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MÉTODO E CONTEÚDO DO DIREITO AGRÁRIO* Fábio Maria De-Mattia Professor Titular do da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo Resumo: O estudo tem por objeto aspectos relevantes da teoria geral do Direito Agrário. O primeiro deles diz respeito às várias "orientações" que se estruturaram no estudo do método do Direito Agrário. O segundo diz respeito à sua especificidade. O Direito Agrário ao relacionar-se com outras disciplinas jurídicas especializou-se, gerando sub-ramos: o Direito Contratual Agrário, o Direito Fundiário Agrário, o Direito Industrial Agrário (patentes vegetais), o Direito Internacional Agrário, o Direito Empresarial Agrário (a empresa e o estabelecimento). Adota-se a individualização do Direito Agrário por meio de seus institutos. Aborda, ainda, a concepção "pura" do Direito Agrário e as concepções alternativas, por exemplo, abrangendo a interligação Direito Ambiental - Direito Agrário. Abstract: The study has for object important aspects of the general theory of the Agrarian Right. The first of them concerns the several "orientations" that were structured in the study o the method of the Agrarian Right. The second concerns your specify. The Agrarian Right when linking with other juridical disciplines specialized generating sub-branches: the Agrarian Contractual Right, the Right Agrarian, the Agrarian Environmental Right, the Agrarian Hereditary Right, the Agrarian Industrial Right (the company and the establishment). The individualization of the Agrarian Right is adopted through your institutes. Approaches, still, the purê "conception" of the Agrarian Right and the alternative conceptions, for instance, embracing the interligation Environmental Right - Agrarian Right. Unitermos: teoria geral do Direito Agrário; sub-ramos do Direito Agrário. * Este trabalho é dedicado ao professor doutor Antônio Junqueira de Azevedo, mestre e amigo dileto que em sendo dinâmico e eficiente Diretor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, foi criada e instituída uma vaga para professor titular na área de Direito Agrário.

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  • MTODO E CONTEDO DO DIREITO AGRRIO*

    Fbio Maria De-Mattia Professor Titular do da Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo

    Resumo: O estudo tem por objeto aspectos relevantes da teoria geral do

    Direito Agrrio. O primeiro deles diz respeito s vrias "orientaes" que se estruturaram no estudo do mtodo do Direito Agrrio. O segundo diz respeito sua especificidade. O Direito Agrrio ao relacionar-se com outras disciplinas jurdicas especializou-se, gerando sub-ramos: o Direito Contratual Agrrio, o Direito Fundirio Agrrio, o Direito Industrial Agrrio (patentes vegetais), o Direito Internacional Agrrio, o Direito Empresarial Agrrio (a empresa e o estabelecimento). Adota-se a individualizao do Direito Agrrio por meio de seus institutos. Aborda, ainda, a concepo "pura" do Direito Agrrio e as concepes alternativas, por exemplo, abrangendo a interligao Direito Ambiental - Direito Agrrio.

    Abstract: The study has for object important aspects of the general theory

    of the Agrarian Right. The first of them concerns the several "orientations" that were structured in the study o the method of the Agrarian Right. The second concerns your specify. The Agrarian Right when linking with other juridical disciplines specialized generating sub-branches: the Agrarian Contractual Right, the Right Agrarian, the Agrarian Environmental Right, the Agrarian Hereditary Right, the Agrarian Industrial Right (the company and the establishment). The individualization of the Agrarian Right is adopted through your institutes. Approaches, still, the pur "conception" of the Agrarian Right and the alternative conceptions, for instance, embracing the interligation Environmental Right - Agrarian Right.

    Unitermos: teoria geral do Direito Agrrio; sub-ramos do Direito Agrrio.

    * Este trabalho dedicado ao professor doutor Antnio Junqueira de Azevedo, mestre e amigo dileto que em sendo dinmico e eficiente Diretor da Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo, foi criada e instituda uma vaga para professor titular na rea de Direito Agrrio.

  • 136 Fbio Maria De-Mattia

    Sumrio:

    Introduo 1. Parte introdutria. 2. Histria da cincia do Direito Agrrio sob o ponto de vista do mtodo. O Mtodo 1. Opes do mtodo. 2. A individuao do Direito Agrrio por meio dos seus institutos. 3. O processo de "constitucionalizao do Direito Agrrio" 4. A concepo "pura" do Direito Agrrio e as concepes alternativas. 5. A concepo agrobiolgica como investida metodolgica: discusso. O Objeto ou Contedo 1. As teorias pessimistas sobre o objeto. 2. Sobre a formulao do objeto em termos subjetivos ou em termos objetivos. 3. Determinao em positivo sobre o objeto. Concluses Bibliografia

    O estudo da cincia do Direito Agrrio tendo como preocupao questes de mtodo e do contedo ou objeto deve ser antecedido pela anlise de trs aspectos: 1. se existe uma cincia do Direito Agrrio; 2. a questo epistemolgica; 3. histria da cincia do Direito Agrrio sob o ponto de vista do mtodo.1

    Introduo

    1. Parte introdutria

    a. Se existe uma Cincia do Direito Agrrio

    A resposta afirmativa estar dada, na verdade, quando se cuida da autonomia do Direito Agrrio em sentido cientfico, sendo certo que a cientificidade da matria u m dos pressupostos da observada autonomia (no plano cientfico,

    1. Carrozza, Antnio. "Lezioni di Diritto Agrrio'', "I Elementi di Teoria Generale", Milano, Giuffr Editore, 1988, p. 73.

  • Mtodo e contedo do Direito Agrrio 137

    precisamente, alm dos planos didtico e legislativo).2

    Neste sentido, verificar o estudioso a matria conforme se delineie a questo da ocorrncia de um tratamento legislativo autnomo (autonomia legislativa) ou que se trate da oportunidade de u m ensinamento distinto para o Direito Agrrio (autonomia didtica) ou que se discuta por fim a autonomia do ramo do estudo cientfico, que diz respeito nossa matria (autonomia cientfica).

    Mas nem todos os estudiosos da matria parecem convictos de tal assero, vez que ainda se indaga se possvel admitir uma cincia que procura, continuamente, o seu contedo, seus objetos, que, enfim, est hoje, como ontem, " procura de si mesma"

    Cario Alberto Graziani ao explicitar tal indagao opina que a doutrina agrria moderna no se refere, presentemente, a u m Direito Agrrio, mas a mltiplos direitos agrrios, tantos quantos sejam os subsetores que, gradualmente, vo sendo identificados. Neste sentido, os subsetores se podem classificar procedendo-se distines verticais: 1. subsetor contratual; 2. reforma fundiria; 3. sanitrio veterinrio; 4. zootcnico; 5. hereditrio; 6. patentes vegetais. Mas as distines dos subsetores podem ser horizontais: 1. o setor administrativo; 2. processual; 3. securitrio previdencirio; 4. trabalho; 5. industrial; 6. penal; outros ainda.

    O m e s m o autor aponta que, justamente, a exigncia em especificar subsetores diversos comprovaria inequivocamente que "a discusso concerne no a uma cincia, mas-somente a um fenmeno do mundo real e pois um setor da economia, precisamente, o setor primrio - que incide sobre ramos jurdicos multplices (direito civil, processual, administrativo, comunitrio, do trabalho, etc.) dotados de princpios prprios os quais aplicam-se onde a lei especial, como freqentemente acontece, no introduz excees para o setor agrcola"3

    Graziani conclui que as excees introduzidas pelo legislador, tendo presente a especificidade do fenmeno agrcola, no-bastam para compor u m a lista de princpios sobre a qual fundamentar u m a cincia do Direito Agrrio verdadeira e prpria.

    Paolo Grossi, partindo das consideraes elaboradas por Cario Alberto

    2. Id, ibid., p. 73.

    3. Carrozza, Antnio, ob. cit., p. 73.

    4. Id., ibid.. p. 74.

  • 13 8 Fbio Maria De-Mattia

    Graziani, salientou e m sede de rplica, considerada por Antnio Carrozza de muito eficaz, "que a cincia mais posio do que soluo de problemas, procura da verdade, um itinerrio orientado ideologicamente, um movimento, para uma meta que sempre transcende; cincia nunca conquista definitiva, e nem mesmo um conjunto de certezas imveis"

    Grossi prossegue: "Se o Direito Agrrio neste momento nos parece ainda a procura de sua face completa, por causa do transformar-se rpido e incandescente em que adentrou, se nos parece inchado de complexo sem pod-lo transformar em arquiteturas dogmticas assentadas, disto no extrairei conseqncias negativas quanto sua cientificidade"

    Este enfoque do ilustre historiador e estudioso do Direito Agrrio que Antnio Carrozza ratifica consente em encerrar tambm a controvrsia sobre a existncia de uma cincia do Direito Agrrio.3

    Poder-se- dizer tratar-se de cincia jovem e pobre (e o de homens, de meios e talvez de idias), ou algo que se queira dizer, mas seu "existir" est pois provado, e com argumentao no fundo assaz elementar sob o ponto de vista filosfico, enquanto nos remete ao cartesiano cogito ergo sum6

    Escusado dizer, o existir de uma cincia especfica do Direito Agrrio no significa que seja fcil exercit-la. As dificuldades so mltiplas: 1. no existe, como respaldo, uma histria geral do pensamento inerente ao direito da agricultura; 2. no existe o hbito de agregar elementos de uma teoria geral a partir dos sujeitos particulares da pesquisa ou 3. mesmo somente uma parte geral que se antepe s partes especiais (e toda cincia pode aparecer "acfala", enquanto resulte desguarnecida de uma verdadeira teoria geral);7 "inexiste mesmo unanimidade quanto uma definio da matria"

    Ainda fato mais grave que a doutrina "especial" do Direito Agrrio, "em crise desde sua gestao'' tenha vivido atormentada pela necessidade de alcanar acordo sobre os limites dos assuntos a serem tratados.

    Esta ltima reflexo introduz o assunto que segue, dedicado ao mais incitante dos problemas modernos de teoria geral: o problema do objeto.8

    5. Id, ibid, p. 74.

    6. Id, ibid, p. 74.

    7. Id, ibid. p. 74.

    8. Id, ibid, p. 75.

  • Mtodo e contedo do Direito Agrrio 139

    t>. A questo epistemolgica

    Desde que se admita que problema de cincia jurdica essencialmente u m problema de relaes entre objeto e mtodo, necessrio estudar a questo epistemolgica mais importante: a clarificao do mtodo e do objeto do Direito.

    Mtodo e objeto u m binmio que inoportuno decompor, se verdade que o objeto de uma cincia no uma varivel, independente do mtodo empregado para o determinar; do mesmo modo o estudo do objeto no uma varivel (completamente) independente do sistema de Direito Positivo, onde o expositor se insere e opera.

    Quanto ao objeto, cada poca prope uma graduao diferente dos problemas cientficos.

    Anteriormente cuidou-se do problema da autonomia, superada a preocupao com tal aspecto, presentemente, a vez do objeto.

    necessrio reconhecer primeiramente o carter de complexidade de exposio sobre este tema, carter que explica a dificuldade admitida e muitas vezes lembrada quanto a fixar os limites claros e estveis do Direito Agrrio como conjunto de normas, como normao, e reflexamente a este Direito como cincia, ainda que seja lcito confiar na estabilidade frente realidade das metamorfoses contnuas de tal objeto sempre na lio de Antnio Carrozza.

