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Sumário Agradecimentos 7 Prólogo 9 Primeira parte 12 Capítulo 1 13 Capítulo 2 31 Capítulo 3 40 Capítulo 4 61 Capítulo 5 70 Capítulo 6 82 Capítulo 7 89 Capítulo 8 103 Segunda parte 113 Capítulo 9 114 Capítulo 10 123

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Sumário

Agradecimentos 7

Prólogo 9

Primeira parte 12

Capítulo 1 13

Capítulo 2 31

Capítulo 3 40

Capítulo 4 61

Capítulo 5 70

Capítulo 6 82

Capítulo 7 89

Capítulo 8 103

Segunda parte 113

Capítulo 9 114

Capítulo 10 123

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Capítulo 11 131

Capítulo 12 136

Capítulo 13 142

Capítulo 14 145

Capítulo 15 154

Capítulo 16 164

Capítulo 17 171

Capítulo 18 186

Epílogo 192

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Agradecimentos

P rimeiramente a Deus por me ter dado o dom de amar a leitura, e ter permitido que, através desta, despertasse em mim tanto desejo

de levar às pessoas a mesma emoção que muitas vezes senti diante de personagens que nunca mais deixaram de existir dentro de meu coração.

À minha família, que muitas vezes abriu mão da companhia da esposa, mãe, sogra, avó, respeitando o desejo de, por várias vezes, dar prioridade à literatura, pois todos compartilharam do sonho e do dese-jo de um dia tornar isso possível. Grande beijo a todos.

Quero deixar um agradecimento especial a uma pessoa que, mui-tas vezes, nas horas em que eu chorava diante de uma narração triste, ou me alegrava diante de uma parte emocionante, era a ela que eu me dirigia com risos ou lágrimas.

Agradeço sinceramente a um dos protagonistas desta ficção, pois concordou em colaborar, revelando detalhes de sua vida particular, os quais, misturados à ficção, fizeram valer a pena cada palavra aqui escrita.

E, por último, aos nossos governantes, pois, com suas ideias que se tornaram leis, temos hoje no Brasil o Enem e o Prouni, que fizeram com que muitas pessoas simples pudessem sonhar e verem os seus sonhos realizados, podendo fazer parte de uma universidade, o que há bem pouco tempo era privilégio de poucos.

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Essa é uma história fictícia, porém baseada em fatos reais. Foram mudados nomes, agregados fatos e alterados os cenários a fim de se preservar as imagens das pessoas e famílias envolvidas. Quanto à parte fictícia, qualquer semelhança com nomes, fatos ou datas terá sido mera coincidência.

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Prólogo

C hegaram a casa por volta de 10 horas num domingo de inverno ri-goroso, todos enregelados, preocupados apenas em encontrar uma

maneira de se aquecer. Todos se retiraram para os seus respectivos apo-sentos, retornando somente depois, vestidos em pijamas quentes apro-priados para a estação. A senhora Neill logo providenciou algo quente para todos, antes que se preparassem para dormir. Enquanto aguardava o apito da chaleira, verificou todos os aposentos, como de costume. Foi nesse momento que percebeu a luz do telefone piscando, avisando que alguém tentou contato, e reconheceu a origem da chamada. Um sinal de alerta disparou em seu cérebro, pois, pensou, a mãe jamais ligaria em um domingo, nesse horário, pois sabia que não encontraria ninguém em casa, já que todos estariam na igreja.

Quando se assentaram para a última refeição do dia, ela comentou:

— Estranho, tem uma ligação da casa da mami e ela sabe que não nos encontraria!

— Retorne imediatamente, ou melhor, já devia ter retornado – dis-seram pai e filha. – Você sabe que ela só ligaria por um motivo justo.

Então o alerta se intensificou e a refeição ficou esquecida. Correu para o telefone e discou, ansiosa, o numero do telefone da mãe. Ficou tamborilando com os dedos na mesinha do telefone, o que lhe pareceu uma eternidade, até que foi atendida. A mãe tinha seus 85 anos e seus passos já não eram rápidos.

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— Encontrei uma ligação sua quando cheguei, alguma novidade? – perguntou a senhora Neill, certificando-se de que estava tudo bem com a mãe. – Na verdade, temos um problema familiar que não sei nem como lhe dizer, pois estávamos esperando para ver se as coisas se resolviam, não querendo deixar você preocupada por causa da sua saúde. Mas como não tem outro jeito, pois até então só temos informações desencontradas, achei melhor deixar você ciente da situação.

— Por favor, esta me deixando nervosa. Fale logo!

— Pois é. Seu irmão está desaparecido já há alguns dias. Não exa-tamente desaparecido, pois chegam algumas notícias, mas não temos como saber se são verdadeiras.

— Como assim? Se chegam informações, ele não está realmente de-saparecido. É só confirmar com quem dá as notícias.

— Acontece que as informações são desencontradas, nunca conse-guimos saber quem será o próximo a ser procurado para conseguir-mos um retorno imediato. Os seus irmãos não me contam muita coi-sa… Sendo assim, só você falando com a Deise, que é a que talvez possa saber um pouco mais, porque ela é mais chegada ao seu irmão.

— Há quanto tempo isso está acontecendo?

— Ele desapareceu na sexta-feira, antes do dia das mães. Tem mais ou menos uns 20 dias.

