30669-118938-1-pb_historia da educacao e etnia

Upload: paulo-roberto-siberino-racoski

Post on 29-Oct-2015

10 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • Histria da educao a partir da perspectiva de etnia.Reflexes introdutrias

    Este estudo pretende refletir sobre as condies de possibilidade e sobre as implicaes de urnaleitura da histria da educao a partir da perspectiva de etnia. Quer-se compreender os agenteseducacionais na sua diferena, enquanto indivduos que possuem urna historicidade. E a etnia umdos componentes desencadeadores desta historicidade que no pemte tratar genrica eabstratamente de alunos e professores.

    This study intends to present a reflection upon the possibilities and implications of reading of thehistory of education based on the ethnic perspective We want to understand the difference amongeducational agents, as individuals that have a historicity. By the way, the ethnic is one of lhestarting components of this historicity that doesn' t allow us to consider students and teachers in ageneric and abstract way

  • o tema identidadeletnia est tendo ateno especial em vrias reasdo conhecimento. Na educao, abrem-se tambm perspectivas paraincorporarmos compreenso do processo educacional novas dimenses,como as relacionadas com identidade e etnia. Percebe-se que h umagradativa abertura no sentido de que nossa histria educacional se efetivemais colada histria social e cultural, mais atenta a uma viso mais plurale onidimensional, no unidimensional. Isto significa ter mais ateno paraas relaes entre educao, cultura e sociedade e problematizar acompreenso dos processos educativos enquanto dinmicas histricas emque esto envolvidos espaos e tempos de sujeitos, enfim, prticas s6cio-culturais. Arroyo entende que isto significa

    "situar a escola na construo de um projeto poltico e culturalcosturado por um ideal democrtico comum e refletindo ao mesmotempo a complexa diversidade de identidades, grupos, etnias,gneros, diversidade demarcada no apenas por relaes de perda, deexcluso, de preconceito e discriminao, mas demarcada porprocessos ricos de afirmaes de identidades, valores, vivncias,cultura" (Arroyo, in Dayrell, 1996:7).

    Entendo que no processo educacional absolutamente necessrio tera compreenso da totalidade do educando, no apenas suas necessidadeseconmico-sociais, mas tambm o universo de suas representaes, para quese obtenha resposta efetiva dos alunos. O desconhecimento da forma comoos alunos representam a si e a realidade , sem dvida, um dos ingredientesfortes do fracasso escolar. O enftico discurso sob a tica sociolgica epoltica, denunciador das misrias e desequilbrios, ainda no nos levou acriar uma escola cidad, em escala maior. Pergunto: Isto no ter relaocom o fato de que o processo educacional, da forma como est sendoorganizado, ignora a forma como os diversos grupos se auto-representam emseus valores e caractersticas? Ser que o processo educacional incorporarepresentaes de identidade, de tal forma que os diversos agentes sociais seidentificam com a proposta e com ela se comprometem?

    No caso especfico do Rio Grande do Sul, podemos;, perguntar:sabemos como os diversos grupos tnicos que compem a formao social doRio Grande do Sul elaboram a representao de sua identid~de tnica?Reconhecemos suas especificidades histrico-culturais e damo-lhes espaono processo educacional? Ou, universalizamos e prescrevemos ascaractersticas de uma etnia para todos, como se o "todos" fosse identificvelcom uma noo abstrata, genrica e a-histrica de povo?

  • A expenencia histrica de representao de identidadeletnia,juntamente com a dimenso social e poltica, parece-me um componenteimportante para o planejamento educacional. E isto tem um significadoespecial para o Rio Grande do Sul, onde toda uma diversidade tnicaconcorre na formao econmico-social e cultural do estado.

    Dayrell (1996: 139) chama a ateno como para grande parte dosprofessores os alunos so alunos.

    " essa categoria que vai informar seu olhar e as relaes quemantm com os jovens, a compreenso das suas atitudes eexpectativas. Assim, independente do sexo, da idade, da origemsocial, das experincias vivenciadas, todos so consideradosigualmente alunos.( ...) A homogeneizao dos sujeitos como alunoscoresponde homogeneizao da instituio escolar, compreendidacomo universal".

    Concordamos com Arroio (1996:7) de que nossa herana a de umhistrico desencontro entre formao humana e processo concreto de nossahistria escolar, sendo que a concepo mercantil, utilitria e tecnicista,especialmente a partir da lei 5692171, um dos captulos deste desencontro.Porm, que aos poucos "os olhares dos educadores se alargam reencontrandoos vnculos perdidos entre educao e humanizao".

