, a maneira como os jornais em tela manipulam a

“mensagem da violência” para seus leitores e a eficiência dessa intermediação entre

acontecimento e público-alvo.

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Assaltos e Agressões

A sociedade brasileira assiste atônita ao crescimento da violência. Os meios de

comunicação de massa denunciam, sem cessar, os fatos violentos da vida diária, apenas

os mais exarcebados, quando não os insólitos, porque já não é mais possível dar conta

de todos os acontecimentos criminais que assolam os centros urbanos do Brasil.

Dino Preti, na apresentação do livro O discurso da violência – as marcas da

oralidade no jornalismo popular, de Ana Rosa Ferreira Dias, introduz o questionamento

que faremos nessa seção:

Se é certo que rádio, televisão e jornal devem cumprir seu papel informativo,

revelando para seu público esses acontecimentos, seria possível questionar a

forma como o fazem e as reais intenções que presidem a apresentação do

noticiário violento. Às vezes, mais eloquente nos pormenores do que nos

próprios fatos em si. (Grifos nossos)

Para essa discussão, tomemos como exemplo o caso do assalto ocorrido na Zona

Norte do Rio de Janeiro, noticiado pelos jornais em estudo. Enquanto O Globo publicou

uma pequena nota sobre o acontecimento, para não ocupar o seu leitor com uma

realidade a ele distante – a circulação desse jornal, nessa região da cidade, é baixa, se

comparada com a distribuição do outro periódico –, o Extra, além de reservar uma

página inteira para relatar o crime, já na manchete e no subtítulo, cria uma

micronarrativa e detalha a ação dos criminosos, empregando palavras como tiros,

bandidos, roubam, sequestram que remetem a um campo semântico violento e levam o

leitor a inserir as ações em uma lógica axiologizada da ação e julgá-las de acordo com

padrões morais e legais de conduta.

O GLOBO (07/03) EXTRA (07/03)

BANDO ATACA MOTORISTAS E

PASSAGEIROS DE ÔNIBUS

TIROS DO ENGENHO NOVO AO CACHAMBI

Bandidos roubam ônibus e, depois,

sequestram taxista

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O Extra ainda apresentou um box com o depoimento da taxista sequestrada,

destacando, com fundo vermelho, o pedido de ajuda a Deus, o único que, naquele

momento, poderia ajudá-la – a instância de informação midiática se vê, por imposições

de mercado, obrigada a recorrer a estratégias capazes de emocionar seu público,

mobilizando sua afetividade e desencadeando nele o interesse pela informação.

O grito de socorro da vítima também é traduzido pela foto que apresenta apenas

a silhueta de Adair, mostrando o perigo que as testemunhas de crimes continuam

correndo, mesmo depois de os bandidos serem presos.

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Se a imagem da taxista é discretamente apresentada, o jornal não poupou espaço

para a foto dos criminosos junto à espantosa quantidade de objetos roubados durante

assalto.

Os perigos a que a sociedade está exposta não são apenas resultados da busca

pelo lucro material imediato, pois inúmeros são os casos de violência gratuita e

inexplicável, como a tortura contra um bebê praticada pela patroa da mãe da criança,

por exemplo.

O GLOBO (20/03) EXTRA (20/03)

AGRESSORA DE BEBÊ PODE RESPONDER

POR TORTURA

„ELA ME BATIA COM UM CABIDE‟

Ex-empregada acusa garota de programa de agredir

o seu filho e tapar a boca do bebê com fita isolante

para ele não chorar

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Com relação a esse caso, O Globo, embora tenha publicado uma foto de parte

do corpo da criança ferido por pontas de cigarro, aponta apenas para um possível

indiciamento da agressora, sem deixar que um tom de acusação oriente a leitura da

matéria e sem mesmo citar o nome dos envolvidos no acontecimento. Ao longo da

análise das matérias policiais desta pesquisa, observamos que não é característica desse

jornal fazer qualquer condenação aos atores dos casos noticiados antes que a justiça

julgue os supostos crimes.

No entanto, a manchete e o subtítulo do Extra direcionam o leitor para a condenação

da agressora, que torturava mãe e bebê, qualificando-a, inclusive, como “garota de

programa”, o que já indica um pré-julgamento, uma desvalorização da possível

agressora pelo papel que exerce na sociedade. O relato de “tapar a boca do bebê com

fita isolante” e a foto da mãe com grande hematoma próximo à região do olho esquerdo

causam impacto e indignação, estratégia que o jornal emprega para atingir o leitor por

meio da lei de proximidade psico-afetiva, exibindo, inclusive os nomes e os rostos das

supostas vilã e vítima, numa espécie de acusação.

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Nesse caso, ao eleger um, entre os muitos significados para os fatos, passando-o

pronto, descodificado ao leitor, é nítido que o veículo de comunicação, que é o meio de

transmissão da mensagem, torna-se a própria mensagem.

Nesse cenário, em que crime e violência imperam, nem mesmo as celebridades

escapam: ora como vítimas, ora como vilãs, pessoas famosas são flagrados

desobedecendo às leis ou sofrendo pela falta de cumprimento dessas.

Celebridades

Vítima da violência que deixou-lhe paraplégico em um assalto sofrido no ano

2000, o músico Marcelo Yuka, novamente, é agredido por ladrões próximo a sua casa,

como informações do quadro a seguir:

O GLOBO (03/03/09) EXTRA (03/03/09)

„NÃO POSSO TE DEIXAR ASSIM‟, DISSE

BANDIDO PARA YUKA

Ladrão afirmou que poderia ser preso, mas quis

ajudar músico que agredira a voltar para carro.

BANDIDO VOLTOU PARA SOCORRER YUKA

APÓS TENTATIVA DE ASSALTO

„Posso ser até pego, mas não posso te deixar assim‟,

disse ladrão

A retomada da voz do agressor é feita pelos dois jornais. Embora as diferenças

nos textos se limitem quase que exclusivamente a uma inversão de posições: o que é

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manchete em um jornal se torna subtítulo no outro, e vice-versa5, chamam a atenção a

diagramação e os elementos gráficos que ajudaram a compor as matérias.

Enquanto o Extra publicou uma foto do músico em sua cadeira de rodas,

chamando a atenção para a deficiência do cantor, O Globo, no lugar da foto, imprimiu

um box com um texto opinativo, criticando a vulnerabilidade carioca diante da violência

que assola a cidade, sem que medidas públicas que visem à prevenção sejam tomadas.

O GLOBO (03/03/09) EXTRA (03/03/09)

Em meio a esse emaranhado de problemas urbanos, as celebridades também

aparecem nas páginas dos jornais não só quando sofrem, no papel da vítima, mas

5 Esse fato é observado em outras matérias e explicado pelo editor como uma forma de diferenciar os

mesmos textos publicados pelos dois veículos de comunicação

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também no papel de vilãs de histórias que viram até casos de polícia. Isso ocorreu com

o ator Dado Dolabella, que descumpriu a determinação da justiça de manter-se distante

da ex-namorada, a atriz Luana Piovanni, por tê-la agredido fisicamente semanas antes.

O GLOBO (18/03/09) EXTRA (18/03/09)

DADO DOLABELLA É PRESO POR TER SE

APROXIMADO DE LUANA NO CARNAVAL

Ator descumpriu determinação judicial de manter

distância da ex-namorada

DADO VAI EM CANA POR DESRESPEITAR

SENTENÇA

Justiça determina prisão de ator, que ficou no

mesmo ambiente de Luana Piovani

Além da diferença na escolha vocabular (“é preso” / “vai em cana”), questão que

abordaremos detalhadamente mais adiante, o contraste na veiculação da mesma notícia

pelos dois jornais se dá, especialmente, pelas fotos que acompanham os textos

principais: O Globo aposta na seriedade e retrata o ator já na Delegacia de Apoio à

Mulher (DEAM); ao passo que a foto do Extra mostra a ironia do ator antes de ser

preso, insinuando que é um exagero impedir que ele não permaneça no mesmo local em

que sua ex-namorada esteja presente. Na legenda, num dispositivo de narrativização, os

fatos parecem falar por si mesmos, esvanecendo-se, dessa forma, a figura do

enunciador.

O GLOBO (18/03/09) EXTRA (18/03/09)

No camarote, ator usou uma fita métrica simulando a distância que deveria manter de Luana. Para a justiça, um deboche

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É preciso considerar que a comunicação ostensiva de notícias do domínio civil

vinculadas a crimes e tragédias apresenta uma intencionalidade patêmica, ou seja, de

informar e emocionar ao mesmo tempo.

Precariedade no sistema de saúde

Nessa busca para evocar a emoção do leitor, casos de denúncia à precariedade do

sistema de saúde também tiveram destaque no domínio da atividade civil. Embora sob

enfoques diferentes, no dia 10 de março de 2009, os dois jornais estudados da Infoglobo

noticiaram a “demissão em massa” que gerou uma enorme falta de médicos no Hospital

Rocha Faria. Contudo, como os títulos das matérias não informam que foram os

médicos que pediram demissão, o leitor, de imediato, é tomado por um sentimento de

indignação contra o poder público, como se o Estado tivesse promovido as ditas

demissões.

O GLOBO (10/03/09) EXTRA (10/03/09)

DEMISSÃO EM MASSA ABRE CRISE NO

ROCHA FARIA

Estado monta esquema emergencial sem

determinar prazo para suprir déficit de

médicos obstetras no hospital

GRÁVIDAS ENFRENTAM O CAOS NO ROCHA

FARIA

Demissão em massa abre crise na unidade

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Como é perceptível no quadro apresentado, O Globo, num processo que tenta

relacionar os componentes situacional e linguístico, busca, nas escolhas lexicais e nas

estratégias de apresentação do fato, construir deeterminada “leitura”, num tom

paradoxal que insinua que a ação do Estado não é tão eficiente e “emergencial”, já que

não se tem prazo determinado para suprir a falta de obstetras. O Extra, por seu turno,

mexe como o emocional do leitor e chama a atenção para o caos enfrentado pelas

grávidas, já naturalmente fragilizadas por gerarem uma criança dentro de si. Além do

texto verbal, numa tentativa de mostrar que é possível e necessário que o hospital

maternidade retome sua rotina de atendimentos, o último periódico ainda publica uma

foto de quando bebês e mães eram bem atendidos no local.

Acidentes

Como o já explicado anteriormente, na escolha dos fatos a serem noticiados, são

considerados os potenciais de atualidade, imprevisibilidade e sociabilidade dos

acontecimentos, visto que impossível seria publicar tudo o que acontece no espaço

social. Dessa forma, antes de discutirmos um dos casos de acidentes analisados nesta

pesquisa, é importante ressaltar que o baixo índice na veiculação desses acontecimentos,

como mostra o gráfico 2, não está relacionado a sua baixa frequência, uma vez que

estatísticas comprovam que, todos os dias, inúmeros são os acidentes que ocorrem no

trânsito. Por isso, o que ganha espaço na mídia é o que acontece de mais insólito ou de

imprevisível, como a colisão entre dois trens na baixada fluminense, por exemplo.