— Pelo amor de Deus! E só agora pensaram em me avisar?

— Como lhe disse, tínhamos esperança de que não seria preciso deixar todo mundo preocupado, mas como não sabemos como ele foi parar nesse lugar nem o porquê, uma vez que nem a Letícia nem os filhos sabem o que está acontecendo, é melhor que fiquemos atentos para qualquer coisa. Também não sei muito mais do que isso, mas converse amanhã com sua irmã.

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— Tudo bem, vou procurar saber tudo que puder. Só não entendo como estão esperando todos esses dias sem fazer nada. Alguém já foi à polícia, deram queixa do desaparecimento? A senhora sabe que, depois de 24 horas, a pessoa já é dada como desaparecida? E se houve um sequestro? Sabe como Manaus fica perto da Venezuela? E da Colômbia? Meu Deus, acho que o mundo enlouqueceu e eu fui a última a saber.

— Desculpe, mami, acho que estou me excedendo. – Pensou em dizer á sua mãe que seu irmão sabia demais, o que poderia ser uma carta fácil em mãos erradas, mas preferiu não preocupá-la mais. – Vou tentar dormir, tente dormir também, amanhã é outro dia e com certeza deve haver uma explicação para tudo isso.

— Fico grata por ter me avisado, beijo. Fique com Deus e procure ficar calma.

Mas o que ninguém naquele momento podia prever era o quan-do aquelas vidas iriam mudar. A família inteira precisaria se unir de coração e alma para poder encarar o passado, pois estavam vivendo apenas o começo de uma realidade que não poderia ser mudada, ape-nas encarada de frente e aceita por todos de uma maneira que só com muito amor se consegue enfrentar.

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Primeira Parte

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Capítulo 1

F oi no último dia de abril que começaram a aparecer as primeiras dores, uma experiência bem nova, porem já anunciada. Fraca,

mas perceptível. Tratava-se de algum sinal. Seria seu primeiro filho, e lhe faltava experiência para lidar com a situação, mas jamais deixaria abalar-se por isso, não se entregaria às dores do parto antes que elas fos-sem insuportáveis. Queria deixar tudo muito limpo e organizado para a chegada do seu bebê. Preparou o local reservado para isso, higieni-zou bacias, enfim, reuniu tudo que julgou necessário para a ocasião. Preferiu não preocupar seu esposo e não lhe dizer nada sobre as dores ocasionais, pois provavelmente ele lhe pediria para diminuir o ritmo e uma coisa que Mariah não conseguia era ficar esperando as coisas acontecerem; ela gostava de agir. Por mais dois dias conseguiu fazer com que tudo parecesse normal, porém as dores se intensificaram e ficaram mais e mais constantes até que, pensou ela, agora preciso avisar James para buscar a parteira.

Caminhava mais depressa quando as dores eram menos intensas. Quando surgia uma contração mais forte, caminhava lentamente, res-pirando fundo até a casa da amiga e vizinha mais próxima, que ficava a uns quinze minutos de caminhada. Chegando lá, já com cãibras nas pernas devido ao esforço, Madalena a viu e questionou horrorizada:

— Perdeu o juízo, mulher? Caminhar tudo isso com uma barriga deste tamanho! Logo se vê que não sabe o perigo que corre. Queria ter teu filho pelo caminho?

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— Preciso que alguém chame James para mim. E o único jeito era vindo até aqui para você me emprestar um de seus filhos. Não tenho condições de caminhar ate lá. [O marido estava trabalhando a mais de uma hora de caminhada.] Ele não sabe que estou sentindo dores, do contrário teria ficado comigo.

— Nenê! – gritou Madalena, e o menino surgiu do nada. – Corre logo até a fazenda do Sr. Lúcio e peça ao Sr. James que venha de-pressa.

— O que digo a ele?

— Deixa de perguntar menino, vá logo e fale para ele passar na casa da dona Teresa e trazer ela com ele.

Assim que o menino saiu, Mariah disse, ofegante:

— Acho que esta criança não passa de hoje.

— Há quanto tempo está sentindo dores?

— Desde anteontem, mas não quis deixar James preocupado.

— Não quis que ele se preocupasse e quase tem um filho sozinha? Acho que deveria ter dito a ele, pois correu um risco grande caminhando até aqui.

Nenê, menino esperto, já controlava bem um cavalo apesar de ter apenas nove anos. Pulou logo no lombo de um e saiu em disparada até seu destino. Lá chegando, pulou do cavalo e correu gritando:

— Sr. James, Sr. James, minha mãe disse para o senhor ir para casa, rápido, e levar a dona Teresa junto!

Disse assim, virou e saiu correndo de volta sem dar maiores expli-cações, pois, afinal, era tudo que ele sabia.

