6-cultura politica e educacao para a cidadania

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1 Cultura política e educação para a cidadania: breves reflexões Hermano Carmo Centro de Estudos das Migrações e das Relações Interculturais (CEMRI) Universidade Aberta (UAb) in Estudos da cultura em Portugal e no Brasil, Porto, Afrontamento, no prelo Apresentação 1. A actual conjuntura 1.1. Uma sociedade autista 1.2. Efeitos sociais 2. Para uma teoria da educação para cidadania: um mapa conceptual 2.1. A importância da teoria na produção científica 2.2. Dois eixos da educação para a cidadania 2.3. Quatro vertentes estratégicas 2.4. Dez áreas-chave 3. Rotas de intervenção 3.1. A nível macro 3.2. A nível meso 3.3. A nível micro 4. A cultura política no contexto da educação para a cidadania 4.1. Cultura política: o que é? 4.2. Cultura política e educação para a autonomia 4.3. Cultura política e educação para a solidariedade 4.4. Cultura política e educação para a diversidade 4.5. Cultura política e educação para a democracia 5. Conclusão Bibliografia

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Sociologia Politica

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    Cultura poltica e educao para a cidadania:

    breves reflexes Hermano Carmo

    Centro de Estudos das Migraes e das Relaes Interculturais (CEMRI)

    Universidade Aberta (UAb)

    in Estudos da cultura em Portugal e no Brasil, Porto, Afrontamento, no prelo

    Apresentao

    1. A actual conjuntura

    1.1. Uma sociedade autista

    1.2. Efeitos sociais

    2. Para uma teoria da educao para cidadania: um mapa

    conceptual

    2.1. A importncia da teoria na produo cientfica

    2.2. Dois eixos da educao para a cidadania

    2.3. Quatro vertentes estratgicas

    2.4. Dez reas-chave

    3. Rotas de interveno

    3.1. A nvel macro

    3.2. A nvel meso

    3.3. A nvel micro

    4. A cultura poltica no contexto da educao para a

    cidadania

    4.1. Cultura poltica: o que ?

    4.2. Cultura poltica e educao para a autonomia

    4.3. Cultura poltica e educao para a solidariedade

    4.4. Cultura poltica e educao para a diversidade

    4.5. Cultura poltica e educao para a democracia

    5. Concluso

    Bibliografia

  • 2

    Apresentao

    Aps vinte anos de hegemonia neoliberal depois da queda do muro de Berlim,

    a sociedade contempornea confrontou-se com uma violenta crise da

    economia mundial que veio pr em causa o modelo a que ironicamente

    Adriano Moreira chamou teologia de mercado.

    O crepsculo desta nova dogmtica e o clima de instabilidade econmica que

    gerou foi apenas a ponta do iceberg, sendo inmeros, os indicadores de

    desconfiana nas instituies e nas pessoas que integram o nosso quotidiano.

    Nesta sociedade caracterizada pela anomia, resultante de um processo de

    mudana em acelerao crescente desde h cerca de cinquenta anos, por

    uma desigualdade social agravada nos ltimos vinte anos, e pela fibrilhao dos instrumentos de regulao poltica, as instituies polticas e os seus

    titulares encontram-se sob o fogo cruzado de cidados e mass media,

    acusados de ineficincia, ineficcia e corrupo.

    Para alm de no resolver os problemas de coeso social e de orientao

    colectiva, esta atitude usual de criao de bodes expiatrios parece

    esconder a parte de responsabilidade que cabe sociedade civil, vista

    como um conjunto de cidados mais ou menos organizados.

    A confirmar-se esta hiptese, ento parece indispensvel interrogarmo-nos

    sobre as estratgias a adoptar para dotar os cidados de instrumentos que

    lhes permitam ser sujeitos da sua prpria histria (Freire, 1971). Deste

    modo, para fazer face crise estrutural da sociedade contempornea

    parece ser necessria uma gigantesca ressocializao dos indivduos para

    desempenharem melhor o seu papel de cidados.

    A partir deste conjunto de preocupaes procurarei sugerir, neste texto,

    uma estratgia geral de educao para a cidadania e algumas rotas

    prioritrias de interveno reflectindo sobre o papel que, a meu ver, deve

    desempenhar como eixo aglutinador, a implementao de uma cultura

    poltica adequada, que sirva de lastro para manter a coeso social e as

    orientaes colectivas no rumo certo.

    1. A actual conjuntura

    Para comear a nossa reflexo gostaria de fazer referncia a dois

    acontecimentos recentes:

  • 3

    Uma notcia do Washington Post (11/04/2007):

    Numa experincia indita, Joshua Bell, um dos mais famosos violinistas do mundo, tocou incgnito durante 45 minutos numa estao de metro em Washington, de manh, em hora de ponta, despertando pouca ou nenhuma ateno. Em 1097 passantes apenas foi reconhecido por um. (...) Trs dias antes, Bell tinha tocado no Symphony Hall de Boston, onde os melhores lugares custam 100 dlares, mas na estao de metro foi ostensivamente ignorado pela maioria. A excepo foram as crianas, que, inevitavelmente, e perante a oposio do pai ou da me, queriam parar para escutar Bell.1

    Massacre na Virgnia:

    Abril de 2007: um jovem e introvertido estudante universitrio de origem sul-coreana, num episdio trgico, matou 35 pessoas a tiro. Num depoimento televiso, a tia-av referiu-se com grande espanto ao acontecimento, dizendo que

    se tratava de uma pessoa sossegada, apenas com problemas de comunicao: muito

    calado em famlia no tinha amigos (cit. in Carmo, 2007).

