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1 8º Encontro da ABCP 01 a 04/08/2012, Gramado, RS Área Temática: PARTICIPAÇÃO POLÍTICA Representação política e legitimidade: dilemas práticos e conceituais de um estudo de caso 1 Eduardo Moreira da Silva UFMG 1 Uma versão prévia e diferente desse texto foi apresentada no congresso da LASA, em San Francisco, na Califórnia, de 23 a 26 de maio de 2012. Além das alterações realizadas a partir dos comentários de Rebbeca Abers, a quem agradeço, a discussão realizada aqui está mais centrada na dinâmica política do CEDCA, com foco na representação e legitimidade dos conselheiros.

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8º Encontro da ABCP

01 a 04/08/2012, Gramado, RS

Área Temática: PARTICIPAÇÃO POLÍTICA

Representação política e legitimidade: dilemas práticos e conceituais de um estudo de caso1

Eduardo Moreira da Silva

UFMG

1 Uma versão prévia e diferente desse texto foi apresentada no congresso da LASA, em San Francisco, na Califórnia, de 23 a 26 de maio de 2012. Além das alterações realizadas a partir dos comentários de Rebbeca Abers, a quem agradeço, a discussão realizada aqui está mais centrada na dinâmica política do CEDCA, com foco na representação e legitimidade dos conselheiros.

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Resumo: O artigo realiza uma discussão conceitual e uma analise empírica acerca dos fundamentos da legitimidade dos representantes da sociedade civil de um conselho estadual de política setorial. Há uma tensão na literatura pertinente que divide os autores entre àqueles que, de um lado, vêem os fóruns participativos como um espaço de democratização das políticas públicas e, de outro, àqueles que afirmam haver ali a reprodução da desigualdade de acesso ao sistema político ou o locus da representação neo-corporativa de interesses. Na busca de resposta a esse dilema, a primeira parte do trabalho aborda conceitualmente as relações entre a representação política e a legitimidade democrática. A segunda demonstra como as práticas participativas e representativas podem ser melhor compreendidas de forma relacional. A terceira discute a legitimidade dos conselheiros da sociedade civil no caso estudado. Introdução

O principal objetivo deste trabalho é realizar uma discussão acerca do

problema da inclusão política no Conselho Estadual dos Direitos da Criança e

do Adolescente de Minas Gerais (CEDCA-MG). Ele é o responsável pela

formulação e monitoramento das políticas públicas destinadas às crianças e

aos adolescentes mineiros. No entanto, esse público está legalmente impedido,

em função da sua idade2, de ter assento no conselho. Por essa razão os

conselhos da criança e do adolescente diferenciam-se significativamente

daqueles existentes nas áreas da saúde e da assistência social, nos quais há

usuários atuando como conselheiros, ou seja, enquanto representantes do

público beneficiário da política.

De um modo geral, a legislação confere à união e aos estados a

atribuição de financiamento e coordenação da execução das políticas públicas

e os municípios, por sua vez, criam e mantém as unidades de atendimento

responsáveis por ofertar os serviços diretamente à população. Apesar da

importância do nível estadual de governo, na gestão e coordenação das

políticas, ainda existem poucos estudos sobre os conselhos dessa esfera

(CUNHA, 2007; FARIA, 2010; PEREIRA, CÔRTEZ e BARCELOS, 2009;

SILVA, 2010; JARDIM, 2010). Não se sabe, exatamente, quais são as

diferenças na dinâmica do processo político dentro destas instituições no nível

estadual.

2 Embora seja facultado aos adolescentes maiores de 16 e menores de 18 anos o direito de votar lhes é negado o direito político de ser votado. A legislação estabelece a idade mínima de 18 anos para o exercício de funções públicas, como a de conselheiro.

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A literatura indica alguns constrangimentos à participação derivados do

problema da escala, que no nosso caso se expressa na mudança do nível

municipal para o estadual: “a extensão territorial e populacional, a diversidade

de interesses regionais e municipais, a sobreposição de autoridades no âmbito

do Estado, o tamanho da burocracia estatal, as diferenças nos níveis e padrões

de organização social” (DAHL; FARIA apud JARDIM, 2010, p.104). É

importante investigar o impacto dessas variáveis na dinâmica de

funcionamento das instituições participativas (IPs).

Antes da emergência dos conselhos setoriais, as políticas eram

pensadas e criadas a partir da interação entre os governantes e os técnicos

administrativos do poder executivo e do legislativo. Com a inclusão da

participação da sociedade civil e de diferentes atores do governo dentro dos

conselhos, criou-se a necessidade de deliberação no processo decisório,

tornando-se um fenômeno mais complexo e plural. Ele muda a concepção de

legitimidade do processo decisório, porque incluiu novos atores e cunhou um

novo quadro institucional para a formulação e monitoramento das políticas.

Ao mesmo tempo, a dinâmica política dessas instituições deixou em

aberto a possibilidade de exercício da representação e participação políticas. A

primeira acontece porque os conselheiros são geralmente representantes de

organizações do Estado ou da sociedade civil. Por esta razão, Lavalle e Araújo

(2008, p. 12) afirmam que os conselhos como uma instituição política "tem a

particularidade de permitir a representação, não de indivíduos mas de

diferentes coletividades(...)”. A possibilidade de participação de pessoas

comuns nos conselhos, embora reduzida, também está aberta porque as

reuniões são públicas e qualquer pessoa interessada pode estar presente com

direito a usar a sua voz, embora não tenha direito ao voto.

Nesse sentido, é importante analisar a dinâmica de funcionamento dos

conselhos de políticas a partir da inter-relação entre três categorias -

legitimidade, participação e representação. Neste texto, o estudo de caso do

CEDCA-MG, realizado durante dois anos (Nov/2009-Nov/2011), por meio da

técnica da observação participante será a principal fonte de dados e de

articulação entre a discussão teórica geral e a dinâmica das instituições

participativas. Em síntese, o CEDCA-MG foi escolhido como objeto de

pesquisa por três razões principais: 1) ser um conselho do nível estadual, sobre

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o qual ainda existem poucos trabalhos no Brasil; 2) ser o responsável legal por

formular a política estadual destinada às crianças e aos adolescentes, um setor

de política ainda não muito estudado em seu conjunto; 3) a exclusão do público

beneficiário da possibilidade de participar no processo decisório do conselho, o

que pode ser visto como um problema de legitimidade. Para abordar essas

questões o texto estrutura-se em três tópicos.

O primeiro apresenta uma discussão teórica acerca da legitimidade da

representação política nos conselhos. Côrtes (2006) realiza um balanço da

literatura que trata dos fóruns participativos, e identifica dois grandes grupos. O

primeiro, denominado pessimista, desconfia das possibilidades desses fóruns

democratizarem a gestão das políticas públicas e vê com parcimônia a

legitimidade dos participantes, acusando uma assimetria de recursos (políticos

e econômicos) que impede o acesso universal à participação (CÔRTES, 2006,

p.16-7). O segundo grupo, dos otimistas, é mais numeroso e ressalta a

democratização da gestão pública provocada pelo funcionamento destes

fóruns.

