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A ARTETERAPIA COMO ESTRATÉGIA DE EDUCAÇÃO POPULAR EM SAÚDE: a experiência da Arte de Nascer desenvolvida no Centro de Educação e Pesquisa em Saúde CEPS Anita Garibaldi Andrezza Soraya Moura Fonseca , Alexandra Silva de Lima , 1 2 Claudia Araújo dos Santos, Lidiany Alves da Silva 3 Resumo Este artigo trata da experiência desenvolvida no Centro de Educação e Pesquisa em Saúde – Anita Garibaldi, localizado em Macaíba/RN, com a atividade Arte de Nascer que, por meio da arteterapia promove atividades relacionadas à saúde reprodutiva e aos direitos sociais das mulheres. O objetivo do estudo, realizado através da pesquisa bibliográfica e documental, é apresentar a experiência vivenciada no Anita Garibaldi e problematizar as contribuições que ela vem dando ao enfrentamento da temática. Para isso, foi apresentouse uma breve história da organização, a discussão sobre a violência contra a mulher e a experiência na Arte de Nascer. PalavrasChave: Arte de Nascer; Anita Garibaldi; Violência contra a mulher; enfrentamento. Abstract This article presents the experience developed in the Center for Education and Research in Health Anita Garibaldi, located in Macaíba/RN, with the Art of Birth activity that, through art therapy promotes activities related to reproductive health and the social rights of women. The objective of this study, produced with bibliographical and documentary research, is to present the experience lived in Anita Garibaldi and to problematize the contributions of the activity to combat. For this, it was presented a brief history of the organization, the discussion on violence against women and the experience in the Art of Birth. Keywords: Art of Birth; Anita Garibaldi; Violence Against Women; combat. 1 Assistente social do programa de pósgraduação da residência multiprofissional em saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. 2 Assistente social do Centro de Educação e Pesquisa em Saúde CEPS Anita Garibaldi, supervisora de campo do estágio curricular obrigatório de Serviço Social/UFRN e preceptora da residência multiprofissional em saúde. 3 Discentes do Bacharelado em Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

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A ARTE­TERAPIA COMO ESTRATÉGIA DE EDUCAÇÃO POPULAR EM SAÚDE: a experiência da Arte de Nascer desenvolvida no Centro de Educação e Pesquisa em Saúde ­

CEPS Anita Garibaldi

Andrezza Soraya Moura Fonseca , Alexandra Silva de Lima , 1 2

Claudia Araújo dos Santos, Lidiany Alves da Silva 3

Resumo Este artigo trata da experiência desenvolvida no Centro de Educação e Pesquisa em Saúde – Anita Garibaldi, localizado em Macaíba/RN, com a atividade Arte de Nascer que, por meio da arte­terapia promove atividades relacionadas à saúde reprodutiva e aos direitos sociais das mulheres. O objetivo do estudo, realizado através da pesquisa bibliográfica e documental, é apresentar a experiência vivenciada no Anita Garibaldi e problematizar as contribuições que ela vem dando ao enfrentamento da temática. Para isso, foi apresentou­se uma breve história da organização, a discussão sobre a violência contra a mulher e a experiência na Arte de Nascer. Palavras­Chave: Arte de Nascer; Anita Garibaldi; Violência contra a mulher; enfrentamento.

Abstract This article presents the experience developed in the Center for Education and Research in Health ­ Anita Garibaldi, located in Macaíba/RN, with the Art of Birth activity that, through art therapy promotes activities related to reproductive health and the social rights of women. The objective of this study, produced with bibliographical and documentary research, is to present the experience lived in Anita Garibaldi and to problematize the contributions of the activity to combat. For this, it was presented a brief history of the organization, the discussion on violence against women and the experience in the Art of Birth. Keywords: Art of Birth; Anita Garibaldi; Violence Against Women; combat.

1 Assistente social do programa de pós graduação da residência multiprofissional em saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. 2 Assistente social do Centro de Educação e Pesquisa em Saúde CEPS Anita Garibaldi, supervisora de campo do estágio curricular obrigatório de Serviço Social/UFRN e preceptora da residência multiprofissional em saúde. 3 Discentes do Bacharelado em Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

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INTRODUÇÃO

A temática da violência contra a mulher tem permanecido nos debates entre as

diversas áreas do conhecimento, bem como dentre as classes sociais tendo em vista a

atualidade da temática frente aos acontecimentos cotidianos e a necessidade do seu debate

como uma forma de enfrentamento a essa prática que ainda hoje é tão naturalizada na

sociedade brasileira.

