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27/11/11 Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa 1/13 dgsi.pt/jtrl.nsf/«/0d02418f3c33eaf3802574420052ccc2?OpenDocument Acyrdãos TRL Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa Processo: 1533/2008-2 Relator: MARIA JOSÉ MOURO Descritores: PRESTAÇO DE CONTAS CONTRATO DIREITOS DE AUTOR DIREITO DE PERSONALIDADE Nº do Documento: RL Data do Acordão: 10-04-2008 Votação: UNANIMIDADE Texto Integral: S Meio Processual: APELAÇO Decisão: CONFIRMADA Sumário: I - A obrigação de prestar contas decorre de uma outra obrigação de carácter mais geral, a obrigação de informação; mas, nem sempre que exista obrigação de informação existe obrigação de prestação de contas, encontrando-se esta última fixada casuisticamente em várias normas das quais se poderá extrair o princípio geral de que quem administra bens ou interesses alheios está obrigado a prestar contas da sua administração ao titular desses bens ou interesses. II - O pedido judicial de prestação de contas só tem razão de ser quando o R. exerceu administração ou gerência de bens ou interesses do A.; não sendo possível no caso dos autos a administração ou gerência pela R. de interesses dos AA., uma vez que estes não são os titulares dos direitos de crédito decorrentes de contrato celebrado, não podem pedir-lhe a prestação de quaisquer contas. III - Estando em causa não possuírem os AA. o direito substancial de que se arrogaram, o de exigirem a prestação de contas, trata-se esta de uma questão de fundo e não de uma questão processual, daí resultando a improcedência da acção (M.J.M.) _____________ Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: * I ± M e outros intentaram acção especial de prestação de contas contra «B, Lda.», requerendo, em simultâneo, a intervenção principal provocada de J, o qual interveio no

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Acórdãos TRL Acórdão do Tribunal da Relação de LisboaProcesso: 1533/2008-2Relator: MARIA JOSÉ MOURODescritores: PRESTAÇÃO DE CONTAS

CONTRATO

DIREITOS DE AUTORDIREITO DE PERSONALIDADE

Nº do Documento: RL

Data do Acordão: 10-04-2008Votação: UNANIMIDADE

Texto Integral: S

Meio Processual: APELAÇÃODecisão: CONFIRMADA

Sumário: I - A obrigação de prestar contas decorre de umaoutra obrigação de carácter mais geral, a obrigação deinformação; mas, nem sempre que exista obrigação deinformação existe obrigação de prestação de contas,encontrando-se esta última fixada casuisticamente emvárias normas das quais se poderá extrair o princípiogeral de que quem administra bens ou interessesalheios está obrigado a prestar contas da suaadministração ao titular desses bens ou interesses.II - O pedido judicial de prestação de contas só temrazão de ser quando o R. exerceu administração ougerência de bens ou interesses do A.; não sendopossível no caso dos autos a administração ou gerênciapela R. de interesses dos AA., uma vez que estes nãosão os titulares dos direitos de crédito decorrentes decontrato celebrado, não podem pedir-lhe a prestaçãode quaisquer contas.III - Estando em causa não possuírem os AA. o direitosubstancial de que se arrogaram, o de exigirem aprestação de contas, trata-se esta de uma questão defundo e não de uma questão processual, daí resultandoa improcedência da acção (M.J.M.)_____________

DecisãoTextoIntegral:

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: * I – M e outros intentaram acção especial de prestaçãode contas contra «B, Lda.», requerendo, em simultâneo, aintervenção principal provocada de J, o qual interveio no