A despeito dos autores terem uma visão otimista a respeito dos efeitos

democratizantes e positivos no que toca a noção de governança, eles não

partilham de uma mesma interpretação a respeito da natureza dos fóruns

participativos e de quais são os interesses sociais ali representados. Uma

vertente dos otimistas entende que os fóruns participativos promovem uma

integração da arena pública ao propiciar a expressão dos interesses gerais

defendidos pelos movimentos sociais e organizações civis. A outra vertente de

otimistas concebe os fóruns participativos como o lócus da representação neo-

corporativa de interesses, por incorporar demandas de clientelas e

trabalhadores, ou seja, grupos de interesses que representam demandas

particulares, específicas, e não universais como defendem os autores da

primeira vertente (CÔRTES, 2006, p.17). Partimos dessa polêmica para

organizar o tópico subseqüente à essa introdução.

O segundo tópico aborda a categoria da representatividade ao descrever

as principais características das associações civis que receberam a atribuição

de representar a sociedade naquele conselho no triênio 2010-2012. O

problema central que norteou a construção deste tópico pode ser descrito da

seguinte forma. Dado que a legislação estabeleceu o conselho como instituição

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colegiada e deliberativa responsável pela formulação das políticas estaduais

destinadas às crianças e adolescentes, ele pode ser estudado a partir da

perspectiva da democracia deliberativa. Esta, de acordo com Parkinson (2006),

apresenta uma contradição estrutural em seu principal pilar de apoio, qual seja:

o postulado segundo o qual a legitimidade das decisões deriva da participação

(ou a abertura de sua possibilidade) de todos aqueles diretamente afetados por

elas. No entanto, isto é inviável, porque uma dinâmica deliberativa requer um

processo de interação em pequenos grupos.

Parkinson (2006, p.2) delineia, em seguida, dois problemas derivados

dessa formulação clássica da teoria deliberativa: 1) problema da escala - como

os não-participantes podem conferir legitimidade às decisões tomadas pelo

fórum deliberativo?; 2) problema da motivação - muitas pessoas podem optar

por nunca participar da dinâmica do fórum, apesar de estar dentro do público

diretamente afetado por suas decisões. Nosso objeto de estudo, o CEDCA,

acrescenta um terceiro problema, porque o público-alvo da política - crianças e

adolescentes - está legalmente impedido de participar na formulação de

decisões sobre as políticas cujas ações afetam diretamente suas vidas.

Buscaremos respostas a esse problema a partir da descrição de algumas

características das organizações governamentais e da sociedade civil com

assento no conselho. Em relação à questão da representatividade buscou-se

aferir: 1) o número de municípios, estados e países no qual estão presentes; 2)

as principais atividades desenvolvidas; 3) o orçamento anual disponível para o

desenvolvimento dessas atividades; 4) o grupo específico para o qual a

organização trabalha; 5) se a organização se sente representativa desse grupo;

6) se mantém interação com esse grupo antes ou depois da reuniões do

CEDCA.

O terceiro tópico começa com a descrição do desenho institucional do

CEDCA. Será enfatiza a dinâmica de funcionamento das reuniões plenárias e

de duas comissões temáticas. O objetivo é mostrar como os representantes do

Estado e da sociedade têm desempenhado suas atividades dentro da

instituição, com foco principal nas categorias da representação e da

legitimidade. Ele irá descrever alguns fatos transcorridos durante a realização

da pesquisa, especialmente a partir da fala dos atores da sociedade civil com

assento no CEDCA-MG, para mostrar o que fazem e pensam sobre a

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representação. Parte-se do princípio de que a legitimidade dos conselheiros do

Estado deriva indiretamente do processo eleitoral, uma vez que o governador

é, legalmente, quem tem a autoridade para nomear os representantes do

Estado no conselho. Os membros da sociedade civil são escolhidos através de

um processo específico de eleição entre os pares, isso significa que os

membros de diferentes organizações da sociedade civil são selecionados como

candidatos e como eleitores no processo. O processo eleitoral da sociedade

civil será abordado em mais detalhes adiante.

A participação institucionalizada: o papel dos conselhos na legitimação das

decisões políticas.

A legislação confere aos conselhos a atribuição de formular a política

pública de cada setor, como é o caso CEDCA-MG, responsável pelas políticas

destinadas às crianças e aos adolescentes de Minas Gerais. Para que as

resoluções por ele produzidas sejam legítimas, é necessário que os

representantes do Estado e da sociedade que o compõem sejam dotados de

legitimidade, razão pela qual focamos a atenção nessa dimensão do conselho.

Ao mesmo tempo, a legislação define os conselhos como instituições

deliberativas, por esse motivo, parte importante da literatura tem pesquisado

tais instituições pela ótica da teoria democrática deliberativa.

De uma perspectiva teórica geral, a ação governamental é dotada de

legitimidade, quando ela possui o direito de fazer e impor as leis (BUCHANAN,

1999). Trata-se de um pré-requisito que qualifica a autoridade governamental

do atributo mínimo necessário para estabelecimento da regra a ser expressa

como política pública.

Os estudos sobre os conselhos brasileiros têm se concentrado na

identificação dos atores relevantes para a dinâmica política desses espaços

institucionais, nas decisões que têm sido produzidas por elas, na busca dos

segmentos mais atuantes no processo decisório, no impacto das regras e do

desenho institucional sobre dinâmica das decisões produzidas e, mais

recentemente, nas novas formas de representação política que se viabilizaram

com a criação dos conselhos (AVRITZER, 2007; AVRITZER, 2010; LAVALLE,

HOUTZAGER e CASTELO, 2006; TATAGIBA, 2002).

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No âmbito dos estudos sobre as políticas públicas, realizou-se um

conjunto de pesquisas sobre as diversas formas de participação dos cidadãos

na formulação das mesmas. Assim, passou a ser o foco da atenção a

capacidade desse processo alterar a cultura política e as relações do Estado

com os cidadãos, no Brasil. As variáveis mais privilegiadas passam a ser a

descentralização, as reformas políticas, a autonomia do poder local, e os

impactos dos diferentes desenhos institucionais que viabilizam a participação

política dos cidadãos (HOCHMAN, ARRETE e MARQUES, 2007, p.15).

Na primeira onda de estudos sobre as instituições participativas, ainda

na década de 1990, foi muito comum identificar um grande otimismo dos

pesquisadores em relação à capacidade dessas instituições anularem a

possibilidade de ocorrência de práticas tradicionais da nossa cultura política, tal

como o clientelismo. A aposta desses pesquisadores estava no princípio da

publicidade adotado por elas, em especial os orçamentos participativos,

durante o processo de definição do orçamento público (SILVA, 2007). Como já

mencionado, Côrtez (2006) afirma que essa vertente se subdivide em duas,

pois identificam diferentes interesses representados nos fóruns: gerais

(movimentos sociais e OSC) ou específicos (clientelas e trabalhadores).

É importante destacar que essas alterações no desenho institucional do

Estado transformam também suas bases sociais de sustentação, isto é, a

legitimidade do sistema entendida como um conjunto de regras e normas

destinadas ao ordenamento do convívio coletivo, que são reconhecidas e

obedecidas pelos cidadãos. Em outros termos, a obediência dos membros de

uma coletividade às normas impostas pelo Estado é derivada do grau de

aceitação das mesmas entre eles, ou seja, dos atributos que compõem a sua

legitimidade. A participação da sociedade nos conselhos de políticas públicas é

um desses atributos instituído pela legislação atual.