    Nosso entendimento vai na perspectiva apontada por Assis Carvalhode que a percepo da identidade tnico-cultural e o respeito mesma "crucial para a reconstruo da histria do grupo tnico e para a articulaode projetos plurais que viabilizam a presena ativa dos segmentos tnicos notecido mais amplo da nao". Parece-nos importante, neste sentido, a nfasedo mesmo autor no sentido de que preciso entender a identidade tnico-cultural sempre articulada identidade nacional, permitindo-se, ento, osurgimento de novas composies, de novas articulaes, "mesmoinsurgentes, porm, garantidoras de um tempo e de um espao tnicos maisafinados com o desenvolvimento histrico"(Assis Carvalho, 1985 p. 15).

    Pretendemos, na seqncia, refletir sobre as condies depossibilidade e sobre as implicaes de uma leitura da histria da educao apartir da perspectiva de etnia, realando, no entanto, que se trata de umaaproximao inicial.

    A questo do paradigma de referncia.

    Silva (1996: 190) analisa como os movimentos sociais dos ltimosanos contriburam para dar visibilidade s mltiplas formas pelas Quais a

  • histria e a dinnica sociais so construdas pelos diferentes grupos sociais eculturais. Aos poucos foi sendo superada a noo de um sujeito nico eprivilegiado da histria, ganhando importncia outros eixos no movimentoda dinmica social, tais como etnia, gnero e idade.

    A discusso comeou a se centralizar mais nas relaes de poderentre os diferentes grupos culturais. Gradativamente, a anlise dasidentidades sociais e culturais resultantes deste processo foi se tornando atarefa central.

    Certamente o objetivo da ao pedaggica, da mais clssica maismoderna, tem sido expresso - embora a prtica nem sempre fosse coerentecom a proposta - no sentido de ajudar o ser humano e se conhecer, a sedescobrir como humano, a se constituir em sujeito social, cultural e tnico.Porm, a forma de acionar o processo educacional tem sido e bastantecontrovertida em relao a estes objetivos proclamados.

    Diversos estudos vem confluindo na percepco de que somos de umatradio pedaggica que sabe tratar mais com as igualdades do que com asdiferenas. Inclusive, normalmente, quando percebemos as diferenas,desenvolvemos a ao pedaggica no sentido de superar estas diferenas,exigindo de todos a mesma trajetria educativa. Silva (1996) entende que atendncia tem sido a busca de um pretenso coletivo, o que tem provocadouma generalizao vaga, retratando-se muito pouco a diversidade e acomplexidade do tecido social e cultural. Deixava-se de expressar aheterogeneidade de etnia, de gnero, de religio, de idade, presente noprocesso histrico, sempre com uma carga muito forte de tenses, deconflitos e de alianas dentro do grupo social normalmente tratado como umtodo homogneo e coeso.

    "O conhecimento, segundo o paradigma ocidental, representatendencialmente o abrao mortal da integrao no conhecimento e noprprio. O reconhecimento do outro sempre e 'apenas' oreconhecimento enquanto aceitao de sua alteridade" (Sss, 1993,p.1)

    Ao longo da histria, formalmente, a escola foi vinculada com adinmica dos grandes projetos poltico-socias. E isto se tornou mais enfticocom os ideais da modernidade e do iluminismo. Na escola tentava-se

    "corporificar as idias de progresso constante atravs da razo e dacincia, de crena nas potencialidades do desenvolvimento de umsujeito autnomo e livre, de universalismo, de emartcipao e de

  • libertao poltica e social, de nivelamento de privilgios hereditriose de modalidade social" (Silva, 1996:151).

    Na compreenso de Silva, a escola foi situada, no projeto domodernismo, no centro dos ideais de justia, de igualdade, e dedistributividade. A escola tornou-se a instituio encarregada de transmitir egeneralizar estes princpios. Assim a idia de educao, est montada nasnarrativas do "constante progresso social, da cincia e da razo, do sujeitoracional e autnomo e do papel da prpria educao como instrumento derealizao desses ideais" (Silva, 1996:253).

    A perspectiva epistemolgica subjacente a esta viso oentendimento de cincia como domnio da natureza, com caractersticas deobjetividade, universalidade e neutralidade. E a reside um problema bsico:este paradigma procura universalizar aspectos muito particulares do real,desconhecendo todo um conjunto de outras dimenses do mesmo. Osreflexos na forma de se conceber o processo educacional foram marcantes.Um exemplo disto temos no discurso nacionalista que, ao fundir osignificado de nao com o de ptria, forou uma homogeneizao a partirde certos ncleos de adeso. E, assim, realizou um movimentocomplementar de excluso e integrao ao descrever grupos, ao imporespaos, ao conferir a palavra ou neg-Ia. Este discurso oficial, linear, noretrata as tenses, os mecanismos de seleo/excluso,autorizao/silenciamento presentes no processo histrico. Em relao sdiversas etnias, construiu-se uma representao dos mesmos que melhorcorrespondesse edificao do projeto nacional, com fortes reflexos sobre aorganizao escolar destes grupos. Na ordem poltica a escola desempenhouum papel central na configurao de uma identidade nacional. E tem sidosimultaneamente um forte elemento de incentivo perda ou excluso deidentidades. No caso teuto-brasileiro esta foi uma experincia traumatizanteporque, de um momento para o outro, deixou de ser legtima toda umaorganizao e expresso de uma tradio tnico-cultural, antes permitida eincentivada. H urgncia em eleger os sujeitos sociais concretos e osprocessos de sua constituio diferenciada como novo eixo articulador dateoria e prtica educativa.

