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7 Conseqüências da segregação residencial: teoria e métodos Carolina Flores Introdução Este capítulo propõe um marco analítico e conceitual para a análise dos efeitos que a segregação residencial socioeconômica tem sobre diversos resultados individuais das pessoas que vivem em áreas segregadas. A idéia subjacente é que a experiência individual da segregação socioeconômica, o isolamento e o empobrecimento em termos de uma geograa de oportunidades que a segregação traz, tem efeitos importantes tanto na tomada de decisões como nos resultados esperados dessas decisões. Neste sentido, o efeito da concentração espacial da pobreza, na trajetória de vida das pessoas, é distinto e distinguível do efeito da experiência individual da pobreza. A experiência de viver em bairros onde a pobreza está especialmente concentrada afeta as pessoas de maneira diferente, dependendo da etapa da vida em que elas se encontrem. Por isso, a análise dos efeitos da segregação socioeconômica tem um componente temporal que não pode ser deixado de lado. Por conseguinte, as suposições por trás da estratégia da investigação modicam-se conforme o tipo do efeito que queremos medir. Por exemplo, na análise dos efeitos da concentração da pobreza no desenvolvimento das crianças que experimentam a segregação na primeira idade, os mecanismos que fazem com que o espaço “importe” são diferentes dos mecanismos que operam no efeito da segregação na situação de trabalho dos adultos. Existe também um efeito cumulativo que multiplica o efeito negativo da concentração

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7Conseqüências da segregação residencial:

teoria e métodos

Carolina Flores

Introdução

Este capítulo propõe um marco analítico e conceitual para a análise dos efeitos que a segregação residencial socioeconômica tem sobre diversos resultados individuais das pessoas que vivem em áreas segregadas. A idéia subjacente é que a experiência individual da segregação socioeconômica, o isolamento e o empobrecimento em termos de uma geografi a de oportunidades que a segregação traz, tem efeitos importantes tanto na tomada de decisões como nos resultados esperados dessas decisões. Neste sentido, o efeito da concentração espacial da pobreza, na trajetória de vida das pessoas, é distinto e distinguível do efeito da experiência individual da pobreza.

A experiência de viver em bairros onde a pobreza está especialmente concentrada afeta as pessoas de maneira diferente, dependendo da etapa da vida em que elas se encontrem. Por isso, a análise dos efeitos da segregação socioeconômica tem um componente temporal que não pode ser deixado de lado. Por conseguinte, as suposições por trás da estratégia da investigação modifi cam-se conforme o tipo do efeito que queremos medir. Por exemplo, na análise dos efeitos da concentração da pobreza no desenvolvimento das crianças que experimentam a segregação na primeira idade, os mecanismos que fazem com que o espaço “importe” são diferentes dos mecanismos que operam no efeito da segregação na situação de trabalho dos adultos. Existe também um efeito cumulativo que multiplica o efeito negativo da concentração

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da pobreza nos indivíduos que fi cam constantemente expostos a ambientes segregados.

Os problemas metodológicos que surgem na tentativa de distinguir en-tre os efeitos da pobreza com relação ao bairro, ao indivíduo ou ao domicílio chamam a atenção para a necessidade de implementar uma estratégia de análise múltipla, que resgate todas as dimensões do problema. As metodologias quantitativas podem ser bastante úteis para dar-nos uma idéia da magnitude e da direção do efeito da concentração espacial da pobreza na vida das pes-soas. Entretanto, elas não resgatam o elemento subjetivo que identifi ca cada bairro e cada maneira de usar o espaço. Neste artigo, faço uma revisão das metodologias quantitativas mais importantes para a análise das conseqüên-cias da segregação residencial. Sem dúvida, proponho ser necessário realizar estudos que combinem metodologias tão quantitativas como qualitativas, para que se tenha uma idéia mais completa do problema.

Este capítulo compõe-se de quatro partes. A primeira apresenta uma breve descrição das teorias principais que afi rmam que o espaço importa e, mais ainda, que a experiência da segregação residencial ou pobreza concen-trada em termos de bairro tem efeitos distinguíveis na tomada de decisões e nos resultados que os indivíduos conseguem nas diferentes etapas de vida. A partir desta revisão, proponho – na segunda parte – um marco de análise que permita guiar a análise das conseqüências da segregação. A terceira parte apresenta o marco conceitual das metodologias quantitativas mais importantes para a análise das conseqüências da segregação residencial nos resultados individuais. Essas metodologias pretendem medir, respectivamente, os proces-sos de heterogeneidade e da dependência espacial. Uma dessas metodologias – os modelos multiníveis referentes à heterogeneidade espacial – é ilustrada na Parte 4, mediante uma estimativa dos efeitos da segregação residencial nos resultados educacionais das crianças de educação primária.

Marco teórico: os efeitos da segregação socioeconômica

Quatro grupos da investigação sustentam a hipótese de que o espaço “importa” para os resultados do mercado de trabalho: a teoria dos efeitos do bairro, a perspectiva da geografi a de oportunidades, as teorias de gênero e as teorias da aglomeração. As três primeiras consideram o espaço um fa-tor algo restritivo para certos grupos, sobretudo para as minorias raciais e para as mulheres, ao passo que as teorias da aglomeração acentuam o papel do espaço como “facilitador” dos contratos no mercado de trabalho. Neste artigo, gostaria de resgatar as três primeiras teorias que, julgo, iluminam a investigação sobre os efeitos que a segregação socioeconômica pode ter nos resultados individuais das pessoas que experimentam a segregação.

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Efeitos de bairro

As teorias dos efeitos do bairro analisam qual o efeito fi nal que a ex-

posição aos ambientes segregados, de maneira prematura ou durante os anos

de formação, tem sobre crianças e jovens. O desenvolvimento das crianças e

jovens não pode ser estudado sem considerar o contexto no qual o indivíduo

atua. Na prática, entretanto, a investigação concentrou-se no contexto mais

próximo – família e escola –, ao passo que o contexto espacial do bairro foi

sistematicamente deixado do lado (BROOKS-GUNN et al., 1993). A idéia central

das teorias do efeito do bairro é que existem certos processos sociais ligados

ao espaço que causam efeito no processo do desenvolvimento das crianças e

jovens expostos a uma situação de pobreza espacialmente concentrada.

Em outras palavras, as teorias dos efeitos do bairro propõem que as

características dos bairros “trespassam” a experiência individual por meio de

certos mecanismos (JENCKS; MAYER, 1990). O primeiro mecanismo rela-

ciona-se ao processo da difusão de comportamentos entre um indivíduo e

outro. Este processo do “contágio” funciona através do assim chamado “efeito

de pares” e propõe que a concentração de comportamentos não funcionais

(inatividade, deserção escolar e gravidez adolescente), associada a uma situa-

ção de concentração espacial de pobreza, tende a aumentar a probabilidade

de que uma pessoa constantemente exposta a essas condições apresente

também comportamentos não funcionais. A hipótese da “epidemia” afi rma

que o fator mais importante no desenvolvimento do comportamento infantil

é a infl uência dos pares (JENKS; MAYER, 1990). Bairros onde a pobreza se

concentra concentram também problemas de disciplina e condutas de risco

– vício de drogas e crimes –, atitudes legitimadas entre as crianças, que são

contagiadas na medida em que desenvolvem a própria identidade e passam

do comportamento mais funcional para o de maior êxito na escola.

O segundo mecanismo é conhecido como processo da socialização

coletiva, pelo qual os adultos da comunidade atuam como “modelos de rol”

inspirador para os membros mais jovens. Adultos bem-sucedidos passam

aos jovens valores associados à produtividade e ao êxito, possibilitando

que as crianças e jovens possam “visualizar” o próprio êxito no futuro. Por

isso, uma alta taxa de desemprego no bairro é sinal de que as crianças

e jovens crescem sem ter um modelo do rol adequado para uma inclusão

posterior bem-sucedida no mercado de trabalho (WILSON, 1987). A idéia

é que o isolamento e a concentração da pobreza caminham passo a passo

com altas taxas de desemprego entre a população adulta (WILSON, 1987),

debilitando o sistema de expectativas e metas e a exposição das crianças

à cultura do trabalho. Esta hipótese concentra-se também na importância

da proximidade entre as gerações, ou no grau de supervisão ativa das

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crianças pelos adultos da comunidade – não necessariamente por seus pais (SAMPSON; MORENOFF; EARLS, 1999). O capital social (COLEMAN, 1990)1 explica e apóia a efi cácia coletiva,2 ou o papel da supervisão por parte dos adultos com relação às expectativas compartilhadas e ao compromisso ativo desses adultos da comunidade de controlar e educar as crianças. Segundo esta hipótese, as fontes do capital social que dependem do contexto da comunidade são analiticamente diferentes e não menos importantes do que as relações mais próximas observadas dentro do domicílio e da família (SAMPSON; MORENOFF; EARLS, 1999).

