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A reforma do ensino mdio e a implantao do Enem no Brasil1Maria Helena Guimares de Castro Sergio Tiezzi

Introduo At recentemente a educao secundria era considerada como o nvel de ensino mais esquecido das polticas pblicas educacionais no Brasil. Visto como um ritual de passagem ao nvel superior, at meados dos anos 1980 o secundrio foi historicamente um segmento destinado educao das elites. Elevadas taxas de repetncia e de evaso escolar no ensino fundamental impediam a expanso do nvel secundrio. O atraso escolar de nosso pas era imenso ainda em 1994. Apenas pouco mais de 50% dos alunos concluam as oito sries do ensino fundamental obrigatrio, levando em mdia 12 anos para faz-lo, devido cultura da repetncia prevalecente. Pode-se afirmar que a dcada de 1990 inaugura um novo ciclo da educao brasileira, com a democratizao do acesso ao ensino fundamental e a extraordinria expanso do nvel mdio. Tal expanso foi acompanhada da implantao de abrangente sistema de avaliao e de ampla reforma curricular. E, como todo processo de reforma costuma ser lento e progressivo, no caso brasileiro ainda cedo para avaliarmos os impactos efetivos das mudanas introduzidas a partir de 1999. Nosso grande desafio a melhoria da qualidade da educao bsica, como

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Este texto contou com as valiosas sugestes e contribuies do prof. dr. Simon Schwartzman e da prof. dra. Maria Ins Fini (coordenadora do Enem de 1998-2002). No entanto, a anlise apresentada neste captulo de total responsabilidade dos autores.

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indicam os resultados das avaliaes implantadas no perodo 1995-2002, especialmente do Enem, como veremos adiante. Cabe ressaltar que em 1995, no incio do primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, mais de 70% dos 4,9 milhes de alunos matriculados no ensino mdio freqentavam escolas noturnas, porque a oferta era predominantemente no perodo da noite, aproveitando espaos ociosos das escolas de ensino fundamental. Do total de alunos matriculados, mais de 50% cursavam o ensino mdio profissionalizante, que, na verdade, no profissionalizava nem tampouco oferecia boa educao geral.As boas escolas ofereciam como ensino mdio um curso preparatrio para os exames de acesso ao ensino superior. O vestibular era o grande exame de avaliao do ensino mdio brasileiro e praticamente restrito s classes mdia e alta. At ento, esse nvel de ensino no havia sido objeto de qualquer avaliao externa escola. No sabamos o que nossos alunos aprendiam, o que sabiam fazer. O que sabamos podia ser assim resumido: nosso currculo era excessivamente enciclopdico e elitista; nossas escolas no estavam preparadas para enfrentar as novas exigncias do mundo atual; nossos alunos concluintes do ensino mdio representavam os verdadeiros sobreviventes de um sistema excludente, totalmente inadequado ao processo de democratizao do conhecimento como exigem as profundas mudanas em curso na sociedade contempornea. Inscrever o ensino mdio na agenda dos educadores e formuladores de polticas pblicas era tarefa inadivel. Democratizar o acesso ao ensino mdio, meta j alcanada por quase todos os pases da Amrica Latina, transformou-se num dos principais objetivos da nova agenda do governo. No menos importante era a urgente necessidade de conceber uma reforma que, alm de repensar o currculo, fosse tambm capaz de propor um novo desenho aos sistemas de ensino sob a responsabilidade dos estados, em consonncia com os princpios federativos que regem o Estado brasileiro. Uma nova Lei de Diretrizes da Educao tramitava no Congresso Nacional desde a promulgao da Constituio Federal, em 1988. Sua tramitao era lenta e suscitava intensos debates e polmicas. Ao final de 1996, depois de um ano do governo Fernando Henrique, o pas finalmente aprova sua lei geral da educao, aps a redemocratizao. A Constituio Federal estabelece como preceito a progressiva universalizao do acesso ao ensino mdio gratuito, ou seja: o ensino mdio deve ser

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progressivamente estendido a todos aqueles que conclurem o ensino fundamental, ainda que no haja obrigatoriedade de curs-lo. O ensino mdio passa a integrar o processo que a nao considera bsico para o exerccio da cidadania, para o acesso s atividades produtivas, inclusive para o prosseguimento dos estudos em prol do desenvolvimento pessoal. A Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (lei 9.394), aprovada em 1996, imprime um novo significado aos preceitos constitucionais, ao incluir o ensino mdio como etapa final da educao bsica no Brasil, abrindo aos jovens a possibilidade de acesso a um nvel de escolaridade mais elevado. O conceito de educao para todos transbordou do ensino fundamental obrigatrio ou da escola primria, como chamada em muitos pases, para incluir, num conceito de educao bsica, a educao infantil e o ensino mdio, conforme compromissos assumidos na Declarao de Jomtiem. A LDB incorporou os objetivos da Educao para Todos ao texto legal, criando a Dcada de Educao e tornando o Brasil um dos raros pases do mundo que teve a ousadia de inscrever em sua lei geral de educao os compromissos de Jomtiem. Assim, no Brasil, vai-se delineando uma nova paisagem na dcada de 1990: medida que se universaliza e se consolida o ensino fundamental, grandes contingentes de jovens egressos buscam novos caminhos. Cresce a matrcula do ensino mdio, aumenta extraordinariamente a oferta de vagas no setor pblico, cai o nmero de jovens freqentando o perodo noturno, implanta-se um novo currculo, uma nova estrutura organizacional reordena o ensino mdio propedutico e a educao profissional (que no ser objeto deste ensaio) e, por fim, um novo sistema de avaliao o Enem passa a induzir o processo de reforma, em particular no que se refere s novas diretrizes curriculares. Este artigo trata da implantao da reforma do ensino mdio e se apia nos resultados do Enem para analisar os limites e enormes desafios a serem enfrentados para se atingir a plena universalizao do acesso e a qualidade desejvel ao trmino da educao bsica. Contexto oportuno lembrar que, no incio dos anos 1950, o nmero de matrculas do secundrio no ultrapassava 650 mil alunos, para uma populao total de mais de cinqenta milhes de pessoas. Na dcada de 1960, observa-se um tmido movi-

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mento de expanso, em conseqncia da implantao do sistema de equivalncia dos estudos secundrios de carter profissionalizante aos estudos acadmicos. No entanto, essa equivalncia era apenas formal, no conferindo as condies efetivas para a profissionalizao dos alunos que porventura no desejassem prosseguir os estudos. No incio dos anos 1970, a lei de organizao do sistema educacional brasileiro estabeleceu que o ensino obrigatrio passaria a ser de oito anos seqenciais, incorporando a primeira etapa do nvel secundrio ao antigo ensino primrio. Com isso melhoraram as oportunidades legais de mais anos de escolaridade a toda a populao, transformando-se o ensino mdio em curso de segundo ciclo secundrio obrigatoriamente profissionalizante. Na prtica, a interpretao da lei e os arranjos que sucederam a sua regulamentao acabaram criando duas modalidades de ensino mdio: uma profissionalizante e outra propedutica. Essas mudanas geraram uma primeira onda de crescimento do ensino mdio, devido eliminao do exame de passagem entre o antigo primrio e o primeiro ciclo do secundrio. Assim, entre 1970 e 1980, mais de um milho de novos alunos se matricularam no ensino mdio. Mas esse crescimento no se manteve nos anos 1980, observando-se a retomada da expanso das matrculas apenas nos anos 1990. As principais causas da interrupo do crescimento do ensino mdio podem ser atribudas ao equivocado modelo implementado e baixa qualidade da educao obrigatria, resultando em altas taxas de repetncia e conseqente obstruo do fluxo de alunos. Para os segmentos de baixa renda, o grande desafio limitava-se concluso do ensino fundamental, e eram poucos os bem-sucedidos. A nova onda de expanso da matrcula do mdio em meados dos anos 1990 ultrapassou de longe o ritmo de crescimento observado nos anos 1970. Chegamos a 2003 com mais de nove milhes de alunos. No pico da primeira onda de crescimento nos anos 1970, a participao da escola privada na matrcula atingia seu ponto mais alto, mais de 46% do total da matrcula. No ano 2000, a participao da rede privada na oferta cai para menos de 15%, mostrando que a expanso se d basicamente pelo esforo do setor pblico. Dois fatores podem explicar a extraordinria expanso do ensino mdio na ltima dcada. De um lado, a melhoria do fluxo escolar do ensino fundamental, com a progressiva queda das elevadas taxas de repetncia, provocou nova de-

