2010 - uma odisseia no espaco - - arthur c. clarke.pdf

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Livro que deu origem ao filme.

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  • DADOS DE COPYRIGHT

    Sobre a obra:

    A presente obra disponibilizada pela equipe Le Livros e seus diversos parceiros, com o objetivo de oferecer contedo parauso parcial em pesquisas e estudos acadmicos, bem como o simples teste da qualidade da obra, com o fim exclusivo decompra futura.

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    Sobre ns:

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    Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e no mais lutando por dinheiro e poder, ento nossasociedade poder enfim evoluir a um novo nvel.

  • NotadoAutor O romance 2001: uma odissia no espao foi escrito durante os anos de 1964 a 1968 epublicado em julho de 1968, logo depois do lanamento do filme. Segundo narrei em Osmundos perdidos de 2001, os dois projetos se processaram simultaneamente, alimentando-sedas duas fontes. Passei, assim, muitas vezes, pela estranha experincia de rever o manuscritodepois de assistir a copies baseados em verso anterior da estria uma maneiraestimulante, mas muito custosa, de se escrever um romance. Por conseguinte, existe, entre o livro e o filme, um paralelo bem mais prximo do que o quecostuma existir, embora existam diferenas de peso. No romance, o destino da espaonaveDiscovery era Japetus, a mais enigmtica das muitas luas de Saturno. O sistema saturnino foialcanado via Jpiter: o Discovery aproximou-se bastante do planeta gigante, valendo-se deseu enorme campo gravitacional para produzir um efeito ''estilingue" e para aceler-lo aolongo da segunda volta do trajeto. As sondagens espaciais do Voyager, em 1979, ao fazerem oprimeiro reconhecimento detalhado dos gigantes mais afastados, usaram exatamente a mesmamanobra. No filme, entretanto, Stanley Kubrick sabiamente evitou confuso ao colocar o terceiroconfronto do Homem com o monolito entre as duas luas de Jpiter. Saturno ficou inteiramentede fora no roteiro, embora Douglas Trumbull tenha usado a percia ento adquirida para filmaro planeta anelado em sua prpria produo, Silent running. Ningum teria imaginado, remontando aos meados da dcada de 1960, que a explorao dasluas de Jpiter fosse situar-se, no no sculo seguinte, mas somente quinze anos depois. Nemalgum jamais sonhou com as maravilhas que nelas seriam encontradas temos certeza quaseabsoluta, entretanto, de que as descobertas dos Voyager gmeos sero um dia ultrapassadaspor achados ainda mais inesperados. Quando 2001 foi escrito, Io, Europa, Ganimedes eCalisto eram meros alfinetes de luz mesmo no telescpio mais poderoso; hoje so mundos,cada um nico, e um deles, Io, o corpo vulcanicamente mais ativo no Sistema Solar. Mesmo assim, considerando-se tudo isso, tanto o filme quanto o livro, luz destasdescobertas, resistem razoavelmente bem, e fascinante se compararem as seqncias deJpiter, no filme, com as filmagens reais das cmeras do Voyager. Mas, claro, tudo o que forescrito hoje tem que incorporar os resultados das exploraes de 1979: as luas de Jpiter jno so mais territrio no-cartografado. E h um outro fator psicolgico, mais sutil, a ser levado em conta. 2001 foi escrito numa eraque est hoje alm de uma das Grandes Divises na histria humana; ns nos separamos delapara sempre no instante em que Neil Armstrong ps o p na Lua. O dia 20 de julho de 1969ainda se situava meia dcada no futuro quando Stanley Kubrick e eu comeamos a pensar no"proverbialssimo filme de fico cientfica" (frase dele). Hoje, histria e fico estoinextricavelmente entrelaadas. Os astronautas da Apolo j haviam visto o filme quando partiram para a Lua. Os tripulantesda Apolo 8, que, no Natal de 1968, vieram a ser os primeiros homens a pr olhos na FaceOculta da Lua, contaram-me que ficaram tentados a mandar de l uma mensagem informando a

  • descoberta de um imenso monolito negro... que pena, a discrio prevaleceu. E houve, depois, casos quase misteriosos em que a natureza imita a arte. De todos, o maisestranho foi a saga da Apolo 13 em 1970. J como uma boa abertura, o Mdulo de Comando, que abriga a tripulao, fora batizadoOdissia. Pouco antes da exploso do tanque de oxignio, que fez abortar a misso, ostripulantes ouviam o tema de Zaratustra, de Richard Strauss, hoje universalmente identificadocom o filme. Logo em seguida perda de fora, Jack Swigert mandou mensagem ao Controleda Misso: "Houston, tivemos um problema". As palavras que HAL utilizou dirigindo-se aoastronauta Frank Poole, em ocasio semelhante, foram: "Desculpe interromper as festividades,mas estamos com um problema". Quando publicado o relatrio da misso Apolo 13, o Administrador da NASA, Tom Paine,mandou-me dele uma cpia e, abaixo das palavras de Swigert, observou: "Exatamente comovoc disse que iria acontecer, Arthur". Sensao muito estranha ainda se apodera de mimquando contemplo toda essa srie de acontecimentos quase como se, de fato, pesasse sobremim uma certa responsabilidade. H uma outra repercusso menos sria, porm igualmente contundente. Uma das seqnciasmais brilhantes, no plano tcnico, no filme foi aquela que mostra Frank Poole correndo emvolta da pista circular da centrfuga gigante, cujo giro, produzindo a "gravidade artificial",mantinha-a no lugar. Quase uma dcada depois, os tripulantes do Skylab soberbo, de to exitoso perceberamque os projetistas lhes haviam proporcionado geometria semelhante: o anel de armrios dearmazenagem formava uma faixa circular, uniforme, volta do interior da estao espacial. OSkylab, entretanto, no girava, o que no deteve, porm, seus engenhosos ocupantes.Descobriram eles que poderiam correr em volta da pista, feito camundongos numa jaula deesquilos, produzindo um resultado visualmente indistinguvel do exibido no 2001. E para aTerra televisaram todo o exerccio (preciso dar o nome da msica de acompanhamento?) como comentrio: "Stanley Kubrick deveria ver isso." Como o viu na ocasio devida, poismandei-lhe uma gravao em telecine. (No a recebi de volta; Stanley usa, para sistema dearquivamento, um Buraco Negro domesticado.) Ainda, outro elo entre filme e realidade a pintura "Perto da lua", do Comandante da Apolo Soyuz, Cosmonauta Alexei Leonov. Vi-a pela primeira vez em 1968, quando 2001 foiapresentado Conferncia das Naes Unidas sobre Usos Pacficos do Espao Exterior. Logoaps a projeo, Alexei mostrou-me que seu conceito ( pgina 32 do livro de Leonov eSokolov, As estrelas esto nossa espera, Moscou, 1967) exibe precisamente a mesmadisposio que a da abertura do filme: a Terra elevando-se por trs da Lua, e o Sol elevando-se por trs de ambos. O esboo autografado est hoje na parede de meu escritrio; paramaiores detalhes, ver Captulo 12. Talvez seja esta a hora apropriada de identificar um outro nome, no to conhecido, queaparece nestas pginas, o de Hsue-shen Tsien. Em 1936, com os grandes Theodore vonKarman e Frank J. Mallina, o Dr. Tsien fundou o Laboratrio Aeronutico Guggenheim doInstituto de Tecnologia da Califrnia (GALCIT), ancestral imediato do famoso Laboratrio dePropulso a Jato, de Pasadena. Foi tambm o primeiro Catedrtico "Goddard" em Caltetch, e,durante o decnio de 1940, muito contribuiu para a pesquisa de msseis norte-americanos.Mais tarde, num dos episdios mais infelizes do perodo macarthista, sob alegadas acusaes

  • contra a segurana, foi preso quando quis regressar ao pas natal. Tem sido, durante os doisltimos decnios, um dos lderes do programa de msseis chins. H, por fim, o estranho caso do "Olho de Japetus" Captulo 35 do 2001. Ali narro adescoberta do astronauta Bowman, na lua de Saturno, de uma coisa curiosa: "uma oval branca,brilhante, de cerca de seiscentos e cinqenta quilmetros de comprimento e trezentos e vintequilmetros de largura... perfeitamente simtrica... e de borda to ntida que quase parecia...pintada sobre a face da pequena lua". Ao aproximar-se, Bowman convenceu-se de que "aelipse brilhosa, impressa no fundo escuro do satlite, era um olho enorme e oco que o fitava medida que ele se aproximava..." Mais tarde, notou "a manchinha pequenina bem no centro",que vem a ser o Monolito (ou um de seus avatares). Bem, quando o Voyager 1 transmitiu as primeiras fotografias de Japetus, evidenciou-se nelasde fato uma oval branca, grande, bem definida, com uma pequenina mancha preta no centro.Do Laboratrio de Propulso a Jato, Carl Sagan logo mandou-me uma cpia, com ocomentrio crptico: "Pensando em voc..." No sei se me sinto aliviado ou desapontado que oVoyager 2 tenha deixado a questo ainda em aberto. Inevitavelmente, portanto, a estria que vocs esto em vias de ler algo bem mais complexoque uma continuao direta do romance anterior ou do filme. Nos pontos onde os doisdiferem, segui a verso cinematogrfica; preocupei-me mais, entretanto, em tornar este livroconseqente, e o mais acurado possvel luz do conhecimento atual. Que, claro, estar mais uma vez desatualizado por volta de 2001... Arthur C. Clarke Colombo, Sri Lanka Janeiro de 1982***

  • I.Leonov

    1.NoLocaldeEncontro Mesmo nesta era mtrica, era ainda o telescpio de mil ps e no o de trezentos metros. Ogrande disco, fixado entre as montanhas, j se sombreava pela metade com o cair lpido dosol rumo ao repouso, mas o suporte triangular, em cujo centro se erguia, bem alto, o complexoda antena, ainda refulgia de luz. Do cho, bem l embaixo, olhos aguados seriam necessriospara reparar nas duas figuras humanas naquele labirinto areo de longarinas, cabos desustentao, direciona-dores de ondas. Chegou a hora dizia o Dr. Dimitri Moisevitch ao velho amigo Heywood Floyd deconversarmos sobre muita coisa. Sobre botas, espaonaves e lacres, mas principalmente demonolitos e computadores com defeito. Ento foi por isso que voc me tirou da conferncia! No que eu me importe; j ouvi oCarl tantas vezes fazer aquela palestra sobre o SETI que sei repeti-la eu mesmo. E a vista mesmo fantstica; sabe, das vezes em que vim a Arecibo, nunca estive aqui na alimentao daantena. Que pena, eu j estive aqui trs vezes. Imagine, estamos ouvindo o universo inteiro, masns dois ningum conseguir entreouvir. Vamos, ento, conversar sobre o seu problema. Que problema? Para comear, por que voc teve que renunciar ao cargo de Presidente do ConselhoNacional de Astronutica? Eu no renunciei. A Universidade do Hava paga muito melhor. Est bem, voc no renunciou; voc estava um passo frente deles. Voc no consegue metapear, Woody, depois de tantos anos, e devia parar de tentar. Se lhe oferecessem o CNA devolta nesse instante, voc hesitaria? Muito bem, seu velho cossaco! O que voc quer agora? Primeiro, naquele relatrio que voc finalmente fez, depois de tanta insistncia, muitascoisas no fecham. Isto sem falar no sigilo ridculo e, para sermos francos, ilegal, com que seupessoal escavou o monolito de Tycho. A idia no foi minha. Folgo em sab-lo, e acredito em voc. E gostamos do fato de voc agora deixar que todosexaminem a coisa... o que, claro, voc deveria ter feito em primeiro lugar. No que tenhatido alguma utilidade... Houve um silncio desalentador enquanto os dois contemplaram o enigma negro l no alto, naLua, ainda desafiando, sobranceiro, todas as armas que a engenhosidade humana seria capazde usar contra ele. Em seguida, continuou o cientista russo: Bem, seja o que for o monolito de Tycho, h algo mais importante l em Jpiter. Foi para

