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    Resenhas

    Aldo Naouri. 2008.Educar os Filhos: UmaUrgncia nos Dias Que Correm.Alfragide:Livros dHoje. 336 pp. ISBN:978 972 20371 81.

    Esta obra, escrita pelo mdico pediatralbio-francs de 73 anos, Aldo Naouri di-vide-se em duas partes, sendo a primeira(direcionada para a psicologia da criana)constituda por 4 captulos e a segunda(mais prtica, onde so analisados com-portamentos e apresentados conselhossobre o como educar) constituda por trscaptulos. Sustentada em mais de qua-renta anos de experincia prtica, a obra,sem apresentar receitas pr-formatadas,tem como objetivo primo ajudar os paisno desempenho do seu papel de educa-dores. Consequentemente, perpassadapor uma questo de fundo, a saber: os

    filhos so uns amores ou uns ditadores?Para o autor, a resposta, num ou noutrosentido, encontra-se dependente no tan-to das condies sociais em que os indi-vduos nascem e crescem, mas, principal-mente, do modo como os pais educaremos filhos. Isto , no obstante a existnciade uma panplia de variveis que podeminfluenciar a questo, para Aldo Naouri, partida, as crianas, embora no sejamperfeitas, no so problemticas; no en-tanto, se forem mal-educadas ou dese-

    ducadas, como em muitas situaes eleacredita que so, facilmente podem pas-sar de amores a ditadores.

    Da o subttulo da obra que sinalizaa educao como uma urgncia da atua-lidade; urgncia essa, to mais prementequando nos damos conta da emergncia,nas sociedades modernas pautadas peloconsumismo e pela promoo do prazersem limites, do que o autor denomina deinfantolatria. Isto , a idolatria das crian-

    as que, ao ocupar o lugar deixado vagocom o desaparecimento de Deus, propug-nou a centralizao da famlia na criana,na realizao de todos os seus desejos,onde proibido proibir e onde o nodeve surgir com parcimnia e eufemis-mos. Em consequncia disto, as crianasem vez de comearem, gradualmente, areconhecer a existncia dos outros queas rodeiam, tornam-se cada vez mais se-res narcisistas e egostas. Enfim, crianasproblemticas ou, na aceo do autor,mal-educadas com as quais os pais nosabem o que fazer.

    Assim, revelando um olhar simul-taneamente lcido e polmico sobre oque faz falta no processo educativo, esteespecialista em relaes intrafamiliares,aps estabelecer de um modo claro asdistines existentes entre os progenito-

    res e as suas crianas, profere um elogioda frustrao. Este e um conceito consi-derado essencial para o desenvolvimentoda criana e que deve ser distinguido daprivao(algo mais da ordem do real). Osprimeiros anos so decisivos, porque serpor via dessa experincia inicial da frustra-o (uma frustrao que no traumatiza,contrariamente ao pensamento da maio-ria dos progenitores) que a criana vaigradualmente aprender a refrear os seusimpulsos, a combater a violncia das

    suas pulses e a percecionar a existnciade limites, de regras fundamentais que,ajudando-a a perceber que ela no est snem o centro do mundo, iro facilitar asua vivncia em sociedade: o universo dafrustrao algo de que, no discurso doautor, qualquer criana tem a maior ne-cessidade, porque graas a ela que seforma (2008: 145-146).

    Por outras palavras, para alm dea interveno sobre as pulses no ser

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    traumatizante, a ausncia do no e dafrustrao faz com que a criana perma-nea sujeita tirania das suas pulses.

    No sabendo como combat-las, ela vaiprolongar o seu estdio de beb centra-do em si prprio e para o qual tanto asregras como os outros no interessamminimamente. Quando muito, estes l-timos existem e so apreendidos nica esimplesmente como um instrumento aoservio do prazer pessoal. Seguindo esteraciocnio, para Aldo Naouri levar umacriana a renunciar ao exerccio da suaomnipotncia no , com efeito, somentecertificar-se de ter conseguido levar a bomporto a parte mais essencial da sua educa-o, poder considerar de um modo rela-tivamente sereno o resto da sua infncia,a sua adolescncia, o seu acesso idadeadulta e at a sorte da sua descendncia(2008: 195-196).

    Desta forma, Naouri advoga a revalo-rizao do poder dos educadores contraos todo-poderosos filhos. Para Aldo Na-ouri, a tarefa educativa s ter possibili-dades de alcanar o sucesso se a mesma

    assentar nos seus pilares fundamentais,ou seja, amor, carinho, mas, tambm, norespeito pela hierarquia e pela autoridade.

    Relativamente ao primeiro aspeto,partindo do pressuposto de que pais efilhos no se encontram no mesmo nvelgeracional, no so parceiros, nem pos-suem um estatuto equivalente, Naouri cri-tica os defensores de um relacionamentohorizontal entre ambos, advogando, issosim, a necessidade e premncia de umaverticalidade nessa relao. Sobre este

    aspeto, ver o captulo 2 da 2 parte, ondese defende de modo radical a no neces-sidade de explicaes ou justificaes(mesmo nos casos em que os pais erramou so injustos), porquanto uma ordem uma ordem. Ponto. uma declarao queemana da vontade daquele que a emitecom destino quele a quem dirigida eque lhe deve obedecer (2008: 228).

    No que concerne ao segundo aspeto,o autor defende uma autoridade que no

    deve ser confundida com autoritarismo eque, praticamente, no tem necessidadede se exprimir, pois a criana percebe-a (e

    sente-a como reconfortante, no sentidoem que lhe transmite segurana) numacomunicao inconsciente com os pais.Um erro em que, muitas vezes, caiem ospais o de confundir educao com se-duo, quando, de facto, nos encontra-mos perante coisas distintas e contrrias.As duas palavras so, com efeito, cons-trudas a partir do latim ducereque querdizer puxar para si, conduzir, o quedeu ducare, educar. Ducereparte do ra-dical dux, que quer dizer chefe. Educeredeixa entender uma relao de intercm-bio com o chefe, a ideia de chefe ou daexemplaridade que dele se destaca. Emcontrapartida, seducere, iniciado pelo pre-fixo se, que assinala a separao, o pr departe, deixa entender o contrrio, isto ,um pr de parte a exemplaridade dessaideia de chefe (2008: 85). Portanto, estaconfuso conduz muitos pais a optarempor uma educao democrtica, permis-siva que, na aceo do autor, acaba, em

    ltima instncia, por produzir verdadeirosditadores.Por ltimo, gostaria de fazer uma re-

    ferncia a outras duas ideias que perpas-sam o livro e que se encontram interliga-das entre si. Designadamente, a defesa doregresso do pai e a revalorizao do papelanteriormente desempenhado por ele en-quanto limitador do poder da me sobre acriana, por um lado, e, por outro, a subs-tituio da palavra de ordem primeiro acriana por outra que seria primeiro o

    casal (2008: 151), porque, em sua aceo,a sade fsica e psquica das crianas fabrica--se na cama dos pais.

    Em suma, um livro perturbante paraeducadores mais sensveis, mas de leituraobrigatria para todos aqueles que pre-tendam vir a ser bons educadores.

    Manuel MenezesInstituto Superior Miguel Torga