    Neste sentido apresenta-se a afirmao de Mario Longo, na qual com razo considera que, pelo fato da especializao da matria compreendida pelo Direito Agrrio resultar til e no-danosa ao progredir da cincia, essa deve manter a viso geral do ordenamento jurdico e deve se dirigir formao de ramos, os mais orgnicos e unitrios possveis. Por isto que, para este autor, o verdadeiro problema de elaborao do Direito Agrrio, longe de ser o da autonomia, aquele da organicidade e unidade da disciplina.9

    Para Antnio Carrozza logo em seguida deve-se recordar que, se se confia no carter de organicidade do Direito Agrrio, peculiar em u m Direito que se auto-reproduz em mltiplas direes (os subsetores de que, em outro sentido, escreve Graziani), e que encontra em si mesmo a capacidade de se completar, no h

    9. Longo, Mario. "Profili di Diritto Agrrio Italiano", Ia edio, Torino, Editrice G. Giappichelli, 1951, p. 24.

  • 140 Fbio Maria De-Mattia

    por que se admirar ao ver este objeto crescer e se dilatar e com isso se alargar o horizonte dos interesses dos cultores da matria.

    Talvez seja oportuno renovar a advertncia de no-confundir o que distingue o Direito Agrrio como conjunto de "regulae legis" da cincia do Direito Agrrio como conjunto de conceitos e de instrumentos conceituais: na verdade o perigo de semelhante confuso de planos constante e quase inadvertido, quando se fala de objetos e de contedos.10

    Se a afirmao no-soasse to-peremptria asseveraramos, com efeito, tambm mantendo os dois planos distintos, os quais em tema de objeto ou de contedo se intersecionam, no sentido que em substncia o objeto da cincia do Direito Agrrio o prprio Direito Agrrio, como norma, enquanto o Direito Agrrio tem por objeto a agricultura, focalizada em primeiro lugar como atividade produtiva centrada, em primeiro lugar, no fenmeno da criao e, em segundo lugar, como conjunto de atividades e de relaes que formam num certo sentido o territrio circunstante quele fenmeno.

    essncia da agricultura admitida como criao de animais ou vegetais, necessrio atentar para os aspectos remanescentes do objeto.

    H ainda u m preconceito a afastar, vez que, no campo de nossos estudos, radicou-se a convico de que os limites dentro dos quais a atividade do agricultor relevante para o ordenamento jurdico sejam fixados por lei e m termos vinculantes e, rebus sic stantibus, imodificveis."

    N a realidade, a demonstrao de que o regime jurdico da agricultura deve ser construdo de u m certo modo integra a tarefa que cabe doutrina, analogamente ao exerccio de uma crtica vigilante com relao s disfunes admoestatrias no Direito Positivo, tendo presente o fato que o produto legislativo no pode ser seno o resultado de compromissos penosos e precrios entre as ideologias poltico-sociais contrapostas: e os compromissos dos polticos, sabe-se, envolvem quase fatalmente o sacrifcio da pureza lgica do sistema e acrescem a confuso e a impropriedade da linguagem normativa.12

    O conhecimento e a avaliao dos fatores de especificao do Direito Agrrio integram a bagagem cultural do agrarista terico e sua tarefa denunciar as

    10. Carrozza, Antnio, op. cit., p. 75.

    W.ld, ibid, pp. 75e76.

    12. Id, ibid, p. 76.

  • Mtodo e contedo do Direito Agrrio 141

    situaes em que o ordenamento posto deixar a desejar quanto adequao causa, ao raciocnio da especialidade, o que, muitas vezes, consubstancia u m desvio da norma do objeto tpico do Direito Agrrio, do qual falta u m conhecimento demonstrado.

    Enfim devemos, sempre, mover-nos da premissa que o direito autntico da agricultura ainda no se efetivou de modo apto e integralmente no espao que lhe reserva a delimitao do objeto.

    No resta seno confiar na funo propulsora e crtica da cincia do Direito.13

    2. Histria da cincia do Direito Agrrio sob o ponto de vista do mtodo.

    Na investida ao objeto do Direito Agrrio devem ser examinados os "caminhos nacionais do Direito Agrrio'' ou seja, as notas distintivas mais relevantes do "estilo francs" e do "estilo italiano"

    So duas vertentes que partem de uma encruzilhada comum, o Cdigo Napoleo, mas que divergem, hoje, claramente e em certo sentido so emblemticas de duas posies metodolgicas diversas e mesmo opostas, ambas profcuas.

    Destaque-se como exemplo, nesta perspectiva de distino das escolas francesa e italiana, as verificaes de Alberto Germano e Eva Rook Basile, que se referem unificao legislativa, sob a categoria unitria da empresa, da atividade agrcola com aquelas comerciais e industriais operadas na Itlia pelo Cdigo de 1942 - que no chegou a ocorrer na Frana. No h dvida sobre a convenincia de servir-nos do conceito de empresa e de tudo que a esta idia se submete quando se examina o Direito francs do exerccio da atividade econmica de produo agrcola. Todavia deve-se ter clara a noo de que entre entreprise (comercial) e exploitation (agrcola) so suscitadas diferenas de Direito Positivo muito mais profundas do que aquelas que surgem entre as empresas agrcola (art. 2.135 do Cdigo Civil italiano) e empresa comercial (art. 2.195 do mesmo diploma), coligadas na unidade da noo legislativa de empresa (art. 2.082).14

    A propsito falou-se, com imagem brilhante, em uma contraposio do

    \3.Id, ibid. p. 77.

    14. Germano, Alberto, e Basile, Eva Rook. Lineamenti di Diritto Agrrio Francese, Milano, P edio, Dott. A. Giuffr Editore, p. 15.

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    mos gallicus ao mos italicus (que , pois, parente do mos hispanicus e hispano-americano).

    Seria porm u m erro imaginar o mos italicus como u m fenmeno cientfico-cultural compacto, em todas as suas manifestaes unido e disciplinado; ele, ao contrrio, tambm apresenta uma composio bastante variada, devido ao temperamento diverso dos estudiosos principalmente representativos (aqueles que poderemos denominar, se no fossem to-poucos, os autores "clssicos" do Direito Agrrio) mais do que a uma propenso ciente e marcada para u m mtodo ao invs de para outro.15

    Mas significa lei, regulamento, qualidade, estado. A o se procurar a chave para a melhor compreenso da historiografia

    do Direito Agrrio, tambm, deve ser apontado que as posies metodolgicas, que caracterizam na sua origem "as duas escolas" italianas do Direito Agrrio, com o tempo, com a contribuio do pensamento dos herdeiros de ambas escolas, as duas posies metodolgicas confluram para u m estilo interpretativo e construtivo bastante homogneo, sinalizado apenas por "endereos diversos" conforme a leitura correta e fria de Agustn Luna Serrano, na observao de Antnio Carrozza.16

    A diviso em duas escolas que marcou os primeiros decnios deve-se aos estudos de Natalino Irti.

    Talvez a nica voz discordante a de Cario Alberto Graziani, como j acenamos, que sustentou com vigor e incontestvel coerncia uma orientao crtica, que se consubstancia na negao da exeqibilidade de u m Direito Agrrio unitrio. A este propsito, Antnio Carrozza se refere a uma "concepo atomstica" do Direito Agrrio, no distante da orientao do mos gallicus}1

    Para se traar o histrico moderno do Direito Agrrio, considera-se o nascimento do movimento doutrinrio italiano desta disciplina a data de 1922, ano e m que se registram dois acontecimentos memorveis que tm como protagonista a figura relevante e singular do professor Giangastone Bolla: a instituio do primeiro curso oficial dedicado ao Direito Agrrio, junto a antiga Faculdade de Cincias Agrrias da Universidade de Pisa justamente ministrado por Bolla e a fundao, por este mesmo professor, da "Rivista di Diritto Agrrio" que est no septuagsimo

    15. Carrozza, Antnio, ob. cit., p. 77.

    \6.Id. ibid. p. 77.

    17. Id, ibid. pp. 77e78.

  • Mtodo e contedo do Direito Agrrio 143

    terceiro ano.18

    Contudo, a gestao remonta aos ltimos anos do sculo precedente, quando se torna perceptvel u m movimento de reflexo sustancialmente autnomo do pensamento civilista dominante, at ento condicionado pela tradio dos esquemas romanistas, o que obstava uma plena adeso das formas jurdicas realidade econmico-social.19

    Ressalte-se, contudo, que 1922 assinala o momento da tomada de conscincia do novo Direito, figurativamente: o nascimento.20

    Para se conhecer o que ocorrera u m sculo antes, relevante a contribuio de Paolo Grossi que, na avaliao de Antnio Carrozza, "fixa agudamente o histrico do Direito Agrrio"2I

    Grossi informa que a partir da metade do sculo XIX havia, na Itlia, vrios "cursos1, de lies e manuais que evocam a "legislao agrria" e a "legislao rural", mas que estes cursos no nos interessam, porque limitam a sua ateno para aquela zona objetivamente definida, que o conjunto das relaes agrrias. Ressalta que o seu mtodo contudo no-difere do exegtico do mtodo civilista.

    Para os autores italianos da segunda metade do sculo XIX e incio do sculo X X "falar-se de autonomia do seu discurso cientfico concluso sem dvida desproporcionada"

    Importante, ao invs, a anlise do momento em que, frente a uma realidade tcnica e scio-econmica tanto prpria quanto inerente agricultura e sua organizao, comea a emergir uma conscincia particular de jurista que inclui no seu discurso cientfico notas de autonomia substancial."

    Antnio Carrozza relaciona trs exemplos notveis inseridos por partidrios de referida autonomia substancial: Francesco Filomusi Guelfi, Giacomo Venezian e Vincenzo Simoncelli. Traa-lhes o perfil como trs personalidades dominadas pela insatisfao pelos velhos mtodos, atrados por aquele "real" autntico, a terra, e que participam do entendimento que no momento em que os

    18. Id, ibid, p. 78.

    19. Id, ibid, p. 78.

    20. Id, ibid, p. 78.

    21. Id, ibid, p. 78.

    22. Id, ibid, p. 78.

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    juristas criam u m a observao sobre o "real" compreendem a necessidade, a exigncia de operar u m a variao de mtodo. o caminho que leva u m a nota cultural inconfundvel ao Direito como cincia.23

    A "Rivista di Diritto Agrrio" passa a representar u m a mensagem clara e explcita de autonomia.

    Ento comeam a se delinear as duas escolas de Direito Agrrio. A matria foi objeto de importante estudo de autoria de Natalino Irti

    que elabora u m a reconstruo, apontando a existncia de duas escolas: a primeira encabeada por Ageo Arcangeli (1880-1935), apresenta-se propriamente jurdica, ou seja, sensvel ao mtodo civilista; j a segunda escola intitulada Giangastone Bolla (1882-1971) para cujo substrato confluem "sugestes histricas, critrios econmicos e motivos ideolgicos" que induzem a ressaltar o tecnicismo da agricultura e os setores identificados com a res frugifera e, concomitantemente, a reivindicar com vivacidade semelhante e tencia a autonomia do Direito Agrrio, concebido e exaltado como jus proprium da agricultura.24

    O itinerrio cientfico de Giangastone Bolla se estende desde a denominada idade de ouro do Direito Agrrio (o perodo entre as duas guerras) at nossos dias.25

    Natalino Irti ressaltou que "o sistema legislativo, no oferecendo espao para um significado autnomo de atividade agrcola, impeliu Bolla e a escola florentina alm dos limites rigorosos da indagao jurdica: justamente no campo das estruturas tcnicas e dos interesses econmicos"

    Antnio Carrozza conclui que tal reflexo de Natalino Irti revela "nfase crtica talvez excessiva"'

    Situa, Antnio Carrozza, Giangastone Bolla como u m protagonista inimitvel de seu tempo, mas definitivamente solitrio, enquanto a escola iniciada por Ageo Arcangeli conta com numerosos adeptos do mtodo jurdico, provenientes em geral da escola civilista, j falecidos h anos, entre eles Giovanni Carrara, Giorgio de Semo, Ferruccio Pergolesi, Pietro Germani, Fulvio Maroi, Giovan Battista Funaioli e Alfredo Moschella. Entre os vivos cita Salvatore Orlando Cascio.