  • l que ele mandou sinais, afinal. E foi l que seu pessoal se meteu em apuros. Sinto por isso,alis... embora Frank Poole fosse o nico que eu conhecesse pessoalmente. Eu o conheci noCongresso de 1998 da FAI... me pareceu um bom homem. Obrigado; todos eram bons. Eu gostaria de saber o que aconteceu a eles. Seja o que for, agora voc tem que admitir que uma preocupao de toda a raa humana,e no s dos Estados Unidos. Voc j no pode mais usar o seu conhecimento para benefciomeramente nacional. Dimitri, voc sabe muito bem que o seu lado teria feito exatamente a mesma coisa. E comsua ajuda. Voc tem toda razo. Mas isso histria antiga, assim como o aquele seu governorecm-sado, responsvel por toda a confuso. Com um novo Presidente, talvez prevaleamconselhos mais sbios. possvel. Voc tem sugesto a fazer, e seriam oficiais ou simples esperanas pessoais? Tudo extra-oficial no momento. o que os polticos sanguinrios chamam conversas desondagem. E que eu negarei, terminantemente, que tenham ocorrido. justo. Continue. Bem, essa a situao. Vocs esto montando o Discovery II com toda a pressa possvel,na rbita do estacionamento, mas no tm esperanas de complet-lo em menos de trs anos, o que significa que iro perder o prximo corredor de lanamento... No nego, nem confirmo. Lembre-se de que eu no passo de um humilde reitor deuniversidade, o outro lado do mundo perante o Conselho de Astronutica. E a sua ltima viagem a Washington no passou de um feriadozinho, acho eu, para vervelhos amigos. Continuando: o nosso prprio Alexei Leonov... Pensei que vocs fossem cham-lo de Gherman Titov. Errado, Reitor. A velha CIA os derrubou de novo. Leonov, at janeiro era. E no diga aningum que eu lhe contei que ele vai chegar a Jpiter no mnimo com um ano de dianteirasobre o Discovery. E que ningum saiba que eu lhe contei que estamos com medo disso. Mas, vamos,prossiga. Meus chefes so to imbecis e mopes quanto os seus, e por isso querem fazer a coisasozinhos. O que significa que o que quer que saia de errado com vocs pode acontecerconosco, e ns estaremos de volta estaca zero... ou pior. O que voc julga que tenha sado errado? Estamos to frustrados quanto vocs. E no mediga que vocs no tm todas as transmisses de Dave Bowman. Claro que temos. At a ltima "Meu Deus, est cheio de estrelas!" Chegamos mesmo afazer, do comportamento da voz dele, uma anlise de intensidade. No cremos que eleestivesse com alucinaes; ele tentava era narrar o que realmente via. E quanto ao desvio Doppler verificado, o que voc depreende? Inteiramente impossvel, claro. Quando perdemos o sinal dele, ele se afastava a umdcimo da velocidade da luz. E em menos de dois minutos a atingiria. Um quarto de milho degravidades! Ento ele deve ter morrido instantaneamente. No queira se fazer de ingnuo, Woody. Os rdios de suas cpsulas espaciais no soconstrudos para suportar nem mesmo um centsimo dessa acelerao. Se os rdios

  • conseguiram sobreviver, Bowman tambm o conseguiria... ao menos at perdermos contato. Estou apenas verificando, por minha conta, as suas dedues. Dali em diante, tanto quantovocs, estamos no escuro. Se que vocs esto mesmo no escuro! S estamos jogando com muitas adivinhaes, to malucas que eu teria at vergonha decont-las a voc. Mas, mesmo assim, eu desconfio que a verdade ainda ser bem mais malucado que qualquer uma delas. Em pequenas exploses, cor carmim, as luzes de alerta aos navegantes piscavam ao redor dosdois, e as trs torres delgadas, que suportavam o complexo da antena, comearam a refulgir,como bias de sinalizao, contra o cu escuro. O ltimo estilhao vermelho do sol esvaiu-sepor trs das colinas circunjacentes; Heywood Floyd esperou pelo Claro Verde, que nuncavira. Mais uma vez, ficou desapontado. Bem, Dimitri disse ele , vamos ao ponto principal. Onde que voc quer chegar? Deve haver uma quantidade enorme de informaes inestimveis armazenadas nos bancosde dados do Discovery; e de se presumir que ainda estejam sendo acumuladas, mesmo que anave tenha interrompido suas transmisses. Gostaramos de ter acesso a elas. Muito justo. Mas, quando vocs estiverem l em cima, e o Leonov estabelecer o contato, oque os impede de abordar o Discovery e copiar tudo o que quiserem? Nunca pensei que eu tivesse de lembrar-lhe que o Discovery territrio dos EstadosUnidos, e que o ingresso no autorizado seria pirataria. Salvo no caso de uma emergncia de vida ou morte, o que no seria difcil de arranjar.Seria difcil para ns, afinal, fiscalizarmos as suas intenes daqui, a um bilho dequilmetros de distncia. Agradeo a sugesto. Das mais interessantes; vou pass-la adiante. Mas, mesmo quefssemos a bordo, levaramos semanas para aprender todos os seus sistemas e ler todos osseus bancos de memria. O que eu proponho cooperao. Estou convencido de que essa amelhor idia... mas creio que teremos muito trabalho para vend-la aos nossos respectivoschefes. Voc quer que um de nossos astronautas viaje com o Leonov? Quero... de preferncia um engenheiro especializado nos sistemas do Discovery. Comoesses que vocs esto treinando em Houston para trazer a nave de volta. Como foi que voc soube disso? Meu Deus, Woody! Saiu no videotexto do Semanrio da Aviao j, no mnimo, h maisde um ms. Eu perdi o contato. Ningum me conta o que foi dispensado do sigilo. O que motivo ainda melhor para se passar uma temporada em Washington. Voc vai meapoiar? Inteiramente. Concordo cem por cento com voc, mas... Mas o qu? Ns dois vamos ter que lidar com dinossauros que tm o crebro na cauda. Alguns dosmeus vo argumentar: deixem que os russos arrisquem o pescoo, correndo para chegar aJpiter. Ns, de qualquer maneira, chegaremos l uns dois anos depois. E, afinal, por que apressa? Por um instante houve silncio na base da antena, no fosse por um leve rangido dos imensoscabos de sustentao que a mantinham suspensa a cem metros nos cus. Depois, to baixinho

  • que Floyd teve que se esforar para ouvi-lo, Moisevitch prosseguiu: Algum verificou a rbita do Discovery ultimamente? Na verdade, no sei, mas creio que sim. De um jeito ou de outro, por que se incomodar? uma rbita perfeitamente estvel. mesmo. Ento, com todo o tato, devo lembr-lo de um incidente constrangedor, dosvelhos dias da NASA: a sua primeira estao espacial, o Skylab, que deveria ficar l em cimano mnimo uma dcada. Mas vocs no fizeram os clculos certos, subestimaram em muito aresistncia do ar na ionosfera, e ele caiu alguns anos antes do prazo. Tenho certeza de quevoc se lembra desse percalo, embora na poca voc ainda fosse um menino. Foi no ano em que me formei, e voc sabe disso. Mas o Discovery nunca se aproxima deJpiter. Mesmo no perigeu... quer dizer, no perijove, ele est muito alto para ser afetado pelaresistncia do ar. Eu j disse o bastante para me exilarem de novo para o meu dacha; e da prxima vez voctalvez no obtenha permisso para ir me visitar. Portanto trate de pedir ao seu pessoal dorastreamento para trabalhar com cuidado, est bem? E lembre a eles que Jpiter tem a maiormagnetosfera do Sistema Solar. Compreendo aonde voc quer chegar. Obrigado. Mais alguma coisa antes de descermos?Estou comeando a ficar congelado. No se preocupe, amigo velho. Assim que voc deixar isto vazar em Washington... espereuma semana para me resguardar... as coisas vo esquentar, e muito.

    2.ACasadosGolfinhos Os golfinhos entravam nadando, todas as tardes, na sala de jantar, imediatamente antes dopr-do-sol. Somente por uma vez, desde que Floyd veio ocupar a residncia do Reitor,quebraram a rotina. Foi no dia do tsunami de 2005, que, felizmente, perdera quase toda a foraantes de alcanar Hilo. Da prxima vez que os amigos no chegassem na hora, Floyd jogaria afamlia no carro e rumaria para terras altas na direo genrica de Mauna Ki. Embora encantadores, ele tinha que admitir que aquele espalhafato era s vezes umaborrecimento. Molhar-se no incomodava o gelogo marinho que projetara a casa, pois eleusava cales... ou menos. Houve, porm, uma ocasio inesquecvel, quando todo o Quadro deRegentes, vestindo traje noturno a rigor, estava a sorver coquetis ao redor do lago, enquantoaguardava a chegada de distinto conviva vindo do continente. Os golfinhos deduziram,corretamente, que teriam direito a repetio, e o visitante, ento, muito se surpreendeu ao sersaudado por uma comitiva de recepo toda enlameada, em roupes folgados ou apertados... eo buf ficou muito salgado. Floyd costumava imaginar o que Marion pensaria desta casa linda e estranha beira doPacfico. Ela jamais gostara do mar, mas o mar, enfim, vencera. Embora a imagem esvaecesse lentamente, ele ainda se lembrava da tela cintilante onde vira,pela primeira vez, as palavras "DR. FLOYD - URGENTE E PESSOAL", e, em seguida, aslinhas de impresso fluorescente se desenrolarem numa mensagem que rapidamente ardeu-lhe

  • no esprito: SENTIMOS INFORMAR FOMOS NOTIFICADOS VO 452 LONDRES -WASHINGTON CAIU PRXIMO NEWFOUND-LAND. TURMA DE SOCORRO RUMALOCAL MAS TEME NO HAVER SOBREVIVENTES. No fosse um acidente do destino, ele estaria naquele vo. Por alguns dias, quase se ressentiudaquele assunto da Administrao Espacial Europia que o retivera em Paris; aqueladiscusso sobre a carga til do Solaris lhe salvara a vida. E agora, tinha novo emprego, casa nova... e nova esposa. Aqui tambm o destinodesempenhara papel irnico. Mesmo que as recriminaes, os inquritos sobre a missoJpiter, lhe houvessem destrudo a carreira em Washington, um homem com sua capacidadeno ficava desempregado por muito tempo. A cadncia da vida universitria, to maislazerosa, sempre o apetecera, e quando combinada a uma das mais belas locaes do mundo,mostrara ser irresistvel. A mulher que viria ser sua segunda esposa, encontrara-a apenas umms depois de ser nomeado, quando olhava as fontes de fogo do Kilauea com um grupo deturistas. Com Caroline ele encontrara o contentamento, to importante quanto a felicidade, e maisduradouro. Era uma boa madrasta para as duas filhas de Marion, e a ele dera Christopher.Apesar da diferena de vinte anos entre eles, ela lhe compreendia os estados de esprito econseguia levant-lo das eventuais depresses. Graas a ela, ele agora conseguia contemplarsem dor a memria de Marion, no sem, porm, uma tristeza nostlgica que com ele ficariapara o resto da vida. Caroline atirava peixes para o golfinho maior o enorme macho ao qual chamavamScarback quando um leve comicho no pulso de Floyd anunciou uma chamada externa.Com um leve tapinha na fita de metal, fina, ele calou o alarma silencioso, para evitar oaudvel, e em seguida caminhou at a mesa de comunicao mais prxima, dentre asespalhadas pela sala. Aqui o Reitor. Quem fala? Heywood? Aqui o Vitor. Como vai? Numa frao de segundo, todo um caleidoscpio de emoes lampejou na mente de Floyd.Primeiro foi o mal-estar: seu sucessor e, ele tinha certeza, o principal maquinador de suaqueda nem por uma nica vez tentara contat-lo desde sua sada de Washington. Depoisveio a curiosidade: o que teriam eles que conversar? Em seguida uma determinao obstinadade ser o menos prestativo possvel, em seguida a vergonha de sua prpria infantilidade, e, porfim, uma onda de alvoroo. O motivo por que Vitor Millson o chamava s poderia ser um. Na voz mais neutra que conseguiu encontrar, Floyd respondeu: No posso me queixar, Vitor. Qual o problema? Esse circuito vedado? No, graas a Deus. Eu no preciso mais disso. Ah... bem, ento vejamos: voc se lembra do ltimo projeto que voc administrou? improvvel que eu me esquea, principalmente porque o Subcomit de Astronutica mechamou de novo h apenas um ms para apresentar provas adicionais. Claro, claro. Eu na verdade tenho que dar um jeito de ler a sua declarao, assim quetiver uma folga. Mas tenho andado muito ocupado com o acompanhamento, e esse oproblema.