Enquanto isso, dona Madalena insistia para que Mariah ficasse aguardando o esposo ali, mas, diante da insistente recusa desta, re-

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solveu ela mesma levá-la para casa. Assim, atrelou um cavalo a uma carroça, colocou algumas almofadas no assento para conforto de Ma-riah, acomodou-a numa posição confortável e fez o caminho inverso, levando a amiga até sua casa e aguardando com ela a chegada do seu marido junto com a parteira. Sabia por experiência própria que o parto demoraria e, então, preparou uma sopa leve e ofereceu à partu-riente, mas, diante da recusa desta, ficou ali oferecendo seu apoio; de tempos em tempos percebia as contrações fortes da amiga devido aos gemidos que esta emitia e lhe falava de seus partos para encorajar a ou-tra. Quando as dores eram menos fortes, conversavam sobre qualquer outra coisa, até que Mariah cansou-se e acabou adormecendo um pou-co. Enquanto isso, fazendo uma peregrinação pela casa, Madalena pôde entender o porquê de ela querer esperar em seu próprio lar; pois ali estava tudo meticulosamente preparado para a chegada da criança. Enquanto verificava as acomodações, se colocou a pensar na grande mulher que repousava no quarto, pois tudo isso, casa muito limpa, enxovalzinho todo costurado à mão e pronto para ser usado, um berço feito pelo próprio Sr. James; panos, toalhas, até alguns medicamentos caseiros, tudo simplesmente arrumado como se ela fosse acostumada a essas situações. Mas não era bem isso. Mariah, uma mulher simples-mente funcional, não deixava de se organizar para tudo. O que lhe faltava devido às condições financeiras, ela simplesmente improvisava, não deixando nada para a última hora.

Enquanto isso, na fazenda, seu James corria enlouquecido até a casa grande onde morava a família do patrão para pedir ajuda. Veio chamando de longe enquanto se repreendia por ter saído de casa na-quele dia; bem que estava com um pressentimento, mas a responsabili-dade com o trabalho às vezes não lhe deixava ver o óbvio.

Percebendo a agitação, saíram todos para ver o que acontecia dei-xando uma mesa posta para o almoço. Na varanda, já viram quem era e logo também adivinharam o motivo. Antes que o Sr. James falasse alguma coisa, seu patrão veio em seu encontro. O Sr. Lúcio tranquili-zou-o, dizendo que não se preocupasse, pois providenciaria para que

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tudo fosse arrumado a fim de que ele pudesse estar com a esposa o mais rápido possível.

Seu Lúcio era um dos grandes fazendeiros da região, conside-rado um homem duro, exigente. Enérgico. Tratava seus funcioná-rios sempre de uma maneira a deixar bem claro quem era o patrão, ou de onde saía o salário, de modo que por alguns era temido, por outros respeitado e por outros até venerado; quando ele se aproxi-mava, as conversas viravam sussurros, as rodinhas se desmancha-vam e todos se punham a trabalhar, em honra, em respeito e até mesmo por medo. Pois ninguém queria ter que correr às fazendas vizinhas relatando ter sido despedido por ele, exatamente porque todos ali conheciam seu outro lado, o lado humano que sabia reco-nhecer um bom trabalhador e, em momentos como esse, não havia dúvidas de que se desdobraria para ajudar. Voltando-se para a família, pediu a todos que voltassem para se alimentar enquanto ele iria pessoalmente encontrar o cavalariça e passar instruções para levar seu James e ficar à sua disposição enquanto precisassem dos seus serviços. Assim que encontrou seu serviçal, instruiu-o para que providenciasse uma carroça e fossem juntos atrás de dona Te-resa, responsável por quase todas as crianças que vinham ao mundo, inclusive por dois dos seis filhos de seu Lúcio.

Chegaram à casa de dona Teresa por volta de uma e trinta mais ou menos, e James vinha muito preocupado, pois ela era uma morena forte, porém seus dias de juventude há muito haviam ficado para trás. Perguntava-se quanto tempo ela levaria para se preparar para acom-panhá-los. O que ele não sabia era que dona Teresa era uma mulher muito sábia e, bastava saber que mais uma criança nasceria por suas mãos, para ansiar pelo momento com alegria.

Tenho mais de trinta filhos – dizia, quando perguntada pelos seus próprios filhos, que já tinham ganhado a cidade grande, cada um buscando um melhoramento para sua própria vida. Mas dona Teresa era cercada e mimada por cada um desses seus rebentos, que muito a

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consideravam, como se terem vindo ao mundo fosse uma coisa que só ela poderia ter proporcionado. Todos a chamavam de vovó Nêga e seu velho coração morria de orgulho.

Também tinha arrastado os pés dias antes até a casa de Mariah para ver como estava a futura mamãe. Essa não ajudou muito, pois não sabia dizer quanto ainda lhe restava, mas, depois de algumas horas de conversa, a sabedoria de dona Teresa lhe fez entender que estava próxima de trazer mais um bebê ao mundo. Portanto, quando chegaram para buscá-la, ela já os esperava. Então partiram logo em seguida, dizendo esta ao marido e à neta – que vivia com eles para servir de companhia devido à idade avançada de ambos – que só vol-taria depois de cumprida essa parte. “Quem sabe será esta a última!”, disse ela. Mal sabia ela que, por suas próprias mãos, ainda haveriam de nascer naquela mesma casa quatro filhas.

Desde a hora em que Mariah chegou à casa de Madalena até que seu marido chegasse em casa passaram-se cerca de três horas. Na casa simples, já havia algumas pessoas prontas para doar um pouco de seu conhecimento, mulheres na cozinha preparavam café, pois sabiam que um primeiro filho não nasce assim muito ligeiro, então enquanto esperavam não lhes faria mal nenhum jogarem um pouco de conversa fora. A agitação não demorou a começar quando se ouviu que, no quarto, a futura mamãe começava a ficar agoniada quando dores fortes lhe vinham, arrancando-lhe a razão. Prepararam então muita água quente e aguardaram o momento em que seriam solicitadas para auxiliar vovó Nêga.

