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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
ESCOLA POLITÉCNICA
MESTRADO EM ENGENHARIA AMBIENTAL URBANA
JULIANA FREITAS DE CERQUEIRA GUEDES
SEGURO CATÁSTROFE APLICADO À GEOTECNIA: UMA ANÁLISE
ECONÔMICA
SALVADOR
2010
JULIANA FREITAS DE CERQUEIRA GUEDES
SEGURO CATÁSTROFE APLICADO À GEOTECNIA: UMA ANÁLISE
ECONÔMICA
Projeto de dissertação apresentado ao Mestrado em Engenharia Ambiental Urbana da Universidade Federal da Bahia como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Engenharia Ambiental Urbana.
Área de concentração: Gestão do Território e Sistemas de Transporte.
Orientador: Prof. DSc. Roberto Bastos Guimarães.
Co-orientador: Prof. MSc. Ihering Guedes Alcoforado de Carvalho.
SALVADOR2010
RESUMO
Este trabalho parte da constatação que entre um fenômeno e um desastre natural temos uma situação de vulnerabilidade, aquela na qual o agente é suscetível de sofrer dano e tem dificuldade de recuperar-se dele. Apóia-se também no entendimento da Organisation for Economic Co-operation and Development - OECD de que os riscos associados com desastres de grande escala, ou seja, as catástrofes podem infligir considerável dano à infraestrutura, principalmente de transportes, suprimento de água e aos sistemas vitais sobre os quais se assentam a economia e a sociedade. Consideramos que o desastre como uma “problemática econômica” é esboçado através do modelo da Fronteira de Possibilidades de Produção - FPP da economia do bem-estar. Ao passo que os desastres e as catástrofes afetam a produtividade e os efeitos econômicos das calamidades se traduzem através da redução da curva de Fronteira de Possibilidades de Produção ou diminuição do bem-estar social provocada pelos desastres naturais, a qual depende da vulnerabilidade. Deteremos-nos aos desastres e catástrofes no âmbito da geotecnia e, para tanto, introduzimos o risco de rompimento de barragens, ressaltando as questões associados às discussões referentes ao seguro: a tomada de decisão nas perspectivas dos donos de barragens, formuladores de política e dos seguradores, para logo em seguida nos debruçarmos sobre a questão do seguro: i) origem e evolução, ii) fundamentos microeconômico do seguro em geral e do seguro catástrofe em particular (HARDAKER, 2004 et al.; OZAKI, 2005; CARRERA-FERNANDEZ, 2001, GOLLIER, 2005). Sendo assim, sugerimos algumas medidas: i) mecanismos de transferência de riscos (GOLLIER, 2005) ii) a ativação do seguro obrigatório nos projetos de construção de barragens a fim de que os prejuízos caso uma barragem rompa sejam cobertos (PL 4038/04) iii) sugerir substitutivos ao Projeto de Lei original em relação aos riscos correlacionados.
Palavras-chave: risco, vulnerabilidades, prejuízos sócio-econômicos, seguro catástrofe, geotecnia.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Gráfico 1 – Fronteira de Possibilidades de Produção p. 29
Gráfico 2 - FPP com Maior Retração no Eixo Horizontal p. 31
Gráfico 3 – FPP com Maior Retração no Eixo Vertical p. 31
Gráfico 4 – FPP com Retração Igual em Ambos os Eixos p. 32
LISTA DE SIGLAS
FEMA Federal Emergency Management Agency
FPP Fronteira de Possibilidades de Produção
FTE Foundation for Teaching Economics
NFIP National Flood Insurance Program
OECD Organisation for Economic Co-operation and Development
PAE Plano de Ação Emergencial
PNSB Plano Nacional de Segurança de Barragens
SNISB Sistema Nacional de Informações sobre Segurança de Barragens
SINDEC Sistema Nacional de Defesa Civil
UN United Nations
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 7
2 OBJETIVOS 92.1 OBJETIVO GERAL 92.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS 9
3 METAS 10
4 JUSTIFICATIVA 10
5 PROBLEMA 10
6 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 11
7 METODOLOGIA 28
8 FATORES ADVERSOS 33
9 CRONOGRAMA 34 REFERÊNCIAS 35
7
1 INTRODUÇÃO
Este trabalho parte da constatação que entre um fenômeno e um desastre natural temos
uma situação de vulnerabilidade, aquela na qual o agente é suscetível de sofrer dano e
tem dificuldade de recuperar-se dele. Apóia-se também no entendimento da
Organisation for Economic Co-operation and Development - OECD de que os riscos
associados com desastres de grande escala, ou seja, as catástrofes podem infligir
considerável dano à infraestrutura, principalmente de transportes, suprimento de água e
aos sistemas vitais sobre os quais se assentam a economia e a sociedade. E, em
decorrência, deve ser tratado como um risco econômico, já que, de uma maneira geral
aumentam a escassez e reduzem a produção e, em decorrência o bem-estar, de forma
socialmente diferenciada.
As diversas composições do capital humano e dos bens de capital1 em termos de
família, empresa e território sofrem e reagem aos impactos dos desastres naturais de
forma distinta. No entanto, essa capacidade de reação ao desastre é variável, a depender
não só da sua forma de manifestação: uma epidemia, um desastre natural com alerta ou
súbito, mas também da vulnerabilidade ao evento, configurando distintas
vulnerabilidade e resiliências. Seguindo o raciocínio de Ligi (2009) de que a particular
condição de vulnerabilidade de uma determinada sociedade é o “elemento chave” para a
compreensão de um desastre, ressaltamos que a vulnerabilidade é da sociedade como
um todo e dos afetados pelo desastre em particular.
Tendo isto em mente, consideramos que o desastre como uma “problemática
econômica” é esboçado através do modelo da Fronteira de Possibilidades de Produção -
FPP da economia do bem-estar, a partir do qual inferimos que a economia com a
operacionalização dos seus instrumentos, ao criar as condições de recomposição da FPP
pode ser considerada, no campo dos estudos dos desastres, como uma componente da
resiliência. Neste trabalho resiliência é expressa por meio das características destacadas
por Ahmed (2006):
a) the amount of change the system can undergo but still retain the same control on functions and structure, or still be in the same state, with in the same domain of attraction (i.e. absorb shock); b) the degree to which the system capable of reorganization (i.e. bounce back); and c) the ability to build and increase the capacity for learning and adaptation, it is suggested that a resilient communities, like ecosystems, can
1 Máquinas e equipamentos disponíveis.
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better withstand “disturbance” (i.e, hazards, disasters) and adapt to change when needed. (AHMED, 2006, p. 9).
Ao passo que os desastres e as catástrofes afetam a produtividade e os efeitos
econômicos se traduzem através da redução da curva de FPP ou diminuição do bem-
estar social provocada pelos desastres, cuja recuperação depende em parte dos
instrumentos econômicos possíveis de ser manejados. Neste contexto, os instrumentos
econômicos ao focar sua contribuição na criação das condições de possibilidade de
recuperação da sociedade da sua FPP antes dos desastres revelam-se como uma
componente da resiliência e, nesta condição que eles serão submetidos a uma análise
institucional comparativa, de forma a que possamos entender sua mecânica e assim
manejá-lo de forma a maximizar o esforço de recuperação do desastre.
Isto posto, deteremos-nos aos desastres no âmbito da geotecnia e, para tanto,
introduzimos o risco de rompimento das barragens, ressaltando que o funcionamento
das mesmas utiliza um bem comum2, que é a água, em que os benefícios são
privatizados enquanto que os riscos, em especial os ambientais, são socializados e tendo
em mente firmar posição acerca das contribuições que os instrumentos econômicos
podem dar na ampliação da resiliência. Faremos uma análise institucional comparativa
de algumas das suas possíveis contribuições (UN, 2002), para nos determos nas
questões associadas não só na sua justificação institucional, mas também técnica do
seguro obrigatório proposto pelo Projeto de Lei 4.038/04.