Finalmente, a teoria do efeito do bairro argumenta que o espaço afeta os resultados individuais das crianças por meio do processo de socialização institu-cional. Este processo enfatiza o efeito exercido pelos adultos que pertencem às instituições que servem às comunidades segregadas. Os professores, diretores da escola, entidades locais etc. e suas práticas institucionais, afetam as crian-ças pelo modo como avaliam suas capacidades e a dos adultos da comunidade (BAUDER, 2001). As práticas institucionais diferenciam-se de comunidade a comunidade. Os adultos, nestas instituições, usam critérios distintos de fun-cionalidade baseados na interpretação dos atributos culturais e do potencial de seus “clientes”. Por exemplo, crianças pobres em áreas segregadas serão consideradas não funcionais para a educação universitária e, por este motivo, socializadas como tal, ao passo que as crianças em bairros mistos ou integrados serão pressionadas, pois as oportunidades disponíveis merecem o esforço.

Esses três mecanismos anteriores têm a ver com o efeito das redes sociais locais – pares, adultos no bairro, e adultos em instituições de bairros − no desenvolvimento infantil e juvenil. Um quarto mecanismo refere-se às condições objetivas da vida em áreas onde a pobreza é um problema ge-neralizado. A concentração espacial da pobreza representa um limite para as oportunidades de acumular riqueza por meio da avaliação da propriedade (RUSK, 2001). O preço da terra nas áreas segregadas tende a aumentar com velocidade menor do que em outras áreas, desfavorecendo a acumulação da riqueza das famílias em áreas segregadas.

Um segundo grupo de modelos conhecidos como modelos da pobreza relativa, sugere que a segregação socioeconômica não tem motivo para ser negativa em relação ao desenvolvimento infantil e juvenil. Esta hipótese as-

1 O capital social é uma forma de organização que surge quando as pessoas formam a estrutura das relações que facilitam a ação, “tornando possível as conquistas de certos fi ns que na sua ausência não seriam possíveis” (COLEMAN, 1990 p.300).2 A efi cácia coletiva é defi nida como “uma coesão entre residentes combinada com as expectativas compartilhadas do controle social do espaço público e do desejo de intervir em nome do bem comum (SAMPSON; MORENOFF; EARLS, 1999; SAMPSON; RAUDENBUSH; EARLS, 1997). A efi cácia coletiva é um constructo específi co de tarefa que se relaciona com as expectativas compartilhadas e com o compromisso mútuo dos adultos no apoio ativo e no controle social das crianças (SAMPSON et al., op. cit.).

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sume que os indivíduos avaliam suas capacidades, ao se compararem com outros indivíduos próximos. A heterogeneidade em uma comunidade levanta “o véu da ignorância” (RAWLS, 1971), sob o qual ninguém sabe o seu lugar na sociedade, sua classe ou seu status. Sob este véu, ninguém avalia a exten-são da própria fortuna no aquinhoamento de recursos naturais, habilidades, inteligência, força etc. (RAWLS, 1971, p.35). Segundo este argumento, as condições para a vida social justa podem ser planejadas somente quando os indivíduos localizam-se em uma posição original e sob o “véu da ignorância” De forma semelhante, as crianças julgam suas capacidades acadêmicas ao se compararem com seus pares. Deste modo, as crianças em situação de pobreza terão um melhor conceito de si mesmas, mais auto-estima e melhor rendimento se estiverem rodeadas de crianças semelhantes, que não apre-sentem evidências de desvantagem socioeconômica.

Geografi a de oportunidades

Outra abordagem para a qual o espaço “importa” refere-se à perspectiva da geografi a de oportunidades (GALSTER; KILLEN, 1995). Esta aproximação é uma generalização dos argumentos propostos por W. J. Wilson, em seu tra-balho pioneiro The trully disadvantaged (1987), e busca relacionar o processo de tomada de decisões ao contexto geográfi co dos indivíduos. Esta hipótese propõe que existem variações tanto objetivas como subjetivas ao processo de tomada de decisões e às restrições propostas pelo espaço. A estrutura, qualidade e acesso a oportunidades – sistemas sociais, mercados e insti-tuições – variam objetivamente entre uma área e outra. Ao mesmo tempo, os valores, aspirações, preferências e a percepção subjetiva sobre os resultados potenciais da tomada decisões são infl uenciados pela rede local social e, por este motivo, também variam geografi camente.

Geografi a objetiva de oportunidades

O espaço “importa” porque afeta a distribuição objetiva da estrutura de oportunidades. Essa hipótese foi amplamente estudada pela teoria do desajuste espacial no mercado de trabalho, mas foi estendida ao estudo das barreiras espaciais do acesso a outras oportunidades como a educação (PACIONE, 1997), a saúde e o crime (GALSTER; KILLEN, 1995).

A teoria do desajuste espacial no mercado de trabalho argumenta que as diferentes taxas de desemprego entre uma área e outra da cidade explica-se pelo desajuste espacial da localização das fontes de emprego. Nas cidades norte-americanas, é um padrão comum que as minorias localizem-se no centro da cidade, enquanto o crescimento das fontes de emprego concentra-se prin-cipalmente nos subúrbios. A teoria do desajuste espacial (KAIN, 1968; 2004), sugere que o distanciamento crescente entre as oportunidades de emprego e

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o local de residência de minorias desfavorecidas seja um fator importante na alta avaliação da taxa do desemprego desses grupos, em comparação com o desemprego dos grupos mais favorecidos.

Identifi caram-se três mecanismos possíveis mediante os quais se opera o desajuste espacial no mercado de trabalho. Em primeiro lugar, ar-gumenta-se que o distanciamento espacial entre a oferta e a demanda pelo emprego implica tempos de viagem mais longos, retirando o incentivo da oferta de trabalho em aceitar empregos nas áreas suburbanas, uma vez que o salário líquido, descontando-se o custo do transporte, seria menor que o salário mínimo pelo qual a pessoa estaria disposta a trabalhar (IHLANFELDT; SJOQUIST, 1990; STOLL, 1998).

A segunda hipótese, que explica o desajuste espacial no mercado de trabalho, é a discriminação ou o estigma; os empregadores teriam precon-ceitos com relação a quem contratam (KAIN, 1968; LEONARD, 1984), sejam trabalhadores de minorias raciais, sejam os de classe socioeconômica mais baixa. A concentração espacial de minorias e o estigma, ou discriminação, no momento do contrato, explicaria os diferenciais de desemprego entre as zonas segregadas e não segregadas.

Finalmente, a terceira hipótese que possibilita este desajuste espacial no mercado de trabalho refere-se às assimetrias da informação para a busca por emprego. O argumento é que, em geral, os caminhos informais da informação são o meio mais efi caz de procurar emprego. A população desfavorecida ten-deria a usar mais as vias formais (HOLZER, 1987); portanto, não conseguiria a mesma quantidade de informação sobre a existência de oportunidades do emprego em áreas afastadas onde residem pelo fato de essas áreas não serem divulgadas formalmente.3

Geografi a subjetiva de oportunidades

O contexto do bairro desempenha um papel importante na determinação da geografi a subjetiva de oportunidades. As normas dominantes do grupo, valores e padrões de conduta aceitáveis para as crianças e jovens variam de bairro para bairro. Por este motivo, o tipo da informação conseguida por um indivíduo varia de acordo com sua posição no espaço. A percepção subjetiva do indivíduo que toma decisões sobre a estrutura de oportunidades sobre a qual deve decidir será criticamente afetada pela informação disponível, que

3 Este argumento foi inicialmente apresentado para cidade norte-americanas, onde a população defavorecida é constituída por minorias raciais e étnicas. O fato de que os pobres usam principalmente as vias formais para procurar emprego é discutível no caso latino-americano. Em todo o caso, pode-se argumentar que as redes informais da população pobre são menos adaptadas para a pesquisa do emprego que as redes disponíveis para a população não pobre. Por este motivo, os efeitos são iguais.

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cria um fi ltro da percepção por meio do qual as oportunidades são entendidas e avaliadas (GALSTER; KILLEN, 1995).

Este fi ltro da percepção das oportunidades disponíveis – que restringe as oportunidades realmente acessíveis – forma-se graças à informação proveni-ente de duas fontes principais: os meios de comunicação de massa e as redes locais sociais (família, vizinhos, amigos, grupo de pares, instituições locais formais como clubes, associações, organizações religiosas etc.). Essas redes locais desempenham um papel fundamental na socialização dos indivíduos e na criação da geografi a subjetiva de oportunidades, ao fornecerem a informa-ção e estabelecerem parâmetros para a avaliação da citada informação. Além disso, as redes locais podem reforçar ou invalidar certas normas e valores e atuar diretamente nas aspirações dos jovens (WILSON, 1987).

