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PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3

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Maria Cristina Sanches Amorim

Eduardo Bueno da Fonseca Perillo

(organizadores)

PARA ENTENDER A

SAÚDE NO BRASIL 3

São Paulo

2009

LCTE Editora

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3 © 2009 Eduardo Bueno da Fonseca PerilloMaria Cristina Sanches Amorim

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil).

Índices para catálogo sistemático:1. Brasil: Saúde: Administração: Economia da saúde 362.109812. Brasil: Saúde: Planejamento: Economia da saúde 362.10981

Reservados todos os direitos de publicação à LCTE Editora(LCTE Editora é uma divisão da PAYM Gráfica e Editora Ltda.)

LCTE EditoraRua Venâncio Aires, 346 – São Paulo – SP

CEP 05024-030 – Tel: (11) 3673-6648 Fax: (11) [email protected]

Para entender a saúde no Brasil 3 / Eduardo Bue-no da Fonseca Perillo, Maria Cristina Sanches Amorim (organizadores) -- São Paulo : LCTE Editora, 2009.

Vários autores

BibliografiaISBN 978-85-98257-89-1

1. Instituições de saúde - Brasil 2. Política médica – Bra-sil 3. Serviços de saúde – Administração – Brasil 4. Sis-temas de saúde – Agências - Brasil I. Perillo, Eduardo Bueno da Fonseca. II. Amorim, Maria Cristina Sanches.

09-12078 CDD-362.10981

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Apresentação

Em 2007 organizamos o primeiro volume da coletânea “Para en-tender a saúde no Brasil”. Em 2008, o segundo, e em 2010, apresen-tamos aos leitores o volume 3. O traço de união entre os três trabalhos é a diversificação dos conteúdos e de posicionamento, estratégia para mostrar o grau de complexidade do setor dos bens e serviços de saúde no Brasil.

A coletânea resulta das atividades regulares do grupo de pesqui-sa sobre economia e gestão de saúde do programa de pós-graduação da PUC/SP, inserido no núcleo de estudos em regulamentação eco-nômica e estratégias empresariais. Ao longo dos últimos quatro anos, mestrandos, doutorandos, mestres, doutores e profissionais destacados (das organizações governamentais e privadas) participaram das ativi-dades de descrição e análise do setor saúde. Os artigos expressam as especificidades dos vários segmentos: farmacêutico, hospitais privados, instâncias regulamentadoras, gerenciamento do benefício de farmácia (conhecido como PBM, do inglês, pharmacy benefit management), fon-tes pagadoras privadas, SUS e programas de prevenção e promoção de saúde.

A descrição exaustiva de qualquer fenômeno é impossível: a re-alidade altera-se muito rapidamente, os dados primários são sempre parciais e, o mais importante, o olhar do observador é posicionado, ine-vitavelmente. Conscientes dos limites inerentes à natureza da pesquisa (iniciada em 2006), nossa coletânea não busca compreender todos os aspectos do setor saúde no Brasil, mas capturar os debates considera-dos relevantes e explorar as diferentes visões e posicionamentos.

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3 Na coletânea lançada em 2007, exploramos dois eixos analíticos do setor, no Brasil: o acirramento da competição entre as organizações da saúde suplementar e a falsa ideia de crise permanente no setor. Em 2007, a política macroeconômica ainda era intencionalmente recessiva (juros e impostos elevados, redução dos gastos públicos para aumento do superávit primário). A média anual do PIB (pelo deflator implícito) foi de apenas 3,43% para o período de 2003/06, os gastos públicos com saúde seguiram a mesma tendência, de 3,7% (no mesmo período) (DA-TASUS/SIOPS, 2008). Como termo de comparação, basta lembrar que a projeção de crescimento do PIB, para 2010, está acima de 5,5%, ape-sar da crise econômica mundial de 2008. Em 2006, estávamos diante de um movimento geral de modestas taxas de crescimento econômico e consequente aumento da competição entre os agentes pelo PIB seto-rial, e não de crise específica do setor saúde.

No trabalho de 2008, os eixos de análise foram a inovação nos processos gerenciais e as reações das organizações (governamentais e privadas) à regulamentação econômica. O contexto macroeconômi-co caracterizava-se pelos juros altos e câmbio desvalorizado, pois o primeiro causava o segundo. Premido pelo alto custo da dívida interna e manutenção do superávit primário, o governo intensificou controles econômicos, na tentativa de conter gastos sem reduzir significativa-mente a oferta de serviços. As organizações privadas por sua vez, redesenharam processos para reduzir custos e buscaram por novas formas de financiamento junto aos bancos e bolsa de valores.

Em “Para entender a saúde no Brasil 3”, selecionamos as refle-xões sobre a regulamentação econômica; o papel do Estado no fomento à pesquisa de fármacos; os vinte anos do SUS; as ferramentas de ges-tão de processos, de marketing e o controle dos impactos ambientais nas atividades hospitalares; as atividades das empresas gerenciado-ras do benefício de farmácia (PBM); as experiências surgidas no Reino Unido para compartilhamento do risco da inovação; a importância dos programas de prevenção e promoção de saúde nas organizações pri-vadas. Em 2009, a política econômica adquiriu tons desenvolvimentis-tas, o BNDES ampliou a oferta de crédito (por exemplo, o PROFARMA,

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voltado para as indústrias farmacêuticas), a taxa de juro oficial (SELIC) finalmente veio abaixo de 10% ao ano. As discussões relevantes tratam da eficácia (das organizações, dos agentes reguladores) e das conse-quências ambientais do setor saúde, as queixas da “crise” estão em segundo plano.

Maria Cristina Sanches [email protected]

Eduardo Bueno da Fonseca [email protected]

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Índice

Sustentabilidade da medicina Reynaldo André Brandt 11

Opinião: A sustentabilidade do setor de saúde e o incentivo da capacita-ção profissional José Carlos Abrahão 41

Modelos de gestão - importância para a continuidade e qualidade das organizações de saúde Haino Burmester 45

Inovação e a área da saúde Ana Maria Malik 71

Marketing e o gerenciamento do relacionamento com o cliente no seg-mento hospitalar Luiz Claudio Zenone 89

Os 20 anos do SUS – avaliação das “escolhas de Estado” entre avanços políticos e fragilidades financeiras Leonardo Trevisan 107

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3 Inovações tecnológicas em neonatologia - estudo dos casos de dois hospitais paulistanos Lutufyo W. Mwamakamba e Paola Zucchi 121

Reflexões sobre a regulamentação dos preços dos medicamentos no Brasil Maria Cristina Sanches Amorim, Eduardo Bueno da Fonseca Perillo e Fernão Almeida 133

A indústria farmacêutica: investimento em pesquisas e incentivos go-vernamentais Aldemir Evangelista da Cruz e Maria Cristina Sanches Amorim 163

Gerenciamento do benefício em medicamentos – instrumento de infor-mações para prevenção e promoção de saúde Jorge André Rocha de Sousa 181

O modelo assistencial e o financiamento da saúde no Brasil José Antonio Diniz de Oliveira e Isabella Vasconcellos de Oliveira 201

Reembolso condicional e compartilhamento de risco (risk sharing) na adoção de novas tecnologias em saúde Gabriela Tannus Branco de Araújo e Marcelo Cunio Machado Fonseca 225

A Nova Economia Institucional e a gestão da saúde corporativa

Jin Whan Oh 233

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Sustentabilidade da medicina

Reynaldo André Brandt - Médico neurocirurgião, presidente do Conselho Deliberativo do Hospital Israelita

Albert Einstein, ex-presidente da Associação Nacional de Hospitais Privados – ANAHP.

INTRODuçãO

Uma das maiores preocupações da humanidade no início do sé-culo XXI é a da sustentabilidade do planeta. Ao atingirmos 6,4 bilhões de habitantes, tornou-se patente o fato dos recursos naturais serem in-suficientes para a manutenção dos hábitos de vida dos países ricos e a vontade de atingi-los pelas populações pobres. A prática dos excessos e dos desperdícios, a globalização sob inúmeros aspectos, o surgimento de graves alterações climáticas consequentes ao aquecimento ambien-tal e de pandemias, levam à necessidade de uma revisão sistêmica dos modos de vida sob os princípios da sustentabilidade.

A saúde das pessoas está sendo afetada pela degradação do ambiente, razão pela qual os profissionais da saúde estão intimamente envolvidos nessa questão (MCMICHAEL, 1993; LEAF, 1989). Acredita-se que atualmente 25% dos problemas de saúde estejam diretamente relacionados às alterações ambientais (CHEN, 1996). Vários fenôme-

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3 nos naturais, que influem positivamente sobre a qualidade de vida dos humanos, são afetados pela destruição do ambiente, como é o caso do clima, da purificação da água, da renovação do solo, da polinização, da decomposição dos dejetos, da dispersão de sementes, da manutenção da biodiversidade, da proteção contra os raios solares e do controle das epidemias (DAYLE, 1997).

Sustentabilidade é prover o melhor para as pessoas e para o am-biente, tanto agora como para um futuro indefinido. Em outras palavras, sustentabilidade é suprir as necessidades da geração presente sem afe-tar a habilidade das gerações futuras de suprir as suas. É fácil perceber que o conceito de sustentabilidade é muito mais amplo do que, frequen-temente, tem sido utilizado. Não se trata simplesmente de garantir a sobrevivência econômica de um empreendimento, independentemente dos interesses da sociedade como um todo ou uma geração.

Para que uma atividade humana seja considerada sustentável, deve preencher quatro requisitos fundamentais: ser culturalmente acei-ta, socialmente justa, economicamente viável e ecologicamente correta. Analisaremos a medicina, desde os seus primórdios até os dias atuais, sob a óptica destas quatro vertentes.

CuLTuRALmENTE ACEITA

A medicina é uma atividade culturalmente aceita desde os seus primórdios. Não só é aceita, como é considerada essencial para a qua-lidade de vida dos povos (LYONS; PETRUCELLI, 1978). A partir dos conceitos mágicos e míticos do homem pré-histórico, a medicina rapida-mente evoluiu com a incorporação de conhecimentos sobre anatomia, as características das doenças, a relação de algumas destas com fato-res ambientais e o efeito de medicamentos obtidos a partir de plantas.

No Egito antigo a medicina era praticada tanto por sacerdotes, mágicos e feiticeiros como por médicos, de acordo com evidências de

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achados arqueológicos de 2.500 a 1.500 anos antes da era cristã. Vá-rias doenças eram relacionadas a causas extranaturais ou a seres es-pirituais, sendo tratadas com poções e rituais. Papiros do Egito antigo dão conta do conhecimento de órgãos como o coração, os pulmões, o cérebro, entre outros, possivelmente pela prática do embalsamento de mortos.

A medicina era praticada na Grécia mais de 1.000 anos antes da era cristã. As atividades diárias dos gregos estavam diretamente liga-das aos deuses, assim como todos os fenômenos naturais. Parte das atividades de cura era feita em templos, mantidos por sacerdotes, para o tratamento das doenças, locais em que os enfermos se banhavam, dormiam, meditavam e faziam oferendas a Asclépio. Este era um deus menor, nascido como mortal, filho de Apolo e da mortal Corônis, tendo sido hábil cirurgião. Pretendia igualar-se aos deuses e tornar os huma-nos imortais, razão pela qual foi fulminado por Zeus. Apesar disso, era venerado como deus da cura, juntamente com suas duas filhas, Hygiea e Panacea. A primeira era a deusa dos hábitos de higiene, da preven-ção, da saúde pública. Panacea era a deusa das poções, das drogas curativas, da farmácia. Ao se internarem nas asclepéias, os doentes gregos eram estimulados a dormir para que fossem visitados por Asclé-pio e suas filhas durante o sono e assim curados.

Da mitologia grega podemos inferir a existência de conceitos que se mantêm até o presente. É o caso da subordinação dos profissionais de saúde à realidade da finitude da vida e da necessidade de manter a humildade diante da morte, assim como da importância das medidas de higiene e saúde pública. A busca pela panacéia, capaz de curar todas as enfermidades, continua desde aquela época.

Diferentemente dos tratamentos nas asclepéias, médicos gregos procuravam causas naturais para as doenças e a morte. Hipócrates, que viveu cerca de 400 antes da era cristã, até hoje é venerado como o pai da medicina, sendo ainda atual o juramento hipocrático. Este inclui a men-ção de “antes de mais nada, não fazer mal ao paciente”, devendo o mé-dico abster-se de ações prejudiciais aos doentes. Ele foi o mais famoso e importante médico da Grécia Antiga, introduzindo as práticas da observa-

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3 ção, documentação e raciocínio clínico para o entendimento das causas das doenças. Separou a prática da medicina da sacerdotal. Defendeu a existência de causas naturais das doenças, a existência de característi-cas constantes passíveis de observação e classificação das mesmas.

A Roma antiga herdou os conhecimentos da medicina grega, bem como os mitos de Asclépio, que nessa cultura passou a ser chamado de Esculápio, e de suas filhas. Santuários erigidos a Esculápio tornaram-se sanatórios. Os romanos desenvolveram os princípios de higiene e saúde pública como fundamentais para a prevenção de doenças. Cria-ram cidades próximas a fontes de água potável e, com seu crescimen-to, construíram aquedutos para o seu fornecimento à população, assim como sistemas de esgotos. Consideraram a saúde mental tão importante quanto a saúde física. Criaram banhos públicos para que todos os cida-dãos pudessem manter hábitos de higiene. As grandes cidades tinham banheiros públicos e muitas das casas tinham seus próprios banheiros.

Os romanos evitavam instalar acampamentos militares nas pro-ximidades de pântanos, temendo as doenças transmitidas por “vapores venenosos e organismos invisíveis” que os habitavam. Galeno, que vi-veu no segundo século da era cristã, tratou seus pacientes com medica-mentos cujo efeito estudou metodicamente, criando uma classificação racional e sistemática dos mesmos. Sugeriu que os medicamentos de-veriam ter propriedades opostas às das causas das doenças. As pro-priedades seriam o seco, o úmido, o quente e o frio. Os medicamentos deveriam ser prescritos segundo um conjunto de fatores que incluíam a idade, a raça, a personalidade do paciente, bem como a natureza dos “humores” do seu organismo.

Na medicina chinesa antiga, os conceitos de Yin e Yang foram expressos pelo menos desde 200 anos antes da era cristã. Yin corres-pondia ao feminino, à lua, à terra, à água, à noite, ao frio, ao escuro e ao nebuloso. Yang correspondia ao masculino, ao sol, ao céu, ao dia, ao fogo, ao calor, ao seco e ao brilhante. Essas duas forças estariam ligadas aos elementos fundamentais como o fogo, a água, a madeira, o metal e a terra. A harmonia entre o Yin e o Yang corresponderia à saú-de, enquanto que o seu desequilíbrio levaria à doença e à morte. Aos

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médicos cabia a tarefa de diagnosticar os desequilíbrios e restaurar a harmonia corporal, através de ervas, cirurgia e acupuntura.

Com a destruição do Império Romano, desapareceu grande parte dos conhecimentos e da prática médica. Passou a prevalecer, durante toda a Idade Média, o conceito da Igreja Católica segundo o qual as do-enças eram o resultado de punições divinas pelos pecados cometidos. Quaisquer opiniões em contrário eram consideradas heréticas e passí-veis de punição. Médicos relacionavam o aspecto da urina com cartas dos signos para diagnosticar as doenças. Os diagnósticos eram forte-mente influenciados pela astrologia, sendo os signos considerados im-portantes nas decisões terapêuticas, particularmente quanto aos locais que não deveriam ser incisados para sangrias. Além dessas, os vomitó-rios e os purgativos eram largamente utilizados. Durante a peste negra era comum a prática da autoflagelação, como prova do amor a Deus e a purgação dos pecados cometidos. Ao mesmo tempo, nos países euro-peus sob dominação islâmica, surgiram os primeiros hospitais para o tra-tamento de doenças, inclusive as contagiosas e as mentais. As pessoas eram tratadas por médicos e enfermeiras, formados em universidades.

O Renascimento permitiu um novo e grande impulso para a me-dicina. A prática da dissecção do corpo humano foi instituída nas uni-versidades. Paracelso contrapôs-se aos conceitos de Galeno, cujas obras queimou em praça pública. Desenvolveu uma farmacologia com fórmulas relativamente simples, a partir de elementos naturais e vários minerais. Ambroise Paré desenvolveu novas técnicas cirúrgicas, de-fendeu a ligadura de vasos para o controle das hemorragias em lugar das cauterizações e foi considerado o maior cirurgião de sua época. As práticas aplicadas aos feridos de guerra foram levadas às populações civis. A medicina passou a ser formalmente ensinada em universida-des e praticada por grandes humanistas e estudiosos. A invenção da imprensa permitiu a disseminação dos conhecimentos de modo até então impossível. Os conhecimentos da medicina árabe passaram a ser estudados e novos recursos farmacológicos foram incorporados, particularmente para o controle da dor.

Nos séculos XVII e XVIII surgiram as primeiras sociedades médi-

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3 cas, levando à disseminação do conhecimento, à pesquisa e a publica-ções especializadas. William Harvey descreveu o sistema circulatório. Leewenhoek introduziu o uso do microscópio e descobriu as hemácias e as bactérias. Jenner desenvolveu a vacina contra a varíola. Foram descobertas as vitaminas e sua importância na prevenção e tratamento de doenças como o escorbuto e o raquitismo.

No século XIX surgiram as bases da chamada medicina cientí-fica, bem como dos currículos básicos das escolas médicas. Pasteur desenvolveu a microbiologia a partir dos estudos sobre a raiva e a bac-teriologia a partir dos trabalhos de Koch sobre a tuberculose e o antraz. Joseph Lister comprovou a importância da desinfecção dos instrumen-tos cirúrgicos e das mãos para a redução das complicações infecciosas das cirurgias. William Morton desenvolveu técnicas anestésicas que tor-naram as cirurgias indolores.

O início do século XX assistiu ao aparecimento dos raios-X, dos primeiros antibióticos para o tratamento da sífilis e da tuberculose, do tratamento das doenças mentais e da quimioterapia. A sua segunda me-tade foi caracterizada por um extraordinário desenvolvimento da medi-cina técnica, do crescimento das especialidades e subespecialidades, do surgimento de tecnologia cada vez mais refinada para diagnóstico e tratamento das doenças.

No início deste século a medicina está presente em cada momen-to da vida das pessoas. Sua aceitação cultural é provavelmente maior do que em qualquer outra época, sob as mais diversas formas. Mani-festa-se através da automação e maior acesso a exames laboratoriais, da precisão de sistemas de diagnóstico por imagens como a ressonân-cia magnética, a tomografia por emissão de pósitrons e tantos outros, da possibilidade de abordagens cirúrgicas minimamente invasivas, da facilidade de obtenção de informações pela internet, ou mesmo pela sinergia entre o marketing e os meios de comunicação. O fato é que a medicina deixou de ser uma atividade solo e de relação direta entre o médico e o paciente.

A transformação da medicina “artesanal” em uma atividade al-tamente tecnológica, hospitalocêntrica, multiprofissional e sob forte in-

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fluência de um gigantesco complexo industrial (TOKARSKI, 2004; PE-RILLO; AMORIM, 2008), ao lado de muitas vantagens criou também uma série de desafios para a sociedade contemporânea. Entre estes estão os da despersonalização e massificação do atendimento médico, da fragmentação dos cuidados e da valorização exagerada da tecnolo-gia em detrimento do raciocínio clínico. De qualquer modo, pode-se afir-mar a presença constante de temas médicos na vida contemporânea, com todas as suas virtudes e fraquezas.

A aceitação cultural da medicina é uma realidade inegável desde os tempos primordiais até os nossos dias. Sob esse aspecto, a medicina é claramente sustentável.

SER SOCIALmENTE juSTA

A avaliação da medicina sob o prisma da justiça social necessita, antes de mais nada, da sua definição. As definições variam de acordo com indivíduos, grupos e governos. Abordagens distintas definem dife-rentemente o que seja justiça social. Talvez aquela com bases econô-micas seja a mais difundida, a saber: é a distribuição de renda ou de riqueza, de acordo com as necessidades e a capacidade das pessoas, elevando o nível de renda das massas e diluindo progressivamente as diferenças de classes. Em outras palavras, é permitir que um núme-ro cada vez maior de pessoas participe da propriedade dos meios de produção e do consumo de bens e serviços. Não entraremos no cam-po de debates entre as abordagens libertária, social-democrata e libe-ral, porém ao tratar da justiça social na medicina, verificaremos que há profundas diferenças entre países capitalistas e socialistas no trato da acessibilidade aos serviços de saúde.

Na visão libertária, os direitos individuais fundamentais incluem a vida, a liberdade e a propriedade, que devem ser defendidos e garan-tidos pelos governos. A estes não cabe prover o que as pessoas não souberam ou não puderam prover para si mesmas, como resultado do

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3 seu trabalho. Nesta visão, cabe a cada um prover as suas necessidades de assistência à saúde. Esta não é um direito individual e a sociedade não tem o dever de prover assistência à mesma.

Na visão socialista, a equidade é um valor intrínseco e que justi-fica a limitação da liberdade individual se esta se contrapuser ao direito coletivo. Nesta visão, cabe aos governos garantir o acesso aos serviços de saúde, uma vez que a vida de cada um é igualmente importante. A sociedade deve garantir tratamento às doenças que impeçam a ativida-de, afetem o bem estar e que causem sofrimento, sendo que apenas os governos podem fazê-lo com equidade, ao contrário de empresas médicas que visam lucro.

A visão liberal procura um equilíbrio entre as duas anteriores: aqueles que possuem mais têm o dever moral de ajudar os necessita-dos. As instituições devem garantir as liberdades fundamentais, como a da expressão, e a satisfação das necessidades básicas dos cidadãos, incluindo as da saúde. Os seus limites, no entanto, não são claros nesta visão. No Brasil, por exemplo, o sistema público de saúde convive com o sistema suplementar intermediado por empresas seguradoras, coo-perativas e administradoras de planos de saúde, com prestadores de serviços médicos públicos, filantrópicos e empresariais. O artigo 195 da Constituição Federal afirma que “a saúde é um direito de todos e dever do Estado” (BRASIL, 1988).

Em essência, nos países capitalistas e em especial nos Estados Unidos da América, a saúde é um negócio, enquanto que na maioria dos países socialistas é um direito do cidadão. No primeiro caso predomina o conceito do indivíduo tendo a liberdade de escolha e decisão, inclusive para a compra ou não de serviços médicos, enquanto no segundo pre-domina o conceito do coletivismo como base do bem estar social (PE-REIRA, 1990). De todo modo, não há como negar que as necessidades de saneamento e de saúde pública devem ser supridas pelos governos, independentemente das filosofias que os norteiam.

A crescente complexidade da medicina contemporânea e os seus custos crescentes fazem com que nenhum dos dois principais sistemas sociais seja satisfatório na função de distribuir equitativamente os recur-

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sos dos serviços de saúde aos cidadãos (PERILLO; AMORIM, 2008). Nos países social-democratas, os governos já não conseguem atualizar os re-cursos humanos e tecnológicos e dar acesso em tempo adequado a todos os que buscam os serviços de saúde, como também não conseguem tra-tar adequadamente os pacientes idosos e os com doenças crônicas. Nos países capitalistas, em especial nos Estados Unidos, há o grave problema de uma parcela considerável da população não ter acesso aos serviços de saúde, apesar da existência de programas específicos para pobres e ido-sos. Ao mesmo tempo, pelo custo crescente da medicina contemporânea, muito acima da inflação média em seus países, parcelas crescentes da população estão sendo alijadas do acesso à mesma (POWERS; FADEN, 2007; DHALLA, 2007).

A questão fundamental ao tratar-se da justiça social na medicina, é se a sociedade tem ou não a obrigação moral de garantir que cada cidadão tenha acesso a algum nível de assistência à saúde. Em caso afirmativo, qual deve ser o padrão desse acesso? Deve ser universal, a todos os serviços existentes, até os mais recentes ou mesmo exóticos, ou deve ser um padrão básico, de acesso a serviços essenciais? A con-clusão da 1ª Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, em 1986 no Canadá, foi de que

“a paz, a educação, a habitação, a alimentação, a renda, um ecossistema estável, a conservação dos recursos, a justiça social e a equidade são requisitos fundamentais para a saúde”.

Essa conclusão mostra a complexidade do assunto e a dependên-cia da saúde de um enorme conjunto de fatores. O controle dos mesmos vai muito além da capacidade individual e mesmo da maioria dos gover-nos ou de suas respectivas sociedades. Vale mencionar, ainda, a comple-xidade da cadeia de personagens envolvidos na atenção à saúde. Cada um desses tem de ser considerado na avaliação do requisito da justiça social, como é o caso do cidadão ou paciente, antes de mais nada.

Seguem-se os profissionais da saúde como médicos, enfermeiros

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3 e os diversos terapeutas, os professores e estudantes das várias profis-sões médicas e paramédicas, os gestores e os prestadores de serviços, os políticos responsáveis pelos programas de saúde, os profissionais das indústrias de materiais e medicamentos, entre tantos outros. Na dependência de diferentes sistemas de saúde, vários desses persona-gens são afetados, positiva ou negativamente, pelas políticas de saúde e as distintas formas de sua gestão. Frequentemente as insatisfações ganham as páginas dos jornais, sites e revistas, transformam-se em grupos ou organizações sociais e, por vezes, chegam às ruas sob a forma de protestos formais.

Concluímos que o requisito de ser socialmente justa é apenas parcialmente preenchido pela medicina contemporânea, independente-mente do país ou sistema de saúde considerado. Sabe-se que os ín-dices mais significativos de melhoria do padrão de saúde estão dire-tamente relacionados aos índices de desenvolvimento econômico dos países (WORLD BANK, 1993). A qualidade da saúde e a expectativa de vida são maiores naqueles em que o crescimento industrial e tecnoló-gico leva à estabilidade no fornecimento de alimentos, processamento adequado dos dejetos, fornecimento de água potável, de vacinas, edu-cação adequada, controle e prevenção das doenças e uso correto da tecnologia médica (MCKEOWN, 1976). Nos países em que a medicina é socializada, há melhor distribuição dos recursos médicos e hospitala-res, assim como maior garantia de acesso ao atendimento das necessi-dades básicas de saúde.

SER ECONOmICAmENTE vIávEL

A percepção de que os atuais sistemas de atenção à saúde são ou em breve se tornarão economicamente insustentáveis eleva a viabilidade econômica da medicina a uma das prioridades dos governos e de organi-zações sociais em praticamente todos os países. Os seus custos crescem muito mais rapidamente do que a inflação em praticamente todos os paí-

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ses e constituem uma elevação real dos mesmos. Inúmeros fatores contri-buem para esse fenômeno, como o envelhecimento populacional, a maior e melhor distribuição dos recursos de diagnóstico e tratamento, a melhoria dos níveis de informação e expectativa das pessoas, a incorporação de novos medicamentos e tecnologias, independentemente da comprovação de maior eficácia, além de custos administrativos crescentes (PORTER; TEISBERG, 2006; FERRAZ, 2008).

O quadro 1 mostra o aumento porcentual dos investimentos em saúde de alguns países desenvolvidos, em relação ao produto interno bruto (FERRAZ, 2008).

Quadro � - Gastos em saúde de alguns países desenvolvidos como % do PIB - ���0 e �00�

PaísInvestimento

(% do PIB)

Investimento

(% do PIB)

1960 2004

Estados Unidos 5,2 15,3

Alemanha 4,8 10,6

Canadá 5,4 9,8

Suécia 4,7 9,1

Reino Unido 3,9 8,1

Japão 3,0 7,8Fonte: Ferraz, 2008.

Nos últimos anos, os gastos em saúde no Brasil corresponde-ram a aproximadamente 8,3% do PIB, sendo 41% públicos e 59% privados. O quadro 2 mostra os investimentos em saúde de alguns países da América Latina, em dólares norte-americanos, como por-centagem do PIB, em 2000 (MÉDICI, 2005). Os dados permitem con-cluir que não é suficiente considerar apenas a proporção dos inves-timentos em saúde em relação ao PIB para avaliar o seu valor para

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3 a população. A Argentina, por exemplo, investiu em 2000 quase a mesma proporção do PIB comparada com o Brasil, porém os valo-res absolutos corresponderam a quase o dobro do investimento por habitante. Há, também, diferenças importantes nas proporções dos gastos públicos e privados nos diversos países.

No Brasil, a proporção de gastos privados só é menor do que a do Uruguai, sendo os gastos públicos proporcionalmente menores do que os da Argentina, Uruguai, Cuba, Panamá, Colômbia e Bolívia. Por outro lado, não há relação direta entre as proporções dos gastos em saúde com a expectativa de vida das respectivas populações.

Segundo dados da Organização das Nações Unidas, a expec-tativa de vida no Japão é de 78 anos para homens e 85 anos para mulheres, praticamente a mesma da Suécia, da Noruega, da Itália, da Áustria, da Alemanha que apresentam expectativa de vida de 75-76 anos para homens e de 81-83 anos para mulheres. A expectativa nos Estados Unidos é de 74 anos para homens e 80 anos para mu-lheres.

Percebe-se que países desenvolvidos que destinam propor-ções muito menores do seu PIB à saúde apresentam resultados se-melhantes ou até melhores do que os dos Estados Unidos, possivel-mente por apresentar sistemas de gestão dos seus recursos mais eficientes. No Brasil a expectativa de vida é de 64 anos para homens e 73 anos para mulheres.

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Quadro � - Gastos em saúde - países latino-americanos e do Caribe como % do PIB - �000

País

Gasto

per capi-ta (US$)

Gasto pú-blico

(% do PIB)

Gasto pri-vado

(% do PIB)

Gasto total

(% do PIB)

PIB

per capita

(US$)

Argentina 1.091 4,7 3,9 8,6 12.686

Uruguai 1007 5,1 5,8 10,9 9.238

Chile 697 3,1 4,2 7,3 9.548

Brasil 631 3,4 4,9 8,3 7.602

Colômbia 612 5,3 4,0 9,3 6.581

México 477 2,5 2,8 5,3 9.000

Trinidad 468 2,3 2,2 5,5 8.509

Panamá 464 4,8 2,1 6,9 6.580

Paraguai 323 3,0 4,9 7,9 4.089

Venezuela 280 2,7 2,0 4,7 5.957

Peru 238 2,8 2,0 4,8 4.958

Cuba 193 6,1 1,0 7,1 2.718

Bolívia 145 4.3 1,8 6,1 6.410

Equador 78 1,2 1,2 2,4 3.250

Fonte: Powers; Faden, 2007.

Nos Estados Unidos, o gasto total em saúde em 2007 foi de mais de 2,2 trilhões de dólares ou 16,2% do PIB, dos quais 46% foram pú-blicos, em programas para idosos e carentes, e os demais, privados. Este gasto correspondeu a US$7.421,00 por habitante, valor oito vezes maior do que o de 1980. Esse crescimento elevou a proporção de norte-americanos que não têm ou deixaram de ter acesso aos serviços médi-co-hospitalares a 25% da população. Se não houver importantes modi-

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3 ficações no sistema de saúde nos Estados Unidos, os gastos deverão atingir 25% do PIB em 2025 e 49% em 2082 (ORZAG, 2008). No Brasil verifica-se o mesmo fenômeno da inflação dos gastos com saúde ser significativamente maior do que a inflação geral, sendo que no período de 1995 a 2005 a inflação do setor saúde foi 2,6 vezes maior (FERRAZ, 2008).

A distribuição dos gastos em saúde nos Estados Unidos em 2007 foi a seguinte: 31% para hospitalizações, 21% para médicos e clínicas, 13% para medicamentos e produtos, 10% para outros serviços profis-sionais, 7% para administração e o restante para cuidados domiciliares, cuidados paliativos e outros. É evidente que esta distribuição contrasta fortemente com a de algumas dezenas de anos atrás, quando os maio-res custos eram os dos honorários médicos e a tecnologia diagnóstica se resumia a alguns exames laboratoriais e de imagens como radiogra-fias e ultrassonografias.

No Brasil, em 2009, cerca de 40% a 45% das receitas de hospi-tais privados correspondem a materiais e medicamentos, 12,5% a exa-mes complementares de diagnóstico e 24,5% a diárias e taxas, segundo a Associação Nacional de Hospitais Privados (ANAHP, 2009). Os custos dos recursos humanos correspondem a 46% do seu total, nesses hos-pitais. Essas proporções mostram a importância dos recursos tecno-lógicos utilizados na prática médico-hospitalar atual, do ponto de vista econômico, bem como a desproporção dos custos com pessoal para a realização desta atividade.

É importante avaliar o valor dos investimentos para a melhoria do nível de saúde e como estes evoluíram com o passar do tempo. Na publi-cação The Role of Medicine, McKeown (1976) atribuiu um aumento de um a dois anos no tempo de vida das pessoas como consequência dos avan-ços da medicina na primeira metade do século XX, período em que esse teria aumentado 23 anos no total. Os demais seriam devidos a melhor distribuição de alimentos, processamento adequado dos dejetos, forneci-mento de água potável, vacinações e melhoria nos níveis de educação.

Segundo John Bunker (2001a, 2001b), de 1900 a 1950 a expec-tativa de vida aumentou 30 anos, sendo cinco devidos a intervenções

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médicas, preventivas e curativas e 25 devidos a outros fatores. De 1951 a 2000 a expectativa de vida aumentou mais sete anos, sendo 3,5 devi-dos a intervenções preventivas e curativas e 3,5 anos devidos a outros fatores. As principais intervenções preventivas e curativas na primeira metade do século XX foram relacionadas a introdução dos medicamen-tos para o tratamento de infecções, especialmente a pneumonia e a gri-pe. Nos anos seguintes destacaram-se as intervenções na abordagem da hipertensão arterial, do diabetes e suas complicações, das corona-riopatias isquêmicas, dos acidentes vasculares cerebrais e das nefropa-tias, que aumentaram a expectativa de vida em 3 a 6 meses, cada.

Alterações comportamentais como abandono do tabagismo, ma-nutenção do peso e atividade física regular aumentaram a expectativa de vida de 6 a 20 meses. Uma série de outras intervenções devem ser consideradas pelo fato de melhorar a qualidade de vida, mesmo sem influírem sobre o tempo de vida das pessoas tratadas. São os casos das cirurgias para catarata, transplantes de córneas, tratamentos da dor e das doenças mentais, entre outras. Deve-se considerar também a mor-bidade e a mortalidade consequentes à iatrogenia e a outros erros mé-dicos e que representam, nos Estados Unidos, uma redução de 6 a 12 meses na expectativa de vida. O princípio hipocrático de não prejudicar o paciente ainda não é observado universalmente.

Os dados acima expostos reforçam o conceito de que a melhoria das condições sociais interferem de maneira expressiva na expectativa e na qualidade de vida das pessoas, em geral com melhores resultados e custos inferiores aos das intervenções médicas. Os investimentos em medicina curativa devem ser considerados em relação aos aplicados à medicina preventiva, saneamento básico, educação, alimentação e habi-tação, entre outros. A maneira de alocar os recursos finitos a cada uma dessas áreas e como serão distribuídos entre os membros da sociedade é tarefa dos governantes e representantes dessa sociedade.

A economia da saúde dedica-se ao estudo da alocação dos re-cursos à área da saúde, avaliando as alternativas que competem pelos mesmos. Preocupa-se com a eficiência das alternativas existentes e com a equidade na distribuição dos recursos. Para tanto, considera as

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3 evidências científicas, por um lado, e as preferências da sociedade, por outro. Infelizmente, muitas vezes as evidências em medicina não têm a precisão das ciências exatas, dada a variação dos eventos biológicos. Do mesmo modo, as preferências são próprias de cada sociedade ou de grupos sociais, variando com o local e a época considerados. O número de atores ou de elos da cadeia de atenção à saúde, cada vez maior e mais complexo, torna a gestão adequada dos recursos um gigantesco desafio para as sociedades contemporâneas. A complexidade aumen-ta pela grande influência dos recursos de marketing de empresas de tecnologia médica, de equipamentos, de insumos e de fármacos, que atuam diretamente sobre as pessoas como consumidoras de serviços e produtos médicos, bem como sobre os próprios profissionais da saúde.

Aos economistas da saúde compete analisar as opções e facilitar as escolhas a partir das evidências, dos recursos disponíveis, das prefe-rências e dos valores da sociedade. Compete-lhes, igualmente, avaliar as interseções desses parâmetros, como os custos de oportunidade, os custos-efetividade e as preferências sociais. Os gestores dos sistemas de saúde são os responsáveis pelas tomadas de decisão quanto a alocação correta dos recursos e a sua fiscalização, dentro de estratégias de médio e longo prazo previamente determinadas (FERRAZ, 2008).

As decisões estratégicas relativas ao direcionamento dos recur-sos podem sem resumidas em duas: racionamento e racionalização. Estas, por sua vez, têm macro e micro-alocações. A macro-alocação refere-se às decisões dos governos, das companhias de seguros, das fundações ou organizações privadas etc. A micro-alocação refere-se es-pecificamente a hospitais e clínicas, bem como individualmente a médi-cos e outros profissionais da saúde.

O racionamento de recursos pode ser necessário em situações es-pecíficas, quando esses são escassos e devem ser dirigidos a quem puder receber o maior benefício dos mesmos, ainda que em detrimento de ou-tros cujo benefício seria restrito ou duvidoso. A racionalização na alocação dos recursos é preferível e possível em muitas circunstâncias. Atualmente há diversas propostas nesse sentido, como as que se seguem.

Investimentos em tecnologia da informação podem levar à cons-

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trução de prontuários médicos eletrônicos que permitam adequar a es-colha dos melhores exames de diagnóstico, evitar sua repetição desne-cessária, as melhores terapias para os pacientes pelos diversos profis-sionais, assim como conhecer e controlar os seus resultados.

Programas de melhoria da qualidade e da eficiência tendem a ter melhor relação custo-efetividade, diminuindo a variabilidade das ações médicas, reduzindo ou eliminando os desperdícios e as intervenções inúteis. Calcula-se que cerca de 30% das intervenções médicas sejam desnecessárias, sendo que parte destas constituem práticas defensi-vas por profissionais temerosos de ações judiciais por supostas más-práticas. A adequação dos sistemas de pagamento aos profissionais é medida importante para a racionalização na utilização dos recursos. En-quanto houver sistemas de compensação financeira a médicos e outros profissionais, diretamente relacionada ao uso ou prescrição de deter-minados procedimentos, haverá a tendência ao abuso ou mau uso dos mesmos. A regulamentação governamental poderá manifestar-se tanto como medidas de racionalização, como de racionamento dos recursos, dependendo da competência dos gestores das macro-alocações.

Programas de prevenção das doenças ou das complicações de doenças crônicas constituem uma importante maneira de racionalizar a utilização dos recursos. Eliminação de hábitos como tabagismo e etilis-mo, combate à obesidade, controle da hipertensão e do diabetes, pre-venção das coronariopatias e dos acidentes vasculares cerebrais são exemplos de programas cujo valor é amplamente reconhecido.O incenti-vo à prudência e à responsabilidade na escolha de profissionais e de ser-viços médico-hospitalares por parte dos pacientes, para que conheçam os preços dos serviços e dos insumos, auxiliam no controle e na redução desses preços (consumer-driven healthcare).

O Institute of Medicine norte-americano, ao abordar a importância e os custos dos erros médicos, formulou algumas recomendações para a sua redução ou eliminação: (1) estabelecimento de uma agência vol-tada à segurança dos pacientes com sistema específico de pesquisa e garantia de qualidade; (2) criação de um sistema nacional de notificação compulsória de eventos adversos graves pelos hospitais; (3) incentivo

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3 à notificação voluntária de eventos adversos; (4) proteção dos sistemas de revisão pelos pares e dos dados relativos a segurança dos pacien-tes; (5) estabelecimento de padrões de performance institucionais e de médicos, com foco na segurança dos pacientes; (6) atenção especial aos processos de liberação do uso e dos processos de pós-venda de produtos e fármacos; (7) estabelecimento de programas de seguran-ça dos pacientes nos hospitais e pelas empresas de planos de saúde (KOHN, 2000).

A seguir, o Institute of Medicine formulou os seis princípios que devem reger a prática da medicina no século XXI (COMITEE ON QUA-LITY HEALTH CARE IN AMERICA, 2001).

– Segura - as intervenções médicas, feitas com o objetivo de aju-dar os pacientes, devem evitar lesões ou danos aos mesmos.

– Eficaz - os serviços devem ser prestados com base no co-nhecimento científico a todos os que podem beneficiar–se dos mesmos e devem ser evitados àqueles que não o seriam; deve-se evitar tanto a subutilização como a super-utilização de recursos.

– Foco no paciente - os cuidados ao paciente devem respeitar e corresponder às suas preferências, necessidades e valores, com a garantia de que todas as decisões clínicas serão guiadas pelos valores do paciente.

– Adequada no tempo - atendimento no tempo adequado, redu-zindo os períodos de espera ou de adiamento prejudiciais tanto para quem recebe como para quem fornece os cuidados médi-cos.

– Eficiente - eliminação do desperdício, inclusive de equipamen-tos, insumos, ideias e energia.

– Equitativa - os cuidados de saúde não podem variar em quali-dade com características pessoais como sexo, etnia, localização geográfica e status sócio-econômico.

A esses princípios foram agregadas recomendações, relativas ao acesso aos serviços de saúde.

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– A cobertura para cuidados de saúde deve ser universal.

– A cobertura para cuidados de saúde deve ser contínua.

– A cobertura para cuidados de saúde deve ter custo compatível com as possibilidades das pessoas e famílias.

– A estratégia de seguro-saúde deve ser acessível e sustentável para a sociedade.

– O seguro-saúde deve melhorar a saúde e o bem-estar pela pro-moção do acesso a cuidados de alta qualidade que sejam efe-tivos, eficientes, seguros, adequados no tempo, com o foco no paciente e equitativos.

A importância da participação dos profissionais médicos para a satisfação desses princípios e para a efetiva racionalização na utilização dos recursos existentes é óbvia. As iniciativas que procuraram racioná-los, em geral, resultaram em prejuízo tanto para pacientes como para os profissionais da saúde. Suas consequências muitas vezes foram desas-trosas e levaram a um aumento dos custos, ao invés de sua redução. Cabe aos profissionais da saúde liderar os processos que garantam a agregação de valor às intervenções médicas, dentro de um sistema saudável de competição pelos melhores resultados ou pela melhor per-formance. Três princípios devem reger a transformação dos atuais sis-temas de saúde a fim de torná-los compatíveis com as necessidades e possibilidades da sociedade contemporânea (PORTER; TEISBERG, 2006; 2007).

– O objetivo é a agregação de valor para os pacientes.

– A prática médica deve ser organizada em função das alterações das condições de saúde e os respectivos ciclos e processos de cui-dados.

– Os resultados devem ser medidos e conhecidos, ajustados aos riscos e custos.

Em suma, há enormes desafios à medicina contemporânea para satisfazer o requisito da sustentabilidade econômica. A sua complexi-

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3 dade exige o melhor de todos os envolvidos com a mesma, desde os governantes, passando pelos gestores das empresas de planos ou se-guros-saúde e dos diversos prestadores de serviços, até os profissionais diretamente ligados à prestação dos mesmos. O papel desses últimos, particularmente dos médicos, começa a ser novamente valorizado como sendo fundamental para que os princípios da agregação de valor ao ato médico, bem como os voltados às necessidades e preferências dos pa-cientes, sejam adequada e corretamente satisfeitos.

SER ECOLOGICAmENTE CORRETA

Apesar dos progressos da humanidade, em particular nas últimas décadas, terem levado a um significativo aumento da longevidade e re-dução importante da mortalidade infantil, bem como a significativa me-lhora nos padrões de vida em muitos países, elas vêm acompanhadas de uma rápida deterioração do ambiente. Esta afeta a saúde da popu-lação em várias partes do mundo. Atualmente, 25% das doenças são produzidas por fatores ambientais (CHEN, 1996). Se, por um lado, os especialistas em saúde pública reconhecem a importância do ambiente na preservação da saúde, por outro, os profissionais da saúde ainda não reconhecem adequadamente a importância das suas ações, voltadas para a saúde individual, sobre o ambiente. Torna-se urgente conscien-tizar a indústria e os provedores de serviços de saúde da necessidade de reduzir o consumo de energia, bem como de reduzir a produção e utilização de materiais e fármacos poluentes.

Ao mesmo tempo em que a degradação do ambiente gera do-enças que necessitam de tratamento médico, também os serviços de saúde geram poluição ambiental. Nos Estados Unidos, serviços médicos geram três milhões de toneladas de resíduos sólidos por ano. Hospi-tais em todo o mundo consomem elevadas quantidades de energia para aquecimento e resfriamento do ambiente e da água, ocupam grandes edifícios cercados por concreto e asfalto, utilizam alto volume de serviços

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de alimentação, lavanderia, transporte, bem como de papel, embalagens e, especialmente, produtos descartáveis. Serviços de saúde, em geral, e hospitais em particular, utilizam um enorme volume de fármacos e pro-dutos biológicos, que apresentam processos de fabricação complexos e produtores de poluentes ambientais. Os próprios medicamentos consti-tuem fonte de poluição ambiental (STUMPF; TERNES et al, 1999).

Nos Estados Unidos, 62 metrópoles, com 41 milhões de habi-tantes, consomem água considerada potável contendo antibióticos, an-siolíticos, antidepressivos, antiepilépticos e hormônios sexuais, entre outros resíduos. Um estudo sobre resíduos de medicamentos nos es-gotos, na água tratada e nas fontes naturais de água no Rio de Janeiro identificou a presença de agentes redutores de lípides, anti-inflamató-rios e outros metabólitos de medicamentos (STUMPF et al, 1999). Os rios mais importantes da Alemanha contêm elevadas concentrações de anti-inflamatórios, analgésicos, agentes redutores de lípides, além de diversos antissépticos e desinfetantes (SACHER et al, 1998; TERNES et al, 1999). Hospitais também produzem resíduos tóxicos sólidos, in-fecciosos, radioativos e são potenciais poluidores do ar e da água (JA-METON; PIERCE, 2001).

Alguns problemas relacionados à poluição por hospitais são bem conhecidos e devidamente regulados em vários países. É o caso do tra-tamento dos esgotos hospitalares e o descarte de materiais e tecidos infectantes, bem como de agentes prejudiciais como metais pesados e radioisótopos. No entanto, há várias outras fontes de poluição não regu-lamentadas, como é o caso do PVC, cuja incineração leva a liberação de dioxinas carcinogênicas, assim como de embalagens plásticas de soros e medicamentos que podem ser tóxicas para o organismo humano (TICK-NER, 2001). Hospitais e centros oncológicos são fontes de contaminação do ambiente por platina, a partir da excreção de drogas antineoplásicas (KÜMMERER; HELMERS, 1997).

O maior risco ambiental, a partir dos resíduos hospitalares, é re-presentado pelo chamado lixo infectante. Caracteriza-se pela presença de agentes biológicos como sangue e derivados, secreções e excreções humanas, tecidos, partes de órgãos, peças anatômicas, fetos, resíduos

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3 de laboratórios de análises e de microbiologia, de áreas de isolamento, de terapias intensivas, de unidades de internação, assim como mate-riais perfurocortantes. O lixo infectante deve ser separado do restante do lixo hospitalar, sendo o treinamento de funcionários para esta função uma exigência do Conselho Nacional do Meio Ambiente no Brasil. No entanto, desconhece-se a efetiva separação e destinação desse lixo pelos milhares de hospitais brasileiros, assim como pela maioria dos hospitais no mundo.

A incineração de lixo infectante é prática comum, porém o trans-forma em cinzas contaminadas com substâncias nocivas na atmosfera, como as dioxinas e os metais pesados, que aumentam a poluição do ar. O processo gera emissões que podem ser mais tóxicas do que os produtos incinerados. Os incineradores são responsáveis por 60% das emissões de dioxina na atmosfera em todo o mundo. A incineração de plásticos, como o PVC, gera os chamados poluentes orgânicos persis-tentes (POPs). Esses plásticos são utilizados na fabricação de materiais descartáveis, embalagens, tubos, conexões e muitos outros utensílios. Os POPs são relacionados a um grande número de efeitos deletérios ao meio, em particular a animais e seres humanos. Afetam negativamente os sistemas imunológico, reprodutor e nervoso, além de causar câncer. Tais poluentes mimetizam hormônios, como os sexuais. Atuam sobre neurotransmissores e sobre a imunidade, podem provocar abortamen-tos por morte fetal, redução do peso e tamanho de recém-nascidos, alterações do comportamento e da inteligência de crianças.