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manda por educao de nvel mdio. De outro, as inovaes tecnolgicas das ltimas dcadas tm levado a constantes inovaes na produo de bens e servios e ao surgimento de setores produtivos muito avanados em termos tecnolgicos. Os produtos e processos passaram a ter uma obsolescncia muito rpida. Criam-se novos desequilbrios vinculados a conhecimentos tcnicos aplicados ao processo produtivo, o que altera radicalmente as demandas da sociedade sobre o setor educacional. preciso garantir condies para a educao com constante adaptao rpida evoluo tecnolgica. A rearticulao da educao, do trabalho e da tecnologia constitui um novo desafio que exige mais flexibilidade institucional, parcerias inovadoras e contedos em permanente atualizao. A educao mdia torna-se ento uma questo central no debate dos sistemas educacionais no mundo hoje, na tentativa de articular os objetivos de preparao para o prosseguimento de estudos, de preparao para o exerccio da cidadania, do trabalho e de desenvolvimento pessoal. Est ultrapassado o modelo da educao restrita a um certo perodo da vida das pessoas; hoje a educao deve ser permanente, de modo a permitir freqentes retornos a novos aprendizados. Neste novo paradigma est a educao bsica de carter geral. Todo jovem deve desenvolver as habilidades e competncias para aprender a aprender, ou seja, deve desenvolver o raciocnio, o pensamento crtico e a capacidade de contextualizar os conhecimentos adquiridos. Nesta nova concepo, a formao profissional deve passar a ser complementar educao bsica e organizada de forma flexvel, para permitir sua permanente atualizao evoluo tcnica. O ensino no pode continuar a ser puramente acadmico quando se est lidando com alunos que no pretendem ir ao ensino superior. A educao permanente que a nova sociedade requer exige, portanto, que os sistemas educacionais viabilizem duas condies: a universalizao do ensino mdio e a existncia de um amplo e diversificado sistema de educao profissional ps-mdio flexvel e aberto a todos. Esse foi o sentido da reforma brasileira. Na ltima dcada, muito foi feito para superar o atraso acumulado por dcadas de negligncia na educao brasileira. Hoje, 97% das crianas de sete a 14 anos esto na escola, e o analfabetismo vem caindo de forma drstica. Se o ensino fundamental foi praticamente universalizado, o mesmo no se pode dizer do ensino mdio, como mostram os dados apresentados mais adiante.

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O problema maior est na qualidade do ensino, que no assegura o nvel de aprendizagem indispensvel. Parte do problema reside na incorporao de novos grupos sociais escola. Muitas vezes, os professores no so suficientemente treinados para lidar com alunos cujos pais tiveram pouca ou nenhuma escolaridade ou vindos de famlias desfeitas. Mas parte do problema tambm se deve falta de incentivos carreira docente e aos programas de formao inicial e continuada dos professores, muitas vezes inadequados promoo da melhoria da qualidade. A responsabilidade pela educao, entretanto, no cabe apenas ao governo federal. Pela Constituio, o ensino bsico atribuio dos estados e municpios, os quais so obrigados a aplicar 25% de seus oramentos em educao. O conjunto desses recursos muito maior do que o que est disponvel para o governo federal. Uma poltica realista deve prever, portanto, um esforo conjunto das trs esferas de governo. No Brasil, o ensino mdio sempre oscilou entre duas alternativas bsicas: oferecer um ensino profissionalizante com carter de terminalidade ou oferecer um ensino propedutico voltado ao prosseguimento dos estudos em nvel superior. Nessa segunda possibilidade, cabe ainda sua segmentao em funo da rea do curso superior que o aluno pretenda seguir. A nica via para alcanar um maior nvel de escolaridade por parte dos que j haviam ultrapassado a idade normal de freqncia escola era por meio dos esquemas de educao supletiva de ensino fundamental e mdio, o que praticamente lhes fechava a porta para a formao profissional de nvel tcnico. A reforma comandada pelo Ministrio da Educao, no perodo 1995-2002, objetivou sua melhoria e expanso sintonizada com as demandas do setor produtivo e com as necessidades de desenvolvimento do pas, da sociedade e dos cidados. Diferentemente da viso predominante na Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional de 1971, a proposta da atual LDB trabalha o conceito de uma escola de ensino mdio que garanta a continuidade ao ensino fundamental, veiculando uma cultura de carter geral voltada compreenso do mundo atual e, ao mesmo tempo, que mantenha os cursos tcnicos, posterior ou concomitantemente ao ensino propedutico, para atender s demandas de uma clientela que, em grande parte, j de trabalhadores. A matriz de inspirao da reforma brasileira, concretizada por meio da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDB), sancionada em 20 de

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dezembro de 1996 e nos decretos posteriores, foi o novo paradigma educacional que passou a orientar a maioria das reformas educativas de ensino mdio e profissional no mundo durante os anos 1990. Leis no mudam a realidade, mas inegavelmente funcionam como convocao e orientao da mudana. No Brasil, o ensino tcnico-profissional, ao longo de sua histria, foi capturado por setores da classe mdia com inteno de se preparar para o ingresso no ensino superior e no para o mercado de trabalho. Como as melhores escolas tcnicas eram as instituies federais, que ofereciam gratuitamente educao geral e ensino tcnico, elas acabaram se transformando em cursos preparatrios ao ensino superior. Com isso perdiam os alunos realmente interessados em aprender uma profisso, e o mercado de trabalho tinha dificuldades de encontrar profissionais qualificados. Uma mudana extremamente substantiva da reforma foi a desvinculao da educao profissional do ensino mdio, passando ela a complementar a formao bsica, isto , a educao profissional no substitui a educao bsica e nem com ela concorre.2 A LDB tambm estabeleceu que o ensino mdio pode ser cursado concomitantemente ao ensino tcnico profissional. Isso exigiu e exige um enorme esforo do governo e da sociedade para criar cada vez mais opes de estudos no ps-mdio. Assim, a reforma do ensino mdio que comeou a ser implantada no ano de 1999 est baseada num conjunto de polticas que podem ser resumidas em quatro eixos principais: 1) Expanso do sistema visando a sua progressiva universalizao; 2) Redefinio do papel do ensino mdio no processo educacional; 3) Melhoria das condies de oferta; 4) Melhoria da qualidade do ensino. O crescimento do ensino mdio Aps quase duas dcadas de crescimento vegetativo, que acompanhou diretamente o crescimento do ensino superior, o ensino mdio brasileiro teve, na

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Ver o artigo de Cludio de Moura Castro neste volume.