Em síntese, as redes locais cumprem um papel na informação. Se hou-ver mais vizinhos empregados, é mais provável que existam no bairro mais fontes de informação sobre vagas de empregos; se houver mais vizinhos dependendo do Estado, mais informação sobre subsídios; se houver mais vizinhos em atividades ilegais, mais informação sobre crimes. Esta informação é transmitida de um modo “destorcido”, fi ltrado pelas experiências, valores e aspirações daquele que transmite a informação. Ao mesmo tempo, a recepção da informação é avaliada conforme as experiências e aspirações do receptor. Essas aspirações são determinadas pela realidade do bairro como o isola-mento social que conduz à segregação residencial (KAZTMAN, 1999), que se traduz em decisões particulares e em determinado uso do espaço (GOTHAM; BRUMLEY, 2002; SARAVI, 2004).

Perspectiva de gênero

A perspectiva do gênero apóia o argumento de que o acesso às oportuni-dades – sobretudo de emprego – refl ete-se de maneira diferente no espaço circunscrito a homens e a mulheres. É possível argumentar que a formação da geografi a subjetiva de oportunidades é diferente para homens e para mulheres, ao passo que os modelos predominantes no contexto de bairro estabelecem normas do comportamento e um processo de tomada de decisões diferente para ambos os grupos.

A linha da investigação mais desenvolvida, nesta perspectiva de gênero, busca entender como a tomada de decisões de trabalho de homens e mulheres se manifestam no espaço. Existe evidência de que as mulheres tenderiam a preferir fontes do emprego mais próximas de seus domicílios, ao passo que os homens estariam dispostos a cobrir distâncias maiores em busca de melhores trabalhos (HANSON; JOHNSTON, 1985; HANSON; PRATT, 1995; MADDEN, 1981; MADDEN; WHITE, 1983; WHITE 1986). Em outras palavras, as oportunidades do emprego para homens têm menos restrições espaciais

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do que as oportunidades de emprego para mulheres, mais subordinadas às redes locais. Este desequilíbrio espacial de oportunidades de emprego pode se dever ao fato de o trabalho das mulheres ser considerado secundário, comparado ao trabalho do chefe da família (SINGEL; LILLYDAHL, 1986).4 Os outros sugerem que as mulheres sejam espacialmente mais limitadas por arcarem com mais responsabilidades domésticas e criarem os fi lhos (WHITE, 1986), o que foi comprovado para os casos em que tanto o homem como a mulher são profi ssionais (HENDERSHOTT, 1995). Madden (1981) argumenta que a diferença na disponibilidade de transladar-se deve-se ao fato de as mulheres receberem salários menores do que os dos homens, o que faz o custo do translado tornar o emprego menos atraente para as mulheres do que para os homens. No caso de zonas segregadas, um dos motivos mais importantes pelos quais as mulheres tenderiam a fi car mais limitadas do que os homens para as oportunidades locais de emprego diz respeito a estarem vulneráveis a se tornar vítimas de crimes associados ao uso do espaço em horários diferentes (RAPAPORT, 1994). Os locais são percebidos como mais perigosos ao cair da noite (GOTHAM; BRUMLEY, 2002), razão pela qual uma duração mais longa para a viagem signifi caria exposição em áreas identifi -cadas como perigosas na hora da utilização.

É importante acentuar que várias investigações concluíram que a dis-ponibilidade feminina para “deslocamentos” a lugares mais distantes para trabalhar é mais restrita apenas para mulheres que não pertencem às mino-rias étnicas. De fato, McLafferty e Preston (1991; 1992; 1996) pensam que a menor propensão das mulheres para procurar trabalho longe do domicílio não se aplica nem a mulheres que pertençam aos grupos minoritários da população.

Sem dúvida, a evidência baseada no experimento natural permitido por um programa de reassentamento, em Glasgow, permite concluir que, depois de relocados, os homens têm mais facilidade de encontrar novo emprego do que as mulheres (KASPER, 1973; 1986). Esta evidência é interessante no que se refere à conclusão de que os resultados no mercado de trabalho, para as mulheres, dependem principalmente da quantidade e qualidade das oportunidades locais.

A segregação residencial tenderia a afetar de maneira diversa as opor-tunidades de trabalho dos homens em relação às das mulheres. É possível que as oportunidades de locais de trabalho sejam mais escassas nos bairros segregados do que nos não segregados, onde afetariam mais as mulheres

4 Este argumento, por exemplo, não seria então aplicável aos lares onde a mulher fosse a chefe da família, ou deixaria de ser válido nos casos em que o homem estivesse desempregado.

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que os homens. Por outro lado, a menor quantidade de informação local sobre fontes de emprego afetaria os homens com maior intensidade.

Marco analítico

As teorias dos efeitos dos bairros, conjuntamente com a teoria da geografi a de oportunidades, chamam a atenção para o caráter transitório do efeito da segregação nos resultados individuais das pessoas. Galster (1992) propõe, em sua Teoria da “Causa Acumulada”, que a segregação tenha efeitos diferentes nas pessoas em momentos diferentes no tempo. Por isso, a estra-tégia da análise depende do resultado que se busque analisar. Os resultados próprios da idade adulta − como aqueles relativos ao mercado de trabalho − são afetados tanto pelos efeitos decorrentes da segregação como pelo efeito acumulado da segregação nos resultados próprios da primeira idade, como resultados educacionais, deserção de escola, maternidade adolescente etc.

Por exemplo, Howell-Molloney (2005, p.359) propõe um marco conceitual que se encarrega do efeito causado pela exposição prematura a ambientes se-gregados seguidos de restrições com relação à geografi a de oportunidades na idade adulta e à probabilidade de, então, encontrar-se desempregado. Este marco de análise não considera as restrições que a geografi a subjetiva de oportunidades impõe sobre as oportunidades disponíveis, nem os mecanismos por meio dos quais o contexto do bairro afeta os resultados individuais na primeira idade.

A seguir, proponho um marco para analisar as conseqüências da se-gregação residencial que leva em conta tanto os efeitos do bairro como a distribuição espacial objetiva e subjetiva das oportunidades.

De acordo com o marco conceitual apresentado no Diagrama 1, por to-dos os motivos apresentados na parte precedente, os resultados individuais próprios da idade de formação são infl uenciados – além das características individuais do lar – pela segregação residencial, ou pelo contexto do bairro no qual o indivíduo se desenvolve.5 Este efeito se faz possível através da mediação dos mecanismos de efeitos pares, da socialização coletiva e da socialização institucional. Por sua vez, a informação que vem da rede local social formada pelos pares e pelos adultos, de dentro e de fora da comunidade, vai confi gu-rando um determinado modo de avaliar e de considerar as oportunidades disponíveis. Este fi ltro da percepção, ou geografi a subjetiva de oportunidades, além de afetar o processo de tomada de decisões e os resultados individuais, restringe a disponibilidade objetiva das oportunidades.

5 Por razões do espaço, os determinantes individuais dos resultados individuais foram deixados fora do diagrama. Isto não signifi ca que esses determinantes devam ser considerarados secundários, ou menos importantes do que os determinantes contextuais.

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Por outro lado, os resultados individuais, na idade adulta – como, por exemplo, a probabilidade de estar desempregado −, são também afetados pelas características individuais do domicílio e pelas características contextuais ou dos bairros. Uma das características individuais que afeta os resultados individuais é o acúmulo de decisões anteriores que levaram a determinados resultados. Esses resultados estão, por sua vez, afetados pela experiência contextual do período de formação. Por outro lado, o desajuste espacial na distribuição objetiva de oportunidades e a maneira pela qual os indivíduos avaliam essas oportunidades também afetam os resultados individuais na idade adulta.

Diagrama 1Marco de análise para o estudo das conseqüências da segregação

socioeconômica

Segundo Galster e Killen (1995), é importante destacar os componentes dinâmicos em um marco e análise como este. A tomada de decisões e os re-sultados individuais, em períodos passados, infl uenciam as expectativas atuais dos indivíduos. Por exemplo, se um jovem vê que suas tentativas para procurar emprego são constantemente frustradas, sua predisposição para planejar e seu respeito pelas instituições do mercado de trabalho podem diminuir nos períodos subseqüentes. Isto se refl ete por uma geografi a subjetiva de oportunidades que avalia mais criticamente as oportunidades no mercado de trabalho.

Os efeitos entre gerações desempenham um papel implícito neste mo-delo. As características familiares (riqueza, educação dos pais, estabilidade familiar, valores etc.) apresentam-se como uma das características inatas do indivíduo que geram modelos da conduta que passam de geração a geração.

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Um marco de análise realista deve admitir que, em uma geração, uma es-trutura restrita de oportunidades pode levar a decisões que facilitam a for-mação da geração subseqüente, cujas características indeléveis fazem com que seu conjunto de oportunidades também seja limitado, não pelo problema do desajuste espacial, mas, também, pela restrição imposta pela geografi a subjetiva das oportunidades.