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processo declarando fazer seus os articulados e os pedidosdas AA., com excepção de concretos pontos que nomeou. Alegaram as AA., em resumo: A Sr.ª D. A celebrou com a R. um contrato autorizando-aa fazer a cunhagem, em medalhas, da sua imagem e nome,obrigando-se a R. a pagar-lhe, ou aos seus herdeiros, 15% dovalor de todas as medalhas que fossem cunhadas oumandadas cunhar. A Sr.ª D. A veio a falecer na pendência docontrato constituindo seus legatários as AA. e o chamado, aquem legou todos os seus direitos de autor e royalties. A R.não lhes apresentou quaisquer contas e não lhes facultouquaisquer elementos respeitantes aos direitos vencidos e nãopagos, nem procedeu a quaisquer pagamentos. Requereram as AA. que a R. procedesse à apresentaçãodas contas referentes aos direitos vencidos e não pagosrelativos aos anos de 1999 a 2004 e que, uma vez aprovadas ascontas, seja condenada no pagamento do saldo que se viessea apurar e respectivos juros. A R. contestou, defendendo, designadamente, não ter odever de prestar quaisquer contas às AA. e ao chamado vistonão haver fundamento para tal e porque aqueles não herdaramquaisquer dos direitos decorrentes do contrato celebrado,devendo, por isso, ser considerado o pedido formuladototalmente improcedente. Findos os articulados foi proferida decisão que declarounão estar a R. obrigada a prestar contas aos AA.. Desta decisão apelaram as AA., concluindo pelaseguinte forma a respectiva alegação de recurso:a) A douta sentença apelada julgou incorrectamente aodeterminar que a R. nos presentes autos não tem obrigação deprestar contas das medalhas cunhadas com a imagem da Sr.ªD. A.b) Todavia tal obrigação ao contrário do indicado em tal doutasentença decorre da lei, do contrato, do dever geral deinformação e da boa fé.c) É que na verdade a admitir-se a tese exposta na doutasentença apelada, ficam os seus herdeiros ora AA. seriamentecerceados no seu direito de conhecer a extensão e os limites

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do direito de crédito que advêm de tal exploração.d) Ou por outro modo como poderiam as AA. saber o conteúdoe extensão do seu direito de crédito adveniente do contratoobjecto dos presentes autos?e) Resultando a tese exposta pela douta sentença apeladanuma oneração injusta da posição das partes e do tráficojurídico e económico.f) As partes neste negócio formaram expectativas, sendoostensivamente desequilibrado que uma delas guarde para si abase do cálculo da contraprestação pela utilização do direito áimagem.g) Tal terá sido a razão pela qual foi padronizada a acçãoespecial de prestação de contas.h) E tanto mais grave quando a base da contraprestação queaufeririam as AA. é calculado com base no número demedalhas cunhadas, o que se afigura impossível de apreciarface ao estado absoluto de falta de comunicação a que a R.votou o assunto.i) Por todo o exposto vai mal a douta sentença apelada aojulgar improcedente o pedido formulado nos presentes autos.j) Assim e em face do exposto se demonstra que a ora R. aquiapelada administra bens alheios como a imagem da Sr.ª D. Aque em vida autorizou a comercialização de medalhas com asua imagem e assinatura, elementos essenciais da suaidentidade, imagem e personalidade.k) Fez depender para cálculo da contraprestação o número demedalhas cunhadas.1) As AA, são as legítimas titulares dos créditos advenientes docontrato celebrado entre a artista Sr.ª D. A e a R., mas não têmmeios, de saber quantas medalhas foram efectivamenterealizadas com a imagem da artista para poderem liquidar umpedido de condenação para a virtualidade de a R. aqui apeladanão pagar.m) As AA não têm meios porque a R não lhes faculta talinformação e a douta sentença entende erradamente que a Rnão têm o dever de a prestar.n) Porém decorre do contrato - cláusula 3 e 4 - da lei - art. 632C. Com, e 578 do C. Cv - e da boa fé - art. 762 do C. Cv. - a