A esterilização, ao invés da incineração, é uma alternativa válida e importante. No entanto, o seu elevado custo faz com que seja pou-co utilizada. A colocação desse lixo em valas assépticas é considerada uma opção igualmente válida, porém o espaço necessário às mesmas e a devida fiscalização limitam o seu uso. Infelizmente, a maioria dos hospitais descartam esses resíduos, sem separá-los corretamente, jun-tamente com o restante do lixo hospitalar, para o sistema de coleta dos respectivos municípios e que acabam sendo lançados em lixões.

Há evidências crescentes de que os próprios edifícios sejam fon-tes de degradação ambiental e de doenças. A poluição do ar no interior

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dos edifícios é um dos cinco maiores riscos ambientais à saúde pública nos Estados Unidos, segundo a Agência de Proteção ao Meio Ambiente daquele país, uma vez que uma importante parcela da população per-manece até 95% do tempo no interior de edifícios. Eles são responsáveis por um terço dos gases causadores do efeito estufa, originam mais da metade do lixo sólido e consomem quase 70% de toda a energia elétrica produzida no mundo. Os hospitais constituem parcela importante dos edifícios em cada país, apresentando riscos específicos à saúde dos profissionais que neles trabalham. São riscos biológicos, químicos, radio-lógicos e físicos. Como exemplos, temos as condições inadequadas do ar, contendo micro-organismos e partículas de inúmeros medicamentos dispersos no mesmo, da água e até dos alimentos, além das radiações, de materiais infectantes e dos perfurocortantes, entre outros.

A partir de um relatório da Organização das Nações Unidas so-bre a necessidade de garantir “desenvolvimento sustentável”, em 1987, entendido como sendo a satisfação das necessidades atuais juntamen-te com o compromisso de garantir a satisfação das necessidades das gerações futuras, o referido termo passou também a ser objeto de aten-ção de arquitetos e engenheiros civis, no planejamento e construção dos chamados edifícios “verdes”, como sinônimos de “projetos sustentáveis”. Surgiu uma entidade voltada para a regulamentação e criação de um sistema de avaliação desse tipo de projetos e construções, o Leadership in Energy and Environmental Design (LEED) e que atualmente serve de referência para as construções, inclusive de novos hospitais e clínicas.

As estratégias de construção de novos hospitais e clínicas abran-gem cinco áreas principais: planejamento do local, consumo de energia, água, materiais e qualidade do ambiente interno. Cada projeto deve ga-rantir a sustentabilidade desses fatores e a sua interação. Na definição do local da construção, devem ser considerados os meios de transporte necessários ao seu acesso por parte dos usuários, buscando diminuir a utilização de transportes individuais e a consequente emissão de gás carbônico.

Os projetos desses edifícios consideram, desde o início, a prote-

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3 ção do ambiente em torno dos mesmos. Devem garantir a proteção am-biental, não produzir poluição luminosa, acústica, térmica ou atmosférica no seu entorno. Reduzem o consumo da água, através de sistemas de restrição racional do seu uso, como em descargas de peças sanitárias, reduzem o volume de esgoto, com aproveitamento integral das águas pluviais e reutilização das águas servidas. A criação de jardins nas co-berturas dos edifícios permite reduzir o calor no seu interior, diminuir o volume de águas pluviais levadas ao sistema de esgotos, sendo estas filtradas, armazenadas e utilizadas para irrigação de plantas, limpeza de pisos, resfriamento de sistemas de ar condicionado e reserva para combate a incêndios.

A implantação dos edifícios é feita de modo a controlar a incidên-cia dos raios solares, reduzir o aquecimento no seu interior e a utilização do sistema de climatização. Este é controlado de acordo com a presen-ça ou não de pessoas, assim como a iluminação ambiental. A qualidade do ar é garantida por sistemas de controle dos níveis de gás carbônico e da frequência e intensidade de trocas dos gases de acordo com os níveis de ocupação dos ambientes. Luminárias e lâmpadas são projeta-das de modo a reduzir o consumo de energia elétrica e a produção de calor. O calor gerado pelo sistema de climatização é aproveitado para o aquecimento da água utilizada, levando a ganho energético. Janelas e esquadrias com vidro duplo protegem o meio interno das variações externas de temperatura. O mesmo é conseguido pela utilização de ce-râmicas especiais para revestimento das fachadas. As tintas utilizadas, assim como isolantes, adesivos, selantes, portas, não contêm compos-tos orgânicos voláteis, que são carcinogênicos e desencadeadores de asma. Ambientes potencialmente poluidores, como áreas de expurgo, de resíduos tóxicos e depósitos de materiais de limpeza são isolados por portas de abertura e fechamento automáticos.

Além dos benefícios ambientais obtidos com os edifícios “verdes”, há ganhos importantes na manutenção dos mesmos. Em geral aceita-se que haja uma relação de 1:10 entre o custo do investimento para a construção de um edifício hospitalar e o custo de sua manutenção durante 30 anos. Nos Estados Unidos considera-se também a relação

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entre o custo do investimento para a construção e o custo de pessoal operacional do hospital nesse mesmo período e que é de 1:200. Um edifício “verde” permite redução de custos em energia e água entre 15% e 25% em relação a um edifício normal, redução de 70% da emissão de óxido nitroso, de 50% da emissão de gás carbônico e de 20% de combustível para o aquecimento de água, o que torna o investimento nesse tipo de construção interessante, não apenas do ponto de vista da sustentabilidade ecológica.

O trabalho em hospitais “verdes” tende a ser mais produtivo do que o realizado em ambientes tradicionais. Aumentam a performance e a motivação dos profissionais e podem levar a melhor resultado no tratamento dos pacientes. Profissionais da saúde tendem a preferir esses hospitais para trabalhar, em detrimento dos demais, particular-mente o pessoal de enfermagem. Gestores de enfermagem afirmam que o design de um hospital influi diretamente sobre a capacidade de recrutamento e manutenção de profissionais da área, influindo também sobre a sua produtividade e satisfação no trabalho (GUEN-THER; HALL, 2007).

Sabe-se que atualmente a humanidade consome mais energia do que os recursos naturais são capazes de gerar. Uma representação desse consumo é a chamada “pegada ecológica” ou ecological footprint, que consiste na avaliação do espaço necessário para gerar energia, alimentos, pasto e bens de consumo para manter cada habitante do planeta. Calcula-se que atualmente a humanidade utiliza pelo menos um terço a mais de recursos do que a natureza consegue regenerar. O planeta disponibiliza 1,7 hectares� por habitante, sendo que a pegada ecológica dos Estados Unidos corresponde a 9,6 hectares per capita e do Canadá a 7,2 hectares per capita (WACKERNAGEL et al, 2007). Coincidentemente, são os países ricos, como os Estados Unidos, Cana-dá e a maioria dos países da União Européia, que consomem materiais, medicamentos e outros recursos voltados para a saúde em escalas de consumo insustentáveis (JAMETON; PIERCE, 2001).

1 Um hectare equivale a 10.000m².

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3 É improvável que seja encontrada uma resposta adequada à ne-cessidade de redução desse consumo elevado e insustentável pela tec-nologia, desafiando a capacidade desses países manterem o atual nível de cuidados à saúde para as gerações futuras. Já começam a surgir conflitos entre a ética médica, que garante a autonomia das pessoas e os direitos individuais aos recursos da medicina, com a ética ambiental. Esta última afirma o direito das futuras gerações ao bem-estar e a res-ponsabilidade da geração atual pela garantia desse direito. A geração atual já é responsabilizada pelo declínio de 30% dos recursos naturais em relação a 1970 e pelo fato de 80% destes recursos serem utilizados por 20% da população mundial (LOH; RANDERS et al, 1998).

CONCLuSõES

A medicina contemporânea satisfaz apenas parcialmente os re-quisitos da sustentabilidade. Certamente é aceita culturalmente, em pra-ticamente todo o mundo e nas várias épocas consideradas, indepen-dentemente das enormes diferenças da prática médica no correr dos séculos. A aceitação cultural da medicina contemporânea está intima-mente ligada aos recursos tecnológicos de que dispõe. Porém, a utili-zação exagerada e muitas vezes indevida desses recursos leva à crise social, econômica e ambiental insustentável. Pela mesma razão, entre outras, a medicina contemporânea está longe de ser socialmente justa, tanto nos países ricos como nos pobres, pois há grande inequidade no acesso aos serviços de saúde. A viabilidade econômica também está em cheque, especialmente nos países desenvolvidos. A medicina não pode ser considerada uma atividade ecologicamente correta, pois contribui de maneira importante para a poluição e degradação ambiental, apesar de transformações recentes, como a construção de hospitais “verdes”, que respondem apenas parcialmente ao desafio da preservação ambiental.

Para atingir equilíbrio entre as preocupações ambientais e a res-ponsabilidade de garantir cuidados adequados aos pacientes, há a ne-

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cessidade de se resolver três dilemas: os direitos individuais em relação à sociedade, a sustentabilidade versus justiça social e a sustentabilida-de versus saúde.

O princípio hipocrático de “antes de tudo, não prejudicar” aplica-se tanto aos indivíduos como à natureza. Significa que as práticas médicas devem ser sustentáveis e não agredir o ambiente, assim como evitar da-nos aos pacientes. Ao prejudicar o ambiente, a medicina afeta a socieda-de como um todo e prejudicará também as futuras gerações. Apesar da ética médica enfatizar a responsabilidade do profissional em relação ao paciente individual, baseada na confiança mútua e na garantia do bene-fício ao paciente, cabe também ao profissional avaliar até onde as suas ações afetam a sustentabilidade da própria medicina.

Apesar da sustentabilidade do ambiente e a justiça social serem metas sinérgicas e vitais para a saúde das pessoas, a capacidade de atingir ambas simultaneamente constitui um importante desafio contem-porâneo. Até onde e até quando os países ricos do hemisfério norte con-seguirão manter os seus elevados níveis de consumo, inclusive de recur-sos médicos, sem levar em conta as necessidades dos países pobres e a degradação ambiental é outro desafio à espera de uma resposta.

No que respeita o dilema da sustentabilidade versus saúde, há evidentes limites na capacidade de manter os níveis de saúde da popu-lação dos países ricos em futuro próximo e, ainda mais, na dos países pobres. A elevação dos índices de qualidade de vida e de longevidade no século XX esteve intimamente relacionada ao desenvolvimento in-dustrial e tecnológico, ao garantir o suprimento de alimentos e melhorar os serviços de saúde pública, esgotos, fornecimento de água potável, vacinações, educação e desenvolvimento de novas tecnologias médi-cas. No entanto, o aumento das atividades agrícolas, industriais e de outros setores da economia, acompanha-se de um aumento dos proble-mas de saúde.

Se houver uma redução simultânea do consumo de recursos na-turais e de energia, juntamente com uma redução na utilização de re-cursos médicos, haverá prejuízo da efetividade dos serviços de saúde? Serão as organizações médicas e hospitalares capazes de desenvolver

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3 sistemas eficientes no tratamento dos pacientes e, ao mesmo tempo, reduzir significativamente o consumo de recursos naturais e eliminar a poluição ambiental? Será que, no futuro próximo, pacientes com do-enças agudas graves, que atualmente exigem a utilização de recursos terapêuticos complexos e caros, serão privados dos mesmos? Serão os responsáveis pelos sistemas de saúde pública capazes de garantir as melhores condições de pureza do ar e da água, de higiene, de educa-ção e de alimentação?

Os profissionais da saúde, em geral, e os médicos, em particular, devem ser capazes de assumir a liderança na defesa das práticas mé-dicas que respeitem tanto os pacientes como o ambiente. A pesquisa médica deve buscar as respostas para a garantia de uma biosfera sus-tentável ao mesmo tempo em que todos os profissionais da saúde de-vem incluir a sustentabilidade ambiental as suas obrigações éticas. Esta deve ser incluída no ensino médico e fazer parte dos debates científicos em congressos e seminários profissionais. As necessidades individuais e as limitações da natureza deverão ser consideradas em conjunto nas decisões bioéticas e na formulação das políticas de saúde de todas as nações (JAMETON; PIERCE, 2001).

É imperiosa a necessidade de grandes mudanças na prática mé-dica, com a incorporação dos conceitos de preservação ambiental, bem como o envolvimento dos profissionais médicos na formulação de novos conceitos éticos que visem proteção tanto dos pacientes como do am-biente e da natureza.

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Opinião: a sustentabilidade do setor

de saúde e o incentivo da capacitação profissional

José Carlos Abrahão - Presidente da Confederação Nacional de Saúde (CNS) e da Federação Internacional de Hospitais (IHF).

Na primeira década do século XXI, são comuns as notícias so-bre as mudanças climáticas — aparentemente o principal resultado do descuido com o meio ambiente — e seu impacto sobre o homem. As transformações pelas quais o planeta vem passando ainda influenciam no surgimento de novas doenças, mais contagiosas e mais resistentes. Esta constatação levou a Organização Mundial de Saúde (OMS) a esta-belecer, há alguns anos, uma campanha para tratar dos efeitos do meio ambiente sobre a saúde. Tal situação desafia governos, instituições e prestadores de serviços de saúde a responder de forma pró-ativa.

No setor saúde, uma instituição cuja missão é cuidar da vida deve também ter como prioridade cuidar do meio-ambiente e do seu cresci-mento sustentável. Deve prevalecer a ideia que toda a cadeia produtiva mantenha o foco nos benefícios produzidos para as gerações futuras. Além disso, essa postura também agrega melhoria da imagem das ins-tituições perante a sociedade.

Contudo, “tornar-se sustentável” não é tarefa fácil e a solução não é só reunir profissionais para produzir manuais e informações resumin-do todas as atividades realizadas recentemente ou há mais tempo para reduzir o consumo de energia ou para diminuir o desperdício. O ponto mais importante para os estabelecimentos de serviços de saúde é ter

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3 o incentivo certo para o comportamento sustentável e a capacidade de selecionar as prioridades corretas.

Podemos destacar três pilares fundamentais no desenvolvimento sustentável do setor: financeiro, ambiental e social. Do ponto de vista financeiro, é imprescindível que as instituições e empresas de saúde possuam solvência que garanta a prática e a melhoria do setor, de for-ma perene. Em nossa definição, o conceito de sustentabilidade é am-plo, envolvendo todos os atores e incidindo também na educação dos usuários. A sustentabilidade financeira também resulta da definição de estratégias de gestão para situações potencialmente geradoras de crise no setor, como o envelhecimento da população, o controle de doenças crônicas, o surgimento de epidemias e pandemias (como o caso re-cente da Gripe A ou H1N1). Os acidentes climáticos dos últimos anos somam-se para alertar sobre a necessidade de nos prepararmos para as situações de crise.

As estratégias sustentáveis vão desde o planejamento financei-ro até as discussões de utilização de protocolos de saúde, incluindo programas de prevenção e adoção de mudanças na infra-estrutura dos hospitais. Além da criação de garantias financeiras para sustentar o se-tor, os serviços de saúde também devem ter foco na redução do des-perdício e em maneiras de diminuir o custo da assistência à saúde, sem prejudicar a qualidade do atendimento da nossa população.

Nesse cenário de sustentabilidade, determinadas medidas contri-buem muito mais para a manutenção da saúde dos pacientes, além de provocar uma transformação na cultura do cuidado, tanto dos prestado-res de serviço, quanto da população. A medicina preventiva, por exemplo, traz em seu bojo a necessidade de mudanças dos hábitos de vida, con-tando com melhora na alimentação, prática de exercícios físicos e aban-dono de vícios prejudiciais à saúde (como o consumo de álcool e tabaco). O acompanhamento permanente das condições de saúde do paciente reduz a incidência de doenças graves ou a piora do quadro crônico.

A adoção de medidas “verdes” nas instituições pode contribuir para oferecer ambiente mais seguro aos pacientes e recuperação mais rápida. Nesse contexto, surge o conceito dos “hospitais verdes”, aqueles com preocupação ambiental e respeito ao meio ambiente em todos os aspec-tos, a começar pela arquitetura e construção, baseada na ideia do Green Building — padrões internacionais do Leadership in Energy and Environ-mental Design (LEED).

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Os serviços de saúde enfrentam contradições que não devem ser subestimadas. Proporcionar aos pacientes melhor atendimento requer atenção especial para o controle do meio ambiente e do ar, que podem ter sua circulação drasticamente reduzida, devido aos limites de energia provida aos edifícios modernos. Na última década, a melhoria na segu-rança do paciente veio de um aumento da utilização dos itens descartá-veis. A reciclagem está sendo mais considerada, é óbvia a necessidade de se redefinir a linha entre a redução do risco para o paciente individual e o risco esperado para o coletivo.

Quanto aos demais insumos, devemos considerar o uso de lâm-padas fluorescentes para redução do consumo de energia elétrica; apro-veitamento da luz solar para produção de energia; tratamento adequado dos resíduos gerados (inclusive em estações de tratamento de efluentes); uso de energia de geradores nos horários de pico; consumo consciente de insumos naturais; recuperação da água da chuva para utilização de diversos fins; diminuição do consumo de plásticos; e cuidados especiais com o material hospitalar e seu aproveitamento, entre outros.

A reestruturação da arquitetura hospitalar já aponta benefícios. Pesquisa realizada pelo Mackenzie Health Sciences Centre, no Canadá, registrou que pacientes acomodados em quartos com acesso à luz solar recuperam-se 15% mais rápido do que os expostos somente à ilumina-ção artificial. E em outro estudo, realizado pelo Inha University Hospital, da Coréia, verificou-se a redução de 41% no tempo de internação de pa-cientes da ginecologia acomodados em quartos com iluminação natural, e de 26% no tempo de internação de pacientes do pós-cirúrgico.

A implantação de um programa ambiental nos estabelecimentos de saúde deve, ainda, envolver todos os colaboradores, médicos, vi-sitantes, pacientes, acompanhantes, fornecedores e a comunidade. O engajamento de todos é fundamental.

Quando cuidar do futuro da sociedade faz parte do negócio, as ações sociais não podem ficar de fora das medidas sustentáveis. Nesse sentido, o projeto da Confederação Nacional de Saúde (CNS) com a proposta de criação do sistema ‘S’ da saúde — Serviço Social da Saúde (SESS) e o Serviço Nacional de Aprendizagem em Serviços de Saúde (SENASS) — pretende desenvolver junto aos trabalhadores ações edu-cativas para condutas que valorizem a sustentabilidade. O tema já é objeto de um projeto de lei, em tramitação no Senado.

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3 A Confederação Nacional de Saúde (CNS) será a responsável pela condução da organização e administração do Sistema ‘S’ da saú-de, na forma de gestão tripartite e paritária — contando com números iguais de representantes dos empresários e trabalhadores. Dessa for-ma, pretende-se que todos os setores tenham condições democráticas de representação, atingindo o objetivo das instituições, isto é, a forma-ção e qualificação dos trabalhadores da saúde, com transparência e ética no relacionamento entre as partes.

Essa composição proporciona a possibilidade de direcionar os re-cursos para o desenvolvimento dos treinamentos previstos e necessários, de forma contínua, para proporcionar melhor qualificação profissional aos colaboradores que, com certeza, prestarão uma assistência de melhor qualidade aos pacientes. Dito de outra forma, os recursos não serão utili-zados para a construção de prédios ou escolas (as instituições de saúde participantes do sistema já possuem infra-estrutura para os cursos).

Conforme o projeto, o SESS deverá desenvolver, executar e apoiar programas voltados à promoção social e humana dos trabalha-dores em estabelecimentos de serviços de saúde; e o SENASS deverá organizar, manter e administrar escolas de aprendizagem e centros de treinamento para os trabalhadores em estabelecimentos de serviços de saúde, além de aperfeiçoamento e capacitação desses profissionais.

Com esse foco, o sistema ‘S’ da saúde propiciará melhor remune-ração aos trabalhadores. Os profissionais do setor terão oportunidade de reciclagem e expansão do conhecimento, desenvolvendo visão so-cialmente sustentável, essencial para a nossa realidade. O sistema ‘S’ da saúde manterá uma força de trabalho qualificada e profissionalizada, tendo, como resultado, profissionais mais abertos às mudanças cultu-rais, comprometidos com a sustentabilidade, contribuindo com a redu-ção do desperdício, adotando uma consciência ambiental mais ampla e atuando de forma responsável para o bem da sociedade.

A extensão de tais medidas e da disponibilidade da base do co-nhecimento global são instrumentos decisivos para fazer avançar a pro-posta do sistema ‘S’ da saúde. A atenção especial à combinação da segurança do paciente e mentalidade “verde” é o grande desafio dos serviços de saúde. Ser sensível aos desafios da mudança climática é o primeiro passo para avançar, mas o progresso será feito somente quan-do os incentivos forem bem alinhados.

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modelos de gestão – importância para a

continuidade e qualidade das organizações de saúde�

Haino Burmester - Médico e administrador de empresas, mestre em medicina comunitária, professor da FGV e chefe da gabinete da supe-

rintendência do Hospital das Clínicas da USP.

“Excelência é uma habilidade conquistada por meio de treinamento e prática. Nós somos aquilo que fazemos repetidamente. Excelência, então, não é um ato, mas um hábito”.

(Aristóteles 384-322 aC).

INTRODuçãO

Este artigo apresenta a possibilidade de aplicação de um mo-delo de gestão para as organizações de saúde como forma de contri-buir para sua permanência e sustentabilidade; a sua assimilação pelas

2 Vide Leituras sugeridas ao final; partes deste artigo foram publicadas com o título Modelo de gestão para organizações de saúde, na Revista de Administração em Saúde, Vol.9, Nº 37, Out.-Dez.,2007.

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3 pessoas que nelas trabalham e como contribui para sua legitimação e institucionalização. Ele também descreve como se aplicam os conceitos do chamado movimento da qualidade aos serviços de saúde (clínicas, hospitais, etc.)

A qualidade não deve ser entendida isoladamente nos serviços de saúde, aplicada apenas em parte dos serviços; é consequência de ação gerencial sistêmica, integrada e coerente, para criar condições à ação assistencial de excelência em todo o hospital, com a interação entre os diversos serviços. É consequência do equilíbrio entre o modelo gerencial e o modelo assistencial, e por isso não se recomenda falar em departamento da qualidade ou gerência da qualidade, como se ela pudesse ser atribuição exclusiva de um setor do hospital. Qualidade tem que ser entendida como preocupação de todos na empresa e não só de um departamento ou gerência. Também não se deve falar em “progra-ma de qualidade” como atividade isolada com começo, meio e fim.

Em síntese, a qualidade é consequência de um modelo de gestão (juntamente com o modelo assistencial) que evite, previna ou minimi-ze as não conformidades ou erros do sistema. Deve permitir a efetiva identificação de problemas e riscos potenciais, a avaliação objetiva de suas causas, implementação de ações para eliminá-los e monitoria que assegure a busca constante pela sua eliminação (embora se saiba que se trata de uma luta interminável; de uma corrida sem linha de chegada, na qual o que interessa é o processo de busca constante pela melhoria contínua). O objetivo principal da aplicação do modelo é garantir a pres-tação do melhor atendimento possível. A melhoria contínua da qualidade implica na busca incessante por novos patamares; em essência, sem-pre existirão formas melhores de realizar o trabalho, bem como sempre haverá alguém que possa realizar a atividade profissional melhor do que nós. É uma jornada contínua pela procura da excelência.

A abordagem utilizada neste artigo deriva da metodologia pro-posta pelo CQH3 (Programa Compromisso com a Qualidade Hospita-lar). Trata-se de modelo de avaliação que também é modelo de gestão, pois os critérios de avaliação são vistos como elementos do modelo de gestão: o uso do modelo leva à sistematização dos serviços, facilitando sua execução, avaliação e correção. Um modelo de gestão (que deve

3 Programa mantido pela Associação Paulista de Medicina e pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo para contribuir com a melhoria contínua da qualidade nos hospitais brasileiros. O CQH existe desde 1991 e envolve atualmente mais de 300 hospitais gerais e especializados, públicos e privados, de pequeno, médio e grande portes, das capitais dos estados e de cidades do interior.

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ser claro e definido) é condição básica para as organizações modernas alcançarem a qualidade nos serviços. Os critérios de excelência, aqui chamados de elementos do modelo, são apresentados a seguir.

– Liderança;– Estratégia e planos;– Clientes;– Sociedade;– Informação e conhecimento;– Pessoas;– Processos;– Resultados.

Os critérios listados acima devem constituir-se nas preocupações do gestor para alcançar a qualidade e devem estar definidos nos docu-mentos da organização, tais como: regulamentos; manuais de rotinas e procedimentos, protocolos etc.

Conforme apresentado no frontispício deste artigo, qualidade não é novidade e não pode ser confundida com modismos do mundo das organizações atuais. Aristóteles, a seu modo, já falava do tema há 2.300 anos. Não há novidade nesta área, apenas novas roupagens para apre-sentar os mesmos velhos e bons conceitos tradicionais. Muitas pes-soas consideram importante demonstrar erudição deblaterando sobre supostas novidades, que na verdade, são as formas antigas de fazer as coisas. Talvez, antes de novas “novidades antigas” apregoadas pelos “gurus das novas eras”, sejam necessárias as velhas e boas praticas de gestão, nas quais conceitos e definições das tarefas básicas do ad-ministrador sejam claros: planejar, executar, avaliar resultados, fazer a gestão das pessoas e dos processos, entender a inserção da organiza-ção na sociedade e a relação com seus clientes e ter informações para acompanhar tudo isso.

Para continuar a discussão sobre modelos de gestão no setor da saúde, apresentaremos primeiramente a revisão da literatura sobre os aspectos relativos à legitimação, à criação social da realidade e à insti-tucionalização das organizações.

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LEGITImAçãO

Legitimação é o processo no qual uma organização justifica seu direito de existir a um sistema de avaliação, por seus próprios pares ou por uma estrutura superior existente (MAURER, 1971). Consiste em uma percepção generalizada que represente as reações dos observadores que vêm e reconhecem o valor implícito de uma organização, para o con-texto no qual ela está inserida (AIDAR, 2003). Tratam de observações objetivas de uma realidade construída subjetivamente (RUEF; SCOTT, 1998). Esses autores enfatizam ainda a necessidade de entendermos a legitimidade não como um recurso a ser possuído ou trocado entre organizações, mas sim como condição que reflita o alinhamento com prescrições normativas, reguladoras ou regras e crenças prevalentes na sociedade como um todo. Legitimidade é uma percepção generalizada ou assumida de que as ações de uma entidade são desejáveis, boas ou apropriadas dentro de um sistema social de normas, valores, crenças e definições (SUCHMAN, 1995). Suchman destaca a existência de três tipos de legitimação organizacional: pragmática, cognitiva e moral.

– A pragmática é a legitimidade concedida pelos interesses mais imediatos dos grupos envolvidos com a organização;

– A cognitiva pode envolver ou um apoio explícito. ou a mera aceita-ção da organização como um fato inquestionável pela cultura local;

– A moral reflete uma avaliação normativa e positiva da organi-zação, no reconhecimento de que esta “faz a coisa certa”, para o interesse do avaliador.

Scott (2000) ainda acrescenta que a legitimação moral pode ser re-conhecida em uma das seguintes formas (de certa forma repetindo os conceitos de Suchman), oferecendo a tipologia apresentada a seguir.

– Legitimidade de procedimentos, na qual são identificados pro-cessos que se justificam cientificamente, em contraste com pro-cessos justificados apenas pela experiência não sistematizada.

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– Legitimidade estrutural, na qual se premia a existência de boas estruturas organizacionais.

– Legitimidade consequente, na qual as organizações devem ser julgadas pelo que elas conseguem de resultados.

– Legitimidade pessoal, atribuída ao carisma e a capacidade de líderes da organização, o que é considerado pelo autor como um achado raro, mas conceitualmente importante. Saliente-se que este artigo não reconhece o carisma como elemento importante para as organizações de sucesso no século XXI.

Nas três primeiras formas, vemos a tipologia de Donabedian ao estudar a qualidade em serviços de saúde segundo três critérios: es-trutura, processos e resultados. Este autor também coloca legitimida-de como um dos sete pilares da qualidade na atenção à saúde, junto com eficácia, efetividade, eficiência, otimização, aceitação e equidade. O autor define legitimidade como a aceitabilidade da atenção prestada à saúde, por uma comunidade ou pela sociedade como um todo. (DO-NABEDIAN, 1990).

A legitimidade é uma realidade construída socialmente e analisa-da pela sociologia do conhecimento, ou seja, pela análise do processo em que os fatos ocorrem (BERGER; LUCKMANN, 1985). Para os au-tores, toda realidade social é precária e todas as sociedades — e as organizações dentro delas — são construções para fazer face ao caos. As legitimações obscurecem essa precariedade das organizações e as defendem de ameaças que podem levá-las ao fracasso.

CRIAçãO SOCIAL DA REALIDADE

Realidade e conhecimento são dois termos importantes para compreendermos o sentido da legitimação. Conhecimento, objeto de estudo da epistemologia, é a certeza de que os fenômenos são reais e

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3 têm características específicas, enquanto que na realidade, objeto de estudo da ontologia, os fenômenos independem da volição dos agentes (até se pode desejar que eles não existam, mas isto não os fará deixar de existir). A observação objetiva da realidade legítima é corroborada pelo conhecimento de que ela existe.

Pode-se perceber que a realidade e o conhecimento são conceitos impregnados de relatividade social: o que é real para algumas pesso-as pode não o ser para outras; da mesma maneira o conhecimento de uma pessoa é diferente do conhecimento das outras, ambos fenômenos dependentes do contexto social. Nessas condições, talvez os agentes possam necessitar da segurança dada por modelos que, se não eliminam as ambiguidades do ambiente, ajudam a enfrentá-las com algum grau de certeza. A maioria dos esforços feitos para racionalizar o comportamento humano tende a colocá-lo em um contexto de calculada racionalidade, o que pode ser alcançado por meio de modelos organizacionais, os quais podem ser determinantes causais da ação. Isto pode ser entendido no que os autores chamam de racionalidade contextualizada; o modelo agi-ria como forma de melhorar a decisão, pois haveria racionalidade implíci-ta na sua coerência interna.

Berger e Luckmann (1985), em seu tratado de sociologia do conhe-cimento, A construção social da realidade, dizem que “as afirmações fun-damentais do raciocínio do livro consistem em declarar que a realidade é construída socialmente e que a sociologia do conhecimento deve analisar o processo em que este fato ocorre”. A sociologia do conhecimento trata dos processos pelos quais qualquer corpo de conhecimento chega a ser socialmente estabelecido como realidade. (SCHELER, 1960, citado por BERGER e LUCKMANN, 1985)4.

Um modelo de gestão (conhecimento) contribui para estabelecer a legitimação (realidade) e, consequentemente, um processo de institu-cionalização daquele conhecimento. Logo, o processo de implantação de um modelo de gestão precisa ser visto como um processo continuado de criação social de uma nova realidade nas organizações que vai adqui-rindo significado pouco a pouco, na medida em que a linguagem se torne inteligível para os agentes participantes.

4 SCHELER, M. Die Wissensformen und die Gesellschaft (1925) apud BERGER, P.L.; LUCKMANN, T. A construção social da realidade, 7ª ed.; Petrópolis, Vozes, 1985.

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INSTITuCIONALIzAçãO

A institucionalização é o processo pelo qual atores individuais transmitem o que é socialmente definido como real. Trata-se de processo de fabricação de verdades, padrões culturais, formas de representação da realidade predominantes em uma organização, bem como mitos e mo-delos que influenciam a ação dos indivíduos dentro das organizações.

“Os indivíduos e organizações os adotam por serem es-ses modelos fonte de legitimidade, reconhecimento e recursos, permitindo aos atores sociais e organizacio-nais aumentar a sua capacidade de sobrevivência em um certo meio”.

(MOTTA; VASCONCELOS, 2002)

Autores ditos neo-institucionalistas como Powell e Di Maggio (1991), propõem uma tipologia das formas que conduzam uma organi-zação a mudar a estrutura organizacional e a adotar um modelo cogni-tivo e normativo instituído por outras organizações, em um processo de mimetismo ou isomorfismo. Essa tipologia compreende quatro formas de institucionalização, apresentadas a seguir.

– A coerção: quando ocorrem pressões formais ou informais exercidas por organizações às quais a organização estudada é dependente;

– A normatização: quando ocorre a institucionalização devida à necessidade da organização se adaptar a normas emitidas por órgãos normatizadores

– A indução: forças internas ou externas induzem a organização a se modificar.

– O mimetismo organizacional: quando a organização procura imitar ou no seu meio ambiente ou fora dele.

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3 Analisando as origens da institucionalização, Berger e Luckmann (1985) dizem que toda atividade humana pode se transformar em um hábito e que qualquer ação frequentemente repetida se transforma em um padrão que pode ser repetido com economia de esforço. Este será aprendido pelo executante como um padrão, podendo ser novamente re-petido no futuro da mesma forma e com a mesma economia de esforço.

É importante destacar a diferença que autores fazem entre ins-tituições e organizações. Em North, por exemplo, instituições são um sistema de regras, e embora reconheça que ambas criam condições para a interação humana, a instituição provê as regras do jogo com as quais as organizações atuam (NORTH, 1989).

A seguir, apresentamos em detalhes os elementos (critérios) do modelo de gestão; sua aplicação pelas organizações de saúde deverá fortalecê-las a ponto de transformá-las em instituições.

I - LIDERANçA

No elemento liderança, o gestor deverá preocupar-se com três itens: o sistema de liderança, a cultura da excelência e a análise crítica do desempenho global do hospital.

1 - O sistema de liderança define o aspecto formal da liderança, ou seja, como está distribuído o poder e como estão organiza-dos os grupos operacionais e de interesse dentro da organiza-

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ção; quais são as competências necessárias para o exercício da liderança e o processo sucessório; o sistema de reuniões e de comunicação.

2 - A cultura da excelência focaliza-se o aspecto informal da li-derança. São estabelecidos os valores e as diretrizes organiza-cionais, necessários à promoção da cultura da excelência e ao atendimento das necessidades de todas as partes interessadas. Estas diretrizes são os valores, a missão, visão e políticas bási-cas. A missão da organização deve responder às perguntas: o que faz a organização? Como faz? Para quem faz? Com que objetivo (ou impacto) maior?

Os valores referem-se às crenças da organização, dando-lhe um norte, bem como orientação e senso de direção em caso de dúvi-da sobre como agir. A adoção de valores visa erradicar a anomia das organizações e recuperar o comprometimento dos profissio-nais com o alto desempenho e a produtividade. Os líderes devem estabelecer um exemplo baseado em valores mediante palavras e atos — a isto se chama de liderança baseada em valores.

A visão é a grande meta a ser alcançada, é a inspiração a to-dos na busca do ideal imaginado. Ela deve conter desafios para alcançar novos patamares e metas ousadas. Trata-se de definir onde a organização quer/deseja/deve estar no futuro. A missão descreve o que o serviço é no presente, enquanto que a visão descreve o que ele quer/deseja/deve ser no futuro. Por fim, as políticas básicas definem as normas da casa para ser cumpridas por todos; ou seja, como as coisas são feitas por aqui.

Desenvolver e manter uma cultura organizacional tendente à excelên-cia na organização se constitui no grande desafio para os lideres.

3 - A análise crítica do desempenho global considerará as neces-sidades de todas as partes interessadas para avaliar o progresso em relação às estratégias e aos planos de ação realizados. É uma das funções básicas da liderança a avaliação do desempe-nho global, e para isso definirá as informações qualitativas, as

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3 informações comparativas e as variáveis do ambiente externo a considerar na análise. Ver-se-á mais adiante, isso se fará em sin-tonia com o elemento relativo às informações e conhecimento e, principalmente, com os resultados. Também é função da lideran-ça comunicar as conclusões da análise às partes interessadas, mencionando os principais indicadores de desempenho ou as in-formações qualitativas utilizadas.

II - ESTRATéGIAS E PLANOS

No elemento estratégias e planos são considerados os seguintes itens: a formulação das estratégias, a sua operacionalização e o plane-jamento da medição do desempenho global.

1 - Por formulação das estratégias entendemos a descrição das realizações necessárias do serviço para caminhar em direção à visão. É uma atividade dinâmica, que pressupõe considerações sobre o passado, presente e futuro. Trata-se de uma definição de intenções que levará em conta os itens abaixo listados:

– As necessidades dos clientes/pacientes;

– As necessidades da comunidade, as leis e regulamentações

aplicáveis;

– O ambiente competitivo e suas eventuais mudanças;

– Os aspectos econômicos;

– As necessidades de capacitação e de movimentação de pessoas;

– As capacidades e necessidades operacionais, a disponibilidade de

recursos e as conclusões das análises críticas do desempenho global;

– As necessidades de desenvolvimento dos fornecedores.

O resultado dessa análise constitui a identidade da organização, ou seja, define-se o que o serviço é no momento, como pré-requi-

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sito para saber onde se quer chegar. Os quesitos mencionados acima ajudam na revisão dos valores, missão, visão, políticas bá-sicas, nos pontos fortes e fracos no interior da organização, nas oportunidades e ameaças no ambiente externo ao serviço. Pontos fortes e fracos são encontrados nos recursos disponíveis (huma-nos, materiais, financeiros e organizacionais). As oportunidades e ameaças encontradas no ambiente externo ao serviço podem ser políticas (regulamentações, normas do hospital etc.), econômicas (restrições financeiras), sociais (desemprego, reconhecimento do serviço etc.) e tecnológicas (novas drogas e equipamentos etc.).

Também são importantes os elementos relativos à coerência entre as estratégias formuladas e as necessidades das partes interes-sadas, aos aspectos fundamentais para o êxito das estratégias, e à comunicação das estratégias às partes interessadas.

O fim da fase de formulação de estratégias ocorre com a defini-ção dos focos estratégicos e das ações estratégicas. O planeja-mento estratégico de um hospital de porte médio poderá gerar, aproximadamente, de três a cinco focos estratégicos os quais, por sua vez, gerarão de duas a cinco ações estratégicas cada um. Essas ações estratégicas darão origem aos planos de ação que constituem o plano estratégico propriamente dito (produto fi-nal do planejamento estratégico) e que serão implementados na fase de operacionalização das estratégias.

2 - Por operacionalização das estratégias, entendemos seu des-dobramento em planos de ação de curto e longo prazos. Isso inclui o envolvimento e a designação das pessoas encarregadas das execuções das tarefas, na alocação dos recursos necessá-rios para atingi-las, a definição de metas a alcançar e seus res-pectivos indicadores.

Também implica no acompanhamento da implementação dos pla-nos de ação e seus resultados. Um exemplo pode ser observado na tabela a seguir:

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3 Tabela I

Foco estratégico Ações estratégicas

Melhoria contínua da qualidade na assistência

Treinamento constante dos profissionais

Adoção de novas condutas

Aquisição de novos equipamentos

Exemplos de planos de ação para a ação estratégica referentes a “treinamento constante dos profissionais”:

– Definição das necessidades de treinamento de cada profissional;

– Definição do plano de desenvolvimento individual (PDI) de cada

profissional;

– Escolha dos cursos;

– Programação das saídas dos profissionais do serviço para fre-quentar os cursos;

– Realização de reuniões de revisão de casos;

– Frequência a congressos e reuniões cientificas; etc.

Cada um desses planos de ação será desdobrado em itens de exe-cução dos planos de ação, com seus responsáveis, prazos de exe-cução, indicadores de resultados, metas a alcançar e recursos ne-cessários. Esse desdobramento em cascata constitui a elaboração do plano estratégico. O gestor deverá atuar com o plano estratégico sobre sua mesa, monitorizando sua execução constantemente e fazendo os re-direcionamentos pertinentes sempre que necessário. As modificações de rumo previstas não poderão ser muito cons-tantes, sob pena do plano ser considerado inapropriado e indevi-damente elaborado. Haverá sempre momentos previstos para as revisões mais profundas do plano, que poderão acontecer trimes-tralmente ou, seguramente, a cada ano.

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3 - No planejamento da medição do desempenho global se fará a avaliação dos rumos e a forma como a organização aprende por meio dos ciclos de controle e aprendizado. Aqui se destaca a defi-nição dos critérios utilizados para fazer a medição do desempenho: como indicadores de desempenho são definidos, integrados e cor-relacionados, como as metas de curto e longo prazos são estabe-lecidas, acompanhadas e, inclusive, como são definidos seus refe-renciais de excelência. Alguns desses critérios podem ser definidos por auditoria permanente e padrões de atendimento.

O acompanhamento desses padrões pode identificar algumas não conformidades que demandem ações corretivas.

III - CLIENTES

Nos serviços de saúde, ações de marketing estão relacionadas à epidemiologia, instrumento pelo qual é possível conhecer os clientes, suas necessidades e expectativas, para depois satisfazê-las. E impor-tante para o gestor acompanhar como a organização (clínica) monitora e se antecipa às necessidades dos clientes, como se relaciona com eles e como mede e intensifica satisfação e fidelidade. É necessário à orga-nização definir exatamente quem são seus clientes, os quais podem ser definidos em grupos mais frequentes: os pacientes e seus familiares; os planos de saúde (convênios) ou outros pagadores, etc. O elemento “clientes” compreende dois itens: a imagem e o conhecimento que os clientes tem da organização, e como ela se relaciona com os clientes.

1 - O item imagem e conhecimento do mercado inclui os crité-rios adotados para segmentar e agrupar os clientes; quem são os clientes-alvo e os demais; como as necessidades dos clientes atuais e potenciais são identificadas, analisadas, compreendidas e monitoradas; os diferentes enfoques necessários para cada grupo de clientes; como os atributos dos serviços prestados pela organização são identificados e como sua importância relativa ou

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3 valor para os clientes é divulgada; como as ações de melhoria são divulgadas de forma a criar credibilidade, confiança e ima-gem positiva; e, por fim, como são identificados e analisados os níveis de conhecimento dos clientes sobre os serviços prestados pela organização.

2 - No relacionamento com os clientes enfatizamos a forma como a organização (hospital, clínica etc.) seleciona e disponibiliza ca-nais de acesso e trata as sugestões e outras solicitações dos usuários; como é assegurado que as reclamações sejam pronta e eficazmente atendidas e/ou solucionadas; como a organização avalia o grau de satisfação, fidelidade e, principalmente, o grau de insatisfação dos clientes, comparando-o com outros serviços; como as informações obtidas dos clientes são utilizadas para in-tensificar o grau de satisfação e obter referências positivas, in-cluindo as práticas utilizadas para torná-los fieis.

Iv - SOCIEDADE

Neste ponto, examinamos as contribuições da organização para o desenvolvimento econômico, social e ambiental de forma sustentável, na busca pela redução dos impactos negativos potenciais dos serviços (ou produtos) e na interação com a sociedade de forma ética e transparente.

1 - Responsabilidade sócio-ambiental significa a preocupação em identificar os impactos reais e potenciais da atividade da organização na sociedade, na comunidade local ou no meio ambiente de modo geral. Como exemplos de ações de responsabilidade sócio-ambien-tal, citamos as campanhas contra o desperdício de água e energia, a coleta e destinação adequada dos resíduos hospitalares, etc.

2 - Ética e desenvolvimento social têm como foco as ações da or-ganização em favor das comunidades locais que extrapolem a sua missão. Para que essas ações sejam efetivamente compreendidas

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como ações para a comunidade, é importante evidenciar o alcan-ce das mesmas para além dos clientes da organização. Também estão aqui contempladas as questões relativas ao comportamento ético no relacionamento com as partes interessadas. Exemplos de ações pautadas pela ética são a existência de comissões de ética, disseminação dos códigos de ética das profissões atuando no hospital, realização de eventos sobre o tema, etc.

v - INfORmAçõES E CONhECImENTO

Quanto às informações e conhecimento, enfatizamos a gestão e a utilização das informações, as informações comparativas pertinentes, bem como as formas de proteção do capital intelectual da organização.

1 - Na gestão das informações, preocupamo-nos com o sistema de informações, propriamente dito. Como são determinadas as necessidades de informações, os critérios de seleção, métodos de obtenção, armazenamento e acesso de dados. Estão engloba-das a preocupação com a utilização das informações na gestão e das atividades de rotina. Nela se incluem os procedimentos e as tecnologias para apoiar as estratégias e satisfazer as necessida-des dos usuários, no que se refere a confidencialidade, integrida-de, disponibilidade e nível de atualização dessas.

Cada aspecto do atendimento deve estar associado com a habi-lidade de medi-lo quantitativa e qualitativamente. Por exemplo, não só deve existir um registro das ações, como padrões defi-nidores dos conteúdos. Cada serviço deve definir o que e como os indicadores devem medir, desde que eles dêem a informação necessária para avaliar se o escopo está sendo alcançado. Cada indicador deve vir acompanhado de um valor mínimo que, quan-do ultrapassado, chama atenção para a necessidade de ação corretiva. Porém, é preciso ter cuidado com o excesso de dados inúteis para o processo de avaliação, congestionando os siste-

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3 mas de informação. Recomenda-se definir um painel de controle para monitorar todas as etapas do atendimento e a satisfação dos diversos grupos de interesse nele.

O painel de controle, tal como no painel da cabine de comando de um avião moderno, registra os dados utilizados pelo piloto e pelo computador de bordo para correção de desvios na qualidade do vôo. Também no painel de controle da organização, o gestor poderá monitorizar os desvios de qualidade. Para finalizar, a importância dos sistemas de informação está na capacidade de comunicar re-sultados às partes interessadas, permitindo-lhes a gestão das infor-mações comparativas.

2 - Quanto à gestão das informações comparativas, interessa-nos as informações utilizadas para apoiar a análise critica do desem-penho global, bem como para a decisão, melhorias e inovações das práticas de gestão. Enfatizamos os principais tipos de infor-mações utilizadas e como elas se relacionam aos processos as-sistenciais e às metas organizacionais. Os principais tipos de in-formação podem ser colhidos através de estágios, cursos e visitas a outros serviços, relatórios de outras organizações, contratação de consultores ou especialistas, palestras, participação em as-sociações profissionais, pesquisas, intercâmbio de informações; participação em congressos, feiras e exposições no país ou no estrangeiro, livros, revistas, periódicos e websites; etc. Uma forma que está se tornando comum entre empresas (extensivo a organi-zações da área da saúde) é a prática do benchmarking, compara-ção entre as melhores práticas ou referenciais de excelência.

As principais etapas da prática do benchmarking são identificar serviços de referência, coletar as informações, analisar as infor-mações e agir. A gestão das informações comparativas é muito útil para os ciclos de controle, onde são feitas as comparações com padrões de trabalho estabelecidos e os principais indicadores de desempenho. Também fornece subsídios para os ciclos de apren-dizado, onde a ênfase está na determinação dos principais indica-dores de desempenho ou informações qualitativas utilizadas.

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3 - Quanto ao desenvolvimento do capital intelectual, é difícil em uma empresa de prestação de serviço, saber como proteger o conhecimento e o capital intelectual. Podemos descrever como estimular, identificar e desenvolver o conhecimento, mas este será, quase que invariavelmente, propriedade do indivíduo. Em serviços com características acadêmicas, é possível certa lealda-de dos indivíduos com a instituição e o capital intelectual por ela transmitido; o mesmo pode acontecer em hospitais nos quais o corpo clínico seja vinculado por meio de um contrato de trabalho. No caso de hospitais de corpo clínico aberto, contudo, o capital intelectual, entra e sai do prédio com os profissionais.

O modelo de gestão em pauta considera a importância do compar-tilhamento das inovações tecnológicas e dos conhecimentos ad-quiridos coletivamente na instituição. Daí recomendar a esta última cultivar o capital intelectual, incentivando o pensamento criativo e inovador nos padrões de trabalho e nas principais práticas assis-tenciais e de gestão do serviço. Em nossa avaliação, sempre há um compromisso coletivo entre pessoas e organizações, por mais individualizada que possa parecer qualquer prática de serviço. O indivíduo necessita de outros na instituição para praticar o seu ofí-cio e, portanto, o capital intelectual adquirido pelo indivíduo tem dimensões institucionais e deve ser protegidos pela instituição.

vI - PESSOAS

Nesse ponto, enfatizamos as condições para o desenvolvimento e utilização plena do potencial das pessoas, bem como, dos esforços para criação e manutenção de um clima organizacional compatível com a excelência do desempenho e à plena participação. Para tanto são ne-cessários sistemas de trabalho para gerir as relações das pessoas com a organização, a preocupação com a capacitação e o desenvolvimento e ações visando a melhoria da qualidade de vida.

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3 1 - O sistemas de trabalho volta-se para a organização do ser-viço, ou seja, a elaboração das escalas de plantões e rotinas, manutenção da cobertura dos setores, recrutamento, admissão e integração das novas pessoas ao grupo, divisão das responsa-bilidades e remuneração, avaliações de desempenho, aplicação de punições e incentivos; competências necessárias para ocupar posições, e assim por diante.

2 - Capacitação e desenvolvimento consistem em treinamento, capacitação, desenvolvimento e educação das pessoas dentro da organização. O treinamento deve alinhar-se às estratégias, criando competências e contribuindo para melhor desempenho das pessoas e realização da missão da empresa/clínica/hospi-tal. A avaliação do desempenho determinará as necessidades de treinamento, considerando as diferenças entre escolas de forma-ção e suas consequências na conduta, consumo de materiais, eficiência e qualidade.