    23. Id. ibid. pp. 78e79.

    24. Id, ibid, p. 79.

    25. Id, ibid. p. 79.

    26. Id, ibid, p. 79.

  • Mtodo e contedo do Direito Agrrio 145

    Mas Enrico Bassanelli quem colheu a herana de seu mestre Arcangeli, o chefe indiscutvel desta corrente: muitas geraes de jusagraristas so devedores de seu magistrio elevado e severo.27

    Carrozza conclui que o critrio de anlise histrica fundamentado na contraposio das duas escolas permite sublinhar duas posies metodolgicas fundamentais dos primeiros cultores de uma disciplina que estava procura de sua identidade, obviamente ontem muito mais do que hoje, enquanto o sistema da cincia do Direito Agrrio, em seus alvores, custava a se colocar como "reproduo" do sistema das leis e das solues econmico-sociais.28

    A contraposio entre as duas escolas, visvel nos primrdios, cessou praticamente de existir quando a partir da metade do sculo tornou-se superada: a utilidade da reconstruo por meio do critrio das "duas escolas" se atenua porque a contraposio delas logo se reduz em decorrncia da diversidade de carter de duas fortes personalidades: Bolla e Bassanelli, to-diversas no-obstante admiravelmente unidas no esforo em obter reconhecimento disciplina prelecionada.29

    Quanto aos discpulos e continuadores, sua ao pode se inserir em u m catlogo de metodologias que, presentemente, se apresenta de u m lado suficientemente articulado e, de outro, muito menos caracterizado: e por outro lado, m e s m o sob o perfil do mtodo, adquirem relevo os condicionamentos.30

    O quadro traado com sabedoria, recentemente, por Agustn Luna Serrano,31 ao analisar o desenvolvimento do Direito Agrrio no perodo 1960-1985, afasta-se do enfoque baseado em "escolas" para se basear em "direes" que vo da orientao institucional (que Giovanni Galloni e Alberto Ballarin Marcial herdaram de Bolla) sociolgica (seguida pelos agraristas da Amrica Latina e bem recebida na Frana, mormente na esfera da "Revue de Droit Rural": mas na Itlia se transforma em u m a orientao sociolgica-econmica), formalista (integrada por Natalino Irti e outros), e enfim orientao tcnico-jurdica, na sua ramificao mais acentuadamente sistemtica (Giovan Battista Funaioli e depois Antnio Carrozza) e

    27. Id, ibid, p. 80.

    28./d, ibid, p. 80.

    29. Id. ibid. p. 80.

    30. Id, ibid, p. 80.

    31. A avaliao de Antnio Carrozza.

  • 146 Fbio Maria De-Mattia

    ainda a orientao axiolgico-valorativa (Emilio Romagnoli, que Antnio Carrozza define como u m escritor fecundo e dotado de faculdades sincrticas particulares).32

    Agustn Luna Serrano, escrevendo em 1986, ainda admite que o Direito Agrrio se aflige na procura de sua identidade.33 Conclui que no perodo 1960-1985 a abordagem metodolgica bsica foi o alargamento progressivo do contedo normativo levado ao sistema de Direito Agrrio.34

    A variedade das direes metodolgicas da pesquisa Agrria deriva, com efeito, da diversidade das metas que cada jurista agrrio se prope alcanar, de maneira que a escolha da meta torna-se escolha metodolgica fundamental.

    No h dvida, sob este aspecto, que as duas metas das pesquisas dos agraristas nos 25 anos (1960-1985) foram as da determinao do objeto e do contedo normativo do Direito Agrrio/5

    Agustn Luna Serrano indica que, entre as direes metodolgicas que avaliou prevalecentes no estado atual dos estudos agrrios, a institucional e sociolgica poderiam, de qualquer maneira, essencialmente coligar-se escola tcnico-econmica que partiria do ensinamento de Giangastone Bolla: contudo a orientao institucional idealmente se refere s indicaes de Bolla com u m perfil que apenas sob aspectos muito especficos ligam-se s sugestes do mestre/6

    Quanto orientao sociolgica do Direito Agrrio, conecta-se escola tcnico-econmica to-somente no sentido que se baseia em dados de fato como ponto inicial, mas, pelo menos em suas manifestaes europias, posiciona-se imediatamente a redimensionar qualquer virtualidade normativa que se queira extrair dos prprios dados de fato.

    As quatro direes metodolgicas individuadas objetivaram a uma das duas metas, a determinao do objeto do Direito Agrrio que consinta na reduo de seus institutos de uma constelao a u m sistema ou subsistema dentro da inteireza do ordenamento.37

    32. Luna, Serrano Agustn. "Aspetti metodologici dello sviluppo dottrinale dei Diritto Agrrio negli anni 1960-1985" em Rivista di Diritto Agrrio, v. n. 65, Milano, 1986, p. 25.

    33. Id, ibid. p. 25.

    34. Id, ibid, p. 26.

    35. Id, ibid, p. 29.

    36. Id, ibid, pp. 29 e 30.

    37. Id. ibid. p. 30.

  • Mtodo e contedo do Direito Agrrio 147

    As vrias instrumentaes metodolgicas possveis e suas combinaes so usadas de modo diverso por uns ou por outros agraristas.

    Deve ser ressaltado que na orientao institucional adaptam-se naturalmente os procedimentos dedutivo e conceituai, na orientao sociolgica adaptam-se melhor o indutivo e o fenomenolgico, na orientao formalista so mais congeniali" o procedimento dedutivo e o conceituai e na orientao tcnico-jurdica so convenientes os procedimentos indutivo e conceituai.38

    O aceno ao encaminhamento "para a unidade e os princpios gerais do Direito" deveria conduzir orientao dogmtica; da verificao que 'ao lado do fundo toma forma e se diferencia a empresa como centro de atividade econmica e social" tem-se premonio para a orientao institucional; o convite aos economistas para colaborarem com os juristas no estudo dos problemas agrrios "tambm nos seus pressupostos econmicos, nas suas relaes tcnicas'' prenuncia u m a constante no comportamento dos agraristas que seguem a corrente sociolgica.39

    Luna Serrano afasta das orientaes metodolgicas, particularmente a institucional e a sociolgica, a orientao que entendeu poder denominar tcnica-

    'j- 40 jurdica.

    Bolla fundamentou-se num objeto centralizador e caracterizante da disciplina normativa que se desejava delimitar para demonstrar a existncia do Direito Agrrio, para tanto desenvolveu a idia de que "ao lado do fundo tomava forma e se diferenciava a empresa como centro da atividade econmica e social" que em si enfeixa sinteticamente os traos definidores do Direito Agrrio assumido como instituio.41

    Bolla apresenta o "fundus instructus'' e ,aps a empresa agrria como instituio grupo por si munida de capacidade caracterizante imanente ou mesmo normatizante ou tambm ordenante.42

    38. Id, ibid, p. 31.

    39. Id, ibid. p. 32.

    40. Id.. ibid.. p. 33.

    41. Id. ibid.. p. 33.

    42. Id. ibid.. p. 34.

  • 148 Fbio Maria De-Mattia

    a. Orientao institucional

    Os traos fundamentais da formulao da concepo institucional do Direito Agrrio por Giangastone Bolla remontam a 1935 e sua ltima contribuio data de 1971.43

    A orientao metodolgica institucional do Direito Agrrio, enquanto obteve o consenso de alguns dos no muitos agraristas espanhis, como Alberto Ballarn Marcial, quanto empresa, ou como Juan Jos Sanz Jarque, e m relao sobretudo propriedade da terra, obteve escassos seguidores nos pases ibero-americanos, entre os quais se deve notar a posio assumida por Romn Jos Duque Corredor, e tambm o que parece mais surpreendente - na Frana e na Itlia.

    Para explicar esta situao concorrem diversas causas: algumas de carter prtico, outras de natureza ideolgica outras ainda decorrentes da tcnica jurdica.

    Entre as primeiras causas, - as de carter prtico - talvez a mais importante consista na grande dificuldade na formulao de u m conceito ou da compreenso do perfil orgnico que deve sempre recolher o objeto que se queira alar a instituio operativa e ordenante em todas as suas implicaes.44

    Agustn Luna Serrano aponta uma segunda explicao, por assim dizer ideolgica, na base do escasso sucesso da orientao metodolgica institucional, que reside no fato desta orientao se ressentir de tendncias solidrias que, na poca atual, muitos acreditam atuar mais malevel, vistas as dificuldades de conciliao, atravs de u m a idia de colaborao simples e tambm vaga, dos interesses e das posies em contraste, atravs, de outros valores mais urgentes ou de outras posies doutrinrias mais incisivas: assaz significativo, neste aspecto, que para muitos agraristas, quando devem julgar a funo social da propriedade ou quando de referncias tais como a explorao racional do solo e das relaes sociais quas, freqentemente sequer vem mente a relao ou conexo daqueles conceitos com a orientao metodolgica institucional do Direito Agrrio.45

    Esclarece Luna Serrano: para nossas finalidades porm mais interessante notar que o insucesso do mtodo em exame deriva das especficas

    43. Id, ibid, p. 34.

    44. Id, ibid, p. 35.

    45. Id, ibid, p. 36.

  • Mtodo e contedo do Direito Agrrio 149

    caractersticas da tcnica-j uri dica e diz respeito particularmente ao fato, apenas aparentemente conexo ao da dificuldade de formulao do conceito de empresa agraria. Enquanto a capacidade caracterizante e ordenadora do objeto que se considera sob o perfil da instituio que se extrai da sua realidade especfica e da virtualidade imanente que eventualmente possui, aquela capacidade no apenas arrisca-se de se apagar atravs da conceitualizao que se pe de permeio realidade, mas que definitivamente vem ontologicamente a faltar quando a conceitualizao do objeto no se adapta perfeitamente realidade de que deseja ser a representao.46

    O conceito de empresa agrria, qual se reportam geralmente os propagandistas da orientao institucional, foi construdo se foi precisamente, verdadeiramente construdo como equvoco e polivalente, e se posiciona, sempre,47

    com referncia atividade agrria, sua base patrimonial ou organizao que a atividade exige, ou se reporta tambm pessoa do empresrio.48

    A empresa agrria, para que possa surgir como instituio, deve ser apresentada como organizao, pois de outro modo comprometeria, funcionando o conceito como paravento distorcido prpria orientao metodolgica.

    Ensina Luna Serrano: esta necessidade, corretamente sentida pelos mais autorizados jusagraristas que se inserem na orientao institucional, apresenta, porm, ainda o problema, de no-pequena importncia tambm no plano metodolgico, do tipo de organizao empresarial que se insere no sistema de Direito Agrrio traado ao redor da instituio caracterstica: no sentido que, enquanto fcil aceitar, por exemplo, que nele se enquadram as atividades conexas ou auxiliares da atividade de produo, vez que a ligao pertinente estabelecer-se-ia entre atividades complementares que iriam ter para com o m e s m o empresrio, ainda que com modalidades jurdicas diferentes. muito menos fcil inserir as empresas conexas ou auxiliares no Direito Agrrio comparada com a de produo, porque neste caso a ligao dever-se-ia estabelecer forosamente entre organizaes empresariais diversas e independentes e certamente no se poderia apoiar na idia de

    . . ~ 49 instituio.