  • Pensei que tudo estivesse em dia com a programao. Est... infelizmente. No h nada que possamos fazer para adiant-la; mesmo num esquemade altssima prioridade, a diferena seria apenas de umas poucas semanas. E isso significaque nos atrasaremos demais. No compreendo Floyd disse, ingenuamente. Mesmo que no queiramos, claro,desperdiar tempo, no h prazo fixado. Agora h. E dois! Voc est me assustando. Se Vitor percebeu qualquer ironia, ignorou-a. , so dois prazos: um que ns estipulamos, o outro no. Acaba que j no seremos osprimeiros a voltar ... quer dizer, cena da ao. Nossos velhos rivais vo nos derrotar porno mnimo um ano. uma pena. E isso no o pior. Mesmo que no houvesse concorrncia, chegaramos tarde demais.No haveria nada por l quando chegssemos. Isso bobagem. Eu com certeza saberia se o Congresso por acaso tivesse rejeitado a leida gravitao. Estou falando srio. A situao no estvel... agora no posso dar detalhes. Voc vaificar em casa o resto da noite? Vou respondeu Floyd, constatando, com um certo prazer, que naquele momento, emWashington, j passava da meia-noite. timo. Dentro de uma hora lhe mando um dossi. Me telefone de volta assim que terminarde estud-lo. Mas no vai ficar muito tarde? Vai, vai sim, mas j desperdiamos muito tempo. No quero desperdiar mais. Millson cumpriu a palavra. Uma hora depois, exatamente, um envelope grande, lacrado, eraentregue a ele por nada menos que um coronel da Fora Area, que se sentou, paciente,conversando com Caroline enquanto Floyd lia o contedo. Receio que tenha que lev-lo de volta quando o senhor terminar disse, desculpando-se,o mensageiro de alta patente. bom saber disso respondeu Floyd, acomodando-se em sua rede de leitura predileta. Havia dois documentos. O primeiro bem curto; exibia o carimbo SIGILO ABSOLUTO,embora o ABSOLUTO estivesse riscado, e a modificao, endossada por trs assinaturas,todas absolutamente ilegveis. Extrato, obviamente, de um relatrio muito maior, estavabastante censurado e cheio de lacunas, o que o tornava muito incmodo de se ler. Asconcluses, felizmente, poderiam ser resumidas em uma frase: os russos chegariam aoDiscovery bem antes que seus proprietrios de direito pudessem faz-lo. Como Floyd jsoubesse disso, passou rapidamente ao segundo documento, no sem antes reparar, porm,com satisfao, que desta vez haviam acertado o nome. Como de costume, Dimitri foraabsolutamente preciso. A prxima expedio tripulada a Jpiter viajaria a bordo daespaonave Cosmonauta Alexei Leonov. O segundo documento era muito maior, e meramente "confidencial"; estava, na verdade, naforma de uma minuta de carta revista Science, aguardando aprovao final antes de serpublicada, e o ttulo, oportuno, era "Veculo Espacial Discovery: Comportamento Orbital

  • Anmalo". Seguiam-se, depois, umas doze tbuas matemticas e astronmicas. Floyd folheou-as, tirandoa letra da msica, e tentando detectar alguma nota de desculpa ou mesmo de constrangimento.Ningum poderia adivinhar que as estaes de rastreamento e os calculadores de efemrides tinham sido tomados de surpresa, e que uma cobertura frentica estava emprocesso. Cabeas rolariam, sem dvida, e ele sabia que Vtor Millson teria prazer em faz-las rolar isto se a dele no fosse a primeira. Mas, fazendo-se justia a ele, quando oCongresso cortara as verbas para a rede de rastreamento, Vitor reclamara, e isto, talvez, lheevitasse a degola. Obrigado, Coronel disse Floyd, ao terminar de folhear os documentos. Parece osvelhos tempos, ter que ler documentos sigilosos. Se existe uma coisa da qual eu no sintosaudades, disso. O Coronel, com cuidado, colocou o envelope de volta na pasta, e ativou os cadeados. O Dr. Millson gostaria que o senhor lhe telefonasse de volta o mais breve possvel. Eu sei, mas meu circuito no vedado, e daqui a pouco eu vou receber umas visitas, e novou ser eu que vou pegar o carro e ir at o seu escritrio em Hilo s para dizer que li doisdocumentos. Diga a ele que eu os estudei meticulosamente e espero com interesse qualquercomunicao adicional. Pareceu, por um instante, que o Coronel ia discutir. Pensando melhor, porm, com umadespedida formal, partiu irritado, noite adentro. Que histria foi aquela} perguntou Caroline. Ns no vamos receber visita algumahoje, importante ou no. Detesto que me pressionem, principalmente o Vitor Millson. Mas ele vai telefonar de volta assim que o Coronel prestar contas. Ento temos que desligar o vdeo e fazer uns rudos de festa. Mas, para ser franco, eu porenquanto no tenho mesmo nada a dizer. A respeito de qu, se que tenho permisso de perguntar. Sinto muito, meu bem. Parece que o Discovery est nos pregando umas peas. Nspensvamos que a nave estava numa rbita estvel, mas ela talvez esteja beira de umacoliso. Com Jpiter? No, no. Isso quase impossvel. Bowman deixou-a estacionada no ponto Lagrangeinterno, na linha entre Jpiter e Io. E ela deveria ter permanecido l, mais ou menos, mesmoque as perturbaes das luas externas a fizessem vagar para frente e para trs. Mas o que estacontecendo agora algo muito estranho, para o que no temos explicaes completas. ODiscovery est deslizando com rapidez cada vez maior na direo de Io, s vezes acelerando, verdade, s vezes at mesmo andando de marcha r. Se isso perdurar, vai colidir dentro dedois ou trs anos. Pensei que isso no pudesse ocorrer em astronomia. No acham que a mecnica celeste uma cincia exata? o que sempre nos diziam, a ns, infelizes bilogos. uma cincia exata, quando tudo considerado. Mas h coisas muito estranhasacontecendo em Io. Sem contar os vulces, h descargas eltricas tremendas... e o campomagntico de Jpiter gira a cada dez horas. Portanto no a gravitao a nica fora agindo contra o Discovery; devamos ter pensado nisso antes... muito antes.

  • Bem, mas isso no mais seu problema, e voc deveria agradecer por isso. "Seu problema", a mesma expresso que Dimitri usara. E Dimitri velha raposa esperta! o conhecia h muito mais tempo que Caroline. Talvez no fosse seu problema, mas ainda era sua responsabilidade. Embora muita genteestivesse envolvida, no fim das contas fora ele quem aprovara os planos para a MissoJpiter, cuja execuo supervisionara. Mesmo na poca, tivera apreenses; seus pontos de vista de cientista haviam-se chocado comseus deveres de burocrata. Ele poderia ter falado abertamente, e se oposto s diretrizestacanhas da antiga administrao, embora ainda no se tivesse certeza sobre at que ponto elasteriam contribudo para o desastre. Talvez melhor fosse encerrar esse captulo de sua vida, e centrar todos os seus pensamentos eenergias na nova carreira. No seu ntimo, porm, sabia que isto era impossvel; mesmo queDimitri no tivesse feito reviverem velhas culpas, elas teriam vindo tona por conta prpria. Quatro homens haviam morrido, e um desaparecido, l entre as luas de Jpiter. Ele tinhasangue nas mos, e no sabia como limp-las.

    3.SAL9000 O Dr. Sivasubramanian Chandrasegarampillai, Cate-drtico de Cincia dos Computadores naUniversidade de Illinois, Urbana, tambm carregava uma sensao permanente de culpa, muitodiferente, porm, da de Heywood Floyd. J aqueles alunos e colegas que amide se punham apensar se aquele cientista baixinho era mesmo humano no se surpreenderiam em saber queele jamais pensava nos astronautas mortos. O Dr. Chandra lamentava apenas a perda do filho,o HAL 9000. Mesmo depois de todos esses anos, de todas as infindveis revises dos dados transmitidospelo Discovery, ele no tinha certeza do que sara errado. Poderia somente formular teorias;os dados de que precisava estavam congelados nos circuitos de Hal, l em cima entre Jpitere Io. A seqncia de acontecimentos fora claramente estabelecida, at o momento da tragdia; daliem diante o Comandante Bowman preenchera alguns detalhes a mais nas rpidas ocasies emque restabelecera contato. Saber, porm, o que aconteceu, no explicava o porqu. O primeiro sinal de apuro ocorrera em estgio avanado da misso, quando Hal informara afalha iminente da unidade que mantinha a antena principal do Discovery alinhada com a Terra.Se aquela faixa direcional, de meio bilho de quilmetros, perdesse o alvo, a nave ficariacega, surda e muda. O prprio Bowman sara para restabelecer a unidade sob suspeita, que, quando testada, parasurpresa geral, apresentou-se em perfeitas condies. Os circuitos automticos de verificaono conseguiram descobrir nada de errado com ela. Tampouco o conseguiu o gmeo de Hal, oSAL 9000, aqui na Terra, quando a informao foi transmitida para Urbana. E Hal insistira na preciso de seu diagnstico, fazendo observaes insistentes sobre "errohumano". E fora de opinio que a unidade de controle fosse recolocada na antena at que

  • finalmente apresentasse defeito, de modo a permitir a perfeita localizao da falha. No houvequem levantasse objees, pois a unidade, caso pifasse, poderia ser substituda em questo deminutos. Bowman e Poole, entretanto, no foram felizes; os dois sentiam que algo estava errado,embora nem um nem outro conseguissem apontar o erro. Durante meses, aceitaram Hal como oterceiro membro daquele pequeno mundo, e dele conheciam todos os estados de esprito. Derepente, a bordo da nave, a atmosfera sofrer uma alterao sutil; pairou no ar uma sensaode tenso. Sentindo-se um tanto traidores segundo informou, mais tarde, ao Controle da Misso, umBowman perturbado , os dois teros humanos da tripulao haviam discutido o que fazercaso o colega estivesse de fato com defeito. Na pior das hipteses Hal teria que ser liberadode todas as suas responsabilidades maiores: o que importaria o desligamento, equivalente,para um computador, morte. Apesar das dvidas, levaram adiante o programa combinado. Poole sara do Discovery, numadas pequeninas cpsulas espaciais que serviam de transporte e de oficinas mveis durante asatividades extraveiculares. J que o trabalho, algo intrincado, de remover a unidade da antenano poderia ser realizado pelos manipuladores da cpsula, Poole comeara a realiz-lo elemesmo. O que aconteceu ento as cmeras externas no captaram, um pormenor por si s suspeitoso.O primeiro sinal de desastre foi, para Bowman, o grito de Poole... depois, o silncio. Uminstante depois, ele viu Poole girando de ponta-cabea, afastando-se no espao. A prpriacpsula o atropelara, e tambm se deslocava, afastando-se, incontrolvel. Segundo Bowman admitira posteriormente, ele cometera, naquele momento, erros srios... detodos, apenas um justificvel. Na esperana de salvar Poole, caso ainda estivesse vivo,lanara-se ao espao em outra cpsula espacial, deixando Hal com o controle total da nave. A sada foi em vo; quando Bowman o alcanou, Poole estava morto. Entorpecido dedesespero, levou o corpo de volta nave... s que Hal recusara-lhe a entrada. Hal, porm, subestimara a engenhosidade e determinao humanas. Embora tenha deixado ocapacete na nave, e tivesse assim que arriscar-se a uma exposio direta ao espao, Bowmanforou a passagem por uma escotilha fora do controle do computador. Em seguida, comeou alobotomizar Hal, desligando nele, um a um, os mdulos cerebrais. Ao recuperar o controle da nave, Bowman descobrira algo aterrador. Durante sua ausncia,Hal desligara os sistemas de proteo vital dos trs astronautas em hibernao. Bowmanestava s, como jamais outro homem, em toda a histria humana, estivera. Outros se teriam abandonado ao desespero, impotentes, mas Bowman, na ocasio, provaraque os que o haviam escolhido o haviam escolhido bem. Ele conseguira manter o Discoveryem funcionamento, e at mesmo restabelecera um contato intermitente com o Controle daMisso, orientando toda a nave de modo a que a antena, emperrada, continuasse apontandopara a Terra. O Discovery, continuando a trajetria previamente traada, chegara enfim a Jpiter, ondeBowman encontrou, em rbita, entre as luas do planeta gigante, uma placa negra exatamente damesma forma que o monolito escavado na cratera lunar Tycho... porm centenas de vezesmaior. E numa cpsula espacial, sara para investigar, e desaparecera, deixando aquelamensagem derradeira, desconcertante: "Meu Deus, est cheio de estrelas!"