Já tendo ido ver a esposa e despreocupando-a, dizendo que es-tavam todos lá para ajudar, James não conseguia conter a ansiedade, andando de um lado para o outro, tomando várias xícaras de café, mas, como não podia fazer mais do que isso, sentou em uma cadeira em um canto e se pôs a divagar em como era um homem de sorte, em como Deus era bom com ele: conhecera Mariah porque ouvira falar dela, de como era uma bela moça, histórias que fazia de conta não

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ouvir enquanto trabalhava, mas que aguçavam a sua curiosidade. Até que resolveu conferir por si só; tomou a decisão de tentar se aproxi-mar de seu irmão para tentar ganhar a confiança de seu pai e acabou dando certo. Seu Giorgio era um italiano muito bravo e não poderia nem pensar que o real motivo de James gostar tanto de Messias, seu filho, era a possibilidade de vir a conhecer a sua irmã. Recebeu-o em sua casa como um companheiro de trabalho do filho, e ele continuou frequentando a casa, mas nada de conseguir o seu intento. O pai não deixava que as filhas conversassem com estranhos; o muito que ele conseguia ver era quando as irmãs passavam de um cômodo ao outro. Mas ele queria mais do que isso. Um dia, quando já estava saindo para ir embora, Mariah abriu muito pouco a cortina para chamar o pai para o jantar. James olhou para trás e seu coração deu um pulo. Nunca na vida vira olhos tão azuis em um rosto claro com cabelos negros tão intensos. “Devo estar sonhando”, pensou, era a moça mais bonita que seus olhos já haviam contemplado. Seu coração amou-a imensamente e ele soube, naquele momento, que jamais conseguiria viver sem ela; teria que a desposar, sim, teria de encontrar um jeito de ser aceito naquela família e, principalmente, no coração de Mariah. Era um jovem trabalhador e honesto, as únicas coisas que tinha para oferecer, mas era também corajoso, e se era isso que tinha, era isso que ofereceria, só esperava que fosse suficiente; pois, do contrário, como poderia viver sem ela?

Estava tão concentrado em seu devaneio que mal percebia o cor-re-corre das mulheres pela casa. A única coisa de que ele tinha certeza era que não conseguiria mais tomar nem uma xícara de café. Esperou muito pelo dia em que se tornaria pai, teriam um filho lindo com os olhos azuis iguais aos da mãe. Como ele próprio era moreno, vivia sonhando com esse filho que seria uma mistura perfeita de ambos. Foi quando, lá no fundo de seu consciente, ouviu um choro de neném. Acordou, caiu em si. Quantas horas haviam passado? Nossa! Já eram sete horas da noite e ele estava meio que anestesiado, ouviu chamarem

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por ele e então correu para a porta do quarto onde a criança chorava a plenos pulmões. Quando chegou, entregaram-lhe um embrulhinho envolto em cueiros, ainda fazendo o mundo saber de sua existência através do choro e com as mãozinhas aparecendo.

“Pegue, seu James. Hoje o Sr. se tornou pai de uma linda me-nina.” Quando a viu, seu coração se encheu de uma emoção inex-plicável. Aquela criança em seus braços era uma réplica da esposa e olhava para ele como se estivesse entendendo tudo. Um dia, teriam um filho homem; o importante agora era que mãe e filha eram parte de seu universo.

Nunca comentara com a esposa o desejo de que aquela criança fosse um menino. Achava que não precisava aborrecê-la com uma coi-sa dessas, até porque sabia que a vida lhes daria muitas oportunidades. Viviam felizes com a companhia um do outro, e a chegada dos filhos faria com que, gradativamente, essa alegria se estendesse mais e mais. Então como a natureza sempre segue seu curso, seria caprichosa o bastante para realizar o seu desejo na hora certa. Por ora, a vida lhe estava sorrindo e no momento era o bastante.

Todos os dias, quando chegava a casa, corria para junto da filha. Essa estava agora com três meses e já sorria ao reconhecer o rosto paterno; sentava à beira da cama e observava-a por alguns instantes antes de ir para o banho. Quando retornava, Mariah já o aguardava para o jantar. Muitas vezes não conseguiam chegar ao fim de um jantar tranquilo, pois Elaine já sabia que, se chorasse, alguém iria buscá-la, então fazia disso seu momento de glória e acabavam tendo que se revezar para conseguirem terminar o jantar, mas eles não pareciam se incomodar com isso. Terminado o jantar, James sempre cuidava do bebê para que Mariah deixasse tudo organizado para o dia seguinte; então ele se retirava para descansar e, enquanto isso, a mãe colocava a filha para dormir e também ia se aninhar junto do marido para um descanso merecido. Assim, por algum tempo, a vida seguiu o seu cur-so; bastavam um para o outro, a vida para eles e eles para a filha.