Métodos de análise

A análise dos efeitos da segregação residencial deve ter em mente o componente temporal cumulativo dos efeitos da concentração da pobreza nos resultados individuais. Deve também diferenciar, por outro lado, entre os componentes objetivos da disponibilidade de oportunidades e os componentes subjetivos associados à maneira como os indivíduos consideram e avaliam essas oportunidades. Considerando a escassez da informação, é importante projetar uma estratégia de investigação que combine metodologias quantita-tivas e qualitativas, para dar conta de ambos os componentes.

Neste artigo, irei me referir especialmente às metodologias quantitativas usadas para a análise dos efeitos da segregação, sobretudo aos resultados próprios da primeira idade. Uma vez descritas, à guisa de exemplo apresento os resultados da análise das conseqüências da segregação residencial nos resultados educacionais das crianças da educação primária na cidade de Santiago do Chile.

Analiticamente, os efeitos da segregação residencial têm a ver com a operação dos processos espaciais: a heterogeneidade e a dependência es-pacial. A heterogeneidade espacial refere-se às características estruturais de um bairro que determinam certa confi guração da geografi a de oportunidades e um processo de socialização com certas normas e valores compartilhados pela comunidade, que afetam a maneira pela qual os indivíduos percebem este conjunto de oportunidades. O processo da dependência espacial refere-se aos processos de difusão de comportamentos, ou às situações entre indivíduos que se encontram próximos no espaço. Ainda que, praticamente, esses proces-sos sejam difíceis de distinguir e pareçam ser duas faces da mesma moeda, a distinção entre heterogeneidade e contágio espacial é extremamente útil, considerando-se a difi culdade que apresenta a delimitação correta das uni-dades ecológicas que consideramos bairro. De fato, as análises dos efeitos do bairro e da geografi a de oportunidades usam as unidades espaciais fornecidas pelo censo (census tract, distrito censitário, Ageb etc.), como se os seus limi-tes correspondessem aos limites do bairro. Esta aproximação pode envolver problemas importantes de medição, se as redes sociais ultrapassarem ou se sobrepuserem aos limites dos bairros.

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Heterogeneidade espacial

A heterogeneidade espacial refere-se a um fato comum, observado ao se trabalhar com dados “aninhados” pertencentes a um bairro em particu-lar. Nos dados “aninhados” espacialmente, tanto o resultado a ser analisado como os efeitos de um conjunto de fatores neste resultado variam no espaço, conforme as características estruturais associadas ao lugar – sejam elas observadas ou não.

Por exemplo, na análise dos resultados educacionais das crianças, a variabilidade espacial dos resultados educacionais e a sensibilidade desses resultados aos determinantes incluídos na função da produção da educa-ção podem ser explicadas pelas características dos bairros, entre elas a segregação residencial. Em outras palavras, a heterogeneidade espacial relaciona a hipótese dos efeitos do bairro na medida em que as crianças crescem em ambientes segregados e experimentam processos de socia-lização coletiva e individual que sejam pouco adequados a seu desenvolvi-mento intelectual.

A heterogeneidade espacial é estimada mediante modelos de multi-nível. Esses modelos distinguem os efeitos na educação − observados e não observados, ou latentes − provenientes das características individuais e dos efeitos oriundos das características dos bairros. Em geral, a informação para ambos os níveis (indivíduo e bairro) vem de fontes diferentes. O avanço e a generalização dos Sistemas de Informação Geográfi ca foram essenciais para compatibilizar ambas as fontes de informação. Os SIGs permitem conciliar níveis diferentes da informação: as individuais, as escolares e as concer-nentes ao bairro.6

Dependência espacial

Conforme a primeira lei da geografi a “[…] tudo está relacionado a tudo, mas as coisas que estão mais próximas se relacionam mais do que as coisas que estão mais distantes” (TOBLER, 1970, p.234).7 O que Tobler quis dizer com isto é que o estado de coisas em um lugar, muito freqüentemente, de-penderá do estado de coisas em lugares próximos (ANSELIN; BERA, 1998). Este processo de contágio espacial é chamado “dependência espacial” e pode

6 Embora à primeira vista isto pareça trivial, o ajuste espacial da informação é extremamente relevante, sobretudo nos sistemas da provisão da educação nos quais a criança pode escolher uma escola situada fora dos limites do seu bairro. Em casos como este, a análise deve considerar que as crianças estarão potencialmente expostas a múltiplas realidades ligadas so bairro. O uso de um SIG facilita enormemente a análise das múltiplas realidades contextuais, caso se disponha de informação georeferenciada em todos os níveis. 7 Livre tadução; no original: “[…] todo se relaciona con todo, pero cosas que están mas cerca se relacionan mas que cosas que están mas lejos”.

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ser estimado usando-se o conceito da autocorrelação espacial.8 Metodologica-mente, a dependência espacial é estimada mediante modelos econométricos espaciais, seja por “defasagem espacial”9, seja por “erro espacial”.

Duas razões explicam a dependência espacial. A principal diz que a pro-ximidade espacial afeta o comportamento individual (a tomada de decisões, os resultados etc.), devido aos processos de exposição e difusão (MORENOFF, SAMPSON; RAUDENBUSH, 2001). Esses processos de exposição e difusão es-tão relacionados aos processos da socialização associado ao efeito de pares e aos efeitos que os adultos internos e externos à comunidade difundem entre suas crianças. Como menciono mais acima, o segundo motivo que justifi ca o processo da dependência espacial são os erros de medição associados à difi culdade de estimarem-se os limites do bairro.

A dependência espacial permite que existam externalidades espaciais – benefícios ou prejuízos − que se difundem da fonte aos elementos na vizinhança. Uma criança com facilidades para os estudos pode ser fonte de externalidades positivas para seus colegas de classe, pois, ao assistir às aulas com outra mais adiantada, aumenta a probabilidade de aprender. Uma criança com desvios de comportamento pode ser fonte de externalidades negativas, ao proporcionar informação que afeta a geografi a subjetiva de oportunidades de outras crianças localizadas em torno dela. Em outro nível de medição, uma escola que apresenta “boas práticas” educacionais pode ser uma fonte de externalidade positiva para outras escolas do bairro.

Problemas de estimativas

Existem dois problemas principais associados à medição dos efeitos do contexto nos resultados individuais: o problema da assimetria de seleção e o problema da simultaneidade.

O problema da assimetria da seleção resulta da possibilidade de as famílias que vivem em áreas segregadas compartilharem certas ca-racterísticas não observadas, que influem tanto na localização da residên-cia como nos resultados dos seus indivíduos. Em outras palavras, é ver-dade que os indivíduos escolhem onde viver (ou pelo menos têm certo

8 Tecnicamente, a dependência especial é uma propriedade da função de densidade conjunta multivariada, incluindo-se o elemento dinâmico associado ao contágio. Anselin e Bera (1998) propõem que a dependência como tal é praticamente impossível de ser estimada. Por este motivo, a dependência fi ca mais manobrável abordando-se um momento desta distribuição: a autocorrelação espacial. Neste artigo, uso os conceitos de dependência e de autocorrelação espacial como sinônimos. 9 Este termo (em inglês “Spatial Lag”) refere-se ao valor médio da variável analisada nas unidades espaciais vizinhas à unidade espacial (bairro, por exemplo) de referência. Por exemplo, considerando o status socioeconômico como esta variável, a “defasagem espacial” do bairro “i” seria o status socioeconômico médio em todos os bairros adjacentes ou vizinhos ao bairro “i”. Termo usado no original em espanhol: “rezago espacial”.

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grau da liberdade para fazê-lo), mas também é verdade que os bairros “escolhem” seus residentes (SAMPSON, 2001). A habitação social, por exemplo, isola as famílias pobres e, ao fazê-lo, representa uma restrição estrutural à decisão “de onde” residir e à ecologia do lugar (BICKFORD; MASSEY, 1991).

O problema da simultaneidade – também conhecido como endogenia residencial ou migração seletiva − refere-se à hipótese seguinte: existem pessoas residindo em lugares de moradias mais baratas (ou moradias so-ciais), porque este tipo de alojamento apresenta certos resultados, como o desemprego, mas que estão desempregadas porque residem em áreas segre-gadas. Em outras palavras, se as decisões “de onde residir” forem livremente tomadas, então as características do coletivo são mais conseqüência do que causa (SAMPSON, 2001). Neste caso, a diferença nas taxas do desemprego em bairros segregados e bairros não segregados – além de se dever a um desajuste espacial na geografi a de oportunidades – deve-se à migração sele-tiva de indivíduos “menos empregáveis” desde as áreas menos até as áreas mais segregadas, ou vice-versa.