O GLOBO (08/03/09) EXTRA (08/03/09)

TRENS BATEM E DEIXAM 13 PESSOAS

FERIDAS

O choque ocorreu entre Queimados e Engenheiro

Pedreira

TREZE FERIDOS EM COLISÃO ENTRE

TRENS NA BAIXADA

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Apesar de a notícia possuir um alto potencial de imprevisibilidade e de

atualidade, ambos os jornais publicaram apenas pequenos textos sobre o acontecimento.

Contudo, vale ressaltar que, na topicalização dos referentes que compõem os

enunciados que formam as manchetes, O Globo coloca o acidente em primeiro plano, já

o Extra destaca os feridos.

Como foi possível observar, o domínio da atividade civil restringe-se quase que

exclusivamente à divulgação de fatos que colocam o cidadão como vítima das tragédias

humanas a que a sociedade o expõem. O tom trágico ou denunciador observado nesse

domínio assemelha-se ao que permeia as notícias do domínio da atividade política,

analisado no item seguinte.

5.1.2. Domínio político

O domínio da atividade política, de acordo com os assuntos abordados, foi

dividido em quatro subgrupos: política nacional, política estadual, política

internacional, economia.

Gráfico 3: Subdivisão do domínio político

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Os percentuais apresentados no gráfico serão discutidos a seguir.

Política Estadual

A leitura do gráfico permite verificar que os fatos comuns veiculados pelos dois

jornais em tela dão ênfase às medidas políticas em nível estadual – 42% das ocorrências

do domínio político referem-se ao Estado do Rio de Janeiro, sede das mídias em análise.

Chegamos a esse percentual ao compararmos somente os mesmos acontecimentos

noticiados no Extra e n´O Globo, pois este, por exemplo, traz, diariamente, um caderno

que aborda temas, sobretudo, relacionados à política nacional, enquanto aquele focaliza

as notícias regionais. Acreditamos que a elevada porcentagem de matérias sobre o

Estado tenha relação com a maior circulação desses veículos de comunicação

exatamente nesta região, o que remete à lei de proximidade geográfica.

O recortes abaixo referem-se às matérias sobre a ação da Prefeitura do Rio em

derrubar prédio considerado irregular.

(Extra, 26 de março de 2011)

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(O Globo, 26 de março de 2009)

Apelando para a lei de proximidade psico-afetiva, o jornal Extra, além das

informações sobre a demolição do prédio, traz foto de uma das moradoras chorando e

protestando contra a medida da política municipal, o que mexe com o emocional de um

leitor que, por pertencer à classes social e economicamente menos favorecidas, está

propício a ter problemas relacionados à moradia.

O Globo, por outro lado, destaca os funcionários municipais em serviço,

trabalhando pela conservação, como letreiro estampado no colete do uniforme, já que a

derrubada do prédio significa, para as classes A e B, leitoras deste jornal, evitar que

houvesse uma possibilidade de especulação imobiliária por parte dos moradores da

comunidade, como manchete sobre o mesmo caso publicada dez dias antes:

(O Globo, 16 de março de 2009)

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Política Nacional

Em relação à política nacional, perfaz um percentual de ocorrências que

corresponde à metade do representado pela política estadual, apenas 21%. É

significativo o viés adotado pelas matérias publicadas: destaque para a estreita ligação

entre política e corrupção – vale ressaltar que, em seu caderno diário sobre política, O

Globo trata de outras questões relacionadas ao governo, não só de escândalos e

investigações.

A diferença de enfoque feita pelos dois jornais em pauta é outro fato a se

abordar: enquanto O Globo reserva lugar de destaque na primeira página e textos

internos ricos em explicações, detalhes e fotos sobre o assunto, o Extra limita-se a

publicar matérias de pequena extensão sobre os acontecimentos que envolveram os

poderes de Brasília, com pouco destaque para manchetes de capa ou mesmo no interior

do veículo.

(O Globo, 03 de março de 2009)

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(Extra, 03 de março de 2009)

É nítido que apenas as duas fotos que ilustram o texto publicado n´O Globo já

ocupam o mesmo espaço de toda a matéria veiculada pelo Extra, o que comprova o que

foi dito no parágrafo anterior, quanto ao destaque dado pelos dois jornais aos fatos

relacionados ao domínio da política nacional.

Tendo o leitor como co-autor do texto midiático, a instância de produção do

jornal Extra, por meio de pesquisas de mercado sobre o perfil do consumidor e

respeitando o potencial de sociabilidade, informa apenas pontos factuais sobre o caso,

presumindo que esse é o interesse maior de seu leitor.

O Globo, por seu turno, enriquece o texto com informações de caráter

especificamente político e constitucional (que devem fazer parte do conhecimento de

seus consumidores). Além de apresentar uma foto do imóvel que desencadeou a

suspeita de corrupção, foi ainda irônico, na legenda da foto, ao dizer que Agaciel

comprou a mansão avaliada em R$ 5 milhões graças à ajuda do irmão. No subtítulo, a

voz do enunciador fica ainda mais evidente, ao sugerir um antagonismo, marcado

linguisticamente pelo conectivo adversativo mas (operação de relação), entre a

investigação do crescimento patrimonial do diretor do Senado e a manutenção deste

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parlamentar no cargo, comprovando a hipótese de que a neutralidade que permeia os

textos midiáticos informativos é ilusória.

Economia

Quanto à economia, as matérias em comum trataram, principalmente, dos

esforços do governo para a implementação de um programa de financiamento da casa

própria – interesse de cidadãos de todas as classes sociais. Contudo, o Extra enfocou o

crédito para a compra de imóveis até 130 mil reais para famílias com renda entre três e

dez salários mínimos, enquanto o outro jornal destacou as medidas para a aquisição de

imóveis de até 500 mil reais – uma clara obediência ao contrato de captação, visto que

os leitores d´O Globo, representantes das classes A e B, possuem maior poder aquisitivo

para adquirirem imóveis com valores mais altos.

(O Globo, 26 de março de 2009)

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(Extra, 26 de março de 2009)

A análise dos elementos gráficos das imagens também permite observar a

mudança no foco da notícia: enquanto O Globo preocupa-se em detalhar, para uma

classe preocupada com taxas de jurus, investimentos etc., as mudanças econômicas que

o pacote de financiamento da casa própria promoverá, o Extra apresenta, ao fundo da

foto de Lula discursando, imagens do programa “Minha casa minha vida”, com

destaque para frase “1 MILHÃO DE CASAS” ao lado de uma família aparentemente

humilde, sugerindo que o governo proverá o sonho das camadas populares de deixar o

aluguel. Tais dados, mais uma vez, comprovam a hipótese de que o leitor é, de fato, co-

autor do discurso midiático, determinando, direta ou indiretamente, o que é publicado

diariamente nos jornais – certamente, um indivíduo que recebe menos de 5 mil reais

mensais não se interessará em entender os mecanismos burocráticos para a compra de

um imóvel de meio milhão de reais.

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Política internacional

Embora o jornal O Globo publique, diariamente, fatos ocorridos fora do Brasil,

num caderno intitulado “Internacional”, ao longo de todo o mês de março de 2009,

foram encontradas apenas duas matérias de cunho internacional comuns aos dois jornais

da Infoglobo em pauta. Além da baixa ocorrência, chamou-nos a atenção a natureza

espetacularizadora dessas notícias: uma sobre a prisão do presidente do Sudão por

crimes contra a humanidade; outra sobre o pedido de asilo, nos Estados Unidos, para

gay brasileiro que alega perseguição em seu país

(Capa d´O Globo, 05 de março de 2009)

Com chamada e foto na primeira página, O Globo chama atenção para a atitude

do presidente do Sudão, que desfila em carro aberto após ordem de prisão por crimes

contra a humanidade. Na matéria publicada no caderno Internacional, há fotos que

contrastam o poderio de Omar AL-Bashir com a situação de miséria dos que fugiram de

Darfur e dos que contra o ditador protestam. Além disso, retratos de outros líderes

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acusados de crime de guerra, acompanhados de pertinentes explicações sobre os delitos,

ajudam a ilustrar o texto.

(O Globo, 05 de

março de 2009)

Em contrapartida, o Extra limitou-se a divulgar uma pequena nota sobre o

episódio, destacando apenas a decisão inédita de um presidente de Estado em exercício

receber uma ordem de prisão da corte internacional, numa alusão de que a justiça é para

todos, uma espécie de consolo a um tipo de leitor vítima da má distribuição de renda e

do poder da sociedade.

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(Extra, 05 de março de 2009)

Em relação à outra matéria, é notório o destaque e os detalhes que o jornal O

Globo atribui ao caso, mostrando, inclusive, foto de teleconferência entre o gay e o

senador americano que se dispôs a encaminhar o pedido de asilo ao presidente Barack

Obama.

(O Globo, 23 de março de 2009)

Contudo, vale destacar que houve um problema semântico na estruturação do

título e do subtítulo, o que gerou ambiguidade: à primeira vista, a manchete parece tratar

do pedido de ajuda (“asilo”) ao gay brasileiro, e não para o gay brasileiro; o subtítulo,

por seu turno, leva a crer que o apelo feito, pelo senador, ao presidente norte-americano

é devido à perseguição feita pelo homossexual brasileiro, e não sofrida por ele no Brasil.

Quanto à abordagem do Extra para esse mesmo caso, as chamadas parecem-nos

bem mais claras, revelando uma relação de causa e consequência entre a manchete e o

subtítulo: “Gay brasileiro pede asilo aos EUA porque alega ser perseguido no Brasil”.

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(Extra, 23 de março de 2009)

Como é característica do leitor desse último jornal interessar-se apenas pelo fato

em si, e não pelas discussões paralelas que o envolvem, sobretudo as referentes aos

tratados entre os países (como divulgaram pesquisas de mercado encomendadas pela

Infoglobo Comunicações Ltda. e que estão disponíveis site da empresa), a simplicidade

dos enunciados e a ausência de detalhes paratextuais da matéria (fotos, legendas)

revelam o respeito ao potencial de sociabilidade, que visa informar somente aquilo que

está dentro do raio de compreensão e de interesse do leitor. A menor referência ao

problema dos homossexuais deve-se ao fato de o assunto ainda ser considerado tabu

pelas classes menos favorecidas, pouco interessadas na discussão sobre questões de

igualdade de direito sexual.