    A estas duas notcias, poderamos acrescentar a observao do conhecido

    psiclogo Daniel Goleman, que numa das suas ltimas obras afirma que o mau

    uso das novas tecnologias tem criado autnticas conchas tecnolgicas que

    constituem eficazes obstculos comunicao inter-pessoal:

    Os automveis, uma maneira de atravessar o espao pblico isolado por um invlucro de vidro e ao, os Walkman, os telemveis, os iPODs e outros aparelhos de auscultadores, cauterizam as pessoas que caminham pelas ruas, bloqueando o contacto com o bulcio da vida e intensificando o isolamento social (Goleman, 2006: 16).

    1.1. Uma sociedade autista

    Como refere Daniel Goleman (2006: 17), na medida em que absorve as pessoas numa realidade virtual, a tecnologia insensibiliza-as queles que esto efectivamente perto

    Esta paradoxal incompetncia para comunicar, parece decorrer da situao

    complexa em que a sociedade contempornea est, marcada por trs

    processos estruturantes:

    uma mudana acelerada, marcada por um processo interactivo de

    transitoriedade, novidade e diversidade (Toffler, 1970) e pela coliso de

    trs vagas civilizacionais das civilizaes agrcola, industrial e de

    informao (Tofler, 1980);

    1 Fonte: http://www.washingtonpost.com/wpdyn/content/article/2007/04/11/AR2007041101614.html

  • 4

    uma desigualdade social crescente, tanto escala nacional como em

    termos internacionais., aumentando perigosamente o fosso entre os mais

    ricos e os mais pobres (Emerij, 1992); e

    a emergncia de novos sistemas de Poder, alicerados em diferentes

    fontes (fora, riqueza e conhecimento); com efeitos preocupantes no

    Estado de Direito, como a tendncia para a descentralizao da violncia

    e para o aumento dos poderes errticos) (Toffler 1991, 2006)

    Estes trs processos conjugados, criaram uma situao de anomia (ausncia

    de normas para fazer face a novos desafios), que pode ser ilustrada por

    uma experincia de Pavlov, no mbito do seu trabalho sobre reflexos condicionados:

    66

    O efeito choque do futuro ou a anomia experimental

    3 exp de Pavlov:apresentao de figurasambivalentes. Reaco ambivalente (saliva, gane e encolhe-se)

    1 exp de Pavlov: condicionamento agradvel para a circunferncia: (saliva)

    2 exp de Pavlov: condicionamento desagradvel para a elipse (gane, encolhe-se)

    Fig. 1

    Aps condicionar duplamente um co para salivar quando via uma

    circunferncia e para ter medo quando via uma elipse, Pavlov comeou a

    apresentar-lhe figuras ambivalentes (elipses arredondadas). A resposta do

    animal foi, tambm ela ambivalente, salivando, ganindo e encolhendo-se no

    canto da jaula.

    No fundo, a sociedade contempornea encontra-se na situao do co: no

    sabe se h-de salivar se h-de ganir, fazendo muitas vezes as duas coisas ao

    mesmo tempo com um olhar perplexo perante o Futuro que entra cada vez

    mais depressa no Presente sem pedir licena.

    1.2. Efeitos sociais

  • 5

    Naturalmente que esta situao tem efeitos profundos sobre as geraes

    vivas que so alvo de estmulos contraditrios a que muitas vezes no esto

    preparadas para responder serenamente.

    Perante isto, os adultos activos, portam-se como previa Margarete Mead

    nos anos 60 (Mead, 1969), como migrantes no tempo, muitas vezes incapazes de desempenharem adequadamente o seu papel de agentes de socializao

    das geraes mais novas, confrontados com foras opostas de presso

    sobre os seus filhos.

    Os velhos, essa novssima gerao que emergiu ao longo do sculo XX, j no so o que eram: So em maior nmero, por via do prolongamento da vida

    humana, tm mais qualificaes, mais poder de compra e, por consequncia

    tendem a possuir maior capacidade reivindicativa; esto ainda mais

    desorientados, dada a sua situao fortemente estigmatizado pelo

    etarismo2 que muitas vezes lhes desvaloriza o seu papel social.

    Muitas crianas e adolescentes, vtimas de processos de socializao

    desestruturados, fulcros de jogos de foras de instituies desorientadas

    (famlia, escola e media, particularmente a televiso para os mais novos e a

    Internet para os mais velhos) e muitas vezes transformados pela sociedade

    de consumo em simples alvos de marketing, procuram ancorar a sua

    identidade em grupos de pares, transformando-se numa espcie de novos capites da areia, os celebrados jovens que viviam nas ruas de Salvador da Baa, descritos h vrias dcadas por Jorge Amado (Carmo, 2007).

    Tudo isto acontece numa famlia que tambm j no o que era: famlia

    nuclear, tpica da sociedade industrial, sucedeu um conjunto muito

    heterogneo de sistemas convivenciais, com agregados tendencialmente

    mais pequenos, integrando papis parentais e relaes intergeracionais

    pouco padronizados e, frequentemente, marcado por ligaes frgeis s

    famlias que lhes deram origem (Carmo, 2007).

    Relativamente aos efeitos sociais, Fukuyama num trabalho recente

    (Fukuyama, 2000), sugere que nas ltimas dcadas do sculo XX os alicerces

    da sociedade contempornea foram seriamente danificados por aquilo a que

    chamou a grande ruptura, decorrente da sobrevalorizao da liberdade em

    detrimento da igualdade e da fraternidade.

