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2 Teoria informal de conjuntos A teoria dos conjuntos é uma linguagem adequada para descrever e explicar as estruturas matemáticas. A linguagem da lógica de predicados juntamente com a linguagem da teoria de conjuntos compõem um sistema dedutivo formal capaz de expressar praticamente toda a matemática de forma clara, sucinta e livre de ambiguidades. Uma teoria axiomática em lógica de primeira ordem bem aceita foi apresentada por Ernest Zermelo e Abraham Fraenkel no início do século 20, a teoria de conjuntos de Zermelo–Fraenkel (ZF) é um dos vários sistemas axiomáticos propostos para formular uma teoria de conjuntos livre de paradoxos como o paradoxo de Russel. Acrescentando aos axiomas de ZF o axioma da escolha, a teoria é chamada de ZFC e é o tratamento axiomático mais comum da teoria dos conjuntos na matemática. A teoria dos conjuntos tornou-se amplamente aceita entre os matemáti- cos como o ponto de partida para fundamentar a matemática de maneira rigo- rosa. Adotaremos uma abordagem intuitiva para a teoria dos conjunto. Depois discutiremos brevemente e informalmente a abordagem axiomática Zermelo– Fraenkel. 2.1 Abordagem intuitiva Conjunto é informalmente entendido como uma coleção de entidades, ou ob- jetos, chamados de elementos do conjunto e eles mesmos podem ser conjun- tos. Um elemento x pertence ao conjunto A se x é um elemento de A o que é denotado por x A e escrevemos a negação como x A. Essa sentença não dene conjunto, ela é circular pois usa o termo coleção que é sinônimo de conjunto e não esclarece o que são objetos. Não deni- 32

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Page 1: 2 Teoriainformaldeconjuntosprofessor.ufabc.edu.br/~jair.donadelli/discreta/NotasAulaAntigas/... · 2 Teoriainformaldeconjuntos A teoria dos conjuntos é uma linguagem adequada para

2 Teoria informal de conjuntos

A teoria dos conjuntos é uma linguagem adequada para descrever e explicar

as estruturas matemáticas. A linguagem da lógica de predicados juntamente

com a linguagem da teoria de conjuntos compõem um sistema dedutivo formal

capaz de expressar praticamente toda a matemática de forma clara, sucinta e

livre de ambiguidades. Uma teoria axiomática em lógica de primeira ordem

bem aceita foi apresentada por Ernest Zermelo e Abraham Fraenkel no início

do século 20, a teoria de conjuntos de Zermelo–Fraenkel (ZF) é um dos vários

sistemas axiomáticos propostos para formular uma teoria de conjuntos livre

de paradoxos como o paradoxo de Russel. Acrescentando aos axiomas de ZF

o axioma da escolha, a teoria é chamada de ZFC e é o tratamento axiomático

mais comum da teoria dos conjuntos na matemática.

A teoria dos conjuntos tornou-se amplamente aceita entre os matemáti-

cos como o ponto de partida para fundamentar a matemática de maneira rigo-

rosa. Adotaremos uma abordagem intuitiva para a teoria dos conjunto. Depois

discutiremos brevemente e informalmente a abordagem axiomática Zermelo–

Fraenkel.

2.1 Abordagem intuitiva

Conjunto é informalmente entendido como uma coleção de entidades, ou ob-

jetos, chamados de elementos do conjunto e eles mesmos podem ser conjun-

tos. Um elemento x pertence ao conjunto A se x é um elemento de A o que é

denotado por

x ∈ A

e escrevemos a negação como x �∈ A.

Essa sentença não define conjunto, ela é circular pois usa o termo coleção

que é sinônimo de conjunto e não esclarece o que são objetos. Não defini-

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Page 2: 2 Teoriainformaldeconjuntosprofessor.ufabc.edu.br/~jair.donadelli/discreta/NotasAulaAntigas/... · 2 Teoriainformaldeconjuntos A teoria dos conjuntos é uma linguagem adequada para

mos conjunto e assumimos que todos têm alguma noção, mesmo que possi-

velmente errada, da concepção de conjuntos.

Axiomas e termos indefinidos são inevitáveis em um tratamento rigoroso

da matemática. A abordagem moderna em matemática aceita a existência de

termos indefinidos, desde que sejam usados adequadamente. Em última aná-

lise, objetos indefinidos não nos incomodam, porque tais objetos não existem

em si mesmos, pois são determinados pelas propriedades axiomáticas hipote-

tizadas para eles, e são essas propriedades que usamos nas provas.

Convencionamos usar letras maiúsculas para conjuntos e minúsculas para

elementos. Entretanto, um conjunto pode ser elemento de outro conjunto as-

sim, um conjunto representado por uma letra minúscula deve ser entendido

como um elemento de algum outro conjunto.

Igualdade de conjuntos Dois conjuntos são iguais se, e somente se, têm os mes-

mos elementos. Ou seja, a única propriedade distintiva de um conjunto é sua

lista de membros. Essa sentença é um axioma da teoria axiomática ZF de con-

juntos.

Conjunto vazio Há um (único) conjunto sem elementos, denotado por ∅ e

chamado de conjunto vazio.