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ltima dcada, uma expanso extraordinria. Foi o nvel de ensino que mais cresceu, superado apenas pelo supletivo de nvel mdio. De fato, os nmeros so eloqentes: de acordo com o censo escolar do Ministrio da Educao, no ano de 2002, cerca de 8,7 milhes de alunos estavam matriculados no ensino mdio, mais que o dobro do nmero de alunos matriculados no incio da dcada de 1990. Entre 1995 e 2003, o ensino mdio regular incorporou 3,7 milhes de novas matrculas, depois de 14 anos de crescimento vegetativo. No perodo 1980-1994, o sistema havia acrescido apenas 1,8 milho de matrculas s j existentes. Tambm o nmero de estudantes que concluem este nvel de ensino cresceu. De 1991 a 1994, o nmero de concluintes havia aumentado 40%, passando de 660 mil para 917 mil concluintes. A partir de 1994, o sistema promoveu um melhor fluxo escolar, alcanando em 2001 mais de 1,8 milho de concluintes. Mas ainda grande o nmero de estudantes que encontra dificuldade em concluir seus estudos no ensino mdio. Nos ltimos anos, os alunos em atraso escolar, com idade acima dos 18 anos, e aqueles que precisaram abandonar os estudos esto buscando cada vez mais a educao de jovens e adultos. De acordo com a lei, permitida ao jovem a obteno da certificao de concluso de nvel mdio por meio de cursos preparatrios de forma mais condensada e rpida (o chamado supletivo) mediante a realizao de exame oficial. Foram organizadas diferentes ofertas para educao de jovens e adultos, principalmente pela sociedade civil, ONGs, comunidades religiosas, empresas.

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A matrcula dessa modalidade de ensino praticamente triplicou de 1995 a 2001. O sucesso em concluir os estudos tambm aumentou. Em 1995, os clculos de fluxo escolar estimavam 71 concluintes para cada cem ingressantes. As estimativas para o ano de 1999 indicam uma taxa esperada de 78 concluintes para cada cem ingressantes. Esse aumento na demanda deve-se, por um lado, progressiva ampliao de concluintes do ensino fundamental e, por outro, s caractersticas de um mercado de trabalho que, cada vez mais limitado e exigente quanto s credenciais educacionais requeridas, impulsiona os jovens e suas famlias a prolongarem seu investimento na escolarizao, especialmente nos grandes centros e estados mais desenvolvidos. Segundo dados publicados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Inep sobre a educao no Brasil em 2001, j possvel identificar tendncias de melhorias no aproveitamento dos alunos da educao bsica, incluindo o ensino mdio. Nesse nvel, houve uma evoluo da taxa de aprovao dos alunos, de 71,6% para 75,8% entre 1996 e 2000, e uma diminuio no nmero de reprovaes, de 9,5% para 7,5%, no mesmo perodo. A quantidade de alunos que abandonam a escola tambm tem diminudo. Nesse mesmo intervalo de tempo, ela caiu de 18,9% para 16,7%. Embora a melhoria desse indicador represente um aumento do nmero de concluintes da educao bsica, chegar ao ensino mdio continua sendo o desafio para grande parte dos jovens (Abramovay & Castro, 2003, p. 25-26). Outro aspecto a destacar que o crescimento no atendimento deu-se principalmente nas redes pblicas municipais e estaduais. No intervalo 1985-1997, a taxa de crescimento de ambas foi, respectivamente, 174% e 161%, enquanto na rede particular essa taxa foi de 26,2%. Alm da presso do mercado, que passou a exigir o diploma de ensino mdio como credencial de acesso ao mundo do trabalho, essa expanso pode ser explicada por quatro fatores principais: 1) Os resultados positivos de um conjunto de polticas ligadas melhoria do funcionamento do ensino fundamental; 2) A nfase em programas de combate repetncia e melhoria do fluxo escolar; 3) A reforma do ensino mdio e as polticas implementadas com o objetivo de fortalecer o secundrio como etapa final da educao bsica; 4) O Exame Nacional do Ensino Mdio Enem, implantado a partir de 1998.

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A nova LDB de 1996 projetou o desenvolvimento de novas diretrizes curriculares e a concepo de um sistema de avaliao do sistema educacional como instrumentos de auxlio na implementao de um ensino mais rico e analtico. Isso redundou na definio dos Parmetros Curriculares Nacionais do Ensino Mdio e na criao do Enem. As novas diretrizes curriculares O primeiro passo da reforma foi a integrao do ensino mdio educao bsica, ou seja, a educao escolar que deveria ser oferecida a todo cidado e ser a base educacional para o exerccio da cidadania. Para tanto, a educao profissionalizante deveria ser complementar educao bsica, de forma que a educao para o trabalho no se confundisse com ensino profissionalizante. Na educao bsica, as competncias, habilidades e contedos, a serem desenvolvidos de modo contextualizado, devem ser obrigatoriamente preparao bsica para o trabalho, mas no profissionalizao em sentido estrito. Duas idias-fora passaram a orientar as polticas do governo: a melhoria da qualidade da educao bsica para todos e a oferta diversificada de educao psbsica. Como etapa final da educao bsica, o ensino mdio deveria apontar tanto para a insero dos jovens no mercado de trabalho quanto para o prosseguimento dos estudos, mas deveria ter como principal objetivo a educao para a vida cidad. Para cumprir essa finalidade, a reforma pautou-se pela nfase na contextualizao da aprendizagem e pertinncia dos contedos e competncias a serem desenvolvidos pela escola. Um grupo de consultores plural e diversificado, constitudo por especialistas de vrias universidades, professores da rede pblica, dirigentes de escolas, secretrios de Educao e equipes tcnicas dos estados, encarregou-se de identificar as boas experincias, articular a concepo do novo currculo, discutir os entraves ao financiamento da expanso do sistema e elaborar um planejamento estratgico para melhor equipar as redes de ensino sob a responsabilidade dos estados da federao. Um fator relevante no debate que precedeu a reforma foi o envolvimento dos meios de comunicao no processo. Entrevistas em jornais, rdios e televiso, definio de uma agenda de encontros regionais por todo o pas, articulao

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com os sindicatos foram constantes no perodo 1995-1997. No final de 1997, encaminhou-se ao Conselho Nacional de Educao (CNE) uma proposta de diretrizes curriculares para o ensino mdio que, na verdade, extrapolava o que tradicionalmente se entende por reforma curricular, ao incluir aspectos organizacionais e de gesto da escola. O debate e as audincias pblicas no CNE se desenrolaram ao longo de 1998 e, finalmente, em 1999 as diretrizes foram homologadas pelo ministro da Educao. Em 1998, o CNE estabeleceu, por fora de lei, as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Mdio (Resoluo CEB/CNE n 03/98), baseadas, por sua vez, no parecer CEB/CNE n 15/98. Nessas diretrizes baseiam-se os Parmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Mdio, documento de carter orientador de contedos bsicos para as disciplinas escolares. Os PCN so uma referncia comum para todo o pas, mas podem ser adaptados s caractersticas de cada regio. Os novos parmetros do ensino mdio, elaborados por um conjunto de especialistas contratados pelo Ministrio da Educao, esto baseados fundamentalmente nos vnculos com os diversos contextos de vida dos alunos e no domnio de competncias e habilidades bsicas, e no mais no acmulo de informaes. Entendido como educao geral, o novo conceito de ensino mdio articula um forte segmento cientfico e tecnolgico ao humanismo, com possibilidade de diversidade de trajetos na construo do currculo pela escola, o que no se confunde com educao profissional, que pode ser realizada em escolas especializadas ou empresas sem substituir a educao bsica geral oferecida pelo nvel mdio. Neste sentido, a reforma assenta-se em trs eixos: 1) A flexibilidade, para atender a diferentes pessoas e situaes de mudana que caracterizam a sociedade do conhecimento; 2) A diversidade que assegure a devida ateno s necessidades dos diferentes grupos em diferentes espaos, com idades distintas; 3) A contextualizao que, ao garantir uma base comum ao currculo nacional, permite tambm a diversificao de trajetos das grades curriculares e a constituio de significados que do sentido ao processo de aprendizagem. O que isso quer dizer na prtica? At os anos 1970, o ensino mdio profissional devia preparar pessoas capazes de dominar a utilizao das mquinas e de dirigir processos de produo. Da surgiu a poltica de transformar parte do