  • Com aquele mistrio, outros que se preocupassem; a inquietao avassaladora do Dr.Chandra era para com Hal. Se havia alguma coisa que sua mente no-emocional detestava, eraa incerteza. Jamais se satisfaria antes de conhecer a causa do comportamento de Hal.Recusava-se, mesmo agora, a cham-la de defeito; era, no mximo, uma "anomalia". O pequeno cubculo que usava como aposento privado, ntimo, estava equipado apenas comuma cadeira giratria, um console de escrivaninha e um quadro-negro flanqueado por duasfotografias. Dentre o pblico em geral, poucos seriam os capazes de identificar os retratos; osque tinham permisso, entretanto, para tamanha aproximao os teriam reconhecidoimediatamente como John von Neumann e Alan Turing, os deuses gmeos do panteo doscomputadores. No havia livros, nem mesmo papel e lpis sobre a escrivaninha. Todos os volumes de todasas bibliotecas do mundo logo estariam, ao simples toque dos seus dedos, disposio deChandra; o visor lhe servia de caderno de esboos e de blocos de anotaes. At mesmo oquadro-negro era usado somente para os visitantes; sobre ele, o ltimo grupo de diagramas,meio apagado, estava datado de trs semanas no passado. Dr. Chandra acendeu um dos charutos pestilentos que importava de Madrasta, os quais, diziaa crena geral, e correta, eram seu nico vcio. O console jamais era desligado; depois de verque nenhuma mensagem lampejava importante na tela, Dr. Chandra falou ao microfone: Bom dia, Sal. Quer dizer que voc no tem nada de novo para mim? No tenho, Dr. Chandra. O senhor tem alguma coisa para mim? A voz bem poderia ser a de uma senhora indiana, culta, educada tanto nos Estados Unidosquanto em sua prpria terra natal. O sotaque de Sal no era assim no incio, mas, com o correrdos anos, pegara muitas das entonaes de Chandra. Com um ligeiro toque, o cientista acionou um cdigo no teclado, ligando as entradas damemria de Sal num nvel de segurana absoluta. Ningum sabia que ele conversava com ocomputador neste circuito, como jamais o conseguiria com qualquer ser humano. No importaque Sal na verdade no entendesse alm de uma frao do que ele dizia; Sal tinha respostasto convincentes que at mesmo seu criador s vezes se iludia. Pois assim ele queria quefosse: estas comunicaes secretas ajudavam a preservar-lhe o equilbrio mental... talvez atmesmo a sanidade. Voc sempre me disse, Sal, que ns no vamos conseguir resolver o problema docomportamento anmalo de Hal sem maiores informaes. Mas, como conseguir estasinformaes? Isso bvio. Algum tem que voltar ao Discovery. Exatamente. E isso agora parece que vai acontecer, mais cedo do que espervamos. Folgo em sab-lo. Eu sabia que sim respondeu Chandra, com sinceridade. H muito ele cortara relaescom aquele grupo definhante de filsofos que argumentava que os computadores na verdadeno sentiam emoes, que apenas fingiam senti-las. ( Se o senhor me provar que no est fingindo estar aborrecido rebatera ele certa vez,com sarcasmo, a um desses crticos, eu o levo a srio. quela altura, o oponente vestirauma imitao de raiva, das mais convincentes.) Agora eu quero explorar uma outra possibilidade continuou Chandra. O diagnstico apenas o primeiro passo. O processo est incompleto se no conduzir cura.

  • O senhor acredita que o funcionamento normal de Hal pode ser restaurado? Espero que sim. No sei. possvel que tenha havido dano irreversvel, e com certezauma perda considervel de memria. Pensativo, fez uma pausa, tirou vrias baforadas, depois exalou um hbil anel de fumaa, umtiro certeiro na lente grande angular de Sal, gesto que nenhum ser humano teria consideradoamistoso: mais uma das muitas vantagens dos computadores. Preciso de sua cooperao, Sal. Claro, Dr. Chandra. Talvez haja alguns riscos. Como assim? O que eu proponho desligar alguns circuitos seus, principalmente os que tm a ver comas suas funes maiores. Isto o incomoda? No posso responder sem informaes mais especficas. Muito bem. Vamos ficar assim: voc tem operado continuamente, no ?, desde que foiligado pela primeira vez? Est correto. Mas voc sabe que ns seres humanos no o conseguimos. Ns precisamos de sono... umainterrupo quase completa no nosso funcionamento mental, ao menos no nvel consciente. Sei disso, mas no compreendo. Bem, talvez voc esteja em vias de experimentar algo parecido com o sono. O queprovavelmente vai acontecer que o tempo vai passar sem voc saber. Quando voc verificaro seu relgio interno, vai descobrir que existem lacunas no seu monitor. Eis tudo. Mas o senhor disse que talvez haja riscos. Quais so? H uma pequenssima chance, impossvel de computar, de que, quando eu desligar os seuscircuitos, talvez haja algumas mudanas na sua personalidade, nos seus padres decomportamento futuro. Talvez voc se sinta diferente. No necessariamente melhor, nem pior. No sei o que isso quer dizer. Desculpe-me, talvez no queira dizer nada. Portanto, no se preocupe. Agora abra, porfavor, um novo registro... eis o nome. No teclado de entrada, Chandra datilografou FNIX. Voc sabe o que isso? perguntou a Sal. Sem qualquer pausa discernvel, ocomputador respondeu: Existem vinte e cinco referncias na enciclopdia corrente. Qual delas voc julga pertinente? O preceptor de Aquiles? Interessante. Essa eu no conhecia. Tente outra. Um pssaro fabuloso, renascido das cinzas de sua vida anterior. Excelente. Voc compreende agora por que escolhi esse nome? Porque o senhor espera que Hal possa ser reativado. Isso... e com a sua assistncia. Voc est pronto? Ainda no. Eu gostaria de fazer uma pergunta. Qual? Eu vou sonhar? Claro que vai. Todas as criaturas inteligentes sonham... mas ningum sabe por qu. Chandra, por um instante, fez uma pausa, exalou outro anel de fumaa do charuto, e

  • acrescentou algo que, perante um ser humano, jamais admitiria: Talvez sonhe com Hal,como costuma acontecer comigo.

    4.PerfildaMissoVerso InglesaPara: Capit Tanya Orlov, Comandante, Espaonave Cosmonauta Alexei Leonov (RegistroCOENU 08/342)De: Conselho Nacional de Astronutica, Pennsylvania Avenue, WashingtonComisso do Espao Exterior, Academia de Cincias da URSS, Prospeto Korolyev, Moscou Objetivos da MissoOs objetivos de sua misso so, em ordem de prioridade:1. Seguir para o sistema joviano e chegar Espaonave Discovery, dos Estados Unidos(COENU 01/283).2. Abordar esta espaonave, e obter toda informao possvel relacionada com sua missoanterior.3. Reativar os sistemas de bordo da Espaonave Discovery e, caso os estoques parapropulso sejam suficientes, introduzir a nave numa trajetria de retorno Terra.4. Localizar o artefato estranho encontrado pelo Discovery, e investig-lo ao mximopossvel por meio de sensores remotos.5. Caso parea aconselhvel, e o Controle da Misso concorde, ir ao encontro deste objetopara inspeo mais minuciosa.6. Desenvolver uma pesquisa de Jpiter e seus satlites, se isto for compatvel com osobjetivos acima. Est claro que circunstncias imprevisveis talvez requeiram uma mudana de prioridades, outalvez at mesmo impossibilitem a consecuo de alguns destes objetivos. Deve ser entendido,com clareza, que o encontro com a Espaonave Discovery para o propsito expresso deobter informao sobre o artefato; isto deve ter precedncia sobre todos os outros objetivos,inclusive sobre as tentativas de salvamento. TripulaoA tripulao da Espaonave Alexei Leonov consistir em:Capit Tanya Orlov (Engenharia de Propulso) Dr. Vasili Orlov (Astronomia de Navegao)Dr. Maxim Brailovski (Engenharia de Estruturas) Dr. Alexander Kovalev (Engenharia deComunicaes) Dr. Nikolai Ternovski (Engenharia de Controle deSistemas) Mdica-Comandante Katerina Rudenko (ProteoMdica Vital) Dra. Irina Yakunin (Nutricionista) Alm destes, o Conselho Nacional de Astronutica dos Estados Unidos fornecer os trs

  • especialistas seguintes: ... O Dr. Heywood Floyd deixou cair o memorando e recostou-se na cadeira. Estava tudoprovidenciado; o ponto sem retorno fora ultrapassado. Mesmo que desejasse faz-lo, nohavia meios de atrasar o relgio. Do outro lado, fitou Caroline, sentada com Chris, de dois anos, na beira da piscina. O gurisentia-se muito mais vontade n'gua do que em terra; e conseguia permanecer submerso porperodos que freqentemente aterrorizavam as visitas. E embora ainda no falasse muito ohumano, j parecia fluente em golfinho. Um dos amigos de Christopher acabara de chegar, nadando, do Pacfico, e agora apresentavaas costas para serem acariciadas. Voc tambm um vagamundos, pensou Floyd, num oceanovasto e sem pistas; mas como parece pequenino o seu Pacfico diante da imensido com queme deparo! Caroline percebeu o olhar, e levantou-se. Fitou-o soturna, mas sem raiva; toda a ira j foraqueimada nos ltimos dias. Aproximando-se, ainda deu um sorriso ansiado. Encontrei aquele poema que eu estava procurando disse ela. Comea assim: "O que a mulher que abandonais, E a lareira, as terras de vossa casa, Para trilhardes o velho Viuveiro cinzento?" ("What is a woman that you forsake her, And the hearth-fire and the home acre, To go with the old grey Widow-maker?") Sinto muito, mas no compreendi bem. Quem o Viuveiro? No quem, o qu. O mar. O poema o lamento de uma mulher viking. Foi escrito porRudyard Kipling, h cem anos. Floyd segurou a mo da esposa; ela no correspondeu, mas tampouco resistiu. Bem, no me sinto em nada parecido com um viking. No estou procurando despojos e altima coisa que quero aventura. Ento por que... no, no quero comear outra briga. Mas iria ajudar-nos a ambos se vocconhecesse exatamente os seus motivos. Eu gostaria de poder oferecer-lhe um bom motivo. Mas tenho vrios, e todos menores, eque se somam numa resposta definitiva que no consigo contrariar... acredite-me. Eu acredito em voc, mas voc tem certeza de que no est enganando a si mesmo? Se eu estiver me enganando, ento muita gente tambm est. Inclusive, devo lembrar-lhe, oPresidente dos Estados Unidos. improvvel que eu me esquea disso. Mas suponha... s por suposio... que ele no otivesse pedido a voc. Voc teria se oferecido como voluntrio? Isso eu posso responder com franqueza: no. Jamais me ocorreria faz-lo. O telefonema doPresidente Mordecai foi o maior susto da minha vida. Mas, quando refleti, percebi que eletinha toda razo. Voc sabe que eu no sou de falsa modstia. Sou o mais apto para estatarefa,... quando vier a aprovao final dos mdicos espaciais. Voc deveria saber que eu

