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Planejamento Tributário, segregação de atividadesTRANSCRIPT
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Segregação de atividades empresariais e limites para desconsideração da
"sociedade paralela"
Maria Rita Ferragut Mestre e doutora em direito tributário pela
PUC/SP. Livre-docente pela USP. Autora e co-
autora de diversos livros, dentre os quais
Responsabilidade tributária e o Código Civil de
2002. Advogada em São Paulo.
1. Introdução
Com a crescente redução da margem de lucro das sociedades
empresárias, e da necessidade de maior eficiência e competitividade, muitas
empresas encontram-se diante da necessidade de abrir novas frentes de
negócio, bem como de diminuir o custo de suas operações.
Uma das alternativas utilizadas é a constituição de várias
sociedades dentro de um mesmo grupo econômico, que tenham por escopo
atividades similares, complementares ou mesmo totalmente distintas. Essa
opção apresenta-se extremamente vantajosa se corretamente construída e
aplicada, de forma a afastar o entendimento de que se trata de mera
simulação, fato que, sem dúvida alguma, pode trazer graves consequências às
empresas e aos seus administradores.
Neste artigo veremos que o direito positivo brasileiro,
assim como a jurisprudência, autorizam a segregação das atividades
empresariais como forma de economia tributária. O cuidado que se deve ter é
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o de não ultrapassar o limite da legalidade, e, com isso, autorizar a
desconsideração da nova sociedade. Tal limite, conforme teremos
oportunidade de analisar amplamente a seguir, consiste na tipificação da
restruturação societária como simulada, sempre que o direito de se auto
organizar não for confirmado pelas características do caso concreto, ou seja,
pelas provas.
2. Regime tributário benéfico dentro do mesmo grupo econômico
É comum que, dentro de um mesmo grupo econômico, as
pessoas jurídicas que o compõem dividam o negócio em ramos de atividade,
de forma que cada uma será responsável por um segmento, com a
consequente divisão de receitas e pagamentos de tributos.
Dentre as razões que justificam a criação dessa estrutura,
encontra-se a economia fiscal gerada pela redução do pagamento de IRPJ,
CSLL, PIS e COFINS, mediante tributação, pelo lucro presumido e regime
cumulativo das contribuições, de lucro e receita que, não fosse a
reestruturação do negócio, estariam sujeitas a uma tributação maior (lucro
real e regime não cumulativo).
Ainda que as bases de cálculo não sejam as mesmas, a
economia fiscal é evidente, e a licitude, a princípio, também. O que faz com
que a operação seja considerada simulada (art. 167, I, do Código Civil1) são
as características do caso concreto, demonstradas mediante provas.
1 Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido
for na substância e na forma.
§ 1º Haverá simulação nos negócios jurídicos quando:
I – aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais
realmente se conferem, ou transmitem.
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A primeira possibilidade é de se considerar que o contribuinte
planejou-se de maneira lícita, mediante divisão de atividades. Assim, (i)
constituiu uma nova pessoa jurídica; (ii) contratou funcionários em número
suficiente para exercer a atividade-fim da nova empresa; (iii) os tributos
devidos pelo regime do lucro presumido foram apurados e recolhidos; e (iv) a
nova empresa suportou diretamente seu custo administrativo ou,
alternativamente, reembolsou a sociedade originária pelas despesas que lhe
são proporcionais (consumo de energia, água, telefone, contadores,
advogados, técnicos de TI etc.).
Denominemos, para fins desse artigo, a sociedade originária
como sendo “A”, e a nova empresa como sendo “B”. O fato de “A” poder
exercer o objetivo social de “B” não desqualifica a existência e operações
desta última, nem tampouco autoriza a desconsideração de sua personalidade
jurídica. Não há que se falar, em outras palavras, em sociedade fictícia.
Por outro lado, se a “B” (i) não possuía funcionários, ou os
possuía em número simbólico, (ii) não possuía despesas de qualquer
natureza, já que todas eram suportadas e aproveitadas fiscalmente pela
comércio, (iii) não demonstrou que exercia a atividade pela qual cobrava e,
finalmente, (iv) se seu caixa era utilizado para pagamento das despesas de
“A”, sem qualquer explicação, ou se as explicações fossem mútuo (sem
recolhimento de IOF) ou adiantamento de dividendos (sem balancetes
mensais ou acima do limite do lucro presumido), entendemos ser correto
considerar simulada as atividades de “B”, existente apenas para reduzir a
carga tributária do grupo, sem qualquer respaldo factual factível.
II – contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira.
III – os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados.
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Aplica-se ao caso, então, o § único do art. 116 do CTN, que
permite à autoridade administrativa desconsiderar o negócio jurídico
praticado com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador ou a
natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, tais como
sujeito passivo, base de cálculo e alíquota.
Vejamos mais detalhadamente essas conclusões.
3. Simulação de atos e negócios jurídicos
Como identificar se as partes celebraram negócio jurídico
válido, que implicou redução, eliminação ou postergação da carga tributária,
ou se incorreram em ilícito, mediante a realização de atos dissimulados
praticados com os fins de ocultar a ocorrência do fato jurídico tributário?
Não é de hoje que existe no direito tributário a discussão
acerca da tênue linha que separa o direito subjetivo de o contribuinte
organizar-se, por meio do direito à liberdade, à propriedade, à livre iniciativa
e à autonomia privada, do direito de o Estado restringir esses direitos
constitucionalmente conferidos, por julgar que, no caso concreto, o ato ou
negócio jurídico é fraudulento, abusivo ou simulado e, consequentemente,
ilegal.