Na análise institucional comparativa desvelamos os mecanismos/interesses subjacentes
a tomada de decisão/posicionamento nas perspectivas dos donos de barragens,
formuladores de política e dos seguradores, para logo em seguida nos debruçarmos
sobre a questão do seguro: i) origem e evolução, ii) fundamentos microeconômico do
seguro em geral e do seguro catástrofe em particular (HARDAKER, 2004 et al.;
OZAKI, 2005; CARRERA-FERNANDEZ, 2001).
Destacando que há diferentes pontos de vistas e vulnerabilidades envolvidas: i) os donos
das barragens; ii) as companhias de seguros e iii) os formuladores de política. Os dos
donos das barragens são o de auferir lucros com a geração de energia elétrica,
2 A tragédia dos comuns envolve um conflito entre os interesses individuais e o bem comum no uso dos recursos finitos. Ou seja, um indivíduo ganha todas as vantagens enquanto que as desvantagens são compartilhadas entre todos (HARDIN, 1968).
9
abastecimento de água, contenção de rejeitos industriais; o da indústria de seguro é a
dificuldade de aninhar o risco catástrofe, às vezes gerando uma situação de
insegurabilidade; e o dos formuladores de políticas públicas é o de encontrar uma
solução que consiga acolher o risco catástrofe na situação explicitada. Ressaltamos que
o ponto de vista do trabalho é o do formulador de política pública, ou seja, o policy
maker.
De forma a fundamentar a sugestão de algumas medidas: i) mecanismos de
transferência de riscos (GOLLIER, 2005) ii) a ativação do seguro obrigatório nos
projetos de construção de barragens a fim de que os prejuízos caso uma barragem rompa
sejam cobertos (PL 4038/04) iii) sugerir substitutivos ao Projeto de Lei original em
relação aos riscos correlacionados.
2 OBJETIVOS
2.1 OBJETIVO GERAL
Apresentar os riscos e as catástrofes geotécnicas como inseridos em uma problemática
econômica e revelar a capacidade de recuperação econômica como um componente da
resiliência e o papel dos instrumentos econômicos.
2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
a) Identificar e fundamentar medidas de mitigação públicas e privadas dos efeitos dos
desastres tais como: seguro, fundo, parceria público-privada, micro finanças, frentes
de trabalho e mecanismos de poupança.
b) Justificar o papel do seguro na proteção dos riscos nas situações vulneráveis,
destacando as limitações do modelo clássico de seguro diante do risco catástrofe
associados ao rompimento das barragens.
c) Propor e Fundamentar um mecanismo institucional que acolha o risco catástrofe
(com cobertura de danos físicos e prejuízos materiais às pessoas físicas e jurídicas
domiciliadas a jusante) no âmbito do Projeto de Lei 1.181/03 que propõe estabelecer
a Política Nacional de Segurança de Barragens – PNSB.
10
d) Sugerir substitutivos ao PL 4.038/04 em relação aos riscos correlacionados.
3 METAS
Fundamentar substitutivos ao PL 4.038/04 em relação aos riscos correlacionados.
Publicar artigos e apresentar trabalhos nos congressos da Sociedade Brasileira de
Economia Política, da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ambiente
e Sociedade, no Fórum Nacional de Defesa Civil com o intuito de desenvolver as
questões da dissertação.
4 JUSTIFICATIVA
Os desastres geotécnicos, em especial as barragens, podem vir a causar grandes
prejuízos econômicos, sociais e ambientais. Segundo Menescal (2007), nos últimos 5
anos mais de 400 acidentes com barragens foram registrados no Brasil. No entanto, há
grandes dificuldades de formulação das políticas públicas de enfrentamento dos
mesmos. Os principais obstáculos são: poucas metodologias de avaliação de risco, a
insegurabilidade de parte deste tipo de risco, tentativa de mitigação dos impactos por
meio de um seguro obrigatório, falta de uma Política Nacional de Segurança de
Barragens. Assim, esta proposta de pesquisa visa colaborar com estudos sobre o tema
proposto e sugerir algumas medidas para a mitigação dos riscos de desastres
geotécnicos, principalmente no âmbito da transferência de riscos e das parcerias
público-privadas, além de fortalecer o debate sobre a questão.
5 PROBLEMA
Os riscos, ao se transformarem em desastres, além de provocarem graves danos
ambientais, de uma maneira geral aumentam a escassez e reduzem a produção e, em
decorrência o bem-estar, mas com intensidades diferentes nas distintas composições de
classe. E a despeito das catástrofes afetarem a produtividade e os efeitos econômicos
das calamidades se traduzirem através da redução da curva de Fronteira de
Possibilidades de Produção, com deslocamento à esquerda, ou diminuição do bem-estar
social provocada pelos desastres, e das vítimas não serem necessariamente beneficiados
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com a operação do artefato sinistrado, inexiste um mecanismo institucional que
assegure o retorno do sinistrado a um nível anterior ao acidente.
6 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
Esta revisão visa sistematizar a problemática em tela, tanto através da assimilação dos
marcos analíticos, como por meio da caracterização do artefato exposto ao risco, de
maneira que na primeira parte 6.1 introduzimos os desastres e catástrofes no âmbito das
barragens. Em seguida, introduzimos as barragens como um instrumento de política de
redução de risco que na verdade apenas desloca, concentra e aumenta a incerteza do
sinistro em 6.2. Posteriormente tratamos da normatização do processo em 6.3.
6.1 DESASTRES E CATÁSTROFES NO ÂMBITO DAS BARRAGENS
Um desastre é uma situação extremamente crítica que se produz quando um agente
potencialmente destrutivo, de origem natural ou tecnológica, impacta sobre uma
população em condições de vulnerabilidades físicas ou socialmente produzidas. A
circunstância desastrosa se apresenta quando as esferas ambiental, social e tecnológica
interagem de uma maneira específica, desencadeando um processo de nexo causal entre
os eventos que ocorrem na cadeia (LIGI, 2009).
Segundo Ligi (2009, p. 11), a noção tecnocentrista de desastre incorpora:
Desastre (D)
=
(I) Agente de impacto físico Efeito físico
(natural ou tecnológico) (em termos de danos a pessoas e coisas)
Juntamente com o conceito tecnocentrista nasceu a necessidade de desenvolver o
conceito de desastre sócio-antropológico, pois, os desastres também são fenômenos
sociais. Em termos antropológicos um desastre é primeiro um fenômeno social que se
manifesta com uma vistosa desarticulação da estrutura social. O conceito antropológico
de vulnerabilidade é o primeiro fator variável essencialmente sócio-cultural que
12
caracteriza o sistema social e a comunidade (LIGI, 2009). Sendo assim, a forma mais
abrangente de se configurar um desastre é (LIGI, 2009, p. 18):
D= I (variável física) X V (variável antropológica)
A relação entre um agente físico (I), natural ou tecnológico, e a vulnerabilidade sócio-
cultural (V) é específica de uma determinada comunidade atingida. O nível de
vulnerabilidade pode amplificar ou diminuir o efeito físico do agente destrutivo.
Interpretar um desastre como um fenômeno social e conectar-se ao conceito de
vulnerabilidade tem a vantagem de eliminar o evento que desencadeia a conotação de
fatalidade inevitável, tendo em mente que para ser classificado como um desastre é
preciso ter algum interesse humano em jogo (LIGI, 2009).
Desta forma, pelo termo desastre entendemos a destruição grave, relativamente súbita e
frequentemente inesperada, da estrutura organizacional normal de um sistema social,
causada por uma força natural ou social, interna ou externa ao sistema, em que o
sistema em si não tem o controle completo (LIGI, 2009). Já o termo catástrofe, segundo
o site da Defesa Civil Brasileira, é um desastre de grandes proporções, envolvendo alto
número de vítimas e/ou danos severo.
A questão social dos riscos também é observada em Dauphiné (2003) que tipifica os
riscos de catástrofes como de origem técnica, natural, costeiros e de montanha, da vida3
urbanos, social e político. Beck (2006) também está atento para a questão em seu livro
“A Sociedade de Risco” e aponta que na sociedade moderna e tecnicamente avançada, a
produção social de riqueza vem acompanhada pela produção social de riscos. Ao passo
que mais cedo ou mais tarde, na continuidade dos processos de modernização, começam
a sobrepor as situações e conflitos sociais de uma sociedade “repartidora de riquezas”
com a de uma sociedade “repartidora de riscos” (BECK, 2006).