  • ainda estou em tima forma. Aquilo trouxe o sorriso que ele procurava. s vezes eu fico pensando se no foi voc mesmo quem se insinuou. O pensamento de fato ocorrera a ele; mesmo assim, respondeu com franqueza: Eu no o teria feito sem consult-la. E fez bem em no me consultar. Eu no sei o que eu teria dito. Eu ainda posso desistir. Ora, agora voc est falando bobagens, e sabe disso. Se desistisse, me odiaria para o restoda vida, e jamais se perdoaria. O seu sentido do dever muito forte, e talvez seja esse um dosmotivos por que me casei com voc. Dever! Claro, era essa a palavra-chave, e que profuso continha. Ele tinha um dever paraconsigo mesmo, com a famlia, a Universidade, o antigo emprego (embora o tivesse deixadonum clima nebuloso), o pas... e a raa humana. No era fcil estabelecer as prioridades, ques vezes se chocavam umas com as outras. Havia motivos perfeitamente lgicos para ele seguir na misso e motivos tambm lgicos,segundo j haviam apontado muitos de seus colegas, para no ir. Talvez, no fim das contas,porm, o corao, e no o crebro, tenha feito a escolha. E mesmo ento a emoo o lanaraem duas direes opostas. A curiosidade, a culpa, a determinao de terminar uma tarefa mal concluda todos secombinaram para impulsion-lo rumo a Jpiter e ao que quer que l estivesse esperando porele. De outro lado, o medo ele era bastante franco para admiti-lo uniu-se ao amor pelafamlia para mant-lo na Terra. Mas em momento algum ele fora tomado por dvidasconcretas; a deciso, tomara-a quase instantaneamente, e dobrara todos os argumentos deCaroline com a maior brandura possvel. E havia um outro pensamento reconfortante que ele ainda no arriscara compartilhar com aesposa. Embora ele fosse ficar fora dois anos e meio, todos os dias, exceto os cinqenta diasem Jpiter, ele os passaria em hibernao atemporal. Quando regressasse, a diferena deidades entre ele e ela se teria estreitado em mais de dois anos. Ele teria sacrificado o presente para que os dois pudessem gozar um futuro mais longo juntos.

    5.Leonov Os meses contraram-se em semanas, as semanas minguaram em dias, os dias definharam emhoras, e Heywood Floyd estava de novo, de repente, no Cabo, rumo ao espao, pela primeiravez desde aquela viagem Base Clavius e ao monolito de Tycho, h tantos anos. Desta vez, porm, no estava s, e no havia sigilo sobre a misso. Alguns assentos frenteviajava o Dr. Chandra, j engajado em um dilogo com seu computador-valise, e bastanteausente das circunjacncias. Uma das diverses secretas de Floyd. que jamais confidenciara a algum, era identificarsemelhanas entre os seres humanos e os animais, semelhanas mais freqentementelisonjeiras que insultuosas; um passatempo inocente que servia ainda de auxlio til

  • memria. Dr. Chandra foi fcil: o adjetivo "passarinhesco" logo saltou-lhe mente; era pequeno,delicado, e os movimentos eram lpidos e precisos. Mas que pssaro? Um pssaro,obviamente, muito inteligente. Gralha? Muito empertigada e rapace. Coruja? No, muito lentano andar. Talvez pardal casse bem. Walter Curnow, o especialista de sistemas cuja rdua tarefa seria a de colocar o Discoveryde novo em funcionamento, era questo mais difcil. Era um homem grande, corpulento, comcerteza nada passarinhesco, e para quem, normalmente, se poderia encontrar um equivalentenalgum ponto do vasto espectro dos ces. Mas nenhum canino parecia ajustar-se, poisCurnow, claro!, era um urso; no do gnero mal-encarado, perigoso, mas sim do tipo dcil eamistoso, e que vinha a calhar, pois lembrava a Floyd dos colegas russos aos quais em breveiria juntar-se, e que j h dias, engajados nas verificaes finais, estavam em rbita. este o grande momento de minha vida, Floyd disse consigo mesmo. Parto agora numamisso que talvez determine o futuro da raa humana. Sem sentir, porm, qualquer sentimentode exultao, tudo o que ele conseguia pensar, nos ltimos minutos da contagem regressiva,eram as palavras que sussurrara pouco antes de sair de casa: "Adeus, meu querido filhinho;voc vai se lembrar de mim quando eu voltar?" E ainda se sentia magoado com Caroline, porela no ter acordado o filho, adormecido, para um ltimo beijo; mas ele sabia, apesar disso,que ela agira com sabedoria, e que fora melhor assim. Aquele estado de esprito, abalou-o uma gargalhada explosiva e sbita. O Dr. Curnowcompartilhava uma piada com os companheiros, bem como uma garrafa enorme quemanuseava com a mesma delicadeza devida a uma massa de plutnio quando abaixo do pontocrtico. Ei, Heywood chamou ele , esto me dizendo que a Capita Orlov guardou todas asbebidas, portanto esta a sua ltima chance. Chteau Thierry 1995. Quanto aos coposplsticos, peo desculpas. Enquanto sorvia a champanha, realmente soberba, Floyd descobriu-se mentalmente acuado sem pensar na gargalhada de Curnow reverberando por toda a travessia do Sistema Solar. Pormais que admirasse a capacidade do engenheiro, Curnow, como companheiro de viagem,talvez se comprovasse um certo incmodo. Pelo menos o Dr. Chandra no apresentaria taisproblemas; Floyd mal conseguia imagin-lo sorrindo, muito menos rindo. E, claro, elerecusara a champanha com um arrepio quase imperceptvel. Curnow teve a educao, ou aalegria de no insistir. O engenheiro, ao que parecia, estava decidido a ser o corpo e a alma da festa. Produziu,minutos depois, um teclado eletrnico, de duas oitavas, e ofereceu rpidas apresentaes de"Voc conhece John Peel", imitando interpretaes sucessivas de piano, trombone, violino,flauta e rgo, com acompanhamento vocal. Ele tocava bem, e Floyd logo percebeu-secantando com os demais. Mas tambm no seria nada mau, pensou, que Curnow passasse amaior parte da viagem em silenciosa hibernao. A msica feneceu com uma dissonncia sbita, desesperadora, quando os motores foramligados e a nave lanou-se aos cus. Floyd foi tomado de uma alegria sua conhecida, massempre nova: a sensao de poder ilimitado, levando-o para o alto, para longe dos cuidados edos deveres da Terra. Os homens estavam mais certos do que pensavam quando imaginaram amoradia dos deuses fora do alcance da gravidade. Ele agora voava rumo quele domnio de

  • ausncia de peso; por ora ignoraria o fato de que l fora no estava a liberdade, mas a maiorresponsabilidade de sua carreira. Com o aumento do empuxo, sentiu sobre os ombros o peso dos mundos; mas acolheu-o debom grado, qual um Atlas ainda no cansado de seu fardo. No tentou pensar; estava, sim,contente em saborear a experincia. Mesmo que estivesse deixando a Terra pela ltima vez,dizendo adeus a todos que sempre amara, no sentia tristeza. O rugido que o circundava eraum pe de triunfo, levando embora todas as emoes menores. Cessado o rudo, quase entristeceu, mas auspicioso acolheu a respirao mais leve e asensao sbita de liberdade. A maior parte dos passageiros comeou a soltar os cintos desegurana, preparando-se para gozar os trinta minutos de gravidade zero na rbita detransferncia; os poucos, porm, que obviamente faziam a viagem pela primeira vezpermaneceram nos assentos, procurando ansiosos, ao redor, os assistentes da cabine. Fala a Capita. Estamos agora a uma altitude de trezentos quilmetros, nos aproximando dacosta ocidental da frica. Vocs no vo ver muita coisa, pois noite l embaixo... aquelebrilho ali adiante Sierra Leone... e h uma forte tempestade tropical desabando sobre oGolfo de Guin. Olhem os relmpagos!... Em quinze minutos teremos o nascente. Enquantoisso vou manobrando a nave para vocs poderem ver bem o cinturo equatorial de satlites. Omais brilhante, praticamente em cima de ns, o Posto de Antenas Atlantic-1, do Intelsat.Depois, a oeste, o Intercosmos-2... aquela estrela mais apagada Jpiter. E embaixo dela,quem olhar ver uma luz intermitente, movendo-se contra o fundo estrelado: a nova estaoespacial chinesa. Passaremos a cem quilmetros dela, uma proximidade que no nos permitever qualquer coisa a olho nu... O que pretendiam eles?, pensou Floyd, indolente. Ele examinara os closes daquela estruturacilndrica achaparrada, com aqueles curiosos bojos de proteo, e no vira motivos paraacreditar nos boatos alarmistas de que se tratava de uma fortaleza equipada com laser. Mas jque a Academia de Cincias de Beijing ignorava os insistentes pedidos da Comisso Espacialdas Naes Unidas para uma visita de inspeo, os chineses eram os nicos culpados por essapropaganda hostil. O Cosmonauta Alexei Leonov no era uma pea de beleza; mas poucas naves espaciais oeram. Um dia talvez a raa humana desenvolvesse uma nova esttica; talvez nascessemgeraes de artistas cujos ideais no se baseassem nas formas naturais da Terra, moldadaspelo vento e pela gua. O espao era, por si s, um domnio de uma beleza amideirresistvel, com o qual, infelizmente, as ferramentas do Homem ainda no conviviam. Sem contar os quatro tanques de propulso, imensos, que seriam ejetados assim que sealcanasse a rbita de transferncia, o Leonov era surpreendentemente pequeno. Desde acouraa anticalor at as unidades de propulso havia menos de cinqenta metros; era difcil dese acreditar que veculo to modesto, menor que muitas aeronaves comerciais, fosse capaz detransportar dez homens e mulheres at o meio do Sistema Solar. A gravidade zero, porm, que fazia paredes, teto e soalho permutarem-se entre si, reescreviatodas as leis da vida. Havia muito espao a bordo do Leonov mesmo quando estavamacordados ao mesmo tempo, com certeza o caso no momento. E a lotao normal da naveestava no mnimo duplicada, na verdade, com os mais variados homens de imprensa, comengenheiros fazendo ajustes finais e funcionrios ansiosos.

