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27/11/11 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 1/14 dgsi.pt/jstj.nsf/«/8200cc9e8efd994e802571af0052be70?OpenDocument Acyrdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Processo: 06A1434 Nº Convencional: JSTJ000 Relator: SEBASTIÃO PÏVOAS Descritores: CONTRATO DE EDIÇÃO Nº do Documento: SJ200607110014341 Data do Acordão: 11-07-2006 Votação: UNANIMIDADE Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA. Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA. Sumário : 1) O regime jurídico da empreitada prende-se com a realização de obras materiais. A realização de uma obra intelectual (literária, artística ou cientifica) não pode gerar um contrato de empreitada só pelo facto de envolver, como prestação acessória, ou secundária, a entrega de coisa material que lhe sirva de suporte. 2) A obra intelectual é coisa incorpórea distinta do seu suporte material, sendo diversos os direitos que sobre eles incidem. 3) O contrato de edição sup}e uma criação intelectual não pré ordenada pelo editor, que a publica, autorizado pelo criador que transmite, ou não, o direito de autor. 4) Encomenda é o contrato em que alguém se obriga a produzir uma obra literária, científica ou artística, para outra pessoa, fora do âmbito de um contrato de trabalho ou do cumprimento de um dever funcional, com ou sem remuneração, presumindo-se ser o criador intelectual. 5) Ao contrato de encomenda aplicam-se as regras do contrato de prestação de serviço e subsidiariamente as do mandato.

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Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de JustiçaProcesso: 06A1434

Nº Convencional: JSTJ000

Relator: SEBASTIÃO PÓVOAS

Descritores: CONTRATO DE EDIÇÃO

Nº do Documento: SJ200607110014341

Data do Acordão: 11-07-2006

Votação: UNANIMIDADE

Texto Integral: SPrivacidade: 1

Meio Processual: REVISTA.

Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA.

Sumário : 1) O regime jurídico da empreitada prende-secom a realização de obras materiais.A realização de uma obra intelectual (literária,artística ou cientifica) não pode gerar um contrato deempreitada só pelo facto de envolver, comoprestação acessória, ou secundária, a entrega decoisa material que lhe sirva de suporte.

2) A obra intelectual é coisa incorpórea distinta doseu suporte material, sendo diversos os direitosque sobre eles incidem.

3) O contrato de edição supõe uma criaçãointelectual não pré ordenada pelo editor, que apublica, autorizado pelo criador que transmite, ounão, o direito de autor.

4) Encomenda é o contrato em que alguém seobriga a produzir uma obra literária, científica ouartística, para outra pessoa, fora do âmbito de umcontrato de trabalho ou do cumprimento de umdever funcional, com ou sem remuneração,presumindo-se ser o criador intelectual.

5) Ao contrato de encomenda aplicam-se asregras do contrato de prestação de serviço esubsidiariamente as do mandato.

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Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

"AA", residente em Vila Nova de Gaia, intentouacção, com processo ordinário, contra o"Empresa-A", com sede no Porto.

Pediu a condenação do Réu a pagar-lhe a quantiade 21 198, 91 euros - acrescida de 1 607, 59euros, de juros vencidos - e juros vincendos,correspondente ao pagamento de um livro sobrea história do clube, escrito pelo Autor.

O Réu provocou a intervenção de "Empresa-B", aquem teria imputado a responsabilidade dopagamento ao Autor.

A final, a sentença do Tribunal de Vila Nova deGaia, julgou a acção parcialmente procedente econdenou o Réu a pagar ao Autor 14 515,92euros acrescidos de juros desde o trânsito eabsolveu "Empresa-B" do pedido.

Apelou o Réu, mas a Relação do Porto confirmouo decidido na 1ª Instância.

Pede agora revista assim concluindo:

- O Acórdão é nulo, de acordo com os artigos158º nº1, 668º nº1 e 716º do Código de ProcessoCivil.

- O Autor pediu o pagamento de direitos de Autor,que computou em 22 806,50 euros, nos termosdo artigo 91º nº 3 do CDA, alegando que a obraestá à venda desde Dezembro de 2000, tendosido vendido cada livro por 8500$00, numaedição de 2000 exemplares.

