4. abordagem do paciente em coma

Upload: abilio-silva

Post on 20-Jul-2015

41 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

ABORDAGEM DO PACIENTE EM COMAO termo coma deriva da palavra grega koma, que significa sono profundo, e descreve uma situao clnica de inconscincia com extrema irresponsividade, durante a qual o paciente incapaz de reagir ao ambiente. O estado de coma o comprometimento mais grave da conscincia. A conscincia tem dois componentes principais: contedo e despertar. Eles tm substratos anatmicos diferentes, o contedo localizado difusamente no crtex cerebral e o despertar dependente dos neurnios da substncia reticular ativadora ascendente (SRAA), localizada no tronco cerebral. As leses corticais localizadas acarretam perda de uma ou algumas funes cerebrais, mas no levam ao coma. O comprometimento cortical bilateral ou difuso necessrio para a perda completa da conscincia. O maior papel da SRAA despertar e manter o crtex alerta e capaz de interpretar e reagir aos estmulos ambientais. Desta forma, um paciente pode perder a conscincia por dois mecanismos diferentes: comprometimento difuso do crtex cerebral ou leso da SRAA no tronco cerebral. O estado de coma situa-se num extremo das alteraes do nvel de conscincia. Dependendo do seu contedo e da capacidade de despertar, o nvel de conscincia pode ser classificado desde o estado acordado e alerta at o estado de coma, passando pelos estados de sonolncia, obnubilao e torpor (tabela 1).

CLASSIFICAO DO NVEL DE CONSCINCIA Alerta Sonolncia ou Letargia Obnubilao Torpor ou Estupor Coma Acordado e com resposta adequada s perguntas Sonolento, acorda ao chamado e responde s perguntas normalmente Sonolncia mais profunda, responde s perguntas com voz alta e/ou aps estmulo moderado (balanar) Sonolncia profunda, responde parcialmente somente a estmulo doloroso (abre olhos, emite grunhidos)

No abre os olhos nem emite sons verbais sob estmulo verbal ou doloroso Tabela 1. Classificao do nvel de conscincia As causas que podem levar um paciente ao coma podem ser classificadas como metablicas, supratentoriais e infratentoriais. As causas metablicas levam ao coma por causar uma disfuno ou injria neuronal cortical difusa (tabela 2). A maioria destas causas pode ser reversvel ou no dependendo da intensidade da disfuno ou da injria neurolgica acarretada. As causas supratentoriais e infratentoriais que causam coma so praticamente as mesmas. As leses infratentoriais causam coma por acarretarem distrbio direto no funcionamento dos neurnios da SRAA, seja por leso direta ou por compresso e isquemia. As leses supratentoriais s levam ao estado de coma se produzirem um comprometimento difuso dos dois hemisfrios cerebrais. Em geral, este comprometimento pelas leses supratentoriais decorre de 2 mecanismos: aumento da presso intracraniana e/ou herniao cerebral. O aumento da presso intracraniana pode causar uma diminuio crtica da presso de perfuso cerebral (ver captulo de hipertenso intracraniana) e isquemia

difusa. As sndromes de herniao cerebral geralmente cursam com aumento da presso intracraniana e podem contribuir para o coma por causar distoro, isquemia e hemorragia de extensos territrios enceflicos.

CAUSAS DE COMALESES ENCEFLICAS DIFUSAS (METABLICAS) Intoxicao exgena o sedativos, alcool, drogas de abuso, venenos Alteraes metablicas o glicemia, sdio, PaCO2 Insuficincias orgnicas o renal, heptica, tireide Isquemia cerebral difusa, hipoxemia Trauma cranienceflico Meningite, menigoencefalite Crise epilptica Hipotermia ou hipertermia Infartos cerebrais Hemorragias cerebrais Contuso cerebral, hematomas Tumores ou abscessos cerebrais Hidrocefalia Infartos de tronco ou cerebelo Hemorragias de tronco ou cerebelo Contuso, hematomas Tumores ou abscessos

