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    Resumo: metodologicamentesobre o que vem a ser a memria histrica, na inter-relao possvel entrememria e Histria, o que se efetuar a partir do dilogo os posicionamentosdos tericos franceses Paul Ricouer e Pierre Nora. Da obra A memria,a histria e o esquecimento, de Paul Ricouer (2007), pretende-se utilizar

    Quanto ao texto Entre Memria e Histria: a problemtica dos lugares, este de autoria de Pierre Nora (1993) e ser basilar na discusso proposta. Apredileo pelo dilogo com esses dois pensadores franceses no impedeque, ao longo do texto, outros autores sejam referendados na perspectivado enriquecimento do debate colocado.

    Palavras-chave:histria; memria; esquecimento;

    Resumen:

    lo que es la memoria histrica, en la posible inter relacin entre memoriae Historia, a partir del dilogo entre los posicionamientos de los tericosfranceses Paul Ricouer y Pierre Nora. De la obra La memoria, la historiay el olvido, de Paul Ricouer ( 2007), pretendemos emplear sobretodo laprimera parte, con el subttulo De la memoria y reminiscencia. En cuanto

    *Professora Assistente do Curso de Histria da UFMS/Campus Coxim. Doutoran-da do Programa de Ps Graduao em Histria da UFGD. Email: [email protected]**

    Professor Doutor em Histria Latino-A mericana , pesquisador em Histria das

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    al texto Entre Mermoria e Historia: la problemtica de los lugares, cuyoautor es Pierre Nora (1993), ser basilar en la discusin propuesta. Laeleccin por el dilogo con esos dos pensadores franceses no impide que,a lo largo del texto, otros autores seam referendados en la perspectiva delenriquecimento del debate propuesto.

    Palabras-clave:historia; memria; olvido;

    Inspirados na narrativa de Marc Bloch (2001),Apologia da Histria,nesse trabalho tenciona-se ponderar sobre a memria como consti-

    tuinte do trabalho do historiador. Em outras palavras, a proposta

    que se constri em torno da memria.

    Na perspectiva apresentada neste texto torna-se salutar o enfren-tamento terico da categoria memria e do debate proposto em tornodela. Esse ser o primeiro eixo temtico do texto aqui apresentado.

    J o segundo eixo temtico proposto centra-se em torno dos lugaresde memria problematizados por Pierre Nora (1993).

    Embora o texto esteja estruturado em dois eixos temticos,

    entende-se que os mesmos esto interligados em torno da questocentrada na relao histria/memria. Por conseguinte, no se tratade dois eixos dicotmicos, mas complementares, e que perspectivamo alcance da melhor compreenso sobre esta categoria to cara aoofcio do historiador, que a memria.

    Como se escreve a Histria,

    reviver o vivido, mas sim de narr-lo a partir de operaes como aseleo, a sntese, a organizao, sendo que (...) essa sntese da nar-

    rativa no menos espontnea do que a da nossa memria, quandoevocamos os dez ltimos anos que vivemos (2008-12).

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    A Histria , para Veyne, uma atividade intelectual (2008-85)que como totalidade sempre nos escapa. A H istria conhecimentomutilado. Filha da memria, ela essencialmente conhecimentoatravs de documentos, indcios, tekmeria(1976-13).

    Partilhando a ideia de que a Histria alimenta-se de uma relaodireta com a memria, em Paul Ricouer nota-se o debate em tornoda aporia entre memria e imaginao. Num primeiro vis, tem-sea tradio platnica que centra-se na representao presente de algoausente, a problemtica da eikn, ou seja, da imagem associada

    impresso, tupos.Ora, a hiptese ou melhor, a aceitao da impressosuscitou, no decorrer da histria das idias, um cortejo de

    a teoria da memria, mas tambm sobre a da histria, comoutro nome, o de rastro. (RICOUER, 2007-32)

    Remetendo assertiva de Marc Bloch, segundo a qual a Histria

    os sentidos possveis da palavra rastro: rastros sobre os quais traba-lha o historiador (escritos e eventualmente arquivados); impresso

    enquanto afeco resultante do choque de um acontecimento notvel,marcante; e, por ltimo, a impresso corporal.

    Em outra direo do debate acerca da memria e da imaginao,a tradio aristotlica fundamenta-se no tema da representao deuma coisa anteriormente percebida, adquirida ou aprendida, pre-conizando a incluso da problemtica da imagem na da lembrana.

    mnemnicos a partir de suas capacidades, pois no se tem outro-

    Dessa forma, o esquecimento no deve ser tratado como uma forma

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    patolgica, mas como o avesso de sombra da regio iluminada damemria (2007-40).

