artigo coma neuro

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ABORDAGEM DO PACIENTE COMATOSO O coma e outros estados de deficiência da consciência representam um desarranjo grave na função cerebral de origem estrutural ou não estrutural (tóxico-metabólica, farmacológico, apreensões). Os processos subjacentes que conduzem ao coma podem ser tanto nocivos a vida quanto potencialmente reversíveis com a instituição oportuna da terapia médica ou cirúrgica. Médicos na emergência e na terapia intensiva têm um papel central no diagnóstico e tratamento de pacientes comatosos, princípios que são descritos nesta revisão. Transtornos da Consciência Do ponto de vista clínico, a consciência pode ser esquematizada como produto de duas funções cerebrais intimamente relacionadas: a vigília (ou seja, a excitação, vigilância, estado de alerta), e a consciência de si ou do ambiente, muitas vezes referida como o "conteúdo" da consciência. O conteúdo da consciência engloba, por sua vez, várias funções cerebrais sobrepostas, incluindo a atenção, sensação e percepção, a memória explícita, função executiva e a motivação. O relacionamento entre a vigília e a consciência é hierárquico: a consciência não pode ocorrer sem a vigília, mas a vigília pode ser observada na ausência de consciência (por exemplo, o estado vegetativo; discutido posteriormente). Embora muitos aspectos da consciência permaneçam inexplicados, seus fundamentos neuroanatômicos têm sido estudados extensivamente. A vigília é ligada ao sistema ativador reticular ascedente (SARA) por uma rede de neurônios originários do tegumento da ponte e mesencéfalo que projeta-se ao diencéfalo e estruturas corticais. A consciência é dependente da integridade do córtex cerebral e suas conexões subcorticais. A análise bioquímica do SARA revela vias colinérgicas e glutamatérgicas (origem protomesencefálica), adrenérgico (lócus ceruleus), serotoninérgicas e dopaminérgicas (tronco cerebral), e histaminérgicas (hipotálamo). Muitos destes neurônios convergem para o tálamo, que depois envia projeções ao córtex cerebral. Neurônios adicionais do EAR projetam-se diretamente ao córtex cerebral ou a outras estruturas diencefálicas, tais como o

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ABORDAGEM DO PACIENTE COMATOSOO coma e outros estados de deficiência da consciência representam um desarranjo grave na função cerebral de origem estrutural ou não estrutural (tóxico-metabólica, farmacológico, apreensões). Os processos subjacentes que conduzem ao coma podem ser tanto nocivos a vida quanto potencialmente reversíveis com a instituição oportuna da terapia médica ou cirúrgica. Médicos na emergência e na terapia intensiva têm um papel central no diagnóstico e tratamento de pacientes comatosos, princípios que são descritos nesta revisão.

Transtornos da Consciência

Do ponto de vista clínico, a consciência pode ser esquematizada como produto de duas funções cerebrais intimamente relacionadas: a vigília (ou seja, a excitação, vigilância, estado de alerta), e a consciência de si ou do ambiente, muitas vezes referida como o "conteúdo" da consciência. O conteúdo da consciência engloba, por sua vez, várias funções cerebrais sobrepostas, incluindo a atenção, sensação e percepção, a memória explícita, função executiva e a motivação. O relacionamento entre a vigília e a consciência é hierárquico: a consciência não pode ocorrer sem a vigília, mas a vigília pode ser observada na ausência de consciência (por exemplo, o estado vegetativo; discutido posteriormente).