    "As grandes histrias que reivindicam validade para todos oscontextos, hoje perderam sua fascinao e fora de mobilizao. Eis aprofunda contradio do paradigrna da globalizao do mercado, dainformao e da tecnologia. As chamadas histrias universais soimpregnadas por uma violncia estrutural inerente centralizao.So insensveis frente alteridade contextual" (Sss, 1993).

  • o que para um gnero e para uma etnia pode ser uma vivncia e umpercurso de afirmao, de uma auto-imagem positiva, isto pode ser umpercurso traumtico e deformador para outra etnia e outro gnero.

    O percurso escolar revela-se traumtico para muitos indivduos, emfuno de suas caractersticas tnicas e de gnero no reconhecidas. preciso uma ao pedaggica atenta para o peso formador ou deformador dedeterminadas vivncias na vida dos indivduos. preciso incorporar na aopedaggica as diferenas de etnia e gnero. Os rituais, os processos, ostempos e espaos sociais so vivenciados e lembrados de forma diferentepelos indivduos. Isto depende do grupo tnico e do gnero. Ignorar ereprimir o pertenciamento tnico do educando obrig-Io a construir umprojeto identitrio ambguo.

    fundamental entender como determinado grupo se entende, queconflitos tem entre si e com outros e o que ele vai ajudando a construir nestateia de relaes, neste entrecruzamento de culturas.

    Na anlise crtica, hoje, rejeita-se as "proclamaes auto-glorificatrias" e qualquer afirmao essencialista sobre identidadesnacionais ou culturais (Silva, 1996:188). Pe-se em questo a prpria baseque privilegia este centramento e universalizao de valores a partir deperspectivas particulares. preciso questionar os discursos, asrepresentaes e perguntar-se em funo de qual processo algumasrepresentaes foram autorizadas, legitimadas e a quais grupos elascorrespondiam. Quais as vises no representadas? Quais relaes de poderesto subjacentes e sustentam estas vises?

    medida em que a sociedade se torna mais complexa e em que seadquire mais conscincia desta complexidade e diversidade interna, passa aser mais importante a tentativa de articulao das diversas propostas geradaspor atores sociais diferentes (etnias, mulheres, etc.). A escola se encontra,ento, frente inadequao dos modelos uniformizadores, herdados datradio iluminista, em relao a uma sociedade que comea a ver-se comomltipla e diversificada (Juliano, 1993:8 e 9).

    No paradigma emergente comea-se a aceitar a diversidade culturalcomo legtima dentro de cada mbito. A estabilidade interna e o consensoque eram critrios de validade cultural, formaram modelos estticos, em quetoda interveno e contato entre as culturas eram vistas como perigososagentes de desintegrao cultural. No campo educacional, as conseqnciasdesta forma de ler a diversidade cultural, foram particularmente marcantes.Naturalizou-se as diferenas, isto , elas foram atribudas a fatores naturais

  • de cada indivduo como condies inatas, deficincias orgnicas, tendnciashereditrias (Juliano, 1993: 28 e 29).

    A partir de um novo paradigma de compreenso e de cincia pode-seavanar no sentido de tornar transparentes as mltiplas formas pelas quais ahistria e a dinmica sociais so construdas pelos diferentes grupos sociais eculturais. Assim, vai sendo superado o entendimento de um sujeito nico eprivilegiado da histria e inicia a ateno para outros eixos de movimento dadinmica social (etnia, gnero, idade). A discusso centraliza-se mais nolugar social e cultural a partir do qual os diferentes sujeitos interagem esobre o significado que atribuem a sua ao. preciso saber perguntar quala trama das tenses e relaes ento predominantes. Neste sentido a histriacultural nos oferece um olhar mais perscrutador para a parte explcita erefletida da ao, invocando a capacidade inventiva dos agentes naintrincada trama das relaes do processo histrico (Chartier, 1991 e 1994 eNvoa, 1992). Nesta perspectiva enfatiza-se "as representaes que agentesdeterminados fazem de suas prticas, das prticas de outros grupos, daescola, dos agentes escolares (... ), do papel que a escola tem na sociedade(Nunes e Carvalho, 1993:48).