    2 O etarismo ou idadismo, um preconceito social, discriminatrio como o sexismo, o

    racismo, e a homofobia, que se traduz em comportamentos determinados pelo facto de um

    indivduo possuir uma dada idade.

  • 6

    De acordo com este autor, os efeitos da grande ruptura observam-se

    sobretudo em trs domnios: no acrscimo da delinquncia, na desagregao

    da famlia nuclear e no declinar da confiana. Em sua opinio as trs

    tendncias conjugadas tm vindo a fazer baixar perigosamente o capital social3 com evidentes efeitos desagregadores, urgindo reconstruir a ordem social do sculo XXI na base da confiana entre os seres humanos.

    Que fazer perante a insegurana e o mal-estar social actual que acabei de

    descrever brevemente? Do meu ponto de vista, tudo isto resulta, em grande

    medida, do deficit de cidadania existente.

    Neste contexto complexo, fundamental interrogarmo-nos como ajudar a

    construir uma nova cidadania que permita que cada pessoa possa ser

    senhora do seu destino (Freire, 1972) e possa, solidariamente, contribuir de

    modo positivo para o destino colectivo. Dito de outro modo, que

    componentes dever ter uma qualquer estratgia de educao para a cidadania?

    2. Para uma teoria da educao para cidadania: um mapa

    conceptual

    Para responder a estas questes sugiro, seguidamente, uma estratgia

    global de educao para cidadania com dois eixos, quatro vertentes

    estratgicas e dez reas chave, a fim de construir um modelo compreensivo

    e consistente do caminho a empreender. (Carmo, 2008: 53)

    Como mtodo de trabalho, recorri a uma ferramenta metacognitiva o mapa conceptual. Um mapa conceptual uma ferramenta de representao do conhecimento (Novak, 2000) que assume a forma de um diagrama

    bidimensional que procura mostrar conceitos hierarquicamente organizados

    e as relaes entre esses conceitos num dado campo de conhecimento

    (Moreira e Buchweitz, 1993:15).

    Este tipo de diagrama deve-se a Joseph Novak, psiclogo educacional da

    corrente construtivista (Universidade de Cornell, EUA), que defende uma

    aprendizagem de qualidade decorrente da aquisio de conceitos claros e

    rigorosos, ancorados nos conhecimentos prvios do aprendente (Carmo,

    3 O capital social pode ser definido simplesmente como um conjunto de valores informais ou normas partilhadas pelos membros de um grupo e que permite a cooperao entre essas pessoas (Fukuyama, 2000: 36). Relativamente a Portugal, veja-se, por exemplo, Correia, (2007), Albuquerque (2009) e Paiva (2010)

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    2008: 54), baseada na teoria da aprendizagem significativa (Valadares e

    Moreira, 2010).

    2.1. A importncia da teoria na produo cientfica

    Antes de comear a apresentar o modelo a que cheguei, gostaria de dizer

    que a minha opo por uma aproximao terica foi propositada:

    Tenho observado, com frequncia, uma atitude de reserva face teoria,

    considerando-a algo de esotrico, sem qualquer utilidade prtica para o

    exerccio do trabalho emprico.

    Reconhecendo fundamento em certas crticas, uma vez que algumas auto-

    designadas teorias no passam de especulaes doutrinrias concebidas por

    vezes sem a prova do confronto com o real, nunca demais salientar a

    enorme economia de informao sistematizada numa boa teoria, o que

    permite ao investigador gerir melhor os seus recursos e orientar as suas

    estratgias de pesquisa.

    Em qualquer processo de investigao, uma boa teoria funciona como

    bssola, no como espartilho.

    neste contexto que reconheo a sabedoria de Kurt Lewin ao afirmar que

    No h nada mais prtico que uma boa teoria, uma vez que uma boa teoria funciona como

    - um reservatrio de Conhecimento (informao sistematizada com um

    dado sentido) e como

    - uma bssola para produzir melhor Conhecimento. (Carmo, 2008: 39)

    Comecemos, pois.

    2.2. Dois eixos da educao para a cidadania

    Retomemos a nossa pergunta de partida: que componentes dever ter uma

    estratgia de educao para a cidadania?

    A meu ver, antes de mais, qualquer programa de educao para a cidadania

    dever ter em conta que, para se ser cidado, necessrio cada um

    desenvolver-se como Pessoa, isto , fazer desabrochar o seu potencial

    individual.

    Mas esse potencial individual de nada serve se no for posto ao servio dos

    outros, ao servio do colectivo. Da que um segundo eixo da educao para a

    cidadania seja o desenvolvimento cultural, social e poltico.

  • 8

    2.3. Quatro vertentes estratgicas

    Para se desenvolver como pessoa, qualquer indivduo tem, antes de mais, de

    aprender a ser autnomo, ou seja a ser sujeito da sua prpria histria,

    construindo uma identidade nica a partir do seu potencial individual.

    Mas, porque essa identidade s se pode realizar num contexto social, cada

    indivduo tem de aprender a ser solidrio, na conscincia de que ningum

    uma ilha, sendo a interdependncia o facto estruturante da nossa existncia

    como seres humanos.

    So estas as duas vertentes estratgicas de qualquer educao para o

    desenvolvimento pessoal e interpessoal.

    Relativamente ao segundo eixo o do desenvolvimento cultural, social e

    poltico este tambm integra, a meu ver, duas vertentes estratgicas:

    - Em primeiro lugar a da aprendizagem para lidar com a diversidade, uma

    das caractersticas estruturantes da nossa poca.