Embora muitos aspectos da consciência permaneçam inexplicados, seus fundamentos neuroanatômicos têm sido estudados extensivamente. A vigília é ligada ao sistema ativador reticular ascedente (SARA) por uma rede de neurônios originários do tegumento da ponte e mesencéfalo que projeta-se ao diencéfalo e estruturas corticais. A consciência é dependente da integridade do córtex cerebral e suas conexões subcorticais. A análise bioquímica do SARA revela vias colinérgicas e glutamatérgicas (origem protomesencefálica), adrenérgico (lócus ceruleus), serotoninérgicas e dopaminérgicas (tronco cerebral), e histaminérgicas (hipotálamo). Muitos destes neurônios convergem para o tálamo, que depois envia projeções ao córtex cerebral. Neurônios adicionais do EAR projetam-se diretamente ao córtex cerebral ou a outras estruturas diencefálicas, tais como o hipotálamo. As alterações patológicas na consciência (Tabela 1) implicam uma alteração significativa a consciência de si e do meio ambiente, com graus variáveis de vigília.

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Termos descritivos, tais como sonolência, estupor, obnubilação e letargia são utilizados para designar os diferentes níveis de vigília e devem ser evitados, pois abrem um leque de opções a designação desses estados na literatura, sendo preferíveis medidas objetivas, tais como a Escala de Coma de Glasgow (Tabela 2).

MORTE CEREBRAL – Transtornos da consciência devem ser diferenciados da morte encefálica, que é a perda irreversível de toda a função do cérebro e tronco encefálico, diagnosticada

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clinicamente através da ausência de consciência, falta de resposta motora para estímulos nocivos e pelo desaparecimento de reflexos do tronco cerebral e unidade respiratória. Antes desta determinação, causas farmacológicas, fisiológicas e metabólicas de coma devem ser excluídas.

COMA – O coma é caracterizado pela total ausência de excitação e de consciência. Ao contrário dos estados de inconsciência transitória, tais como síncope ou concussão, o coma deve durar no mínimo 1 hora. Pacientes comatosos não são capazes de abrir os olhos e nem falam ou movimentam-se espontaneamente. Eles não seguem comandos e quando provocados por um estímulo nocivo seus olhos permanecem fechados, a sua vocalização é limitada ou ausente e a motricidade está ausente ou anormal e reflexiva, em vez de responsiva ou defensiva. Ciclos de sono-vigília são ausentes. O coma é tipicamente um estado de transição que pode evoluir em direção à recuperação da consciência, para o estado vegetativo, para o estado minimamente consciente ou para a morte cerebral (Figura 1). Está associado a lesão ou perturbação funcional de estruturas corticais bilaterais ou do SARA. Lesões envolvendo o SARA freqüentemente coexistem com achados óculomotores e padrões respiratórios patológicos.

ESTADO VEGETATIVO - O estado vegetativo (VS) é notável por mecanismos de excitação preservados em associação a completa falta de auto ou aloconsciência. Pacientes em VS conseguem abrir os olhos espontaneamente, no entanto, não há nenhuma evidência de busca visual sustentada (tracking) ou fixação visual. Eles não seguem comandos e não se movem espontanemante. Evoluem através de ciclos temporais de aumento e diminuição da excitação cerebral, semelhante a um ciclo "vigília-sono" padrão. Os centros cardiovascular, respiratório e os nervos cranianos estão geralmente intactos. Enquanto pacientes que se encontram em VS parcial ou em estado de perda completa da consciência podem recuperar a consciência de

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maneira completa, outros permanecem sem mudanças significativas em seu estado neurológico por períodos prolongados, originando o termo "Estado vegetativo persistente "(PVS). O Multi-Society Task Force, em um consenso interdisciplinar, definiu o PVS como um estado vegetativo que persiste por no mínimo 1 mês após uma lesão aguda traumática ou não traumática. Houve um debate em relação ao significado da presente designação e um grupo de especialistas sugeriu que o termo PVS fosse abandonado. O VS é causado por dano cerebral bilateral que poupa o tronco cerebral, mais comumente causado pelo trauma e a encefalopatia hipóxico-isquêmica agudos.