Rehfeld (2009) é explícito ao afirmar que legitimidade das normas

depende da legitimidade dos processos de escolha dos representantes dos

cidadãos selecionados nas eleições para o exercício das funções de governo.

Transposto para os conselhos, esse argumento remete para a centralidade dos

modos de escolha dos conselheiros, responsáveis por dar vida à instituição que

normatiza os diferentes setores de políticas.

A teoria democrática deliberativa se consolidou ao longo da década de

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1990, com a obra de autores como Joshua Cohen ([1997]2009), Jürgen

Habermas (2003), John Dryzek (2000), James Bohman ([1996]2009), Seyla

Benhabib([1996]2009), Iris Young (2000), dentre outros. É possível afirmar que

ela emerge como uma proposta de revisão dos principais fundamentos de

legitimidade de outro modelo, o da democracia agregativa, descrita

sinteticamente a seguir. A teoria da deliberação democrática, por meio de seus

postulados principais, define um conjunto de procedimentos que, se

observados, são capazes de conferir legitimidade às decisões produzidas pelas

instituições democráticas.

Além do princípio da publicidade mencionado acima, outros relacionados

à teoria democrática deliberativa estão podem estar presentes nas instituições

participativas. São eles: inclusão; igualdade, exposição pública de razões e

opiniões. As reuniões dos conselhos, por exemplo, em geral são abertas à

participação de todos os interessados, portanto, podem viabilizar a inclusão

política de segmentos historicamente excluídos dos processos decisórios. O

postulado principal da referida teoria, é o de que a legitimidade das decisões

deriva da possibilidade de que todos os afetados por ela possam participar

(inclusividade), em condições de igualdade, de sua formulação, ou seja, todos

os participantes do fórum devem estar livres da coerção pelo poder ou dinheiro.

Também deve ser conferida a todos os integrantes do fórum a possibilidade de

expor livremente suas razões e opiniões.

Young se refere também ao princípio da reasonableness para expressar

o conjunto de disposições e abertura dos participantes e não propriamente o

conteúdo de suas contribuições ao debate. Nesse sentido, a reasonableness

se refere a capacidade da pessoa de estar aberta a escutar os outros

interessados em explicar porque sua ideia está incorreta ou inadequada

(YOUNG, 2000,p.338-43).

Na democracia agregativa, tal como descrita por Young (2002), a

dinâmica da democracia é interpretada como um processo de agregação das

preferências dos cidadãos manifestadas no processo de escolha dos membros

do governo e das políticas. “O objetivo do processo de tomada de decisão

democrática é estabelecer quais lideres, regras e políticas melhor

corresponderão às preferências mais ampla e fortemente compartilhadas”

(YOUNG, 2000, p. 285-88, tradução nossa). Uma dimensão central desse

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processo é a competição entre as preferências, a construção de estratégias e

coalizões, e a resposta às pressões. O modelo estabelece que esses

elementos são “abertos e justos, isto é, os resultados tanto das eleições quanto

das decisões legislativas refletem a agregação das preferências mais fortes e

amplamente compartilhadas na população”(YOUNG, 2000, p.293-96, tradução

nossa).

Neste sentido, a teoria deliberativa questiona os dois postulados desse

modelo, ao afirmar que as preferências podem se formar e se alterar durante o

processo deliberativo, ou seja, não são dadas a priori. As decisões, portanto,

são construídas durante o processo de exposição pública de razões e não

apenas por meio da agregação de preferências pré-formadas. Deste modo, o

modelo apresenta um questionamento e uma proposta alternativa acerca dos

critérios de legitimidade dos regimes democráticos, razão pela qual Dryzek

(2010) afirma que o modelo democrático deliberativo teria nascido como uma

teoria da legitimidade. Isso pode ser observado claramente, destaca Dryzek

(2010, p.15), nos dois trabalhos clássicos de Manin (1987) e Cohen

([1989]2009), a partir dos quais se pode afirmar que as decisões coletivas são

legítimas na medida em que todos aqueles que estão sujeitos a elas tiverem

tido o direito, a capacidade e a oportunidade de participar da deliberação na

qual foram produzidas.

Como já foi mencionado acima, Parkinson (2006) afirma que a teoria

democrática deliberativa, na sua versão clássica, apresenta dois problemas

estruturais: o da escala e o da motivação. A saída proposta pelo autor está

centrada na possibilidade de escolha de representantes, preferencialmente

pela via eleitoral, pois teria a capacidade simultânea de conceder uma

autorização dos representados aos representantes, e de tornar os últimos

atentos aos mecanismos de accountability. Eles seriam os responsáveis por

falar e agir em nome daqueles que, embora ausentes do processo deliberativo,

são diretamente afetados e interessados pelos resultados das decisões

produzidas. Na ausência de eleições, seria necessário estimular processos de

criação de mecanismos de publicidade e accountability. A representação seria,

assim, uma possibilidade de viabilizar a legitimidade das decisões produzidas

pelos fóruns deliberativos. Vejamos como ela ocorre no CEDCA.

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A legitimidade da representação no CEDCA-MG.

É possível atribuir a legitimidade dos representantes governamentais,

nos conselhos, mesmo sendo de forma indireta, às eleições, pois são políticos

escolhidos pela população os responsáveis por designar os servidores que irão

falar e agir em nome do Estado nos conselhos. Quanto aos membros oriundos

da sociedade civil o processo de escolha é bem variado, e depende das regras

estabelecidas por cada conselho. Por essa razão, importa investigar e

conhecer um pouco melhor como são escolhidos os conselheiros oriundos da

sociedade, quem são eles e quais as atividades desempenhadas pelas suas

organizações de origem em prol das crianças e adolescentes. Essas

informações são importantes para se enumerar possíveis elementos

componentes da legitimidade desses atores, ou melhor, são indicadores do

envolvimento dos mesmos com as ações de defesa dos direitos das crianças e

adolescentes, que podem ser vistos como indicadores de sua legitimidade.

O processo de escolha dos membros da sociedade civil que compõem o

CEDCA contou com uma participação de um número relativamente reduzido de

OSC, se comparado com o número total delas existentes no Estado3. No último

processo, realizado no final de 2009 para o mandato de 2010-2012, se

inscreveram 36 instituições. Destas, 28 tiveram sua candidatura deferida e

concorreram às eleições. O principal motivo de indeferimento foi a não

comprovação do critério regionalizado, entendido como a presença em, no

mínimo, três municípios do Estado. É importante lembrar que o mesmo edital

selecionou também as instituições que participariam como eleitoras no

processo. Se considerarmos o tamanho do Estado de Minas, bem como o

contingente populacional ali residente, é possível observar que dificilmente

parte da heterogeneidade dos municípios mineiros estaria contemplada no

universo de 28 OSC. Evidentemente é necessária uma análise mais qualitativa

dessas OSC, para saber qual é o porte de cada uma deles, a sua área de

abrangência e atuação, o público atendido, os recursos recebidos, o quadro de

funcionários etc. Alguns desses itens serão descritos abaixo.

3 Apesar de não termos dados específicos sobre o associativismo no Estado de Minas, Avritzer (2002) mostra que só em Belo Horizonte, no período de 1981-1990, foram criadas 1597 associações.