LESES SUPRATENTORIAIS

LESES INFRATENTORIAIS

Tabela 2. Causas de coma Os neurnios corticais so muito sensveis a uma grande variedade de alteraes metablicas ou txicas, como, por exemplo, hipoxemia, hipercapnia, hiponatremia, hipernatremia, hipoglicemia, hipotermia, hipotenso arterial, drogas, etc., enquanto o tronco cerebral mais resistente a estes mesmos estmulos. Portanto, causas metablicas tendem a comprometer muito mais precocemente o crtex cerebral que o tronco enceflico. O Exame do Paciente em Coma O coma uma condio clnica freqentemente encontrada na prtica clnica e somente algumas vezes sua causa evidente. Entretanto, muitas vezes a etiologia no conhecida, mas um exame neurolgico sistematizado pode levar ao diagnstico correto. a) Exame geral: o exame inicial do paciente em coma obrigatoriamente comea com a avaliao das condies respiratrias e hemodinmicas gerais. Antes de prosseguir no exame neurolgico, o paciente em coma deve estar ventilando, oxigenando e perfundindo adequadamente. Da mesma forma, medidas para garantir uma via area patente, com boa ventilao e oxigenao e perfuso sistmica adequada devem estar sendo tomadas concomitante ou prioritariamente ao exame neurolgico. O exame neurolgico do paciente em coma deve ser realizado na seguinte seqncia: nvel de conscincia (aplicao da escala de Glasgow), padro da respirao, tamanho e reatividade da pupila, movimento dos olhos e resposta motora.

b) Respirao: vrios padres anormais da respirao so conhecidos. A respirao peridica ou Cheyne-Stokes caracterizada por perodos de aumento na freqncia e na profundidade da respirao, intercalados com perodos de respirao mais lenta e superficial at sua parada completa (apnia), a qual dura de poucos at trinta segundos. Disfunes cerebrais difusas metablicas ou leses cerebrais supratentoriais so as causas mais freqentes. Na hiperventilao neurognica central a respirao rpida, profunda e regular. Este padro geralmente identifica leses mesenceflicas ou pontinas altas. A respirao apnustica caracterizada por uma fase inspiratria lenta seguida de uma fase expiratria rpida e aparece nas leses da ponte. E a respirao atxica completamente irregular com perodos de respirao normal ou hiperventilao, intercalados por perodos de apnia. c) Pupilas: uma resposta pupilar normal luz indica que o nervo ptico e as vias simpticas e parassimpticas que governam a atividade pupilar esto intactas. Em geral, as condies metablicas no alteram a funo pupilar at estgios muito avanados. Algumas excees so pupilas puntiformes e reativas nas intoxicaes opiides e pupilas dilatadas e fixas nas intoxicaes anticolinrgicas (p.ex. atropina). Uma leso do III par (n. culo-motor) acarreta dilatao pupilar no reativa luz. Este um sinal importante nas leses supratentoriais porque indica uma provvel hrnia temporal com compresso do III par ipsilateral. As leses mesenceflicas podem apresentar pupilas na posio mdia e no reativas luz. As leses pontinas bilaterais acarretam pupilas puntiformes. d) Movimento dos olhos: o movimento dos olhos pode ser observado com a rotao rpida da cabea para um lado e para o outro, e o movimento da cabea para cima e para baixo. No paciente comatoso os olhos devem se mover para o lado oposto ao do movimento da cabea (reflexo culo-ceflico). Quando a cabea mantida na posio neutra, os olhos devem rapidamente retornar posio de repouso. Desvios conjugados dos olhos ocorrem por leses do SNC. Nas leses destrutivas hemisfricas os olhos so desviados para o lado da leso (contrrio hemiplegia). Leses hemisfricas irritativas desviam os olhos para o hemisfrio cerebral sadio. As leses destrutivas do tronco cerebral podem desviar os olhos para o lado contrrio da leso e para o lado da hemiparesia. Desvio conjugado para baixo e persistente pode aparecer nas leses mesenceflicas. Durante o teste do reflexo culo-ceflico, uma falha na abduo de um olho indicativa de leso no n. abducente do mesmo lado e uma falha na aduo sugere o envolvimento do fascculo longitudinal medial tambm do mesmo lado. Informaes adicionais a respeito do movimento dos olhos podem ser obtidas com o teste calrico. Nos pacientes inconscientes, o estmulo com gua gelada seguido pelo desvio tnico dos olhos para o lado irrigado, desde que a funo do tronco cerebral esteja ntegra (reflexo culo-vestibular). O reflexo culo-vestibular pesquisado injetando 5 a 10 ml de gua gelada no canal auditivo externo (o qual deve estar desobstrudo) com o paciente na posio supina e a cabea fletida a 30o. e) Resposta motora: a resposta motora deve ser estimulada com dor no paciente em coma (belisco na regio cervical, roar das articulaes interfalangeanas no osso esterno ou estmulo doloroso nos membros). Toda a resposta motora pode estar inibida no coma profundo. Nos comas mais superficiais, qualquer resposta deve ser observada e anotada. Se um lado do corpo no se move ou se move nitidamente menos, uma hemiparesia diagnosticada. Uma flexo dos membros superiores acompanhada de extenso dos membros inferiores caracterstica da atitude de