    46. Id., ibid., p. 36.

    47. Id, ibid, p. 36.

    48. Id, ibid, p. 37.

    49. Id, ibid, p. 37.

  • 150 Fbio Maria De-Mattia

    E ento a individuao sob o aspecto de conexo ocorreria, em verdade, fora da lgica da orientao institucional: basta considerar a este propsito, como a obteno do crdito para a empresa agrria concedido empresa auxiliar no deriva da natureza caracterizante do objeto, mas da qualificao legal, diferentemente da destinao para o uso agrrio do fundo.50

    A escassez de seguidores da orientao em exame, e tambm o abandono eventual, consciente ou inconsciente deste por parte dos agraristas que haviam se sentido atrados pela sua capacidade imediata aparente e m sustentar a particularidade do Direito Agrrio, est compensado pela obra de Giovanni Galloni que sobre a orientao institucional concebeu u m a das mais coerentes elaboraes doutrinrias do Direito Agrrio de nossa poca, o que tem relevncia particular para os nossos fins de anlise e de notcia comparativa dos mtodos dos agraristas modernos.

    Giovanni Galloni desenvolveu sua concepo institucional do Direito Agrrio com abordagem linear, seja nas impostaes de carter geral como nos desenvolvimentos concretos dos argumentos especficos.51

    Alm da linearidade e da coerncia das idias, deve-se ainda notar, a propsito da importante contribuio deste agrarista, a ateno preocupada por ele prestada, na verificao com aprovao da validade do seu prprio pensamento, mas tambm no escopo de traar u m sistema completo especfico para o Direito Agrrio, nos vrios nveis em que Galloni expressa sua escolha metodolgica: a respeito podem ser lembrados seus ensaios dedicados comprovao das relaes institucionais das- normas constitucionais, italianas ou de outros pases, que dizem respeito agricultura; reconhecer a capacidade reguladora da empresa e m relao s normas sobre reforma agrria; enquadrar a destinao dos bens agrrios sempre sob o perfil institucional da empresa; a importncia da ordem dos interesses nos contratos agrrios, tendo presente o ponto de vista da solidariedade.52

    Apesar da inconciliabilidade da teoria institucional com a orientao admitindo a importncia dos princpios gerais em matria de Direito Agrrio, a lgica cumplicidade do risco que a conceitualizao impe as capacidades normativas, que se retiram da natureza dos objetos que se querem elevar categoria

    50. Id, ibid. p. 38.

    51. M , ibid, p. 38.

    52. Id, ibid, p. 39.

  • Mtodo e contedo do Direito Agrrio 151

    mstituio, deveria tambm ter afastado os partidrios da concepo institucional de sucumbirem ao fascnio dos princpios gerais.

    Os autores que se agregaram aos princpios gerais no se deram conta que no eram princpios, ou pelo menos no eram princpios jurdicos.53

    M e s m o os princpios enumerados por Cario Frassoldati no superam praticamente o carter de meras derivaes tcnico-econmicas dos fatos, ou se se desejar, da natureza das coisas, e se tomam a forma mais do que princpios, de meras verificaes.54

    Giovanni Galloni retoma o princpio da colaborao nos contratos agrrios, sem extrapolar o seu significado prprio de mera modalidade, que o reconhece, coerentemente em suas concepes institucionais, na incidncia da empresa - instituio na estrutura do contrato agrrio.55

    Alberto Ballarn Marcial fala em princpios polticos ou teleolgicos do Direito Agrrio.56

    Agustn Luna Serrano esclarece que apenas os agraristas que elencam atualmente princpios gerais de Direito Agrrio, s vezes recorrendo at a constrangimento e m querer apresentar como tais as modalidades, tambm, externas da organizao da legislao agrria, so os partidrios da concepo institucional do Direito Agrrio.57

    A respeito deste assunto j se estudou a posio metodolgica avanada de Antnio Carrozza.58

    b. Orientao sociolgica

    Enquanto, para a orientao que agora se examinou, a realidade especfica do objeto do Direito Agrrio marca, definitivamente, a disciplina que forma o seu contedo normativo, para a orientao sociolgica o complexo dos

    53. Id, ibid, p. 39.

    54. Id, ibid., p. 40.

    55. Id. ibid, p. 40.

    56. Id., ibid., p. 40 - ver, p. ex., Sanz Jarque. "Derecho Agrrio'', p. 39.

    57. Id, ibid.. p. 41.

    58. Id. ibid. p. 41.

  • 152 Fbio Maria De-Mattia

    fenmenos scio-econmicos concernentes agricultura fator determinante da acumulao conetiva das normas que a esses se referem.

    U m a determinao assim efetuada do contedo do Direito Agrrio acontece, ento, mediante o reconhecimento dos interesses que esto abaixo das relaes sociais de base que constituem a fattispecie, de fato a disciplinar atravs das normas jurdicas agrrias.

    A mutao de perspectiva entre uma e outra orientao torna-se assim, falando metodologicamente, assaz profunda, vez que os dados de fato e da natureza caracterizam, segundo a concepo institucional, a disciplina jurdica que a estes se deve conformar, porque so de carter normativo, e, ao invs, para a concepo sociolgica do Direito Agrrio reconhecem-se como fattispecie normativas a serem reguladas com solues disciplinares em si mesmas contigentes.59

    Partindo destes pressupostos, e com estas premissas de mtodo, assaz normal, e dir-se-ia antes, pelo contrrio, fcil, que o reconhecimento dos dados da realidade social consista em encaminhar, conforme a intensidade dos conflitos individuados ou do grau da sua adaptabilidade a ordem dos interesses designados pelo esquema jurdico derivado da codificao, a pesquisa do tipo sociolgico60 para u m desdobramento e m outras tantas linhas de pensamento que retira: uma, dos dados de fato da fenomenologia scio-econmica, as orientaes de u m a disciplina agrria que consinta, ainda que transpondo os limites do sistema estabelecido, a retificao das solues normativas que se apresentam (ou se acreditam) inadequadas para acomodar os interesses em conflito.

    Ou, para a outra, leva as normas para a composio dos interesses agrrios e m aderncia aos dados de fato, talvez com as adaptaes da disciplina exigidas pela realidade tcnica mudada e mutvel.

    Neste sentido, e ultrapassando de qualquer maneira as implicaes precpuas de tcnica-jurdica que dizem respeito especificamente a qualquer orientao metodolgica, a orientao sociolgica foi desviada, por alguns agraristas ibero-americanos, em direo proposio de formulaes de normas agrrias de ruptura revisionista no sistema jurdico geral, ou parou, por obra de outros agraristas europeus, particularmente franceses, na considerao, sobre u m plano metodologicamente mais genuno, dos interesses agrrios e a adaptao

    59. Id., ibid, p. 41.

    60. Id, ibid, p. 41.

  • Mtodo e contedo do Direito Agrrio 153

    eventualmente inovativa, mas sobretudo aplicativa, e pois a nvel tambm de interpretao, no-apenas das normas agrrias, mas de todo o sistema normativo que pode incidir sobre aquelas orientaes.61

    N o por acaso que os dois trilhos da orientao sociolgica dizem respeito naturalmente ao esquema normativo da reforma agrria ou ao trilho da orientao planejadora da agricultura, de resto presentes precipuamente nos ordenamentos dos pases, onde a orientao metodolgica em questo recolheu o naufrgio doutrinrio mais intenso.62

    D a orientao diversa dos dois trilhos de pesquisa, u m est mais atento aos perfis ambientais e estruturais da sociedade campesina e o outro mais fixado no desenvolvimento de tudo quanto diga respeito s atividades econmicas dos agricultores.

    interessante, ainda, ressaltar no apenas uma notvel diferena de intensidade no que concerne ao alargamento do sistema do Direito Agrrio, atravs da incluso da normao da disciplina agroalimentar, particularmente urgente entre os partidrios europeus da orientao sociolgica, mas tambm uma diversidade de pontos de vista na modalidade de atrao pelo Direito Agrrio das normas concernentes ao ambiente em que a atividade agrria se desenvolve, que para alguns mais preocupados com a posse das comunidades campesinas, tende a atuar no perfil da conservao dos recursos, e, para os outros avessos a individuar os interesses da produo, baseados na moderao da explorao racional num sistema de organizao do fundo.63

    U m a longa tradio de considerao do Direito Agrrio como ordem normativa atinente ao mundo rural est na base do sucesso da orientao sociolgica, encontrvel, praticamente, em todos os maiores agraristas franceses do perodo 1960-1985, neste entendimento se insere a disciplina da atividade econmica agrria ressentida como puramente profissional.64 Entre os autores que podem ser indicados esto Raymond Malzieux, Jean Pierre Moreau, Jean Megret.

    H importantes autores que concluem pela impossibilidade da reduo dos dados fundamentais e m que se apoia o Direito Agrrio em esquemas conceituais,

    61. Id, ibid, p. 42.

    62. Id, ibid, p. 43.

    63. Id, ibid, p. 43.

    64. Id, ibid., pp. 43 e 44.

  • 154 Fbio Maria De-Mattia

    em uma sistematizao formal; entre os especialistas esto Pierre Voirin, Ren Savatier.65

    Deve ser ressaltada a admirao despertada em Jean Carbonnier pela postura metodolgica dos agraristas franceses, principalmente de docentes.66

    Louis Lordellec contribuiu de maneira relevante para a corrente sociolgica quando assentou que "le droit rural ne peut se passer des instruments de conmaissance des faits sociaux et conomiques qu'il prtend rgler et modifier" onde se resume a dimenso do empenho, os procedimentos a serem adotados na pesquisa e, finalmente, o processo de individuao do contedo normativo do Direito Agrrio, atravs dos fatos de que convocado para regular.67

    Agustn Luna Serrano assinala que a indicao das normas a serem consideradas no sistema de Direito Agrrio, atravs dos fatos regulados, sem dvida o aspecto mais importante, porque assinala eficazmente qual o perfil caracterstico da orientao sociolgica, adestrado para a determinao do contedo normativo do Direito Agrrio.68

    O mestre espanhol conclui que a individuao dos fenmenos scio-econmicos para a determinao do contedo normativo do Direito Agrrio gera conseqncias que se posicionam de modos diversos, mas que determinam o alargamento do Direito Agrrio.

    O Direito Agrrio passaria a estar to-comprometido pelos dados econmicos e pelas necessidades da vida econmica que poderia ser considerado como u m captulo do Direito Econmico nos ensinamentos de Farjat, mas tambm seguido por jusagraristas.69

    Muito importante para a reflexo sobre o mtodo dos agraristas considerar que a determinao do contedo normativo reconhecida atravs da espcie dos fatos resulta numa sistematizao toda particular do Direito Agrrio, porque o seu contedo no tanto individuado atravs de normas quanto atravs dos fatos que so chamados para serem regulados.

    65. Id. ibid. p. 44.

    66. Id.. ibid. pp. 44e45.

    67. Id, ibid, p. 45.

    68. Id, ibid, p. 45.

    69. Id. ibid. p. 45.

  • Mtodo e contedo do Direito Agrrio 155

    O Direito Agrrio, considerado na medida da orientao sociolgica, permite outra conotao, qual seja, de empurrar a matria agrria para constantes referncias econmicas desligadas das conceitualizaes caracterizantes e tendendo a provocar o alargamento da matria agrria, porque o contedo normativo do Direito Agrrio passa a ser individualizado pelos dados econmicos atinentes agricultura, objeto de regulamentao.70

    Nesta ruptura dos esquemas, que se podem qualificar tradicionais da teoria cientfica do Direito Agrrio, reside no-apenas o desafio significativo que a orientao sociolgica prope, mas tambm o risco de no conseguir apagar as exigncias do rigor tcnico e sistemtico que outros agraristas exigem da construo cientfica e desviar do quadro tecnicamente homogneo e conduzvel as relaes formais conectivas do sistema, ainda que inorgnico, do Direito Agrrio.71

    U m dos aspectos, por exemplo, da ampliao do contedo do Direito Agrrio que pode provocar mais perplexidade o da considerao da conexo com as normas estreitamente agrrias de toda a normao dos problemas agro-alimentares, que se pode aduzir como paradigmtico das projees conseqenciais da orientao metodolgica denominada sociolgica do Direito Agrrio moderno.72

    A orientao metodolgica do Direito Agrrio permitiu, contudo, a presena das indicaes da cincia econmica que apresentou em proveito dos estudos agrrios, mas tambm a admoestao urgente quanto necessidade da pesquisa sobre a efetividade das normas agrrias e, finalmente, quanto a incluso de novos captulos que eventualmente devem ser introduzidos, talvez com o repensar necessrio quanto ao esquema sistemtico do Direito Agrrio. J

    Ademais, a orientao sociolgica comprovou a necessidade de se adotar u m a impostao interdisciplinar nas pesquisas cientficas no Direito Agrrio.