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obrigação de prestar contas da actividade,o) E segundo o douto ensinamento do Prof. José Alberto dosReis "o processo de prestação de contas relaciona-se com aobrigação a que alguém esteja sujeito de prestar a outremcontas dos seus actos, podendo formular-se este princípiogeral: quem administra bens ou interesses alheios estáobrigado a prestar conta da sua administração ao titular dessesbens ou interesses" (Alberto dos Reis, Proc. Especiais Vol. 1,pag. 3022 e 3032, Coimbra 1982).p) Obrigação contratual e legal da R. aqui apelada que nuncaprestou a informação devida vendo-se agora as AA. forçadas arecorrer a esta acção especial, devendo em sede dos presentesautos a douta sentença apelada ser substituída por outra quecomine a obrigação da R. aqui apelada prestar contas ás AA. dasua actividade de cunhagem de medalhas com a imagem daSr.ª D. A, devendo os presentes autos seguir os ulteriorestermos do processo até final. Não foram apresentadas contra alegações. * II - A decisão recorrida não indicou discriminadamenteos factos em que se baseou. Assim, procederá este Tribunal,seguidamente, à indicação dos factos que considera provados,decorrentes dos documentos juntos aos autos: A – A e «B, Lda.» celebraram o acordo escritodocumentado a fls. 10-12, denominado de «Contrato de Cessãode Direitos de Autor». B – Nos termos do aludido acordo a primeira autorizou asegunda a fazer a cunhagem da sua imagem e nome emmedalhas, sendo as medalhas cunhadas ou mandadas cunharnumeradas. C – Consoante o mesmo acordo escrito a primeira tinhadireito a receber 15% do valor de todas as medalhas quefossem cunhadas ou mandadas cunhar pela segunda, no preçode venda dos estabelecimentos comerciais e que inicialmenteseria de 1.800$00 (sem IVA) por cada medalha, sendo que decada cunhagem feita a segunda enviaria à primeira aimportância correspondente a 15% do valor de toda essacunhagem, sendo a data do pagamento no início de cada

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cunhagem, devendo a segunda comunicar à primeira acunhagem com o respectivo número de medalhas a cunhar. D – Ainda conforme o referido acordo «por Primeira eSegunda mencionadas no presente contrato entende-se aspróprias aqui mencionadas ou representantes legais ouherdeiros». E – Em 30-10-97 A outorgou testamento – documentadoa fls. 105-109 - em que legou aos seus sobrinhos M, I, J e M,«todos os direitos de autor e royalties, em partes iguais»,ficando destinados todos os restantes bens móveis e imóveis àinstituição de uma Fundação com o nome de «A». F – Em 15-12-99, no 15º Cartório Notarial de Lisboa, tevelugar a escritura de habilitação de herdeiros documentada a fls.101-103, constando da mesma: que no dia 6-10-99 faleceu, noestado de viúva, A; que esta deixou testamento público lavradoem 30-10-97 em que instituiu como legatários os seussobrinhos M, I, J e M; que a parte dos seus bens nãoadjudicada aos ditos legatários é destinada, segundo otestamento, á constituição de uma Fundação com o nome dafalecida. * III - Sendo o âmbito do recurso delimitado pelasconclusões da alegação - arts. 684, nº 3 e 690, nº 1do CPC – aquestão que essencialmente se coloca nos presentes autos,atento o teor das conclusões apresentadas, é a de se a R. estáobrigada a prestar contas aos AA.. *IV – 1 - Nos termos do art. 1014 do CC a acção de prestação decontas pode ser proposta por quem tenha o direito de exigi-lasou por quem tenha o dever de prestá-las e tem por objecto oapuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesasrealizadas por quem administra bens alheios e a eventualcondenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se. No âmbito daquela primeira função – função puramentedeclarativa, por contraposição à segunda, função condenatória– destina-se, pois, o processo a conseguir o apuramento eaprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por

quem administra bens alheios ([1]).

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A fase inicial do processo – configurando uma espécie de faseprévia ou prejudicial - diz respeito à obrigação de prestação decontas por parte do R.. O R. poderá negar a sua obrigação deprestar contas (pelas mais diversas razões: por não existirentre ele e o A. qualquer relação em virtude da qual as tenha deprestar, porque já as prestou, etc.), bem como suscitar outrasquestões. Enquanto as questões em causa não estiveremdecididas o processo não pode avançar; se, eventualmente, fordecidido que o R. não tem que prestar contas, o processo findadesde logo. A essa primeira fase se refere a lei nos nºs 3 e 4 doart. 1014-A, bem como em parte do nº 1 do mesmo artigo.Terminada esta fase inicial, se decidido que o R. terá de prestarcontas, seguir-se-á a fase da prestação de contas,propriamente dita.No caso que nos ocupa situamo-nos nessa primeira fase,discutindo-se a existência da obrigação de prestar contas aosAA. por parte da R..