Ao que parece, “direitos” e “deveres” são as palavras recorrentes no domínio da

atividade política, que coloca, como centro das matérias, figuras do governo ou decisões

por elas tomadas. Contudo, por meio das análises propostas, fica evidente que nem tudo

ocorre como determina a lei, e o sofrimento dos cidadãos comuns faz com que

pensemos que grande parte das notícias aqui analisadas também poderiam pertencer ao

domínio da atividade civil. A falta de espaço para que o povo reivindique seus direitos

reflete-se, inclusive, no espaço que a mídia dá para isso: dos 92 casos estudados nesta

pesquisa, apenas 2 se referiam ao domínio da atividade cidadã, embora saibamos que

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são frequentes os movimentos feitos pelo cidadão em busca de melhores condições de

vida.

5.1.3 Domínio cidadão

Numa sociedade em que o povo não tem espaço e voz para lutar por seus

direitos, não foi surpresa que o domínio da atividade cidadã fosse o de menor

representatividade nesta pesquisa, publicando apenas duas matérias: uma sobre a

paralisação feita por motoristas de ônibus em seis municípios do Rio de Janeiro e outra

sobre a manifestação das mulheres da Via Campesina – grupo que reúne movimentos

ligados ao campo, incluindo o MST – contra o agronegócio.

O GLOBO (10/03/09) EXTRA (10/03/09)

EM BRASÍLIA, VIA CAMPESINA QUEBRA

VIDRAÇAS DO MINISTÉRIO DA

AGRICULTURA

Mulheres com rosto encoberto ficam 4h no prédio;

ministro critica falta de foco

As manifestantes diante de um dos vidros trincados, na

recepção do ministério: crítica ao agronegócio.

PORTO INVADIDO, MINISTÉRIO

OCUPADO

Mulheres promovem atos de vandalismo

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Como se já não bastasse a falta de espaço na mídia para a divulgação das

manifestações feitas pelo povo, é nítida a crítica ao movimento das mulheres do campo

divulgada pelos dois jornais, que se centram no episódio ocorrido no Ministério da

Agricultura, em que as manifestantes quebram os vidros do prédio, e não nas causas que

desencadearam o movimento.

Quanto ao enfoque dado ao caso pelos dois veículos, verificamos que O Globo

fotografa as mulheres com os rostos encobertos na tentativa de que não fossem

reconhecidas. O Extra, por sua vez, muito mais enfático, além de julgar o movimento

como um “ato de vandalismo”, ainda publica a imagem de uma das mulheres, que,

metonimicamente, representa todas as manifestantes. A legenda dessa foto ainda sugere

que, mesmo depois de terem tido uma conduta condenável, as envolvidas no caso

almoçam tranquilamente no local que elas quebraram e invadiram.

Os exemplos apresentados nesta seção e o tratamento qualitativo dos dados nos

permitiram comprovar que, diante de um mesmo fato, o sujeito comunicante pode

transfigurar-se em múltiplos enunciadores para atingir seu público alvo. Ao longo das

análises, percebemos que os enunciados jornalísticos, sobretudo os títulos e fotos,

indicam implicitamente, lugares de interpretação bem específicos que estão

relacionados com a própria figura de leitor (Tu destinatário) prevista nesse discurso.

5.1.4 Comprovação dos resultados

Sob uma perspectiva macrotextual, diante dessas análises expostas nos itens

anteriores, objetivamos comprovar que i) o leitor é o co-autor do discurso midiático; ii)

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mesmo diante de textos quase idênticos, os elementos paratextuais (manchetes,

subtítulos, fotos e legendas) orientam a leitura e formam uma hierarquia entre os

pontos que os leitores devem considerar relevantes na matéria.

A fim de comprovar os resultados encontrados e acreditando no produtivo

diálogo que as pesquisas devam manter com a escola, submeteu-se parte do corpus à

análise de cento e vinte alunos.

Para tanto, durante seis aulas de Redação, com três turmas do 2º Ano do Ensino

Médio do Colégio Nossa Senhora das Dores, em Nova Friburgo, trabalhamos questões

relacionadas à enunciação, bem como a importância que têm os títulos para os textos.

Como o estudo sobre enunciação não figura nos programas de Língua Portuguesa desse

segmento educacional, julgamos conveniente, antes de propormos aos alunos a análise

de parte do corpus desta pesquisa, esclarecermos e trabalharmos um pouco sobre esse

conceito.

Nas duas aulas do dia 30 de junho de 2011, discutimos que a palavra texto,

apesar de a definição corrente e tipologizante veiculada pela tradição gramatical –

“sequência bem formada de frases ligadas que progridem para um fim” (SLAKTA apud

CHARAUDEAU & MAINGUENEAU, 2008:467) –, não remete exclusivamente à

escrita e nem exige propriamente o encadeamento rígido de períodos. O vocábulo texto

(do Latim, textum) significa tecido, entrelaçamento. É uma unidade básica de

organização e transmissão de ideias, conceitos e informações feita com qualquer tipo de

linguagem. Nesse sentido, também são formas textuais uma foto, uma escultura, uma

melodia, um gesto, um olhar...

Procuramos, pois, propor uma atividade que convidasse a uma reflexão acerca

da enunciação e da necessidade de se estudar o texto visto como discurso, evento

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comunicativo que se constrói em função de uma finalidade, que inscreve-se em

contextos determinados e que supõe uma organização transfrástica. Compreender um

discurso não é somente referir-se a uma gramática e a um dicionário, é mobilizar

saberes muito diversos, levantar hipóteses, raciocinar, construindo um contexto que não

é um dado preestabelecido e estável. De acordo com MAINGUENEAU (2008:20), “a

própria ideia de um enunciado que possua um sentido fixo fora de contexto torna-se

insustentável.”

Para isso, apresentamos dois arranjos musicais para a letra da música “Desce”,

de Arnaldo Antunes (anexo 2), e, em seguida, perguntamos se a mudança na melodia

alterava a interpretação. As respostas foram satisfatórias e os alunos apontaram que, a

depender da forma como é veiculada, uma mesma informação pode sugerir diferentes

interpretações.

Para complementar o estudo sobre a enunciação, destacamos ainda que, de

acordo com a intenção do emissor e, também, com as características do receptor, as

mensagens são articuladas de maneiras diferentes, desde a seleção do conteúdo a ser

transmitido até as escolhas linguísticas escolhidas para tal fim. Com o objetivo de fazer

com que os alunos refletissem criticamente acerca das informações veiculadas pelos

meios de comunicação e estabelecessem relações entre o que é lido e a realidade que os

cerca, apresentamos e discutimos um texto, de autor desconhecido, que toma os fatos

ocorridos no conto de fadas Chapeuzinho Vermelho como reais e objetos de matérias

jornalísticas em diferentes meios de comunicação do país, conforme ilustra o anexo 2.

Nas aulas da semana seguinte (07 de julho de 2011), para mostrar que o título

deve sempre manter relação com o conteúdo do texto e criar expectativas em relação ao

que será lido, dividimos as turmas em grupos de cinco alunos e propusemos que

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manchetes fossem criadas para as notícias que eles mesmos pesquisaram e trouxeram

para a aula. Por meio dessa atividade, foi possível discutir a importância que os títulos

dos textos apresentam para o direcionamento da leitura. Por fim, na terceira semana, dia

14 de julho de 2011, propusemos aos cento e vinte alunos das turmas com as quais

trabalhamos, a comparação das manchetes, legendas e subtítulos de seis ocorrências,

que fazem parte do corpus desta pesquisa, para que fizessem uma breve análise da

forma como os jornais veiculam a mesma notícia, considerando o público alvo, as fotos,

as diferenças de vocabulário para a formulação do texto e a intenção de cada

enunciador.

A análise desse material mostrou que 83% dos alunos encontraram diferenças

em relação ao direcionamento dado pelos elementos paratextuais apresentados,

mostrando coerência e critica em suas análises, como comprovam os anexos das

atividades.

Em busca de respostas para os números encontrados, conversamos com os

professores das turmas e descobrimos que os alunos que não fizeram toda a análise

proposta ou que relataram que as manchetes e os subtítulos estudados têm conteúdos

iguais são exatamente os que apresentam maiores dificuldades na interpretação e na

produção textuais, tendo ficado com notas abaixo da média em Redação e/ou em Língua

Portuguesa em pelo menos um dos dois bimestres que encerraram o primeiro semestre

de 2011.

Embora no corpus informativo devesse predominar um modo imparcial

(delocutivo) de organizar o discurso do relato, a subjetividade é observada em índices

diversos que camuflam a presença do enunciador, garantindo, assim, uma falsa

imparcialidade, pela ausência de subjetividade explícita; esse processo de camuflagem

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constitui mais uma prova da importância dos estudos da enunciação na esfera da análise

dos vários gêneros de discursos midiáticos e no ensino de leitura e produção textual.

Os resultados da última atividade aplicada às turmas de 2º Ano do Ensino Médio

vão ao encontro as análises feitas nas 92 ocorrências que perfazem o corpus pesquisado,

comprovando que os elementos paratextuais contribuem para os diferentes

direcionamentos dados aos textos publicados pelos jornais O Globo e Extra sobre o

mesmo assunto.

5.1.5. A mudança de foco

A tabela abaixo indica que 28,76% dos casos do domínio civil e 35,29% dos

casos do domínio político focalizaram pontos diferentes do mesmo fato. Tais resultados

estão relacionados à obediência ao duplo contrato de comunicação que coloca o leitor

como co-autor dos discursos produzidos pela mídia e procura destacar aquilo que a

instância enunciadora julga ser de interesse do seu público-alvo.

DOMÍNIOS DA

ATIVIDADE SOCIAL

TOTAL DE

OCORRÊNCIAS

Nº DE OCORRÊNCIAS

EM QUE HOUVE

MUDANÇA DE FOCO

DOMÍNIO CIVIL 73 21

DOMÍNIO POLÍTICO 17 06

DOMÍNIO CIDADÃO 02 00 Tabela 2: Mudança de foco

Tal qual a mudança de enfoque, chamou a atenção o fato de apenas 1/3 das

matérias comuns aos dois veículos terem destaque na primeira página, o que indica que

o intercâmbio de textos entre os dois veículos de comunicação, muitas vezes, funciona

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como uma complementação para o fechamento das edições, uma espécie de “divisão do

trabalho” entre equipes diferentes da mesma empresa – fato confirmado por meio de

entrevista com o jornalista Marcelo Dias e com o editor-chefe Bruno Thys, ambos do

Extra.

DOMÍNIO CIVIL

(73 OCORRÊNCIAS)

DOMÍNIO POLÍTICO

(17 OCORRÊNCIAS)

DOMÍNIO CIDADÃO

(02 OCORRÊNCIAS)

O GLOBO 14 10 00

EXTRA 30 05 01

Tabela 3: Chamada na primeira página

A análise das ocorrências que apareceram nas capas dos jornais em estudo

aponta para a comprovação da hipótese de que o ethos discursivo dos enunciadores

constitui-se em função dos receptores: O Globo, na primeira página, reserva mais

espaço aos assuntos relacionados à política, direcionado para um leitor “sensivelmente

exigente e qualificado”, conforme a própria empresa define seu público; o Extra destaca

as tragédias das quais o cidadão comum é protagonista e as notícias do esporte, assuntos

que fazem parte do cotidiano dos leitores do último jornal.