Recomenda-se avaliar a influência da cultura de excelência sobre treinamento e como os indicadores qualitativos e quantitativos de desempenho, padrões de trabalho, métodos de controle e as infor-mações comparativas pertinentes afetam o desenvolvimento do serviço. Métodos de orientação ou aconselhamento, empregabili-dade e desenvolvimento de carreiras são temas pertinentes à ges-tão de pessoas e particularmente, a reflexão sobre as formas mais comuns de treinamento praticadas: participação em congressos e cursos a eles vinculados, acesso às informações veiculadas em revistas especializadas ou na Internet e o treinamento em serviço. A manutenção de biblioteca com acesso garantido a textos bási-cos e de especialidades, bem como de revistas para atualização ainda são recursos adequados para a manutenção de programas regulares de educação continuada, independentemente das ca-racterísticas ou do status das pessoas.

3 - A qualidade de vida tem estreitas relações com a gestão de pessoas e a busca da excelência organizacional. A rotina estres-sante e longas jornadas de trabalho comprometem a qualidade de

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vida e se não bastasse, o conhecimento e a facilidade de acesso às drogas psicoativas podem facilmente se tornar escape para pessoas pressionadas profissional e emocionalmente. As esca-las de trabalho devem contemplar as necessidades de repouso e férias. Alem dos requisitos legais, as necessidades individuais de-vem definir intervalos de repouso, de maneira a não comprometer a segurança dos pacientes. Da mesma maneira, a preocupação com a manutenção dos equipamentos usados deve, além da se-gurança dos pacientes, garantir também a dos profissionais.

vII - PROCESSOS

Gestão de processos consiste na padronização de condutas as-sistenciais baseadas em evidências clinicas e condutas gerenciais. Pa-dronização se traduz, materialmente, em manuais de rotinas e procedi-mentos, registros dos agentes responsáveis pelas atividades desenvol-vidas, as sequências de execução das atividades e seus respectivos flu-xogramas, as políticas específicas e normas dos serviços, etc. Quando se fala de gestão de processos o modelo registra a gestão dos proces-sos fins, ou seja, a aplicação da assistência, a gestão dos processos de apoio administrativo, de higiene-limpeza, segurança informática, etc.

1 - A gestão de processos relativos aos serviços fins começa com a definição dos principais processos relativos aos serviços fins, bem como das principais etapas e sub-processos desses servi-ços. Citamos parte dessas etapas e/ou sub-processos: as consul-tas, cirurgias, ações de reabilitação, etc. Para cada uma destas etapas/sub-processos haverá uma definição de normas, rotinas, procedimentos, atividades, agentes executores, fluxo de sequên-cia, baseados nos requisitos das partes interessadas (pacientes, familiares, fontes pagadoras, fornecedores, etc.) e descritas nos manuais de rotinas e procedimentos. Esses manuais deverão ser aprovados, não só pelos chefes dos serviços, mas também por

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3 seus superiores imediatos, sendo revisados periodicamente e, mais importante, seguidos por todos os membros das equipes. Esses manuais deverão conter também os padrões mínimos de qualidade esperados nos serviços: auditoria periódica dos pron-tuários para comprovação da existência dos registros dos atos profissionais e da qualidade desses atos, bem como de acidentes ocorridos; auditoria periódica dos equipamentos utilizados, etc.

2 - A Gestão dos processos de apoio começa com a definição das principais etapas/sub-processos existentes e a partir delas, quais normas, rotinas, procedimentos, atividades, agentes e fluxos são necessários. Nos processos de apoio também estão principal-mente incluídos os processos administrativos.

3 - A gestão de processos relativos aos fornecedores considera fornecedores externos tradicionais e internos do hospital (labo-ratório de análises clinicas; serviço de hemoterapia ou banco de sangue; enfermagem e outros profissionais; centros/unidades de terapia intensiva, etc.) As relações dessas unidades/profissionais internas devem ser reguladas por meio de normas, rotinas, pro-cedimentos, atividades, seus agentes e fluxo de sequência, etc. A regulamentação dessas relações deverá constar dos manuais de rotinas e procedimentos dos processos de apoio. Contudo, quando o fornecedor é externo, o grande instrumento de gestão é o contrato, no qual estão delineados os direitos e deveres das partes. O contrato faz, neste caso, as vezes do manual de rotinas e procedimentos internos. À medida que aumentam as terceiriza-ções nos hospitais, a gestão de processos relativos aos fornece-dores também aumenta de importância, uma vez que o fornece-dor atua dentro da organização, e emergem questões devidas à convivência de duas culturas organizacionais diferentes.

4 - A gestão financeira é utilizada para apoiar as estratégias e os planos de ação, incluindo como selecionar as melhores opções de captar recursos, investimentos e aplicações de ativos financei-ros para viabilizar as operações da organização.

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vIII - RESuLTADOS

Os resultados são avaliados em função: da satisfação dos pacien-tes e seus familiares; do mercado comprador de serviços hospitalares; da satisfação das pessoas/organizações financiadoras da organização (administração/donos do hospital, governo no caso de hospitais do Es-tado, etc.) que têm interesse em indicadores financeiros dos resultados; das pessoas que trabalham na organização; dos fornecedores; da so-ciedade; dos processos relativos aos serviços de atendimento e dos re-sultados relativos aos processos de apoio e organizacionais. São os re-sultados que realmente indicam ou não o grau de satisfação das partes interessadas. Eles devem ser expressos por meio de tabelas e gráficos construídos a partir de dados e indicadores. Quando acompanhados de referenciais de excelência ou de mercado, permitem comparações úteis, e quanto dispostos em séries históricas permitem avaliar tendên-cias. Dados comparados se transformam em informações e estas, ana-lisadas, transformam-se em conhecimento com relação à organização.

1 - Resultados relativos aos clientes e mercado apontam o grau de satisfação dos pacientes, familiares e das fontes pagadoras. A forma mais comum é por meio de pesquisas.

2 - Os resultados financeiros mostram a eficiência no uso dos recursos colocados à disposição da organização. Podem ser uti-lizados indicadores de receita bruta, lucratividade, rentabilidade, produtividade, custo do ato anestésico etc.

3 - Os resultados relativos às pessoas podem avaliar o grau de satisfação das pessoas na organização; costuma-se usar análise de clima organizacional, números de horas de treinamento; inves-timento em treinamento dividido pela receita; doenças atribuídas às atividades profissionais; frequência e gravidade dos acidentes de trabalho, percentual variável sobre a remuneração total, etc.

4 - Resultados relativos aos fornecedores consideram tempo de espera para manutenção/reparo de equipamentos; demora na

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3 entrega de medicamentos, percentual de não conformidades na entrega de medicamentos/materiais, percentual de fornecedores participantes de eventos promovidos pelo serviço, percentual de acidentes/efeitos adversos devido a material entregue por deter-minado fornecedor, atrasos/complicações no fornecimento, incom-patibilidades clinicas com resultados de exames de laboratório, diferenças no controle de psicotrópicos, etc.

5- Resultados dos processos relativos aos serviços apresentam o número de acidentes divididos pelo numero total de procedimen-tos feitos ou pelo número de horas de atendimento, número de acidentes com óbito, número de reações adversas, tempo médio de cirurgia dividido pelo tempo médio de anestesia, tempo de pro-cedimentos com monitoramento cárdio-circulatório, etc.

6 - Resultados relativos à sociedade apontam a frequência da or-ganização na mídia de mensagens (visando esclarecer a opinião pública com relação aos serviços prestados pela clínica), núme-ros de participação voluntária em pesquisas científicas, números de apresentação voluntária de trabalhos científicos em congres-sos e/ou revistas, atos médicos realizados gratuitamente, etc.

7 - Resultados dos processos de apoio e organizacionais rela-cionam número de ações preventivas divididos pelo número de ações corretivas por equipamentos, horas de procedimento por equipamento, percentual de planos/orçamentos/escalas executa-dos/cumpridos, custo real dos procedimentos dividido pelo custo ideal, percentual de correção no preenchimento das folhas de dé-bito, percentual dominado das tecnologias necessárias.

Modelos similares ao apresentado neste artigo já estão em práti-ca em organizações brasileira, entre eles, Santa Casa de Porto Alegre (vencedor do PNQ em 2002), Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, hospitais participantes do pro-grama CQH, em São Paulo, entre outros. Tendo em vista contribuir com estudos futuros, apresentamos nas páginas finais deste artigo sugestão de leituras sobre o tema.

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Inovação e a área da saúde

Ana Maria Malik� - Médica, doutora em medicina preventiva, diretora adjunta do PROAHSA e professora adjunta da FGV/SP.

INTRODuçãO - A INOvAçãO, A mODA, O mODISmO

A área da saúde gosta de se ver como inovadora, atribuindo mui-to de seus custos crescentes justamente a essa inovação, além do fato que — todos os estudiosos do setor o sabem e o repetem — a inovação não chega para substituir o anterior, mas para se somar a ele. No entan-to, talvez fosse possível questionar o que se costuma tratar sob o tema. Inovação é uma coisa, novidade é outra, moda é ainda uma terceira.

No geral, consideramos dois tipos de inovação, a radical e a in-cremental. A radical assume uma ruptura com “o anterior”, trata-se de algo novo, poderíamos falar de um novo paradigma (KUHN, 2003). Como exemplo de incremental na área da saúde, podemos considerar a possibilidade de ver claramente o interior do corpo humano, sem ne-cessidade de cortá-lo. A inovação incremental respeita à modificação 5 Com os mais sinceros agradecimentos aos amigos (em ordem alfabética) professores Ana Carolina Spolidoro Queiroz, Gonzalo Vecina Neto, Lucila Pedroso da Cruz e Maria Laiz Zanardo, por terem usado seu tempo para ler, dar sugestões relevantes e corrigir gafes. Certamente o texto saiu melhor do que estava em suas versões anteriores, devido a suas intervenções.

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3 em uma parte de um processo ou de um produto (LEMOS, 1999), como a introdução de aparelhos de ultrassonografia que permitem ver as ima-gens coloridas e em terceira dimensão, ou até dos equipamentos de mamografia digitais.

Temos clareza em perceber que a transformação da economia depende da inovação. Ainda não estão claras, porém, as possíveis ori-gens da inovação, ou seja, de onde ela vem. A definição mais comum para o termo é a de Dosi, apresentando-a como busca, descoberta, experimentação, desenvolvimento, imitação e adoção de novos produ-tos, processos, técnicas, mesmo que sejam novos apenas no âmbito da organização que os adota (DOSI, 1988).

No presente texto, utilizamos um dos conceitos do Manual de Oslo (OCDE/EUROSTAT/FINEP, 2005), segundo o qual, o conhecimen-to é cada vez mais percebido como um condutor central do crescimento econômico e da inovação, embora ainda não se saiba como esses fa-tores a afetam. Ainda nesse documento aparece a noção de que, além de compreender as atividades de inovação desenvolvidas por meio dos conhecidos programas de P&D (pesquisa e desenvolvimento), é neces-sário estar preparado para perceber aquelas não incluídas nesses pro-gramas, as interações entre os atores e os fluxos relevantes de conhe-cimento. Segundo o manual, em uma organização é possível observar quatro grandes tipos de inovação: de produto, de processo, organiza-cionais e de marketing.

Novidade, por sua vez, é algo novo, algo que não estava dispo-nível, mas respeita à substituição do anterior por um semelhante. Por exemplo, a substituição de um automóvel, por um mais novo ou simples-mente por outro. Isto pode corresponder ao que o Manual de Oslo chama de “novo para a firma”, como um requisito mínimo da inovação. A adoção de inovações envolve um fluxo de conhecimento, com muita frequência provindo da difusão de inovações iniciais por outra organização.

Finalmente, aparece a moda, entendida como aquilo que se usa ou que se faz (ou se gostaria de usar ou de fazer) em determinada época. Uma de suas distorções pode ser o modismo, cuja característica é ser efêmero e que, com muita frequência, é adotado de maneira menos crítica

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do desejável. Quando não desaparece, pode virar moda. A moda pode se tornar um clássico, como é o caso do vestidinho preto, lançado por Chanel, incorporado ao imaginário feminino desde a primeira metade do século XX (não é raro que em ocasiões sociais mais de 80% das mulheres usem esse traje, que até já tem abreviatura no mundo da moda — LBD6). O modismo não, embora às vezes ele retorne.

Na área da saúde, a toxina botulínica era conhecida há muito tempo, desde quando passou a ser utilizada para doentes com paralisia cerebral. Em seguida, passou a ser usada para fins estéticos, por profissionais de saúde. Até aí, estamos falando de inovações (a utilização da toxina para fins terapêuticos), novidade (para fins estéticos) e talvez em moda (deixar quem o utiliza com uma expressão com menos rugas, eventualmente dis-torcida, entre alguns usuários). O modismo pode ser a modalidade “chá de Botox”, quando pessoas se reúnem para utilizar com mais eficiência os frascos do produto e ver sua aplicação em seus pares.

A importância da inovação no setor de serviços é crescentemente reconhecida. Os serviços podem ser classificados de diversas manei-ras, entre as quais, as do Manual de Oslo, citando Howeels e Tether : serviços que lidam sobretudo com produtos (como transporte e logísti-ca), os que trabalham com informação (tais como os call centers), ser-viços baseados em conhecimento, e serviços que lidam com pessoas (como cuidados com a saúde). No entanto, há características da área de serviços já transformados em conhecimento comum: a distinção en-tre produtos e processos é, com frequência, difícil de perceber, com produção e consumo ocorrendo de forma simultânea. Nessa área, a ino-vação também pode ser um processo contínuo, consistindo-se de uma série de mudanças incrementais em produtos e processos. Isso pode dificultar a identificação das inovações em serviços em termos de even-tos isolados; no entanto, como elemento facilitador da sua identificação, para tratar de inovação é necessário que ela tenha sido implementada.

Uma inovação pode consistir na implementação de uma única mudança significativa (em assistência hospitalar podemos falar de tor-nar uma organização voltada para a segurança do paciente, adotando todos os protocolos internacionais), ou em uma série de pequenas mu-6 LDB – little black dress, um clássico do vestuário feminino.

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3 danças incrementais que podem, juntas, constituir mudança significativa (o que acontece com uma organização que se propõe a informatizar-se e o faz paulatinamente).

Assim, é preciso cautela quando falamos de inovação em saúde. O argumento do presente texto é discutir processos do setor, estudados em diferentes circunstâncias, e interrogá-los, para saber como, de fato, a área se caracteriza como inovadora.

ALGuNS fATOS DA áREA DE SAÚDE NO BRASIL

Um dos assuntos de grande interesse para os estudiosos das polí-ticas e da gestão de saúde é a incorporação tecnológica. Continua, entre muitos dos interessados ou observadores do setor, a impressão de que isso se refere a equipamentos, de preferência de última geração, como está na imprensa. Com os medicamentos eventualmente, acontece o mesmo. Os processos, que poucos conseguem identificar como eram e como se tornaram, não são identificados com o assunto mudança, exter-namente. Rigorosamente, mesmo os trabalhadores dos hospitais se sen-tem melhor na presença de novas máquinas ou até de reformas de área física (inovações tangíveis), que na substituição de processos que não conseguem identificar (inovações intangíveis). Por isso a necessidade de artifícios, selos, prêmios associados a algumas das relevantes alterações nos “modi operandi” (AKTOUF, 2001; FREITAS, 1999). Em nosso texto são analisadas as inovações intangíveis que influenciam a cultura das organizações e que são influenciadas pelos seus operadores.

Novas tecnologias, inovação tecnológica, são associadas, justa-mente, à área de assistência médica. De fato, não seria possível falar em um novo paradigma na área assistencial não fossem os novos me-dicamentos para tratar afecções com muito mais eficácia e eficiência, considerando o tempo de tratamento, e não os seus custos (embora não sejam pesquisados com a mesma ênfase para todos os diagnósticos).

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Na área de anestesiologia, portanto, voltada para cirurgia, os fár-macos são absorvidos com muito mais rapidez pelos pacientes, quimio-terápicos podem ser utilizados fora de ambiente hospitalar, o tratamento da dor pode ser realizado em domicílio. Os medicamentos genéricos existem e foram criados para aumentar o acesso da população a essa nova tecnologia. A técnica cirúrgica permite a realização de cirurgias de maneira não invasiva (não sempre, não para tudo, mas quando a indicação é adequada, os processos costumam transcorrer de maneira bastante satisfatória). Procedimentos e equipamentos permitem atender o paciente em domicílio. Em alguns casos é realmente mais indicado re-alizar o tratamento fora de hospitais de pacientes agudos.

Equipamentos auxiliares de diagnóstico permitem ver o interior do corpo humano com precisão impensável há algumas poucas décadas, mudando a acurácia dos diagnósticos, permitindo tratamentos mais pre-coces e mais seguros. E mesmo no que respeita à segurança, práticas usadas acriticamente desde “sempre” passaram a ser questionadas, e outras passaram a ser prescritas em seu lugar, como os protocolos de cirurgia segura, para impedir a ocorrência de erros evitáveis. Trata-se, certamente, de inovações tecnológicas que, no entanto, não costumam estar disponíveis para todos, apesar do SUS preconizar o acesso uni-versal (e até mesmo o que a medicina suplementar assume quando divulga suas potencialidades).

Internacionalmente, fala-se em economia da saúde como uma disciplina. Com frequência, são os profissionais com conhecimento e ex-periência nessa área que, em alguns países, definem qual(is) dessa(s) inovação(ões) podem/devem ser incorporadas, justificando os sempre presentes e crescentes gastos com saúde.

No Brasil, existe a preocupação com a incorporação de tecnologia tanto na ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que anali-sa segurança, eficácia e qualidade, quanto no Ministério da Saúde, que criou em 2006 uma comissão (CITEC - Comissão para Incorporação de Tecnologias) e em 2008 vinculou-a à Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos – SCTIE. Fazem parte desta Comissão, além da Secretaria do Ministério à qual ela é vinculada, a Secretaria de Atenção

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3 à Saúde e a Secretaria de Vigilância em Saúde. Além desses órgãos diretamente ligados ao Ministério, ainda a compõem a ANVISA e a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar). Seu objeto é a incorporação de tecnologias, mas eventualmente também a sua retirada do mercado e da listagem dos itens financiados pelo Ministério, bem como a revisão de protocolos assistenciais.

No entanto, esses esforços ainda são recentes e não tem sido possível atender todos os pedidos de maneira oportuna (os fabricantes querem mais velocidade nos processos, a população tem conhecimento crescente a respeito do que ocorre no resto do mundo e deseja acessar o que lhe parece adequado e que consegue identificar). No entanto, para dar nexo às políticas de saúde nacionais (de qualquer país), é preciso estudar as reais necessidades, as evidências científicas (apesar de terem se tornado um bordão quase sem sentido, são indispensáveis para me-lhorar a assistência) e, finalmente, a disponibilidade de recursos.

No sistema de saúde brasileiro (SUS), há uma promessa de acesso universal à saúde, entendida como acesso a todos os bens e serviços even-tualmente existentes no mundo. Tal situação não é o possível (em qualquer sistema, tendo em vista as limitações de recursos) ou o desejável para os pacientes, por muitas vezes implicar em procedimentos ou outros insumos mais invasivos, menos seguros e de necessidade no mínimo, discutível. Já se tentou, no Brasil, disseminar ou descentralizar as atividades de análise econômica, de custo-benefício, custo-eficácia ou de custo-efetividade, mas não há quadros suficientes, não se verifica real interesse do Estado nesse sentido e não é certo que tal descentralização seja o modelo mais adequa-do. O modelo — tanto no setor público quanto no privado — demanda todos os serviços, tudo o que há de mais novo, sempre. Os profissionais se di-zem prejudicados, por não conseguirem seguir as chamadas boas práticas, quando não têm à disposição o último lançamento; os demais atores, popu-lação, fabricantes e outros interessados lutam, cada um para resguardar a sua posição (FERRAZ, 2008).

Embora haja, idealmente, ciência e conhecimento por trás das di-ferentes decisões tomadas, acaba prevalecendo um jogo de opiniões e de vontades. A resultante é a manutenção daquilo que Porter chama de

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a concorrência errada, na qual compete-se por preço, por quantidade de procedimentos potencialmente realizados, por equipamentos disponíveis e não pela qualidade no serviço prestado, levando valor ao cidadão sob cuidados (PORTER; TEISBERG, 2006; PORTER, 2009).

A GESTãO DA áREA DE SAÚDE NO BRASIL TEm SIDO INOvADORA?

Olhando para estudos realizados no século XXI, na área da saú-de no Brasil, temos visões pouco otimistas em relação ao tema, quando falamos em inovação na área de gestão e não da assistência. Estudo realizado em 2002 (MALIK; PENA, 2003) mostrou que, na época, exe-cutivos de organizações de saúde públicas e privadas, hospitalares, de sistemas de saúde e operadoras de saúde, na região metropolitana da Grande São Paulo, perguntadas sobre os desafios do momento e os esperados para os próximos cinco anos, apresentavam respostas muito semelhantes para os dois períodos. As respostas podem significar falta de visão ou de preocupação estratégica. Se é possível relacionar inova-ção à visão estratégica, talvez esse aspecto estivesse falho no início da década considerada.

Estudos de 2000, 2003 e 2004 mostram hospitais preocupados com mimetismo organizacional: sua intenção maior é dispor dos mes-mos serviços que seus concorrentes ou daqueles considerados seus benchmarks, não necessariamente desenhados em função de uma vi-são estratégica ou de futuro, não sendo classificáveis como early adop-ters (MALIK; TELLES, 2001; QUEIROZ; VASCONCELLOS, 2005; FIO-RENTINI, 2005).

Estudo de 2006 encontra pouca modificação na realidade de 2000 quanto à visão estratégica de hospitais privados filiados à ANAHP (Asso-ciação Nacional de Hospitais Privados), em relação a suas áreas de su-primentos (FERREIRA, 2000; OKAZAKI, 2006). Nova pesquisa realizada

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3 em 2006, no mesmo hospital analisado em 2003, mostrou três pontos pouco coerentes com a imagem de inovador que a organização tem:

1 - praticamente todas as inovações consideradas relevantes no primeiro estudo (três anos antes) foram abandonadas;

2 - os funcionários eram os mesmos (houvera demissões e diver-sos treinamentos, mas o mix de competências não fora alterado substantivamente, ou seja, o resultado dos treinamentos realiza-dos para as inovações há três anos estava sendo sub-utilizado, e cada vez havia menos tempo suficiente para a realização de novos treinamentos — embora o hospital em questão fosse um grande investidor na modalidade de educação continuada), e

3 - em entrevistas com decisores de nível estratégico, um deles atribuiu a um fator externo (orientações de avaliador externo), a introdução das inovações mais relevantes. (QUEIROZ; MALIK; STAL, 2007). A mesma preocupação com os avaliadores exter-nos orientou decisões quanto à gestão de contratos em hospitais (VELOSO; MALIK, 2007).

Estudo realizado em 2007 mostrou que hospitais privados vinham negociando valores de reembolso diretamente com operadoras sem ou-vir seus médicos, contratados ou não, embora não se verifique muita literatura a respeito de quem leva pacientes para os hospitais. Há 10 ou 15 anos, creditava-se o mérito aos médicos, vistos como os clientes preferenciais dos hospitais, principalmente os privados, contrariando a literatura sobre qualidade, patient based service e valor (BERWICK, 2009). Em 2010, presumimos pela percepção dos profissionais, os pa-cientes chegam para utilizar os serviços por indicação, orientação ou em função das operadoras, o interlocutor privilegiado, deixando o pa-ciente mais uma vez para segundo plano (SCHOUT et al, 2009). Difícil dizer se certificados de avaliação externa têm alguma influência de fato na quantidade de doentes.

Finalmente, estudos de 2005, 2006 e de 2008 evidenciam que as organizações de saúde não sabem ou têm pouco interesse/consideram

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pouco prioritário lidar com sua cultura. Assim, fica difícil mudar, inovar, aprender. (ARRUDA, 2006; CLINCO, 2007; STEUER et al, 2009). As mudanças dependem das pessoas estarem dispostas a questionar as verdades dentro das organizações. Há locais nos quais a inovação é um pressuposto (SCHEIN, 2006), em tese ocorrendo em organizações nas quais se realiza e se trabalha com os resultados de pesquisa. No entanto, na área da saúde isso é mais perceptível na assistência do que na gestão (inclusive na gestão da assistência), nos processos mais intervencionistas do que nos cuidados.

Nos anos 1980/90, os processos de gestão da qualidade começa-ram a ser bastante comentados no setor saúde do País, muito às custas de viagens de visitas que gestores públicos e privados fizeram principal-mente aos EUA. O fato dos processos serem comentados não necessa-riamente os tornou realidade, ficaram mais próximos de uma novidade. Em um segundo momento, começou o período de validar processos de avaliação, de reconhecer a existência de muitos interessados nesse tipo de atividade, cada um com seu interesse e com sua percepção. A seguir, veio o tempo do conhecimento sobre os processos de avaliação externa, dentre os quais o mais comentado é a acreditação hospitalar, inspirada na então JCAHO (Joint Commission on Accreditation of Healthcare Or-ganizations), inspirando a Organização Panamericana da Saúde a tentar disseminar a atividade como moda nos hospitais da América Latina e do Caribe (SCHIESARI, 1999).

O processo de implantação da qualidade persiste em nosso País, mas seus resultados realmente são, até agora, incipientes. Uma das primeiras atividades necessárias foi a de tornar o termo acreditação co-nhecido e palatável. Interessante é que, depois de isso ter ocorrido, a França, onde a acreditação hospitalar é obrigatória e tem uma organi-zação responsável por ela (a HAS – Haute Authorité de Santé), chama esse processo de certificação. No Brasil e em uma série de outros paí-ses, certificação se refere a outros tipos de avaliação externa. Entre as justificativas encontradas por serviços para se submeterem a avalia-ções externas estão sua imagem pública (marketing), sua diferenciação perante os seus semelhantes, mediante um atestado de cumprimento

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3 de requisitos (e que servem, portanto, para receber pacientes de opera-doras privadas, nacionais e internacionais) e sua capacidade em obter recursos com base nesses atestados.

Em tese, os processos de avaliação dizem como os serviços pre-cisam funcionar para atingir algum padrão de qualidade definido por or-ganizações com credibilidade. Assim, as avaliações/acreditações dizem quais são as respostas certas, cabendo aos serviços envolvidos fazer a lição de casa.

E ainda, mesmo considerando que no estado de São Paulo uma série de hospitais deixa as prescrições da acreditação (nacional ou inter-nacional) tomarem decisões por eles, conforme estudo de Queiroz, Malik e Stal (2007), o número de hospitais acreditados no País, por acredita-doras nacionais ou internacionais, ainda é extremamente pequeno. Em dezembro de 2009, cerca de 10 anos após o início formal dos proces-sos de acreditação no País (SCHIESARI, 1999, 2003), são 115 hospitais pela acreditação nacional (ONA7). Por acreditações internacionais, são 21 pela JCI/CBA8, muitos deles parte de outras organizações (e algumas não são hospitais), e quatro pela AC/IQG9.

Considerando-se todos como se fossem independentes, seriam 140, ou seja, 2% dos hospitais brasileiros. E contrariando a tendência internacional de fechamento de leitos com vistas a racionalização de recursos, no Brasil, mesmo frente à inequívoca realidade da existência de hospitais que colocam em risco a vida e a segurança dos pacientes, não se fecham tais serviços (CORREA, 2009). Ou seja, falar em acre-ditação no Brasil é mais um modismo do que uma tendência ou uma moda (diferentemente do que ocorre nos EUA, pelo menos na primeira década do século).

Algumas organizações de saúde brasileiras conhecem tecnolo-gias de gestão contemporâneas, porém, quando ocorreu um black out em novembro de 2009, quase uma década após o início do século, a im-7 ONA – Organização Nacional de Acreditação.8 JCI/CBA – Joint Commission International, representada no Brasil pelo Consórcio Brasileiro de Acreditação.9 AC/IQG – Accreditation Canada, representada no Brasil pelo Instituto Qualisa de Gestão

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prensa tornou patente que um requisito básico de funcionamento para serviços de saúde — geradores — não tinha presença verificada de rotina. A ANVISA já identificara a situação em 2001, e à época houve um esforço nacional para sanar a deficiência (aparentemente sem su-cesso).

Informatização tem sido citada como um dos fatores para monito-rar a qualidade, a segurança e o valor para os pacientes das organiza-ções de saúde. Embora já se observe a presença de computadores em grande porcentagem das organizações, é difícil dizer que elas estejam de fato informatizados. CRM (customer relationship management ou gestão do relacionamento com o cliente) ainda é identificado na grande maioria dos serviços com os Conselhos de Medicina. O mesmo pode ser dito de diversas das siglas ou das ferramentas existentes, embora muitas delas sejam mais modismos relacionados a necessidades reais, como por exemplo o seguimento das relações com os pacientes e os sistemas de informação, para citar apenas dois exemplos, assumindo que é impossível ser exaustivo.

A áREA DA SAÚDE NO BRASIL TEm SIDO INOvADORA?

Na média, as organizações de saúde são conservadoras. A ino-vação mais aceita, percebida, desejada e divulgada ocorre em áreas as-sistenciais, ligadas a equipamentos, objetos de desejo de prestadores institucionais, profissionais e de pacientes. No ensino médico e de ou-tras profissões, privilegiam-se novas máquinas e novos procedimentos; os processos assistenciais, dependentes ou não de equipamentos, são pouco percebidos. Como eles não foram necessariamente valorizados durante a formação dos profissionais, costumam ser rejeitados, pois é mais fácil defender-se utilizando o conhecimento que está nos livros.

Por exemplo, a inovação contida no Programa de Saúde da Fa-mília brasileiro, deslocando o eixo da assistência do serviço de saúde

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3 para a residência do paciente é pouco aceita pelos profissionais, mesmo sendo uma política dita prioritária no âmbito governamental e acompa-nhada de financiamento específico (CAMPOS; MALIK, 2008). A regula-mentação da assistência domiciliar, da qual se fala há décadas, tem no Brasil menos de cinco anos (ANVISA, RDC Nº11, 2006). A discussão de gestão de casos e de gestão de doenças ainda é interpretada, sem que — salvo raras exceções — tenha revertido para melhorar as condições de vida e saúde dos doentes ou dos cidadãos com as doenças (ou em risco de contraí-las). Não se pode dizer que nos casos aqui menciona-dos se esteja falando em gestão.

Nas organizações de saúde, no Brasil, as atividades administrati-vas apenas recentemente têm recebido algum tipo de valorização, tanto em formação quanto relativamente à remuneração. O senso comum, que assume que administração em geral é só bom senso, transfere seu raciocínio para a saúde. Bancos, que lidam com dinheiro, claro, devem ser bem administrados. Mas organizações de saúde necessitam ape-nas de bons profissionais técnicos (CALDAS, 2008). E estes, ainda com muita frequência, assumem que os gestores e administradores estão presentes para constrangê-los, ditando normas e negando liberação de recursos. Novidades em fluxos e em área física são ignoradas, conside-ra-se que os equipamentos venham com manutenção embutida (cujos contratos deixam as organizações à mercê dos fabricantes).

O conservadorismo é um problema. O mesmo pode ser dito da ade-são a todas as modas, transformando os gestores de saúde em fashion vic-tims10. Só o conhecimento pode permitir que a inovação seja analisada e, quando necessário, incorporada de maneira sustentável e a partir de pro-cessos de governança responsáveis, colocando todos os envolvidos como parte das diferentes soluções buscadas (VECINA NETO; MALIK, 2007). A área da saúde é tão conservadora quanto as pessoas que nela trabalham, dispostas (ou não) a pensar de forma diferente daquilo que lhes ensinaram ou que sempre lhes pareceu confortável.

10 Estamos falando das chamadas vítimas da moda, que usam qualquer coisa, mesmo que não lhes caia bem, para estar “como os outros”.

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CONCLuIR é PRECISO

Concluir é preciso e, em saúde, inovar é preciso. Afinal, a área da saúde muda muito e isso não seria possível sem mudanças constantes. Há muita invenção no setor. Há novos produtos e novas informações quase diariamente. Há mais consumidores, talvez até mais cidadãos e mais demandas. São diferentes algumas das necessidades, outras são exatamente as mesmas desde o início dos tempos, por exemplo, a de fazer partos, cirurgia (a cesárea), uma inovação, questionada pelo uso demasiado — transformou-se em moda, já que todo mundo faz?

Muitas das inovações observadas aparecem mais por mimetismo, modismo do que por visão estratégica. Às vezes, até vitimam alguns dos seus seguidores. No afã de, por exemplo, obter consentimentos infor-mados dos usuários (muito louvável, praticamente obrigatório, pois um dia os usuários deixarão de receber tratamentos não explicados), pres-tadores criam circunstâncias amedrontadoras, usuários devem assinar papéis, com medo de, se não assinarem, ter negado o tratamento. Ou, dependendo de como o documento for redigido ou apresentado, temem o que lhes pode ocorrer.

Decisões tomadas em outros ambientes são assumidas como corretas, o que não necessariamente é um problema. No entanto, como ocorre no caso das avaliações externas, das acreditações, que muito frequentemente melhoram de fato os processos, os hospitais perdem a vontade de levantar alternativas também potencialmente viáveis. As soluções são aceitas como verdades, sem o uso da criatividade.

Finalmente, chama a atenção a aparente falta de visão estraté-gica nos serviços de saúde, substituída pelo desejo de ser como os ou-tros. Aumentar ou diminuir leitos, oferecer serviços daquela especialida-de, ter aquele mesmo exame, ter o mesmo diploma e o mesmo mix de profissionais. Além disso, tendo em vista a crescente percepção de que sem informação convincente as pessoas não adotam de fato mudanças, não implantam de fato as inovações, a preocupação organizacional com

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3 um sistema de comunicação eficaz não é tão grande quanto se deseja-ria. A premissa é que comunique-se, e a partir daí tudo será naturalmen-te compreendido e aceito. Como se pode verificar, a premissa é falsa. As pessoas, nas organizações, podem obedecer a ordens, o que não significa interiorizar as mudanças trazidas pelas inovações.

“Things do not change, we change”(“Coisas não mudam, pessoas mudam”)

(Thoreau, in Walden )

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marketing e o gerenciamento do

relacionamento com o cliente no segmento hospitalar

Luiz Claudio Zenone - Administrador, doutor em ciências sociais, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

INTRODuçãO

Nosso objetivo é apresentar conceitos relativos ao marketing aplica-do ao segmento hospitalar e ressaltar a importância crescente do relacio-namento e atendimento ao cliente11. Não é nossa intenção esgotar o as-sunto, mas proporcionar uma reflexão sobre os desafios da gestão com o foco no cliente e indicar os caminhos para estudos futuros sobre o tema.

O segmento hospitalar é constituído por diversas organizações que interagem e influenciam as decisões e estratégias de marketing, como por exemplo, os hospitais públicos, comunitários e privados, as operadoras de saúde, empresas de seguro-saúde, clínicas, laborató-rios, indústria farmacêutica, farmácias, entre outras, interagindo direta

11 Entendemos por cliente os diversos públicos de interesse das empresas que compõem o segmento hospitalar, como o paciente, seu acompanhante ou, do ponto de vista de um hospital, a operadora de saúde.

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3 ou indiretamente nesse mercado. Destacamos ainda, o médico, o elo entre todas estas organizações e, do ponto de vista de marketing atua, também, como um elemento do front-office12.

Historicamente, o setor de serviços hospitalares vem desenvol-vendo uma gestão administrativa baseada fortemente no conhecimento dos médicos. Mas, com a evolução dos mercados e aumento na compe-titividade, aumenta a preocupação, das empresas do segmento hospita-lar na utilização adequada de novas técnicas e práticas administrativas e mercadológicas.

mARkETING E RELACIONAmENTO COm O CLIENTE

Além das transformações do mercado, o paciente já não é mais tão “paciente” assim, conhece seus diretos como cliente e consumidor e busca informações sobre suas necessidades. Um médico, até alguns anos atrás, em média, levava 20 minutos para consultar um paciente, atu-almente pode levar o dobro. Isto porque o paciente vem para a consulta com informações sobre o seu problema, obtidas na internet, em sites de pesquisa redes sociais das quais participa. Apenas para ilustrar, quando digitamos a palavra “doenças” na rede social Orkut, aparecem mais de mil comunidades tratando de diversos temas como doenças raras, problemas no fígado, degenerativas, entre muitas outras.

Esse paciente não busca apenas informações sobre seu proble-ma, mas, também, quais são as opções disponíveis para resolver o pro-blema da maneira mais adequada. Ele pesquisa os serviços oferecidos, a qualidade do atendimento prestado pela empresa, alternativas para tratamento, entre outras informações. A empresa que desconsiderar este novo perfil de cliente (paciente) estará fadada à falência, em virtu-

12 O Front-office é a porta de entrada para o processo de fidelização e de relacionamento no segmento hospitalar, sendo responsável pelas primeiras impressões do paciente. O conjunto dos elementos do front-office (médicos, enfermeiros, equipe da recepção, Internet etc) devem ser preparados para atender os desejos e necessidades do público-alvo.

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de de inúmeras instituições do segmento cada vez mais especializadas e preparadas para tal atendimento.

O atendimento deve ser tratado como um fator decisivo e estratégi-co na gestão hospitalar. Os hospitais, clínicas especializadas, laboratórios, farmácias, entre outras empresas, têm se preocupado crescentemente em agradar seus clientes para mantê-los. Segundo Boeger (2005), diversos serviços adicionais são incorporados à infra-estrutura dessas empresas, oferecendo banco 24 horas, restaurante, fraldário, fitness center, lojas de conveniência, etc., formando o conceito de hotelaria hospitalar.

Assim, a hotelaria hospitalar é:

“(...) a reunião de todos os serviços de apoio, que as-sociados aos serviços específicos, oferecem aos clien-tes internos e externos conforto, segurança e bem-estar durante seu período de internação”.

(BOEGER, 2005)

Em visão ampliada do mesmo conceito, temos:

“(...) introdução de técnicas, procedimentos e serviços de hotelaria em hospitais com consequente benefício social, físico, psicológico e emocional para pacientes, familiares e funcionários” .

(GODOI, 2004)

Mas, mesmo com todos esses serviços adicionais e a implanta-ção de novas técnicas oferecida, ainda se registra aumento no número de reclamações sobre os médicos, hospitais, planos de saúde, labo-ratórios, enfim todas as empresas componentes do mercado. A maior parte dessas reclamações se refere à qualidade do serviço prestado e do atendimento praticado.

As características do mercado e do paciente ampliam a impor-tância e a aplicabilidade do conceito de marketing na gestão hospitalar;

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3 o atendimento e o relacionamento com o cliente transformam-se em elementos estratégicos e fundamentais para atuar nesse mercado cada vez mais competitivo, como o segmento hospitalar.

O mARkETING E A fORmAçãO méDICA

O marketing na área da saúde ainda possui atuação restrita, fren-te ao potencial que apresenta. Em boa parte das instituições de saúde, o departamento de marketing se restringe apenas a negociar contratos com operadoras de planos de saúde. Ao longo dos anos, os proprietá-rios de hospitais preocuparam-se em tratar os doentes e as doenças. Estiveram, no entanto, desatentos em relação às outras necessidades dos seus clientes ao escolher serviços da área.

Os serviços de atenção à saúde é um produto com características próprias, obrigando a prática de um marketing absolutamente ajustado para tal. O marketing não é apenas propaganda, mas sim uma filosofia de negócios que liga a empresa ao mercado de atuação, procurando agregar valor aos relacionamentos.

“O marketing envolve a identificação e a satisfação das necessidades humanas e sociais. [...] supre necessidades lucrativamente. [...] Podemos estabelecer definições dife-rentes de marketing sob as perspectivas social e geren-cial.[...] Do ponto de vista gerencial, o marketing é o pro-cesso de planejar e executar a concepção, a determina-ção do preço, a promoção e a distribuição de ideias, bens e serviços para criar trocas que satisfaçam metas indivi-duais e organizacionais. A administração de marketing é a arte e a ciência de escolher mercados-alvo e obter, manter e multiplicar clientes por meio da criação, da entrega e da comunicação de um valor superior para o cliente”.

(KOTLER, 2006)

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No segmento hospitalar, encontramos casos de profissionais que entendem o marketing com conotação extremamente pejorativa, como um recurso para burlar, enganar e manipular o paciente, visando suprir formação médica deficiente (deixemos claro, a miopia em relação ao ma-rketing não é restrita ao setor saúde). O próprio uso da palavra marketing como sinônimo de propaganda é um sinal do seu mau entendimento.

No começo do nosso trabalho ressaltamos a figura do médico como importante elo entre as diversas empresas do segmento e, tam-bém, como elemento essencial para o desenvolvimento de técnicas mercadológicas e de relacionamento. Nada constitui maior valor para o sucesso profissional médico do que uma formação superior sólida (feita em uma boa instituição), seguida de residência médica de reconhecida qualidade e atualização contínua. Esse profissionalismo, associado a uma postura ética, responsável socialmente e humanitária, é o alicerce do sucesso e satisfação pessoal e uma excelente referência para as empresas que partilham a visão e valores baseados na excelência pro-fissional e ações socialmente responsáveis.

Entretanto, tratar eficientemente uma doença e atender o pacien-te humanitariamente está deixando de ser suficiente. Diversos outros ramos de negócios, pressionados por tendências globalizantes, além de oferecerem um produto de boa qualidade, oferecem atendimento de boa qualidade. Mesmo na atividade médica, observa-se pressão contí-nua para a melhora do atendimento ao cliente.

Os estudos de graduação do médico incluem ciências biológicas básicas, fisiopatologia, propedêutica, técnica cirúrgica e tratamento. En-tremeada nessa formação técnica, aspectos humanísticos e de bioética são oferecidos, mas geralmente visando aspectos humanitários, o diag-nóstico e o tratamento. A preocupação fundamental do médico, com essa formação é (e não poderia deixar de ser) voltada para a qualidade clínica e humanitária do atendimento prestado. O grau de exigência dos pacien-tes em relação ao atendimento tem aumentado, entre outros motivos, porque o cliente toma como parâmetro o serviço oferecido em áreas sem qualquer relação com a saúde. Se ele é bem atendido em uma compa-nhia aérea ou banco, um supermercado, uma loja de departamento ou conveniência, a tendência é que utilize o mesmo padrão para julgar o

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3 atendimento na clínica ou consultório, hospital, laboratório, etc. Por isso, além do tratamento médico formal (clínico e humanitário), será exigido um valor a mais a cada consulta. Este valor a mais em terminologia de marketing é chamado valor agregado.

Os aspectos técnicos e humanitários da medicina ambulatorial já foram extensamente analisados, estruturados e legislados na forma de dis-ciplinas das faculdades de medicina, livros, resoluções do Conselho Regio-nal de Medicina e Agência de Vigilância Sanitária. Pelo contrário, apesar de bem estabelecido em outros negócios, o marketing dentro de uma célula empresarial representada pelo consultório privado, é pouco estudada.

Quando refletimos sobre a concepção de atender as necessida-des do cliente/paciente, como um recurso indispensável e uma correta gestão administrativa das empresas do segmento da saúde como uma atividade essencial da dinâmica organizacional, percebemos que tra-tamos do apenas da conjunção de vários fenômenos destes tempos considerados modernos. A importância de ouvir o cliente/paciente, des-de seus questionamentos quanto as suas necessidades, desejos, su-gestões e elogios, coloca a empresa (hospitais, clinicas, laboratórios, operadoras de saúde, etc.) na condição de responsável por satisfazer suas necessidades. Talvez, como consequência da ação de ouvir, o alto desenvolvimento dos produtos e serviços, da tecnologia, do sistema de informação e dos recursos humanos deverá gerar o crescimento dessas empresas, tornando o processo de atendimento ao cliente/paciente um desafio para atingir o sucesso.

O mARkETING E A TECNOLOGIA APLICADA AO SEGmENTO hOSPITALAR

O mercado de prestação de serviços na área da saúde está cres-cendo em todo o mundo. Embora a base do setor da saúde seja social, é primeiramente um negócio quando se trata de do setor privado, e como tal deve gerar lucro. A atratividade desse negócio, inserida em cenário

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positivo, vem atraindo grandes empresas para o setor, elevando o grau da concorrência, dificultando a entrada de novos entrantes, assim como aumento da exigência de reestruturação das empresas já existentes.

Nos últimos anos, a prestação de serviços na área da saúde as-sociou-se diretamente ao pensamento estratégico, tornou-se mais se-gregada e específica, objetivando atender as necessidades dos clien-tes/pacientes. Com o aumento da competitividade aumenta também, proporcionalmente, a necessidade das empresas agregarem serviços adicionais durante o relacionamento. Quando uma empresa agrega valor ao relacionamento, o preço para o cliente/paciente não consiste apenas no valor pago, mas, também nos custos de tempo, energia e desgaste psicológico agregados na aquisição do serviço. Para uma es-tratégia de serviços na área da saúde eficiente é necessário identificar as necessidades e oportunidades de serviços adicionais oferecidas aos clientes/pacientes, principalmente ações que não estão sendo desen-volvidas pelo seu concorrente, ou seja, oferecer valor agregado ao ser-viço oferecido como diferencial competitivo.

Em todo o mundo, existe carência de serviços que atendam ou excedam as necessidades e expectativas dos clientes. As empresas já estabelecidas encontram dificuldades em manter o cliente fiel diante de vários fatores: surgimento rápido de novos produtos; melhor desempe-nho das atuais tecnologias; sistemas mais eficientes de atendimento ao cliente e principalmente, serviços diferenciado por nicho de mercado. A partir dos anos 90, evidenciou-se um movimento de modernização das técnicas gerenciais, sendo ressaltados os efeitos da entrada de novas tecnologias. Essas novas tecnologias foram percebidas pelos gestores como oportunidades de obtenção de lucros, com redução dos custos. Diante disto, ampliou-se a profissionalização e modernização das or-ganizações, incorporando a prestação de serviços, técnicas e modelos gerenciais tecnológicos que possibilitem melhor qualidade e otimização dos processos. A posse de informações precisas e no momento apro-priado constitui recurso crítico para o êxito das organizações da saú-de, condição para sobreviver no mercado cada vez mais competitivo. O atendimento e satisfação do cliente/paciente mais eficaz e eficiente

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3 passaram ser um ganho na competitividade. Essa tecnologia aplicada ao relacionamento entre as empresas os clientes/ pacientes pode, sem dúvida, levar uma gestão hospitalar mais eficiente.

Quando falamos em gestão hospitalar mais eficiente, estamos indi-cando a necessidade de agregar valor ao cliente/paciente com custos re-duzidos e com melhora na qualidade dos serviços prestados. Para atingir esse objetivo a tecnologia entra em cena. Para além da visão conceitual, indicamos quatro possibilidades de aplicação da tecnologia na gestão do relacionamento na área da saúde, apresentadas abaixo.

1 - Um paciente, ao dar entrada em um hospital, pode ser moni-torado por sistema de rádio frequência (RFID) durante sua per-manência. Desta forma, tanto médicos como enfermeiros podem controlar melhor onde o paciente está e quais procedimentos mé-dicos foram adotados.

2 - A tecnologia também pode ser utilizada para aumentar a segu-rança. Um bebê recém-nascido pode ser monitorado pelos pais e pelo hospital, que podem acompanhá-lo quanto à localização, ou, se cruza algum limite do hospital, levando à necessidade de intervenção por parte da segurança.

3 - Troca de informações, diagnósticos e análises entre profissionais da área de saúde, em tempo real, permitindo agilidade no processo e de acompanhamento de vários profissionais quanto às decisões relativas ao paciente. Além disso, agilizam-se, também, os procedi-mentos administrativos, registrando todos os serviços executados.

4 - Registrar e arquivar todos os procedimentos e diagnósticos de cada paciente, levando a identificação de um perfil, acompanha-mento da evolução do tratamento e analisar a eficiência de deter-minada ação, etc.

Esses são exemplos das possibilidades que podem ser incorpora-das na gestão da saúde com o uso da tecnologia. As possibilidades são muitas, cabe ao gestor utilizar os recursos adequados ao público-alvo que se deseja atingir e, desenvolver uma estratégia criativa a inovadora.

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DA TEORIA à PRáTICA DO mARkETING NO SEGmENTO hOSPITALAR

Se de um lado aumenta a importância do marketing, do outro ain-da existe muita resistência sobre sua prática na área hospitalar. Talvez, muitos gestores acreditem que os serviços desenvolvidos são de neces-sidade básica, sobre as quais as atividades de marketing são dispen-sáveis, ou simplesmente, por não terem conhecimento do verdadeiro papel do marketing nas organizações.