Refere Alberto dos Reis ([2]) poder-se formular oprincípio geral de que quem administra bens ou interessesalheios está obrigado a prestar contas da sua administraçãoao titular desses bens ou interesses. Sendo entendimento corrente que só haverá lugar a prestaçãode contas quando alguém trate de negócios alheios, ou de

negócios ao mesmo tempo próprios e alheios ([3]). Não há, porém, uma disposição legal que genericamentedetermine quando é que alguém tem a obrigação de prestarcontas a outrem, sendo que o art. 1014 do CPC – preceito denatureza adjectiva – pressupõe a existência de preceitossubstantivos que imponham a obrigação de prestar contas. Aobrigação de prestar contas encontra-se fixadacasuisticamente em várias normas, e dessas normas poder-se-á extrair o acima aludido princípio geral; certo é que umasvezes é a própria lei que impõe expressamente tal obrigação;noutras o dever de prestar contas resulta de negócio jurídicoou do princípio geral da boa fé. *IV – 2 - O art. 26 da Constituição determina que «a todos sãoreconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao

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desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, àcidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, àreserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecçãolegal contra quaisquer formas de discriminação». Atento o disposto no art. 79 do CC cada indivíduo tem odireito à sua imagem, não podendo o seu retrato ser exposto,reproduzido ou lançado no comércio sem o seu consentimento.A imagem materializada de uma pessoa é um bem depersonalidade. A tutela juscivilística da identidade humanaincide desde logo sobre a configuração somático-psíquica decada indivíduo, particularmente sobre a sua imagem física, os

seus gestos, a sua voz, a sua escrita ([4]). O nº 1 do art. 79 prevê não só o consentimento dopróprio individuo para a exposição, reprodução ou lançamentono mercado da sua imagem, mas, também, depois da suamorte, a autorização do cônjuge sobrevivo ou de qualquerdescendente, ascendente, irmão, sobrinho ou herdeiro,segundo esta ordem.

Refere Cláudia Trabuco ([5]) que «o direito à imagem tem sidovisto como um direito de personalidade com uma duplacomponente, positiva e negativa. Podemos defini-lo comoaquele que, por um lado, confere às pessoas a faculdadeexclusiva de reprodução, difusão ou publicação da sua própriaimagem, com carácter comercial ou não e, por outro, secaracteriza como o direito que tem a pessoa de impedir que umterceiro possa praticar esses mesmos actos, sem a suaautorização».Não sendo o direito à imagem, como de resto sucede com osdemais direitos da personalidade, renunciável pode, todavia,suceder que um ou mais aspectos sejam excluídos daprotecção da lei pelo seu titular, designadamente através deautorização a um terceiro.Saliente-se que no âmbito da análise da imagem física doindivíduo há que separar a imagem enquanto conceitoabstracto daquilo que não é mais do que o suporte físico dessaimagem – uma fotografia, um filme, uma escultura, umagravura.Ligados à imagem humana estão valores diversos, sendo que

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um deles tem a ver com a capacidade lucrativa quedeterminada imagem possa assumir. Personalidades famosasdão lugar a imagens susceptíveis de directamenteproporcionarem lucros. A autorização aludida no art. 79 do CC poderá surgircomo um acto unilateral ou surgir no âmbito de um contrato,havendo neste caso que observar o que resulta dasrespectivas cláusulas. *IV – 3 - Consoante acordado a falecida Sr.ª D. A, bem como osseus herdeiros, tinham direito a receber 15% do valor de todasas medalhas que fossem cunhadas ou mandadas cunhar pelaR., face ao preço de venda dos estabelecimentos comerciais eque inicialmente seria de 1.800$00 (sem IVA) por cada medalha,sendo que de cada cunhagem feita a R. lhes enviaria aimportância correspondente a 15% do valor de toda essacunhagem, sendo a data do pagamento no início de cadacunhagem e devendo a R. proceder à comunicação dacunhagem com o respectivo número de medalhas a cunhar. A R. não se obrigou a cunhar um número determinadode medalhas, nem a proceder à cunhagem com umaperiodicidade estabelecida; o que foi acordado foi queprocedendo a R. à cunhagem – e quando o fizesse – entregavauma percentagem do preço de venda das medalhas, nostermos estabelecidos. A obrigação de prestar contas decorre de uma outraobrigação de carácter mais geral, a obrigação de informaçãoprevista no art. 573 do CC – esta existe sempre que o titular deum direito tenha dúvida fundada acerca da sua existência e doseu conteúdo e outrem esteja em condições de prestar asinformações necessárias. Tendo lugar a obrigação de prestarcontas sempre que alguém trate de negócios alheios ou denegócios, ao mesmo tempo, alheios e próprios, logo se verificaque esta última obrigação tem um âmbito mais restrito queaquela primeira - nem sempre que exista obrigação deinformação existe obrigação de prestação de contas: aprestação de contas é um caso corrente da prestação deinformações. Poderá, pois, haver um dever de informação sem