A violência contra a mulher e, mais especificamente, aquela que é praticada no

âmbito doméstico e familiar, resguardada e velada pelas paredes que revestem o lar,

transformou­se em tema de importância tal que não mais se ignora ou deixa­se de formar ou

emitir opinião nos momentos em que se remete aos atos que causam dano à mulher.

O estudo das manifestações das práticas violentas e, sobretudo, das formas de

enfrentamento, constituem objeto de várias pesquisas no Brasil e no mundo, o que vem

apontando algumas possibilidades frente às adversidades conjunturais e a complexidade do

tema.

Dentro desse universo, encontra­se os avanços já alcançados através da luta das

mulheres e a agenda feminista, destacando­se no momento alguns termos bastante utilizados

pelos intelectuais da pós­modernidade, como é o caso da categoria “empoderamento”. Nesse

sentido, muitas mulheres vêm desenvolvendo formas de resistência frente ao patriarcado e às

relações desiguais de gênero que também fortalecem a luta pela superação da incidência de

casos de violência praticadas contra a mulher simplesmente pela condição de ser.

Nesse sentido, o objeto precípuo deste estudo centra­se nas estratégias

desenvolvidas e utilizadas para o fortalecimento de mulheres, vítimas ou não de violência, para

que as ocorrências possam ser evitadas ou superadas e que possam contribuir para a (re)

construção de histórias de vidas que foram marcadas por episódios lamentáveis de

desrespeito à condição da mulher enquanto ser humano cuja dignidade deve ser mantida e

fortalecida.

Considerando a importância da prevenção e do enfrentamento das situações de

violência contra a mulher, o Instituto Santos Dumont (ISD), qualificado como uma Organização

Social (OS) desde fevereiro de 2014 de acordo com a Lei Nº 9.637 de 1998, através da

vertente educação­saúde promovida em suas unidades, principalmente, no Centro de

Educação e Pesquisa em Saúde (CEPS) Anita Garibaldi, localizado no Município de

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Macaíba/RN, realiza ações sócio­educativas com grupos de gestantes em acompanhamento

no pré­natal de alto risco, objetivando contribuir com o fortalecimento da resistência feminina

ou empoderamento, como discutido pelos pós­modernistas. Trata­se de um processo

educativo que utiliza a arteterapia como estratégia para discutir e melhor assimilar os temas

relacionados às violências sofridas, bem como os procedimentos a serem adotados depois

que ela acontece.

A estratégia intitulada de “A Arte de Nascer” vem sendo executada há cerca de

seis anos na unidade do Anita Garibaldi integrando ensino, pesquisa e extensão através da

participação de alunos de graduação e pós­graduação das áreas de medicina, psicologia,

fisioterapia e serviço social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

A finalidade das atividades é aliar a discussão de temas relevantes para a saúde

da mulher e a formação de profissionais de diversas áreas do conhecimento através de

atividades lúdicas, o que tem possibilitado maior interação entre a equipe profissional, os/as

alunos/as e as pacientes, demonstrando excelentes resultados.

Exemplo disso é que em 2015 A Arte de Nascer foi um dos seis vencedores do

“Projects That Work Competition” (Competição de Projetos que Funcionam), promovida

anualmente pela Foundation for Advancement of International Medical Education and

Research – FAIMER (Fundação para o Avanço do Ensino e Pesquisa Médica

Internacional), que reconhece os trabalhos que obtiveram êxito para além da implementação

inicial e impactaram de forma positiva e significativa a saúde e a comunidade.

Dentro dessa perspectiva, os profissionais e discentes envolvidos na atividade

dedicam esforços para tratar da questão da violência contra a mulher entendida como um

desafio a ser enfrentado por todas as categorias da saúde e a sociedade no sentido de

superar a ocorrência dos episódios que atentam contra a dignidade da mulher.

Dessa forma, o objetivo desse artigo é apresentar a experiência vivenciada nas

atividades da Arte de Nascer que são desenvolvidas e realizadas pelo Centro de Educação e

Pesquisa em Saúde ­ CEPS Anita Garibaldi, entendidas enquanto ferramenta para discutir

direitos sociais, civis e humanos das mulheres e sobre as atitudes diante de situações

violadoras da sua dignidade. Ademais, ao dar visibilidade para essa experiência, pretende­se

contribuir para que outras iniciativas possam emergir e contribuir com o debate sobre a

necessidade de se pensar mais políticas públicas que interfiram na erradicação da violência

contra a mulher.