A sociedade do risco global tem como característica, de um lado, a “irresponsabilidade
organizada”, no âmbito do mercado global, que é uma forma institucionalizada e
impessoal de não ter responsabilidades, até com si próprio e, do outro lado, a
“impossibilidade” da cobertura de todos os seus riscos, ou seja, uma controlabilidade 3 Diz respeito principalmente aos transgênicos (DAUPHINÉ, 2003).
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limitada dos perigos que criamos para nós mesmos (BECK, 1999). O que de certa forma
explica algumas lacunas institucionais que dificultam não só o estabelecimento de uma
política de gerenciamento dos riscos, mas também a sua proteção por mecanismos como
o seguro privado, por exemplo.
Uma barragem é uma estrutura construída no caminho das águas e destinada a retê-la
para os mais diversos fins: abastecimento de água, energia hidroelétrica, irrigação,
controle de enchente e da erosão, canalização dos rios, retenção de resíduos. As
barragens podem ser classificadas como de concreto, aterro, terra, erocamento e cada
um destes tipos têm características de construção diferentes, solicitações diversas e
desempenho distintos. No entanto, as barragens têm sempre algumas características
únicas enquanto obra de engenharia: fazer acumulação de grande massa de água e
material de construção, provocando, portanto, altas pressões na fundação; tem
influência destrutiva da água sobre a fundação e a própria estrutura, podendo causar
escoamento, erosão e mesmo ruptura da obra; estar sempre localizada em um vale; tem
sempre sérias consequências no caso de uma ruptura (GUSMÃO FILHO, 2006).
Duas são as condições que as barragens devem atender, qualquer que seja o seu tipo:
segurança e economia. A segurança diz respeito especialmente às fundações e
encontros, que devem ser adequados para o tipo de barragem usado. Quanto à
economia, estudando-se entre outros fatores, a conveniência da topografia, a
disponibilidade de material para construção e o tratamento das fundações pela
importância que têm. A segurança está sempre associada ao risco. No que respeita à
estabilidade, é inerente, à segurança de uma barragem, o risco de desmoronar, trincar.
Sendo assim, as causas mais frequentes de rupturas são: o transbordamento, durante as
enchentes por sangradouro inadequado ou não funcionamento das comportas e a erosão
interna, ao longo do maciço sob a forma de “piping” ou das fundações de barragem.
Outras causas menos frequentes são: o recalque e erosão das fundações, sismicidade
com liquifação, erro humano, com muitos erros não identificados no projeto, construção
e supervisão (GUSMÃO FILHO, 2006).
As barragens são a expressão de um tipo característico de risco: o risco fabricado
(GONÇALVES, MARCHESINI E VALENCIO, 2009). Este tipo de risco é criado
socialmente pela interação e impacto das transformações humanas junto à natureza
(GIDDENS, 2005 apud GONÇALVES, MARCHESINI E VALENCIO, 2009). Cabe
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ressaltar que as barragens apropriam benefícios como o lucro, enquanto que os riscos
são distribuídos socialmente.
Nos últimos 5 anos mais de 400 acidentes com barragens foram registrados no Brasil
(MENESCAL, 2007). A ocorrência da ruptura de uma barragem gera sérias
conseqüências como perdas de vida, perdas econômicas nas propriedades e grande
prejuízo monetário (GUSMÃO FILHO, 2006). Há também os danos materiais extra-
econômicos e danos imateriais (GONÇALVES, MARCHESINI E VALENCIO, 2009).
Além do que, problemas com obras hídricas também acarretam sérios transtornos
ambientais (MENESCAL, 2007).
A percepção da barragem enquanto risco é tardia, pois, ocorre por meio do desastre
(GONÇALVES, MARCHESINI E VALENCIO, 2009). Segundo Gonçalves,
Marchesini e Valencio (2009), as barragens nascem da necessidade de segurança e bem-
estar e criam como efeito colateral a insegurança, que decorre dos problemas do sistema
perito responsável pela construção das barragens. O sistema perito abordado em
Gonçalves, Marchesini e Valencio (2009) é balizado nas reflexões de Giddens (1991)
que diz que os sistemas peritos são as pessoas ou o ambiente institucional que são tidos
como conhecedores de um determinado assunto. Desta forma, os problemas dos
sistemas peritos são dois: i) da perícia; ii) do perito (GONÇALVES, MARCHESINI E
VALENCIO, 2009).
Quanto à perícia, diz respeito à falta de 100% de segurança em engenharia civil aliado a
possibilidade de limites de conhecimento em relação às mudanças climáticas. Ou seja,
cálculos de segurança de barragem podem estar defasados devido à alteração do regime
de precipitação pluviométrica (GONÇALVES, MARCHESINI E VALENCIO, 2009).
Já em relação aos sistemas peritos, há erros na concepção dos projetos de barragens
(GONÇALVES, MARCHESINI E VALENCIO, 2009): projetos inadequados, erros nos
estudos hidrológicos e hidráulicos, estruturas mal dimensionadas e sistemas de
drenagem insuficientes; falta de elaboração do “as built”, indicando todas as adequações
e alterações realizadas no projeto executivo; falta de elaboração do plano de primeiro
enchimento do reservatório; falta de apresentação do plano de operação e manutenção
da obra; falta de inclusão de ações sociais e ambientais nos projetos (MENSECAL,
2007).
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Nesse sentido, o rompimento da barragem de Camará, no município de Alagoa Grande
– PB é emblemático. A barragem tinha por objetivo acumular água para abastecer
alguns municípios do brejo paraibano. Mas com seu rompimento teve-se perda de bens
materiais, perdas de culturas agrícolas, danos psicológicos e prejuízos econômicos. Os
impactos econômicos se relacionaram principalmente à destruição total e parcial das
casas comerciais, pois, o rompimento da barragem aconteceu no segundo mês mais
lucrativo do ano, junho de 2004, acarretando a queda nas vendas, perda de estoque, e
em determinados casos, a paralisação do comércio em até 72 dias após o acidente
(SILVA et al., 2006).
A cidade de Alagoa Grande foi atingida direta e indiretamente, gerando uma
transformação da paisagem urbana e rural, do ponto de vista geográfico e humano. Os
habitantes sofreram um grande abalo psicológico e, muitos perderam a autoestima.
Quanto às indenizações os comerciantes receberam apenas 40% do valor total, e a
maioria da população recebeu apenas a primeira parcela das indenizações que
correspondeu à R$ 1060, 00 (SILVA et al., 2006).
Se as barragens criam vulnerabilidades, é a Defesa Civil a instituição responsável por
atuar minimizando-as. Os desastres relacionados com o colapso de barragens costumam
ser compreendidos pelos leigos como uma fatalidade e então como um evento súbito.
No entanto, o histórico de ocorrência revela o fenômeno como somatório de eventos
adversos. Os diferentes níveis do sistema de defesa civil, do âmbito local ao federal,
devem ser acionados quando o problema precisa ser resolvido para além da condição
própria de ação e é nesse ponto que a estrutura mostra-se frágil (GONÇALVES,
MARCHESINI E VALENCIO, 2009).
Atente-se que num contexto como o descrito acima, o seguro pode ter dois papeis,
aparentemente contraditórios. No primeiro, a disponibilidade de seguros pode
desencorajar o investimento na mitigação. Já no segundo papel, pode ser entendido
como uma correção do primeiro, constatando-se que se bem concebidos podem
incentivar regimes de seguro de risco adequado pela redução dos prêmios de gestão ao
cumprimento dos códigos e regulamentos de construção (UN, 2002).
O desenho do instrumento de política é de extrema importância para a gestão dos riscos,
e é destes instrumentos que passamos a discorrer.