Lentamente esta realidade vem mudando e podemos verificar práticas de marketing de referência como, por exemplo, o Hospital São Luiz (SP), cujas ações mercadológicas são pautadas a partir de pes-quisas de mercado e como foco no atendimento. No site do hospital13 se percebe a preocupação com o atendimento e o relacionamento dos diversos públicos de interesse, como pacientes, imprensa, médicos, in-teressados a trabalhar na empresa, entre outros. Através de diversos meios de comunicação, como propaganda e publicidade a empresa apresenta seus diferenciais competitivos como centro cirúrgico altamen-te equipado, um dos índices mais baixos de infecção do país, referência em maternidade, referência em neonatologia e UTI neonatal, enfim, o atendimento diferenciado. Diariamente, o São Luiz fala sobre saúde nas rádios BandNews FM e Bandeirantes AM e FM, destacando formas de prevenção e diagnósticos de doenças, tratamentos disponíveis, novas unidades inauguradas, dúvidas em relação a determinados termos utili-zados na área médica e muitas outras informações.

Além disso, nos últimos anos o Hospital São Luiz patrocina a corrida de Fórmula 1 em Interlagos. Esse grande evento do esporte internacional permite às pessoas se aproximarem da marca do hospi-tal e perceber os principais atributos oferecidos pela empresa. Segun-do Patrícia Suzigan14, superintendente de marketing e atendimento ao

13 Informações extraídas do site do Hospital São Luiz: <http://www.saoluiz.com.br> acesso em 08 de dezembro de 2009.14 Debates GVSaúde, Primeiro Semestre de 2008, número 5. <http://www.eaesp.fgvsp.br/subportais/gvsaude/Pesquisas_publicacoes/debates/05/58.pdf>. Acesso em 25 nov. 2009.

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3 cliente do Hospital São Luiz, nessa ação está embutida a informação subliminar: se o hospital São Luiz é uma das marcas que patrocina o Grande Prêmio Brasil de Fórmula 1, e se estão prontos e preparados para atender os pilotos que podem se acidentar a 300 km/h, também estão preparados para atender seus clientes em qualquer outra situa-ção. A empresa reforça esse conceito através de outro meio de comu-nicação: a propaganda é inteligente, mostra quão capaz e importante e a instituição, sem falar em hospital, doença ou equipamentos.

No hospital Albert Einstein15, o cliente/paciente tem a sua disposi-ção atendimento personalizado e humanizado durante toda a sua estada, até o acompanhamento completo da alta médica. Entre os serviços ofe-recidos pela hospitalidade podemos destacar manicura e pedicuro, cabe-leireiro, maquiador, massagista, farmácia, lavanderia, locação de DVD e notebook, cartório, despachante, serviços religiosos, entre outros. A pa-lavra “agregar valor” já faz parte da linguagem da gestão hospitalar. O quarto do hospital parece mais o de um hotel cinco estrelas, tendo todos os equipamentos específicos embutidos e que só aparecem no momento do uso, contribuindo para tornar o ambiente mais acolhedor. O mobiliário tem um design mais parecido com o doméstico, com o objetivo de tornar mais agradável a permanência e permitir ao paciente “sentir-se em casa”, embora mantenha as especificidades facilitadoras do atendimento médi-co. Quadros, televisão de LCD e luminárias fazem parte da decoração.

No Hospital Mater Dei16, em Belo Horizonte, os familiares podem gravar e capturar imagens digitais do bebê diretamente do berçário. An-tes da chegada da criança, os pais recebem uma senha para compar-tilhar com parentes e amigos que poderão ter acesso às imagens do bebê via internet.

Há hospitais nos quais o cliente tem a sensação de chegar não em um hospital, mas em um shopping center. No lobby do hospital estão localizadas loja de conveniência e floricultura, e o espaço é usado, mui-tas vezes, para apresentação de música ao vivo e exposições de arte, contribuindo para transformar o ambiente hospitalar em algo aprazível. 15 Informações extraídas do site do Hospital Albert Einstein. <http://www.einstein.br/Hospital/comodidades/Paginas/hospitalidade.aspx>. Acesso em 08/12/2009.16 Informações extraídas do site do Hospital Mater Dei. <http://www.materdei.com.br/bercario/index.jsp>. Acesso em 08/12/2009.

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A comunicação com os clientes é fator essencial quando a orga-nização objetiva oferecer qualidade no atendimento e criar forte imagem positiva no mercado. No Santa Joana17, por meio da central de rela-cionamento (canal aberto de comunicação com o hospital) é possível esclarecer dúvidas, enviar sugestões, elogios, reclamações ou mesmo agendar visitas para conhecer a maternidade. No serviço de atendimen-to ao cliente (SAC), o cliente será atendido e receberá um retorno. Esse serviço também se encarrega do pós-atendimento, ou seja, faz o conta-to com o cliente após a alta médica, para saber como ele está e como foi o atendimento enquanto esteve hospitalizado, ou seja, uma fonte importante de pesquisa. O SAC tem sido um elemento de marketing de fundamental importância no hospital.

Não é apenas em hospitais que essa visão de atendimento vem sendo aplicada na relação com os clientes, também é possível perceber clínicas e laboratórios a preocupação maior com o relacionamento.

A GESTãO DO RELACIONAmENTO E O ATENDImENTO AO CLIENTE/PACIENTE

A partir da perspectiva do cliente, uma compra ou utilização de um serviço é o início de um relacionamento. A interação continuada pós-ven-da é parte muito importante do pós-marketing e é tão necessária quanto a venda, se a organização deseja contar com oportunidades continuadas de negócios com o mesmo cliente no futuro. O marketing deve, então, mudar a mentalidade de “completar uma venda” para a de “iniciar um relacionamento”; de “fechar um negócio”, para “construir lealdade”.

O marketing de relacionamento deriva dos princípios do marke-ting tradicional. Para uma perspectiva de pós-marketing ou marketing de relacionamento, o composto de marketing deve ser repensado, con-siderando os itens abaixo listados.

17 Informações extraídas do site do Hospital Santa Joana. <http://www.hmsj.com.br/central_relacionamento.php>. Acesso em 08/12/2009.

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3 Produto/Serviço: o marketing de relacionamento, quando apro-priadamente implementado, resulta em produtos e serviços coo-perativamente projetados, desenvolvidos, orientados, fornecidos, instalados e aprimorados. Os produtos não são desenvolvidos pelo método histórico, no qual a empresa concebe os conceitos dos produtos. Em vez disso, o marketing de relacionamento en-volve uma interação em tempo real entre empresa e cliente bus-cando agregar valor a partir da necessidade do consumidor.

Preço: o marketing tradicional estabelece um preço para um pro-duto ou serviço oferecendo-o ao mercado. Com o marketing de relacionamento, o preço varia conforme as preferências e os pre-ceitos dos clientes, e o custo muda proporcionalmente.

Distribuição (“place”): o raciocínio atual de marketing se concen-trava na “praça” como um mecanismo para transferir um produto do fornecedor para o consumidor. Em vez disso, o marketing de relacionamento considera a distribuição a partir da perspectiva do cliente que decide onde, como e quando comprar a combinação de produtos e serviços que compõem a oferta total do vendedor, portanto, a perspectiva e de conveniência.

Promoção: o marketing tradicional enviava sinais para que todos dentro de um segmento específico o vissem. “Comprem-me”, di-ziam os sinais. O marketing de relacionamento, pro sua vez, ofe-rece ao cliente individual uma oportunidade de decidir como ele deseja se comunicar, por meio de quais sinais, com que frequên-cia e com quem. A promoção/comunicação de massa torna-se ferramenta para aumentar o valor da empresa ou da marca, e não meio para influenciar diretamente a compra.

A nova maneira de visualizar o composto de marketing reconhe-ce plenamente o valor das atividades de retenção dos clientes. Gordon (1998) destaca as vantagens mais importantes que o conceito pode ofe-recer às empresas, tais como: desenvolver a fidelidade entre a empresa e os clientes, dispor de ambiente favorável às soluções inovadoras, es-tabelecer local propício para testar novas ideias e alinhar a empresa com os clientes que valorizam o que ela tem a oferecer.

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A fidelização de clientes em saúde, especialmente na área hos-pitalar e de planos de saúde, com o objetivo de perenidade dos relacio-namentos e da carteira de clientes, ou seja, aqueles fiéis que não têm dúvida de retornar e recomendar os serviços, faz-se com credibilidade, respeito, segurança e depende do encantamento desses clientes.[...] A fidelização aqui colocada não diz respeito apenas ao vínculo financeiro de desconto e bonificação, tão bem colocado pelas companhias aéreas com seus cartões fidelidades, mas essencialmente sobre a customiza-ção (sic) e lealdade desses clientes. [...] As organizações de saúde, por se tratarem de organizações de serviços essenciais, têm a credibilidade construída através da eficiência, do cumprimento das promessas, da re-tidão do comportamento ético e dentro da lei, da prestação segura com métodos e técnicas comprovados e com baixo risco (BORBA, 2004).

O marketing de relacionamento tem como objetivo desenvolver relacionamentos satisfatórios para a empresa e consumidores, a fim de criar vínculo de longo prazo, ou seja, torná-los leais (KOTLER, 2000).

No caso hospitalar, essa lealdade também será expressa por de-pendência tecnológica, em que as interconexões são essenciais entre os equipamentos computadorizados dos parceiros (operadoras, labora-tórios e hospitais), além da dependência tecnológica para a prestação da própria assistência. Portanto, a lealdade é também condicionada aos equipamentos e as tecnologias, geralmente de ponta e de alta complexi-dade e elevada resolubilidade (BORBA, 2004).

A expressão marketing de relacionamento não significa literal-mente, o envio de uma mensagem publicitária especial ao consumidor. O conceito é mais amplo, significa:

“(...) uma forma muito especial de marketing que reco-nhece e aprecia os interesses e necessidades de gru-pos específicos de consumidores, cujas identidades in-dividuais e perfis de marketing são ou serão conhecidos pelas empresas e serve a esses interesses e necessi-dades”.

(RAPP; COLLINS, 1999)

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3 O marketing de relacionamento funciona quando aquele que o ge-rencia pode oferecer benefícios suficientes ao cliente para fazer com que ele valha a pena e responda; é uma interação contínua entre comprador e vendedor, na qual o vendedor melhora permanentemente sua compre-ensão das necessidades do comprador, e o comprador torna-se mais leal ao vendedor, pois suas necessidades estão sendo tão bem atendidas.

O marketing de relacionamento nas organizações hospitalares propõe que, além de tratar os problemas relacionados a saúde dos clientes, o hospital possa ampliar a satisfação dos mesmos, tornando qualquer procedimento médico aliado a um tratamento diferenciado fru-to das decisões mercadológicas. Esse diferencial no tratamento pode-se dar, por exemplo: utilizando instalações aconchegantes no hospital, semelhantes às de hotéis; utilizando-se chefs de cozinha orientados por nutricionistas, os quais produzem não só as refeições balanceadas e adequadas ás condições dos clientes, mas também pratos vistosos e apetitosos; cultivar ambientes internos coloridos e bem decorados, pro-movendo maior bem-estar do cliente; ou também através de soluções não dispendiosas, mas altamente criativas e que provocam encanta-mento dos pacientes como: equipes de trabalho humanamente treina-da; criação de grupos de apoio, com reuniões de frequência determi-nada, que proporcionam orientações, auxilio e troca de experiências a determinados tipos de doentes que sempre frequentam o hospital, como cardíacos, diabéticos, dialisados e outros; formação de equipes de ani-mação, compostas por voluntários que se dispõem a realizar atividades de recreação e animação junto aos doentes, amenizando os seus mo-mentos dolorosos e angustiantes (BORBA, 2004).

Partindo de tal conceituação, é possível dar aos clientes indivi-duais ou grupos lógicos de clientes o valor demandado ou desejado, utilizando a tecnologia adequadamente e por meio de toda a cadeia de valor. Isto significa afastar os processos de negócios existentes e inserir a tecnologia da informação em seus processos. Dessa forma, há poten-cial não apenas para maior aproximação dos clientes individuais, mas também para ganhar vantagem competitiva, uma oportunidade única para uma empresa inovadora.

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O marketing de relacionamento desenvolve-se com o conheci-mento adquirido junto ao cliente e sua transformação em valor agregado (knowledged-based) e com a experiência adquirida na gestão organiza-cional (experience-based) As principais características do marketing de relacionamento relacionadas com o paradigma de “knowledge-based”, são descritas a seguir.

1 - A integração do cliente no processo de planejamento dos pro-dutos ou serviços, para garantir que os mesmos sejam desenvol-vidos, não somente em função das necessidades e desejos do cliente, mas também de acordo com a estratégia do cliente.

2 - O desenvolvimento de nichos de mercado nos quais o conhe-cimento da empresa sobre canais de distribuição e identificação de segmentos leva a ganhos de mercado.

3 - Desenvolvimento da infra-estrutura de fornecedores, vendas, parceiros, governo, e clientes, nos quais o relacionamento ajudará criar e sustentar a imagem da empresa e o seu desenvolvimento tecnológico.

Dessa maneira, o marketing de relacionamento pode ser visto como uma cadeia de relacionamentos criada pela empresa, em seu nome e no do cliente, e é mantida e desenvolvida pela empresa. Quan-to aos aspectos de “experience-based”, o marketing de relacionamento enfatiza a interatividade, conectividade e criatividade, significando três ações básicas.

1 - A empresa despenderá esforços mercadológicos e tempo com os seus clientes, monitorando constantemente as mudanças do ambiente competitivo, através de sistema de suporte a decisões (SSD)18 mercadológicas, possuindo um afinado sistema de inteli-gência de marketing integrado a toda a empresa.

18 Sistemas de Suporte a Decisão (SSD) são sistemas interativos composto de software e hardware; servem para modelagem e análise de dados e são utilizados como apoio ao processo de decisão a partir de dados compilados de fontes internas e externas. Esses sistemas conectam vários aplicativos com grande poder de síntese, integrando funções para o planejamento, a previsão e o controle das tarefas gerenciais.

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3 2 - Haverá monitoramento constante da concorrência. A análise da concorrência é importante ponto de partida na prevenção das condições futuras da indústria. Os prováveis movimentos de cada concorrente e capacidade de respostas às mudanças podem de-terminar a perda ou ganho de vantagem competitiva da empresa.

3 - Haverá desenvolvimento de um sistema de análise mercado-lógica, que pelo feedback, (principalmente pela mensurabilidade) retorna a informação sobre mercado, concorrência, e comporta-mento dos clientes, fornecedores e outros intermediários, para o sistema de suporte à decisão (SSD), aperfeiçoando o próprio siste-ma e permitindo decisão ágil e consistente, em processo contínuo de adaptação às condições mutantes do ambiente competitivo.

Portanto, não basta à organização o desenvolvimento de uma estratégia de relacionamento com o cliente. É necessário estar atento às informações do mercado e garantir que estas dêem inputs ao proces-so organizacional, transformando conhecimento em ações da empresa. O relacionamento é o fator-chave de sucesso para a diferenciação na prestação de serviços ao mercado, uma vez que a oferta de valor só é possível por meio do conhecimento adquirido. A estratégia de marketing de relacionamento, portanto, possibilita a oferta contínua de valor supe-rior, trazendo um grande potencial de benefícios tanto para as empresas que compõem o segmento hospitalar quanto para o cliente/paciente.

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Os �0 anos do SuS – avaliação das “escolhas de Estado” entre avanços

políticos e fragilidades financeiras

Leonardo Trevisan - Professor titular do programa de pós-graduação em administração da PUC/SP.

O Estado brasileiro não fez maiores comemorações, mas o Siste-ma Único de Saúde (SUS) completou, em novembro de 2008, vinte anos de existência. Esse período é suficientemente longo para uma avaliação serena tanto da realização dos objetivos, como da eficiência do proces-so de implantação de uma rede criada para atender preceito constitucio-nal garantidor da cobertura plena de saúde para a população brasileira. O ponto de partida dessa análise, necessariamente, diz respeito aos números do sistema, impressionantes em qualquer comparação inter-nacional: em 2007, foram 610 milhões de consultas, 2,7 bilhões de pro-cedimentos ambulatoriais, 10,8 milhões de internações, 212 milhões de atendimentos odontológicos, 403 milhões de exames laboratoriais, 2,1 milhões de partos, 13,4 milhões de exames de ultra-sons, tomografias e ressonâncias, 23 milhões de ações de vigilância sanitária, 150 milhões de vacinas, 3,1 milhões de cirurgias, sendo 215 mil cirurgias cardíacas, além, por exemplo, de 9,7 milhões de hemodiálise (SANTOS, 2009).

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3 Convém sempre lembrar que antes do SUS, até o final da dé-cada de 1980, mais da metade da população brasileira, que não era vinculada aos institutos de previdência com origem nas categorias pro-fissionais, dependia, exclusivamente, da caridade das Santas Casas de Misericórdia para assistência de saúde. Vale lembrar também que as camadas médias, que aderiram aos planos privados de assistência médica também utilizam o SUS para transplantes, procedimentos com-plexos, medicamentos de alto preço, sempre em complementaridade aos planos privados, sem os plenos reembolsos ao sistema público de saúde (SILVA, 2009).

As críticas ao sistema, por sua vez, também são contundentes. Em manifesto divulgado em novembro de 2008, em referência aos 20 anos do SUS, o Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (Cebes) reafirma a queixa de que “até hoje a atenção básica não seja o eixo estruturante de todo o sistema”, reclamando que partidos políticos se apropriam de iniciativas da saúde. A entidade, fundada em 1976, alerta com muita ênfase para os riscos de tentar desafogar os hospitais desvalorizando ações preventivas e incentivando ações laboratoriais, porque é

“inaceitável que na reorganização da atenção seja dada prioridade às Unidades de Pronto-Atendimento (UPA) e Assistência Médica Ambulatorial (AMA), modelo ultra-passado e imediatista de instalação focada de unida-des”.

(MANIFESTO CEBES, 2008)

O receio do Cebes é o desvirtuamento do SUS, com o investi-mento em pronto-atendimento desviando o incentivo à atenção básica praticada por postos de saúde e pelo Programa de Saúde da Família (PSF), responsáveis diretos por todos os atos e procedimentos de me-dicina preventiva. O ex-presidente do Conselho Nacional de Secretários da Saúde, Marcus Pestana, ponderou que um dos maiores problemas do SUS “é sua fragmentação, com a abertura de várias portas de entra-

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da no sistema, sem um centro de coordenação”, exatamente o mesmo receio do Cebes com os incentivos dados às UPA e AMA, desvirtuando o “sentido de rede” do SUS. Desde o surgimento do SUS, insistiu Pes-tana, “apontava-se a necessidade de integrar a rede de atenção básica à saúde e o centro coordenador tem de ser o Programa de Saúde da Família” (LEITE, 2008).

Se a referência essencial do SUS é o Programa de Saúde da Família - PSF convém, portanto, observar o resultado real desse pro-grama. No ano de 2009, o PSF completou 15 anos de implantação, atingindo 94% dos 5.565 municípios brasileiros. Estudo organizado pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo mostrou, no entanto, que apesar dessa ampla cobertura, apenas a me-tade da população dos municípios é efetivamente atendida pelo PSF. Porém, o estudo também apontou que nas cidades em que o programa atua há, por exemplo, 34% a menos de crianças com baixo peso em relação à média nacional, entre outros indicadores favoráveis. A base do estudo foram os dados da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher (SANT’ANNA, 2009). Até o final de 2008 o PSF contava com 29,3 mil equipes cadastradas e pretendia atingir 70% da população, mas alcançou, de fato, 49,3% (SOUZA; HAMANN, 2009).

Mesmo nas 27 capitais brasileiras, o PSF tem melhor desempenho nas cidades menos desenvolvidas. Teresina, João Pessoa e Aracaju li-deram o ranking nacional de cobertura proporcional de suas populações. O Departamento de Atenção Básica do Ministério da Saúde reconhece que a dificuldade da cobertura reflete a impossibilidade de avançar o pro-grama nas regiões mais populosas. O PSF cresceu onde não havia rede de saúde instalada. O crescimento do Programa de Saúde da Família em cidades com mais de cem mil habitantes está abaixo do previsto pelo Ministério da Saúde: a meta de expansão de 2004 previa 48% de co-bertura nessa faixa de demanda, porém, as dificuldades de implantação do PSF nessas cidades forçaram a revisão da meta para apenas 35% e mesmo essa não foi ainda atingida.

As dificuldades de expansão do PSF nas cidades maiores são tão significativas que no segundo município do País, o Rio de Janeiro,

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3 as equipes de saúde da família atingem apenas 9,2% dos seis milhões de habitantes da cidade, provocando ação do Ministério Público Federal para obrigar na Justiça o gestor municipal a aumentar o número de equi-pes, cumprindo as metas assumidas com o Ministério da Saúde. Em abril de 2009, a 2ª Vara Federal do Rio de Janeiro obrigou a prefeitura a assinar mais um compromisso para o cumprimento dessas metas. A questão central não é convencer o gestor municipal da importância estratégica do PSF, porque na maioria dos casos esse gestor está bem convencido desse fato; o problema é outro e diz respeito à má distribui-ção dos médicos pelo país, inclusive, ou principalmente, nas grandes cidades. O ministro da Saúde, José Gomes Temporão reconheceu que manter médicos em regiões remotas “é difícil, mas isso também ocorre na periferia das grandes cidades” (SANT’ANNA, 2009).

Esse é um ponto muito relevante, a distribuição geográfica do profissional de saúde, em qualquer análise sobre a evolução do SUS. O Ministério da Saúde, por meio do DATASUS trabalha com o dado, referente a 2007, mas consolidado em julho de 2009, de que o Bra-sil conta com 329.041 médicos, o que representaria um profissional a cada 560 habitantes, um número que é pouco mais que a metade do limite definido pela Organização Mundial de Saúde, de um médico a cada mil habitantes. Porém, mais da metade dos médicos brasileiros concentram-se em apenas três estados da Federação; São Paulo, com 94 mil profissionais, Rio de Janeiro, com 53 mil e Minas Gerais com 33 mil médicos, isto é, esses três estados contam com 180 mil dos quase 330 mil médicos do País. Os dados do DATASUS também mostram que o Paraná com 16 mil profissionais, Santa Catarina com 10 mil e o Rio Grande do Sul com 22 mil agravam essa concentração, porque com as exceções de Bahia com 14 mil e de Pernambuco com 11 mil, todos os demais estados da Federação contam com menos de 9 mil médicos. (DATASUS, 2009).

Um dos motivos dessa alta concentração é que nesses mesmos três estados (SP, RJ e MG) localizam-se também 60% das vagas das residências médicas no País. É bem conhecido o fato de que o local em que o médico faz sua residência é “fator de permanência” para esse

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profissional, pelo oferecimento de infra-estrutura e de oportunidades de carreira. Em todos os estados do Nordeste estão apenas 14% das vagas de residência médica. O Brasil forma 10 mil médicos por ano, e conta com igual número de oferta de vagas para residência médica em todo o país, em hospitais e universidades privadas e públicas, tanto federais como estaduais e municipais (PARAGUASSÚ, 2009).

Esse equilíbrio entre oferta de formandos e demanda de resi-dentes não ocorre na prática. O primeiro problema está na carência de formação suficiente do profissional médico em algumas faculdades, obstáculo efetivo para aprovação em um programa de residência de todos os recém formados. A concentração das melhores oportunidades profissionais agrava o deslocamento para os maiores centros de forma-ção médica no Sudeste. As especialidades mais requeridas pela saúde pública, pediatria, por exemplo, são as que apresentam menor procura. Se abrir faculdades de medicina pelo interior do País não resolveu o problema, tentar multiplicar a má formação abrindo residências médi-cas nos estados mais carentes, sem qualquer infra-estrutura, apenas agravaria ainda mais o mesmo problema. Convém não esquecer, como mostrou estudo da Universidade Federal de Minas Gerais, divulgado na reunião de novembro de 2008 da Global Health Workfare Alliance em Ouro Preto, que 455 dos 5.565 municípios brasileiros não contam com um único médico durante os 365 dias de cada ano. Até mesmo em 111 cidades da Região Sudeste faltam profissionais de saúde. No Nordeste, 42% dos hospitais públicos declaram que não aumentam o quadro por-que não conseguem contratar pediatras e anestesistas, as duas espe-cialidades das quais mais precisam (sem autor, O ESTADO, 2008).

Há, portanto, uma óbvia desconexão entre o sentido que tem a formação de médicos no Brasil e as necessidades mais efetivas da saú-de pública. A análise do processo evolutivo do SUS não pode prescindir da observação dessa realidade desconexa entre o perfil da oferta e as características da demanda do trabalho médico mais necessário para a maioria da população brasileira. Nesse aspecto, a origem do SUS exi-ge lembrança: naquele momento, 1988, toda a conjuntura internacional não era favorável à qualquer ampliação da lógica do Estado do Bem

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3 Estar Social. Porém, de algum modo, a consolidação do preceito cons-titucional de que saúde era “direito de todos e dever do Estado só ocor-reu porque o novo sistema incorporou a lenta evolução da medicina de origem pública no Brasil” (SOUZA CAMPOS, 2009). É preciso lembrar que desde o início dos anos 80, o País adotou um modelo de saúde pú-blica baseado em uma reforma sanitária que começava por reconhecer a exclusão da maioria da população brasileira dos direitos assistenciais de saúde (PAIM, 2008). A redemocratização do País incluiu a lembran-ça do direito à saúde, uma luta muito mais bem sucedida do que a do direito à educação, apesar de todas as carências e ineficiências que a implantação do SUS acumulou.

Por outro lado, como observou Minayo (2001), a história da cons-trução do SUS comporta dois estágios que são complementares; o primei-ro, diz respeito a toda insistência técnica e política de que o artigo consti-tucional fosse realmente respeitado e, depois, processo bem diferente, é o que representou todo o longo caminho de implementação e gestão de um “sistema único” de saúde em uma sociedade tão diversificada como a brasileira. Sem esquecer que o SUS exigia uma forte integração entre as três instâncias de poder do Estado brasileiro, a federal, a estadual e a municipal, com forte preponderância desta última, um processo inédito na centralizadora história política brasileira. O município era o principal executor do sistema e foi o desenvolvimento das “unidades básicas de saúde” (que já eram 40 mil em 2004) que mostrou a possibilidade da gestão descentralizada do recurso público (SILVA, 2009).

Rigorosamente, o caráter pedagógico do SUS se consolidou a partir de suas diretrizes gerais, base de toda a reorganização político-administrativo do setor de saúde no Brasil. Se bem observadas, univer-salizar a atenção á saúde, garantir a equidade no atendimento (indis-tinto para qualquer grupo populacional), tornar integral todas as ações de saúde descentralizando a decisão e forçando a participação da so-ciedade, com gestão colegiada, incluindo representação legítima dos profissionais da saúde, e de todos os segmentos interessados, eram fatos inéditos na história brasileira. Heranças coloniais, mais o peso do patrimonialismo ibérico marcaram por séculos um modo inconveniente

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de lidar com as “coisas do Estado” na população brasileira, até mesmo quando a saúde estivesse em jogo. A imposição do preceito constitucio-nal de saúde como direito jogou papel essencial como ideário político de apropriação das “coisas do Estado” pela população mais pobre, apesar de toda a reconhecida precariedade da “oferta” na era SUS.

Essas observações, no entanto, não podem esconder o avanço implícito à aceitação pela população brasileira de outra lógica quanto ao que é direito à saúde. O ponto essencial na avaliação do SUS é que a rede retirou o direito à saúde da esfera exclusiva da proteção traba-lhista, ou do recurso privado, e o levou para a esfera da proteção e do direito de cidadania. Essa foi uma mudança central de perspectiva que envolveu não apenas os profissionais de saúde pública. Foi essa altera-ção de perspectiva que construiu o fato de que a cobertura exclusiva do setor público de saúde atinja a 75% da população.

Não há dúvida, também que o SUS é, realmente, o “sistema de saúde dos pobres”, apesar do uso que dele fazem as camadas médias, sempre em situação de emergência ou de custos muito altos. Indepen-dentemente do rótulo dado ao SUS, referência à camada social atendida, a questão central de fato é outra: o sistema funciona? É avaliação latente de que ao longo desses 20 anos a expansão da oferta assistencial, ape-sar dos importantes avanços obtidos essa oferta não supre as necessida-des. Os dados do DATASUS referentes a 2007 mostram a ocorrência de 2,39 consultas habitante/ano no SUS. Quando tomada como referência apenas a população usuária SUS exclusiva (calculada em 75% do total, essa dado avança para 3,15). Para citar um exemplo comparativo, a mé-dia dos países europeus, no ano referência de 2004, foi de 7,44 consultas habitante/ano (SILVA, 2009).

Toda análise do padrão de eficiência do SUS não pode ficar des-locada do processo de descentralização e repasse de recursos finan-ceiros para Estados e municípios por parte da União. Descentralizar de-cisões sem repasse de verbas é apenas omissão de responsabilidade. Gestão descentralizada de política de saúde sem poder orçamentário é uma pouco sutil forma de não resolver problemas e encontrar culpados locais para dramas nacionais. A questão básica é a porcentagem do PIB

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3 destinada à saúde. É bastante conhecida a definição de que o gasto pú-blico de saúde deve ser superior a 6% do PIB. Há uma constante repeti-ção de que o Brasil gasta mais de 7% do PIB com saúde. Apresentação de Gilson Carvalho, citada em artigo do professor Sílvio Fernandes da Silva (p. 44), informa que no ano de 2007 o Brasil gastou 7,4% do PIB com saúde (SILVA, 2009); porém, Carvalho decompõe esse dado ofere-cendo um quadro muito mais preciso sobre a natureza desses gastos: 3,6% do PIB são gastos públicos e 3,8%, R$ 94,4 bilhões e R$ 98,4 bilhões, respectivamente. Decompostos, observa-se que os gastos fe-derais nesse ano foram de 1,7%, os estaduais de 0,95% e os municipais de 0,99%, sempre em referência ao PIB. Já os gastos privados foram de 1,94% do PIB com planos de saúde, 0,8% com desembolso direto e 1,1% com a compra privada de medicamentos. Na prática os gastos na-cionais com saúde são apenas 49% gastos públicos e 51% são gastos privados que saem dos orçamentos das famílias brasileiras.

Os gastos nacionais com saúde dos países da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) , que reúne as 30 economias mais industrializadas do planeta, correspondem sempre em mais de 70% na referência gastos públicos. Na Alemanha essa porcen-tagem de gastos públicos com saúde representou em 2004, 76,8% dos dispêndios totais com saúde, na Inglaterra, 86,3%, na Espanha 70,9%, na Itália, 75,1% e em Portugal 73,2% (SILVA, 2009 e OECD, 2008). É preciso repetir que no Brasil, que deve cumprir o preceito constitucional de que saúde é dever do Estado e direito de todos, os gastos públicos foram de apenas 49% do total em 2007. O argumento de que o Brasil está na elite dos países que gastam quase 8% do PIB com saúde, omite o fato de que gasto público é menos da metade disso, quando na maio-ria dos países com economia semelhante ao porte da brasileira, os gas-tos do Estado representam dois terços e não a metade dos gastos totais com saúde. A omissão desse dado torna injusta qualquer avaliação da eficiência do SUS.

Esse dado, por outro lado, não é desconhecido do Estado brasi-leiro. O estudo “Economia da Saúde: uma Perspectiva Macroeconômica 2000 - 2005”, publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

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(IBGE), a partir de dados do Ministério da Saúde, Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e Agên-cia Nacional de Saúde Suplementar (ANS) mostrou que em 2005, do va-lor total de gastos nacionais no setor, a saúde pública foi responsável por 33,4% desses gastos, decompostos entre atividades com atenção à saúde (20,1% ou R$ 19,9 bilhões) e pela fabricação de produtos far-macêuticos (13,3% ou R$ 13 bilhões). Ainda mais importante é o fato, demonstrado pelo IBGE, de que as famílias brasileiras respondiam por 60,2% do total das despesas com bens e serviços de saúde --os gastos com consultas, serviços médicos em geral e medicamentos eram os que mais pesavam. Em outras palavras, no bolo representado pelos gastos com saúde a grande fatia ficava com a transferência de recursos do or-çamento familiar para o setor privado e não no sentido do Estado para a sociedade (IBGE, 2008).

O estudo do IBGE também mostrou certo recuo nos gastos do se-tor: as atividades ligadas à saúde no Brasil apresentaram queda entre os 5,7% gastos em 2000 e os 5,3% gastos em 2005, sempre em relação ao percentual do PIB. Apesar dessa retração, o IBGE mostrou que esses gastos contêm forte efeito multiplicador na economia brasileira, em espe-cial no que diz respeito à geração de emprego. O estudo “Economia da Saúde: uma Perspectiva Macroeconômica 2000-2005” também mostrou que em 2005, as atividades de saúde respondiam por 3,9 milhões de em-pregos, ou 4,3% do total do país. De 2000 a 2005, as atividades de saúde foram diretamente responsáveis, em média, por mais de 4% do total de postos de trabalho no País.

Os dois setores com maior número de ocupações são também os de maior valor adicionado: saúde pública gerando 1,3 milhão de postos de trabalho e outras atividades vinculadas à atenção à saúde com 1,0 milhão de empregos abertos. A terceira atividade com mais ocupações é o comércio de produtos farmacêuticos, médicos e odontológicos que somou 681 mil postos de trabalho. O IBGE também informou no estudo que a maior parte das vagas geradas no setor de saúde foi de vínculo formal (total de 2,6 milhões) com rendimento médio anual de R$ 15,9 mil. As atividades com maior rendimento por ocupação foram a fabricação de

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3 produtos farmacêuticos (alcançando a média de R$ 36,3 mil anuais), as atividades de atendimento hospitalar (R$ 33,1 mil anuais) e a assistência médica suplementar, os planos e seguros de saúde, com o rendimento médio anual de R$ 23,8 mil (IBGE, 2008).

Apesar de todos os avanços a análise da evolução da política de saúde pública no Brasil, no entanto, é quase sempre marcada por ava-liações e questionamentos desfavoráveis. Uma ponderação essencial para compreender tais questionamentos, além dos aspectos financei-ros, são as difíceis condições sociais do País. Nesse aspecto, merece lembrança o Relatório Final da Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde (CNDSS, 2008), com título específico e esclarecedor “As causas sociais das iniquidades em saúde no Brasil”, que define bem limites e dificuldades para a avaliação das conquistas do SUS sobre todo o quadro da política de saúde no Brasil. É preciso perceber que até mesmo quando se recorre a indicadores há dificuldades “devido justa-mente à complexidade da determinação social” (MARQUES, 2009).

Esse relatório é importante por mostrar como as condições so-cioeconômicas, culturais e ambientais de toda sociedade, isto é, os de-terminantes mais gerais provocam uma estratificação econômico-social dos indivíduos e grupos da população, conferindo-lhes posições sociais distintas, que provocam diferenciais de saúde. O relatório demonstra que a distribuição da saúde e da doença em uma sociedade não é aleatória, estando associada à posição social, que por sua vez define as condi-ções de vida e trabalho dos indivíduos e grupos. O modelo adotado no relatório procura mostrar as relações entre a posição social e diversos tipos de diferenciais de saúde. Neste modelo, o processo segundo o qual cada indivíduo ou grupo ocupa uma dada posição social é resultado de diversos mecanismos sociais, como o sistema educacional e o mercado de trabalho. De acordo com a posição social ocupada pelos diferentes in-divíduos aparecem diferenciais, como o diferencial de exposição a riscos que causam danos à saúde, o diferencial de vulnerabilidade à ocorrência de doença frente à exposição a esses riscos e o diferencial de consequên-cias sociais ou físicas com a evolução da doença (CNDSS, 2008).

A evolução e a eficiência do SUS não podem ser julgadas, portan-

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to, sem a ponderação dos determinantes sociais da doença. Além disso, é fato que apesar de todo o jogo político inerente ao entrelaçamento de três entes federados (a União, os Estados e os municípios) o SUS conseguiu preservar ao longo desses vinte anos o sentido de função pú-blica, indicando que é possível, apesar de todos os limites, uma gestão pública de qualidade na saúde. É indiscutível também que em muitas situações o sistema afastou–se do conjunto de diretrizes gerais implícita à proposta original de reorganização do setor de saúde pública enquan-to uma rede de hegemonias divididas colocada a serviço da população que mais precisava de assistência à saúde. Convém lembrar que o texto constitucional determinava:

– Universalizar a atenção á saúde, indistintamente à qualquer ha-bitante do território brasileiro;

– Assegurar equidade sem qualquer caráter discricionário à qual-quer grupo populacional;

– Manter integrada as ações de saúde, sem qualquer hierarquia de importância entre elas;

– Assegurar a descentralização do poder decisório nas ações de saúde;

– Preservar a participação da sociedade desde a formulação, execução e controle das ações de saúde;

– Regionalizar em rede as ações de saúde, com gestão colegiada e representação legítima de todos os interessados, o usuário, o trabalhador da saúde, as instâncias de governo e as empresas prestadoras de serviços.

É fato que nem sempre esse conjunto de metas foi alcançado. Po-rém, ao longo do tempo, tão indiscutível quanto a existência dos proble-mas, é a constatação de que o SUS não mudou de caminho , não trocou objetivos e, muito menos, mudou de expectativa quanto a necessidade e relevância do princípio de cobertura universal. A simples lembrança da enorme dificuldade do maior PIB do planeta, o norte-americano, em

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3 aceitar a inclusão em modesto seguro público de saúde a parcela de 40 milhões de carentes absolutos (13% da população americana), é um sinal muito convincente das conquistas do Sistema Único de Saúde e sua cobertura de assistência à saúde para três quartos da população brasileira.

A evolução do SUS foi, e permanece, uma obra em construção. E qualquer julgamento sobre as duas últimas décadas de saúde pública no Brasil não pode prescindir do padrão comparativo do quanto mais difícil era a assistência á saúde dos mais carentes antes do desenvol-vimento do conceito de rede de saúde contida na lógica de construção do SUS.

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Inovações tecnológicas em neonatologia - estudo

dos casos de dois hospitais paulistanos

Lutufyo W. Mwamakamba - Médico neonatologista, pós-gradu-ando no mestrado em economia da saúde da Universidade Federal de

São Paulo.

Paola Zucchi - Médica, doutora em medicina, professora dou-tora e vice-coordenadora do Centro Paulista de Economia da Saúde

- CPES/UNIFESP.

INTRODuçãO

O objetivo do nosso trabalho é demonstrar o impacto clínico e econômico das inovações tecnológicas nos cuidados neonatais. Com-paramos a evolução de dois casos clínicos de instituições hospitalares distintas, com o uso de tecnologia em cuidados neonatais, na cidade de São Paulo, Brasil. Nossos resultados, no primeiro caso, mostraram um enorme impacto negativo clinico e econômico, apesar dos investimentos em tecnologia na área de cuidados neonatais; no segundo caso clínico,

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3 a tecnologia foi considerada um complemento aos cuidados neonatais, com resultados positivos para o paciente e a sociedade. Analisando os dois casos clínicos, notamos que: (1) os investimentos em tecnologia precisam ser sempre bem avaliados quanto à sua eficiência; (2) a im-portância do uso de protocolos definidos e de considerar o paciente de forma global, condição para obter sempre os melhores resultados.

O mundo moderno está associado a constantes avanços tecno-lógicos em saúde, com elevados custos aos níveis individual e gover-namental. Esses avanços têm contribuído enormemente para melhorar a saúde da maioria da população global. Em neonatologia, nos últimos 150 anos, temos visto mudanças dramáticas nos cuidados neonatais, evidenciadas nas estatísticas de mortalidade e morbidade (ROGOWSKI, 2003; PETROU, 2003).

Entretanto, apesar dessas aquisições no campo da tecnologia e dos indicadores de morbidade--mortalidade, há recém-nascidos (RN) sob riscos de complicações, provocando gastos para a família, socie-dade e Estado, sejam tangíveis ou intangíveis (JEANNETTE, 2003; KHOSHNOOD et al, 1996; STAVROS, 2000). Assim, é importante bus-car progressos e melhorias contínuas no atendimento desses pacientes, porém equilibrando os recursos dados pelas inovações tecnológicas e cuidados clínicos do dia a dia — o desequilíbrio pode gerar consequên-cias catastróficas.

John F. Kennedy disse uma vez “às vezes você tem que parar e ver de onde você vem para saber para onde você está indo”. Recapi-tulando, na neonatologia notamos várias conquistas. A tabela 1 mos-tra as conquistas associadas a ganhos na saúde devidos à tecnologia, como apresentado em estudo de unidades de terapia intensiva neonatal (UTIN), em Boston, Massachusetts, EUA, entre 1975 e 1994: houve um aumento da sobrevida para RN menores de 1.000g e 1.500g, respecti-vamente, de 24% para a 80%, e de 56% a 90% (CLOHERTY; STARCK, 2000).

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Tabela � - Inovação em cuidados neonatais

Data Inovação

Século XIX

Incubadora - Queda na mortalidade de RN com peso inferior a 2000 gramas de 66 % a 38% e aumento de investimento

hospitalar neonatal de 5% em 1900 a 50% em 1921.

1900sMortalidade infantil como indicador de saúde - Aumento do conhecimento sobre o RN; métodos de alimentação como

fórmulas de aleitamento materno.

1910sNovos debates - Debate sobre métodos de transporte e ali-

mentação nasal entre obstetrícia e pediatria; inauguração de registro de RN nos EUA.

1930sProtocolos - Protocolos para cuidados neonatais, higiene, uso

de leite materno e oxigênio como agentes farmacológicos.

1940sTriunfos clínicos - Novas terapias como bancos de sangue, reposição de líquidos, antibióticos, radiologia, avanços la-

boratoriais, etc.

1950sRecém nascido como paciente genuíno - Criação do Apgar e unidades de cuidados intensivos neonatais; mecanismos

de respiratórias e controle de temperatura

1960sNova era - Medicina compreensiva e cientifica; neonatolo-gia como ramo da medicina; uso de ventiladores e classifi-

cação do RN.

1970s Respiração - Avanços em técnicas de ventilação, monitori-

zação, gasometria, etc.

1980sSurfactante - Fator importante na queda de mortalidade de

RN nos últimos anos.

1990sTerapia global do recém-nascido - Melhoria nos cuidados

pré e pós natal.

LUSSKY, R. C. A Century of Neonatal Medicine. Minn. Med. Assoc., Dec 1999/Vol. 82.

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3 A introdução de novas tecnologias aumentou não só a complexi-dade nos cuidados dos pacientes, mas também os custos. E muitas ve-zes, a análise fragmentada do paciente impediu a visualização global do mesmo, aumentando ainda mais esses custos. A visão global do paciente depende de inúmeros fatores inter-relacionados, os quais atuam de for-ma simbiótica para maior ganho em saúde (PORTER; TEISBERG, 2006). Apresentamos abaixo os fatores, tal como mencionados pelos autores:

1 - Resultados médicos baseados em qualidade versus custo com visão de longo prazo.2 - Condições médicas com foco nos cuidados de alta qualidade e na eficiência.3 - Experiência com equipes especializadas em poucos procedi-mentos de excelência.4 - Visão global, consciência da importância da educação conti-nuada.5 - Informações sobre análise de custos e preços.

6 - Inovações eficazes custo-efetivas.

A PERSPECTIvA BRASILEIRA

A história dos avanços nos cuidados neonatais no Brasil é recen-te, mas de evolução acelerada. A resposta rápida aos avanços tem sido atribuída à habilidade do País em se adaptar aos avanços tecnológicos e conhecimentos técnicos provenientes do exterior, evidenciado pela queda nas taxas de mortalidades neonatal (ARAGÃO et al, 2004; RO-DRIGUES; OLIVEIRA, 2004).

De acordo com o Ministério da Saúde, houve em 2006 3.030.211 partos, dos quais 7,79% eram prematuros. O custo total com prematu-ridade foi de R$ 101.980.492,92, com valor médio de internação de R$ 2130,14; dependendo da gravidade, tais valores foram de 304% a 679% acima da média dos valores pagos no País, apontando para a maior complexidade e alto custo desses pacientes (BRASIL, 2006).

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O RELATO DE CASOS CLÍNICOS

Retomando nossas considerações iniciais sobre inovações tecno-lógicas (custos, cuidados neonatais e visão global do paciente), apresen-taremos dois casos clínicos, de dois hospitais públicos na cidade de São Paulo. Localizados na periferia da cidade, com cerca de 10 milhões de habitantes, são considerados referência para as gestações de alto risco, com uma média de 580 partos por mês. Os casos nos auxiliam a compre-ender o significado das inovações tecnológicas nos cuidados neonatais.

�º. CASO CLÍNICO

Paciente do sexo feminino, nascida de parto normal expulsivo, 26 semanas de gestação e bolsa rota de 12 horas, peso ao nascer 800 gramas, Apgar19 6 e 8, evoluindo com desconforto respiratório precoce, sendo entubada na sala de parto.

história materna

Dezessete anos de idade, primigesta, solteira, 1˚grau incompleto, afastada da escola e desempregada. A parturiente nega tabagismo, al-coolismo, uso de drogas e outras patologias importantes.

A paciente procurou a unidade básica de saúde (UBS) em quatro ocasiões para acompanhamento da gravidez. Em duas ocasiões não foi atendida por ausência do profissional de saúde. Na 3º consulta foram solicitados sorologias de pré-natal HIV, VDRL, toxoplasmose, hepatite, rubéola e exame da urina devido à sintomatologia sugestiva de infecção do trato urinário. Na 4º consulta, sem resultados de exames solicitados 19 A escala ou índice de Apgar, criado em 1952 pela médica anestesiologista inglesa Virginia Apgar, consiste na avaliação de cinco sinais do recém-nascido no primeiro, no quinto e no décimo minutos de vida: frequência cardíaca, esforço respiratório, cor, tônus muscular e irritabilidade reflexa. Para cada item atribui-se uma nota de 0 a 2, somando-se os resultados, sendo possível obter-se uma nota de 0 a 10. Um Apgar de 8 a 10 indica que o recém-nascido está em ótimas condições, e uma nota de 0 a 3 indica grave dificuldade.

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3 na consulta previa, foi marcado novo retorno, mas por falta de recursos financeiros a paciente não retornou, e em poucos dias entrou em traba-lho de parto prematuro.

Condições hospitalares

Trata-se de hospital com prestação de serviço de neonatologia, com vários equipamentos de última geração e tecnologia de alto cus-to, contando com incubadoras, monitores multi-paramétricos, gasôme-tros, ventiladores a eco-cardiograma, etc. Paradoxalmente, o material de uso diário como cânulas de entubação orotraqueal (COT), cateteres, equipamento para infusão de líquidos endovenosos, etc. são de baixa qualidade. Não há protocolos para o tratamento de recém nascido, os serviços de apoio como oftalmologia, psicologia, cardiologia, neurologia e fonoaudiologia, fisioterapia são irregulares, oferecidos somente por 12 horas diurnas, durante os dias úteis da semana.

�º CASO CLÍNICO

Paciente do sexo feminino nascida de parto normal, 26 semanas de gestação pela data da ultima menstruação, bolsa rota de 48 horas, peso ao nascer 750 gramas, Apgar 7 e 8, evoluiu com desconforto res-piratório precoce, sendo entubada na sala de parto.

história materna

Dezessete anos de idade, primigesta, solteira, 1˚grau incompleto, afastada da escola e desempregada. A parturiente nega tabagismo, al-coolismo, uso de drogas e outras patologias importantes.

Paciente vinculada ao Programa da Mãe Paulistana (PMP), pro-curou a Unidade Básica de Saúde - UBS em cinco ocasiões para acom-panhamento da gravidez. Em todas as ocasiões foi atendida. Sorolo-gias de controle pré-natal negativas com ultra-som de controlenormal. Na quinta consulta paciente apresentava sintomas de infecção urinária, confirmada com exame da urina; iniciou-se terapia com ampicilina. No

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sétimo dia de tratamento a paciente entrou em trabalho de parto prema-turo com amniorrexe20 precoce. Foi internada por 48 horas, para monito-rização, antibioticoterapia e recebeu dois ciclos de corticóide.

Condições hospitalares

Trata-se de hospital integrado no Programa Mãe Paulistana - MP, associado ao Projeto Canguru, com vários equipamentos de uso bási-co e funcional, tais como ventiladores e ultrassonografia. O material de uso diário é de ótima qualidade, tais como COT siliconada com marcas adequadas e olho de Murphy, cateteres de PICC siliconada, cateter um-bilical de duplo lúmen, equipo para infusão de líquidos endovenosos fotossensíveis. O tratamento é organizado com protocolos definidos, psicóloga e fonoaudióloga atendem 12 horas por dia, fisioterapeuta por 24 horas. Notamos também interação entre os profissionais de saúde, que discutem os casos clínicos, além de médicos à distância tais como oftalmologista, neurologista, nefrologista e cardiologista.