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ensino mdio em ensino profissionalizante. Na dcada de 1990, a revoluo das tecnologias da informao fez com que o volume de informaes sofresse um processo constante de substituio do contedo aprendido, exigindo do aluno a aquisio de conhecimentos bsicos, a preparao cientfica e a capacidade de utilizar as diferentes tecnologias relativas rea de atuao3. As propostas contidas nessa iniciativa partem da anlise do crescimento da matrcula no ensino mdio, notando que esse crescimento incide, sobretudo, na escola pblica e no perodo noturno e, portanto, reflete a chegada de novos atores, inclusive trabalhadores, escola de nvel mdio. Segundo Guiomar Namo de Mello, relatora do parecer n 15 do Conselho Nacional de Educao: (...) para acolher esse novo contingente cujo afluxo tende a aumentar ainda mais nos prximos anos , o ensino mdio no pode ser s passagem para a educao superior: a concepo da preparao para o trabalho aponta para a superao da dualidade do ensino mdio: essa preparao ser bsica, ou seja, aquela que deve ser base para a formao de todos e para todos os tipos de trabalho. Por ser bsica ter como referncia as mudanas nas demandas do mercado de trabalho, da a importncia da capacidade de continuar aprendendo; no se destina apenas queles que j esto no mercado de trabalho ou que nele ingressaro no curto prazo (Mello, 1998, p. 15). Foi preciso ir alm das duas alternativas historicamente colocadas acadmica ou profissionalizante para gerar um modelo capaz de dar conta das competncias cognitivas necessrias para seguir aprendendo, conviver, produzir e definir uma identidade prpria. Como muitas profisses podero deixar de existir nos prximos anos, e muitas outras podero ser criadas, preciso desenvolver flexibilidade, criatividade, polivalncia, capacidade de aprendizagem contnua. Os Parmetros Curriculares destacam em sua introduo que qualquer currculo deve definir contedos e estratgias para capacitar os cidados a desenvolver conhecimentos nos trs domnios da ao humana: a vida em sociedade (relaes polticas), a atividade produtiva (relaes de trabalho) e a experincia subjetiva (simbolizaes). Para isso, parte-se de quatro premissas apontadas

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PCN Ensino Mdio, p. 15.

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pela Unesco como eixos estruturais da educao na sociedade contempornea: aprender a conhecer (...) aprender a fazer (...) aprender a viver (...) aprender a ser4. Com base nessas premissas os Parmetros propem um currculo da educao mdia que se torne responsvel pela formao geral do aluno, atribua significado ao conhecimento escolar e estimule o desenvolvimento das competncias afetivas e cognitivas, como as capacidades de pesquisar, raciocinar, argumentar, trabalhar em grupo, desenvolver valores ticos como a tolerncia, a generosidade, o respeito ao outro , ser criativo e aprender a aprender continuamente, por meio de um processo de ensino e de aprendizagem contextualizado, no compartimentalizado e no baseado na quantidade de informaes e no simples exerccio de memorizao. Para atender a essas exigncias, os Parmetros Curriculares Nacionais do Ensino Mdio propem eixos bsicos que devem ser construdos em torno de duas bases: a Base Nacional Comum e a Parte Diversificada. A Base Nacional Comum deve preparar os estudantes para buscar informao, gerar informao e saber usar essa informao para solucionar problemas concretos na produo de bens e prestao de servios, pois qualquer competncia requerida no exerccio profissional, seja ela psicomotora, socioafetiva ou cognitiva, um afinamento das competncias bsicas. Esta educao geral permite a construo de competncias que se manifestaro em habilidades bsicas, tcnicas ou de gesto5. Ela est dividida nas seguintes reas: linguagens, cdigos e suas categorias; cincias da natureza, matemtica e suas tecnologias; cincias humanas e suas tecnologias. A parte diversificada do currculo deve atender s caractersticas regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela. Finalmente, h nos Parmetros Curriculares uma recomendao muito forte para que todo esse aprendizado seja norteado pela interdisciplinaridade e contextualizao: assim, as linguagens, a filosofia, as cincias naturais e humanas e as tecnologias devem ser tratadas de forma matricial para superar o tratamento estanque e compartimentalizado que tanto caracterizam o ensino escolar dominado por especializaes que no se comunicam. Tambm o contexto em que estes estudantes vivem

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PCN Ensino Mdio, p. 29-30. PCN Ensino Mdio, p. 30-31.

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deve ser considerado, no para se restringir a ele, mas sim para gerar a capacidade de compreender e intervir na realidade6. Para que tais objetivos sejam alcanados, o ensino mdio precisa ser entendido como modalidade unitria que contemple a diversidade e a flexibilidade, de modo que o novo currculo seja concomitantemente: 1) Diversificado quanto aos contedos e contextos selecionados, com foco em reas de conhecimento que respondam s necessidades da produo de bens, servios e conhecimentos da vida cidad e dos indivduos; 2) Unificado quanto s competncias cognitivas, afetivas e sociais que se constituem na base dos contedos diversificados, de modo a garantir educao geral e comum para todos. Assim, a educao profissional passa a ser considerada complementar ao ensino mdio, porque complementar a toda a educao bsica e exige nveis diferenciados de escolaridade para os distintos nveis de qualificao. A articulao adequada entre a preparao bsica para o trabalho, oferecida pelo ensino mdio, e a educao profissional, destinada a preparar para o exerccio de funes especficas de trabalho, no nvel tcnico ou superior, deve ser obtida em estudos posteriores ou diretamente no trabalho. A busca da qualidade do ensino Um dos maiores desafios da reforma do ensino mdio no Brasil a adequao entre a necessria expanso da oferta e os esforos para assegurar a melhoria de sua qualidade. Vive-se um processo de massificao acelerada da educao mdia, que precisa ser acompanhado da melhoria da qualidade em paralelo ao processo de incluso social das camadas historicamente excludas. Os indicadores mostram que a eficincia do sistema tem melhorado: a matrcula cresceu 71% entre 1994 e 2001; o nmero de concluintes aumentou em 102% no mesmo perodo; passamos de uma taxa de cobertura lquida da coorte de 15 a 17 anos de 16%, em 1994, para 33%, em 2001. Portanto, dobrou a participao na matrcula dos jovens na faixa etria correta em apenas oito anos.

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PCN Ensino Mdio, p. 36.