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A observação do processo eleitoral deixou explicita a participação de um

ator muito influente no conselho: a Frente Estadual de Defesa dos Direitos da

Criança e do Adolescente (FDDCA-MG) 4. Membros dessa instituição estavam

presentes no momento de realização da eleição. Eles observaram todo o

processo e, ao final, no momento da contagem dos votos, não apenas tomaram

nota do todos os resultados que estavam sendo divulgados num quadro

branco, na presença de todos os participantes, quanto apontaram um erro na

contabilidade dos votos de uma organização, que foi corrigido imediatamente

no quadro. Nesse sentido, participação e representação acontecem

simultaneamente no CEDCA, razão pela qual sugerimos que essas duas

diferentes formas de ação política sejam compreendidas de forma relacional,

pois há uma interação permanente entre elas.

Alguns elementos do processo de eleição dos conselheiros do CEDCA

podem ser destacados a respeito do princípio da publicidade. Primeiramente,

foi disponibilizado um edital público de escolha das entidades que se

candidatariam às vagas de conselheiro do CEDCA. Além de ter sido publicado

no Diário Oficial do Estado de Minas Gerais de 03 de outubro de 2009, o edital

ficou disponível no site do conselho e da SEDESE, durante um mês. A

realização do processo, em si, também foi aberta à participação dos

interessados. No que concerne às reuniões periódicas do conselho, há um

procedimento rotineiro de disponibilizar, no site da instituição, as atas das

reuniões plenárias. As resoluções produzidas também são fornecidas no site.

Parkinson (2006) sustenta a necessidade de que as instituições

deliberativas tenham caráter decisório apenas se forem compostas por meio de

eleições. Embora o público participante do processo tenha sido muito restrito,

houve um processo eleitoral para seleção das entidades do CEDCA. Quanto

aos mecanismos de accountability, no conselho, parece se restringir às

informações disponibilizadas no site. Há um processo por meio do qual as

entidades que encaminharam os projetos para a instituição recebem um

retorno sobre o resultado. Alguns conselheiros conversam por telefone com os

4 A análise da ação da Frente no CEDCA merecia um artigo separado. Membros dessa

instituição estão sempre presente nas plenárias do período analisado (Nov de 2009 a Nov 2011). No ano de 2012 a sociedade civil assumiu novamente a presidência do CEDCA e o nome foi definido no final do ano anterior em uma reunião realizada na FDDCA. Deste modo, o nome escolhido foi apenas referendado entre os demais conselheiros em reunião realizada no CEDCA.

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representantes das organizações para explicar os motivos da reprovação dos

projetos. Mas no que diz respeito aos assuntos discutidos cotidianamente nas

reuniões plenárias e nas comissões, não foi observado nenhum procedimento

específico do conselho por meio do qual as informações possam chegar aos

possíveis representados5.

O critério regionalizado, entendimento como a presença em pelo menos

três municípios mineiros, permite inferir uma intenção do conselho em

selecionar entidades minimamente representativas das diferentes regiões do

Estado. Há 853 municípios em Minas, e as diversas regiões do Estado são

muito heterogêneas. Dificilmente essa diversidade poderia ser expressa na

escolha das instituições responsáveis por falar/agir em nome da sociedade no

conselho, mas o fato de existir um critério no edital buscando a seleção de

instituições com caráter regional/estadual já representa uma preocupação com

a representatividade dos atores do conselho.

Pedimos aos representantes das instituições no CEDCA para preencher

um questionário com informações características de suas organizações de

origem. Obtivemos a resposta de 18 conselheiros, dentre os quarenta que

compõem o conselho, sendo 6 de órgãos governamentais e 12 da sociedade

civil6. Um primeiro dado importante é que 15 dos 18 conselheiros está

exercendo o seu primeiro mandato, ou seja, a maioria está aprimorando sua

atuação durante essa gestão. Pedimos também aos conselheiros que

indicassem o número de municípios nos quais essas organizações/instituições

atuam.

É possível observar uma dispersão muito grande das instituições em

relação ao número total de municípios em que atuam. Cada uma, dentre nove

5 Além da observação participante e da análise documental da legislação pertinente, atas e resoluções do CEDCA, também realizamos entrevistas com os conselheiros da instituição. Por falta de tempo e espaço decidimos abordar nesse texto apenas algumas notas da pesquisa de campo. No conteúdo das entrevistas, de um modo geral, foi possível observar que alguns conselheiros utilizam diferentes meios para divulgar as ações do CEDCA: e-mail; reuniões; blog; site; redes sociais; mídia (Rede Globo). 6 Os questionários foram enviados por e-mail a todos os conselheiros do CEDCA. Como estávamos presente também nas reuniões plenárias e das comissões, pedíamos aos presentes que ainda não tinham enviado por e-mail para responder nos intervalos das reuniões plenárias ou das comissões. Por essa razão, embora os respondentes correspondam à apenas 45% do total de conselheiros do CEDCA, é possível afirmar que obtivemos os dados daqueles conselheiros realmente presentes nas reuniões no período analisado. Fizemos também um controle da presença dos conselheiros nas reuniões plenárias e das comissões, por meio do qual é possível chegar à mesma conclusão.

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das organizações, está presente no seguinte número de municípios: 3, 4, 9, 12,

24, 28, 50, 99, 120. Apesar de toda a dispersão, 7 das organizações estão

presente em mais de 9 municípios, ou seja, três vezes o número mínimo (3)

exigido pelo edital eleitoral. Além disto, sete das instituições estão presentes

em todos os municípios do Estado. Dentre elas, quatro são secretarias de

Estado com responsabilidades de atuação em todos os municípios e três são

da sociedade civil. Dentre as últimas organizações, duas disseram

desenvolver atividades em outros estados, sendo que uma delas está presente

em outros 4 estados brasileiros e a outra em 14 Estados da federação. A

terceira organização, embora não tenha indicado o número de estados,

também atua em âmbito nacional como está expresso no próprio nome da

organização. Essas três estão presentes também no âmbito internacional,

assim distribuídas: Fundo Cristão para Crianças: 52 países; Kindernothilfe está

presente em 28 países e, por fim, União Brasileira de Educação e Ensino está

presente em 16 países. Trata-se, portanto, de instituições de grande porte e

possivelmente também desenvolvem atividades voltadas para as crianças e

adolescentes em todos esses locais. É possível, portanto, que tenham o seu

trabalho reconhecido internacionalmente.

Outra dimensão importante que aferimos junto aos conselheiros foi o

valor orçamentário anual de suas organizações, com o intuito de verificar a

capacidade que possuem de realizar, com autonomia, ações destinadas às

crianças e adolescentes. Um percentual muito elevado de organizações não

respondeu a essa questão, no total de 8. As demais respostas estão bem

distribuídas num espectro muito variado: R$300,00(1); R$ 5.000,00(1);

R$9.000,00(1); R$32.000,00(1); R$100.000,00(1); R$1.250.000,00(1);

R$1.500.000,00(1); R$3.900.000,00(1); R$ 5.000.000,00(2). Neste sentido, as

organizações variam entre aquelas que desenvolvem atividades em parcerias

com outras instituições responsáveis pelo financiamento e outras que possuem

uma renda financeira bem expressiva, capaz de dar uma autonomia

significativa para as atividades ofertadas ao público infanto-juvenil, como é o

caso das duas últimas que mencionaram um orçamento da ordem de 5

milhões. Quando comparamos as organizações que possuem o maior

orçamento, observamos que ele é bem expressivo se comparado anual valor

gasto pelo Fundo da Infância e Adolescência (FIA Estadual), da ordem de oito

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a nove milhões por ano, como no ano de 2009.