    - Em segundo lugar a aprendizagem da democracia, o melhor sistema de

    vida em comum que actualmente se conhece.

    2.4. Dez reas-chave

    As quatro vertentes estratgicas que acabo de referir operacionalizam-se

    em dez reas-chave.

    Assim, para que a educao para a autonomia seja eficaz, ela dever em

    primeiro lugar preocupar-se com a educao da personalidade dos

    indivduos, uma vez que ningum pode ser autnomo sem pr todos os seus

    talentos a render. Isto implica, que cada indivduo deve ser estimulado a

    desenvolver o seu potencial cognitivo, emocional e tico, de forma

    equilibrada, no privilegiando apenas o seu potencial lingustico ou lgico-

    matemtico , como comum ver-se no ensino formal, mas criando condies

    para o desenvolvimento da sua inteligncia espacial, musical, cinestsica,

    ecolgica, emocional e social, como mostra a investigao recente da

    Psicologia Cognitiva e das neurocincias (Gardner, 1995, Goleman, 1995,

    2006 e Damsio, 1998, 2000), a par do seu amadurecimento tico

    (Dalailama, 2000).

    A educao da autonomia, todavia, no se deve circunscrever ao

    desenvolvimento da personalidade individual: fundamental que cada

    indivduo aprenda a ser dono da sua vida e a assumir as responsabilidades

    que lhe venham a caber. Para isso tem de aprender a comandar e a obedecer

    num quadro de valores adequado, em todos os papis sociais que venha a

  • 9

    desempenhar. por isso que a educao para liderana deve fazer parte

    de qualquer programa de educao para a cidadania (Carmo, 2004). Dito de

    outra forma, para ensinar cada indivduo a servir os outros sem se servir

    deles.

    Por outro lado, a conscincia da interdependncia constitui um imperativo

    para uma educao da solidariedade. Esta vertente integra trs reas

    chave: a solidariedade para com as geraes passadas, de que o respeito

    pelo patrimnio expresso evidente, a solidariedade para com as geraes

    vivas aos vrios nveis de complexidade (familiar, organizacional,

    comunitrio, nacional e internacional) e a solidariedade para com as

    geraes futuras, particularmente visvel na rea o ambiente, pelos seus

    efeitos na sustentabilidade (Carmo, 1998).

    A terceira vertente, a da educao para diversidade, integra a aposta

    educativa em trs reas-chave: a educao para a adaptao de cada

    indivduo heterocronia da mudana, ensinando-o a control-la; a educao para uma sociedade cada vez mais heterognea em termos culturais e para

    um mundo em que os dois gneros sejam efectivamente complementares

    num quadro de paridade.

    Finalmente, a quarta vertente aponta para a aprendizagem da democracia,

    no s como um quadro normativo desejvel (uma meta a alcanar) mas

    tambm como um poderoso instrumento de interveno (um mtodo) para

    alcanar tal objectivo (Carmo, 1998)

    Educao para a cidadaniaintegra

    Desenvolvimento pessoal Desenvolvimento social

    Autonomia Solidariedade

    Personalidade

    Diversidade Democracia

    Liderana Patrimnio (geraes passadas)

    Geraes vivas

    (Presente)

    Ambiente (geraes futuras)

    Mudana Pluralismo cultural

    Complementaridade de gnero

    Como meta

    Como mtodo

    Fig. 2

    A complexidade das necessidades de educao para a cidadania pode

    ser intuda neste mapa conceptual que no faz mais que apontar rumos,

    que naturalmente tm de ser concretizados em aces concretas.

  • 10

    3. Rotas de interveno

    Criado um quadro de referncia, vejamos algumas rotas de interveno

    prioritrias, a trs nveis de actuao:

    a nvel macro, algumas pistas se desenham em termos polticos,

    a nvel organizacional (meso), particularmente no espao escolar,

    e a nvel micro, ou seja nas relaes grupais e interpessoais

    Nesta altura vale a pena recordar a teoria do campo de Kurt Lewin que, na

    sua simplicidade, equacionava bem esta questo afirmando que, sendo o

    comportamento humano decorrente da dialctica entre o dinamismo do Ego

    e do ambiente, a sua alterao podia fazer-se influenciando directamente a

    pessoa ou indirectamente o meio que a condiciona. (Carmo 2008b).

    16

    Que fazer? Uma pista de Kurt Lewin

    Teoria do campo

    Comportamento = f (Pessoa, Meio)

    Para influenciar o comportamento humano

    Fig. 3

    Se assim , para prevenir comportamentos de autismo social e promover a

    cidadania h que incidir a aco, quer sobre o Meio (M) quer sobre as

    Pessoas (P). Partindo desta premissa e procurando estabelecer prioridades

    de interveno, uma vez que no desejvel dispersar recursos, as

    principais rotas de interveno que julgo prioritrias parecem-me ser seis:

    trs sobre o meio duas a nvel macro e uma a nvel meso - e trs sobre as pessoas (figura 4):

  • 11

    17

    Rotas de intervenoAces sobre o meio (M)A nvel macro:

    Promover uma cultura de solidariedade Recriar Comunidades (restaurar os sistemas

    de vinculao)A nvel meso:

    Organizar parcerias auto-sustentveisAces sobre as pessoas (P)A nvel micro:

    Educao da personalidade Educao para a liderana Educao para a democracia

    Fig 4

    3.1. A nvel macro

    Em termos estruturais, parece-me fundamental que toda a aco incida

    na criao de uma cultura de solidariedade, no s em polticas que a

    promovam, incentivando a vontade de obedecer a um quadro normativo

    solidrio, mas tambm que reprimam actos contra a solidariedade,

    aumentando a capacidade de orientao das instituies sociais para um

    quadro normativo solidrio.