Sampson sugere que este argumento − ainda que importante − “nubla o caráter da interrelação na sociologia” (SAMPSON, 2001). A vida social é interdependente e emergente, isto é, os atores tomam decisões interdepen-dentemente, o que tem conseqüências contextuais que ultrapassam nosso controle individual (e que não são facilmente previsíveis, a partir das caracte-rísticas individuais dos que compõem este contexto). O caráter sinérgico da interação social tiraria a importância teórica do problema do endogenia e da assimetria da seleção, pois não é o efeito da variável individual − ou a decisão de residir na área segregada − que nos interessa, mas o efeito relativo ao contexto desta decisão tomada por várias famílias.

Exemplo: segregação residencial e resultados educacionais

Nesta seção, apresento um exemplo da estimativa dos efeitos da se-gregação residencial e da concentração da pobreza que envolve resultados educacionais relativos a um sistema educacional “pró-seleção”. De forma semelhante, procura-se diferenciar o resultado da concentração dos efeitos da pobreza individual e da escola. Usando os resultados da prova nacional padronizada (Simce), implementamos um modelo hierárquico de dois níveis para diferenciar os efeitos da pobreza nos resultados educacionais das crian-ças de 4o ano básico, na Região Metropolitana de Santiago do Chile. Os re-sultados demonstram que a segregação residencial infl ui negativamente no desempenho escolar, mesmo controlando os efeitos da pobreza do domicílio e das características da escola. Mais ainda, uma vez controlada a pobreza

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do bairro, o efeito da dependência administrativa do estabelecimento nos re-sultados do Simce desaparece. Os resultados mostram que uma segregação em menor escala é mais nociva do que aquela feita em uma escala maior, na qual os efeitos da pobreza coletiva sobre os resultados educacionais tendem a desaparecer.

Sistema educacional

O Chile é um de poucos países do mundo que possui um sistema de vouchers (comprovantes educacionais) generalizado e realmente usado por uma alta porcentagem de famílias. Desde a reforma educacional, implementada no começo da década de 80, todas as crianças do Chile têm direito a receber educação gratuita, financiada por um subsídio conforme a demanda e inspirado no sistema de vouchers (FRIEDMAN, 1955; 1962).

O sistema de vouchers gera um sistema educacional “pró-seleção”, no qual se busca aumentar a escala de alternativas disponíveis para as famílias. Uma das fontes educativas promovidas é a proveniente do setor privado, que assume uma qualidade relativa mais elevada. Um voucher universal e de alto valor, como o que se aplica no Chile, busca dar igualdade de oportunidade de acesso a este tipo da educação a todas crianças, independentemente de suas características individuais ou de seus domicílios.10 Por outro lado, não há garantia de recursos para as escolas, nem para os estudantes; as escolas são obrigadas a “competir” pelo fi nanciamento. Teoricamente, essas escolas comportam-se como empresas e têm estímulos para atrair a quantidade e a qualidade ideal de alunos para maximizar o uso de recursos e aumentar suas reputações de provedoras. Como resultado, as famílias “ordenariam” os estabelecimentos educacionais conforme suas preferências como consumido-ras. Além disso, no sistema de vouchers, o dinheiro “acompanha a criança” para a escola freqüentada. A ameaça potencial de “saída” dos consumidores (HIRSCHMAN, 1970) induziria as escolas a maximizar a qualidade da edu-cação oferecida para assegurar o nível das matrículas e o fi nanciamento decorrente.11

Ao atrair uma massa de provedores do setor privado, a reforma de 1980 gera um sistema de provisão educacional tripartite, com três tipos de man-tenedores. De um lado, os governos locais ou as municipalidades fornecem

10 O Estado transfere a cada estabelecimento − público ou privado subsidiado − uma unidade de subsídio escolar (USE) por aluno e por mês. A USE varia conforme as considerações da oferta do nível − pré-escolar, ensino fundamental, ensino médio etc. – e conforme a extensão da jornada − parcial ou completa −, mas não considera variáveis individuais, como vulnerabilidade socioeconômica ou nível de capital humano inicial da criança. 11 A transferência efi caz da USE faz-se com base na média da ajuda dos três meses anteriores. Isto gera um estimulo para que as escolas minimizem – e subdeclarem − os níveis de absenteísmo e deserção.

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a educação pública; de outro, o setor privado, fornece a educação sob duas modalidades: educação subvencionada e educação não subvencionada.12 Esta última é o setor que opta por sair do sistema e fi nancia-se exclusivamente mediante o investimento privado. De agora em diante, serão referidos, res-pectivamente, como “estabelecimentos públicos”, “privados subsidiados” e “privados não subsidiados”.

Em termos de projeto, o subsídio educacional buscava gerar igualdade de condições na competição (MATTE; CARNEIRO, 1991). Realmente, a unidade do subsídio educacional para o aluno que depende dos provedores privados é exatamente igual ao subsídio entregue aos mantenedores do setor público. Esperava-se que ambos os provedores atuassem como empresas e que, no processo da competição, a qualidade da educação aumentasse em todas as camadas. Neste cenário, as famílias se distribuiriam de forma equilibrada pelos diferentes tipos de escolas, guiando-se apenas por suas preferências. Entretanto, a evidência nos mostra que o status socioeconômico do domicílio é um princípio ordenador extremamente importante. O Quadro 1 mostra que, em 2002, a maioria das crianças dos níveis socioeconômicos mais baixos tinha acesso à educação pública, ao passo que a maioria das crianças da camada social média estudava em escolas particulares subvencionadas. De forma semelhante, os 97% de crianças de alto nível socioeconômico decidi-ram renunciar ao benefício do subsídio e ingressar em colégios particulares não subsidiados.

Quadro 1Matricula, status socioeconômico do domicílio e tipo da escola, 2002

Provedor

Status socioeconômico

Baixo Médio Alto Total

A B C D E

Público 75,0 76,2 32,0 14,8 … 39,7

Particular subvencionado 25,0 23,8 68,0 78,8 2,8 48,9

Particular não subvencionado … … … 6,4 97,2 11,4

Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

Fonte: Elaboração própria, com base em dados do Simce, 2002. Corresponde às crianças do 4o ano básico que realmente passaram pelo teste do Simce no ano 2002, na Região Metropolitana de Santiago.

12 O setor de estabelecimentos privados subsidiados divide-se, por sua vez, em colégios que se fi nanciam exclusivamente via subsídio, em escolas que optam por um “fi nanciamento compartilhado”, e naqueles que cobram uma pequena parcela dos pais. Em 1999, essas escolas representavam cerca da metade das escolas privadas subvencionadas. É necessário frisar que o sistema de fi nanciamento compartilhado também contribuiu para a segmentação do sistema educacional; entretanto, os pais que não podem fi nanciar esta cota têm os fi lhos relegados à educação pública, na qual o sistema impede que sejam cobrados enquanto seus fi lhos cursam o ensino fundamental.

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A segregação socioeconômica do sistema educacional fi ca clara quando observamos que não existe nenhuma criança da alta camada socioeconômica utilizando o voucher em uma escola pública, e que menos de 3% dessas crianças usa o voucher em uma escola particular subvencionada. Ao mesmo tempo, não existe nenhuma criança pertencente ao estrato socioeconômico baixo, ou mesmo médio (grupo C), que possa renunciar ao subsídio e ter acesso à educação privada não subvencionada. Não é de estranhar, então, que os resultados educacionais obtidos do Sistema de Medição da Qualidade da Educação (Simce) demonstrem uma clara diferença de resultados entre tipos de escolas. O Quadro 2 demonstra que o desempenho escolar médio no 4o ano básico dos estabelecimentos públicos é consideravelmente menor do que o observado nos estabelecimentos privados subsidiados. Em 2002, os resultados educacionais nas escolas públicas situavam-se quase 8 pontos percentuais abaixo da média nacional, enquanto o desempenho escolar nas escolas subvencionadas particulares era quase 16 % maior do que resultado médio nacional.

Quadro 2Matrícula e resultado do Simce para o 4o ano básico, por tipo de escola, 2002

Matrícula Simce

Público 39,7 231 92,1

Particular subvencionado 48,9 252 100,5

Particular não subvencionado 11,4 291 115,9

Total 100,0 250 100

Fonte: Elaboração própria, com base em dados do Simce. Disponível em www.simce.cl. Relativo apenas à Região Metropolitana de Santiago. Corresponde às crianças de 4o ano do ensino fundamental que, efetivamente, passaram pelo teste Simce, no ano 2002, nesta região.13

No contexto do sistema de vouchers, a capacidade dos pais para “eleger” o estabelecimento educacional para seus fi lhos é de extrema relevância. Teoricamente, não existe nenhuma restrição para a faixa de escolhas, além da imposta pela decisão da escola de receber ou não o voucher.14 Em termos espaciais, no momento de escolher o método pedagógico, as famílias podem deslocar-se livremente entre os bairros para escolher o estabelecimento de sua preferência. Neste contexto, a distribuição de escolas no espaço, ou a geografi a de oportunidades educacionais, passa, teoricamente, a ser um tópico

13 É importante salientar que, provavelmente, muitos estabelecimentos buscam “infl ar” seus resultados Simce “escondendo” as crianças com rendimentos mais baixos. É provável, por isso, que a faixa de rendimentos esteja superestimada; entretanto, é mais provável que uma escola submetida à lógica da competição – escolas particulares subvencionadas − deixe as crianças de baixo rendimento fora da prova, ao passo que a escola pública, que não necessita competir pelo fi nanciamento, tem menor probabilidade de fazê-lo. 14 Esta restrição aplica-se apenas a estabelecimentos privados, tanto que as escolas públicas não podem se retirar (option out) do sistema de subsídios.