Perguntamos aos conselheiros se as atividades que eles desenvolvem

podem ser classificadas como ações representativas. Sete deles disseram

auxiliar os indivíduos a formular suas demandas para os governos. Treze

conselheiros disseram fornecer informações e documentos que facilitam o

acesso ao governo. Seis responderam que abrem portas para que os

indivíduos possam chegar mais facilmente ao governo. Onze disseram fazer

outras atividades por meio das quais os indivíduos conseguem ter acesso mais

rápido e direto ao governo. Dez disseram representar o interesse de indivíduos

ou grupos no governo. Onze afirmaram desenvolver outros tipos de atividades

representativas. Esses dados mostram que a maior parte das organizações

realiza algum tipo de atividade que busca facilitar o acesso dos indivíduos aos

governos.

No que se refere à representatividade, quinze dos conselheiros disseram

que os membros de sua organização se consideram representativos do grupo

para o qual eles trabalham. Assim, os conselheiros avaliam estar agindo no

melhor interesse dos grupos atendidos por suas organizações de origem. Dez

conselheiros dizem manter interação com os grupos atendidos por suas

organizações antes e depois da realização das reuniões do CEDCA, ou seja,

eles dizem exercer algum tipo de accountability relativo às ações

desempenhadas no conselho. Esse dado é muito importante, pois as crianças

e adolescentes não podem estar presentes para decidir sobre os assuntos

discutidos no CEDCA e que afetam diretamente às suas vidas. Se os

conselheiros estiverem tomando as decisões orientados pelos princípios da

transparência e accountability, podem atenuar as distancias entre

representantes e representados e conferir mais legitimidade aos processo

decisório do CEDCA, mesmo na ausência de amplas eleições para escolha

dos conselheiros.

Young (2000) apresenta uma consideração importante para a pesquisa

em tela, qual seja, a centralidade conferida à sociedade civil na tematização da

exclusão no interior dos fóruns deliberativos. Segundo a autora, a presença da

sociedade civil nesses espaços e sua atitude de abordar o tema da exclusão

podem representar uma forma de se alterar a legitimidade da própria instituição

participativa, pois passa a se ocupar desse problema. Isso fica bem claro na

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atuação de organizações oriundas de regiões com elevados índices de pobreza

do Estado de Minas. Em geral, seus membros vocalizam em nome de suas

regiões de origem e da desigualdade de recebimento de recursos e políticas.

O tópico seguinte visa analisar o desenho institucional de uma instituição

participativa, o CEDCA-MG, a partir dos problemas principais da teoria

democrática deliberativa abordada nesse tópico, quais sejam: a inclusão

política, igualdade, publicidade, uso público da razão e, principalmente, os

fundamentos da legitimidade dos conselheiros da sociedade civil. Além do

desenho institucional do conselho serão apresentados os resultados de uma

pesquisa de campo realizada na instituição, por meio da qual foi possível

observar parte da dinâmica de funcionamento do conselho, incluindo o

posicionamento de seus membros sobre algumas das questões abordadas

nesse tópico.

O desenho institucional e a dinâmica política do CEDCA: participação,

representação e legitimidade.

O CEDCA - MG foi criado pela Lei Estadual nº 10.501 de 17/10/1991,

que o vinculou à estrutura orgânica da Secretaria de Estado do Trabalho e

Ação Social (SETAS). Em 7 de janeiro de 1994 foi criado o Fundo para a

Infância e Adolescência (FIA), que está submetido às deliberações do conselho

estadual. Em 2003 foi alterada a estrutura orgânica da Administração Pública e

o CEDCA-MG passou a ser vinculado à Secretaria de Desenvolvimento Social

e Esportes (SEDESE). Atualmente, está diretamente ligado à Coordenadoria

Especial da Política Pró-Criança e Adolescente (CEPCAD), órgão componente

da estrutura da SEDESE.

São vinte os conselheiros titulares no CEDCA, sendo 10 da sociedade

civil e 10 do governo. Há também 20 suplentes, distribuídos segundo a mesma

divisão anterior. Os representantes do Estado são nomeados pelo governador,

dentre uma lista de secretarias previamente elencadas no regimento interno do

conselho7. A seleção dos conselheiros da sociedade civil é realizada a cada

7 São elas: “a) a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social e Esportes - SEDESE; b) a Sub- Secretaria de Direitos Humanos da SEDESE; c) a Secretaria de Estado da Educação; d) a Secretaria de Estado da Saúde; e) a Secretaria de Estado de Defesa Social; f) a Secretaria de Estado do Planejamento e Gestão; g) a Secretaria de Estado da Fazenda; h) a

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três anos por meio de um edital público, que seleciona as entidades que podem

participar enquanto candidatas e também como eleitoras. Existe paridade entre

os dois segmentos representados no conselho, isto é, os conselheiros iniciam o

processo deliberativo em condições de igualdade.

O CEDCA-MG é composto por quatro instancias: o Plenário, a Diretoria

Executiva, a Secretaria Executiva e as Comissões. O Plenário é a reunião dos

membros do conselho e se forma uma vez por mês. É a instância deliberativa

máxima do conselho. A diretoria executiva é eleita pelos conselheiros e é

composta pelo presidente, o vice-presidente e o secretário geral do conselho,

que são responsáveis pela condução dos trabalhos nas reuniões plenárias.

Está sob a responsabilidade do presidente a elaboração da pauta. O governo e

a sociedade civil se alternam nos cargos de presidente e vice. A Secretaria

executiva desenvolve um conjunto de atividades administrativas que subsidiam

o trabalho dos conselheiros. As comissões temáticas têm a função de discutir

questões específicas e fazer proposições sobre o tema discutido. Até o ano de

2011 existiam quatro comissões no CEDCA: Orçamento e Finanças; Políticas

Públicas; Medidas Socieducativas; Apoio aos Conselhos Tutelares e de

Direitos e aos Fundos da Infância e Adolescência (FARIA, 2010). A partir

daquele ano, sob a gestão de um presidente da sociedade civil, foi criada

também a Comissão de Legislação e Normas (CEDCA, 2011).

Os conselheiros da sociedade civil são escolhidos por meio de eleição

entre pares, para um mandado de três anos. O processo eleitoral é

regulamentado por edital público que estabelece os critérios para a inscrição

das entidades. Podem candidatar as Organizações da Sociedade Civil (OSC)

que tiverem mais de dois anos de existência, que desenvolvam atividades de

promoção, atendimento direto, defesa, garantia, estudos e pesquisas dos

direitos das crianças e adolescentes. Outro pré-requisito é o de que OSC

devem ter atuação regional ou estadual. “Entende-se como atuação regional ou

estadual a atuação da entidade em (03) três ou mais municípios do Estado,

comprovada pelos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do

Adolescente, ou em sua falta, pelos promotores de Justiça(...)(CEDCA,

2009,p.2)” As entidades inscritas podem participar do processo eleitoral como

Polícia Civil do Estado de Minas Gerais; i) a Polícia Militar de Minas Gerais; j) a Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais”(CEDCA, 2011)

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candidatas ou como eleitoras. As 10 entidades mais votadas ocupam as vagas

de conselheiros titulares. As vagas dos conselheiros suplentes são ocupadas

pelas entidades classificadas entre o décimo primeiro e o vigésimo lugar no

resultado do processo eleitoral.