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6.2 INSTRUMENTOS DE POLÍTICA
Para o Sistema Nacional de Defesa Civil – SINDEC, as barragens são elementos de
redução de riscos e minimização de desastres e vulnerabilidades relacionadas ao acesso
e uso dos recursos hídricos (BRASIL, 2006 apud GONÇALVES, MARCHESINI E
VALENCIO, 2009). Sendo assim, a visão da obra como uma medida de prevenção
contra desastres como secas e enchentes incidem sobre as práticas de prevenção em
relação aos riscos dos cursos d’água e suas enchentes, silenciando as inseguranças da
própria barragem o que, por sua vez, obscurece os riscos e a extensão deles
(GONÇALVES, MARCHESINI E VALENCIO, 2009).
A vulnerabilidade aumenta quando os órgãos de Defesa Civil dos municípios à jusante
não estão preparados para gerir riscos e situações de desastres em razão do poder
público municipal não valorizar essa instituição como ponto de acesso, num diálogo
com a população para aperfeiçoar sua estrutura. O despreparo refere-se, dentre outros, à
incapacidade técnica de desenvolver medidas preventivas que reconheçam a barragem
como risco fabricado e, sendo assim, tecer sua legitimidade a partir do envolvimento
social local no processo de diminuição da sua própria vulnerabilidade (GONÇALVES,
MARCHESINI E VALENCIO, 2009).
A avaliação de risco permite estimar a importância relativa de perigos, para subsidiar
decisões acerca da melhoria da segurança da sociedade; comparar os riscos associados a
obras de barragens a partir da formação de bases de dados consistentes; priorizar
melhorias na segurança das barragens; agilizar o acionamento dos órgãos de resposta
aos desastres. Das análises mais destacadas encontram-se a metodologia da Companhia
de Gestão e Recursos Hídricos do Estado do Ceará – COGERH; análise de risco e
metodologia de tomada de decisões para barragens da Companhia de Saneamento de
São Paulo – SABESP; metodologia do Corpo de Engenheiros do Exército dos Estados
Unidos da América (U. S. Army Corps of Engineers – USACE) e a metodologia de
segurança de barragens da Companhia Energética de Minas Gerais – CEMIG.
Recentemente surgiu uma nova proposta metodológica de avaliação de riscos em
barragens do nordeste brasileiro (FONTENELLE, 2007 apud FRANCO, 2008).
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Devido ao histórico de ocorrência de eventos emergenciais, deficiência na estrutura
federal e estadual, necessidade de ações intersetoriais e ao acidente do rompimento de
barragem ocorrido em Cataguases – MG, em 2003, foi criado o Plano Nacional de
Prevenção, Preparação e Resposta Rápida a Emergências Ambientais com Produtos
Químico Perigosos, mais conhecido como P2 R2, envolvendo órgãos federais, estaduais
e municipais (BRASIL, 2009).
O acidente em Cataguases foi decorrente do rompimento de duas barragens da empresa
Cataguazes Papel e Celulose, em que o reservatório de rejeito se rompeu liberando 1,2
bilhões de litros de resíduos. A poluição atingiu o córrego Cágados e depois o Rio
Pomba, em Minas, que por sua vez contaminou o Rio Paraíba do Sul, no Rio de Janeiro,
chegando até o mar (GONÇALVES, ALMEIDA e LINS, 2007). Segundo Brasil (2009),
o material tóxico composto por lignina, soda cáustica, chumbo, enxofre, sulfeto de sódio
estava depositado há 14 anos nas duas barragens. As conseqüências do acidente foram:
mortandade de peixes, desabastecimento d’água em seis cidades fluminenses, onde mais
de 600 mil pessoas ficaram sem água por duas semanas, além da poluição de pequenas
propriedades rurais.
Os objetivos do P2 R2 são: prevenir a ocorrência de acidentes com produtos químicos
perigosos e aprimorar o sistema de preparação e resposta a emergências químicas no
país. O Plano possui dois enfoques: preventivo e corretivo. O enfoque preventivo
pretende prevenir, coibir, inibir e/ou desmotivar práticas que levem à ocorrência de
acidentes. Já o enfoque corretivo tem a finalidade de preparar, capacitar, integrar e
otimizar os sistemas de atendimento de emergência, de forma a responder rápida e
eficazmente aos acidentes (BRASIL, 2009). O P2 R2 está no âmbito da defesa civil, não
incorporando as questões pertinentes às relações entre o seguro e os riscos de desastres
ou catástrofes.
No contexto de segurança de barragens, o documento eficaz e necessário no
desenvolvimento e alternativas para se reduzir o risco intitula-se Plano de Ação
Emergencial - PAE. O PAE é, portanto, um documento formal que identifica riscos em
potencial associados a uma represa, especifica responsabilidades e propõe uniformidade
de ações previamente planejadas que devem ser postas em prática de forma sistemática.
Especifica procedimentos e informações para auxiliar o proprietário do empreendimento
e os órgãos envolvidos na segurança global da população no sentido de estabelecer
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sinais de alerta a jusante para reduzir o efeito surpresa, além de padronizar a forma de
notificação oficial sobre o ocorrido. A preparação do PAE requer planejamento
coordenado com todas as partes envolvidas nas respostas às emergências que podem
surgir, bem como a segurança da população, em geral (FRANCO, 2008).
6.3 A NORMATIZAÇÃO DO RISCO CATASTROFE DAS BARAGENS
O Projeto de Lei 1.181/03 propõe estabelecer a Política Nacional de Segurança de
Barragens – PNSB devido ao elevado risco decorrente da inexistência de política
nacional de segurança de barragens e a necessidade da definição de um agente público
responsável pela sua implementação e pela coordenação dos vários órgãos licenciadores
de barragens. O substitutivo ao referido Projeto de Lei definiu os instrumentos de
política, a saber: o sistema de classificação de barragens por categoria de risco e por
dano potencial; o Plano de Segurança de Barragens; o Sistema Nacional de Informações
sobre Segurança de Barragens – SNISB e a educação e comunicação sobre segurança de
barragens. Ficou definido, também, que cabe ao Conselho Nacional de Recursos
Hídricos zelar pela implementação da Política Nacional de Segurança de Barragens e
que incube à Agência Nacional de Águas – ANA implantar e gerir o SNISB.
O Projeto de Lei 4.038/04 obriga a empresa construtora a contratar seguro contra o
rompimento de barragem. O projeto original cria seguro obrigatório para barragens de
cursos de água cujo rompimento possa provocar inundação de áreas habitadas ou em
que haja atividade econômica. Barragens destinadas à contenção de rejeitos industriais e
de esgotos sanitários, que, em caso de rompimento, possam provocar poluição ou
contaminação do solo ou de aqüíferos também ficam sujeitas à cobertura obrigatória. A
contratação do seguro ainda que no período de implantação, visa à cobertura de danos
físicos, inclusive morte, e prejuízos materiais às pessoas físicas e jurídicas domiciliadas
a jusante. Deverão contar com seguro as barragens mencionadas, sejam os proprietários
pessoa física ou jurídica. A ausência de seguro constitui infração ambiental e sujeita os
representantes dos proprietários da barragem aos termos dos arts. 68, 70 e 72 da Lei nº
9.605, de 1998.
O Projeto de Lei argumenta que os efeitos devastadores gerados pelos erros técnicos de
projeto ou pelas deficiências de manutenção são geralmente arcados pela população
atingida. Desta forma, a contratação de seguro facilitará a indenização e ensejará a
19
realização de auditorias e de fiscalização por parte das seguradoras, o que estimulará
que os projetos e a manutenção das barragens sejam realizados com maior rigor técnico.
O seguro é uma das instituições mais antigas idealizadas pelo homem pra lidar com
eventos incontroláveis, de maneira a reduzir a incerteza ou o risco presente no mundo
real (OZAKI, 2005). O primeiro contrato de seguro foi descoberto em 1347 e o primeiro
co-seguro em 1370, ambos em Gênova e ligados à navegação mercantil. No Brasil, a
primeira companhia seguradora foi criada com a vinda da Família Real para o país, em
1808 (AZEVEDO, 2008). Se um indivíduo adquire um contrato de seguro, uma taxa ou
prêmio é pago à firma seguradora em troca de um pagamento ou indenização futura,
caso um evento incerto especificado a priori ocorra (OZAKI, 2005).