ESTADO DE CONSCIÊNCIA MÍNIMA – O estado minimamente consciente (MCS) descreve um subgrupo de pacientes que não cumprem os critérios para coma ou VS. Os pacientes em MCS têm uma alteração grave na consciência, mas demonstram ciclos intermitentes de vigília e excitação ambiental, tais como a obediência a comandos, a capacidade para sinalizar sim / não (independentemente de precisão), discurso inteligível ou comportamento propositado. A evolução do MCS para estados mais conscientes é sinalizada pela capacidade de se comunicar de forma confiável ou usar objetos funcionalmente. Apesar da limitação de dados, crê-se que o MCS representa uma maior probabilidade de recuperação em comparação com o VS. Como no VS, lesão ou disfunção associadas ao MCS envolvem os hemisférios cerebrais, possivelmente com maior preservação do conjunto de fibras corticocorticais e corticotalamicas.

MUTISMO ACINÉTICO - Mutismo acinético (AM) é um estado de vigília com evidência objetiva de consciência limitada. Os pacientes com essa condição geralmente parecem incapazes de se mover ou falar e têm períodos cíclicos de aumento da excitação, como indicado pela abertura dos olhos. Alguns autores descrevem os elementos de busca visual e um olhar atento insatisfeito como uma "Promessa de expressão". Contrariamente ao MCS, não existe qualquer resposta motora para estímulos verbais, táteis ou nocivos. Diferente dos pacientes no VS, os pacientes com AM não têm espasticidade ou reflexos anormais, sugerindo relativa preservação do trato corticoespinhal. O AM tem sido associado com a lesão ou disfunção medial e bilateral do lobo frontal (por exemplo, giro do cíngulo), levando a uma deficiência profunda na motivação e uma incapacidade de planejar e iniciar a atividade (disfunção executiva).

DELIRIUM - Delirium é sinônimo de um estado de confusão aguda associado à encefalopatia aguda. Seu desenvolvimento é caracterizado por uma deterioração aguda e progressiva da atenção, associada a alterações no nível de consciência e pensamento desorganizado de curso flutuante. As características adicionais incluem distúrbios de percepção, alteração do ciclo sono-vigília, atividade psicomotora aumentada ou diminuída e diminuição da memória. O Delirium é extremamente comum em pacientes hospitalizados, particularmente na unidade de terapia intensiva. Isto pode preceder ou pode evoluir a partir de outras desordens da consciência, ou seja, coma (Fig. 1). O Delirium deve ser distinguido da demência; embora ambos sejam caracterizados pela perda de memória, os doentes com demência isolada são mais comumente alertas e não têm o início agudo e flutuante na alteração do nível de consciência, que é característico do deliruim. Este é freqüentemente visto em desarranjos tóxicos, metabólicos ou endócrinos agudos, mas também pode resultar de lesão focal, geralmente no lobo frontal ou parietal direito. Nonconvulsive seizure activity and the postictal state may also mimic delirium.

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SÍNDROME DO ENCARCERAMENTO - A síndrome do encarceramento (LIS) consiste em quadriplegia e anartria com preservação da consciência e excitação. Não há um distúrbio da consciência per se, mas pode ser clinicamente confundido em razão da limitação da capacidade de expressão destes pacientes. Está associada à lesão aguda na ponte ventral, logo abaixo do nível do núcleo do terceiro nervo, assim, classicamente poupa os movimentos oculares verticais e não interfere na porção mais dorsal do SARA. Lesões rostrais podem induzir uma LIS "total", em que mesmo a movimentação ocular e palpebral estão perdidas, proibindo a comunicação. As etiologias mais comuns são o infarto, hemorragia e trauma pontinos. Um estado semelhante pode ocorrer em pacientes com síndrome grave de Guillain- Barré, botulismo e nos portadores de crítica doença neuropática que recebem bloqueadores neuromusculares sem sedação adequada.