O direito brasileiro protege o direito individual de se auto-
organizar. Ao tratarmos de elisão e evasão fiscal, não poderíamos deixar de
reconhecer que a essência do negócio celebrado – aqui empregada como
natureza e dinâmica da realização do ato, tais como contexto, conteúdo do
ato, finalidade etc. – sobrepõe-se à espécie formal de operação (segregação
de atividades, compra e venda, importação por conta e ordem etc.). Se não
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fosse assim, não teríamos como lidar com a simulação, pois a licitude formal
encontra-se presente em grande parte dos atos.
Com isso queremos dizer que não basta a aparência de
licitude, pautada em contratos particulares e registros fiscais e contábeis.
Deve ser demonstrada a compatibilidade entre o previsto nos documentos
societários e fiscais, e os atos comprovadamente realizados pelos
interessados.
Elisão fiscal é a qualificação do ato ou da série de atos que
visam à economia fiscal, mediante a utilização de alternativas menos
onerosas, autorizadas em lei. Não há simulação. Dentre ao menos duas
alternativas possíveis, o sujeito opta pela menos onerosa, tal como ocorre
com o planejamento fiscal2.
Já evasão fiscal é a qualificação do ato omissivo ou comissivo,
de natureza ilícita, praticado com o fim único de diminuir ou eliminar a carga
tributária, ocultando o verdadeiro ato ou a real situação jurídica do
contribuinte. Dado seu caráter ilícito e danoso, é dever do Estado combater
preventivamente a evasão, bem como punir severamente seus responsáveis,
segundo graduações variáveis conforme características de cada caso.
No que diz respeito aos elementos diferenciadores da elisão e
evasão, a doutrina tradicionalmente afirma que os atos qualificados como
2 Conforme Marco Aurélio Greco (Planejamento tributário. 2. ed. São Paulo: Dialética,
2008, p. 81-82), “Nunca é demais repetir que planejamento e elisão são conceitos que se
reportam à mesma realidade, diferindo apenas quanto ao referencial adotado e à tônica
que atribuem a determinados elementos. Quando se menciona “planejamento”, o foco de
preocupação é a conduta de alguém (em geral, o contribuinte); por isso, a análise desta
figura dá maior relevo para as qualidades de que se reveste tal conduta, bem como para
os elementos: liberdade contratual, licitude da conduta, momento em que ela ocorre,
outras qualidades de que se revista etc. Quando se menciona “elisão”, o foco da análise é
o efeito da conduta em relação à incidência e cobrança do tributo; por isso, sua análise
envolve debate sobre os temas da capacidade contributiva, da isonomia etc.”
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elisivos devem ser praticados antes da ocorrência do fato jurídico tributário,
a fim de evitá-lo. Entendemos, entretanto, que nem toda conduta praticada
antes seja elisiva. Se a conduta for ilícita, tal como ocorre na simulação
relativa (dissimulação), estaremos diante de evasão fiscal, razão pela qual o
critério temporal mencionado, para distinguir elisão e evasão, não nos
parece adequado se tomado de forma isolada.
Da mesma forma, nem toda conduta que reduz o débito fiscal,
sem evitar a ocorrência do fato jurídico, consiste em hipótese de evasão
fiscal. Há condutas não evasivas que se subsumem a normas tributárias que
reduzem ou dispensam o pagamento de tributos, mas não evitam a ocorrência
do fato jurídico, tal como ocorre com as reduções de base de cálculo, créditos
escriturais de ICMS, IPI, PIS e COFINS e regimes tributários especiais (lucro
presumido, Simples).
Portanto, a ocorrência do fato jurídico também não é critério
preciso de distinção entre elisão e evasão fiscal. Se o que se deseja é
determinar a amplitude da liberdade de o contribuinte economizar tributos,
o que se deve identificar é o permitido (lícito) ou o proibido (ilícito).
Portanto, o critério licitude ou ilicitude é o decisivo.
III.1. Ilícitos atípicos
Ao tratarmos do tema “elisão e evasão fiscais”, não
poderíamos deixar de abordar a questão dos ilícitos atípicos, bem como do
abuso de direito e da fraude à lei, que lhe são considerados espécies.
Condutas diretamente violadoras de uma regra são ilícitos
típicos, ao passo que as contrárias a princípios ou a outras regras que
compõem o ordenamento jurídico são consideradas ilícitos atípicos.
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Em nosso entendimento, os fatos são lícitos ou ilícitos, não há
uma terceira hipótese. E os ilícitos atípicos não se enquadram na categoria de
ilícitos, pois:
1) Para tanto, deveriam necessariamente estar previstos em um
enunciado prescritivo que proibisse tal conduta3;
2) O ato abusivo ultrapassa somente os limites axiológicos de
uma situação concreta; e
3) O ilícito atípico conta com uma aparência de direito,
característica ausente no ato ilícito.
As cláusulas gerais relacionam-se ao movimento de
descodificação que marca o final do século XX e constitui técnica legislativa
que permite dotar de mobilidade o sistema jurídico, destacando a atividade do
intérprete em detrimento do legislador, que se abstém de tipificar todas as
condutas possíveis, dado que a lei não se altera na mesma velocidade que os
fatos sociais (lícitos e ilícitos) que deve regular.
Com isso, as cláusulas gerais permitem a constante atualização
do ordenamento, dando flexibilidade ao julgador para decidir sobre novas e
peculiares situações de conflito, que não podem estar sempre previstas em
lei. Contrapõem-se ao dogma da completude do ordenamento e à sua
pretensão de atemporalidade, alicerces do positivismo.