    Dayrell reala que analisar a escola como espao scio-cultural

    "significa compreend-Ia na tica da cultura, sob um olhar maisdenso, que leva em conta a dimenso do dinamismo, do fazer-secotidiano, levado a efeito por homens e mulheres (...) negros ebrancos (...), alunos e professores, seres humanos concretos, sujeitossociais e histricos, presentes na histria, atores da histria. Falar daescola como espao scio-cultural implica, assim, resgatar o papeldos sujeitos na trama social que a constitui, enquantoinstituio"(Dayrell, 1996 p.136).

    Esta perspectiva motiva a trabalhar a representao que os imigrantestiveram de educao e de processo identitrio, pois, pode trazer-nos novapercepo do real a partir da qual se encaminham tambm novasperspectivas educacionais. Com novos olhares possvel detectar novascontornos da realidade que no podem ser desconhecidos no processoeducacional. Por exemplo, no Brasil, e de forma particular no Rio Grande doSul, em que a formao social decorrente de grupos tnicos, compercepes diferenciadas de si e do processo poltico-cultural, fundamentalperguntar-se sobre as representaes com as quais trabalhamos no processoeducacional. Quando no tem espao para expressar-se publicamente, nosignifica que na clandestinidade a memria no seja rememorada erevivenciada, transmitida de uma gerao a outra. O silncio sobre o

  • passado, longe de conduzir ao esquecimento, pode ser a resistncia que asociedade civil impe ao excesso de discursos ou representaes oficiais(Pollak, 1989:5).

    Em decorrencia, para se articular um projeto educacional para o RioGrande do Sul, fundamental conhecer concepes e representaes desociedade das vrias etnias que tiveram participao no processo deformao histrica, tendo sido ou no reconhecidos atravs dasrepresentaes legtimadas oficialmente.

    Identidade! etnia como categoria de anlise:

    Segundo Nvoa (1992:210/11) preciso ousar e produzir um outroconhecimento histrico no domnio do educativo. Entende que h rupturas aserem desencadeadas neste domnio, superando-se a lgica historiogrficatradicional, centrada fundamentalmente nas idias pedaggicas e/ou numahistria institucional. Alm de fornecer-nos a memria dos percursoseducacionais, tambm nos permite compreender que no h nenhumdeterminismo na evoluo dos sistemas educativos, das idias pedaggicas edas prticas escolares. Tudo produto de uma construo social.

    Para Hameline (1984), a abordagem histrica deve preocupar-semenos em retratar estaticamente situaes e contextos educacionais, e, sim,centrar-se prioritariamente na apreenso dos movimentos sociais queimpulsionam as mudanas na educao. Ela deve estar atenta s prticasculturais, ao questionamento social, aos avanos e recuos de uma sociedadeque educa.

    Tambm Petitat (1985:97) afirma que prefere entender a cincia nosentido de construes parciais, em que se capta o fluxo do real, imagemde uma cincia cumulativa que procura definir a realidade scio-histricaatravs de leis objetivas.

    Scott (1990:90) tambm reala a compreenso do real como umamassa de diferenciaes internas, de complexidades e contradies,entendendo que h estruturas de poder tanto dentro delas quanto entre elas.O fato histrico no definido apenas por lutas entre agrupamentosimportantes, mas tambm pelo equilbrio mutante de foras dentro dosagrupamentos.

    Salienta Scott que a anlise de uma produo social deve remetersempre histria de um conjunto contnuo de prticas. Entende-se que podehaver conflito, incoerncia e contradio dentro dos processos queconstrem as prprias categorias de anlise. Portanto, no se deve conceber

  • a histria como sendo forosamente linear e descuidada em relao aosavanos e recuos, "como se o presente sasse intacto de um passadocristalizado." (Scott, 1990:27). Neste sentido, a autora entende a histriacomo o lugar das contradies, das idas e vindas, dos "acavalamentos", emque coerncias e incoerncias tem seu lugar, sendo que no nem pode serlugar de perenidades. No se trata de estabelecer invariantes definitivas deum lado e de outro, quer-se reforar as transformaes e as diferenas.

    Esta concepo epistemolgica tem um significado especial quandose trata da educao, campo em que entram em jogo valores e propostas.Parece-nos que sob este aspecto a categoria de etnia, assim como a degnero, pode ser um recurso vlido para perceber o significado ecompreender as relaes complexas entre diversas formas de interaohumana. Neste sentido ainda no h um sistema lgico, bem articulado.Trata-se mais de um conjunto de insights e argumentos a respeito derelaes entre vrias coisas. O real concebido como uma massa dediferenciaes internas, de complexidades e contradies.

    Enguita (1995) esclarece que sob o termo etnia ou tnico tem-seentendido com freqncia a grupos diferenciados em vista de raa, dereligio, de nacionalidade de origem, de lngua, de folclore ou algumacombinao destes e outros aspectos ligados presumivelmente a uma origemcomum. No entanto, tambm tem-se utilizado os termos para designarapenas algumas destas diferenas.