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Mariah acostumou-se rápido à nova rotina, tanto que já não fi-cava mais só em casa, sempre organizava seu tempo de modo a poder ajudar o marido na lavoura, levando a pequena Elaine junto; ela dei-xava a filha estendida debaixo de um pé de café, brincando ou dor-mindo, de onde seus olhos pudessem alcançar e trabalhava até umas horas enquanto o sol não ficava muito forte. Depois pegava seu bebê e retornava para casa para cuidar dos afazeres domésticos. Seguiu essa rotina até que a menina completou uns sete meses; então um dia, trabalhando, sentiu-se mal e assentou embaixo de um pé de café, mui-to pálida e suando frio; sua sempre amiga Madalena percebeu algo errado e correu para junto dela; disse a James que continuasse seu trabalho, que ela mesma a levaria para casa. Madalena era experiente e logo suspeitou do que acontecia com a amiga, mas não disse nada, pois podia estar enganada. Porém, menos de uma semana depois, a cena se repetiu. Então comentou:

— Já pensou que pode estar grávida novamente?

— Até pensei sim, mas Elaine ainda é muito novinha e estou ama-mentando ela. Não sei muito a respeito, mas ouvi dizer que, enquan-to estiver amamentando, não tem risco de engravidar.

— Não podemos acreditar em tudo que ouvimos, pois as pessoas são diferentes, o que vale para uma pode não valer para outra. Melhor ficar mais atenta, e se perceber que esse mal-estar se repete, talvez deva diminuir o ritmo, pois pode sim ser um novo bebê.

Suas suspeitas se confirmaram e, depois de trinta e seis se-manas, a casa de Mariah fervia novamente com a expectativa da chegada do novo bebê; mas desta vez James estava mais preparado e aguardava em casa, junto de vovó Nêga e algumas vizinhas curio-sas. Passados os momentos de infortúnio, já mais preparada do que na primeira vez, a nova mamãe pôde contemplar o rostinho da sua segunda filha.

Madalena, sempre presente, pôde ver a felicidade da amiga quan-do esta comentou:

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— Nossa, parece que vou encher este mundo de filhas mulheres! Ainda bem que esta puxou tudo ao pai, se não ele poderia ficar triste.

Enquanto Asenate chorava muito forte, para que todos soubes-sem de sua existência, Madalena respondeu:

— Tenho certeza de que amará essa tanto quanto a outra, sem falar que saiu muito parecida com ele.

Passados os primeiros dias em que todos queriam ajudar de algu-ma maneira, a casa foi esvaziando e a vida voltando ao normal. Infe-lizmente, para Mariah, a realidade tornou-se mais pesada, pois agora eram duas filhas mais o serviço da casa. Tornou-se uma necessidade lavorar com o marido, pois as despesas aumentaram. Ela sentia que deveria ajudar, o que era complicado, porque as crianças eram muito pequenas; tinham um ano e quatro meses de diferença, então se fez necessária uma mudança nas rotinas domésticas. Cuidava das crianças de manhã enquanto também cuidava da casa e preparava o almoço para depois levar tudo para a roça, e trabalhava a tarde toda voltando para casa só à noite, cansada sim, mas jamais reclamava; queixa era uma fraqueza que ela desconhecia. As condições já não eram mais as mesmas, e então ela preparava o que tinha disponível para a refeição noturna e preparava as filhas para dormir enquanto James jantava, para que, quando ele terminasse de jantar, as crianças já estivessem dormindo e ele pudesse ir logo descansar também, pois ele começou a ir mais cedo e voltar mais tarde do trabalho para ganhar um pouqui-nho melhor. Só então, depois que pai e filhas descansavam Mariah deixava a cozinha em ordem, passava algumas peças de roupas e se preparava para dormir. Por mais que estivesse cansada, não deixava de acordar o marido para com ele se sentir mulher, até que a exaustão levasse ambos a um sono profundo e cheio de sonhos. Isso para eles não era vida difícil, na verdade era uma questão de adaptação e tudo seria normal novamente.

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Quando comemoraram o quarto ano do casamento, Mariah já esperava o terceiro filho, mas desta vez não teve uma gravidez mui-to saudável, então não era todos os dias que podia ajudar o marido a cuidar das duas filhas e da casa, pois ficava bem cansada. Várias vezes James se pegava examinando-a, porque percebia que a esposa não se sentia bem, mas como ela se recusava a reclamar e, mais ainda, não queria consultar um médico, ele ficava cada vez mais preocupado, procurando ajudar da maneira que lhe era possível. Mas a constante fraqueza da mulher o estava angustiando, até que, alguns meses de-pois, conversou com seu patrão e lhe pediu para levá-la ao médico. Seu Lúcio designou um dos seus motoristas para isso e, mesmo contra a vontade de Mariah, James decidiu que já esperara demais e levaram-na à cidade mais próxima, deixando as filhas aos cuidados de Madale-na. Esta nunca se cansava de cuidar das pequenas, pois seus próprios filhos já estavam crescidos e ela sentia muita falta de ter crianças em casa. Quando regressaram, já bem tarde, James relatou que Mariah estava com uma anemia profunda e carecia de cuidados, principalmen-te porque já estava entrando no sexto mês de gravidez. Mais uma vez, ter amigos fez toda a diferença, pois, no outro dia, quando a notícia se espalhou, lá estavam eles prontas para estenderem as mãos aos amigos amados por todos. O que poderia ter sido um desastre acabou virando uma alegria, pois se tornou reunião de amigos, todos se revezando nos cuidados com a futura mamãe. (Já nessa época tinham mais vizinhos do que quando lhes nasceu a primeira filha.) Todo cuidado dispensa-do foi vital para o nascimento de Celina, a terceira filha do casal; desta vez, a mãe de Mariah foi para junto da filha e ficou com ela até que passasse toda a quarentena, deixando a casa somente quando a filha se restabeleceu completamente e não corria mais nenhum perigo. De-pois da partida da mãe, Mariah logo tratou de se adaptar novamente à rotina e, aos poucos, as coisas voltaram a ser como antes. Elaine estava agora com três anos e meio e Asenate com dois anos e dois me-ses. Amavam a nova irmãzinha, o que acabava ajudando a mãe, pois estavam sempre por perto.