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Pases que vm apresentando melhoria crescente no desempenho de seus alunos no perodo recente, como a Coria, promoveram a expanso do sistema e a incluso massiva no secundrio nos anos 1970 e posteriormente passaram a investir pesadamente em melhoria da qualidade. Trata-se, portanto, de um enorme desafio assegurar a expanso com qualidade, processo que nos pases desenvolvidos costuma levar em mdia duas dcadas. O grande desafio situa-se na melhoria do processo pedaggico dentro das escolas, cabendo esfera administrativa central uma ao de fomento e assistncia tcnica s escolas. Isso requer a melhoria das prticas pedaggicas na sala de aula, forte nfase em programas de formao continuada de professores e melhoria de gesto, no sentido de promover a progressiva autonomia pedaggica, administrativa e financeira da escola. Melhorar a gesto significa inovar na gesto da sala de aula, da escola e dos rgos intermedirios do sistema. A base da ao pedaggica inovadora est na formao continuada e em servio dos professores e no desenvolvimento de recursos e metodologias adequadas nova concepo curricular. Tambm a gesto inovadora da escola repousa na formao continuada dos diretores e gestores da escola, como no desenvolvimento de uma cultura de planejamento escolar, de avaliao institucional e de aprendizagem dos alunos. E, neste sentido, a escola pblica brasileira ainda est muito distante da reforma proposta. Nesta perspectiva, o MEC produziu, publicou e distribuiu os Parmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Mdio contendo os textos legais e um conjunto de referncias de apoio ao professor. Produziu-se uma srie de programas para as escolas mdias, veiculadas diariamente pela TV-Escola, canal de TV do Ministrio da Educao, procurando oferecer s escolas uma caixa de ferramentas para a implementao da reforma. Essa programao procurou cumprir trs objetivos principais: apoiar o trabalho do professor em sala de aula; disponibilizar materiais e informaes atualizadas que auxiliem na formao em servio dos professores e gestores de escolas; difundir a concepo da reforma e sua nfase na interdisciplinaridade e contextualizao da aprendizagem. A avaliao do ensino mdio, por meio do Enem e do Saeb, tambm aspecto central da reforma e da poltica de fomento melhoria da qualidade. O Enem, como mecanismo de avaliao dos indivduos ao final de sua escolaridade bsica, busca traduzir, por meio da redao e da prova objetiva, os princpios e diretri-

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zes da reforma do ensino mdio. O Saeb, como elemento central do Sistema Nacional de Avaliao da Educao Bsica, promove a avaliao dos sistemas de ensino e busca identificar os principais entraves que dificultam a implementao da reforma, com o objetivo de subsidiar polticas de melhoria da qualidade do ensino. O Enem produz um amplo diagnstico do perfil dos alunos, o Saeb produz um profundo diagnstico dos sistemas de ensino, da matriz organizacional da escola e um perfil detalhado dos professores e diretores do sistema. O Exame Nacional do Ensino Mdio Enem O Exame Nacional do Ensino Mdio tem sido um valioso instrumento da poltica de implementao da reforma do ensino mdio, difundindo seus objetivos de forma intensiva para todo o Brasil. O Enem tem como nfase a avaliao do perfil de sada dos egressos deste nvel de ensino. Seu objetivo principal proporcionar uma avaliao do desempenho dos alunos, ao trmino da escolaridade bsica, segundo uma estrutura de competncias associadas aos contedos disciplinares, que se espera tenha sido incorporada pelo aluno, para fazer frente aos crescentes desafios da vida moderna. O que est presente na concepo do Enem a importncia de uma educao com contedos analiticamente mais ricos, voltados para o desenvolvimento do raciocnio e a capacidade de aprender a aprender, buscando a eliminao paulatina dos currculos gigantescos e permitindo que as escolas do ensino mdio concentrem-se no que importante ensinar. Neste sentido, a escola deve assegurar aos alunos o desenvolvimento das estruturas mais gerais das linguagens, das cincias, das artes e da filosofia, numa dinmica de ensino que permita ao jovem mobilizar esses conhecimentos tradicionais na busca de solues criativas para problemas cotidianos devidamente contextualizados. O valor da formao no reside no armazenamento de muitas informaes ou memorizao de muitos fatos, mas no desenvolvimento das estruturas mentais que permitem ao jovem e ao adulto enfrentar problemas novos usando as velhas e boas teorias cientficas. Utilizado como auto-avaliao por milhares de jovens estudantes, o Enem fornece, ao mesmo tempo, uma medida das respostas que a escola apresenta diante dos mesmos desafios impostos pela sociedade, tanto em relao ao pleno

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exerccio da cidadania, como no sentido de prover uma formao adequada para o nvel superior de ensino, dentro de uma concepo orientada para a aprendizagem continuada. Ao construir uma matriz de competncias e habilidades que serviu de referncia para a avaliao, o Enem estabeleceu, pela primeira vez no Brasil, um padro de referncia (benchmark) para o trmino da escolaridade bsica, da mesma forma que o fazem outros exames internacionais, como, por exemplo, o SAT (Scholastic Aptitude Test) nos Estados Unidos, o Baccalaureate na Frana, dentre outros. Neste sentido, o Enem permite ao poder pblico dimensionar e localizar as lacunas que debilitam o processo de formao dos jovens e dificultam sua realizao pessoal e sua insero no processo de produo da sociedade. De outro lado, como instrumento de poltica pblica, busca diretamente em seu pblicoalvo subsdios para avaliao das orientaes a serem seguidas. A estrutura conceitual de avaliao do Enem vem se aprimorando desde sua primeira aplicao em 1998, tendo como referncia principal a articulao entre o conceito de educao bsica e o de cidadania. uma nica prova, multidisciplinar, com uma redao e 63 questes objetivas, baseadas numa matriz de cinco competncias e 21 habilidades, no dividida, portanto, por disciplina, como o caso da maioria dos demais exames. O Enem segue as orientaes da reforma do ensino mdio e contempla as diretrizes dos Parmetros Curriculares do Ensino Mdio, ao demonstrar, por meio de uma prova, como possvel trabalhar os diferentes contedos numa perspectiva transdisciplinar, privilegiando a aprendizagem a partir da resoluo de problemas de temticas presentes no contexto pessoal dos alunos e social da escola e do meio onde esto inseridos. As cinco competncias avaliadas no Enem contemplam: domnio da lngua portuguesa, domnio das linguagens especficas das reas matemtica, artstica e cientfica; aplicao de conceitos para a compreenso de fenmenos naturais, processos histrico-geogrficos, produo tecnolgica e manifestaes artsticas; utilizao de dados e informaes para tomada de decises diante de situaes-problema; construo de argumentao consistente;

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capacidade de elaborao de propostas de interveno na realidade, respeitando valores humanos e considerando a diversidade sociocultural do pas. Em sua quinta edio, em 2002, o Exame Nacional do Ensino Mdio atingiu a marca de 3,3 milhes de alunos avaliados desde 1998. O exame, de carter voluntrio, cresceu substancialmente a partir de 2001, quando se tornou gratuito para alunos egressos de escolas pblicas. Alm disso, foi ampliado para um nmero cada vez maior de municpios, com vistas a facilitar o acesso a todos os que esto concluindo o ensino mdio em todo o pas. O Enem tem possibilitado uma compreenso mais palpvel dos eixos estruturadores da reforma do ensino mdio: interdisciplinaridade, contextualizao e resoluo de problemas. Tem permitido que professores e especialistas em educao visualizem o desempenho desejado dos jovens de forma clara, tal como exigido em cada uma de suas questes. Neste sentido, o Enem um poderoso instrumento indutor de mudanas, na medida em que expressa no que avaliado aquilo que deveria ter sido ensinado. Um de seus principais resultados tem sido a aceitao por parte das escolas, traduzida pela opinio de professores e alunos. O Enem vem sendo considerado pea importante para a aferio de competncias dos egressos do ensino mdio, e, conforme pode ser visto na tabela 3, crescente o nmero de universidades e outras instituies de ensino superior que utilizam seus resultados como parte dos critrios de seleo de candidatos aos cursos de graduao.