DISCuSSãO

Quanto mais curta a gestação, maiores são os riscos de compli-cações para o RN, com prováveis sequelas a longo prazo. Até poucos anos, essas complicações não eram tratáveis. Os avanços tecnológicos, especialmente no campo da medicina, trouxeram redução na mortalida-de neonatal, que por sua vez, resultaram, de um lado, em fluxo maior de prematuros admitidos nas unidades, e de outro, impactos econômicos insustentáveis decorrentes dos custos elevados dos tratamentos. O pre-ço para salvar vidas tomou grandes proporções. Há muita pressão para se reduzir os gastos, mantendo a mesma eficiência, ou seja, alcançar resultados favoráveis com o menor custo possível (PETROU, 2000 e 2003; O’NEIL et al, 2003; MUSCI et al, 2001). 20 Amniorrexe prematura ou rotura prematura das membranas - ruptura das membras corioamnióticas antes do início do trabalho de parto, com perda do líquido amniótico que envolve o feto.

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3 No primeiro caso clínico, podemos ver que o hospital tem visão par-cial do paciente. Com investimentos altos em tecnologia, mas pouco re-torno na saúde, enquanto que no segundo caso a tecnologia está voltada para um retorno maior de saúde, o que significa suprir as necessidades com bom funcionamento, considerando custo, qualidade e beneficio. Alem disso, o hospital possui outros pilares que ajudam a ter uma visão completa do paciente para obter resultados positivos: estamos nos referindo ao Pro-grama Mãe Paulistana e Projeto Mãe Canguru.

O primeiro pilar ao qual nos referimos consiste em uma rede de proteção à mãe paulistana, no município de São Paulo, voltado para o desenvolvimento de ações e serviços de promoção, prevenção e assis-tência à saúde da gestante e do RN, com foco desde o pré-natal, parto e puerpério (PMSP, 2008). O segundo pilar é um programa que propor-ciona contato mais próximo entre a mãe e o bebê prematuro, durante o período no qual a criança permanece internada no hospital; o objetivo do programa Mãe Canguru é aumentar o vinculo entre a mãe e o bebê, resultando em diminuição de dias de internação, custo e mais qualidade de vida para ambos (FUNDAÇÃO ORSA, 2008).

A tabela 2 resume a evolução dos dois casos clínicos, com prog-nósticos diferentes (preocupantes e assustadores), associados a trata-mentos terapêuticos distintos, apesar das inovações tecnológicas esta-rem presentes nos dois casos.

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Tabela � - Evolução clínica dos recém-nascidos

Primeiro caso clínico Segundo caso clínico

Diagnósticos de internação

Recém-nascida prematura, doen-ça pulmonar de membrana hialina

e sepse precoce presumida.

Recém-nascida prematura, doença pulmonar de mem-

brana hialina e sepse preco-ce presumida.

Dias de inter-nação

5 meses e 27 dias 2 meses e 7 dias

Intercorrên-cias

Pneumotorax, parada cárdio-res-piratória

Nenhuma

Diagnósticos subsequentes

Sepse tardia, enterocolite, crise convulsivas, hemorragia intracra-

niana grau 4, icterícia medicamen-tosa, displasia bronco pulmonar e retinopatia da prematuridade com

cegueira

Icterícia da prematuridade, distúrbios metabólicos

Tratamentos

Jejum, nutrição parenteral por 60 dias, ampicilina, gentamicina,

oxacilina, amicacina, vancomicina, claforan, metrodinazol, merope-nem, hemoderivados, ventilação

mecânica por três meses, percutâ-neo intra-vascular cateter central

(PICC) por três vezes e flebotomia por duas vezes

Jejum, nutrição parenteral por 10 dias, ampicilina e

gentamicina, ventilação me-cânica por 20 dias e PICC

uma vez.

Estado clínico atual

Dois anos de idade, home care com traqueostomia, gastrostomia, sete internações nos últimos 15 meses, com duas na unidade de

terapia intensiva.

Dois anos de idade, em casa com desenvolvimento

neuro-psico-motor ade-quado para a idade. Duas internações nos últimos 15

meses.

Fonte: elaboração dos autores.

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CONSIDERAçõES fINAIS

Nas últimas décadas, a redução significativa da mortalidade neo-natal tem sido atribuída aos grande avanços na tecnologia médica. En-tretanto, apesar do aumento de sobrevida, esses neonatos apresentam riscos de complicações ao longo prazo. Por isso é necessário traduzir as tecnologias emergentes em avanços e soluções clinicamente viá-veis, com protocolos e visão global do paciente, condição para atingir ganhos em saúde. Paralelamente, julgamos importante considerar os itens relativos à economia, lembrando que economia de custos em curto prazo podem levar a aumento de custos no longo prazo, resultando em baixa eficácia no uso dos recursos.

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REfERêNCIAS BIBLIOGRáfICAS

ARAGÃO, Vânia M. F. et al. Fatores de risco para prematuridade em São Luís. Cadernos de Saúde Pública. 2004; 20 (Supl 1): 57-63.

BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Sistema de informações hospitala-res do SUS - valor total segundo região do procedimento, 2006. Dispo-nível em: <http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sih/cnv/piuf.def>. Acesso 15/02/2008.

CLOHERTY, John P.; STARCK, Ann R. Manual de neonatologia. 4 ed. Rio de Janeiro: Medsci Editora Médica e Científica, 2000.

FUNDAÇÃO ORSA; BNDES - BANCO NACIONAL DE DESENVOLVI-MENTO ECONÔMICO E SOCIAL; MINISTÉRIO DA SAÚDE. Método Mãe Canguru. Disponível em: <http://www.fundacaoorsa.org.br/web/pt/atuacao/saude/canguru.htm> Acesso 18/11/2008.

KHOSHNOOD, B. et al. Models for determining cost of care and length of stay in neonatal intensive care units. International Journal of Technology Assessment in Health Care. 1996; 12(Suppl 1): 62-71.

LUSSKY, Richard C. A Century of neonatal medicine. Minnesota Medi-cal Association, Dec 1999/Volume 82.

MUSCI, Michael N.; ESSLINGER, John J.; KORNHAUSER, Michael K. Neonatal care management, an integrated approach. Practical Disease Management. 2001; 9 (Suppl 6): 303-316.

O’NEIL, Ciaran et al. A cost analysis of neonatal care in the UK, re-sults from a multicentre study. Journal of Public Health Medicine. 2003; 22(Supply 1): 108-155.

PETROU, Stavros; DAVIDSON, Leslie L. Economic issues in the follow-up of neonates. Semin Neonatal. 2000; 5: 159-169.

__________ Economic consequences of preterm birth and low birth wei-ght. International Journal of Obstetrics and Gynecology. 2003;110 (Su-ppl 20):17-23.

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3 PORTER, Michael E.; TEISBERG, Elizabeth O. Redefining health care: creating value-based competition on results. Boston: Harvard Business School Press; 2006.

PREFEITURA DA CIDADE DE SÃO PAULO. Programa Mãe Paulistana. Disponível em: <http://ww2.prefeitura.sp.gov.br/secretarias/saude/mae_paulistana>. Acesso 10/10/2008.

RODRIGUES, Renata G.; OLIVEIRA, Isabel S. Os primórdios da assis-tência aos recém-nascidos no exterior e no Brasil. Revista Eletrônica de Enfermagem. 2004; 6:286-291 <http://www.fen.ufg.br/revista/revis-ta6_2/pdf/R3_primordio.pdf>. Acesso: 14/12/2008.

ROGOWSKI, Jeannette A. et al. Economic implications of neonatal in-tensive care unit collaborative quality improvement. Pediatrics. 2001; 107(Suppl 1): 23-29.

ROGOWSKI, Jeannette A. Using economic information in a quality impro-vement collaborative. Pediatrics. 2003; 111 (Suppl 4): 411- 418.

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Reflexões sobre a regulamentação dos preços dos medicamentos no Brasil

Maria Cristina Sanches Amorim - Economista, professora titu-lar e coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Regulação Econômica

e Estratégia Empresarial da PUC/SP.

Eduardo Bueno da Fonseca Perillo - Médico, mestre em admi-nistração, doutor em história econômica, vice-coordenador do núcleo de pesquisa em regulação econômica e estratégias empresariais da

PUC/SP.

Fernão Almeida - Economista, assessor da presidência em grandes corporações.

INTRODuçãO

Nos países da OCDE (organização que reúne as principais eco-nomias industrializadas do mundo) e América Latina, exceto Cuba, a prestação de serviços de saúde é ofertada pela iniciativa privada com fins lucrativos e serviços governamentais, com diferentes graus de con-

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3 trole impostos pelo Estado. Nos países da OCDE, a média dos gastos públicos é de 70% do total; na Argentina, de 58% e no Brasil, 44%, enquanto nos EUA, cujo sistema é majoritariamente privado, é de 45%. Os países da OCDE têm os melhores indicadores de saúde do mundo, exceção feita aos EUA (OECD, 2009).

O total dos gastos governamentais com os serviços de atenção à saúde no Brasil, abaixo da média dos países industrializados, é particu-larmente preocupante, tendo em vista a distribuição da renda — aproxi-madamente 60 milhões de pessoas recebem até dois salários mínimos (IBGE, 2003; IBGE, 2006). Quanto aos medicamentos, 79,3% dos gas-tos totais são realizados pelo consumidor, enquanto na Espanha e Itália, os percentuais são de 28% e 50%, respectivamente (OECD, 2009). Os gastos governamentais brasileiros com medicamentos cresceram aci-ma dos gastos totais com saúde e do produto nacional; entre 2002 e 2007, o gasto total com saúde variou 134, o gasto com medicamentos variou 167 e a variação do PIB foi de 114, em índices ano base 2002 (IBGE/DATASUS/SIOPS, 2009). Ainda assim, para grandes parcelas da população o acesso continua problemático, portanto, continuam neces-sárias as considerações sobre as ações do Estado relativas ao acesso aos medicamentos.

No Brasil, causas econômicas e políticas historicamente consti-tuídas acirram o debate sobre o papel e o limite das intervenções eco-nômicas governamentais no setor saúde. Não é incomum a ocorrência de discursos extremados, advogando menor intervenção ou, total esta-tização dos serviços de atenção à saúde. No campo teórico, a compre-ensão da origem e motivos da intervenção estatal ajuda a pensar em soluções para as dificuldades do acesso aos medicamentos.

O debate sobre a legitimidade da intervenção do Estado na so-ciedade é tema superado. Definições como Estado mínimo e Estado do bem-estar já não expressam os dilemas da sociedade do século XXI, particularmente após a crise econômica mundial de 2008. A questão re-levante é qual o desenho adequado de políticas públicas e como essas se efetivam no modelo possível de Estado.

Em nosso país, temos vários modelos em operação: do Estado

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mínimo das políticas macroeconômicas monetaristas-fiscalistas (arrefe-cidas desde a crise econômica mundial de 2008, mas ainda preservan-do suas estruturas operacionais), ao Estado empreendedor da prospec-ção de petróleo, e ainda o incentivador das competências dos agentes, representado pelos órgãos de regulação do mercado. Um dos muitos desafios da nossa sociedade é justamente conseguir compatibilizar as políticas originárias dos vários “Estados”, por sua vez loteados nos dife-rentes ministérios e demais órgãos da administração direta e indireta.

No setor da saúde, as ações assistenciais governamentais estão previstas na Constituição Federal (BRASIL, 1988), porém, a ausência de regulamentação das leis gerais e os limites impostos pelas políti-cas macroeconômicas funcionam como barreiras à assistência plena, inclusive à farmacêutica. No segmento farmacêutico, há políticas assis-tenciais (como Farmácia Popular) e regulamentação de preços; nosso foco de análise é discutir a regulamentação dos preços dos medicamen-tos enquanto política de acesso ao consumo. Em nosso entendimento, instrumentos de controle de preço não promovem aumento do acesso, dados os limites típicos da regulamentação econômica, a concentração da renda e a estrutura da indústria farmacêutica instalada no Brasil. Ob-jetivamos discutir a fórmula utilizada para a regulamentação dos preços dos medicamentos à luz da teoria econômica.

O presente texto oferece ao leitor uma abordagem geral ao tema da regulamentação econômica do segmento de medicamentos, particu-larmente, sobre o modelo de regulamentação dos preços, o price cap (teto de preço), determinação governamental de um limite superior para o aumento anual dos preços de parte dos medicamentos. O tema das consequências do price cap para a competitividade das empresas não foi objeto de análise.

Antes de prosseguirmos com os argumentos e análises, esclare-cemos o sentido de regulação e regulamentação econômicas, muitas vezes usadas como sinônimos (ORTIZ, 2005; FIANI, 1998; KUTNER, 1998). Nos limites do nosso texto, a expressão “regulação” faz refe-rência à teoria da regulação, também conhecida como escola francesa da regulação, de inspiração marxista, cujo objeto de estudo é compos-

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3 to pelas relações sociais estabelecidas pelo regime de acumulação do capital (POSSAS, 2009). Nesse sentido, a teoria da regulação foge ao nosso escopo de trabalho.

Usamos a expressão “regulamentação” para qualificar a interven-ção governamental na economia, por setores, na tradição teórica de Sti-gler, Peltzman, entre outros (FIANI, 1998). Assim, tratamos de setores regulamentados, como a saúde, especificamente. Uma última advertên-cia, regulamentação econômica entendida como intervenção do Estado no mercado amplia o significado da expressão, abrangendo inclusive, políticas de desenvolvimento — ou políticas industriais — como as fi-nanciadas pelo BNDES. Nosso trabalho ocupa-se apenas da regula-mentação dos preços dos medicamentos.

O modelo de controle dos preços dos medicamentos em vigor é de 2003, imposto na forma da lei, para determinar o percentual de reajuste. A fórmula para o cálculo do percentual pretende “promover a assistência farmacêutica por meio do estímulo à oferta e competitividade do setor”, fazendo uso dos elementos de regulamentação de mercado. O exame preliminar das variáveis componentes e da fórmula levantam perguntas quanto à teoria subjacente ao modelo, à base de dados quantitativos e, fundamentalmente, quanto ao alcance do modelo: como calcular a pro-dutividade do setor, o custo médio de produção e do market share (fatia ou parcela de mercado).

REGuLAçãO DOS PREçOS DOS mEDICAmENTOS: CONSIDERAçõES SOBRE O CáLCuLO DO PRICE CAP

O setor farmacêutico, imprescindível para a construção do bem-estar individual e da cidadania, é objeto de controle econômico em to-dos os países da OCDE (2009) e em muitos outros países, entre eles o Brasil. No Japão, por exemplo, o governo impõe listas de preços para os medicamentos, cujos valores, entre 2002 e 2009 sofreram redução geral de 7,5% para procedimentos médicos, como medida para reduzir os gastos governamentais com assistência à saúde (OECD, 2009).

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No Brasil, a Lei Nº 10.742, de 06 de outubro de 2003, “Define normas de regulação para o setor farmacêutico, cria a Câmara de Regu-lação do Mercado de Medicamentos-CMED (…)”. Em seu artigo 1º:

“(…) estabelece normas de regulação do setor farma-cêutico, com a finalidade de promover a assistência far-macêutica à população, por meio de mecanismos que estimulem a oferta de medicamentos e a competitivida-de do setor”.

A CMED teve sua criação, competências e funcionamento regula-mentados por meio do Decreto Nº 4.766, de 26 de junho de 2003, e em 27 de fevereiro de 2004 emitiu sua Resolução Nº 1/2004, a qual “Esta-belece os critérios de composição de fatores para o ajuste de preços de medicamentos”, cuja expressão matemática é:

VPP = IPCA – X + Y + Z

Sendo,

VPP = variação percentual do preço do medicamento

X = produtividade do setor farmacêutico

Y = fator de reajuste de preços entre setores

Z = fator de reajuste de preços intra-setor

A lei e a resolução citadas configuram o instrumento do price cap, imposição do limite máximo para o aumento anual dos medicamentos. O price cap atinge apenas parte dos medicamentos comercializados, ou seja, há medicamentos cujos preços estão fora da regulamentação.

Em linhas gerais, a fórmula do price cap oferece à indústria o direito de correção monetária (por meio do IPCA), desconta a produti-vidade (repassada ao consumidor na forma de preços menores, como

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3 presumivelmente aconteceria em mercados concorrenciais), considera a eventual variação de custos de produção, e desconta o grau de con-centração do mercado.

OS COmPONENTES DA fóRmuLA

A Resolução Nº 1 da CMED, de 25/02/2005 trata do detalhamen-to da fórmula para o ajuste de preços dos medicamentos.

“O ajuste de preços de medicamentos, (…), será baseado em um modelo de teto de preços calculado com base em um índice, um fator de produtividade, uma parcela de fator de ajuste de preços relativos intra-setores e uma parcela de fator de ajuste de preço relativos entre setores”.

A análise de cada um dos componentes da fórmula levanta pon-tos importantes acerca da capacidade do controle dos preços atingirem os objetivos expressos na Lei, quais sejam, “promover a assistência farmacêutica à população, por meio de mecanismos que estimulem a oferta de medicamentos e a competitividade no setor”. Analisamos a seguir cada um deles.

O IPCA

O índice utilizado para a correção monetária dos preços é o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), calculado pelo IBGE. O IPCA considera a variação média dos preços dos bens e servi-ços consumidos pelas famílias com renda entre um e oito salários míni-mos. A forma, a periodicidade e as ponderações dos itens de consumo produzem resultados de inflação média diferentes. Nossos períodos de hiperinflação levaram à construção de vários índices, específicos para capturar as informações sobre o comportamento dos preços.

Os preços, medidos pelo consumo das famílias com renda entre

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um a oito salários mínimos, refletem ampla cadeia de fornecedores e compradores, ao longo da qual, pressões por aumento de custos se diluem e deságuam na dificuldade do varejo em repassá-los, como au-mentos de preços, para um consumidor cujo nível de renda o torna mui-to sensível à variação nominal e real de preços — não por outro motivo, os grandes varejistas populares anunciam estrondosamente os preços dos produtos nas campanhas publicitárias. A política econômica reces-siva em curso até 2008 (somou mais uma década), serviu precisamente para manter os preços do varejo controlados por meio da redução da capacidade de compra do consumidor.

Escolher o IPCA (e não IPA – índice de preços por atacado, por exemplo) para o cálculo da correção monetária, significa utilizar um per-centual relativamente menor para o ajuste dos preços dos medicamen-tos, quando comparado aos demais índices. Circunstancialmente, um ou outro índice pode ser menor do que o IPCA, mas este tende a ser o menor. O governo, comprometido com as metas de inflação e a estabi-lidade monetária durante os últimos anos (a política macroeconômica “virou” apenas após setembro de 2008), prefere, compreensivelmente, o IPCA para o cálculo de reajuste de preços dos medicamentos.

O cálculo da produtividade (o fator X)

Quando o mercado opera em regime de concorrência perfeita, o produtor só possui uma forma de aumentar seu lucro: por meio do au-mento de vendas, sendo obrigado a baixar os preços para conquistar os clientes de seus concorrentes (nas páginas seguintes apresentaremos mais detalhadamente esse ponto). A base do processo da queda dos preços é o aumento da produtividade, responsável, em última instân-cia, pela redução dos preços e incorporação de novos consumidores ao mercado. Quando o mercado opera em regime de concorrência mono-polista ou oligopólica, os ganhos de produtividade não são necessaria-mente traduzidos em menores preços para o consumidor, mas sim na forma de lucros extraordinários; o lucro, por sua vez, pode ser destinado ao aumento de investimentos, ou repassado aos acionistas, etc. A teoria sobre regulação do mercado e constituição de mecanismos de proteção

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3 da concorrência, prevê a intervenção do Estado para proibir medidas que possam causar concentração (fusões e aquisições) e, ainda que sob controvérsia, admite controle de preços (SANTACRUZ, 1999).

Como se verá adiante, calcular a produtividade não é tarefa fácil, e atribuir um único percentual de produtividade para uma estrutura de produção tão heterogênea como a indústria farmacêutica, traz proble-mas adicionais. Como a produtividade é descontada do IPCA, a medida governamental oferece um índice de ajuste dos preços dos medicamen-tos sempre abaixo da inflação medida pelo consumo das famílias.

O cálculo da produtividade origina-se na teoria do valor, e a ciên-cia econômica apresenta duas explicações para a criação de valor, am-bas alicerçadas em princípios filosóficos e não em evidências: a teoria do valor-trabalho e a teoria do valor-utilidade. A teoria do valor-trabalho admite que o trabalho humano aplicado à produção de bem ou serviço é a única fonte de valor — esta é máxima da obra seminal de Adam Smith (1983), A riqueza das nações, publicada no século XVIII. Nessa concep-ção, a expressão “máquinas mais produtivas” é uma impropriedade; o trabalhador torna-se mais produtivo quando opera máquinas ou proces-sos mais eficazes. Com esses pressupostos, o cálculo da produtividade é sempre o da produtividade do trabalho, obtido pela razão entre horas trabalhadas e volume produzido.

A fórmula aparentemente simples traz muitas dificuldades teóri-cas e práticas. A primeira delas é o cálculo das horas trabalhadas, que não é feito pelos órgãos brasileiros de pesquisa com abrangência nacio-nal. O IBGE dá o número de trabalhadores ocupados, enquanto outras fontes, como a RAIS, oferecem a mesma informação. O número de tra-balhadores ocupados não expressa a intensidade do trabalho humano aplicado, mas a variação do nível de emprego, por sua vez, resultante de variáveis alheias ao esforço do trabalhador. De qualquer forma, na ausência de dados melhores no Brasil, tem-se aceitado o número de trabalhadores empregados para o cálculo da produtividade.

A segunda dificuldade é a unidade de medida da produção física da indústria farmacêutica — toneladas, unidades, litros? O cálculo exige a utilização de unidade de conta única, mas, qual a pertinência de somar unidades de elevado valor agregado (como os produtos oncológicos, de

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alto preço) e unidades de baixo valor agregado? O cálculo assume a existência de produtos homogêneos, pressuposto difícil de sustentar no setor farmacêutico. Novamente, na falta de número melhor, aceita-se a unidade produzida como medida de produção física.

A outra explicação para a produtividade é a teoria do valor-utili-dade, segundo a qual o valor de um produto é dado pela utilidade que lhe confere um consumidor potencial; esse valor dá a medida de quanto o indivíduo está disposto a pagar pelo produto. No lado da oferta, os custos de produção e a pretensão de remuneração do capital investido dão o preço do produto; a interação entre os diversos produtores e os diversos consumidores dá o preço de venda. O cálculo da produtividade é feito a partir do cômputo de todos os fatores de produção, dividido pela produção física, ou pelo total de vendas expresso em unidades mone-tárias. Na prática, o cômputo de todos os fatores produtivos só pode ser feito em unidades monetárias, portanto, só pode ser comparado pelo total das vendas ou da produção, expressas em moeda.

As dificuldades de cálculo consistem na determinação dos fatores de produção a computar, nas variações de preços típicas dos mercados dinâmicos, e nas dificuldades apontadas no cálculo da produtividade do trabalho, a qual também faz parte dos fatores de produção. Do exposto, não há respaldo teórico para se impor o cálculo da produtividade pela óptica do trabalho, ou pelo custo total de produção, mas há interesses políticos na escolha de uma ou outra teoria. Quanto mais intensiva em capital (equipamentos, tecnologia, etc.) for a indústria, menor a produti-vidade, se considerada pelo custo total dos fatores. No caso da indústria farmacêutica, menor o desconto sobre o IPCA, maior o índice do reajus-te dos preços dos medicamentos.

O cálculo dos preços relativos entre setores (o fator Y)

A fórmula de ajuste de preços admite que, além da correção mo-netária, a indústria farmacêutica tenha outros custos não capturados pelo IPCA, os custos não gerenciáveis no período compreendido en-tre ajustes. No geral, custos ou preços não gerenciáveis são as tarifas públicas e/ou preços determinados pelo governo (taxa de câmbio, por

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3 exemplo). No caso específico do fator Y, o governo considera o preço da energia elétrica e do dólar, expresso indiretamente por meio da variação dos preços dos insumos e produtos importados pelo setor. A fórmula garante um comportamento de ajuste endógeno ao fator Y, isto é, se os preços relativos entre setores variarem abaixo do IPCA, haverá um saldo a ser descontado.

Parâmetros para o cálculo do fator Y:

1 - Peso dos produtos importados na estrutura de custos do setor farmacêutico;

2 - Peso da energia elétrica na estrutura de custo do setor farma-cêutico;

3 - Peso dos produtos importados na estrutura de custos da eco-nomia;

4 - Peso da energia elétrica na estrutura de custos da economia.

As variáveis independentes são as taxas de variação dos produ-tos importados e da energia elétrica; as variáveis dependentes são as taxas de variação dos índices do setor farmacêutico e dos índices da economia. A economia é representada pelos 31 setores da Matriz de Relações Interindustriais do IBGE, de 1995. A relação de produtos im-portados é constituída pelas 360 NCMs da FUNCEX. O fator Y é sensí-vel à variação cambial, isto é, quanto mais valorizado o real relativamen-te ao dólar, menor o índice de reajuste de preços dos medicamentos.

O cálculo dos preços relativos intra-setor (o fator z)

O cálculo de Z expressa o esforço do governo na utilização dos instrumentos de regulação e medidas antitruste da teoria e do direito econômico. É constituído pelo Índice de Lerner e pelo Índice de Herfin-dahl–Hirschman (HHI), compostos pelas medidas de elasticidade-preço da demanda e do mercado relevante. Adiante discutiremos com deta-lhes o significado econômico desses índices na fórmula de ajuste.

Embora a fórmula faça referência a Lerner e ao HHI, em 2005 a Câmara de Medicamentos–CMED, considerou apenas o HHI, de acordo com a expressão matemática:

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Z = HHIg(t=2)

Eg(t=2)3

Sendo:

HHI = índice de Herfindahl–Hirschman

t = 2 é o período transcorrido entre o 1º e o 2º reajus-tes

E = elasticidade–preço média da demanda por produtos do mercado g

g = mercado relevante

Para a aplicação da fórmula é imperativo esclarecer três pontos: (1) qual o mercado relevante? O detalhamento do cálculo de Z afirma que “(…) as elasticidades (serão calculadas) com base em dados men-sais e trimestrais de vendas e prescrições de 2000 a 2004” (para 2005). (2) Qual a qualidade da informação contida na apuração de elasticida-de-preço em mercado com preços controlados? Se a identificação do mercado relevante não dever ser feita no nível da marca, deverá haver mais de um mercado relevante, dependendo da classificação adotada; (3) se há pelo menos mais de um mercado relevante, como atribuir um único Z para o mercado como um todo?

A função do fator Z na fórmula é, presumivelmente, descontar do percentual de ajuste da suposta prática de abusos de preços típica dos produtores operando em concorrência monopolística e/ou oligopólica. O número varia entre zero e um, então quando o mercado é perfeitamente concorrencial, o resultado seria zero, e o inverso quando for monopolista.

Dadas as dificuldades para o cálculo de Z, cabe outra indagação: a função de Z é, ao lado do fator X (produtividade), levar a um percen-tual de ajuste abaixo da inflação medida pelo IPCA?

Diante das dificuldades de cálculo dos elementos da fórmula, desde 2003 o governo desconsidera a fórmula prevista pela Resolução CMED Nº 1. Em 2005, por exemplo, produziu os seguintes números: Z

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3 foi considerado zero, Y também foi considerado zero, e a versão defini-tiva da fórmula foi P = IPCA – X, sendo X = produtividade. Esta última assumiu valores de 0,0; 0,75 e 1,5, dependendo da presença de medi-camentos genéricos no setor (DOU, 30/01/05).

REGuLAçãO DOS PREçOS DOS mEDICAmENTOS E ESTRuTuRA DE mERCADO

A regulação do mercado é uma intersecção da teoria econômica e do direito econômico (SULLIVAN, E.; HARRISON, J., 1998). Cabe à teoria demonstrar como se dão as relações entre produtores e consu-midores, e quais as consequências das diferenças de poder entre tais agentes. Cabe ao direito, enquanto saber particular, utilizar as análises econômicas em propostas de lei de fato, e cabe ao Estado aplicar a lei e punir os transgressores. Dado que as análises econômicas são as bases técnicas das leis, erros ou falhas nas primeiras implicam na pro-pagação dos problemas na elaboração e aplicação da lei.

A teoria econômica subjacente ao price cap estabelece critérios para a formação do preço nas diferentes estruturas de mercado. Nas economias capitalistas, o preço cumpre função de sinalizar para o pro-dutor os setores ou produtos nos quais investir, e da expectativa do preço de venda depende a eficiência marginal do capital, ou a expec-tativa da taxa de retorno do capital investido, comparativamente à taxa de juros. Juntas, eficiência do capital e taxa de juros definem o volume de investimento da economia de um país (KEYNES, J., 1983). Kuttner (1998) resume os argumentos apresentados: “No coração do sistema de mercados está o mecanismo de preços”.

Quanto à estrutura do mercado, há três formas estudadas pela teoria: concorrencial, monopólico e oligopólico.

O mercado é concorrencial quando há grande número de pro-dutores e nenhum deles responde por parcela significativa da oferta (o market share é muito baixo para todos os produtores); se um produtor

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entrar ou deixar o mercado, não há redução importante no volume da oferta. O produto ou serviço é homogêneo (é indiferente para o con-sumidor comprar deste ou daquele produtor); o consumidor dispõe de total conhecimento para escolher o produto que melhor o satisfaça, e de liberdade para realizar a compra. Quando o mercado reúne essas três características, o produtor é obrigatoriamente tomador de preços — para produzir com lucro, deve ajustar seus custos ao preço que o consumidor historicamente está disposto a pagar. A única forma de au-mentar o lucro é vender mais e, para tanto, deve reduzir o preço, o que só faz sentido econômico se os custos de produção forem reduzidos. Valendo as relações de causalidade descritas, o mercado concorrencial propicia tendência deflacionária nos preços e aumento da eficácia pro-dutiva a médio e longo prazos, beneficiando o consumidor e ampliando o nível geral de bem-estar da sociedade.

O mercado é monopolista quando há um único produtor, situação na qual a quantidade produzida é igual à quantidade demandada, e o preço é determinado pelo produtor. O limite para o aumento dos preços dos produtos é a renda do consumidor e a sua preferência pelo produto ofertado pelo monopolista, relativamente a outros produtos. O monopo-lista, por definição, obtém lucro extraordinário (lucro extraordinário é um conceito, e não sinônimo de lucro abusivo). Os setores monopolistas têm os preços costumeiramente controlados pelos governos.

O mercado é oligopolista quando não se verificam as condições da estrutura concorrencial, sem no entanto configurar-se o monopólio. No oligopólio, o produtor detém parcela significativa de market share, os produtos não são homogêneos (não são substituíveis sem perda de benefício ou satisfação do consumidor), há barreiras à entrada de novos produtores e os consumidores não são suficientemente informados (e soberanos) na decisão de compra. Os produtores têm o relativo poder na determinação dos preços de venda (KALECK, 1983). O produtor pode potencialmente, prejudicar o consumidor de várias formas: obrigando-o a comprar mais caro e a comprometer parte significativa do orçamento; impedindo a entrada de outros produtores dispostos a oferecer produtos melhores e mais baratos; dificultando a inovação tecnológica e o nível de bem-estar geral.

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3 Na teoria econômica, há amplo conhecimento sobre a formação de preço dos produtos em mercados concorrenciais e monopolistas. Mesmo economistas das mais diversas escolas teóricas concordam, os mercados concorrenciais prescindem de interferências, são auto-regu-láveis, na tradição da mão invisível smithiana (Adam Smith, economista do século XVIII) (SMITH, 1983). Quando o assunto é a formação de pre-ços nos setores oligopolizados, a situação é outra: há várias teorias, ora excludentes, ora complementares, cujos pressupostos simplificadores não descrevem com o mesmo rigor, a realidade das empresas oligo-polistas (CARLTON, D.; PERLOFF. J., 2000 — qualquer outro manual de economia industrial pode atestar o mesmo). Referências ao regime de Cournot, ou, de Bertrand, ou de Stackelberg são evidências da di-versidade e parcialidade teórica na explicação da formação dos preços (CARLTON, D., PERLOFF, J., 2000).

A utilização do conhecimento disponível sobre a formação de pre-ços nos setores oligopolizados serve apenas para organizar preliminar-mente pesquisas sobre a realidade objetiva de cada empresa — vale lembrar, toda ciência, inclusive a econômica, não é um conjunto de leis absolutas ou conhecimentos definitivos, é ponto de partida para análise de realidades complexas e dinâmicas (MORIM, 1991).

REGuLAmENTAçãO DOS PREçOS DOS mEDICAmENTOS COmO INTERvENçãO DO

ESTADO

Conduzir a discussão sobre a ação do Estado na economia pelo caminho da legitimidade, ou, se certa ou errada, não ajuda a propor ações aos agentes — a intervenção é fato historicamente consumado, desde a primeira fase do capitalismo. Mais oportuno é entender a ação na perspectiva histórica, com a qual compreendemos a formação do Estado democrático, tornado responsável pelo bem-estar das pesso-as, como lenta conquista da sociedade sobre a tirania e outras formas

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opressoras de governo. As posições políticas ultra-liberais defensoras do Estado mínimo nunca estiveram tão desacreditadas, mas mesmo se a crise econômica de 2008 não tivesse ocorrido, é impensável uma sociedade que retrocedesse na atuação governamental garantidora dos direitos do consumidor, do trabalhador, da cidadania no geral.

Ora, entrar no mérito desses direitos, como reconhece Hayek (1987), prêmio Nobel de economia e um dos maiores teóricos da não intervenção do Estado na economia, é obrigatoriamente interferir na economia de um país, nas decisões dos agentes, sejam eles produtores ou consumidores. Portanto, para além da teoria econômica, é também em nome do contexto historicamente constituído que o governo intervém na economia, na tenta-tiva de assegurar ou ampliar o nível de bem-estar geral.

A constituição do arcabouço legal de um país repousa na moral dominante e nos interesses dos atores envolvidos. Contemporaneamen-te, a constituição do direito econômico baseia-se também na teoria eco-nômica relativamente às consequências de mercados concorrenciais, monopólicos ou oligopólicos. Parte da teoria econômica sugere que os preços dos produtos de segmentos oligopolizados podem provocar per-da de bem-estar, reduzindo a concorrência, regime ideal para regular oferta e demanda de produtos (KUTNER, 1998). Assim, historicamente, cabe ao Estado garantir as leis para coibir os efeitos perversos do oligo-pólio e fomentar a concorrência entre os produtores. A ação estatal de interferir na liberdade de escolha dos agentes econômicos é a regula-mentação. O campo regulatório é vasto e, em nosso trabalho, o estudo limita-se à regulamentação de preços no setor farmacêutico no Brasil.

Os objetivos e instrumentos da teoria da regulamentação econô-mica dividem-se em dois grupos principais: (1) zelar pelo ou incentivar o regime concorrencial, para aumentar a eficácia do sistema; (2) oferta de bens e serviços pelo governo. Ambas teorias esperam alcançar níveis mais elevados de bem-estar social. No Brasil, a regulamentação do se-tor saúde busca incentivar a concorrência e, ao se aproximar do campo das políticas industriais, também ampliar a ação direta do Estado, como na produção de medicamentos pelos laboratórios oficiais.

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3 REGuLAmENTAçãO ECONômICA COmO POLÍTICA DE ACESSO AOS mEDICAmENTOS

A Lei 10.742/03 para a regulação do setor farmacêutico declara como objetivo “promover a assistência farmacêutica à população”. Supor que a regulamentação dos preços, isto é, a imposição de limite e perio-dicidade para os aumentos dos preços — o price cap — propicie maior consumo, é assumir duas premissas que nos interessam discutir: (1) a variação da demanda é sensível à variação do preço, fato que os cálculos de elasticidades21, se possíveis, provavelmente não confirmariam (volta-remos a esse ponto mais adiante); (2) a dificuldade de acesso ao medica-mento é um problema e não um sintoma do modelo de saúde pública.

Quanto a essas premissas, a evolução das vendas do segmen-to farmacêutico acompanha o comportamento da economia brasileira, é dependente da renda média. Considerando-se o ano de 1997 como base, os anos subsequentes são de queda nas unidades comercializa-das; 2003 apresenta o menor número de unidades. Apenas em 2004 as vendas começam a se recuperar, mas, em 2007, ainda estavam abaixo do nível de 1997.

A elasticidade-renda é uma medida da variação na quantida-de consumida de um bem ou serviço quando a renda do consumidor é alterada. O cálculo da elasticidade-renda no Brasil, para o período 2002/2006, mostra o quanto o consumo de medicamentos é dependente da variação da renda: estima que, para cada ponto de aumento do PIB, o gasto com medicamentos aumenta 1,27, enquanto os gastos totais e os demais gastos com saúde variam, respectivamente, 0,94 e 0,88. Conforme apresentamos anteriormente, a relação de dependência entre nível de renda e de consumo é ainda mais significativa quando avalia-mos a participação dos gastos privado no consumo de medicamentos: 79,3% dos gastos totais são privados, porcentual acima da média mun-dial (IBGE/PME, 2008; GRUPEMEFE, 2008). Mesmo nos EUA, onde o sistema é essencialmente privado e a renda per capta muito mais eleva-da (comparativamente ao Brasil), os gastos privados estão abaixo, 70% 21Elasticidade é uma medida de sensibilidade, usada pela teoria econômica em várias circunstâncias. Mede a variação na demanda e oferta de bens em função das alterações de seus preços (EATON; EATON,1999).

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(OECD HEALTH DATA/2008; DATASUS/SIOPS, 2008). A tabela abaixo apresenta a evolução do número das unidades comercializadas.

Tabela � - Brasil: unidades comercializadas entre ���� e �00�

AnoUnidades

comercializadas (ano base 1997)

1997 11,461998 11,04

1999 10,642000 10,64

2001 9,502002 9,21

2003 8,412004 9,27

2005 8,782006 8,91

2007 9,49Fonte: IMS HEALTH, 2008. GRUPEMEF, 2008.

O controle de preços dos medicamentos existe desde a década de 40 (ROMANO, 2005); o price cap, desde 2003. A evolução do consu-mo de unidades no entanto, guarda relação com a evolução da renda. A regulamentação, e também as teses sobre política industrial, tratam de defesa e incentivo da concorrência, e do desenvolvimento econômico. A regulamentação “à brasileira” trata de aumento do acesso da popula-ção ao medicamento, pretendendo-se política de distribuição de renda, fugindo do escopo teórico tanto da regulamentação, quanto da política industrial.

A primeira abordagem para a regulamentação dos preços con-sidera a estrutura do mercado, identificando o grau de concentração; mercados concentrados são os primeiros candidatos à intervenção go-vernamental. Portanto, a primeira tarefa para a regulamentação é iden-

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3 tificar e medir a concentração, para compreender se e como os agentes econômicos apresentam comportamento dominante em determinado mercado. O percentual de participação de cada empresa nas vendas totais do setor é a primeira medida do grau de concentração, indicativo por sua vez, do poder potencial de controlar o preço de venda do produ-to. Há dois índices costumeiramente utilizados para medir a concentra-ção: o de Herfindahl-Hirschman (HHI) e o de Lerner.

O HHI (Herfindahl–Hirschman Index) é calculado pela somatória dos quadrados das participações individuais (market share) das empre-sas que competem no mercado.

Assim,

HHI = Σ Pi²

Sendo:

Σ = somatória

Pi = participação de cada empresa no mercado (market share)

O índice considera o número de empresas em uma indústria e as diferenças de porte. Se uma empresa controlar todo o mercado (mo-nopólio), com 100% de participação, o índice será igual a 10.000. Se o mercado tiver 100 empresas de igual porte, o índice será igual a 100. Se existirem quatro empresas de igual porte dividindo o mercado (possível oligopólio), o índice será 2.500. Quanto mais concorrencial o segmento, menor será o HHI; mercados nos quais o HHI encontra-se entre 1.000 e 1.800 pontos são considerados moderadamente concentrados e, acima de 1.800, pontos considera-se o mercado concentrado. Note-se, elevar cada parcela de mercado ao quadrado implica atribuir peso maior às empresas relativamente maiores.

O uso do HHI é particularmente adequado para avaliar oligopólios homogêneos em competição de Cournot, isto é, quando as empresas

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maximizam lucro sem antecipar reações às mudanças nas quantidades escolhidas pelos competidores. Fora dessa circunstância, o índice obti-do pode não indicar a relação positiva entre poder de mercado e lucrati-vidade. Por esse motivo, o índice serve melhor para análises compara-tivas no tempo, para acompanhar o resultado de processos de fusões, sendo utilizado pelas agências antitrustes, e não necessariamente para a instituição de controles de preços (RESENDE, 1994).

O índice de Lerner (L) é a diferença entre o preço P e o custo marginal Cmg como função do preço.

Assim,

L = (P - Cmg)/P

Sendo:

P = preço

Cmg = custo marginal22

De acordo com a teoria econômica, sempre que houver concor-rência perfeita, o preço é igual ao custo marginal, e L será zero. Ao con-trário, quanto maior o poder de mercado de uma empresa, mais o preço supera o custo marginal, e L se aproxima de 1, indicando maior grau de concentração. Naturalmente, a utilização do índice de Lerner pressupõe o conhecimento do custo marginal de cada empresa e da indústria em tela (RESENDE, 1994).

Em síntese, ambos os índices não são indicativos seguros da obtenção de lucro extraordinário; são usados com maior confiabilidade para a comparação entre setores — por exemplo, para identificar se a indústria automobilística é menos concentrada que a siderúrgica — e para avaliar a evolução da concentração ou fragmentação de um setor ao longo de uma série de anos.22 Custo marginal é o acréscimo dos custos totais de produção quando se aumenta a quantidade produzida em uma unidade, ou seja, quanto custa cada aumento unitário de produção.

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3 A mensuração da concentração é um indicador do poder de mer-cado, isto é, da capacidade potencial de uma empresa causar danos ou obstáculos à concorrência. A Lei 10.742/03 declara por objetivo “promo-ver a assistência farmacêutica à população”, supondo a ocorrência de uma taxa particular de elasticidade-preço dos medicamentos. No en-tanto, o cálculo da variação entre preço e quantidade consumida tem significado econômico se o mercado é livre, no sentido da existência de compradores e produtores escolhendo autonomamente as quantidades ofertadas e as quantidades demandas. O segmento dos produtos far-macêuticos para uso humano no entanto, não apresenta tais caracterís-ticas: o preço dos medicamentos é controlado há décadas, as quantida-des ofertadas desvinculam-se do preço médio e os consumidores não têm, muitas vezes, autonomia para a decisão da compra. Realizar o cál-culo da elasticidade-preço de medicamentos é possível, mas esse dado não expressa suficientemente a elasticidade do produto, não carrega a informação da sensibilidade entre a variação de preços e quantidades.

A fóRmuLA DO PRICE CAP E A INDÚSTRIA fARmACêuTICA

Uma das premissas para a intervenção governamental é a exis-tência de mercados concentrados, no qual, as empresas exerçam con-trole lesivo ao consumidor. O poder de mercado, por sua vez, supõe a identificação do mercado relevante. Mercado relevante é o locus em que o poder de mercado possa ser exercido, considerando-se a exis-tência ou não de bens substitutos e uma determinada área geográfica (CARLTON; PERLOFF, 1994). No Brasil não há dados disponíveis para a comprovação dos atos abusivos e dos prejuízos para os consumi-dores. Também não há definição satisfatória de mercado relevante no setor farmacêutico, entre outros problemas relativos à comprovação das características da oferta e demanda.

Os instrumentos de intervenção são mais eficazes quando atuam preventivamente, na proibição de fusões capazes de levar à concentra-ção do mercado relevante. O controle de preços por sua vez, não inter-fere no padrão de concorrência, atinge sim, a transferência de renda

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do consumidor para o produtor, alterando a distribuição de gastos no orçamento do primeiro, e a taxa de lucro do segundo. Atinge também as despesas dos três níveis de governo com a compra de medicamentos.

A indústria farmacêutica no Brasil apresenta, à primeira vista, to-dos os elementos definidores de estruturas concentradas nas quais os produtores podem exercer poder de mercado e obter lucro extraordi-nário, às expensas dos consumidores e do nível de bem-estar geral: market share elevado das classes terapêuticas, existência de barreiras à entrada, assimetria de informações entre produtor e consumidor, es-sencialidade do produto e demanda inelástica ao preço (a ideia de que aumentos de preços não provocarão significativas reduções no volume consumido). A existência de bens substitutos é de difícil identificação, seja pela natureza do produto, pela fidelidade do médico às marcas, ou pelos questionamentos éticos em torno da substituição. A essencialida-de do produto sugere demanda inelástica ao preço, particularmente no segmento dos remédios consumidos a partir de prescrição médica. A intermediação do médico torna mais aguda a assimetria de informações entre o produtor e o consumidor. Elementos econômicos e o aparato legal-institucional produzem um mercado com barreiras à entrada (porte do capital, acesso à tecnologia e investimento em pesquisa, fidelidade do médico às marcas, proteção patentária e custos elevados para a ob-tenção da permissão para comercialização).

Convém, no entanto, refletir sobre a análise acima com mais cuida-do. Só é possível identificar o grau de concentração se antes for definido o mercado relevante. De acordo com Romano e Bernardo (2001), “(…) a avaliação do poder de mercado dos laboratórios transcende uma sim-ples análise dos market–shares”. Ainda de acordo com os autores, “(…) diversos cortes analíticos podem ser considerados para fins de análise da estrutura da indústria”, da divisão entre produtos comercializados com ou sem prescrição, às diferentes classes terapêuticas, dos produtos de uso contínuo aos que não o são, dos genéricos aos de marca, etc. Na prática, a definição de mercado relevante é muito complexa, ainda faltam estudos para defini-lo, e mesmo o governo não apresentou uma definição sufi-ciente, apenas um estudo sobre o tema, a despeito da Resolução CMED relativa à Lei 10.742/03 tratar explicitamente de mercado relevante.

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3 Apesar dos limites apresentados pelo indicador, o cálculo do HHI (índice de concentração setorial) para a indústria farmacêutica mostra a tendência à desconcentração, conforme apresentado na tabela abaixo.

Tabela � - Evolução do hhI no setor farmacêutico, classe terapêutica nível �

ANO HHI < 1.800 HHI > 1.8002001 31,4 68,62002 37,7 62,32003 43,2 56,82004 45,7 54,32005 49,1 50,92006 49,1 50,92007 52,2 47,8

Fonte: Cálculo dos autores, dados primários do IMS HEALTH.

Entre 2001 e 2007, as classes terapêuticas cuja produção é con-siderada menos concentrada aumentou de 31,4% para 52,2% (HHI < 1.800); simetricamente, a produção das classes terapêuticas conside-radas concentradas caiu de 68,5% para 47,8% (HHI > 1.800). Em 2008 e 2009 ocorreram muitas fusões no setor, e a tendência do HHI desse período pode ter sido alterada.

Dadas as particularidades do segmento farmacêutico, recomen-da-se não supor a existência de padrão único de demanda por medi-camentos; essa variável deveria ser analisada mais detalhadamente, pois não podemos esperar o mesmo comportamento da demanda para os medicamentos vendidos com ou sem prescrição, de marca ou gené-ricos, de uso contínuo ou não, recém-lançados ou com fórmulas mais antigas, etc. Também não há estudos suficientemente abrangentes para descrever as preferências do consumidor, pois, entre outro fatores, os preços dos medicamentos, exceto por um breve período na década de 90, sempre foram controlados, dificultando o conhecimento da elastici-dade-preço real.

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Embora não paire dúvidas sobre a importância da atuação gover-namental em um setor como o de medicamentos, a utilização dos ins-trumentos clássicos de regulamentação no setor farmacêutico brasileiro apresenta dificuldades importantes. A despeito de todos os problemas teóricos e práticos quanto à regulamentação do mercado farmacêutico, o governo, por meio da Lei 10.742/03 (seguida de decreto e resolução), instituiu uma fórmula a partir da qual é definido o reajuste anual dos pre-ços dos medicamentos. Em tese, esse percentual é precisamente aque-le que propiciaria o acesso da população aos remédios e incentivaria a competição entre as empresas.

A estrutura do segmento farmacêutico brasileiro é diversificada, dada a presença de empresas nacionais e multinacionais, de médio e de grande portes, voltadas para a produção de genéricos ou de marca, entre outras características. Salvo exceções (entre as quais as experi-ências recentes dos laboratórios oficiais), a produção brasileira consiste no processo físico de tratamento dos princípios ativos e na comerciali-zação, sem as fases anteriores de pesquisa, desenvolvimento e produ-ção dos princípios ativos. A definição de custos e rentabilidade médios da indústria é muito difícil.