    Ricouer aponta o fato de precisamente ela ser o nico recurso para

    vai alm, ao dizer que tal acusao jamais seria imputada imagina-

    Nessa seara, o testemunho ser a estrutura fundamental que liga amemria e a Histria.

    Recorrendo obra de Santo Agostinho, Ricouer pro-blematiza o esforo de recordao e o esquecimento:

    No somente o carter penoso do esforo de memriaque d relao sua colorao inquieta, mas o temor deter esquecido, de esquecer de novo, de esquecer amanh decumprir esta ou aquela tarefa; porque amanh ser precisono esquecer... de se lembrar. Aquilo que [...] chamaremosde dever de memria consiste essencialmente em dever deno esquecer. (RICOUER, 2007-48)

    Nesta perspectiva do dever de tudo se lembrar e nada esquecer

    -sofo Paul Ricouer, este delibera por construir uma investigao dasdiferenas entre imagem e lembrana partindo do seguinte questio-namento: a lembrana uma espcie de imagem? Perplexamente, oautor reaproxima memria e imaginao ao concluir que A escritada histria partilha dessa forma das aventuras da composio emimagens da lembrana sob a gide da funo ostensiva da imagina-o (2007-70).

    coloca novamente como cerne de toda a investigao sobre o que

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    diferencia a memria da imaginao. De fato, a busca da verdade

    Tal grandeza cognitiva no impede, porm, a vulnerabilidade

    presena na forma de representao. Essa vulnerabilidade cons-titui os abusos da memria presentes nos distrbios da memriaimpedida, na memria manipulada e na memria abusivamenteconvocada.

    se fala legitimamente em memria feridaou enferma. J a memriamanipulada remete ao nvel prtico resultante de uma manipulaoconcertada da memria e do esquecimento por detentores do poder.Por ltimo, no nvel tico-poltico, a memria obrigada desvela-se

    abusos dessa.

    Em defesa da memria individual, o autor apresenta os argu-mentos de Santo Agostinho, a saber, a memria parece de fato ser

    -sado parece residir na memria; principalmente na narrativa que

    se articulam as lembranas no plural e a memria no singular; porltimo, memria que est vinculado o sentido da orientao napassagem do tempo.

    Objetivando o dilogo entre a memria individual e a coletiva,Ricouer recupera a proposio de Maurice Halbwachs de atribuir amemria diretamente a uma entidade coletiva, o grupo ou socieda-de. Nesse sentido, essencialmente no caminho da recordao edo reconhecimento, esses dois fenmenos mnemnicos maiores denossa tipologia de lembrana, que nos deparamos com a memriados outros (2007-131). Para Halbwachs, os indivduos so incapazesde se lembrarem sozinhos.

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    Enriquecendo o debate proposto entre o carter individualizantee coletivo da memria defendidos, respectivamente, pelas teses aquidenominadas de fenomenolgica e sociolgica, Ricouer fornece umacomparao dialgica. A respeito do olhar fenomenolgico da mem-

    [...] a lembrana dita, pronunciada, j uma espcie de discurso queo sujeito trava consigo mesmo. Ora, o pronunciado desse discursocostuma ocorrer na linguagem comum, a lngua materna, da qual preciso dizer que a lngua dos outros (2007-138).

    Encerrando momentaneamente essa aporia, Ricouer chama a

    no qual se operam concretamente as trocas entre a memria viva daspessoas individuais e a memria pblica das comunidades s quaisos sujeitos pertencem. Esse plano o da relao com os prximos, aquem temos o direito de atribuir uma memria de um tipo distinto(2007-141).

    Assim, ao invs de circunscrever-se na polaridade entre memriaindividual e memria coletiva, o debate no campo da Histria devese posicionar a partir da uma trplice atribuio da memria, ou seja,

    a si, aos prximos, aos outros.Apresentadas aqui algumas das proposies de Ricouer sobre

    a memria e a imaginao e sobre a memria individual e coletiva,passa-se, agora, ao segundo eixo temtico, que consiste no olhar dePierre Nora para os lugares de memria e para a necessidade pre-mente de memria de nossa sociedade contempornea.

    Para Nora, fala-se tanto de memria porque ela no existe mais:

    A curiosidade pelos lugares onde a memria se cristaliza ese refugia est ligada a este momento particular da nossa

    ruptura com o passado se confunde com o sentimentode uma memria esfacelada, mas onde o esfacelamento

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    o problema da sua encarnao. O sentimento de continuidadetorna-se residual nos locais. H locais de memria porqueno h mais meios de memria. (NORA, 1993-07)

    -des-memria, como a igreja, a escola, a famlia ou o Estado. Junto ao

    e a dilatao pelos recursos da mdia da prpria percepo histrica.

    Se habitssemos ainda nossa memria, no teramos necessidadede lhe consagrar lugares (1993-08).