OUTROS ESTADOS DE CONSCIÊNCIA PREJUDICADA - Vários outros estados envolvem ou sugerem uma perturbação global na consciência. Hipersonia ou sonolência diurna excessiva é um distúrbio do sono em que os ciclos de sono-vigília estão preservados, na maioria das vezes vista quando há privação do sono, problemas respiratórios relacionados ao sono, narcolepsia, toxicidade de drogas, encefalopatia metabólica ou danos para o SARA. Quando examinados, pacientes com hipersonia geralmente têm um exame neurológico normal. A Catatonia é uma complicação de doenças psiquiátricas tais como depressão, a doença bipolar, ou a esquizofrenia, em que os pacientes têm os olhos abertos, mas não falam ou movimentam-se espontaneamente e não seguem comandos, apresentando um exame neurológico normal e um eletroencefalograma de baixa atividade, mas não atividade lenta. Anestesia geral e o coma induzido por Barbitúricos são estados de diminuição da excitação e consciência induzidas farmacologicamente, associados à resposta mínima ou ausente a estímulos cirúrgicos e proeminente disfunção do tronco cerebral e depressão respiratória. Crises convulsivas generalizadas ou parciais complexas também podem originar alterações da consciência.

Etiologia e patogênese

As causas comuns de coma são TCE, encefalopatia hipóxico-isquêmica, overdose de drogas, AVC isquêmico, hemorragia intracraniana, infecções do SNC e tumores cerebrais. Do ponto de vista fisiopatológico, o coma pode ser visto como a expressão de insultos primários no córtex cerebral, diencéfalo, mesencéfalo ou estruturais rostrais ou como manifestação cerebral secundária a pertubações tóxicas, metabólicas ou endócrinas.

Para afetarem a consciência, as lesões do córtex cerebral devem envolver ambos os hemisférios ou, se forem lesões unilaterais, devem ser grandes o suficiente para deslocar estruturas da linha média. Lesões do tronco encefálico ou diencefálo resultando em coma podem ser relativamente pequenas, mas devem envolver ambos os hemisférios. Desvios compartimentais de magnitude suficiente irão perturbar a integridade estrutural ou funcional das fibras reticulotalâmicas ou talamocorticais contralaterais, prejudicando o ARAS (sistema ativador reticular ascendente) e suas projeções. Desvios também podem causar herniação central ou tentorial com compressão do mesencéfalo, comprometendo elementos mais proximais do ARAS.

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A fisiopatologia do coma tóxico e metabólico é especifica para a causa subjacente e em muitos casos não é completamente compreendida. Essas condições têm sido associados a uma interrupção no fornecimento ou utilização de oxigênio ou substrato (hipóxia, isquemia, hipoglicemia, monóxido de carbono), alterações na excitabilidade neuronal e sinalização (convulsões, acidose, toxicidade por drogas), ou mudanças no volume cerebral (hipernatremia, hiponatremia). O grau de perturbação neurológica está relacionado com o tempo de evolução da patologia cerebral subjacente. Assim, uma hemorragia de hemisfério ou de tronco cerebral aguda com efeito de massa será associada à depressão do nível de consciência, enquanto um tumor cerebral, de localização e volume idêntico, de desenvolvimento lento pode ser assintomático. A mesma situação é observada em alterações metabólicas, como hiponatremia aguda versus progressiva.

Abordagem do paciente comatoso

Distúrbios de consciência como o coma são potencialmente fatais e exigem uma abordagem rápida e estruturada. Uma sequência básica de passos é determinada, incluindo a estabilização de funções fisiológicas vitais, realização de um exame neurológico, estes de diagnóstico, e, quando disponíveis, a instituição do tratamento especifico.

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*Estabilização inicial: como em qualquer emergência médica ou cirúrgica, os passos iniciais devem ser direcionadas para assegurar a manutenção das vias aéreas, respiração e função circulatória. Em pacientes que estão em coma devido TCE ou naqueles em que o trauma não pode ser descartado, o pescoço deve ser imobilizado até a instabilidade da coluna cervical ser descartada através de exame clínico e de imagem. Esforços devem ser feitos para identificar rapidamente as causas e corrigir alterações sistêmicas como hipertensão, hipotensão, hipoxemia, anemia, acidose, hiperglicemia, hipotermia e hipertermia.