A importância das empresas multinacionais indica que os centros de decisão de investimento não estão diretamente articulados com o desempenho da economia brasileira. É da natureza da economia global definir pólos mundiais de pesquisa, de fabricação, etc. Assim, conside-ra-se digno de discussão o fato do governo supor que correção mone-tária e variação dos custos de produção, descontados a produtividade e o grau de concentração do mercado relevante (indefinido), seja um percentual capaz de estimular a competitividade do setor.

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CONSIDERAçõES fINAIS

A intervenção estatal no setor saúde e, em particular, no segmento farmacêutico está fortemente associada à defesa dos direitos constitutivos da cidadania e a melhores indicadores de saúde, em todos os países in-dustrializados. O debate sobre intervenção ou Estado mínimo não inter-vencionista já está superada há décadas, superação reforçada pela crise econômica mundial de 2008, após a qual todos os governos elevaram os gastos para recuperar as empresas, o nível de emprego e a renda nacional combalidos. A discussão necessária trata das formas da regulamentação econômica e idealmente, deveria discutir a eficácia das ações regulatórias.

A instituição da regulamentação dos preços dos medicamentos no Brasil é marcada por muitos problemas. Identificamos um problema na ori-gem do modelo: o uso de regulamentação de preços para ampliar o aces-so aos medicamentos e a competição entre as empresas. A Lei 10.742/03 mistura objetivos de políticas de renda (ampliar o acesso da população aos medicamentos) e de regulação de mercado (preservar a competitivi-dade do setor), e na prática, utiliza apenas os instrumentos de regulação.

Há dificuldades conceituais relevantes para a utilização da regu-lamentação dos preços dos medicamentos nos moldes do price cap: a escolha da teoria do valor — trabalho para o cálculo da produtividade, a determinação do mercado relevante e o uso de índices de concentra-ção de mercado como HHI e Lerner. Há também problemas importantes no cálculo das variáveis da fórmula do price cap determinados pelos limites dos dados disponíveis sobre quantidade de horas trabalhadas, elasticidade-preço, custos marginais do setor, padrão de consumo de medicamentos por grupos (uso contínuo, isentos de prescrição, recém-lançados, genéricos, de referência, etc.). As dificuldades conceituais se propagam circularmente pelo modelo: ainda que as dificuldades de cálculo fossem superadas, persistiriam as fragilidades analíticas; ainda que as fragilidades analíticas fossem resolvidas, restariam as inconsis-tências provocadas pela baixa qualidade dos dados.

Em nosso entendimento, instrumentos de controle de preço não

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promovem aumento do acesso, dados os limites dos conceitos e ins-trumentos da regulamentação econômica, a concentração da renda e a estrutura da indústria farmacêutica instalada no Brasil. A fórmula da regulamentação dos preços revela as inconsistências entre instrumento e objetivos.

Na prática, a fórmula prevista na Lei e Resolução não é utilizada. Os percentuais de reajuste de preços aplicados são em grande medida, arbitrados pelo governo: trata-se de correção monetária, considerada integral ou parcialmente, dependendo do quanto o governo está dispos-to a lidar com a insatisfação da indústria.

Não há dados disponíveis para assegurar as consequências do uso do price cap para o acesso aos medicamentos. O cálculo da elasticidade-renda sugere que o consumo depende da renda disponível para o con-sumo. A evolução do HHI no período 2001/2007 indica desconcentração do setor, por classe terapêutica, o que não permite inferir o aumento de competitividade entre as empresas. A instituição do medicamento genéri-co e as fusões de empresas (determinadas mundialmente ou por agentes financiadores como o BNDES) provavelmente explicam mais o comporta-mento do HHI, cuja tendência deve ter sido alterada em 2008/2009.

Cabe reflexão breve sobre os impactos do price cap nos gastos dos governos com medicamentos, na taxa de lançamento de novos pro-dutos, no preço médio dos medicamentos, no lucro das laboratórios far-macêuticos, nos preços dos medicamentos não controlados e na imagem do governo federal (responsável pelo controle) junto à opinião pública.

Os gastos públicos com saúde no período 2002-2006, em termos reais, acompanharam a evolução do PIB, enquanto que os gastos pú-blicos com medicamentos cresceram a uma velocidade muito superior à do produto nacional: a taxa média anual de crescimento dos gastos totais com saúde foi de 3,5% e com os medicamentos, de 14,7% (DA-TASUS/SIOPS, 2009). Quanto teria sido o gasto público na ausência do controle dos preços? Não há resposta para tal pergunta, mas o período sem quaisquer controles, na década de 90, caracterizou-se por signifi-cativos aumentos dos preços médios. A indústria justificou-se alegando necessidade de “recompor margens de lucro” rapidamente, preparan-do-se para a volta do controle, que de fato retornou; o governo alega

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3 que retirar o controle reproduziria o efeito expansivo nos preços. Posto nesses termos, é difícil apostar na extinção do controle de preços, ainda que se abandone o price cap por outro modelo.

A taxa de lançamento dos novos produtos é uma das principais alegações da indústria para justificar o fim ou redução da regulamen-tação dos preços: sem preços considerados adequados, não haveria estímulos para comercializar ou produzir novos produtos, para prejuízo dos consumidores. Examinar o volume dos novos lançamentos desde 2003 foge ao propósito do nosso artigo. Mas vale considerar, o quanto o preço é determinante nas decisões estratégicas das empresas, parti-cularmente das multinacionais cujas estratégias de negócios pautam-se pela inovação, e quanto o governo brasileiro está também ocupado com um outro tema, o controle da incorporação de inovação tecnológica nos serviços e produtos de atenção à saúde. Exemplos mundiais demons-tram, a inovação é um dos determinantes relevantes no aumento dos gastos com saúde; o price cap, mesmo não resultando em maior acesso e competitividade entre as empresas, se dificultar a entrada de novos produtos, poderia auxiliar no controle da incorporação de tecnologia.

Os impactos do price cap no preço médio dos medicamentos podem ter sido relevantes: a média dos preços dos medicamentos está abaixo da inflação, medida pelo IPCA, de 2000 a 2007 (IBGE, 2009). A relação entre as médias (medicamentos e IPCA) deve ser vista com cuidado, outros fa-tores, como os genéricos, impostos, etc. também alteram potencialmente os preços dos medicamentos. De todo modo, os dados sugerem, o consu-midor que já tem acesso aos medicamentos teve menores desembolsos com os medicamentos controlados, e apenas com esses.

O controle preço dos medicamentos, particularmente nos seg-mentos concentrados e protegidos por patentes, atinge negativamente o lucro das indústrias; quanto atinge, não é informação disponível. Parte dos medicamentos não está sobre controle, seria oportuno pesquisar o comportamento dos preços desse grupo, por classe terapêutica e por empresa, para avaliar se há transferência de aumento de preços dos produtos controlados para os sem controle. Comprovado o fenômeno, os consumidores (públicos e privados) dos segmentos sem controle fi-nanciariam, indiretamente, os consumidores dos produtos controlados.

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Como último elemento de reflexão, fora das análises quantitati-vas, o comportamento do preço dos medicamentos é um tema muito im-portante para a sociedade, em particular para as parcelas organizadas que não se beneficiam dos programas de distribuição gratuita do gover-no. É compreensível o empenho deste em não deixar tais produtos fora de controle, ainda que a forma adotada tenha muitos problemas.

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REfERêNCIAS BIBLIOGRáfICAS

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A indústria farmacêutica: investimento em pesquisas e

incentivos governamentais

Aldemir Evangelista da Cruz - Economista, mestrando em administração pela PUC/SP.

Maria Cristina Sanches Amorim - Economista, professora titu-lar e coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Regulação Econômica

e Estratégia Empresarial da PUC/SP.

INTRODuçãO

A indústria farmacêutica pesquisa, desenvolve, comercializa e distribui drogas farmacêuticas, substâncias ou associação de substân-cias com propriedades curativas ou preventivas de doenças ou dos seus sintomas (CEIF, 2009).

O objetivo do nosso trabalho é chamar a atenção do leitor para as relações entre investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D) e incentivos governamentais no setor farmacêutico. De acordo com nos-sos dados, o investimento em P&D foi significativamente ampliado, nos EUA, quando do aporte indireto de investimento governamental; quando

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3 esse modelo se esgotou, houve redução no número de pesquisas e no lançamento de novos produtos.

As primeiras indústrias farmacêuticas surgiram no final de século XIX e inicio do século XX. No século XXI, as atividades do setor envol-vem desde a pesquisa e desenvolvimento de novas moléculas, até a comercialização e acompanhamento dos efeitos do consumo dos pro-dutos.

No século XIX, as primeiras drogas foram produzidas artesanal-mente a partir de plantas e substâncias de origem animal. No inicio do século XX, nos anos 30, surgiram instituições científicas que pesquisa-vam e produziam medicamentos, vacinas e soros, dando início à sínte-se química e à fermentação como processo de maior elaboração e mais tecnologia.

A indústria farmacêutica global é fenômeno dos 40 e 50, associa-do à expansão do mercado e hegemonia político-econômica dos EUA no pós-guerra. Como se verá adiante, o Estado continuará um agente fundamental para o desenvolvimento dos laboratórios farmacêuticos nos EUA. No final dos anos 50 e início dos 60, destacam-se os lançamentos dos psicotrópicos e novos antibióticos. As estratégias organizacionais são mais agressivas, buscam aumento de participação nos mercados mundiais, com forte atuação do marketing.

Foi também nos anos 60 que estourou o horror do sedativo e anti-inflamatório talidomida, aprovada em 1962 pelo FDA - Food, Drug and Cosmetic Administration, órgão do governo norte-americano para controlar alimentos e medicamentos. Como uma das consequências no campo regulatório, o Congresso dos EUA aprovou a emenda Kefauver-Harris, exigindo maior rigor na comprovação de eficácia e segurança dos medicamentos, estudos clínicos mais exigentes e extinguindo a re-gra, para o FDA, de apresentar seu parecer sobre novas drogas em 60 dias. Indiscutivelmente imprescindível, o aumento do rigor na permissão para novos produtos provocou aumento nos custos com pesquisa, de-senvolvimento e estudos clínicos de comprovação de eficácia e segu-rança (ANGELL, 2007).

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Desde a década de 50, a indústria farmacêutica espalha-se por todo o mundo. As maiores empresas são multinacionais americanas e européias, com investimento em pesquisa e desenvolvimento de novos medicamentos.

As principais organizações da indústria farmacêutica no mundo são membros da IFPMA – International Federation of Pharmaceutical Manufacturers & Associations. São eles: Abbott Laboratórios; Almirall; Astellas Pharma Inc.; Astra Zeneca; Bayer HeathCare AG.; Boehringer Ingelheim GmbH; Bristol-Myers Squibb; Chugai Pharmaceutical Co. Ltd.; Dalichi Sankyo Cl. Ltd.; Eisai Co. Ltd.; Eli Lilly & Co.; Esteve, F. Hoffman; La Roche AG.; GlaxoSmithKline.; Menarini S.A.; Merck & Co./Schering-Plough Corp.; Servier, Inc.; Merck KgaA.; Novartis Pharma AG.; Pfizer Inc./Wyeth.; Piramal Healthcare Ltd.; Sanofi-Aventis; Sigma-tau Indus-trie Farmaceutiche riunite SpA; Takeda Pharmaceutical Company Ltd. (IFPMA,2009).

O mercado conta ainda com empresas multinacionais, notada-mente indianas, coreanas, e chinesas, voltadas para a produção de me-dicamentos genéricos e similares (cópias daqueles medicamentos não protegidos pela lei de patentes). As principais empresas fazem parte da EGA – European Generic Medicines Association. Os associados são: Actavis, Adamed, Alkaloid, Alfred E. Tiefenbacher, Apotex Europe, Arrow Generics, Belupo, Barr Pharmaceuticals, BioGenerix, Combino Pharm, Consilient Health, Eczacibasi, Gedeon Richter, GeneMedix, Glenmark, Goldshield Group, Helm, Hemofarm Group, Hospira, Jadran, Galenski Laboratorij, Laboratórios Cinfa, Medochemie, Mylan, Niche Generics, Nobem Pharmaceuticals, Ranbaxy Europe, Ratiopharm, Sandoz, Stada, Sun Pharmaceuticals, Tchaikapharma, TEVA Europe e Zentiva (EGA, 2009).

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COmPONENTES fuNDAmENTAIS DA INDÚSTRIA fARmACêuTICA: INCENTIvOS

GOvERNAmENTAIS, PESQuISA E PATENTES

Os investimentos em pesquisa são feitos primariamente nos paí-ses de origem das empresas, constituídos por diversas fases: descober-ta e desenvolvimento da molécula, pré-clínica de testes em laboratórios e animais, testes em pacientes voluntários sadios e enfermos e testes em um número maior de pacientes voluntários. Após a última fase, os investimentos chegam a outros países.

De acordo o Tufts Center for the Study of Drug Development (CSDD, 2003) o valor médio por entidade representativa da indústria farmacêutica para desenvolver um novo medicamento é de US$ 897 milhões, compre-endida as fases de descoberta, análise e aprovação para comercializa-ção do medicamento, despendidos ao longo de 12 a 15 anos.

Os valores de investimentos apresentados pelos laboratórios farmacêuticos na pesquisa e desenvolvimentos devem ser vistos com cuidado. Angell (2007), por exemplo, afirma que pesquisa e desenvolvi-mento são partes relativamente pequenas dos orçamentos das grandes empresas do setor, um valor ínfimo comparativamente às despesas com marketing. De estilo agressivo, o marketing consome elevados recursos para o contato direto com o consumidor, patrocínio de grupo de defesa de pacientes e ações para influenciar os médicos — propaganda médi-ca, pagamentos de congressos de interesse do próprio laboratório, etc. (ANGEL, 2007).

O aumento do prazo para aprovação de novas drogas (nos EUA e Europa) reduziu o número de novas patentes, de lançamento e as ven-das cresceram pouco entre 1960 e 1980 – claramente, a indústria esta-va se adaptando à nova regulamentação. A partir de 1980, as patentes, os lançamentos e as vendas tiveram crescimento exponencial até 2000. Os investimentos em pesquisa e desenvolvimento saltaram de 2 bilhões de dólares em 1980, para 4 bilhões de dólares em 1985 e 8,4 bilhões de dólares em 1990 (UNIEMP, 2004).

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Uma das causas do crescimento foi o auxílio do governo dos EUA. O presidente Reagan aprovou no Congresso norte-americano leis para ace-lerar a tradução de pesquisas básica financiada por impostos, em produtos novos e úteis; o processo não é inédito, costuma ser nomeado de “transfe-rência de tecnologia”. Escoradas pelas pesquisas financiadas pelos recur-sos públicos, as empresas norte-americanas melhoraram suas posições no mercado mundial, relativamente à alta tecnologia (ANGEL, 2007).

Entre as leis aprovadas no Congresso norte-americano, desta-camos a Lei Bayh-Dole (1980), permitindo aos pesquisadores das uni-versidades norte-americanas patentear medicamentos descobertos mediante pesquisa financiada pelos National Institutes of Health. A lei também concedeu licença compulsória aos laboratórios farmacêuticos para usar as pesquisas produzidas nas universidades. Pesquisas an-teriormente de domínio público, que poderiam levar várias empresas a produzir medicamentos novos, foram comercializadas apenas por multi-nacionais norte-americanas (ANGEL, 2007).

A figura abaixo apresenta a evolução das patentes nos EUA, uma das consequências da Lei Bayh-Dole. As patentes produzidas pelas uni-versidades saltam de 295 em 1984, para 1.557 em 1992.

figura � - Evolução da transferência de tecnologia ����/�� – ����

Fonte: Uniemp, 2004.

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3 Na figura a seguir, pode ser visualizada a evolução das conces-sões de licenças após a lei Bayh-Dole: de 106 licenças em 1984, o nú-mero cresceu para 1.510 em 1990.

figura � - Concessão de licenças a partir das universidades

Fonte: Uniemp, 2004.

As figuras mostram o aumento de concessão de licenças das universidades para os laboratórios farmacêuticos. Antes da Lei Bayh-Dole, a pesquisa era desenvolvida nas universidades e após publica-ção dos resultados, não havia exclusividade para laboratórios parti-culares. Com a lei, em 1980, a pesquisa passou a ser acompanhada pelas multinacionais norte-americanas, causa importante para com-preendermos o gigantismo dessas empresas no mercado mundial. Houve uma inversão no lançamento de novos medicamentos, a in-dústria tornou-se detentora das novas moléculas, desenvolvidas nos centros universitários, finalizando a etapa de pesquisa e lançando os produtos no mercado.

A figura a seguir mostra a evolução positiva dos registros dos novos medicamentos, como mais uma das consequências da Lei Bayh-Dole.

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figura 3 - Evolução do registro de novos medicamentos nos EuA

Fonte: Uniemp, 2004.

A Lei Bayh-Dole também propiciou às pequenas empresas de biotecnologia (na maioria, fundadas por pesquisadores universitários) explorar comercialmente suas descobertas. Rapidamente, as pesquisas biotecnológicas foram adquiridas por grandes empresas farmacêuticas, originando o modelo atual de indústrias farmacêuticas de biotecnologia (ANGEL, 2007).

Esses fatos repercutem ainda hoje no movimento da aquisição, incorporação e fusão dos grandes laboratórios farmacêuticos, tais como as negociações entre os Laboratórios Abbott e Knoll, Shering Ploug e Merck Sharp, Wyeth e Pfizer, baseados na aquisição de empresas com pipeline23 de medicamentos biotecnológicos.

A partir do ano 2000, o mercado farmacêutico começou a decli-nar, provável reflexo da diminuição do número de aprovações e lança-mentos de novas drogas, e das aprovações e lançamentos de novas entidades moleculares, com aumento de aprovações e lançamentos de novas formulações.23 Pipeline: o número das novas entidades, com perspectiva de sucesso e possibilidade de lançamento no mercado que as empresas têm em seu portfólio de pesquisa.

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3 A figura abaixo mostra a opção da indústria em recombinar ele-mentos, ao invés de criar novos.

figura � - Entidades moleculares aprovadas pelo fDA, ���� - �00�

Ano

Terapêutica potencial - revisão prioritária

Terapêutica potencial - revisão normal

Total de aprova-

dos

Nova entida-

de

mole-cular

Novo sal ou ou-

tros deri-vados

Nova formu-lação

Total

Nova enti-

dade mole-cular

Novo sal ou ou-

tros deri-vados

Nova formu-lação

Total

1999 19 1 7 27 16 2 32 50 77

2000 9 1 9 19 18 0 48 66 85

2001 7 1 1 9 17 1 23 41 50

2002 7 0 3 10 10 2 44 56 66

2003 9 0 4 13 12 5 31 48 61

2004 17 0 4 21 14 1 59 74 95

Fonte: FDA, 2009.

A classe de novos medicamentos buscada pelos investimentos em P&D gera desconforto entre entidades de classe e profissionais da saúde (DNDI, 2009). A indústria farmacêutica tem investindo em alta tecnologia para mercados específicos, com altíssimos custos, produzin-do bens inacessíveis à maioria dos cidadãos.

A figura abaixo mostra a evolução dos novos medicamentos, con-centrados nas classes dos produtos oncológicos e neurológicos.

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figura � - Novos medicamentos em desenvolvimento

Fonte: PHRMA, 2008.

As doenças com o maior número de pesquisas também corres-pondem às classes terapêuticas mais rentáveis. De acordo com a figura acima, todos os tipos de câncer reunidos contam com 682 novas enti-dades moleculares em pesquisa no ano de 2008. Em recente relatório da PhRMA (Pharmaceutical Research and Manufacturers of America), o número de entidades moleculares em pesquisa chegam a 861 em 2009. O câncer é a classe terapêutica mais rentável, tendo faturado em 2007, 41,4 bilhões de dólares, representando 6,2% do faturamento da indústria farmacêutica. A classe de problemas cardiovasculares conta com 303 novas entidades moleculares em pesquisa, sendo a segunda em faturamento, 33,7 bilhões de dólares em 2007, com participação de 5,1% do mercado farmacêutico global (PHRMA, 2009).

A figura adiante sumariza essas informações.

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3 figura � - Dez principais classes terapêuticas mais pesquisadas em �00�

Classes terapêuticas auditadas no mundo em 2007

Vendas em 2007 (US$

bilhões)

Participação de mercado (%)

Mundo 663,5 100%

1 Oncológicos 35,2 5,8%

2 Reguladores de lipídios 34,6 5,7%

3 Agentes respiratórios 24,6 4,0%

4 Inibidores de bomba de prótons 24,1 4,0%

5 Antidiabéticos 21,2 3,5%

6 Antipsicóticos 20,6 3,4%

7 Antidepressivos 18,2 3,0%

8 Antagonistas de angiotensina 16,5 2,7%

9 Anti-epiléticos 13,9 2,3%

10 Agentes auto-imunes 13,1 2,1%

TOTAL Dez classes terapêuticas líderes 241,6 32,9%

Fonte: IMS Health, 2008.

Os produtos não necessariamente medicamentos também repre-sentam área importante para o investimento das grandes corporações farmacêuticas. Constituindo parcela considerável do mercado farma-cêutico mundial, são produtos voltados para condições diferentes das puramente médicas (como celulite, calvície, rugas, dietas, estresse e problemas de adaptação a fuso horário), mas que correspondem a um segmento de mercado altamente lucrativo nos países ricos.

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O SETOR fARmACêuTICO NO SéCuLO XXI

Em todo o mundo, a indústria farmacêutica apresentou redução de faturamento a partir de 2002. Em 2003, perdeu a primeira posição em ren-tabilidade, caindo para a terceira posição (FORTUNE 500, 2005). Nesse período, o mercado farmacêutico foi afetado pelo vencimento de patentes de medicamentos importantes, pela pressão da entrada de medicamentos genéricos e similares em mercados como o brasileiro, pela ação exercida por governos cujos gastos com saúde pública aumentaram vertiginosa-mente e pela resistência de seguradoras de saúde em pagar o elevado preço dos medicamentos patenteados.

A figura abaixo mostra a evolução absoluta e relativa do mercado farmacêutico mundial, entre 2000 e 2007.

figura � - vendas farmacêuticas globais2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

Total do mercado

mundial

(US$ bilhões)

365 392 428 499 560 605 649 712

Crescimento do

mercado11,5% 11,8% 9,5% 10,3% 8,0% 7,3% 7,1% 6,4%

Fonte: IMS, 2008.

Em 2007, o faturamento da indústria farmacêutica global foi de US$ 712 bilhões, com aumento de 6,4% em comparação com 2006 e com crescimento médio de 8,98% no período 2000/07, incluindo merca-dos auditados e não auditados pelo IMS Health24.

A base de dados auditada pela IMS mostra que 45,9% desse fatu-ramento de 2007 veio da América do Norte, 31,1% da Europa, 9,4% da Ásia, Austrália e África, 8,8 do Japão e 4,8% da América Latina (o restan-te de mercados não é auditado, tais como Rússia e Ucrânia).24 IMS Health: consultoria internacional que fornece dados sobre vendas e mercado da indústria farmacêutico e presta serviço de consultoria (IMS Health, 2009).

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3 Os Estados Unidos continuam sendo o maior, com faturamento de US$ 286,5 milhões, representando 40% de todo mercado farmacêu-tico, contribuindo com 25,5% do crescimento do mercado global, ainda que o mais baixo nível de contribuição no crescimento da história (IMS HEALTH, 2007).

Em 2008, das 47 indústrias relacionadas na revista Fortune 500, a indústria farmacêutica era a quarta mais lucrativa, superada pela mi-neração, produção de petróleo bruto e bancos comerciais. Com lucrati-vidade média de 16%, posiciona-se acima da indústria de tabaco (11%) (FORTUNE 500, 2008).

A excelente lucratividade da indústria farmacêutica está associada a investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D). De acordo com a PhRMA, as indústrias nos EUA investem em média 4% do faturamento em P&D; as de telecomunicações investem 5%, a indústria automotiva por volta de 4%, a eletrônica 6% (altamente dependente de tecnologia) e a indústria farmacêutica cerca de 21% em desenvolvimento de novos produtos para se manter na ponta (ALIGIERI, 2007). Lembramos que os dados sobre investimentos em P&D devem ser vistos com cuidado.

Até o final dos anos 90, os grandes laboratórios farmacêuticos in-vestiam na pesquisa e desenvolvimento de medicamentos fitoterápicos. Nos últimos anos, empresas predominantemente indianas, coreanas e chinesas produzem esses mesmos medicamentos (descobertos por grandes empresas européias e americanas) como genéricos e simila-res, com custos e preço inferiores, após o vencimento da patente ou em países sem legislação para patentes farmacêuticas (PHRMA, 2009).

As empresas de grande porte, por sua vez, partem para a pro-dução de medicamentos de biotecnologia, extremamente sofisticados, sintetizados pela manipulação genética de células e destinados ao tra-tamento de doenças complexas. Atualmente, 50% dos medicamentos em pesquisa são biotecnológicos (PHRMA, 2009).

A figura a seguir mostra o crescimento das pesquisas totais, re-presentado pelas empresas filiadas à PhRMA, comparativamente aos investimentos exclusivos em biotecnologia.

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figura � - Investimento em pesquisa e desenvolvimento, total e em biotecnologia - ���0/�00�

Fonte: PHRMA, 2007.

Aumentaram as dificuldades para lançar novos medicamentos por meio de processos tradicionais, os lucros recuaram e as ações de algumas empresas de maior porte chegaram a cair vertiginosamente. Porém, um conjunto de fatores impulsionou o crescimento do mercado farmacêutico mundial, listados abaixo.

1 - Aumento da incidência de doenças crônicas devido ao enve-lhecimento ou relacionadas à vida moderna (diabetes, câncer e doenças cardiovasculares).

2 - Existência de diversas doenças ainda sem tratamento.

3 - Disseminação rápida de novas doenças, tais como HIV, hepa-tite, SARS, etc.

4 - Tendência de substituição de tratamentos invasivos (cirurgia) por tratamentos preventivos contínuos (remédios).

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3 5 - Demanda por drogas lifestyle, com foco na qualidade de vida, impotência, etc.

6 - Rápida evolução da biotecnologia.

7 - Distribuição e comunicação de novos produtos em nível global e incentivo governamental para atingir consumidores de baixa renda.

Mesmo impulsionadas pelos recursos públicos, as pesquisas precisam ser protegidas, ou não trarão os lucros desejados pelos in-vestidores. Daí a função das patentes. O conjunto de pesquisas em andamento e o grau de profundidade em que se encontram compõem o denominado pipeline da empresa, um dos elementos determinantes da composição acionária quando das fusões entre empresas farmacêu-ticas ou aquisição de empresas menores com elevada capacidade de gerar pesquisa.

A pesquisa patenteada, a capacidade e expertise em produção dos princípios ativos e o desempenho no mercado determinam, em grande medida, o valor das empresas. Assim, a maioria esmagadora dos fabricantes de medicamentos, capazes de gerar pesquisa de novas moléculas, é também grande produtora de fármacos e mantém sua con-dição de independência de suprimentos por meio não só de produção cativa, mas também com contratos com terceiros, assegurando em pri-meiro plano o segredo envolvido na fabricação em série das moléculas e as características dos compostos.

O processo de patenteamento de uma molécula é um intrincado processo para esconder informações importantes, sem perder de foco a meta de obter o privilégio. Os países têm estruturas particulares de con-cessão de patentes, porém, quando há acordos comerciais, respeitam a patente recebida no país de origem. O regime de direitos de propriedade intelectual caminha em direção a crescente fortalecimento dos direitos e lucros das grandes corporações acopladas à área de medicamentos. Esse fato influencia a produção, em particular aquela que vive fora dos países de primeiro mundo. (BERMUDEZ et al, 2000).

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CONSIDERAçõES fINAIS

O setor farmacêutico está entre os mais rentáveis do mundo (FORTUNE, 2005). A importância relativa da inovação tecnológica para a ampliação do faturamento e da rentabilidade é tema controverso: os dados são aproximações sem rigor metodológico no cálculo e as fontes são agentes potencialmente interessados nos resultados. Ainda assim, o crescimento de P&D em biotecnologia comparativamente ao investi-mento total (PHRMA, 2007) aponta para a importância da inovação na estratégia das empresas — não por outro motivo, o segmento de produ-tos inovadores é particularmente sensível ao controle de preços, obser-vância das leis de patentes e controle da incorporação tecnológica em serviços de saúde. A regra não é geral: as empresas especializadas em genéricos e similares têm pauta própria de discussão com os governos.

A experiência do mercado norte-americano — o mais importante — dá-nos uma visão razoável da dinâmica do setor quanto aos gastos com P&D, apontando, para além do senso comum, a importância dos gastos governamentais indiretos para a expansão no mercado mundial.

Nossos dados mostram, entre 1980/2008 nos EUA, o número de registros de novos medicamentos e de entidades moleculares aprova-das pelo FDA foram influenciados pelos incentivos governamentais. Du-rante o governo Reagan, nos anos 80, as empresas e as universidades foram autorizadas a trabalhar conjuntamente, estabelecendo processos de transferência de conhecimento e tecnologia. As pesquisas universi-tárias, por sua vez, beneficiam-se de fundos públicos, daí a presença de incentivos indiretos do governo na P&D das empresas. Quando, nos anos 90, esse modelo de transferência se esgota como fonte de dife-renciais competitivos às indústrias, a compra de empresas com pipeline atraente ascende à condição de importante estratégia; as empresas de biotecnologia, por exemplo, tornaram-se objetos de disputa.

A transferência de conhecimento entre indústria e universidades é uma das causas da expansão das empresas norte-americanas no

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3 mercado mundial, obtida com a transformação de conhecimento origi-nariamente socializável, em moléculas patenteadas.

Nosso dados também mostram o caminho dos investimentos em P&D, associados aos segmentos mais lucrativos: produtos para trata-mento de câncer, de problemas neurológicos e voltados para o lifestile lideram o ranking dos novos produtos em desenvolvimento. Ainda sobre o investimento, ressaltamos a importância da biotecnologia para a am-pliação das vendas e do faturamento.

O negócio do setor farmacêutico pode ser resumido em grandes categorias. Do lado da oferta, a estratégia das empresas parte do tipo de produto: medicamentos inovadores, cópias originais ou genéricos e similares. O investimento em P&D é foco das empresas cujos produ-tos inovadores são a condição para ampliar ou preservar participação no mercado. Fusões e aquisições são alternativas ao investimento em P&D. Do lado da demanda, as empresas perseguem os segmentos mais lucrativos, determinados pelas alterações demográficas e econômicas e pelas políticas públicas de saúde.

O governo brasileiro, desde 2004, com o lançamento do PROFAR-MA, incentiva o desenvolvimento do complexo industrial-farmacêutico constituído por empresas localizadas no Brasil (isto é, inclui as multina-cionais). Os recursos destinam-se à ampliação e renovação de plantas fabrís e à produção de cópias criativas (ou, me-too) — desenvolvimento de moléculas similares com mesmo efeito de medicamentos desenvolvi-das por grandes multinacionais (BNDES, 2009). Para o gestor da políti-ca industrial, a estratégia é uma alternativa para a solidificação do setor farmacêutico. Em pesquisas futuras, valeria investigar os impactos dos subsídios governamentais (financiamento concedidos pelo BNDES) na competitividade do setor farmacêutico brasileiro.

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REfERêNCIAS BIBLIOGRáfICAS

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BERMUDEZ, J. A. Z. et al. O acordo Trips da OMC e a proteção pa-tentearia no Brasil: mudanças recentes e implicações para a produção local e o acesso da população aos medicamentos. RJ: Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz/ Organização Mundial da Saúde; 2000.

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Gerenciamento do benefício em medicamentos

– instrumento de informações para prevenção

e promoção de saúde

Jorge André Rocha de Sousa - Administrador, mestre em ad-ministração pela PUC/SP, diretor da Vidalink do Brasil.

INTRODuçãO

O presente artigo objetiva discutir o gerenciamento do benefício farmácia e as análises decorrentes das informações de consumo de medicamentos, em especial do consumo de anti-hipertensivos. A pes-quisa se baseia na necessidade de ações preventivas direcionadas aos usuários portadores de patologias crônicas. Existe forte concor-dância que esta população específica, quando não tratada adequa-damente, tende a apresentar complicações que põem em risco a vida do indivíduo. A escolha das análises de pacientes com tendência te-rapêutica para hipertensão arterial sistêmica (HAS) baseia-se no fato de que entre as doenças do aparelho cardiovascular, esta apresenta elevada taxa de mortalidade, sendo também, na faixa acima dos 50

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3 anos, responsável por parte das internações registradas (CISS-MS, 2007).

A complexidade do mercado de saúde pode ser observada pela variedade de análises existentes sobre sua dinâmica, pelas particula-ridades das pesquisas e por pactuar a necessidade de manutenção da vida simultaneamente à necessidade de recursos que viabilize as organizações. O gestor de saúde, público ou privado, depara-se com distintas abordagens e necessidades quando das decisões para equi-librar o capital envolvido na manutenção (ou evolução) das estruturas dedicadas a manter a saúde da população atendida. Idealmente, as políticas de saúde deveriam buscar equilíbrio entre os vários agentes do mercado, tendo em vista o “estado de completo bem-estar”, como definido pela Organização Mundial da Saúde - OMS (SOUZA, 2009).

O impacto das despesas estruturais, os custos com internações, investimentos, expansão da rede pública, saúde da família e da saúde suplementar, entre outros, ampliam a necessidade de ações não ape-nas curativas, mas preventivas. No desafio fundamentar de equilibrar financeiramente investimentos e oferta de serviços de saúde, a busca pela informação qualificada é condição sine qua non. Mesmo com o aumento dos investimentos em tecnologia, a melhor capacidade de pro-cessamento de dados e a organização do saber, as informações sobre saúde não podem ser tratadas como um sistema binário, estatístico e previsível. A ideia de imprevisibilidade norteia muitas decisões, gerando a necessidade de modelos que contemplem a sinistralidade, sempre indesejada, pois fere a definição de saúde.

O GERENCIAmENTO DE CONSumO DE mEDICAmENTOS NO BRASIL

Na busca por análises geradoras de certa previsibilidade, que possam contribuir para a estruturação de tendências, tem se desenvol-vido nos últimos anos os programas de benefícios em medicamentos,

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voltados para a coleta e análises das informações oriundas do consumo de medicamentos. Os programas surgiram nos Estados Unidos, pro-movidos pelos agentes pagadores dos medicamentos como forma de melhor gerir os recursos dedicados ao subsídio dos tratamentos prescri-tos. Os programas constituíram o segmento denominado de Pharmacy Benefit Management - PBMs, consolidando um modelo de intermedia-ção no setor farmacêutico que em 2009, representa grande parcela dos medicamentos comercializados nos EUA (SOUZA, 2009).

No Brasil, nos últimos dez anos (2000-2009), o mercado de saúde acompanhou o amadurecimento desse setor com o nascimento de vá-rias empresas cujo foco é o gerenciamento do consumo de medicamen-to. Essas empresas enfrentaram grandes desafios no desenvolvimento do mercado (o segmento privado): falta de cultura de subsídio aos medi-camentos e baixa utilização das informações sobre consumo de medica-mentos quando da formulação de ações preventivas (SOUZA, 2009).

A ênfase na importância da análise das informações de consumo de medicamentos alinha-se com abordagem desenvolvida pela Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS (ainda em desenvolvimento) no que tange ao papel das operadoras de saúde, na execução de ações preventivas. Pressionadas pela ANS, as operadoras estão diante da ne-cessidade de melhor conhecer os usuários dos sistemas de saúde, prin-cipalmente pela responsabilidade crescente de prover os recursos ne-cessários para a manutenção do estado de saúde. Do ponto de vista da regulamentação, as tendências prevalecentes estão relacionadas ao cuidado com a gestão financeira e com a carteira de clientes. O fator críti-co para a prevenção e regulamentação é a gestão da informação, a partir da qual, será possível o entendimento das dimensões das estruturas de saúde (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2007).

Dimensionamento, comportamento do usuário no consumo da estrutura de saúde, a identificação dos processos crônicos e complexos e a metodologia curativa, puramente assistencial, promovida até antes da Lei 9656/98, não possuem mais espaço, os custeios ligados à saúde estão se aproximando de um elevado teto. As mudanças do parâmetro quantitativo para o qualitativo e a integração do sistema de saúde como

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3 um todo tendem a compor a rastreabilidade e a capacidade na defini-ção de perfis de risco que possibilitam a antecipação dos eventos e sua prevenção, conforme proposto pela regulamentação. A rastreabilidade do paciente pode gerar segregação, permitindo rotular usuários como “mais” propensos a esses ou outros problemas; daí ser imperativo pre-servar, nos processos de obtenção da informação para fins preventivos, os limites do relacionamento entre médico e paciente e os direitos dos paciente sobre posse e sigilo de suas informações de saúde.

O aumento dos programas de promoção/prevenção de saúde po-derão ser ferramentas indispensáveis (tais como GMDC – gerenciamen-to médico de doenças crônicas) principalmente para patologias como a doença cardiovascular, diabetes, asma/DPOC (doença pulmonar obs-trutiva crônica), depressão e obesidade. Além da monitoração dos pa-cientes crônicos, o uso e racionalização na incorporação tecnológica contribuem para o uso das estruturas de saúde com base nos conceitos de utilidade, crescentemente necessária para lidar com a oferta e de-manda por inovação nos serviços de saúde. No lado da demanda, o be-neficiário melhor informado pressiona os prestadores de serviços para ter acesso aos serviços inovadores: busca opiniões quanto aos serviços e produtos, questiona quando não lhe dão acesso às inovações. Sua conduta pode inflacionar o mercado.

A ANS é uma dos principais agentes quanto à necessidade de informações sobre os usuários do sistema de saúde privado. A implan-tação de programa de qualificação da saúde suplementar, imposto às operadoras de planos, é constituído por quatro itens: (1) qualidade de atenção; (2) qualidade econômico-financeira; (3) qualidade da estrutura da operação; (4) satisfação dos beneficiários. É explícita a intenção da ANS em direcionar as operadoras para as ações preventivas e para a qualidade, transformadas em parâmetros para a evolução do mercado (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2007).

Os itens acima listados têm pesos distintos na avaliação total da operadora, mas representam real possibilidade de redução dos volumes de reservas técnicas obrigatórias. No item relativo às medidas de edu-cação e prevenção, benefícios voltados para ampliação da qualidade de

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vida dos usuários (RN 94/05), a ANS propõe a troca da prorrogação dos prazos para a integralização da cobertura com ativos garantidores da pro-visão de risco, pela adoção de programas de promoção da saúde e pre-venção de doenças pelas operadoras de planos de saúde. Além dessa possibilidade, a Instrução Normativa 10/05 estabelece os critérios para a avaliação dos programas de promoção da saúde e prevenção de doen-ças, propostos pelas operadoras de planos de saúde para a obtenção do benefício descrito na RN 94/05 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2007).

Em síntese, há vetores originários na dinâmica do setor privado (o aumento dos custos das operadoras) e na regulamentação gover-namental para a prevenção e promoção da saúde, que por sua vez, dependem da coleta e sistematização das informações sobre a saúde dos usuários. No campo da prevenção, há estímulos ao setor priva-do – dados pela regulamentação – para buscar indicadores de ações preventivas e para buscar informações sobre o perfil de consumo de medicamentos. Começar com o estudo dos usuários crônicos é um bom começo; esses poderão ter melhor assistência, com adesão efetiva aos tratamentos prescritos e, esperamos, com menor ocorrência de eventos de agravo e de sinistralidade.

O ESTuDO

O estudo foi conduzido analisando o consumo de anti-hipertensi-vos entre 42.145 usuários de três empresas localizadas nos estados de São Paulo e Paraná, com políticas de subsídios em medicamentos que variaram de 35% a 90% do preço de venda. A metodologia utilizada foi a investigação direta do banco de dados de todos os registros de vendas do ano de 2008; comparamos os resultados do número de usuários iden-tificados, consumindo os produtos para hipertensão, com as estimativas sobre os índices da prevalência de hipertensão arterial e a incidência de eventos adversos. De acordo com nossos dados, usuários com maior ní-vel de subsídio tendem a seguir mais corretamente as prescrições tera-

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3 pêuticas e podem reduzir o risco de sinistralidade a partir da diminuição potencial da exposição a riscos de agravamento do estado de saúde.

Os 42.145 usuários representavam a totalidade dos usuários para os quais o benefício da assistência farmacêutica fora disponibi-lizado, cabendo a eles a utilização dentro do modo normal de opera-ção desse tipo de benefício, não sendo executado nenhum estímulo ao uso do benefício devido a pesquisa. Os usuários foram acompanhados de acordo com as compras dos medicamentos adquiridos através do sistema PBM. Todos os produtos são classificados de acordo com as classes terapêuticas estabelecidas pela OMS (Organização Mundial da Saúde), a ATC (anatomic, therapeutic, chemical classification); esta-beleceu-se como indicador de um potencial marco de identificação as classes terapêuticas que estariam diretamente ligadas a patologias que poderiam indicar a formação de grupos de risco para doenças crônicas. As doenças crônicas, quando bem monitoradas e controladas, podem propiciar melhor qualidade de vida para o paciente e melhor gestão fi-nanceira para o patrocinador do benefício ou administrador de saúde. O monitoramento dos crônicos também permite a análise da utilização dos produtos com indicação terapêutica para hipertensão arterial, os quais geraram os resultados deste trabalho.

Como pressuposto, assumimos que o mapeamento precoce de usuários que poderão apresentar, no futuro (caso não estejam em pleno controle de suas patologias), agravamento do estado de saúde e piora dos índices de sinistralidade, pode representar uma economia real das despesas oriundas de usuários não corretamente tratados, ou simples-mente com incapacidade de adesão ao tratamento prescrito.

A presença do medicamento, dependendo do caso específico, pode ser considerada como terapia base para a manutenção do estado de saú-de do paciente. Ribeiro (2005) indica a importância de se estabelecer po-líticas e formas de subsidiar ou reduzir os preços dos fármacos prescritos para os casos de doença arterial coronariana, como forma de assegurar a assistência ambulatorial desses pacientes crônicos.

O exemplo dos casos de doença arterial coronariana serve como parâmetro para o estabelecimento de políticas de benefício de assis-

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tência farmacêutica, com foco em grupos que apresentem efetivo ris-co para a gestão, seja na qualidade de vida do beneficiário, seja no quesito financeiro. Exemplos da importância de garantir o acesso aos medicamentos, como forma de evitar a não-adesão, são encontrados em estudos específicos para grupos de pacientes crônicos, indicando como ausência de recursos financeiros um dos principais motivos de abandono de tratamento (STEIN, 2001).

As políticas de benefício de assistência farmacêutica devem con-siderar esses quadros de potencial abandono de tratamento, casos como os de hipertensão arterial, assintomáticos e incuráveis, em que pacientes, quando não adequadamente tratados, podem gerar custos administrativos adicionais, devido ao uso da estrutura de saúde e, por-tanto, apresentam-se com fortes candidatos a consumir os recursos destinados à saúde. Kannel (1970), no The Framingham Study, esta-beleceu as primeiras etapas do relacionamento entre hipertensão ar-terial e risco do infarto do miocárdio (IM) e doenças cardiovasculares. As relações entre os níveis de morbidade-mortalidade motivados por doença coronariana, agravada pela hipertensão arterial, além de serem multifatoriais, oferecem grande risco para a população. Esses estudos estabeleceram a relação das doenças coronarianas com a hipertensão, e seus riscos serviram como base para o estabelecimento de novas estratégias e terapêuticas capazes de prevenir os riscos inerentes ao agravamento do estado de saúde.

Em nosso estudo, efetuamos a correlação entre os níveis de ele-vação da pressão arterial e o aumento do risco de doença isquêmica. Para indivíduos entre 40 e 69 anos, pequenas elevações de 10 e 20 mmHg da pressão podem elevar o risco relacionado às doenças coro-narianas e derrame cerebral. A correlação pretendida é o estabeleci-mento de práticas que minimizem a exposição da população assistida sob a responsabilidade do administrador, a ponto de potencializar medi-das que maximizem a utilização dos recursos.

De acordo com os indicadores de morbidade e fatores de risco do IDB (2006), no relatório D.27, a taxa de prevalência de hipertensão arterial apresenta os seguintes índices.

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3 Quadro I - Taxa de prevalência da hipertensão arterial por faixa etária

Idade Idade

40 a 59 anos 60 anos ou mais

Média das cidades pesquisadas

30,93% 48,56%

Fonte: Ministério da Saúde/SVS e Instituto Nacional do Câncer (2009).

Portanto, de acordo com esses indicadores, para essas faixas etá-rias, é de se esperar que se encontre parcela de potenciais usuários con-siderados hipertensos. Ainda de acordo com as V Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial, publicadas pela Sociedade Brasileira de Cardio-logia (2007), existe a indicação de taxas de prevalência entre 22,3% e 43,9%, porém sem indicar as faixas etárias da população pesquisada.

Outro importante fator na avaliação de risco populacional, e con-sequentemente de sinistro, é a incidência de derrames cerebrais e do-enças cardiovasculares em populações hipertensas. De acordo com o HiperDia, sistema de cadastramento e acompanhamento de hipertensos e diabéticos do Ministério da Saúde (MS, 2009), as doenças do apare-lho circulatório representam um importante problema de saúde pública, sendo, há algumas décadas, a primeira causa de morte no Brasil. Em 2000, corresponderam a mais de 27% do total de óbitos (DATASUS, 2008). A elevação da pressão arterial representa um fator de risco inde-pendente, linear e contínuo para doença cardiovascular (SBC, 2006).

A hipertensão arterial apresenta custos médicos e socioeconômi-cos elevados, decorrentes principalmente das suas complicações, tais como doença cérebro-vascular, doença arterial coronariana, insuficiên-cia cardíaca, insuficiência renal crônica e doença vascular de extremi-dades. Ainda, de acordo com o HiperDia (2009), as taxas de coronario-patia e acidente vascular cerebral atingiram o índice de 10,03%, quando pesquisados nas populações hipertensas:

A falta de avaliações sócio-financeiras sobre o custo da saúde é

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um fator prejudicial à evolução dos trabalhos de análise, principalmente no quesito da prevalência de determinadas doenças. Porém, com base nos estudos do Ministério da Saúde (2009), do HiperDia (2009) e dos trabalhos de avaliação de impacto financeiro do agravamento de saúde (RIBEIRO, 2005), pretende-se, nos casos do tratamento da hipertensão arterial, avaliar a prevalência e o impacto das políticas de benefício de assistência farmacêutica. Essas políticas podem ser analisadas sob a forma de viabilizar a manutenção das terapias prescritas, por entender que, nos casos do tratamento da hipertensão arterial, o tratamento far-macológico representa um importante fator de controle (MION, 2001).

Com essas considerações, construímos a proposta de modela-gem de avaliação potencial de risco de não adesão ao tratamento nas populações avaliadas. Quando organizamos indicadores de saúde na forma de tabelas, propomo-nos avaliar os potenciais riscos de não ade-são, e não apontar ações definitivas em uma área na qual a imprevisibi-lidade deve constar da construção dos cenários, quando da gestão de saúde da população assistida.

A construção do modelo partiu dos fatores apresentados abaixo.

1 - Em uma população normal, estima-se a prevalência para hi-pertensão arterial por faixa etária de 40 a 59 anos em 30,93% e acima de 60 anos em 48,56%, nas cidades pesquisadas.

2 - Em uma população normal, o custo da doença arterial coro-nária, não adequadamente tratada, tende a apresentar agravo no estado de saúde e com isso representar um custo anual estimado em R$ 9217,24 (RIBEIRO, 2005).

3 - Em uma população normal, a incidência desse agravo é esti-mada em 10,03% dos usuários não adequadamente tratados.

4 - Os investimentos em subsídios para a população assistida variou de: empresa A, de 35% a 50% entre produtos de marca e genéricos, respectivamente; empresa B, de 70% para produtos de marca e genéricos; e empresa C, de 60% a 90% entre produ-tos de marca e genéricos, respectivamente.

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3 O enquadramento desses fatores permitiu avaliar o total de usu-ários identificados utilizando produtos para o tratamento da hipertensão arterial contra a prevalência esperada na mesma população. Os resul-tados estão demonstrados no quadro a seguir.