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Quando Celina completou quatro meses, um dia, ao lhe dar ba-nho, Mariah percebeu uma salienciazinha parecendo uma espinha na orelha esquerda dela. Verificou com mais cuidado, mas, como nada lhe ocorreu, deixou passar sem comentar nada com ninguém e tam-bém acabou esquecendo o problema; como sua vida era muito corrida, dividida entre as filhas, o marido e o trabalho, só voltou a pensar nisso mais de dez dias depois. Então, quando chegou a casa, lembrou-se de verificar para simples desencargo de consciência, mas infelizmente constatou que a espinha tinha crescido e se tornado um pequeno caro-ço. Já então preocupada, resolveu mostrar para o marido, que, por sua vez, tentou tranquilizá-la:

— Acho que não há motivos para preocupação, porque, se ela sen-tisse algum incômodo ou até mesmo dores, provavelmente choraria mais do que o normal.

— Também gostaria de pensar assim – disse Mariah. – Mas não consigo, pois há poucos dias isso era menor e não sei se é preocupa-ção de mãe, mas estou achando ela mais magrinha.

— Isto com certeza é seu cuidado excessivo, pois eu acho que ela está do mesmo jeito. Veja com seus olhos: seu rostinho continua bem cheinho, os olhinhos brilham quando papai chega perto, não é, bebê?

Dizendo assim, James saiu, sem maiores preocupações. Afinal, Mariah sempre exagerava no cuidado com as filhas, pensou consigo, e provavelmente na semana seguinte já não teria mais nada.

Mas, para a surpresa de James, não foi o que aconteceu. Confor-me os dias passavam, o carocinho ia ficando maior. Claro que quase não dava para ver, mas, para os pais, que lidavam com o bebê todos os dias, aquilo já não era mais uma coisa comum; estranho mesmo era a criança não demonstrar nenhum sinal de alerta. Pelo menos aparen-temente, para Celina nada mudara, continuava sendo uma criança alegre e o centro da atenção das irmãs mais velhas.

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Por volta dos sete meses Celina teve a primeira convulsão. Os pais ficaram enlouquecidos, sem saber bem como agir, mas assim como veio passou. Mas então a tranquilidade acabou e continuaram vigiando a filha com mais atenção. Dias depois, uma segunda convulsão, e então souberam que nada mais seria como antes em se tratando da pequena Celina. Logo chegaram também as febres matinais, de que Mariah cuidou até o terceiro dia com medicamentos caseiros; mas, quando o marido chegou em casa à noite, relatou a ele e pediu que conversasse com o patrão para que levassem a menina para ser vista por um médi-co. A essas altura, a criança já estava prestes a completar oito meses e, como não poderia deixar de ser, as pessoas no povoado acabaram sabendo do dilema pelo qual os Aleksander passavam. Estes enfim concordaram em que a menina precisava de cuidados médicos. No ou-tro dia, infelizmente, aconteceu a terceira convulsão, e no dia seguinte saíram ainda no escuro com a criança nos braços ardendo em febre. A cidade mais próxima na qual poderiam conseguir um médico ficava a uns quinze quilômetros, mas, considerando as condições precárias das estradas, o trajeto tornou-se bem mais demorado. A mãe chorava o caminho todo, enquanto James tentava consolá-la com palavras de incentivo que só lhe faziam chorar mais.

À noitinha, os conhecidos e vizinhos, preocupados, vendo que James voltara sozinho e cabisbaixo, aguardaram que o motorista do patrão saísse para enchê-lo de perguntas às quais ele mesmo não tinha respostas; mas explicou pacientemente a todos que Celina precisaria fazer alguns exames; só então o médico poderia dizer o que estava acontecendo. Madalena se propôs a cuidar das meninas enquanto Mariah ficasse na cidade, o que James aceitou, pois não tinha como trabalhar e cuidar das pequenas. Mas, para sua surpresa, quando chegou à fazenda no dia seguinte, seu patrão chamou-o de um lado, ofereceu-lhe uma ajuda em dinheiro e disse que fosse para junto da esposa e da filha porque elas precisavam dele no momento mais do que o próprio patrão. James agradeceu muito a compreensão do patrão e, no dia seguinte, partiu cedo para a cidade.