    Em sentido mais estrito, ainda segundo Enguita, o termo usado parareferir-se a um grupo sem territrio nem organizao poltica prpria. Nestesentido, nem raa, nem religio, nem origem nacional, nem lngua garantempor si mesmo a existncia de um grupo tnico nem de relaes tnicas. Noentanto, qualquer um destes elementos pode servir de base para aconfigurao de identidades culturais coletivas (Enguita, 1995:133). Mas importante lembrar que Enguita trata de etnia a partir de seus estudosespecficos dos povos ciganos na Espanha.

    Nesta perspectiva, torna-se problemtico falar de um grupo tnico noplural unificador: os tento-brasileiros, por exemplo.

    "Todo processo de conhecimento toma-se um processo desimplificao, pois, consiste em pr em ordem uma realidade muitorica, complexa e variada. Isto nos leva a fazer abstraes, formarregularidades, estruturas, tipos ideais. Faz-se referncia a tiposmodais ou mdios". (Enguita. 1995:134).

  • Assim como os estudiosos da rea o fazem em relao ao gnero,tambm podemos perguntar-nos sobre as potencialidades e a relevncia dacategoria etnia para os estudos histricos na educao. Quanto ao gnero,Scott (1990) prope uma leitura da histria em que esta categoria tenharealce, articulada com etnia e classe.

    Louro (1992:54) apresenta uma viso de autores que afirmam anecessidade de articular estas diferentes categorias (etnia, classe, gnero) eensaiam aproximaes tericas que as levem em considerao. Trata-se deJoan Scott (1990), de Madeleine Arnot (1987), de Jean Anyon (1990), deHeleieth Saffioti (1992), de Michel Apple, (1987 e 1988) entre outros.Guacira Lopes Louro apresentou esta relao em 1992, interessadadiretamente na relao educao e gnero. A estes autores poderamosacrescentar ainda algumas que ensaiam uma aproximao mais especficaentre educao e etnia. Entre outros, lembramos Friedrich Heckmann(1992), Joan Joseph Pujadas (1993), Dolores Juliano (1993), Petronilha B.G. Silva (1993), Regina Pahin Pinto (1993), Jean Claude Forquin (1993),Lgia Costa Leite (1993), Betty Mindlin (1993), Jos Antnio Jordn (1994),Peter Woods e Martyn Hammersley (1995), Alain Coulon (1995), MarianoFernandes Enguita (1995 eI996), Michel de Certean (1995), R. Serbino eM.A. Rodrigues (1995), Paula Montero (1996), Tnia Dauster (1996),Juarez Dayrell (1996), Mrcia Spyer (1996), Nestor Garcia Canclini (1996),Nilma Lino Gomes (1996) e Tomaz Tadeu da Silva (1996). No entanto, esteainda um terreno - como salienta Lopes Louro - onde todos semovimentam com muita cautela, onde so freqentes os tropeos e, onde,tambm h os que preferem as rotas mais conhecidas.

    Ser que podemos entender, como Scott o entende em relao agnero, que etnia seja um elemento constitutivo de relaes sociais fundadossobre as diferenas percebidas entre os diferentes grupos? D para perceberisto nos smbolos culturalmente invocados por uma sociedade, nos seusconceitos normativos, nas propostas educacionais e na organizao social?D para perceber isto nas identidades subjetivas, isto , na maneira como ossujeitos concretos se constituem? Seria a etnia, como gnero, "um primeiromodo de dar significado s relaes de poder?" (Louro, 1992:54).

    Entendemos que sim. Como explicitou Scou, os conceitos de gnero,bem como os de etnia, atravessam a sociedade e acabam por estruturar tantoa percepo quanto a organizao - concreta e simblica - da vida social.Neste sentido, etnia e gnero tem a ver com a concepo e a construo dopoder. Atravs da categoria etnia podem-se tornar visveis sujeitos quenormalmente no tem aparecido nas anlises, especialmente as de um

  • enfoque mais socilogo. Etnia, como gnero, um campo no qual foi e vivida a histria (Scott, 1990).

    Perrot (1988) alerta que a tendncia a de articular a educao aotodo social. Mas freqentemente entende-se o todo social apenas em relao posio de classe dos indivduos, omitindo-se as menes existncia deoutras contradies sociais, como as de gnero, etnia, idade, religio.

    A etnia, como gnero e classe, no uma categoria pronta e esttica.So categorias "dinmicas, construdas, possveis de transformao (...).Supe-se que os sujeitos so ativos e ao mesmo tempo determinados,recebendo e respondendo s determinaes e contradies sociais." (Louro,1992:57).