    So exemplos de tais polticas, as que apoiem a sustentabilidade da

    famlia, que estimulem a incluso nas escolas, nas empresas e nas

    comunidades, as medidas laborais justas, as polticas nacionais e

    internacionais que promovam a cooperao e a paz, etc.

    A conscincia crescente da interdependncia a grande raiz da

    solidariedade, revelando claramente que esta se traduz

    metaforicamente num jogo de ganha-ganha ou de perde-perde (todos ganham com a sua presena e todos perdem com a sua ausncia).

    Em termos de aprendizagem colectiva, esta constatao implica a

    necessidade de se aprender a compreender o Outro para melhor colaborar com ele. Para que tal acontea, aprender a comunicar melhor,

    torna-se uma condio poltica imperativa.

    Pouco do que acabei de dizer at aqui ter eficcia se no incidirmos

    tambm a nossa aco nos sistemas de vinculao. Dito de outro modo, e

  • 12

    procurando sintetizar o que necessrio fazer, penso que a palavra de

    ordem para os interventores sociais recriar comunidades.

    Do meu ponto de vista, isto implica trs estratgias complementares:

    fortalecer os vnculos s zonas residenciais s famlia e escolas,

    que devero voltar a ser comunidades vivas, aumentando o controlo

    informal destas instituies;

    estimular o aumento da confiana pessoal, familiar e institucional, o

    que obriga reviso de hbitos socialmente txicos, como a

    valorizao da mentira e da irresponsabilidade nas relaes

    interpessoais4;

    promover a educao para a democracia, quer como direco a

    tomar quer como mtodo para manter esse rumo.

    Atravs destas estratgias cria-se mais coeso social, fortalecem-se as

    orientaes colectivas e reduz-se o risco de desvio.

    3.2. A nvel meso

    Em termos meso, fundamental criar parcerias autosustentveis, que tirem partido do potencial de recursos existente e evitem trabalho

    redundante (todos a fazerem o mesmo) dispersando recursos. Este

    trabalho difcil porque a organizao de parcerias tem exigncias

    elevadas.

    Antes de mais, exigncias de natureza pessoal: uma vez que trabalhar

    em parceria significa trabalhar inter-pares, aos indivduos que integram

    parcerias exige-se uma atitude de humildade, de controlo do narcisismo

    pessoal (e institucional) em funo do bem comum, e de maturidade

    emocional, para a qual frequentemente no esto preparados.

    A este pressuposto tico acrescem trs exigncias tcnicas, sem as

    quais nenhuma parceria pode ter condies de eficcia5 nem de

    4 Tal reviso passa por medidas socialmente controversas como a desvalorizao de

    comportamentos de irresponsabilidade conjugal, parental e filial, escala da famlia, e de

    padres de relacionamento irresponsvel escala profissional e cvica. A tolerncia zero s

    denncias annimas, a reduo drstica do uso de escutas telefnicas como meio de prova

    em processos judiciais e o alargamento da penalizao das fugas ao segredo de justia aos

    agentes de comunicao social so exemplos de higiene social a empreender, de difcil

    execuo, mas indispensveis, do meu ponto de vista, regenerao do tecido social. 5 Relao entre resultados previstos e resultados obtidos

  • 13

    eficincia6: um estilo democrtico de liderana capaz de promover uma

    orientao adequada para a parceria, regras justas de funcionamento,

    que promovam a sua coeso e uma legitimao externa que permita a

    viabilizao de jure e de facto da rede, pelas organizaes parceiras7.

    Para alm dos benefcios imediatos evidentes, o desenvolvimento de uma

    rede de parcerias com estas caractersticas tem o efeito derivado, no

    menos importante, de criar um viveiro de educao para a cidadania,

    devido ao quadro de exigncias referido.

    3.3. A nvel micro

    Em termos micro, h que definir prioridades socioeducativas, uma vez

    que no h Desenvolvimento Social sem qualificao das pessoas. Essas

    prioridades devem procurar ter efeito bola de neve e distinguir o importante do urgente. Do meu ponto de vista e considerando como meta

    global o desenvolvimento pessoal e social dos cidados que integram as

    comunidades, as prioridades scio educativas so trs (Fig. 5):

    21

    Que prioridades para a parceria?

    Desenvolvimento pessoal e social dos cidados

    Desenvolver talentosindividuais

    Educao da

    personalidade

    Ter uma identidade rica

    Ser sujeito da sua pp histria

    Educao p/a

    autonomia

    Desenvolver a liderana

    Desenvolver competncias para

    viver em comum

    Ser cidado de corpo inteiro

    Educao p/a

    democracia

    Fig. 5

    6 Relao entre resultados obtidos e custos em meios para os alcanar. 7 Um exemplo: no aceitvel uma organizao parceira comprometer-se a afectar

    tcnicos parceria e em situaes prticas (exemplo participao em reunies)

    impossibilitar essa afectao (no exemplo: marcar-lhes compromissos na organizao-me).

  • 14

    - A educao da personalidade, com o objectivo de desenvolver os

    talentos individuais de modo a formar uma identidade individual

    (carcter) mais rica (o).

    - A educao para a liderana, a fim de conseguir que cada aluno possa

    vir a ser suficientemente autnomo para ser sujeito da sua prpria

    histria, como dizia Paulo Freire.

    - A educao para a democracia, para que cada aprendente desenvolva

    competncias para viver em comunidade de modo a poder vir a ser um

    cidado de corpo inteiro (Carmo, 2006).