Quadro II - Projeção do custo de ausência de gerenciamento em hAS

Empresa A Empresa B Empresa C

Usuários idade > 39a 18.470 1.524 2.191

Nº de usuários em potencial de risco para HAS

(prevalência por faixa etária,nas cidades de origem)

7.705 (42%) 465 (31%) 1.006 (46%)

Custo potencial anual estimado do agravamento

do estado de saúde (R$ 000)7.115,71 414,78 921,72

Usuários identificados com aquisição de anti-hiperten-

sivos (coorte)1.029 (13%) 103(22%) 789(78%)

Custo anual estimado parausuários não identificados

(R$ 000)6.166,33 322,60 193,26

Investimento em subsídiosna HAS (R$ 000)

159,71 30,26 315,50

Potencial economia com medidas de gerenciamento

em subsídios (R$ 000) 789,67 61,91 414,96

Economia estimada por usuário acompanhado (R$)

768,45 597,38 493,26

Fonte: pesquisa do autor

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A observação permitiu a avaliação de uma tendência de melhor adesão na empresa C, que apresentou um índice de retorno potencial sobre os recursos investidos no subsídio de medicamentos de 80,6%, tendo como base de comparação as compras realizadas pelos usuários monitorados, os quais atingiram 78,4% do total de usuários hipertensos estimados pelo estudo (referência do índice de prevalência de hiperten-são arterial na cidade de São Paulo (MS, 2009)). A empresa A e a em-presa B atingiram, respectivamente, 13,4% e 22,2%. A correlação está exposta no quadro a seguir e constroem o seguinte cenário.

Quadro III - usuários identificados

Subsídio ofe-recido (%)

Subsídio mé-dio identifica-

do (%)

Vidas identi-ficadas (%)

Retorno esti-mado com o

uso do benefí-cio (%)

Empresa AGenéricos 50%

Marca - 35% 37,9 13,4 20,2

Empresa B 70% Linear 70,0 22,2 49,2

Empresa C60 a 90% por faixa salarial

88,6 78,4 80,6

Fonte: pesquisa do autor.

Os dados presentes no quadro sugerem o acompanhamento de usuários dos sistemas de assistência farmacêutica, como forma de mo-nitorar grupos que podem se transformar em custos elevados para os gestores de saúde.

A validação de dados de risco potencial necessita de pesquisa espe-cífica para essa finalidade, indicando os valores de benefício que sugerem a tendência de projeção de economia realizada. O papel dos medicamen-tos como redutores de sinistralidade não encontra estudos ambulatoriais que ratifiquem os dados projetados da não-adesão aos tratamentos pres-critos, principalmente por tratar-se de matéria complexa que visita, neces-

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3 sariamente, outros parâmetros de avaliação que não apenas a capacida-de de compra dos medicamentos prescritos pelo médico assistente.

A mortalidade cardiovascular, atribuída a HAS, corresponde a quase 6% do total de mortes ocorridas no mundo atualmente (KEAR-NEY et al, 2005). Mesmo com índice elevado, o tratamento e o acom-panhamento da HAS sofrem a interferência de vários fatores. Souza (2006), ao acompanhar pacientes hipertensos, indica que fatores como visita ao médico podem sofrer interrupções devido a falta de tempo, entendimento por parte do paciente como ação desnecessária, dificul-dades de locomoção e dificuldades financeiras. Assim, avaliações do potencial de resultado esperado com iniciativas que coloquem no centro da discussão a assistência farmacêutica podem não surtir o efeito dese-jado, por se tratar de ação multifatorial, e não simplesmente do acesso ao tratamento prescrito.

A abordagem dos temas ligados a adesão ao tratamento se ba-seia no entendimento de que os usuários foram corretamente diagnosti-cados, e possuem prescrições adequadas para as patologias que apre-sentam. O controle de doenças, no foco estudado das doenças crôni-cas, deve abordar o tema do acesso em sua totalidade e complexidade. A própria questão do acesso tende a apresentar outras facetas, como o acesso logístico ao tratamento e a questão financeira, pois, dependendo da patologia, o custo pode ser um impeditivo ao tratamento adequado.

A negligência do usuário quanto à saúde, a falta de informação e também efeitos colaterais não reportados podem comprometer a qualidade do tratamento. A observação no desenvolvimento do estu-do das nuances apresentadas por cada empresa, e o comportamen-to relativo dos usuários ao utilizarem o benefício de medicamentos propiciou referências que indicam um tipo de comportamento e um potencial de ganho na gestão são merecedores de maior atenção.

Políticas de benefícios que permitam melhor adesão ao trata-mento prescrito favorecem a identificação dos usuários portadores de patologias crônicas. A análise dos resultados deve considerar o caráter muitas vezes assintomático dos quadros de hipertensão arterial, fator

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potencializador do não tratamento de usuários, podendo manter os nú-meros de usuários identificados abaixo dos valores estimados de porta-dores de hipertensão arterial.

A identificação dos usuários do benefício da assistência farma-cêutica pode também ser encarada como ferramenta de segmentação e orientação aos usuários elegíveis ao benefício. Se por um lado estima-se que a população em determinada faixa etária tende a ser usuário de medicamentos para hipertensão arterial, não se deve descartar que o fato da não identificação também permite uma ação direcionada para aqueles usuários não identificados e potenciais portadores do perfil de risco. Esse ângulo, que permite a segmentação, já exclui da amostra os usuários identificados e direciona os esforços educacionais e de acom-panhamento para aqueles não filtrados pela ação de acompanhamento.

Perfis de risco para doenças cardiovasculares tais como: idade, sexo, etnia, fatores socioeconômicos, consumo de sal, obesidade, consumo de álcool e sedentarismo (V Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial), são também importantes fatores a observar nos grupos de usuários estudados. Esses fatores podem representar terapêuticas medicamentosas adicionais que permitiriam, em análise conjunta, a indicação da presença, não apenas de produtos com a indicação no tratamento da hipertensão arterial, mas também o uso concomitante de produtos para o tratamento de outras pa-tologias, como diabetes e dislipidemias, permitindo o estabelecimento de níveis de risco dentro da população consumidora de medicamentos. Nesse sentido, a definição dos perfis de análise dos usuários de produtos para a hipertensão arterial representou apenas um ângulo possível de análise dos consumidores de medicamentos. O risco inerente ao agravamento de cada estado de saúde representa diretamente um novo custeio para o gestor.

O estabelecimento de riscos cruzados potencializa novos perfis que devem ser pesquisados com o cuidado de se estabelecer uma pers-pectiva cuidadora dos usuários identificados. A validação da identifica-ção de um fator que permita inserir meta de cobertura ainda será matéria de estudos, pois não está bem explicado se os valores encontrados nos 42.145 usuários do benefício de medicamentos durante o ano de 2008 representam uma média setorial, e se os resultados encontrados entre as empresa B e C, com elevados subsídios, podem ser considerados

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3 melhores quanto ao número total de hipertensos estimados e encontra-dos. Como fato relevante deve ser considerado certa proporcionalidade entre os valores de subsídios, vidas encontradas na estimativa e retorno dos valores investidos. A falta de acesso aos valores reais de sinistro re-presenta um desafio que, para o gestor com acesso direto aos dados de consumo da infra-estrutura de saúde, significaria um passo importante, quando possibilitada a comparação entre os dois fatores: consumo de estrutura como consultas e internações, exames e procedimentos, e o perfil de consumo dos usuários de risco.

A pesquisa buscou a indicação de metodologia e modelação para auxiliar os gestores na análise e observação do impacto de políticas que minimizem, ou permitam minimizar, o custo inerente a sinistralidade e, de forma potencial, melhor qualidade de vida aos usuários dos planos de bene-fícios. A correlação entre empresas de perfis diferentes permitiu traçar uma primeira análise e as particularidades dos grupos analisados deverão consi-derar possíveis particularidades existentes e objetivos claros na adoção de estratégias de benefícios que compactuem com o estudo apresentado.

LImITAçõES DO ESTuDO

Os dados utilizados neste estudo são provenientes de uma base de compras dos medicamentos utilizada por três empresas com polí-ticas de subsídios diferentes e com potenciais estímulos ao uso dos serviços de PBM. A única forma de ter acesso ao subsídio fornecido pelas empresas foi a utilização dos sistemas, portanto, ao não utilizar os serviços da PBM, o usuário não teria o subsídio disponibilizado pela empresa, constituindo, dessa forma, um importante direcionamento ao usuário e um indicador de que as informações coletadas podem signi-ficar o comportamento dos usuários elegíveis ao programa. Dessa ma-neira, valores observados no passado servem apenas como indicadores e na projeção de investimentos esses fatores devem ser considerados. O custo do agravamento de saúde reportado tem como base o trabalho apresentado em Ribeiro (2005), sendo necessária a atualização mo-

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netária desses custos para que refletissem a realidade atual. Portanto, os custos com agravamento de saúde devem também ser atualizados continuamente, devido a potenciais introduções de novas tecnologias e procedimentos, assuntos que não foram matéria deste estudo.

CONCLuSãO

A gestão da informação de consumo de medicamentos apresen-tou-se como uma ferramenta de entendimento para o gestor de saúde, por demonstrar a capacidade de potencializar a antecipação do conhe-cimento sobre os riscos de saúde que a população atendida pode apre-sentar. O conhecimento prévio dos grupos que podem ser considerados como de risco indicou que ações de prevenção podem ser implantadas de forma mais segmentada, atuando na população que necessita de aproximação do agente gestor e o fomento de uma utilização medica-mentosa adequada, racional. Pode, também, representar uma forma de economia tangível na aplicação de políticas de subsídio ao potencializar a supressão de eventos adversos.

A regulação no mercado de saúde suplementar não apresentou uma política específica para a atuação dos agentes de saúde na ques-tão dos medicamentos ambulatoriais. Ela propõe uma atuação volta-da à prevenção, com medidas educacionais submetidas pelos próprios agentes e não definidas pelo agente regulador.

De acordo com nosso estudo, o consumo de medicamentos não define sozinho um controle adequado de usuários potencialmente crí-ticos, como hipertensos, diabéticos ou dislipidêmicos, e não os define como portadores dessas patologias, apenas indicam tendências que po-dem ser observadas com atenção. O uso concomitante de medicamen-tos com indicações para patologias crônicas também pode representar um importante identificador do nível de risco potencial desses usuários. Porém, como o estudo apresenta, informações adicionais devem ser co-letadas para que uma análise conclusiva seja realizada sobre o perfil de cada usuário inscrito nos programas de benefícios em medicamentos.

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3 A evolução da forma de gerir o benefício em medicamentos, de um convênio farmacêutico para uma gestão integrada, como a proposta apresentada pelas PBMs, pode representar um caminho para um en-tendimento detalhado do uso dos serviços de saúde. A associação das informações da saúde suplementar, com a padronização da nomencla-tura utilizada e centralizada no TISS, com a integração das informações de consumo de medicamentos, separando as classes terapêuticas in-dicadas ao tratamento de patologias crônicas, pode também represen-tar uma nova forma de antecipação dos riscos e sinistralidade para as ações de prevenção. A identificação dos usuários crônicos encontrada apresentou-se mais próxima das estimativas da prevalência esperada na empresa com maior nível de subsídio, porém a realização de novos estudos seria necessária para a confirmação desse indicador.

Índices de sinistralidade representam análises globais e financei-ras, e atuam como fatores de reajustes de contratos. Eventos que pos-sam ser precocemente identificados podem atuar como redutores desses índices, fazendo com que a gestão da informação seja uma ferramenta estratégica e importante no direcionamento dos negócios de saúde.

As informações de saúde circundam a esfera financeira, e a aná-lise detalhada do uso da estrutura de saúde pode ser um fator para melhor entendimento do perfil de saúde de grupos de usuários. O con-sumo de medicamentos pode antecipar essa visão, pois, ao atuar fora do radar dos grandes sinistros, servem como uma novo indicador, con-tribuindo, assim, para o gerenciamento de saúde.

Os resultados encontrados nas empresas pesquisadas tendem a direcionar as ações para categorias de usuários que podem represen-tar um nível de sinistro elevado, usuários esses que, ao se analisarem as várias categorias de medicamentos consumidos, revelam um perfil de uso, algumas vezes, dentro do esperado, referenciando as medica-ções indicadas a cada patologia observada. Os subsídios aparentam ser importantes ferramentas de gestão no uso de medicamentos, e o percentual mais elevado, das empresas B e C, de acordo com os nos-sos dados, surte um maior efeito sobre os usuários na busca pelos me-dicamentos prescritos.

O estudo propôs uma metodologia de avaliação dos investimen-

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tos em subsídios de medicamentos, centralizou a análise em um gru-po terapêutico específico, a hipertensão arterial, sendo possível uma avaliação mais abrangente com outras classes terapêuticas. Possíveis estudos vindouros, nesse sentido, deverão considerar os níveis de risco apresentados por patologia, para que seja possível o estabelecimen-to de políticas de saúde direcionadas às necessidades de cada grupo populacional, cabendo ao gestor de saúde definir o melhor escopo e o nível de atenção farmacêutica dispensado aos usuários do benefício.

Considerando os dados observados nesta pesquisa, possibilitar o acesso aos medicamentos, por meio de gestão integrada da informação, apresenta-se como uma medida viável de controle e conhecimento e que pode oferecer resultados positivos aos que se propõem entender o papel dos medicamentos como fatores de impacto na gestão de saúde.

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REfERêNCIAS BIBLIOGRáfICAS

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BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE/SVS e Instituto Nacional do Câncer (INCA). Inquérito domiciliar de comportamentos de risco de morbidade referida de doenças e agravos não transmissíveis: protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas. Disponível em: <http://dtr2001.saude.gov.br/sas/dsra/protocolos/do_d07_00.htm> Acesso em: abril/2009.

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V DIRETRIZES BRASILEIRAS DE HIPERTENSÃO ARTERIAL. Arq. Bras. Cardiol. 2007, 89(3):e24-e79. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0066-782X2007001500012>.

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O modelo assistencial e o financiamento da saúde no

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José Antonio Diniz de Oliveira - Administrador, mestrando em saúde pública na USP, ex-presidente da UNIDAS - União Nacional das

Instituições de Autogestão em Saúde, diretor da Gama Saúde.

Isabella Vasconcellos de Oliveira - Médica, mestre em ciên-cias da saúde, gerente de produtos de saúde da Gama Saúde.

“Nossa ambição não é fazer negócios, mas amar a Deus. Para amar a Deus é preciso viver. E para viver a gente tem de equilibrar o orçamento”.

(Abade Dom Sebastião)

O dilema do financiamento da saúde não aflige somente o Brasil. Trata-se de um fenômeno mundial, a preocupar sistemas públicos e pri-vados de países ricos e pobres, desenvolvidos ou em desenvolvimento. É um problema complexo, difícil e universal.

No Brasil, encontramos uma situação inusitada, quando o foco é o sistema de financiamento da saúde, que nos diferencia dos demais paí-

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3 ses, pois a Constituição Federal assume que “a saúde é direito de todos e dever do Estado...” (Art. 196) (BRASIL, 1988), mas também admite que “a assistência à saúde é livre à iniciativa privada.” (Art. 199) (BRASIL, 1988). Não deixa de soar como paradoxo a assunção do dever como estatal e a permissão para a exploração privada da atividade. É quase que uma heresia essa admissão antecipada da incapacidade do primei-ro; pior, é a confissão da necessidade de um outro sistema para servir a determinada parcela da população que possa pagar por ele. Talvez seja muito forte registrar como constatação o fato de que o próprio texto constitucional oficializa a desigualdade do acesso à assistência à saúde no Brasil, mas não há como não fazê-lo.

Ao analisarmos a questão do financiamento do sistema de saúde brasileiro, observamos à primeira vista divergências importantes em re-lação a outros países. A porção pública do nosso sistema, por exemplo, aplica recursos do PIB em percentual inferior ao investido pelos países desenvolvidos, em especial os da Europa Ocidental e o Canadá (que de fato assumem a saúde como dever do Estado, mas também reclamam, de forma cada vez mais acentuada, do problema da alocação crescente de recursos na rubrica da atenção à saúde). Se mesmo países desen-volvidos se ressentem desse problema, evidencia-se a necessidade de estudar as causas e explicações do desequilíbrio, a partir da discussão do modelo de assistência adotado, diretamente associado ao modelo de financiamento, como buscaremos mostrar neste texto.

Ainda sobre a realidade do público e privado nos sistema de saú-de do nosso País, importa destacar, a participação do setor público no gasto nacional em saúde é de apenas 44% (UGÁ; SANTOS, 2005), ou seja, com os outros 56% o setor privado atende apenas 25,5% (46,9 milhões) da população total (ANS, 2008), estimada em 183,9 milhões de pessoas (IBGE, 2008), restando ao Estado a assistência aos de-mais 75,5% (137 milhões de pessoas). Apenas por esse comparativo dos grandes números é possível detectar o motivo principal da diferença dos problemas de cada um dos subsistemas. Mais, é possível entender a razão da desigualdade resultante da alocação de recursos relativa-mente semelhantes para populações tão díspares.

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Seria possível supor, a partir dessa constatação que o setor priva-do, com muito mais recursos alocados per capita, fosse menos afetado pelas dificuldades relativas ao financiamento. Não é isso que se verifica. Muito pelo contrário, o setor é marcado por várias batalhas econômicas entre operadoras, prestadores de serviços (em especial os profissionais médicos e os hospitais) e entidades representativas de consumidores, sob o olhar e a tentativa de arbítrio da Agência Nacional de Saúde Suple-mentar (ANS). O mote das batalhas é o mesmo, econômico, representa-do pela busca de maior participação no montante das receitas do setor.

Dos exemplos internacionais de financiamento à saúde, o modelo dos Estados Unidos é reconhecidamente o mais perdulário e ineficaz, consumindo aproximadamente US$ 6.000 per capita em 2004, e não por isso apresentava excelência nos indicadores de saúde (OMS, 2008). À exceção dos dois programas públicos, Medicare (voltado para pessoas acima de 65 anos, de responsabilidade federal) e Medicaid (destinado a pessoas portadoras de deficiências e àquelas situadas abaixo da li-nha da pobreza, assumido pelas unidades federativas americanas), o financiamento do sistema de saúde dos EUA é basicamente privado. Destaca-se a existência de 44 milhões de desassistidos, entre os quais cerca de 11 milhões de crianças (população de imigrantes ou de peque-nos empreendedores que não querem ou não podem adquirir um plano privado de assistência à saúde).

Antes de buscar as causas de sistema tão dispendioso e pouco eficaz, mencionamos outras informações que insinuam, inclusive, que os gastos em saúde no país mais rico do mundo tendem ao infinito.

A inflação do setor médico da economia americana é substancial-mente maior do que a inflação geral da economia. Nos Estados Unidos, em 2003, a inflação da saúde alcançou 16%, contra uma inflação geral de cerca de 2%. Em depoimento à Comissão de Orçamento da Câmara dos Deputados americana, o ex-Presidente do Federal Reserve (Banco Central dos EUA), Alan Greespan, ao mencionar que a seguridade social e o Medicare consomem 7% do PIB norte-americano, defendeu o corte em gasto social, já que as projeções apontam para um dispêndio de 12% em 2030 (THE NEW YORK TIMES, 2004).

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3 Ainda que sendo detentor de um PIB consideravelmente menor do que o dos Estados Unidos, o modelo assistencial adotado pelo setor privado no Brasil é decalcado do sistema privado norte-americano. O mesmo modelo marcado pelo livre acesso aos serviços médicos, pelo consumo pouco racional dos recursos, pela medicina marcadamente exercida por especialistas e pela ênfase na tecnologia, entre outros as-pectos, caracteriza o sistema brasileiro na sua porção privada. Mas o fundamento comum principal entre as duas realidades é o fenômeno da mercantilização da assistência à saúde, que distorce ainda mais esse que já é considerado um mercado imperfeito.

Embora espelhado no modelo americano, que em termos de fi-nanciamento apresenta uma curva de gastos tendendo ao infinito, há ainda agravantes importantes no sistema brasileiro, como é o caso da dependência da importação tecnológica, que não se verifica nos países desenvolvidos, como constata Maria Inês Azambuja (s/d):

“Os norte-americanos (e mais recentemente os europeus) vêem o setor saúde como altamente lucrativo. Na verda-de, ele é o maior empregador nos EUA, e gera riqueza tanto como setor ‘serviços’ como, indiretamente, na pro-dução e comercialização de insumos e produtos acaba-dos da indústria de medicamentos e equipamentos (...)¨.

Em decorrência da atávica dependência de importação de tecno-logia, esse aspecto positivo não se verifica no setor industrial da econo-mia brasileira.

Registradas essas considerações sobre os subsistemas público e privado, vamos a partir de agora ter como foco a análise do segmento privado da assistência à saúde no Brasil. Avaliaremos aspectos ineren-tes ao modelo assistencial adotado e à forma de organização do siste-ma, que apontam para a falência do modelo de financiamento e para a premente necessidade da construção de alternativa. Os fatores a seguir analisados em subtítulos buscam demonstrar a ineficácia do sistema, a provocar gastos crescentes e insuportáveis da assistência à saúde.

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mERCADO ImPERfEITO

Embora a concepção de mercado perfeito resulte como teórica nos estudos de macro e microeconomia, o mercado da saúde é apre-sentado como notadamente imperfeito por aspectos especiais, estuda-dos pelo Aloísio Teixeira (reitor da Universidade Federal do Rio de Ja-neiro), mencionando Warren Greenberg, cita que:

“(...) embora o setor de assistência à saúde possa ter características diferentes de outras indústrias, os prin-cípios da oferta e da procura são tão aplicáveis a essa indústria quanto às demais”.

(TEIXEIRA, s.d.)

Ainda em Aloísio Teixeira, citando Álvaro Hidalgo Veja e seus co-autores, quanto às falhas desse mercado:

“(...) existência de processos com custos muito ele-vados e rendimentos crescentes a escala, impedindo a determinação dos preços através de mecanismos competitivos e gerando uma tendência a processos de monopolização ou oligopolização; presença de for-tes externalidades na provisão da assistência à saúde, combinada com baixa consciência de seus benefícios sociais; informação assimétrica entre médico e pacien-te, acarretando o surgimento de incerteza”.

(TEIXEIRA, s/d)

Esses aspectos sustentam a defesa da tese de que o mercado da saúde não pode estar à mercê das práticas de livre mercado, e carece de ter mecanismos de regulação pelo Estado ou pela sociedade. Há ainda, outro componente para distorções na assistência à saúde, evidenciando

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3 da imperfeição do mercado: mercantilização de uma atividade voltada para um bem não sempre tangível, como é a saúde.

Quando admitimos que um agente econômico obtenha resulta-dos financeiros por intermédio da prestação da assistência à saúde, não sempre os interesses do paciente determinarão o procedimento adotado. Com certa frequência, o resultado almejado pelo agente eco-nômico acaba prevalecendo sobre os interesses do paciente. É o caso de uma internação hospitalar por vezes decidida em função de um leito vago (e da necessidade de preenchê-lo para viabilizar economicamente determinado empreendimento) e não motivada pelo quadro clínico do paciente. “Se existe um leito hospitalar vazio, existe uma tendência a preenchê-lo” (JEKEL, 2008).

OfERTA, DEmANDA E NECESSIDADE Em SAÚDE

Mesmo imperfeito, o mercado de saúde também é regido por for-ças conceituadas na teoria econômica como oferta, demanda e necessi-dade. Colhemos, em exposição Gonzalo Vecina Neto, ex-Secretário de Saúde do Município de São Paulo, exemplos do comportamento de tais forças, quando aplicadas à área da saúde. O ideal seria que o sistema de saúde atuasse na intersecção dessas três elipses, ou seja, havendo necessidade, houvesse a correspondente oferta e a adequada demanda por recursos assistenciais. Mas isso nem sempre ocorre.

figura � - Oferta, demanda e necessidade

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Às vezes, ocorre a necessidade, existe a demanda, mas não exis-te a oferta. Um exemplo desse quadro grave é o transplante hepático, causado principalmente pela carência de doadores de órgãos. Quadro dramático: necessidade premente, demanda imediata e inexistência da oferta. Em outros casos, encontra-se disponível a oferta, existe a ne-cessidade, mas não ocorre a demanda. É o caso dos exames ginecoló-gicos tipo Papanicolau. Embora sejam importantes como prevenção do câncer do colo do útero, não sempre essa tecnologia é buscada pelas mulheres. É nessa situação que se apresentam as oportunidades de implantação de ações preventivas.

Por fim, deparamo-nos com a ocorrência na qual está presente a oferta, ocorre a demanda, mas não existe a necessidade. É o pior dos mundos, em especial para a economia da saúde e para a eficiência do sistema. O exemplo antigo da amigdalectomia, que na década de 60 do século passado foi realizada em larga escala, mesmo havendo indica-ção técnica do procedimento apenas para um percentual específico de casos. O exemplo atual são as cirurgias cesareanas desnecessárias, cujo percentual elevadíssimo tem ocupado com destaque a pauta de debates da Agência Nacional de Saúde Suplementar. É inegável que os partos cesáreos significaram um avanço importante da medicina. No entanto, a técnica é empregada muitas vezes em função da agenda do médico ou da disponibilidade do centro cirúrgico, do medo da dor do parto e até pelas preferências astrológicas, em detrimento da observân-cia do quadro clínico da paciente e do nascituro - que em última instân-cia deveriam determinar a realização ou não do procedimento.

OfERTA QuE DETERmINA A DEmANDA

É reconhecida por quem atua na área a constatação de que em saúde a oferta determina a demanda. A implantação não planejada de novos serviços e equipamentos (sem a necessária e adequada análi-se mercadológica), por exemplo, provoca desequilíbrios importantes no sistema de saúde. Dados apresentados por Adriano Londres, ex-presi-

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3 dente do Sindicato dos Hospitais, Clínicas e Casas de Saúde do Muni-cípio do Rio de Janeiro (SINDHRIO) demonstram com muito realismo esse fenômeno.

Segundo a SBHCI – Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista (2003), dados citados por Londres no II Congresso de Regulação e Auditoria em Saúde da UNIDAS – União Na-cional das Instituições de Autogestão em Saúde (São Paulo, novembro de 2003), de 1992 a 2003 o número de serviços de hemodinâmica sal-tou, no Rio de Janeiro, de 10 para 28 no setor privado. De acordo com parâmetros da própria SBHCI, 1 serviço de hemodinâmica é suficiente para o atendimento de 500.000 pessoas. Considerando a população be-neficiária de planos privados no Rio de Janeiro, em torno de 4,8 milhões, seriam portanto, suficientes dez serviços dessa especialização para atendimento daquela população. A existência de quase o triplo de ser-viços acaba resultando em baixa rentabilidade, endividamento do setor e, pior, a realização de procedimentos desnecessários, pressionadores do custo assistencial. Esse mesmo raciocínio é válido para grande parte dos outros serviços apoiados em equipamentos e tecnologias de ponta.

Os exemplos do comportamento da oferta, demanda e necessida-de em saúde fazem parte de contexto de consumo não sempre criterioso de aparatos tecnológicos e de serviços médicos, que mal dão resposta aos episódios de doença e muito menos promovem a saúde da popula-ção, mas têm impactos importantes nos custos assistenciais.

AuSêNCIA DE CONTROLE DA INTRODuçãO DE NOvAS TECNOLOGIAS

Diferente de outros países, o Brasil não possui uma agência que controle a introdução de novas tecnologias em saúde. Nos países de-senvolvidos, as agências internacionais (como a NCCHTA – National Coordinating Centre for Health Technology Assessment, na Inglaterra,

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por sua vez, parte da INAHTA – International Network of Agencies for Health Technology Assessment, reunindo 47 agências de 23 países) realizam avaliação técnica dos novos insumos tecnológicos e de seus efeitos sobre o ser humano e análise da relação custo-efetividade do equipamento, procedimento ou medicamento. Mensuram o benefício proporcional das novas tecnologias, avaliando ainda a capacidade eco-nômica do país para assimilar novos custos, antes de liberar a sua utili-zação pelo mercado.

Outra agência de destaque é a CADTH - Canadian Agency for Drugs and Technology in Health. A agência canadense assume como pressuposto de sua atuação que a

“avaliação tecnológica em saúde é a avaliação das tec-nologias médicas – incluindo procedimentos, equipa-mentos e drogas. Uma avaliação requer uma aborda-gem interdisciplinar que abrange análises de segurança, custos, efetividade, eficácia, ética e medidas de qualida-de de vida”.

No Brasil, em que pese os esforços da ANVISA para analisar tec-nicamente os novos insumos de sua responsabilidade, a avaliação do custo-efetividade e da capacidade econômica de absorção pela econo-mia do país não é realizada.

Outros aspectos orientam a avaliação das agências internacio-nais, tais como o custo-utilidade (cost-utility analysis) e o custo benefício (cost-benefit analysis), mas desponta como mais importante a análise do custo-eficácia (cost-effectiveness analysis), uma técnica de análise eco-nômica que compara diferentes serviços médicos em termos de quantas vidas são salvas, ou em que proporção a qualidade de vida foi incremen-tada. A análise converte os efeitos em medidas de cuidados à saúde e descreve os custos para algum ganho adicional em saúde com mesmo desfecho clínico (por exemplo, custo pela prevenção adicional de cada acidente vascular cerebral). O resultado de avaliação de custo-efetivida-de é apresentado em termos de proporção (ratio), demonstrada em anos de vida ganhos ou qualidade de anos de vida ajustados (QALY).

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3 A medicina é das poucas áreas (senão a única) na qual o avanço tecnológico não reduz custo, produzindo o fenômeno da acumulação tec-nológica: uma nova tecnologia não substitui a antiga. Não é incomum a uti-lização de recursos sofisticados na busca de diagnóstico que poderiam ser realizados por meio da tecnologia precedente mais simples.

Em 1994, Rettig descreveu a maneira pela qual a tecnologia afe-tava os custos em saúde. Os mecanismos descritos compreendiam o desenvolvimento de: (1) novos tratamentos para patologias anteriormen-te consideradas terminais ou incuráveis (como AIDS e insuficiência renal crônica); (2) novos tratamentos para patologias agudas (ex. angioplastias e revascularização do miocárdio); (3) novos procedimentos para desco-berta e tratamento de patologias secundárias a uma patologia principal (ex. eritropoetina para o tratamento da anemia em pacientes submetidos à diálise); (4) ampliação de indicações de uma tecnologia para outras patologias (ex. laser desenvolvido para aplicações em oftalmologia e dermatologia, utilizado em gastroenterologia, ginecologia e outras espe-cialidades) (RETTIG, 1994).

A aberração maior, no entanto, no capítulo das novas tecnologias, é o uso perdulário e acrítico dos recursos, fenômeno comprometedor das finanças do sistema, associado à negligência quanto a integridade física do paciente. Os procedimentos, muitas vezes, são prescritos a partir do assédio permanente da indústria produtora de tecnologia sobre os profissionais de saúde, ferindo, no mínimo, a ética médica e não raro, configurando relação promíscua entre indústria e prestadores de servi-ços. Nesse contexto, não é o quadro clínico do paciente que determina o procedimento adotado.

A Avaliação Tecnológica em Saúde (ATS), ainda não instituciona-lizada em nosso país, pode ser utilizada com a finalidade de promover acesso a tecnologias seguras, eficazes e custo-eficácia, ou com o intui-to de desencorajar o acesso a tecnologias indesejáveis (GOODMAN, 1998).

Em 1998, o economista em saúde Michael Chernew, professor da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, publicou estudo con-cluindo após uma revisão das evidências que causam o crescimento

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acelerado dos custos em saúde, que a maior causa desse crescimento são as novas tecnologias:

“Não é o aumento das utilizações, não são as frau-des, não é o fortalecimento das regulamentações, não é o envelhecimento da população – tudo isso contribui, mas o fator predominante para o aumento dos custos é o desenvolvimento e a utilização de novas tecnolo-gias”.

(CHERNEW, 1998)

Em 2001, Cutler e Mac Clellan descreveram o fenômeno da ex-pansão terapêutica, segundo o qual uma nova tecnologia em saúde, que teoricamente reduziria o custo unitário ou o desconforto do paciente, aca-baria por induzir ou estimular maior taxa de utilização (CUTLER; MAC CLELLAN, 2008). O exemplo mais conhecido é o das cirurgias minima-mente invasivas, mais especificamente as colecistectomias videolaparos-cópicas. Elas reduziriam 25% nos custos unitários (principalmente pelo menor tempo de permanência hospitalar). Porém, sua introdução aumen-tou os custos agregados (materiais especiais) e a taxa de utilização (nos EUA, houve aumento de 60% no número de procedimentos realizados) (LEGURRETA, 1993).

É inegável a importância do surgimento de novas tecnologias, em todas as suas formas. A longevidade e a melhor qualidade de vida da população são influenciadas em alto grau pelas novidades científicas. Mas não há como negar também que é preciso saber decidir por quais práticas incorporar, elegendo aquelas que de fato tragam benefício à saúde das pessoas e que encerrem uma avaliação custo-efetiva positi-va para o sistema.

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3 ENvELhECImENTO DA POPuLAçãO

O processo de envelhecimento populacional resulta do declínio da fecundidade combinado com o aumento da longevidade. Iniciado no final do século XIX em alguns países da Europa ocidental, no Brasil, o fenômeno adquire maior expressão a partir do final dos anos 60, com acentuada queda da fecundidade, resultando no célere envelhecimento da população.

“De se destacar que os países da Europa vivenciaram lentamente o processo de envelhecimento de sua popu-lação. Há quem afirme que a Europa enriqueceu para depois envelhecer, enquanto o Brasil está envelhecen-do tão rápido que não terá tempo de melhorar a sua condição econômica” .

(KANAMURA, 2003)

O quadro 1 demonstra o comportamento da taxa de fecundidade na Inglaterra e no Brasil.

Quadro � - Taxas de fecundidade na Inglaterra e Brasil

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Em 1950, a proporção de idosos acima de 65 anos era de 2,4% enquanto a de jovens abaixo de 15 anos era de 41,8%. Em 2000, os ido-sos representavam 5,4% e os jovens 28,6%. Atualmente, a população de idosos representa um contingente de quase 15 milhões de pessoas com 60 anos ou mais de idade (8,6% da população brasileira).

Nos próximos 20 anos, a população idosa do Brasil poderá ultrapas-sar os 30 milhões de pessoas e deverá representar quase 13% da popula-ção ao final desse período. Em 2000, segundo o censo, a população de 60 anos ou mais de idade era de 14.536.029 pessoas, contra 10.722.705 em 1991. O peso relativo da população idosa no início da década representa-va 7,3%, enquanto, em 2000, essa proporção atingia 8,6%.

A proporção de idosos vem crescendo mais rapidamente que a proporção de crianças. Em 1980, existiam cerca de 16 idosos para cada 100 crianças; em 2000, essa relação praticamente dobrou, passando para quase 30 idosos por 100 crianças. A queda da taxa de fecundidade ainda é a principal responsável pela redução do número de crianças, mas a lon-gevidade vem contribuindo progressivamente para o aumento de idosos na população. Um exemplo é o grupo das pessoas de 75 anos ou mais de idade que teve o maior crescimento relativo (49,3%) nos últimos dez anos, em relação ao total da população idosa.

O envelhecimento da população significa uma conquista para a hu-manidade, mas representa um grande peso para o sistema de saúde. A mesma motivação que se observa para resolver o problema do sistema previdenciário, objeto de mobilização do Executivo, Legislativo, Judiciário e da sociedade não se verifica com relação à assistência à saúde, embora esta seja tão ou mais afetada pelo fenômeno.

A proporção da população mais idosa, ou seja, a de 80 anos e mais, também está aumentando, alterando a composição etária dentro do próprio grupo, isto é, a população já considerada idosa também está envelhecendo. Esse tem sido o segmento populacional que mais cres-ce, embora ainda apresente um contingente pequeno no Brasil.

A qualidade de vida ou sobrevida dos idosos, em termos de saú-de, é tema muito presente nos estudos de gerontologia. Existem do-

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3 enças crônicas que, antes de representar um risco de vida, constituem uma ameaça à autonomia e independência do idoso. Estudos epide-miológicos da OMS, em 1984, estimavam que 75% dos indivíduos que sobrevivem aos 70 anos, cerca de um terço deles serão portadores de doenças crônicas e pelo menos 20% terão algum grau de incapa-cidade associada. A população idosa acometida de doenças crônicas e degenerativas, a demandar tratamento e tecnologias cada vez mais onerosos é uma combinação explosiva para o segmento da saúde, pressionando de forma significativa os custos assistenciais.

É possível imaginar que em 30 ou 40 anos um país sem meni-nos, mas “velhinhos de rua”, como consequência da impossibilidade ou vontade das famílias para cuidar de seu idosos e da incapacidade do Estado para tratar deles.

Além dos aspectos até então analisados, outros fatores tornam complexa a equação do financiamento da saúde em nosso país, como é o caso da acumulação epidemiológica (doenças infecto-contagiosas, já eliminadas em países desenvolvidos, como a reemergência da tu-berculose, dengue e mais recentemente da febre amarela, convivendo com as doenças crônico-degenerativas e emergentes como a AIDS). Na mesma linha, a formação do médico, principal demandador dos recursos disponíveis, a medicalização da sociedade (que abdica do auto-cuidado e “terceiriza” aos aparatos médicos a responsabilidade sobre a própria condição de saúde) e a cultura do paciente, presa fácil do marketing das novas tecnologias, igualmente constituem em fenômenos merecedores de estudado. Ainda, o pagamento por procedimento (fee-for-service) e a pouca valorização do trabalho médico (ensejam desvios de conduta e formas artificiais e não sempre éticas de remuneração por fontes inde-vidas) e os produtores de tecnologias.

Para buscar superar as dificuldades desse quadro complexo e responder ao desafio de oferecer assistência à saúde com qualidade, a um custo que a sociedade possa pagar, defendemos a mudança do modelo assistencial.

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DESAfIO: muDANçA DO mODELO ASSISTENCIAL

Adequar oferta, necessidade e demanda em saúde é o pressu-posto norteador da concepção de um modelo assistencial mais eficaz e eficiente. O modelo pede investimentos em elementos estruturantes do sistema (hierarquia do acesso e referenciamento da rede), em progra-mas preventivos, em educação técnica da equipe e educação em saúde dos usuários do sistema.

1 - Hierarquia do acesso. Para substituir o laissez-faire caracte-rístico da relação usuário-prestador de serviço, no qual o acesso aos recursos ocorre desorganizadamente (diretamente a médicos especialistas ou a pronto-atendimento dos hospitais), é preciso investir em serviços próprios compostos por equipe multidiscipli-nar e profissionais médicos generalistas.

Os serviços devem oferecer atendimento caracterizado por ele-mentos qualitativos fundamentais: acolhimento, vínculo, respon-sabilização e resolutividade. Investindo em profissionais médicos que dêem um passo atrás e enxerguem o paciente e não apenas a sua porção doente; que passem a conhecer e acompanhar o histórico de vida e de saúde do paciente e que tenham condições de dar resposta a um percentual significativo de seus episódios de doença. A abordagem multidisciplinar (enfermagem, psicolo-gia, assistência social e nutrição) é suporte complementar de im-portância crucial, para auxiliar na análise das várias dimensões de vida das pessoas, peculiar à formação técnica de cada uma dessas categorias profissionais.

Tal organização evita a ocorrência da triagem leiga (uma dor de cabeça que sugestiona as pessoas a buscar um neurologista não é exemplo incomum) e à farta realização de exames desnecessá-rios. De uma maneira geral, a formação médica no modelo flexne-riano, que dá prioridade à formação do especialista em detrimento

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3 da abordagem integral do indivíduo, trouxe a prática, não sempre eficaz, da busca do diagnóstico por descarte de hipóteses (comu-mente apoiada em recursos tecnológicos), ao invés da investiga-ção diagnóstica a partir do histórico de vida do paciente.

Quando houver a necessidade de acesso ao médico especialista, será a partir da orientação do médico de família ou clínico geral, referência principal do paciente até o restabelecimento de sua condição de saúde. Daí a necessidade, também, de rede refe-renciada de atendimento secundário (especialidades médicas) e terciário (hospitais e serviços especializados de maior complexi-dade).

2 - Rede referenciada. Diferente do apregoado pelos defensores do credenciamento universal, propomos uma rede referenciada de es-pecialistas, que jamais deixarão de ter papel de significativa impor-tância nos modelos assistenciais. Ocorre que, no Brasil, em 2009, há um número excessivamente elevado desses profissionais, mal formados, desatualizados, atuando individualmente e desconecta-dos de um projeto assistencial. Não promovem a saúde e mal con-seguem dar resposta a episódios de doença. É preciso identificar entre tantos aqueles profissionais com excelência técnica e com-prometidos com o sistema de saúde, e que aceitem atuar dentro de uma nova lógica, em conjunto com os médicos generalistas. Des-ses profissionais também espera-se que sejam acolhedores, que estabeleçam vínculo, responsabilizem-se pelos pacientes e tenham capacidade de resposta aos problemas.

Um novo compromisso deve ser pactuado com os profissionais escolhidos, que passariam a receber a demanda dos serviços próprios e que seriam merecedores de uma remuneração dife-renciada. Esse novo contrato elaborado sob o pressuposto da confiança, não mais se estruturaria apenas em controles, seja através de pré-autorizações ou de auditorias em todas as suas formas. O gestor do sistema teria a convicção de que os recur-sos buscados, tanto pelos generalistas como pelos especialistas, seriam de fato necessários ao tratamento, pois amparados por

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diretrizes clínicas consensuais e pela boa técnica da medicina baseada em evidência, entre outras ferramentas para a atuação segura e eficaz dos médicos.

A tecnologia custo-eficaz estaria disponível para os tratamentos, mas seriam acessadas com racionalidade técnica e preocupação econômica, pautadas pela consciência e responsabilidade com o financiamento do sistema e pela preocupação adicional com efei-tos iatrogênicos das novas tecnologias (aspecto tão importante e que pouca atenção tem merecido em nosso sistema de saúde). O mesmo compromisso se esperaria dos serviços hospitalares, de atenção domiciliar e de outras formas de terapias coadjuvantes.

3 - Programas preventivos. Para responder às necessidades da melhor alocação possível dos recursos, afinal sempre finitos, e da obtenção do financiamento do sistema suportável pela socieda-de que a mantém, não há como negligenciar com a atenção aos maiores utilizadores dos recursos médicos disponíveis.

Puristas recebem com má vontade a defesa desta ideia, taxando como inadequadas as ferramentas de case management (volta-dos a pacientes crônicos), disease management (cujo foco são os pacientes, de acordo com suas doenças) e do managed care americano. Condenam os programas verticais voltados a grupos por patologia, por exemplo, preferem as ações universais que não classifiquem o indivíduo de acordo com seu quadro e grau de morbidade. Julgamos essa posição pouco defensável, pois não dá resposta à necessidade de contenção da escalada do custo assistencial.

Em dissertação de mestrado apresentada na Faculdade de Me-dicina da Universidade de São Paulo, Kanamura (2005) demons-trou que 1% do universo da população estudada, de um plano de autogestão, consumiu 36,2% de toda a despesa do plano no ano de 2002. Identificar os maiores beneficiários e desenhar ações de cuidado à saúde para essa população não apenas significa a assunção da responsabilidade sobre o financiamento do em-preendimento, mas materializa a necessidade de atender quem

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3 precisa de mais atenção. Isto jamais deixará de ser um objetivo dos mais legítimos.

Daí a necessidade do desenvolvimento de programas para atuar nos três níveis da prevenção: primário, secundário e terciário. No primeiro, para evitar que as doenças se instalem; no segundo, para que eventual desequilíbrio identificado não se transforme em patologia; e no terceiro para evitar complicações do quadro clínico daqueles já acometidos por doenças. A utilização de pro-tocolos e de técnicas adequadas para a eliminação de fatores de risco (individual, social ou ambiental) beneficiará a um só tempo os indivíduos, a economia e os interesses coletivos do sistema. A epidemiologia aplicada será um recurso poderoso a auxiliar no cumprimento desse desafio.

4 - Educação técnica continuada. Um dos grandes dilemas atuais, fator de sucesso para o modelo que defendemos, é dotar os profis-sionais de saúde, especialmente os médicos, de atualização técnica permanente, para que de fato tenham capacidade resolutiva. Para valorizar o generalista, antes é preciso ajudar a formá-lo, responsabi-lidade não apenas da academia ou do Estado, mas também das em-presas e entidades do setor privado. No entanto, como fazer frente à verdadeira explosão de informações, disseminadas com facilidade jamais vista pela rede mundial de comunicação? Mais do que isso, como saber selecionar as melhores fontes acadêmicas, em especial no ambiente no qual os produtores de tecnologia são os principais financiadores das pesquisas no campo médico e científico?

Em dissertação de mestrado defendida na Universidade de Brasília (UNB), Oscar César Brandão (2004), propõe como resposta à ne-cessidade de atualização do conhecimento médico: (1) utilização do ferramental da ciência da informação já utilizado pelos países de-senvolvidos, via web, a partir de estruturas inteligentes de suporte, (2) utilização de profissionais da ciência da informação estruturados em rede de computadores e de profissionais e serviços digitais de referência.

Brandão evoca, na epígrafe de seu trabalho, citação instigante de

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Gaston Bachelard, extraída de sua obra La formacion de l’esprit scientifique: “Face au réel, ce qu´on croit savoir clairment offus-que ce qu´on devrait savoir (...)”. Em tradução livre, “o que acredi-tamos saber, claramente ofusca o que deveríamos saber”.

Para mostrar que não é tão simplista a adoção de ferramentas tecnológicas como resposta ao desafio de atualizar conhecimen-tos, não menos interessante é o artigo publicado por Jérome Bindé e Joseph Goux no Jornal Folha de São Paulo, edição de 18.11.2003, do qual extraímos as seguintes reflexões:

“Para que memorizar, se máquinas podem fazê-lo melhor e mais rapidamente do que nós? De que adianta conhe-cer um teorema ou uma receita, se podemos acessá-los facilmente na web?... Mas será que devemos concluir que a sociedade da informação conduz a uma socie-dade caracterizada pela amnésia e ignorância? Não. A pergunta ‘quem sabe?’ só terá perdido a relevância se confundirmos informação com conhecimento”.

(BINDÉ; GOUX, 2003:3)

Os autores continuam:

“O conhecimento inclui dimensões sociais, éticas e po-líticas que não podem ser reduzidas à tecnologia. Uma sociedade que fosse exclusivamente de informação se-ria um conjunto de enormes redes interligadas, eficazes e ágeis, mas que não iria produzir inovações (...). Sem o intercâmbio do conhecimento não podem existir avan-ços econômicos, científicos ou políticos de monta em nível local, regional ou global. A partilha equitativa do conhecimento será a origem da riqueza do amanhã”.

(BINDÉ; GOUX, 2003:3)

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3 Simples ou não o encontro de uma solução, o desafio da atua-lização do conhecimento, que assume proporções superlativas quando tratamos da ciência médica, deve merecer prioridade da pauta dos temas que estruturam um modelo eficaz de assistên-cia à saúde. As mais de cem diretrizes médicas desenvolvidas pelas sociedades de especialidades, sob coordenação da Asso-ciação Médica Brasileira (AMB), são um início promissor. Resta assumi-las como importantes pelos profissionais e entidades de assistência à saúde e definir estratégias de disseminação de sua utilização.

5 - Educação em saúde. Os usuários do sistema privado de aten-ção à saúde são presas fáceis das ações de marketing do setor. Além da “terceirização” do próprio cuidado, como mencionado, há uma crença acrítica na medicina apoiada em tecnologia, re-sultado da propaganda agressiva, não apenas dos produtores de tecnologia, mas também de operadoras de planos, que não raro associam proteção à saúde com hospitais de grife, acesso a exa-mes high tech e serviços de transporte aéreo dotados de unidade de terapia intensiva.

O resultado é que os pacientes não se sentem consultados quan-do o médico não solicita um exame ou não prescreve um medi-camento. Bernard Lown (1998), cardiologista americano, em seu livro “A arte perdida de curar” descreve o fenômeno infelizmente tão comum:

“Sinto-me por vezes desanimado quando vejo que, após investir muito tempo na coleta de detalhada história mé-dica que me diz exatamente o que há, o paciente se mostra incrédulo. Mas, quando o levo para minha sala de exames, onde tenho a um canto um antiquado fluo-roscópio com intensificador de imagens, máquina cujo painel de instrumentos se assemelha ao de um avião, o paciente fica impressionado e posso imaginá-lo dizendo com seus botões: ‘Ah, que bom estar num consultório

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tão bem equipado’. Ou talvez: ‘O doutor vai usar comi-go essa máquina maravilhosa?’ A fé pueril na magia da tecnologia é uma das razões pelas quais o público vem tolerando a desumanização da medicina”.

(LOW, 1998: 95)

Essa cultura só poderá ser mudada por intermédio de ações de educação em saúde, como os programas de promoção da saúde, evi-denciando a importância do auto-cuidado e incutindo nas pessoas a ideia de que são as primeiras responsáveis pela manutenção de uma vida saudável. Investindo em educação poderemos despertar a crítica e a consciência para o real significado da atenção à saúde, o que inclui alertas às iatrogenias provocadas por ações e aparatos médicos, su-postamente inofensivos.