    70. Id, ibid., p. 46.

    11. Id, ibid.. p. 46.

    72. Id.. ibid.. pp. 46e47.

    73. Id. ibid. p. 47.

    74. Id. ibid, pp. 47e48.

  • 156 Fbio Maria De-Mattia

    c. Orientao formalista

    A orientao formalista na determinao do contedo normativo do Direito Agrrio, que se coloca como antpoda orientao sociolgica, descreve u m percurso reconstrutivo de modo inverso em relao orientao institucional.

    Enquanto, com efeito, pela orientao institucional a norma resulta da qualificao ontolgica do objeto, para a orientao formalista a qualificao do objeto agrrio resulta, ao invs, do contedo preceptivo da norma.

    Desta sinttica e precisa indicao possvel, talvez, obter os traos fundamentais da orientao formalista, pelo menos, considerando o que j se exps, nos aspectos essenciais que interessam aos nossos fins de reflexo metodolgica.

    C o m o todos os critrios de mtodo tambm o formalista tem suas limitaes e suas vantagens.75

    Entre as limitaes, as de maior relevo so, sem dvida, falando estritamente sob o ponto de vista do mtodo agrrio, a sua conseqencialidade negatria da eventualidade da individuao do objeto especfico e caracterstico, enquanto tal, do Direito Agrrio, e de outra parte, a redutividade conseqencial da homogeneidade do prprio contedo normativo a ser atribudo disciplina agrria.

    U m a e outra limitao conformam-se, imediatamente, aos nossos problemas de mtodo, ainda que sob perfis na sua dinmica no e m tudo coincidentes.

    A primeira limitao porque alcana diretamente a formulao cientfica de nossa matria especfica. A segunda porque, atravs da reduo do contedo que postula, exclui que o Direito Agrrio possa superar u m a insero, vez por vez, particularizada nos ramos jurdicos tradicionais e pois, indiretamente, tambm que se possa alcanar a formulao de u m Direito Agrrio por si diverso e especial.76

    A conseqncia negativa da orientao formalista que se ps e m relevo a necessria origem do fato de que esta orientao metodolgica, dadas as caractersticas do perfil lgico do seu processo de qualificao jurdica, deve se apoiar sempre, se no quer se renegar, sobre a mais frgil positividade e a propositura jurdico-agrria deve-se obrigatoriamente referir a u m a diversidade de

    75. Id, ibid, p. 48.

    76. Id, ibid, p. 48.

  • Mtodo e contedo do Direito Agrrio 157

    objetos, cuja qualificao ocorre, e de outro modo no pode no ocorrer, sceticamente, e m relao a eventual coligao do objeto ou a sua simples conexo

    sob o ponto de vista econmico-social, porque se determina precisamente e m base positividade preceptiva das vrias normas qualificantes: para exemplificar de modo ilustrativo, a qualificao jurdica do fundo para destinao econmica e a qualificao jurdica da propriedade dos frutos ao proprietrio verificar-se-ia de mod o formalmente, completamente independente, porque derivam justamente de normas diversas e diferenciadas.

    A coligao eventual entre elas, atravs da natureza produtiva do bem, prejudicaria, vez que conforme esta qualificao jurdica somente se obtm da determinao preceptiva.78

    Nas pegadas da orientao formalista no se poderia sequer pensar na qualificao jurdica de, por exemplo, o estabelecimento, a empresa e a atividade agrria, vez que sua qualificao jurdica por coerncia no resultaria do preceituar da norma, que no pode, como fcil verificar no direito positivo, seno descrever estas objetivaes econmicas mas dever-se-ia sempre estabelecer e m relao s vrias normas das quais resulta a qualificao dos diversos objetos a elas coligadas atravs dos inmeros atos de organizao do empresrio, e isto advirta-se porque a organizao no pode determinar enquanto mero fato e, por si mesma, nenhuma qualificao de classe.79

    Nestas condies nos informamos da incapacidade do contedo normativo do Direito Agrrio para conseguir emergir u m objeto centralizador da disciplina e compreende-se tambm como, desta premissa, se alcana a reflexo conclusiva da impossibilidade de adaptar, modelar, a partir das vrias normas agrrias, u m a formulao cientfica sistemtica, geral e unitria do Direito Agrrio.80

    A conseqencialidade redutiva da homogeneidade do contedo normativo do Direito Agrrio, que postula a orientao metodolgica formalista, deriva da mesma impostao da qualidade preceptiva, que provoca a desagregao no apenas da normao (civil, comercial, administrativa, processual, fiscal, etc) mas at m e s m o dos critrios que sustentam a qualificao jurdica que se deve obter,

    77. Id, ibid., p. 48.

    78. Id, ibid, p. 49.

    79. Id, ibid, p. 49.

    80. Id, ibid., p. 49.

  • 158 Fbio Maria De-Mattia

    extrair da norma. A propsito do que se afirmou, parece significativa a dificuldade que,

    sob o ponto de vista formalista, suscitaria a colocao, entre a acomodao normativa agrria e ao lado, por exemplo, a disciplina dos contratos agrrios, disposies sobre crdito e seguros agrrios, todas mereceriam, sem dvida, sob o perfil do Direto Positivo, u m a considerao agrria mas em tudo desorganicamente diferente e destacada.82

    Destas anotaes fcil discernir a preservao ou a prejudicial que, para a formulao de u m Direito Agrrio prprio e distinto, deriva da falta de homogeneizao do seu contedo normativo por obra da corrente formalista do mtodo agrrio.8j

    Para compensar as limitaes e defeitos da orientao formalista Agustn Luna Serrano aponta vantagens como aquelas consubstanciadas nos conselhos de esmero tcnico que, como em todas as concepes doutrinrias que concernem ao formalismo da positividade, emanam das contribuies agrrias inspiradas pela orientao formalista.84

    A orientao formalista do Direito Agrrio tem em Natalino Irti o seu partidrio mais caracterizado. O estudo sobre as "escolas" dos primeiros jusagraristas italianos u m repensar reconstrutivo de sua impostao metodolgica.85

    O formalismo de Natalino Irti, mesmo mantendo-se fiel ao tecnicismo jurdico, no pode, contudo, ser totalmente "massimalista", porque m e s m o mantendo-se parado nas concluses encaminhadas pela prpria orientao metodolgica, no pode no reconhecer, seja mesmo atravs de u m a articulao de todo positiva, e, neste sentido, tambm, formal a tenso existente entre o Direito Agrrio e o Direito Civil e, principalmente, entre o Cdigo e uma legislao agrria especial adaptadora de novos institutos e talvez portadora de novos princpios.86

    81. A/, ibid, pp. 49e50.

    82. Id, ibid. p. 50.

    83. Id. ibid, p. 50.

    84. Id, ibid, p. 50.

    85. Id, ibid, p. 50.

    86. //., ibid, pp. 50e 51.

  • Mtodo e contedo do Direito Agrrio 159

    Deve-se sublinhar que tal tenso, mesmo se formalizada nas normas, procede das exigncias da realidade, e, como assinala Natalino Irti, a superao da tenso s poder ocorrer, talvez, atravs de referncias legislativas empresa.

    Esta, como se infere diretamente da prpria interpretao lgico-sistemtica das normas, no nada mais seno a cobertura conceituai de referncia atividade agrria do empresrio, enfocada sob o perfil organizativo.87

    Agustn Luna Serrano conclui que, justamente atravs da relativizao da conceitualizao da empresa, se possa no apenas auxiliar o exame analtico do contedo normativo do Direito Agrrio, mas tambm qualificar cientificamente o prprio sistema agrrio. Lembra, ainda, que o Direito Agrrio germina como ramo renovador da rvore civilista.

    Luna Serrano considera que se possa inscrever, tambm, na orientao formalista Cario Alberto Graziani, a despeito das indicaes ideolgicas que transmitem muitas de suas contribuies apreciadas.88

    d. Orientao tcnico-jurdica

    O conhecimento, inicial ou adquirido, das limitaes respectivas das orientaes metodolgicas examinadas levou formao progressiva de uma corrente de pensamento quanto pesquisa cientfica agrria sob a denominao de tcnico-jurdica.

    Esta orientao se apresenta como mediao entre as outras examinadas, extraindo proveito de seus embargos, redimensionando seus desvios inadequados.89

    A orientao tcnico-jurdica procura ter presente a realidade tcnico-econmica subjacente no equilbrio normativo dos interesses agrrios, desconfiando, porm, de sua virtualidade normativa em substituio da virtualidade dos preceitos e ciente da posio instrumental ou de escudo, com respeito juridicidade, da individuao dos fenmenos econmicos.90

    87. Id. ibid, p. 52.

    88./

  • 160 Fbio Maria De-Mattia

    A orientao tcnico-jurdica tende, como a formalista, para a individuao das categorias jurdicas onde encontra expresso a ordem dos interesses organizada por preceitos, mas sem desconhecer a relao profunda que intercorre entre a fattispecie e a soluo normativa.

    A orientao tcnico-jurdica postula, finalmente, certa correspondncia com a orientao dogmtica, uma construo sistemtica do Direito Agrrio que consinta justificar, seno a autonomia no sentido tradicional impedida pela falta e talvez impossvel individuao dos princpios, pelo menos u m a especialidade ou especializao suficiente e caracterizada do Direito Agrrio como conjunto normativo e como sistema cientfico.91

    A orientao tcnico-jurdica, voltada precipuamente para a determinao do objeto do Direito Agrrio, tem entre seus seguidores muitos dos jusagraristas conspcuos que no perodo 1960-1985 a ela aderiram.

    A formao desta orientao contou com a grande influncia dos ensinamentos precisos de Enrico Bassanelli que ressaltou o contedo de especialidade do Direito Agrrio e a relao da disciplina legislativa com o objeto, consistente na atividade agrria organizada em forma de empresa.

    A contribuio escrita de Bassanelli no assunto enunciado consubstanciou-se no perodo 1946 a 1972. Entre seus discpulos destacaram-se Francesco Milani e Ettore Casadei.

    Muitas das posies dos jusagraristas que seguem a orientao tcnico-jurdica so conexas s indicaes autorizadas de Enrico Bassanelli, no mais preocupados, com a intensidade de outros tempos, com os problemas da autonomia e dos princpios, mas sim atentos para com a reconstruo do sistema do Direito Agrrio com o escopo de cabncia, reavaliao cientfica e de precpua anlise normativa.92

    Compreende-se, ento, como foi possvel acrescer denominao desta orientao tcnico-jurdica a expresso realista.

    A extenso da impostao conveniente a uma orientao metodolgica individualizada to-genericamente permite, tambm, por causa das exigncias menores exigidas por tal individuao, reunir seguidores que contriburam enormemente como: Emilio Romagnoli, Antnio Carrozza, Alfredo Massart e Luigi

    9\.Id, ibid. p. 53.