Vejamos a advertência de Marco Aurélio Greco4:
Mas onde está dito que a consequência de um fato não estar previsto em
norma específica implicar estar fora do alcance do ordenamento tributário?
Diante de uma lacuna, a pergunta crucial que se põe é: que fazer com ela?
3 A fraude a lei, conforme adiante se verá, não deve ser considerada ilícito atípico, ela é
simplesmente ilícita. 4 GRECO, Marco Aurélio. Planejamento tributário. 2. ed. São Paulo: Dialética, 2008, p.
160.
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Como não há norma específica que alcance a hipótese, o intérprete e
aplicador precisam se socorrer de uma norma geral que diga o que fazer
neste caso. O ordenamento jurídico que preveja que o juiz não pode deixar
de decidir (todo o debate sobre o non liquet) implica determinar sempre a
aplicação de uma norma ao caso concreto. Ou uma norma específica que o
preveja em maior grau de detalhe, ou uma norma geral que abranja a classe
de hipóteses em que aquele caso se encontra. Essa norma geral tanto pode
ser exclusiva como inclusiva. Norma geral exclusiva estabelece que o não
previsto em norma específica estará fora do alcance da tributação; norma
geral inclusiva estabelece que o não previsto em norma específica nem por
isso deixa de estar dentro do alcance da norma de incidência porque o
ordenamento quer que o caso seja alcançado.
Com isso, o autor dá prioridade a uma suposta intenção social
do ordenamento (norma geral inclusiva), em detrimento do princípio da
estrita legalidade tributária (norma geral exclusiva), analisada sob a ótica
formal. Marco Aurélio Greco5 ainda defende:
Ocorre que a norma geral inclusiva (que estabelece que, embora não previsto
especificamente, o caso deve ser considerado dentro da incidência) é o
denominado princípio da capacidade contributiva. Vale dizer, apesar de não
estar expressamente previsto o caso, mas por manifestar capacidade
contributiva tributada pela lei, então, estará alcançado pela incidência
tributária.
A capacidade contributiva nortearia, assim, não só a produção,
mas também a interpretação e a aplicação da lei tributária. Não concordamos
com essa dimensão da capacidade contributiva. Em que pese esse princípio
certamente reger a construção das proposições, ele não autoriza o
alargamento da hipótese de incidência tributária. A ampliação da liberdade e
da subjetividade do intérprete acarreta a perda de previsibilidade e certeza, e
pode desvirtuar o texto legal, o que evidentemente não é admissível. O
intérprete não pode substituir o legislador: o texto é ponto de partida e limite
da interpretação.
5 GRECO, Marco Aurélio. Planejamento tributário. 2. ed. São Paulo: Dialética, 2008, p.
161.
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Diante do princípio da estrita legalidade tributária, é
inaceitável a tipificação de um ilícito a partir de sua previsão genérica. A
Administração Pública somente pode agir nos estritos limites da lei, ou seja,
não pode ela estipular o que é e o que não é uma conduta ilícita, se a lei não
prevê conotativamente tais fatos.
Não ignoramos, e tampouco desprezamos, a circunstância de
uma parte significativa de contribuintes deixar de pagar tributos por conta de
estruturações lícitas realizadas sem um propósito econômico, além da
economia fiscal. Não desprezamos, também, o dever de lealdade mútua,
calcada na boa-fé e na moralidade, que deve reger as relações entre Fisco e
contribuinte. E não ignoramos, finalmente, os efeitos danosos à economia e
aos investimentos públicos advindos da diminuição de arrecadação e da
desoneração de contribuintes que se organizam adequadamente,
sobrecarregando os demais.
Ocorre que a legalidade há de ser privilegiada e, por isso, não
podemos aceitar a criação de obrigações tributárias pautadas na
requalificação de fatos caracterizados, segundo regras do direito civil, como
ilícitos atípicos, salvo nas hipóteses de simulação (ilícitos).
Some-se, a tudo isso, o fato de no Direito brasileiro ser
permitido ao particular fazer tudo que não for expressamente vedado em lei.
Esse alicerce interpretativo vigora há longos anos, e foi sempre prestigiado
pelo Supremo Tribunal Federal. Não há dúvidas acerca de sua aplicabilidade.
A corrente que defende a aplicação da teoria desconsideração
do ilícito atípico, em direito tributário, refuta a tese da violação à legalidade,
por entender que a proibição ao abuso não autorizaria a Administração
Pública, ou o Judiciário, a criar novas hipóteses de incidência, além de
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privilegiar a capacidade contributiva. A questão seria apenas de “correção da
conduta do contribuinte em relação ao ordenamento jurídico”. Tratar-se-ia,
segundo Marco Aurélio Greco, de (re)qualificação jurídica dos fatos, com o
que não concordamos.
Finalmente, cumpre-nos analisar a segurança jurídica. Em
nosso entender, a desconsideração dos ilícitos atípicos podem também violar
a segurança jurídica, que requer (i) a existência de normas jurídicas; (ii) que
as normas sejam prévias aos fatos por elas regulados; e (iii) que esta
existência prévia seja conhecida dos destinatários. O abuso de direito, espécie
de ilícito atípico, implica a quebra da previsibilidade do contribuinte em
relação à conduta estatal, porque ele não tem como saber se a conduta que
pretende realizar (ou já realizou) é ou não considerada punível pela
Administração Pública.