Para comprovar isso, nas duas páginas seguintes, há a reprodução das capas dos

jornais publicados no dia 05 de março de 2009.

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5.2. Um levantamento lexical: análise microtextual

Como o discutido, em virtude da imparcialidade que os textos jornalísticos

devem apresentar para cumprir as exigências do contrato de informação, as instâncias

enunciadoras do discurso midiático procuram camuflar-se na forma como diagramam

suas matérias, no espaço de destaque que reservam para determinados acontecimentos e

não para outros e, como será detalhado a seguir, num nível microtextual, na escolha

vocabular.

5.2.1. Escolha lexical: a construção do leitor

Etimologicamente, comunicação significa tornar comum, trocar opiniões, fazer

saber; implica interação. Um jornal, uma entidade monolocutiva, que atua sem a

presença física dos interlocutor, só subsiste quando estabelece um processo eficaz de

comunicação com o leitor, selecionando assuntos de interesse do público alvo e

operando escolhas linguísticas que facilitem a aproximação com o destinatário.

A extensão reduzida dos textos que compõem o corpus desta pesquisa não

permitiu que análises relacionadas à estrutura sintática dos enunciados fossem

consideradas. Contudo, apesar de os jornais O Globo e Extra representarem um mesmo

comunicante, a Infoglobo Comunicações, e serem sutis as diferenças estruturais em seus

textos, muitas vezes, escritos pelos mesmos jornalistas, foram observados contrastes em

relação à escolha lexical, delineando níveis de linguagens distintos entre os dois

veículos.

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No âmbito das análises desta pesquisa, não foi observado nem um desvio quanto

à prescrição das regras gramaticais, nem um alto rebuscamento estrutural e vocabular.

Verificou-se que, em alguns casos, a comparação entre léxico empregado pelos dois

periódicos aproxima O Globo da linguagem formal nível culto, ao passo o Extra se

inclina para o nível informal.

Os gráficos abaixo, disponíveis no site da Infoglobo, podem ser usados como

subsídios para explicar tais diferenças, uma vez que evidenciam a classe social e o

níveis de escolaridade dos leitores dos periódicos em análise.

O GLOBO EXTRA

Tabela 4: Classe social e grau de escolaridade dos leiotres

A análise dos gráficos permite constatar que o Extra, em geral, é lido por

camadas mais populares da sociedade, um público socioeconomicamente menos

abastado. Na análise de seus textos, não se percebeu uma preocupação com o emprego

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de estruturas linguísticas e termos rebuscados. Ao contrário, notou-se a aproximação

maior da linguagem informal, sugerindo, então, a imagem de um sujeito enunciador que

conhece e legitima os interesses do público alvo, considerando-os relevantes, “falando a

mesma língua”, dando-lhes espaço e voz, numa sociedade em que isso não ocorre.

Ao longo da análise qualitativa, observou-se que esse periódico busca seduzir o

leitor por meio da manchete, em que as escolhas lexicais buscam envolver o público-

alvo por meio do emprego de um vocabulário simples, mas que, ao mesmo tempo,

remete a um campo semântico violento. O processo de semiotização do mundo se dá

sem eufemismo ou sutileza.

Por outro lado, os textos se restringem à focalização dos fatos em si mesmos,

limitando-se ao relato dos acontecimentos, sem questionamentos explícitos ou

implícitos. Aventuramo-nos a dizer, inclusive, que o enunciador idealiza um leitor

passivo, apenas receptor de um texto que não o convida a pensar.

O Globo, por sua vez, é um veículo de comunicação consumido, genericamente,

pelas elites sociais A e B, as escolhas dos títulos e temas abordados – cuja ênfase recai

sobre questões políticas e econômicas – a seleção vocabular, a linguagem cuidada

levam a reconstruir uma imagem de enunciador que busca ratificar o poder de decisão

centrado nas classes sociais às quais se destina.

Diante dessas imagens de enunciadores construídas pelos discursos que

proferem, a tabela abaixo apresenta algumas ocorrências, em que a discrepância no

nível de linguagem é significativa.

O GLOBO EXTRA

CONFRONTO PARALISA TRENS POR

7 HORAS NA ZONA OESTE

TIROTEIO PARA CIRCULAÇÃO DE

TRENS POR SETE HORAS

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ATRIZES SÃO ASSALTADAS

Bandidos interceptam carro em Vila

Isabel

ATRIZES SÃO ASSALTADAS AO

DEIXAR PRODUTORA

Bandidos levam carro da família de Carla

Diaz, em Vila Isabel

UM PROJETO PARA LIVRAR AS

CRIANÇAS DO CRACK

Prefeitura leva para abrigo menores

usuários da droga que vivem nos acessos do

Jacarezinho e de Manguinhos

CRACOLÂNDIA NA ZONA NORTE

Projeto tenta salvar crianças que se

drogam à luz do dia nos acessos do Jacarezinho e

de Manguinhos

MULHER É MORTA APÓS RETIRAR

DINHEIRO DE CAIXA ELETRÔNICO

MORTA EM SAIDINHA DE BANCO

Tabela 5: Diferença vocabular

Não foram contabilizados todos os casos de ocorrências de um vocabulário mais

ou menos próximo do popular em virtude da baixa produtividade desses dados, fruto da

semelhança entre os dois jornais. De acordo com Bruno Thys, editor-chefe do Extra,

esse periódico, considerado o jornal mais lido do Brasil, passa por uma fase de transição

e conquista, gradativamente, representantes mais escolarizados e da classe B, sendo

considerado o veículo de comunicação da Inglobogo em posição intermediária entre O

Globo, destinado à elite, e o Expresso, tablóide destinado às classes populares C e D.

5.2.2. Processo de nomeação: substantivos próprios e comuns

Nesta seção, discutem-se as escolhas linguísticas que o enunciador faz para que

o leitor identifique os atores sociais das matérias jornalísticas ora analisadas, em outras

palavras, como ocorre a operação de nomeação das pessoas envolvidas nos fatos

noticiados, explorando-se o uso dos substantivos comuns e próprios não na sua

potencialidade petrificada pela tradição gramatical que os vê como elementos lexicais

neutros e restritos ao seu papel nomeador, mas na possibilidade de gerarem

significações além do que está expresso nas manchetes, subtítulos e legendas.

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Como o contrato de comunicação exige um saber compartilhado para o mínimo

entendimento entre as partes envolvidas no ato comunicativo, vale ressaltar que “a

referência é uma atividade que implica cooperação dos co-enunciadores e poderá

malograr, caso o co-enunciador, por exemplo, se engane de referente.”

(MAINGUENEAU, 2008)

Para as gramáticas tradicionais da língua portuguesa, os substantivos próprios

designam seres particulares, diferenciando-se assim dos substantivos ditos comuns, que

designam seres da mesma espécie. Nesta pesquisa, esses nomes particularizantes foram

enfocados em relação à possibilidade de existência de um sentido discursivo. Para tanto,

embora este estudo proponha-se, sobretudo, a apresentar análises de cunho qualitativo,

levantou-se quantitativamente as ocorrências de substantivos próprios empregados para

nomear os actantes destacados nos textos que compõem o corpus, como demonstra a

tabela 6.

DOMÍNIO CIVIL DOMÍNIO POLÍTICO DOMÍNIO CIDADÃO

O GLOBO 38 47 00

EXTRA 77 21 00

Tabela 6: Ocorrência de nomes próprios

Pelos dados apresentados, fica explícito que, no domínio civil, comparado ao

jornal O Globo, o Extra apresenta o dobro de número de ocorrências de nomes próprios.

No domínio político, a situação se inverte, passando O Globo a apresentar mais que o

dobro de nomes próprios empregados pelo outro periódico.

Em relação a essa designação do referente por meio de um nome próprio,

Dominique Maingueneau assevera:

Com efeito, atribui-se um nome próprio apenas a seres frequentemente

evocados, relativamente estáveis no espaço e no tempo e que tenham

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relevância social ou afetiva, a fim de não sobrecarregar a memória dos

locutores, mas também por razões de intercompreensão. Se um dos co-

enunciadores não compartilha exatamente as mesmas experiências do outro,

ele será incapaz de identificar o referente de inúmeros nomes próprios.

(MAINGUENEAU, 2008)

Assim, os sentidos evocados pelos nomes próprios são ímpares dentro do

universo do discurso e, como tal, devem ser analisados. Portanto, é mister estudar tais

substantivos ligados a um indivíduo em uma determinada situação de enunciação.

Essa visão tem a vantagem de perceber a interpretação de um nome próprio

associada a um sentido e a um conteúdo. O sentido pressupõe a

individualização de um referente “x” em relação a sua denominação dentro

do universo dialógico, e o conteúdo, as propriedades de “x” compartilhadas

entre os enunciadores. (MARTINS, 2009)

Sendo, pois, específica e singular cada situação de enunciação, nesta pesquisa,

restringiu-se a análise qualitativa aos casos mais representativos, organizados de acordo

com o domínio da atividade social do qual fazem parte.

Domínio civil

No domínio civil, a diferença entre a quantidade de ocorrências de nomes

próprios nos dois jornais analisados foi significativa. No caso da concessão de regime

semiaberto, por exemplo, aos jovens que agrediram uma mulher, num ponto de ônibus,

julgando que ela fosse uma prostituta foi notícia tanto n´O Globo como no Extra.

O GLOBO (12/03/09) EXTRA (12/03/09)

AGRESSORES DE DOMÉSTICA EM REGIME

SEMIABERTO

Desembargadores decidem que dois jovens

poderão passar o dia soltos: só voltam à prisão para

dormir

AGRESSORES DE SIRLEI SERÃO SOLTOS

Jovens que espancaram doméstica na Barra passam

a regime semi-aberto

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Entretanto, a manchete do primeiro, para nomear a vítima, emprega o

substantivo comum “doméstica”, permitindo a interpretação do referente pautada pela

descrição em traços gerais da classe a que pertence: mulher que se emprega em

trabalhos caseiros – profissão não exercida pelos leitores desse periódico e, portanto,

longe de sua realidade. Na chamada do outro jornal, o emprego do substantivo próprio

“Sirlei” não se aplica a qualquer elemento da classe “doméstica”, mas faz uma

designação individual da mulher agredida, identificando-a como única e de identidade

distinta dos demais referentes do grupo profissional a que faz parte, sem evidenciar

traços ou marcas de caracterização da sua colocação no mercado de trabalho, como se

os leitores conhecessem Sirlei e atribuíssem-lhe relevância social ou afetiva, por ela

pertencer a uma realidade mais próxima aos leitores do último periódico do que aos

leitores do primeiro.