    92. Id, ibid, p. 54.

  • Mtodo e contedo do Direito Agrrio 161

    Costato, entre outros, na Itlia; Adolfo Gessi Bidart, na Amrica Latina; Juan Jordano e Jos Luiz D e Los Mozos, na Espanha.93

    Partindo de generalizaes fceis para determinaes precisas, pode-se indicar como linhas concretas de atrao da orientao tcnico-jurdica realista, quanto aos jusagraristas italianos, uma corrente prevalecentemente sistemtica e uma outra corrente de propenso axiolgica-valorativa.94

    A obra de Antnio Carrozza o exemplo da orientao tcnico-jurdica com inestimvel contribuio na determinao do objeto do Direito Agrrio, atravs do reconhecimento de cada u m dos institutos agrrios.95

    O seu programa cientfico, na avaliao autorizada de Agustn Luna Serrano, revela profunda dimenso metodolgica, propondo declaradamente uma reviso na metodologia dos agraristas de sua poca e expressa a proposta de novos caminhos para o estudo cientfico do Direito Agrrio.

    O plano idealizado e o projeto formulado por Carrozza se executaram e m sua elaborao bsica e nas aplicaes fundamentais, permitindo u m a avaliao crtica motivada pelos seus sucessos, e tambm talvez de seus eventuais limites.96

    O mtodo de Antnio Carrozza parte da dupla verificao de ineficcia da exigncia de princpios gerais especficos e da desorganicidade contnua das pesquisas sobre formulaes legislativas de empresa e ainda mais da empresa agrria.97

    O plano deste autor constitui na construo sistemtica das normas e para tanto procedeu colheita do material normativo, sua interpretao, a pesquisa

    98

    dos nexos e diferenas entre suas vrias partes para ento orden-lo como sistema. A concepo de Carrozza objetivou atravs dos institutos agrrios

    contribuir para a compreenso das estruturas tpicas do ordenamento jurdico da agricultura e para a sistematizao cientfica do prprio Direito Agrrio.

    Os princpios mais gerais podem ser redimensionados e m princpios

    93. Id, ibid., p. 54.

    94. Id., ibid.. pp. 54e55.

    95. Id, ibid, p. 55.

    96. Id., ibid., p. 55.

    97. Id, ibid., pp. 55 e 56.

    98. Id., ibid.. p. 56.

  • 162 Fbio Maria De-Mattia

    menos gerais, porque relativos a cada u m dos institutos.99

    O estudo do Direito Agrrio atravs de institutos recebeu a adeso de Agustn Luna Serrano. Indica serem partidrios desta orientao metodolgica, na Espanha, tambm, Jos Luiz D e Los Mozos, Carlos Vattier Fuenzalida.100

    Antnio Carrozza prosseguiu com contribuio de alto sentido metodolgico com escopo de sistematizao ao cuidar do tema determinao da agrariedade caracterizadora do objeto de nossa matria, mas se preocupou com outros fatores, tambm, de ndole ftica, como a especificao qualitativa do ordenamento jurdico da agricultura, como, tambm, os fatores derivados da evoluo tcnica, e finalmente o ciclo biolgico natural em que se deve incluir a atividade agrria como fator especfico relevante na sistematizao da matria, tambm, tcnico e metajurdico, que partindo da elaborao de Rodolfo Carrera e Adolfo Gelsi Bidart foi minuciosamente reproposto por Antnio Carrozza, com escopo sistemtico e pois metodolgico, como critrio de determinao do objeto tpico da matria jurdica agrria.101

    Alfredo Massart e Luigi Costato se enfileiraram entre os seguidores da orientao tcnica-jurdica.

    Agustn Luna Serrano aprova a formulao do critrio do ciclo biolgico e sua aplicao em sede doutrinria j ocorreu, por exemplo, ao se admitir a falta de arbitrariedade na incluso no sistema de Direito Agrrio de vrias atividades produtivas ou quando se preveniu, motivadamente, contra a diviso da matria agrria em agrria e florestal.102

    Dentro da orientao tcnico-jurdica da determinao do objeto do Direito Agrrio se insere a corrente do pensamento que descritivamente se pode denominar axiolgico-valorativa, que no se contrape denominada sistemtica, que tem presente os fatores de desenvolvimento tcnico e poltico, mas que reprope esses fatores de modo particular em apoio da coordenao precpua do prprio sistema agrrio.10j

    99. Id, ibid. p. 56.

    100. Id, ibid., p. 56.

    101. Aat. ibid, pp. 57 e 58.

    102. Id, ibid., p. 59.

    103. Id, ibid, p. 60.

  • Mtodo e contedo do Direito Agrrio 163

    Partidrio desta corrente Emilio Romagnoli, com trajetria cientfica atrada sobretudo pelo estudo das estruturas em que se opera a atividade agrria e pelo significado da disciplina que elas regulam.104 Alm disso, preocupou-se com as explicaes finalistas do Direito Agrrio, tambm com escopo de determinao do objeto do Direito Agrrio divisado na atividade.

    Agustn Luna Serrano inclui na corrente axiolgica-valorativa os civilistas Pietro Perlingieri, Francesco Lucarelli e Pietro Rescigno.105

    Luna Serrano conclui seu importante estudo apresentando duas consideraes a ttulo de relevo conclusivo de avaliao.

    A primeira que em todas ou quase todas as orientaes metodolgicas examinadas, exceo orientao dogmtica, que no v como no se encaminha para a falncia, podem-se colecionar mritos e vantagens inusitados, mas tambm defeitos e limitaes no menos relevantes.

    Ponderado que a orientao tcnico-jurdica se prope a superar aquelas limitaes e aproveitar os mritos das outras orientaes, parece que seja a orientao mais apta e mais conveniente para os estudos cientficos da matria, por causa de seu sincretismo metodolgico e seu escopo de mediao, e tambm porque postulando a determinao do objeto do Direito Agrrio na atividade agrria e a ordenao dos institutos agrrios em sistema, tende precipuamente assegurar, sem pretenses excessivas, u m a ordem doutrinria para o Direito Agrrio capaz de reavaliar definitivamente os estudos sob o ponto de vista cientfico, sem contra-sensos com o sistema jurdico geral e, pois, tambm com o sistema particular do Direito Civil patrimonial - ou, talvez, de u m direito da economia com o qual da mesma maneira o Direito Agrrio deve estar sempre em contato e em relao no tanto de autonomia quanto de especializao.106

    A segunda observao refere-se ao redimensionamento generalizado que se pode perceber, seja de maneira variada ou por aspectos e m tudo diversos, nas vrias posies metodolgicas analisadas, dos conceitos chaves ou dos pontos imutveis sobre os quais se pensava h tempo dever se apoiar toda a construo doutrinria do Direito Agrrio.107

    104. Id., ibid., p. 60.

    105. Id.. ibid., p. 61.

    106. Id.. ibid.. p. 62.

    107. Id., ibid., p. 62.

  • 164 Fbio Maria De-Mattia

    A degradao, com efeito, dos princpios gerais em princpios mesmo sempre jurdicos, mas no mais gerais, ou mesmo em princpios polticos ou teleolgicos, ou tambm em meras comprovaes de organizao legislativa; o abandono progressivo das conceituaiizaes da empresa como fulcro sobre o qual conceituar nossa matria108 e a correlata assuno crescente da atividade como objeto caracterstico do Direito Agrrio; a necessidade de introduzir flexibilizaes contnuas com o fim de adaptar o sistema s individuaes legislativas de novos arranjos de organizao dos interesses agrrios; a acentuao dos perfis subjetivos, ou mais exatamente, profissionais nas relaes agrrias em prejuzo de impostaes formalistas baseadas no nexo econmico que intercorre entre atividades estritamente ou tipicamente agrrias e atividade agrria por conexo, assinaladas com o perfil longo onde se devem proceder nossos estudos seja o da moderao de intenes e redimensionamento dos propsitos.109

    O Mtodo

    1. Opes do Mtodo

    Obviamente no este o lugar mais oportuno para filosofar sobre mtodo.

    De mtodo falar-se- unicamente o quanto basta para fixar as idias sobre os aspectos que nos interessam.

    Seria ocioso, com efeito, estender-se em prembulos de carter geral e colocar-se a discutir as diferenas e enunciar preferncias, por exemplo, entre mtodo indutivo e mtodo dedutivo.

    Antnio Carrozza aponta no que a referncia ao mtodo relevante no estudo do Direito Agrrio atravs de institutos mais do que aquele centrado nos princpios, o m e s m o sucedendo ao se examinar o impacto do denominado processo de "constitucionalizao" do Direito Agrrio e do italiano em particular; refletir sobre a concepo "pura" do Direito Agrrio e sobre as concepes "alternativas" que obtiveram alguns seguidores, verdadeiros ou falsos que sejam, e enfim voltar ao mrito da teoria biolgica da agrariedade ou teoria do ciclo biolgico, com o escopo

    108. A, ibid, p. 63.

    109. A*, ibid, p. 63.

  • Mtodo e contedo do Direito Agrrio 165

    de avaliar a consistncia de certas objees, vez que cada uma delas pareceria onginada de uma posio metodolgica diferente no estudo do Direito Agrrio.110

    2. A individuao do Direito Agrrio por meio de seus Institutos

    A expresso "instituto jurdico" liga-se noo de Savigny, que considerava dever assentar como fundamento do "sistema'' os "institutos jurdicos" em sua conexo orgnica.

    O nome de "instituto" deveria ser reservado para designar u m complexo de determinaes normativas coligadas, tendo em vista u m escopo superior com relao queles escopos de cada norma que compem o instituto.111

    E m u m sistema orgnico de Direito Positivo, no devemos visualizar a disposio isolada, mas o instituto a que ela pertence; o instituto deveria representar a unidade mnima de importncia, de "ordenao" de relaes, que apenas no conjunto de institutos sistematicamente ordenados forma o organismo do Direito.112

    Trata-se de concepo institucional do Direito, de acordo com a qual o sistema de direito deve ser determinado sobretudo pelos institutos jurdicos, ou seja, pelo seu contedo inteligvel, e pelos princpios que se originam em cada u m dos institutos e113 justificam o nexo lgico de u m complexo mais vasto de normas.

    A crtica que pode ser feita concerne a uma certa facilidade em degenerar no "normativismo'' isto , em uma perspectiva que confirma quase exclusivamente a regra impessoal, geral e abstrata, e negligencia o cuidado com a realidade social, que est e m baixo do direito vivo.

    Mas, como notava Larenz, se verdade que as normas e s elas reconhecem de maneira mais precisa u m instituto e podem tambm modificar-lhes o contedo, elas pressupem tambm sempre a "idia", o "ponto essencial significativo" o que levou Forsthoff a conceituar que "os institutos jurdicos devem ser compreendidos como criaes plsticas que representam a condensao de

    110. A avaliao de Antnio Carrozza segundo Agustn Luna Serrano. Carrozza, Antnio, op. cit.,p. 81.

    111. Carrozza, Antnio, op. cit., p. 81.

    112. Id, ibid., p. 82.

    113. A/., ibid, p. 82.

    114. A/., ibid., p. 82.

  • 166 Fbio Maria De-Mattia

    determinados contedos espirituais do direito e em igual medida um fragmento da realidade econmica e social" "5

    Tal noo verdadeira, tambm, para o Direito Agrrio, pois as normas que entram na composio de cada u m dos institutos deste ramo do direito no podem perder de vista dados pr-constitudos, tais como: as condies naturais do ambiente, os ciclos das estaes do ano, as exigncias da tcnica relativas aos fatores e a organizao da produo, as leis biolgicas da criao animal ou vegetal, etc.116

    Da concluir Antnio Carrozza que no tem u m carter necessariamente cientfico, seno somente tcnico, o trabalho de reagrupamento e coordenao das disposies legais no contexto unitrio dos institutos.