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secundário. O fato de determinado bairro não possuir uma oferta educacional variada e de qualidade não é relevante, porquanto os pais podem obter o ensino fora de seus limites.15

Mapa 1Santiago: status socioeconômico territorial e oferta educacional

15 Um ponto da comparação interessante é o bem conhecido sistema educacional norte-americano, no qual as crianças são normalmente compelidas a freqüentar as escolas públicas no âmbito do distrito escolar correspondente ao das suas residências. Em um sistema como este, “[…] a segregação de escola e a segregação residencial estão relacionados inextricavelmente” (DENTON, 1996, p.795); entretanto, a segregação escolar é a conseqüência lógica da segregação residencial (NECHYBA, 2003). No caso do sistema educacional “pró-seleção”, em que não existem restrições geográfi cas à escolha, a relação entre segregação escolar e segregação residencial é menos evidente.

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Na prática, entretanto, a geografi a de oportunidades educativas passa a ser uma restrição extremamente relevante. O Mapa 1 mostra a distribuição da população nos vários quarteirões de Santiago, de acordo com o estrato so-cioeconômico. As cores claras representam as áreas de status socioeconômico mais elevados, que tendem a se localizar no cone de alta renda, na área nordeste da cidade. Já as áreas mais pobres são obrigadas a se concentrar nas periferias, majoritariamente nas comunidades de Renca, Cerro Navia e La Pintana. Conseqüentemente, a oferta educacional encontra-se espacialmente segregada. As bandeirinhas representam as escolas que saíram do sistema do subsídio – as particulares pagas −, localizadas majoritariamente onde reside a população de estrato socioeconômico alto e médio alto. As escolas públicas e particulares subvencionadas – estrelas e círculos − parecem estar mais homogeneamente distribuídas no espaço. De fato, a evidência não permite concluir que as áreas do baixo estrato socioeconômico sejam majoritariamente atendidas por escolas públicas.

Apesar da distribuição relativamente igual das escolas nas diferentes áreas com mais e menos concentração de pobreza, existe um ordenamento socioeconômico de famílias entre estes dois tipos de escolas. O comporta-mento de “captura” dos estabelecimentos privados subvencionados impede que todas as famílias tenham a mesma capacidade de escolha, o que gera um ordenamento das famílias segundo o estrato socioeconômico.16

As famílias que não podem escolher, ou que não podem assumir o custo que implica mobilizar-se de um bairro a outro, fi cam limitadas à oferta local disponível. Neste sentido, o modelo do mercado da provisão da educação é “geografi camente ingênuo e, por isso, socialmente regressivo” (PACIONE, 1997), no sentido de que não resolve efetivamente as difi culdades que os ha-bitantes de áreas segregadas enfrentam. Essas difi culdades são provenientes tanto das características individuais como das características do espaço que habitam. Por um lado, as crianças dos domicílios pobres têm, geralmente, um capital humano e cultural inicial mais baixo, o que faz com que o custo da educação seja relativamente maior. Por outro lado, a incapacidade para exercer o direito de “escolher” está intimamente ligada ao nível da segregação residencial dos bairros em que residem os grupos mais pobres. Os domicílios localizados em áreas segregadas são rotulados como de menor capital social, aumentando mais ainda o custo de educação de suas crianças. Conseqüente-mente, o líquido da subvenção associada às crianças de domicílios pobres

16 No sistema chileno, as escolas particulares subvencionadas têm autorização legal para habilitar mecanismos de seleção de estudantes, mais comumente mediante exames da admissão. Esta capacitação de seleção é legalmente proibida para as escolas públicas, que devem aceitar toda criança que quiser entrar. O comportamento de “captura” refere-se ao uso de variáveis socioeconômicas no processo de seleção de estudantes.

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e/ou que residem em áreas segregadas é menor do que o subsídio ou voucher que acompanha crianças de camadas sociais mais altas, as quais, por isso, possuem maior capital humano, cultural e/ou social (SAPELLI, 2002). Conse-qüentemente, as famílias pobres que habitam áreas segregadas não podem fazer uso da sua capacidade de escolha, pois já são identifi cadas como “não desejáveis” no mercado da educação.

O fato de ser pobre e, além disso, viver em áreas segregadas, representa dupla desvantagem educativa. Por um lado, a pobreza individual e coletiva atua como sinal do risco no mercado da educação. As escolas que se comportam como empresas terão incentivos para fi ltrar essas crianças, limitando assim a capacidade de escolha dos mais pobres. Por outro lado, o baixo capital social e humano inicial associaram-se, respectivamente, à pobreza coletiva e individual, diminuindo as condições de “educabilidade” das crianças (LOPEZ; TEDESCO, 2005) e incidindo diretamente nos resultados educacionais. Resumiremos, mais adiante, as teorias principais que sustentam a relação entre segregação residencial, ou pobreza coletiva, e o desenvolvimento infantil, em geral, e os resultados educacionais, em particular.

Estimativa

Dado o contexto apresentado acima, apresento aqui uma forma de esti-mar os processos de heterogeneidade e dependência espacial nos resultados educacionais infantis, na educação primária.

Para avaliar e diferenciar os efeitos estruturais da segregação socio-econômica − concentração da pobreza com relação ao bairro − dos efeitos da pobreza referentes ao domicílio e da escola nos resultados educacionais, implementa-se um modelo hierárquico de dois níveis, com base nos resultados anteriores de Mizala; Romaguera e Ostoic (2004). Essas autoras desenvolvem uma função de produção na educação em dois níveis: indivíduos agrupados por escolas, com o objetivo de formar a heterogeneidade individual e escolar nos resultados educacionais. Para esta ilustração, adoto uma estratégia seme-lhante, pressupondo que a mutabilidade do nível 2 é produzida mais pelo bairro do que pela escola. Em outras palavras, consideramos que os estudantes são agrupados pelos bairros, mais do que pelas escolas.17

Com relação aos indivíduos, procura-se estimar os resultados da prova Simce de matemática para as crianças que cursavam o 4o ano da educação básica, em 2002, e residiam na Região Metropolitana de Santiago. Assume-se que os resultados educacionais sejam função de: status socioeconômico, horas semanais que a criança dedica ao estudo, repetência, apoio dos pais

17 O ideal seria prestar contas da variabilidade em três níveis: indivíduos, escolas e bairros. Isto se pode implementar, mas, a título de exemplo, é mais fácil trabalhar com dois níveis.

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nas tarefas escolares e sexo. Assumimos que as características da escola que, potencialmente, explicam o rendimento das crianças estejam bem resumidas na área administrativa do colégio (público, privado, privado subvencionado ou provado não subvencionado). A hipótese é que – depois de controlar o status socioeconômico das crianças − as escolas particulares pagas tenham melhor rendimento que as escolas particulares subvencionadas, as quais, por sua vez, têm melhor rendimento do que as escolas públicas.

Por ser do tipo hierárquico, este modelo permite que os coefi cientes – tanto o intercepto como os efeitos das variáveis independentes nos resultados educacionais − modifi quem-se por meio do nível no qual os dados individuais se agrupam; neste caso, os bairros. Em outras palavras, a estimativa pres-supõe que os resultados educacionais individuais variem no entorno da média do bairro onde a escola se localiza, uma vez que a sensibilidade dos resultados educacionais às variáveis explicativas também dependerá das características particulares locais.

Neste exemplo, assumiremos que a média condicional e os efeitos do status socioeconômico, da profundidade dos estudos e das expectativas dos pais modifi quem-se pelos bairros, em função de certas características que estes apresentam. Inversamente, presumimos que o efeito das variáveis gênero e repetência sejam constantes para todas as crianças, independentemente do estabelecimento que freqüentem, ou do bairro em que se encontrem. Mais relevante para os objetivos deste estudo, queremos comprovar a hipótese de que os resultados educacionais modifi cam-se em torno da média do bairro onde se encontra a escola freqüentada, segundo se localize em um bairro segregado, em um bairro rico ou em um bairro misto. Nossa hipótese é que a localização geográfi ca da escola, de certa forma, é importante, e o espaço catalisa processos socializadores que dependem da geografi a de oportunidades e da concentração de pobreza e/ou riqueza. Desta maneira, uma escola lo-calizada em um bairro segregado apresentaria um processo de socialização institucional desfavorável aos resultados educacionais, independentemente da dependência administrativa, do status socioeconômico dos estabelecimentos e das características individuais de domicílio das crianças.