O mesmo ocorre em relação aos textos que relatam o nascimento de um bebê

num campo de futebol. Enquanto O Globo ressalta a inoperância do Serviço de

Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) por julgar que a paciente – nomeada apenas

pelo substantivo comum “mulher” – encontrava-se em área de risco, o Extra não só

emprega um substantivo próprio para nomear a grávida (“Fabiana”), como o faz com

toda a família que se formara, publicando, inclusive uma foto do casal com o bebê

recém-nascido, em cuja legenda os actantes são tratados por seus prenomes: “Fabiana,

Evandro e Cauã”, supondo um conhecimento das pessoas referidas por parte dos

leitores, leitores estes suscetíveis a terem atendimento médico negado pelo Estado,

como relatam subtítulos e legenda.

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O GLOBO (21/03/09) EXTRA (21/03/09)

MULHER DÁ À LUZ EM VESTIÁRIO

DE CAMPO DE FUTEBOL

SAMU não vai á área considerada de

risco em Meriti

SAMU DIZ NÃO. AS VIZINHAS, SIM

Serviço não atende grávida por achar que ela mora em área

perigosa, mas Cauã veio ao mundo graças às amigas de

Fabiana

Comparado ao jornal O Globo, no domínio da atividade civil, como o verificado,

é frequente o Extra operar a nomeação dos atores sociais por meio de substantivos

próprios. No domínio da atividade política, verifica-se o contrário.

Domínio político

De acordo com informações disponíveis no site da Infoglobo, dos cadernos

publicados diariamente pelo jornal O Globo, verifica-se que o maior interesse dos

leitores recai sobre o domínio da atividade política, cujas matérias são publicadas nos

cadernos Economia, Mundo, País e Rio, conforme ilustra a tabela 7.

CADERNOS NÚMERO DE LEITORES

O CADERNO DE ESPORTES 747.000 (49,30%)

A EDITORIA CIÊNCIA 666.000 (43.96%)

A EDITORIA ECONOMIA 642.000 (42,37%)

A EDITORIA MUNDO 1.032.000 (68,11%)

A EDITORIA PAÍS 943.000 (62,24%)

A EDITORIA RIO 1.110.000 (73,26%)

Tabela 7: Número de leitores do jornal O Globo por editoria

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Esses números relacionados à política e à economia, diferentemente do jornal

Extra – que não apresenta cadernos específicos para tais assuntos –, justifica a

produtividade do emprego de substantivos próprios usados na operação de nomeação

dos atores envolvidos nas matérias veiculadas pelo O Globo sobre esse recorte do

espaço social, uma vez que o modo de realização do nome próprio personativo está

ligado à forma pela qual a pessoa é conhecida pelo público alvo. Conforme ilustra o

gráfico a seguir, cerca de 60% desses leitores possuem curso superior, fato que faz a

instância enunciadora supor que seu interlocutor detém conhecimento suficiente para

discutir questões ligadas às políticas e às economias nacional e internacional.

Gráfico 4: Grau de escolaridade dos leitores d´O Globo interessados por notícias do domínio

político

A chamada de capa sobre o posicionamento de José Gomes Temporão, ministro

da saúde do governo Lula, em relação ao polêmico aborto feito em menina de nove

anos, que fora estuprada pelo padrasto e que corria risco de vida na gestação dos

gêmeos frutos do crime, ilustra um pouco das diferenças quanto à operação de

nomeação discutida anteriormente.

O GLOBO (06/03/09) EXTRA (06/03/09)

TEMPORÃO: EXCOMUNHÃO É

LAMENTÁVEL

MINISTRO CRITICA A IGREJA

CATÓLICA POR EXCOMUNHÃO

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O Globo, ao usar a estratégia do testemunho de autoridade, justifica seu

posicionamento a favor da cirurgia que visava à preservação da vida da vítima do

estupro. Emprega o sobrenome “Temporão” para identificar o responsável pelo

Ministério da Saúde na época de publicação das matérias, supondo ser de conhecimento

do leitor a atuação de Temporão no governo, bem como o peso que tem a argumentação

de um médico em ralação ao fato relatado.

Sobre o mesmo caso, O Extra, na primeira página, emprega apenas o substantivo

comum “ministro” para nomear esse actante, sem especificar por qual ministério

Temporão respondia e, consequentemente, sem atribuir credibilidade à declaração feita

por ele, um especialista em medicina. O emprego do verbo “critica” sugere um

posicionamento contrário do governo em relação às atitudes da Igreja, instituição

milenar alicerçada em pilares dogmáticos e dificilmente contestáveis por um público

relativamente pouco escolarizado se comparado ao outro leitor da Infoglobo.

Em outro caso, sobre a devolução dos impostos que recaíam sobre férias

vendidas, a preferência apenas pelo emprego do sobrenome, no Extra, para se referir ao

Supervisor Nacional do Imposto de Renda, Joaquim Adir, é devida à importância social

da pessoa referida, a que está ligado certo distanciamento respeitoso. O Globo,

entretanto, não demonstra tamanho distanciamento e, na legenda da foto, faz menção ao

supervisor com o emprego do prenome e do sobrenome, os mesmos que aparecem na

placa de identificação da mesa em que o membro do governo concede entrevista

coletiva para explicar as mudanças na cobrança de tributos pessoais.

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GLOBO (03/03/09) EXTRA (03/03/09)

DEVOLUÇÃO DE IR DE FÉRIAS

VENDIDAS PODE VALER PARA OS

ÚLTIMOS 5 ANOS

No 1º dia de envio das declarações, houve

dificuldade para instalar programa

Joaquim Adir, supervisor nacional do IR: Receita divulgará

orientação

LEÃO PODE DEVOLVER IR DE FÉRIAS

VENDIDAS DESDE 2004

Procuradoria Geral da Fazenda orienta Receita a

estabelecer direito de isenção para últimos cinco anos

Supervisor nacional do Imposto de Renda, Adir confirmou que a

Receita pretende rever o prazo

Embora a análise das fotos não seja o foco desta seção, vale comentar aqui a

relação ímpar entre enunciados verbais e não-verbais: na primeira foto, o ato de

Joaquim Adir coçar a cabeça, demonstrando dúvida ou preocupação, revela a

dificuldade para implantação do programa para envio das declarações do imposto de

renda, o que obriga a Receita Federal a divulgar novas orientações para que o

contribuinte consiga concluir o processo.

A relação entre texto e imagem do Extra também é reveladora dessa simbiose

entre o signo verbal e o não–verbal: ao empregar o substantivo comum “leão”, para

particularizar um órgão do governo que cobra tributos sobre a renda pessoal dos

cidadãos, comprometendo significativa parte de rendimentos dos trabalhadores, o jornal

publica a foto do supervisor desse órgão com as mãos numa posição que lembram as

garras de um leão.

A situação de distanciamento e formalidade do Extra em relação a figuras do

governo, no caso da internação do então deputado Clodovil adquire diferentes

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contornos, comprovando que cada situação de enunciação deve ser analisada em

particular.

O GLOBO (17/03/09) EXTRA (17/03/09)

CLODOVIL SOFRE AVC E ESTÁ EM COMA

Para médico, chances de o deputado sobreviver são

muito pequenas

CLÔ SAI DE CENA: NOVO DERRAME

Deputado federal sofre acidente vascular cerebral e

uma parada cardiorrespiratória em Brasília

Essa aparente proximidade, em que o actante é nomeado por seu apelido (Clô) e

à menção ao ato de “sair de cena”, no Extra, estão relacionadas ao fato de o deputado

também ser apresentador de programas populares assistidos pelo leitor desse jornal. A

intimidade no tratamento – a depender da interpretação, em tom sarcástico – relaciona-

se, ainda, à opção de Clodovil ser homossexual e de nunca ter escondido isso. A

objetividade vocabular, como o discutido na seção 5.2.1, para referir-se à doença do

deputado pelo nome mais usualmente conhecida, “derrame”, bem como para explicitar

o que a sigla AVC significa, delineia uma figura de leitor não habituado com termos

técnicos da medicina.

O Globo, além de tratar o deputado com um tom mais formal, chamando-o pelo

nome que o consagrou no meio televisivo (“Clodovil”), emprega a sigla “AVC” e a

palavra “coma” para relatar o estado de saúde do actante, apostando no entendimento de

um público-alvo mais esclarecido.

5.2.3. Processo de atribuição:o papel específico da adjetivação

Conforme o explicado no item 3.3.3, a operação de atribuição faz-se por meio

da adjetivação em sentido amplo e consiste em atribuir propriedades objetivas ou

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subjetivas aos seres ou mesmo informações a seu respeito. Apesar de os atributos não

serem obrigatórios na representação do mundo, quando aparecem no discurso,

representam um interesse do enunciador em comunicar uma descrição objetiva ou uma

apreciação sobre o referente.

De acordo com PAULIUKONIS (2008),

A operação discursiva de caracterização dos seres pode se dar de três

modos: (1) a identificação ou caracterização objetiva, que se vê pelos

exemplos: bolsa marrom, sapato preto; (2) as qualificações ou avaliações

subjetivas: filme interessante,problema difícil; (3) e as informações que são

apresentadas pelo enunciador, com algum interesse textual: quadro que

recebeu de herança; filme de Bruno Barreto, livro da biblioteca.

Como um dos objetivos desta pesquisa é revelar a voz do enunciador que está

aparentemente escondida (modo delocutivo) no discurso midiático, destacam-se os

exemplos a seguir, em que a operação de atribuição apresenta um caráter argumentativo

e persuasivo, no sentido de convencer o leitor a respeito do posicionamento dos

periódicos diante do assunto tratado, indo ao encontro da explicação de

PAULIUKONIS sobre a caracterização enquanto interesse textual do enunciador6.

Retomando o caso do aborto que dividiu opiniões em todo o país e que ocupou,

durante seis dias, as páginas dos jornais – acontecimento sobre o qual foram discutidas

anteriormente as chamadas de capa publicadas no dia 06 de março de 2009 –, o

confronto entre as manchetes e os subtítulos das matérias no interior do jornal ilustram a

intencionalidade do enunciador ao fazer uso da operação de atribuição.

6 Como a operação de caracterização tem um objetivo discursivo específico e subjetivo, dependendo de

cada situação de enunciação em particular para ser analisada, não foram contabilizadas suas ocorrências,

como o feito em relação aos substantivos próprios.

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O GLOBO (06/03/09) EXTRA (06/03/09)

MINISTRO CRITICA A IGREJA POR EXCOMUNGAR

MÉDICOS

Um dia após aborto de menina de 9 anos estuprada em

Pernambuco, arcebispo confirma punição aos profissionais.