Tanto a análise das atas quanto a observação in loco das reuniões

plenárias permitem afirmar que alguns membros da Frente de Defesa dos

Direitos da Criança e do Adolescente de Minas Gerais atuam como atores

externos ao conselho e alguns fazem uso freqüente da palavra. Embora não

tenham direito ao voto, interferem significativamente na dinâmica das reuniões,

incluindo, por vezes, assuntos que não estavam na pauta. Nesse sentido, é

possível afirmar que tanto membros internos quanto externos ao conselho,

podem fazer uso público da razão durante o processo deliberativo do conselho.

Em princípio, a dinâmica das reuniões viabiliza a inclusão de atores

interessados em participar das mesmas. Dois fatos ilustram o poder de agenda

dos atores desse fórum no CEDCA.

O primeiro deles está relacionado à Escola de Conselhos, que foi criada

por meio de um convênio celebrado entre o Governo do Estado e a

Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) para realizar cursos de

capacitação para os conselheiros tutelares e de direitos em todo o Estado. A

Frente criticou o modo como os cursos estavam sendo realizados e levou o

assunto a diversas reuniões plenárias. O resultado foi a inclusão de um ponto

de pauta específico para discutir a questão em uma plenária extraordinária

realizada em 04/10/2010, quando a Subsecretária de Direitos Humanos do

Estado de Minas esteve presente para prestar esclarecimentos sobre o

convênio e apresentar os encaminhamentos futuros.

O segundo fato está relacionado às medidas socioeducativas. A Frente

de Defesa reuniu-se com diversos gestores do Estado durante dois anos. No

mesmo período, realizou visitas a diversas unidades de atendimento e

internação dos adolescentes que estão cumprindo medidas socioeducativas.

Na reunião plenária realizada no dia 15/06/2010, a Frente apresentou os dados

desse conjunto de reuniões e visitas aos demais conselheiros (CEDCA, 2010,

p.2). Os dados relativos ao orçamento público foram todos retirados do SIAF

(Sistema Integrado de Administração Financeira), sistema oficial utilizado pelo

governo de Minas. Foram detalhados os valores aprovados para o ano e

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percentual executado até o mês de realização da reunião. Um gestor, que é

também conselheiro e estava presente na reunião, admitiu desconhecer os

valores acerca de uma das rubricas apresentadas e disse que verificaria a

possibilidade de otimizar o uso do recurso. Esse ponto mostra a capacidade da

Frente de ter acesso a uma informação orçamentária detalhada o suficiente

para esclarecer o próprio gestor do órgão.

Pelas razões apresentadas acima podemos inferir que a agenda do

CEDCA-MG é pautada por outros atores além dos conselheiros, ou seja, não

basta focar nas atribuições previstas no regimento interno, pois um ator

externo, como a FDDCA teve também a capacidade pautar a ação do

Conselho. Nesse sentido, a perspectiva argumentativa da dinâmica do conflito

social que tem influenciado uma “nova orientação” nos estudos sobre a

definição da agenda tem um potencial analítico importante para o entendimento

do objeto desta pesquisa. Ela “desloca o foco de investigação da ‘condição

objetiva’ dos assuntos públicos estudados para a dinâmica sociopolítica que

envolve a mobilização da atenção e a compreensão pública desses assuntos”

(FUKS, 2000, p.79). A Frente de Defesa, sendo um Fórum que congrega outros

fóruns regionais e OSC de diversas regiões do Estado, se apresenta como ator

diferenciado na dinâmica do conselho, na medida em que permite elucidar

quais seriam os temas principais que estariam na ordem do dia dos

movimentos sociais e das OSC que participam da dinâmica sociopolítica

relacionada às políticas públicas para as crianças e adolescentes.

Outro elemento expressivo do poder da Frente são os momentos de

definição da presidência do conselho, quando cabe à sociedade civil assumir o

cargo, pois existe alternância com o governo. Na reunião realizada dentro do

conselho por todos os membros da sociedade civil, em geral se menciona uma

reunião anterior da qual participaram alguns membros e dirigentes da Frente.

Nessa reunião é indicado um nome consensual para ocupar a presidência do

CEDCA e isso é mencionado no momento em que os demais conselheiros da

sociedade civil estão reunidos para decidir o nome do presidente. Isso mostra a

centralidade da ação da Frente no CEDCA, pois a possibilidade de interferir no

nome que será indicado presidente é algo muito expressivo e importante,

sobretudo porque a atribuição de construir a agenda é da presidência do

conselho.

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Em certo sentido, é possível afirmar que existe participação de outros

atores na dinâmica do conselho. Durante a observação das reuniões da

comissão de orçamento e finanças, os conselheiros discutiram uma questão

importante relacionada com a participação de atores externos. Eles decidiram

que os membros de organizações que apresentassem projetos solicitando

recursos ao CEDCA não poderiam participar nas reuniões das comissões,

quando os conselheiros estivessem discutindo a aprovação ou reprovação do

projeto. Os conselheiros foram unânimes ao afirmar que a presença de um

membro da entidade iria limitar a liberdade de julgamento dos mesmos. Os

representantes das entidades poderiam participar das reuniões plenárias,

quando se lê o relatório produzido pelas comissões e se abre a discussão para

o julgamento dos demais conselheiros.

Durante a observação das reuniões plenárias, também foi possível

identificar a preocupação de alguns conselheiros com o desenho da

representação política praticada pelo Conselho. Dentre as 20 organizações da

sociedade civil com assento no CEDCA, no ano de 2010, 12 delas estão

localizadas na capital do Estado, portanto, 08 são do interior. Os conselheiros

do interior, em geral, agem como porta-vozes de suas regiões de origem,

sendo uma delas a que concentra os maiores índices de pobreza do estado. As

falas desses conselheiros problematizam, em geral, a falta de ações da política

estadual em prol das crianças e adolescentes de suas regiões. Descrevem as

dificuldades enfrentadas no trabalho desenvolvido com escassez de recursos

humanos e materiais. Os demais conselheiros foram sensíveis ao problema e

realizaram a primeira reunião regionalizada do conselho numa dessas regiões8.

Se retomarmos os três sentidos e usos do conceito de representação, tal

como descrito por Parkinson (2006), observamos nas falas dos dois

8 O CEDCA realizou a plenária regionalizada na cidade de Paracatu no dia 18 de novembro de 2010. Acompanhamos a viagem da equipe do conselho até lá. No primeiro dia foram realizadas reuniões com os conselhos municipais das cidades do entorno para uma apresentação geral da estrutura do CEDCA e o esclarecimento de dúvidas. No segundo dia, foi realizada a plenária. A participação dos municípios foi bem reduzida, sobretudo no primeiro dia. No caminho para o almoço um conselheiro da sociedade civil disse dentro do carro: “essa viajem foi muito mal organizada, se eu soubesse que seria assim nem teria vindo”. Outro conselheiro da sociedade civil completou: “eu também só vim por respeito ao presidente, se não tinha ficado em minha casa”. Isso mostra a relevância e os obstáculos colocados à participação em função do problema da escala. O conselheiro do CEDCA que mora na região enfatizou a extensão da dimensão territorial dos municípios como uma das dificuldades de participação dos conselheiros dos municípios vizinhos.