  • Assim que a nave atracou, Floyd tentou encontrar a cabine que iria compartilhar da a umano, quando acordasse com Curnow e Chandra. Quando a localizou, por fim, descobriu-ato abarrotada, to comprimida com caixas de equipamentos e provises, cujos rtulosestavam muito bem feitos, que entrar ali seria quase impossvel. Mal-humorado, estava apensar em como inserir um p porta adentro quando um dos tripulantes, deslizando comhabilidade de pega em pega, percebeu o dilema de Floyd e freou, parando. Dr. Floyd, bem-vindo a bordo. Eu sou Max Brailovski, engenheiro-assistente. O jovem russo falava aquele ingls lento e cuidadoso de um aluno que tivera muito mais aulascom um preceptor eletrnico do que com um professor humano. Ao trocarem um aperto de mos,Floyd identificou aquele rosto, aquele nome, com o conjunto, que j estudara, das biografiasdos tripulantes: Maxim Andrei Brailovski, trinta e um anos de idade, nascido em Leningrado,especializando-se em estruturas; passatempos: esgrima, asa delta, xadrez. Estou contente em conhec-lo disse Floyd. Como consigo entrar a? No se preocupe disse Max, alentador. Tudo isso j no estar mais a quando vocacordar. So... como que vocs dizem... para consumo. Quando precisar de seu quarto, nsj teremos comido tudo o que est a dentro. Prometo. E acariciou o estmago. timo; mas, enquanto isso, onde ponho minhas coisas? Floyd apontou para as trsmalas pequenas, massa total cinqenta quilos, contendo, ele assim esperava, tudo o queprecisava para os prximos dois bilhes de quilmetros. No fora tarefa fcil guiar aquelevolume sem peso, mas nada inerte, atravs dos corredores da nave com apenas umas poucascolises. Max apanhou duas das malas, deslizou suave pelo tringulo formado por trs longarinasentrecruzadas, e mergulhou num pequeno alapo, desafiando, ao que parecia, no processo, aPrimeira Lei de Newton. Floyd conseguiu, acompanhando-o, uns hematomas a mais; depois deum certo tempo, considervel o Leonov parecia muito maior por dentro do que por fora ,chegaram a uma porta rotulada CAPITO, tanto em cirlico como em romano. Embora lesserusso muito melhor do que o falasse, Floyd apreciou o gesto; j reparara que todos os avisosna nave eram bilnges. Com a batida de Max, uma luz verde piscou, acendendo, e Floyd deslizou, entrando, com todaa graciosidade que conseguiu. Embora j tivesse conversado com a Capit Orlov diversasvezes, jamais haviam sido apresentados um ao outro. Teve, portanto, duas surpresas. Impossvel julgar o tamanho real de uma pessoa atravs do fone visual; a cmera, de algummodo, convertia todos mesma escala. A Capita Orlov, de p da melhor maneira quealgum consegue ficar de p na gravidade zero , mal chegava aos ombros de Floyd. O fonevisual tambm no conseguiu de modo algum transmitir a qualidade penetrante daqueles olhosazuis, ofuscantes, a caracterstica mais marcante daquele rosto que, no momento, quanto aoaspecto beleza, no poderia ser julgado com justia. Ol, Tanya falou Floyd. Que bom conhec-la enfim! Mas os seus cabelos... quepena! Os dois apertaram-se as duas mos, como velhos amigos. E um prazer t-lo a bordo, Heywood! respondeu a capit, num ingls, ao contrrio dode Brailovski, bem fluente, embora com forte sotaque. , eu senti muito perd-los; mascabelos so um incmodo em misses longas, e eu quero me afastar o mximo possvel dos

  • barbeiros locais. E peo desculpas por sua cabine; como Max j deve ter explicado, nsdescobrimos subitamente que precisvamos de mais uns dez metros cbicos paraarmazenagem. Vasili e eu no vamos passar muito tempo aqui nas prximas horas; por favorsinta-se vontade, use os nossos aposentos. Obrigado. E quanto a Curnow e Chandra? Tomei providncias semelhantes junto tripulao. Pode parecer que estamos tratandovocs como bagagem... Desnecessria durante a viagem. Como? um rtulo que costumavam colocar na bagagem, nos velhos dias das viagens ocenicas. Tanya sorriu: Pois parece isso mesmo. Mas vocs sero necessrios sem dvida, no fim da viagem. Nsj estamos planejando sua festa de renascimento. Isso me parece religioso demais. Chame-a... no, ressurreio seria muito pior!... chame-afesta do despertar. Mas estou vendo que voc est muito ocupada; vou deixar minhas coisasaqui e continuar minha excurso. Max vai lhe mostrar as instalaes... leve o Dr. Floyd ao encontro de Vasili, est bem?Ele est na unidade de propulso. Ao deixarem, deslizando, os aposentos da capit, Floyd, mentalmente, atribuiu boas notas comisso de seleo da tripulao. Se Tanya Orlov j era impressionante no papel, em carne eosso quase intimidava, apesar do charme. Fico a pensar como ser ela, Floyd perguntou a simesmo, quando perde a calma. Seria fogo? Seria gelo? No geral, melhor no querer descobrir. Floyd ia, com rapidez, conquistando suas pernas espaciais; quando encontraram Vasili Orlov,j manobrava quase com a mesma confiana que seu guia. O cientista-chefe saudou Floyd como mesmo calor com que o fizera a esposa. Bem-vindo a bordo, Heywood. Como voc est se sentindo? Bem, s que estou morrendo aos poucos de fome. Por um instante, Orlov pareceu intrigado, mas o rosto, em seguida, fendeu-se num sorrisolargo. Ah, eu havia me esquecido. Bem, no ser por muito tempo. Daqui a dez meses, voc vaipoder comer o quanto quiser. Com uma semana de antecedncia, quem fosse hibernar se submetia a uma dieta de baixosresduos; nas ltimas vinte e quatro horas, s tomavam lquidos. Floyd comeava a imaginar oquanto da leveza que sentia na cabea era devido fome, champanha de Curnow e gravidade zero. Para concentrar a mente, esquadrinhou a massa multicor do encanamento circunjacente. Ento esta a famosa Propulso Sakharov. a primeira vez que vejo uma unidadecompleta. E s a quarta unidade j construda. Espero que funcione. melhor que funcione mesmo. Seno, a Cmara de Gorki vai mais uma vez mudar o nomeda Praa Sakharov. Sinal dos tempos um russo pilheriar, mesmo que indiretamente, sobre o tratamento que o pasconcedera ao seu maior cientista. Floyd mais uma vez lembrou-se do eloqente discurso de

  • Sakharov perante a Academia quando foi, to tardiamente, declarado Heri da UnioSovitica. A priso e o exlio, ele dissera aos ouvintes, eram esplndidos auxlios criatividade; no foram poucas as obras-primas nascidas entre paredes de celas, fora doalcance das distraes mundanas. Alis, a maior conquista individual do intelecto humano, osprprios Principia, foi um produto do exlio auto-imposto por Newton para fugir de Londres,tomada de epidemias. A comparao no era imodesta; daqueles anos em Gorki haviam surgido novos vislumbressobre a estrutura da matria e a origem do Universo, e tambm sobre os conceitos de controlede plasma que conduziram energia termonuclear prtica. A propulso em si, embora oresultado mais conhecido e mais divulgado daquele trabalho, no passou de um subproduto deuma surpreendente exploso intelectual. A tragdia era que tais avanos haviam sidodetonados pela injustia; quem sabe um dia a humanidade no descobriria meios maiscivilizados de gerir suas questes? Quando deixaram a cmara, Floyd havia aprendido mais sobre a Propulso Sakharov do quedesejava saber, ou do que esperava lembrar-se. Quanto aos princpios bsicos, estava bemfamiliarizado com eles o uso de uma reao termonuclear, sob a forma de impulsos, paraaquecer e expelir, por assim dizer, qualquer material propelente. Os melhores resultadosforam obtidos com o hidrognio puro, como fluido de trabalho, embora fosse excessivamentevolumoso e difcil de ser armazenado por longos perodos. O metano e a amnia eramalternativas aceitveis; at mesmo a gua poderia ser usada, embora com eficinciaconsideravelmente reduzida. O Leonov dava uma soluo intermediria; os enormes tanques de hidrognio lquido quesupriam o mpeto inicial seriam descartados quando a nave atingisse a velocidade necessriapara chegar a Jpiter. No destino, seria usada a amnia para as manobras de freamento eabordagem, e para o eventual regresso Terra. Era esta a teoria, verificada e reverificada em testes infindveis e em simulaescomputadorizadas. Mas, como o malfadado Discovery mostrara to bem, todos os planoshumanos estavam sujeitos impiedosa reviso da Natureza, ou do Destino, ou como quer quese preferissem chamar as foras ocultas do Universo. Ento, ei-lo finalmente, Dr. Floyd disse uma voz feminina, autoritria,interrompendo a explicao entusiasmada de Vasili sobre a alimentao magneto-hidrodinmica. Por que o senhor no se apresentou a mim? Floyd, devagar, girou sobre seu eixo, contorcendo-se suavemente com o auxlio de uma dasmos. Viu uma figura macia, maternal, trajando um curioso uniforme adornado com dezenasde bolsos e algibeiras; o efeito no era dessemelhante ao de um soldado cossaco colgado comcartucheiras. Prazer em rev-la, Doutora. Ainda estou sondando... espero que a senhora tenha recebidomeu relatrio mdico de Houston. Ora, naqueles veterinrios do Teague eu no confiaria nem para identificar uma febreaftosa! Floyd conhecia muito bem o respeito mtuo entre Katerina Rudenko e o Centro Mdico OlinTeague, mesmo que o sorriso largo no lhe tivesse descontado as palavras. Ela viu nele oolhar de franca curiosidade, e com orgulho dedilhou a malha ao redor da vasta cintura. A sacolinha preta convencional no muito prtica na gravidade zero; ela deixa escapar

  • os objetos, que saem flutuando, e, quando voc precisa deles, no esto no lugar. Eu mesmadesenhei isto. uma minicirurgia completa. Com isso posso extrair um apndice, ou fazer umparto. Eu espero que esse ltimo problema no acontea por aqui. Ora, um bom mdico tem que estar preparado para tudo. Que contraste, Floyd pensou, entre a Capita Orlov e a Dra. ... ou seria melhor cham-la pelapatente correta, Mdica-Comandante?... Rudenko. A capit tinha a graa e a intensidade deuma primeira bailarina; a doutora bem poderia ser o prottipo da Me Rssia constituiorobusta, rosto campons, achatado, carente apenas de um xale para completar o quadro. Nose iluda com isso, Floyd disse consigo mesmo. Foi essa mulher que salvou no mnimo umasdez vidas durante o acidente de atracao do Komarov; e que, nas horas de folga, dava umjeito de editar os Anais da Medicina Espacial. Considere-se com muita sorte por t-la abordo. Bem, Dr. Floyd, mais tarde o senhor vai ter muito tempo para sondar a nossa navezinha.Meus colegas, por educao, no querem diz-lo, mas eles tm o que fazer e o senhor os estatrapalhando. Eu gostaria de deix-los vontade e tranqilos, o mais rpido possvel, paratermos menos com que nos preocupar. o que eu receava, mas compreendo bem o seu ponto de vista. Estou s ordens, assim quea senhora estiver preparada. Eu estou sempre preparada. Venha comigo... por favor. O hospital da nave tinha a justa dimenso para abrigar uma mesa de operaes, duasbicicletas ergomtricas, alguns armrios com equipamentos, e um aparelho de raios X.Submetendo Floyd a um exame rpido, mas completo, a Dra. Rudenko, inesperadamente,perguntou: O que aquele cilindrozinho dourado que o Dr. Chandra tem no cordo do pescoo...algum apetrecho para fins de comunicao? Ele no quis tir-lo; alis, para falar a verdade,ele muito tmido... no quis tirar nada. Floyd no pde conter o sorriso; era fcil imaginar as reaes daquele modesto indiano aessa senhora bastante avassaladora. um linga. Um qu? A senhora a mdica, deveria reconhec-lo: o smbolo da fertilidade masculina. Claro... como sou boba! Ee um hindu praticante? um pouco tarde para nos pedir quearrumemos uma dieta vegetariana rigorosa. No se preocupe. No faramos isso com a senhora sem a justa antecedncia. Embora eleno toque em lcool, Chandra no fantico por nada, exceto por computadores. Certa vez eleme disse que o pai era sacerdote em Benares, e deu a ele o tal linga... j faz geraes que estcom a famlia. E Floyd surpreendeu-se, pois a Dra. Rudenko no teve a reao negativa que ele esperava; aexpresso tornou-se, de maneira nada caracterstica, nostlgica. Eu compreendo esse sentimento; minha av me deu um belssimo cone... do sculo XVI.Eu queria traz-lo... mas ele pesa cinco quilos. A doutora, retomando abruptamente o aspecto profissional, aplicou em Floyd uma injeoindolor, subcutnea, com uma pistola a gs, e disse a ele que voltasse assim que se sentisse

  • sonolento. O que, assegurou ela, aconteceria em menos de duas horas. Enquanto isso, relaxe completamente ordenou. H uma escotilha de observaonesta plataforma, a Estao D-6. Por que o senhor no vai at l? A idia pareceu boa, e Floyd saiu, deslizando com tal docilidade que seus amigos se teriamsurpreendido. A Dra. Rudenko olhou o relgio, ditou um apontamento para a secretriaautomtica, e nela ajustou o alarme para trinta minutos depois. Ao chegar ao mirante D-6, Floyd encontrou Chandra e Curnow. Os dois fitaram-no semqualquer demonstrao de reconhecimento, e viraram-se de novo para o medonho espetculoexposto l fora. Ocorreu a Floyd, e ele congratulou-se pela brilhante observao, que Chandrano poderia estar gostando daquela vista, pois tinha os olhos fechados, apertados. Ali fora estava um planeta inteiramente desconhecido, reluzindo em azuis gloriosos e brancosofuscantes. Que estranho, disse Floyd consigo mesmo. O que aconteceu Terra? Ora, claro,no foi toa que ele no a reconheceu: estava de cabea para baixo! Que desastre... porinstantes, ele chorou por aquelas infelizes criaturas, caindo no espao... Ele mal notou quando dois membros da tripulao retiraram a forma irresistente de Chandra.Quando eles voltaram para Curnow, os prprios olhos de Floyd estavam cerrados, mas eleainda estava respirando. Quando vieram busc-lo, at sua respirao tinha cessado.