FÁTIMA MAIA, diretora do Cisam: DOM Jose Cardoso Sobrinho:

sem arrependimento médicos excomungados

UMA TROCA DE CONDENAÇÕES

Igreja excomunga mãe e médicos que fizeram

aborto em menina no Recife e é criticada por

ministros de Lula

Num processo que relaciona os componentes situacional e linguístico, O Globo

busca, nas escolhas lexicais e nas estratégias de apresentação do fato, construir uma

leitura de legalidade em relação ao aborto feito na menina de nove anos que engravidou

do padrasto após abusos sexuais constantes praticados por ele. No subtítulo, o periódico,

num processo de atribuição, enfatiza as causas da intervenção cirúrgica, apresentando

informações sobre a idade da menina – o que a impede biologicamente de levar adiante

uma gravidez de gêmeos – e a condição de ela ser vítima de estupro – caso em que a

Constituição Brasileira permite o aborto.

A matéria do dia 06 de março de 2009 traz ainda as fotos da diretora do hospital

onde os fetos foram retirados e a do religioso que condenou o ato. A disposição gráfica

das fotos sugere um confronto entre a médica e o arcebispo, como em apresentações de

jogos ou lutas, em que as imagens concorrentes são separadas por um X (versus).

O posicionamento do enunciador torna-se mais explícito ao trazer um quadro,

em destaque e à parte da matéria, com três opiniões de leitores sobre o assunto: duas

contra a decisão da Igreja e apenas uma a favor. A essa estratégia de apresentar

argumentos prós e contra sobre o mesmo assunto, enfatizando, entretanto, apenas o

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posicionamento que interessa ao enunciador, CHARAUDEAU (2007) chama de

“técnica da gangorra”.

O apoio à interrupção da dita gravidez é reforçado por outro quadro, em que o

texto, que não foi publicado pelo Extra, relata um caso semelhante e que não teve o

mesmo desfecho, já que os responsáveis pela vítima não foram orientados a pedirem a

interrupção da gravidez e, por isso, a justiça não interveio. O título desse texto (CRIME

E DEMORA: Pai adotivo engravidou garota de 10 anos) reforça a avaliação d´O Globo

a respeito do episódio principal e objeto dos dois jornais, ao comparar situações

semelhantes e qualificá-las como crime.

Comparativamente com O Globo em relação ao conteúdo veiculado, percebe-se

que o jornal Extra dá um significativo enfoque a fatos polêmicos e que apelam para a

emoção do leitor, como relatos de mortes e crimes, por exemplo. Por apresentar esse

teor, com relação ao discutido aborto, surpreendeu, inicialmente, o discreto enfoque

dado ao caso que levou os dogmas da Igreja Católica ao júri popular: autoridades

governamentais e religiosas, católicos e não-católicos discutiram a decisão do arcebispo

de Olinda e Recife, Dom José Cardoso Sobrinho, de excomungar a mãe da vítima e os

profissionais envolvidos no aborto

No dia 06 de março de 2009, a voz enunciadora do Extra tenta esvanecer-se

numa manchete que, aparentemente, não apóia nenhum dos lados em conflito: UMA

TROCA DE CONDENAÇÕES. Contudo, seu posicionamento é nítido no subtítulo, em

que caracteriza as pessoas excomungadas como aquelas “que fizeram aborto em

menina”, ato que vai contra a vida e que é condenado pela Igreja. Por outro lado,

nenhuma informação sobre a idade da menina e as condições em que ocorreu a

concepção é passada ao leitor, induzido, assim, a condenar o ato.

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Outro ponto que merece destaque, embora não seja o foco deste item que versa

sobre o papel específico da adjetivação, é a organização sintática desse subtítulo –

Igreja excomunga mãe e médicos que fizeram aborto em menina no Recife e é criticada

por ministros de Lula –, em que as cláusulas paratáticas (orações coordenadas, na

Gramática Tradicional) remetem a uma leitura hipotática, ou seja, adquirem contornos

de oração adverbial, sugerindo a seguinte interpretação: Igreja é criticada por ministros

de Lula porque excomunga mãe e médicos que fizeram aborto em menina no Recife,

como se o governo tivesse poderes para julgar os atos religiosos. O emprego do adjunto

adnominal de Lula ainda sugere que também o presidente compartilha de tais críticas,

sem, contudo, ter se pronunciado. Esse recurso discursivo, sutilmente, denuncia a

posição do enunciador contra o governante, ao criar um clima de rivalidade entre Estado

e Igreja, o que fere a fé do povo e pode prejudicar a popularidade do governo.

Se, no caso apresentado, O Globo emprega a operação de atribuição para induzir

a um posicionamento do leitor diante do assunto veiculado, no caso da morte atribuída a

um erro médico, notícia publicada por três dias consecutivos nos periódicos analisados,

esse jornal busca uma ponderação antes que o caso seja julgado, o contrário do Extra,

que já condena os médicos responsáveis pela cirurgia.

O GLOBO (08/03/09) EXTRA (08/03/09)

MULHER MORRE APÓS SUPOSTO ERRO EM

CIRURGIA

Médicos do Hospital Getúlio Vargas, que foram

afastados, operaram o lado errado do cérebro de

dona de casa.

MORTE APÓS CIRURGIA ERRADA

Mulher com coágulo do lado esquerdo do cérebro

tem lado direito operado. Médicos foram afastados.

No confronto das manchetes, é nítido que a adjetivação empregada pelos dois

jornais possui diferentes intenções discursivas: enquanto O Globo modaliza a causa da

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morte, empregando o adjetivo “suposto” para qualificar o erro que teria ocorrido na

intervenção cirúrgica, o Extra é enfático ao caracterizar a cirurgia como “errada”,

condenando os médicos que a fizeram.

Quanto à articulação da manchete com o subtítulo, vale destacar que, apesar de o

primeiro veículo admitir o erro médico e as evidências serem muitas – afinal metade do

órgão que comanda o funcionamento dos demais órgãos do corpo foi afetada –, na

organização dos enunciados, não fica claro que a causa da morte tenha sido fruto dessa

falha profissional, numa tentativa de não acusar, sem provas, os médicos. O jornal ainda

ressalva, na operação de atribuição, que esses profissionais “foram afastados”,

sugerindo uma medida cautelar adotada até que o caso seja totalmente averiguado. Essa

modalização do discurso vincula-se ao público-alvo: leitores que trabalham na área de

saúde e que estão suscetíveis a cometerem tais erros, bem como os que têm a lei como

objeto de trabalho e sabem que não se pode condenar sem antes investigar.

Posicionamento contrário assume o Extra, que, em períodos curtos no subtítulo,

detalha, na manchete, o porquê da cirurgia ter sido considerada “errada” e aponta a

culpa dos médicos como consequencia de um erro que deveria ser considerado

inadmissível. Tendo em vista o público-alvo do Extra, leitores que dependem dos

serviços de saúde pública, a matéria os aborda como alvo afetivo, já que podem sofrer

com situações semelhantes.

Outro exemplo, em que o periódico expressa seu posicionamento sem se deter

em análises legais detalhadas e abordando afetivamente o leitor, é o referente ao regime

semiaberto concedido aos envolvidos na agressão da doméstica Sirlei, retomado nesta

seção para ilustrar a importância da adjetivação na construção do discurso.

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O GLOBO (12/03/09) EXTRA (12/03/09)

AGRESSORES DE DOMÉSTICA EM REGIME

SEMIABERTO

Desembargadores decidem que dois jovens

poderão passar o dia soltos: só voltam à prisão para

dormir

AGRESSORES DE SIRLEI SERÃO SOLTOS

Jovens que espancaram doméstica na Barra passam

a regime semi-aberto

Na comparação entre os dois jornais, é evidente o sentimento de impunidade que

o Extra deixa transparecer. Ao articular a manchete, que anuncia que os agressores

serão soltos, com o subtítulo, que caracteriza tais jovens como os “que espancaram

doméstica na Barra”, essa mídia contrasta os estratos sociais dos agressores –

provavelmente, moradores da Barra, bairro da elite carioca – e da agredida, assumindo

as dores de uma parcela da sociedade que não tem voz e nem vez diante das classes

mais favorecidas social e economicamente.

Como o observado nesta seção, a operação de atribuição é subjetiva por ser a

forma mais explícita de o enunciador mostrar sua voz diante do fato relatado. Assim, as

pretensões de análise desse processo se estendem para além desta pesquisa. A

investigação não se esgota na análise dos três exemplos aqui discutidos, pelo contrário,

exige que nossa pressuposição seja mais bem detalhada, por meio de estudos

minuciosos de outros textos que permitam avaliações mais precisas a cerca do papel

específico da adjetivação no discurso midiático.

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114

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Vários estudiosos discutem a neutralidade ilusória que permeia os gêneros

jornalísticos, como Landowiski, que afirma que o texto jornalístico é “uma forma

objetivante de narrar o cotidiano, mas que necessariamente passa pela forma

subjetivante imposta pela constituição de um discurso.”

Assim, as notícias que inundam os periódicos diários são relatos de

acontecimentos, ou seja, uma interpretação de quem os relata, sob certo ponto de vista,

determinados por uma perspectiva socioeconômica e balizados por interesses comerciais.

Esses fatores condicionantes contribuem para explicitar as ideologias que norteiam os

veículos de comunicação midiáticos e denunciam a presença de um sujeito que atravessa

a relação linguagem-mundo. Isso comprova algumas das hipóteses deste trabalho: na

análise, foi possível detectar possíveis interpretativos a partir do reconhecimento de

índices enunciativos de subjetividade em textos tidos como informativos e objetivos,

bem como constatou-se que o ethos discursivo que caracteriza cada jornal é delineado

em função de seus leitores.

Portanto, desde a escolha dos fatos a serem veiculados até o tratamento

redacional dado na transformação do evento à notícia, percebe-se que a subjetividade é

inerente ao processo de produção de texto, assim como o é a presença de diversos

sujeitos na interação comunicacional. Do ponto de vista da produção do discurso, o

sujeito que comunica (o EU-comunicante: a Infoglobo Comunicações Ltda.), ao

produzir seu discurso, idealiza um destinatário, um sujeito interlocutor (o TU-

destinatário) diferente para cada estrato da sociedade. Já sob a perspectiva da

interpretação, há um leitor real (o TU-interpretante) que interpreta a enunciação

produzida. Esse interpretante constrói para si diferentes imagens de um comunicante

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115

que se transfigura em enunciadores distintos para atingir seu objetivo comunicativo e

comercial, no caso específico desta pesquisa, nos jornais O Globo e Extra, os reais EUs-

enunciadores, instituídos a partir do ato discursivo.

