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4 Empregabilidade e Empreendedorismo: noções difusas numa relação confusa O presente capítulo corresponde aos resultados de nossa pesquisa com vistas a verificar as concepções de empregabilidade e empreeededorismo elaboradas pelos atores sociais envolvidos no Programa Capacitação Solidária, tendo como determinações o desemprego, a precarização das relações de trabalho e a desresponsabilização do Estado pela questão social. Procuraremos, portanto, compreender como têm sido elaborados ou reelaborados tais discursos nas representações dos atores sociais envolvidos no Programa de capacitação de adolescentes/jovens denominado “Capacitação Solidária”. Aqui, retomamos a discussão que se refere ao conteúdo ideológico que perpassa o Programa em pauta, entendendo que falar de hegemonia “é tratar de uma ação que atinge não apenas a estrutura econômica e a organização política da sociedade, mas que também age sobre o modo de pensar, de conhecer, e sobre as orientações ideológicas e culturais, presentes nas propostas e nos discursos das classes” (Tavares de Jesus 1989:42). 4.1 Caracterizando o Programa Capacitação Solidária Em 1 º de janeiro de 1995, dia da posse em seu primeiro mandato, o Presidente Fernando Henrique Cardoso – através da Medida Provisória n.º 813, cria o Programa Comunidade Solidária que definia um conjunto de ações do Estado, no sentido de combater situações de extrema pobreza no país. Tal programa, desenhou a política social do governo, vindo a se tornar, segundo Yazbek, a peça-chave da ação social do governo FHC (Yazbek, 2001). Para a implementação do Programa Comunidade Solidária, foi elaborada uma agenda básica composta por 6 áreas de atuação: redução da mortalidade infantil, alimentação, apoio ao ensino fundamental, apoio à agricultura familiar, desenvolvimento urbano e geração de emprego e renda (Qualificação

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Page 1: 4 Empregabilidade e Empreendedorismo: noções difusas numa ... · Empregabilidade e Empreendedorismo: noções difusas numa relação confusa O presente capítulo corresponde aos

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Empregabilidade e Empreendedorismo: noções difusas

numa relação confusa

O presente capítulo corresponde aos resultados de nossa pesquisa com

vistas a verificar as concepções de empregabilidade e empreeededorismo

elaboradas pelos atores sociais envolvidos no Programa Capacitação Solidária,

tendo como determinações o desemprego, a precarização das relações de trabalho

e a desresponsabilização do Estado pela questão social.

Procuraremos, portanto, compreender como têm sido elaborados ou

reelaborados tais discursos nas representações dos atores sociais envolvidos no

Programa de capacitação de adolescentes/jovens denominado “Capacitação

Solidária”.

Aqui, retomamos a discussão que se refere ao conteúdo ideológico que

perpassa o Programa em pauta, entendendo que falar de hegemonia “é tratar de

uma ação que atinge não apenas a estrutura econômica e a organização política

da sociedade, mas que também age sobre o modo de pensar, de conhecer, e sobre

as orientações ideológicas e culturais, presentes nas propostas e nos discursos

das classes” (Tavares de Jesus 1989:42).

4.1

Caracterizando o Programa Capacitação Solidária

Em 1º de janeiro de 1995, dia da posse em seu primeiro mandato, o

Presidente Fernando Henrique Cardoso – através da Medida Provisória n.º 813,

cria o Programa Comunidade Solidária que definia um conjunto de ações do

Estado, no sentido de combater situações de extrema pobreza no país. Tal

programa, desenhou a política social do governo, vindo a se tornar, segundo

Yazbek, a peça-chave da ação social do governo FHC (Yazbek, 2001).

Para a implementação do Programa Comunidade Solidária, foi elaborada

uma agenda básica composta por 6 áreas de atuação: redução da mortalidade

infantil, alimentação, apoio ao ensino fundamental, apoio à agricultura familiar,

desenvolvimento urbano e geração de emprego e renda (Qualificação

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profissional). Cada uma dessas áreas estava administrativamente vinculada a um

dado ministério.

Interessa-nos aqui a área de geração de emprego e renda. Para dinamizar

essa área, o Governo FHC, através do Ministério do Trabalho e Emprego criou,

em 1996, o Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador (PLANFOR). Tal

plano, como já mencionamos no capítulo anterior, definia responsabilidades para

a implementação de uma política nacional para a promoção da igualdade de

oportunidades no mercado de trabalho, tendo como elemento central a educação

profissional, segundo os discursos de competência e das habilidades básicas.

Como um dos programas ligados ao PLANFOR e alinhados às suas

diretrizes básicas, destacamos o Programa Capacitação Solidária (PCS) que tinha

como objetivo “capacitar” adolescentes e jovens de 16 a 21 anos1, com baixa

escolaridade e moradores de comunidades de baixa renda das principais regiões

metropolitanas do Brasil. É importante relembrarmos aqui que o formato das

propostas de formação profissional ao qual o PCS se vincula, faz parte de um

modelo “sugerido” por organismos internacionais à diversos países que se inserem

subordinadamente no contexto internacional. Neste sentido é interessante observar

que encontramos diversos programas semelhantes em alguns países latinos

americanos. Verificamos assim, a título de exemplos, o “Proyecto Joven”, na

Argentina e “Chile Jovem”, no Chile.

De acordo com a perspectiva do PLANFOR, expressa no edital do XIV

Concurso de Projetos de Capacitação Profissional de Jovens 2, um dos objetivos do

Programa Capacitação Solidaria foi o de “estimular ações criativas e inovadoras

que (indicassem) brechas no mercado de trabalho e fornecer aos jovens

informações e conhecimentos necessários para o exercício de uma atividade que

lhes (permitissem) geração de renda.” (Edital do XIV Concurso de Projetos do

Programa Capacitação Solidária). Ou seja: preparar trabalhadores para o mercado

informal de trabalho.

A operacionalização do Programa ocorria através de concursos de projetos

de capacitação profissional, elaborados por organizações da sociedade civil e

1 Inicialmente, a idade mínima para a participação no referido Programa era de 14 anos. Porém, no ano 1999 houve uma alteração na legislação que estabelece a idade mínima para inserção de adolescentes no mercado de trabalho, passando de 14 para 16 anos. Neste sentido, o PCS alterou também a idade mínima para inserção no Programa, passando conseqüentemente, para 16 anos. 2 <http://aapcs.org.br/edital.htm> acesso em 25/08/2000.

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encaminhados à Associação de Apoio ao Programa Capacitação Solidária

(AAPCS) – ONG organizada para articular, viabilizar e administrar os recursos

provenientes de doações de iniciativas privadas para desenvolvimento de projetos

prioritários do PCS. Esta instituição também era responsável pela seleção das

propostas a serem financiadas pelo Programa Capacitação Solidária. Aqui,

depreendemos que, como observamos no capítulo anterior, tal programa

enquadra-se numa lógica de favores, à medida em para execução de suas

atividades eram necessárias “iniciativas caridosas” daqueles que se predispunham

a colaborar com aquele adolescente pobre que precisa trabalhar.

O PCS iniciou suas atividades em 1996, ano em que registra a capacitação

de 1.073 jovens do Rio de Janeiro e de São Paulo, e a parceria com 32

organizações sociais (Relatório de atividades do PCS, 1999). Nos anos

subseqüentes, o Programa foi ampliando sua abrangência e cobertura em termos

de organizações capacitadoras participantes. Conforme dados disponíveis do site

do Programa Capacitação Solidária, em 6 anos de atividades (1996 – 2001) foram

capacitados cerca de 115.000 adolescentes/jovens nas regiões metropolitanas do

Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, Salvador, Aracaju, São Luís, Fortaleza,

Belém e Recife3, em cursos desenvolvidos por 2.342 organizações da sociedade

civil nesses nove regiões metropolitanas. Ainda de acordo com a mesma fonte,

estimava-se para 2002 a capacitação de cerca de 10 mil adolescentes/jovens.

De acordo com o relatório acima citado, na região metropolitana do Rio de

Janeiro, somente no ano de 1999, 10.462 adolescentes e jovens foram capacitados,

em 316 projetos elaborados por 273 organizações da sociedade civil. No ano

2000, o concurso foi suspenso no Rio de Janeiro, sendo retomando em 2001, com

230 ONG’s contempladas com projetos aprovados, capacitando, neste ano, um

total de 6.732 adolescentes/jovens. No ano 2002, outra vez, o projeto foi

interrompido nesta região, em decorrência da falta de patrocinadores, o que

novamente nos remete ao fato de que, sendo entendido como favor, torna-se não

obrigatória a sua execução.

Apontado por seus idealizadores como uma experiência inovadora de

gestão social, pois “além de atacar o problema do desemprego, ajuda(va) ao

mesmo tempo no fortalecimento da sociedade civil”, mediante financiamento de

3 <www.pcs.org.br> acesso em 5/06/2002.

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projetos por ela elaborados (Ávila, 2001)4, o PCS tornou-se alvo de diversas

críticas. Destaca-se, neste domínio, a indicação da vulnerabilidade das diversas

ONG’s participantes em termos de estrutura e recursos financeiros, visto que

muitas vezes, estas sobrevivem exclusivamente dos recursos liberados para os

projetos de capacitação profissional5.

Ainda com relação as Organizações Capacitadores, é importante salientar

que somente após essas terem seus projetos aprovados, financiados e já em

andamento que os coordenadores dos projetos (cursos) eram convidados a

participar de cursos de elaboração e administração de projetos para cursos de

capacitação profissional. Questiona-se aqui, quais seriam as reais condições

institucionais de tais organizações para se habilitarem a receber recursos com

vistas à realização de um curso de capacitação profissional. Tal questionamento

torna-se relevante à medida em que observamos a proliferação de entidades não-

governamentais sem experiência anterior no campo da formação profissional e,

aparentemente, tendo como maior motivação, pleitear recursos públicos para

implementação de projetos sociais.

A isto se acrescenta, conseqüentemente, como características dessas

organizações capacitadoras, uma grande heterogeniedade que tem como base a

diversidade de suas propostas de curso de formação profissional. De acordo com o

Boletim do Capacitação Solidária (1999) esta heterogeniedade se expressa através

das propostas de capacitação cuja natureza fomenta nos treinandos o

desenvolvimento de seu potencial criativo (artesanato, produção de eventos,

danças, etc.) até aqueles treinamentos que se resumem ao aprendizado de uma

atividade técnica (eletricidade, eletrônica, informática, etc.). Essa característica

aponta para uma diversidade de olhares no que diz respeito ao trabalho em seu

4 Célia Marisa de Ávila é coordenadora nacional do Programa Capacitação Solidária e superintendente executiva da Associação de Apoio ao Programa Capacitação Solidária (ONG responsável pela captação de recursos, implementação, desenvolvimento e monitoria do Programa). Neste mesmo trabalho, a autora ressalta sobremaneira a “importância” da inserção no mercado informal de trabalho para a diminuição dos níveis de desemprego. 5 Fato que parece comprovar tal afirmativa, constatamos ao procurarmos retornar à uma organização capacitadora que havíamos visitado por ocasião de nossa inserção na Pesquisa “Trabalho, Gênero e Formação Técnico-Profissional”. Naquela época (2000), visitamos uma organização capacitadora que vinha passando por sérias dificuldades financeiras devido ao fato de, naquele ano não ter havido financiamento para projetos de capacitação profissional via PCS. Ao tentarmos retornar à essa instituição, recebemos a informação de que ela não estava mais naquele local. Procuramos localiza-lá por diversos meios porém não à encontramos, o que nos leva a crer no encerramento das atividades desta organização.