    A construo da teoria concernente aos institutos jurdicos diferente, pois, para o terico o instituto representa, num certo sentido, u m ponto de partida, enquanto para os classificadores empricos, como o legislador, u m ponto de chegada.117

    Por exemplo, este foi, sem dvida, o critrio pelo qual procurou se valer M . I. Kozyr no agrupamento dos institutos por ele identificados no mbito do Direito Agrrio sovitico, quais sejam o status jurdico das empresas e organizaes agrcolas; o status jurdico das associaes agrcolas e agroindustriais; o status jurdico dos trabalhadores das associaes agrcolas e agroindustriais; a administrao da atividade das empresas e associaes agrcolas e agroindustriais; o direito de uso da terra por parte das associaes agrcolas e agroindustriais; a regulamentao jurdica das relaes de propriedade na agricultura da Rssia e o regime jurdico do patrimnio de empresas e associaes; a regulamentao jurdica da organizao, tutela e retribuio do trabalho na agricultura; a regulamentao jurdica da atividade produtiva e econmica das empresas e associaes agrcolas e agroindustriais; a regulamentao jurdica da atividade financeira das empresas e associaes agrcolas e agroindustriais; os contratos na agricultura; a responsabilidade por danos causados ao patrimnio das empresas e associaes agrcolas e agroindustriais; e a regulamentao jurdica das aziendas auxiliares

    115. A/, ibid, p. 82.

    116. Id, ibid, p. 82.

    117./c/., ibid, p. 82.

  • Mtodo e contedo do Direito Agrrio 167

    pessoais dos cidados.118

    E necessrio, todavia, observar que nos sistemas jurdicos cujos contornos ainda so informes e o contedo est, por vrias razes, em estado fluido, como o Direito Agrrio, o trabalho de classificao acima acenado no poder ser considerado no confronto com u m antecedente nitidamente distinguvel da obra de repensamento e de qualificao dos institutos jurdicos com escopo cientfico, nestes casos por isso aumenta a dificuldade de uma diviso do trabalho entre tarefa tcnica e tarefa terica, nem se pode julgar o primeiro menos meritrio e essencial que o segundo.119

    Aps o que se desenvolveu a cerca do significado e da relevncia sistemtica dos institutos jurdicos, m e s m o com relao ao Direito Agrrio e ao problema especfico da sua reconstruo cientfica, Antnio Carrozza, com sua reconhecida autoridade, entendeu poder razoavelmente estabelecer:

    a. A afirmao de u m modo autnomo de ser e de operar do Direito Agrrio pressupe descobrir e dispor de um conjunto de institutos jurdicos atuais, prprios e exclusivos de tal setor do ordenamento. Resulta disto evidente, ressalta Carrozza, que os atributos de pertena e exclusividade referem-se no tanto aos princpios como se costuma admitir - quanto aos institutos.

    Esta "correo de enfoque" (dos princpios aos institutos) mostra-se hoje impostergvel, no-prorrogvel.1-

    Para se dar conta disso suficiente verificar a frustrao at agora da expectativa inerente determinao concreta de tais princpios gerais e fundamentais da matria que deveriam, u m a vez ressaltados e esclarecidos, ou seja identificados, comprovar a obteno da autonomia por parte do Direito Agrrio.

    Ainda, enfim, resulta vlida distncia de quarenta anos a verificao negativa expressa pela doutrina cautelosa e autorizada de Enrico Bassanelli: "De tais princpios, at agora, e salvo erro, no se formulou nenhum"

    118. Kosyr, M. I. "UOggetto e gli istituti dei Diritto Agrrio Sovitico nel pensiero dei giuristi dell'URSS"; em Fonti ed Oggetto dei Diritto Agrrio, 5" mesa-redonda talo-Sovitica, Firenze, Brescia, Sirmione, 9-16 de novembro de 1982, 1" edio, Milano, Editrice Giuffr, 1986, p. 188.

    119. Carrozza, Antnio, ob. cit., p. 82.

    120. Carrozza. Antnio, ob. cit., p. 82 e 83 c Carrozza, Antnio e Zeledn, Zeledn Ricardo, "Teoria General e institutos de derecho agrrio'', Buenos Aires, Editorial Astrea, 1990, p. 91.

    121. Carrozza, Antnio, ob. cit., p. 83.

    122. Id, ibid. p. 83.

  • 168 Fbio Maria De-Mattia

    Diante a falta de objetivao e individuao de tais princpios gerais pela doutrina e jurisprudncia, observou-se que o importante no so os princpios atualizados, seno a capacidade potencial da matria para produzi-los.

    Porm tal capacidade conserva o carter de mera hiptese, porque ningum pde demonstrar a existncia, pelo menos no nvel elevado de princpios gerais (melhor geralssimos, por causa do grau de abstrao com que se aludiu a eles), e pois razovel duvidar de que efetivamente tal capacidade exista.123

    Por outro lado, no se compreende porque os cultores de u m direito especial, como o Agrrio, deveriam estar e sentir-se obrigados a tipo semelhante de demonstrao, quando est provada historicamente a extrema dificuldade em circunscrever e, at mesmo, a impossibilidade de enumerar princpios gerais, que regem os setores normativos detentores de u m a autonomia consolidada e indiscutida.124

    A histria do pensamento jurdico deveria ensinar que, tambm, para os ramos maiores do ordenamento no foram tanto os princpios gerais quanto seus produtos normativos (de primeiro grau como de segundo grau: institutos) considerados pertinentes a u m ramo determinado do direito e tpicos dele, a fornecer a manifestao mais convincente da autonomia alcanada.125

    b. Dado o poliformismo dos princpios gerais, nenhuma tentativa de procurar princpios to-especiais a ponto de poder afirmar peculiares do Direito Agrrio, porm suficientemente gerais e reconhecidos operantes no mbito inteiro deste ramo do Direito, poder obter sucesso sem a determinao prvia dos princpios informadores de cada instituto.126

    C o m efeito, se verdade que a caracterstica mais profunda dos princpios gerais advm da sua funo construtiva, isto , determinante do modo de ser do ordenamento jurdico, o reconhecimento das estruturas do ordenamento necessrias para a reconstruo terica deve comear por unidades elementares de agrupamento das normas jurdicas, que so precisamente os institutos.127

    123 Id,

    124. Id,

    125 Id,

    126. Id,

    127 Id,

    ibid.

    ibid

    ibid.

    ibid.

    ibid.

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  • Mtodo e contedo do Direito Agrrio 169

    c. O Direito Agrrio moderno possui institutos que se sujeitaram e continuam a se sujeitar incidncia de fatores criativos originais e internos (basta pensar na onipresena "do fato tcnico da agricultura"), assim como na incidncia dos princpios que provm aliunde ou que de qualquer maneira cobrem u m mbito que ultrapassa aquele do estreito domnio do direito da agricultura.128

    M a s estes grandes princpios, difusos pela rea inteira do Direito ou provenientes de outros campos do Direito, uma vez introduzidos no setor especfico de direito considerado, apresentam-se em tudo ou em parte reelaborados, combinados e amalgamados em modo original e caracterizante, dando assim lugar, sob o influxo das particulares foras criadoras daquele setor, a institutos "diversos"

    d. A validade do mtodo que o Direito Agrrio deve ser estudado operando por institutos, e que so estes a base natural de incio de qualquer afirmao possvel de autonomia ou mais simplesmente de especialidade, no pode ser prejudicada pela verificao eventual de u m nmero no-relevante ou deveras escasso de institutos sobre os quais operar, porque este fenmeno poder-se-ia explicar no apenas com o fato, extremamente bvio, que as colheitas so escassas porque poucos so trabalhadores dedicados colheita, mas, tambm, com a falta de completitude que ainda hoje se verifica nas estruturas do Direito Agrrio positivo.129 E isto e m no menor medida no Direito Agrrio italiano se comparado com os direitos nacionais.

    Vale a este propsito a simples observao do desenvolvimento atrasado e m que se encontra at hoje o setor especfico do Direito Agrrio sucessrio ou hereditrio, o qual, conforme se pode facilmente comprovar atravs de comparao com alguns ordenamentos estrangeiros, especialmente os dos pases germnicos, j adquiriu u m notvel nvel de especialidade ao no ser considerado como simples parte do Direito Civil.1"0

    A validade do mtodo e m exame no pode sequer ser arranhada pela verificao da instabilidade dos institutos de Direito Agrrio.

    N o h dvida que a mutao contnua e freqente dos fatores polticos, econmicos e tecnolgicos motiva alteraes quantitativas e qualitativas

    128. Id., ibid, p. 85.

    129. Id., ibid., pp. 84 e 85. O item d na obra de Carrozza, Antnio e Zeledn, Ricardo Zeledn, aparece sob ttulo Utilidade do mtodo proposto, ob. cit., pp. 84 a 87.

    130. Carrozza, Antnio e Zeledn, Ricardo Zeledn, op. cit., p. 85.

  • 170 Fbio Maria De-Mattia

    sem pausa no contedo do Direito Agrrio. Ocorre, tambm, que institutos de Direito Agrrio se desagrarizam.ljl

    Sem violentar a histria dos dogmas, pode-se considerar que em certo momento, por exemplo, a proibio dos atos emulativos era u m critrio delimitante da esfera da atuao lcita em matria de atividade fundiria-agrria.132

    E, por muito tempo, a distino entre servides "rsticas" e "urbanas1,

    foi algo mais que mero aspecto de nomenclatura, como hoje indubitavelmente o . N o domnio do direito contratual, em seguida, figuras novas se

    acrescem sem pausa s antigas; e muitas destas ltimas desapareceram ou esto em vias de desaparecer, talvez para reaparecer mais tarde: so os altos e baixos da denominada "tipicizao" dos contratos agrrios.

    Particularmente neste ltimo setor, a "reduo" forada, "ope legis'' das relaes contratuais agrrias em numerus clausus, as "converses" legais de u m tipo de contrato agrrio em outro e a contrao conseqente da rea de sobrevivncia de manifestaes da autonomia negociai dos particulares poderiam ser interpretadas como os sinais de u m empobrecimento progressivo do contedo tpico do Direito Agrrio, j comprovado pelas tendncias aparentemente irreversveis de u m processo econmico que admite a assim denominada "industrializao" das formas clssicas de exerccio da empresa agrria.ljJ

    Mas, sob o ponto de vista metodolgico que aqui nos interessa, tudo isto demonstra apenas que os institutos de Direito Agrrio no se esquivam de carter de relatividade histrica e de relatividade lgica, no diversamente a nota de relatividade que caracteriza os princpios gerais.Ij4

    D o dinamismo com que se operam as transformaes dos institutos jurdicos j indicados, e as substituies de u m instituto por outro, dinamismo que a observao e m escala europia e mundial no pode seno confirmar, dever-se-iam retirar antes argumentos a favor da organicidade e, em definitivo, a favor da vitalidade do setor do direito que estamos considerando.lj5

    131. Carrozza, Antnio, op. cit., p. 85.

    132. Carrozza, Antnio, op. cit., p. 85. Carrozza, Antnio e Zeledn, Ricardo Zeledn, op. cit., p. 85.

    133. Id. ibid, p. 85. Id, ibid. p. 86

    134. Id. ibid. pp. 85 e 86. Id. ibid. pp. 86 e 87.

    135. Id. ibid. pp. 85 e 86. Id. ibid. pp. 86 e 87.

  • Mtodo e contedo do Direito Agrrio 171

    Esta concepo do Direito Agrrio estudada e reconstruda por institutos e atravs destes e m substncia individuada, j transparece em alguma aluso doutrinai permanecido, contudo, sem continuao para os fins de uma sua possvel valorizao metodolgica para o desenvolvimento dos estudos de Direito Agrrio.136