REfLEXõES fINAIS

Buscamos avaliar aspectos do setor privado da assistência à saú-de derivado de modelo assistencial que consideramos falido, tendo em vista os gastos insuportavelmente crescentes e consequente impossibi-lidade de financiamento.

Em nosso entendimento, não há estratégia que dê conta do mo-delo atual, injusto na alocação dos insumos médicos, desigual no aces-so, perdulário na utilização dos recursos e pouco efetivo na gestão, no custo e na qualidade. Além disso, aprofunda as desigualdades já pre-sentes no setor privado, assumindo proporções inaceitáveis quando o foco é o setor público.

Enquanto um novo modelo e novas estratégias assistenciais não forem adotadas, o sistema atual continuará patrocinando um cenário de desentendimento, no qual todos os atores continuarão insatisfeitos

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3 e colecionando perdas. Não há como ser outro o resultado de curto prazo: menor número de operadoras atuando, de oferta de leitos e de menos beneficiários assistidos pelo setor suplementar; mais médicos sub-remunerados e mais brasileiros dependentes do Sistema Único de Saúde.

Com essas considerações, enfim, quisemos fazer ver que o finan-ciamento da assistência à saúde é razão direta do modelo assistencial adotado, que deve ser estruturado a partir da regulação entre oferta, demanda e necessidade, unindo o melhor dos dois mundos: melhorar a qualidade da assistência a um custo que a sociedade possa pagar.

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REfERêNCIAS BIBLIOGRáfICAS

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Reembolso condicional e compartilhamento de risco (risk sharing) na adoção de

novas tecnologias em saúde

Gabriela Tannus Branco de Araújo - Economista, mestre em ciências da saúde, diretora da Axia.Bio Consultoria.

Marcelo Cunio Machado Fonseca - Médico, mestre em econo-mia e gestão da saúde, professor da UNIFESP, diretor-médico da Axia.

Bio Consultoria.

O envelhecimento da população e o contínuo desenvolvimento de novas tecnologias, que por sua vez aumentam o número de pessoas com vidas mais duradouras e de melhor qualidade, geram incremento no consumo de recursos dos sistemas de saúde, aumentando os gas-tos. Este último ocorre não só pelo aumento da utilização de tecnologias novas ou já estabelecidas, mas também pelo aumento dos preços das novas tecnologias.

Surge, então, uma pergunta fundamental: o quanto estamos dis-postos a investir para melhorar a quantidade e a qualidade de nossas vidas? Não se trata de pergunta apenas de cunho pessoal, mas princi-palmente, institucional, tanto para instituições governamentais quanto para privadas.

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3 Embora haja evidências de que o aumento da utilização do siste-ma de saúde seja o principal direcionador dos custos – principalmente no que concerne ao uso de medicamentos (UNITED KINGDOM OFFI-CE OF FAIR TRADING, 2009; DUBOIS at al, 2000; COOK at al, 2008) – grande foco é dado ao preço das novas tecnologias.

Para chegar ao mercado, uma nova tecnologia passa por um lon-go, rigoroso e caro processo de aprovação (que inclui o desenvolvimen-to de evidências clínicas) e ainda assim, há um alto grau de incerteza sobre as características da nova tecnologia. A pergunta persistente é se essa tecnologia se comportará, no mercado, na vida real, como nos estudos clínicos. Há tempos, os economistas reconhecem, as tecno-logias médicas, por exemplo, as drogas, são bens experimentais, ou seja, o efeito no indivíduo ou em uma população específica pode ser de previsão (COOK, 2008; ARROW, 1963). Assim, a demanda por novas tecnologias médicas, a incerteza inerente à efetividade e a capacidade de pagar leva a enorme pressão de custo na maior parte das instituições governamentais e privadas ao redor do mundo, inclusive do Brasil. A resposta à pressão de custo tem privilegiado alguma forma de alteração ou contenção de custos, ou a eficiência do sistema de saúde.

Mecanismos puros de controle de custos incluem descontos for-çados e referenciamento de preços, ambos já conhecidos em nosso mercado de saúde. Medidas de eficiência incluem o estabelecimento de barreiras maiores para a demonstração do valor terapêutico adicio-nal – incluindo-se a necessidade de evidências farmaco-econômicas — bem como diretrizes de tratamento crescentemente especificas para orientar os médicos nas alternativas mais custo-efetivas, para pacientes específicos.

As avaliações farmaco-econômicas em saúde podem tanto con-duzir à aceitação ou à recusa do reembolso ou cobertura da nova tecno-logia, porém mais frequentemente resultam em aceitação com restrição de acesso, por exemplo, uso somente como terceira linha de tratamento, somente pacientes positivos ao teste de determinado biomarcador, etc.

As avaliações, além dos critérios farmaco-econômicos, geralmen-te estão embasadas nos resultados de eficácia das tecnologias em es-tudo e também objetivam gerenciar os custos e incertezas associados

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às tecnologias em saúde. Muitas fontes pagadoras têm adotado e/ou desenvolvido consensos, diretrizes, determinando qual, em quais condi-ções e a quais custos as tecnologias podem ser utilizadas.

Os consensos requerem comumente, além da revisão sistemática da literatura, uma análise de custo-efetividade e de impacto orçamen-tário (ZARIC at al, 2009). Como já nos referimos, a futura efetividade e demanda da nova tecnologia apresentam certa dificuldade de previsão no momento da decisão sobre a incorporação da mesma no mercado, assim as previsões de custo-efetividade e impacto orçamentário podem não permanecerem as mesma (UNITED KINGDOM OFFICE OF FAIR TRADING, 2009), exigindo atualização constante.

Nesse contexto de gerenciamento dos custos da inovação, em 2004, surge na Inglaterra a proposta de um sistema de reembolso con-dicional ou compartilhamento de risco (risk-sharing) (OFT, 2004). Em ambas as modalidades, o objetivo é fazer com que a nova tecnologia fique disponível aos pacientes ao mesmo tempo em que a fonte paga-dora tenha uma redução temporária de risco ao adotá-la. Nos acordos feitos entre fabricantes e fontes pagadoras, por um determinado perío-do, a nova tecnologia é incorporada no sistema, podendo posteriormen-te ser mantida ou retirada.

No sistema de reembolso condicional, o produto é reembolsado somente na condição em que dados adicionais sejam coletados após o lançamento da tecnologia no mercado. Caso não ocorra, os parâmetros de efetividade e custos associados não se comprovem similares aos dados de eficácia e custos projetados anteriormente ao lançamento, a tecnologia poderá ter seu preço reduzido ou até mesmo ser retirada do sistema de reembolso.

No compartilhamento de risco (risk-sharing) o nível final de reem-bolso é baseado no desempenho da nova tecnologia, de acordo com critérios pré-estabelecidos em contrato entre o fabricante e a fonte pa-gadora. O desemepnho da tecnologia pode ser determinado por diver-sos parâmetros, estabelecidos em comum acordo entre as partes. Um dos exemplos de compartilhamento de risco mais comentado, por ser um dos primeiros, é o do bortezomib como monoterapia do mieloma múltiplo, no Reino Unido.

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3 Em 2007, durante a fase de avaliação da droga pelo National Insti-tute of Clinical Excelence (NICE), um acordo no qual o fabricante garantia um desfecho específico foi firmado por meio da mensuração de um bio-marcador tumoral específico (proteína monoclonal ou proteína M) após quatro ciclos de tratamento (NICE, 2009). Da mesma forma, o sistema de saúde inglês deveria assegurar, todo paciente que já realizou pelo menos uma terapia anterior, esteja em recidiva e recebeu ou é candidato a transplante de medula óssea, tenha acesso a droga (NICE, 2009). O fabricante deve reembolsar ao sistema de saúde o custo de tratamento para os pacientes que não responderem ou tiverem uma resposta par-cial, segundo o desfecho específico estabelecido entre ambos.

A apresentação deste caso pode provocar duas reações anta-gônicas: empolgação e temor. Empolgação por apresentar a possibili-dade de um meio termo entre fabricantes e fontes pagadoras, no qual são estabelecidos parâmetros de avaliação em comum acordo e a nova tecnologia de saúde terá a oportunidade de mostrar suas qualidades. Temor por haver a possibilidade da descontinuidade de tecnologias ou não introdução de novas, caso não haja um acordo entre as partes e, assim, pacientes elegíveis para tratamento e com grande possibilidade de se beneficiar seriam prejudicados.

Outros exemplos de compartilhamento de risco também advindos do Reino Unido, abaixo descritos.

– Ranibizumab para degeneração macular (NICE, 2008) – se o paciente precisar de mais de 14 injeções no olho em tratamento, fabricante cobre o custo adicional.

– Erlotinib para câncer de pulmão pequenas células (NICE, 2008) se o custo global de tratamento do paciente exceder o custo que o mesmo teria utilizando o docetaxel, o fabricante do erlotinib as-sume os custos adicionais.

Aparentemente, o compartilhamento de risco poderá ser uma opção para introdução de novas tecnologias no sistema de saúde, principalmen-te para tratamento de doenças crônicas durante as quais o paciente tem poucas opções terapêuticas, com a evolução e agravamento da doença.

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Concluindo, antes do reembolso condicional e compartilhamento de risco serem vistos como opção de salvação de negociação ou ainda como ameaça ao estabelecimento do livre mercado, consideremos os seguintes pontos:

1 - A época de preços livres para as tecnologias médicas está rapi-damente chegando ao fim.

2 - Em ambiente de desenvolvimento tecnológico sem precedentes e com demanda crescente de tecnologias médicas, surge grande pressão de custos nos sistemas de saúde.

3 - Há, de fato, grande incerteza, inerente as tecnologias médicas, no que concerne ao desempenho fora de ambientes controlados.

4 - O compa rtilhamento de risco surge como possibilidades de me-lhor integração dos interesses dos principais participantes do mer-cado: os pacientes, os provedores de serviço, os pagadores e os fabricantes de insumos.

5 - O compartilhamento de risco no contexto de melhor gerencia-mento da eficiência do sistema é do interesse de todos os partici-pantes do sistema de saúde, e mais interessante que uma aborda-gem de simples contenção de custos.

6 - Haverá dificuldades no delineamento dos acordos de compartilha-mento de risco associadas ao monitoramento de custos e ao consenso sobre quais serão os desfechos relevantes a alcançar no tratamento.

7 - Os parâmetros clínicos estabelecidos para a mensuração dos resultados deverão ser significativos para a doença em questão.

8 - Os acordos devem ser desenvolvidos individualmente por tec-nologia, respeitando os parâmetros clínicos, epidemiológicos, cultu-rais, as limitações do sistema de saúde e condutas médicas locais.

9 - Os contratos devem ser estabelecidos em bases legais factíveis no país onde ocorre a negociação – as legislações são diferentes em cada país.

10 - A fonte pagadora precisa criar esquema de acesso ao trata-mento, garantindo a disponibilidade do mesmo.

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3 11 - O controle dos pacientes incorporados no tratamento deve ser individualizado e constante, garantindo-se de um lado, a con-fidencialidade do paciente e de outro, a mensuração da resposta ao tratamento e custos associados.

12 - O fabricante disposto a realizar proposta de compartilhamen-to de risco deve em primeiro lugar analisar de forma criteriosa e crítica os dados da nova tecnologia, uma vez que se as mesmas não estiverem devidamente estabelecidas, podem provocar rea-ções futuras na negociação e adoção da tecnologia.

13 - As fontes pagadoras e fabricantes podem e devem estabele-cer relações de confiança mútua, baseada em evidências sólidas e parâmetros comuns a ambos.

14 - No Brasil, temos uma questão adicional: o art. 196 da Cons-tituição Federal dispõe expressamente que prover saúde é dever do Estado e direito do cidadão, porém não estabelece bases de decisão sobre a redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação, conforme o próprio artigo de-termina. Assim, no caso de alguma fonte pagadora ou fabrican-te iniciar algum trabalho para estabelecer consensos, reembolso condicional e compartilhamento de risco, deve considerar a pe-culiaridade legal, de tal forma que a Constituição não se torne entrave ao estabelecimento desse tipo de reembolso.

Por fim, sistemicamente, considerar com atenção o estabeleci-mento de acordos de compartilhamento de risco que preservem a ca-pacidade e o potencial de investimento das empresas fabricantes de inovações e ao mesmo tempo, protejam o pagador, seja ele privado ou governamental, contra o pagamento por tecnologias que não retornem real valor aos pacientes.

Este é um assunto efervescente no cenário mundial e em nosso país, ainda uma novidade. Dessa forma, temos que estar atentos aos movimentos nos outros países que já decidiram, ao menos temporaria-mente, sobre a adoção do sistema de compartilhamento de risco.

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A Nova Economia Institucional e a gestão da

saúde corporativa

Jin Whan Oh - Economista e advogado, pós-graduado em eco-nomia, sócio da Pluricare Health & Insurance.

INTRODuçãO

A gestão de saúde e prevenção de acidentes no trabalho é um de-safio para as organizações. O objetivo do artigo é estabelecer relações entre desempenho e competitividade econômica das organizações. Nos limites de presente artigo, gestão da saúde corporativa é entendida em sua dupla acepção: de processo voltado à atenção da saúde dos recur-sos humanos e, também, como alusão à maximização da saúde econô-mica da instituição.

Na discussão das diretrizes estratégicas das grandes organiza-ções, a produtividade e a valorização dos recursos humanos estão en-tre as mais relevantes. Considerando os crescentes custos vinculados à gestão das relações de trabalho, a capacidade da empresa em im-plantar programas e processos eficientes na gestão do capital humano confunde-se com sua capacidade competitiva. Por esse motivo, concei-tuamos a qualidade da gestão da saúde corporativa como um fator de

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3 sucesso ou fracasso econômico da empresa. Economista e apoiado em minha experiência profissional como principal executivo da Medial Saú-de S/A (operadora de plano de saúde) e de empresa de tele-serviços (Grupo CSU), abordo aspectos críticos inerentes às relações da gestão da saúde do trabalhador.

Apresento inicialmente reflexões sobre a relevância do setor em-presarial (principal financiador do sistema de saúde suplementar) para além de sua inerente responsabilidade pela medicina ocupacional, in-cluindo o reverso da medalha, pois o ambiente de trabalho é um dos principais focos de adoecimento e acidentes.

Para a avaliação dos determinantes centrais dos resultados, ris-cos e recompensas das empresas nas ações de atenção à saúde do trabalhador, analiso o ambiente institucional, as motivações dos agen-tes econômicos, as metodologias e os processos adotados. Por fim, analiso os principais desafios e dificuldades das empresas com grande número de funcionários e dos prestadores de serviços médicos e as-sistenciais. No final do artigo, apresento minha visão sobre programas de ação especializados para o equacionamento e controle dos custos e contingências, para criação de valor para a organização, para a busca da diferenciação competitiva, e consequente sucesso corporativo, em mercados crescentemente concorrenciais.

O advento de majoração de custos e riscos (decorrentes das re-centes mudanças no contexto regulatório e inspirada no conceito de “bonus versus malus”, do qual trataremos adiante) e os crescentes dispêndios assistenciais com os colaboradores impuseram aos empre-gadores ir além das ações voltadas para agravos já instalados. Essas empresas são compelidas a investir adicionalmente em prevenção de adoecimento e na segurança dos trabalhadores, sob risco de incorrer em pesados encargos financeiros.

A teoria econômica fornece o subsídio para entender o motivo das decisões de investimentos e o modelo de prioridade das ações empre-sariais. O critério econômico se apóia na racionalidade da maximização do valor da empresa, traduzida, de forma simples, como o valor presen-te do fluxo previsto de geração de caixa para os acionistas, ao longo da

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existência do negócio. O aparato da nova economia institucional ensina, o ambiente institucional estabelece não apenas os parâmetros de con-duta ética e socialmente responsável, mas, principalmente, a equação de recompensas e penalidades decorrentes do maior ou menor inves-timento (NORTH, 1990), ou da melhor ou pior gestão relacionada a de-terminado foco de atenção – em nosso caso, o investimento em saúde corporativa.

A orientação política e econômica condicionantes da formatação do ambiente institucional, sobretudo por meio da regulamentação legal, produziu as recentes alterações nas regras previdenciárias e trabalhis-tas, que transferiram, da sociedade para as empresas, grande parte dos gastos de atenção à saúde dos trabalhadores. A discussão em tor-no da correção ou da justiça do movimento transcende o objetivo do artigo, importando-nos apenas o entendimento de seus efeitos sobre a conduta empresarial: as empresas são compelidas a investir contí-nua e crescentemente em ações preventivas e assistenciais voltadas à saúde e segurança física dos trabalhadores. Justamente para evitar as pesadas consequências, institucionalmente impostas (provocadas pela omissão), as empresas são obrigadas à revisar radicalmente as práticas de atenção à saúde e segurança (geralmente, de pouca eficácia), até hoje dominantes no meio empresarial.

O PRINCIPAL CONTRATANTE DE PLANOS DE SAÚDE SuPLEmENTAR: A ImPORTâNCIA SOCIAL

DAS EmPRESAS PARA O SISTEmA DE SAÚDE

O setor de saúde suplementar abrange mais de 54 milhões de be-neficiários (dados para 2009); é a principal fonte pagadora dos hospitais, laboratórios de medicina diagnóstica, médicos e demais profissionais e entidades prestadoras de serviços de saúde. As operadoras privadas de planos de saúde abrangem uma população sob a regulamentação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) de 41,9 milhões de

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3 beneficiários em assistência médica (com ou sem assistência odonto-lógica) e 12,3 milhões de beneficiários em assistência exclusivamente odontológica (ANS, 2009). Quanto à forma de contratação dos planos de assistência médica (não exclusivamente odontológicos), cerca de 74% dos beneficiários registrados na ANS estão vinculados a planos coletivos, acima de 77% na proporção dos novos planos comercializa-dos após a regulamentação do setor, em 1998 (ANS, 2009).

Excetuando pequena parcela de planos coletivos sem patrocinador, a grande maioria dos beneficiários de planos de saúde brasileiros tem co-bertura garantida por planos coletivos patrocinados pelas empresas que empregam o titular beneficiário. O montante empenhado pelas empresas equivale a cerca de 25% da soma dos lucros das 500 maiores empresas do país e a 45% do orçamento anual do ministério da saúde. (ANS, 2009).

Da perspectiva dos trabalhadores, considerando a situação abso-lutamente precária do sistema público de saúde, a assistência médica é um dos itens mais valorizados dos benefícios oferecido pelas empresas e item decisivo na atração e retenção de talentos. Porém, subsidiar a cobertura de funcionários e dependentes é prática crescentemente mais preocupante, levando o mundo empresarial à encruzilhada: a tendência é de contínuo crescimento dos custos (resultado da combinação dos fa-tores demográfico, maior longevidade e da evolução tecnológica da me-dicina, introdutora de procedimentos mais caros). Tal realidade remete a um quadro preocupante, a perspectiva é que o segmento empresarial assuma sobrecarga ainda maior. Alguém poderia indagar se a orienta-ção política que acomoda – e de certa forma condiciona – o modelo é justa e coerente com a racionalidade econômica. Na questão da justiça, podemos avaliar em perspectiva mais restrita, de acordo com a respon-sabilidade das empresas que, afinal, contribuem para a incidência de doenças ou acidentes, conforme abordarei na seção seguinte. Ampliar a perspectiva – a responsabilidade primária cabe ao poder público – é uma reflexão alheia ao objetivo do artigo.

No campo da racionalidade econômica – compelir as empresas a gasto maior com a atenção à saúde e segurança dos trabalhadores – o aperfeiçoamento dos processos e maior integração da saúde ocupacio-

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nal com a saúde assistencial podem produzir benefícios para todos os agentes econômicos, inclusive para empresas, cujo retorno sobre gas-tos viria na forma de maior competitividade.

O ADOECImENTO NA EmPRESA

O estilo de vida, os hábitos dos indivíduos, o meio no qual vivem, os fatores hereditários e os acasos da vida, determinam de forma deci-siva a saúde ou doença física e mental. E, na medida em que despen-demos o maior período de nossos dias no trabalho, está estabelecida a relação entre trabalho, saúde e doença. O ambiente de trabalho é foco patogênico para os trabalhadores, assim, considero justo que as empre-sas financiem os gastos de atenção à saúde dos trabalhadores, cuidan-do da medicina ocupacional e provendo cobertura de planos de saúde.

O ritmo crescente dos processos laborais, as inovações tecno-lógicas e novas formas de organizar e gerenciar o trabalho impõem a todos nós um maior desgaste físico e mental. No mundo contemporâ-neo da globalização, o ambiente empresarial obedece à lógica da busca contínua por maior eficiência, cultivando-se a produtividade e a competi-tividade, sem conseguir afastar o fantasma permanente do desemprego e frustração pelas metas não alcançadas.

No complexo objetivo de conciliar a eficiência empresarial com a saúde e conforto dos trabalhadores, resta claro, as condições de se-tores e empresas em particular, bem como as ações de prevenção e programas efetivos de atenção aos seus colaboradores são diferentes e produzem resultados diferentes. A situação dos médicos do trabalho é difícil. De um lado, o código de conduta médica visa essencialmente promoção da saúde dos trabalhadores e informação a empregadores e empregados sobre os riscos do ambiente de trabalho; de outro, são pressionados (quanto à independência profissional e moral) pela força econômica de seus empregadores.

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3 Tradicionalmente, as doenças geradas pelo trabalho em ambien-tes considerados insalubres eram reconhecidas sem muita polêmica. O fenômeno recente é a crescente ocorrência de queixas relativas à fadi-ga mental e física, relacionadas, por exemplo, à patologias ósteo-mus-culares e psiquiátricas, apontando para condições de trabalho desfavo-ráveis vinculadas à organização do processo de trabalho. Entre esses, a pressão pelo cumprimento de prazos estritos, restrições ao diálogo, forte solicitação da atenção e da memória, monitoração e estímulos à competição submetem os trabalhadores a sobrecargas físicas, psíqui-cas e cognitivas.

A racionalidade de maximização dos lucros no entanto, dificulta a compreensão do custo-benefício financeiro da atenção e do investimen-to necessários para prevenir casos de difícil diagnóstico e tratamento (tais como os casos de sofrimento mental e DORT). Como consequên-cia, os programas e processos empregados na saúde têm até hoje seu foco nos agravos já instalados, sendo raros os exemplos consistentes de investimentos preventivos.

O fOCO NO AGRAvO INSTALADO vERSuS ATuAçãO PREvENTIvA

Como princípio e valor moral, é fácil entender, o adoecimento e a falta de segurança não interessam a qualquer agente econômico, se-jam empresas, trabalhadores ou governo. E, por todas as evidências da ciência médica, para a sociedade, investir na prevenção de acidentes e doenças é economicamente mais racional do que enfrentar os altos custos de tratamento e dos custos sociais decorrentes de eventual de-bilitação ou invalidez.

No entanto, a grande maioria não só de empresários como de gestores de empresas age de forma equivocada, devido ao grande grau de ignorância sobre o assunto. Os agentes têm visão limitada, asso-ciada aos velhos conceitos cartoriais de cumprimento das exigências legais e previdenciárias, orientadas mais para a documentação de evi-

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dências do que para a definição, implementação e estabilização de práticas preventivas. De fato, investimentos nos supostos programas preventivos consumiram recursos significativos, sem resultados palpá-veis. Se a esse quadro somarmos o fenômeno da alta rotatividade do emprego em muitos setores, o investimento preventivo torna-se ainda mais duvidoso relativamente ao retorno para a organização, podendo beneficiar somente os futuros empregadores e terceiros da sociedade, de forma ainda mais difusa.

No limite da racionalidade da empresa, a motivação para a inves-tigação e o esforço em aprimorar programas preventivos são prejudi-cados pela ausência de instrumento que atribua o nexo epidemiológico da patologia à organização, que não será responsável pelo desenvolvi-mento de doenças – o custo do tratamento provavelmente recairá para terceiros e para a sociedade. Dessa forma, há a possibilidade de que empresas faltosas, que não investem na atenção à saúde e segurança do trabalhador, venham em última instância, beneficiar-se dos investi-mentos de outras organizações mais responsáveis. Assim, entende-se o motivo das empresas para gerir apenas os agravos instalados. Tal prática, quando ampla e geral, é evidentemente pior do que a adoção de medidas preventivas por todas as empresas. Alterações na legislação trabalhista e previdenciária vêm para corrigir o equilíbrio entre as ações curativas e preventivas.

A legislação é positiva, busca evitar o prejuízo para saúde do tra-balhador, o elevado absenteísmo, o aumento dos custos assistenciais, as dificuldades cotidianas de gerenciamento, a deterioração do clima organizacional e o baixo desempenho operacional da empresa. Em últi-ma instância, a lei pode ter reflexos positivos na capacidade competitiva das organizações.

Para entender como motivar as empresas a investir em ações preventivas, apesar de seus custos, devemos analisar se o conjunto das regras institucionais está disposto de forma a produzir convergência entre interesses e os incentivos para que os agentes colaborem, não apenas pelos referidos princípios e valores morais, mas como resultado da maximização de seus interesses econômicos sob as restrições im-postas pelas regras do jogo. De acordo com a teoria, a motivação das

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3 empresas para colaborar é atingida por meio da maximização de valor, pela minimização dos custos das sanções e das penalidades pela não colaboração (NORTH, 2009).

A TEORIA ECONômICA - AS LIçõES DA NOvA ECONOmIA INSTITuCIONAL (NEI)

A NEI explica-nos as motivações das empresas e os principais benefícios da adoção de programas de gestão integrada da saúde do trabalhador. Em síntese, a motivação e o grau de adesão aos progra-mas de prevenção das empresas dependem dos incentivos oferecidos pelo ambiente de negócios para programas estruturados de atenção ao trabalhador e das penalidades para a não adoção desses.

Há duas perspectivas distintas para os objetivos da organização empresarial. A perspectiva dos stockholders (sócios e acionistas), que demanda dos executivos a maximização do valor da empresa e dos lu-cros de seus acionistas, e a perspectiva dos demais stakeholders, que de-manda condutas responsáveis, em consideração aos demais indivíduos e grupos sociais afetados pela atuação da empresa. Ainda que essas duas perspectivas sejam conciliáveis e acomodáveis sob um comportamento ético, elas podem produzir ações de orientação e magnitude bastante diferentes, com resultados diferentes para as empresas e a sociedade.

Douglas North (1990), proeminente economista, um dos princi-pais elaboradores do arcabouço teórico da Nova Economia Institucional e prêmio Nobel de economia em 1993, dispõe que

“as instituições são as regras do jogo de uma sociedade, ou, mais formalmente, limites e restrições desenvolvi-dos pelos indivíduos para moldar a interação humana”.

Tais regras podem ser formais, como leis escritas, ou informais, como convenções sociais, códigos de comportamento e tradições, que, ao definir uma estrutura de incentivos norteadoras das ações dos agen-

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tes econômicos e sociais, compelem e delimitam as suas escolhas. Analogamente aos jogos e os esportes, instituições são as regras do jogo, e as organizações, os jogadores. Como consequência, o ambien-te institucional influencia diretamente o comportamento das empresas e a forma como elas evoluem e prosperam, na medida em que são definidas a estrutura de incentivos e as restrições para a maximização de seus objetivos de retorno. Por estrutura de incentivos, entendamos o conjunto de ganhos e oportunidades positivas e também o conjunto de sanções e penalidades que afetam o valor para o acionista no longo prazo, seja esse valor criado pelo retorno direto da produtividade dos fa-tores de capital (financeiro, operacional e humano), seja pelo resultado do prestígio e reputação da atuação socialmente responsável.

Compreender o significado da influência do ambiente institucional é fundamental para a determinação de quais habilidades e processos empresariais serão recompensados. Portanto, um ato institucional que valorize ações de atenção à saúde do trabalhador compelirá as empre-sas a investir no desenvolvimento de competências relacionadas à ges-tão mais eficiente dessa questão, influenciando o desenvolvimento de tais conhecimentos e gerando um círculo virtuoso de valorização da prá-tica. Ainda, os investimentos da empresa em programas de promoção da saúde do trabalhador agregam valor à organização, pois melhoram o clima organizacional, aumentm a produtividade e criam patrimônio in-tangível, representado pela reputação e fidelização de clientes.

De posse dessa compreensão, é possível conceber a convergên-cia das duas perspectivas aparentemente antagônicas. A preocupação dos stockholders e os interesses dos stakeholders, por exemplo, com o desenvolvimento de ações voltadas à qualidade de vida de funcionários (e outras ações de responsabilidade social corporativa), afeta a reputa-ção da empresa na cadeia de valor. Trata-se de atitude geradora de valor para o acionista no longo prazo, beneficia a sociedade, cumpre plena-mente a função-objetivo da empresa, que compreende a maximização de seus lucros e o atendimento das demandas dos diversos públicos.

Devemos procurar a convergência de interesses, devemos procurar negociações que resultem em soma positiva para todos os agentes. Para tanto, é fundamental a análise crítica do quadro atual e dos processos ins-talados, visando conceber um novo modelo, mais eficiente e racional.

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INADEQuAçãO DA SAÚDE OCuPACIONAL E mODELOS DE COBERTuRA DE SAÚDE

ASSISTENCIAL

As empresas do segmento formal da economia, e em especial as do setor de serviços, têm o custo de mão-de-obra como elemento signi-ficativo e, muitas vezes preponderante, na composição de custos opera-cionais, associados não apenas à folha de pagamentos, mas também ao conjunto de benefícios e demais custos trabalhistas e previdenciários, investimentos em capacitação e desenvolvimento. Soma-se à conta o alto custo administrativo alocado à gestão de recursos humanos e bene-fícios, crescentemente complexa por força das mudanças no ambiente econômico e constantes alterações na legislação e regulamentações.

Na composição dos custos citados, o histórico é de contínuo cres-cimento com a gestão das relações de trabalho, com especial destaque para os custos assistenciais (plano de saúde para os empregados e de-pendentes) e os custos com a saúde ocupacional. Com raras exceções, a medicina ocupacional das empresas está estruturada para cumprir apenas o atendimento básico e cartorial das exigências trabalhistas e sindicais, tais como os exames admissionais, periódicos e demissio-nais, desperdiçando oportunidades preciosas de acompanhar o perfil e a evolução do quadro de saúde dos colaboradores. As empresas têm a ilusão que a contratação de planos assistenciais supra todas as neces-sidades médicas dos funcionários.

Conforme apresentei, as empresas são as principais contratantes dos planos de saúde e portanto, da cobertura assistencial privada. Os problemas de ineficiência econômica do segmento da saúde não são apenas do sistema brasileiro, mas fenômeno de padrão mundial, cuja cadeia produtiva, mais do que qualquer outra, está recheada de confli-tos de interesse. As ineficiências refletem diretamente na elevação dos custos assistenciais das empresas (acima dos índices inflacionários) e são diretamente repassados pelas operadoras de planos de saúde aos seus clientes.

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A prática de adesão a produtos padronizados oferecidos pelas operadoras de saúde às empresas não permite uma metodologia adap-tada às peculiaridades dos processos de trabalho de cada segmento econômico (o produto é inadequado). Embora as grandes empresas invistam continuamente na criação de processos de apoio e de coope-ração com as operadoras, os resultados são insatisfatórios e provocam recorrentes contratações de serviços por curta duração (baixa fidelida-de), trazendo todos os transtornos operacionais das repetitivas mudan-ças de prestadora desses serviços, sem consolidar e amadurecer um modelo das práticas gerenciais de atenção à saúde.

Não obstante os altos patamares de gastos referidos nas seções precedentes, o modelo atual de gestão dos benefícios não maximiza a efetiva redução de afastamentos e absenteísmo, que por sua correlação e causalidade, produz impactos diretos nos custos, produtividade, clima organizacional e, enfim, no desempenho global dos negócios. E aos olhos da sociedade e das autoridades reguladoras, será que o esforço do setor empresarial é visto como suficiente?

AS muDANçAS NO SAT, fAP E NTEP, A TEORIA DOS INCENTIvOS E O CONCEITO DE

BONuS vERSuS mALuS

A realidade de resultados insatisfatórios e de ônus sociais as-sumidos pela coletividade no tratamento das doenças e compensação previdenciária pelos afastamentos do trabalho, antes não legalmente associadas como decorrentes do trabalho, está sendo alterada pelas recentes normatizações do Conselho Nacional de Previdência Social (CNPS, 2009).

A introdução do nexo presumido nos casos complexos (nos quais o nexo com a atividade ocupacional não era fácil estabelecer), passou a produzir elevadas contingências trabalhistas, previdenciárias e inde-nizatórias, em patamar diferenciado, relativamente à média histórica. A

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3 situação favoreceu a criação de consciência, por parte das empresas, quanto à necessidade de implantação de sistemas de gestão integrada de saúde do trabalhador.

Mesmo aceitando que dificilmente qualquer doença tenha uma única causa, a noção de presunção adotada pela Previdência Social no Brasil, e presente na legislação de diferentes países, visou beneficiar os trabalhadores e evitar discussões intermináveis sobre essas relações. Além disso, ao atribuir a responsabilidade pelas doenças às empresas específicas às quais os trabalhadores estavam vinculados, ao estabelecer o nexo presumido, a previdência pública transferiu ao capital privado parte relevante dos custos sustentados antes pela sociedade.

Foi aprovada, com vigência a partir de janeiro de 2010, nova me-todologia para aumentar ou diminuir as alíquotas de contribuição das empresas ao seguro de acidente de trabalho (SAT), com a introdução do fator acidentário de prevenção (FAP), que utilizará como referência a acidentalidade total de cada empresa ocorrida após 2007, conforme nexo técnico epidemiológico (NTEP) (CNPS, 2009).

Mais do que calcada na metodologia científica da epidemiologia clínica, a decisão quanto à existência de relação entre uma doença diag-nosticada ou suspeita e uma situação de trabalho ou ambiental foi sus-tentada por ferramentas da estatística e da informática, que estabelecem correlação por evidências de frequência de ocorrências, permitindo a pre-sunção de relação, sem a existência de prova absoluta. Como medida precedente, disposições legais do último triênio na legislação trabalhista e previdenciária apresentaram sensíveis incrementos de custos vincu-lados a padrões mais exigentes de ergonomia do ambiente de trabalho. Desde o ano base de 2009, com a reclassificação das empresas nas alí-quotas do seguro de acidente de trabalho (SAT), a maioria das empresas com grande contingente de mão-de-obra teve custo majorado.

A lei, analisando as ocorrências estatísticas, conforme a frequên-cia e gravidade dos eventos nos diversos segmentos de atividade eco-nômica, redistribuiu os setores em cada um dos patamares de alíquotas do SAT (seguro de acidentes do trabalho), a saber, de 1%, 2% ou 3% da folha de pagamentos de cada empresa, de acordo com o enquadramen-

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to de sua atividade econômica principal na classificação oficial do CNAE (classificação nacional de atividades econômicas). Nesse processo, di-versas empresas tiveram suas alíquotas modificadas em relação ao pas-sado, algumas para menos, outras para mais. Como exemplos, diversas empresas de ramos industriais tiveram suas alíquotas diminuídas de 3% para 1% em função das medidas preventivas contra acidentes adota-das nos últimos anos, e, em sentido contrário, instituições financeiras e empresas de tele-serviços tiveram majoração de suas alíquotas de 1% para 3%, pela alta incidência de doenças psíquicas e ósteo-musculares (CNPS, 2009).

O modelo de aferição e classificação das empresas adotado pela previdência social buscou inspiração na Teoria dos Incentivos e cons-truiu sua metodologia para introduzir o conceito de “bonus versus ma-lus”, entre as empresas de um mesmo segmento de negócios, por meio do FAP (fator acidentário de prevenção), um fator multiplicador de 0,5 (redutor) a 2,0 (ampliador) da alíquota do SAT.

As empresas que investirem na prevenção e promoção da saúde e segurança do trabalhador, podem alcançar “bonus” pela redução do FAP e, ao contrário, para as que caminharem no outro sentido, dentro do mesmo segmento econômico, podem esperar os efeitos do “malus”. E, se o conjunto das empresas do setor alcançar redução do patamar de ocorrências e de gravidade dos acidentes e doenças, o setor econô-mico poderá ter alíquota de SAT rebaixada, valendo da mesma forma a hipótese do processo reverso. No caso do exemplo de uma empresa classificada em CNAE enquadrado inicialmente no patamar de 3,0% de SAT, o custo final, pela ação dos “bonus” e “malus”, pode variar de 0,5% a 6,0% da folha de pagamentos mensal.

Os multiplicadores FAP (fator acidentário previdenciário) pro-duzirão efeitos sobre as alíquotas de SAT a partir de janeiro de 2010, conforme o desempenho de cada empresa em comparação a outras do mesmo segmento, e, na medida em que gerarem FAP distintos, cada empresa sofrerá custos diferentes de encargos sobre a mão-de-obra.

Além dos impactos diretos no FAP, os adoecimentos e afastamen-

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3 tos com nexo presumido trazem enormes riscos de processos cíveis em virtude do grande número de colaboradores afastados por doenças que, mesmo não claramente decorrentes das atividades do trabalho, agora serão presumidamente atribuídas à organização empregadora (B91 na classificação do NTEP). Haverá relevante e crescente “passivo saúde”, de riscos com ações cíveis (criando contingências que, por sua origem de causa, denominamos de “passivo saúde”).

Ao se atribuir a causa do adoecimento ao trabalho, os funcioná-rios afastados por doenças do trabalho passam a contar com a continui-dade dos benefícios dos quais dispunham durante o período de ativida-de, contando também com um ano de estabilidade quando do retorno ao trabalho. Os efeitos da lei aumentarão sensivelmente os custos não produtivos dos empregadores.

No mesmo diapasão, a empresa sofrerá potencial redução ou in-cremento de ações judiciais com crescente dificuldade para a defesa/con-testação de ações de reivindicação de natureza sindical, de intervenções do Ministério Público do Trabalho, e potencial desgaste ou melhoria de imagem institucional, com todos os impactos no valor de longo prazo.

Entendemos então, porque os indicadores da qualidade de vida e condições de saúde dos colaboradores assumirão a condição de fatores críticos para a competitividade das organizações, sobretudo compara-das às empresas concorrentes no mesmo segmento de negócios, pois competirão na avaliação da saúde de seus colaboradores.

CáLCuLO DOS ImPACTOS fINANCEIROS

Tomamos o exemplo de uma empresa de contact center de gran-de porte, com cerca de 70 mil funcionários, e apresentamos abaixo esti-mativas de impacto financeiro às quais uma instituição desse segmento e porte se torna vulnerável:

Tomando o parâmetro de R$ 1.000,00 médio per capita, a folha de pagamentos montaria a R$ 70 milhões mensais, sobre os quais teríamos:

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– Por ação de alteração do SAT (de 1% para 3%), já sofreu incre-mento de R$ 16,8 milhões/ano, havendo um espaço de variação de até R$ 37,8 milhões/ano no recolhimento do SAT em função da eficiência de gestão e de seus resultados sobre o FAP;

– O impacto do absenteísmo (caracterizado por casos com tempo de afastamento menor que 15 dias), estimado pela média de 2 dias úteis por funcionário/mês, pode representar custo anual da ordem de R$ 67 milhões;

– O afastamento do trabalho com vinculação de nexo através do NTEP em casos de mais de 15 dias, considerando-se 3.500 afas-tados (5% do total de trabalhadores), representa perda anual es-timada de R$ 15 milhões, sem computar impactos de eventuais ações cíveis contra a empresa25 ;

– Relativamente ao passivo saúde com a mesma premissa de 5% de trabalhadores afastados, a empresa acumula mais de 3.500 anos/homem de estabilidade.

De forma resumida, as atuais regras trabalhistas e previdenciá-rias acarretam repercussões imediatas (NTEP, FAP, assunção de des-pesas do tratamento que antes eram de responsabilidade do INSS), mediatas (estabilidade) e outras imponderáveis, como por exemplo, as ações cíveis.

SISTEmA DE GESTãO INTEGRADA DE SAÚDE

Entre as inúmeras frentes de atenção condicionantes da missão altamente complexa de uma eficiente gestão integrada da saúde corpo-rativa, bem como de controle de seus impactos imediatos e criação de riscos futuros, é necessária a correta formulação e a implementação de ações e estratégias de promoção da competitividade do negócio.

24 Para tomar apenas mais um exemplo, um caso recente de ação civil por um empregado do setor bancário, julgada em 2009, resultou em indenização de R$ 800.000,00).

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3 O monitoramento efetivo da condição de saúde dos colaborado-res (e particularmente da legião de afastados, com ações efetivas para o retorno ao trabalho) e as ações para minimizar a probabilidade dos trabalhadores adoecerem e se afastarem do trabalho configuram a ges-tão estratégica, essencial para o controle e redução de custos no curto prazo e também de riscos, no médio e longo prazos. De forma sintética, o objetivo de promoção da saúde e tratamento de doenças compreende as recomendações abaixo.

1 - Para os trabalhadores saudáveis: mantê-los saudáveis e evi-tar o desenvolvimento de patogenias.

2 - Para os portadores de condições patogênicas e doenças: au-xiliá-los na manutenção do controle sobre suas condições e do-enças.

3 - Para os portadores de agravos e descompensações: trazê-los de volta à situação de controle.

São necessários programas formais de controle de saúde e ado-ecimentos no trabalho, os quais, como exigência legal, devem ser acor-dados e validados com a representação sindical e, em função de sua complexidade, exigem acompanhamento da plena aderências às nor-mas e legislação do setor – critérios de compliance.

Para setores de negócio relevantes no contingente de emprega-dos, tal como o setor de tele-serviços adotado nos exemplos, igualmen-te importante é a missão de formular o desenho de plano de cobertura assistencial ajustado às peculiaridades do segmento de negócios e, por vezes, às condições específicas de uma grande empresa. Eventualmen-te, é necessário negociar a criação de um novo produto específico junto a uma operadora/seguradora de saúde renomada, para interromper as sucessivas e mal sucedidas experiências de tentativa e erro na contra-tação desses serviços.

Todos esses fatores conjugados passam a ter dramática impor-tância e reflexos determinantes no sucesso ou fracasso corporativo.

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PROjETO DE GESTãO INTEGRADA DE SAÚDE CORPORATIvA: ESCOPO BáSICO

Apresentamos abaixo as atividades críticas, requisitos para a pro-moção da competitividade do negócio.

1 - Diagnóstico situacional

Apesar do esforço de diagnóstico ser mais concentrado no início de um projeto, trata-se de atividade permanente, tendo em vista o ambiente dinâmico, as mudanças regulatórias e o crescimento da corporação, com constante agregação de novos funcionários.

Plano ocupacional

– Análise de documentos legais;

– Visita a sites de trabalho;

Entrevistas

– Análise do passivo trabalhista correlacionado com saúde;

– Análise dos afastamentos previdenciários (NTEP/FAP);

– Análise das ações do SESMT e do prestador de serviços em SST;

– Análise dos indicadores de resultados de saúde.

Plano assistencial

– Avaliação dos atuais prestadores de serviços;

– Avaliação do modelo assistencial;

– Entendimento dos principais ofensores de sinistros;

– Avaliação dos indicadores de utilização (consultas, exames, PS, Internações, etc..) à luz de parâmetros de mercado;

– Mapeamento (screening) da base de dados para determinação dos pacientes crônicos e catastróficos;

– Análise atuarial de tendências de custos;

– Avaliação de benefícios correlatos (ex.: acidente de trabalho,

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3 odontológico, atendimento pré-hospitalar, orientação médica te-lefônica, etc.).

2 - Formulação das políticas do projeto de saúde corporativa

Documentação formal das políticas de saúde da instituição. Evi-dencia o compromisso com a saúde dos trabalhadores e institui as boas e desejadas práticas de saúde.

3 - Sistema de gestão integrada “saúde corporativa” – passos para a implantação.

Integração entre os setores e processos da organização, para difundir e nivelar o conhecimento da saúde e segurança no traba-lho. Ação preliminar necessária à implantação de programas de qualidade de vida dos trabalhadores.

– Norma de compromisso;

– Definição de políticas de saúde;

– Definição dos indicadores de saúde;

– Integração das “saúdes” (ocupacional, previdenciária e assis-tencial);

– Gestão pró-ativa da regulação (estabelecimento de indicadores).

4 - Gestão dos afastados

Estratégias de reintegração precoce, com foco na redução dos afastamentos, do passivo saúde e do absenteísmo.

Acompanhamento de todo processo de afastamento com con-fecção de rotina de resposta em tempo hábil, para os casos de conversão de doença comum em doença profissional (desqualifi-cação de nexo técnico previdenciário indevido).

– Desenho personalizado dos exames ocupacionais;

– Controles NTEP / FAP.

5 - Gerenciamento trabalhista-previdenciário

Com foco no NTEP, identificação dos grupos de risco correlatos às atividades de trabalho. Busca da identificação do passivo de

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saúde da instituição, minimizando as consequências de incre-mento do custo com a saúde do trabalhador.

– Política de contratações;

– Gestão do absenteísmo e de outros indicadores de saúde;

– Qualificação da rede;

– Controles NTEP / FAP.

6 - Gerenciamento assistencial

– Interfaces entre assistência médica e saúde do trabalhador – na busca de indicadores de saúde, objetivando estabelecer utilização mais eficiente dos recursos empregados, contribuindo com maior controle da sinistralidade do plano e eficiência no planejamento e execução das ações de promoção da saúde do trabalhador;

– Estudo de mercado para avaliação dos melhores fornecedores;

– Avaliação do modelo assistencial à luz das necessidades dos colaboradores e expectativas da organização;

– Elaboração de estudos e análises estatísticas da utilização do plano de saúde como ferramenta básica para a manutenção / re-dução dos patamares de sinistralidade;

– Uso de ferramentas estatísticas (SPSS/SAS) para identificação de casos crônicos e catastróficos e, em parceria com a operado-ra de plano de saúde, criação de mecanismos para redução dos riscos inerentes a essas patologias.

– Interfaces benefício saúde;

– Avaliação atuarial para projeção da sinistralidade com base no modelo assistencial e perfil de utilização atual e proposto;

– Estudo da necessidade de manutenção dos benefícios correla-tos atuais e proposta de inclusão de novos;

– Análise de viabilidade de busca por operadora parceira que possa desenvolver produto específico para atender as reais ne-cessidades assistenciais e de custo.

7 - Inteligência de dados e gestão por resultados

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3 Uma sólida estrutura de inteligência de dados da saúde dos colabo-radores da empresa é fundamental para o correto entendimento dos proble-mas da organização e estabelecimento de prioridades de ação.

O passo inicial deve ser o da construção de uma base integra-da de dados (Data Warehouse) que permita aglutinar de forma estrutu-rada todas as informações de saúde por funcionário/paciente, obtidas dos planos de saúde (dados de utilização/sinistros), dos ambulatórios e da medicina ocupacional, dos programas de prevenção e qualidade de vida, e questionários e levantamentos populacionais.

Tal estrutura deve resultar de levantamento e formatação de infor-mações, baseadas em critérios técnicos especializados e de sua correta análise e interpretação, por meio do uso de técnicas atuariais e estatísticas de identificação de tendências, modelagem matemática e ciência médica.

A determinação de indicadores claros e mensuráveis aliados aos modelos mencionados possibilitam efetuar projeções futuras em dife-rentes cenários, importante ferramenta de apoio às decisões para ges-tão eficiente baseada em resultados.

CONCLuSãO

O artigo tratou do debate sobre a importância da gestão da saúde corporativa como determinante do sucesso ou fracasso econômico das empresas, e sobre a necessidade de modelos de gestão mais eficazes.

Analisei a abrangência das responsabilidades sociais e econômi-cas das empresas, os comportamentos empresariais geradores de valor de longo prazo para a organização e, ao mesmo tempo, promotores da qualidade de vida dos funcionários e da sociedade.

Tradicionalmente, o alinhamento de interesses entre os agentes econômicos não era evidente, dada a dificuldade no desenvolvimen-to de sistemas de avaliação e mensuração de resultados das ações preventivas. A intervenção dos agentes reguladores (Estado) mudou os

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condicionantes institucionais, motivo pelo qual nos apoiamos no aparato teórico da teoria das instituições para entender a determinação do com-portamento das empresas.

A justificativa para o maior envolvimento e crescente investimen-to das empresas em programas de gestão de saúde dos colaborado-res está em evitar penalizações pelas novas regras institucionais, além da oportunidade de melhorar a produtividade, a lucratividade e com-petitividade organizacional. Nas empresas, o desafio da continuidade, compreende profunda revisão das práticas correntes e concepção de novo modelo de gestão integrada de saúde corporativa, mais eficaz e racional, para obter retornos aos crescentes investimentos aos quais se viram compelidas.

Sucesso ou fracasso? No ambiente competitivo do mundo con-temporâneo, dependerá do grau de consciência de cada empresa quan-to à relevância e à urgência de agir estrategicamente sobre a saúde corporativa.

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REfERêNCIAS BIBLIOGRáfICAS

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