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- Ao condenar-se com base num contrato deprestação de serviços inominado fez-se umaerrada aplicação do direito.

Concluiu pedindo a absolvição ou a redução domontante segundo a equidade.

Contra alegou o Autor para defender o julgado.

As instâncias consideraram assentes osseguintes factos:

- O Autor é licenciado em História e elaborou olivro "... - A Primeira Historia";

- Que foi impresso e distribuído pela "Empresa-B";

- O Autor, na qualidade de licenciado em Historia,foi contactado pelo Réu para elaborar a históriado clube;

- Os contactos foram intermediados pelo Prof.BB;

- Que, à data, era director do jornal "O ...";

- Os contactos iniciaram-se em 1988 emantiveram-se até Dezembro de 2000;

- Ao longo de todo o trabalho de preparação daobra, sempre o Prof. BB abordou o Autor sobre ovalor do trabalho e forma de pagamento domesmo;

- Os contactos também foram feitos pelo Dr. CC,como representante do Réu "Empresa-A";

- A obra inicialmente contratada teria de ser feitaem dois volumes;

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- O Vice-Presidente do "Empresa-A", Dr. CC, nojantar comemorativo do 97º aniversário do clube,entregou ao Autor um cheque de 200 000$00;

- Do total de 2003 exemplares feitos, foramvendidos ao "Boavista" 1000 exemplares pelopreço unitário de 2.430$00 e 432 exemplares dolivro pelo preço de capa de 8095$00.

Foram colhidos os vistos.

Conhecendo,

1- Omissão de conhecimento.2- Qualificação do contrato.3- Encomenda.4- Conclusões.

1- Omissão do conhecimento.

O recorrente alega que o Acórdão recorrido não"conheceu nenhuma das questões suscitadas" naapelação "seja quanto à decisão que julgou amatéria de facto, seja quanto à douta sentença",sendo que tudo o que se diz quanto à matéria defacto "é meramente conclusivo", nada foi ditoquanto à qualificação do contrato nem quanto ao"quantum" indemnizatório.

Assaca, assim, omissão de pronúncia,conducente à nulidade do nº1, alínea d) do artigo668º do Código de Processo Civil.

Antes do mais, refira-se que a Relação usou dafaculdade do nº5 do artigo 713º do CPC, emAcórdão tirado por unanimidade e meramenteconfirmatório.

Mas não o fez totalmente, já que e por ter sido

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também impugnada a matéria de facto, teria depronunciar-se, expressa e autonomamente, sobreeste segmento.

E fê-lo, não em termos meramente conclusivos,mas analisando e acolhendo os princípios quedisciplinam os factos a considerar provados,acolhendo o que ficou assente na 1ª Instância.

Ademais, o recorrente ao apelar para o artigo690º A do CPC, levou a Relação a reapreciar aprova produzida em 1ª Instância, o queseguramente fez. ("Ouvidos e lidos osdepoimentos das testemunhas inquiridas emaudiência e ponderando os depoimentosjuntos...").

Quanto à parte remissiva do Acórdão ("quantum"indemnizatório e qualificação do contrato) amatéria fora devidamente detalhada na 1ªInstância.

Não há qualquer violação dos artigos 668º nº1 d),660º nº2 e 158º do CPC.

2- Qualificação do contrato.

Há que qualificar o contrato celebrado entre oAutor e o Réu.

Perfilam-se três figuras contratuais: contrato deempreitada, contrato de edição e contrato deprestação de serviço.

O Acórdão do STJ de 3 de Novembro de 1983 -BMJ 331-489 - decidiu, em situação similar, masde produção televisiva, tratar-se de contrato deempreitada.

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Depois de ponderar ser indubitável estar-se noâmbito da "actuação intelectual ou criação deespírito, aliado à criação estética e artística"entendeu que também teve de desenvolver-se nacriação ou produção de algo "de caráctermaterial, dado que os programas tinham deorganizar-se em filmes, fitas magnéticas e outrosmateriais", de modo a tornar possível a suaemissão.