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sentido mais amplo e ao mercado de trabalho atual, por parte das instituições

envolvidas no processo de capacitação.

De acordo com a proposta do PCS, a capacitação profissional não deveria

se restringir a um aprendizado meramente técnico. Recomendava-se que nos

cursos fossem valorizadas as necessidades e expectativas dos jovens participantes

dos mesmos. Acrescenta-se a isso uma série de exigências no que se refere à

seleção do público alvo, ao orçamento (que deveria se restringir ao mínimo

possível), ao estabelecimento da outras parcerias, a fim de reduzir (ou partilhar)

custos, formato dos cursos, etc. Observa-se assim que a autonomia, teoricamente

atribuída às Organizações Capacitadoras, apresentava-se de formar deveras

reduzida. Nesse sentido, a participação das organizações da sociedade civil

apresentava-se de forma relativa no PCS, visto ela se dava apenas em nível de

execução, restando- lhes pouca ou nenhuma margem de manobra a sua atuação.

Neste sentido, os cursos apresentavam um formato padrão que, de uma

forma geral era dividido em dois módulos: básico e específico. O primeiro deveria

destinar-se à ampliação de conhecimentos de leitura, escrita e cálculo, bem como

ao incentivo das habilidades de comunicação e sociabilidade dos jovens,

estimulando sua auto-estima e reforçando seus vínculos com a escola formal. Já o

módulo específico tinha como objetivo o aprendizado de uma habilidade de

geração de renda, concluindo-se com uma vivência prática na área de capacitação

específica de cada curso.

No que se refere a aspectos relacionados ao incentivo ao trabalho

empreendedor, verificamos que, de uma forma geral, tais elementos faziam parte

do conteúdo do módulo específico desses cursos. Esses variavam em suas

nomenclaturas, porém seus conteúdos não divergiam com relação ao

direcionamento a atividades informais/empreendedoras. As falas abaixo indicam o

conteúdo trabalhado nesses módulos pelas instituições alvo de nossa pesquisa6.

“... nós tínhamos uma partezinha que chamávamos de cidadania, onde a gente falava sobre isso (relações de trabalho). E a maioria, vamos dizer assim, tinha a visão de que estavam fazendo o curso para ajudar a comunidade, eles também tinham um dinheirinho, mas para dali, eles continuassem a estudar ...” (Coord. ABTHEMA).

6 No tópico a seguir, estaremos tratando mais especificamente das instituições alvo de nossa investigação.

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“No módulo de gestão, eles tiveram as noções de cooperativa, associativismo, como montar uma cooperativa, como registrar uma cooperativa ou uma associação” (Coord. ASPLANDE).

Procura-se estimular, de diversas formas a inserção no mercado informal

de trabalho. É neste sentido que, para Fernandez (2000), o discurso de

fortalecimento da auto-estima do jovem, da sua identidade, do seu potencial

crítico da realidade, apesar de possuir uma importância de fato na formação dos

jovens, torna-se uma falácia de liberdade, quando deslocado de sua base material,

pela precarização do trabalho a que estão expostos e a não garantia, através dessa

capacitação, de uma inserção adequada ao mercado. Assim, assinala a autora:

o governo, diante da difícil tarefa de associar o discurso da liberdade, da consciência no processo produtivo à realidade da população excluída desse espaço, apela para o estímulo à inserção dos setores populares ao mercado informal, exaltando as “pseudos vantagens” deste, no que diz respeito ao desenvolvimento da liberdade individual, a mercê das leis do mercado, da oferta e da procura (FERNADEZ, 2000-50).

Esse direcionamento ao mercado informal de trabalho pode ser facilmente

verificado no quadro 5 deste trabalho. Tal quadro apresenta o total de cursos, por

área de capacitação financiados pelo Programa Capacitação Solidária, entre os

anos de 1996 – 1999. Nele encontramos diversos cursos no setor de serviços que

não encontram expressão no mercado formal de trabalho. São cursos voltados,

eminentemente, para as atividades auto-gestionária.

Se, como indicamos, o discurso de empregabilidade se desfaz frente às

condições concretas da população alvo dos projetos ligados ao PLANFOR, aqui,

mais uma vez, parece-nos que, seguindo a perspectiva de encaminhamento ao

mercado informal, tal proposta encontra-se fora da realidade de grande parte do

público para o qual está direcionado o Programa Capacitação Solidária. Em

primeiro lugar, de acordo com pesquisa realizada pelo Departamento de Serviço

Social da PUC-Rio7 observamos uma tendência entre os adolescentes, ao

ingressarem em um projeto de capacitação/formação profissional, cuja expressão

se manifesta no desejo de tornarem-se empregáveis no mercado formal de

trabalho. Neste sentido, temos como exemplo os jovens vinculados ao CRT

(Centro de Referência de Trabalho da Pastoral do Menor), onde as iniciativas de

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auto trabalho ou auto empreendimento propostas pela instituição, não conseguiam

atrair um número expressivo de candidatos que só se inscreviam naquele centro na

esperança de conseguir um trabalho assalariado formal. Desta forma, ainda de

acordo com essa pesquisa, apesar da realidade constatada ser bem diversa dos

anseios dos jovens trabalhadores, estes, embora forçados a construir suas

trajetórias ocupacionais no mercado informal de trabalho, demonstravam que o

emprego de carteira assinada ainda permanecia no imaginário desses sujeitos

como uma de suas aspirações. “O desejo de conseguir um emprego com todos os

direitos trabalhistas assegurados, que só um contrato formal de trabalho lhes

pode assegurar faz parte do imaginário desses jovens”8.

Quadro V - Diversidade das áreas Capacitação cobertas pelos

cursos ministrados (1996-1999) Área de Capacitação % do total de 1174 cursos

Agricultura 6,71 % Alimentação 6,71 %

Artefatos de Couro 0,40 % Artes e Espetáculos 10,12 %

Artesanato 8,53 % Comunicação 4,95 %

Confecção de Instrumentos Musicais 1,14 % Confecção de Roupas 3,70 %

Construção Civil e Afins 5,12 % Educação 3,92 %

Eletricidade e Eletrônica 2,96 % Estética –Higiene – Embelezamento 4,15 %

Fiação e Tecelagem 0,28 % Informática 12,00 %

Manutenção de Veículos 2,67 % Marcenaria – Movelaria 2,96 %

Mecânica 1,59 % Metalurgia – Calderia – Soldagem 0,51 %

Pecuária 1,19 % Pesca – Aqüicultura – Maricultura 1,42 %

Saúde 3,35 % Serralharia 0,74 %

Serviços de Apoio Admin. e Gestão 4,89 % Serviços Domésticos 1,36 % Turismo – Hotelaria 5,29 %

Vidraçaria – Cerâmica 0,45 % Outras Atividades de produção* 1,31 %

Outros Serviços** 1,58 % (*) Outras atividades de produção: Beneficiamento de peles, desidratação de plantas,

fabricação de cadeira de rodas, entre outros. (**) Outros serviços: conserto e afinação de pianos, encadernação e restauração de livros, reparação, entre outros. FONTE: Capacitação Solidária – Relatório de atividades, novembro de 1999.

7 MACÊDO, M. de A. Relatório Final de Pesquisa do Projeto “Trabalho, Gênero e Formação Técnico-Profissional – Departamento de Serviço Social da PUC-RIO, 2001. 8 Idem.

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Por outro lado, Assis (2002), em pesquisa sobre o PCS, aponta para

alguns aspectos que tornam esse seu direcionamento à formação para atividades

empreendedoras contraditório. Em primeiro lugar, devido a falta de perspectiva de

continuidade dos cursos que têm curta duração (aproximadamente 5 meses) e, em

segundo lugar, devido a própria carência da comunidade que se reflete na falta de

recursos humanos especializados para buscar financiamento junto a outras fontes

financiadoras. Ainda segundo a autora, “é uma ilusão acreditar que apenas a

força de vontade é suficiente para fazer acontecer”. E, continua ela, “inúmeros

são os agravantes que impedem o crescimento/desenvolvimento do potencial

criativo, inovador e empreendedor da população miserável” (ASSIS, 2000).

O problema da descontinuidade do programa também é percebida

negativamente por algumas das representantes das instituições pesquisa.

Ele não tem um período de transição entre a autonomia do grupo que você constitui e um certo subsídio para que o grupo possa dar os primeiros passos. Eu acho que se preocupam muito com a quantidade de projetos a serem implementados e o número de jovens que estariam sendo envolvidos do que um programa mais piloto, com menos jovens, com menos comunidades e com mais possibilidade de desdobramento. Eu penso que, uma vez que você era obrigado a ter um módulo de gestão onde você iria trabalhar a questão do associativismo, do cooperativismo, não se faz esse tipo de proposta em 6 ou 5 meses. Precisaria pelo menos de um ano e meio para você começar a ter resultados mais concretos (coord. ASPLANDE). “Tempo curto para o processo de formação transformador. Para um mero curso, o tempo seria suficiente, mas educação requer mudança de hábitos, o que demora mais tempo” (Equipe IDACO). De fato, a questão da descontinuidade dessas propostas aparece como uma

questão alvo de diversas críticas por parte daquelas que vêm estudando esse

modelo de curso. Por um lado, considera-se que pouco ou nada têm contribuído

com a possibilidade de inserção desse jovens no mercado de trabalho. Mas, por

outro, os cursos indicam a possibilidade de assumir papel importante na

disseminação de conteúdos ideológicos capazes de legitimar o sistema de

dominação e exploração no qual esses jovens estão submetidos.

Neste sentido, é bastante curioso observar um depoimento publicado no

Boletim de Capacitação Solidária n.º 3 de 1998, onde um adolescente egresso de

um dos cursos de capacitação financiado pelo PCS fala sobre suas expectativas

referente ao mercado de trabalho:

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“Praticamente nos colocaram no mercado de trabalho: agora é só nos empenharmos cada vez mais, buscando conhecimento e nunca esquecendo do curso” (Participante de Projeto de capacitação em Eletromecânica no Rio de Janeiro em 1996).

A fala do adolescente acima expressa a expectativa criada quanto a sua

inserção no mercado de trabalho bem como sua auto responsabilização quanto a

sua concretização. Neste sentido, parece que o curso de capacitação representa

para ele, um passaporte para o mercado de trabalho, ou seja, a garantia de

trabalho. Com a redução substancial do mercado formal de trabalho, caberia

indagar: a) a que mercado de trabalho o adolescente mencionado estaria se

referindo - formal ou informal? E b) como fica, na percepção do

adolescente/jovem, o fato de participar de um ou vários cursos de capacitação

profissional, tornando-se supostamente “empregável”, e não ter acesso garantido a

um emprego? Ou, em outros termos, como é percebida pelo adolescente/jovem a

relação entre curso de capacitação e sua inserção no mercado de trabalho?

Cabe avaliar, neste sentido, em que medida os conteúdos ideológicos

veiculados através do Programa Capacitação Solidária foram assimilados,

recusados ou reelaborados pelos atores sociais envolvidos no mesmo. Como

vimos, através dos críticos, o conteúdo ideológico do PCS, centrado no discurso

de empregabilidade, teve como objetivo, deslocar o foco do desemprego da esfera

estrutural (política, econômica e social) para uma esfera individual, fazendo com

que os excluídos se conformassem com o escasso êxito no mundo do trabalho,

evitando assim que se rebelem contra uma ordem social injusta. Conforme

argumenta Souza (2001):

“As representações dominantes, se aceitas passivamente, induzem a uma naturalização de realidade, reforçando a subordinação cultural passiva dos dominados, dificultando-lhes o processo político pedagógico de elevação cultural no ato de elaborar uma concepção de mundo própria e no de definir sua identidade” (Souza, 2001: 94).