Especificação de conjuntos Da igualdade de conjuntos podemos inferir que

especificar todos os elementos de um conjunto é suficiente para defini-lo, po-

demos fazer isso de diversas formas.

Se um conjunto tem poucos elementos, podemos listá-los entre chaves “{ }”

separados por vírgulas. Por exemplo, o conjunto dos algarismos primos é for-

mado pelos números inteiros 2, 3, 5 e 7 e escrevemos {2,3,5,7}. O conjunto dos

algarismos indo-arábicos é {0,1,2,3,4,5,6,7,8,9}.

Quando os conjuntos têm muitos elementos não é viável escrever todos

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Page 3: 2 Teoriainformaldeconjuntosprofessor.ufabc.edu.br/~jair.donadelli/discreta/NotasAulaAntigas/... · 2 Teoriainformaldeconjuntos A teoria dos conjuntos é uma linguagem adequada para

seus elementos e uma solução comum, mas que só usamos quando o contexto

não dá margem a ambiguidade sobre seu significado, é o uso de reticências

(. . . ). Por exemplo, o conjunto dos naturais menores que 2.017 é descrito por

{0,1, . . . ,2.016}; o conjunto das letras do alfabeto { a,b,c, . . . , z }; o conjunto dos

naturais pares {0,2,4,6, . . . }. No geral é preciso muito cuidado e a recomenda-

ção é que essa solução deve ser evitada pois, por exemplo, o que é o conjunto

{3,5,7, . . . }?

Exercício 9. Encontre duas respostas factíveis para a pergunta acima.

Além de listar os elementos de um conjunto explicitamente, também po-

demos definir conjunto por especificação (também chamado de compreensão),

onde damos uma regra de como gerar todos os seus elementos. Podemos es-

pecificar um conjunto através de uma ou mais propriedade de seus elementos

e, nesse caso, usamos a notação como

A = { x : P (x) }

em que P é um predicado (sentença aberta). Assim, a ∈ A é verdadeiro se, e

só se, P (a) é verdadeiro. Por exemplo, { x ∈R : x2 ≤ 2} corresponde ao intervalo

fechado da reta real [−�

2,�

2]; o conjunto dos números naturais primos é

�x : x ∈N e x > 1 e ∀y ∈N,∀z ∈N(y z = x → y = 1∨ z = 1)

�.

Observamos que {2,3,5,7} pode ser especificado. Observamos também que os

elementos de um conjunto podem, eles mesmos, serem conjuntos

X = { { a }, {b }, {c } }.

Observamos, ainda, que conjuntos não contêm elementos repetidos e não existe

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ordem na descrição dos elementos.

{1,1,1} = {1}

{1,2,1,1} = {1,2}

{1,2,3} = {1,3,2}

= {2,3,1}

= {2,1,3}

= . . .

Paradoxo de Russel A definição de um conjunto pode usar outros conjuntos

e, nesse caso, deve-se tomar cuidado para evitar definições autorreferentes, ou

circulares, que podem não ter sentido. Um exemplo clássico: o que é o conjunto

S = { x : x �∈ x }?, S ∈ S? Conhecido pelo nome Paradoxo de Russel, teve um papel

muito importante no desenvolvimento da teoria de conjuntos.

2.1.1 Inclusão e conjunto das partes

Definição 11. O conjunto A é subconjunto de um conjunto B, fato denotado

por A ⊆ B se, e só se, é verdadeira a sentença “todo elemento de A é elemento de

B”, ou seja, vale

∀x(x ∈ A → x ∈ B).

Usamos A � B para expressar A ⊆ B e A �= B e dizemos que é subconjunto pró-

prio de B. Se A não é subconjunto de B denotamos A �⊆ B.

Observemos que

A �⊆ B ⇔ não(∀x(x ∈ A → x ∈ B))

⇔ ∃x, não(x ∈ A → x ∈ B)

⇔ ∃x(x ∈ A e x �∈ B)

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e que

A = B ⇔ A ⊆ B e B ⊆ A.

e, assim, A �= B ⇔ A �⊆ B ou B �⊆ A.

Teorema 1. Para qualquer conjunto A, ∅⊆ A.

Demonstração. A implicação x ∈∅→ x ∈ A é tautologia para todo x pois x ∈∅é falso.

Definição 12. O conjunto das partes de A, isto é, conjunto formado por todos

os subconjuntos de A.

2A denota o conjunto das partes de A, algumas referências usam ℘(A) ou

P (A). Aqui usaremos 2A e℘(A) conforme a conveniência.

Exercício 10. Prove que se A ⊆ B e B ⊆C , então A ⊆C .

Exercício 11. Descreva o conjunto das partes do conjunto vazio. Descreva o con-

junto das partes do conjunto { a }.

2.1.2 Operações sobre conjuntos

As operações sobre conjuntos definem novos conjuntos. A seguir descrevemos

as quatro operações mais usuais e suas propriedades.

União A∪B denota a união dos conjuntos A e B que é o conjunto dos elemen-

tos que pertencem a A ou a B

A∪B = { x : x ∈ A ou x ∈ B }.