    4. A cultura poltica no contexto da educao para a

    cidadania

    No incio deste texto sugeri que, para enfrentarmos a crise estrutural da

    sociedade contempornea seria necessrio uma gigantesca vaga de

    ressocializao, de modo a que os indivduos viessem a assumir melhor o seu

    papel de cidados.

    Traada uma estratgia possvel de educao para a cidadania e sugeridas

    algumas rotas de interveno prioritrias parece ainda assim que a tarefa

    gigantesca, se ambas se centrarem nas pessoas individualmente

    consideradas.

    Recorrendo novamente teoria do campo de Kurt Lewin, para alterar o seu comportamento parece sensato, em vez de dispersar os recursos educativos

    pela multiplicidade de indivduos, concentr-los em alterar o ambiente, de

    modo a criar um campo de foras favorveis mudana pretendida.

    Neste contexto, parece til procurar concentrar esforos na regenerao

    da cultura poltica, usando-a como fulcro da mudana.

    4.1. Cultura poltica: o que ?

    No sentido de operacionalizar o conceito de cultura poltica, construiu-se um mapa conceptual que representa de forma diagramada o seu campo

    semntico (Fig. 6) que seguidamente se procura descrever.

    Antes de mais, observa-se que a designao cultura poltica integra dois conceitos, cultura e poltica:

    O termo cultura usado aqui no sentido antropolgico do termo, como herana social, lastro de memrias e experincias, susceptvel de ser

    socialmente reproduzido, atravs da transmisso de representaes e

  • 15

    prticas, aprendidas atravs de processos de enculturao8 e de

    aculturao9.

    24

    Cultura poltica

    Dois conceitos

    Cultura(lastro de memrias e

    experincias)

    Poltica(arte de

    governar a polis)

    Representaes Prticas

    Captura Exerccio

    Prticas polticas

    Conhecimentos Sentimentos e valores

    Padres

    Liderana Participao Obedincia

    Sob a forma de

    Atitudes Comportamentos

    Politicamente activas

    Politicamente passivas

    Opinies polticas

    Condutas polticas

    sobre

    um processo de aquisio de

    de

    Forma-se por

    integram

    integra

    sobre

    Tem a ver com

    Poder poltico

    do

    Representaes polticas

    Socializao poltica

    Que uma relao entre

    Capacidade de obrigar Vontade de obedecer

    de Que se traduzem em

    Regulao social

    Conduo para metas colectivas

    Orientada para

    Fig.6

    Por seu turno a palavra poltica refere-se arte de governar a polis, a cidade, e operacionaliza-se na arte de capturar e exercer o poder

    poltico, entendido como uma relao entre a capacidade de obrigar e a

    vontade de obedecer (A. Moreira, 1979), orientada para a regulao de

    interesses intra-societais e para a conduo de uma dada sociedade no

    sentido de metas colectivas (Lapierre, s/d).

    Tomando as duas palavras como referncia, pode definir-se cultura poltica,

    numa primeira aproximao, como o lastro de memrias e experincias

    respeitantes poltica.

    Numa segunda aproximao, vejamos como se obtm a cultura poltica: ela

    forma-se atravs da socializao poltica que se traduz num processo de

    aquisio de representaes e prticas polticas:

    As representaes polticas, integram conhecimentos, sentimentos e

    valores sobre padres de captura e de exerccio do poder poltico.

    8 Por enculturao entende-se o processo de interiorizao da cultura por via da

    socializao. 9 Por aculturao entende-se o processo de criao e de destruio cultural, resultante de

    um prvio contacto de duas ou mais culturas diferenciadas, normalmente em condies de

    poder assimtrico Panoff e Perrin, 1973)

  • 16

    As prticas polticas, incluem a experincia de desempenho de papis de

    obedincia, de participao e de liderana, que os indivduos vo

    acumulando ao longo da sua vida e traduzem-se em atitudes

    politicamente activas ou passivas e em comportamentos verbais

    (opinies) ou no verbais (condutas) face a situaes de natureza

    poltica.

    Tendo em conta este conceito operacional de cultura poltica, parece que

    qualquer programa de desenvolvimento da cultura poltica deveria

    procurar ensinar as seguintes competncias:

    saber avaliar criticamente problemas de natureza poltica, ou seja,

    aqueles que afectem a coeso social e a orientao colectiva, bem como

    as diversas formas de captura e exerccio do poder poltico, num quadro

    de valores consensualmente aceite;

    participar civicamente em processos polticos, atravs do desempenho

    adequado de papis de obedincia ou de liderana, tendo em conta o

    quadro de valores referido10.

    Cruzando estes dois tipos de competncias com as vertentes estratgicas e

    reas-chave da educao para a cidadania atrs referidos (Fig.7), vejamos,

    seguidamente, que domnios da educao para a cidadania parecem ser os

    mais sensveis para a criao de uma cultura poltica slida, capaz de

    promover a regenerao do tecido social.

    4.2. Cultura poltica e educao para a autonomia

    Como atrs foi sugerido, a vertente da educao para a autonomia integra

    duas reas-chave: a educao para o desenvolvimento de personalidades

    ricas, atravs da criao de condies para o desenvolvimento dos talentos

    individuais e o treino de competncias para a liderana, indispensveis

    para pr tais talentos ao servio dos outros.