E considerando que, na obra da empreitada, deveexistir algo de corpóreo, a materialização dostextos em fitas deve ser tida como "coisa", sendouma obra, nos termos e para os efeitos do artigo1207º do Código Civil.

O aresto teve dois votos de vencido quedefenderam tratar-se de contrato de prestação deserviço inominado de produção e realização deobra intelectual, "criação de natureza artística ouespiritual e não de construção de coisa corpórea".

Em anotação na RLJ (121-183 ss), o Prof.Antunes Varela entende que, segundo aconcepção do Código Civil, o contrato deempreitada tem necessariamente por objecto arealização de uma obra no sentido material dotermo.

A decisão não afasta este entendimento por exigiralgo de corpóreo.

Só que se bastou com meros elementosmateriais que corporizam a ideia ou a criação.

Aí, o principal ponto de discordância do Mestreque, apelando para a noção de "coisa", afirmanão poder confundir-se "a coisa sobre a qualincide a obra, com obra que recai sobre a coisa."

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É que, "a obra que define a causa típica ou afunção económico-social da empreitada, refere-seao acto que o empreiteiro se obrigou a realizar(...) e não à coisa sobre a qual o acto incide."

Conclui, então, que o regime jurídico daempreitada tem a ver com a realização de obrasmateriais, sendo que a realização de uma obraintelectual não gera um contracto desse tipoapenas por envolver, como prestação acessória,secundária ou complementar a entrega de coisacorpórea. (cf. em sentido oposto, os Profs. FerrerCorreia e Henrique Mesquita, in "A obraintelectual como objecto do contracto deempreitada", apud R.O.A 45, 1985, 129 ss)

Mas é certo que "a relação umbilical que liga aobra literária, artística ou cientifica àpersonalidade do autor, por força da qual elareflecte a liberdade (de criação) ... não seconfunde com o regime típico da empreitada,nem sequer, no seu aspecto estático, com oregime jurídico da propriedade."

O Prof. Oliveira Ascenção (in "Direito de Autor eDireitos Conexos", 422) refere que "em abstracto,nada exclui que uma encomenda de obra literáriase processe nos termos do contrato deempreitada."

Mas cumpre notar que uma obra feita porencomenda, ou por conta de outrem (conceitoconstante dos artigos 14º nº 1 e 168º do Códigodo Direito de Autor) pode ter na sua origemnegócios muito diversos, como sejam umcontrato de trabalho (artigo 174º) o cumprimentode um dever funcional, não podendo, sem mais,

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proceder à sua qualificação.

O Acórdão do STJ de 2 de Fevereiro de 1988 -BMJ 374-449 - decidiu que o contrato onde seclausulou que uma pessoa retratasse outra numquadro a óleo, integra uma prestação de serviçoinominada, regulada pelas normas do mandato.

Isto porque, e ainda neste acórdão, a obramaterial objecto do contrato de empreitada nãoabrange uma criação intelectual de domínioartístico.

Aceita-se, sem relevantes reservas, oentendimento do Prof. Antunes Varela por ser oque mais acolhe os princípios fundamentais docontrato de empreitada. (cf. o Prof. Galvão Telles,in "Aspectos comuns a vários contratos", 76; Prof.Vaz Serra, "Empreitada", Sep. BMJ 145 e 146-7;Prof. Calvão da Silva, ROA, 45, 129 ss e oAcórdão do STJ de 14 de Maio de 1948, RLJ 81-151).

A palavra "obra", quando associada a empreitada,é-o em sentidos material e principal, que nãocomo suporte ou acessório de criação intelectualou artística.

O Código dos Direitos de Autor e dos DireitosConexos (aprovado pelo DL nº 63/85, de 14 deMarço, e com as alterações da Lei nº 45/85, de 17de Setembro, da Lei nº 114/91, de 3 deSetembro, do DL nº 322/97 de 27 de Novembro,do DL 334/97 de 27 de Novembro e da Lei nº50/04, de 24 de Agosto) distingue - no artigo 10º -obra intelectual como "coisa incorpórea" e odireito que sobre ela incide, do direito depropriedade sobre o seu suporte material ("as

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coisas materiais que sirvam de suporte à suafixação ou comunicação.").