Intersecção A∩B denota a intersecção dos conjuntos A e B que é o conjunto

dos elementos que pertencem a A e a B

A∩B = { x : x ∈ A e x ∈ B }.

A e B são disjuntos se A∩B =∅.

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Page 6: 2 Teoriainformaldeconjuntosprofessor.ufabc.edu.br/~jair.donadelli/discreta/NotasAulaAntigas/... · 2 Teoriainformaldeconjuntos A teoria dos conjuntos é uma linguagem adequada para

Diferença A \ B denota o conjunto dos elementos pertencem a A e não a B

A \ B = { x : x ∈ A e x �∈ B }.

Diferença simétrica A �B denota o conjunto dos elementos que pertencem

exclusivamente a A ou a B , não a ambos

A�B = { x : x ∈ A∪B e x �∈ A∩B }.

A B

A∪B

A B

A∩B

A B

A \ B

A B

A�B

Figura 1: Diagrama de Venn das operações sobre conjuntos.

Fica como exercício a verificação das propriedades descritas na tabela 5.

Algumas seguem das equivalências lógicas notáveis, exercício 7, página 24 (as

outras seguem de alguma equivalência lógica que você deve provar).

Exercício 12. Para quaisquer conjuntos A e B

A∩B ⊂ A ⊂ A∪B.

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Identidade

A∩ (C \ A) = ∅A∪∅ = A

A∩∅ = ∅

IdempotênciaA∪ A = A

A∩ A = A

DistributivaA∩ (B ∪C ) = (A∩B)∪ (A∩C )

A∪ (B ∩C ) = (A∪B)∩ (A∪C )

ComutativaA∩B = B ∩ A

A∪B = B ∪ A

AssociativaA∩ (B ∩C ) = (A∩B)∩C

A∪ (B ∪C ) = (A∪B)∪C

AbsorçãoA∪ (A∩B) = A

A∩ (A∪B) = A

De MorganC \ (A∪B) = (C \ A)∩ (C \ B)

C \ (A∩B) = (C \ A)∪ (C \ B)

Tabela 5: Propriedades das operações.

Exercício 13. Seja R um conjunto de conjuntos. Denote por�

R a união dos

elementos de R, por exemplo, se A = { a,b,c }, então�

A = a ∪b ∪ c. Tome R ={ { {1}, {1,2}}, { {1}, {1,3}}, { {2}, {2,3}} } e descreva os conjuntos

�R e

��R.

Definição 13. Se X é um conjunto então o conjunto P é uma partição de X se

1. para todo a ∈ P, a ∈ 2X \ {∅ };

2. para todo a ∈ P e todo b ∈ P, se a �= b então a ∩b =∅;

3.�

P = X .

Exercício 14. Seja Z o conjunto dos números inteiros. Para cada i ∈ {0,1,2} de-

note por Ri o subconjunto dos números inteiros que deixam resto i quando divi-

didos por 3. Prove que {R0,R1,R2} é uma partição de Z.

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2.1.3 Complementos

Seja A um conjunto. O equivalente em teoria de conjuntos da negação lógica

é { x : x �∈ A }, o “complemento” de A. Se permitimos complementos, estamos

necessariamente trabalhando dentro de um Universo, uma vez que o comple-

mento do conjunto vazio deve conter todos os objetos possíveis, o que não é

conjunto.

Uma abordagem usual é usarmos a diferença de conjuntos com comple-

mentos relativos, como no enunciado das Leis de De Morgan acima. Essa abor-

dagem é possível quando trabalhamos dentro de um contexto onde o universo

está entendido e é limitado a um conjunto. Por exemplo, o conjunto dos nú-

meros inteiros é o universo da aritmética e o conjunto dos números reais é o

universo da análise na reta real.

Deve ficar claro que correremos um risco se quisermos trabalhar com di-

ferentes classes de objetos ao mesmo tempo, o de especificar algo que não é

conjunto. Um universo na Teoria dos Conjuntos é muito maior do que qual-

quer coisa que possamos usar e, mais que isso, é consequência dos axiomas

que tal construção não é conjunto, como já dissemos.

2.2 Abordagem axiomática

A teoria axiomática dos conjuntos utilizada na matemática pode ser formali-

zada uma coleção de axiomas que nos permitem construir, essencialmente a

partir do zero, um universo grande o suficiente para manter toda a matemática

sem contradições aparentes, evitando os paradoxos que podem surgir na teoria

intuitiva dos conjuntos.

Um dos problemas com a teoria intuitiva dos conjuntos é que a especifi-

cação irrestrita de conjuntos é muito forte, levando a contradições. Na teoria

axiomática conjuntos a especificação é mais restritiva. Vamos descrever os axi-

omas da teoria ZFC abaixo, mas na prática, aqui, só é preciso saber que po-

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demos definir conjuntos pelos métodos: (i ) listando seus elementos, (i i ) to-

mando a união (ou qualquer outra operação) de conjuntos, (i i i ) tomando o

conjunto das partes de um conjunto, ou (i v) usando algum predicado para se-

lecionar elementos de algum domínio. Lembremos que na teoria axiomática

tudo é conjunto, não há distinção entre elementos e conjuntos. A ideia é que

podemos representar qualquer entidade matemática como conjunto.