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que exista um dever de prestação de contas e as apelantes, sefossem titulares do direito correspondente àquele primeirodever, sempre o poderiam exercer, mesmo que não pudessemexigir prestação de contas à R..Na sentença recorrida foi entendido que no caso dos autos aobrigação de prestar contas não decorre directamente da lei eque também não existe uma obrigação contratualmente fixadade prestar contas porquanto não ocorre qualqueradministração de bens alheios.Efectivamente, nas cláusulas contratuais do acordo celebradonão se encontra plasmada qualquer obrigação de prestarcontas – a tal não se reconduzindo a obrigação decomunicação da cunhagem com o número de medalhas acunhar, aludida no nº 4 da cláusula 4ª. Como vimos, a obrigação de prestar contas encontra-se fixadacasuisticamente em várias normas. Ao invés do afirmado pelas apelantes não se vê como decorrado art. 79 do CC uma obrigação de prestação de contas, sendode salientar que, contrariando o que elas parecem pressupor, àR. não foi entregue a gestão e administração do «bem alheio»imagem da Sr.ª D. A – apenas lhe foi permitido, com ascontrapartidas económicas acordadas, cunhar medalhas com aefígie e o nome da artista. O que as apelantes pretendem comestes autos não se reporta directamente ao «direito à imagem»da falecida artista, tratado no art. 79 do CC - embora com eleesteja relacionado - mas antes tem a ver com os concretosdireitos de crédito que advêm do contrato por ela celebradocom a R.. Sucede que o art. 63 do Cod. Comercial contemplava

([6]) a obrigação de os comerciantes procederem à prestaçãode contas em diferentes tempos, consoante se tratasse denegociações isoladas, transacções comerciais de cursoseguido, ou negociações em conta corrente. No primeiro caso –negociação isolada – no fim dela; no segundo caso –negociações de curso seguido – no fim do ano, ou, quandofechadas as transacções antes do fim do ano, quando desse

fecho ([7]); no terceiro caso - negociações em conta corrente –no encerramento.

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Contudo, a aplicação deste preceito pressuporia desde logo aqualidade de comerciante por parte da R.. Ora, se é certo queas sociedades comerciais são comerciantes (art. 13 do Cod.Com.), pese embora a forma adoptada pela R. (de sociedadepor quotas), não temos apurados nos autos elementosconcretos e definidos quanto ao seu objecto – sendosociedades comerciais «aquelas que tenham por objecto apratica de actos de comércio e adoptem o tipo de sociedade emnome colectivo, de sociedade por quotas, de sociedadeanónima, de sociedade em comandita simples ou de sociedadeem comandita por acções» (art. 1 do Cod. das SociedadesComerciais). Isto, muito embora os AA. se refiram na p.i., muitosucintamente, à «ora R. Fabricante». * IV – 4 - Todavia, outra abordagem da questão que nosocupa - se a R. está obrigada a prestar contas aos AA. - podeser perspectivada, a ela se tendo referido a R. na respectivacontestação e sobre a mesma se havendo pronunciado os AA.na resposta, não chegando a sentença recorrida a versar sobretal, face à solução de direito nela considerada. No caso dos autos, consoante decorre da matéria defacto provada, a Sr.ª D. A celebrou com a R. um contrato quepelas partes foi denominado de «Contrato de Cessão deDireitos de Autor», mas que, na realidade, não se reportando àsua obra ou às suas prestações artísticas, não se reconduz a