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1 O CENTRO DE EDUCAÇÃO E PESQUISA EM SAÚDE ­ CEPS ANITA GARIBALDI

O Instituto de Ensino e Pesquisa Alberto Santos Dumont, mais conhecido como

Instituto Santos Dumont (ISD), é uma organização de direito privado que atua no Nordeste

brasileiro qualificada como Organização Social desde abril de 2014 (INSTITUTO SANTOS

DUMONT, 2017, s.p.).

A entidade atua conforme a Lei 9.637/1998 que “dispõe sobre a qualificação de

entidades como organizações sociais, a criação do Programa Nacional de Publicização, a

extinção dos órgãos e entidades que menciona e a absorção de suas atividades por

organizações sociais, e dá outras providências” (BRASIL, 1988).

No entanto, o ISD surgiu em abril de 2004 como Associação Alberto Santos

Dumont para Apoio à Pesquisa (AASDAP) criada pelo cientista brasileiro Miguel Nicolelis e

funcionava como uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) sem fins

lucrativos “cujo objetivo era a gestão de recursos públicos e privados na implantação de

projetos sociais e pesquisas científicas” (ARAÚJO; SILVA, 2016) . 4

A missão da organização é “promover educação para a vida, formando cidadãos

por meio de ações integradas de ensino, pesquisa e extensão e contribuir para a

transformação mais justa e humana da realidade social brasileira” (INSTITUTO SANTOS

DUMONT, 2016, s.p).

Para atingir esses objetivos, atualmente o instituto possui seis unidades, sendo

elas: Campus do Cérebro (em fase de conclusão), o Centro de Educação Científica Escola

Alfredo J. Monteverde (unidades em Macaíba e Natal/RN), o Centro de Educação Científica

de Serrinha/BA, o Instituto Internacional de Neurociências Edmond e Lily Safra (IINELS) e o

Centro de Educação em Saúde Anita Garibaldi (INSTITUTO SANTOS DUMONT, 2016). Esta última, sobre a qual se desenvolve este artigo, tem por missão

contribuir para a formação de profissionais de saúde capazes de aliar qualificada formação técnico­científica com atitudes ético­humanísticas que os possibilitem exercer a integralidade da atenção à saúde com ênfase na humanização do cuidado e na responsabilidade social (INSTITUTO SANTOS DUMONT, 2016, s.p.).

4 Documento produzido pelas estudantes da graduação de serviço social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte fruto da inserção durante o estágio curricular obrigatório em que constam todas as informações referentes ao processo histórico de constituição do Instituto Santos Dumont e, principalmente o Centro de Educação e Pesquisa em Saúde Anita Garibaldi, espaço de realização do estágio, além dos programas, planos e projetos desenvolvidos na organização e na unidade, entre outras informações.

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Seu objetivo é o de “atuar na formação, desenvolvimento e educação permanente

de profissionais de saúde” (INSTITUTO SANTOS DUMONT, 2016, s.p.) através do

desenvolvimento de ações de ensino, pesquisa e extensão sob a perspectiva das concepções

de responsabilidade social, equidade, qualidade e eficiência.

Dentro os programas, projetos e ações desenvolvidas na unidade, destaca­se a

experiência vivenciada na Arte de Nascer que aborda de forma lúdica através da arte­terapia

temas relacionados ao contexto da saúde reprodutiva com as gestantes de alto risco atendidas

na unidade e seus/uas acompanhantes (ARAÚJO; SILVA, 2016).

A atividade ocorre semanalmente e são abordados temas diversos com a

coordenação dos diversos profissionais de saúde que compõem a unidade através de um

planejamento anual. Dentre essas, a equipe de serviço social, que já abordou diversos temas

relacionado aos direitos sociais e também sobre a violência contra a mulher, configurando­se

assim como um espaço que a profissional e as discentes de graduação e pós­graduação de

serviço social puderam contribuir na perspectiva do fortalecimento da cidadania e na defesa

dos direitos sociais, civis e humanos.

2 A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER E OS MECANISMOS DE ENFRENTAMENTO

Segundo Safiotti (2001), a violência de gênero é uma categoria mais ampla que

engloba a violência contra as mulheres e crianças e adolescentes, estes dois últimos

compreendendo ambos os sexos. Nesse sentido, na reflexão sobre a violência contra a mulher

é necessário considerá­la transversal às discussões de gênero.