*Perturbações sistêmicas: A relação de distúrbios neurológicos agudos com desarranjos na função circulatória e respiratória é complexa, e frequentemente não é possível determinar com precisão se o desarranjo sistêmico ocorreu secundário ao coma, era uma causa dele, ou foi independente dele. Hipertensão em pacientes comatosos sugere pressão intracraniana elevada, overdose de drogas (anfetaminas, cocaína) ou encefalopatia hipertensiva, mas mais frequentemente a hipertensão é uma resposta hiperadrenérgica inespecífica a um processo sistêmico ou intracraniano agudo. Hipotensão e choque no paciente comatoso geralmente refletem mecanismos não neurogênica de insuficiência circulatória, mas também podem ser consequência de um dano cerebral severo ("miocárdio atordoado neurogênico"). Insuficiência respiratória aguda em paciente comatoso pode ser secundária à obstrução das vias aéreas, aspiração pulmonar, lesão pulmonar aguda ou lesões que afetam os centros respiratórios pontino e medular. Insultos agudos do SNC têm sido associados a "edema pulmonar neurogênico," caracterizado por hipoxemia severa e exsudato alveolar proteico difuso. O coma também pode representar uma consequência de insuficiência respiratória ou hipoxemia, sugerindo um ciclo vicioso, em que disfunção respiratória e cerebral se reforçam mutuamente. A importância de tratar adequadamente distúrbios sistêmicos é enfatizada por estudos que demonstram que os resultados neurológicos são substancialmente piores em pacientes com TCE que desenvolveram hipotensão e/ou hipóxia. Observações semelhantes foram feitas em pacientes com AVC isquêmico.

*Avaliação neurológica: O objetivo do exame neurológico é reconhecer o tipo de transtorno de consciência e interferir na sua etiologia. Informações essenciais acerca da localização neuroanatômica podem ser obtidas por uma pesquisa relativamente rápida, que deve incluir o nível de consciência (vigília), exame dos pares cranianos, exame motor e padrão respiratório. Pistas adicionais podem ser procuradas no exame da cabeça e pescoço (por exemplo, meningismo), fundoscopia (por exemplo, hemorragia vítrea em uma hemorragia subaracnoide), e exame da pele (por exemplo, as púrpuras na meningite meningocócica). Um passo inicial importante é diferenciar pacientes com causas estruturais daqueles com causas metabólicas de coma. Causas estruturais são indicadas pela presença de déficts “lateralizados” e uma progressão craniocaudal da disfunção do tronco cerebral. A presença de movimentos involuntários (convulsões, mioclonias, asteríxis), principalmente se generalizados, sugere uma etiologia metabólica.

*Nível de consciência: Deve ser observada a posição espontânea do corpo, atividade motora, abertura dos olhos e verbalização do paciente. Movimentos intencionais (por exemplo, estender a mão para o tubo endotraqueal) e posturas de conforto (por exemplo, cruzar as pernas) são sinais de integração cortical. A resposta a estímulos de intensidade gradativa deve ser observada, começando com comandos verbais, progredindo para táteis e finalmente para

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provocação nociva. Estímulos nocivos não devem induzir trauma tecidual e devem possibilitar percepção consciente da dor; os locais preferidos são abaixo da unha e no nervo supra-orbital.