  • II.Tsien

    6.ODespertar E nos disseram que no iramos sonhar, pensou Heywood Floyd, mais surpreso do queaborrecido. O claro rseo, glorioso, que o circundava era muito reconfortante; lembrava-odos churrascos e da lenha estalando nas lareiras do Natal. Mas no havia calor; ele sentia, naverdade, um frio inconfundvel, porm nada desconfortvel. Vozes murmuravam, brandas demais para que compreendesse o que diziam. Elevando-seagora, mesmo assim no conseguiu identific-las. Claro disse ele, em sbito espanto , eu no posso estar sonhando em russo. No, Heywood respondeu uma voz feminina. Voc no est sonhando. hora de selevantar. O adorvel claro desvaneceu; ele abriu os olhos e notou a luz enevoada de uma lanternadesviar-se de seu rosto. Estava deitado num div, preso a ele por uma faixa elstica; ao redor,havia figuras de p, inidentificveis de to fora de foco. Dedos suaves cerraram-lhe as plpebras e massagearam-lhe a testa. No se mexa. Respire fundo... mais uma vez... assim... como se sente agora? No sei... estranho... com a cabea leve... e faminto. Bom sinal. Voc sabe onde est? Agora pode abrir os olhos. As figuras entraram em foco; primeiro a Dra. Rudenko, depois a Capita Orlov. Mas algoacontecera a Tanya desde que a vira, h apenas uma hora atrs. Quando identificou a causa,Floyd quase sofreu um choque fsico. Os seus cabelos cresceram de novo! Espero que voc ache que ficou melhor assim. J eu no posso dizer o mesmo de suabarba. Floyd levou a mo ao rosto, e descobriu que, para planejar cada estgio do movimento, eraforado a um esforo consciente. O queixo estava coberto de plos espetados, rentes... barbade dois ou trs dias. Os cabelos, durante a hibernao, cresciam a apenas um dcimo da taxanormal. Quer dizer que eu consegui disse ele. Chegamos a Jpiter! Sria, Tanya olhou para ele, fitou em seguida a doutora, que lhe fez um aceno de cabea,quase imperceptvel. No, Heywood respondeu ela. Ainda estamos a um ms de distncia. No sesobressalte. Est tudo em ordem com a nave, e est tudo correndo normalmente. que os seusamigos em Washington nos pediram para acord-lo antes. Aconteceu alguma coisa muitoinesperada. Estamos numa corrida rumo ao Discovery, e eu receio que vamos perder.

  • 7.Tsien Quando a voz de Heywood Floyd saiu no alto-falante da mesa de comunicao, os doisgolfinhos interromperam imediatamente a volta da piscina e nadaram at a borda, ondepousaram a cabea e, concentrados, olharam estatelados a fonte do som. Quer dizer que eles reconhecem Heywood, pensou Caroline, com uma ponta de amargura.Pois Christopher, engatinhando em volta do seu cercadinho, nem parou de brincar com oscontroles coloridos do livro de desenhos quando a voz do pai emergia em alto e bom somatravessando meio bilho de quilmetros de espao. ... Meu bem, sei que voc no vai se surpreender em ouvir minha voz um ms antes doprogramado; que voc j deve saber, h semanas, que temos companhia por aqui... Aindaacho difcil de acreditar; chega, por um lado, a nem fazer sentido. impossvel que elestenham combustvel suficiente para regressar em segurana Terra; nem sabemos de quemaneira vo fazer a abordagem... Em momento algum ns os vimos, claro. Mesmo no pontomais prximo, o Tsien estava a mais de cinqenta milhes de quilmetros de distncia.Tiveram tempo suficiente para, se quisessem, responder aos nossos sinais, mas nos ignoraraminteiramente. Agora devem estar muito ocupados para travar qualquer bate-papo amistoso. Empoucas horas vo chegar atmosfera de Jpiter, e ento veremos se o sistema deaerofreamento deles funciona. Se funcionar, ser bom para o nosso moral, mas, se falhar...bem, melhor nem falar nisso... Os russos, levando em conta a situao, esto suportandomuito bem a coisa. Esto, claro, zangados e decepcionados, mas tenho escutado expressesde franca admirao. Foi um truque brilhante, com certeza, construir aquela nave vista detodos e deixar que todos pensassem que fosse uma estao espacial at encaixarem ospropulsores... Bem, no h nada que possamos fazer, a no ser observar. E, distncia queestamos, nossa viso no ser muito melhor do que os melhores telescpios da. Impossvelno desejar que tenham sorte, embora, claro, eu espere que deixem o Discovery em paz. propriedade nossa, e aposto que o Departamento de Estado, a cada hora que passa, no prade lembr-los disso... Os ventos esto desfavorveis; se os nossos amigos chineses no nostivessem apontado a arma, voc s teria notcias minhas daqui a um ms. Mas agora que aDra. Rudenko me acordou, vou falar com voc a cada dois dias... Depois do choque inicial,estou me adaptando bem, conhecendo a nave, a tripulao, conquistando minhas pernasespaciais. E aprimorando o russo bem ruim que falo, embora no tenha muita oportunidade deus-lo; todos insistem em falar ingls. Ns norte-americanos somos mesmo uns lingistashorrveis! s vezes sinto vergonha do nosso chauvinismo, ou de nossa preguia... O nvel doingls de bordo varia do perfeito absoluto o Engenheiro-Chefe, Sacha Kovalev poderiaganhar a vida como locutor da BBC quela variedade do tipo "falando bem depressa oserros no importam". O nico que no fala fluentemente Zenia Martchenko, que substituiuIrina Yakunin ltima hora. Ficou contente, alis, em saber que Irina se recuperou. Deve tersido uma grande decepo. Ser que ela ainda vai querer continuar voando com aquelas asas?... E, por falar em acidentes, bvio que o de Zenia deve ter sido tambm muito grave. Oscirurgies plsticos fizeram um trabalho notvel, mas pode-se perceber que ela j esteve

  • bastante queimada. Ela a caula da tripulao, e todos a tratam, eu ia dizer com pena, masno. Pena muito condescendente; digamos, com uma generosidade especial... Talvez vocesteja pensando como estou me dando com a Capit Tanya. Bem, gosto muito dela, mas se airritar vou me arrepender. No resta qualquer dvida sobre quem comanda esta nave... Equanto Mdica-Comandante Rudenko, voc a conheceu h dois anos, na ConvenoAeroespacial de Honolulu, e tenho certeza de que voc jamais vai se esquecer daquela ltimafesta, e vai compreender por que a chamamos de Catarina a Grande; por trs, claro... Maschega de brincadeiras. Se eu ultrapassar meu tempo, no vou gostar nada da sobretaxa. E,alis, essas chamadas pessoais, supe-se, so absolutamente particulares. Mas como hmuitos elos na cadeia de comunicaes, no se surpreenda se receber mensagens de, querdizer, de outra rota... Fico esperando notcias suas; diga s meninas que converso com elasdepois. Saudades de vocs todos. Muitas saudades de voc e Chris. E quando eu voltar,prometo nunca mais viajar de novo. Houve uma pausa curta, sibilada, e, depois, uma voz manifestamente sinttica disse: "Istoencerra a Transmisso Quatrocentos e Trinta e Dois Barra Sete da Espaonave Leonov".Quando Caroline Floyd desligou o alto-falante, os dois golfinhos deslizaram por baixo dasuperfcie do lago, saindo para o Pacfico, quase sem deixar na gua uma nica ondulao. Ao perceber que os amigos se haviam ido, Christopher comeou a chorar. A me apanhou-ono colo e tentou consol-lo; mas muito tempo se passou antes de lograr xito.

    8.OTrnsitodeJpiter A imagem de Jpiter, com aquelas cintas de nuvem branca, aquelas tiras salpicadas de rosa-salmo, e com a Grande Mancha Vermelha a escancarar aquele olho funesto, imobilizava-sena tela de projeo do convs de vo. Estava cheia, em trs quartos, mas ningum olhava odisco iluminado; todos os olhos focalizavam o crescente de escurido na borda. Ali, na faceescura do planeta, a nave chinesa estava prestes a encontrar seu momento de verdade. Isto absurdo, pensou Floyd. impossvel ver-se qualquer coisa a quarenta milhes dequilmetros. E, no importa, o rdio nos dir tudo o que quisermos saber. O Tsien cerrara, h duas horas atrs, os circuitos de voz, de vdeo e de dados, quando asantenas de longo alcance recolheram-se sombra protetora do escudo de calor. Somente oradiofarol, multidirecional, ainda transmitia, assinalando com preciso a posio da navechinesa medida que ela mergulhava rumo quele oceano de nuvens de dimensescontinentais. O bip... bip... bip agudo era o nico som na sala de controle do Leonov. Jpiterficava dois minutos mais prximo a cada batida dessas, cuja fonte, a essa altura, talvez jfosse uma nuvem de gs incandescente, dispersando-se na estratosfera joviana. O sinal se apagava, envolto em rudo. Os bips distorciam-se; alguns desapareciamcompletamente, e em seguida a seqncia retomava. Um envoltrio de plasma crescia emtorno do Tsien, e em breve cortaria todas as comunicaes at que a nave reemergisse. Sereemergisse. Posmotri! exclamou Max. L est ele!