Haveria, então, um contrato inominado deprestação de serviço, para criação de obraintelectual do domínio literário (artigo 2º nº1,alínea a) do CDA), também apodado deencomenda. (cf. o Prof. Oliveira Ascenção, ob. cit.421 e o Dr. Luís Francisco Rebelo, "Introdução aoDireito de Autor", I, 109), aplicando-se-lhe asregras do mandato (artigos 1157º a 1160º e 1156ºdo Código Civil).

Assim é sempre que a encomenda não surja emcumprimento de um contrato de trabalho - o queacontece, com frequência com trabalhosjornalísticos, situação contemplada no artigo 174ºdo CDA e nº 3 do artigo 19º do mesmo diploma -ou em acatamento a um dever funcional - comov.g., a elaboração de um texto destinado apublicação para uma campanha de sensibilizaçãoou divulgação do seu serviço, por um funcionáriopúblico.

Certo que não há contrato de edição - que ématriz dos contratos típicos do Código do Direitode Autor (artigo 83º) já que este pressupõe apublicação autorizada pelo criador, ou aconcessão do direito de publicação (sem ou coma transmissão permanente, ou temporária, dodireito de autor) de obra para cuja criação o editornão contribuiu contratualmente.

Na óptica do Dr. Luís Francisco Rebelo (in"Código do Direito de Autor e dos DireitosConexos" - Anotado - 1985, 141) a autorizaçãonão implica a transmissão do direito de autorsobre a obra editada.

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Ainda que esta questão não releve aqui, semprese dirá que assim é, de acordo com o nº1 doartigo 41º do CDA - e nº1 do artigo 88º - emboraessa transmissão possa ser clausulada.

3- Encomenda.

3.1- Muito embora o Prof. Oliveira Ascenção (ob.cit. 423) considere que "a qualificação do contratode encomenda é quase um problema virgem naordem jurídica portuguesa", devendo atentar-seno tipo mais "adequado", entende-se, comoacima se referiu, ser mais próximo do mandato.(Note-se que o Prof. Baptista Machado -Anotação aos Acórdãos do STJ de 3 deNovembro de 1983, RLJ 118-274 - consideravaexistir um contrato inominado a integrar ou naempreitada ou no mandato).

O artigo 1318º do Código Civil de 1867 definia ocontrato de mandato, ou de procuradoria, comoaquele em que alguém "se encarrega de prestar,ou fazer alguma coisa por mandado e em nomede outrem."

Inicialmente, ainda no direito romano, o mandatomais não era do que uma prestação de serviçosfeita pelo mandatário em nome próprio, tendocomo característica ser gratuito.

Todavia, como nota o Dr. DD, na última fase"admitiu-se o mandato representativo e bemassim que o mandatário pudesse receberhonorários, não a titulo de remuneração, mas simcomo prova de reconhecimento do mandante."(apud, "Tratado de Direito Civil", VII, 387).

Na esteira do artigo 1º proposta pelo Prof. Galvão

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Telles ("Contratos Civis - Mandato" BMJ 83-258)que transitou para o Anteprojecto do Código Civil- 1ª Revisão Ministerial. (artigo 1157º) "Omandato é o contrato pelo qual uma das partes seobriga a praticar um ou mais actos jurídicos porconta da outra."

Já no contrato de prestação de serviço (artigo1154º) uma das partes obriga-se "a proporcionarà outra certo resultado do seu trabalho intelectualou manual, com ou sem retribuição."

O Prof. Galvão Telles (ob.cit. "Contratos Civis",173) acentuava que "o mandato tem de especificoem relação aos demais contratos de prestação deserviços, a natureza do seu objecto que é aprática de actos jurídicos" (...) "Sempre que umapessoa promete à outra a sua colaboraçãojurídica, pondo à disposição dela a suacapacidade de agir no mundo do Direito,contratando com terceiros ou praticando outrosactos jurídicos em face deles, constitui-se umvinculo de mandato."