Tendo em vista os questionamentos até aqui expostos, nosso objeto de

estudo focaliza os discursos de empregabilidade e empreendedorismo, através das

representações elaboradas pelo atores sociais envolvidos no Programa

Capacitação Solidária, viabilizados por três organizações capacitadoras na Região

Metropolitana do Rio de Janeiro. Neste sentido, merece destaque essas

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organizações por assumirem um papel de mediadoras na elaboração e

reelaboração de tais concepções. Cabe portanto, avaliar como estas instituições

trabalham essas noções que direta ou indiretamente são repassadas, através do

PCS em suas diferentes instâncias.

A região Metropolitana do Rio de Janeiro constitui-se como locus

privilegiado de nossa investigação, pelo fato desta região se configurar como

bastante representativa no que se refere a incidência de projetos de capacitação

profissional direcionados a adolescentes e jovens. Optamos por investigar ONG’s

e respectivos treinandos - adolescentes e jovens que participaram do PCS, no ano

de 1999. A escolha deste ano se deu, entre outros, pelos seguintes motivos: em

primeiro lugar, pela dificuldade de localizarmos organizações capacitadoras que

se mantivessem em contato com jovens egressos de seus cursos em anos

anteriores; em segundo lugar, por acreditarmos que esse seria um espaço de tempo

significativo para verificar o engajamento ou não dos egressos nas áreas

ocupacionais para as quais foram capacitados. E ainda, por acreditarmos que, após

um certo distanciamento de tempo, os egressos do PCS, teriam maior condição de

refletir sobre a relação entre o projeto (curso) e suas possibilidades de inserção no

mercado de trabalho.

4.2.

As Organizações Capacitadoras na mediação da construção dos

discursos de empregabilidade e empreendedorismo

Dentre as instituições catalogadas no Boletim do Capacitação Solidária

(1999) vinculadas ao campo de interesse da pesquisa, selecionamos aquelas que

representaram as áreas de capacitação com maior incidência de cursos e que

expressavam maior heterogeneidade quanto às áreas ocupacionais atendidas.

Assim, selecionamos três instituições com características diversas em suas

propostas de capacitação profissional, na região Metropolitana do Rio de Janeiro.

A seguir, apresentaremos uma caracterização dessas organizações, identificando

alguns elementos que sugerem a mediação dos discursos de empregabilidade e

empreendedorismo através dos conteúdos trabalhados.

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a) Assessoria & Planejamento para o Desenvolvimento (ASPLANDE).

A Assessoria & Planejamento para o Desenvolvimento (ASPLANDE) foi

criada em 1992 tendo como missão instrumentalizar as populações de baixa renda

para o planejamento, implementação e monitoramento de empreendimentos

comunitários e cooperativos, voltados para um desenvolvimento integral e

harmônico.

Seu surgimento ocorreu após o término de atividades desenvolvidas pelo

Núcleo de Estudos Rurais da Prefeitura Municipal de Paracambi que atendia a

população da área rural desse município. A partir de então, um grupo de

profissionais (assistentes sociais, psicólogos, pedagogos, entre outros) que

participavam desse núcleo optaram por dar continuidade as atividades

desenvolvidas, fundando assim a ASPLANDE.

As principais atividades desenvolvidas pela ASPLANDE são:

- Programa Eventos: Seminários e oficinas voltados para os temas de trabalho,

renda, ecologia, gênero, cooperativismo popular, jogos cooperativos,

realização de feiras cooperativistas. Nos últimos 4 anos foram realizados mais

de 100 eventos, os quais atenderam mais de 3500 pessoas;

- Programa Capacitação: Cursos de Cooperativismo, Cursos de Gestão de

Cooperativas Populares, Cursos para a Formação de Empreendedores Sociais,

Cursos Profissionalizantes para jovens de baixa renda;

- Programa Assessoria: Assessoria organizacional e gerencial a diversas

cooperativas populares; assessoria na criação da Rádio Comunitária do Morro

do Cantagalo; assessoria a ONG’s; assessoria para criação e implantação da

proposta de geração de renda do Lar Fabiano de Cristo; criação e assessoria ao

Fórum de Cooperativismo Popular; criação e assessoria à Rede de Difusão do

Cooperativismo Popular, à Rede Cooperativa de Mulheres Empreendedoras e

à Rede Cooperativa de Artesãos;

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- Programa Comunicação: Produção de textos voltados para a difusão do

Cooperativismo Popular, que são publicados em revistas e sites especializados

como Cadernos do Terceiro Mundo, Revistas Eletrônica da RITS e ASHOKA;

e publicação dos Cadernos de Cooperativismo Popular (volumes I e II).

Seu principal foco de atuação está direcionado às populações de baixa

renda, que se encontram fora do mercado de trabalho, principalmente mulheres

chefes de família, residentes na Região Metropolitana do Rio de Janeiro.

Através de cursos de cooperativismo, gestão de cooperativas populares,

formação de empreendedores sociais e cursos profissionalizantes para jovens de

baixa renda, a ASPLANDE registra a capacitação, nos últimos 4 anos, de cerca de

2000 pessoas, num total aproximado de 100 cursos.

Com relação ao Programa Capacitação Solidária, a ASPLANDE registra

sua participação direta e indiretamente em 10 cursos de capacitação em diversas

áreas, sendo 3 de responsabilidade direta da instituição e os demais, através de

seus serviços de assessorias, capacitando cerca de 300 adolescentes/jovens entre

1997 e 2001.

Essa instituição tornou-se interessante para nossa pesquisa pelo seu efeito

multiplicador, visto que, após participar na implementação de cursos de

capacitação financiados pelo PCS, a entidade dedicou-se ao monitoramento de

outras organizações de sociedade civil através de acompanhamentos sistemático

(assessoria) na implementação de projetos semelhantes. Outro aspecto que nos

chama a atenção para tal instituição é sua opção como diretriz de atuação, pelo

fomento à implementação e divulgação de atividades de geração de renda, através

de cooperativas populares.

Quadro VI - Cursos de capacitação profissional vinculados ao Programa Capacitação Solidária desenvolvidos pela ASPLANDE

ANO CURSO N.º DE

PARTICIPANTES 1997 Agente multiplicador/empreendedores sociais 35 1998 Plantas medicinais 35 1999 Pardal- faz-tudo (Pequenos reparos) 30

1998 – 2002 Diversos 200

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De acordo com nosso recorte na pesquisa, selecionamos o curso

denominado “Pardal- faz-tudo”, realizado no ano de 1999, na comunidade do

Morro do Cantagalo, no complexo Pavão-Pavãozinho, em Copacabana. O nome

do projeto justifica-se porque teve como objetivo capacitar jovens e adolescentes

para a realização de pequenos reparos em instalações hidráulicas e elétricas.

b) Instituto de Desenvolvimento e Ação Comunitária (IDACO) 9

Fundado em 1988, com raízes firmadas no movimento sindical, o IDACO

desenvolve e apóia projetos direcionados à população pauperizada em áreas

urbanas e rurais, não limitando-se ao município do Rio de Janeiro. Seu objetivo

“é cooperar na construção de uma sociedade efetivamente democrática e

justa”10. A atuação principal do IDACO está voltada para projetos ligados ao

meio ambiente e desenvolvimento rural visando promover a cidadania, mobilizar

a população e influir em políticas públicas em prol dos “excluídos sociais”.

Suas atividades são desenvolvidas basicamente através de cinco

programas, assim distribuídos:

1) de desenvolvimento rural, que busca melhorar a comercialização da pequena

produção agrícola familiar, assim como uma maior capacitação do produtor,

visando a um aumento em seu padrão de vida;

2) de preservação do meio ambiente, no qual os projetos procuram disseminar,

junto às populações rurais moradoras de regiões remanescentes da Mata

Atlântica, o uso de técnicas alternativas que garantam a qualidade de vida e de

trabalho nas comunidades, sem degradar a natureza;

9 Cabe deixar claro aqui que, no caso específico desta instituição, encontramos uma grande dificuldade para realizarmos nossa pesquisa. A primeira pessoa contactada (coordenadora de projetos) por ocasião da pesquisa exploratória, não mais trabalhava na instituição no momento de nossa segunda parte da pesquisa. Para superar as dificuldades e obter os dados referentes aos cursos realizados, recebemos a colaboração da assessoria de imprensa da instituição que optou por responder nosso roteiro de entrevista de forma escrita, a fim de que pudesse consultar outras fontes/pessoas que estiveram envolvidas anteriormente nos projetos em pauta. Neste sentido, acreditamos que as informações aqui constantes apresentam limitações quanto à riqueza de dados que só uma entrevista aberta poderia garantir. 10 www.idaco.org.br acesso em 05/2002.

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3) o fundo de crédito popular que, através da concessão de crédito e de

capacitação ao microempreendedor, procura gerar emprego e renda para

pessoas de comunidades de baixa renda, na área urbana do Rio de Janeiro;

4) de capacitação de jovens, tanto na área urbana quanto na área rural, busca

proporcionar uma formação específica para adolescentes, facilitando a entrada

destes no mercado de trabalho e, ainda, fixando-os no seu meio de origem; e

5) o Projeto Chantier, que consiste em um intercâmbio técnico e cultural entre

franceses e brasileiros de comunidades rurais.

Para o desenvolvimento desses programas, o IDACO atualmente conta

com o financiamento das seguintes organizações: Progresso de Desenvolvimento

Técnico Agropecuário para o Brasil (PRODETRAB); Miséreor (agência alemã);

Fundação Nacional do Meio Ambiente (FNMA); NOVIB (agência holandesa);

Prefeitura Municipal de Parati; Prefeitura Municipal de Paracambi; Programa

Capacitação Solidária e algumas outras doações pontuais.

Com relação aos projetos de capacitação de adolescentes/jovens, o IDACO

realiza cursos que têm como objetivo transmitir informações técnicas e específicas

relacionadas à natureza do tema em questão, assim como noções de cidadania,

comportamento, ética e moral, além de informações gerais a fim de “manter os

alunos sempre atualizados com o que acontece no mundo”.

Em particular, para o desenvolvimento de projetos de capacitação

profissional direcionados a adolescentes/jovens, o IDACO realiza parceria com o

Programa Capacitação Solidária. Dos cinco concursos de projetos de capacitação

profissional do PCS realizados no Rio de Janeiro, a instituição participou com sete

projetos: três cursos de avicultura caipira, vivericultura, agroecologia, jovens

comunicadores rurais (radiodifusão) e aproveitamento integral dos alimentos11.

Neste período (1997 – 2001), foram capacitados cerca de 200 adolescentes/jovens

nos diversos cursos oferecidos pela instituição.

11 Nestes dois últimos cursos, o IDACO participou como parceiro, juntamente com a União Nacional de Radiodifusão e o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Paracambi respectivamente.

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Quadro VII - Cursos de capacitação profissional vinculados ao Programa Capacitação Solidária desenvolvidos pelo IDACO

ANO CURSO N.º DE PARTICIPANTES

1997/98/99 Avicultura Caipira 15/17/20 respectivamente 1999 Vivericultura 20 2001 Agroecologia 25 2001 Radiodifusão 50 (aproximadamente) 2001 Aproveitamento Integral dos Alimentos 50 (aproximadamente)

Por nos limitar ao ano de 1999, tomamos como referência o curso de

vivericultura. Para a realização desse curso, o IDACO contou com o apoio (além

do PCS) da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, da EMBRAPA e do

CIEP 155 - Nelson Antelo Romar, em Seropédica.