Articulando a fundamentação teórica com o corpus analisado, percebeu-se que o

emprego de determinadas escolhas lexicais, bem como o destaque atribuído aos fatos

noticiosos por cada periódico adquirem valor discursivo, que colaboram na construção

da mensagem que o enunciador deseja transmitir. Através deste estudo, discutiu-se,

mediante a identificação de marcas linguísticas, a intencionalidade discursiva que

caracteriza e individualiza os jornais submetidos às análises, em função dos leitores,

verdadeiros co-autores dos textos publicados na mídia.

Ao longo desta pesquisa, foi possível ainda comprovar que o comunicante, no

caso a Infoglobo Comunicações Ltda., nem sempre demonstra o mesmo posicionamento

nos dois jornais. Ainda que apresente textos quase idênticos e assinados pelos mesmos

jornalistas, o direcionamento da leitura é imposto pelas manchetes, pelos subtítulos,

pelas fotos e suas legendas que hierarquizam os pontos mais importantes em que o leitor

deve se deter. Tal estratégia cumpre o contrato de comunicação jornalístico: a

interpretação se dá em relação com a identidade dos parceiros e de suas intenções

comunicativas: o jornal busca informar o que o leitor deseja saber e da maneira como

lhe é possível interpretar os fatos narrados. Em outras palavras, concluímos que um

mesmo comunicante utiliza estratégias linguísticas e discursivas distintas em função dos

destinatários – uma clara obediência ao duplo contrato de comunicação midiática, que

busca informar e seduzir os leitores.

Como proposta didática, ressalte-se que a leitura é uma atividade imprescindível

em qualquer área do conhecimento. Textos de natureza diversa exigem diferentes

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abordagens para se chegar ao seu significado. Todo professor deve estar comprometido

com a formação de leitores críticos que aprendam a pensar sobre o pensamento dos

outros e cheguem a produzir seus próprios pensamentos. Para isso, a leitura não pode ter

um cunho meramente alfabético, precisa extrapolar as linhas do texto, as páginas dos

livros, indo em busca de significados em outros textos, outros livros, outras vivências.

De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa para

o Ensino Fundamental:

Formar um leitor competente supõe formar alguém que compreenda o que

lê; que possa aprender a ler também o que não está escrito, identificando

elementos implícitos; que estabeleça relações entre o texto que lê e outros

textos já lidos; que saiba que vários sentidos podem ser atribuídos a um

texto; que consiga justificar e validar sua leitura a partir da localização de

elementos discursivos.” PCN (1997:54)

Na tentativa de amenizar, ainda que modestamente, a enorme dificuldade que a

escola tem de estabelecer novas e mais eficazes metodologias para o desenvolvimento,

por parte do aluno, das diversas competências linguísticas, tributárias do ato de ver-ler-

escrever-falar-ouvir e da aprendizagem formal desses processos, esta pesquisa propõe

que os professores de Língua Portuguesa façam com que seus alunos tenham

consciência da subjetividade que permeia os variados tipos de textos. Também é

importante levar os discentes a verem o texto midiático e os elementos paratextuais que

o acompanham como uma forma importante de comunicação, pelo diálogo que

estabelecem com instituições políticas, sociais e empresariais, possibilitando, assim, que

os estudantes se posicionem em relação aos acontecimentos noticiados sobre o mundo

em que vivem.

Desta forma, muito mais que mera decodificação de signos e palavras, as

atividades de interpretação textual são fundamentais não apenas para a formação

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acadêmica do aluno, mas também para formação de um ser humano sensível e de um

cidadão consciente.

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7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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escrita. Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras,

2009. Trabalho apresentado à disciplina “Tópicos Especiais I”, do curso de Pós

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WERNECK, Leonor (org.). Discurso, coesão, argumentação. Rio de Janeiro: Oficina

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____________________. O discurso das mídias. São Paulo: Contexto, 2007.

____________________. Linguagem e discurso: modos de organização. São Paulo:

Contexto, 2009.

CHARAUDEAU, Patrick & MAINGUENEAU, Dominique. Dicionário de análise do

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DIAS, Ana Rosa Ferreira. O discurso da violência – as marcas da oralidade no

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DUCROT, Oswald. O dizer e o dito. Campinas: Pontes, 1987.

EMEDIATO, Wander. O problema da informação midiática entre as ciências da

comunicação e a análise do discurso. In: MACHADO, I. L., SANTOS, J. B. C. e

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119

MENEZES, W. A. (orgs.). Movimentos de um percurso em análise do discurso –

Memória Acadêmica do Núcleo de Análise do Discurso da FALE/UFMG. Belo

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FLORES, Valdir do Nascimento & TEIXEIRA, Marlene. Introdução à linguística da

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Dicionário de linguística da enunciação. São Paulo: Contexto, 2009.

FOUCAULT, Michael. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária,

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Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas, 2008.

GOUVÊA, Lúcia Helena Martins. Leitura de texto informativo sob uma perspectiva

semiolinguística. In: Diadorim: revista de estudos linguísticos e literários – N. 4,

(2008). Rio de Janeiro: UFRJ, Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas,

2008.

HALLYDAY, M. An introduction to functional grammar. 3. ed. London: Hodder

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KERBRAT-ORECCHIONI, Catherine. La enunciación: de la subjetividad en el

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KOCH, Ingedore Villaça. A inter-ação pela linguagem. 10. ed. São Paulo: Contexto,

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In: Cadernos do CNFL. v. XII. Rio de Janeiro: CIFEFIL, 2009.

PAULIUKONIS, Maria Aparecida Lino, WERNECK, Leonor. & GAVAZZI, Sigrid.

Jornal televisivo: estratégias argumentativas na construção da credibilidade. In:

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___________________. Marcas discursivas do enunciador midiático: casos de

modalização autonímica. In: PAULIUKONIS, Maria Aparecida Lino & GAVAZZI,

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Lucerna, 2005.

___________________. Estratégias argumentativas no discurso publicitário. In:

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Leitura: Texto e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2006.

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___________________. Texto e contexto. In: VIEIRA, Silvia Rodrigues &

BRANDÃO, Silvia Figueiredo (orgs.). Ensino de gramática:descrição e uso. São

Paulo: Editora Contexto, 2008.

PRETI, Dino. Sociolinguística: os níveis da fala. 4. ed. São Paulo: Nacional , 1982.

ROLIM, Wiliane Viriato. Quando a capa de revista é transformada em espaço

publicitário. In: MACHADO, Ida Lúcia & MELLO, Renato de (orgs.). Gêneros:

Reflexões em Análise do Discurso. Belo Horizonte: Núcleo de Análise do Discurso,

2004.

__________________ Gênene. Bíblia Sagrada. São Paulo: Editora Ave-Maria, 1996.

__________________ Parâmetros curriculares nacionais: língua portuguesa.

Ministério da Educação. Secretaria da Educação Fundamental. 3. ed. Brasília: A

Secretaria, 2001.

SITE

www.infoglobo.com.br

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ANEXOS

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ANEXO 1

ENTREVISTAS COM OS JORNALISTAS

a) Marcelo Dias

b) Maurício Siaines

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ENTREVISTA COM O JORNALISTA MARCELO DIAS, DO JORNAL EXTRA

(13 DE OUTUBRO DE 2010)

1. Há um manual de redação que guia o trabalho nos dois jornais?

R.:Sim, existe um manual de redação e estilo.

2. Qual a diferença entre notícia e reportagem?

R.: Reportagem é o processo de produção de uma notícia. O esforço de apuração,

checagem de informações, entrevistas, conferência de documentos etc. conduz à

elaboração da notícia. A convocação da Seleção Brasileira é uma notícia, assim como

a divulgação dos índices econômicos, o anúncio de um programa urbanístico, a

investigação de um caso de corrupção constituem uma notícia. Para aprofundá-la, há

diversas maneiras de produzir essa reportagem.

3. Como os maiores textos são publicados no jornal O Globo, imaginamos que alguns

"cortes" são feitos para que se componha a matéria a ser publicada no Extra. Como é

feito esse processo? São os próprios jornalistas autores das matérias maiores que fazem

isso? O que se procura “cortar”?

R.: Existe uma sinergia entre os produtos da Infoglobo. Digo produtos porque, como já

disse acima, a empresa possui diversos veículos de comunicação. Como vivemos em

uma metrópole, há assuntos que interessam mais aos leitores do Extra e outros que

interessam mais aos do Globo. Uma prova de hipismo, por exemplo, não interessa ao

leitor do Extra. Assim, o Globo cobre a prova e faz a matéria. Se o Extra publicá-la (há

casos em que um jornal não se interessa por determinados assuntos do outro), o

enxugamento do texto será feito por sua própria equipe.

Mas a comparação por tamanho de texto é um engano. O correto é afirmar que o

Extra é um jornal compacto e o Globo está no grupo que chamamos de jornalões.

Várias matérias minhas de página inteira são também enxugadas e publicadas com

menor espaço no Globo. Nesse caso, são eles que tratam de cortar os excessos do texto.

Enfim, não sou eu que corto meu texto quando publicado no Globo. São eles que o

fazem. E vice-versa.

Há até casos em que textos nossos saem com maior destaque e espaço no Globo. E

furos jornalísticos não são compartilhados.

Um caso prático. Nestas eleições, o Extra se encarregou de acompanhar o dia de

votação na Baixada e na Zona Oeste, cabendo ao Globo a Zona Sul e a Tijuca. No fim,

ambos aproveitaram o material e fecharam o jornal conforme sua linha editorial.

O mesmo é visto no grupo Arca, onde O Dia, o Meia Hora e o Marca Campeão

produzem o mesmo procedimento de sinergia.

4. São os jornalistas que criam a manchete e o subtítulo, quando escrevem a matéria? Já

se pensa em uma manchete para o jornal O Globo e uma para o Extra?

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R.: Pelo que já expliquei, acho que fica claro que os dois jornais trabalham em

conjunto, mas cada qual seguindo sua linha editorial e até determinado ponto. Mesmo

em coberturas onde há a particpação das duas equipes, o enfoque pode ser totalmente

diferente na hora de se abordar aquele tema. Na hora de produzir suas manchetes,

chamadas e tudo o mais, é cada um por si. Cada jornal conduz o seu próprio

fechamento, sem interferência do outro.

Como temos escalas de horário, o repórter que pega às 7h deixa a redação às 15h.

Assim, é pouco provável que ele produza também o título de sua matéria. Mas nada te

impede de deixar uma sugestão de título. Eu produzo as minhas, até porque, como

chego às 13h, acompanho o fechamento.

5. Em relação às fotos que acompanham algumas matérias, quem faz as escolhe?

R.: Os editores, mas é comum pedirem a opinião dos repórteres.

6. São os jornalistas autores das matérias que também elaboram a legenda que

acompanham as fotos?

R.: Se o cara estiver aqui e acompanhar o fechamento, geralmente sim. Mas sempre

com o intermédio dos editores.