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Essa observao nos remete ento ao problema do ingresso no ensino superior. Houve uma estratgia explcita do Ministrio da Educao de tentar influir junto s instituies de ensino superior no sentido de estas reverem o seu vestibular, seja valorizando a nota do Enem no processo de ingresso, seja elaborando provas mais prximas ao seu esprito. Nesse sentido, o Exame pretende avanar num ponto crtico, o fato de o processo de seleo para a educao superior ter enorme influncia sobre o que realmente desenvolvido no ensino mdio (Abramovay & Castro, 2002, p. 220). As pretenses quanto ao potencial democratizador do exame vo alm, como atesta artigo do pr-reitor de graduao da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp): A auto-excluso desses estudantes (egressos das escolas pblicas) notria nos vestibulares mais concorridos. Na Unicamp, por exemplo, a cada ano se inscrevem apenas cerca de 30% dos alunos egressos de escolas pblicas de nvel mdio, enquanto estas representam mais de 80% das matrculas desse nvel de ensino no estado de So Paulo. Com o intuito de possibilitar uma diminuio na auto-excluso de candidatos ao vestibular, muitas vezes desconhecedores das competncias desenvolvidas durante o seu ensino bsico; de contribuir para a melhoria da autoestima; de incentivar a realizao de um exame que ocorre em todo o pas e para o universo muito abrangente de alunos concluintes do ensino bsico; e, finalmente, pensando na possibilidade de poder contribuir para a melhoria do instrumento de avaliao utilizado em seu contedo e em sua forma, as trs universidades paulistas resolveram adotar, a partir de 1999, o Exame Nacional do Ensino Mdio (Enem) como um dos componentes de seu ingresso (Cortelazzo, 2001, p. 7). Portanto, embora as instituies de ensino superior sejam autnomas para decidir se iro utilizar os resultados do Enem e de que forma isso ser feito, e embora o Enem no seja um requisito para a obteno do diploma, ele um exame valorizado pelo Ministrio da Educao e pelos alunos, principalmente na medida em que passa a ter algum peso no processo de ingresso na educao superior. Com a abrangncia obtida em 2002, foi possvel captar, em todo o pas, a percepo dos jovens egressos do ensino mdio sobre sua experincia escolar, a

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caracterizao das escolas que freqentaram e suas opinies sobre as relaes intervenientes no processo de aprendizado e convivncia escolar. O Enem 2002, particularmente, procurou ampliar seu entendimento sobre os limites e possibilidades do jovem brasileiro por meio do aprofundamento da identificao de seus valores, opinies e atitudes. Neste sentido, buscou-se mapear seus interesses e expectativas, o entorno de suas relaes pessoais e as formas de insero no debate pblico. Um projeto pedaggico que almeja patamares superiores de cidadania precisa ter seu subsdio no conhecimento permanente e atualizado das opinies e reivindicaes das pessoas e, dessa forma, complementar o crculo virtuoso do trabalho do professor e da escola com seus alunos. Resultados mais significativos observados no Enem O desempenho no Enem medido a partir de cinco competncias bsicas: domnio de linguagens, compreenso de fenmenos, enfrentamento de situaesproblema, construo de argumentaes e elaborao de propostas de interveno na realidade. Desde sua primeira edio, o exame vem destacando a leitura compreensiva como uma competncia bsica que permeia todas as demais, tanto na redao quanto na parte objetiva. A leitura mais elaborada pressupe a mobilizao de vrios mecanismos psicolingsticos. O principal deles o conhecimento lingstico o domnio da lngua escrita padro , sem o qual todos os demais ficam prejudicados, ainda que, isolado, ele no garanta a leitura compreensiva. Afinal, leitura do mundo exige o domnio de habilidades e estratgias de processamento de informaes que abrangem a linguagem matemtica e cientfica, textos com diagramas, grficos, tabelas, charges, enfim, os vrios tipos de cdigos sociais complexos que cada vez mais so incorporados e manifestados na linguagem. O conhecimento textual complementa o conhecimento lingstico. A redao e a parte objetiva so organizadas a partir de textos expositivos, devendo o leitor dominar sua organizao e estrutura. O eixo central do texto expositivo o tema, apresentado por relaes lgicas premissas e concluses, causa e efeito etc. Provavelmente, a dificuldade dos participantes no manuseio de texto pode gerar a dificuldade na leitura compreensiva.

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O conhecimento de mundo outro aspecto da leitura compreensiva e corresponde bagagem trazida pelo leitor para construir um sentido para o texto lido. Essa bagagem articula conhecimento pessoal, interpessoal e social, construdo em diversos momentos da vida e, no caso do Enem, principalmente em situao escolar. Na proposta de redao, so apresentados vrios textos-estmulo para a reflexo, de forma a provocar uma compreenso do tema por meio de um processo de leitura que aciona esse conhecimento de mundo. Em 2002, os resultados do exame denotam a mesma tendncia observada nos anos anteriores, justamente a ausncia do domnio de leitura compreensiva que parece ter sido a causa principal do fraco desempenho dos participantes. De modo geral, nota-se que os participantes compreendem o tema da redao, mas na maioria das vezes eles no so capazes de transpor as idias centrais abstradas dos textos-estmulo para seu prprio texto. Observa-se que ocorre apenas um processo de reescrita dos textos-estmulo sem uma interpretao temtica prpria, de acordo com sua bagagem pessoal. Isso aconteceu provavelmente porque o tema requeria conhecimentos de diferentes reas com linguagens especficas e a habilidade de estabelecer relao entre elas e o foco principal. De um lado, a tradicional diviso em disciplinas estanques do currculo escolar deve ter dificultado a compreenso interdisciplinar da proposta de redao do Enem, o que demonstra que os objetivos da reforma curricular ainda no foram alcanados. De outro, os participantes demonstraram pouca experincia de leitura, ou seja, dificuldade em relacionar vrios textos-estmulo. Aqueles que compreenderam a proposta do tema da redao no ultrapassaram o nvel interpretativo/reprodutivo, pois, ao selecionar as informaes para defender o tema, realizaram um processo de colagem dos fatos, dados, argumentos ou opinies constantes nos textos-estmulo. Apenas 13%, aproximadamente, realizaram o processo compreensivo, tanto no mbito da leitura da proposta quanto na transposio dessa para a produo de seu texto. Tambm na parte objetiva da prova, a dificuldade de leitura foi, em grande medida, o principal fator responsvel pelo baixo desempenho dos alunos. Segundo o Relatrio pedaggico do Enem 2002: A ausncia do domnio da leitura compreensiva foi possivelmente a causa do desempenho apresentado. S a leitura superficial e fragmentada pode explicar a

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opo por alternativas de resposta que revelam leitura de grficos sem associao com a proposta, escolha de alternativas dissociadas do contexto, dificuldade de estabelecer relaes entre linguagens expressas por tabelas, frmulas e grficos, escolha de afirmaes e argumentos contraditrios e mutuamente excludentes (MEC/Inep, 2002, p. 192).

A leitura compreensiva requer uma srie de habilidades dos alunos: o reconhecimento das palavras, o entendimento das relaes gramaticais e semnticas entre as palavras e a integrao das palavras e dos conceitos por meio de inferncias. Provavelmente, a no-assimilao de contedos bsicos, tpicos do currculo que deveria ser oferecido no ensino fundamental, associada ausncia do hbito de leitura, resultou na leitura superficial e fragmentada dos enunciados das perguntas, o que parece ter acarretado escolhas equivocadas de respostas na parte objetiva da prova. Na redao, o mesmo tipo de dificuldade resultou na elaborao de textos que, embora adequados ao tema proposto, apresentam problemas em sua estruturao. pertinente lembrar que, em 2002, mais de 73% dos participantes que aderiram ao Enem cursaram todo o ensino mdio na rede pblica. Em 2001, esse ndice foi de 66%. Isso significa que o perfil do estudante avaliado aproxima-se mais do perfil do concluinte do ensino mdio de rede pblica do que do estudante em preparao para o ingresso no ensino superior. Resultados do Enem 2002 A mdia global em redao no exame em 2002 foi de 54,31 pontos. A maioria dos participantes, 72%, obteve notas entre 40 e 70 pontos, e foi classificada de regular a bom. Outros 16% tiveram notas entre 0 e 40, desempenho considerado de insuficiente a regular. Na melhor faixa de pontuao, de 70 a 100, esto 12% dos estudantes, classificados de bom a excelente. Em 2001, a mdia da redao foi de 52,58. O tema escolhido pelo Enem 2002 O direito de votar: como fazer dessa conquista um meio para promover as transformaes sociais de que o Brasil necessita? mostrou-se plenamente atual na ocasio e foi bem recebido pelos participantes. O fato de o Brasil estar em um ano eleitoral, com toda a divulgao e discusso