O objecto do negócio faz o "distinguo" entremandato e prestação de serviço, mas o regimedaquele é subsidiariamente aplicável a este(artigo 1156º do CC).

Tal como o mandato, a prestação de serviço podeser gratuita ou remunerada, mas no mandato valea regra da gratuitidade - presunção do nº1 doartigo 1158º do CC - presumindo-se, contudo,oneroso se o mandatário o praticar por profissão.

Procurando definir o contrato de encomendacomo aquele em que alguém se obriga a produziruma obra literária, cientifica ou artística para outra

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pessoa, com ou sem retribuição, fora do âmbitode um contrato de trabalho ou do cumprimento deum dever funcional, presumindo-se ser o criadorintelectual.

A presunção de criação intelectual, releva paraaferir da titularidade dos direitos de autor (nº2 doartigo 14º do CDA).

Ao contrato de encomenda aplicam-se as regrasdo contrato de prestação de serviço esubsidiariamente as do mandato, nos termosacima expostos.

3.2- Da matéria de facto elencada, conclui-se tersido ilidida a presunção de gratuitidade do nº1 doartigo 1158º do Código Civil, já que fora acordadoque a obra seria paga.

Não se acordou o montante da remuneração.

A 1ª Instância (para onde a Relação remeteu, nostermos do nº5 do artigo 713º do CPC), usou ocritério de equidade do nº2, "in fine" do citadoartigo 1158º, utilizando, por similitude, as regrasdo nº3 do artigo 91º do CDA, por referência aonumero de exemplares vendidos e ao respectivopreço de capa. (25%, no contrato de edição semretribuição estipulada).

A equidade (aqui "ex vi" da alínea a) do artigo 4ºdo CC) destina-se a encontrar a solução maisjusta no caso concreto.

Como refere o Prof. Castanheira Neves, "aequidade, exactamente entendida, não traduzuma intenção distinta da intenção jurídica, é antesum momento essencial da juridicidade." (apud"Questão de Facto - Questão de Direito", 1967,

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351), ou, para o Prof. José Tavares, "a expressãoda justiça num dado caso concreto". (in"Princípios Fundamentais do Direito Civil", I, 50).

É uma justiça de proporção, ou de equilíbrio, foradas regras rígidas da norma.

Por isso os critérios do contrato de edição - emque está em causa uma actividadeessencialmente comercial e cujo escopo é avenda ao público de exemplares da obra - sópodem ser aqui utilizados como mero critério dereferência longínquo.

Tratando-se de historiar uma agremiaçãodesportiva, mais prevalecem, critérios depromoção e divulgação a sobreporem-se ao doslucros da edição.

Parece, assim, adequada uma remuneração de10 000,00 euros, que se afigura equilibrada eequitativa, com juros a contar do trânsito.

4- Conclusões.

Pode concluir-se que:

a) O regime jurídico da empreitada prende-secom a realização de obras materiais.A realização de uma obra intelectual (literária,artística ou cientifica) não pode gerar um contratode empreitada só pelo facto de envolver, comoprestação acessória, ou secundária, a entrega decoisa material que lhe sirva de suporte.

b) A obra intelectual é coisa incorpórea distinta doseu suporte material, sendo diversos os direitosque sobre eles incidem.

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c) O contrato de edição supõe uma criaçãointelectual não pré ordenada pelo editor, que apublica, autorizado pelo criador que transmite, ounão, o direito de autor.

d) Encomenda é o contrato em que alguém seobriga a produzir uma obra literária, científica ouartística, para outra pessoa, fora do âmbito de umcontrato de trabalho ou do cumprimento de umdever funcional, com ou sem remuneração,presumindo-se ser o criador intelectual.

e) Ao contrato de encomenda aplicam-se asregras do contrato de prestação de serviço esubsidiariamente as do mandato.

Nos termos expostos, acordam concederparcialmente a revista e condenar o Réu a pagarao Autor a quantia de 10 000,00 euros, com jurosdesde o trânsito em julgado.

Custas por recorrente e recorrido na proporção dodecaimento.

Lisboa, 11 de Julho de 2006Sebastião PóvoasMoreira Alves Alves Velho