Dentro desse debate, a cartilha produzida por Camurça e Gouveia (2004) discute

o conceito de gênero como uma construção social de homens e mulheres, o que diferente,

portanto, das características biológicas masculinas e femininas. Nessa perspectiva, ao falar de

sexo nos referimos aos aspectos biológicos e físicos do macho e da fêmea.

O gênero é uma construção sócio­histórica que parte da percepção das

populações sobre o que é masculino e feminino a partir das diferenciações biológicas e a partir

daí processa­se a ideia de como devem ser as relações entre homens e mulheres, entre as

mulheres e, entre os homens (CAMURÇA; GOUVEIA, 2004).

Historicamente os valores atribuídos ao que é feminino é masculino produzem

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uma relação de oposição, mas também de complementaridade. O processo de

desenvolvimento das sociedades, vem mostrando também que na maioria das vezes há uma

superioridade do masculino (CAMURÇA; GOUVEIA, 2004). Essa relação de desigualdade é

um fator determinante na existência da violência contra a mulher.

Um dos primeiros trabalhos que trouxe a discussão sobre o poder irrestrito do pai,

chefe da família, sobre a organização familiar foi “A origem da família, da propriedade privada

e do Estado” de Engels, no século XIX. Aqui surgia inicialmente o conceito de patriarcado. A

categoria também foi apropriada por uma das vertentes movimento feminista e utilizada para 5

designar as relações desiguais em que os homens têm poder de dominação sobre a mulher

(ALMEIDA, 2010). Essa dominação se expressa no cotidiano tanto na atribuição de

atividades, espaços de convivência e distribuição dos papéis sociais, como também na

violência contra a mulher por entender que ela é propriedade do homem.

Ao tratar dessa temática, destaca­se a análise sobre as implicações dos reflexos

das construções sociais de gênero, identificando a necessidade de enfrentamento que parte

de uma mudança de paradigmas, isto é, do papel social atribuído à mulher e a sua relação de

submissão ao sexo masculino entendendo que “os papéis socialmente construídos como

gênero incluem o modo do sujeito se comportar nas relações consigo e com o mundo, o jeito

de andar, falar, vestir, as atividades desenvolvidas, a escolha da profissão, os gostos e

desejos” (BROCHADO; SOUZA, 2016, p.194).

Dessa forma, os papéis são constructos sociais e políticos que trazem no seu

interior o próprio sentido do conceito de patriarcado enquanto um processo histórico de uma

sociedade marcada por heranças conservadoras, pois “sendo o patriarcado uma forma de

expressão do poder político [...]” (SAFFIOTI, 2015, p. 58), afirmar­se que “não se vivem

sobrevivências de um patriarcado remoto; ao contrário, o patriarcado é muito jovem e pujante,

tendo sucedido às sociedades igualitárias” (SAFFIOTI,2015, p. 63).

Percebe­se assim, marcas do processo de discriminação e subalternidade nas

relações de trabalho que contribuem para a sobrecarga de responsabilidades em que a

mulher divide­se entre as atividades domésticas e o mercado de trabalho.

Trata­se de um processo que contribui para que não se enxergue a capacidade

de equidade de gêneros, contexto que não pode ser dissociado também das questões

étnico­raciais e dos condicionantes relacionados à vulnerabilidade e risco social, que dão

5 A corrente do feminismo radical que tem como principais expoentes as autoras Kate Millet e Sulamith Firestone.

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margem para essas desigualdades entre homens e mulheres. É importante, então,

compreender que há necessidade de mudança nas relações sociais que se constroem e que

incentivam a naturalização da violência contra a mulher.

Segundo o Art. 7º da Lei Nº 11.340/2006, Lei Maria da Penha, que cria

mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher além de dispor sobre

a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e alterar o Código

de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal, são tipificados cinco tipos de

violência contra a mulher: I ­ violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal; II ­ a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto­estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; III ­ a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; IV ­ a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades; V ­ a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria (BRASIL, 2006).

A modalidade doméstica se torna um tema tratado com certa particularidade, pois

acontece no âmbito privado, do lar, se difundindo enquanto uma das mais comuns que vêm

sendo cometidas, na maioria das vezes, pelos maridos/companheiros

(a)/ex­maridos/ex­companheiros (a).