A grande maioria dos riscos apresenta consequências econômicas, e são estes riscos e
estas conseqüências que interessam ao mercado segurador. No entanto, nem todos os
tipos de riscos são seguráveis. Os critérios básicos para a segurabilidade são: a perda
esperada deve ser calculável; as circunstâncias de uma perda devem ser possíveis de
definição; deve haver um grande número de unidades expostas, homogêneas e
independentes para que se possa obter uma previsão com certo nível de exatidão das
perdas médias futuras; o prêmio deve ser economicamente viável; não haja perda
catastrófica; o seguro não deve ameaçar o interesse público (BOOTH et al. , 1999;
HART et al. , 1996; REDJA, 1995; SKEES e BARNETT, 1999; TROWBRIDGE, 1989
apud OZAKI, 2005).
Os seguros desempenham um papel fundamental no funcionamento das economias
modernas. Os contratos de seguro de transferência de riscos individuais para os
mercados financeiros através de acionistas de companhias de seguros permitem a
redução dos riscos suportados pela sociedade através da diversificação. Também
permite a transferência de riscos para os agentes que têm uma vantagem comparativa
para assumir riscos, ou seja, mais agentes tolerantes ao risco. O valor acrescentado para
a economia é considerável: ele aumenta diretamente o bem-estar dos segurados avessos
ao risco, mas também induz os empresários avessos ao risco em investir mais em
atividades de risco, aumentando assim o crescimento e o emprego (GOLLIER, 2005).
20
O modelo padrão das trocas econômicas prevê que a concorrência dos mercados de
seguros de risco leva a uma alocação ótima de Pareto4. Desta forma, todos os riscos
serão agrupados nos mercados financeiros e de seguros. Além disso, a sistemática
residual do risco na economia será suportada pelos agentes que têm uma vantagem
comparativa na gestão de riscos, como as seguradoras e os investidores ricos. Em
resumo, isto significa que todos os riscos são seguráveis (GOLLIER, 2005).
No entanto, este ponto de vista sobre o funcionamento das nossas economias é idealista.
Há várias razões porque uma grande parte dos acontecimentos incertos não pode ser
segurada de forma eficiente por parte dos mercados de seguros competitivo,
particularmente aqueles relacionados às catástrofes. Há um grande conjunto de
raciocínios econômicos para explicar por que alguns riscos não podem ser segurados no
mercado. Os economistas têm desenvolvido durante os últimos trinta anos um modelo
canônico para lidar com o seguro ideal/partilha de riscos e prevenção de riscos
(GOLLIER, 2005).
6.3.1 O modelo clássico de partilha de risco
No modelo clássico de partilha de risco há um grande número de agentes na economia,
cada agente tem uma dotação de risco, é permitido a correlação entre os riscos, os
agentes são maximizadores da utilidade esperada com uma função de utilidade5
crescente e côncava. As seguintes suposições são feitas (GOLLIER, 2005):
Não há custos de transação6; a função de distribuição dos riscos é de conhecimento
comum; a função distribuição pode depender dos esforços de prevenção pelos agentes;
os esforços são observáveis sem qualquer custo; as perdas são observáveis sem qualquer
custo; há responsabilidades; o modelo é estático ou existe um conjunto completo dos
mercados de seguro para riscos futuros. Sob estas condições obtemos os seguintes
resultados bem conhecidos: para cada evento possível pelo menos um agente é afetado e
haverá um mercado competitivo de créditos condicionais para esse evento; os agentes
4 No sentido de que não existe nenhuma outra alocação factível de riscos que poderiam aumentar a utilidade esperada de um agente sem reduzir a utilidade esperada de pelo menos outro agente de riscos na economia (GOLLIER, 2005).
5 Ordenação dos benefícios que estão disponíveis a uma pessoa, de acordo com a satisfação que lhe trarão (CARRERA-FERNANDEZ, 2001).
6 Custos necessários para a realização de contratos de compra e venda (SANDRONI, 2005).
21
vão trocar contratos que pode ser analisado como um contrato de seguro; os mercados
competitivos geram uma alocação ótima de Pareto dos riscos na economia (GOLLIER,
2005).
Apesar dos riscos dependerem de esforços para impedi-los, não há problema de risco
moral7. A condição de cada parte é que a aceitação do contrato gere uma prevenção do
risco pela outra parte. Por exemplo, uma seguradora irá proporcionar uma melhor taxa
de prêmio para empresários que aceitem investir em extintores de incêndios em seus
edifícios. Para ilustrar a ideia, não havendo risco sistemático8, no equilíbrio, um
aumento de 1 Euro no esforço de prevenção por qualquer agente gera um aumento de 1
Euro esperado na riqueza agregada na economia. Conclui-se, portanto, que no problema
clássico de seguros e prevenção de riscos não há a necessidade de intervenção pública
(GOLLIER, 2005).
No entanto, estes resultados não se encaixam no mundo real. Os seguros e os
mecanismos de resseguro9 são bons em repartir o padrão de riscos de uma forma muito
eficiente através de uma comunidade mundial de investidores que obtêm um retorno
para o risco da carteira que tomaram. Este é o caso do automóvel, do incêndio e riscos
de maiores responsabilidades, por exemplo. Este não é o caso da maioria dos riscos
catástrofes (GOLLIER, 2005).
A prevalência dos custos de transação no setor de seguro é bem estabelecida de fato.
Para muitos ramos de seguro, como o seguro de automóvel, o valor da transação custa
até 30% do prêmio. Esta é uma diferença marcante em relação aos mercados
financeiros, em que os custos de transação não são geralmente maiores que 2 ou 3%. Os
mercados de seguros são confrontados com os custos de transação muito maiores
porque são adequados aos riscos individuais, que são difíceis de observar (GOLLIER,
2005). Sendo assim, a informação tem um papel relevante para a alocação de recursos
de forma eficiente. No entanto, podem existir custos associados à geração, transferência
e utilização da informação. Na ausência de informação perfeita, os indivíduos serão 7 Relacionado à assimetria de informação, ou seja, uma parte na transação possui mais informações que a outra (SANDRONI, 2005).
8 Risco geral do mercado como os aspectos políticos, sociais ou econômicos do mundo (SANDRONI, 2005).
9 “É um tipo de pulverização em que o segurador transfere a outrem (ressegurador), total ou parcialmente, o risco assumido, sendo, em resumo, um seguro do seguro.” (AZEVEDO, 2008, p. 183).
22
incapazes de saber, com certeza, quais as conseqüências de determinadas decisões
tomadas em certas situações (OZAKI, 2005).
O fenômeno da assimetria de informação10 gera falhas no equilíbrio de mercado
provocando fenômenos como a seleção adversa e o risco moral (AKERLOF, 1970). No
caso do mercado de seguros, o problema da seleção adversa, é observado na situação de
que quanto mais elevados forem os prêmios11, as pessoas com menor risco são
desmotivadas a comprar a cobertura de seguro, devido ao seu elevado custo do prêmio,
passando a interessar somente aos indivíduos de maior risco. Desta forma, os cidadãos
mais propensos ao sinistro12 são mais estimulados a comprar o seguro. Ao passo que
cobrindo riscos maiores, os prejuízos do seguro podem se agravar até torná-lo inviável
(FERREIRA, 2008).
Quanto ao risco moral, ocorre em uma situação na qual um lado do mercado não pode
observar as ações do outro lado (FERREIRA, 2008). Se a companhia de seguro pudesse
observar o nível de cuidado que o seu segurado teria no sentido de prevenir a ocorrência
do sinistro, a empresa poderia assegurá-lo completamente contra a perda. No entanto, o
nível de cuidado que o indivíduo tem em relação à prevenção do sinistro, em geral, não
é observado, de modo que a companhia de seguro não assegura totalmente seus clientes
contra as perdas. A intuição por trás deste fato é que, se o seu cliente estivesse
totalmente assegurado, ele não teria incentivo algum de investir na prevenção de
sinistros (CARRERA-FERNANDEZ, 2001).