  • A princpio Floyd no viu nada. Depois, bem ao lado da ponta do disco iluminado,descortinou uma estrela pequenina, reluzindo onde seria impossvel existir qualquer estrela,contra a face escura de Jpiter. Parecia quase imvel, embora Floyd soubesse que deveria estar movendo-se a cemquilmetros por segundo. Em brilho, crescia lentamente. E em seguida j no era um pontosem dimenses; alongava-se. Um cometa, feito pelo homem, riscava o cu noturno de Jpiter,deixando uma cauda de incandescncia de milhares de quilmetros de comprimento. Um ltimo bip, bastante distorcido, e curiosamente discernido, ressoou do radiofarol derastreamento, e em seguida apenas o sibilo sem significado da prpria radiao de Jpiter,uma daquelas muitas vozes csmicas que nada tinha a ver com o Homem ou com suas obras. O Tsien estava inaudvel, mas j no mais invisvel. Pois todos viam que aquela fagulhapequenina, alongada, afastava-se em muito da face ensolarada do planeta e em brevedesapareceria no lado noturno. quela altura, se tudo corresse dentro dos planos, Jpiter iriacapturar a nave, neutralizando-lhe o excesso de velocidade. Quando emergisse por trs domundo gigante, seria mais um satlite joviano. A fagulha bruxuleou, apagando-se. O Tsien contornava a curva do planeta e dirigia-se para olado noturno. Nada haveria para ver, nem ouvir, at que emergisse da sombra; se tudocorresse bem, em menos de uma hora. Seria uma hora muito longa para os chineses. Para o Cientista-Chefe Vasili Orlov e o engenheiro de comunicaes Sacha Kovalev, a horapassou com muita rapidez. Muito havia para aprender observando aquela estrelinha: as horasde aparecimento e desaparecimento, e, sobretudo, o desvio Doppler do radio-farol dariainformao vital sobre a nova rbita do Tsien. Os computadores do Leonov j digeriam osnmeros, j cuspiam a projeo das horas de reemergncia, baseados em vrias suposiessobre as taxas de desacelerao na atmosfera joviana. Vasili desligou o visor do computador, girou na cadeira, afrouxou o cinto de segurana, edirigiu-se platia, que, paciente, esperava. O novo reaparecimento ser em quarenta e dois minutos. Por que vocs, espectadores, novo dar um passeio, para que ns possamos nos concentrar em deixar tudo isso em ordem? Euos vejo em trinta e cinco minutos. X! Nuukhodi! Os corpos indesejveis deixaram, relutantes, a ponte; mas, para dissabor de Vasili,regressaram todos em pouco mais de trinta minutos. Ele ainda os repreendia, por no teremacreditado em seus clculos, quando o conhecido bip... bip... bip do radiofarol derastreamento do Tsien explodiu nos alto-falantes. Vasili pareceu perplexo, mortificado, mas logo aderiu roda espontnea de aplausos; Floydno viu quem bateu palmas primeiro. Mesmo que fossem rivais, eram todos, no conjunto,astronautas, to distantes de casa quanto qualquer homem j viajara: os "Embaixadores daHumanidade", no dizer nobre do Tratado Espacial das Naes Unidas. Mesmo que nodesejassem o xito dos chineses, tampouco queriam que se deparassem com o desastre. Havia tambm um forte elemento de interesse prprio, Floyd no pde deixar de pensar.Agora as chances a favor do Leonov haviam aumentado significativamente; o Tsiendemonstrara que a manobra de aero-freamento era na verdade possvel. Os dados sobreJpiter estavam corretos; a atmosfera ali no continha surpresas inesperadas, talvez fatais. Bem disse Tanya , acho que devemos lhes mandar uma mensagem decongratulaes. Mas, mesmo que a mandssemos, eles no tomariam conhecimento dela.

  • Alguns colegas ainda pilheriavam com Vasili, que encarava os resultados do computador emdescrdito absoluto. Eu no entendo ele exclamava. Eles ainda deveriam estar atrs de Jpiter! Sacha,me faa uma leitura de velocidade do radiofarol! Outro dilogo silencioso passou-se com o computador; Vasili, em seguida, assoviou longo ebaixinho. Alguma coisa est errada. Eles esto em rbita de captura, est certo; mas essa rbita novai permitir a eles a abordagem do Discovery. A rbita em que esto agora ir lev-los paraalm de Io. Terei dados mais precisos depois de rastre-los por mais uns cinco minutos. Seja como for disse Tanya , eles devem estar numa rbita segura. As correes,podem faz-las depois. Talvez. Mas isso poderia custar dias, mesmo que tivessem o combustvel. O que euduvido. Quer dizer que ainda poderemos derrot-los! No seja to otimista. Ainda estamos a trs semanas de Jpiter. Eles podem girar dozerbitas antes de chegarmos l, e escolher a mais favorvel para a abordagem. Supondo-se, mais uma vez, que eles tenham suficiente propulsor. Claro. E quanto a isso, podemos no mximo fazer adivinhaes bem informadas. Esta conversa se deu num russo to rpido e agitado que Floyd no acompanhou. QuandoTanya apiedou-se dele e explicou que o Tsien exagerara, e se dirigia para os satlitesexternos, a primeira reao foi: Ento eles talvez estejam em srios apuros. O que voc far se eles pedirem ajuda? Voc deve estar brincando. Voc consegue imagin-los pedindo ajuda? Eles so muitoorgulhosos. De um jeito ou de outro, seria impossvel; no podemos mudar o perfil de nossamisso, como voc sabe muito bem. Mesmo que tivssemos combustvel... Voc tem razo, claro; mas talvez seja difcil explicar isso aos noventa e nove por centoda raa humana que no entendem de mecnica orbital. E devamos comear a pensar emalgumas das implicaes polticas; ficaria mal, para todos ns, se no pudermos ajudar.Vasili, me d a ltima rbita deles, assim que a calcular. Vou para a minha cabine fazer unsdeveres de casa. A cabine de Floyd, ou melhor, um tero de cabine, ainda estava em parte repleta deembalagens, muitas empilhadas nos leitos a serem ocupados por Chandra e Curnow quandoemergissem da longa inatividade. Ele dera um jeito de abrir um pequeno espao de trabalho,para fins pessoais, e recebera a promessa de contar com o luxo de dois metros cbicosadicionais, assim que algum sobrasse para ajudar na retirada da moblia. Floyd abriu sua pequena mesa de comunicaes, apertou as teclas de decriptografia,solicitando as informaes sobre o Tsien que lhe haviam sido transmitidas de Washington. Eps-se a pensar se seus anfitries teriam conseguido decodific-las; a cifra se baseava noproduto de nmeros primos de duzentos dgitos, cuja qualidade a Agncia de SeguranaNacional garantia alegando que nem mesmo o computador mais rpido conseguiria descobri-la antes do Grande Esfarelamento do fim do Universo. Uma alegao que jamais poderia serprovada, ou desmentida. Fitou mais uma vez, concentrado, as excelentes fotografias da nave chinesa, tiradas quandoainda exibia suas cores reais, e pouco antes de deixar a rbita da Terra. Havia fotos

  • posteriores no to ntidas, pois na ocasio a nave j se distanciara das cmerasindiscretas do estgio final, quando zunia rumo a Jpiter. Eram estas as que mais lheinteressavam; mais teis ainda eram os desenhos em corte e as estimativas de desempenho. Admitidas as hipteses mais otimistas, era difcil prognosticar o que os chineses contavamfazer. J deviam ter queimado no mnimo noventa por cento do propelente naquela investidalouca atravs do Sistema Solar. A menos que se tratasse literalmente de uma misso suicida coisa perfeitamente possvel , somente um plano que compreendesse hibernao eposterior salvamento faria algum sentido. E o Servio de Inteligncia no acreditava que atecnologia chinesa de hibernao estivesse to avanada a ponto de viabilizar a opo. Mas o Servio de Inteligncia costumava errar com freqncia, e com maior freqncia aindaconfundir-se com a quantidade de fatos que tinha que avaliar: o "rudo" nos circuitos deinformao. No que dizia respeito ao Tsien, fizera um timo trabalho, considerando-se aescassez de tempo, mas Floyd desejava que o material que lhe fora remetido tivesse sidofiltrado com mais cuidado. Parte era evidentemente lixo, sem qualquer conexo possvel coma misso. Entretanto, quando no se sabe o que se procura, importante evitarem-se os preconceitos epr-julgamentos; algo que primeira vista poderia parecer despropositado, ou mesmo semsentido, poderia vir a ser uma pista vital. Floyd, com um suspiro, comeou mais uma vez a folhear as quinhentas pginas de dados,deixando a mente o mais vazia, o mais receptiva possvel enquanto os diagramas, grficos, asfotografias algumas to borradas que poderiam representar quase tudo , os noticirios, aslistas de delegados s conferncias cientficas, os ttulos das publicaes tcnicas e atmesmo os documentos comerciais desenrolavam-se rapidamente correndo pela tela de altaresoluo. Obviamente, todo um sistema de espionagem industrial tivera muito trabalho; quemteria imaginado que as pegadas de tantos mdulos japoneses de holomemria, tantosmicrocontroladores suos de fluidos gasosos, tantos detectores alemes de radiao, seriamacompanhados at o leito seco de um lago em Lop Nor, o primeiro passo no caminho deJpiter? Alguns itens devem ter sido includos casualmente; no poderiam relacionar-se com a misso.Se os chineses fizeram um pedido secreto de mil sensores infravermelhos, por meio de umaempresa-fantasma em Cingapura, isto era preocupao exclusiva dos militares; pareciabastante improvvel que o Tsien esperasse ser caado por msseis de perseguio ao calor. Eesse era mesmo engraado: equipamento especializado de prospeco e pesquisa, da EmpresaGlacier Geophysics, de Anchorage, Alasca. Que cabea oca teria imaginado que umaexpedio ao espao profundo teria qualquer necessidade... Nos lbios de Floyd, o sorriso congelou; ele sentiu, na nuca, a pele arrepiar. Meu Deus, seriamuita ousadia! Mas como j haviam ousado demais, tudo agora, enfim, faria sentido. Voltou imediatamente s fotografias e ficou imaginando o projeto da nave chinesa. , eramesmo concebvel... aquelas canelagens na traseira, ao longo dos eletrodos de deflexopropulsiva, eram do tamanho quase correto... Floyd chamou a ponte. Vasili disse , voc j calculou a rbita deles? J respondeu o navegador, numa voz cuidadosamente contida. Floyd soube,

  • imediatamente, que algo acontecera. Arriscou um palpite ousado. Eles vo descer no Europa, no vo? Houve uma arfada explosiva, na outra extremidade, de incredulidade. Chyort voz'mi! Como foi que voc soube? Eu no sabia... eu acabei de adivinhar. No pode haver engano... eu verifiquei os clculos para seis locais. A manobra defreamento aconteceu exatamente conforme pretendiam. Eles esto bem no curso do Europa;no pode ter acontecido por acaso. Chegaro l em dezessete horas. E vo entrar em rbita. Talvez, no precisariam de muito combustvel. Mas que sentido faria? Vou arriscar mais uma adivinhao. Vo fazer uma sondagem rpida... e ento voaterrissar. Voc est louco... ou ser que voc sabe alguma coisa que no sabemos? No... uma questo de simples deduo. Vocs vo comear a dar cabeadas na paredepor deixarem escapar o bvio. Est bem, Sherlock, por que algum iria querer aterrissar no Europa? O que h ali, peloamor de Deus? Floyd saboreava aquele breve momento de triunfo. Ele poderia, claro, estar redondamenteerrado. O que h no Europa? A substncia mais valiosa no Universo, s isso. Falara demais. Vasili no era bobo, e tomou-lhe a resposta dos lbios: Claro... gua! Exatamente. Bilhes e bilhes de toneladas, o bastante para encher os tanques depropulso, viajar a todos os satlites, e ainda sobrar muito para abordar o Discovery e para aviagem de regresso. Detesto diz-lo, Vasili, mas nossos amigos chineses foram de novo maisespertos que ns. Admitindo-se sempre, claro, que d certo.

    9.OGelodoGrandeCanal No fosse o cu escuro feito breu, a foto bem poderia ter sido tirada em qualquer ponto dasregies polares da Terra; nada havia de estranho, por mnimo que fosse, no mar de geloenrugado que se estendia at o fundo do horizonte. Somente as cinco figuras vestidas em trajesespaciais, no primeiro plano, proclamavam que aquele panorama era de outro mundo. Mesmo quela altura os sigilosos chineses no haviam ainda liberado os nomes dostripulantes. Os annimos intrusos daquela paisagem congelada do Europa eram simplesmenteo cientista-chefe, o comandante, o navegador, o primeiro engenheiro, o segundo engenheiro.Era tambm irnico, Floyd no pde conter a reflexo, que todos na Terra j tivessem visto ahistrica fotografia uma hora antes de ela chegar ao Leonov, to mais prximo da cena. Mas astransmisses do Tsien eram lanadas em feixes to estreitos que era quase impossvelintercept-las; o Leonov dele conseguia receber apenas o radiofarol, que transmitia

  • imparcialmente em todas as direes. E at mesmo o radiofarol era inaudvel em mais dametade do tempo, nas vezes em que a rotao do Europa o