Os axiomas da ZF são adequadamente formulados na linguagem da lógica

clássica porém a seguir os axiomas são escritos informalmente e o nosso obje-

tivo aqui é ganhar familiaridade com tais axiomas.

Axioma da existência Existe um conjunto que não tem elementos. Na lingua-

gem formal

∃a∀x(x �∈ a).

Axioma da extensionalidade Quaisquer dois conjuntos com os mesmos ele-

mentos são iguais.

∀a∀b((∀x(x ∈ a ↔ x ∈ b)) → a = b).

Por esse axioma o conjunto vazio é único.

Axioma do par Dados conjuntos y e z, existe um conjunto a tal que se x ∈ a

então x = y ou x = z. Pelo axioma anterior esse conjunto é único, { y, z }.

∀y∀z∃a∀x(x ∈ a ↔ x = y ∨x = z).

Axioma da união Para qualquer conjunto z existe um conjunto�

z tal que

y ∈ �z se, e só se, y ∈ w para algum w ∈ z. De modo pouco mais informal, se

x = { y, z, w, . . . } então y ∪ z ∪w ∪ · · · é um conjunto.

∀z∃a∀x(x ∈ a ↔∃y(x ∈ y ∧ y ∈ z)).

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Axioma das partes Para qualquer conjunto y , existe o conjunto a tal que x ∈ a

se, e só se, x ⊆ y .

∀y∃a∀x(x ∈ a ↔∀z(x ∈ x → z ∈ y)).

Axioma da especificação De um conjunto y e um predicado P , formamos o

conjunto { x ∈ y : P (y) }.

∀y∃a∀x(x ∈ a ↔ x ∈ y ∧P (x)).

Notemos que a definição de união como foi dada, { x : x ∈ A ∨ x ∈ B } não

se enquadra nesses axiomas. Nessa teoria a união é dada axiomaticamente e

a especificação permite escrever a intersecção. Se x é não vazio então�

x, a

intersecção dos elementos de x é

�y ∈

�x : ∀z ∈ x, y ∈ z

�.

Esse axioma também é chamado de compreensão, separação ou seleção. De

fato, especificação não é um axioma, mas um esquema de axiomas, um para

cada predicado que pode ser escrito na linguagem formal da teoria dos con-

juntos.

Axioma do infinito Existe um conjunto indutivo3, que tem ∅ como elemento

e, se x é elemento, também é x ∪ { x }

∃a(∅ ∈ a ∧∀x(x ∈ a → x ∪ { x } ∈ a))

Sem esse axioma, só obtemos conjuntos finitos.

3Isto dá uma codificação deN, ∅ representa 0 e x∪{ x } representa x+1. Efetivamente, define

cada número natural como o conjunto de todos números menores, e.g., 0 = ∅, 1 = {0}, 2 ={0,1}, 3 = {0,1,2} = {∅, {∅ }, {∅, {∅ } } }.

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Axioma da fundação Cada conjunto não vazio a tem um elemento b com a∩b =∅.

∀a(a �=∅→∃b(b ∈ a ∧a ∩b =∅)).

Também chamado de axioma da regularidade, esse axioma evita construções

“estranhas” como x = { x } e permite indução em conjuntos bem-ordenados.

Axioma da substituição Dado um conjunto x e um predicado R(s, t ) com a

propriedade ∀s∃!tR(s, t ), existe o conjunto z tal que y ∈ z se, e só se, existe

w ∈ x para o qual R(w, y) é verdadeiro.

Esse também é um esquema de axiomas e é usado em partes mais sofisti-

cadas da teoria dos conjuntos.

O último axioma é controverso para alguns matemáticos e quando usado é

explicitamente mencionado. Embora seu enunciado pareça coerente há alguns

enunciados equivalentes, ou decorrentes dele, que não são intuitivos como,

por exemplo, o paradoxo de Banach–Tarski. Também segue desse axioma a

afirmação de que os números reais podem ser ordenado de modo que qualquer

subconjunto não vazio contenha um menor elemento.

Axioma da escolha Para todo conjunto x de conjuntos não vazios e dois-a-

dois disjuntos existe um conjunto z que tem exatamente um elemento em co-

mum com cada conjunto de x.

O conjunto z “escolhe” um elemento de cada y em x. Esse axioma tem um

enunciado equivalente que usa uma função escolha; adiante veremos que fun-

ção é um conjunto. Para qualquer conjunto x formado de conjuntos não-vazios,

existe uma função f que atribui para cada y ∈ x uma imagem f (y) ∈ y.

Por fim, como já dissemos, note-se a forma diferente com que se escreve um

conjunto por especificação, com respeito a teoria intuitiva. Agora não temos

mais o paradoxo de Russell pois se

S = { x ∈ A : x �∈ x }

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então S ∈ S se e só se S ∈ A e S �∈ S o que não é contraditório, a conclusão é

que S �∈ A. Como subproduto temos o fato já mencionado de que em teoria dos

conjuntos não há conjunto universo.

Teorema ¬∃y∀x(x ∈ y).

De fato, se existisse então tomaríamos-o por A no argumento acima o que

daria uma contradição pois S �∈ A.