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conselheiros mencionados o segundo dos sentidos da categoria da

representação, qual seja, “[p]ara indicar aquela pessoa que possui algumas

características de uma classe de pessoas”. Enquanto membros de uma

determinada região, os conselheiros buscam chamar a atenção dos demais

componentes do conselho para as necessidades e dificuldades enfrentadas

pelas organizações da sociedade civil que ofertam serviços às crianças e

adolescentes em suas localidades. Eles falam enquanto membros de OSC que

ofertam serviços a um público pouco assistido pelas políticas estaduais. Em

certo sentido, ao problematizar a representação desigual da dimensão territorial

do Estado, os conselheiros estão chamando a atenção para a

representatividade do conselho, isto é, em função de seu caráter estadual a

instituição está realmente sendo representativa de todo o Estado?

Outro conselheiro, proveniente de uma instituição com sede na capital

do Estado, apresentou uma proposta de alteração da representação no

conselho, cujo princípio é bem próximo ao modelo da representação descritiva

proposto por Pitkin ([1967]1985). A SEDESE – Secretaria de Desenvolvimento

Social do Estado de Minas, órgão ao qual o CEDCA está vinculado, formula as

políticas com base numa divisão do Estado em 19 macroregiões. O conselheiro

sugeriu um modelo de representação no qual todas as 19 diretorias regionais

da SEDESE enviassem um membro para participar das reuniões do conselho

como suplentes dos conselheiros governamentais, pois poderiam atuar como

representante daquela região. Ele justifica a sua proposta com base na

necessidade de que todas as crianças e adolescentes do Estado, independente

da localidade em que moram, pudessem ser representadas no conselho. Essa

proposta surgiu após relatar a sua participação na conferência dos direitos da

criança e do adolescente de um município, que contou com a participação de

mais de 500 pessoas. Segundo ele, o sucesso de evento deveu-se ao trabalho

de articulação desenvolvido pelo conselheiro do CEDCA que atua como

representante da região.

É importante resgatar também o argumento de Young (2000) sobre o

importante papel desempenhado pelas ações da sociedade civil em

problematizar as injustiças, em particular, àquelas derivadas das diferentes

formas de exclusão. Segundo a autora, a simples presença das OSC nas

instituições do Estado, entendida como a capacidade de vocalização em prol

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dos grupos excluídos, teria como efeito uma alteração na legitimidade das

regras e das decisões produzidas. Os conselheiros mencionados acima são

provenientes de OSC e suas falas destacadas expressam exatamente essa

preocupação com regiões do Estado excluídas do rol de prioridades das

políticas públicas, com efeitos diretos sobre as crianças e adolescentes desses

locais.

Essas questões nos permitem retomar os problemas de pesquisa

apresentados no tópico anterior. Aos dois problemas teóricos da teoria

democrática deliberativa, Parkinson (2006) oferece uma saída também teórica,

pela via da representação e da legitimidade. Em outros termos, dado o

postulado da teoria democrática deliberativa segundo o qual são legítimas

apenas as decisões que contaram com participação de todos os afetados por

ela e, ao mesmo tempo, a inviabilidade de que isso se realize porque a

deliberação ideal só pode ocorrer em pequenos grupos, a representação é

vista por Parkinson como uma saída viável ao problema da legitimidade. Os

representantes cumpririam o papel de falar/agir em nome dos ausentes, para

que os últimos também possam acatar as decisões como legítimas.

Perguntamo-nos, então, como esses dilemas têm se apresentado na dinâmica

política de uma instituição participativa pesquisada, o CEDCA. Neste, por lidar

com um público legalmente impedido de participar das decisões, em função da

idade9, e por ser uma instituição de âmbito estadual, que visa desempenhar

ações para diversas regiões do Estado, a representação se coloca como uma

necessidade.

Os fatos selecionados como exemplos desse tópico, retirados da

observação das reuniões do CEDCA, demonstram a possibilidade de

combinação de práticas de participação e de representação no interior da

instituição. A combinação de ambas amplia a possibilidade de que diferentes

atores envolvidos com o desenvolvimento de ações destinadas ao público

beneficiário da política possam interferir nas decisões do conselho. Nesse

sentido, a despeito a ausência das crianças e adolescentes no processo

deliberativo, atores ligados a oferta de serviços para esse público, alguns com

9 Os adolescentes, com idade em 16 e 18, pela legislação brasileira têm o direito facultativo de votar, mas não de serem votados. Os conselheiros exercem uma função pública passível de ser desempenhada por aqueles cidadãos que atingiram a maioridade.

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o envolvimento histórico na luta pela defesa dos direitos nesse setor de política

pública, agem como representantes daqueles ausentes e podem conferir

legitimidade às decisões produzidas. O fundamento da legitimidade da ação

desses atores deriva, principalmente, do seu envolvimento com as ações e

serviços ofertados diretamente ao público beneficiário da política e também do

reconhecimento do trabalho desenvolvimento por outros atores da área. Nessa

condição, eles têm condições de julgar as deficiências e potencialidades da

política pública e propor ações de aperfeiçoamento e melhoria das políticas

deliberadas pelo conselho.

A representação possui uma dupla natureza, segundo Urbinati (2011, p.

756-64), pois, de um lado, traz a ideia de alguém sendo autorizado a falar ou

agir para alguém e, de outro lado, a ideia de formar uma vontade unitária que

não existia antes. Nesse sentido, os conselheiros da sociedade civil do CEDCA

receberam uma autorização, ainda que a escolha tenha sido realizada perante

um demos restrito, para falar/agir em nome da sociedade na defesa dos

interesses das crianças e adolescentes. Ao mesmo tempo, a representação

possibilita ao conselho, enquanto instituição, se tornar o pólo centralizador da

ação de diversos atores que trabalham em prol dos interesses das crianças e

adolescentes do Estado. Aos conselheiros, em particular, agir como

representante possibilita a alguns se apresentarem como porta-vozes dos

interesses de crianças e adolescentes de determinada região do Estado. Isto

fica claro na ação de alguns membros do conselho e sua preocupação com o

modo como a representação pode ser aperfeiçoada no interior da instituição.

Considerações finais

Buscamos demonstrar nesse trabalho o modo como as categorias da

participação, representação e legitimidade são importantes e contribuem, se

usadas combinadamente, para a análise das instituições participativas. Estas

foram criadas, no Brasil, a partir das legislações ordinárias responsáveis pela

regulamentação de artigos específicos da Constituição de 1988, relativos às

políticas públicas setoriais. O primeiro tópico do texto realizou uma abordagem

da categoria da legitimidade e da representação, enquanto dimensões

importantes para a compreensão da dinâmica política dos conselhos. A seguir,

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apresentamos alguns dados da pesquisa realizada no período de dois anos

(Nov/2009 a Nov/2011) no CEDCA-MG10.