O curso de vivericultura, bem como, o de avicultura, segundo

representantes do IDACO12, tiveram como resultados: a colaboração para a

sobrevivência e a sustentabilidade da agricultura familiar, ao trabalharem com a

difusão de tecnologias apropriadas à realidade local; o estímulo à permanência na

terra e a possibilidade de retorno daqueles que, um dia saíram do campo por não

terem perspectiva de vida no meio rural; e ainda, a cooperação com o

desenvolvimento rural sustentável, ecologicamente equilibrado, socialmente justo

e economicamente viável, incluindo o ser humano, desenvolvendo suas

potencialidades e participação.

Para a participação nestes cursos, foram selecionados jovens entre 14 a 18

anos, com baixa renda familiar (até um salário mínimo) e em defasagem escolar,

tendo prioridade aos filhos de agricultores.

O IDACO chama-nos a atenção para a pesquisa por apresentar-se como

uma ONG aparentemente consolidada com uma ampla experiência no campo de

sua atuação e por ter vínculos com o movimento sindical.

c) Associação Brasileira dos Usuários de Medicina e Terapias Holísticas e do

Meio Ambiente (ABTEHMA)

A Associação Brasileira dos Usuários de Medicina e Terapías Holística e

do Meio Ambiente (ABTEHMA) foi criada em 1997. Sem fins lucrativos e com

atuação em todo o território nacional, a ABTEHMA tem como objetivo principal

12 Site <www.idaco.org.br> acesso em 05/2002

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a difusão das terapias naturais preventivas de origem popular e/ou tecnológica,

visando a perpetuação da cultura popular brasileira e observando as características

dos diversos povos que deram origem a essa população.

Suas atividades são desenvolvidas basicamente em torno da realização de

cursos com informações sobre terapias naturais visando sua difusão. Neste

sentido, a ABTEHMA administra um site contendo informações referentes ao

tema.

A ABTEHMA é financiada por seus próprios sócios e, de forma pontual,

através de cursos e palestras realizados e também pelo Programa Capacitação

Solidária (PCS).

Quanto a essa última forma de financiamento indicada, a ABTEHMA nos

chama a atenção em dois aspectos. Em primeiro lugar, porque a formação dessa

associação está estritamente ligada ao PCS. Após ser convidado a participar

(dando aulas) de um curso financiado pelo PCS, no ano de 1996, um grupo de

profissionais optou pela criação da ABTEHMA. A partir de então, essa associação

começou a participar do PCS com cursos próprios.

Quadro VIII - Cursos de capacitação profissional vinculados ao Programa Capacitação Solidária desenvolvidos pela ABTEHMA

ANO CURSO N.º DE PARTICIPANTES 1997 Fitoterapia 35 1998 Fitoterapia 35 1999 Terapias Corporais (Massoterapia) 35

O segundo aspecto que nos chama a atenção é o fato da ABTEMA não

apresentar entre seus objetivos nada que direta ou indiretamente tenha relação

com trabalho e geração de renda e, mesmo assim, vincular-se ao Programa

Capacitação Solidária, capacitando cerca de 105 adolescentes/jovens em

fitoterapia e terapias corporais.

Seguindo nossa proposta de estudo, tomamos como referência para

observação o curso de terapias corporais (massoterapia), realizado no ano de

1999.

Em síntese, podemos verificar que as instituições selecionadas para essa

pesquisa representam conteúdos diferenciados de capacitação e objetivos de

empregabilidade/empreendedorismo. A fundação dessas organizações deram-se

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em momentos diferenciados: o IDACO, no ano de 1988, no auge do movimento

de democratização brasileira marcada pelo clima da nova constituição; a

ASPLANDE, no ano de 1992, início da década onde ocorre um retrocesso dos

direitos sociais preconizados na constituição de 88 e a ABTHEMA, no ano de

1997, período de consolidação do projeto neoliberal no Brasil.

Essa incorporação no PCS de organizações diferenciadas, com origem nos

movimentos populares e com suposto direcionamento aos interesses dos

trabalhadores, parece fazer parte de uma estratégia do Estado a fim de criar

condições favoráveis para uma formação de consenso entre as classes. Trata-se,

como vimos no primeiro capítulo, da apropriação de discursos que encontram

acolhida no imaginário da população trabalhadora de modo a legitimar sua

dominação.

O que se observa é que a participação dessas organizações no PCS tem se

dado de forma subordinada à medida em que as mesmas devem atender a uma

série de exigências quanto ao formato, conteúdo e objetivos, entre os quais se

destaca o estímulo às “ações criativas e inovadoras que identifiquem brechas no

mercado de trabalho" (edital do XXIV concurso de projetos para capacitação

profissional de jovens – PCS). Neste sentido, as organizações capacitadoras

tendem, de forma direta ou indireta, a legitimar a transferência do problema do

desemprego, do âmbito político-econômico e estrutural, para uma esfera

individual, de qualificação do trabalhador. E, mais do que isso, tendem estimular,

de forma acrítica, a inserção desses jovens fora das relações de trabalho formal,

portanto, sem qualquer tipo de proteção previdênciária.

Quanto a isso, consideramos importante destacar que no conjunto dos três

cursos selecionados para a presente pesquisa (massoterapia, vivericultura e

pequenos reparos – hidráulico e elétrico), nota-se claramente seu distanciamento

quanto às reais possibilidades de inserção no mercado formal de trabalho, não

havendo, objetivamente, qualquer tipo de contribuição ou acompanhamento que

torne efetiva a inserção desses jovens no mercado trabalho. Como veremos, as

condições concretas do público alvo desses cursos distanciam-lhe, sequer da

possibilidade efetiva do desenvolvimento de atividades auto-geridas, o que

inviabiliza a efetividade do Programa. Fica comprovado assim que o que

prevalece em seu conteúdo é “uma dimensão simbólico-ideológica de

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adesão/convencimento (...) que interfere sobre a auto-imagem e visão de mundo

dos trabalhadores” (Machado da Silva, 2002: 104)

É certo que devido as transformações ocorridas no mundo do trabalho, nas

quais verificamos a intensificação da exploração, precarização do trabalho e

sobretudo ao aumento exponencial do desemprego, a inserção em atividades

informais apresenta-se como uma estratégia de sobrevivência àquela população

excluída do mercado de trabalho formal. Por outro lado, como sugerimos

anteriomente, tais iniciativas podem ser vistas, também como uma possibilidade

de enfrentamento contra-hegemônico ao modelo capitalista de produção.

Neste sentido, a participação das organizações capacitadoras expressa

ambigüidade e ambivalência, colocando-se entre a satisfação das necessidades

básicas de reprodução do trabalhador e o apoio ao movimento de

desresponsabilização do Estado frente ao problema do desemprego.

Assim, a análise das entrevistas realizadas com representantes das

instituições pesquisadas, revela uma relação contraditória no que se refere ao

posicionamento destas organizações frente aos discursos de empregabilidade e

empreendedorismo. Observamos, de forma geral, que tais discursos se

reproduzem de forma difusa, nas representações dos entrevistados. Ao mesmo

tempo em que estabelecem algumas críticas ao conteúdo dessas noções, exaltam e

estimulam seus treinandos, na direção das atividades informais sem que isso

venha acompanhado de uma reflexão crítica sobre o assunto.

Essas contradições se evidenciam já na escolha pela área de capacitação

proposta. Nela, podemos observar uma variedade de preocupações que vão desde

aspectos ligados à possibilidade de inserção no mercado do trabalho até aspectos

relacionados aos objetivos institucionais e as demandas postas pela comunidades.

Observemos as falas abaixo:

“a nossa perspectiva foi o de trabalhar com a possibilidade de inserir num nicho de mercado que se apresentava prá gente: era exatamente esse cara que consegue fazer mais de um tipo de pequenos reparos, sem que o proprietário do imóvel tenha que ficar, ‘chama o eletricista’, ‘chama um bombeiro hidráulico’, ‘chama um encanador’. Enfim, pequenos reparos eles poderiam executar sem que, para isso o proprietário do imóvel tivesse que recorrer a várias pessoas” (Coord. ASPLANDE).

“O motivo (...) estava relacionado ao fortalecimento do espaço de decisão e empregabilidade de jovens; a contribuição para a melhoria da qualidade de vida

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em áreas de periferia rurais e a contribuição para a racional (com preocupação ecológica) utilização dos recursos naturais disponíveis”(Equipe, IDACO).

O caso da ABTHEMA é emblemático. Sua preocupação na formulação do

curso estava relacionada à necessidade da comunidade com relação às terapias

corporais e aos objetivos da instituição no sentido da divulgação dessas terapias.

Aparentemente, não há nenhum direcionamento à geração de trabalho e renda.

“Estávamos vendo uma necessidade muito grande na comunidade de ter é ... um atendimento ativo. Então, nós pensamos em terapias corporais, porque como a gente observa, estes problemas de hoje em dia, as pessoas estão carentes, carentes de um toque” (Coord. ABTHEMA).

Quanto à influência na organização do curso de aspectos relacionados à

geração de trabalho e renda, observamos que essa questão era colocada em

segundo plano, considerando a dificuldade da inserção no mercado de trabalho de

um profissional dedicado a esse tipo de serviço.

“Também, porque seria uma maneira deles começarem a ter um ganho sem tanta pressão. Porque você dizer que vai inseri-lo num mercado de trabalho é complicado. Mas era um meio de eles, dentro da comunidade, ajudar a comunidade e ali ganhar o trocadinho deles como alguns realmente conseguiram atuar como profissionais liberais, vamos assim dizer” (Coord. ABTHEMA).

Apesar da diferenciação quanto aos objetivos dos cursos, percebemos nas

falas acima alguns aspectos que permeiam os discursos de todos os entrevistados.

Em primeiro lugar, há em comum, nos depoimentos dos entrevistados, um

direcionamento claro para atividades informais/empreendedoras. E, em segundo

lugar, como forma de justificar esse direcionamento, todos expressam o

reconhecimento de dificuldades quanto à colocação dos jovens participantes

desses cursos no mercado formal de trabalho. A ênfase na informalidade fica mais

clara ao perguntarmos especificamente a que mercado estariam direcionados os

cursos por eles implementados. As falas abaixo apresentam explicitamente esse

direcionamento ao mercado informal/empreendedor.

“Em termos de mercado pela própria característica do curso ele estava mais afeto ao mercado informal embora eles tivessem um certificado do SENAI, que dava a

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eles uma prerrogativa de se inserir na construção civil, por exemplo” (Coord. ASPLANDE). “Agrícola. Foram trabalhadas as dificuldades rurais. Não há mercado direto. Há possibilidades” (Equipe IDACO). “O mercado seria o profissional liberal, o profissional autônomo ... trabalhar por conta própria, porque não era a gente querer pôr dentro de clínicas, de consultórios, porque não há uma formação prá isso” (Coord. ABTHEMA).

Com relação à expectativa da instituição, no que diz respeito à inserção

dos jovens capacitados no mercado de trabalho, observamos as mais variadas

posições. Dentre as instituições pesquisadas, a ASPLANDE foi a única que

apresentou uma proposta, ou tinha entre seus objetivos a preocupação de dar

continuidade às atividades com os jovens egressos de seu curso através da

formação de uma cooperativa:

Dentro do perfil que a gente tinha de jovens, que era da faixa etária que ainda não se inseriu no mercado de trabalho e até por conta da própria condição concreta deles, eles não tinham uma perspectiva desenhada do que “eu quero ser quando crescer”, a gente acreditava que, daquele universo, a gente aproveitaria um terço para montar algum tipo de trabalho coletivo, se a gente conseguisse quem financiasse” (Coord. ASPLANDE).