Exercício 15. Dados os conjuntos A e B, construa a partir dos axiomas o con-

junto A∪B.

2.3 Par ordenado e Produto cartesiano

Dados dois conjuntos não vazios A e B , sejam a ∈ A e b ∈ B . Pelo axioma do

Par { a,b } é conjunto e por Extensionalidade { a,b } = {b, a }. Por par ordenado

entendemos um par de elementos de modo que a ordem em que tais elementos

se apresentam importam e, usualmente, denotamos-o por (a,b), de modo que

(a,b) �= (b, a) exceto quando a = b. Também, denotamos por A ×B o conjunto

de todos os tais pares (a,b) com a ∈ A e b ∈ B , isto é, intuitivamente

A×B = { (a,b) : a ∈ A e b ∈ B }

chamado de produto cartesiano de A com B . A seguir vamos construir o pro-

duto cartesiano (informalmente) dentro da teoria axiomática.

A definição mais simples de par ordenado em termos de conjunto foi dada

pelo matemático polonês Kazimierz Kuratowski.

Definição 14. O par ordenado (a,b) é definido por

(a,b) = { { a }, { a,b } }.

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Notemos que se a ∈ A e b ∈ B então { a } e { a,b } são conjuntos pelo axioma

do Par, o qual também nos dá que {{ a }, { a,b } } é conjunto.

Ainda { a } ∈℘(A ∪B) e { a,b } ∈℘(A ∪B), portanto {{ a }, { a,b } } ⊆℘(A ∪B),

ou seja, { { a }, { a,b } } = (a,b) ∈℘(℘(A ∪B)), portanto, existe o conjunto cujos

elementos são todos os pares (a,b) com a ∈ A e b ∈ B , é o conjunto dada pela

especificação

�z ∈℘(℘(A∪B)) : ∃x,∃y(x ∈ A∧ y ∈ B ∧ z = (x, y))

sempre que A e B são ambos não vazio.

Agora, precisamos mostrar que a definição (14) faz o que promete.

Teorema 2. Se (a,b) = (x, y) então a = x e b = y.

Corolário 3. Se a �= b então (a,b) �= (b, a).

Para provar o teorema usaremos o seguinte resultado auxiliar. O corolário

segue imediatamente do teorema.

Lema 4. Se { a, x } = { a, y } então x = y.

Demonstração. Se x = a então y = a, portanto x = y . Suponha x �= a. Se { a, x } ={ a, y }, então x ∈ { a, y }, logo x = a ou x = y . Portanto, x = y .

Demonstração do teorema. A prova do teorema é por casos: (1) a = b e (2) a �=b. Suponha que (a,b) = (x, y), isto é, { { a }, { a,b } } =

�{ x }, { x, y }

�.

Caso 1. Se a = b então (a,b) = { { a } } e temos as seguintes identidades4

�{ x }, { x, y }

�= { { a }, { a,b } } = { { a } }

de modo que { x } = { x, y } = { a }. Portanto x = y e x = a, ou seja, x = y = a = b.

Caso 2. Se {{a}, {a,b}} = {{x}, {x, y}} então {x} ∈ {{a}, {a,b}}. Se {x} ∈ {{a}, {a,b}}

então {x} = {a} ou {x} = {a,b}. Se a �= b então {x} = {a}. Agora, se {{a}, {a,b}} =4Escrevemos r = s = t com o significado de r = s e s = t .

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{{x}, {x, y}} e {x} = {a} então {x, y} = {a,b}, pelo lema acima. Se {x} = {a} então

x = a. Se {x, y} = {a,b} e x = a, então y = b, pelo lema acima.

Portanto x = a e y = b.

Como no produto cartesiano os pares são ordenados, temos que A ×B �=B × A (exceto quando A = B ou A =∅ ou B =∅).

2.3.1 Relações

Nesta seção definimos essa duas estruturas matemáticas muito importantes

como conjuntos. Um estudo mais específico de relações será apresentado mais

adiante e em funções não nos aprofundaremos, contamos com algum conhe-

cimento prévio do leitor.

Definição 15. Se A e B são conjuntos, uma relação com domínio A e contrado-

mínio B é um subconjunto de um produto cartesiano A×B. Se A = B escrevemos

A2 para A×B e dizemos que R ⊆ A2 é uma relação sobre A, ou em A.

Se R ⊆ A×B e (a,b) ∈ R escrevemos a R b.

Por exemplo, < é uma relação sobre N e ao invés de escrevermos (x, y) ∈<escrevemos x < y , como em 3 < 4 ao invés de (3,4) ∈<.

Por exemplo, se A é um conjunto então R = {(x,B) ∈ A ×2A : x ∈ B} é uma

relação e x R B é o mesmo que x ∈ B .

Exemplo 4. Tomemos A = {1,2,3,4} e consideremos

R = {(1,1), (2,1), (2,2), (3,3), (3,2), (3,1), (4,4), (4,3), (4,2), (4,1)} ⊆ A× A.

O conjunto R é uma relação em A por definição. Desde que (1,1) ∈ R, temos 1 R 1.