Um modelo multinível que considere os indivíduos agrupados em bair-ros pode ser visto como explicado a seguir. Temos uma equação do nível 1, que estima os resultados educacionais individuais como função das variáveis individuais mencionadas anteriormente.

Equação de nível 1: indivíduos

Simceij = β0j + β1jHij + β2jRij + β3jSESij + β4j EXPij + β5j PSij + β6j PP + rij

onde Simceij é a pontuação para matemática da criança “i” que freqüenta uma escola localizada no bairro “j”. Admite-se que essa pontuação seja sensível

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aos seguintes fatores: a criança é do sexo masculino (H=1), a criança repetiu um dos cursos anteriores (R=1), status socioeconômico do domicílio (SES) e expectativas dos pais (EXP). Os dois últimos fatores são variáveis dummy, para estimar a diferença do rendimento entre as três categorias correspondentes à dependência administrativa da escola.

Em relação ao bairro, temos as equações seguintes:

Equação de nível 2:bairros

Intercepto) β0j = γ00 + γ01SEGj + γ02AFLj + μ0j Efeito gênero) β1j = γ10 Efeito repetência) β2j = γ20 Efeito SES) β3j = γ30 + γ31SEGj + γ32AFLj + μ3j Efeito EXP) β4j = γ40 + μ4j

Efeito PS) β5j = γ50 + μ5j

Efeito PP) β6j = γ60 + μ6j

Modelo reduzido

O modelo simulado por essas equações faz estimativas pela equação seguinte:

Simceij = [γ00 + γ01SEGj + γ02AFLj + γ10Hij + γ20Rij + γ30SESij + γ40EXPij

+ γ41EXPij * SEGj + γ42 EXPij * SEGj + γ50PSij + γ60PPij ] + (μ0j + μ3j SESij + μ4jEXPij + μ5j PSij + μ6jPPij + rij)

Essa equação tem dois componentes, expressos respectivamente pelos colchetes e parênteses. O primeiro elemento corresponde aos efeitos fi xos das características individuais e dos bairros. A suposição é que a segregação residencial afeta os resultados educacionais de duas formas: diretamente, de uma quantidade γ01, e indiretamente, mediante a diferença do efeito das expectativas dos pais em áreas segregadas (γ40 + γ41), em áreas não segregadas, ou em áreas socioeconômicas mistas (γ40). O segundo compo-nente da equação (entre parênteses) são os efeitos aleatórios, ou a variabi-lidade do modelo proveniente das variáveis não observadas. Esses efeitos

aleatórios vêm tanto das características do bairro (μ0j + μ3j SESij + μ4jEXPij + μ5j PSij + μ6jPPij ) como das características individuais (rij). Em outras palavras, o componente aleatório representa a heterogeneidade espacial não explicada por meio das variáveis incluídas no modelo.

Para avaliarem-se os efeitos da segregação residencial nos resultados educacionais, devemos obter coefi cientes γ01 e γ41 negativos e estatisticamente signifi cativos. Antes de analisar os resultados deste exemplo, a seção seguinte fornece uma breve explicação sobre a melhor maneira de medir a segregação residencial para um exercício deste tipo.

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Bairros segregados, bairros ricos e bairros mistos

Para a análise das conseqüências da segregação socioeconômica nos resultados dos indivíduos, o próprio fenômeno da segregação deve ser defi nido e medido de maneira a obter uma medida local da segregação. O objetivo último da medição da segregação, desta maneira, é determinar se um bairro é ou não socioeconomicamente segregado.

Em outras palavras, as medições da segregação que considero mais apropriadas para este tipo da análise são as que fornecem a informação sobre a situação do bairro no qual a pessoa reside, mais do que a situação global da cidade como um todo. Por outro lado, como, de certo modo, o problema diz respeito à segregação socioeconômica, um problema mais de grau do que de pertencer ou não a determinada categoria, é mais conveniente usar medições da segregação calculadas com base em variáveis contínuas do que dicotômicas – como as que usaríamos para medir a segregação racial.

O indicador conhecido como o I de Moran comprova a existência de cor-relação entre uma variável observada em uma determinada área e em sua vi-zinhança. Em outras palavras, mede o nível da correlação global existente entre os diferentes bairros de uma cidade. Uma autocorrelação positiva indica que as áreas próximas ou adjacentes têm características semelhantes. É semelhante ao agrupamento espacial. Em outras palavras, quando o I de Moran é medido usando-se o status socioeconômico dos bairros, a medição feita é a da segregação residencial em sua dimensão de agrupamento (MASSEY; DENTON, 1998).18

O cálculo do I de Moran é feito com base na relação existente entre as características socioeconômicas do bairro e as características socioeconômicas dos bairros circunjacentes. O último valor é conhecido como “defasagem espa-cial”. Esta correlação pode ser vista no Gráfi co 1, que dá uma idéia da relação linear entre ambas medições. A declividade da linha da regressão entre o valor padronizado da variável status socioeconômico, para um determinado bairro, e o mesmo valor padronizado para a “defasagem espacial” correspondente ao I de Moran, ou medição de agrupamento na cidade.

No caso do estudo, os bairros correspondem às zonas do recenseamento da cidade de Santiago do Chile. Cada ponto corresponde à associação exis-

18 O I de Moran é medido através da fórmula seguinte:

,

onde w indica proximidade (ou, alternativamente, a vizinhança) entre o bairro “i” e o bairro “j”; o x é o nível socioeconômico médio do bairro, seja para o bairro “i”, ou para o bairro “j” ou para a média geral da cidade. S é o ponderador da distância ou da vizinhança, tal que:

.

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220 CONSEQUÊNCIAS DA SEGREGAÇÃO RESIDENCIAL

tente entre o valor padronizado da posição socioeconômica média do bairro (SES_Z) e a “defasagem espacial”, ou o status socioeconômico médio nos bairros considerados como circunjacentes. Os quatro quadrantes do gráfi co descrevem onde está localizado o valor da autocorrelação para cada bairro. O valor para o total da amostra é 0,6335, que é positivo e estatisticamente signifi cativo.19 Do lado direito do gráfi co, indica-se um valor alternativo para I de Moran (0,65), calculado sem considerar os dados considerados como outliers (aberrantes).

Gráfi co 1Autocorrelação espacial: status socioeconômico em zonas censitárias

Santiago do Chile, 2002

19 Signifi cância é o valor calculado com base no pseudovalor alfa, estimado mediante uma série de simulações aleatórias. Para mais detalhes, ver Anselin, 1995.

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221CAROLINA FLORES

Entretanto, a pergunta sobre a situação do bairro continua sem res-

posta. Para saber se um bairro é segregado ou não, podemos usar a mesma

informação apresentada pelo gráfi co do I de Moran. Os quatro quadrantes

do gráfi co descrevem onde está localizado o valor da autocorrelação para

cada bairro. O quadrante superior direito, por exemplo, corresponde a

valores do status acima de médios, cercados por valores também acima

de médios. Estas são as áreas consideradas ricas. O quadrante inferior

esquerdo mostra bairros com baixo status socioeconômico, rodeados por

outros bairros também de status socioeconômico inferior. Estes são os

bairros segregados.

A decomposição do I de Moran para valores locais corresponde aos

indicadores locais da autocorrelação espacial ou LISAs (ANSELIN, 1995).

Esses indicadores medem o grau da correlação entre uma variável medida

para uma unidade espacial particular, com a mesma variável medida para as

unidades espaciais que se consideram entorno. Apesar de existirem muitos

fatores que fi cam a critério do investigador – como a seleção da variável

de análise, os limites da unidade espacial e os critérios para selecionar as

unidades espaciais consideradas “vicinais” à unidade sob análise −, o cálculo

desses indicadores é relativamente simples e conveniente. Ao se calcular o

indicador local de autocorrelação espacial usando o rendimento médio da

unidade espacial que nos fornece a categoria do bairro onde o indivíduo

reside, o modelo prediz o status socioeconômico dos bairros circunjacentes.

Segundo esta lógica, se um bairro pobre for signifi cativamente rodeado de

outras áreas pobres, pode-se dizer que o indivíduo vive em uma situação

de segregação, ou de isolamento social.