decorticao e indicativa de leses no nvel mesenceflico. E uma resposta com extenso dos membros superiores e inferiores caracterstica da atitude de descerebrao e um sinal de leses pontinas. Tratamento do Paciente em Coma Desde que a causa do coma pode rapidamente levar leso cerebral grave e irreversvel (p.ex. hipoglicemia, hipertenso intracraniana, herniao cerebral, meningite, etc.), as abordagens diagnsticas e teraputicas iniciais devem ser realizadas concomitantemente! O primeiro passo na abordagem de um paciente em coma assegurar as funes vitais com o ABC de qualquer emergncia mdica, assegurando uma via area aberta, uma ventilao e oxigenao adequadas e uma boa circulao do sangue com perfuso cerebral e sistmica otimizadas. Em todo paciente em coma, uma possvel leso cervical deve ser sempre presumida e uma proteo da coluna cervical deve ser instituda rotineiramente em todos os pacientes e somente retirada aps certeza do seu no comprometimento. A abertura e proteo das vias areas nos pacientes em coma geralmente exigem uma intubao orotraqueal. Aspirao brnquica um problema comum nestes pacientes e uma razo para a proteo das vias areas. Alm disso, estes pacientes devem ter um controle da PaCO 2, j que hipercapnia causa vasodilatao cerebral e pode aumentar perigosamente a PIC e a hipocapnia causa vasoconstrio, podendo acarretar isquemia cerebral global ou em reas susceptveis. Rapidamente deve-se iniciar tambm o controle do sistema circulatrio e a manuteno de uma PAM mnima ao redor de 80 mmHg (PPC maior que 60 mmHg aps conhecimento da PIC). Um acesso venoso calibroso deve ser institudo e uma amostra de sangue para exames de rotina deve ser prontamente colhida. Hipotenso arterial deve ser prontamente tratada com fludos e vasopressores. Hipertenso arterial deve ser cuidadosamente avaliada. Pacientes com hipertenso intracraniana frequentemente tm hipertenso arterial reflexa para manuteno da presso de perfuso cerebral, e uma diminuio rpida desta hipertenso pode acarretar isquemia e piora da leso cerebral. Hipoglicemia deve ser uma preocupao constante no incio da abordagem de qualquer paciente em coma. Se uma glicemia capilar no puder ser imediatamente obtida (e hipoglicemia afastada), o paciente deve receber um bolus de 25 a 50 g de glicose IV com 100 mg de tiamina (para profilaxia da encefalopatia de Wernicke), aps a coleta de sangue para o laboratrio. Os exames iniciais propostos para pacientes em coma sem uma causa definida so: hemograma, glicemia, uria e creatinina, eletrlitos e gasometria arterial. Posteriormente, e somente quando houver suspeita clnica, avaliao da funo heptica e da tireide, coleta de culturas, exame do lqor, coagulograma, exames toxicolgicos, etc. devem ser solicitados na dependncia de cada caso. A avaliao clnica, aps a instituio do ABC e da estabilizao das funes vitais do paciente, deve incluir a histria clnica, o exame fsico geral e o exame neurolgico. Na histria clnica devem-se ressaltar dados sobre trauma, epilepsia anterior, medicaes, drogas e lcool em uso e diabetes mellitus, entre outros. Tambm til conhecer sintomas e sinais imediatamente antes do coma (paresia, cefalia, febre, etc.) e o modo de instalao da perda de conscincia. Uma instalao sbita sugere

etiologia vascular ou epilepsia, enquanto uma instalao aguda ou insidiosa sugere uma causa metablica ou infecciosa. O exame fsico geral deve focar nas alteraes vitais e na procura de sinais clnicos de doena sistmica (doena heptica ou endcrina, infeco, trauma, etc.). E o exame neurolgico deve enfatizar os elementos j descritos: nvel de conscincia atravs da escala de Glasgow, padro respiratrio, exame das pupilas, reflexos de tronco e a resposta motora dor. Embora estes 5 elementos sejam fundamentais para a anlise inicial da causa do coma, vrios outros elementos do exame neurolgico tambm so importantes, como a avaliao dos reflexos e a busca de sinais meningoradiculares (ver exame neurolgico nos apndices). A avaliao clnica auxilia a caracterizao de um padro de etiologia do estado de coma. A apresentao das leses supratentoriais, infratentoriais e enceflicas difusas tm prottipos clnicos diferentes e esto descritos na tabela 3. PADRES ETIOLGICOS (tabela 3) LESO SUPRATENTORIAL Hemiplegia contralateral, desvio ocular para a leso cerebral Respirao normal ou Cheyne-Stokes Pupilas normais ou hrnia uncal e deteriorao rostro-caudal Outros reflexos de tronco normais Hemiplegia ipsilateral ou tetraparesia Hiperpnia ou respirao irregular Alteraes pupilares e reflexos de tronco alterados Sem sinais de localizao Reflexos de tronco ntegros

LESO INFRATENTORIAL

LESO ENCEFLICA DIFUSA (METABLICA) Tabela 3. Padres etiolgicos no exame do paciente em coma.