Da mesma forma 2 R 1 e 2 R 2 e assim por diante. No entanto, por exemplo,

(3,4) �∈ R, então 3 �R 4. Agora, consideremos o seguinte conjunto:

S = {(1,1), (1,3), (3,1), (3,3), (2,2), (2,4), (4,2), (4,4)} ⊆ A× A.

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Aqui temos 1 S 1, 1 S 3, 4 S 2, 3 �S 4 e 2 �S 1. Notemos que s pode ser entendido

como significando “tem a mesma paridade que”. Ademais

R ∩S = {(1,1), (2,2), (3,3), (3,1), (4,4), (4,2)} ⊆ A× A

é uma relação em A. A expressão x (R ∩S) y pode ser entendida com “x ≥ y e têm

a mesma paridade".

Definição 16. Uma relação R ⊆ A ×B é uma função se para cada x ∈ A existe

um único y ∈ B tal que (x, y) ∈ R, nesse caso escrevemos R : A → B, o único y tal

que (x, y) ∈ R é denotado por R(x) é dito o valor que a função assume em x.

A função f que o axioma da escolha afirma existir é um subconjunto de

x×�x, ou seja, f : x →�

x, com a propriedade de que f (y) ∈ y , para todo y ∈ x.

O conjunto de todas as função de A em B é um subconjunto de ℘(A ×B)

denotado por B A.

2.3.2 Composição e inversa de relações

As relações podem ser compostas.

Definição 17. Dadas as relações R ⊆ A×B e S ⊆ B ×C definimos a relação com-

posta

(S ◦R) ⊆ A×C

pela regra (x, z) ∈ (S ◦R) se, e somente se, existe y ∈ B tal que (x, y) ∈ R e (y, z) ∈ S.

Em notação usual

x (S ◦R) z ⇔∃y(x R y ∧ y S z)

Não é difícil ver que a composição ordinária de funções é um caso especial

de composição de relação. Por exemplo, considere as relações

R = {(1,1), (1,4), (2,3), (3,1), (3,4)}

S = {(1,0), (2,0), (3,1), (3,2), (4,1)}

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A composição delas é

S ◦R = {(1,0), (1,1), (2,1), (2,2), (3,0), (3,1)}

Definição 18. Dada uma relação R ⊆ A×B, a relação inversa R−1 é tal que

x R−1 y ⇔ y R x.

Ao contrário das funções, toda relação tem uma inversa. Por exemplo, tome

A = {1,2,3} e

R = {(1,2), (1,3), (2,3)}

A relação inversa é

R−1 = {(2,1), (3,1), (3,2)}.

Ademais

R−1 ◦R = {(1,1), (1,2), (2,2), (2,1)}

R ◦R−1 = {(2,2), (2,3), (3,3), (3,2)}

Exercício 16. Qual é a inversa da relação < sobreN?

Para uma relação genérica, usamos símbolos como ∼, ≡, �, ≈ em vez de R,

S ou qualquer letra do alfabeto.

2.3.3 Classificação de relações

Uma relação binária ∼ sobre um conjunto A pode ou não ter uma das seguintes

propriedades

reflexiva para todo a ∈ A, a ∼ a;

irreflexiva para todo a ∈ A, a �∼ a;

simétrica para todo a ∈ A, para todo b ∈ A, se a ∼ b então b ∼ a;

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antissimétrica para todo a ∈ A, para todo b ∈ A, se a ∼ b e b ∼ a então b = a;

transitiva para todo a ∈ A, para todo b ∈ A, para todo c ∈ A, se a ∼ b e b ∼ c

então a ∼ c.

Por exemplo, em R a relação x ∼ y se, e só se, |x−y | < 1 é reflexiva, simétrica

e transitiva.

Uma relação pode ser simétrica e antissimétrica ao mesmo tempo, ou pode

não ser nem simétrica nem antissimétrica. Uma relação pode ser nem reflexiva

e nem irreflexiva porém, se o conjunto A não é vazio, uma relação não pode ser

ao mesmo tempo reflexiva e irreflexiva sobre A.

Por exemplo, as relações sobre A = {1,2,3,4}

1. R1 = { (1,1), (1,2), (2,1), (2,2), (3,3), (3,4), (4,1), (4,4)} é reflexiva.

2. R2 = { (1,1), (1,2), (2,1)} é simétrica.

3. R3 = { (1,1), (1,2), (2,1), (2,2), (3,3), (4,1), (1,4), (4,4)} é reflexiva e simétrica.

4. R4 = { (2,1), (3,1), (3,2), (4,1), (4,2), (4,3)} é irreflexiva, antissimétrica e tran-

sitiva.

5. R5 = { (1,1), (1,2), (1,3), (1,4), (2,2), (2,3), (2,4), (3,3), (3,4), (4,4)} é reflexiva,

antissimétrica e transitiva.

6. R6 = { (3,4)} é irreflexiva, antissimétrica e transitiva.

Exercício 17. A seguir, considere A = {1,2,3,4} e B = {1,2,3} e classifique, quanto

as propriedades acima, as relações

1. R1 = { (1,2), (2,1), (1,3), (3,1)}.

2. R2 = { (1,1), (2,2), (3,3)}.

3. R3 = { (1,1), (2,2), (3,3), (2,3)}.

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4. R4 = { (1,1), (2,3), (3,3)}.