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que o tema provoca, permitiu que um maior nmero de participantes apresentasse um desempenho satisfatrio. Para esse tema o participante no precisava recorrer a contedos especficos das vrias cincias e sentiu-se assim mais vontade para discuti-lo. A tabela e o grfico que se seguem apresentam dados sobre o desempenho dos participantes, considerando a mdia geral na redao e a mdia geral calculada para cada competncia. Entre as cinco competncias avaliadas, os participantes se saram melhor, com mdia de 61,03, na competncia I, que engloba o domnio da norma culta da lngua escrita (adequao do texto, gramtica e ortografia). Nessa competncia, 50% tiveram desempenho de regular a bom e 38,5% foram classificados de bom a excelente. A competncia III (selecionar, relacionar, organizar e interpretar informaes, fatos, opinies e argumentos em defesa de um ponto de vista) foi a que teve menor mdia, de 51,64 pontos, com 60% dos participantes obtendo desempenho de regular a bom e 15,5% classificados de bom a excelente. A anlise pedaggica dessa competncia demonstra que grande parte dos participantes limitou-se a reproduzir os argumentos presentes na proposta de redao. A parte objetiva da prova constituda por 63 questes de igual valor, avaliada numa escala de zero a cem pontos, gerando uma nota global que corresponde

Grfico 1 Enem 2002 Distribuio das notas globais na redao120.000 100.000 80.000 60.000 16,1% 40.000 20.000 0-40: Insuficiente a regular 40-70: Regular a bom 70-100: Bom a excelente 11,7%

72,3%

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soma dos pontos atribudos s questes acertadas. Alm disso, atribuda uma pontuao, tambm na mesma escala de valores, a cada uma das cinco competncias avaliadas. Na parte objetiva do Enem, com 34,13 de mdia, 74% dos participantes tiveram classificao de insuficiente a regular. Outros 23,5% tiveram notas entre 40 e 70, desempenho considerado de regular a bom. Na melhor faixa de pontuao, esto 2,5% dos estudantes, classificados de bom a excelente (grfico 2). Em 2001, a mdia global da parte objetiva foi de 40,56, um pouco acima do resultado observado em 2002. O conhecimento necessrio para que o participante respondesse s 63 questes de mltipla escolha avaliado a partir das cinco competncias bsicas e 21

Grfico 2 Enem 2002 Distribuio das notas: parte objetiva, por faixa de desempenho100.000 90.000 80.000 70.000 60.000 50.000 40.000 30.000 23,5% 20.000 10.000 0-40: Insuficiente a regular 40-70: Regular a bom 70-100: Bom a excelente 2,5% 74%

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habilidades. A competncia II (compreender fenmenos) apresentou a mdia mais alta, de 35,14. A competncia III (enfrentar situaes-problema) foi a de menor mdia: 32,26. A distribuio das mdias, em cada uma das cinco competncias, apresenta maior concentrao na faixa de desempenho insuficiente a regular, o mesmo comportamento da mdia geral das notas na parte objetiva, como mostra o grfico 2. Tanto a prova de redao quanto a de mltipla escolha so organizadas para atender as mesmas cinco competncias, fazendo com que o jovem realize duas grandes tarefas de avaliao: uma que se expressa pela escrita e outra pela leitura; ou seja, o participante deve, na primeira parte, dissertar sobre um tema proposto e, na segunda, ler os enunciados das questes e escolher uma dentre cinco alternativas de respostas. As prticas de leitura e escrita, como qualquer prtica, realizam-se graas contribuio de dois sistemas cognitivos: o que possibilita compreender e o que possibilita realizar tarefas. As competncias de leitura e escrita avaliadas na prova so complementares e indissociveis e expressam as possibilidades de desempenho das mesmas cinco competncias estruturais. Tipo de escola cursada, idade do participante, faixa de renda e escolaridade dos pais so fatores que condicionam o desempenho dos participantes do Enem. Esses fatores esto inter-relacionados e devem ser compreendidos dentro de um contexto amplo. Estudantes de famlias com maior renda normalmente tm pais com mais escolaridade e, alm disso, possuem acesso facilitado a bens culturais como livros, computadores, cinema e viagens. De modo geral, quanto maior a faixa de renda e a escolaridade dos pais, melhor o resultado dos participantes. Jovens de famlias com renda de at um salrio mnimo tm desempenho mdio de 26,01 na parte objetiva, enquanto

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participantes com renda superior a cinqenta salrios tm nota mdia de 52,67, conforme tabelas 6, 7 e 8. A associao entre baixa escolaridade dos pais e desempenho dos alunos tambm teve destaque na avaliao internacional do Pisa 2000 (ver www.oecd.org/pisa).

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A escola particular apresenta-se melhor do que a escola pblica, tanto na redao quanto na parte objetiva. Os alunos que estudaram em escolas privadas obtiveram mdia de 63,03 na redao e de 47,22 na parte objetiva. Na escola pblica, as mdias foram de 52,10 e 30,39, na produo de texto e na parte objetiva, respectivamente (tabela 9). Outro fator que merece destaque a distoro entre a idade do aluno e a srie escolar.7 Os participantes que realizaram a formao bsica em 11 anos, sem repetir o ano, obtiveram as melhores mdias na parte objetiva e na redao: 38,85 e 54,57, respectivamente. Do total de participantes, 51% possuem algum grau de distoro no ensino fundamental, mdio ou nos dois nveis. Esse problema, por sua abrangncia, causa impacto negativo na mdia de desempenho, tanto entre aqueles que estudaram em escolas pblicas como em particulares, conforme mostram tambm os resultados do Pisa e do Saeb (ver www.inep.gov.br., Saeb, 2001).

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A respeito da participao do Brasil no Pisa, ver Maria Helena Guimares Castro, 2003.

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Os resultados do Enem 2002 esto de pleno acordo com o verificado no Pisa Programa Internacional de Avaliao de Estudantes, coordenado pela OECD em 32 pases, cujo objetivo avaliar o desempenho educacional em perspectiva comparada, com base em metodologia que permite a avaliao de habilidades e conhecimentos de jovens de 15 anos, independentemente da srie cursada pelos alunos. No Brasil, participaram do Pisa 2000 4.893 alunos, com idades entre 15 e 16 anos, numa amostra representativa de nosso sistema educacional pblico e privado. Os alunos submeteram-se a uma prova com uma ampla gama de tarefas apresentadas em diferentes tipos de textos, abrangendo desde a recuperao de informaes at a demonstrao de compreenso geral, interpretao de texto e reflexo sobre seu contedo e suas caractersticas. Os textos utilizados incluram passagens em prosa e documentos como listas, formulrios, grficos e diagramas. O quadro terico usado no Pisa parte de um conceito de letramento num sentido amplo e que embasa a filosofia educacional dos Parmetros Curriculares Nacionais (PCN) e de propostas curriculares de estados e municpios brasileiros. O conceito de letramento definido como a capacidade de um indivduo de se apropriar da escrita, sendo capaz de utiliz-la em diversas situaes exigidas no cotidiano. Segundo os PCN, a aptido para ler e produzir textos dos mais variados gneros e temas com proficincia o mais significativo indicador de um bom desempenho lingstico e, conseqentemente, de letramento. Os resultados do Brasil no Pisa reafirmam as dificuldades de leitura e de produo de textos por nossos alunos, fato j comprovado por outras avaliaes brasileiras, no s o Enem, como vimos, mas tambm o Saeb. Esses dois sistemas nacionais de avaliao vm colocando um diagnstico bastante minucioso do desempenho de seus alunos disposio de Secretarias Estaduais e Municipais de Educao, tornando-se um valioso instrumento de gesto da poltica educacional brasileira.8 Algumas consideraes merecem destaque, embora nenhuma delas minimize o fato que a situao precria do trabalho com leitura e produo de texto nas escolas brasileiras.