Nesse contexto, segundo dados de 2015 levantados pela Central de Atendimento

à Mulher do Disque 180, foram registrados 749.024 mil atendimentos, em que 76.651

(10,23%) deles foram de denúncias de violência. Já no primeiro semestre de 2016, a central

contabilizou 555.634 atendimentos, em média 92.605 atendimentos por mês e 3.052 por dia.

Desses, quase 68 mil, equivalentes a 12,23% do total, são relatos de violência: 51%

correspondem a violência física; 31,1% psicológica; 6,51% moral; 1,93% patrimonial; 4,30%

sexual; 4,86% cárcere privado; e 0,24% tráfico de pessoas.

Nisso, Saffioti (2015) apresenta que a vítima de abusos físico, psicológicos, morais e/ou sexuais é vista por cientistas

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como indivíduo com mais probabilidades de maltratar, sodomizar outros, enfim, de reproduzir, contra outros, as violências sofridas, do mesmo modo como se mostra mais vulnerável às investidas sexuais ou violências físicas ou psíquica de outrem (SAFFIOTI, 2015, p. 18­19) .

Todavia, a autora apresenta também que em sua pesquisa “nenhuma informante,

que fora vítima de abuso sexual de qualquer espécie, revelou tendência, seja de fazer outras

vítimas, seja de maior vulnerabilidade a tentativas de abuso contra si mesma”.

Partindo dessa análise, percebe não só a necessidade de se pensar práticas/

ações de enfrentamento, como também a própria capacidade de lidar com a superação da

violência, seja por meio de estratégias pessoais ou coletivas, com base na realidade dos

sujeitos. Um meio de desenvolver essa estratégia foi articulado no Centro de Educação e

Pesquisa em Saúde ­ CEPS Anita Garibaldi através do desenvolvimento da arte­terapia e das

atividades sócio­educativas que, quando relacionadas à temática da violência contra mulher,

foi coordenada pela assistente social da unidade.

3 A EDUCAÇÃO POPULAR EM SAÚDE E A EXPERIÊNCIA DA ARTE DE NASCER

O Ministério da Saúde por meio da Secretaria de Gestão Estratégica e

Participativa (SGEP/MS) apresentou em 2012 a Política Nacional de Educação Popular em

Saúde no Sistema Único de Saúde (PNEPS – SUS) que, no contexto do marco regulatório do

Decreto Nº 7.508, configura­se como uma contribuição para o fortalecimento do protagonismo

popular na defesa dos direitos sociais, mais especificamente no campo da saúde (PNEPS,

2012).

A Educação Popular no Brasil surge como um movimento libertário teórico­prático

que tem como princípio ético fortalecer as relações humanas na educação através do

compromisso com as classes populares.Nesse sentido, a Educação Popular é compreendida como perspectiva teórica orientada para a prática educativa e o trabalho social emancipatórios, intencionalmente direcionada à promoção da autonomia das pessoas, à formação da consciência crítica, à cidadania participativa e à superação das desigualdades sociais. A cultura popular é valorizada pelo respeito às iniciativas, idéias, sentimentos e interesses de todas as pessoas, bem como na inclusão de tais elementos como fios condutores do processo de construção do trabalho e da formação (PNEPS, 2012, p. 5).

Sendo assim, nas ações mediadas pela Arte de Nascer são desenvolvidas

atividades educativas que abordam temas diversos relacionados à saúde reprodutiva através

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do incentivo à participação das pessoas colocando as suas vivências e sentimentos como meio

de conduzir as atividades. As ações sempre são coordenadas por algum dos profissionais da

unidade e contam com a participação de discentes de graduação e pós­graduação da

Universidade Federal do Rio Grande do Norte ­ UFRN.

Em 2016 foi realizada uma atividade para discutir a temática com as gestantes do

pré­natal de alto risco e seus acompanhantes. No momento havia a participação da assistente

social da unidade, as duas estagiárias de serviço social, duas assistentes sociais da residência

multiprofissional da UFRN, além dos/as estudantes da residência de medicina, psicologia,

fisioterapia. Como forma de sensibilização para a discussão do dia, planejamos que o primeiro

momento fosse dedicado à dinâmica “às cegas”.