    Na primeira destas reas, dos dez traos de personalidade que a integram11

    (Fig.8), parece-nos de salientar sete, que directamente influenciam a

    criao de uma cultura poltica slida:

    10 Tal referncia dever motivar o cidado a desempenhar o papel servindo a comunidade e

    no servindo-se dela. 11 Chegou-se a estes dez traos atravs da teoria das inteligncias mltiplas de Gardner

    (1995), dos conceitos de inteligncia emocional e social de Goleman (1995, 2006), apoiado

    na investigao das neurocincias (Damsio, 1998, 2000) e das propostas do Dalai-Lama

    (2000) sobre a tica para o sculo XXI.

  • 17

    o desenvolvimento da inteligncia lingustica, que permite dominar a

    lngua como ferramenta de comunicao, indispensvel vida em

    sociedade;

    Vertentes estratgicas e

    reas-chave da educao

    para a cidadania

    Competncias da cultura poltica

    Diagnosticar problemas de

    natureza poltica

    Resolver problemas de

    natureza poltica

    Autonomia

    1. Personalidade

    2. Liderana

    Inteligncias.lingustica, lgico-matemtica, ecolgica,

    emocional e social

    tica reactiva e proactiva

    Obedincia crtica

    Comando democrtico

    Solidariedade

    3. Geraes passadas

    4. Geraes vivas

    5. Geraes futuras

    Conscincia da interdependncia nos eixos temporal e

    espacial

    Respeito pelo patrimnio e pela memria colectiva

    Respeito pelo Outro

    Respeito pelas geraes futuras

    Diversidade

    6. Mudana

    7. Diversidade cultural

    8. Gnero

    Gesto crtica da mudana

    Valorizao da diversidade cultural

    Valorizao da complementaridade de gnero

    Democracia

    9. Meta

    10. Mtodo

    Respeito pelo Outro (Direitos e deveres humanos)

    Comunicao, participao e representao com qualidade

    Fig.7

    27

    Educao da personalidade

    Conjunto de traosQue moldam o

    Carcter (identidade)

    pessoa

    organizao regio nao espcie humanagrupo

    traos cognitivo-emocionais traos ticos

    1. Lingusticos

    2. Lgico-matemticos

    3. Espaciais

    4. Musicais

    5. Cinestsica-corporais

    6. Ecolgicos (Eco-inteligncia)

    7. Intra-pessoais (I. emocional)

    8. Inter-pessoais (I. social)

    cf. Gardner,1995 e Goleman, 1995, 2006cf. Dalai-Lama, 2000

    da

    do

    da

    da dada

    integra integra

    integra

    integra

    10. Promotores de solidariedade (amor, pacincia, tolerncia, perdo humildade e afins)

    9. Inibidores de solidariedade (dio, impacincia, intolerncia, rancor, soberba e afins) => tica de refreamento: disciplina interior

    Fig.8

    o desenvolvimento da inteligncia lgico-matemtica, que aumenta o

    rigor da interpretao da realidade social envolvente;

  • 18

    o fomento da eco-inteligncia (Goleman, 2009), que sensibiliza para a

    responsabilidade individual e social nas relaes com o ambiente,

    indispensveis sustentabilidade e imperativos de solidariedade inter-

    geracional;

    a promoo activa de melhores nveis de inteligncia emocional e social,

    capazes de fazer face surpreendente incompetncia para comunicar na

    sociedade de informao que Goleman (2000) apelidou de autismo social;

    finalmente, o desenvolvimento de uma educao para os valores, tanto

    numa perspectiva de tica reactiva12 como proactiva13, uma vez que a sua

    ausncia impossibilita a vida em sociedade.

    29

    Liderana: a questo da autonomia

    Individual Grupal Organizacional Comunitria Poltica

    Saber

    Maturidade emocional Centrada

    em tarefas

    Centrada em relaes

    Planeamento

    OrganizaoControloComunicao

    MotivaoDesenvolvimento

    Coeso social

    Orientao social

    Aprendizagem

    Saber mandarSaber obedecer

    A liderana como servio

    Valores

    Tem vrios nveis

    Liderana: capacidade para mobilizar atravs do consentimento

    Fig.9

    No que respeita educao para liderana (Fig.9), entendida como

    capacidade para mobilizar atravs do consentimento, para alm da

    educao para os valores que permite exerc-la numa dimenso de servio

    colectividade, para a criao de uma cultura poltica slida parece

    indispensvel criar condies para a experimentao de comportamentos de

    obedincia crtica, isto de consentimento informado, bem como de

    comando democrtico14.

    12 A tica reactiva defende o combate aos comportamentos inibidores de solidariedade

    (dio, impacincia, intolerncia, rancor, soberba e afins). Trata-se de uma tica de

    refreamento e promove a: disciplina interior. a tica do no faas isso porque mau. 13 A tica proactiva postula o estmulo aos comportamentos promotores de solidariedade

    (amor, pacincia, tolerncia, perdo humildade e afins). a tica do faz isso porque bom. 14 Sobre o comando democrtico vide infra, educao para a democracia como mtodo.

  • 19

    4.3. Cultura poltica e educao para a solidariedade

    No que concerne educao para a solidariedade, qualquer das suas trs

    reas-chave indispensvel criao de uma cultura poltica slida, pelos

    seus efeitos no desenvolvimento do capital social:

    a solidariedade para com a geraes passadas porque promove o

    respeito pelo patrimnio fsico e pela memria colectiva, constituindo um

    forte factor identitrio susceptvel de desenvolver a resilincia em

    situaes de crise;

    a solidariedade para com as geraes vivas15, por constituir o cimento

    indispensvel coeso social;

    a solidariedade para com a geraes futuras, pelas suas consequncias

    na sustentabilidade.