Já os representantes do IDACO, que apresentaram entre as motivações

para realização do curso, o fortalecimento da discussão e a empregabilidade de

jovens, quando perguntados sobre as expectativas de inserção desse jovens,

ressaltam que

“O curso não é voltado diretamente para a empregabilidade e, sim, indiretamente. Na área rural não há empregabilidade direta. A primeira preocupação não era a empregabilidade, era a formação cidadã...” (Equipe. IDACO)

Ainda com relação às expectativas de inserção dos jovens no mercado de

trabalho, verificamos que a coordenadora da ABTHEMA, mesmo após apontar as

dificuldades de inserção no mercado de trabalho, afirma que acreditava que cerca

de 40 % continuariam efe tivamente trabalhando na área. Perguntada se haviam

atingido as expectativas institucionais, nossa entrevistada afirmou haver superado

essa meta. Porém, observamos entre os jovens entrevistados, oriundos do curso

dessa instituição, que as atividades desenvolvidas por eles na área, se davam

muito mais através de práticas voluntárias (gratuitas), ou como atividades

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temporárias (“bicos”). A fala de uma jovem entrevistada revela o que, de uma

forma ou de outra, acaba por fazer parte do discurso do todos os capacitados pela

instituição, dando ênfase ao trabalho voluntário:

Porque a gente tem uma visão diferente da coisa. Você se vê como ser humano, se vê como profissional. Você se sente mais capacitado e mais qualificado. Você não pensa só assim: Ah! Vou trabalhar prá ganhar dinheiro. Você tem uma visão muito maior. Você pensa: “Vou ajudar pessoas (né?), que são necessitadas, pessoas que são de comunidades carentes, que não têm como se manter. Então foi uma coisa bárbara para mim, eu adorei. Antes de eu entrar (no curso), eu só pensava assim: ‘vou trabalhar prá ganhar dinheiro’. Eu só pensava isso” (A. P. S – 22 anos).

Esse é um exemplo claro de que os objetivos do projeto se inserem numa

nova cultura do trabalho, mediante a construção de uma nova visão de mundo e da

auto-imagem do trabalhador, bem como reforça a transferência dos problemas

sociais para o indivíduo e seus pares13.

Observamos assim uma diversidade de aspectos relacionados ao

direcionamento de tais cursos quanto à possibilidade de inserção desses jovens no

mercado de trabalho. Porém, verificamos que diante das dificuldades encontradas

no sentido de inserir esses jovens no mercado de trabalho, tais cursos começam a

ser apresentados como uma ajuda no processo de escolha de uma profissão ou

como reforço às aptidões individuais na busca de inserção no mercado de

trabalho, conforme podemos observar nas falas abaixo:

A primeira preocupação não era a empregabilidade, era a formação cidadã”: dar elementos a meninos (as) para eles terem um norte, um parâmetro, um caminho na escolha de uma profissão. (...) Com alguns elementos passados no curso, os (as) jovens poderiam aumentar sua auto-estima, desejar a participação em grupo, continuar os estudos, buscar fontes de capacitação e formação permanente e, a partir daí, indiretamente interferir na empregabilidade (Equipe IDACO). “Então, a gente dava orientações para eles e, realmente, sempre visando que eles buscassem cada vez mais especializações, por que a gente sabe que é importante você ter estabilidade, tudo isso, mas também se não correr atrás, se você não buscar especializações, você não vai ter. Não vem na sua porta” (Coord. ABTHEMA).

13 vide página 33 deste trabalho.

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Das falas anteriores, depreendemos que para esses entrevistados (IDACO e

ABTHEMA), a capacidade de se obter um emprego estava diretamente

relacionada a uma constante busca pela capacitação, ressaltando, assim, aspectos

individuais na luta por uma colocação no mercado de trabalho. Neste sentido,

constatamos que empregabilidade, para esses entrevistados, estaria ligada à

possibilidade de inserção no mercado de trabalho assalariado. Reforça-se assim as

contradições inerentes ao discurso de empregabilidade. Ao mesmo tempo em que

os cursos desenvolvidos por estas instituições estão estruturados a partir de um

programa que tem como base o discurso da empregabilidade com direcionamento

ao mercado informal/empreendedor, tais cursos apresentam-se como um pré-

requisito para empregabilidade no mercado formal, apesar desses não

estabelecerem quaisquer vínculos com este mercado. Nesta confusa relação,

parece-nos que a soma de diversos cursos direcionados a atividades informais

possibilitariam o acesso ao trabalho formal.

Já na perspectiva da coordenadora da ASPLANDE, não conseguimos

observar esse direcionamento. Pelo contrário, nas falas abaixo, podemos observar

que, para ela, empregabilidade está relacionada à inserção no mercado informal de

trabalho, via organização de cooperativas. Aqui, empregabilidade e

empreendedorismos apresentam-se como sinônimos, uma vez que, para ela:

“Na questão concreta do Brasil é ..., entre outros, é preciso haver o que a gente chama de políticas de reforço à questão da empregabilidade. Ou seja, uma política que estivesse respaldando as ações prá assessorar esses grupos a atuarem de forma informal (Coord. ASPLANDE). Essa questão, (...), também vinha atrelada a uma discussão da questão do trabalho informal. Da necessidade de você regulamentar as práticas informais e de você ter algum tipo de suporte prá que o cara consiga se estabilizar naquele mercado sem ter que ficar: começou hoje, realizando alguma atividade, aí tem que parar porque precisa sustentar a família, por exemplo, e não poder ficar esperando que a atividade se consolide no mercado. A gente acenou com as duas possibilidades. (...) A gente tentou enfatizar que eles poderiam realizar um trabalho em comum na região e poderiam ganhar mais se estivessem organizados.(...) A gente tentou demonstrar isso a eles, que tinha esse componente também, que um profissional que começa a trabalhar sozinho ele leva muito mais tempo para se estabilizar no mercado do que um grupo de profissionais que tenha toda um proposta, toda uma estratégia de marketing. Eles poderiam juntos estar avançando (Coord. ASPLANDE).

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Como podemos observar, os discursos de empregabilidade e

empreendedorismo apresentam-se de forma difusa nas falas dos representantes

das organizações capacitadoras pesquisadas. Aliás, como tentamos demonstrar no

capítulo anterior, esses discursos apresentados de forma confusa são fruto de uma

estratégia utilizada exatamente para esse fim, no Plano Nacional de Qualificação

do Trabalhador (PLANFOR). Neste sentido, independente de quais sejam as

intenções das organizações capacitadoras, elas tendem a atender aos apelos

ideológicos no sentido da construção de uma hegemonia do capital, tornando o

desemprego ou a inserção precária mais “aceitável”.

Em síntese, verificamos que o papel assumido pela rede de organizações

capacitadoras na mediação dos discursos de empregabilidade e de

empreendedorismo, tende a tornar essas noções ambíguas com tendência a

reproduzir a lógica dos discursos veiculados pelo governo federal, através do

PLANFOR.

Assim, com já apontamos, parece-nos que encontramos espaço repleto de

contradições aproveitado pelo capital a fim de colocar em prática seu projeto de

manutenção/reestruturação hegemônica. Aqui, as organizações pesquisadas

vivenciam a tensão entre as necessidades básicas de reprodução do trabalhador e

os interesses do capital, na renovação de suas formas de dominação, através da

divulgação de conteúdos ideológicos que perpassam o programa em pauta, cujo

eixo central se define a partir dos discursos de empregabilidade e

empreededorismos.

De uma forma geral, podemos afirmar que a participação dessas

organizações capacitadoras assume uma posição contraditória entre a negação dos

direitos sociais duramente conquistados pela classe trabalhadora, a legitimação da

desresponsabilazação do Estado pelo problema do desemprego e o acesso das

camadas excluídas ao mercado de trabalho mediante o fomento a formas coletivas

e individuais de reprodução social que possam garantir a satisfação das

necessidades básicas dos trabalhadores.

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4.3

Os jovens entrevistados e as ambigüidades na assimilação dos

discursos

Este tópico representa a etapa da pesquisa na qual investigamos a

população alvo dos projetos de capacitação profissional do PCS. Nossos objetivos

foram traçar o perfil desses jovens, assim como verificar como tem sido

assimilado por eles os discursos de empregabilidade e empreendedorismo. Aqui,

entrevistamos jovens oriundos dos cursos viabilizados pela ASPLANDE, IDACO

e pela ABTHEMA. Este momento da pesquisa, apresentou-se para nós, de forma

bastante dificultosa, devido ao fato de não haver qualquer tipo de

acompanhamento formal aos jovens egressos desses cursos. Desta forma, nosso

acesso a esse jovens constituí-se de um processo bastante demorado e que acabou

por restringir o universo de jovens pesquisados.

A partir das indicações realizadas pelas organizações capacitadoras

investigadas, chegamos a um total de onze jovens egressos dos cursos de

capacitação profissional em questão. Seguindo nosso roteiro de entrevista foi

possível, inicialmente, traçar o perfil sócio-econômico desses jovens, no qual

foram consideradas os seguintes indicadores: idade, gênero, escolaridade,

composição e renda familiar. A seguir, apresentaremos de forma esquemática, o

perfil sócio econômico de cada um desses jovens entrevistados.

a) C. R. F. S (terapias corporais)

idade: 21 anos

sexo: masculino

escolaridade: cursando o 3o ano do ensino médio

estado civil: solteiro

composição familiar: pai, mãe e um irmão (4 pessoas)

situação no mercado de trabalho: começou a trabalhar com 14 anos, como

auxiliar de serviços gerais. Depois disso, trabalhou como atendente, como auxiliar

de costura, camelô ambulante, em barraca de churros, entre outras ocupações. No

momento da pesquisa trabalhava como office-boy, porém sem registro em carteira.

renda familiar: R$ 480,00

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renda própria: R$ 200,00

b) H. N. S. N (terapias corporais)

idade: 21 anos

sexo: masculino

escolaridade: ensino médio completo (conclusão em 2001)

estado civil: Solteiro

composição familiar: pai, mãe e 2 irmãos (5 pessoas)

situação no mercado de trabalho: começou a trabalhar com 15 anos, como

servente. No momento da pesquisa, participava do “Projeto Jovens pela Paz”,

desenvolvendo atividades no 7º BPM – Alcântara, sem registro em carteira,

recebendo para isso um bolsa mensal no valor de R$ 200,00.

renda familiar: R$ 800,00

renda própria: R$ 200,00

c) A. P. S. S. (Terapias Corporais)

idade: 22 anos

sexo: feminino

escolaridade: ensino médio completo (conclusão em 1998)

estado civil: solteira (união estável com o namorado)

composição familiar: namorado e pais do namorado (4 pessoas)

situação no mercado de trabalho: começou a trabalhar aos 12 anos, como

professora particular. Trabalhou com registro em carteira no ramo comercial. No

momento da pesquisa, exercia a função de massoterapeuta em domicílio.

renda familiar: R$ 400,00

renda própria: R$ 200,00

d) F. A. P. (Terapias corporais)

idade: 23 anos

sexo: masculino

escolaridade: cursando o 3º ano do ensino médio

estado civil: solteiro

composição familiar: pai, mãe e 2 irmãos (5 pessoas)

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situação no mercado de trabalho: começou a trabalhar aos 21 anos de idade

como massoterapeuta. Por ocasião da pesquisa estava desempregado.