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Retornaram no outro dia à tarde trazendo Celina com eles. Não demorou para que um grupo de pessoas se reunisse em volta deles, curiosos e preocupados. Logo alguém já pegou a criança e todos en-traram para conversar; porém Mariah fez questão de primeiro colocar a filha para dormir; pois, se eles estavam cansados dos solavancos do ônibus, muito mais estava a pequena. Depois de banhar, trocar e alimentar a filha, deixando-a já quase pegando no sono, foi para a co-zinha, onde o próprio James já havia preparado um bule de café para tomarem enquanto satisfaziam a curiosidade dos presentes. Enquan-to estiveram fora, Alaor, marido de Madalena, foi até o sítio vizinho onde morava Isabela – mãe de Mariah – para comunicar o acontecido. Então esta também se encontrava presente quando da chegada deles. Isabela foi a primeira a falar:

— Por que não me avisaram antes? Já teria vindo para cá pelo menos para ajudar a cuidar das crianças, e vocês poderiam ter levado ela há mais tempo. Pobre criança, como deve estar sofrendo.

— Só há poucos dias que as coisas pioraram e, assim que saiu do nosso controle, procuramos ajuda – respondeu James, que não gostou das palavras da sogra. – Até porque estamos rodeados de amigos e não faltou quem quisesse nos ajudar com as crianças.

— Mas, então, conta para nós o que o médico falou - disse seu Honório, um lavrador chegado há pouco tempo para lavorar com eles, saído da fazenda anterior, pois já era de meia-idade e ficara sabendo que, na fazendo do cafezeiro, o patrão era bem justo com os empregados.

— Ainda não temos muito para dizer, pois o médico precisa ter o resultado dos exames primeiro, para então nos dizer do que se trata; pediu para voltarmos lá daqui a trinta dias para ele nos falar o que foi descoberto e só então poderemos começar a fazer o tratamento. Mas ele nos deu medicamentos para controlar se der febre ou con-vulsão novamente.

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Os dias seguintes foram tranquilos, medicavam a menina e as coisas pareciam se engrenar novamente. Mas a tranquilidade durou pouco, porque logo a medicação já não resolvia mais e as febres come-çaram a ser constantes. Pior, a criança começou a ficar chorosa e era visível que sentia dores. Um dia, quando Celina chorava muito, a mãe resolveu dar um banho nela até para ver se ela descansava um pouco. Foi então que percebeu um cortezinho mínimo que, provavelmente, o médico fizera para colher material para análise. A curiosidade falou mais alta e ela puxou a tampinha do carocinho e expiou. Foi quando descobriu que a parte externa estava intacta, mas, por dentro, se for-mara um buraco oco, fétido e purulento. Entendeu, nesse momento, embora nada comentasse com ninguém, que não criaria a filha. Passou a se dedicar exclusivamente aos cuidados dela, pois não queria que ela sofresse. Não se apartava da criança com medo de, ao voltar, encon-trá-la morta. No dia vinte e seis de agosto, faltando ainda quatro dias para sair o resultado do exame médico, depois de uma forte convulsão e muito desespero dos pais, Celina respirou pela ultima vez nos braços da mãe, aos nove meses e dezesseis dias de idade. Todos que os co-nheciam vieram prestar suas condolências e choravam ao verem a urna branca no meio da sala. Acompanharam quando chegou a hora de enterrar a criança e James saiu à frente, carregando no ombro a urna branca da própria filha, pois não aceitou que ninguém fizesse isso por ele. Seguiram-no até o local onde seria sepultada a criança (na própria fazenda, seu Lúcio destinou um local para esse fim). Ali prantearam mais uma vez antes de enterrarem a filha amada de James e Mariah.

Mariah ficou desorientada e sem chão; chorava muito quase todos os dias. Mesmo as filhas maiores não conseguiam trazê-la de volta à vida normal. As crianças, apesar de sentirem falta, ainda eram muito novas para entender as coisas. Seu marido era um homem bom e com-preendia que ela precisava de um tempo para refletir, pediu que ficasse por uns dias em casa, talvez fosse bom para ela ficar longe das pessoas, que, sem querer magoar, poderiam acabar tocando no assunto.

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Mas os dias se tornaram semanas e depois meses e, apesar de ter entrado novamente na rotina, o semblante triste não abandonava seu rosto, até que um dia James perguntou:

— Existe alguma maneira de apagar essa tristeza que parece não lhe dar um minuto de sossego?

— Talvez se eu saísse um pouco de casa para não ter que ficar ven-do tudo que me faz lembrar ela – disse, colocando em palavras o que já vinha pensando há alguns dias. Mariah gostaria de passar alguns dias com a mãe, mas não quis dizer nada ao marido porque sabia que, embora ele não comentasse, sofria muito pela perda de Celina.

— Se quiser, vá passear um pouco na casa de sua mãe – ele propôs.

— Acho que ficaria preocupada com você aqui, tendo de se virar sozinho.

— Então está combinado. Amanhã venho mais cedo e levo você até a casa dela. Deixe as meninas prontas que, assim, ganhamos tempo, para que possa voltar ainda à noitinha. Não precisa se preocupar comigo, dou um jeito. Afinal, somos nós que precisamos nos ajudar; a vida segue seu curso e cada um está ocupado com seus próprios problemas e estou aqui para que possa contar comigo.

Assim, no outro dia, Mariah partiu com as filhas para a casa da mãe.