O risco moral é a principal razão para que as companhias de seguro não assegurem
completamente seus clientes. A franquia, ou seja, parte da perda que não é coberta pelas
companhias de seguro é, portanto, uma forma de fazer com que os seus clientes tenham
algum incentivo no sentido de prevenir o sinistro, tomando alguns cuidados com o bem
assegurado (CARRERA-FERNANDEZ, 2001).
10 Uma das partes tem mais informação do que a outra em um negócio ou acordo (FERREIRA, 2008).
11 É o valor pago pelo segurado para a contratação do seguro que se efetiva com a emissão da apólice por parte da seguradora (CARRERA-FERNANDEZ, 2001).
12 “Ocorrência do acontecimento previsto no contrato de seguro e que, legalmente, obriga a seguradora a indenizar.” (AZEVEDO, 2008, p. 97).
23
A assimetria de informação, a seleção adversa e o risco moral geram a existência dos
custos de transação, que é especialmente importante no caso dos riscos catastróficos,
pois, os mesmos são susceptíveis de desencadear ondas de reclamações de segurados
atingidos pelo mesmo evento, tudo ao mesmo tempo. A auditoria destas reivindicações
simultâneas exige uma grande capacidade de contas em um prazo razoável. Como a
tecnologia de auditoria deve apresentar retornos decrescentes de escala13, o custo da
auditoria esperado por clientes é susceptível de ser maior para riscos de catástrofes em
relação a outros ramos de seguro (GOLLIER, 2005).
No mesmo espírito, a capacidade de auditoria limitada vai obrigar as companhias de
seguro a randomizar14 as auditorias, quando confrontado com ondas de reivindicações.
Esta é antecipada por tomadores oportunistas que podem ser tentados a exagerar seus
prejuízos quando ocorre uma catástrofe. Como conseqüência, o problema dos custos de
transação em mercados de seguro é ampliado no caso de riscos catastróficos
(GOLLIER, 2005).
Assim, os custos de transação são uma fonte de insegurabilidade parcial. Em Arrow
(1965) apud Gollier (2005) observamos que a franquia do seguro é o melhor
compromisso entre a vontade de cobrir o maior risco com o objetivo de limitar os custos
de transação. A intuição é que a vontade de pagar para a cobertura depende da variação
das perdas. Quando se reduz o tamanho t do risco, a disposição para pagar o seguro
diminui t², enquanto que os custos de transação diminuem como t. Isto implica que
apenas os grandes riscos são segurados (GOLLIER).
Há uma contradição com a observação de que não há problemas em encontrar um
seguro contra rachaduras de um para-brisas, mas não se pode facilmente encontrar o
seguro contra riscos muito maiores como o seguro de terremoto. Concluímos que a
existência de custos de transação não é uma explicação convincente para as falhas do
mercado de seguros para grandes riscos. Kahneman e Tversky (1979) apud Gollier
(2005) realizaram experimentos que tendiam a estabelecer que as pessoas são muito
mais afetadas pelas perdas do que pelos ganhos de riqueza. Sendo assim, essa aversão à
perda deve aumentar a demanda por seguros, tornando assim, o argumento dos custos
13 A produção aumenta numa proporção menor que o aumento dos insumos (SANDRONI, 2005).
14 Selecionar de forma aleatória (SANDRONI, 2005).
24
de transação como uma fonte de insegurabilidade ainda menos aceitável (GOLLIER,
2005).
6.3.2 Insegurabilidade dos riscos catástrofes e iniciativas governamentais
Rothschild e Stiglitz (1976) reconheceram que o fato das seguradoras enfrentarem uma
população heterogênea de consumidores é uma fonte de ineficiência nos mercados de
seguros. Supondo-se que os riscos individuais são heterogêneos na população e as
características observáveis dos agentes não é perfeitamente correlacionado com a
intensidade do seu risco, o problema da seleção adversa tem origem na observação de
que se as companhias de seguro calculam a taxa do prêmio em função da distribuição de
probabilidade média da população, sendo que os agentes menos arriscados vão comprar
uma menor quantidade de seguros do que os agentes de maior risco.
No caso extremo, o agente de baixo risco encontra-se a uma taxa de prêmio muito
grande com relação à sua probabilidade de perda. As seguradoras anteciparão essa
reação e vão aumentar a taxa de prêmio para quebrar mesmo só sobre a população de
tomadores de alto risco. A recomendação de política que é relevante para reduzir a
seleção adversa é tornar público todas as informações relevantes sobre os riscos. No
entanto, permitir que as companhias de seguro discriminem preços de acordo com suas
informações sobre a exposição ao risco dos seus clientes levanta uma questão ética:
suponha que o grupo de maior risco dos agentes é, em média, mais pobre do que o
grupo menos exposto (GOLLIER, 2005).
A discriminação de preços no mercado de seguros aumenta a taxa do prêmio para os
consumidores mais pobres ao lado do problema da redistribuição, o que pode gerar um
problema de solvência da demanda de seguros. Estes dois problemas podem ser
resolvidos através da imposição da regra da não-discriminação de empresas de seguros
(ROCHET, 1991 apud GOLLIER, 2005). A fim de eliminar o problema da seleção
adversa que esta recomendação política produz é necessário combinar a regra da não-
discriminação com a cobertura de seguro obrigatório.
Isto é o que é feito na França, no caso do seguro de catástrofes naturais, por exemplo.
Dadas as dificuldades para regular os mercados de seguros deve-se pensar na política
alternativa que consiste na redistribuição da riqueza entre os clientes de baixo risco e os
25
de alto risco através de um regime fiscal simples. Entretanto, a recomendação política
de permitir que as seguradoras discriminem preços entre os tomadores de seguro,
permitindo a discriminação, é uma forma de fornecer aos tomadores incentivo para
investir em atividades de redução de risco (GOLLIER, 2005).
A existência de custos de falência ampla sobre os mercados financeiros implica que os
riscos de catástrofe não podem ser segurados sem que o governo pague o papel de
segurador de última instância. Este é um elemento chave no sucesso de ambos os
seguros de risco do terrorismo do programa nos Estados Unidos e os seguros de
catástrofes naturais na França, por exemplo. É de salientar que esta intervenção pública
para a atribuição de risco na economia só é viável se for claramente definida ex-ante.
Esta é uma condição necessária para o funcionamento eficiente dos mercados de (re)
seguros (GOLLIER, 2005).
Há muitos casos em que a variável aleatória que descreve o risco não tem distribuição
de probabilidade objetiva. Isto pode ser devido à ausência de dados históricos. Ou
porque é do nosso conhecimento científico imperfeito, para aqueles que acreditam em
um mundo determinista. Para ilustrar, quem sabe a distribuição da probabilidade real da
temperatura média da terra aumentar em mais de 3 graus centígrados durante o próximo
século? A falta de previsibilidade também pode ser devido a um ambiente volátil, como
é o caso das normas de responsabilidade futuras da política ambiental em muitos países.
A ambigüidade sobre a distribuição de probabilidade levanta várias questões. É
suficiente para explicar o problema da segurabilidade ambígua tipicamente associada
aos riscos? Como calcular um prêmio de seguro justo? Como avaliar os benefícios de
um contrato de seguro para o segurado? O que seria uma afetação eficiente dos riscos na
economia? (GOLLIER, 2005).
Diante da insegurabilidade dos riscos catástrofes a literatura aponta diversas
alternativas. Sendo que uma delas é organizar um sistema implícito ou explícito de
solidariedade para com os “cidadãos azarados” através de uma indenização financiada
pelos contribuintes como um substituto para o mercado de seguros. A segurança social é
o exemplo mais óbvio. A decisão do governo dos Estados Unidos de indenizar os
familiares das vítimas do “11 de setembro” e os acionistas das companhias aéreas é
outro exemplo. A França é o modelo perfeito de um país que estabeleceu um sistema
implícito de solidariedade para com os “cidadãos azarados”. Agricultores e
26
caminhoneiros podem invocar o Estado para obter compensações pelos choques
adversos de seus lucros, por exemplo. Vítimas de inundações podem esperar obter
indenizações que dependem do poder dos seus representantes locais no Parlamento
(GOLLIER, 2005).