    A sociedade, ao longo do tempo, caracteriza, classifica e decide sobreo espao dos grupos tnicos. E isto feito com disputas e conflitos. importante perceber-se o tnico tambm como fator de diferenciao social. preciso compreender que as "capacidades" e as "limitaes" de cada etniaso, usualmente, o resultado da posio, do lugar que a sociedade atribui sdiferentes etnias.

    Portanto, o tnico um processo e no um dado resolvido nonascimento. construdo atravs de prticas sociais, num processo derelao. E como no h uma nica etnia, preciso estar atento s relaes depoder entre os diferentes grupos sociais e culturais. Assim, ointerculturalismo no pode ser entendido simplesmente como umaconvivncia entre culturas diferentes. Se no plano antropolgico elasefetivamente so diferentes, no plano sociolgico elas tambm so desiguais.No temos critrios para atribuir maior valor ou importncia a umadeterminada cultura, porm, no processo histrico concreto, no jogo dopoder e na correlao de foras, determinadas culturas se impuseram comomais vlidas que as outras. Porm, como alerta Silva (1996:193) no se tratade querer inverter o processo e "partir da cultura dominada".

    "Na perspectiva de um multiculturalismo crtico (...) trata-se, aocontrrio, de encarar as culturas dos grupos dominados de uma formaantropolgica, como uma manifestao e expresso de formas deorganizar a vida social que existem ao lado de outras, igualmentevlidas. Nesta perspectiva no se trata de 'partir da culturadominada', mas de interrog-Ia, question-Ia, historiciz-Ia, damesma forma como se deve fazer com a cultura dominante. No uma questo de super-Ia, para entrar em outra". (Silva, 1996:193).

    Esta perspectica de historicidade leva-nos a questionar o prpriotermo multiculturaI. Este induz a imaginar-se uma sociedade construda

  • como um mosaico, formado por culturas diferentes, cada uma esttica. Oconceito no suficientemente dinmico. Se pretendemos realar ainterrelao dinmica entre estas, com suas reacomodaes e ajustesconstantes que isto implica, o conceito de educao intercuitural resultariamais adequado.

    "Multicultural: fala daquilo que , de presenas diversas, deculturas com contedos especficos. Mas pode referir-se a questes ea limites intransponveis entre elas.

    Intercultural: pe a nfase nos pontos de contato e por conseguinteno necessrio dilogo entre as culturas. um conceito que descrevemelhor a perspectiva a partir da qual tende-se a ver a situao nadcada de noventa". (Juliano, 1993:66).

    uma questo de historiciz-la. Trata-se de compreender como ascategorias do pensamento e de classificao da realidade esto embasadasem interesses e tambm em relaes de poder e como a educao estenvolvida com este processo. Trata-se, como salienta Bourdieu de tentardesnaturalizar o mundo social, ultrapassar o nvel das explicaesindividualizantes, fatalistas, metafsicas e essencialistas, destruir a iluso detransparncia do mundo social. (Silva, 1996:233/4).

    Enfim, tomando a etnia como categoria de anlise pode-se contribuircom uma leitura da histria de educao em que a diversidade social ecultural possa ser contemplada, em que os sujeitos individuais quanto oscoletivos no so "neutros", mas apaream como pessoas construindo-se noprocesso histrico, atravs de variadas e intrincadas relaes de etnia egnero. Segundo Anyon, (1990:14) o gnero - entendo que tambm etnia -envolve tanto recepo ativa quanto passiva s contradies sociais. Por isto preciso procurar perceber as acomodaes e as resistncias s contradiessociais. E as formas de lidar com estas contradies podem ser mltiplas.

    A diviso tnica est entre as divises mais fortes e significativas quea sociedade hodierna sofre. Situa-se entre as divises de classe, de gnero, ascomunitrias ou territoriais e tambm as de idade. Porm, entendemos comEnguita (1995) que a escola no apenas um lugar a mais em que serepetem os prejuzos e as tenses tnicas. Ela um lugar chave nas tensestnicas porque essencial na produo e reproduo da cultura, que oelemento distintivo daquilo que entra em jogo nas relaes tnicas.

  • A perspectiva intercultural sugere uma nova estratgia educativa.No significa incluir cultura e diversidade cultural como um dos temas dosparmetros curriculares. Significa, como enfatiza Arroyo (1996), situar aescola na construo de um projeto poltico e cultural formado por um idealdemocrtico comum e refletindo simultaneamente a complexa diversidadede identidades, grupos, etnias, gneros. preciso no apenas criar ascondies para perceber relaes de excluso, de perda, de preconceito ediscriminao, mas construir a possibilidade de processos ricos de afirmaode identidades, valores, vivncias, enfim, de cultura.