5. R5 = { (1,2), (2,3), (3,1)}.

2.4 Conjuntos numéricos

Não é difícil definir o conjunto N dos números naturais como conjunto na te-

oria axiomática dos conjuntos usando o axioma do infinito. Uma construção

conhecida é devida ao matemático John von Neumann5. A partir da constru-

ção, definimos as operações aritméticas, a relação de ordem e tudo o mais da

aritmética pode ser deduzido formalmente dentro da teoria dos conjuntos.

A partir dos naturais podemos construir os inteiros usando produto carte-

siano e um tipo especial de relação chamada de relação de equivalência. Tam-

bém, podemos construir os números racionais e até os reais com, por exem-

plo, os cortes de Dedekind. A partir dessas construções podemos definir as

operações aritméticas usuais, definir a relação de ordem usual e provar as pro-

priedades elementares desses objetos como comutatividade, associatividade,

distributividade e assim por diante.

Neste texto, tais propriedades são assumidas como axiomas e a definição

dos conjuntos é a intuitiva. Esse será o ponto de partida para, no próximo ca-

pítulo, estudarmos algumas técnicas de demonstração.

2.4.1 Números naturais e suas propriedades aritméticas e de ordem

O conjunto dos números naturais é o conjunto

N= {0,1,2, . . . }

5Também foi um precursor do computador digital, os computadores pessoais têm uma ar-

quitetura (um esquema de interligar memória, cpu, dispositivos de entrada e saída) chamada

arquitetura de von Neumann.

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que munido da adição6, da multiplicação7 e da relação8 � usuais nos números

naturais, satisfazem as seguintes propriedades: para quaisquer a,b,c,m,n, p

números naturais

1. (associativa) (a +b)+c = a + (b +c) e (m ·n) ·p = m · (n ·p);

2. (comutativa) a +b = b +a e m ·n = n ·m;

3. (elemento neutro) 0 é o único natural tal que a +0 = 0+a = a e 1 é único

tal que m ·1 = 1 ·m = m e 1;

4. (cancelamento) se a + c = b + c então a = b e, para a multiplicação, se

mp = np e p �= 0 então m = n;

5. (distributiva) (a +b) ·m = a ·m +b ·m;

6. se a +b = 0 então a = b = 0, se m ·n = 1 então m = n = 1.

7. se m ·n = 0 então m = 0 ou n = 0;

8. (reflexiva) a � a;

9. (antisimétrica) se a � b e b � a então b = a;

10. (transitiva) se a � b e b � c então a � c;

11. (comparabilidade) a � b ou b � a;

12. (tricotomia) vale uma e só uma das relações

a = b, a < b, b < a;6+ é uma operação binária + : N×N→N e escrevemos a +b para denotar +(a,b).7· é uma operação binária · : N×N→N e escrevemos a ·b para denotar ·(a,b).8Escrevemos a � b se existe um natural m tal que a +m = b. Escrevemos a < b caso m �= 0.

Ainda a � b denota b � a e a > b denota b < a.

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13. (compatibilidade) se a � b então a + c � b +c; se a � b então a · c � b · c.

Uma propriedade muito importante da estrutura (N,+, ·,�) é que a relação

de ordem nos dá uma boa-ordem.

Definição 19. Dizemos que a ∈N é o menor elemento de A ⊂N se, e só se,

a ∈ A e ∀x ∈ A, a � x.

Denotamos o menor elemento de A por min(A).

Princípio da Boa Ordem (PBO) Para todo A ⊂N, se A é não-vazio então A tem

um menor elemento.

2.4.2 Números inteiros e suas propriedades aritméticas e de ordem

O conjunto

Z= �. . . ,−2,−1,0,1,2, . . .

é o conjunto dos números inteiros que munidos das funções (operações) soma

e produto +, · :Z×Z→Z e da relação de ordem � satisfazem as 38 propriedades

listadas a seguir.

Com relação a soma Para quaisquer a,b,c ∈Z

1. (associativa) a + (b +c) = (a +b)+c;

2. (comutativa) a +b = b +a;

3. (elemento neutro) a + 0 = a e 0 é o único inteiro que satisfaz essa sen-

tença;

4. (elemento simétrico) a + (−a) = 0 e −a é o único inteiro que satisfaz essa

sentença;

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5. (cancelativa) se a +b = a + c então b = c;

6. (troca de sinal) −(a +b) = (−a)+ (−b) =−a −b.

Com relação ao produto Para quaisquer a,b,c ∈Z

7. (associativa) a · (b · c) = (a ·b) · c;

8. (comutativa) a ·b = b ·a;

9. (elemento neutro) a ·1 = a e 1 é o único inteiro que satisfaz essa sentença;

10. (distributiva) a · (b +c) = a ·b +a · c;

11. (cancelativa)

b = c =⇒ a ·b = a · c

a �= 0 e a ·b = a · c =⇒ b = c;

12. (anulamento) se a ·b = 0 então a = 0 ou b = 0.