No entanto, os rendimentos de solidariedade geram problemas no sistema que são
semelhantes aos do mercado de seguros: a seleção adversa, o risco moral e a fraude.
Além disso, o sistema está implícito que gera alguma incerteza sobre o nível da
indenização, por causa da natureza política da intervenção. Mas a maior dificuldade está
relacionada com a não-estabilidade da convivência do sistema de solidariedade. Se os
cidadãos acreditam que o Estado irá compensá-los por seus prejuízos, eles preferem não
segurar o risco. A ausência de cobertura de seguro ex-post obriga o Estado a intervir.
Pode-se atenuar este problema pedindo que o Estado especifique explicitamente as
condições e os limites da solidariedade nacional. No entanto, esse compromisso pode
ser difícil (GOLLIER, 2005).
Um aspecto essencial da questão política aqui é, portanto, a capacidade do Estado se
comprometer em um tratamento ex-post das vítimas de catástrofes. Este compromisso
pode ser organizado através de uma lei específica que organiza os mecanismos de
solidariedade sob regras peculiares, como é feito, nos Estados Unidos através da
passagem do Terrorism Risk Insurance Act de 2002, por exemplo. O qual a gestão do
regime de solidariedade é delegada para uma instituição independente, se tornando uma
estratégia alternativa para o problema do compromisso (GOLLIER, 2005).
Nos Estados Unidos há também o National Flood Insurance Program - NFIP que foi
criado em 1968 pelo Congresso americano com o intuito de oferecer seguro contra
inundações para proprietários, inquilinos e donos de negócios se a comunidade participa
do NFIP. As comunidades participantes concordam em adotar e aplicar preceitos que
atendem ou excedem as exigência da Federal Emergency Management Agency - FEMA
para reduzir o risco de inundações. A apólice do seguro custa em média 540 dólares por
ano. Este Programa engloba também as pessoas que podem ser afetadas com as falhas
de barragens (ESTADOS UNIDOS, 2008).
Em relação ao contexto europeu, a maioria dos proprietários de barragens escandinava
tem a sua própria companhia de seguros, a NEFO, que conseguiu assegurar a exposição
ao risco através da criação de um dos maiores programas de responsabilidade
27
internacional. Na Noruega foi aprovado em 1º de janeiro de 2001 uma lei que inclui
uma recomendação aos proprietários de barragens para subscrever um seguro de
responsabilidade civil. A solução NEFO é mencionada na lei como um exemplo de uma
boa solução com um preço baixo (MAEHLUM, 2001). Já na Espanha, Azañedo e
Córdova (2001) sustentam que uma análise de risco pode ser uma ferramenta muito útil
para o governo possibilitando estabelecer políticas de seguro para cobrir os prejuízos
decorrentes de situações excepcionais o que acaba permitindo às companhias de seguro
participar na gestão dos riscos nas barragens.
Regimes de seguros e de resseguros devem ser complementados por outros de baixo
risco do custo de mecanismos de partilha nas comunidades mais pobres, como as redes
de parentesco, os programas de micro finanças e de obras públicas para aumentar a
capacidade de enfrentamento. Também é importante que todos os projetos de
desenvolvimento devam incluir uma análise crítica de riscos de desastres e
vulnerabilidade, e as políticas e programas destinados a reduzir os riscos de desastres
estejam incluídos nos programas de redução de risco (UN, 2002).
Uma parceria público-privada ideal é obtida pela combinação das vantagens dos dois
sistemas. Seguradoras e resseguradoras privadas são boas para a seleção,
acompanhamento de preços de riscos individuais e em reivindicações de auditoria. Eles
podem transferir eficientemente uma primeira camada de tais riscos para os mercados
financeiros. No entanto, não são boas em manter a camada superior dos riscos
agregados, dadas as restrições de solvência, que não permite suavizar choques ao longo
do tempo. O Estado pode fazer isso de forma eficiente, usando a capacidade fiscal dos
cidadãos antes e após as catástrofes ocorrem, assim, há tempo de diversificar os riscos
catastróficos. Sendo assim, é por isso que devem desempenhar o papel de segurador de
última instância (GOLLIER, 2005).
As barragens representam muitos riscos e no Brasil falta um Plano Nacional de
Segurança de Barragens, assim como uma política de ressarcimento de danos
provocados por falhas nas mesmas. Os Projetos de Lei nº 1.181/03 e nº 4.038/04 são de
extrema importância para a criação de uma política de gestão de riscos no âmbito das
barragens. No entanto, o seguro obrigatório só conseguirá cobrir os riscos
28
independentes15 não conseguindo abarcar os correlacionados16, sendo assim, há a
necessidade de uma parceria público-privada.
7 METODOLOGIA
Serão abordadas as limitações do modelo clássico de partilha de risco e sua
insegurabilidade diante dos riscos catástrofes. O desastre será modelado através da
Fronteira de Possibilidades de Produção – FPP e a recomposição da mesma será
justificada através de políticas públicas, visando recuperar a FPP. Nesta direção será
feita análises institucionais comparativas dos instrumentos e sugestões de propostas de
políticas públicas no Brasil no âmbito das falhas no ambiente macro e micro
institucionais das barragens
7.1 AS LIMITAÇÕES DO MODELO CLÁSSICO DE PARTILHA DE RISCO
DIANTE DOS RISCOS CATÁSTROFES
No modelo clássico os riscos são independentes e, portanto, passíveis de cálculos
estatísticos de probabilidade. No entanto, este modelo não se aplica ao risco catástrofe,
pois, os sinistros catastróficos estão na categoria dos riscos correlacionados. Ou seja,
nem todas as perdas são passiveis de previsão ou estimação dado que são riscos que
podem afetar toda uma região (FERREIRA, 2008).
Sendo assim, em relação à insegurabilidade dos riscos catástrofes será feita uma revisão
bibliográfica da literatura acerca das diversas alternativas apontadas para o problema.
Os principais serão: BOHM e HALL, 1999; KLEINDORFER e KUNREUTHER, 1999;
GRON, 1999; KLEIN, 1998; MARTINEZ, 2004, BRADFORD e LOGUE, 1999;
GOLLIER, 2005; CUNHA, 2002; OSAKI, 2005; FERREIRA, 2008.
7.2 MODELO CATÁSTROFE E A FRONTEIRA DE POSSIBILIDADES DE
PRODUÇÃO
O risco passa a ser um problema quando acarreta um desastre. No entanto, para estarem
inseridas em uma “problemática econômica” as consequências do desastre precisam ser
15 São passíveis de cálculos estatísticos de probabilidade (FERREIRA, 2008).
16 Nem todas as perdas são passiveis de previsão ou estimação dado que são riscos que podem afetar toda uma região (FERREIRA, 2008)
29
modeladas, e uma possibilidade é sua representação por meio da Fronteira de
Possibilidades de Produção - FPP. Com este recurso, o desastre passa a ser percebido
como um deslocamento da FPP, à esquerda, com a destruição dos recursos ou da
tecnologia de produção reduzindo a produção e o bem-estar social. Este artifício insere e
representa o desastre como uma “problemática econômica”, a partir do que passamos a
poder equacioná-lo como um problema econômico, mitigáveis em seus efeitos através
de uma política governamental.
O gráfico de FPP é um modelo econômico, que mostra a combinação de produto ou
categoria de produtos que a economia pode potencialmente produzir, dados os fatores
de produção e a tecnologia disponíveis. Neste caso, para um maior grau de ilustração, o
modelo se vale da combinação das categorias de produtos intensivos em trabalho e dos
intensivos em capital. Por categoria de produtos intensivos em trabalho entendemos os
que necessitam da força de trabalho, que provém das pessoas; já por categoria de
produtos intensivos em capital entendemos os bens de capital e a infraestrura
disponível.
y
xGráfico 1 – Fronteira de Possibilidades de Produção
Fonte: MANKIW, 2008; FTE, 2009.