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Sobre o Saeb no Brasil, ver Maria Helena Guimares Castro, 2003.

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Primeiro, os resultados do Pisa devem destacar a varivel srie cursada pelo aluno, que parece ser no caso brasileiro fator determinante do desempenho. Apenas metade da populao de referncia para a amostra no Brasil cursava o ensino mdio, enquanto praticamente a totalidade dos jovens de 15 anos dos outros pases da OCDE j estava no nvel secundrio superior e apresentava, em mdia, dez anos de escolaridade. Pode-se assim caracterizar o atraso escolar como uma varivel tipicamente brasileira. Por esse motivo, o Brasil recalculou as mdias de desempenho desconsiderando o atraso escolar. Constatou-se que o nvel de proficincia dos jovens de 15 anos cursando a srie correta mais elevado do que aquele que aparece no ranking da OCDE. Tambm importante o impacto do nvel sociocultural dos alunos na proficincia de leitura, muito embora no seja a nica varivel que explique os resultados. Dentre os pases participantes do Pisa, o Brasil apresenta o menor PIB per capita e a maior desigualdade de distribuio de renda. No caso brasileiro, o fator mais importante para explicar o desempenho dos alunos sem dvida a distoro idade-srie cursada pelos alunos. Nas trs avaliaes mencionadas Enem, Saeb e Pisa , quanto maior o atraso escolar causado pela repetncia, tanto pior o desempenho dos alunos, independentemente dos contedos e sries avaliadas. Concluso Novos desafios Pelo exposto podemos ver que a avaliao da educao no Brasil, tanto a da educao bsica como a do ensino superior, desempenha papel central na estratgia de reforma de nosso sistema de ensino e no processo de melhoria de sua qualidade. Ignorar a contribuio dos processos avaliativos para o monitoramento de polticas representaria um retrocesso incomensurvel. At meados dos anos 1990 sequer conhecamos o tamanho do problema. Os avanos at agora obtidos, mesmo sabendo que ainda restam outros tantos desafios a enfrentar, foram enormemente beneficiados pela nova cultura da avaliao, que comeou a ganhar fora no pas a partir dos anos 1990. A produo de informaes fidedignas, competentes, transparentes, acessveis a todos e compromissadas com o interesse pblico requisito indispensvel para que o Brasil continue trilhando o caminho to desejado da educao de qualidade para todos.

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As estatsticas e o planejamento devero dar suporte tcnico para viabilizar esse objetivo. Hoje, no Brasil, existe um enorme volume de informaes confiveis sobre educao. Mecanismos de avaliao como o Enem e o Saeb so essenciais para a eficincia e a eqidade no sistema educacional. chegada a hora de us-las para subsidiar a gesto do percurso escolar, tomando a educao bsica como um todo e no cada etapa ou nvel isoladamente. preciso mudar a cultura no uso da informao sobre educao de modo que decises de polticas pblicas no expressem apenas a vontade poltica do ncleo no poder. Quanto menos essas polticas pblicas se alimentarem de informaes, mais vulnerveis estaro s presses de interesses polticos ou corporativos. preciso tambm disseminar as Diretrizes Curriculares do Ensino Mdio, voltadas formao da pessoa e preparao bsica para sua integrao ao mundo do trabalho. Diante do avano da universalizao da escola, preciso manter todos os alunos que hoje esto no fundamental por pelo menos mais trs anos no sistema educacional aps conclurem a 8 srie. Apenas na antevspera do ano 2000 o pas conseguiu universalizar o ensino fundamental. A meta mnima agora no perder nenhum aluno antes que tenha completado a educao de base prevista na Constituio e na LDB. Nas sociedades contemporneas, sabemos que necessrio educar-se por toda a vida, mas sabemos tambm ser preciso fixar um mnimo de escolaridade para toda a populao, independentemente de renda ou quaisquer outros fatores. Diante das melhorias apresentadas nos nmeros de acesso educao no Brasil nos ltimos anos, cabe investigar em que medida eles so acompanhados por melhorias na qualidade do ensino. O Brasil teve de lidar, no final dos anos 1990, com a questo da quantidade e da qualidade praticamente juntas. Basta lembrar que, considerando a populao de 18 a 24 anos, o nmero de matrculas no ensino superior, independentemente da idade, corresponde a apenas 15%, e a taxa lquida de matrcula no nvel mdio no ultrapassa 33%. Em 1998, o total do gasto pblico em educao chegou a 5,2% do PIB, bem acima do que se verifica na Argentina, no Mxico ou na Coria. Portanto, estamos falando de uma situao em que as necessidades se multiplicam de forma exponencial, para atender quase sessenta milhes de estudantes, distribudos pelos vrios nveis de ensino, praticamente uma populao do tamanho da Frana e quase o dobro da Argentina.

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Tal objetivo passa pela capacidade de ler e entender textos. O Relatrio pedaggico do Enem recomenda expressamente: os resultados do Enem 2002 evidenciam que dentre os mltiplos desafios apresentados para a escola brasileira, o acesso ao aprendizado da leitura apresenta-se como o mais valorizado e exigido pela sociedade (MEC/Inep, 2002, p. 192). Qualquer poltica conseqente deve ater-se a esse fato. Sensibilizar os professores das diversas reas para a noo de que o desenvolvimento das habilidades de leitura um objetivo a ser atingido pela escola nas diversas reas curriculares e de que a especificidade de cada rea curricular oferece oportunidades singulares para o aprimoramento de diferentes habilidades de leitura um desafio. Neste sentido, cabe s escolas fazer com que seus alunos entrem em contato com uma maior variedade de gneros textuais, de forma criativa, a fim de que adquiram fluncia na leitura e produo dos mais diversos tipos de textos. Na medida em que o ensino mdio cada vez mais contribui para os destinos profissionais dos jovens, a reforma do ensino mdio levada a cabo no Brasil marca, de agora em diante, os limites e possibilidades com que os alunos constroem sua futura trajetria pessoal e profissional e, por conseqncia, o futuro do pas. Referncias bibliogrficasABRAMOVAY, Miriam & CASTRO, Mary Garcia. Ensino mdio: mltiplas vozes. Braslia: Unesco Brasil/MEC, 2003. CASTRO, Cludio de Moura. O secundrio: esquecido em um desvo do ensino? Braslia: Inep/ MEC, 1997. CASTRO, Maria Helena Guimares de. A participao do Brasil no Pisa: uma ousadia construtiva. Paper apresentado no XI Seminrio Nacional do Pitgoras, 7 de maio de 2003. _______. Evaluation: an Educational Reform Strategy in Brazil. MEC/Inep, 2002. _______. O sistema educacional brasileiro: tendncias e perspectivas. In: REISVELLOSO, J.P. (org.) Um modelo para a educao no sculo XXI. Rio de Janeiro: Jos Olympio, 1999. CORTELAZZO, ngelo. O Enem e o ensino superior. In: Revista do Enem, n. 1, p. 7. Braslia: MEC/Inep, 2001.

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