    Concordamos com Dayrell (1996:144) no sentido de que, se partimosda idia de que a experincia escolar um espao de formao humanaampla, e no apenas transmisso de contedos, certamente teremos que fazerda escola um lugar de reflexo (que voltar-se com indagao sobre suaprpria experincia) e de ampliao dos projetos dos alunos.

    Parece-nos que vivel e promissora a perspectiva de "problematizara compreenso dos processos educativos enquanto dinmicas histricas queenvolvem espaos e tempos de sujeitos e de prticas scio-culturais (Dayrell,1996 p.9). A histria da educao poder contribuir com a superao domodelo homogeneizante da escola se, tentando explicitar, por exemplo, acompreenso que se estabeleceu historicamente de aluno, procura analis-locomo ator, como sujeito scio-cultural, isto , como sujeito de uma cultura,de um gnero, de uma etnia, enfim, de um conjunto de experincias que oconstituem como ser social.

    A histria da educao a partir da categoria de etnia podercontribuir para uma maior sensibilidade aos processos reais nos quais seconstri a escola, alertando-nos para a diversidade, para as diferentesrepresentaes, ritmos, tempos e espaos nos quais e pelos quais se articulamas prticas educacionais. Quer-se compreender os agentes educacionais nasua diferena, enquamto indivduos que possuem uma historicidade. E aetnia um dos componentes desencadeadores desta historicidade que nonos permite tratar generica e abstratamente de alunos e professores.Complexifica-se, portanto, a leitura do processo educacional.

  • ANYON, Jean. Intersees de gnero e classe: acomodao e resistnciade mulheres e meninas s ideologias de papis sexuais. Cadernos dePesquisa. So Paulo, n. 73, maio 1990.

    APPLE, Michael. Relaes de classe e de gnero e modificaes no processode trabalho docente. Cadernos de Pesquisa. So Paulo, FundaoCarlos Chagas, n. 60, fev. 1987.

    ____ Ensino e trabalho feminino: uma anlise comparativa da histriae da ideo- logia. Cadernos de Pesquisa. So Paulo, Fundao CarlosChagas, n. 64, fev. 1988.

    ARNOT, Madeleine. La hegemonia masculina, Ias classes sociales y Iaeducacin de Ia mujer. Tempora, Universidad de Ia Laguna, Tenerifen. 9,jan-jim. 1987.

    ARROYO, Miguel G. Prefcio. In: DAYRELL, Juarez (org.). Mltiplosolhares sobre educao e cultura. Belo Horizonte: UFMG, 1996.

    ASSIS CARVALHO, Edgar de. Identidade e projeto poltico: notas para aconstruo terica do conceito de antropologia. In: BASSIT, Ana I.Identidade: teoria e pesquisa. So Paulo: EDUC, 1985. (SrieCadernos PUC).

    CANCLINI, N. G. O patrimnio cultural e a construo imaginria donacional. Revista do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional.Braslia, Ministrio da Cultura, nO23, 1994.

    CERTEAU, Michel de. A cultura do plural. So Paulo: Papirus, 1995.CHARTIER, Roger. O mundo como representao. In: Estudos Avanados.

    So Paulo: Fundao Getlio Vargas, 11(5): 173-191, 1991.A Histria hoje: dvidas, desafios, propostas. In: Estudos

    Histricos, Rio de Janeiro, v. 7, n.13, 1994: 97-113.CONNEL, R. W. Como teorizar o patriarcado? Educao e Realidade.

    Porto Alegre, Faculdade de Educao da UFRGS, v. 16, n. 2, jul/dez.1990, p. 85-92.

    COULON, Alain. Etnometodologia y educacin. Buenos Aires: EdicionesPaids, 1995.

    DAUSTER, Tnia. Construindo pontes. A prtica etnogrfica e o campo daeducao. In: DAYRELL, Juarez (org.). Mltiplos olhares sobreeducao e cultura. Belo Horizonte: UFMG, 1996: 65-73.

  • DAYRELL, Juarez. A escola como espao scio-cultural. In: DAYRELL,Juarez (org.). Mltiplos olhares sobre educao e cultura. BeloHorizonte: UFMG, 1996: 136-162.

    ENGUITA, Mariano Fernandez. La escuela a examen. Un anlisissociolgico para educadores y outras personas interessadas. Madrid:Ediciones Pirmide, 1995.

    Escuela y etnicidad: el caso deI pueblo gitano. Madrid:Ediciones Pirmide, 1995.

    GOMES, Nilma Uno. Escola e diversidade tnico-cultural: um dilogopossvel. In: DAYRELL, Juarez (org.). Mltiplos olhares sobreeducao e cultura. Belo Horizonte: UFMG, 1996: 85-92.

    ____ A mulher negra que vi de perto. Belo Horizonte: Maza Edies,1995.

    HAMELINE, Daniel. L' hitria de l'ducation. In EncyclopaediaUniversalis, Paris, ed. de 1984, p. 666.