Passemos agora ao abuso de direito e a fraude à lei, que,
conforme já mencionamos, são consideradas espécies de ilícitos atípicos.
Para nós, entretanto, o primeiro é fato lícito e o segundo ilícito.
III.2. Abuso de direito no Código Civil de 2002 – reflexos em matéria
tributária?
É inconteste que ninguém pode fazer tudo o que deseja e que
está ao seu alcance. As pessoas vivem em sociedade, relacionam-se com
outros indivíduos, e possuem claros limites de atuação na lei e no direito de
terceiros (também previstos em proposições jurídicas). O limite do agir e do
não agir encontra-se na lei.
Muitos doutrinadores brasileiros e aplicadores do direito
defendem a ideia de que os negócios jurídicos necessitam ter uma causa além
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da economia fiscal, sob pena de desconsideração do ato. Os motivos que
normalmente motivam tal posição são: (i) o art. 187 do Código Civil; (ii) a
capacidade contributiva, a isonomia e a solidariedade social; e (iii) a
tendência internacional de proibir o abuso de direito em prol de uma justiça
fiscal e do equilíbrio entre interesses públicos e privados.
Esses argumentos pautam-se, sobretudo, no fato de que, em
um Estado Democrático de Direito, não se pode compactuar com
comportamentos considerados abusivos. Esse é, sem dúvida alguma, um
aspecto inegável, mas a primeira dificuldade reside em confrontá-lo com a
segurança jurídica e a legalidade.
Somos do entendimento de que não há, no direito positivo
brasileiro, enunciado que determine ao contribuinte a busca da via negocial
mais onerosa em termos tributários, nem a proibição pela menos onerosa.
Não há na legislação tributária, tampouco, qualquer menção ao abuso de
direito, de formas jurídicas, causa econômica ou propósito negocial, efeitos
jurídicos relevantes além da economia fiscal, objetivo único ou principal de
reduzir ou eliminar impostos, ato anormal de gestão. Esses institutos não
foram positivados pelo direito tributário.
Ao tratarmos do abuso de direito6, tomamos como ponto de
partida a concepção explicitada no art. 187 do Código Civil, segundo o qual
“Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede
manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela
boa-fé ou pelos bons costumes.”
6 Cf. João Batista Lopes (Tutela antecipada no processo civil brasileiro. São Paulo:
Saraiva, 2001, p. 63), “A expressão abuso de direito é por muitos criticada, pois o direito
termina onde se inicia o abuso; assim, não poderia haver abuso de direito, já que o
mesmo ato não pode ser, simultaneamente, conforme e contrário ao direito.”
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Referido artigo traduziu em nível infraconstitucional limites à
autonomia da vontade, consubstanciada essencialmente na liberdade de
iniciativa garantida pela Constituição, em seus artigos 1º, IV, e 170. No
abuso de direito não se nega a existência do direito, mas se questiona o modo
de seu exercício, na medida em que ele pode não encontrar justificativa ou
exceder o perfil do direito a que se refere e, com isso, implicar distorção não
aceita pelo ordenamento positivo, não sendo sequer necessária a consciência
por parte do agente, de que houve excesso no exercício de seu direito. Nem
sempre, por isso, existe o dolo, contrariamente ao que ocorre na fraude.
O que deve ser levado em conta, para a identificação do abuso
de direito, é se o ato praticado foge à normalidade, beneficia os envolvidos e
causa prejuízo a outrem. Mas oportuno registrar que, nem por isso, o ato
considerado abusivo trará consequências tributárias diversas das aplicáveis ao
ato lícito, pois para que haja juridicamente abuso, deve-se haver norma jurídica
que aponte qual o direito subjetivo objeto de abuso pelo sujeito, o que não
ocorre no caso.
III.3. Fraude à lei
De acordo com o art. 166, VI do Código Civil, é nulo o
negócio jurídico quando tiver por objetivo fraudar lei imperativa. A fraude é
referida no direito positivo tanto no sentido penal quanto civil. Será penal
quando houver dolo, como no art. 171 do Código Penal e nos artigos 149, III,
e 150, § 4º do CTN, introduzidos no sistema jurídico na época em que a
tipicidade fechada e a legalidade estrita não eram relativizadas, por parte da
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doutrina e da jurisprudência, pelo abuso de direito, pela capacidade
contributiva etc. Nessas situações, a conduta é sempre ilícita.
E o sentido será civil (fraude civil ou fraude à lei), quando o
objetivo for contornar norma imperativa de tributação, utilizando-se de outra
norma jurídica ou da ausência de previsão expressa. A conduta é lícita
perante a norma de contorno e ilícita perante a contornada.
Tratemos apenas do ilícito civil, por ser o único que nos
interessa no momento. A fraude à lei decorre de uma violação indireta da
lei, ou seja, a conduta praticada pelo sujeito é lícita, a rigor não viola
diretamente nenhum mandamento legal. Entretanto, seu objetivo é
contornar norma imperativa (contornada), utilizando-se de outra norma
jurídica (de contorno), com o que acaba por afrontar o ordenamento, a
proibição ou obrigação prevista em outra norma jurídica.
Orlando Gomes7 é incisivo: “Há fraude à lei com a realização,
por meios lícitos, de fins que ela não permite sejam atingidos diretamente,
por contrários à sua disposição.”
Assim, praticam-se fatos que se enquadram na norma de
contorno, para se evitar a incidência da norma contornada. Neste caso, não
estamos diante de conduta ilícita se ela for isoladamente considerada, mas da
não aplicação da norma de conduta imperativa (contornada). Tal dinâmica
acaba por transformar o que aparentemente era lícito em ilícito.