A Escala de Coma de Glasgow (ECG) (Tabela 2) foi concebida para pacientes com TCE, mas ganhou ampla aceitação como uma ferramenta de cabeceira para avaliar o nível de consciência em praticamente todos os pacientes com doença aguda. Ele tem boa confiabilidade interobservador e é um poderoso preditor de sobrevivência e sequelas neurológicas após TCE, coma não-traumático, AVC isquêmico, hemorragia subaracnóidea, hemorragia intracerebral e meningite. A ECG é também um preditor independente de sobrevivência na população criticamente doente em geral e foi incorporada a uma série de sistemas de pontuação para prognóstico na terapia intensiva que são amplamente utilizados. No entanto, a ECG tem várias limitações importantes. Alterações sutis na vigília e no tronco cerebral podem não ser percebidas pela ECG. A ECG completa não pode ser obtida em pacientes que estão em entubação endotraqueal, sedados, têm trauma craniofacial ou que possuem lesão do hemisfério dominante e afasia. Escores de médio porte podem resultar em diferentes combinações dos três componentes, produzindo escores totais equivalentes que não refletem o mesmo grau de inconsciência. Finalmente, as diferenças nas ECG mais elevadas se correlacionam mal com os achados de neuroimagem.

*Exame dos nervos cranianos: O exame dos olhos pode fornecer informações valiosas sobre o nível de doença do tronco cerebral causando coma, dada a proximidade de centros que regem o movimento dos olhos, a função pupilar e elementos da ARAS. Movimentos completamente normais da função pupilar e dos olhos sugerem que a lesão causando coma é rostral em relação ao mesencéfalo. Detecção de lesões do tronco cerebral também pode ajudar na determinação do prognóstico (discutido posteriormente).

Dilatação pupilar unilateral no paciente em coma é evidência de compressão do nervo oculomotor por herniação ipsilateral até que se prove o contrário. Esta apresentação também pode ocorrer em pacientes com ruptura de aneurisma. Midríase bilateral que não reage à luz são um sinal de extensa lesão no mesencéfalo, herniação central, intoxicação por medicamentos (antidepressivos tricíclicos, agentes anticolinérgicos, anfetaminas, carbamazepina) ou morte cerebral. Miose unilateral é sugestivo de síndrome de Horner devido desnervação simpática. Miose bilateral é visto em lesões no tegmento da ponte, overdose de opiáceos e toxicidade colinérgica (organofosforados e outros inibidores da colinesterase).

Anormalidades da posição e do movimentos dos olhos podem ser indicativas da lesão. Desvio lateral conjugado dos olhos é um sinal de uma lesão no hemisfério cerebral ipsilateral ou contralateral ou de lesão no centro pontino do olhar horizontal (formação reticular parapontina). Paralisia lateral do olhar pode indicar herniação central com compressão do sexto nervos bilateralmente. Desvio do olhar para baixo é sugestivo de lesão ou compressão envolvendo o tálamo ou região dorsal do mesencéfalo ou pode ocorrer por hidrocefalia obstrutiva aguda ou hemorragia talâmica da linha média. Olhar desviado para cima tem sido associado a danos hemisféricos bilaterais. Movimentos oculares espontâneos caracterizados por movimento rápido para baixo seguido de um retorno lento à posição média são indicativos de lesões pontinas. Movimentos oculares horizontais intermitentes rápidos sugerem atividade convulsiva.

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A integridade do tronco cerebral pode ser ainda verificada através de reflexos específicos (Tabela 4). Desaparecimento de reflexos do tronco cerebral também auxiliam na determinação do prognóstico (discutido posteriormente).

*Exame Motor: Os movimentos podem ser classificados como involuntários, voluntários ou reflexos. Movimentos involuntários incluem convulsões, mioclonias, ou tremor (por exemplo, encefalopatia tóxica-metabólica). Reflexos são respostas estereotipadas das extremidades à provocação em pacientes que não têm modulação hemisférica descendente da função motora. Movimentos voluntários (por exemplo, localização) implicam o processamento cortical de variáveis ambientais.

Postura extensora (descerebração) é caracterizada por uma postura de adução, extensão e pronação das extremidades superiores e extensão dos membros inferiores; é indicativo de lesão caudal do diencéfalo, mesencéfalo ou ponte. Postura em flexão (decorticação) se caracterixa por flexão e adução dos braços e pulsos e extensão dos membros inferiores; sugere lesão hemisférica ou talâmica, poupando as estruturas abaixo do diencéfalo.