    HECKMANN, Friedrich. Ethnische Minderheiten, Volk und Nation.Stuttgart, Ferdinand Euke Verlay, 1992.

    JORDN, Jos Antnio. La escuela multicultural. Un reto para elprofessorado. Barcelona: Paids Ediciones, 1994.

    JULIANO, Dolores. Educacin intercultural. Escuela y minorias tnicas.Madrid: Eudema, SA, 1993.

    LEITE, Lgia Costa. Referncias culturais e a construo da escola. In:Cadernos Cedes, Campinas, Centro de Estudos Educao e Sociedade,1993, p.75-87.

    LOURO, Guacira Lopes. Uma leitura da histria da educao sob aperspectiva do gnero. In: Teoria e Educao. Dossi: Histria daEducao, n.6. Porto Alegre: Pannomica, 1992, p. 53-67.

    MINDLIN, Betty. Educao indgena. In: Cadernos Cedes, Campinas,Centro de Estudos Educao e Sociedade, 1993, p.l1-17.

    MONTERO, Paula. Diversidade cultural: incluso, excluso e sincretismo.In: DAYRELL, Juarez (org.). Mltiplos olhares sobre educao ecultura. Belo Horizonte: UFMG, 1996: 39-64

    NOVOA, Antnio. Inovaes e Histria da Educao. In: Teoria eEducao. Dossi: Histria da Educao, n.6. Porto Alegre:Pannonica, 1992, p. 210-220.

    NUNES, Clarice; CARVALHO, Marta Maria Chagas de. Historiografia daeducao e fontes. In: Cadernos ANPED, Porto Alegre, n. 5, 1993, p.1-64.

  • PERROT, Michel. Os excludos da histria. Operrios, mulheres eprisioneiros. Rio de Janeiro, paz e Terra, 1988.

    PETITAT, Andr. Entre l'histoire et Ia sociologie sur les rapportscolelsociet: le perspective construtiviste, Reperes - Essais enEducation. Montreal, n. 5, 1985: 87-110. In: NVOA, Antnio.Inovaes e Histria da Educao. Teoria da Educao: Dossi daEducao. Porto Alegre, Pannonica, 1992: 210-220.

    PINTO, Regina Pahin. Multiculturalismo e educao de negros. CadernosCedes, Campinas, Papiros, nO32, p. 35-48, 1993.

    POLLAK, Michael. Memrias e estudos histricos. In: Estudos Histricos,Rio de Janeiro, v.2, n.3, 1989.

    PUJADAS, Joan Joseph. Etnicidad. Identidad cultural en los pueblos.Madrid: EUDEMA, 1993.

    SAFFIOTI, H. Rearticulando gnero e classe social. In: COSTA, Albertina eBRUSCHINI, Cristina (org.). Uma questo de gnero. Rio de Janeiro:Rosa dos Tempos: So Paulo: Fundao Carlos Chagas, 1992.

    SCOTT, Joan. Gnero: uma categoria til de anlise histrica. Educao eRealidade. Faculdade de Educao da UFRGS, Porto Alegre, v. 16,n.2, jul/dez. 1990, p. 5-22.

    SERBINO, R; RODRIGUES, M.A. (org.). A escola e seus alunos, estudossobre a diversidade cultural. So Paulo: UNESP, 1995.

    SILVA, Petronilha Beatriz Gonalves e. Diversidade tnico-cultural ecurrculos escolares. Cadernos Cedes, Campinas, Papiros, n 32, p.25-34, 1993.

    SILVA, Tomaz Tadeu da. Identidades terminais. As transformaes napoltica da pedagogia e na pedagogia poltica. Petrpolis: Vozes,1996

    SPYER, Mrcia. A questo da identidade tnica na sala de aula: a culturaindgena. In: DAYRELL, Juarez (org.). Mltiplos olhares sobreeducao e cultura. Belo Horizonte: UFMG, 1996: 162-168.

    SSS, Paulo. Reconhecimento e Protagonismo. 1 Seminrio Internacionalde Filosofia Intercultural. So Leopoldo, Ps-Graduao em Histria -UNISINOS, 1993 (palestra).

    WOLF, Cristina Scheibe; FLORES, Maria Bernadete Ramos. A Oktoberfestde Blumenau: turismo e identidade tnica na inveno de uma tradio.In: MAUCH, Cludia; VASCONCELOS, Naira (org.). Os alemes noSul do Brasil: cultura, etnicidade e histria. Canoas: Ed. ULBRA,1994 p.29-22.

  • WOODS, Peter y HAMMERSLEY, Martyn. Gnero, cultura y etnia en Iaescuela. Informes etnogrficos. Barcelona: Ediciones Paids, 1995.