Para facilitar a compreensão, nada melhor que a figura
didática do exemplo8: trata-se de um clássico julgado do STF (RE 60.287,
Rel. Min. Villas Boas), da década de 60, em que era proibido importar
7 GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p.
155. 8 Cf. noticia Marco Aurélio Greco (Planejamento tributário. 2. ed. São Paulo: Dialética,
2008, p. 242).
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automóveis a fim de proteger a indústria automotiva nacional, em fase de
formação. Esta é a norma 1 (proibido importar automóvel). Portanto, não
era possível ao contribuinte chegar ao resultado desejado (ter um automóvel
importado) em razão da existência dessa norma. Existia, porém, uma
segunda norma que reconhecia haver no Brasil uma frota de veículos que
necessitava de peças estrangeiras para continuar funcionando, e esta frota
não poderia ser prejudicada. Por isso, existia a norma 2 que permitia a
importação de partes e peças (para reposição ou para integrar veículo
produzido no Brasil).
Certo contribuinte importou partes e peças (hipótese de
incidência da norma 2) suficientes para montar um automóvel no Brasil.
Portanto, não violou diretamente a norma 1, que proibia a importação direta
de veículos, mas acabou, com a importação das peças, obtendo o resultado
que a norma 1 pretendia evitar.
Esse caso foi julgado pelo STF como hipótese de fraude à lei
tributária. O contribuinte infringiu a proibição de importar, ainda que não
diretamente, já que sua conduta estava acobertada por uma lei (a das partes e
peças). A proibição foi manipulada, pois a finalidade da norma 2 era apenas
assegurar a manutenção e reposição da frota existente no país. Então, a
conduta desse contribuinte teria violado o ordenamento.
Nesse exemplo verifica-se que a conduta é regulada por uma
norma do próprio direito positivo, o que, em certa medida, implica
reconhecer que há respaldo no ordenamento jurídico. Mas, como então
considerá-la hipótese de evasão fiscal, com as consequências inerentes a
esse reconhecimento?
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Na fraude à lei, há violação à ordem posta. A licitude existe
somente se considerarmos a aplicação isolada de uma única norma (de
contorno) e não se sustenta, ao interpretarmos o ordenamento como um todo
coerente e sistêmico. Há, portanto, ato ilícito, pois a interpretação sistemática
é a que deve prevalecer.
A consequência da fraude à lei, no direito civil, é a nulidade do
negócio celebrado. No direito tributário, a fraude à lei é forte indício de
simulação relativa que, se devidamente comprovada, autoriza a requalificação
dos fatos pela autoridade administrativa ou judicial (por ilícito se tratar), mas
sem a aplicação da multa qualificada prevista no art. 44 da Lei n. 9.430/96, já
que não agride diretamente o consequente de uma norma jurídica que assegure
um direito ao Fisco.
III.4. Nossa posição
Sem norma não há processo de positivação, e os fatos não
adquirem qualificação de fatos jurídicos. É somente o sistema normativo que
decide quais fatos são jurídicos e quais não são apreendidos pela juridicidade.
Por isso, tendo em vista que o próprio sistema do direito
positivo estabelece quais fatos desencadeiam consequências de direito e os
que são juridicamente irrelevantes, é inadmissível aplicar norma por
analogia9 ou em função da capacidade contributiva e do dever social de pagar
9 Nas lições de Ruy Barbosa Nogueira (Curso de direito financeiro. São Paulo: José
Bushatsky, 1971, p. 78), aplicação analógica é aquela em que “a situação de direito é
clara, mas a de fato obscura, ou melhor, o texto descreve com clareza uma situação de
fato e o intérprete pretende aplicá-la a outra situação de fato, por ser análoga à descrita
pelo texto.” Para Heleno Taveira Tôrres (Limites do planejamento tributário e a norma
brasileira anti-simulação (LC 104/01). In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Grandes
questões atuais do direito tributário. v. 5. São Paulo: Dialética, 2001, p. 118), não se
trata de analogia, já que, nesta hipótese, há criação de norma para fato ocorrido, enquanto
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tributos. Igualmente inadmissível é entender que os atos podem ser de
alguma outra espécie que não lícitos ou ilícitos: ou eles estão de acordo com
o ordenamento ou contra.
O CTN trata de forma específica dos defeitos de um ato ou
negócio jurídico (artigos 116, § único, 149, VII, 150, § 4º, 154, 155, I e 180),
contemplando somente as hipóteses de dolo, fraude e simulação, inclusive a
relativa (dissimulação). Em razão disso, entendemos que o legislador não
submeteu o abuso de direito e o conteúdo econômico dos fatos ao tratamento
dispensado pela legislação civil. Abuso de direito e abuso de formas jurídicas
são figuras referidas apenas na exposição de motivos da Lei Complementar n.
104/2001, que circunscreveu a possibilidade de requalificação à ocorrência
de dissimulação.
Havendo na legislação tributária tratamento específico para os
defeitos dos atos ou negócios jurídicos, é essa legislação – e não a de
natureza civil – que deverá pautar os limites da atuação do contribuinte.
Assim, a requalificação de fatos típicos tributários, por autoridade
administrativa ou judicial, só poderá ocorrer se restar devidamente
comprovada a ocorrência de dolo, fraude, simulação ou dissimulação.
Portanto, o abuso de direito e o conteúdo econômico dos fatos
não são ilícitos e não se constituem em hipóteses de evasão fiscal; já a fraude
à lei é fato ilícito (dissimulação) e evasivo.