*Padrão respiratório: O coma está associado a desordens no padrão respiratório, refletindo lesão do centro respiratório do tronco cerebral ou interferência na regulação desses centros. Insuficiência circulatória ou respiratória, distúrbios toxico-metabólicos, fármacos utilizados para sedação ou analgesia e ventilação mecânica também podem contribuir para a respiração anormal, limitando o valor de padrões respiratórios específicos. A respiração de Cheyne-Stokes denota um padrão cíclico de hiperpneia e apnéia alternadas. É vista em pacientes com lesão hemisférica ou diencefálica bilateral, mas também pode estar presente na insuficiência cardíaca congestiva, doença pulmonar obstrutiva crónica e apneia do sono. Hiperventilação tem sido associada a uma lesão no tegmento pontino ou mesencefálico; No entanto, também pode resultar de insuficiência respiratória, choque hemodinâmico, febre, sepse, desordem metabólica e doença psiquiátrica. Respiração apneica é caracterizada por uma pausa

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prolongada no final da inspiração e indica lesões da porção média e caudal da ponte. Respiração atáxica é irregular, tanto em relação a taxa e quanto a volume corrente e sugere dano medular.

*Testes de diagnóstico: Os pacientes em coma devem ser monitorados, incluindo oximetria de pulso, pressão arterial e eletrocardiograma e devem ser solicitados imediatamente glicemia, eletrólitos e gasometria arterial. Testes de rotina hepática, renal, tireoidiana, adrenal e toxicológico da urina também devem ser obtidos o quanto antes.

A tomografia computadorizada (TC) do cérebro é realizada em praticamente todos os pacientes com início agudo de coma inexplicado. A TC identificará prontamente hemorragia intracraniana, hidrocefalia, edema cerebral, deslocamento compartimental e pode sugerir AVC, abcesso ou tumor. Na maioria do casos de coma hipóxico-isquêmico ou tóxico-metabólico os achados à TC são discretos. Além disso, a utilidade da TC em pacientes que entram em estado de coma durante o curso de uma doença grave não é clara. Um estudo revelou que é improvável que a TC revele anormalidades em pacientes em UTI que não tiveram novos déficits neurológicos ou convulsões. Em cada caso, o benefício da TC em termos de informações adcionais deve ser cuidadosamente ponderado em relação aos riscos do transporte de um paciente criticamente doente fora da unidade de terapia intensiva.

A ressonância magnética (RM) deve ser realizada nos pacientes com coma inexplicado e TC normal ou com achados duvidosos. A RM é altamente sensível para AVC isquêmico agudo, hemorragia intracerebral, trombose de seio venoso cerebral, edema cerebral, tumor cerebral, processos inflamatórios e abscesso cerebral. A RM é mais sensível do que a TC na lesão axonal difusa, um padrão de dano observado em pacientes com TCE. Estudos realizados em pacientes comatosos com sepse ou após cirurgia cardíaca afirmaram que a RM pode ser altamente sensível para a detecção de lesões não suspeitadas pelo exame clínico ou TC.

A punção lombar e análise do líquido cerebrospinal deve ser considerada em pacientes em coma com suspeita de uma condição inflamatória ou infecciosa no SNC. No entanto, em pacientes criticamente doentes, mas imunologicamente competentes, que estão sendo tratados para febre e encefalopatia que não tenham sido submetidos a um procedimento neurológico recente, a sensibilidade diagnóstica deste exame é baixa. Pacientes com alterações na consciência devem ser submetidos a TC de crânio antes da punção lombar para identificar anormalidades intracranianas ocultas que podem levar à herniação cerebral após a remoção do liquor.