renda familiar: R$ 800,00

renda própria: não há

e) R. N. A. (terapias corporais)

idade: 22 anos

sexo: masculino

escolaridade: ensino médio completo (conclusão em 1999)

estado civil: Solteiro

composição familiar: Pai, mãe e 2 irmãos (5 pessoas)

situação no mercado de trabalho: começou a trabalhar aos 16 anos de idade,

como mensageiro. No período da pesquisa, trabalhava com registro em carteira na

função de assistente comercial.

renda familiar: R$ 1200,00

renda própria: R$ 360,00

f) E. R. G. (vivericultura)

idade: 23 anos

sexo: masculino

escolaridade: ensino médio completo

estado civil: Casado

composição familiar: esposa e filha (3 pessoas)

situação no mercado de trabalho: começou a trabalhar aos 21 anos de idade

como vivericultor, na universidade Rural do Rio de janeiro, onde continuava

trabalhando até o momento da pesquisa, sem registro em carteira.

renda familiar: R$ 300,00

renda própria: R$ 300,00

g) J. P. R. R. (vivericultura)

idade: 20 anos

sexo: masculino

escolaridade: cursando o 2º ano do ensino médio

estado civil: solteiro

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composição familiar: pai, mãe e 3 irmãos (6 pessoas)

situação no mercado de trabalho: começou a trabalhar aos 16 anos de idade,

num bar de propriedade de seus pais, na função de atendente. Depois desse

trabalho, exerceu atividades em dois lugares na função de office-boy e em outro,

como cabo eleitoral por ocasião da campanha eleitora de Seropédica. Durante o

período de nossa pesquisa, estava desempregado.

renda familiar: R$ 800,00

renda própria: não há

h) I. C. S. (vivericultura)

idade: 21 anos

sexo: masculino

escolaridade: 2º ano do ensino médio (parou de estudar no ano 2000)

estado civil: Casado

composição familiar: esposa e filho (3 pessoas)

situação no mercado de trabalho: começou a trabalhar aos 16 anos, como

jardineiro, “em casa de família”. Por ocasião da pesquisa trabalhava como

auxiliar de laboratório, na Universidade Rural do Rio de Janeiro, sem registro em

carteira.

renda familiar: R$ 220,00

renda própria: R$ 220,00

i) E. R. S. (vivericultura)

idade: 17 anos

sexo: masculino

escolaridade: 2o ano do ensino médio (cursando)

estado civil: solteiro

composição familiar: pai e 2 irmãos (4 pessoas)

situação no mercado de trabalho: começou a trabalhar aos 16 anos como

atendente numa lanchonete, onde continuava trabalhando até o momento da

pesquisa, com registro em carteira.

renda familiar: R$ 400,00

renda própria: R$ 220,00

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j) J. C. C. (pequenos reparos – elétrico e hidráulico)

idade: 26 anos

sexo: masculino

escolaridade: cursando a 8a série do ensino fundamental

estado civil: solteiro

composição familiar: pai, mãe e 7 irmãos (10 pessoas)

situação no mercado de trabalho: começou a trabalhar aos 20 anos de idade na

função de office-boy. Depois deste emprego, exerceu várias atividades informais

como auxiliar de serviços gerais e no ramo da construção civil. Por ocasião da

pesquisa estava desempregado.

renda familiar: R$ 1500,00

renda própria: não há.

l) C. B. M. (pequenos reparos – elétrico e hidráulico)

idade: 24 anos

sexo: feminino

escolaridade: cursando a 8a série do ensino fundamental

estado civil: solteira (união estável com o namorado)

composição familiar: companheiro e filho (3 pessoas)

situação no mercado de trabalho: começou a trabalhar aos 14 anos de idade,

através de um projeto da FIA, na Fundação Biblioteca Nacional, onde trabalhava

no protocolo (não soube indicar qual a função). Depois deste emprego, trabalhou

em outros locais nas funções de doméstica, babá e em firma de limpeza. Por

ocasião da pesquisa trabalhava como depiladora, com registro em carteira.

renda familiar: R$ 550,00

renda própria: R$ 550,00

A partir dos dados sumariamente expostos acima, pudemos identificar o

perfil dos jovens entrevistados. Com relação à idade, verificamos que em média

esses jovens encontravam-se na faixa etária compreendida entre 21 a 24 anos de

idade. Esse dado era de se esperar visto que no ano de 1999, esse grupo de jovens

tinha entre 17 e 20 anos, portanto dentro da faixa etária estabelecida pelo

Programa Capacitação Solidária. Porém, é curioso observar que encontramos,

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nesse pequeno universo, dois jovens que se encontravam fora da idade prevista

pelo PCS. Isso aponta para uma certa flexibilidade dos projetos na admissão dos

treinandos ou, por outro lado, um não controle sobre a seleção dos jovens

participantes de tais cursos.

No que diz respeito à escolaridade, observamos que a maioria desses

egressos concluiu, está cursando ou parou de estudar no ensino médio (este último

apresenta apenas uma ocorrência). Esses dados demonstram, como pudemos

verificar em entrevista com os coordenadores dos cursos, a existência de

mecanismos de algumas organizações a fim de selecionar jovens, que tinham um

grau de instrução acima do especificado pelo PCS14. Tal fato é justificado pelas

entidades com o argumento de que é difícil, em curto período de tempo, capacitar

pessoas com níveis de instrução muito baixos.

Verificamos, com relação à distribuição dos entrevistados por sexo, uma

prevalência na participação nos cursos do sexo masculino. Porém, cabe deixar

claro que essa predominância se revelou no grupo de jovens que tivemos acesso,

não representando, portanto, a realidade dos cursos realizados que, por orientação

do PCS, tinham a preocupação de estabelecer um certo equilíbrio de gênero na

composição das turmas.

Quanto à composição e renda familiar podemos observar uma grande

incidência de famílias compostas por 4 ou 5 pessoas. Essas famílias viviam (ou

sobreviviam) com uma renda média familiar mensal de R$ 677,27; ou seja, um

renda per capta média/mês de R$ 150,40. Esse dado aponta para a situação de

pobreza na qual estão inseridos os jovens que participam desses cursos. A

condição de pobreza, como veremos adiante, dificulta sobremaneira, a

possibilidade de realização de uma atividade auto-gerida, uma vez que esses não

dispõem de recursos financeiros para o início do empreedimento.

No que se refere à idade em que cada entrevistado começou a trabalhar,

observamos que alguns desses jovens se inseriram no mercado de forma precoce e

abaixo do que determinava a legislação vigente, que permite a inserção no

mercado de trabalho somente após aos 16 anos de idade. De uma forma geral,

observamos que a primeira inserção destes trabalhadores no mercado de trabalho,

14 Tivemos a oportunidade de participar de uma entrevista para negociação de parceria entre uma ONG e o PCS. Nessa negociação os representantes do PCS, “sugerem” a redução do grau de

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deu-se em condições de sub-emprego, engrossando as estatísticas da

informalidade no trabalho, tendência que se verifica na trajetória de suas

ocupações até o momento da pesquisa.

Em resumo, encontramos entre os 11 jovens entrevistados, um total de 8

que estavam trabalhando. Destes, 5 desenvolviam atividades informais e apenas 3

apresentavam contrato de trabalho com registro em carteira. É interessante

observar que os rendimentos médios daqueles que tinham o registro eram 71,20%

superior àqueles que não possuíam contrato, passando de R$376,66 para R$

220,00 em média. Esse dado revela que nas circunstâncias vivenciadas pelos

jovens entrevistados, apesar da precarização do trabalho assalariado formal, esse

modelo ainda apresenta-se mais vantajoso financeiramente que o trabalho

informal.

Observamos ainda que dentre os entrevistados que trabalhavam, somente 3

exerciam atividades relacionadas ao curso de capacitação que participara. Porém,

essas ocupações aconteciam no âmbito das relações das organizações

capacitadoras. Não encontramos, portanto, nenhum registro de jovem que tenha

conseguido inserção na área do curso de capacitação que participou fora do

âmbito das relações da organização que o capacitou.

Cabe destacar, com relação às atividades desenvolvidas pelos jovens

entrevistados, o alto grau de instabilidade, que se evidencia pelo curto espaço de

tempo em cada atividade ocupacional que compõe a trajetória dos pesquisados.

Em sua maioria, essas ocupações são caracterizadas pelo trabalho precarizado,

não reguladas pela legislação trabalhista, de menor qualificação e sem qualquer

relação com o curso que participara. Neste sentido, a fala de um dos jovens

entrevistado é bastante ilustrativa:

“Tive uma lista enorme de empregos que eu já tive: auxiliar de costura, trabalhei como camelô, trabalhei com uma barraquinha de churros, trabalhei como office-boy, na Telejum, no Centro, trabalhei na padaria, no MacDonald’s, trabalhei mais em quê? Cara é muita coisa. Você acaba até esquecendo” (C. R. F. – 21 anos).

Perguntado sobre os motivos que levaram a sua inserção em várias

atividades o jovem entrevistado justifica:

escolaridade nos pré-requisitos para participação no curs o, afim de que a parceria possa ser viabilizada.

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“Eu sempre procuro algo melhor. Não sou do tipo do cara que gosta de ficar num único emprego. (...) Não vou ficar num emprego no qual não estou tendo, assim, algo que eu espero; não tô tendo chance de crescer; não tô tendo um salário melhor para ajudar em casa também. O salário realmente conta e muito (a parte financeira, entendeu?). (C. R. F. – 21 anos)

É interessante observar que o salário desse jovem, corresponde hoje à R$

220,00, ou seja, o salário mínimo no Estado do Rio de Janeiro, no período de

nossa investigação.

São esses jovens, em média com 22 anos de idade, oriundos de famílias

relativamente numerosas e de baixa renda, na sua maioria cursando ou com o

ensino médio completo, com uma trajetória ocupacional marcada por inserções

em atividades desqualificadas, de forma precária e com salários reduzido, que

fazem parte de nosso universo de pesquisa.

É na busca pela superação desse quadro que observamos que esses jovens

vêm procurando participar de cursos de formação, acreditando que, entre outros,

esse seria o passaporte para melhores posições no mercado de trabalho.

Neste sentido torna-se fundamental a análise das falas dos jovens

entrevistados no que se refere aos discursos que elaboram sobre empregabilidade

e empreendedorismo. Procuramos em nossas entrevistas verificar como essas

categorias, amplamente divulgadas através do discurso oficial do Programa

Capacitação Solidária, têm sido assimiladas pelos jovens egressos desses cursos.

De uma forma geral, procuramos observar os motivos que levaram esses

jovens a participarem de tais cursos, a relação que eles estabelecem entre o curso

realizado e sua inserção no mercado de trabalho, seus objetivos profissionais e

ainda, sua compreensão a respeito das categorias empregabilidade e

empreendedorismo.

No que diz respeito aos objetivos dos jovens entrevistados ao participarem

dos cursos de capacitação profissional, observamos uma certa predominância dos

aspectos relacionados diretamente a novas oportunidades de trabalho. Por essa

razão, para alguns deles, o importante era participar do curso, independentemente

da área de capacitação proposta, conforme podemos verificar nas falas abaixo.