III.5. Desconsideração de atos e negócios jurídicos e a Lei Complementar
n. 104/01
que na elusão dá-se o oposto, ou seja, aplica-se a lei vigente aos casos mascarados ou
desviados, por manobra proposital do contribuinte, daquele tipo normativo.
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O art. 1º da Lei Complementar n. 104/01, alterou, dentre
outros, o art. 116 do CTN, introduzindo-lhe o parágrafo único. Prescreve
referido dispositivo que:
A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos
praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do
tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária,
observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.
A doutrina brasileira divide-se basicamente em duas correntes
interpretativas: os que entendem que este dispositivo legal introduziu no
sistema jurídico brasileiro norma geral antielisiva10
e os que entendem tratar-
se de norma antissimulação11
. Somos adeptos desta segunda corrente, por
entender, na linha de Eduardo Domingos Bottallo12
, que “reprimir a elisão é,
em última análise, o mesmo que frustrar o regular exercício de um direito.”
Os direitos e garantias individuais do cidadão contribuinte não foram
reformulados por uma norma antielisiva: o direito à auto-organização, ao
planejar-se licitamente, permanece existindo.
A legislação complementar é inovadora, no sentido de conferir
às pessoas políticas competência para a criação de lei ordinária contemplando
o procedimento a ser adotado para a desconsideração de atos jurídicos
dissimulados. Tal lei ainda não foi criada. Apesar disso, o ordenamento
jurídico brasileiro já autorizava a desconsideração de atos ou negócios,
efetivada por meio da utilização das presunções – pautadas nos princípios
constitucionais da legalidade, razoabilidade, capacidade contributiva etc. –
10
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 12. ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2005, p. 162-163. 11
XAVIER, Alberto. Tipicidade da tributação, simulação e norma antielisiva. São Paulo:
Dialética, 2001, p. 156-157. 12
BOTTALLO, Eduardo Domingos. Curso de processo administrativo tributário. São
Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 126.
18
combinada com o art. 149, VI, do CTN, que, por sua vez, prescreve que o
lançamento será efetuado e revisto de ofício, quando se comprovar que o
contribuinte agiu com dolo, fraude ou simulação13
.
O que se alterou, portanto, foi o fato de o procedimento de
desconsideração ser regulado por meio de lei (ordinária), conferindo, sem
dúvida alguma, extraordinária segurança jurídica aos contribuintes e aos
aplicadores do direito em geral. Para nós, essa é a primeira razão pela qual o
enunciado deveria ter sido recebido de forma positiva pela comunidade
jurídica.
Entendemos inexistir inconstitucionalidade na
desconsideração de atos jurídicos que impliquem evasão fiscal. Como os atos
ou negócios dissimulados encobrem o fato real, precursor de consequências
tributárias, incumbe à autoridade administrativa desconsiderá-los para tornar
conhecido o ato que se quis ocultar.
Além disso, outra questão que merece destaque diz respeito ao
fato de o parágrafo único o art. 116 não conferir à Administração o direito de
cobrar tributo correspondente ao montante que deixou de ser pago em face da
operação economicamente vantajosa, promovida pelo contribuinte dentro dos
parâmetros legais.14
13
Em sentido contrário ao nosso, vide Paulo Ayres Barreto (Elisão tributária: limites
normativos. 2008. Tese (livre-docência) – Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo. São Paulo: USP, 2008, p. 237 et seq.), para quem a ausência de regulamentação
gera a ineficácia técnica de natureza sintática do parágrafo único do art. 116 do CTN, e,
portanto, sua inaplicabilidade. 14
Os artigos 13 a 19 da MP n. 66, não convertidos na Lei n. 10.637/02, estabeleciam os
procedimentos a serem observados pela autoridade administrativa para a desconsideração
dos atos ou negócios praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato
gerador. Embora a finalidade fosse regrar tal procedimento, o texto legal ultrapassou o
comando constante da LC, ao prescrever que, para a desconsideração de ato ou negócio
jurídico, deve-se levar em conta a falta de propósito negocial ou o abuso de forma
jurídica. Ultrapassou os limites legais, também, por caracterizar como abuso de forma a
19
O fato de as exposições de motivos constantes da Lei
Complementar n. 104/2001 considerar que os planejamentos fiscais implicam
diminuição de arrecadação e que, por isso, deveriam ser combatidos, não
significa ter sido essa a hipótese contemplada pela norma: na elisão fiscal não
há fato ocultado, único fato típico constante do enunciado-enunciado capaz
de gerar a desconsideração do ato.
Assim, de acordo com as razões acima, entendemos que o
parágrafo único do art. 116 do CTN, introduzido pela Lei Complementar n.
104/2001, é constitucional, o que não afasta a possibilidade de o ato de
aplicação ultrapassar os limites legais, hipótese em que somente aquele ato
administrativo deverá ser anulado.
4. Da prova da existência da nova sociedade
Além de toda a intrincada discussão teórica que acabamos de
expor, a qualificação do fato é um grande – senão o maior – problema afeto à
elisão e à evasão fiscais, tendo em vista que o contribuinte qualifica-o como
elisivo, e o Fisco requalifica-o como evasivo, havendo duas camadas de
linguagem conflitantes. Somente a linguagem probatória poderá oferecer
subsídios para a solução dessa contradição.