Aps esta avaliao clnica inicial, segue-se uma avaliao clnica seqencial. Tanto para complementar a avaliao inicial, como pelo fato do paciente em coma ser bastante dinmico, fundamental revisar freqentemente a avaliao inicial e prosseguir na avaliao posterior. Assim, esta avaliao seqencial inclui repetir frequentemente a avaliao inicial (revisar o ABC e o exame clnico e neurolgico) e solicitar outros exames complementares. A reviso do ABC e dos exames clnico e neurolgico visa certificar-se de que a otimizao da ventilao, oxigenao e perfuso esto em curso e que o paciente no apresenta piora neurolgica (piora da conscincia aferida pelo Glasgow, alteraes pupilares, aparecimento de novos sinais motores, etc.). Todo paciente em coma deve, aps estabilizao do ABC, ser submetido a uma avaliao tomogrfica para confirmar ou afastar as suspeitas clnicas. Outros exames podero ser teis neste momento tambm, como coleta de lqor para avaliar suspeita de meningite e eletroencefalograma se houver suspeita de um estado de mal no-convulsivo. As alteraes metablicas, coagulopatias e disfunes orgnicas devem ser prontamente corrigidas ou tratadas. Herniaes A presena de uma sndrome de herniao num paciente em coma torna esta situao de extrema emergncia clnica. Poucos minutos podem ser suficientes para

deixar um paciente com uma herniao cerebral com seqela neurolgica grave ou lev-lo ao bito. Portanto, as sndromes de herniaes devem ser prontamente suspeitadas e reconhecidas clinicamente (tabela 4). HERNIAES Sinais inespecficos de PIC aumentada Cefalia Nusea e vmitos Bradicardia, hipertenso arterial e bradipnia Paralisia de pares cranianos, princ. do VI par Papiledema (tardiamente)

Hrnia de Uncus

Piora do nvel de conscincia Midrase ipsilateral leso Hemiplegia contralateral leso Piora do nvel de conscincia Respirao de Cheyne-Stokes seguida de hiperpnia Pupilas mdias e no reativas Postura de decorticao seguida de descerebrao

Hrnia Central

Piora do nvel de conscincia Tetraplegia flcida Irregularidade respiratria ou apnia Tabela 4. Sndromes das herniaes. To logo uma sndrome de herniao cerebral seja reconhecida, 3 condutas simultneas devem ser tomadas: 1. Providencie uma consulta neurocirrgica imediatamente. Geralmente, uma herniao decorre de uma leso intracraniana com efeito de massa e uma neurocirurgia descompressiva o tratamento definitivo; 2. Solicite e realize uma tomografia de crnio (TC) o mais rpido possvel. a TC que confirmar a leso, que dever ser tratada cirurgicamente. Se isto se confirmar, Imediatamente aps a TC o paciente dever ir para o centro cirrgico. Lembre-se que o paciente deve receber o ABC inicial antes de ser transferido para a TC. 3. Inicie um tratamento de emergncia para controlar a hipertenso intracraniana: administre manitol 0,5 a 2,0 g/Kg em bolus e/ou instale uma hiperventilao otimizada para diminuir a PaCO2 para 25-30 mmHg. Os pacientes com herniao desenvolvem leso neurolgica secundria rapidamente e devem ter a PIC diminuda, mesmo sem que esta esteja sendo aferida acuradamente. Se tumor ou abscesso intracraniano for a provvel etiologia da leso primria, est indicado administrar dexametasona na dose de 10 mg IV e manter 4 mg IV de 4/4 h. Referncias: Henry GL et al. Altered States of Consciusness and Coma. In: Henry GL et al. Neurologic Emergencies, 2nd ed. McGraw-Hill, 2003, p. 49-78 Plum F and Posner JB. The Diagnosis of Stupor and Coma, 3rd ed. Philadelphia, FA Davis, 1982.

Hrnia de Amgdalas