quaisquer direitos de autor de que a primeira fosse titular ([8]). Nos termos do clausulado naquele contrato a Sr.ª D. Aautorizou a R. a utilizar a sua imagem e o seu nome emmedalhas que cunhasse ou mandasse cunhar, com acontrapartida do recebimento de uma percentagem do preçodaquelas medalhas - por ela (enquanto viva) ou pelos seusherdeiros (após o seu decesso). Aqui se situa um relevante obstáculo no que se refereao direito de que os AA. se arrogam, ou seja ao direito dos AA.exigirem à R. a prestação de contas. É que os AA. não sãoherdeiros da falecida Sr.ª D. A mas, apenas legatários, a quemesta deixou bens determinados, «todos os direitos de autor e

royalties, em partes iguais» - art. 2030 do CC ([9]).

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Como já salientámos, em causa não estão direitos deautor da Sr.ª D. A, não se perspectivando, também,

propriamente a consideração de quaisquer «royalties» ([10]). Não tem, aliás, consistência o defendido pelas apelantesquando da resposta à contestação sobre desconhecerem se asmedalhas foram, ou não, cunhadas com uso de letras demúsicas da autoria da artista ou com temas da suainterpretação. Caso tal tivesse sucedido - o que dizem os AA.desconhecer e, por isso, não afirmam - relevaria a outro nível;aqui o que se discute é o direito a exigir a prestação de contascom reporte à cunhagem de umas medalhas específicas, asprevistas no contrato celebrado, mencionadas nos arts. 1 e 2da p.i., e que consistem em medalhas cunhadas com o nome eimagem da artista. Refira-se, ainda, que agora já não estamos perante aautorização do cônjuge sobrevivo ou de qualquer descendente,ascendente, irmão, sobrinho ou herdeiro, segundo esta ordem,consoante decorre da segunda parte do nº 1 do art. 79 do CC: oconsentimento para a utilização da imagem da Sr.ª D. A já fora

anteriormente dado por esta ([11]). Estamos, sim, perante algoque surge na sequência do consentimento que a própriaretratada prestou no âmbito do contrato por si celebrado:perante direitos de crédito decorrentes daquele contrato. * IV – 5 - Do que acabámos de expor resulta que os AA.não são os actuais titulares destes direitos de crédito sobre a

R. ([12]) – os AA. são legatários e não herdeiros da falecida Sr.ªD. A, sendo que o legado não incluía os direitos em referência. Ora, o pedido judicial de prestação de contas só temrazão de ser quando o R. exerceu administração ou gerência debens ou interesses do A. – não sendo possível a administraçãoou gerência pela R. de interesses dos AA.: uma vez que estesnão são titulares daqueles direitos de crédito, não podempedir-lhe a prestação de contas.Saliente-se que aquilo que está em causa é não possuírem osAA. o direito substancial de que se arrogaram, o de exigirem aprestação de contas; tratando-se esta de uma questão de

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fundo e não de uma questão processual ([13]) daí resulta aimprocedência da acção. * V - Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relaçãoem julgar improcedente a apelação, confirmando a sentençarecorrida, embora com fundamento em argumentação diversa. Custas pelas apelantes. *Lisboa, 10 de Abril de 2008

Maria José MouroNeto NevesIsabel Canadas

______________________________________________________

[1] Ver Lopes do Rego, “Comentários ao Código de Processo Civil”, 1ª edição, pag. 648.[2] “Processos Especiais”, vol. I, pag. 303.[3] Ver, por todos, os acórdãos do STJ de 28-1-75, publicado no BMJ nº 243, pag. 265, e de

1-7-2003 ao qual se pode aceder em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/ , processo 03A1913.[4] Capelo de Sousa , “O Direito Geral de Personalidade”, pag. 246.[5] Em «Dos Contratos Relativos ao Direito à Imagem», publicado em «O Direito», ano

133º, 2001, II, pag. 405.[6] O Decreto-Lei nº 76-A/2006, de 29 de Março, revogou, entre outros, o artigo 63 do