Do administrado não deve ser exigido, de antemão, a prova da
boa-fé, se o negócio jurídico foi realizado conforme o direito. Compete ao
Fisco trazer elementos que indiquem a ocultação de um evento juridicamente
relevante, para que depois seja avaliada a licitude e a ilicitude do ato, aqui
entendida não apenas a forma, mas também a essência.
prática de negócio jurídico indireto que produzisse o mesmo resultado do ato ou negócio
dissimulado.
20
Diante dessas premissas, consideramos elisão a constituição,
dentro de um mesmo grupo econômico, de duas pessoas jurídicas, se os
negócios forem efetivamente distintos e as estruturas forem autônomas ou, se
compartilhadas, que exista remuneração.
Em contrapartida, será evasão fiscal (ilícito) a criação de
grupo de empresas sem individualização de empregados, estabelecimentos,
atividades clientes etc., existentes apenas para a divisão de receitas e
submissão ao regime do lucro presumido.
Assim, nada impede que os grupos econômicos se planejem, o
Fisco também o faz. A questão que há de ser provada, entretanto, é se a
empresa optante pelo lucro presumido existia efetivamente. E não se chega a
essa resposta somente com a análise do propósito negocial, mas, sobretudo,
com a demonstração do substrato fático da operação estruturada.
Esse é o ponto importante: se “B” exercia atividade, sua
receita poderia sujeitar-se a uma carga tributária inferior à da líder do grupo
econômico (“A”), pois a legislação assim autoriza. Trata-se de mera
economia fiscal, desprovida de qualquer ilicitude.
Destacamos, nessa oportunidade, algumas provas a favor da
legalidade da segregação, sem prejuízo de inúmeras outras a serem
consideradas de acordo com cada caso concreto:
Sócios da nova sociedade poderão ou não ser os mesmos da
controladora. Fato de serem diversos não garante, por si só, a não
contestação da estrutura que se pretende. O que importa é o conjunto
probatório.
A nova sociedade deverá possuir endereço diverso da sociedade
principal, e em local compatível com suas atividades (o local não
21
precisa ser grande, mas deve possuir a estrutura necessária para o
controle da intermediação, treinamento de funcionários etc.).
A nova sociedade deverá ter empregados em sua folha de pagamento,
em número suficiente ao exercício de sua atividade-fim.
Não incorrer em confusão patrimonial: receitas, despesas e controles
separados e controlados.
Pagamentos feitos pelos clientes devem ser em favor da nova
sociedade (“B”), e não de “A”.
5. Da jurisprudência administrativa
A jurisprudência do Conselho Administrativo de Recursos
Fiscais – CARF não destoa de todo o acima exposto. Trazemos, a seguir,
alguns casos importantes à presente análise, favoráveis ao contribuinte ou ao
Fisco. Vejamos.
Caso 1 - Acórdão nº 3403002.519 - 4ª Câmara da 3ª Turma Ordinária
PIS. REGIME MONOFÁSICO. PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO.
SIMULAÇÃO ABSOLUTA. DESCONSIDERAÇÃO DE ATOS E
NEGÓCIOS JURÍDICOS. ART. 116, P.U. DO CTN. UNIDADE
ECONÔMICA. ART. 126, III, DO CTN. NÃO CARACTERIZAÇÃO.
Não se configura simulação absoluta se a pessoa jurídica criada para exercer a
atividade de revendedor atacadista efetivamente existe e exerce tal atividade,
praticando atos válidos e eficazes que evidenciam a intenção negocial de atuar
na fase de revenda dos produtos.
A alteração na estrutura de um grupo econômico, separando em duas pessoas
jurídicas diferentes as diferentes atividades de industrialização e de
distribuição, não configura conduta abusiva nem a dissimulação prevista no
art. 116, p.u. do CTN, nem autoriza o tratamento conjunto das duas empresas
como se fosse uma só, a pretexto de configuração de unidade econômica, não
se aplicando ao caso o art. 126, III, do CTN.
Recurso voluntário provido. Recurso de ofício prejudicado.
22
Considerando o processo acima ementado, são os seguintes os
aspectos relevantes do julgamento:
As empresas não são ficções, existem e foram criadas em
consequência da política fiscal que onerou o setor produtivo,
induzindo os produtores a atuarem também na atividade de revenda e
distribuição.
O contribuinte não pretendeu escapar da incidência monofásica, mas
deixou de ocupar-se apenas da produção, passando a atuar no
mercado de distribuição e revenda dos produtos, ou seja, passou a
ocupar mais de uma das etapas da cadeia econômica.
O propósito negocial é a efetiva revenda de produtos.
Não se pode promover a desconsideração dos atos e negócios
jurídicos que envolvem o desdobramento de atividades entre pessoas
jurídicas diferentes, ao argumento de que a abusividade residiria na
queda da arrecadação.
Caso 2 – Acórdão n.º 103-23.357 (23/01/2008)
SIMULAÇÃO - INEXISTÊNCIA - Não é simulação a instalação de duas
empresas na mesma área geográfica com o desmembramento das atividades
antes exercidas por uma delas objetivando racionalizar as operações e diminuir
a carga tributária.
Os aspectos importantes do julgamento, que deram ganho de
causa ao contribuinte, são os seguintes:
Utilização de formas lícitas.
Ausência de ilicitude na escolha de um caminho menos oneroso.
23
Ilegitimidade da reunião de receitas das duas empresas para serem
tributadas em conjunto.