“... quando eu vi este curso de massoterapia, eu pensei assim: ‘poxa, massoterapia, nunca ouvi falar disso’. .... Aí eu falei assim: “Quer saber? Vou

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fazer este curso. Aí fiz, entrei assim como que ..., não sei. Quis fazer mesmo assim, tava com horário livre, ai falei: ‘Ah! Vou fazer’” (R. N. A. – 22 anos). “Um amigo meu, ele procurou, fez uma pesquisa. Procurou vários cursos e o único que abria vagas realmente era este: terapias corporais. Aí ele ligou; fez até uma relação enorme (...) e conseguimos encontrar esse aí. Tinha este e mais um outro curso, também. Desses dois cursos fui o único que a gente conseguiu” (C. R. F. – 21 anos). “... eu queria fazer o curso porque eu queria ter uma profissão” (J. C. C, 26 anos). “Eu sempre gostei. Eu não sabia que eu ia fazer prá... Na época era esse e avicultura caipira, né? Eu ia fazer prá avicultura aí só que abriu uma vaga, ai a XXXXX15 (que era do IDACO) me encaixou nesse curso. Eu gostei, muito bom, legal, mexer com terra, mexer com planta” (I. C. S – 21 anos). “Meu primeiro objetivo foi o emprego, a forma de qualificação profissional para obter um emprego. Não tem outra coisa. A verdade é essa” (E. F. G. – 23 anos). “Ter um maior conhecimento e aumentar meu currículo” (C. R. F. – 21 anos).

Esses depoimentos sugerem que a principal motivação para os cursos é a

questão do enfrentamento ao desemprego. Portanto, observamos que tais cursos

representavam para eles, a partir de uma visão eminentemente imediatista, a

possibilidade de resolver o problema do desemprego, bem como de alcançar

melhores colocações no mercado de trabalho. Desta forma, as falas acima revelem

que, para eles, o conteúdo do curso não importava, o que interessava mesmo, era

fazer qualquer curso. De todos os entrevistados apenas, dois disseram não ter

interesse profissional ao participar do curso realizado16. Para eles, os cursos

interessavam no sentido de obter conhecimentos para uso pessoal.

É interessante relembrar aqui que, apesar dessa visão do curso como

possibilidade de inserção no mercado de trabalho, apenas 03 (três) entrevistados

exerciam ocupações remuneradas relacionadas aos cursos que participaram

porém, dentro do âmbito das relações das organizações capacitadoras.

Ainda com relação aos objetivos, verificamos que há uma certa

ambigüidade nos discursos desses jovens. Entre os que estão trabalhando na área,

há consenso em dizer que seus objetivos foram atingidos. Por outro lado,

observamos entre aqueles que não conseguiram uma colocação na área em que

foram capacitados, uma divergência de opiniões entre ter ou não ter atingido seus

15 Aqui, o entrevistado cita o nome de um dos funcionários da instituição que por razões éticas optamos por ocultá-lo.

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objetivos, com predominância do segundo. Para aqueles que afirmaram ter

atingido seus objetivos, o importante seria ter realizado um curso, pois “quanto

mais cursos, melhor”. Desta forma, aproximam-se daquela concepção dos

representantes das organizações capacitadoras que consideravam que a soma de

diversos cursos levariam à inserção no mercado de trabalho.

“Não, meus objetivos eram conseguir algo profissionalmente relacionado nesta área. (...) É difícil” (C. R. F. – não está trabalhando na área”). “Sim, estou trabalhando” (E. R. G. – está trabalhando na área). “Sim, ... Foi até mais um conhecimento para me ajudar em casa, com alguma coisa ...” (H. N. S – não está trabalhando na área).

Outro aspecto a ser considerado aqui, diz respeito à relação que os jovens

entrevistados estabelecem entre o curso do PCS que participaram e sua inserção

no mercado de trabalho. É interessante observar que os jovens que estão

trabalhando, mesmo em outras áreas, tendem a afirmar que o curso ajudou nas

suas relações interpessoais.

“Me ajudou a aprender a ficar em grupo assim, esse negócio de trabalhar em equipe. Isso me ajudou bastante. Mas esse negócio de prática não ajudou, não” (E. R. S. – 17 anos). “Eu acho que esse curso abriu.... eu peguei muita experiência nesse curso. O primeiro curso que eu fiz, eu tinha 14 anos. Esse curso abriu minha mente, criei mais responsabilidade, aprendi dar mais valor às coisas. Acho que me ajudou bastante no meu trabalho” (E. R. S. – 17 anos). “o aprendizado que eu aprendi e a vivência com o pessoal também, foi muito bom, isso se aprende dali” (C. R. F. - 21 anos).

Ressalta-se, nesse sentido, que os cursos viabilizariam novas relações

pessoais e experiências em grupo. As falas acima sugerem que, em nível de

preparação para o mercado de trabalho, um curso de curta duração, como é o caso

desses que vimos pesquisando, não apresenta resultados efetivos. Esse fato

também foi apontado nos depoimentos dos representantes das instituições

pesquisas, como vimos anteriormente. Em compensação, ressaltam, por outro

lado, como resultado mais imediato, aspectos ligados à elevação da auto-estima, 16 Por coincidência ou não, tratam-se das duas únicas representantes do sexo feminino entrevistadas.

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trabalho em grupo, entre outros. Neste sentido, tais cursos estariam direcionadas a

outros aspectos que não ao de geração de trabalho e renda, sendo este apenas uma

conseqüência daqueles. Isso nos faz retornar à discussão de Fernandez (2000), ao

afirmar que os aspectos relacionados à elevação da auto-estima, fortalecimento do

potencial crítico, etc., trabalhados nesses cursos, constituem-se numa “falácia da

liberdade” quando destituído de suas bases materiais que, como vimos, marcada

pela ampliação do desemprego e do trabalho precarizado.

Quanto a isso, perguntamos aos entrevistados, o que eles consideravam

necessário para conseguir uma colocação no mercado de trabalho, ou seja, para

ser tornarem “empregáveis”. Neste sentido, observamos que quase por

unanimidade, os entrevistados ressaltaram a importância da conclusão do ensino

médio, além da participação em cursos de capacitação profissional. Observe as

falas abaixo:

“(...) eu acho que a pessoa tem que ter um curso de informática, tem que procurar estudar muito, o máximo que puder, ser responsável e ter um objetivo” (C. B. M. – 24 anos). “Eu acho que uma boa formação escolar. Tentar arrumar um ... por exemplo, aquele curso muita coisa foi boa que me tirou um pouco a timidez. Me ajudou muito mentalmente, me ajudou bastante. Curso, essas “paradas”, se “pintar” cursos fazer, (...) várias experiências” (E. R. S. – 17 anos). “Ter um mínimo de instrução de ensino, você ter uma escolaridade, um 2º grau, pelo menos, procurar fazer uma faculdade ..., se comunicar bem com as pessoas. Isso prá mim é o básico, né? O resto vai vindo. Línguas estrangeiras, informática, isso aí vai vindo tudo depois dependendo do que você quer fazer” (A. P. S. – 22 anos). “Se o cara tiver uma capacitação que nem a que eu tive para o trabalho, eu acho que é uma boa” (J. P. R – 20 anos).

Observamos que a assimilação do discurso de competência e de

polivalência para a empregabilidade começa a fazer parte das representações dos

entrevistados. Para eles, alinhados a uma perspectiva liberal ou neoliberal, o

problema do emprego é resolvido através da capacitação individual constante.

Desta forma, a importância dada aos cursos como meio de viabilizar sua inserção

no mercado de trabalho, acaba por fazer com que esses jovens participem de

diversos cursos em diversas áreas que, na maioria dos casos, não corresponde aos

seus interesses. Assim, constatamos a participação dos jovens entrevistados em

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média de 3,2 cursos cada. Esses cursos eram distribuídos em diversas áreas de

capacitação (arquivista, artes plásticas, administração, informática, fotografia,

vendas, comunicação, entre outros).

Gráfico 1- Distribuição dos Entrevistados por Número de Cursos Realizados

FONTE: Pesquisa “Capacitação Solidária: uma análise crítica da perspectiva de empregabilidade e empreendedorismo”.

As informações acima revelam mais uma vez que, assim como pensam

alguns representantes das organizações capacitadoras, esses jovens consideram

que a possibilidade de inserção no mercado de trabalho aumenta na mesma

proporção em que aumenta a quantidade de cursos realizados. Porém, ao que

parece, a inserção desejada pelos entrevistados não diz respeito ao mercado

informal de trabalho. Neste sentido, com relação aos objetivos profissionais, estes

se voltam para o trabalho assalariado formal:

“Meus planos são esses: entrar aqui, na RURAL, trabalhar de carteira assinada. Tô querendo entrar aqui na RURAL, fazer ... quando abrir um concurso, quero fazer um concurso, tipo prá minha área, né? E ficar aqui na RURAL, com carteira assinada (...) eu quero ver um futuro melhor para a minha filha” (I. C. S – 21 anos) Eu tô procurando um emprego que me dê uma estabilidade, que eu não precise me preocupar assim muito com .... dinheiro, que é o que precisa assim. Tipo assim, eu tenho um trabalho onde ou posso trabalhar assim, sem eu me preocupar que no final do mês vai ter meu trabalho, tipo uma empresa respeitada. Trabalhar de carteira assinada. Eu nunca trabalhei, mas eu pretendo trabalhar assim, porque Nossa!! É muito chato trabalhar assim sem está certo, sem saber onde vai trabalhar, sem saber se vai ganhar dinheiro ou não, que não tem um compromisso sério contigo (J. P. R. – 20 anos).

4 6 %

3 6 %

1 8 %a t é 2 c u r s o s

3 - 4 c u r s o s5 - 6 c u r s o s

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Sem considerar a flexibilização nas relações de trabalho hoje, os jovens

pesquisados aspiram por sua inserção no mercado formal considerando-o mais

seguro. De uma forma geral, pudemos observar, por outro lado, um

desconhecimento ou um conhecimento muito superficial da legislação que rege as

relações trabalhistas. Observe as respostas obtidas quando perguntados sobre o

conhecimento dos direitos trabalhistas.

“Mais ou menos, não me aprofundei muitos nessas coisas não” (C. B. M. – 24 anos). “Profundamente, vou te confessar que não sei quase não. Eu sei que, chegando uma certa idade, vou ter minha aposentadoria” (F. A. P. – 23 anos). “Agora você me pegou, cara. De direito eu estou ‘por fora’, eu não me interesso ... sou muito desinteressado. Tenho que me interessar mais com esse negócio” (J. C. C. – 26 anos). “A pessoa de carteira assinada tem direito ao tempo de garantia, FGTS ... tem direito a ser demitido por justo causa se aprontar, se fizer algo que realmente (...) tem um monte de coisa” (C. R. F. – 21 anos).