Código Comercial, tendo entrado em vigor no dia 30 de Junho de 2006.[7] Neste sentido Adriano Antero, «Comentário ao Código Commercial Portuguez», I vol.,

pag. 152, referindo a propósito: na hipótese «das transacções de curso seguido terminarem antes

do fim do anno, como todo o credor tem direito a receber, desde logo, o seu credito, quando não

houver convenção em contrario, e todo o devedor tem também o direito a pagar … segue-se que

fechadas aquellas transacções, os commerciantes são obrigados a prestar as devidas contas».[8] Dispondo o art. 9 do «Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos» relativamente

ao conteúdo do direito de autor:

«1 – O direito de autor abrange direitos de carácter patrimonial e direitos de natureza pessoal,

denominados direitos morais.

2 – No exercício dos direitos de carácter patrimonial o autor tem o direito exclusivo de dispor dasua obra e de fruí-la e utilizá-la, ou autorizar a sua fruição ou utilização por terceiro, total ou

parcialmente.

3 – Independentemente dos direitos patrimoniais, e mesmo depois da transmissão ou extinção

destes, o autor goza de direitos morais sobre a sua obra, designadamente o direito de reivindicar

a respectiva paternidade e assegurar a sua genuinidade e integridade».

Por outro lado, e atento o nº 1 do art. 1, «consideram-se obras as criações intelectuais dodomínio literário, científico e artístico, por qualquer modo exteriorizadas, que, como tais, são

protegidas nos termos deste Código, incluindo-se nessa protecção os direitos dos respectivos

autores».

Resultando do nº 1 do art. 176 do mesmo Código – que se refere aos direitos conexos -

que «as prestações dos artistas intérpretes ou executantes, dos produtores de fonogramas e de

Page 13: 27/11/11 Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa Acyrdãos ... · documentado a fls. 10-12, denominado de «Contrato de Cessão de Direitos de Autor». B ± Nos termos do aludido

27/11/11 Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa

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videogramas e dos organismos de radiodifusão são protegidas nos termos deste título».[9] Quando haja uma instituição de um sucessor pela qual ele vai suceder em bens que não

estão previamente determinados, os quais abranjam quer a totalidade do património do falecido,

quer uma quota-parte e em que os bens que essa pessoa poderá vir a receber comportem um

leque de bens não determinados previamente, temos uma situação de herança; quando uma

pessoa é chamada a suceder em bens certos e determinados, com exclusão de outros bens,

deparamos com uma estrutura de legado - Capelo de Sousa, «Lições de Direito das Sucessões»,2ª edição, I vol., pags. 61-62.[10] Estas poderão ser globalmente perspectivadas como correspondendo às remunerações

de qualquer natureza pagas pelo uso ou pela concessão do uso de direitos sobre obras literárias,artísticas ou científicas, de patentes, marcas de indústria ou de comércio, desenhos ou modelos,

planos, fórmulas ou processos secretos, bem como pelo uso ou concessão do uso de equipamentos

industriais, comerciais ou científicos e por informações correspondentes à experiência adquirida

no sector industrial, comercial ou científico.[11] Não se pondo nos autos qualquer questão referente à revogação daquela autorização –

nº 2 do art. 81 do CC – e, consequentemente, à sua harmonização com o princípio da

desvinculação consensual dos contratos.[12] Ao contrário do que as apelantes defendem nas conclusões da apelação, dizendo que:«…l) As AA, são as legítimas titulares dos créditos advenientes do contrato celebrado entre a

artista Sr.ª D. A e a R…»[13] Ver, a propósito, Alberto dos Reis, Rev. Leg. e Jurisprudência, 82º, pags. 412-413, em

que com respeito ao caso ali descrito aquele autor refere: «O que sucede é que a autora veio ajuízo exigir da ré a prestação de contas, quando é certo que não lhe assiste tal direito em face da

lei substantiva. Com efeito, a prestação de contas pressupõe que a pessoa a quem são pedidas as

contas exerceu gerência ou administração de interesses da pessoa que as pede; como a ré não foi

administradora nem gerente de interesses ou negócios da autora, segue-se que esta não tem o

direito de exigir daquela a prestação de contas. Improcede, por isso, a acção».