7. Como são vistos os leitores de cada jornal?

R.: O Globo tem perfil de classes AB, sobretudo. Nós, BC. Entretanto, temos leitores A

também. E eles C. O importante é não fugir à sua proposta editorial. O leitor te

acompanha por isso. Hà os que gostam de seguir colunistas, os que preferem

determinados cadernos, aqueles que gostam de abordagens compactas ou mais

alongadas.

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ENTREVISTA COM O JORNALISTA E MESTRE EM SOCIOLOGIA

MAURÍCIO SIAINES, PROFESSOR DAS DISCIPLINAS ÉTICA NA

COMUNICAÇÃO E TEORIA DA COMUNICAÇÃO, NA UNIVERSIDADE

CÂNDIDO MENDES (25 DE MAIO DE 2011)

1. A reflexão sobre a questão dos gêneros textuais há muito se constitui como uma

problemática recorrente em diferentes áreas do conhecimento, uma vez que diferentes

são os objetos e também os pressupostos de categorização adotados, desde as

perspectivas literária, linguística e discursiva às teorias da comunicação. No meio

jornalístico, quais são as diferenças observadas entre notícia e reportagem?

R.: Notícia é a informação sobre algum fato, como a queda de um avião, um assalto ou um evento esportivo. A reportagem é uma construção de texto a partir da vivência experimentada pelo repórter. Para se dar uma notícia não é necessário viver o acontecimento, enquanto no caso da reportagem é imprescindível.

2. Quando se pensa na construção temática das matérias jornalísticas, quais são os

princípios da seleção dos fatos? Como ocorre o processo de transformação do

acontecimento em notícia?

R.: Na redação de uma notícia procura-se concentrar no primeiro parágrafo as principais informações. Procura-se responder às questões: o quê, quem, quando, onde e por quê. Este parágrafo é chamado de lide, um aportuguesamento do inglês lead, abreviação de leader. A elaboração do lide, por mais objetiva que possam ser as normas de redação, atende sempre a um critério subjetivo, à ideologia do redator. E é claro que a subjetividade do redator é fortemente influenciada pelos interesses da empresa de comunicação que o emprega.

3. Sendo os textos jornalísticos de natureza informativa, espera-se que o repórter, ao

relatar um acontecimento, deva adotar um ponto de vista distanciado e global para

garantir a imparcialidade de sua matéria. Você acha que essa neutralidade que permeia

os textos jornalísticos é ilusória? Por quê?

R.: Sim, acho que essa imparcialidade é ilusória, a subjetividade vais estar sempre presente. A melhor maneira de um jornalista ser imparcial é permitir que o leitor perceba suas próprias inclinações. A melhor maneira de um jornalista petista falar com isenção sobre o PSDB, por exemplo, é assumir, diante do leitor sua opção política.

4. De que modo as matérias jornalísticas exercem influência sobre a sociedade?

R.: Recorro aqui a Marshall MacLuhan. Ele entendia os meios de comunicação como extensões do homem, como as ferramentas, os utensílios, as roupas. A questão está no fato de adaptarmos nossos corpos às extensões de que nos valemos. E não só os corpos, mas também toda aquela imaterialidade que chamamos comumente de alma, isto é, aquilo que é virtual em nossas vidas. Se MacLuhan tem razão, adaptamos nossa existência aos meios de comunicação por nós utilizados, o que significa que nossas ações acabam sendo orientadas por eles.

5. Esta pesquisa, ao confrontar as matérias sobre os mesmos assuntos publicados nos

jornais Extra e O Globo, constatou que os textos são praticamente os mesmos nos dois

veículos de comunicação da Infoglobo, mantendo, inclusive, as mesmas construções

linguísticas. Contudo, as manchetes, os subtítulos, a fotos e suas legendas são bem

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diferentes. Que importância esses elementos têm para a construção da matéria

jornalística?

R.: As manchetes, subtítulo e fotos orientam o leitor a respeito do que ler e o valor que lhes é atribuído com os recursos gráficos e de diagramação disponíveis. Formam uma hierarquia entre os elementos para serem lidos. Assim, são decisivos na definição da importância da matéria.

6. Para Patrick Charaudeau, a situação da comunicação das mídias se inscreve em um

duplo contrato comunicativo: um de informação (centra-se na informação propriamente

dita e tende a produzir um objeto de saber segundo uma lógica cívica: informar o

cidadão) e outro de captação (procura produzir um objeto de consumo segundo uma

lógica comercial: captar as massas para sobreviver à concorrência). Como você analisa

o funcionamento desse contrato virtual nos jornais O Globo e Extra?

R.: O contrato que um público celebra com um jornal atende a muitas coisas, mas principalmente ao que o grupo deseja saber. Em função das preferências do público define-se também que produtos ele pretende consumir, tornando-se público-alvo de publicidade

7. Na tentativa de comprovarmos as hipóteses que guiam esta pesquisa, pedimos que

cento e vinte pessoas comparassem as manchetes, as legendas e os subtítulos

apresentados a seguir. Como jornalista, escolha um dos caos apresentados e faça uma

breve análise da forma como os jornais veiculam a mesma notícia, considerando o

público alvo, as fotos, as diferenças de vocabulário para a formulação do texto e a

intenção de cada enunciador.

O GLOBO (06/03/09) EXTRA (06/03/09)

ADVOGADO É ASSASSINADO NA LINHA

VERMELHA

Vítima foi atingida por cinco tiros por bandidos

que estavam em moto; na Dutra, quadrilha rouba

medicamentos

EXECUTADO NA LINHA VERMELHA

Advogado foi morto com cinco tiros perto da cabine da

PM na via expressa

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R.: Vou me ater à matéria que se vale exatamente da mesma foto de crianças dormindo no chão em um dos acessos à favela do Jacarezinho. O leitor de Extra está mais próximo da realidade de lugares como o Jacarezinho do que o de O Globo. Este fato parece-me levar à redação da matéria em ser mais agressiva em Extra do que em O Globo. No primeiro, a

legenda “Menores ficam inconscientes após se drogarem com crack” aponta o problema

do uso da droga, enquanto que em O Globo a abordagem parece ignorar a droga. Sem dúvida, não se trata de um acaso. Talvez não se tenha querido incomodar o leitor de O Globo com uma realidade tão dura, preferindo-se sugerir-lhe ignorar o problema da droga. Os dois jornais atendem às necessidades de seus leitores com as escolhas de linguagem que fazem.

O GLOBO (10/03/09) EXTRA (10/03/09)

DEMISSÃO EM MASSA ABRE CRISE NO

ROCHA FARIA

Estado monta esquema emergencial sem

determinar prazo para suprir déficit de

médicos obstetras no hospital

GRÁVIDAS ENFRENTAM O CAOS NO ROCHA

FARIA

Demissão em massa abre crise na unidade

O GLOBO (22/03/09) EXTRA (22/03/09)

UM PROJETO PARA LIVRAR AS CRIANÇAS

DO CRACK

Prefeitura leva para abrigo menores usuários da

droga que vivem nos acessos do Jacarezinho e de

Manguinhos

Crianças dormem num dos acessos à Favela do

Jacarezinho

CRACOLÂNDIA NA ZONA NORTE

Projeto tenta salvar crianças que se drogam à luz

do dia nos acessos do Jacarezinho e de

Manguinhos

Menores ficam inconscientes após se drogarem

com crack

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ANEXO 2

ATIVIDADES DESENVOLVIDAS COM OS ALUNOS

a) A mesma história? Música “Desce”, de Arnaldo Antunes

b) “Várias maneiras formas de contar a mesma história: o caso Chapeuzinho

Vermelho”

c) Proposta de análise de parte do corpus desta pesquisa

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Nova Friburgo, de de 2011

Aluno(a)

Ano turma

Professor(a)

Ass. Responsável

Obs.:

Humanização: processo de encontro e convivência com o outro

A MESMA HISTÓRIA?

Ouça as duas versões, compostas por Arnaldo Antunes, para a música “Desce”. A mudança na melodia

causa alguma mudança na interpretação? Justifique detalhadamente sua resposta.

DESCE

desce do trono, rainha

desce do seu pedestal

de que te vale a riqueza sozinha,

enquanto é carnaval?

desce do sono, princesa

deixa o seu cetro rolar

de que adianta haver tanta beleza

se não se pode tocar?

hoje você vai ser minha

desce do cartão postal

não é o altar que te faz mais divina

deus também desce do céu

desce das suas alturas

desce da nuvem, meu bem

por que não deixa de tanta frescura

e vem para a rua também?

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Nova Friburgo, de de 2011

Aluno(a)

Ano turma

Professor(a)

Ass. Responsável

Obs.:

Humanização: processo de encontro e convivência com o outro

VÁRIAS MANEIRA DE CONTAR A MESMA HISTÓRIA: O CASO CHAPEUZINHO

VERMELHO

JORNAL NACIONAL (William Bonner): „Boa noite. Uma menina chegou a ser devorada por um lobo na noite de ontem…‟.

(Fátima Bernardes): „… mas a atuação de um caçador evitou uma tragédia‟.

PROGRAMA DA HEBE

(Hebe Camargo): „… que gracinha gente. Vocês não vão acreditar, mas essa menina linda aqui foi

retirada viva da barriga de um lobo, não é mesmo?‟

BRASIL URGENTE (Datena): „… onde é que a gente vai parar, cadê as autoridades? Cadê as autoridades? ! A menina ia para

a casa da vovozinha a pé! Não tem transporte público! Não tem transporte público! E foi devorada viva…

Um lobo, um lobo safado. Põe na tela!! Porque eu falo mesmo, não tenho medo de lobo, não tenho medo

de lobo, não.‟

DISCOVERY CHANNEL Os Caçadores de Mitos simulam uma pessoa sendo engolida viva e tentando sobreviver em seguida.

REVISTA VEJA Lula sabia das intenções do lobo.

SUPERINTERESSANTE Lobo mau! Mito ou verdade ?

REVISTA ISTO É Gravações revelam que lobo foi assessor de político influente.

REVISTA TI TI TI Lenhador e Chapeuzinho flagrados em clima romântico em jantar no Rio.

REVISTA CLÁUDIA Como chegar à casa da vovozinha sem se deixar enganar pelos lobos no caminho.

REVISTA NOVA

Dez maneiras de levar um lobo à loucura na cama.

REVISTA SAÚDE O lobo não era mau! Os verdadeiros vilões eram os doces que Chapeuzinho levava.

REVISTA ANA MARIA 20 receitas imperdíveis de doces que agradam vovós e netinhas.

REVISTA CARAS (Ensaio fotográfico com Chapeuzinho na semana seguinte.)

Na banheira de hidromassagem, Chapeuzinho(15) fala a CARAS: „Até ser devorada,eu não dava valor

para muitas coisas da vida. Hoje sou outra pessoa‟