    4.4. Cultura poltica e educao para a diversidade

    A diversidade em que a sociedade contempornea est imersa, decorrente

    da mudana acelerada, da globalizao da sociedade arco-ris, como lhe chamou Mandela e, da conscincia crescente de que a histria humana

    muitas vezes ocorreu mutilada em virtude da invisibilidade do feminino,

    torna imperativa a ressocializao colectiva, para encarar a diversidade

    como uma oportunidade e no como ameaa para a melhoria da qualidade de

    vida das populaes. Neste sentido, a promoo de uma adequada cultura

    poltica exige intervenes em trs reas-chave:

    na gesto crtica da mudana, encarando a mudana sem medos nem

    fascnios, e a novidade como um facto a avaliar e no com um valor em si

    mesmo16;

    na valorizao da diversidade cultural, atravs da educao

    intercultural, criando condies para o efectivo dilogo de civilizaes17;

    15 s escalas interpessoal, grupal, organizacional, comunitria, inter-regional, nacional,

    internacional e global. 16 A educao para o consumo crtico um exemplo de gesto da mudana: indispensvel

    educar o consumidor para defender os seus interesses, deixando de ficar nas mos das

    gigantescas campanhas de publicidade econmica e promovendo o seu empowerment

    econmico, de modo a obrigar os produtores a desenvolver estratgias de produo,

    fundamentadas na responsabilidade social e em detrimento do lucro fcil.

  • 20

    na valorizao da complementaridade de gnero, tirando partido do

    capital da experincia da mais de metade da humanidade, constituda

    pelas mulheres.

    4.5. Cultura poltica e educao para a democracia

    Finalmente, para a constituio de uma cultura poltica slida, capaz de

    surfar com sucesso nas tormentosas vagas de mudana, sem se afogar em vrtices anmicos ou em correntes assassinas, mas sabendo tirar partido da

    sua gigantesca energia para construir uma sociedade onde seja possvel

    viver com mais qualidade, necessrio cuidar seriamente da educao para

    a democracia, em duas diferentes vertentes: a democracia vista como meta

    a alcanar e entendida como mtodo para chegar a essa meta.

    30

    CidadoQualidade do

    Sociedade poltica

    Que membro de uma

    Que tem

    Direitos Deveres

    Que tem

    De respeito pelas regras de sociabilidade

    Educao para a Cidadania

    Educao para a democracia

    Meta de sociabilidade Mtodo de sociabilidadeRepresentaes

    - Respeito pelo Outro (diversidade)

    - Direitos humanos

    Prticas de cidadania

    Comunicao

    RepresentaoParticipao1. Leitura

    crtica

    2. Escrita

    3. Fala

    4. Escuta

    5. Preparao

    6. Tomada

    7. Execuo

    de decises

    8. Escolha

    9. Respeito

    10.Responsabilizao e substituio

    de representantes

    Fig.10

    Tendo como referncia a democracia como meta a alcanar, a educao visa

    dar a conhecer o quadro normativo de representaes j parcialmente

    constitudo18

    17 A preveno do terrorismo, por exemplo, no possvel sem populaes conhecedoras das

    religies alheias. que permitam desmontar mitos fundamentalistas gritados por minorias

    ruidosas. 18 Cristalizados nas vrias normas internacionais sobre os Direitos Humanos que carecem,

    no entanto de algum expurgo eurocntrico. Da o uso do advrbio de modo, parcialmente.

  • 21

    Encarando a democracia como um mtodo eficaz, pretende-se, atravs da

    experimentao de boas prticas, alcanar as metas definidas pelo quadro

    normativo.

    Neste contexto, a educao para a democracia integra dez aprendizagens,

    organizadas em trs cachos de preocupaes:

    Antes de mais, porque no possvel construir a democracia sem

    comunicao de qualidade, as aprendizagens da leitura crtica19, da

    escrita e da expresso oral rigorosas e claras, e da escuta emptica, so

    condio sine qua non para a interiorizao do mtodo de funcionamento democrtico;

    Viver em democracia, implica, por outro lado, aprender a participar

    activamente nos processos de deciso, quer na sua preparao, quer na

    sua efectivao, quer ainda na sua execuo, obrigando a regras

    rigorosas e a uma disciplina que evite os efeitos perversos j previstos

    por Aristteles (Cmara, 1994)20 ;

    Finalmente e porque dada a dimenso das sociedades actuais, o modo

    democrtico de funcionar efectiva-se atravs da representao,

    fundamental aprender a escolher representantes, a respeit-los e a

    substitu-los de forma pacfica quando no desempenhem devidamente o

    seu papel.

    5. Concluso: valor da cultura poltica

    De tudo o que atrs foi dito parece ser sensato concluir que uma cultura

    poltica slida factor de coeso social, fundamentando-se na sabedoria

    da solidariedade que se alicera na constatao da interdependncia e

    condio para uma orientao colectiva de qualidade, baseada na

    auscultao do querer comum de uma dada populao.

    A tarefa de criao de uma cultura poltica adequada no entanto,

    complexa, como julgo ter ficado claro, e exige de todos e de cada um em

    particular o indispensvel e nem sempre fcil contributo.

    19 Usa-se esta designao no sentido que lhe foi dado por Paulo Freire (1972) 20 Na sua tipologia de formas de governo, Aristteles considerava que as trs formas

    clssicas monarquia, aristocracia e democracia correspondentes ao governo de um, de

    alguns ou de todos, apresentavam efeitos perversos que se traduziam em outras tantas

    formas de governo: a tirania, a oligarquia e a anarquia ou demagogia.

  • 22

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