    Enrico Bassanelli, j em 1946, no conhecido "Corso di Diritto Agrrio" inclua entre "as condies essenciais" autonomia "a presena de institutos peculiares" 136

    Destes apresenta u m a identificao mais precisa e a ttulo exemplificativo indicava: unidade cultural mnima, recomposio fundiria, crdito agrrio, formas tpicas de gesto da empresa coletiva tal como a parceria, etc.137

    E importante salientar que Enrico Bassanelli ao estudar eventual identificao de princpios gerais preferiu abster-se de qualquer referncia concreta.lj7

    Demonstrando prudncia e cuidados no-exagerados, uma vez que tais tentativas de determinao de princpios gerais muito freqentemente tm sido objeto de bem fundamentais crticas, que no reconhecem nas formulaes geralmente apresentadas fora suficiente para se apresentarem como princpios basilares da cincia do Direito Agrrio e muito menos a natureza de serem verdadeiramente genricos, colocando-se, no mais das vezes, circunscritos como expresso de objetivos desejados por quem os formula ou atribuveis a situaes especial e temporalmente muito especficas e particulares. C o m o exemplo destas limitaes podemos nos referir aos supostos princpios gerais do Direito Agrrio sovitico, da forma como enunciados por Kozyr, tais como a gratuidade e perpetuidade do uso da terra por parte das empresas agrcolas e agroindustriais socialistas como tambm pelos cidados; a organizao da produo agrcola com base na aplicao das conquistas da cincia e do progresso tcnico; a autonomia econmica das empresas e associaes, combinada com uma gesto planificadora centralizada; o desenvolvimento da produo sobre a base do clculo econmico; o interesse material das empresas, associaes e respectivos trabalhadores nos resultados das atividades econmicas produtivas e laborativas; a gesto dos negcios das empresas e associaes agrcolas e agroindustriais sobre a base do centralismo

    136. Carrozza, Antnio, op. cit., p. 86.

    137. Id, ibid, p. 86.

  • 172 Fbio Maria De-Mattia

    democrtico; a legalidade socialista.138

    Salvatore Orlando-Cascio, em seu "Corso di Diritto Agrrio", 1952, manifesta-se no mesmo sentido quanto a identificabilidade, pelos seus caracteres peculiares, de u m certo nmero de institutos agrrios e com exemplificao muito vizinha a de Enrico Bassanelli.

    Tlio Ascarelli tambm se interessou pelo tema e depois de se ter perguntado at que ponto a especialidade da matria corresponderia a u m complexo orgnico de normas, disciplina que comeava a reivindicar a autonomia, exprimiu a opinio de que melhor que uma resposta dada a priori, seria prefervel uma a posteriori, isto , depois do exame concreto dos institutos centrais do Direito Agrrio.139

    Pode-se citar, a este propsito, passagem de Gaetano Azzariti em trabalho sobre a tcnica e sistemtica da legislao agrria, quando conclui que "sollo atraverso un lavoro di sapiente revisione potr sorgere una legislazione orgnica deli' agricoltura, nella quale i vari istituti potranno essere inquadrati" ou seja "s atravs de um trabalho de sbia reviso poder surgir uma legislao orgnica da agricultura, na qual os vrios institutos podero estar enquadrados".

    E m seguida, deve ser meditada a reflexo sobre o mtodo mais conveniente para a elaborao do Direito Agrrio na Espanha elaborada por Agustn Luna Serrano: "No nosso pas o direito agrrio se debate ainda em intentos de sistematizao, de formulao legal independente e de autonomia, e parece-me que poderemos alcanar estes resultados quando, mediante o estudo de todos os institutos que integram o direito agrrio espanhol, teramos sido capazes de liberar os princpios que o informam. A elaborao do direito agrrio deve acontecer de baixo para o alto, a partir de seus diversos institutos concretos, antes que do alto para baixo, partindo de conceitos econmicos e sociolgicos de cientificidade

    138. Kozyr, M. 1., op. cit., pp. 187 e 188.

    139. Carrozza, Antnio, p. 86. Carrozza, Antnio e Zeledn, Ricardo Zeledn, op. cit., p. 88, nota 33, indicam que o pensamento de Salvatore Orlando Cascio est na p. 48 da obra citada e a concluso de Gaetano Azzariti, em "Teoria e sistemtica nella legislazione agraria", em ''Atti dei Terzo Congresso Nazionale di Diritto Agrrio", p. 370.

    140. Id., ibid., p. 86. Carrozza, Antnio e Zeledn, Ricardo Zeledn, op. cit., p. 88, nota 33, indicam que o pensamento de Salvatore Orlando Cascio est na p. 48 da obra citada e a concluso de Gaetano Azzariti em "Tcnica e sistemtica nella legislazione agraria", em ''Atti dei Terzo Congresso Nazionale di Diritto Agrrio", p. 370.

  • Mtodo e contedo do Direito Agrrio 173

    dbia" U1

    Ainda: "Em realidade ns agraristas nos decidimos a adotar uma ou outra posio metodolgica conforme a idia que temos do direito agrrio e, mais ainda conforme tenhamos ou no uma idia preconcebida dele. Se no possumos esta idia preconcebida - o que no freqente (...) teremos que alcanar a concluso real (e realista) que o direito agrrio no tem, nem hoje por hoje pode ter, um contedo formal especfico, e orientaremos nosso estudo em direo do contedo material do direito agrrio. Somente atravs da considerao dos vrios institutos (...) de direito agrrio se pode atingir, uma vez negado seu objeto formal, o fundamento da especialidade prpria do direito agrrio" 142

    C o m efeito, conclui Agustn Luna Serrano que: "o estudo do objeto material do direito agrrio poder colocar em evidncia toda a importncia, a complexidade e os caracteres da matria jurdica-agrria que permitam a especialidade" l4j

    Antnio Carrozza conclui que, como se pode apreciar, Agustn Luna Serrano desenvolveu com grande preciso a linha metodolgica que ele, Antnio Carrozza, apresentou em "Gli istituti dei diritto agrrio'' tomo I, que Luna Serrano cita, no que concerne ao estudo do que ele chama contedo "material" do Direito Agrrio, e destacou a convenincia da perspectiva em analisar o Direito Agrrio por

    144

    institutos. e. Para encerrar a anlise deste tpico deve ser lembrado o relevo

    crtico de Natalino Irti, o qual observou que para poder individualizar os institutos pareceria necessria u m a definio acabada e geral da matria em toda a sua latitude.

    A objeo , certamente, sria, mas no-intransponvel, embora encontre u m pretexto no fato que a enumerao dos institutos do Direito Agrrio, para no falar de suas partes, pode-se dizer ainda hoje est estagnada no estado inicial de u m a intuio para ser verificada; o que explica como o Direito Agrrio se encontra em condies de inferioridade com relao s disciplinas mais

    \4\.Id, ibid, p. 86.

    142. Carrozza, Antnio, op. cit., p. 86 e Carrozza, Antnio e Zeledn, Ricardo Zeledn, op. cit., p. 88. nota 35.

    143. Carrozza, Antnio, op. cit., p. 87.

    144. Carrozza, Antnio, op. cit., pp. 86 e 87, continuao da nota 35. E m Carrozza, Antnio e Zeledn, Ricardo Zeledn, op. cit., o item d parece sob ttulo ''Adeses doutrinrias a um Direito Agrrio estudado e reconstrudo por institutos", pp. 88 e 89, notas 33, 34 e 35.

  • 174 Fbio Maria De-Mattia

    consolidadas, para as quais h resduo de dvida de atribuio, na maior parte dos casos, apenas e m certas reas fronteirias.145

    Deve-se considerar, pois, que a primeira incumbncia a ser desenvolvida a de preceder de u m "inventrio" dos vrios institutos e de seus possveis contedos, as especulaes sobre a essncia geral do Direito Agrrio.146

    S aps dir-se- que u m Direito Agrrio existe, que autnomo, somente e apenas somente quando possuir u m certo nmero (no falaremos de princpios), de institutos que lhes sejam prprios.147

    A noo geral de agrariedade que de algum modo se demonstra estar em condies de exercer a funo de denominador c o m u m (da agrariedade, precisamente, isto , de atribuio ao mbito do direito da agricultura) auxiliar definir quais os institutos ou enquadr-los no sistema prprio do Direito Agrrio, ainda que provisoriamente e e m primeira aproximao, ou seja, com reserva de submeter depois cada u m deles a verificao separada.148

    Ora, no parece possvel fixar uma noo idnea de agrariedade sem se referir "lei" biolgica que preside toda atividade de criao de animais ou de

    149

    vegetais. C o m base na lei biolgica, com efeito, pode-se buscar e encontrar o

    critrio geral da agregao dos institutos entre si, o qual uma exigncia, u m a necessidade.150

    Nicol Rosrio e Paolo Vitucci avaliam que previsvel a tendncia para estudar a ampla e dispersa variedade de assuntos que constituem a base do Direito Agrrio atravs de institutos.151

    145. Carrozza, Antnio, op. cit., p. 87.

    146. Id. ibid, p. 87.

    147. Carrozza, Antnio, op. cit., p. 87.

    148. Id, ibid, p. 87.

    149. Id, ibid, p. 87.

    150. Id.. ibid., p. 87. Ver, tambm, Carrozza, Antnio e Zeledn, Ricardo Zeledn, op. cit., pp. 89, 90 e 91, principalmente p. 91.

    151. Rosrio, Nicol e Vitucci, Paolo. "Riflessioni su 'Didattica e Sistemtica dei Diritto Agrrio'" em Rivista di Diritto Agrrio, Milano, v. n. 52, V parte, 1973, p. 70.

  • Mtodo e contedo do Direito Agrrio 175

    3. O processo de "constitucionalizao" do Direito Agrrio

    Na experincia italiana contempornea, plena de "aporias" e de incertezas, mas rica de seivas ideolgicas e de pedidos culturais, u m desvio significativo da metodologia jurdica deve-se ao movimento que se denomina "diritto civile costituzionale" l32

    Por sua vez, o Direito francs, segundo verificao de Louis Lorvellec, no conhece u m a jurisdio agrcola, sendo que a competncia do Ministrio da Agricultura francs varia por fora de u m simples decreto, e, especialmente, no h de se falar de u m a noo constitucional de agricultura naquele pas.

    Situao diferente, contudo, daquela descrita por Z. S. Beljaeva, referindo-se s normas constitucionais de alguma forma relativas ao Direito Agrrio sovitico. Relata tal autor que a Constituio da Rssia, sendo antes e sobretudo fonte de Direito estatal, estabelecia tambm as normas fundamentais primrias de outros ramos do Direito. A o se revelar a importncia da Constituio como fonte de Direito Agrrio, necessrio distinguir dois grupos de normas: a. normas gerais referentes ao sistema econmico da Rssia, aos direitos e deveres de todos os cidados; b. normas especiais destinadas a regular as relaes agrrias.

    Pertencem ao primeiro grupo, segundo o autor, as disposies ento presentes no art. 10 da Constituio ento vigente naquela Federao de repblicas, onde se declara que a propriedade socialista dos meios de produo, na forma estatal (de todo o povo) e Kolchoziano-cooperativa, constituam a base do sistema econmico da Rssia, e o art. 11 da Constituio o qual declarava a propriedade exclusiva do Estado sobre as riquezas naturais, tais como a terra, o subsolo, as guas e florestas.13"'

    N a sua expresso mais original e conhecida, este movimento que encontrou em Piero Perlin