O eixo y representa a combinação dos produtos intensivos em capital e o eixo x
representa a combinação dos produtos intensivos em trabalho. A FPP mostra um
tradeoff que se apresenta à sociedade: uma vez alcançados os pontos eficientes sobre a
fronteira, a única maneira de se obter mais de um bem é obtendo menos do outro. A
FPP é convexa, isto significa que o custo de oportunidade17 da combinação dos produtos
intensivos em trabalho em termos da combinação dos produtos intensivos em capital
depende de quanto de cada conjunto de bens a economia está produzindo (MANKIW,
2008).
17 O custo de alguma coisa é do que você desiste para obtê-la (MANKIW, 2008).
30
Quando a economia usa a maior parte dos seus recursos para fazer os bens intensivos
em trabalho, a FPP é bastante inclinada. Cada bem intensivo em trabalho do qual a
economia abre mão permite um aumento substancial na produção dos bens intensivos
em capital. Ao contrário, quando a economia utiliza a maior parte dos seus recursos para
fabricar os bens intensivos em capital, a FPP é bem menos inclinada. Neste caso, os
recursos mais adequados à fabricação dos bens intensivos em capital já se encontram na
indústria deste tipo de bem e cada bem intensivo em trabalho do qual a economia
desiste rende apenas um pequeno aumento no número dos bens intensivos em capital
(MANKIW, 2008).
Embora no mundo real as economias registrem a produção de milhares de bens e
serviços são imaginados apenas dois conjuntos de bens. Sendo assim, a FPP simplifica
uma economia complexa para destacar e esclarecer algumas idéias fundamentais. Há
eficiência se a economia está obtendo tudo o que for possível a partir dos recursos
escassos disponíveis, ressaltando que pontos dentro da curva indicam ineficiência e
pontos sobre a curva indicam eficiência econômica (MANKIW, 2008).
Os pressupostos do modelo FPP são: todos os recursos são utilizados para produzir os
dois produtos (ou categoria de produtos), nos eixos x e y; em todos os pontos da curva,
os recursos são integralmente utilizados, dada a tecnologia disponível; pontos dentro da
curva representam os resíduos ou a utilização ineficiente dos recursos, pontos fora da
curva não são possíveis porque a curva representa a produção máxima, a fronteira; os
aperfeiçoamentos tecnológicos ou a descoberta de novos recursos torna mais possível a
produção, a curva se move para fora, à direita; destruição dos recursos ou da tecnologia
de produção torna a produção menos possível, a curva de move para dentro, à esquerda
(MANKIW, 2008).
Uma epidemia, por exemplo, tem um impacto maior sobre atividades que demandam
um maior uso da força de trabalho (agricultura de subsistência) do que atividades que
demandam um maior uso de bens de capital (processamento de informação ou de
produção que necessitam de máquinas e equipamentos), como mostrado pela maior
retração no eixo horizontal da FPP (FTE, 2009).
y
31
xGráfico 2 - FPP com Maior Retração no Eixo Horizontal
Fonte: FTE, 2009.
Já furacões e tornados (com alerta precoce e evacuação eficaz de pessoas que vivem na
área afetada) têm um impacto maior sobre bens de capital do que sobre a força de
trabalho (FTE, 2009).
y
xGráfico 3 – FPP com Maior Retração no Eixo Vertical
Fonte: FTE, 2009.
No entanto, súbitas catástrofes naturais, como terremotos maciços, inundações ou erupções vulcânicas que geram morte e destruição encolhem a Fronteira de Possibilidades de Produção em ambos os eixos (FTE, 2009).y
xGráfico 4 – FPP com Retração Igual em Ambos os Eixos
Fonte: FTE, 2009.
Embora o modelo de Fronteira de Possibilidades de Produção não incorpore claramente
as complexidades e os impactos de qualquer desastre do mundo real, nos ajuda a
entender por que às vezes as catástrofes podem parecer boas para a economia (FTE,
2009).
32
7.2.1 Análise institucional comparativa das medidas de mitigação
A nossa metodologia apoiar-se-á em Aoki (2001) e Williamson (2000). Do primeiro
tomaremos sua compreensão histórica das instituições em geral, como uma etapa na
apreensão do ambiente institucional dos instrumentos econômicos mitigadores dos
riscos dos desastres, para em seguida examinar cada um destes instrumentos em
distintos ambientes institucionais configurados por meio dos quatro níveis institucionais
explicitados por Williamson (2000): i) o nível das crenças e dos valores, ii) o das
instituições formais, iii) da estrutura de governança e iv) alocação dos recursos.
A partir da identificação das diversas medidas de mitigação dos riscos (seguro,
microfinancças, mecanismo de poupança e frente de trabalho) analisar-se-a o
aninhamento institucional de cada uma delas em distintos ambientes institucionais.
7.2.1.1 Justificação técnica do seguro de barragens
Serão coletadas informações acerca dos riscos referentes às barragens e dos principais
acidentes ocorridos no Brasil nos últimos anos, como Cataguases (MG) em 2003 e
Alagoa Grande (PB) em 2004 através de: GONÇALVES, MARCHESINI E
VALENCIO, 2009; SILVA et al., 2006; GONÇALVES, ALMEIDA e LINS, 2007;
FRANCO, 2008; GUSMÃO FILHO, 2006; MENESCAL et al. 2005; MENESCAL,
VIEIRA e OLIVEIRA, 2005; MENESCAL, 2007, de forma a assimilar sua natureza
técnica e, em seguida examinar sua adequação a natureza também técnica dos distintos
tipos de seguros.
Também será analisado o Projeto de Lei 1.181/03 que propõe estabelecer a Política
Nacional de Segurança de Barragens – PNSB, a fim de encontrar uma solução que
consiga acolher o risco catástrofe e o Projeto de Lei 4.038/04 que obriga a empresa
construtora a contratar seguro contra o rompimento de barragem a fim de investigar se
será possível a cobertura de danos físicos e prejuízos materiais às pessoas físicas e
jurídicas domiciliadas a jusante somente pelo setor privado. Será sugerido substitutivos
ao PL 4.038/04 em relação aos riscos correlacionados.
8 FATORES ADVERSOS
33
Grande parte da literatura em relação ao seguro catástrofe é em língua estrangeira, além
de não ter encontrado trabalhos que relacionem o seguro catástrofe com os acidentes de
barragens no Brasil.
9 CRONOGRAMA
MESES Atividades (AS MESMAS ATIVIDAES LISTADAS ACIMA) 1º 2º 3º 4º 5º 6º 7º 8º 9º 10
º11º
12º
Utilização de modelos econômicos clássicos referentes ao risco e o seguro.
x x x x x x
Utilização de modelos econômicos não-clássicos referentes ao risco e o seguro.
x x x x x x
Examinar metodologias de análise de risco em barragens nos Brasil. x x x x x x x xConsultas com especialistas geotécnicos. x x x x x xSerão coletadas informações acerca dos principais acidentes geotécnicos ocorridos no Brasil nos últimos anos, como Cataguases (MG), em 2003 e Alagoa Grande (PB), em 2004.
x x x x x x
Serão coletadas informações acerca do seguro em relação aos eventos independentes e correlacionados.
x x x x x x
Será analisado o PL 4.038/04 x x xLeitura de livros. x x x x x x x x x xLeitura de dissertações e teses. x x x x x x x x x xLeitura de artigos científicos. x x x x x x x x x xAnalisar se os desastres e as catástrofes geotécnicas geram grandes prejuízos econômicos.
x x x x x x x x x
Analisar se os riscos independentes conseguem ser abarcados pelo seguro.
x x x x x x x x x
Analisar por que os riscos correlacionados não conseguem ser abarcados pelo seguro.
x x x x x x x x x
Chegar à conclusão se há a necessidade ou não de interferência governamental no que diz respeito aos riscos correlacionados.
x x x x x x x x x
Encontros semanais com orientador. x x x x x x x x x x x xApresentação do projeto. xApresentação do seminário. xApresentação da dissertação. x
34
REFERÊNCIAS
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