Eletroencefalograma (EEG) é frequentemente indicado em pacientes com coma inexplicado para identificar possível atividade convulsiva oculta ou status epiléptico não convulsivo. Estudos recentes indicam que o status epiléptico não convulsivo está presente em 8-19% dos pacientes que se submetem a EEG como parte da propedêutica para uma diminuição inexplicável no nível de consciência. A especificidade de EEG para o diagnóstico etiológico das causas não-epilépticas de coma é baixo; No entanto, certas anormalidades características já foram descritas. Em pacientes com coma de origem metabólica, um padrão genérico de diminuição difusa da freqüência e aumento da amplitude foi descrito, muitas vezes em associação com "ondas trifásicas". Alguns pacientes comatosos tem um EEG que superficialmente se assemelha ao padrão de um paciente acordado, o que é mais comumente

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visto em pacientes com danos extensos ou disfunção envolvendo o tronco ou córtex cerebral e geralmente acarreta mau prognóstico. Finalmente, encefalite herpética tem sido associada a alterações como ondas agudas periódicas ou descargas epilépticas. Embora a capacidade diagnóstica do EEG seja decepcionante, ele emergiu como uma ferramenta valiosa para determinação do prognóstico de pacientes comatosos (discutido posteriormente).

Prognóstico

Os resultados após coma incluem: morte, vários graus de incapacidade (deficiência física ou mental), distúrbios de consciência (disfagia, hemiparesia, ataxia, deficiênciaa psicologicas e de memória, estado neurovegetativo) e cognitivos, ou recuperação neurológica total. A previsão da evolução neurológica é uma preocupação central no acompanhamento e influencia na tomada de decisão sobre intesidade terapêutica e a reabitação.

O prognóstico baseia-se em:

1-Etiologia: têm melhor prognóstico causas não estruturais (principalmente tóxico-metabólicas) e, dentre as causas estruturais, os pacientes jovens e hígidos e pior prognóstico causas estruturais, não traumaticas com hipertensão intracraniana.

2-Sinais clínicos: têm pior prognóstico aqueles que permaneceram muito tempo em coma, com alteraçes motoras ou dano ao tronco encefálico (respostas motoras ausentes com 3 dias, reflexos pupilares e corneanos ausentes no 1 dia)

No TCE dados clíncos são menos precisos, sendo a eletrofisiologia importante (EEG, potenciais evocados somatossensoriais (PESS), potenciais motores transcranianos evocados, sendo que pacientes com PESS bilateral ausente apresentam elevada incidência de morte e hemorragia

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intracraniana. Ausência de pico V (gerado na ponte superior e no mesencéfalo)gerou óbito ou pacientes em estado vegetativo em 12/03 meses de seguimento.

3-EEG: limitado devido captação de ruídos ambientes, sedação e ineficácia para avaliar o tronco encefálico

4- Neuroimagem: é essencial para o diagnóstico e pode ter valor prognóstico, mas comparada a dados clínicos e eletrofisiológicos apresenta baixo valor preditivo. Apresentam pior prognóstico lesões no tronco cerebral, invasão das cisternas basais, lesão axonal difusa e AVC isquêmico (TC).

5- Dados bioquímicos: têm pior prognóstico pacientes que apresentam móleculas específicas do cérebro no sangue ou liquor: neurónio enolase específico (115-118), S100 beta (118), proteína ácida fibrilar glial (117, 119), e a isoforma BB de creatina quinase(120). Embora sensível para lesão cerebral, a especificidade e valor preditivo destes testes têm sido insuficientes quando comparados com variáveis clínicas e estudos como o PESS.

Conclusões

O objetivo do tratamento agudo de pacientes com coma é para maximizar a probabilidade de recuperação neurológica. Os passos da reanimação inicial devem ser como em qualquer outra emergência médica. As intervenções terapêuticas subsequentes dependem daetiologia, do exame clínic, de exames laboratoriais, de imagem e de dados na formulação de um diagnóstico presuntivo. A predição das consequências do coma pode ser baseada no exame clínico e em testes eletrofisiológicos.