Ela consiste em vendar um dos participantes (do sexo masculino), levar para o

lado externo da sala e ficar girando ele para ficar desnorteado. Enquanto isso, dentro da sala

era avisado que o objetivo da dinâmica era que ele encontrasse um objeto escondido na sala

através das orientações de que caminho seguir dadas pelos participantes presentes. A ideia

era que informássemos direções incorretas e só depois de algum tempo daríamos as devidas

coordenadas. Depois de encontrado o objeto era questionado como o homem se sentiu

durante a brincadeira e o participante, que nesse dia foi um residente de medicina, disse que

ficou perdido. Ao final da dinâmica era explicado que o objetivo real dela era tentar ilustrar

como a mulher vítima de violência se sente: perdida, sem saber em quem confiar e qual

caminho seguir.

Durante a abordagem dos tipos de violência as participantes elencaram as

experiências que já haviam vivido e também trouxeram relatos de pessoas próximas que

vivem ou já passaram por essa situação. Uma das participantes falou que tinha visto no canal

de televisão da Rede Globo a minissérie Justiça e que em um dos episódios ela conseguiu

identificar algumas das formas de violência que tínhamos discutido naquele dia na Arte de

Nascer (a divulgação do vídeo de uma relação sexual entre uma caloura de jornalismo e um

estudante veterano da universidade, o autor do crime).

Em 2017 também realizamos essa atividade, mas dessa vez com a participação,

no planejamento e execução, de uma das enfermeiras da atividade. Dessa vez o participante

do sexo masculino para a dinâmica foi o companheiro de uma das gestantes presentes na

sala. Uma das participantes não se sentiu à vontade com a temática e saiu da sala assim que

apresentamos qual a proposta da atividade do dia, mostrando aí um claro incômodo com a

temática da violência contra a mulher, supostamente porque vivencia. Outra gestante

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conseguiu perceber que a violência psicológica e a moral que estávamos explanando é

vivenciada por uma pessoa da família que constantemente é xingada pelo esposo diante de

outras pessoas.

Sobre isso, a assistente social reforçava que o enfrentamento à violência contra a

mulher deve ser realizada por todos, reafirmando que devemos sim “meter a colher” e

denunciar. Para isso existem os mecanismos como o Disque 180 (para a violência contra a

mulher) e o 190 (principalmente quando a violência está acontecendo naquele momento).

Além disso, é importante destacar a Lei Nº 11.340/2006, conhecida também como

Lei Maria da Penha e a Política Nacional de Atenção à Saúde da Mulher, que prevê dentro de

seus objetivos à promoção da atenção à saúde de mulheres e adolescentes em situação de

violência doméstica e sexual.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante desse contexto, pode­se afirmar que as atividades de educação em Saúde

desenvolvidas no centro de Educação e Pesquisa Anita Garibaldi­CEPS, em Macaíba­RN,

como orienta o Sistema único de Saúde (SUS) por meio do Ministério da Saúde torna­se um

ótimo espaço para desenvolver formas coletivas de resistência e enfrentamento à

problemática, com destaque para o âmbito doméstico. Essa abordagem parte do

entendimento das necessidades das mulheres e seus contextos, considerando a identificação

de suas demandas que perpassam o ciclo da violência, a partir do desenvolvendo de

estratégias de proteção e promoção social na Política de Saúde e no combate a violência de

Gênero.

Dentro dessas estratégias de proteção e promoção às vítimas de violência, tem­se a

Lei Maria da Penha, a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher e demais

avanços legais e também relacionais, como os movimentos sociais, entre eles o feminista, que

impulsiona a luta pela efetivação da garantia dos direitos das mulheres, da igualdade entre os

gêneros e na mudança de paradigmas historicamente determinados por raízes patriarcais.

Conclui­se assim, que trabalhar temáticas voltadas para a educação popular no âmbito

da Saúde de forma lúdica e integrativa através da Arte de Nascer revela­se enquanto uma

estratégia exitosa no esclarecimento e no empoderamento da mulher sobre violência

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doméstica, os mecanismos e percursos que a vítima deverá percorrer na rede de proteção,

bem como a necessidade de mobilização social, pois, um dos maiores desafios está na

naturalização e na culpabilização das vítimas, tornando­se uma grande barreira frente a

efetivação dos direitos e da proteção às vítimas, seja nos espaços públicos e/ou privados. A

essência dessa estratégia de enfrentamento é o desenvolvimento da autonomia das mulheres

no despertar de um olhar mais atento para a violência contra à mulher..

REFERÊNCIAS

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