O estudo de caso e a observação participante foram os procedimentos

metodológicos adotados na presente pesquisa para buscar trilhar a

reconstrução dos caminhos pelos quais a representação no conselho foi

iniciada, formulada e estabelecida. Assim, buscou se focalizar os vínculos

orgânicos dos conselheiros, suas interações em redes sociais, seus vínculos

institucionais e político-ideológicos, os interesses que expressam e sua

inserção sócio-cultural. Tais elementos nos permitiriam enumerar as relações

estabelecidas entre os conselheiros e os possíveis beneficiários da política

pública deliberada no CEDCA. Também, quanto à dinâmica decisória interna

ao próprio CEDCA, o foco esteve no processo de tomada de decisões com

vistas à apreensão do desempenho dos “representantes da sociedade civil”11.

A análise da ação do conselheiro nas reuniões combinada com o levantamento

das relações por ele estabelecidas com pessoas, grupos ou organizações

possivelmente afetados pelas políticas nos permitiria verificar se existe um

público que potencialmente denominaria o conselheiro como o seu

representante legítimo. Foi possível perceber que os próprios conselheiros,

durante o processo deliberativo de aprovação de projetos, buscam informações

sobre o trabalho desempenhado pelas instituições proponentes. Isto mostra

que um dos critérios utilizados para a concessão de recursos às entidades que

encaminham projetos ao CEDCA é o reconhecimento do trabalho da instituição

perante os demais atores da área. Por essa razão afirmamos, no tópico

anterior, que o principal fundamento da legitimidade dos diversos atores da

sociedade civil, com ou sem assento no CEDCA, está localizado no

reconhecimento do trabalho desenvolvido em prol das crianças e adolescentes.

A primeira parte do artigo aborda também alguns elementos da teoria

democrática deliberativa. Parkinson (2006) apresenta um problema estrutural 10 Esse período foi selecionado por ter sido realizada a eleição dos conselheiros da sociedade civil em novembro de 2009, para o mandato do triênio 2010-2012. O objetivo foi observar tanto o processo de autorização dos representantes quanto os dois primeiros anos de desempenho da ação enquanto conselheiro. 11 Na primeira reunião da comissão de orçamento e finanças em que estive presente expliquei aos membros que estava fazendo uma pesquisa sobre a representação em conselhos gestores. Um dos integrantes da comissão chegou atrasado à reunião e sua colega também proveniente da sociedade civil assim me apresentou a ele: “ele faz doutorado em sociologia e está pesquisando a representação da sociedade civil no conselho então, agora estamos sendo monitorados (sic)”.

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dessa teoria que pode ser expresso em duas perguntas: como os indivíduos

ausentes do processo deliberativo podem conferir legitimidade às decisões

produzidas por um fórum que tem impacto direto sobre suas vidas?; como lidar

com a possibilidade de que muitos afetados pelas decisões de um fórum não

queiram nunca participar do processo deliberativo desse fórum?. Ambas as

perguntas se originam do postulado principal da teoria democrática deliberativa

segundo o qual as decisões são legítimas apenas de tiverem sido produzidas

com a participação de todos os indivíduos diretamente afetados por elas.

Parkinson (2006) recorre à representação política como saída viável para esse

impasse da teoria democrática deliberativa.

Young (2000) aborda os problemas derivados da exclusão de

determinados segmentos da população dos processos decisórios no interior de

instituições democráticas. A autora trabalha prioritariamente com as formas de

se problematizar e buscar soluções frente à exclusão de determinados grupos

e indivíduos dos processos decisórios das instituições democráticas. A autora

demonstra como a ação da sociedade civil no interior dos fóruns deliberativos

cumpre um papel de alterar a legitimidade das regras e das decisões quando

ela problematiza a exclusão dos grupos subalternos dos processos decisórios

do fórum.

No segundo tópico passamos à análise do como a representação

política se desenvolve no CEDCA. Descrevemos o processo de escolha dos

conselheiros da sociedade civil e buscamos mostrar como estão presentes

alguns princípios da teoria democrática deliberativa.

Com base nas contribuições teóricas de Parkinson (2006) e Young

(2000) selecionamos alguns fatos provenientes da observação participante das

reuniões das comissões e da plenária do CEDCA, objeto do terceiro tópico do

artigo. Os pontos selecionados e descritos no tópico anterior demonstram a

possibilidade de combinação entre práticas participativas e representativas no

interior do conselho. Embora as regras dispostas no regimento interno do

conselho estabeleçam como critério de participação de atores externos a

inscrição prévia por escrito e a aprovação do plenário, na prática esse

procedimento não é seguido. Durante as observações realizadas os atores

externos puderam fazer uso público da razão, com um simples gesto de

levantar a mão durante a reunião. Diante desse gesto o presidente do conselho

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conferiu a palavra a esses atores. Assim, existe um procedimento informal

capaz de viabilizar a inclusão política dos atores interessados em participar das

reuniões do conselho. Nesse sentido, as reuniões operam também sobre o

princípio da publicidade, pois as reuniões plenárias são abertas à participação

dos interessados. Há um site do conselho para disponibilizar as atas das

reuniões realizadas entre os anos de 2008 e 2012 e também todas as

resoluções publicadas pelo CEDCA até hoje.

Alguns conselheiros oriundos da sociedade civil expressaram suas

avaliações acerca da forma como a representação política acorre no CEDCA.

Apesar de não ser uma preocupação de todo o conselho, um dos conselheiros

proponentes de uma reforma da representação na instituição ocupava a

presidência do conselho quando expressou sua opinião. Assim, não é possível

saber até que ponto estava vocalizando uma opinião pessoal ou se refletia

também a sua interação com os demais membros da mesa diretora. De toda

forma, a fala proferida referia-se tanto ao formato da representação quanto à

legitimidade do próprio conselho, pois visava conferir maior representatividade

a todas as regiões do Estado por meio da presença dos funcionários públicos

das 19 regiões administrativas da SEDESE.

Para finalizar, é importante destacar três elementos. O primeiro é de

ordem metodológica e diz respeitos às contribuições da observação

participante para a apreensão da dinâmica política da instituição.

Principalmente a observação das comissões dos conselhos, ainda pouco

conhecidas pela literatura. Por falta de tempo e espaço não descrevemos aqui

o tramite de alguns projetos das comissões até reunião plenária, mas cabe

destacar que a construção de algumas decisões é realizada também nos

momentos de intervalo, como o lanche e o almoço. Essa dimensão do

processo escapa a uma analise puramente documental dos conselhos. O

segundo é derivado do primeiro e se refere à possibilidade de haver

participação no conselho, quando boa parte da literatura tem caminhado

exatamente no sentido de enfatizar as funções representativas desenvolvidas

por organizações civis no interior dos conselhos. O terceiro relaciona-se aos

fundamentos da legitimidade da ação dos representantes da sociedade civil,

que combina a autorização entre pares conferida no processo de escolha das

instituições, com uma espécie de legitimidade derivada do exercício de ações e

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atividades destinadas às crianças e adolescentes, que está relacionada ao

reconhecimento do trabalho desenvolvido pelas instituições da área.

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