Assim, os entrevistados manifestam uma “consciência ingênua” na

medida que consideram melhor a inserção no mercado formal de trabalho, mas

sem saber o porquê. Se, por um lado observamos que o desejo de trabalhar de

carteira assinada permanece no imaginário dos jovens entrevistados como uma

meta a ser perseguida, por outro observamos que estes jovens, de uma certa

maneira, começam a aderir pacificamente ao discurso instituído que defende e

estimula a inserção no mercado informal como empreendedor de seu próprio

trabalho. Os depoimentos a seguir representam, de certa forma, um resumo das

demais falas relacionadas às “vantagens” da inserção no mercado informal:

Eu acho que o bom profissional mesmo, nunca vai ficar desempregado, que ele vai buscando uma coisa nova, uma saída, ele vai estar sempre dando um jeito. E ... muitas vantagens assim como já citei para você, de ter a liberdade do meu tempo, meu horário, de fazer o meu tempo, meu horário, poder estudar (que é uma liberdade até que eu não tinha. Não tinha como encaixar). Eu ganhava muito dinheiro, mas não tinha como gastar, porque como que eu ia estudar? Então, acabava gastando em coisas supérfluas. Quer dizer, não estava me equilibrando muito. Então, é essa vantagem que eu vejo da gente ter a liberdade mesmo de tempo de você fazer as escolhas que você quer (A. P. S. – 22 anos). Eu acho que você tendo um trabalho informal, trabalhando por conta própria, você faz o seu horário, o dia que você não puder ir , você não vai, e você pode dar

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empregos a outras pessoas, eu acho. No trabalho formal, não: você tem horário prá pegar e muitos vezes não tem hora prá sair (...) E..., no trabalho informal, não. O dia ... eu faço meu horário, trabalho o dia que eu quero, o dia que eu não quero eu não trabalho. (com certeza eu vou trabalhar todos os dias, né?) mas eu acho que a vantagem é essa (C. B. M. – 24 anos). “... e carteira assinada é mais jogo ainda, porque todo o mês o patrão tá pagando o teu direitinho. Está no banco, entendeu. A única diferença é essa, entendeu? E de você trabalhar prá você não ..... faz o que quer, vai trabalhar na hora que quer, não vai trabalhar, fica em casa, vai prá praia e de carteira assinada você tem mais responsabilidade, entendeu?” (J. C. C. – 26 anos).

Observamos assim, que algumas das “vantagens” atribuídas ao trabalho

empreendedor começam a ganhar destaque nos discursos de muitos desses jovens.

Em apenas um dos entrevistados observamos um certo conteúdo crítico em sua

fala ao admitir que o apelo à inserção no mercado informal está relacionado à falta

de vagas no setor formal.

“Eu acho que o mercado informal, hoje em dia, é um recurso que muitas pessoas têm para sobreviver, mas o mercado formal é o mais adequado para quem tem família e pretende ter estabilidade” (E. F. G. – 23 anos).

Na visão desse entrevistado, a inserção em atividades informais faz parte

de uma imposição da realidade excludente do mercado formal de trabalho e não

uma escolha daquele que pode optar entre diversas alternativas.

Destacamos ainda que alguns dos entrevistados apontaram para um

aspecto que nos chamou a atenção no decorrer de nossa pesquisa: o “trabalho

assalariado informal”, (entendido aqui como aquele trabalho remunerado

desenvolvido para proprietários de pequenos negócios informais) que se constitui

de relações de trabalho também não formais. Ocorre aqui o aprofundamento das

relações de trabalho precarizadas, onde o patrão paga o que quer e quando quer.

Observemos os argumentos a seguir:

Depende do patrão, porque às vezes ... no caso, esse que eu trabalho para ele agora, eu ganho 220,00, mas às vezes eu ganho 320,00, porque eu falo: ‘Pô tô precisando disso ou aquilo que eu quero comprar’. O preço da geladeira, faltava tanto, ele vai e me dá, entendeu? E depois, não tem nenhum desconto. Vai depender do patrão. Eu acho que se você encontrar um cara legal, que te ajuda bastante ... ele que me dá uma força. Agora eu fiz vestibular de “sacanagem`, ele falou: Pô, vai lá prá ver como é que você se sai (I. C. S – 21 anos).

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“No caso, se eu fosse trabalhar informal eu teria que trabalhar para mim mesmo. Se eu for trabalhar para outra pessoa, eu não vou acreditar, confiar naquela pessoa. De repente, eu vou trabalhar o mês inteiro e essa pessoa não vai ‘chegar junto’, não vai pagar o que eu mereço, pode me ‘enrolar’, pode me dá uma ‘volta’” (J. P. R. – 20 anos).

Podemos observar que esse tipo de inserção é permeada por relações nas

quais predominam atitudes paternalista, assistencialista e de favores entre patrões

e empregados, o que aumenta ainda mais o grau de precarização do trabalho.

Ainda com relação às atividades informais/empreendedoras, mais uma vez nos

deparamos com questões relacionadas à dificuldade desses jovens conseguirem se

estabilizar, conquistarem credibilidade em atividades auto-geridas, devido à falta

de experiência, de recursos ou pela necessidade de um retorno financeiro mais

rápido o que os leva a busca de um trabalho assalariado. Observe os depoimentos

a seguir:

Eu e um colega meu ali, estávamos com um projeto do ..., assim que acabar o curso, de um viveirinho. Tá até montado lá, no Ciep onde foi o curso, entendeu? Tinha uns viveirinhos lá, nós produzíamos nossas mudas. Eles animaram muito mas, um entrou para a escola de música, outro foi trabalhar no Bob’s, outro fica em casa, sem fazer nada. Por isso a gente não consegue ter contato. A gente tava com esse projeto. Tava até animado com o viveiro lá que o pessoal do IDACO montou para gente, no curso. Vamos dar continuidade, plantamos mudas, só que acabou. Ficamos sem contato também, pouco contato (I. C. S – 21 anos). “... no curso, foi muito bom. Me ensinou também a usar as coisas que tem. Me ensinou bastante, aprendi muito, mas o ruim é que prá trabalhar nisso .... é que falta verba (...) Eu tinha a esperança de um dia trabalhar nesse ramo, mas sendo que não tinha capital para isso, aí acabei mudando totalmente a direção” (E. R. S. – 17 anos).

Diante da realidade na qual esses jovens estão inseridos, verificamos como

demonstramos no corpo deste trabalho, a quase impossibilidade de se conseguir

um financiamento no sentido de montar o seu próprio negócio e observamos

também, que suas realidades sócio-educacionais não lhes proporcionam

oportunidade de estarem entre aqueles considerados em condições de concorrer às

parcas vagas oferecidas no mercado formal de trabalho.

Perguntados sobre como se sentiam após terem participado de cursos de

capacitação, levando em consideração suas posições atuais no mercado de

trabalho, verificamos de uma forma geral, um certo descontentamento. Quando

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um ou outro dizia estar satisfeito com sua colocação no mercado de trabalho,

referia-se às atividades que exercia e não as relações de trabalho ali envolvidas.

“Todos os cursos que eu fiz, prá mim, praticamente foi em vão. Prá outra falar aqui assim: ‘pô o “cara” cansou de fazer curso tá desempregado e eu que nunca fiz curso tô trabalhando’. Aí, até de vez em quando assim quando penso ... é o tal negócio .... fico pensando aqui assim: Pô, fazer curso ... cansei de fazer curso. Tô aqui ainda. Não tô trabalhando. Pô, se curso fosse bom, eu não estaria aqui” (J. C. C. – 26 anos). “Estou satisfeito com meu trabalho hoje, só que eu acho que o salário que eu ganho... eu acho não, tenho certeza que é pouco prá se viver com a família ... meu filho vai crescer, vai precisar de coisas, e R$ 220,00 não dá para você viver tranqüilo, entendeu? Rindo à toa. Não dá. Prá quem tem família, não dá. Prá quem tem família não dá, não” (I. C. S – 21 ANOS). “Porque eu acho que o nosso trabalho que a gente trabalha muito, a verba é pouca. Não é que dinheiro seja tudo, mas ajuda” (E. R. S. – 17 anos). Eu participei de diversos cursos realmente, (entendeu?) e, assim, não ajudou muito realmente,(...) às vezes, assim, eu fiz um montão de curso e acabei não sendo .... de certa forma, quase não andei muito. O tempo passa. Prá que eu tenho informática? Prá que eu tenho telemarkting? Prá que tenho administração? Prá que é ... ter massoterapia? Prá que ter auxiliar de laboratório se vai trabalhar como office-boy, só precisa conhecer rua, somente? (...) Então, não ajudou muito (C.R.F –21 anos).

A culpabilização individual pela precária inserção no mercado de trabalho,

que como dissemos faz parte dos objetivos não declarados do PCS, ao que parece

vem sendo alcançada. Observamos que alguns jovens começaram a assumir a

culpa pela não inserção ou a inserção precária no mercado de trabalho, conforme

podemos verificar na fala abaixo.

“Eu culpo assim, um pouquinho, a mim mesmo, porque eu não tenho cursos. Eu tenho falta de cursos. Eu precisava fazer assim um curso de informática, um curso de inglês, alguma coisa, assim, para pesar no meu currículo. Porque, chegar com um currículo lá, só com 2º grau, não vai pesar em nada: todo mundo tem 2º grau. Agora, um curso especializado para você poder trabalhar, falta um pouco”(J. P. R. – participou de apenas 1 curso).

A esse mesmo jovem foi perguntado que se caso ele tivesse feito esses

cursos, ele acreditava que estaria empregado. Observe sua resposta:

“Acho que teria mais facilidade, que eu ia ter como correr atrás, ia pesar um pouco no currículo. Acho que eu teria mais capacidade de chegar e trabalhar” (J. P. R. – 20 anos).

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Page 40: 4 Empregabilidade e Empreendedorismo: noções difusas numa ... · Empregabilidade e Empreendedorismo: noções difusas numa relação confusa O presente capítulo corresponde aos

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De forma resumida, podemos dizer que os discursos de empregabilidade,

empreendedorismo, amplamente divulgados através do PCS, de uma certa forma

começam a fazer parte das falas dos adolescentes entrevistados, embora na

maioria dos casos não faça parte dos objetivos e/ou da realidade na qual eles estão

submetidos.

Essa percepção diversificada e contraditória de aceitação e rejeição do

trabalho empreendedor nos remete ao estudo de Martins (1996), inspirado na

dialética de Lefebvre, ao referir-se às representações sociais. Para ele, as

representações estão permeados por continuidade e rupturas. No caso específico

brasileiro, a continuidade parece estar relacionada ao período em que estimulava-

se e exaltava-se o trabalhador de carteira assinada, tendo como parâmetro o

modelo taylorista/fordista e a partir do suposto pleno emprego.

Porém, na atualidade, frente às transformações ocorridas no mundo do

trabalho, caracterizadas principalmente pela precarização das relações de trabalho

e pelo crescente número de desempregados, a população excluída do mercado

formal de trabalho vê-se diante da necessidade de criar novas formas de

sobrevivência. Tais iniciativas, como vimos, foram estimuladas sobremaneira pelo

governo federal, através de cursos de capacitação profissional que utilizavam

indiscriminadamente as noções de empregabilidade e empreendedorismo, sem

considerar as diferenciações exis tentes entre os trabalhadores.

Se, efetivamente, essas transformações atingiram inclusive àqueles

trabalhadores melhor qualificados, tais conseqüências se deram de forma muito

mais contundente naquelas camadas de baixa renda, de baixa escolaridade e

qualificação. Neste sentido, como indicam Machado da Silva e Chinelli (1997:

31) “é de se esperar que os efeitos das transformações em curso sejam muito

variados, tanto em termos das oportunidades materiais de vida, quanto das

avaliações subjetivas do significado dos câmbios e das possibilidades de controle

do contexto em que estão inseridos os diferentes grupos de trabalhadores”.

Considerando a população alvo de nossa pesquisa e seus depoimentos,

verificamos que a inserção no mercado informal/empreendedor de trabalho se dá

de forma contrária aos seus interesses e forçados pelas suas necessidades

concretas de subsistência. Porém, através de uma ampla articulação entre capital,

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Page 41: 4 Empregabilidade e Empreendedorismo: noções difusas numa ... · Empregabilidade e Empreendedorismo: noções difusas numa relação confusa O presente capítulo corresponde aos

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Estado, mídia e diversos outros aparelhos de hegemonia – na qual organizações da

sociedade civil começam a ser capturadas – as noções de empregabilidade e de

empreendedorismo começam a fazer parte dos discursos desses jovens, como se

fossem seus, mas ainda de forma confusa e dialética, numa relação de

continuidade e rupturas.

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