O Mapa 2, a seguir, mostra os resultados para os bairros de Santiago

do Chile. As áreas socioeconomicamente segregadas são demarcadas em

cinza-escuro e localizam-se na periferia sul e noroeste da cidade, nas

comunidades de La Pintana, Renca, Cerro Navia, Pudahuel, Huechuraba e

Conchali. Além disso, outras áreas de características semelhantes encon-

tram-se dispersas na comunidade de Peñalolen, Cerrillos e San Miguel. Em

cinza-claro, mostram-se as áreas ricas. Essas áreas, diferentemente das

áreas segregadas, são de alta renda e estão signifi cativamente cercadas

de outras áreas de altos rendimentos. Em outras palavras, são as con-

centrações de pessoas mais abastadas que estão no cone da alta renda a

nordeste da cidade de Santiago. A área demarcada em preto representa o

que chamamos de ilha. Ilhas são áreas onde a alta renda relativa encontra-

se cercada pelas áreas de baixa renda ou vice-versa.

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222 CONSEQUÊNCIAS DA SEGREGAÇÃO RESIDENCIAL

Mapa 2Zonas do recenseamento segregadas, rica, mistas,

ilhas de pobreza e ilhas de riquezaSantiago do Chile, 2002

Fonte: Elaboração própria, com base em dados do Censo de 2002, “Mapa 2: distritos segregados do censo, áreas ricas, mistas, ilhas de pobreza e ilhas de riqueza”. Santiago, Chile, 2002.

Os modelos multiníveis são alimentados por esta informação, mediante duas variáveis fi ctícias (dummy) para as três categorias: bairros segregados (áreas cinza-escuro), bairros ricos (áreas cinza-claro) e bairros mistos (áreas brancas e preta, no Mapa 2). Os resultados são apresentados a seguir.

Resultados

O Quadro 3 mostra os resultados dos modelos incondicional e completo. O modelo incondicional – sem variáveis explicativas em nenhum nível − for-nece-nos a prova da existência da heterogeneidade espacial. De acordo com ele, os resultados Simce do 4o ano básico variam signifi cativamente segundo as características individuais e de bairro. Os 60% da variabilidade total do modelo correspondem a características individuais e do domicílio da criança, ao passo que os restantes 40% da variabilidade nos resultados Simce são

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223CAROLINA FLORES

signifi cativamente explicados por características contextuais do bairro onde se encontra a escola (dados de nível 2).

O modelo completo demonstra que as crianças do sexo masculino têm um resultado educacional situado a 0,117 desvio padrão com relação à pon-tuação das crianças do sexo feminino. O fato de ter repetido pelo menos um curso diminui os resultados Simce em matemática em aproximadamente 0,146 desvio padrão. O status socioeconômico do domicílio resulta fundamental para o resultado educacional das crianças, ao passo que a melhoria da situação socioeconômica no domicílio implica 0,16 unidade adicional de desvio padrão nos resultados educacionais na matemática. Controlando pelo status socio-econômico do domicílio, as crianças que freqüentam escolas privadas têm melhores resultados do que as crianças que freqüentam escolas públicas. As crianças em escolas subvencionadas privadas têm 0,18 unidade do desvio padrão a mais do que os resultados educacionais em matemática das crianças de escolas públicas. Esta diferença aumenta em quase 0,5 desvio padrão para as crianças de escolas particulares pagas.

Quadro 3Modelo hierárquico condicional de resultados do 4o ano

do ensino fundamental Simce , 2002 Efeitos fi xos20

Variáveis Modelo Incondicional Modelo Completo

Intercepto

Intercepto-0,07

(0,037)**

-0,264 (0,034)

***

Segregação residencial-0,122(0,043)

***

Riqueza residencial0,090

(0,037)**

Apoio do pais

Intercepto0,134

(0,010)***

Segregação residencial-0,017(0,015)

Riqueza residencial0,026

(0,017)

Status socioeconômico da criança 0,161

(0,011)***

Escola particular subvencionada0,179

(0,037)***

Escola particular paga0,458

(0,047)***

Criança0,117

(0,015)***

Repetência-0,146(0,022)

***

Obs.: *** p-val < 0,001; ** p-val < 0,05; * p-val <0,1. Desvio padrão entre parênteses.

20 A variável dependente é o valor padronizado da pontuação Simce em matemática para o 4o ano básico da educação primária, em 2002, na cidade de Santiago do Chile.

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224 CONSEQUÊNCIAS DA SEGREGAÇÃO RESIDENCIAL

Quanto aos efeitos da segregação socioeconômica, os resultados deste modelo simples de dois níveis demonstram que – controlando o status socio-econômico do domicílio − as crianças que freqüentam escolas localizadas em áreas socioeconômicas segregadas têm uma pontuação Simce em matemática de aproximadamente 0,12 desvio padrão inferior à das crianças que freqüen-tam escolas em bairros não segregados. Por outro lado, as crianças que vão a escolas localizadas em bairros ricos têm um rendimento acadêmico que é 0,09 desvio padrão maior do que o das crianças que freqüentam escolas em áreas mistas. O efeito das expectativas dos pais sobre os resultados educa-cionais é positivo e signifi cativo. Entretanto, estas modifi cações não variam signifi cativamente, nem com a segregação residencial, nem com a riqueza do bairro onde se encontra o estabelecimento.

Conclusões

Os modelos multiníveis e os modelos espaciais constituem uma forma direta e relativamente fácil de estimar a direção e a magnitude dos efeitos da segregação socioeconômica nos resultados educacionais das crianças. Nas conclusões deste capítulo, gostaria, entretanto, de fazer referência a algumas limitações que este tipo da análise apresenta.

Por um lado, tanto a medição da segregação que usa as medidas de autocor-relação espacial como a medição do processo de dependência espacial requerem do investigador um processo de tomada de decisões que tem conseqüências críticas para os resultados do estudo. Mais ainda, não existe um conjunto teórico sufi cientemente coerente para servir de guia nesta tomada de decisões.

A autocorrelação espacial mede o grau de correlação existente entre as características dos bairros e sua “defasagem espacial”, ou as características medidas para os bairros circunvizinhos. É o investigador quem deve decidir que bairros devem compor esta “defasagem espacial”, mediante a construção de uma matriz de contigüidade ou da distância que determinará quais bairros formarão o conjunto de bairros considerados “circunjacentes”. Por um lado, as-sim como é difícil decidir que unidade predeterminada pelo censo corresponde a uma unidade ecológica que consideramos um “bairro”, é também difícil, e muitas vezes infundado, decidir se deveremos usar uma matriz de contigüi-dade, ou uma matriz de distância. Não devemos nos esquecer de mencionar que essas matrizes podem considerar vizinhanças de muitas naturezas (não apenas os vizinhos mais próximos).

Por outro lado, é fácil conscientizar-se de que a riqueza do parâmetro analítico apresentado neste capítulo perde-se em tecnicismos e nas res-trições de disponibilidade dos dados da estimativa quantitativa. Apesar de, certamente, os mecanismos que possibilitam os efeitos de bairro (efeito de

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225CAROLINA FLORES

pares, socialização coletiva e socialização institucional) serem passíveis de aproximação mediante o uso de fatores que levam em conta, por exemplo, a qualidade do professorado, a qualidade da supervisão das crianças, as atividades extraclasses que essas crianças praticam com seus pares etc., estes dados são, defi nitivamente, muito difíceis de se obter. Além disso, esta informação, quando disponível, muito provavelmente estará defasada, sem levar em conta práticas que considerariam a rede social local. É por isso que os estudos quantitativos devem ser complementados com estudos de caso que levem em conta o tipo de mecanismo, ou de processos sociais, ligados ao espaço onde estejam funcionando. O estudo etnográfi co, as entrevistas em profundidade, incluindo-se a técnica dos grupos focais e a observação não participante, fornecem informações muito valiosas sobre a formação deste fi ltro da percepção, ou geografi a subjetiva de oportunidades, que, ao fi nal das contas, é um dos fatores mais importantes para explicar a relação entre realidade relativa a contexto e resultados individuais.

Uma terceira limitação do estudo das conseqüências da segregação refere-se à comparabilidade entre países que o fazem. Como os resultados dos índices locais da autocorrelação espacial dependem do tamanho e da confi guração dos bairros, cidades que sejam topografi camente diferentes apresentarão resultados diferentes. Considerando essas restrições, devemos nos assegurar, pelo menos, de usar variáveis de status socioeconômico semelhantes. Por outro lado, o sistema de políticas públicas e a situação das instituições e mercados é uma variável que muda de um país para outro, e isto afeta tanto a estratégia da análise como seus resultados. Por exemplo, o estudo das conseqüências da segregação sobre os resultados educacionais será diferente no caso chileno, no qual predomina um sistema pró-seleção sem restrições geográfi cas para a escolha das escolas. Em sistemas como este, a relação mais evidente entre segregação residencial e a segregação escolar de outros sistemas, como o norte-americano, perde-se.

O estudo das conseqüências da segregação tem muito a avançar no caso das cidades latinoamericanas. A crescente disponibilidade de informações e de tecnologias para analisar o problema apresenta-nos uma grande oportuni-dade de progresso na compreensão dos caminhos para os quais o contexto de bairro não é apenas um cenário para a tomada de decisões individuais; é mais um fator decisivo para o resultado dessas decisões.

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