13. se a ·b = 1 então a = 1 e b = 1 ou a =−1 e b =−1.

Com relação à ordem Para quaisquer a,b,c ∈Z

13. (reflexiva) a � a;

14. (antissimétrica) se a � b e b � a então b = a;

15. (transitiva) se a � b e b � c então a � c;

16. (comparabilidade) a � b ou b � a;

17. (tricotomia) vale uma e só uma das relações

a = b, a < b, b < a;

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18. (compatibilidade)

a � b ⇐⇒ a +c � b +c

c ∈N e a � b ⇐⇒ a · c � b · c.

19. a < b e b � c ⇒ a < c.

20. a � b e b < c ⇒ a < c.

21. a � b ⇔−a ≥−b.

22. a < b ⇔−a >−b.

23. Regras de sinal

(a) a > 0 e b > 0 ⇒ ab > 0

(b) a < 0 e b < 0 ⇒ ab > 0

(c) a < 0 e b > 0 ⇒ ab < 0

24. a � b e c � d ⇒ a + c � b +d .

25. a � b e c < d ⇒ a + c < b +d .

26. a2 ≥ 0.

27. a < b e c > 0 ⇒ ac < bc

28. a < b e c < 0 ⇒ ac > bc

29. ac � bc e c < 0 ⇒ a ≥ b

Definição 20. Definimos, para todo a ∈Z, o valor absoluto ou módulo de a por

|a| :=

a se a ≥ 0,

−a caso contrário.

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O valor absoluto satisfaz as seguintes propriedades para quaisquer inteiros

a,b

30. |a|≥ 0, ademais |a| = 0 se e só se a = 0.

31. −|a|� a � |a|.

32. |−a| = |a|.

33. |ab| = |a||b|.

34. |a|� b ⇔−b � a � b.

35. ||a|− |b||� |a +b|� |a|+ |b|.

36. |a|− |b|� |a −b|� |a|+ |b|.

Definição 21. O subconjunto não vazio A ⊂Z é limitado inferiormente se existe

m ∈Z (chamado cota inferior) tal que

∀a ∈ A, m � a.

Se m ∈ A, então m é menor elemento ou mínimo de A, denotado por min(A).

37. Todo A ⊂ Z não vazio e limitado inferiormente tem um elemento mí-

nimo.

38. (propriedade arquimediana) Para todos a,b ∈ Z com b �= 0, existe n ∈ Ztal que n ·b > a.

Exercícios

1. Tome A = {1, {1}, {2}}. Quais das afirmações a seguir são verdadeiras?

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(a) ∅⊆ {∅};

(b) ∅⊆∅;

(c) ∅ ∈ {∅};

(d) ∅= {∅};

(e) {∅} ⊂ {∅, {∅}};

(f) {∅} ∈ {∅, {∅}};

(g) {∅} = {∅, {∅}};

(h) 1 ∈ A;

(i) {1} ∈ A;

(j) {2} ∈ A;

(k) {1} ⊆ A;

(l) {2} ⊆ A;

(m) {{1}} ⊆ A;

(n) {{2}} ⊆ A;

(o) {2}� A;

2. Verifique cada uma das propriedades das operações de conjunto listas na

tabela 5 usando equivalências lógicas.

3. Enuncie as leis de De Morgan no caso de união e interseção com mais de

dois conjuntos.

4. Escreva o conjunto das partes de

(a) {1,2,3};

(b)�{1}, {2}, {3}

�.

(c)�{1,2}, {3}

�.

5. Tome R = { { {1}, {1,2}, {1,2,3}}, { {∅, {1}, {1,3}} }, { { {∅ }, {2}, {2,3}} } } e es-

creva os conjuntos�

R e��

R.

6. Construa os seguintes conjuntos a partir dos axiomas da teoria ZFC. Da-

dos os conjuntos A e B ,

(a) A∪B ;

(b) todas as relações de A em B ;

(c) todas as funções de A em B .

7. Se f ⊆ X ×Y é uma função e B ⊆ Y então definimos

f −1(B) = {x ∈ X : f (x) ∈ B}

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Verifique que

(a) f −1(A∪B) = f −1(A)∪ f −1(B)

(b) f −1(A∩B) = f −1(A)∩ f −1(B)

(c) f −1(Y \ B) = X \ f −1(B)

8. Considere as seguintes relações sobre {0,1,2,3,4}

R = {(1,1), (1,4), (2,3), (3,1), (3,4)}

S = {(1,0), (2,0), (3,1), (3,2), (4,1)}

Determine S ◦R, R ◦S, S ◦S e R ◦R.

9. Determine a relação inversa de R = {(1,2), (1,3), (2,3)} sobre A = {1,2,3}.

Determine também R−1 ◦R e R ◦R−1.

10. Considere o conjuntoN×N com a ordem � definida por:

(x, y)� (a,b) se

x < a ou

x = a e y ≤ b.

Ordene os seguintes elementos de acordo com a ordem�: (1,2), (2,1), (3,1),

(1,1), (2,2), (3,3), (1,4), (3,5), (2,4), (4,4), (4,1).

É verdade que todo subconjunto não vazio de N×N tem um menor ele-

mento com respeito a tal ordem?

56