Depois de uma semana, quando James ia chegando a casa, já foi recebido pelas duas meninas que saíram correndo ao seu encontro. Estava com saudade delas, mas não queria pedir que Mariah voltas-se, porque queria que estivesse mais feliz quando voltasse. Pegou as meninas, jogou-as brincando para cima e, para sua alegria, a própria esposa veio ao seu encontro e lhe abraçou com um sorriso. Já tinha preparado seu jantar, e todos queriam falar ao mesmo tempo. A família estava novamente junto e a sombra da dor havia diminuído;

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sabiam que nunca esqueceriam, mas tinham de conseguir um jeito de continuarem com suas vidas.

James aguardou um tempo para comunicar sua vontade de ir mo-rar em outro lugar; moravam ali desde o casamento e, embora como homem não admitisse, às vezes se via pensando em como aquele lugar lhes marcara a vida. Claro que foram muito felizes ali, não restava dú-vidas, mas as tragédias pelas quais passaram estavam cravadas a fogo no peito de cada um deles; o medo que sentira de perder a esposa para a anemia crônica e a perda da filha de algum modo tirou-lhe um pouco do ânimo, sugou-lhe um pouco de si mesmo. Só esperaria o momento certo para conversar com a esposa e ver qual era a sua opinião; se ela concordasse, estava determinado a partir, deixando o passado para trás e começando uma vida nova.

Desde quando Asenate tinha sete meses de idade, faziam parte de uma entidade religiosa, se tornaram mais tolerantes e tinham mais facilidade para aceitar os acontecimentos que a vida lhes propunha; tudo o que acontecia, passaram a entender que era a vontade de Deus. Pensando desta maneira, conseguiram encontrar forças, no próprio so-frimento, para experiências futuras. Assim, quando James comentou seu desejo de partir do cafezeiro (nome dado ao condado por causa da imensa fazenda de seu Lúcio, que tinha por exclusividade o plan-tio de café), para sua surpresa, Mariah confidenciou-lhe que já vinha pensando nisso havia algum tempo. Então fizeram um acordo: se fosse para dar certo, então James não deveria deixar o patrão dissuadi-lo. Todos sabiam que, quando o patrão tinha alguém em grande estima – como era o caso do Sr. James em relação a eles –, faria de tudo para conservar o funcionário. No dia seguinte, procurou o patrão e relatou seu desejo de sair do vilarejo. Explicou-lhe seus motivos e suas angústias, confidenciando-lhe que tinha perdido o gosto de continuar morando ali. Seu Lúcio convidou-o a sentar com ele debaixo de um pé de Santa Bárbara muito alto para conversarem com privacidade e então lhe contou uma pequena parte da história de sua vida:

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— Sabe, James, quando me casei, era um moço como você, cheio de vida e expectativas. Meus pais me deram um pé-de-meia e, as-sim, trabalhando com afinco, consegui o que possuo hoje, mas não foi sempre assim. Passei momentos difíceis na vida, sofri perdas também, embora só os mais antigos saibam. Dalva é minha segun-da esposa, a primeira morreu no parto do meu primeiro filho, que também não sobreviveu. Acho que você não percebeu, mas, quando carregava o caixão de sua filhinha, não pude suportar e me ausentei: veio-me a lembrança de que, há trinta anos, eu levava o corpo de meu filho à frente e meus familiares e os da minha primeira esposa vinham logo atrás. Sabe, a gente aprende a conviver com a perda, mas jamais a esquece. Os médicos disseram alguma coisa sobre pressão muito alta, mas eu nem quis saber, não os traria de volta mesmo. Estão enterrados aqui mesmo, e sou sobrevivente desta tragédia. A vida continua, filho, mas se esse lugar marcou demais você, não o pren-derei aqui. Se um dia quiser voltar, terá seu lugar de volta. Trabalhe hoje normalmente e, à tarde, me procure antes de ir embora.

Comentou com alguns a sua decisão. Estes discordavam, mas achavam que só cabia a ele escolher o que era melhor. À tarde, desceu até a casa grande e, chegando lá, foi convidado a entrar. Seu Lúcio o esperava com um envelope na mão. Entregou-o, pedindo-lhe que só abrisse quando chegasse em casa. Não gostava de despedidas, então deu-lhe um abraço e desejou-lhe boa sorte.

Já em casa, depois de comunicar os acontecimentos do dia com a esposa, foram abrir o envelope. Ambos choraram juntos ao ver o que havia no envelope – uma carta de agradecimento pelos serviços presta-dos, mais uma carta de recomendação ao fazendeiro com o qual James demonstrou intenção de procurar trabalho. Finalmente – e o que os fez chorar mais ainda – um acerto em dinheiro (assim dizia o bilhete) para o recomeço.

Na última noite, residindo no cafezeiro, chamaram os amigos para assistirem a um encontro religioso. Todos foram, uns pela amizade, ou-

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tros também pela curiosidade, pois nunca haviam assistido a um culto re-ligioso. Acabou se tornando uma reunião gostosa e alegre, mas também triste pelos amigos que partiriam no outro dia pela manhã. Mas amigos não são feitos para questionar e sim para apoiar, e foi o que fizeram, de-sejando-lhes toda sorte possível. Então, na manhã seguinte, partiram no único caminhão que havia no vilarejo, levando a vida, as filhas, o pouco que possuíam e um coração cheio de felicidade e esperança.