    De acordo com Nora, memria e Histria, longe de serem si-nnimos, se opem. A memria a vida, ao passo que a Histria aconstruo sempre problemtica e incompleta do que no existe mais.A memria um absoluto e a histria s conhece o relativo (1993-09).

    Assim, a Histria tornou-se o meio de memria salutar e os lu-gares de memria, restos. Em outros termos, Os lugares de memrianascem e vivem do sentimento de que no h memria espontnea,que preciso criar arquivos, que preciso manter aniversrios, orga-

    nizar celebraes, pronunciar elogios fnebres, notariar atas, porqueessas operaes no so naturais (1993-13).

    A partir da percepo da memria tomada como Histria, evi-dencia-se que tudo o que chamamos hoje de memria no memria,mas j Histria. Tudo o que chamamos de claro de memria a

    de memria uma necessidade da histria (1993-15).

    Conforme explana Pierre Nora, o que se chama de memria ,de fato, a constituio do estoque material daquilo que impossvellembrar, repertrio insondvel daquilo que se poderia ter necessidadede se lembrar. Por isso, segundo sua viso terica, medida que de-

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    saparece a memria tradicional, os indivduos sentem-se obrigadosa acumular religiosamente vestgios, testemunhos, documentos,imagens, discursos, sinais visveis do acontecido.

    Nora chama o processo de descentralizao da memria deliquidao da memria (1993-16), na nsia no apenas de tudoguardar, mas tambm de produzir arquivos, ou seja, produzir me-mrias para conserv-las.

    Os lugares de memria, para Nora, so lugares, com efeito, nos-

    mente, somente em graus diversos. Em sua complexidade pertencem

    abstrata elaborao. Os lugares de memria nascem da vontade dememria. Lugares, portanto, mas lugares mixtos, hbridos e mu-tantes, intimamente enlaados de vida e de morte, de tempo e deeternidade (1993-22).

    Objetivando lanar luz a algumas questes centrais do texto de

    Alves de Seixas (2004), em seu texto Percursos de memrias em terras

    de histria: problemticas atuais, publicado no livro Memria e (res)sentimento. Segundo Seixas, Nora retoma e apropria-se das ideias b-sicas de Halbwachs, a saber, a oposio que estabelece entre memriaindividual e memria coletiva e, sobretudo, entre memria coletiva eHistria. Nessa oposio, Halbwachs confere o atributo de atividadenatural, espontnea, desinteressada e seletiva memria coletiva, queguarda do passado apenas o que lhe possa ser til para criar um eloentre o presente e o passado, opondo-se Histria, que subjaz carac-terizada por ser processo interessado, poltico e manipulador.

    A memria coletiva, sendo sobretudo oral e afetiva,

    pulveriza-se em uma multiplicidade de narrativas; a histria

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    desempenhado pela afetividade e sensibilidade na histriaquanto o da memria involuntria. Necessrio, igualmente,atentarmos para o movimento prprio memria humana,ou seja, o tempo-espao no qual ela se move e o decorrentecarter de atualizao inscrito em todo percurso dememria. (SEIXAS, 44-2004)

    Aqui, mais uma vez evidencia-se a complexidade dos camposda memria. Talvez a grande contribuio de Seixas seja, para almdo dilogo com Nora, a proposio de um olhar mais apurado paraoutras facetas da memria, como a afetividade e a sensibilidade.

    Destarte, nesse breve ensaio no se pretende esgotar as pos-sibilidades de discusso de temtica to importante e controversa.

    Tenciona-se, sim, assinalar a riqueza do debate e a necessidade de

    memria; os lugares de memria e por que no dizer a necessi-dade do esquecimento.

    Referncias

    BLOCH, Marc.Apologia da Histria, ou o ofcio de historiador. Trad. de Andr

    Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.NORA, Pierre.Entre memria e Histria: a problemtica dos lugares. ProjetoHistria, So Paulo, n. 10, dez. 1993.

    OLIVEIRA, Eliene Dias de. Identidades erepresentaes: memrias e viveres denordestinos em Coxim-MS (1956-1990). Dourados: UFGD, 2011. (Anteprojetode Pesquisa)

    RICOEUR, Paul. A Memria, a histria, o esquecimento. Campinas: Ed.Unicamp, 2007.

    SEIXAS, Jacy Alves de. Percursos de memrias em terras de histria:problemticas atuais. In: BRESCIANI, Stella; NAXARA, Mrcia (Orgs.).Memria e (res)sentimento. Indagaes sobre uma questo sensvel. Campinas:

    Ed. Unicamp, 2004. pp. 37-55.VEYNE, Paul. Como se escreve a Histria. Lisboa: Edies 70, 2008.