Caso 3 - Acórdão n.º 103-15.107 (04/07/1994)
Lucro Presumido - Simulação - Para que, no caso em apreço, ficasse
perfeitamente caracterizada a simulação apontada, não deveria a acusação
restringir-se à tese de que a nova empresa, constituída em local vizinho à
original e com igual composição societária, visava burlar limite de receita
bruta: cumpriria aprofundar o exame contábil-fiscal em ambas as empresas, a
fim de certificar-se se, de fato, existia uma única prestadora de serviços.
Os aspectos relevantes do julgamento, que deram ganho de
causa ao contribuinte, são os seguintes:
Caracterização da simulação depende das provas produzidas, e não da
alegação de que o contribuinte visou à economia fiscal.
Ausência de ilicitude do caminho menos oneroso.
CASO 4 - Ac. 103-07260, de 25/2/86 (Caso Grandene)
IRPJ. TRANSFERÊNCIA DE RECEITAS. EVASÃO FISCAL. Há evasão
ilegal de tributos quando se criam oito sociedades de uma só vez, com os
mesmos sócios que, sob a aparência de servirem à revenda dos produtos da
recorrente, tem, na realidade, o objetivo admitido de evadir tributo, ao abrigo
de tributação mitigada (lucro presumido).
Os aspectos relevantes deste emblemático julgamento,
favorável ao Fisco, foram:
A empresa tributada pelo lucro real vendia as mercadorias a valor de
custo, e as oito empresas do grupo revendiam a preço de mercado. O
ganho era tributado pelo lucro presumido.
O CARF entendeu haver simulação, uma vez que as oito empresas
não possuíam estrutura e tampouco funcionários próprios para operar.
24
Caso 5 - Acórdão n.º 101-95.208 (19/10/2005)
IRPJ - CSL - CONSTITUIÇÃO DE EMPRESA COM ARTIFICIALlSMO
DESCONSIDERAÇÃO DOS SERVIÇOS PRETENSAMENTE
PRESTADOS – MULTA QUALIFICADA - NECESSIDADE DA
RECONSTITUIÇÃO DE EFEITOS VERDADEIROS
Comprovada a impossibilidade fática da prestação de serviços por empresa
pertencente aos mesmos sócios, dada a inexistente estrutura operacional, resta
caracterizado o artificialismo das operações, cujo objetivo foi reduzir a carga
tributária da recorrente mediante a tributação de relevante parcela de seu
resultado pelo lucro presumido na pretensa prestadora de serviços. Assim
sendo, devem ser desconsideradas as' despesas correspondentes. Todavia, se
ao engendrar as operações artificiais, a empresa que pretensamente prestou os
serviços sofreu tributação, ainda que de tributos diversos, há de se recompor a
verdade material, compensando-se todos os tributos já recolhidos.
Os aspectos relevantes do julgamento, favorável ao Fisco:
Mesma sede, mesmos sócios, mesmo objeto social.
Falta de substrato econômico: estrutura reduzida e um único
funcionário.
Preço do serviço contratado: em média 80% do resultado das
operações.
Falta de propósito negocial: única finalidade era a diminuição da
carga tributária.
Artificialismo da operação: não basta ser formalmente verdadeiro,
deve haver compatibilidade entre a forma e as provas relativas aos
fatos.
Caso 6 – Ac. 107-08326, de 9/11/05 (caso Kitchens)
Os elementos probatórios indicam, com firmeza, que as pessoas jurídicas,
embora formalmente constituídas como distintas, formam uma única empresa
que atende, plenamente, o cliente que a procura em busca do produto por ela
notoriamente fabricado e comercializado.
25
Este também é um processo relevante e conhecido. A decisão
foi acertadamente proferida a favor do Fisco, conforme a seguir:
Características da pessoa jurídica constituída para prestação de
serviços (projeto e montagem) relativos aos produtos produzidos e
comercializados por outra:
o Pertenciam aos mesmos sócios.
o Mesma marca e logotipo.
o Ocupação do mesmo local.
o Venda feita por vendedores da comercial, que possuía toda a
estrutura administrativa e de pessoal (mesmos vendedores e
contadores).
o Comercial pagava aluguel do local comum e não rateava os
custos e despesas.
A PJ industrial e comercial (já existente) ficava com a maior parte dos
custos e despesas e com a menor parte das receitas (30%), pagando
ICMS e IPI.
A nova pessoa jurídica ficava com a maior parte das receitas (70%),
pagando ISS.
Acórdão considerou que as duas pessoas jurídicas formavam uma só
empresa, tendo a segunda sido constituída com o único propósito de
economia de tributos através da utilização de pessoa jurídica existente
no papel.
6. Conclusões
Diante de todo o exposto, podemos concluir o seguinte:
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1. Nada impede que os grupos econômicos planejem-se de forma legal a
fim de segregar operações para melhor desenvolvimento de atividades
distintas. O Fisco também se planeja.
2. Sempre haverá risco de autuação, tendo em vista a subjetividade de
algumas questões que permeiam esse tipo de estruturação.
3. Questão que há de ser provada é se a empresa optante pelo lucro
presumido (“B”) existia efetivamente. Não se chega a essa resposta
somente com a análise do propósito negocial; deve, sobretudo, existir
substrato fático da operação estruturada.
4. Haverá elisão se houver a constituição, dentro do mesmo grupo
econômico, de duas ou mais pessoas jurídicas, se os negócios forem
efetivamente distintos e as estruturas forem autônomas ou, se
compartilhadas, houver remuneração.
5. E, finalmente, haverá evasão se houver a criação de grupo de
empresas sem individualização de empregados, estabelecimentos,
atividades, clientes etc., empresas essas existentes apenas para a
divisão de receitas e submissão ao regime do lucro presumido.